Trabalho Sobre Evolução Do Pensamento
Click here to load reader
-
Upload
jefferson-fernando-franczak -
Category
Documents
-
view
216 -
download
3
description
Transcript of Trabalho Sobre Evolução Do Pensamento
Análise e reflexão sobre a construção e evolução do pensamento de René Descarte
através do olhar cinematográfico de Roberto Rossellini
Thaís Conconi Silva1
Plínio Zornoff Táboas2
RESUMO
Neste trabalho de pesquisa pretendemos analisar o filme "Cartesius" (1974)
(Descartes) da coleção “Os Filósofos”, produzida pelo instituo Luce, e dirigida pelo italiano
Roberto Rossellini, buscando, através do olhar cinematográfico, reconstruir e analisar a
história de René Descartes, a evolução de suas teorias e pensamentos, numa perspectiva
filosófica.
Acreditamos que através do ensino audiovisual, a história pode mover-se e ganhar
vida, não se limitando a datas e nomes. Pode constituir-se não somente em fantasia
ocasionada pela beleza e sensibilidade do cinema, mas naquela da ciência histórica: costumes,
ambientes e homens que tiveram relevância histórica e promoveram os avanços sociais que
hoje vivemos.
Este pluralismo de ideias e possibilidades, que surgem quando se pretende trabalhar
com cinema ou recursos audiovisuais, nos permite ampliar nosso olhar para a realização de
uma análise crítica e reflexiva de cada produção cinematográfica.
Durante o filme, Rosselini faz um retrato da vida do matemático e de sua busca
incessante pelo conhecimento. São mostradas várias décadas da vida do pensador, incluindo a
escrita e publicação de “O Discurso do Método” e de suas principais obras, o debate em torno
do método cartesiano e seus estudos sobre a geometria analítica.
O diretor italiano explora as dimensões do conflito da fé e da ciência, além de traçar
uma biografia do personagem num contexto histórico extremamente rico em detalhes, se
1 Aluna de pós-graduação em Ensino, história e filosofia das ciências e matemática da Universidade
Federal do ABC, ([email protected])
2 Professor orientador da Universidade Federal do ABC, doutor em Educação Matemática pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP - Rio Claro). ([email protected])
concentra no pensamento e na ação de Descartes em seu tempo.
Para análise do conteúdo do filme, a metodologia será a proposta por Bardin (1977),
com transcrição textual e análise de áudio e imagens.
Após a análise do áudio, com a trilha sonora, das transcrições das legendas e das
imagens, faremos uma comparação dos conceitos de ciências e matemáticas obtidos com
aqueles conceitos da literatura produzida por René Descartes, focando esta reflexão na obra
"O Discurso do Método", explorada com mais detalhes durante o filme.
Acreditamos que o uso do cinema, explorado criticamente de forma ampliada, ou seja,
através dos símbolos e signos que estruturam uma base de valores estéticos e éticos em algum
contexto temático e cultural, pode potencializar a construção de novos saberes.
PALAVRAS-CHAVE
Descartes, Cinema, História da Matemática.
INTRODUÇÃO
Vivemos em um mundo de imagens e símbolos e, dentro deste contexto, o cinema se
tornou uma das mais importantes manifestações culturais e, embora seja recente se comparado
à música e à literatura, sua influência cresceu notavelmente desde a sua criação.
“Desde os primórdios da produção cinematográfica a indústria do cinema sempre foi
considerada, inclusive pelos próprios produtores e diretores, um poderoso
instrumento de educação e instrução. A relação entre cinema e conhecimento, no
entanto, extrapola o campo da educação formal.” (Miranda, 2010, p.1)
Diante deste contexto social, intensamente habitado por imagens que vêm da
televisão, do cinema, da internet ou computador, explorar a relação existente entre o cinema e
o conhecimento é algo que pode ser feito de várias maneiras:
“Como objeto de investigação em educação, definindo campos de problematização
do trabalho educativo; ou como um modo da sensibilidade e do pensamento
voltados para uma singular produção de sentido; ou ainda, como um recurso
didático que permite motivar ou analisar problemas de natureza diversa - históricos,
sociológicos, filosóficos, psicológicos, etc. -, o cinema comparece hoje nas
atividades curriculares como uma das instâncias para a efetivação da ampla base
cultural requerida pela educação.” (Setton, 2044, p.12)
O uso do cinema como atividade didática, explorado criticamente de forma ampliada,
ou seja, através dos símbolos e signos que estruturam uma base de valores estéticos e éticos
em algum contexto temático e cultural, pode potencializar a construção de novos saberes. De
modo geral, “a mídia representa um campo autônomo do conhecimento que deve ser estudado
e ensinado.” (Caldas, 2006).
