trechos de Sao Rafael Arnaiz Portugues

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TEXTOS DE SÃO RAFAEL ARNÁIZ EM PORTUGUES RETIRADOS DO BLOG: http://rafaelarnaiz.blogspot.com.br/ SÓ DEUS E EU! Silêncio nos lábios Cânticos no coração Alma que vive de amores De sonhos e de esperanças Alma que vive de Deus. Alma que olha ao longe Longe, muito longe do mundo Passando a vida em silêncio Cantando no coração. Uma Trapa... Um mosteiroUm homemSó Deus e eu! Passam rápidos os dias Neles se vai a vida Sonhamos com o passado Esperamos o que há de vir A alma olha ao longe Buscando a única vida E espera que seja melhor. Uma Trapa... Um mosteiro... Um homem... Só Deus e eu! ___________________________________________________________________________ Hoje saí de casa quando começava a anoitecer. Atravessei as ruas principais da cidade e, um pouco aturdido com o barulho das pessoas, dos carros e as luzes, me dirigi aonde meu espírito necessitava, a Casa de Deus. Estava quase deserta; uma mulher recitava orações diante de um altar mal iluminado; outro grupo de mulheres cochichavam junto a um confessionário, e o Senhor, Deus da criação, o Juiz dos vivos e dos mortos, estava no Sacrário esquecido pelos homens. Na paz e no silêncio da Igreja, minha alma se abandonava em Deus. Via passar diante de mim todas as misérias e todas as desgraças dos homens, seus ódios e suas lutas, e pensava que se este Deus que se oculta em um pouco de pão não estivesse tão abandonado, os homens seriam mais felizes, mas não querem sê-lo.

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alguns trechos das obras de São Rafael Arnáiz em português.

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TEXTOS DE SÃO RAFAEL ARNÁIZ EM PORTUG UES RETIRADOS DO BLOG:http://rafaelarnaiz.blogspot.com.br /

SÓ DEUS E EU!

Silêncio nos lábiosCânticos no coraçãoAlma que vive de amoresDe sonhos e de esperançasAlma que vive de Deus.

Alma que olha ao longeLonge, muito longe do mundoPassando a vida em silêncioCantando no coração.

Uma Trapa...Um mosteiro…Um homem…

Só Deus e eu!

Passam rápidos os diasNeles se vai a vidaSonhamos com o passadoEsperamos o que há de virA alma olha ao longeBuscando a única vidaE espera que seja melhor.

Uma Trapa...Um mosteiro...Um homem...Só Deus e eu!___________________________________________________________________________“Hoje saí de casa quando começava a anoitecer. Atravessei as ruas principais da cidade e, umpouco aturdido com o barulho das pessoas, dos carros e as luzes, me dirigi aonde meu espíritonecessitava, a Casa de Deus. Estava quase deserta; uma mulher recitava orações diante de umaltar mal iluminado; outro grupo de mulheres cochichavam junto a um confessionário, e oSenhor, Deus da criação, o Juiz dos vivos e dos mortos, estava no Sacrário esquecido peloshomens. Na paz e no silêncio da Igreja, minha alma se abandonava em Deus. Via passardiante de mim todas as misérias e todas as desgraças dos homens, seus ódios e suas lutas, epensava que se este Deus que se oculta em um pouco de pão não estivesse tão abandonado,os homens seriam mais felizes, mas não querem sê-lo”.

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Rafael e a Virgem Mar ia

“As primeiras palavras que me disse o Irmão porteiro quando entrei na hospedaria da Trapaforam: ‘E agora já não te preocupes, e qualquer coisa que te ocorra, fala com a Virgem Maria,pois a mim, em vinte e tantos anos que sou trapista, nunca me negou nada’. E aquele homemdizia isso com tanta unção e com uma fé tão grande quando falava de Nossa Senhora, quedesde o primeiro dia, efetivamente, Ela também não me negou nada. Me parece, e isto deveser tomado como coisa minha e portanto não se leve em conta, que quanto mais amor se temà Virgem, sem que nos demos conta, mais amor teremos a Deus”

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"Me dei conta de que o que desejei não temvalor aos olhos de Deus e que o melhor épor-se em Suas Mãos e nada mais"

___________________________________________________________________________“Vou, Senhor...Não me importa que o caminhopor onde me leves seja difícil,seja abrupto eesteja cheio de espinhos...Vou, Senhor...Porque és Tu o Único quepreenche minha alma”

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“Cristo Jesus, ensina-me a padecer. Ensina-me a ciência que consiste em amar o menosprezo,a injúria, a abjeção. Ensina-me a padecer com essa alegria humilde e sem alardes dos Santos.Ensina-me a ser manso com os que não me querem ou me desprezam. Ensina-me essa ciênciaque Tu, desde o cume do Monte Calvário, mostras ao mundo inteiro. Mas já sei...Uma vozinterior muito suave me explicou tudo. Algo que sinto em mim que vem de Ti e que não seiexplicar me decifra tanto mistério que o homem não pode entender. Eu, Senhor, a meu modo,o entendo...É o amor...Nele está tudo. Já o vejo, Senhor e não necessito mais, não necessitomais...É o amor...Quem poderá explicar o amor de Cristo? Calem-se os homens, calem-se ascriaturas. Calemos a tudo para que no silêncio ouçamos os sussurros do Amor, do Amorhumilde, do Amor paciente, do Amor imenso, infinito que nos oferece Jesus com seus braçosabertos desde a Cruz. O mundo louco não escuta. Louco e insensato, voa embriagado em seupróprio ruído. Não ouve Jesus, que sofre e ama desde a Cruz. Mas Jesus necessita de almasque em silêncio Lhe escutem. Jesus necessita de corações que, esquecendo-se de si mesmos elonges do mundo, adorem e amem com frenesi e com loucura Seu Coração dolorido eesgarçado por tanto esquecimento. Jesus meu, Doce Dono de meus amores, toma o meu”.

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Em todo o momento amar a Deus

"Basta purificar a inteção em todo o momento e em todo o momento amar a Deus; fazer tudopor amor e com amor...O ato em si não é nada e nada vale. O que vale é a maneira de fazê-lo"

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Palavras de um par ente de Rafael

Escrito por Bruno, do Blog Religión en Liberdad

O Irmão Rafael, por fim Santo!

Uma das grandes bênçãos que Deus me regalou pelo tempo que dedico a este Blog foi aoportunidade de conhecer muitas pessoas interessantes: companheiros de caminho até a Pátriaeterna dentro da Igreja, Sacerdotes, Religiosos, famílias em missão, convertidos, nobresadversários em mil e uma discussões...

Uma dessas pessoas que agradeço a Deus haver conhecido atrav´s deste Blog é parente doIrmão Rafael. Assim que pensei pedir-lhe que escrevesse umas linhas sobre este Santo. Quemaravilha ter um Santo na família! Com grande acerto, foi contando algo sobre a sua vida,com frases do próprio Rafael.

“Estimado Bruno,

Com respeito ao seu amável convite para escrever algo sobre Rafael Arnáiz lhe envio asseguintes reflexões, frases dele e passagens de sua vida, fincando pé em sua passagem pelaFaculdade de Arquitetura, talvez porque nós compartilhamos essa vocação.

Devendo começar por alguma parte, o faço destacando que o caminho espiritual deste Santocomeça na família. Seus pais se esforçaram por construir um lugar para a família de acordocom Deus, o qual girava em torno do amor, da fé e da cultura no mais alto nível. RafaelArnáiz, o pai, era engenheiro de Montes e em certas ocasiões se fazia acompanhar ao trabalhopor seu filho mais velho, percorrendo a formosa e variada geografia asturiana, o que permitiuao menino aprender da técnica e da natureza. Esses passeios com o pai, as conversasinteligentes sobre diversos temas, em especial os transcendentes, o ajudaram a descobrir Deusna beleza da criação, motivando-lhe a essa oração espontânea e íntima que praticou por todaa sua vida:

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‘Se me impr essiona uma paisagem é porque nela vejo Deus; e as cor es, os ventos e o solsão obr as suas’

A mãe, Mercedes Baron, mulher piedosa, lhe ensinou as primeiras orações, assim comotambém a afeição pela música, o teatro e a pintura.

‘Passei um dia feliz, debruçado sobre a pr ancheta..., mas pensando bem, não são ospincéis e as cor es que alegram as minhas hor as de trabalho; é o tr abalho mesmo, é aCr uz que estou desenhando, a causa de minha alegr ia’.

“Como era aquele jovem de 19 anos que foi para a capital estudar na Universidade? Era deestatura média, bem vestido sempre, não por vaidade mas como reflexo de um profundosentido estético e cultural. Seus gestos simples não careciam de sóbria elegância. Risonho,amigável, de boa conversa, enamorado de tudo o que era arte, sabia também buscarmomentos de solidão e silêncio. Popular entre as moças, conservou seus ideais de pureza ecastidade, que seguia cultivando uma ordem pessoal referente a Deus, e um respeito aosentido e dignidade da vida humana.

‘Quanto mais tentações tenha, mais fir me estarei no caminho, porque por tr ás de mimest á Nossa Senhor a’.

Ele teve essa humildade que dispõe à sabedoria e à graça de Deus, a Quem sempre buscou. Eencontrando-Lhe, correspondeu deveras, constituindo-se em um testemunho vivo da fé.

‘Feliz em meu nada e ditoso em meu Tudo que é Jesus’.

Algo a destacar pelas pessoas que lhe conheceram foi o seu olhar, atento, amável, mas quepor momentos era como se perdesse no infinito.

‘A alma olha ao longe buscando a única vida que espera em um mar de esper anzas sejamelhor’

Em geral, foi um jovem de seu tempo, com qualidades físicas e morais, mas especialmentecom altos ideais e muito amor, primeiro a Deus e, em Deus, ao próximo e a toda a criação.

