Uma proposta didático pedagógica para o ensino do...

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Uma proposta didático pedagógica para o ensino do conceito de Probabilidade Geométrica José Marcos Lopes , Inocêncio Fernandes Balieiro Filho Departamento de Matemática, FEIS, UNESP 15385-000, Ilha Solteira, SP E-mail: [email protected], [email protected] José Antonio Salvador Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Matemática Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310 E-mail: [email protected] Palavras-chave: Ensino, Probabilidade Geométrica, Fractais, Resolução de Problemas. Resumo: Apresentamos neste trabalho uma proposta didático pedagógica para o ensino do conceito de Probabilidade Geométrica por meio do uso de fractais e da resolução de problemas. Formulamos alguns problemas em que as soluções obtidas pelos próprios alunos, os induzem a construção/reconstrução do conceito de Probabilidade Geométrica. Assim, em um primeiro momento, usamos problemas para ensinar Matemática. Os problemas foram formulados utilizando-se o fractal conhecido como Triângulo de Sierpinski. Depois do trabalho com os problemas, o professor sistematiza o conceito estudado mediante o formalismo e o rigor característicos da Matemática. 1 Introdução O azar e os fenômenos aleatórios são inerentes às nossas vidas e aparecem em muitas situações cotidianas ou de nossa vida profissional, como por exemplo, na previsão do tempo, num diagnóstico médico, no estudo da possibilidade de contratar um seguro de vida, no número de acidentes em uma cidade, etc. No Brasil, o conceito de Probabilidade Geométrica geralmente não é apresentado nos livros de Matemática para o Ensino Médio. Lima (2001), em uma análise de 12 coleções de livros didáticos de Matemática utilizadas nos três anos do Ensino Médio das escolas brasileiras, encontrou o tópico Probabilidade Geométrica em apenas uma delas. Em problemas de probabilidade geométrica, os possíveis acontecimentos podem ser representados por pontos de um segmento de reta, por figuras planas ou ainda por sólidos. Desde que o número de acontecimentos seja usualmente não contável, não podemos definir probabilidade como a razão entre o número de casos favoráveis e o número total de casos. Todavia, podemos ainda definir a probabilidade de um evento de uma maneira natural e calculá-la por meio de considerações geométricas (EISEN, 1969). Parece consenso que a noção de Probabilidade Geométrica foi introduzida pelo matemático e naturalista francês Georges Louis Leclerc, o conde de Buffon. Em 1777, Bufon apresenta em seu livro Essai d’Arithmétique Morale, o seguinte problema que ficou conhecido como o Problema da Agulha de Buffon: “Considere uma família de retas paralelas em 2 , onde duas paralelas adjacentes arbitrárias distam de a. Tendo-se lançado, ao acaso, sobre o plano, uma agulha de comprimento l (l a), determinar a probabilidade de que a agulha intercepte uma das retas.” Segundo Tunala (1992), para um grande número de lançamentos da agulha, a solução desse problema nos sugere um método experimental para o cálculo do valor aproximado de π . Na Matemática do final do século dezenove e início do século vinte apareceram algumas pesquisas sobre conjuntos de pontos do plano euclidiano, considerados pelos matemáticos desse período, como bizarros e estranhos. Em 1834, Bernhard Bolzano (1781-1848) apresentou o primeiro exemplo de uma função contínua que não possui derivada em nenhum de seus pontos e, em 1860, Weierstrass (1815- 1897) apresentou uma função contínua expressa como soma de cossenos. Em 1834, B. Bolzano (1781 62 ISSN 2317-3297

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Uma proposta didático pedagógica para o ensino do conceito de Probabilidade Geométrica

José Marcos Lopes, Inocêncio Fernandes Balieiro Filho

Departamento de Matemática, FEIS, UNESP 15385-000, Ilha Solteira, SP

E-mail: [email protected], [email protected]

José Antonio Salvador Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Matemática

Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310 E-mail: [email protected]

Palavras-chave: Ensino, Probabilidade Geométrica, Fractais, Resolução de Problemas.

Resumo: Apresentamos neste trabalho uma proposta didático pedagógica para o ensino do conceito de Probabilidade Geométrica por meio do uso de fractais e da resolução de problemas. Formulamos alguns problemas em que as soluções obtidas pelos próprios alunos, os induzem a construção/reconstrução do conceito de Probabilidade Geométrica. Assim, em um primeiro momento, usamos problemas para ensinar Matemática. Os problemas foram formulados utilizando-se o fractal conhecido como Triângulo de Sierpinski. Depois do trabalho com os problemas, o professor sistematiza o conceito estudado mediante o formalismo e o rigor característicos da Matemática. 1 Introdução

O azar e os fenômenos aleatórios são inerentes às nossas vidas e aparecem em muitas situações cotidianas ou de nossa vida profissional, como por exemplo, na previsão do tempo, num diagnóstico médico, no estudo da possibilidade de contratar um seguro de vida, no número de acidentes em uma cidade, etc.