“O uso de filmes (imagens e som) modifica o processo de aprendizagem e permite
diferentes abordagens pedagógicas, pois com eles podemos utilizar as diferentes
linguagens como meio para produzir, expressar e comunicar ideias, interpretar e
usufruir das produções culturais.” (Brasil, 1998)
Este pluralismo de ideias e possibilidades, que surgem quando se pretende trabalhar
com cinema ou recursos audiovisuais, nos permite ampliar nosso olhar para a realização de
uma análise crítica e reflexiva de cada produção cinematográfica.
A análise e estudo de obras cinematográficas, neste projeto de pesquisa, será
relacionada com a filosofia da ciência e matemática, para que possamos compreender a
construção e evolução do pensamento científico.
Dentre várias obras cinematográficas e recursos audiovisuais, escolhemos para
elaboração deste artigo e estudo das inter-relações entre cultura e educação, mais
especificamente na área de história e filosofia das ciências e matemática, o filme “Descartes”
(Cartesius, 1974), da coleção de filmes “Os Filósofos”, do Instituto Luce, dirigida por
Roberto Rosselini.
Na perspectiva da análise de filmes como meio didático, Roberto Rossellini, declarou
em 1963:
“Através do ensino audiovisual, a história pode mover-se em seu terreno e não se
volatizar em datas e nomes, pode abandonar o quadro história-batalha para
constituir-se em seus dominantes sociopolítico-econômicos, pode constituir-se não
na vertente da fantasia, mas naquela da ciência histórica: clima, costumes,
ambientes, homens, que tiveram relevância histórica e promoveram os avanços
sociais que hoje vivemos. Alguns personagens, regenerados psicologicamente,
podem converter-se em módulos de ação.” (Caparrós, 1997, citação p.20)
Roberto Rossellini recusava-se a utilizar as práticas do filme dramático. Rosenstone
(2010), um dos principais estudiosos do polêmico e crescente campo de história e cinema,
coloca:
“Um cineasta que chegou a considerar a si mesmo um historiador foi Roberto
Rossellini. Um dos criadores do influente movimento neorrealista de meados da
década de 1940, o diretor italiano, em seus últimos anos de vida, entre meados da
década de 1960 e de 1970, fez mais de uma dúzia de filmes históricos (a maioria
para televisão). Acreditando que ‘o filme deveria ser uma mídia como qualquer
outra, talvez mais valiosa do que qualquer outra, para escrever história’. (...) O
resultado das teorias de Rossellini são obras que se parecem menos com filmes do
que com uma série de quadros com pequenos movimentos nos quais falta a ação
aparentemente tem por objetivo fazer com que os espectadores se concentrem em
palestras históricas que o diretor quer fazer.” (Rosenstone, 2010, p. 169)
Em Descartes, Rosselini faz um retrato da vida de Descartes e de sua busca incessante
pelo conhecimento. São mostradas várias décadas da vida do pensador, incluindo a escrita e
publicação de “O Discurso do Método” e de suas principais obras, o debate em torno do
método cartesiano e seus estudos de geometria analítica.
A análise do pensamento desse filósofo e, principalmente, como esse é retratado pelo
cinema, pode nos fornecer subsídios para a compreensão de como se deu a evolução do seu
pensamento científico e de como obras e produções cinematográficas abordam a história e
filosofia das ciências e da matemática.
METODOLOGIA
Inicialmente, fixaremos o texto ou o próprio roteiro com base nas legendas,
preservando a atmosfera musical e sonora dos filmes selecionados. Este material será
classificado e submetido à análise para verificação das hipóteses, segundo os princípios da
análise de conteúdo de Bardin (1977), que a define como:
“Um método muito empírico, dependente do tipo de fala a que se dedica e do tipo de
interpretação que se pretende como objetivo; um conjunto de técnicas de análise das
comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de
conteúdo das mensagens.” (Bardin, 1977)
Para Quadros (2007) (apud Bardin, 1977), a análise de conteúdo caracteriza-se por um
conjunto de técnicas, que é marcado por uma variedade de formas e é adaptável a um campo
de aplicação muito vasto: o campo das comunicações. Trata-se de buscar pelo tratamento das
informações contidas nas mensagens, podendo ser uma análise dos significados ou dos
significantes. Bardin considera que as regras para análise de conteúdo devem ser homogêneas,
exaustivas, exclusivas, objetivas, adequadas ou pertinentes; apresenta como objetivos do
método da análise de conteúdo a ultrapassagem da incerteza e o enriquecimento da leitura.
