Trauma Abdominal

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21 21 Trauma abdominal José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli Pontos essenciais - Avaliação inicial; - Exames complementares: FAST x lavado peritoneal diagnósico x tomograa computadorizada; - Indicações de cirurgia. 1. Introdução O abdome é sede frequente de lesões traumáicas, tan- to contusas como penetrantes, muitas das quais necessita- rão de tratamento cirúrgico. O socorrista deve estar atento CAPÍTULO 5 5 aos sinais sugesivos dessas lesões para não retardar o tra- tamento deniivo. Dene-se como abdome anterior a área entre a linha transmamilar superiormente, os ligamentos inguinais e a sín- se púbica inferiormente, e as linhas axilares anteriores, lateral- mente. Pode ser dividido em 9 regiões: região de hipocôndrios direito e esquerdo, região epigástrica, região de ancos direito e esquerdo, região mesogástrica, região ilíaca direita e esquer- da e região hipogástrica (Figura 1). Há, ainda, outra divisão em quadrantes: quadrantes superiores direito e esquerdo e qua- drantes inferiores direito e esquerdo. Do ponto de vista inter- no, o abdome possui 3 comparimentos disintos: a cavidade peritoneal, o retroperitônio e a pelve (Figura 1). Figura 1 - (A) Limites externos do abdome e (B) divisão interna

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Capítulo do Medcurso 2013

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Trauma abdominal

José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli

Pontos essenciais

-Avaliação inicial;

-Exames complementares: FAST x lavado peritoneal

diagnósi co x tomografi a computadorizada;

- Indicações de cirurgia.

1. Introdução

O abdome é sede frequente de lesões traumái cas, tan-

to contusas como penetrantes, muitas das quais necessita-

rão de tratamento cirúrgico. O socorrista deve estar atento

CAPÍTULO

55

aos sinais sugesi vos dessas lesões para não retardar o tra-tamento defi nii vo.

Defi ne-se como abdome anterior a área entre a linha transmamilar superiormente, os ligamentos inguinais e a sínfi -se púbica inferiormente, e as linhas axilares anteriores, lateral-mente. Pode ser dividido em 9 regiões: região de hipocôndrios direito e esquerdo, região epigástrica, região de fl ancos direito e esquerdo, região mesogástrica, região ilíaca direita e esquer-da e região hipogástrica (Figura 1). Há, ainda, outra divisão em quadrantes: quadrantes superiores direito e esquerdo e qua-drantes inferiores direito e esquerdo. Do ponto de vista inter-no, o abdome possui 3 compari mentos disi ntos: a cavidade peritoneal, o retroperitônio e a pelve (Figura 1).

Figura 1 - (A) Limites externos do abdome e (B) divisão interna

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2. Mecanismos de trauma

O trauma contuso ou fechado compreende as lesões por compressão, esmagamento, cisalhamento ou desacele-ração. Os acidentes automobilísi cos são responsáveis por 60% dos traumai smos abdominais fechados. As vísceras parenquimatosas são mais frequentemente acomei das, sendo mais comuns as lesões do baço (de 25 a 45%) e do í gado.

Os traumas penetrantes podem ser causados por projé-teis de armas de fogo (FPAF) ou por arma branca (FAB). Cerca de 80% dos FPAFs causam lesões abdominais signifi cai vas, o que acontece em apenas 20 a 30% dos FABs. Em 25%, há acomei mento concomitante da cavidade torácica, lembran-do que alguns ferimentos podem transfi xar o diafragma. Os órgãos mais frequentemente lesados são í gado (30 a 40%), intesi no delgado (30 a 50%) e estômago (20%). Ferimentos que comprovadamente penetraram a cavidade peritoneal têm indicação formal de laparotomia exploradora.

3. Avaliação inicial

A avaliação inicial segue as prioridades do ATLS®, ini-ciando com a garani a de via aérea pérvia e proteção da coluna cervical. A veni lação pode estar compromei da nos ferimentos transfi xantes do diafragma, e a drenagem de tó-rax pode ser necessária. No exame í sico abdominal é preci-so pesquisar a presença ou ausência de ruídos hidroaéreos, pneumoperitônio (hiperi mpanismo e/ou sinal de Joubert posii vo) e sinais de peritonite por meio da palpação.

