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10/09/2015 O banqueiro dos pobres Muhammad Yunus propõe uma nova lógica Revista Trip Reportagens http://revistatrip.uol.com.br/revista/245/reportagens/obanqueirodospobresmuhammadyunuspropoeumanovalogica.html 2/21 Reportagens UMA NOVA LÓGICA 21.07.2015 | Texto: Micheline Alves | Fotos: Ludovic Carème Facebook Twitter Muhammad Yunus, o ''banqueiro dos pobres'', quer estimular os jovens a empreender mais – e convencer grandes empresários a abrir mão de lucros. Vai dar certo? Ludovic Carème Muhammad Yunus em retrato feito durante sua passagem por São Paulo, em maio O economista Muhammad Yunus é conhecido no mundo todo como “o banqueiro dos pobres”. Por meio do Grameen Bank, que ele fundou em 1983 em Bangladesh, Yunus espalhou em escala internacional o conceito do

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Reportagens

UMA NOVA LÓGICA

21.07.2015 | Texto: Micheline Alves | Fotos: Ludovic Carème

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Muhammad Yunus, o ''banqueiro dos pobres'', quer estimular os jovens a empreender mais – e convencer grandesempresários a abrir mão de lucros. Vai dar certo?

Ludovic Carème

Muhammad Yunus em retrato feito durante sua passagem por São Paulo, em maio

O economista Muhammad Yunus é conhecido no mundo todo como “o banqueiro dos pobres”. Por meio doGrameen Bank, que ele fundou em 1983 em Bangladesh, Yunus espalhou em escala internacional o conceito do

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microcrédito: empréstimos feitos, sem garantias ou papéis, a gente pobre que nunca antes teve acesso ao sistemabancário. Tal fomento ao empreendedorismo, sobretudo entre mulheres, e seus resultados efetivos lhe renderam,entre outros prêmios, o Nobel da Paz em 2006. Também transformaram Yunus em um dos oradores maisrequisitados do planeta, inclusive em eventos lotados de empresários e banqueiros que ele critica sem censura.

Há dois meses ele esteve no Brasil para promover a Yunus Negócios Sociais, braço brasileiro da Yunus SocialBusiness Global Initiatives, espécie de incubadora de negócios sociais – como são chamadas empresas criadas pararesolver problemas sociais, e não exatamente gerar lucro para acionistas. Durante a passagem por São Paulo, elefalou à Trip sobre essa trajetória e sua crença de que esse tipo de negócio é um modo eficaz de repensar o sistemaeconômico vigente – do qual critica a concentração de renda em níveis absurdos e a própria lógica de que as pessoasprecisam passar a vida procurando emprego. “O ser humano não nasceu para isso”, diz ele, um defensor pioneiro daideia, tão em voga hoje, de que é melhor seguir o próprio caminho do que ser um funcionário.

“Lidar com teorias econômicas diante de pessoas morrendo [de fome], para mim era uma piada”

Em Daca, capital e maior cidade de Bangladesh, Yunus mora com a mulher e a filha mais nova (a mais velha, queacaba de lhe dar o primeiro neto, vive em Nova York) no mesmo conjunto de prédios onde está a sede do GrameenGroup, com suas mais de 50 empresas. Em boa parte do tempo, viaja pelo mundo com palestras e consultorias quelhe dão uma rotina atribulada, da qual diz não se cansar, mesmo aos 75 anos de idade. “Eu gosto disso. Sem essarotina eu estaria terrivelmente entediado. Não sei o que fazer comigo mesmo quando não estou ocupado.”

A seguir, oito trechos da conversa que deixam claro que, para Yunus, o que falta ao mundo é olhar mais para opróximo e trabalhar pela prosperidade coletiva. Uma visão mais amorosa, podese dizer.