Aponta que esse método tem por finalidade efetuar deduções lógicas e justificadas, referentes
à origem das mensagens.
Para elaboração deste artigo, selecionamos os principais trechos do filme,
transcrevendo as falas dos personagens com base nas legendas e os classificamos em cinco
categorias, criadas com base no livro “Discurso do Método”, uma das principais obras de
René Descartes.
A Tabela 1, abaixo, mostra as categorias e as principais características, conceitos e
procedimentos que caracterizam cada uma.
Tabela 1: Categorias criadas e suas principais características.
Categorias Conceitos, procedimentos e atitudes que caracterizam cada
categoria.
Considerações relativas
às ciências
Nesta categoria encontramos uma série de considerações sobre
a razão (o bom senso), a faculdade de bem julgar, que é igual
em todos os homens segundo Descartes, cuja questão é como
conduzir esta razão.
Nos trechos classificados segundo esta categoria, o filósofo
conta os estudos que fez quando deixou os livros e suas
objeções à filosofia dos escolásticos.
Principais preceitos do
método
Nesta segunda categoria, temos os trechos em que Descartes
nos dá as principais regras do seu método. Para tanto, o
filósofo arranja-se de tal modo que nada lhe perturbe a
tranquilidade, procura desfazer-se das opiniões que lhe haviam
sido ensinadas e decide seguir apenas sua própria razão.
Regras da moral e
religião
Nesta terceira categoria Descartes oferece-nos as regras da
moral provisória. O filósofo acredita que não podemos ficar
irresolutos em nossas ações, embora a razão nos obrigue a sê-lo
em nossos juízos. Daí a necessidade de uma moral provisória,
enquanto outra não se constitui baseada na ciência.
Nesta categoria, observamos também o respeito e a
preocupação de Descartes em não confrontar a Igreja.
Lineamentos da
metafísica cartesiana
Na quarta categoria, encontraremos as razões com as quais
Descartes prova a existência de Deus e da alma humana, que
são os fundamentos de sua metafísica.
Estudo da ordem das
questões da Física
Na quinta categoria, encontraremos a ordem das questões de
Física investigadas por Descartes, particularmente, as
explicações do movimento do coração e de algumas outras
estruturas que pertencem à Medicina, e, também, a diferença
existente entre a nossa alma e a dos animais.
As categorias serviram de guia para realizar a análise dos resultados apurados nesta
pesquisa. Após a análise e divisão dos trechos nas respectivas categorias, comparamos as
transcrições com trechos do livro “Discurso do Método”, a fim de observar como o filme
abordou conceitos históricos e filosóficos da obra de René Descartes.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As transcrições das legendas do filme foram separadas em vinte e dois Trechos
principais e classificados segundo as categorias pré-estabelecidas. Alguns trechos abordavam
em seu conteúdo mais de uma categoria. A Tabela 2, abaixo, nos mostra quantitativamente, a
presença de cada categoria no roteiro do filme.
Tabela 2: Quantidades de trechos classificados em cada categoria.
Categorias Quantidade de trechos classificados em cada categoria
Considerações relativas às
ciências
9
Principais preceitos do
método
7
Regras da moral e religião 8
Lineamentos da metafísica
cartesiana
5
Estudo da ordem das
questões da Física
1
Observemos agora, exemplos de transcrições de Trechos classificados em cada
categoria.
• Considerações relativa às ciências
Trecho 5: Padre Mersenne, antigo aluno do Colégio La Flèche, convida René Descartes para
o Convento dos Mínimos.
Padre Mersenne: - O que pensar, então daquelas falsas ciências, que afirmam sem nada
provar, invocando as qualidades ocultas da Lua e das Constelações? O que pensar daqueles
que me deixam orar a Deus e aos Santos para endereçar preces mágicas aos astros? O que
pensar dos astrólogos que ousam fazer o horóscopo de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Padre Mersenne: - O homem sábio não é um adivinho e menos ainda um mago, mas aquele
que ama a verdade e, como Aristóteles, acredita que a natureza nos mostra claramente o seu
rosto nos estudos das causas e na sucessão dos fenômenos. É certo que não aprovo Aristóteles
em todas as suas partes. Passaram-se quase 2 mil anos de sua morte e a ciência do homem
progrediu muito.