A avaliação hemodinâmica é o item mais importante na defi nição de conduta. Pacientes instáveis com suspeita de sangramento abdominal podem ser submei dos a Lavado Peritoneal Diagnósi co (LPD) ou ultrassom na sala de emer-gência (Focused Assessment Sonography in Trauma – FAST). Dependendo da ei ologia do trauma, esses indivíduos po-dem ser diretamente submei dos à laparotomia explorado-ra. Nos estáveis, é possível a realização de exames comple-mentares.

Como medidas complementares ao exame primário, o paciente deverá ser submei do à sondagem gástrica, úi l para esvaziar o conteúdo gástrico (principalmente em ges-tantes, crianças e pacientes obesos), diminuindo o risco de aspiração, além de verifi car possíveis sangramentos diges-i vos. O uso de sonda nasogástrica está contraindicado em fratura suspeita da base de crânio (saída de liquor pelas na-rinas, sinal do guaxinim – equimose periorbitária – e sinal de Bat le – equimose retroauricular). Realizam-se, também, sondagem vesical para descompressão da bexiga e avalia-ção de hematúria.

Antes da sondagem vesical, deve ser realizado o exame de toque retal, o que permite avaliar a presença de san-gramento, de crepitação ou de espículas ósseas, da tonici-dade esfi ncteriana e da posição da próstata. Se o doente apresentar sangue no meato uretral, hematoma escrotal ou equimose perineal, espículas ósseas ou deslocamento

cranial da próstata no toque retal, estará contraindicada a sondagem vesical e deverá ser realizada uretrocistografi a retrógrada após a estabilização hemodinâmica.

Se, durante a avaliação inicial, o paciente apresentar dados que indiquem necessidade de cirurgia e não houver cirurgião no serviço, a transferência deverá ser rápida, e, para o centro de trauma que poderá oferecer tratamento adequado.

4. Exames diagnósi cos

A - Radiografi a simples de abdome

Apresenta pouca aplicabilidade no diagnósi co do trau-ma abdominal. No trauma contuso, pode revelar pneumo-peritônio quando há lesão de víscera oca, pneumorretrope-ritônio e apagamento do psoas em lesões retroperitoneais.

Nos traumai smos penetrantes, é úi l para localizar os projéteis de arma de fogo (Figura 2) e avaliar a presença de hemotórax ou pneumotórax nos ferimentos de transição toracoabdominal e de pneumorretroperitônio. Em ferimen-tos por arma de fogo dorsais, a radiografi a simples de perfi l pode ser úi l para avaliação do trajeto e localização do pro-jéi l, indicando ou não a penetração na cavidade.

Figura 2 - Radiografi a de paciente víi ma de i ro de cartucheira

Exames contrastados como uretrocistografi a e urografi a excretora são úteis para a avaliação de lesões de sistema ge-niturinário. A uretrocistografi a deve ser realizada em todos os doentes com suspeita de trauma uretral antes da sonda-gem vesical (Figura 3).

Figura 3 - (A) Cistografi a evidenciando lesão vesical intraperitone-

al e (B) uretrocistografi a retrógrada evidenciando lesão de uretra

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B - Lavagem peritoneal diagnósi ca

Consiste na realização de uma pequena incisão infraum-bilical, com abertura da aponeurose e colocação de um cateter ou sonda dentro da cavidade abdominal, pela qual será infundido soro. Em caso de refl uxo de sangue ou mate-rial entérico, diz-se que o exame é posii vo, e está indicada a laparotomia exploradora. Quando há refl uxo do soro ins-i lado aparentemente sem alterações, esse material deve ser enviado para estudo laboratorial em que a presença de alguns itens caracteriza o lavado como posii vo (Tabela 1).

Tabela 1 - Critérios de posii vidade da LPD

- Aspiração de mais de 10mL de sangue, conteúdo gastrintesi nal, fezes ou bile;

- Bactérias pelo Gram;

- 100.000mm3 de hemácias/mL;

- 500mm3 de leucócitos/mL;

- Amilase >175mg/dL.