‘Amar muito a Deus, amar muito a Mar ia; olhar ao céu, cantar , tornar -se louco’.

Uma das tantas definições do que é a Arquitetura, de alguém reconhecido para aquelemomento, pode ilustrar sobre o porque do entusiasmo desta arte/ciência: ‘A Arquitetura é umfeito plástico, é o jogo sábio, correto, magnífico dos volumes debaixo da luz...Mas além dautilidade, do conforto..., é a arte do sentido mais elevado, é ordem matemática, é teoria pura,harmonia completa graças à exata proporção de todas as relações’(Le Corbusier, 1929).

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‘Na har monia da cr iação, cada homem, cada coisa, segue o curso traçado por Deus’.

Rafael se matricula na ‘Escola Técnica Superior de Madri’(ETSAM), fundada em 1844, amais antiga da Espanha. Naquela época e até 1936, ocupou uma parte do Edifício dos ReaisEstudos de San Isidro, na rua em que estudava. É curioso, pois um dia deixou aquele edifíciode San Isidro, depois de quase 4 anos, para entrar em outro de nome similar, o da Trapa deSan Isisdro (ou Isidoro), onde morreu.

’Senhor , não posso deter -me; tenho que seguir até Ti’.

Já como estudante, em seu dia a dia, mantuve a relação já estabelecida com Deus; estando nomundo, não foi do mundo. Continuou com a oração pessoal que cultivou desde pequeño,frequentou o Sacrário e a Adoração Noturna.

'Cr isto est á no Sacr ár io e nã o faz mais que esperar que Seus filhos vão estar com Eleum pouco’.

Se inscreve também na Congregação Mariana de Madri, pelo carinho que professava àVirgem.

‘Quanta ternur a tem essa Divina Mã e!’

Vivia sozinho em uma pensão na Praça El Callao. Madri não era uma cidade fácil e ele chegaa ela no momento dos últimos intentos da monarquia de perdurar e no meio de toda a agitaçãopolítica e social que acompanhou à República, com seu ideal de progresso. Rafael, à luz doque via, escreverá:

‘O pr ogr esso sem Deus é ruído que atur de’" .

“Logo na primeira guerra mundial, a Arquitetura Moderna se consolida: simplicidade deformas, ausência de ornamentos, renúncia à composição acadêmica clássica e comoreferência, a arte moderna (cubismo, expressionismo, neoplasticismo, futurismo, etc). Nosanos trinta, o ‘racionalismo arquitetônico’busca responder às novas necessidades das massascom as novas tecnologias.

Rafael, sempre atualizado, estaria inteirado das propostas de vanguarda, por exemplo, as deFernando Garcia Mercadal, vindo de sua mesma Escola e quem, justamente em 1930, comalguns colegas (Aizpúrua, Sert, Clave) funda o GATEPAC. E claro, através dos jornaisfranceses que lia, se intera das idéias de arquitetos como Charles-Édouard Jeanneret, e emrepúblicas de estudantes, logo no cinema, em cafés ou restaurantes nas proximidades de GranVia, conversaria de Gropius, Mies, Neutra. Sobretudo, ele refletirá logo, enquanto estuda emseu quarto, ou escuta música, ou dirige o carro...

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‘Senhor , embor a esteja ocupado com mil coisas, tenho meu espí rito posto em Vós’

Como arquiteto sensível, amou a Deus, Beleza Infinita, Desenhista e Criador Supremo,Sentido de Tudo.

‘O que vislumbra um pouquinho da grandeza de Deus, entontece’.

Logo, ao lhe crescerem as ânsias de plenitude, lhe impressiona a vida monástica. Encontrouna Trapa uma simplicidade, uma sobriedade, uma inspiração para meditar sobre a beleza daJerusalém Celeste, que o leva muito mais além do Partenon, muito mais além das maravilhasaqui da terra.

‘Por tanto aqui na Tr apa ocorr e o dito popular: todos podem olhar mas são poucos osque vêem. Mas os que sã o cristã os e têm fé, na Trapa vêem algo mais do que isso. Vêema Deus de uma maneir a palpá vel’.

Sentiu, na entrega plena ao Senhor, a sua vocação definitiva, e correu para ela. Mas não lhefoi fácil tomar esta decisão e mudar de vida. Teve dúvidas humanas mas foi mais forte aalegria do ‘dar-se de todo ao Tudo, sem tirar nada’(Santa Teresa), que o fazia exclamar, jávivendo no Mosteiro, coisas como esta:

‘Tudo r espir a paz...Dá vontade de mor rer...Que Grande é Deus!...Que Bem faz ascoisas!...Quanto Deus ama este pobre Trapista!...Deus sabe...’" .

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O caminho da Cr uz é doce

"O doce caminho da cruz...É o caminho do sacrifício, da renúncia, às vezes da batalhasangrenta que se resolve em lágrimas no Calvário ou no Horto das Oliveiras...O caminho,Senhor, é ser o último, o enfermo, o pobre oblato trapista que às vezes sofre junto à Cruz".

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Nã o per mitas, Senhor , que me afaste de T i

“Bendito Jesus, como expressar-Te, oh Senhor, a grande ternura que minha alma sente ante adoçura de Teu Amor? Que fiz eu, Deus meu, para que assim me trates? Tão de imediato seinunda minha alma de profunda amargura como se preenche de regozijante alegria ao pensarem Ti e no que Tu prometes ao final da jornada. Que fiz eu, Senhor?

Hoje, na Santa Comunhão senti o consolo de um verme perto de Ti, quando tudo parece queme abandona. Quis, Senhor, cravar em Teu Coração essas palavras que digo todos os dias:

Não permitas, Senhor, que me afaste de Ti!

Abraçado a Tua Cruz, entrei no Capítulo...Ao pé da Tua Cruz tomei o Alimento de quenecessita minha débil natureza...Aos pés de Tua Ensanguentada Cruz, encontro o consolo deescrever estas linhas...

Não permitas que me afaste de Ti, Senhor!

Esteja sempre, Senhor, à sombra do Duro Madeiro. Põe ali, a Teus pés, minha cela, meuleito...Tenha eu, Senhor, ali minhas delícias, meus descansos no sofrer...Que regue o solo doCalvário com minhas lágrimas...Ali, ao pé da Cruz, tenha minha oração, meus exames deconsciência...

Não permitas, Senhor, que me afaste de Ti!

Que alegria tão grande é poder viver ao pé da Cruz. Ali encontro a Maria, a São João e atodos os que Te amam. Ali não há dor, pois ao ver a Tua, Senhor, quem se atreve a sofrer?Ali tudo se esquece, não há desejo de gozar, nem ninguém pensa em penas...Ao ver TuasChagas, Senhor,, só um pensamento domina a alma...Amor...Sim, amor para enxugar TeuSuor, amor para adoçar Tuas Feridas, amor para aliviar tão imensa Dor.

Não permitas, Senhor, que me afaste de Ti!”

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Quar esma para Rafael

CONTIGO AO MEU LADO, TUDO POSSO!

“Senhor, ontem vi claramente que só recorrendo a Ti se aprende; que só Tu dás forças nasprovas e tentações, e que somente aos pés da Cruz, vendo-Te cravado nela, se aprende aperdoar, se aprende humildade, caridade e mansidão.

Não me esqueças, Senhor...Olha-me prostrado aos Teus pés e concede o que Te peço.

Venham logo desprezos, venham humilhações, venham açoites da parte das criaturas...Queme importa? Contigo ao meu lado posso tudo. A portentosa, a admirável, a inenarrável liçãoque Tu me ensinas da Tua Cruz, me dá forças para tudo.

A Ti, te cuspiram, Te insultaram, Te açoitaram, Te cravaram em um Madeiro e, sendo Deus,perdoavas; Humilde, calavas; e ainda Te oferecias...Que poderei dizer eu de Tua Paixão?Mais vale que nada diga e que dentro de meu coração medite nessas coisas que o homem nãopode chegar jamais a compreender.

Contente-me, eu, com amar profundamente, apaixonadamente, o Mistério da Tua Paixão, eaprenda a sofrer da maneira que Tu fizeste. Já sei que isso é o impossível dos impossíveis,mas olha, Senhor, minha intenção”.

Dos escritos de Rafael07 de abril de 1938___________________________________________________________________________

Irm ão Rafael dá seu cor açã o a J esus

“Jesus necessita de corações que, esquecendo-sede si mesmos e longes do mundo, adorem eamem com frenesi e com loucura Seu Coraçãodolorido e rasgado por tanto esquecimento.Jesus meu,Doce Dono dos meus amores,toma o meu!”___________________________________________________________________________Rafael e o Coro

“Quando estás no Coro e com o Saltério diante de ti,podem se passar horas e horasque não te dás conta”

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Dos escr it os de Rafael: A vida é luta!

Ave Maria!

Às cinco da manhã. Um trapista que acaba de comungar, que vai dizer? Em que vai pensar?Talvez esteja sua alma entontecida.É muito sublime o que acaba de fazer...Mas não, nãoacontece assim...Ainda é homem sobre a terra e não anjo do céu, e como homem que se vaiesperar dele? ‘Seu espírito está pronto mas sua carne é fraca’(Mt 26, 41).

Arrasta seu corpo como Deus lhe dá a entender. Sua alma quisera voltar a regiões de luz massuas pálpebras lhe pesam de sono, se fecham, e lhe fazem recordar que a vida é luta, e lutacontra as trevas.

Verdadeira humilhação é ter que viver. Verdadeira humilhação é estar sujeito ao corpo, a estecorpo que tantas vezes nos vence e de quem não podemos prescindir, embora queiramos.

Verdadeira humilhação é não poder receber a Deus em outro lugar, senão no que tem que ser,aqui, dentro de nós, dentro de nossa miséria, dentro de nossa alma sujeita à matéria...a essamatéria que leva para baixo quando as pálpebras carregadas de sono querem cair-se.