Padre Mersenne: - Mas quanto à busca da verdade repetirei aqui o que tenho dito tantas
vezes. Aristóteles é uma águia os outros não são mais que pintinhos.
René Descartes: - Mas, reverendo padre, na busca da verdade Platão diz uma coisa,
Aristóteles outra e Epicuro outra ainda. Agostinho parece indicar uma via diversa daquela de
Tomás de Aquino. Telésio, Campanella, Bacon e os outros inovadores trazem ainda outros
argumentos.
René Descartes: - O senhor diz que, salvo Aristóteles, são todos pintinhos. Não lhe parece
exagerado?
René Descartes: - As sumas dos filósofos escolásticos fundadas nas doutrinas de Aristóteles
só parecem construções perfeitas que conduzem à verdade quando são estudadas dentro das
paredes de uma biblioteca ou de um colégio, mas parecem bastante distante delas quando
confrontadas com os milhares de fenômenos que formam a realidade do nosso mundo. E
quem mais, entre todos esses, nos ensinará com autoridade alguma coisa sobre a qual não
possa pairar nenhuma dúvida possível?
As considerações sobre ciência e a decisão de René Descartes em abandonar a suas
antigas concepções também está presente no “Discurso do Método”:
“Acreditei firmemente que, deste modo, conduziria minha vida muito melhor do que
se a construísse sobre velhos alicerces e me apoiasse apenas nos princípios pelos
quais me deixara guiar na mocidade, sem nunca haver examinado se eram
verdadeiros.” (Descartes, 2011, p.36)
• Estudo da ordem das questões física
Trecho 14: René Descartes vai a uma aula de anatomia em uma universidade e encontra dois
doutores com os quais discute suas concepções sobre ciência e filosofia.
Doutor: - Essas observações foram escritas pela primeira vez em um livro que o tipógrafo
Wilhelm Fritz imprimiu em Frankfurt chamado "De Motu Cordis et Sanguinis in
Animalibus", escrito por um homem que reputo entre os maiores da ciência mundial sir
William Harvey. Ele o dedicou, em 1628 ao sereníssimo e invicto Carlos, rei da Grã-Bretanha,
Harvey escreveu: "O coração dos seres animais é o fundamento da vida, o senhor de tudo
aquilo que é ligado à vida, o sol do microcosmo. Todo ato vital depende do coração toda a
energia e todo o vigor provêm do coração é o sol do Estio". O sangue consegue chegar às
partes mais extremas do corpo por meio das artérias e, espalhando-se no interior dos tecidos
através de dutos cada vez mais finos, ele os irriga e lhes dá vigor. Ele os faz viver! As veias,
por sua vez, recolhem o sangue trazendo-o de volta ao coração. E isso determina um circuito.
Doutor 2: - Ou seja, o senhor sustenta que o sangue está vivo no corpo dos animais, dos
peixes e dos homens sem nenhuma influência externa. Nega a influência dos astros?
Doutor: - Certamente. Ao dissecar um corpo e observar a vida pulsando no interior de um
organismo fica-se convencido de que muitas das doutrinas sustentadas até os nossos dias por
homens de ciência que nos procederam, são pura fantasia. Descobrir os segredos da natureza
obriga o estudioso a um longo esforço. É preciso observar, medir, calcular, confrontar por dias
e dias e se não bastar, por anos e anos. É preciso saber corrigir humildemente os próprios
erros e, se necessário, recomeçar do início sem nenhuma presunção. A via do saber é
terrivelmente lenta e nada tem a ver com as excitações ilusórias da fantasia!
René Descartes: - Suas palavras são iluminadas, senhor. E ouvidas muito raramente entre os
doutores de nosso tempo. Eles preferem tomar como infalíveis as fábulas que os antigos
escreveram sobre a natureza do mundo.
Doutor 2: - Então compartilha da doutrina do doutor?
René Descartes: - Claro que compartilho. Também realizei dissecações e também estou
convencido de que o sangue circula da forma que o Dr. Harvey ensinou. E acrescento que, a
meu ver, o sangue é efervescente pela própria natureza e que sua contínua fervura no coração
é a causa das pulsações que se constatam em todos os corpos vivos. Sobre esse ponto,
senhores, concordo com a doutrina de Aristóteles. O coração é um vaso muito quente e isso
explica facilmente o mecanismo do movimento cardíaco. É como uma lareira que contém e
conserva a matéria e o princípio do calor inato e a partir da qual ele se transmite para todos os
outros órgãos.
