UMA GUERRA, DUAS VOZES: a visão do Deutscher Morgen … · Claiton da Silva1 Tailor Elias...

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UMA GUERRA, DUAS VOZES: a visão do Deutscher Morgen sobre a Segunda Guerra Mundial Claiton da Silva 1 Tailor Elias Giombelli 2 Palavras-chave: imprensa, nazismo e propaganda. 1. Introdução O objetivo geral deste trabalho é analisar o processo de construção de uma ideologia que favorece à atuação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial através do periódico e Deutscher Morgen. O jornal incentivam a tomada de posição de seus leitores pela guerra, partindo do ponto de vista da nação à qual pertence. o jornal é produzido pela agência do Partido Nazista no Brasil, tendo como redator-chefe Hans Henning Von Cossel, que era o chefe do partido. O jornal Deutscher Morgen, será analisado no período de:1939 à 1941 (período em que o Brasil ainda não tinha uma posição sobre a guerra e permanecia como país neutro), sendo estes o período em que foi publicado em português. Desse modo, é importante ressaltar que o trabalho não se concentrará no público-alvo ou na receptação do jornal, mas como o jornal faz a construção dos países que entendem como ‘inimigos’' ou ‘aliados’, utilizando-se de diferentes e complexas estratégias discursivas, tais como: argumentos, falas, fotos e charges. A motivação em trazer um debate envolvendo jornais produzidos por uma nação que foi derrota nesse conflito, demonstrado não somente a visão dos vitoriosos sobre o conflito, mas também a propagandística de guerra, e que não ocorre apenas em um determinado país: neste sentido, procuraremos entender o processo de fabricação de consenso, utilizando o conceito do linguista norte-americano Noam Chomsky: a propaganda para a sociedade deve ter o intuito de manipular a opinião das massas, fazendo com que os indivíduos passem por uma doutrinação, seja ela financiada pelo Estado ou por classes dominantes. 3 1 Orientador e professor do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul- campus Chapecó, [email protected] 2 Acadêmico da 9ª fase do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul- campus Chapecó, [email protected] 3 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,

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UMA GUERRA, DUAS VOZES: a visão do Deutscher Morgen sobre a Segunda Guerra

Mundial

Claiton da Silva1

Tailor Elias Giombelli2

Palavras-chave: imprensa, nazismo e propaganda.

1. Introdução

O objetivo geral deste trabalho é analisar o processo de construção de uma ideologia que

favorece à atuação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial através do periódico e Deutscher

Morgen. O jornal incentivam a tomada de posição de seus leitores pela guerra, partindo do ponto de

vista da nação à qual pertence. o jornal é produzido pela agência do Partido Nazista no Brasil, tendo

como redator-chefe Hans Henning Von Cossel, que era o chefe do partido. O jornal Deutscher

Morgen, será analisado no período de:1939 à 1941 (período em que o Brasil ainda não tinha uma

posição sobre a guerra e permanecia como país neutro), sendo estes o período em que foi publicado

em português.

Desse modo, é importante ressaltar que o trabalho não se concentrará no público-alvo ou na

receptação do jornal, mas como o jornal faz a construção dos países que entendem como ‘inimigos’'

ou ‘aliados’, utilizando-se de diferentes e complexas estratégias discursivas, tais como: argumentos,

falas, fotos e charges.

A motivação em trazer um debate envolvendo jornais produzidos por uma nação que foi

derrota nesse conflito, demonstrado não somente a visão dos vitoriosos sobre o conflito, mas

também a propagandística de guerra, e que não ocorre apenas em um determinado país: neste

sentido, procuraremos entender o processo de fabricação de consenso, utilizando o conceito do

linguista norte-americano Noam Chomsky: a propaganda para a sociedade deve ter o intuito de

manipular a opinião das massas, fazendo com que os indivíduos passem por uma doutrinação, seja

ela financiada pelo Estado ou por classes dominantes.3

1 Orientador e professor do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul- campus Chapecó,

[email protected]

2 Acadêmico da 9ª fase do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul- campus Chapecó,

[email protected]

3 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,

É pertinente estudar a imprensa, pois está, é importante na formação de ideias perante fatos,

sendo que ha diferentes formas de se ver um conflito ou até mesmo movimentos políticos, mas se

dever ter alguns cuidados como quais são as pretensões do jornal:

Daí a importância de se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha

editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do título e

para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas, além de fornecer

pistas a respeito da leitura de passado e de futuro compartilhada por seus propugnadores.4

Portanto, como o jornal se propõem apresentar uma imagem de outras nações em meio ao

conflito, é importante analisar sua produção, origem e estrutura.