Senhor Jesus, perdoa a este pobre oblato trapista...Não meças o amor que Te tem pelo que fazou Te diz, pois muitas vezes nem Te diz nem faz nada. Sua vontade é outra e não a dos seusatos. Sua alma só acerta em reconhecer que nada merece. E se Te pões, Senhor, a examinar,se tiveres em conta nossos pecados, Senhor, Senhor, quem poderá subsistir diante de Ti?(Salmo 129,3)

Pobre oblato cisterciense, que sem querer dorme no Coro...Pobre freizinho, que com ânsiasde voar vê suas asas cortadas e amarradas a seu corpo e a suas misérias. Contenta-te comcaminhar pela humilde senda que Deus te mostra, e que te sirvam tuas próprias fraquezas paraaprender a amar a Deus, que te quer tal qual és, fraco e débil, e com as pálpebras carregadasde sono.”___________________________________________________________________________

Or ação de Quaresma do Beato Rafael Ar ná iz

“Ajoelhado aos pés de Tua Santíssima Cruz, Te peço paciência, humildade e mansidão. Tu,desde Tua Cruz me ensinaste a perdoar. Que me ensinarão os homens que não me ensines Tudesde Tua Cruz?

Somente aos pés de Tua Cruz se aprende a perdoar...A lição que Tu me ensinas desde a Cruzme dá forças para tudo.

Que doce é a Cruz de Jesus! Que Bom é Deus que me ensina desde Sua Santa Cruz!”

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Silêncio

“Muitas pessoas me perguntam acerca do silêncio da Trapa e eu não sei o que responder, poiso silêncio da Trapa não é silêncio; é um concerto sublime que o mundo não compreende. Éesse silêncio que diz: Não faças ruído, irmão, que estou falando com Deus. É o sil êncio docorpo para deixar a alma gozar da contemplação de Deus. Não é o silêncio de quem não temnada a dizer, mas o silêncio de quem, tendo muitas coisas dentro, e muito formosas, se calapara que as palavras, que sempre são torpes, não adulterem o diálogo com Deus. É o silêncioque nos faz humildes, que nos faz sofridos, que ao ter uma pena nos faz contá-la somente aJesus, para que Ele também, em silêncio, nos cure sem que os demais se interem. Na paz e nosilêncio, minha alma se abandona a Deus”.

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Sobre o silêncio

“Nada encontro nos livros. Somente encontro no silêncio de tudo e todos... Nesse silêncio quenem o pensamento se atreve a perturbar, nesse silêncio que rumina amores e esperanças,somente aí se pode viver.

Nada me dizem o mundo ou as criaturas... Tudo é ruído... Só no silêncio de tudo e de todosencontro a paz de teu amor, Senhor. Só no humilde sacrifício de minha solidão encontro oque busco, tua Cruz, e nela estás Tu, e estás só, sem luz e sem flores, sem nuvens e sem sol...

Somente no silêncio se pode viver, mas não no sil êncio de palavras e de obras, não; é outracoisa muito difícil de explicar... É o silêncio de quem quer muito, muito, e não sabe que dizer,que pensar, nem o que desejar, nem o que fazer. Só Deus ali dentro, muito caladinho,esperando, esperando, não sei... É muito bom, Senhor.

Silêncio, oração, renúncia e sacrifício com um sorriso nos lábios e paz no coração, isso éamor.

Embora tudo o que tu desejas se cumprisse, nada terias se tua alma não estivesse em solidão eteu coração em oração".

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Má ximas espir ituais do Beato Rafael

“Que grande é Deus! Que bem ordena todos os acontecimentos sempre para sua glória!

Só Deus preenche a alma e a preenche toda!

A verdadeira felicidade se encontra em Deus e somente em Deus!

O que não tem a Deus necessita de consolo; mas o que ama a Deus, que maior consolo?

Como se inunda minha alma de caridade verdadeira pelo homem, pelo irmão débil,doente...Se o mundo soubesse o que é amar um pouco a Deus, também amaria ao próximo!

Ao amar a Jesus, forçosamente se ama o que Ele ama.

A única verdade é Cristo.

Fiz o voto de amar sempre a Jesus. Virgem Maria, ajuda-me a cumprir o meu voto.

Para Jesus tudo, e tudo para sempre, para sempre!

Não bastou a Deus entregar-nos seu Filho numa Cruz, também nos deixou Maria.

Honrando a Virgem, amaremos mais a Jesus; colocando-nos debaixo de seu manto,compreenderemos melhor a misericórdia divina.

Que grande é Deus! Que doce é Maria!”

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Deus e minha alma

“Senhor, o mundo é pequeno para conter tudo o que Tu me dás. Quem poderá explicar o queé possuir a Suma Verdade? Quem terá palavras suficientes para dizer o que é o ‘nada desejopois possuo a Deus’?

Minha alma quase chora de alegria...Quem sou eu, Senhor? Onde porei meu tesouro para quenão se manche? Como é possível que viva tranqüilo, sem temor que me roubem? Que faráminha alma para agradar-lhe?

Pobre irmão Rafael que terá que responder diante de Deus por tantos benefícios que aqui lhesão feitos e que tem um coração de pedra que não chora tantas ingratidões e tantos desprezosà Graça Divina!

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Vivo, Senhor meu, afogado em minhas próprias misérias e, ao mesmo tempo, não sonho nemvivo mais que para Ti. Como se entende isso? Vivo sedento de Ti! Choro meu desterro, sonhocom o céu. Minha alma suspira por Jesus, em quem vê seu Tesouro, sua Vida, seu únicoAmor. Nada espero dos homens. Te amo com loucura, Jesus meu, e entretanto, como, rio,durmo, falo, estudo, e vivo entre os homens sem fazer loucuras. E ainda me envergonho dever que busco minhas comodidades. Como se explica isso, Senhor?

Como é possível que Tu coloques a tua Graça em mim? Se ao menos em algo tecorrespondesse, talvez isso me explicasse.

Jesus meu, perdoa-me, devia ser santo e não o sou. E era eu o que antes se escandalizava dealgumas misérias dos homens. Eu? Que absurdo!

Já que Tu me deste luz para ver e compreender, dá-me, Senhor, um coração muito grande,muito grande para amar a esses homens que são filhos teus, irmãos meus, nos quais a minhaenorme soberba via falhas e não me deixava ver a mim mesmo.

Se ao menos ao último deles houvesses dado o que me deste! Mas Tu fazes tudo bem! Minhaalma chora suas antigas manhas, seus antigos costumes. Já não busca a perfeição no homem,já não chora o não encontrar onde descansar, já tem tudo.

Tu, meu Deus, és o que preenche a minha alma; Tu, minha alegria; Tu, minha paz e sossego;Tu, Senhor, és meu refúgio, minha fortaleza, minha vida, minha luz, meu consolo, minhaúnica Verdade e meu único Amor!

Sou feliz, Senhor! Tenho tudo!”.

Dos escritos de Rafael12 de abril de 1938

___________________________________________________________________________Ador açã o de Rafael Ar naiz

“Fui adorar Jesus Redentor e lhe ofereci apenas minha pobreza absoluta de tudo. Mas nãoimporta, pois as misérias e fraquezas oferecidas a Jesus por um coração deveras enamoradosão aceitas por Ele como se fossem virtudes.”

Dos escritos de RafaelMeu Caderno 166 -806

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Beato Rafael nos mostr a como J esus nos ensinou e amou“Jesus nos ensinou. Jesus buscou a companhia dos enfermos, dos pobres e, sobretudo, dospecadores. Buscava as almas que ia redimir com seu Sangue tanto nas festas de bodas comonas praças públicas. É tanto o que Jesus amou aos homens!...Quanto temos que aprender comEle!...Bem-aventurados os que choram, disse Jesus, e eu creio que ao pousarem os olhos em Jesus,a turba que o seguia, bendiziam as suas próprias misérias que eram o que os unia a Jesus. EJesus lhes olhava... E Jesus curava...E Jesus consolava...E Jesus, o terno Jesus, perdoava... Acena não mudou, exceto que Jesus não está agora em pessoa no Lago Tiberíades. Jesus estáno Sacrário! Que intimidade tão grande a de Jesus com os que choram! Benditas lágrimasque nos fazem aproximar-nos de Jesus! Bendigamos nossas próprias misérias que foram acausa de Jesus buscar o nosso olhar!”.

Dos escritos de Rafael Cartas 182, 184___________________________________________________________________________Nã o faças ruído que estou falando com Deus“Cala, irmão, não faças ruído que estou falando com Deus!

Calemos a tudo para que no silêncio ouçamos os sussurros do Amor, do Amor humilde, doAmor paciente, do Amor imenso, do Amor infinito que nos oferece Jesus com seus braçosabertos desde a Cruz.

Calemos, o ruído das palavras estorva.

Calemos, guardemos silêncio pois nele falaremos, se sabemos buscá-lo, a nosso tesouro que éDeus.

Calemos, tanto quando somos consolados pelo Divino Jesus, quanto quando estamos a sóscom nossa cruz.

Calemos, pois com silêncio, oração e muita loucura por dentro, se espera muito bem a Suachegada e Ele chegará.

Calemos, pois ao calarmos é quando mais coisas dizemos.

Calemos pois o ter quieta a língua faz descansar o coração.

Calemos, pois no silêncio é onde muitas vezes se encontra o consolo que não podem nos daras criaturas.

Calemos...

Enquanto não buscarmos a Deus no silêncio e na oração, enquanto não estivermos quietos,não encontraremos paz nem encontraremos a Deus”

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______________________________________________________________________________________________________________________________________________________A her oicidade de um apagamento total

Por Ir mã Clara Isabel Mor azzani Ar rá iz, EP

Frequentemente julga-se que o pleno desenvolvimento de um homem consiste em ser bemsucedido na vida, galgar altos postos, conquistar prestígio, obter uma importante fortuna. Nãoé este, porém, o ensinamento que emana dos Livros Sagrados, referindo-se a quem se afanaem ajuntar riquezas, sem utilizá- las para glorificar a Deus: "Não permanecerá o homem quevive na opulência: ele é semelhante ao gado que se abate" (Sl 48, 13). Ou: "Que aproveita aohomem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder-se a si mesmo e se causa a sua própriaruína?" (Lc 9, 25).