Doutor: - Sobre esse detalhe, não posso concordar. Como diz o Dr. Harvey, os movimentos
do coração consistem em rápidos, rapidíssimos batimentos em golpes instantâneos,
produzidos como se fosse um músculo e esse processo de ebulição de que o senhor fala não
tem relação com tudo isso. E um processo de ebulição, como sabe, não se pode verificar mais
que uma lenta subida e uma lenta descida, enquanto no coração de qualquer espécie de animal
ao contrário, o que temos são batimentos velocíssimos.
René Descartes: - Preciso pensar melhor sobre esse ponto.
Doutor: - Espero que venha a esta universidade todo dia para confrontar suas reflexões com
as nossas.
René Descartes: - É uma pena que não possa retornar, pois aprecio muito a sua companhia,
mas nos próximos dias irei a Amsterdã para me encontrar com outros estudiosos.
Doutor: - Faz bem, senhor, faz muito bem. Eu o invejo! Em nosso século, não é possível
adquirir doutrina senão viajando visitando as universidades e confrontando os diversos
pareceres dos estudiosos. Precisamos nos livrar, como disse Bacon, dos ídolos da falsa
filosofia e construir uma nova ciência.
René Descartes: - Sobre esse ponto, estamos de acordo, senhor.
Na quinta parte do “Discurso do Método”, Descartes faz considerações sobre a
explicação do movimento do coração e o sangue e sobre outras questões de ordem física e
relativas à medicina:
“Mas há muitas outras cousas que atestam que a verdadeira causa do movimento do
sague é a que referi. Primeiramente, a diferença que se nota entre o sangue que sai
das veias e o que sai das artérias só pode resultar de que, tendo-se ele rarefeito e
como que destilado ao passar pelo coração, é mais sutil, mais vivo e mais quente
logo depois de ter saído do coração, isto é, estando nas artérias, do que era antes de
nele entrar, quando estava nas veias.” (Descartes, 2011, p.65)
• Regras da moral e religião
Trecho 17: René Descartes vai a casa de Constantine Huygens conversar sobre a carta que
recebeu do Pe. Mersenne e teme não poder publicar seu tratado.
René Descartes: - Meu tratado estava quase terminado. Só me faltava corrigi-lo e copiá-lo.
Mas se Galileu, um italiano que goza da estima do papa foi condenado, não tenho ânimo de
continuar.
Constantine Huygens: - Talvez esteja exagerando. Poderá publicá-lo mais tarde.
René Descartes: - Em sua carta, Pe. Mersenne foi muito claro e creio que tem razão.
Constantine Huygens: - Mas, como eu disse antes, a Holanda é muito distante de Roma.
René Descartes: - Não quero correr o risco de contradizer nem perturbar a Igreja. Estou
quase tentado a queimar todos os meus papéis. Com certeza, não os mostrarei a ninguém.
Toda a minha obra é tão ligada à hipótese do movimento dos céus que é impossível corrigi-la
mesmo que o quisesse.
Constantine Huygens: - Se é assim, não posso censurá-lo. Espere, aqui está. Ouça o que me
escreveu um discípulo de Galileu: "Depois de longo processo e infinitas injúrias ele foi
confinado na cidade de Siena de onde não pode sair sem permissão. Seus escritos foram todos
banidos porque tinham como verdadeira a falsa doutrina, ensinada por alguns de que o Sol é o
centro do mundo e é imóvel e de que a Terra se move em modo diuturno. E por ter, ademais,
ensinado a mesma doutrina e tê-la difundido em cartas e escritos".
René Descartes: - A bem dizer, nunca tive desejo de escrever livros. Se não tivesse cedido à
insistência de alguns amigos, nunca teria escrito. Busco apenas a paz e a tranquilidade de
espírito. Já existem em filosofia muitas opiniões aparentemente sólidas, que podem ser
debatidas nas discussões e se as minhas não são mais sólidas que elas e não podem ser
aprovadas sem controvérsias nunca aceitarei publicá-las.
Constantine Huygens: - Está sendo um pouco prudente demais. Sabia que Galileu foi
defendido na França?