O livro “Mídia propaganda política e manipulação” de Noam Chomsky, problematiza

diversas questões sobre a mídia, utilizando-se de exemplos da mídia estadunidense. Em seu início

busca fazer uma breve introdução sobre o contexto histórico, buscando demonstrar como a

propaganda americana foi utilizada em diferentes momentos, fazendo com que a opinião da

população americana sofra mudanças. O autor utiliza de exemplos para fundamentar suas opiniões,

como, por exemplo, a propaganda feita por jornais americanos durante a primeira guerra mundial,

fazendo como que a população americana passasse de passiva à fervorosa em poucos meses: “Foi

construída uma comissão de propaganda governamental, a Comissão Creeel, que conseguiu, em seis

meses, transformar uma população pacifista numa população histérica e belicosa[...]”5.

É importante citar que após 1933, alguns ideólogos antissemitas foram incorporados na

propaganda nazista, os mais importantes são Joseph Goebbels, Alfred Rosenberg e Otto Drietrich,

porém segundo Herf, Goebbels era o “principal propagandista” e disseminador da ideóloga

antissemita, dessa forma Goebbels chegou a ser diretor do “Ministério da Propaganda” onde foi

responsável pela disseminação da propaganda nazista.6

Não podemos deixar de ter em mente o que Robert Darnton cita sobre a imprensa, ao fazer

uma análise sobre a importância da imprensa durante diversos momentos históricos, dessa forma a

imprensa é uma força ativa e manipuladora da opinião: “Mas a prensa tipográfica ajudou a dar

forma aos eventos que registrava. Foi uma força ativa na história, especialmente durante a década

2013. 4 PINSKY. Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008, p. 140.

5 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,

2013, p. 11. 6 HERF, Jeffrey. Inimigo judeu: propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. São

Paulo: EDIPRO, 2014.

de 1789-1799, quando a luta pelo poder foi uma luta pelo domínio da opinião pública”7

Mesmo que Darnton se referia a um período histórico diferente, a imprensa ainda sim foi e

continua sendo um importante meio de comunicação e criação de opinião, seja qual for seu período.

2. A guerra do jornal deutscher morgen

O jornal Deutscher Morgen (Aurora Alemã), publicado no Brasil entre os anos de 1932-

1941, era um periódico semanal do Partido Nazista no Brasil, tinha como uma de suas principais

metas difundir as ideias do nazismo para a comunidade alemã. O conselho editorial era formado

portanto por Hans Hening Von Cossel (chefe nacional do Partido Nazista no Brasil) redator-chefe,

Ernst Sommer gerente e Hans Lucke que era membro do partido nazista em São Paulo. A redação

do jornal estava localizada em São Paulo na rua da Mooca nº 38 e posteriormente teve transferência

para a rua Vitória,2008.

O jornal até os anos de 1939 era escrito somente em língua alemã, a partir desse ano até 29

de agosto de 1941 o jornal também trazia partes em língua portuguesa. Já em 5 de setembro de 1941

o jornal passa a ter unicamente a língua portuguesa, e a inscrição em alemã Deutscher Morgen não

aparece nas próximas edições e é substituída pelo nome de Aurora Alemã9.

O jornal Deutscher Morgen foi logo em seus primeiros anos investigado pelo DEOPS, que

confiscou no ano de 1932 os periódicos de 16 e 23 de março. Em 1940 os donos do Deutscher

Morgen Hebert Sack e o casal Ernst e Ernestina Sommer foram indiciados em um inquérito

policial10.

O jornal não escondia seu caráter ideológico nazista, desferindo em suas páginas a luta

contra o comunismo e principalmente o judaísmo, utilizando-se de fotos, charges, manchetes e

discursos. O jornal traz em suas páginas, notícias da Alemanha e principalmente como começo dos

conflitos que originaram a segunda guerra mundial, notícias de guerra e informações sobre a

campanha do exército alemão. É importante lembra que a análise desse jornal se deteve aos anos de

1939 à 1941, período em que o jornal passa a ter também a linguagem portuguesa em suas páginas.