Para Deus importa, antes de tudo, que o homem se conforme com Sua santa vontade. E estanão pede o mesmo a todas as almas: a umas designará para ocupar altos cargos ou distinguir-se pelas obras, desde que sempre centradas no amor a Deus; a outras chamará para a renúnciae o sacrifício. Tanto umas quanto outras serão grandes diante de Deus, e as segundas nãoterão menos mérito que as primeiras. O tribunal divino não julga pelas aparências exteriores,mas segundo o grau de docilidade à vontade de Deus. A história do Beato Rafael oferece umexemplo dessa entrega plena e desinteressada de uma vida que poderia ter atingido um grandeesplendor mundano.

Um menino privilegiado

Rafael Arnáiz Barón nasceu em Burgos, Espanha, a 9 de abril de 1911, numa aristocráticafamília. Seus pais, católicos fervorosos, educaram-no com esmero na prática dosMandamentos e no amor à virtude. Aos 10 anos, vendo-se impossibilitado de acompanharseus colegas à Missa de domingo, por estar enfermo, suplicou a um Sacerdote que lhe levasseo Santíssimo Sacramento. Impressionado com a piedade daquela criança, o Padre acedeu e, apartir daí, Rafael nunca mais abandonou a Comunhão dominical.

Diante do olhar profundo do jovem Rafael, seu futuro se descortinava em tons róseos eazulados. Sua inteligência penetrante, a vivacidade de sua conversa e seu trato amenoconquistavam-lhe todas as simpatias e aumentavam o atrativo natural que exercia sobre osque dele se aproximavam. Um marcado pendor artístico veio completar o encanto de suapessoa.

Rafael, porém, parecia feito mais para a contemplação das coisas celestes que para asbanalidades da vida terrena. Levava uma vida semelhante à dos outros moços de sua idade,mas seu olhar voava com facilidade até Deus. Dir-se-ia que sua nobre alma experimentava oexílio deste vale de lágrimas e ardia em desejos de horizontes sublimes. A resposta daProvidência a tais anseios, plantados por ela mesma naquele inocente jovem, não se faria

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esperar.

Na juventude, o despontar da vocaçã o

Aos 19 anos, estando na casa de seu tio em Ávila, foi solicitado a levar uma carta ao Abadedo Mosteiro Trapista de San Isidro de Dueñas. Essa visita seria para ele a clarinadareveladora de sua vocação.

"Aquilo que vi e passei na Trapa, escreveria ele mais tarde, as impressões que tive nesse santomosteiro, não podem ser explicadas; pelo menos eu não sei explicá-las, somente Deus o sabe.O que mais me impressionou foi o canto da Salve Regina, ao escurecer, antes de irem deitar-se. Aquilo foi algo sublime".

Com efeito, desde a época de São Bernardo, era costume nos Mosteiros cantar a Salve Reginalogo após as Completas, em homenagem à Santíssima Virgem. Diante da unção daquele hinoentoado por mais de 50 religiosos revestidos de brancos hábitos, Rafael sentiu-se convidado aimitá-los. Nesse dia, o projeto de dar-se à vocação monacal começou a germinar em suamente.

Ele continuou a levar sua vida comum. Dados os seus dotes para o desenho, estudou doisanos na escola de arquitetura, em Madri. Entretanto, a graça operara em seu interior umaverdadeira transformação, como ele mesmo descreve:

"Ali na Trapa, a sós com Deus e a própria consciência, muda-se o modo de pensar, o modo desentir e, o mais importante, o modo de agir nos atos do mundo".

A decisã o de abraçar a vida r eligiosa

Em 1933, estando de novo em Ávila, Rafael surpreendeu seu tio com uma notícia: estavaresolvido a abandonar o mundo e ingressar na Ordem Trapista, sem mesmo avisar seus pais,residentes ao norte do país, na cidade de Oviedo. Assim descreve seu tio a impressão que lhecausou a decisão do sobrinho: "Rafael era débil fisicamente, mas a fortaleza que faltava a seucorpo tinha em sua alma medida completa e transbordante. Sua vontade era de aço; eu tinha afirme convicção de que aquela determinação era de Deus; não era um capricho, nem umaimpressão, nem um engano; era o fruto divino de uma correspondência à graça, que oEspírito Santo dignava-se sustentar com um de seus mais preciosos dons: o da fortaleza".

Para demovê-lo de sua resolução de não ir antes a Oviedo, seu tio recorreu ao NúncioApostólico, que se encontrava em Ávila. Ante o desejo da autoridade religiosa, Rafael dobrou-se, por amor à obediência, reconhecendo naquela ordem o primeiro passo rumo à cruz, quedesejava abraçar.

Partiu para Oviedo e lá, após comemorar o Natal numa aparente alegria, comunicou a seuspais a decisão que tomara. Estes, como bons cristãos, acolheram-na com verdadeira emoção,

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agradecendo a dádiva que o Senhor lhes concedia.

Uma nova etapa na vida do jovem RafaelPara o jovem Rafael começava uma nova etapa: deixava para trás as comodidades, o carinhofamiliar, os passatempos mundanos, as promessas de um brilhante porvir. Sobretudo,renunciava àquilo que a criatura humana possui de mais arraigado: a vontade própria.Doravante esta se acharia inteiramente conformada à vontade divina.

No dia 15 de janeiro de 1934, as portas da Trapa abriam-se para o jovem postulante. Seucoração estava cheio de bons propósitos, que ele resumiu com estas palavras escritas poucosdias antes:

"Quero ser santo, diante de Deus, e não dos homens; uma santidade que se desenvolva nocoro, no trabalho, sobretudo, no silêncio; uma santidade conhecida somente de Deus e da qualnem mesmo eu me dê conta, pois, então, já não seria verdadeira santidade".

Essa santidade seria alcançada em meio a indizíveis sofrimentos e provações, na aparenteinutilidade, sem em nada manifestar-se exteriormente.

O primeiro período de vida religiosa foi para Rafael um verdadeiro paraíso. Se os jejuns e asmortificações por vezes arrancaram-lhe algumas lágrimas, sua alma sentia-se inundada deconsolações. A humildade que demonstrava ao acusar-se de suas faltas no capítulo de culpase sua atitude estática diante do tabernáculo impressionavam favoravelmente a comunidade,que logo se lhe afeiçoou.

A dur a pr ova da enfer midadePara Rafael, o rompimento com o mundo já ficara definitivamente para trás. Porém, não eramestes os desígnios divinos. Gozava de grande felicidade espiritual quando, em maio, sentiu osprimeiros sintomas da doença que o levaria à morte. O abatimento de suas forças obrigou-o aser transferido para a enfermaria. Pouco tempo depois, o médico diagnosticava uma diabetessacarina que progredia de forma alarmante e exigia um tratamento apropriado, que só poderiaser-lhe ministrado fora do Mosteiro.

Começava para ele a subida ao calvário, a aceitação submissa do cálice que lhe era oferecido.Via-se obrigado a voltar para o mundo, ao qual tão generosamente havia renunciado!

Seu confessor, Padre Teófilo Sandoval, narra a cena de sua partida do Mosteiro: "Os suspirose as lágrimas do angustiado Rafael faziam-me ver que em seu interior se desenrolava umatremenda crise espiritual que lhe oprimia o coração. Quando deixei o mundo - dizia-me -despedi-me de todos até a eternidade, e pela imprensa, Astúrias inteira soube que a graçahavia triunfado em mim, sobre a natureza... Agora volto para lá desfeito, inútil, com amortalha dentro da mala... O que dirá o mundo, tão propenso a se escandalizar? Eu queromorrer aqui, quisera que esta noite fosse a última de minha vida! Diante dessas expressões,compreendi que Rafael havia penetrado na terrível noite escura do sentido, do coração ."

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Rafael voltou para sua casa. O médico que o atendeu disse aos pais de Rafael que seu estadoera gravíssimo e que rezassem muito. Mas em algumas semanas verificou-se uma melhora emsua saúde e pôde aos poucos ir retomando a vida normal. Exteriormente aparentava ser omesmo Rafael de antes, com sua alegria contagiante e sua sensibilidade artística. Umaprofunda mudança, porém, efetuara-se em sua alma, modelando-a por inteiro. Experimentavaoutra alegria, aquela que só às almas amantes da cruz é dado conhecer.

Assim escreveu ele a um de seus superiores, algum tempo depois de sua saída do Mosteiro:

"Quando fui para a Trapa, entreguei-Lhe, a Deus, tudo quanto tinha e tudo quanto possuía:minha alma e meu corpo. Minha entrega foi absoluta e total. Justo é, pois, que Deus agorafaça de mim o que Lhe pareça e o que Lhe agrade, sem queixa alguma de minha parte,movimento algum de rebeldia. Deus não somente aceitou meu sacrifício quando deixei omundo, mas pediu-me maior sacrifício ainda, o de voltar a ele... Até quando? Deus tem apalavra. Ele dá a saúde, Ele a tira".

Essas palavras refletem bem o espírito de obediência com o qual acolhia a prova enviada pelaProvidência. Um ano e meio haveria de durar aquele exílio, durante o qual seu amor a Deusnão fez senão crescer e sublimar-se. Ao ingressar na Trapa, despojara-se de tudo, masconservava ainda o desejo de chegar a ser um bom trapista, de se tornar sacerdote; buscava-sea si mesmo, como mais tarde afirmaria. Deus, como Pai boníssimo, educava-o de forma apurificar sua alma daquelas asperezas tão legítimas, mas ainda humanas.