Apresenta alta sensibilidade (95 a 98%) para o diagnósi -co de hemorragia intraperitoneal, com a desvantagem de ser um exame invasivo. Sua realização está indicada no doente instável, com trauma muli ssistêmico e alteração do nível de consciência ou modifi cação da sensibilidade (lesão medular). No doente estável, poderá ser ui lizado em serviços que não dispõem de ultrassonografi a e/ou tomografi a. As contraindi-cações do procedimento estão citadas na Tabela 2.

Tabela 2 - Contraindicações da LPD

Contraindicação absoluta

- Indicação de laparotomia.

Contraindicações relai vas

Cirurgia prévia

Devem-se realizar a incisão e a colocação da sonda com cuidado pela presença de aderências.

Obesidade mórbida

A hemostasia durante o procedimento deve ser rigorosa para não haver falsos posii vos.

Cirrose avançada e coagulopai a

Exigem cuidados com hemostasia e assepsia para evitar contaminação do líquido ascíi co.

Gravidez avançada

A incisão deve ser supraumbilical.

C - Ultrassonografi a de abdome

O ultrassom abdominal, quando disponível na sala de emergência, pode ser realizado no doente instável, pelo ci-rurgião, com o objei vo de pesquisar sangue na cavidade. Esse i po de ultrassonografi a é conhecido pela sigla FAST e não deve ser confundido com a ultrassonografi a abdominal convencional. Tem a vantagem sobre a LPD de não ser inva-siva e pode ser repei da se necessário.

O exame avalia os espaços hepatorrenal (espaço de Morrison), esplenorrenal, subfrênico, saco pericárdico e escavação pélvica na procura de hemoperitônio (Figura 4). A análise ultrassonográfi ca pode fi car compromei da em obesos, com enfi sema de subcutâneo ou cirurgias prévias.

É importante entender que o FAST subsi tui a LPD, portanto só está indicado a pacientes hemodinamicamente instáveis.

Figura 4 - FAST: (A) pesquisa no espaço hepatorrenal; (B) esplenor-

renal; (C) subxifóideo e (D) FAST posii vo no espaço hepatorrenal

D - Tomografi a de abdome

É o exame mais específi co e não invasivo, mas que só deve ser realizado nos pacientes hemodinamicamente es-táveis, sem indicação de laparotomia de urgência. As con-traindicações são instabilidade hemodinâmica, alergia ao contraste iodado, não colaboração do doente e demora na disponibilidade do recurso.

A tomografi a computadorizada pode não diagnosi car lesões gastrintesi nais, diafragmái cas e pancreái cas. Se houver líquido livre na cavidade e ausência de lesões de vís-ceras parenquimatosas, deve-se suspeitar da ocorrência de lesões de vísceras ocas.

De modo geral, a indicação de exames complementares no trauma abdominal está resumida na Tabela 3.

Tabela 3 - Métodos diagnósi cos no trauma abdominal fechado

LPD USG de abdome TC de abdome

Indicações

- Doente instável;

- Documen-tação de sangramento.

- Doente instável;- Documentação

de líquido livre.

- Doente está-vel;

- Documenta-ção de lesão visceral.

Vantagens

- Diagnóstico precoce e sensível.

- Não invasiva;- Possível repei -

ção;- Diagnósi co

precoce;- Acurácia de 86

a 97%.

- Especifi cidade para defi nir a lesão;

- Acurácia de 98%.

Desvanta-

gens

- Invasivo;- Não diag-

nosi ca lesões do diafragma e do retroperi-tônio.

- Operador-de-pendente;

- Não diagnosi ca lesões do dia-fragma, delgado e pâncreas;

- Distorção por meteorismo e enfi sema de subcutâneo.

- Custo alto;- Não diagnos-i ca lesões de diafragma e delgado.

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5. Indicações de cirurgia

Cerca de 50 a 60% das víi mas de ferimentos penetran-tes apresentam indicação de laparotomia exploradora ao serem admii das na sala de emergência (Figura 5). Pacien-tes com hipotensão, peritonite ou evisceração ao exame í sico não necessitam de exames complementares para a indicação de cirurgia (Figura 6).