A estrutura do jornal é bem simples, mas merece alguma atenção, o jornal é composto

7 DARNTON, Robert; ROCHE, Daniel (orgs.). A Revolução Impressa: A Imprensa na França, 1775-1800. São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996, p. 15.

8 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; KOSSOY, Boris (orgs.). A imprensa confiscada pelo deops: 1924 – 1954.

São Paulo: Ateliê Editorial; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Arquivo do Estado, 2003, p. 126. 9 O jornal mantém o nome de Aurora Alemã

10 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; KOSSOY, Boris (orgs.). A imprensa confiscada pelo deops: 1924 – 1954.

São Paulo: Ateliê Editorial; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Arquivo do Estado, 2003, p. 126.

geralmente de vinte páginas, sendo que entre quatro a sete páginas são destinadas a somente

material iconográfico. A linguagem presente no jornal como citado anteriormente traz duas

linguagens em suas páginas, mas até certo ponto, pois a partir da página cinco a linguagem em

português e retirada e somente o alemão se mantêm, algo muito curioso para ser analisado, mas esse

trabalho não se aterá sobre esse aspecto.

Existiam muitas propagandas nas páginas do jornal Deutscher Morgen, principalmente

empresas ligadas a comunidade alemã e ao país da Alemanha como por exemplo: a cerveja Brahma,

e o “Banco Allemão Transatlantico” entre outros que traziam somente a escrita em alemão em seus

anúncios, o que demostra a quem era o jornal era destinado (comunidade alemã).

Muita eram as firmas alemãs que anunciavam no jornal – relojoarias, consultórios

dentários, confeitarias, restaurastes, bares, tinturarias, livrarias, expressando o

comprometimento da comunidade alemã com o ideário sustentado por este (docs.42 e 43).

Além de anúncios, o jornal publicava também charadas, piadas e poesia, cujos conteúdos

colaboravam – ainda que de forma sutil – para a ‘catequese’ nazista11

Por um lado o jornal obtinha financiamento com as propagandas para a sua circulação e por

outro lado o jornal Deutscher Morgen trazia um objetivo ainda maior:

Há vários anúncios que convidam a comunidade alemã de São Paulo a comparecer às

palestras e aos encontros do Partido Nazista aqui estabelecido. Dessa forma, os redatores do

Deutscher Morgen pretendiam informar ao alemão residente no estrangeiro a situação de

sua Pátria, convidando-o a aderir ao nazismo e ao clima nacionalista da Alemanha dos anos

de 1930. Pelo conteúdo das reportagens prevalece a idéia de que a lealdade à Patria-mãe

estava ligada ao apelo de engajamento político do imigrante alemão12

Como a comunidade alemã era consideravelmente grande no Brasil, o jornal também trazia

a doutrinação à ideologia nazista para toda uma comunidade filiada ao partido espalhada no Brasil

entre 1930 à 194013. Números consideráveis, já que os partidários não se encontravam somente nas

cidades e espaços urbanos, mas também na zona rural como Dientrich esclarece, citando que a

doutrinação não ocorria somente pelos partidários, mas através de escolas, rádios, o uso da

linguagem alemã e é claro jornais vinculados ao Partido Nazista alemão14.

Outro fato que Dientrich discorre, é sobre a ligação entre Alemanha e seu povo, essa ligação

11 DIETRICH, Ana Maria. Caça às suásticas: o Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia Política.

São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Fapesp, 2007, p. 299. 12 DIETRICH, Ana Maria. Caça às suásticas: o Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia Política.

São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Fapesp, 2007, p. 296. 13 Princialmente nas regiões sudeste com 45.590 partidários e no sul 38.913 Dientrich pg. 220 Tese de

doutorado.

14 DIETRICH, Ana Maria. Caça às suásticas: o Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia Política.

São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Fapesp, 2007, p. 267.

estaria vinculada ao sangue alemão, não importando o lugar onde estaria:

Não importaria o lugar onde os alemães morassem, mas sim os laços de sangue. Eles

tinham o dever de prestar fidelidade a sua Pátria Mãe. Foram encontradas expressões no

primeiro número do jornal Deutscher Morgen, que se referem a um ‘despertar’, ‘acordar’

desta comunidade alemã ao 'novo tempo' que estava surgindo na Alemanha com o

movimento nacional-socialista. Neste sentido, a propaganda nazista enfatizou a

responsabilidade do alemão no exterior que, mesmo morando fora de seu país, deveria

corresponder aos apelos de sua pátria15.