Por fim, Rafael implorou ser readmitido na Trapa na qualidade de oblato, uma vez que seuestado de saúde não lhe permitia adaptar-se ao regime da vida monacal.

Em janeiro de 1936, entrou pela segunda vez. Lá o esperavam novas tribulações: isolado naenfermaria, sujeito a um regime alimentício que provocava críticas dos companheiros,sofrendo algumas incompreensões, Rafael sentia-se inteiramente só. Dada sua debilidadefísica, proibiram-lhe até de participar do cântico do Ofício na Igreja. A esses sofrimentosjuntavam-se terríveis tentações que lhe sugeriam a idéia de ter errado de vocação. Ele tudoenfrentava com vigor de espírito e um inalterável sorriso nos lábios.

Ainda por duas vezes a enfermidade o tiraria de seu amado Mosteiro, mas novamente a elevoltaria, convencido de ser aquele o lugar que lhe designara a vontade divina, apesar dosobstáculos que esta mesma parecia lhe opor.

Os últimos meses de vida

Os derradeiros meses da vida de Rafael foram os últimos passos até o cimo do calvário que sepropusera galgar, como o refletem os escritos dessa época, embebidos de intensaespiritualidade e amor à perfeição.

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Sua alma atingia aquela indiferença recomendada por Santo Inácio, pela qual o homem nadadeseja para si e deixa-se levar pelo beneplácito divino. Uma única paixão dominava- lhe ocoração: Deus!

"Tudo o que faço, é por Deus. As alegrias, Ele as manda; as lágrimas, Ele as dá; o alimento,tomo-o por Ele; e quando durmo, faço-o por Ele. Minha regra é Sua Vontade, e Seu Desejo éminha lei".

Entretanto, a enfermidade progredia a passos rápidos. Pela doença, Rafael padecia fome e,sobretudo, sede... Uma sede insaciável e devoradora que o acompanharia até os últimosinstantes. Ele, porém, nada deixava transparecer no exterior, dando a todos a impressão deencontrar-se melhor.

No fim do mês de abril já não pôde mais ocultar seu alarmante estado. Aos delírios da febresucediam-se instantes de lucidez, durante os quais manifestava-se sereno e resignado.Recebeu a unção dos enfermos no dia 25, mas Deus pediu-lhe o sacrifício de ver-se privadodo viático. Às palavras alentadoras que lhe dirigiam os Monges, procurando infundir-lhe aesperança da cura, Rafael respondia estar convencido de que logo partiria para o Céu.

Faleceu na manhã do dia 26 de abril de 1938, em consequência de um coma diabético. Suafisionomia plácida e seu sorriso refletiam a glória de que sua alma já gozava na eterna bem-aventurança.

Uma alma enamorada de Cristo

Sob o ponto de vista humano, sua curta vida parece ter sido um monumental fracasso: nãocompletou a carreira, não se projetou na sociedade, não realizou seus sonhos de sacerdócio,nem mesmo teve o consolo de observar a regra trapista e emitir os votos.

Não foi assim aos olhos de Deus, que não julga pelas aparências, mas sim segundo o coração.Rafael praticou uma forma de santidade peculiar: sua alma enamorada de Deus atingiu aheroicidade das virtudes em meio ao silêncio, à dor e ao apagamento mais completos.

Sirva-nos seu exemplo de humildade e de caridade ardente para, também nós, aceitarmos comalegria aquilo que a Divina Vontade quiser nos mandar.

"Dei-me conta de minha vocação. Não sou religioso... não sou leigo..., nada sou... Benditoseja Deus, não sou nada mais que uma alma enamorada de Cristo. Vida de amor, eis minhaRegra... meu voto... Eis a única razão de viver".______________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Santidade: Tudo por Deus!

"Tudo o que faço, é por Deus. As alegrias, Ele as manda; as lágrimas, Ele as dá; o alimento,tomo-o por Ele; e quando durmo, faço-o por Ele. Minha regra é Sua vontade, e Seu desejo éminha lei; vivo porque a Ele apraz, morrerei quando Ele quiser. Nada desejo fora de Deus.

Quisera que o universo inteiro - com todos os planetas, os astros todos, e os inúmerossistemas siderais - fosse uma imensa superfície lisa onde eu pudesse escrever o nome de Deus.Quisera que minha voz fosse mais potente que mil trovões, e mais forte que o ímpeto do mar,e mais terrível que o fragor dos vulcões para só dizer ‘Deus'. Quisera que meu coração fossetão grande quanto o Céu, puro como o dos Anjos, simples como a pomba para nele ter aDeus".

Dos escritos de RafaelRafael. Obras Completas. Preparadas por Fray Maria Alberico Feliz Carbajal, Burgos,Editorial Monte Carmelo, 2002, pp. 788 e 831-832.___________________________________________________________________________

No sil êncio da alma

“Pela alma silenciosa navegam os pensamentos de Deus; e quanto mais silêncio, mais paz,mais serenidade e mais facilidade para estar na presença do Senhor”.

___________________________________________________________________________Sois minha Luz, meu único Amor !

“Que quereis de mim, Senhor?...Sois para mim, minha Luz, meu Guia, meu único Amor,minha ilusão, minha única razão de viver, pois se eu os perdesse, Senhor, minha vida seapagaria como uma chama a que falta oxigênio, pois Vós sois meu alento, o ar que respiro e opão que como.

Que quereis de mim, Senhor?...Quereis que vos ame mais?...E como, Senhor, se meu coraçãoé tão pequeno, tão ruim e tão miserável? Fazei-o grande e generoso, que eu seja todo coraçãopara ser todo vosso e amar-vos, amar-vos muito, como ninguém vos tenhais amado.

Meu Senhor e meu Deus, Vós podeis fazê-lo se quereis e eu nada posso se Vós não meajudais...Minha alma está cheia e transborda. Haveis posto tanto amor em minha alma tãopequena, Senhor, e tão miserável! Se Tu, Senhor, fazes a ferida, por caridade, põe o cautério,mas não me deixes neste estado pois não poderei resistir”.___________________________________________________________________________Na Tr apa com Jesus e Nossa Senhora“Em uma Trapa, tudo gira ao redor de Jesus e da Virgem. Tens a Deus e a proteção daVirgem? Que mais podes pedir?”. Dos escritos de Rafael Carta (72)-230

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Nossa Senhora e Rafael Ar náiz

“Que suave e que doce é consagrar-se a Maria! Na Trapa, o único consolo é saber-seprotegido por Maria. E por último, a Salve Rainha ao entardecer, antes de irmos aodormitório, são as últimas palavras do Trapista ao final do dia. E com isso dorme tranqüilo,sabendo que se morrer de noite, a Virgem o recolherá e o apresentará a seu Filho. Sesoubessem que bem se dorme assim, embora a cama seja dura! Com o corpo cansado e àsvezes dolorido, mas com o coração confiando na Senhora, não há nenhum Trapista que nãoconcilie o sono com o rosto tranqüilo. E logo, ao começar a Vigília no Coro, também asprimeiras palavras do Trapista são Ave Maria.

Se soubessem que vergonha me dava o haver estado tanto tempo sem uma devoção à Virgem!Não basta o Ofício, nem o rosário, nem meio milhão de novenas. Tem que querê-la muito!Tem que contar-lhe tudo, confiar-lhe tudo, pois é uma verdadeira Mãe.

A mim, parece, e isto tomado como coisa minha e, portanto, não o tenha em conta, quequanto mais amor se tem à Virgem, sem que nos demos conta, mais amor teremos a Deus.Quer dizer, nosso amor a Deus aumenta na medida em que aumenta o nosso carinho àSantíssima Virgem. E é natural. Como vamos querer à Mãe e não querer ao Filho?Impossível! E o que não conseguiríamos de Deus se o pedíssemos pela intercessão de Maria?

O primeiro milagre foi por causa da Virgem e eu imagino o rosto da Virgem olhando Jesus edizendo-lhe: ‘Não têm vinho’. A mim, é um dos milagres que mais me tocam porque é Mariaque intervém”.

Dos escritos de RafaelCartas (66)-204

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Contemplaçã o e escondimento em Rafael Ar ná iz“A alma se abisma contemplando a encarnação de Deus em Maria... Sua nudez e seu frioescondem humildemente a Majestade que não cabe nos céus. E eu, só pretendo esconder detodos o pequeno vulcão de meu coração".

Dos escritos de Rafael Notas de consciência(202)-1042; Meu caderno(164)-796

___________________________________________________________________________Beato Rafael Ar náiz guiado pelo Espír ito Santo“O Espírito Santo me guia, pois como sabe, estou só”.Dos escritos de Rafael Cartas C(97)-367

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Senhor, sois meu amor !

“Senhor, sois para mim o meu amor. Senhor, quereis que vos ame mais? Meu coração... Fazei-o grande para amar-vos, amar-vos muito, como ninguém vos tenha amado. Haveis postotanto amor em minha alma tão pequena!

Que formoso é ter o coração destroçado por amor a Jesus! Em nossa loucura de amorlançamos essas exclamações de amor.

Acho muito difícil não sentir a Deus sobretudo quando deveras se lhe ama. O amor não passamas aumenta, engrandece, enquanto que tudo o mais passa; e nos momentos em que o Senhordispõe que chegue a nós um raiozinho de luz, quanto se lhe quer e quanto se lhe agradece.Amar a Deus... Que felicidade! Tens o amor de Deus! Ama a Deus sem vê-lo e sem senti-lo!

Quisera dar gritos...e em lugar disso, ter que amar-lhe em silêncio...Deus necessita de amor,muito amor e eu não posso dar-lhe todo...Senhor, quisera que meus irmãos, meus amigos,todos te amassem muito...Senhor, que faço?...Amar, amar, amar...”.