Se houver dúvida em relação à presença de lesão nos assintomái cos, será possível realizar exame í sico seriado, cuja acurácia é de 94%, ou LPD, cuja acurácia é de 90%. O índice de laparotomias não terapêui cas nos ferimentos pe-netrantes é de, aproximadamente, 20%.

Figura 5 - Indicações formais de laparotomia exploradora no trau-

ma abdominal penetrante: (A) evisceração; (B) e (C) ferimentos

com violação da cavidade peritoneal

Figura 6 - Conduta no trauma abdominal penetrante

Nos ferimentos penetrantes em fl anco e dorso, em es-táveis e assintomái cos, pode ser realizada uma tomografi a abdominal com triplo contraste (intravenoso, via oral e via retal). Se não for possível, o doente deverá permanecer sob observação por, pelo menos, 24 horas.

Os ferimentos na parte baixa do tórax podem lesar o diafragma e as vísceras abdominais. O diagnósi co dessas lesões é feito com raio x simples ou, preferencialmente, por meio de toracoscopia ou laparoscopia. Em geral, caso o raio x de tórax seja normal, opta-se pela laparoscopia como mé-todo diagnósi co nos doentes estáveis.

Na presença de ferimentos por arma de fogo tangen-ciais no abdome, quando o orií cio de entrada dista menos de 10cm do orií cio de saída, a melhor opção para diagnos-i car a penetração na cavidade abdominal é a laparoscopia.

A indicação de laparotomia no trauma abdominal con-tuso ocorre na presença de hipotensão recorrente, apesar da reanimação adequada, e na posii vidade na LPD ou na USG (Figura 7).

Outras indicações de cirurgia são peritonite precoce ou tardia, evisceração, pneumoperitônio, enfi sema de retro-peritônio ou sinais de ruptura do diafragma à radiografi a; tomografi a de abdome evidenciando lesões no trato gas-trintesi nal, na bexiga intraperitoneal ou outras lesões com indicação cirúrgica.

Figura 7 - Trauma abdominal fechado

6. Cirurgia de controle de danos (damage

control)

Pacientes politraumai zados podem apresentar reper-cussões clínicas que contribuem para a gravidade do caso. A presença de hipotermia, acidose metabólica e coagulopa-i a consi tui a chamada tríade letal, na qual os elementos

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se sucedem em um ciclo vicioso que podem levar à morte rapidamente se não forem corrigidos.

Nesses pacientes, a chance do óbito pela falência meta-bólica no intraoperatório é maior do que a falha no reparo completo das lesões. Baseando-se nesse conceito, surgiu a cirurgia de controle de danos, ou damage control. O princí-pio desse procedimento consiste na cirurgia para controle da hemorragia e prevenção de contaminação maciça, segui-do da recuperação clínica em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de reoperação programada.

Didai camente, indica-se o damage control para pacien-tes com pH <7,2, T <32oC e necessidade de transfusão acima de uma volemia. O juízo do cirurgião é fundamental para eleger essa modalidade logo nos primeiros minutos da ci-rurgia, e ele deve contar com a colaboração do anestesista e da equipe da UTI que receberá o paciente.

Do ponto de vista técnico, realiza-se uma incisão am-pla xifopúbica, com empacotamento dos 4 quadrantes do abdome. O controle das hemorragias ai vas é obi do com compressão manual ou empacotamento com compressas. O controle aóri co é necessário por vezes.

Realiza-se um exame completo, porém rápido do abdo-me e retroperitônio. O cirurgião deve estar familiarizado com as manobras de acesso ao retroperitônio, como Catel e Mat ox (Figura 8). A contaminação deve ser prevenida com suturas rápidas, evitando-se enterectomias e anastomoses.

Figura 8 - Manobras para acesso ao retroperitônio: (A) manobra

de Catel e (B) manobra de Mat ox

Lesões esplênicas são rapidamente tratadas com esple-nectomia. Lesões hepái cas podem ser resolvidas tempo-rariamente com empacotamento (Figura 9). A manobra de Pringle (clampeamento do hilo hepái co) permite ao cirur-gião diferenciar se o sangramento é intra-hepái co ou não. Ressecções hepái cas amplas são desaconselhadas nessas situações.