Dessa forma com uma comunidade alemã bem ampla e articula com a Auslandsorganisation

der NSDAP (organização do partido nazista no exterior), a comunidade alemã se mostra um

importante grupo se analisarmos o contexto entre Brasil-Alemanha anteriormente e durante o

conflito que ocorreram durante os anos de 1939 à 1945, período em as mudanças e a opinião

pública se mostravam importante para um conflito, como Chomsky descreve em seu livro Mídia,

propaganda política e manipulação, ao falar sobre a propaganda de guerra ele cita o exemplo da

mídia norte-americana e o que podemos aprender com ela “[…] a propaganda política patrocinada

pelo Estado, quando apoiada pelas classes instruídas e quando não existe espaço para contestá-la,

pode ter consequências importantes. Foi uma lição aprendida por Hitler e por muitos outros e que

tem sido adotada até os dias de hoje.”16

2.1 Atacar para defender

Com o começo da invasão alemão sobre a polônia em 1 de setembro de 1939, o jornal

alemão Deutscher Morgen, começa a noticiar sobre o conflito,17 na primeira edição depois do

ataque alemão sobre a polônia a edição número 36, de 8 de setembro, trás um pequeno texto na

primeira página intitulado “Calculos falhos dos inglezes” que comenta o porque do ataque alemão,

segundo o jornal a grande motivação seria que: os ingleses não estariam dispostos a devolver a

cidade de Dantzig que possuiria 400.000 habitantes alemães ao Reich alemão, culminado na

invasão alemã. Ainda nesse pequeno texto o jornal deixa claro, que o conflito que está ocorrendo na

Polônia está “em torno do imperio mundial britannico”18 o que passa a impressão que o grande

motivador e vilão do conflito é a Inglaterra. Encerando esse pequeno texto o jornal Deutscher

Morgen, enfatiza o erro que o governo polonês cometeu, confiando nos aviões ingleses, nas

15 DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O partido nazista no Brasil. São Paulo, 2007, p. 153.

16 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,

2013, p. 13. 17 Em um primeiro momento não se tem a noção do conflito em grande escala, mas se compreende como um

conflito regional que pode se expandir para outros países.

18 Deustche Morgen, ed. 36, 1939, p. 1, 8- Set.

baionetas francesas e a boa vontade pró paz da Alemanha; enfatizando dessa forma a culpa dos

ingleses na conflito e a busca pela paz do governo alemão. Além disso, a propaganda em que Hitler

se beseava antes de começar o conflito contra a Polônia e descrita por Jeffrey Herf :

“Hitler iniciou a Segunda Guerra Mundial com um ato de agressão gratuita, apoiado por

projeções e mentiras sobre um incidente na fronteira que o regime havia fabricado. Era a

culminância de meses de propaganda culpando a Polônia pela guerra que Hitler planejava

começar”19

Com relação a esse fato, podemos relevar a ideia de Chomsky, em que ele deixa claro que,

quando uma nação invade outra, é necessário passar a impressão que na verdade o que está

ocorrendo e uma atitude defensiva; O que ocorre nesse momento e uma inversão de “invasor e

invadido”, o ataque só ocorre para a defesa e por isso ela se torna legitima20. Portanto, fica evidente

na visão do jornal, quem é o “vilão” do conflito, quando é noticiado que o governo alemão quer a

cidade de Dantzig de volta a sua nação, a frase “devolver a cidade de Dantzig” que está no jornal,

remate que a cidade já pertencia a Alemanha e portanto e dela por direito, além da grande

quantidade de alemães na cidade, que contribuem para a legitimidade da exigência. A Alemanha

também busca a paz, mas o criador do conflito segundo o jornal é a Inglaterra.