Dos escritos de Rafael Escritos soltos (85)-298; Cartas (96)-339, 343

___________________________________________________________________________Em Pentecostes Rafael Arnáiz se per de em Deus

Pentecostes 1936 San Isidro“Na vida espiritual, na vida interior, não há princípio nem fim. Não há mais que Deus, esempre, depois de qualquer reflexão, se vê de uma maneira ou de outra, tão pequeno, tãomiúdo e insignificante, tão nada diante d’Ele, que somente fica na alma essa impressão tãodifícil de explicar... Essa impressão da imensidade e da grandeza de Deus... Esse sentimentoante o qual a palavra emudece...Quisera a alma não se ver, desaparecer, não ser nem existir, esomente a grandeza de Deus. Enfim, me perco...”.

Dos escritos de Rafael Meditações de um Trapista

___________________________________________________________________________Beato Rafael e a Água Viva

“Não olhes a capacidade do vaso, nem se transborda ou não a Água. Olha a pureza destaÁgua, seu frescor, sua limpidez...Olha se nessa Água que te preenche não há nada que a turve”.Dos escritos de Rafael Cartas (101)-400___________________________________________________________________________

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Beato Rafael Ar náiz em Pentecostes: “Que grande é Deus!”Pentecostes 1936 San Isidro

“Que grande é Deus!Esta é a primeira exclamação que sai de um coração deveras enamorado de Jesus, quando àvista do mundo exterior que rodeia o monge, contempla as maravilhas da criação.

Que grande é Deus!Volta a exclamar quando, cerrando os olhos a tudo que é criatura, a tudo que é externo,concentra a vista em sua própria alma, busca-O em seu coração e se retira ao silêncio.

Que grande é Deus!Eis aqui a única, a contínua meditação deste Trapista, que segue a sua Regra em silêncio,bem ou mal. Ao fim de tudo é homem imperfeito, mas isso não importa... Que se podeesperar de um barro com tanta aspereza? Não importa, se ainda em meio de suas fraquezas ede suas misérias e com os olhos ainda carregados de sonho canta no coro: que grande é Deus!

Que grande é Deus!Quando a lei de sua vida, que é a lei de Deus, lhe chama ao trabalho e, encurvado, se agachasuado sobre a terra.

Que grande é Deus!Quando no silêncio dos claustros, espera com fé e com rosto sereno que o Senhor lhe chame.

Que grande é Deus!E quando por último se vai escondendo o sol e acabando o dia, e esse Trapista para terminar ajornada se prostra ante a Virgem Maria e ante seus pés põe as obras do dia.

Que grande é Deus!”

Dos escritos de Rafael Meditações de um Trapista___________________________________________________________________________Fray Marí a Rafael: Descascar nabos por amor a Jesus Cristo

“O que estou fazendo?...Descascar nabos por amor, por amor a Jesus Cristo... Só sei dizer queno mundo se podem fazer das mais pequenas ações da vida, atos de amor de Deus. Odescascar nabos por verdadeiro amor a Deus pode dar a Ele muita glória e a nós tantosméritos quanto a conquista das Índias”.

Fray María Rafael Mi Cuaderno (161)-774

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Beato Rafael Rafael Ar náiz: O amor a Deus e a vida interior

“O mundo não sabe o que é amar a Deus. Na Trapa, com o silêncio com meus irmãos, todoesse amor contido em minha alma subirá até Deus no silêncio e por mediação da Senhora. Nomundo também há almas que não querem mais que amar; amar a Deus, derreter-se, fundir-secada vez mais nesse amor a Deus que é a única razão de existir no mundo.

Tua vida interior: amar a Deus. E tua vida no mundo? Não tens mais que obedecerhumildemente o que te dite esse amor a Deus que levas dentro. Se amas a Deus e o amas detodo, não te amarás a ti mesmo. Amando a Deus já tens oração, embora não creias nisso. Emque consiste a tua oração? Em atos seguidos de amor a Deus.

Do amor a Deus sai tudo. Se aperfeiçoares esse amor, que é tua única vida interior, tudo omais não tem importância. Esse mesmo amor te fará ser humilde, mortificado, caridoso; tefará ser santo, santo por amor; santo única e exclusivamente por amor. Vês que fácil? Quecaias, te desalentes, não importa. O milagre do amor faz tudo. Pede à Senhora esse amor queEla tinha por seu Filho. Por esse amor pôde a Virgem resistir a tudo. Por amor e nada mais.Por amor teve humildade, por amor foi a mais santa das mulheres.

Que tua vida seja um contínuo ato de amor a Jesus”.

Irmão Rafael Arnáiz Cartas C(116)-544; C(113)-511, 512

___________________________________________________________________________Se houvesse que dar cem vidas por J esus

“Se houvesse que dar cem vidas, as daríamos por Jesus. Levo um mundo dentro de mim tãogrande, tão grande, que não podes imaginar, e entretanto, tão simples: não consiste mais queem um amor muito grande a Jesus e uma ternura infinita a Maria. Que mais posso desejar?”.

Cartas (96)-347

___________________________________________________________________________Ao contemplar vossa miser icórdia, oh, Senhor !

“Quantas vezes me ponho diante de Ti, oh,Senhor! Meus primeiros sentimentos são devergonha. Senhor, Tu sabes porque. Mas depois, oh, Deus, que bom sois!, depois de ver-me amim, vejo a Vós, e então ao contemplar vossa misericórdia que não me rechaça, minha almase consola e é feliz. Que grande é a misericórdia de Deus!”.Escritos soltos(85)-297___________________________________________________________________________

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O palha ço de circo

“Havia uma vez um «palhaço de circo» que cada vez que entrava na «picadeiro» caía…, iadaqui para ali, arrastando seus enormes sapatos e com grandes esforços conseguia arrumar ocanto do tapete. Quando já acreditava que estava bom, tropeçava nele…, voltava a arrumá-loe caía novamente…; suava…; seu trabalho consistia em tirar uma cadeira… Para issoarregaçava as mangas, secava o suor da fronte com um enorme lenço e, como se arrastasseum peso enorme, tirava a cadeira da pista, e por último, se sentava nela. Todos riam dele aover o orgulhoso que se retirava, crendo que havia ajudado aos demais a preparar os aparatos,tapetes e demais móveis e utensílios que os artistas necessitavam para seu trabalho.

Eu conheço um trapista que na Trapa faz igual ao «palhaço de circo». Toda a sua atuação sereduz a arrastar os pés e secar o suor. Este pobre homem faz rir aos anjos que contemplam docéu o espetáculo do mundo, ainda que não faça os arriscados trabalhos dos demais artistas,nem dê «saltos mortais», nem exercícios de força, ou «piruetas no trapézio»…Que pode fazerse não sabe mais que desenrugar os tapetes e com isso ganhar os aplausos dos anjos?…”.

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Com Rafael, afugentando “diabretes”

Por D. José Ignacio Munilla Aguirre, Bispo de PalenciaCIDADE DO VATICANO, sábado, 11 de outubro de 2009 (ZENIT.org) - Publicamos oartigo que escreveu D. José Ignacio Munilla Aguirre, Bispo de Palencia, por motivo dacanonização do Irmão Rafael Arnáiz.

* * *Chegou o ansiado dia 11 de outubro: a Canonização de nosso muito querido Irmão RafaelArnáiz.

Rafael é, antes de tudo, nosso "amigo"; consequência lógica que se desprende de ser "santo",quer dizer, "amigo de Deus"... Não duvidemos de que ele pode ajudar-nos a "acertar" nocaminho da vida. Sua história, seus anseios de felicidade e suas lutas interiores, seassemelham às nossas, muito mais do que imaginamos... As circunstâncias de nossa vidapodem ser muito distintas, mas as batalhas que nos apresentam as tentações e os meios quetemos para poder vencê-las, são basicamente os mesmos. Embora tenham se passado mais desetenta anos, e o estresse e o ruído que nos rodeiam, contrastem com a paz e o silêncio doclaustro monacal, estamos basicamente ante os mesmos desafios.

Para demonstrá-lo, quero servir-me de um texto extraído das cartas do Irmão Rafael; umapassagem íntima e significativa, na qual nosso santo compartilha conosco sua luta contra otédio e a falta de sentido da existência:

«Três da tarde de um dia chuvoso do mês de dezembro. É a hora do trabalho, e como hoje é

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sábado e faz muito frio, não se sai ao campo. Vamos trabalhar em um armazém onde selimpam as lentilhas, se descascam batatas, se cortam as couves, etc. A tarde que hoje padeço éturva e turvo me parece tudo. Algo me oprime o silêncio e parece que uns diabretes estãoempenhados em aborrecer-me com uma coisa que chamo recordações... Em minha mãoscolocaram uma faca e diante de mim um cesto com uma espécie de cenouras brancas muitograndes e que resultam em ser nabos. Eu nunca os havia visto ao natural, tão grandes... e tãofrios... Que vamos fazer? Não há remédio a não ser descascá-los.

O tempo passa devagar e minha faca também entre a casca e a carne dos nabos que estoudeixando lindamente descascados. Os diabretes seguem dando-me guerra. Que fiz deixandominha casa para vir aqui com este frio a limpar estes bichos tão feios?!! Verdadeiramente éalgo ridículo isto de descascar nabos com essa seriedade de magistrado de luto.

Um diabrete pequenino e muito sutil desliza para dentro de mim e de maneira suave recorda-me a minha casa, meus pais e irmãos, minha liberdade, que deixei para encerrar-me aqui entrelentilhas, batatas, couves e nabos.

(...) O tempo transcorria com meus pensamentos, os nabos e o frio, quando de repente e velozcomo o vento, uma luz potente penetrou em minha alma... Uma luz divina, coisa de ummomento... Alguém que me diz: Que estou fazendo? Que estou fazendo? Virgem Santa! Quepergunta! Descascar nabos... Descascar nabos!... Para que?... E o coração dando um puloresponde meio enlouquecido: "Descasco nabos por amor..., por amor a Jesus Cristo"».