Lesões de aorta e veia cava inferior necessitarão de con-trole distal e proximal rápido. Suturas primárias são o trata-

mento preferencial. Próteses e shunts podem ser ui lizados, desde que não prolonguem muito o tempo cirúrgico. Na presença de múli plas lesões em alças, é preferível ressecar todo segmento quando possível. O uso de grampeadores contribui muito nesses procedimentos (Figura 9).

Figura 9 - (A) Empacotamento hepái co e (B) ressecção intesi nal

com grampeador mecânico

O fechamento abdominal também deve ser rápido, por vezes temporário com peritoniostomias (Figura 10), técnica conhecida como bolsa de Bogotá. Essa técnica é especial-mente úi l quando há grande edema de alças e compressas dentro da cavidade abdominal. A peritoniostomia, além de facilitar a abertura na reoperação, também é ui lizada para evitar a síndrome compari mental abdominal que pode acontecer nesses casos.

Ao término da cirurgia, o paciente é levado à UTI para monitorização hemodinâmica, correção da coagulopai a e aquecimento. A reoperação deve ocorrer entre 48 e 72 ho-ras e servirá para a rei rada das compressas, inspeção com-pleta da cavidade, restabelecimento do trânsito intesi nal, limpeza e, sempre que possível, fechamento defi nii vo. Em algumas situações, podem ser necessárias novas cirurgias.

Figura 10 - Peritoniostomia ou “bolsa de Bogotá”

7. Principais manobras cirúrgicas de acor-

do com o síi o da lesão

A - Fígado e baço

Conforme citado, o tratamento das lesões esplênicas é mais bem obi do com esplenectomia total. A ressecção par-

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cial ou medidas hemostái cas costumam não ser efei vas, com o risco de ressangramento no pós-operatório. A classi-fi cação para as lesões esplênicas está na Tabela 4.

Tabela 4 - Classifi cação das lesões esplênicas

Grau da lesão

I

Hematoma <10% área subcapsular, sem expansão.

LaceraçãoPenetração da cápsula <1cm de profundidade, sem sangramento.

II

HematomaDe 10 a 50% da superí cie, subcapsular; hematoma intraparenquimatoso.

Laceração1 a 3cm de profundidade, sem envolvimento de vasos trabeculares, sem sangramento ai vo.

IIIHematoma

Intraparenquimatoso até 5cm ou em expansão >50% subcapsular.

Laceração Ruptura do parênquima com sangramento.

IV

HematomaRuptura do parênquima com sangramento átrio.

LaceraçãoLesão vascular hilar com desvascularização >25%.

V

Laceração Destruição completa do baço.

VascularLesão vascular hilar com desvascularização total.

As lesões hepái cas podem ser classifi cadas conforme a Tabela 5. Na maioria das vezes, as lesões param de sangrar espontaneamente e o cirurgião não consegue ideni fi car a origem da hemorragia. Entre as medidas hemostái cas, cau-terização, sutura, balão intra-hepái co e tampões de peritô-nio são as mais ui lizadas. As ressecções hepái cas devem ser realizadas para pacientes estáveis, e por cirurgião habi-tuado com a técnica.

Tabela 5 - Classifi cação das lesões hepái cas

Grau da lesão

I

Hematoma Subcapsular <10% da superí cie.

LaceraçãoRuptura da cápsula, profundidade <1cm no parênquima.

II

HematomaSubcapsular de 10 a 15% da superí cie, intraparenquimatoso <10cm de diâmetro.

LaceraçãoRuptura da cápsula, 1 a 3cm de profundidade no parênquima.

IIIHematoma

Subcapsular >50% área da superí cie, ruptura subcapsular ou hematoma intraparenquimato-so >10cm ou em expansão.

Laceração >3cm de profundidade no parênquima.

IV Laceração25 a 75% em um lobo hepái co ou de 1 a 3 segmentos de Couinaud em um lobo.

V

Laceração>75% do lobo hepái co ou mais de 3 segmentos de Couinaud em um único lobo.