O jornal faz diversas acusações, sobre o conflito que ocorre contra a Inglaterra, na edição

41, de 1940, datada de 11 de outubro. A legenda da foto “bombas inglezas sobre objetivos não-

militares em Berlin”21 já indica os alvos atingidos por aviões Ingleses. Uma outra foto ao lado, trás

também o efeito das bombas inglesas em alvo não militares, nesse caso o alvo segundo o jornal, a

Igreja do Coração de Maria de Hamm. Os aviadores ingleses ainda são chamados de “piratas

19 HERF, Jeffrey. Inimigo judeu: propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. São

Paulo: EDIPRO, p.102, 2014.

20 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,

2013. 21 Deuscher Morgen , ed. 41, 1940, p. 5, 11-Out.

Figura 1: Deuscher Morgen , ed. 41, 1940, página 5, 11-Outubro.

nocturnos inglezes”. O termo pirata abre um leque de interpretações perante o leitor, percebe-se que

no caso da legenda, a palavra usada para descrever os aviadores ingleses remete ao barbarismo ou a

quem aterroriza populações civis, ou até mesmo, quem não segue regras.

Outro momento em que é destacado o ataque inglês a alvos não militares, está na edição 42

do ano de 1940, do dia 18 de outubro. O jornal novamente enfatiza o ataque, mas agora com vítimas

de um sanatório, que totalizaram 9 crianças mortas e 12 feridas. Esse ato foi caracterizada nas

páginas do jornal como “o mais barbaro e infame dos crimes” feitos pelos pilotos ingleses. A

seleção dessas publicações que acusam os ataques ingleses sobre áreas não militares demostrando

os ataques ao povo alemão, podem ter duas análises pontuais; o simples fatos do jornal Deutscher

Morgen trazer essas imagens para suas páginas, já podem ser interpretadas como uma tentativa do

jornal fazer com que, seu leitor tenha uma tomada de posição sobre o conflito, pois quem ataca civis

e mata crianças, não é a Alemanha de Hitler, mas sim aviadores ingleses que propositalmente

atacam hospitais e áreas residenciais. Outro ponto a ser analisado é como os aviadores ingleses são

caracterizados pelo jornal, como por exemplo: bárbaros, piratas e que sem piedade atacam civis

inocentes e que passa a interpretação de legitimidade dos ataques alemães sobre a Inglaterra, já que

seria uma atitude de defesa perante as “atrocidades inglesas”.

Portanto é clara a ideia transmitida através do jornal Deutscher Morgen, quando expõe os

ataques sofridos sobre o “povo alemão”, o que legitima os ataques deferidos pelos exercito alemão

sobre outra nação. Como foi exemplificado acima no texto, existem algumas características que são

usadas para definir esses ataques sofridos a nação alemã, como o jornal expõe. Os ataques sempre

são contra uma população indefesa, portanto civil, alvos não militares como hospitais, e são mortos

nesses ataques até mesmo crianças. Além, de haver uma perseguição sobre o povo germânico, como

é retratado no caso das escolas alemãs na Polônia, passando a ideia sobre os conflitos que envolvem

a Alemanha em que, alemães estão sendo atacados impiedosamente e brutalmente, criando um

imaginário de vilão ao inimigo alemão.

2.2 Contra quem a Alemanha luta

Se existe uma guerra a ser travada existe um inimigo a ser combatido, mas contra quem a

Alemanha luta e como o inimigo alemão é construído na visão do jornal Deutscher Morgen?

Ao contrário da União Soviética as publicações antissemitas e contrária a Inglaterra

continuaram a ser publicadas. Uma importante publicação datada de 6 de setembro de 1940, consta

um importante registro sobre a visão do Deutscher Morgen sobre a população inglesa, com um

título chamado de “Isto é a Inglaterra”, o jornal publica uma série de três fotos juntamente a uma

pequena legenda, que anuncia o lançamento de uma obra que é dada a autoria ao Dr. Wilheim

Zieger a pedido do “Ministério de Propaganda e Orientação popular da Allemanha”, Zieger escreve

sobre a democracia inglesa. Segundo o jornal, o trabalho do Dr. Wilheim Zieger acabou de ser

publicado, desmascarando o que é chamado de “pseudo-democracia ingleza” e a miséria em que o

povo inglês está naquele momento22.