A batalha de Rafael com esses "diabretes", que pretendiam roubar-lhe a paz, a alegria e atémesmo a esperança, é também a nossa. Nossa vida pode ser para nós monótona, tediosa e semsofrimento, ou pelo contrário, gozosa e cheia de sonhos, dependendo da chave de sentido quemova nossa existência.

Frente àqueles que pensam que o motor do mundo é o dinheiro, o poder ou o prazer, os santosnos recordam que o verdadeiro motor, e o único capaz de dar-nos a capacidade de afugentar"os diabretes", ao mesmo tempo que nos revela o sentido de nossa exist ência, é o amor, oamor de Deus manifestado em Cristo Jesus.

O rosto de Cristo tem a virtude de fazer-se presente e de cativar-nos através dos santos, eagora, em concreto, através de quem será venerado como São Rafael Arnáiz. Porque, comodisse nosso Papa Bento XVI, com uma expressão certeira, "Os santos são a estrela luminosacom a qual Deus atravessou a história".

O Irmão Rafael está acompanhado de outros quatro santos mais, nesta cerimônia deCanonização: Zygmunt Szc� sny Feli� ski, polonês, Bispo e fundador; Francisco Coll i Guitart,español, sacerdote dominicano e fundador; Jozef Damian de Veuster, holandês, sacerdote daCongregação dos Sagrados Corações (muito conhecido por sua entrega heróica aos leprosos,relatada no filme "Molokay"); e Marie de la Croix, francesa e fundadora.

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Certamente, estamos diante de grandes figuras que se destacaram por sua fecundidadeapostólica e pelo rastro que deixaram atrás deles. Entre estes, o Irmão Rafael chama aatenção porque não fundou nada, nem teve nenhum posto relevante, nem se destacouexternamente ante os demais; mais que isso, teve de conformar-se com ser um simples"oblato", já que sua saúde não lhe permitiu abraçar integralmente a regra trapista... Rafaelnão fez coisas grandes, só foi santo!!

Isto nos recorda que não devemos confundir a santidade com uns modelos determinados deliderança que resultam inalcançáveis para o comum dos mortais... A santidade não só deveser admirada mas sobretudo desejada, trabalhada e suplicada a Deus. De forma similar, comoo destino natural da criança é fazer-se homem, assim também o fim do cristão é ser santo. É ameta lógica de quem foi redimido por Cristo; o contrário seria uma frustração. Como dizia aMadre Teresa de Calcutá: "A santidade não é o luxo de uns poucos; é um simples dever decada um de nós". Por isso, o escritor convertido León Bloy escrevia: "Só existe uma tristeza:a de não se ser santo".

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O voto –San Isidr o

Voto de amar sempr e a J esus

“Na oração desta manhã fiz um voto. Fiz o voto de amar sempre a Jesus.

Me dei conta de minha vocação. Não sou religioso..., não sou leigo..., não sou nada...Bendito Deus, não sou nada mais que uma alma enamorada de Cristo. Ele não quer mais quemeu amor, e me quer desprendido de tudo e de todos.

Virgem Maria, ajuda-me a cumprir meu voto!

Amar a Jesus, em tudo, por tudo e sempre... Só amor. Amor humilde, generoso, desprendido,mortificado, em sil êncio… Que minha vida não seja mais que um ato de amor.

Bem vejo que a vontade de Deus é que não faça os votos religiosos, nem seguir a Regra deSão Bento. Hei de querer, eu, o que não quer Deus?

Jesus me manda uma enfermidade incurável; é sua vontade que humilhe minha soberba anteas misérias de minha carne. Deus me envia a enfermidade. Não hei de amar tudo o que Jesusme envie?

Beijo com imenso carinho a mão bendita de Deus que dá a saúde quando quer e a tira quandoLhe apraz.

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Dizia Jó, que depois recebemos com alegria os bens de Deus. Por que não havemos dereceber assim também os males? Mas acaso tudo isso me impede de amar-Lhe?... Não, comloucura devo fazê-lo.

Vida de amor, eis aqui minha Regra..., meu voto... Eis aqui a única razão de viver.

Começa o ano de 1938. Que me prepara Deus nele? Não sei... Talvez não importe?... Foraofender-Lhe tudo o mais dá no mesmo... Sou de Deus, que faça comigo o que quiser. Eu hojeLhe ofereço um novo ano, no qual não quero que reine mais que uma vida de sacrifício, deabnegação, de desprendimento, e guiada somente pelo amor a Jesus, por um amor muitogrande e muito puro.

Quisera meu Senhor, amar-Te como ninguém. Quisera passar esta vida tocando o chãosomente com os pés, sem deter-me em olhar em mim tanta miséria, sem deter-me emnenhuma criatura, com o coração abrasado de amor divino e sustentado pela esperança.

Quisera, Senhor, olhar somente ao céu, onde Tu me esperas, onde está Maria, onde estão ossantos e os anjos, bendizendo-Te pela eternidade e passando pelo mundo somente amando tualei e observando teus divinos preceitos.

Ah, Senhor, quanto quisera amar-Te!.... Ajuda-me, minha Mãe!.Hei de amar a solidão, pois Deus nela me põe.Hei de obedecer às cegas, pois é o que Deus me ordena.Hei de mortificar continuamente meus sentidos.Hei de ter paciência na vida de comunidade.Hei de exercitar-me na humildade.Hei de fazer tudo por Deus e por Maria”.

São Rafael Arnáiz BarónNotas de consciência01 de janeiro de 1938

___________________________________________________________________________Pensamentos do Hermano Rafael Ar ná iz

“No silêncio e na oração podemos fazer mais que com todo o ruído de palavras”.

“A verdadeira cela monástica, a levamos dentro”.

“É para mim um consolo descansar do dia, escrevendo sobre Deus”.

“Estou seguro que somente obedecendo posso ser absolutamente feliz, e com a ajuda de

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Maria, santificar-me”.

“Este pobre homem pretende ocultar sua cruz. Se visses que vontade tenho de viver oculto nacasa de Deus…”.

“Amemos nosso lugar na terra, pois é vontade de Deus”.

“O verdadeiro amor é o que se fundamenta em Cristo e se apóia na caridade”.

“Se contemplo o Seu amor por mim, me entra um não sei que, que não sei explicar”.

“O que busca a Deus, O encontra. A única coisa que importa é buscar-Lhe.”

“Com minhas forças não poderei ser santo, mas com Jesus e Maria ao meu lado, posso tudo”.

Irmão Rafael ArnáizCartas (128)-643; (182)-898; (185)-947; (124)-595; (182)-188; (127)-625; (42)-98; (101)-414;(40)-94; (90)-311

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Oculto em Deus14 de dezembro de 1936 - 25 anosMi cuaderno - San Isidro

”Um dos encantos, melhor dizendo, consolos da vida monacal, é o estar oculto aos olhares domundo. Isto o compreenderá quem gostar de meditar na vida de Cristo. Para dedicar-se a umaarte, para aprofundar-se em uma ciência, o espírito necessita solidão e isolamento, necessitarecolhimento e silêncio. Agora, para a alma enamorada de Deus, para a alma que já não vêmais arte nem mais ciência que a vida de Jesus, para a alma que encontrou na terra o tesouroescondido, o silêncio não lhe basta, nem seu recolhimento em solidão. É necessário ocultar-se de todos, é necessário ocultar-se com Cristo, buscar um lugar na terra onde não cheguemos olhares profanos do mundo, e alí estar a sós com seu Deus.

O segredo do Rei como que se mancha e perde o brilho ao ser revelado. Esse segredo do Reihá que se ocultar para que ninguém o veja. Esse segredo que muitos crêem ser comunicaçõesdivinas e consolos sobrenaturais, esse segredo do Rei que invejamos nos Santos, se reduzmuitas vezes a uma Cruz.

Não coloquemos a luz debaixo de uma vasilha, nos diz Jesus no Evangelho. Divulguemos asgrandezas de Deus. Façamos chegar ao coração de nossos irmãos os tesouros de graças queDeus derrama abundantemente sobre nós. Divulguemos aos quatro ventos nossa fé, enchamoso mundo de gritos de entusiasmo por termos um Deus tão bom. Não nos cansemos de pregar

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seu Evangelho e dizer a todos que nos queiram ouvir, que Cristo morreu amando aos homens,cravado em um madeiro. Que morreu por mim, por ti, por eles... E se nós deveras lhe amamos,não lhe ocultemos, não ponhamos a luz que pode iluminar a outros, debaixo de uma vasilha.

Mas em troca, bendito Jesus, levemos, bem dentro e sem que ninguém se inteire, esse divino

segredo... Esse segredo que Tu dás às almas que mais te querem... Essa pequenina parte de

tua Cruz, de tua sede, de teus espinhos.

Ocultemos no último lugar da terra nossas lágrimas, nossas penas e nossos desconsolos. Não

enchamos o mundo de tristes gemidos, nem levemos a ninguém nem a mais pequenina parte

de nossas aflições.

Sejamos egoístas para sofrer e generosos na alegria. Façamos a felicidade dos que nos

rodeiam e não turvemos o ambiente com caras tristes quando Deus nos mande alguma prova.

Ocultemo-nos para estar com Jesus na Cruz. Não busquemos mitigação à dor no consolo das

criaturas, pois estaremos fazendo duas coisas que não são ruins, mas que não são perfeitas.

Primeiro, ao deixar a Deus pelo que não é Deus, pois não é consolo seu o que Dele não vem,

e se Ele não quer dá-lo, ao buscar fora Dele, perdemos a Ele, e também perdemos muitas

vezes o mérito do sofrimento. Segundo, em nosso egoísmo, fazemos ou pelo menos queremos

fazer participantes aos demais, do nosso sofrimento, para assim aliviar-nos, e conseguirmos

com isso alívio fictício e falso, pois se te dói um dente, te seguirá doendo quer o digas ou não.