VascularLesão venosa justa-hepái ca – veia cava retro-hepái ca, veia hepái ca maior central.

VI Vascular Avulsão hepái ca.

B - Pâncreas e vias biliares

Lesões da cauda pancreái ca podem ser simplesmente drenadas. As ressecções corpo-caudais devem ser realiza-das nas fraturas do pâncreas ou na lesão do Wirsung (lesão do ducto pancreái co principal). Lesões da cabeça pancre-ái ca e da via biliar principal são um desafi o para o cirur-gião. Na maioria das vezes, é preferível realizar a drenagem externa e reservar a reconstrução do trânsito para um 2º tempo, com equipe especializada. Realizar duodenopancre-atectomia é desaconselhável pelo tempo cirúrgico prolon-gado e pela morbimortalidade do procedimento, associado à gravidade do trauma em si.

C - Estômago, duodeno, intesi no delgado e có-lon

Lesões gástricas podem ser rafi adas. Na presença de lesões múli plas, ou na 1ª porção do duodeno, a gastrecto-mia subtotal pode ser uma opção. Nas lesões de 2ª porção duodenal, associadas ou não a lesões pancreái cas, uma opção é a cirurgia de Vaughan, que consiste no reparo da lesão duodenal, seguido de cerclagem pilórica com fi o ab-sorvível por gastrostomia e uma gastroenteroanastomose laterolateral isoperistáli ca aproveitando a gastrostomia (Figura 11).

Figura 11 - Cirurgia de Vaughan para tratamento de lesões duo-

denais

Lesões de delgado que comprometam menos de 50% do diâmetro da alça podem ser suturadas em plano único. A presença de diversas lesões em um mesmo segmento pode ser resolvida com enterectomia segmentar e anastomose primária (Figura 12).

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Figura 12 - (A) Lesão de delgado por projéi l de arma de fogo e (B)

após ressecção segmentar e anastomose terminoterminal

Lesões do cólon são sempre alvo de discussão no que se refere à anastomose primária versus a colostomia. De maneira geral, as anastomoses são seguras mesmo haven-do contaminação da cavidade, desde que o paciente esteja estável do ponto de vista hemodinâmico. A colostomia fi ca reservada para os doentes instáveis durante a cirurgia. Le-sões de reto baixo podem ser tratadas, além da rafi a, com colostomia de proteção.

D - Retroperitônio

O cirurgião deve estar familiarizado com as manobras de acesso ao retroperitônio (Figura 8). A manobra de Catel consiste na liberação do cólon ascendente pela abertura da fáscia de Toldt e permite acesso principalmente à veia cava e ao rim direito. Pode ser complementada com a manobra de Kocher, que consiste na liberação da curvatura duodenal para acesso ao pâncreas. À esquerda, realiza-se a manobra de Mat ox, com a liberação do cólon descendente para ex-posição da aorta, rim esquerdo e cauda do pâncreas.

Do ponto de vista cirúrgico, o retroperitônio pode ser dividido em 3 regiões. Os hematomas do retroperi-

tônio constituem um desafio para o cirurgião, que deve

ter bom senso para saber quando abordá-los. Esse julga-

mento leva em conta o local do hematoma e a etiologia

do trauma. De maneira geral, todos os hematomas por

trauma penetrante devem ser explorados. Os hemato-

mas resultantes de trauma contuso podem ser conduzi-

dos conforme a Tabela 6.

Tabela 6 - Conduta nos hematomas retroperitoneais

Zona Limites anatômicos Conduta

ICentral: compreende o pâncreas, aorta e cava abdominal

Sempre devem ser explora-dos cirurgicamente (manobra de Kocher e acesso pela aber-tura do ligamento gastroepi-ploico).

II

Laterais direita e esquer-da; compreende os rins, baço e porções retroperi-toneais do cólon

Devem ser explorados os he-matomas expansivos ou pul-sáteis (manobra de Catel e Mat ox).

III Pelve

Não devem ser abordados cirurgicamente. Lesões dessa região devem ser conduzidas com arteriografi a diagnósi ca e terapêui ca.