A partir de três imagens, a estrutura da sociedade britânica e exemplificada pelo jornal,

desse modo todas as imagens trazem crianças oriundas de alguma classe social. Na primeira

fotografia demonstra-se três crianças aparentemente bem-vestidas, filhos de aristocratas que

segundo o jornal não andam pelas ruas mais pobres da Inglaterra, na segunda imagem outras três

crianças filhas de plutocratas a bordo de um navio sobre águas americanas, dando a atenção ao fato

de terem poder aquisitivo para fugir da guerra segundo o jornal, enquanto na última imagem, as

crianças são filhos de operários e portanto não possuem como sair da Inglaterra, e tendem a ficar

como na fotografia mostra em porões23. As três imagens chamativas, com as legendas que colocam

em foco a desigualdade dentro da social inglesa, demonstram que classes mais abastadas filhos de

aristocratas e plutocratas circulam nas ruas e tem condições de fugir da guerra, enquanto a classe

operária amargura a miséria.

O

utro

ponto

funda

menta

l para

enten

der as

ideias

entrel

22 Deutscher Morgen, ed. 36, 1940, 6-Set.

23 Deutscher Morgen, ed. 36, 1940, 6-Set.

Figura 2: Deutscher Morgen, ed. 36, 1940, 6-Setembro.

açadas ao jornal Deutscher Morgen, são os discursos de Hitler, já que o jornal era vinculado ao

partido nazista. Para expor suas ideias trazem a transcrição do discurso do membro maior do partido

nazista: Adolf Hitler. Como Herf em seu livro a importância de Hitler: “Hitler permaneceu como o

principal narrador e propagandista. Seus discursos veiculavam por escrito na imprensa, eram

transmitidos nas rádios e trechos selecionados apareciam em centenas de milhares de pôsteres.”24

Na transcrição do discurso presente no jornal do dia 10 de outubro de 1941. Hitler expõe o

desejo de paz e conciliação com o primeiro-ministro da Inglaterra Wiston Churchill: “Nos meses em

que eu me esforcei em obter um entendimento, o sr. Churchill só tinha sempre uma única

exclamação: eu quero uma guerra. Ele a tem agora”25. Hitler portanto continua com seu discurso

enfatizando a necessidade que Churchill e seus colaboradores de procurarem uma guerra, Hitler

também cita a felicidade dos mesmos ao saberem que o conflito se iniciava no dia 1 de setembro de

193926. Hitler cita a Inglaterra como uma provocadora do conflito entre alemães e poloneses.

Portanto, Hitler em seu discurso cria uma imagem “maléfica” dos governantes inglês, chegando a

descrevê-los como insanos ao falar da procura de uma guerra por parte de Churchill.

Com o início da guerra contra a União Soviética o jornal Deutscher Morgen, volta a fazer

uma campanha anticomunista intensa. A primeira publicação em que se pode notar o

anticomunismo nas páginas do jornal, está datada de 27 de junho de 1941, que em sua manchete

está escrito “Os 'stukas' arrasaram o quartel general sovietico!” descrevendo o primeiro ataque

alemão sobre a União Soviética, mas o que chama atenção na primeira página é um pequeno texto

intitulado de “Churchill, inimigo ou amigo dos comunistas?” que cita as contradições e o

alinhamento dos ingleses juntamente aos soviéticos, segundo o texto, Churchill se mostrou um

grande inimigo dos comunistas em discursos proferidos na câmara dos comuns, e o próprio teria

frisado que não retiraria uma única palavra dita anteriormente27.

Segundo o jornal Churchill abandonaria esse discurso contra o comunismo e usando de suas

habilidades para encontrar o que é chamado de “desculpa rabuscada” para se aproximar dos

comunistas e, acabar com o que Churchill mencionou de “sede de sangue de Hitler”. Ainda nesse

texto, o jornal enfatiza que Hitler buscou barrar “o perigo mundial do comunismo” através do

tratado de paz entre União Soviética e Alemanha, sendo que esse tratado, evitaria um derramamento

24 HERF, Jeffrey. Inimigo judeu: propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. São

Paulo: EDIPRO, 2014, p. 59.

25 Deutscher Morgen, ed. 41, 1941, p. 4, 10-Out.

26 Deutscher Morgen, ed. 41, 1941, 10-Out.

27 Deutscher Morgen, ed. 26, 1941, 27-Jun.

de sangue e a paz perduraria entre as nações e seria de beneficio de todo o mundo, mas o jornal

esclarece “O pacto de não agressão que a Alemanha havia firmado com o Estado russo redundária

em grande benefício para todo o mundo, embora os bolchevistas o tivessem rasgado logo depois”28.