Arquivo pessoal

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Yunus em 1976, quando começou as ações que deram forma ao Grameen Bank

UM NOVO CAPITALISMO

“Há 85 pessoas no mundo que têm mais da metade de toda a riqueza do planeta. Já a metade mais pobre dapopulação mundial detém menos de 1% desses recursos. Que mundo é esse? Minha luta tem sido contra essaestrutura. As pessoas não podem fazer nada além de tocar o barco como foi concebido. Luto por uma nova máquina,por alternativas, por um movimento contrário. A estrutura que existe não vai resolver nosso problema. A disparidadede renda só piora, a riqueza se concentra em pouquíssimas mãos. Conheço empresa que ficou cem vezes maior emsete anos, e o número de funcionários só diminui. Inclusive por causa de tecnologia, eficiência. O que vai acontecercom todas essas pessoas sem trabalho? Se a Europa, a parte mais próspera do mundo, vive isso, o que acontece emeconomias menores? Temos que redesenhar o sistema capitalista. Tudo o que dizem é ‘faça dinheiro, seja feliz’. Masaí você ganha us$ 1 bilhão e não faz nada pelos outros. Para que serve us$ 1 bilhão? ‘Ah, dei emprego a muitagente.’ Sim, e pegou a riqueza para você. Concentração é tudo o que você produziu.”

EMPREGO: ESQUEÇA ESSA IDEIA

“Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Osprofessores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacionalrepete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo,mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado. Aspessoas precisam crescer sabendo que é uma opção se tornar empregado, mas que existe a possibilidade de serempreendedor, seguir o próprio caminho. É arriscado, incerto, há frustrações, mas é bem mais estimulante. Arrumaremprego é o que é seguro, garantido. Mas sua vida será limitada ao que decidirem por você.

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“Não somos robôs fazedores de dinheiro. A vida não pode ser reduzida a uma busca egoísta comoessa”

TEORIA VERSUS REALIDADE

“Meu pai era um pequeno comerciante. Admirava a educação, mas não pôde ir além do oitavo ano na escola. Minhamãe foi até o quarto ano. Somos sete irmãos e duas irmãs, e todos decidimos por conta própria o que fazer.Oportunidades surgiram, empregos me foram oferecidos, e eu não aceitei. O único emprego que tive foi o deprofessor – porque eu queria ensinar. Não me empolgou a possibilidade de carreira, salário, mas o espaço parapensar, criar. E, quando chegou a hora, comecei o negócio do microcrédito. O isolamento da universidade sempre meirritou. Qual a utilidade do conhecimento se ele não chega às pessoas? Em Bangladesh, tínhamos pessoas morrendode fome. Faz sentido ensinar teorias tão bonitas, das quais somos tão orgulhosos, e elas não terem o menorsignificado na vida de quem não pode comer? Há muitas maneiras de morrer, mas a fome é uma das mais dolorosas.Lidar com teorias econômicas diante de pessoas morrendo assim era uma piada.”

Arquivo Pessoal

Com mulheres de Bangladesh, nos anos 1980. Foi para artesãs que ele concedeu os primeirosempréstimos, no valor de US$ 27

CONTRA OS BANCOS

“Fico furioso com agiotagem. Como um ser humano pode ser tão cruel com outro? Vi situações dramáticas depessoas devendo dinheiro. Então comecei a emprestar, para que parassem de procurar exploradores. Eram quantiasmínimas – o primeiro empréstimo foi de us$ 27. O problema é que meu dinheiro foi acabando. Fui a uma agênciabancária no próprio campus da universidade onde eu lecionava e pedi ajuda ao gerente. A resposta: ‘Isso é problemaseu’. Começou aí meu confronto com bancos. Ouvi explicações absurdas sobre por que não dar crédito a gente

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pobre. Até que entendi: eu deveria ter um banco. Um banco que fizesse um bom trabalho pelas pessoas. Foi o queinventei em 1983: o Grameen Bank. Diziam que era um fenômeno local, que só funcionaria em Bangladesh. Fomosà Malásia, a convite de pessoas de lá, e deu certo. Disseram: ‘é um fenômeno de países muçulmanos’. Fomos àsFilipinas, país católico. Passaram a dizer: ‘é um fenômeno asiático’. Explicações e mais explicações vieram, semprepara proteger a ideia de que o sistema continua certo – e você apenas inventou algo que não vale para o mundo. Em2006 vem o prêmio Nobel. Nem assim o sistema muda.”