No Brasil, o conceito de Probabilidade Geométrica geralmente não é apresentado nos livros de Matemática para o Ensino Médio. Lima (2001), em uma análise de 12 coleções de livros didáticos de Matemática utilizadas nos três anos do Ensino Médio das escolas brasileiras, encontrou o tópico Probabilidade Geométrica em apenas uma delas.

Em problemas de probabilidade geométrica, os possíveis acontecimentos podem ser representados por pontos de um segmento de reta, por figuras planas ou ainda por sólidos. Desde que o número de acontecimentos seja usualmente não contável, não podemos definir probabilidade como a razão entre o número de casos favoráveis e o número total de casos. Todavia, podemos ainda definir a probabilidade de um evento de uma maneira natural e calculá-la por meio de considerações geométricas (EISEN, 1969).

Parece consenso que a noção de Probabilidade Geométrica foi introduzida pelo matemático e naturalista francês Georges Louis Leclerc, o conde de Buffon. Em 1777, Bufon apresenta em seu livro Essai d’Arithmétique Morale, o seguinte problema que ficou conhecido como o Problema da Agulha

de Buffon: “Considere uma família de retas paralelas em 2ℜ , onde duas paralelas adjacentes arbitrárias distam de a. Tendo-se lançado, ao acaso, sobre o plano, uma agulha de comprimento l (l ≤ a), determinar a probabilidade de que a agulha intercepte uma das retas.” Segundo Tunala (1992), para um grande número de lançamentos da agulha, a solução desse problema nos sugere um método experimental para o cálculo do valor aproximado de π .

Na Matemática do final do século dezenove e início do século vinte apareceram algumas pesquisas sobre conjuntos de pontos do plano euclidiano, considerados pelos matemáticos desse período, como bizarros e estranhos. Em 1834, Bernhard Bolzano (1781-1848) apresentou o primeiro exemplo de uma função contínua que não possui derivada em nenhum de seus pontos e, em 1860, Weierstrass (1815-1897) apresentou uma função contínua expressa como soma de cossenos. Em 1834, B. Bolzano (1781

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– 1848), construiu uma função contínua num intervalo que não tinha derivada em ponto algum desse intervalo e, em 1874, K. Weierstrass (1815 – 1897) também constrói a sua função com essas características.

Porém, a comunidade Matemática desse período se referia a essas curvas como “monstros patológicos” e não via relevância alguma desses estudos para o mundo real. Atualmente, é evidente o equívoco dessa visão, uma vez que a estrutura fractal parece compor toda a natureza viva, a constituição microscópica de nosso planeta, as trajetórias das partículas elementares e a espantosa vastidão de aglomerados de galáxias do Universo. A Geometria Fractal, ramo da Matemática, é um legado histórico estabelecido por uma gama de matemáticos e que foi desenvolvida pelas importantes pesquisas de Benoit B. Mandelbrot (1924 – 2010). As pesquisas sobre geometria fractal têm sido uma fonte inesgotável de ideias úteis para diversos campos do conhecimento científico. Essas investigações vêm trazendo contribuições em diferentes áreas da ciência, em particular, na Física, na Biologia, na Química, na Geografia, na Economia, na Astrofísica e nas Engenharias. 2 Definição de Probabilidade Geométrica

O objetivo principal deste trabalho é apresentar uma proposta didático pedagógica em que o conceito de Probabilidade Geométrica é sistematizado por meio do uso de fractais. Basicamente, utilizamos problemas envolvendo o Triângulo de Sierpinski, em que as soluções obtidas pelos próprios alunos os levam a construir/reconstruir o conceito de Probabilidade Geométrica. Assim, num primeiro momento utilizamos o problema para ensinar Matemática. O conceito (definição) de Probabilidade Geométrica poderá ser sistematizado por meio da solução de problemas do tipo do problema 1, dado a seguir. Problema 1. Considere um triângulo equilátero. Determine os pontos médios de cada um de seus lados. Construa um novo triângulo equilátero unindo esses pontos. Esse novo triângulo, interno ao triângulo original é chamado de buraco. Escolhendo-se ao acaso um ponto no triângulo equilátero original qual a chance desse ponto “cair” no buraco? Justificar sua resposta. Comentários e sugestões.

Os alunos deverão em grupo, usando de sua própria linguagem entender o problema e apresentar suas soluções. O professor deve acompanhar, intermediar e orientar no trabalho dos alunos, mas nunca oferecer a resposta, devendo responder uma pergunta com outras perguntas, de forma a induzi-los no caminho da solução.

Após o trabalho dos grupos, propomos uma pequena plenária, liderada pelo professor, para discutir as soluções apresentadas: as certas e também as erradas, dando ênfase no processo e nas estratégias de resolução (POLYA, 1973).

Podemos sugerir a seguinte solução. Elaborar a representação geométrica descrita pelo problema como mostra a Figura 1.

Figura 1: Representação geométrica para o problema 1.