Mas o pacto de Churchill libertou as “algemas” que seguravam os russos, e dessa forma o povo

russo marcham contra todo o povo europeu, destruindo a sua cultura e suas crenças. O jornal em

uma mesma frase justifica o pacto entre russos e alemãs e ataca o pacto entre ingleses e russos: “O

pacto de Hitler foi um ato de paz: o pacto de Churchill com a rubra Moscou é uma ação de guerra

mortífera brotada do pavor insano dêsse <pai da segunda guerra mundial> ante o desmoronamento

fatal frente a Temis vingadora.”29 Churchill é declarado como da “pai da segunda guerra mundial” o

grande vilão e incitador portanto do conflito, além disso, ao mesmo tempo em que o pacto feito

entre a Alemanha e União Soviética é enaltecida, por ser um ato supostamente de paz feito por

Hitler, o pacto de Churchill e o revés da paz, um pacto feito com a União Soviética para causar mais

conflitos e mortes.

A figura construída em torno de Churchill foge a sanidade mental do primeiro-ministro

inglês, Churchill é descrito como uma pessoa sedenta por conflito buscando a guerra e a destruição

a qualquer custa da Alemanha, contrária a figura construída em torno de Hitler, que mesmo com

ideologias diferentes, propôs a paz e a conciliação entre os povos.

O jornal Deutscher Morgen, ao citar o comunismo faz com que ingleses e soviéticos sejam

pertencentes a uma única nação, ou até, que ambos só teriam chagado a um acordo para um único

fim: destruir o povo alemão. Dessa forma criam na população um medo, esclarece que a população

de modo geral não tem motivos para se aventurar em conflitos, portanto e necessário criar medo,

amedrontá-las é nessa perspectiva que a construção de um inimigo poderoso e que se une contra a

Alemanha é criado.30

2.3 O inimigo judeu

O jornal Deutscher Morgen publica uma série de reportagens que procura enquadrar os

inimigos da Alemanha ao chamado “povo judeu”. Também são descritas elementos da vida desse

suposto grupo. Nesse capítulo procurarei entender demostrar como o conceito antissemita se

enquadra nas páginas do jornal e como e formado o maior inimigo alemão.

28 Deuscher Morgen, ed. 26, 1941, pg 1, 27-Jun.

29 Deuscher Morgen, ed. 26, 1941, pg 1, 27-Jun.

30 CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,

2013.

Herf seu livro o inimigo Judeu, demonstra como os alemães enquadraram e criaram através

da propaganda antissemita um inimigo de proporções inimagináveis, o que o jornal Deutscher

Morgen e a propaganda nazista chamou de Judaísmo Internacional. Os judeus por tanto, ganham

nas páginas do Deutscher Morgen um papel na guerra fundamental, pois segundo o jornal são eles

juntamente a lideres de outras nações usados como fantoches, para chegar a um objetivo: a

dominação mundial.31

Os judeus ganham várias atribuições perante o jornal, a mais notória é a incitação da guerra

e ódio supostamente feita pelo grupo religioso, o título de uma matéria já resume como o jornal

descrevem o povo judeu: “Judaismo Massacrador de Povos”. A matéria tem como principal

proposta, demonstrar através de fatos supostamente históricos e bíblicos como foi a história do

judaísmo na tentativa de dominação mundial. Em diversas passagens do texto a uma clara menção a

ideologia racial, onde arianos são visto como o povo de deus. O jornal ainda invoca o profeta Ageu,

que segundo o jornal supostamente já preveria o domínio dos povos pelo “povo judeu”. As

passagens bíblicas são amplamente usadas ao decorrer do discurso, para descrever o que é chamado

de “Fatos históricos demonstrativos das trapaças judaicas para a obtenção do domínio mundial”32.