Em resumo, quase sempre é um ato de egoísmo e também falta de humildade, dar

importância ao nosso sofrimento, como se por ser nosso fosse importante. Em troca, não

buscando nada nas criaturas e sim tudo em Deus, se chega a amar a Cruz, mas a Cruz a sós e

escondido... Na Cruz, ocultos com Deus e longe dos homens.

Ocultemos nossa vida, se nossa vida é penar. Ocultemos o sofrer, se o sofrer nos causa pena.

Ocultemo-nos com Cristo para só a Ele fazer-lhe partícipe do que, pensando bem, só é Dele:

o segredo da Cruz.

Aprendamos de uma vez, meditando em sua vida, em sua Paixão e em sua morte, que só há

um caminho para se chegar a Ele..., o caminho da Santa Cruz”.

São Rafael Arnáiz Barón

Mi cuaderno, 781-84

Page 30: trechos de Sao Rafael Arnaiz Portugues

AMAR A CRUZ

"Muitas vezes lá na Trapa,

um pobre frade

chorava ante uma Cruz.

O mundo lhe dizia: és um néscio,

chorar por gosto é loucura,

tua vida se esfumaça inútil

no silêncio e na penitência,

Por que amar a Cruz,

quando a vida é tão bela,

e a liberdade é risonha e não sombria?

Mas aquele trapista chorava,

chorava, e suas lágrimas

eram uns queixumes

tão doces a seu coração

e com tanto amor os colocava

aos pés da Virgem,

que nem uma só de suas lágrimas,

a teria trocado

por todo o ouro do mundo.

Aquele trapista chorava,

mas chorava de alegria.

Que sabe o mundo de amor?

Bendita loucura de Cristo

que converte as lágrimas

em pérolas e nos faz amar a cruz..."

___________________________________________________________________________Que grande é Deus

“Que grande é Deus! Que bem ordena os acontecimentos sempre para sua glória!

Só Deus preenche a alma..., e a preenche toda!

A verdadeira felicidade se encontra em Deus e somente em Deus.

O que não tem a Deus necessita de consolo; mas o que ama a Deus, que maior consolo?

Como se inunda minha alma de caridade verdadeira até o homem, até o irmão débil,

enfermo...! Se o mundo soubesse o que é amar um pouco a Deus, também amaria ao próximo.

Ao amar a Jesus, forçosamente se ama o que Ele ama.

Page 31: trechos de Sao Rafael Arnaiz Portugues

A única verdade é Cristo.

Fiz o voto de amar sempre a Jesus. Virgem Maria, ajuda-me a cumprir meu voto.

Para Jesus tudo, e tudo para sempre, para sempre”

___________________________________________________________________________

Seguir J esus

«Suponha que tu estás em tua casa enfermo, cheio de cuidados e atenções, quase tolhido,

inútil, em uma palavra, incapaz de valer-te. Mas um dia visses passar debaixo de tua janela. a

Jesus... Se visses que a Jesus seguia uma turba de pecadores, de pobres, de enfermos, de

leprosos. Se visses que Jesus te chamava e te dava um lugar em seu séquito, e te olhasse com

seus olhos divinos que desprendiam amor, ternura, perdão, e te dissesse: Por que não me

segues?... Tu, que farias? Acaso lhe ia responder: Senhor, eu te seguiria se me desses um

enfermeiro, se me desses meios para seguir-te com comodidade e sem perigo para minha

saúde... Te seguiria se estivesse sadio e forte para poder-me valer?

Não, certamente que se tivesses visto a doçura dos olhos de Jesus, nada disso lhe terias dito,

senão que terias te levantado de teu leito, sem pensar em cuidados, sem pensar em ti para

nada, terias te unido, ainda que tivesses sido o último, veja bem, o último, à comitiva de Jesus,

e lhe terias dito: Vou, Senhor, não me importam minhas doenças, nem a morte, nem comer,

nem dormir... Se Tu me admites, vou. Se Tu queres, podes curar-me... Não me impor¬ta que

o caminho por onde me leves seja difícil, seja abrupto e esteja cheio de espinhos. Não me

importa se queres que morra contigo em uma cruz»

___________________________________________________________________________ADVENTO 11 de dezembr o de 1936 «Deus est á em tudo, mas esse tudo não é Deus »

“As almas acostumadas a ver ao Criador nos mais pequenos detalhes da Criação, nas

maravilhas da natureza, na harmonia do Introito de uma Missa, ou no coração de um homem,

que dúvida há de que gozam de Deus e que Deus se vale de tudo isso para muitas vezes

despertar a uma alma adormecida? Que efetivamente a alma vê a Deus, ninguém o duvida,

mas é de uma maneira imperfeita, pois antes de chegar à paisagem, sua vista se detém seja na

névoa, num inseto, no sol, num pouco de música ou na grandiosidade de um coração.

Claramente se chega a ver que é na solidão de tudo onde deveras se encontra a Deus!... Que

grande misericórdia é a sua quando, fazendo-nos saltar por cima de todo o criado, nos coloca

nessa planície imensa, sem pedras nem árvores, sem céu nem estrelas, nessa planície que não

tem fim, onde não há cores, onde não há nem homens, onde não há nada que distraia a alma

de Deus!

Page 32: trechos de Sao Rafael Arnaiz Portugues

Infinita bondade do Eterno que, sem que mereçamos, nos coloca nessas regiões de solidão

para ali falar-nos ao coração.

Infinita paciência a de Deus que, dia após dia, noite após noite, vai perseguindo as almas

apesar de suas quedas, apesar de suas ingratidões e egoísmos, apesar dos obstáculos que

continuamente colocamos, apesar de esconder-nos muitas vezes, não de seu castigo, mas, dá

vergonha dizê-lo, da sua graça.

Bendita solidão que nos aproxima de Deus!”

Mi Cuaderno, pp.367-368

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O olhar fixo n’Ele

“Agora compreendo muito bem esse caminho tão estreito que assinala São João da Cruz e

que está entre outros dois, nos quais diz: oração, contemplação, consolos espirituais, dons da

terra, dons do céu, etc. Pois bem, entre esses dois caminhos está o que eu digo e que somente

diz nada... nada... nada...

Que difícil é chegar a isso. E para nós que andamos nos princípios, que fácil é equivocar-se, e

quantas vezes queremos encontrar a Deus onde não está. E quando cremos haver lhe

encontrado, nos encontramos com nós mesmos... Mas não há que desanimar pois tudo

permite Deus para o bem da alma e, sem conhecer o fracasso, não se saboreia o êxito; e antes

de aproximar-se de Deus não há mais remédio a não ser despojar-se de tudo e permanecer no

nada, como diz São João da Cruz.

Pois bem, nada de novo te digo, e que Deus me perdoe o querer tratar coisas tão altas quando

ainda, sem saber engatinhar, já quero voar... Esse tem sido meu pecado e continua sendo...

Que importa se estamos acima ou abaixo, perto ou longe de Deus? Dirijamos a Ele nossos

olhares e unamo-nos para louvar-lhe, uns na vida monástica, outros nas missões, outros no

mundo, uns de uma maneira e outros de outra. Que importa? É Ele que plenifica tudo e se nos

olhamos uns aos outros perdemos tempo... Muito formosa é às vezes a criatura mas sua visão

nos distrai do Criador.

Devemos seguir com o olhar fixo n’Ele, quer estejamos entre santos quer entre pecadores...

Nós não somos nada; nada valemos nem para nada servimos quando estamos distraídos e não

fazemos caso do Senhor. Não percamos, então, tempo, e se com um pequeno sacrifício, com

uma oração ou com um ato de amor, agradamos ao Senhor, então que possamos dizer que

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pelo menos temos servido para algo, que é para dar a Ele maior glória. Essa deve ser nossa

única ocupação e nosso único desejo”.

Carta de 23 de julho de 1934 a sua tia, Duquesa de Maqueda

Obras Completas, pp.223-238

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FESTA DA IMACULADA

“Hoje (Festa da Imaculada) não se pode estar triste. Que alvoroço haverá no Céu!…Quem

dera estivesse lá!…Todas as gerações de anjos cantando a Maria. Maria olha ao Filho, o Pai

olhando a Maria, gloriando-se Nela, amando-se a Si mesmo no amor à Virgem. Todo o Céu

em festa e no meio dele a Senhora que, mesmo estando na Glória, não se esquece destes

pequenos vermes que ainda andamos na terra.

Tudo será alegria no Céu hoje, tudo o que pedirmos a Maria, Ela escutará com muito carinho.

Como é possível que, olhando um pouco ao Céu, nos lembremos de que ainda estamos na

terra? Bendito seja Deus, que ainda não nos chamou a participar no Céu do amor à Virgem!

Mas, Senhor, não tardes. Como é possível, Senhor, não desejar estar já de uma vez com o

corpo e a alma, com tudo, no Céu, onde te veremos, não pecaremos, louvaremos ao Pai, ao

Filho e ao Espírito Santo, adoraremos a Santíssima Virgem, não nos separaremos Dela nunca?

Que agradável é amar a Maria! Nada custa com Ela, tudo sai bem, tudo é fácil, até ser santo!

Eu creio que se nós nos Lhe propormos, e se o dizemos a Ela, Ela nos fará santos. Amanhã na

comunhão vou a dizer a Jesus que queremos ser muito bons e que contamos para isso com a

Virgem Imaculada. Agora vou a pedir ao Senhor que amanhã pela manhã nos ajude a todos

para assim podermos fazer algo pela glória de Maria.

Tudo por Maria!”

São Rafael Arnáiz Barón

Cartas(108)-451; (109)-450

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DEUS NÃO EXIGE DE NÓS NADA MAIS QUE SIMPLICIDADE POR FORA E AMOR

POR DENTRO