Observar que o triângulo equilátero original foi dividido em 4 novos triângulos equiláteros de mesma área. Como o buraco corresponde a um desses 4 triângulos, então temos uma chance em 4 de “cair” no buraco se escolhermos ao acaso um ponto do triângulo original. Finalmente, discutir se o resultado parece razoável para os alunos.

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Segundo Wagner (1997), se tivermos uma região B do plano contida em uma região A, admitimos que a probabilidade de um ponto de A também pertencer a B é proporcional à área de B e não depende da posição que B ocupa em A. Portanto, selecionando ao acaso um ponto de A, a probabilidade p de que ele pertença a B será:

A de área

B de área p= .

A partir da sistematização do conceito, outros problemas podem e devem ser trabalhados como forma de fixar o conceito estudado. Observar que inicialmente usamos o problema para a construção/reconstrução do conceito matemático, ou seja, usamos o problema para ensinar Matemática. No problema 1 consideramos o primeiro passo da construção do Triângulo de Sierpinski.

Segundo Edgar (2000), a construção do Triângulo de Sierpinski pode ser feita da seguinte forma: começamos com um triângulo equilátero de lado medindo 1 unidade, o triângulo e sua região interior será chamada de 0S .. Esse triângulo será subdividido em 4 triângulos menores de lados medindo 1/2 unidade, a partir dos pontos médios dos lados. A região a ser removida é o interior do triângulo central (seus lados e vértices permanecem). Após esta remoção, o conjunto remanescente é chamado de 1S , o

qual é um subconjunto de 0S . Agora, cada um dos três triângulos restantes é dividido em triângulos

ainda menores com lado medindo 1/4, e os três triângulos centrais são removidos. O resultado é 2S ,

um subconjunto de 1S . Continuamos dessa forma obtendo uma sequência kS de conjuntos. O Triângulo de Sierpinski é definido como o limite S desta sequência de conjuntos. Problema 2. Escolhendo-se ao acaso um ponto de 0S calcular a probabilidade desse ponto pertencer a

2S ? Comentários e sugestões.

Neste caso, a construção geométrica ainda é simples e pode auxiliar na solução do problema. A Figura 2 representa o segundo passo da construção do Triângulo de Sierpinski.

Figura 2: Segundo passo do Triângulo de Sierpinski.

No início do passo 2, cada um dos 3 triângulos equiláteros será dividido em 4 novos triângulos equiláteros menores e de mesma área, temos assim 12 novos triângulos com medida de lado igual a

2241 −= . Como o triângulo interior de cada um deles é removido restam 239 = triângulos. Portanto,

.56,25% 16

9

43

43)2.(3

S de área

Sierpinski de Triângulo do área p

222

0

====−

Outra solução.

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Temos neste caso 12 triângulos equiláteros de mesma área e 3 desses são buracos. Agora, como a área do triângulo que define o buraco do passo 1 é 4 vezes a área de cada um desses novos triângulos,

teremos um total de 16 triângulos equiláteros e de mesma área. Portanto, 16

9p = .

Problema 3. Escolhendo-se ao acaso um ponto de 0S calcular a probabilidade desse ponto pertencer a

3S ? Comentários e sugestões.

De modo análogo ao problema 3 temos neste caso a probabilidade p dada por:

.42,19% 64

27

43

43)2.(3

S de área

Sierpinski de Triângulo do área p

233

0

≅===−

A Figura 3 representa o terceiro passo da construção do Triângulo de Sierpinski.

Figura 3: Terceiro passo do Triângulo de Sierpinski.

Formulamos vários outros problemas para o trabalho com conceitos básicos de probabilidade, mas por um questão de espaço não serão aqui apresentados.

3 Conclusão

A proposta deste trabalho é apresentar uma alternativa metodológica para o ensino do conceito de Probabilidade Geométrica por meio da resolução de problemas, isto é, o problema é utilizado para se ensinar Matemática. Essa é a principal forma proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino dessa ciência.

Como este tema é pouco considerado nos livros didáticos, acreditamos estar contribuindo com os professores que atuam nesse nível de escolaridade. Ao abordarmos os fractais, que é um tópico recente da Matemática, esperamos motivar os alunos para o estudo desse assunto tornando-o atraente e facilitando o desenvolvimento do raciocínio lógico e dedutivo do aluno. Referências [1] G. Edgar, "Measure, Topology and Fractal Geometry", 2nd. ed., Springer, 2000.

[2] M. Eisen, "Introduction to mathematical probability theory", New Jersey: Prentice-Hall, inc., 1969.

[3] E. L. Lima, "Exame de textos: análise de livros de matemática para o ensino médio". Rio de Janeiro: SBM, 2001.

[4] G. Polya, "How to solve it", New York: Princeton University Press, 1973.

[5] N. Tunala, "Determinação de probabilidades por métodos geométricos", Revista do Professor de Matemática. São Paulo: SBM, v. 20, 1992.

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[6] E. Wagner, "O problema do macarrão e um paradoxo famoso", Revista do Professor de Matemática. São Paulo: SBM, v. 34, 1997.

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