A classifi cação do trauma renal está na Tabela 7. As le-

sões podem ser tratadas com rafi a, nefrectomia parcial ou

total. Antes de realizar uma nefrectomia total, é necessá-

rio palpar o outro rim para afastar agenesias congênitas.

As lesões de ureter podem ser debridadas e rafi adas com

fi o monofi lamentar em pontos separados. A colocação de

cateter de duplo J pode auxiliar na sutura e evitar este-

nose. A lesão da bexiga extraperitoneal pode ser tratada

conservadoramente com sondagem vesical. Já as lesões

intraperitoneais exigem sutura em 2 planos com fi o absor-

vível para evitar litogênese.

Tabela 7 - Classifi cação das lesões renais

Grau da lesão

IContusão Hematúria, com exames normais.

Hematoma Subcapsular, não expansível, sem laceração.

II

HematomaNão expansível, perirrenal, confi nado ao retro-peritônio.

Laceração<1cm de profundidade, sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento de urina.

III Laceração>1cm sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento de urina.

IV

LaceraçãoCom extensão pelo córtex, medula ou sistema coletor, com extravasamento de urina.

VascularLesão da artéria ou veia principal com hemor-ragia coni da.

VLaceração Completa destruição do rim.

Vascular Avulsão do hilo com desvascularização.

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8. Tratamento não operatório

Muitos doentes, víi mas de trauma abdominal fecha-do, com achado de líquido livre em cavidade, à tomogra-fi a, quando submei dos à laparotomia exploradora já não apresentam mais sangramento ai vo. Com base nesse i po de situação, hoje cada vez mais se indica o Tratamento Não Operatório (TNO) no trauma abdominal contuso.

O paciente candidato a receber TNO deve preencher alguns critérios clínicos e insi tucionais. Deve estar estável do ponto de vista hemodinâmico, sem sinais de peritonite e sem alteração do nível de consciência. O serviço, por sua vez, necessita de tomógrafo, de preferência do i po muli s-

lice, equipe de cirurgia disponível em tempo integral, uni-dade de terapia intensiva ou semi e equipe horizontal de acompanhamento.

As principais indicações de TNO são as lesões de vísceras sólidas (í gado, baço e rins – Figura 13). O paciente precisa de monitorizações clínica e hemai métrica seriadas. Esse i po de tratamento evita laparotomias não terapêui cas e diminui a morbidade do tratamento. No caso de instabilida-de hemodinâmica, alteração do nível de consciência, que-da hemai métrica ou sinais de peritonite, deve-se avaliar a melhor medida terapêui ca. Nos casos de lesão hepái ca, pode-se empregar a arteriografi a. Na indisponibilidade do método, indica-se a cirurgia.

Alguns serviços estão propondo TNO para lesões pene-trantes, principalmente por arma branca. Essa conduta ainda é considerada experimental e somente é ui lizada em proto-colos de pesquisa. Seu uso na roi na não é preconizado, e a cirurgia ainda está indicada formalmente nesses casos.

Figura 13 - Lesões hepái ca e esplênica por trauma abdominal fe-

chado submei das a tratamento não operatório. As tomografi as

são do mesmo paciente e foram realizadas (A) no dia do acidente,

(B) 5 dias após e (C) 14 dias após, com resolução completa das

lesões

9. Resumo

Quadro-resumo

- O atendimento ao doente com trauma abdominal segue a padronização do ATLS®;

- Doentes hemodinamicamente instáveis podem ser avaliados com LPD ou ultrassom i po FAST. A tomografi a só deve ser realizada em doentes hemodinamicamente estáveis;

- Doentes com trauma abdominal hipotensos, sem resposta à reposição volêmica ou com sinais de peritonite, devem ser submei dos a laparotomia exploradora precocemente;

- Pacientes em hipotermia, acidose e coagulopai a são candidatos à cirurgia de controle de danos, com contenção da hemorragia, correção dos distúrbios em UTI e reoperação programada;

- O tratamento de lesões específi cas deve ser individualizado de acordo com a gravidade do caso e experiência do cirurgião;

- Pacientes víi mas de trauma abdominal fechado, estáveis hemodinamicamente à admissão, são candidatos a tratamento não operatório.