Outra parte da matéria, leva o subtítulo de “O ódio – um elemento da vida do judeu”; o jornal ainda

cita que desde o surgimento do judaísmo, o que tem se propagado por esse “povo” são a

intolerância e o ódio sobre os que o jornal chama de não judeus33. Fica evidente o antissemitismo

nas páginas do Deutscher Morgen, a propaganda perante o povo judeu, demonstra uma guerra

travada pelos Terceiro Reich que combate o que parece ser o fruto de diversas guerras ao longo dos

séculos, já que o judeu é declarado como o incitador de guerras. Outro ponto que podemos analisar,

é a utilização de um livro que é visto por muitos leitores como algo divino, livro esse a bíblia, e

portanto aos leitores religiosos, é mais do que suficiente para comprovar o que o jornal expõe. O

uso da bíblia também pode ser visto perante o leitor como uma ato premeditado do “povo judeu”.

Na edição 39 de 1941, o jornal Aurora alemã, em uma página destinada a fotografias, expõe

uma foto de um grupo de trabalhadores que carregam com sigo um pá, a frente desse grupo um

homem vestindo o que parece ser uma farda militar, fazendo um sinal de continência.

31 HERF, Jeffrey. Inimigo judeu: propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. São

Paulo: EDIPRO, 2014.

32 Aurora alemã, ed. 36, 1941, p. 4, 5-Set.

33 Aurora alemã, ed. 36, 1941, p. 4, 5-Set.

Na

legenda

da

imagem é

exposto

que os

homens

que

seguem

com as

pás nas

mãos, são

judeus,

enquanto

o homem

a sua

frente é um “natural do país”. Trago essa imagem para demonstrar um outro elemento na construção

do judeu, segundo é claro o jornal Aurora alemã, e em diversas passagens inclusive nessa o judeu

não é visto como um trabalhador digno ou alguém que produz algo e com esse trabalho ganha seu

dinheiro, mas alguém que usurpa a riqueza alheia beneficiando-se de “outros povos” como inclusive

o povo alemão. É nessa visão que o nazismo empregou os “culpados” pela crise alemã durante a

República de Weimar, “Responsabilizavam os 'judeus marxistas' e os partidos republicanos que

haviam assinado o tratado de paz, pela situação desesperada em que se encontrava o país."34 dessa

forma, a imagem do judeu na Alemanha perpassa o começo da Segunda Guerra Mundial, aplicando-

se anteriormente ao conflito.

3. Considerações Finais

O jornal Deutscher Morgen foi um importante meio de divulgação do nazismo no Brasil, já

34 ALMEIDA, Ângela Mendes de. A República de Weimar e a ascensão do nazismo. São Paulo: Editora

brasiliense, 1982, p. 102.

Figura 3: Aurora Alemã, ed. 39, 1941, página 9. 26-Setembro.

que o mesmo era vinculado ao partido. Dessa forma, o período de análise do jornal, se passa durante

a Segunda Guerra Mundial, na qual a Alemanha se encontra envolvida. Assim, o jornal se propõe a

divulgar notícias do conflito, a partir das concepções do partido nazista.

Com a análise do jornal, foi perceptível que na visão dos redatores do mesmo, divulgou-se a

ideia de que os inimigos da Alemanha e da paz mundial, seriam: os judeus, comunistas e, os

ingleses. Partindo dessa ideia, passou-se a interpretação de que os alemães eram os oprimidos, e não

os opressores. Portanto, o jornal tem intuito de propagandear os conceitos nazistas a partir da

Segunda Guerra Mundial em prol da Alemanha, criando opressores e oprimidas, baseando-se nas

publicações feitas.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Ângela Mendes de. A República de Weimar e a ascensão do nazismo. São Paulo:

Editora brasiliense, 1982.

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; KOSSOY, Boris (orgs.). A imprensa confiscada pelo deops:

1924 – 1954. São Paulo: Ateliê Editorial; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Arquivo do

Estado, 2003.

CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins

Fontes, 2013.

DARNTON, Robert; ROCHE, Daniel (orgs.). A Revolução Impressa: A Imprensa na França,

1775-1800. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

DIETRICH, Ana Maria. Caça às suásticas: o Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia

Política. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,

Fapesp, 2007.

DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O Partido nazista no Brasil. 2007. p. 389. Tese

(Doutorado em História) USP, São Paulo, 2007.

HERF, Jeffrey. Inimigo judeu: propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o

Holocausto. São Paulo: EDIPRO, 2014.

PINSKY. Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008.

FONTE:

Jornal Deutscher morgen Publicações 1939 à 1941

Disponíveis em:

<bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/8049/browse?value=Alemães+-+Brasil+-