DESENVOLVIMENTO?

“Na crise de 2008, eu estava em Nova York. Vendo as notícias sobre o colapso, os escândalos, lembrei daquelegerente que procurei e pensei: quem merece crédito, afinal? Quem está dando calote? Os pobres a quem emprestodinheiro me devolvem cada centavo. Temos oito agências em Nova York, com 30 mil clientes, e nenhumainadimplência. Então, por que continuar teimando? Por que ensinar na universidade o que é sistema bancário sem seperguntar por que mais da metade da população do planeta não tem nada a ver com bancos? Construir rodovias émedida de desenvolvimento? Para mim, não existe desenvolvimento se pessoas têm uma única muda de roupa. Ou sesó fazem uma refeição ao dia.”

RESOLVENDO PROBLEMAS

“Em determinada época, percebi que crianças de muitas famílias não conseguiam enxergar à noite. Vi isso emdiferentes lugares: crianças que não veem nada depois que o sol se põe. Médicos me disseram: ‘Isso é uma doençachamada cegueira noturna, causada por falta de vitamina A. Se tomarem comprimidos ou tiverem alimentação ricaem vegetais, voltam a enxergar’. Voltei a algumas famílias e expliquei a importância de comer vegetais. ‘Ah, não ésimples encontrar vegetais’, diziam. Tive a ideia de vender pequenos pacotes de sementes, a 1 centavo.Gradualmente, foram comprando e plantando. O Grameen Group passou a ter um negócio de sementes. Em seteanos, nos tornamos o maior vendedor de sementes do país. E a cegueira noturna foi erradicada. É essa a ideia donegócio social.”

Divulgação

Yunus durante uma palestra do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, em 2010

ISSO É NEGÓCIO, SIM

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ISSO É NEGÓCIO, SIM

“Muita gente diz que isso não é um negócio de verdade. Se não tem lucro, não é negócio. De onde vem essadefinição? É negócio, sim. É decisão minha não ter lucro. Se a teoria não se encaixa no que eu criei, não sou euquem está errado; é a teoria. O capitalismo é uma ideia maravilhosa, porque dá opções. O problema está na ideia deque é preciso maximizar lucros e que só isso é aceitável como negócio. Não somos robôs fazedores de dinheiro. Avida não pode ser reduzida a uma busca egoísta como essa. Outra lógica é possível e há empresas interessadas. Ochairman da Danone me procurou dizendo que queria resgatar os ideais de seu pai – e não apenas tocar umacorporação mais preocupada com o valor das ações. Nasceu aí um negócio social: um iogurte muito barato, com osnutrientes de que uma criança precisa diariamente, vendido de porta em porta, por gente que não tinha trabalho emBangladesh. A Danone não terá lucro com isso: apenas recupera o que foi investido e nada mais. Você pode nãomorrer de amores por esse modelo – e eu quero discussão, quero ouvir críticas. Mas não pode simplesmente dizer‘não funciona’ ou ‘não é real’.”

NOVAS GERAÇÕES

“Tenho falado muito, em diferentes países, a convite de empresários, banqueiros. Então creio que estejam prestandoatenção ao que eu digo. Se me odiassem, me manteriam longe. Não odeio os banqueiros, as pessoas, apenas digo:‘Não é possível continuar agindo assim’. E estão entendendo. Talvez ainda haja uma diferença entre a imagempública e o que pensam. Muitos chegam em casa e são criticados pelos filhos. Porque as novas gerações estãoespalhando essas mensagens. Viajo muito, é uma rotina corrida, mas a energia das pessoas, particularmente as maisjovens, me renova. Quando vejo essa gente respondendo ao que digo, se inspirando, querendo fazer alguma coisa,tudo faz sentido. Quando estou longe de casa, no Brasil, na Colômbia, no Chile ou na China, e vejo que as pessoasconhecem o que eu disse, o que eu fiz, esqueço as horas de sono perdidas, o jetlag. São sementes sendo espalhadas,que um dia vão germinar. Algumas podem se tornar árvores gigantes. Quem sabe?”

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