René Descartes: - Sabia, nosso bom frade Mersenne também está entre seus defensores. Mas
ele também me recomentou prudência. Nunca farei o que não devo fazer. É preciso aplacar a
própria excitação, o desejo. Esperarei, pois o que não parece possível hoje pode sê-lo amanhã.
A fé e respeito pela religião que observamos durante as cenas pela personagem de
René Descartes também está presente em sua obra literária “Discurso do Método”:
“(...) A primeira era obedecer às leis e aos costumes de minha terra, guardando com
constância a religião na qual Deus me fez a graça de ser instruído desde minha
infância, e de me governar, em tudo mais, segundo as opiniões mais moderadas e
mais afastadas dos excessos (...)” (Descartes, 2011, p.43)
• Principais preceitos do método e Lineamentos da metafísica cartesiana
O trecho abaixo aborda em seu conteúdo as duas categorias acima.
Trecho 18: Em Utrecht, René Descartes vai a casa da Sra. Ana Maria Shurman falar sobre seu
novo tratado para seus colegas.
Colega: - Disseram que prepara com seu tipógrafo a impressão de nova obra. Ficamos
decepcionados quando desistiu de imprimir o tratado sobre o mundo por temor.
Sra. Ana Maria Shurman: - Engana-se, não foi por temor. Foi por respeito à autoridade e por
prudência, uma justa prudência. Esses amigos vieram ouvi-lo.
René Descartes: - Minha nova obra retomará ideias e materiais do tratado do mundo.
Senhores, escrevi o projeto de uma ciência universal que possa elevar a natureza a seu mais
alto grau de perfeição.
Sra. Ana Maria Shurman: - O que está nos dizendo é muito pouco. Falou-me tanto de seus
progressos em metafísica. Tem medo de expô-los?
Colega: - Escreveu um livro de metafisica? Renunciou ao método matemático?
René Descartes: - Tranquilizem-se! Pretendo demonstrar a verdade explicada a partir da
metafísica por novas vias. Seria inútil inventar um método para o uso correto da razão e não
utilizá-lo para demonstrar os fundamentos da criação e do espírito e daquilo que nos circunda
para além das teses dos escolásticos sem nenhuma concessão às suas argumentações. Eis um
de meus novos raciocínios: "Todos sabem que, às vezes, os sentidos nos enganam. Suponho,
então, que nada do que vemos seja como os sentidos fazem parecer". Porém, duvidando de
tudo, parece-me imediatamente evidente que penso e, se penso, deve existir alguma coisa.
"Penso, logo sou, logo existo". Esta certeza de ser é extraída de mim mesmo. Sou uma
substância cuja essência natural consiste de forma totalmente independente de qualquer coisa.
Pois bem, esse eu ao qual me refiro é a alma pela qual eu sou o que sou. Verifiquei demais
que nenhuma das coisas que existem a terra, a luz, a cor, mostram-se superiores a mim, mais
perfeitas que eu. Mas quem pôs em mim a ideia de um ser mais perfeito que eu? Perguntei-
me. Certamente uma natureza mais perfeita que a minha capaz de conceber a ideia da
perfeição, isto é de um ser sobrenatural, absolutamente perfeito que indico com uma única
palavra: Deus. Em meu tratado, demonstro da forma mais clara também a existência, em mim
e no mundo de uma substância pensante, distante da corpórea. Mas qual das duas é a natureza
de Deus? Demonstrarei que Deus certamente não poder ser um composto de duas substâncias
a corpórea e a pensante, pois a mistura seria sinal de imperfeição.
Sra. Ana Maria Shurman: - Caro René, fala da existência da alma de Deus de maneira
realmente inaudita. Estou comovida.
Colega 2: - Seu desígnio é muito audaz e agudo.
Colega 3: - Mas a sua divisão de realidade em substância corpórea e substância pensante
suscitará muitas objeções.
René Descartes: - Responderei a todas. No entanto, é necessário que publique o mais
rapidamente possível o meu tratado. Pensarei nas objeções depois.
Na quarta parte do “Discurso do Método”, encontramos várias citações sobre o
método e metafísica cartesiana:
“Finalmente, considerando que os mesmos pensamentos que temos quando
acordados também nos podem acudir quando dormimos, sem que nenhum seja
verdadeiro, resolvi considerar, fingir, que todas as cousas que haviam penetrado no
meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões dos meus sonhos. Mas logo
após percebi que, quando pensava que tudo era falso, necessário se tornava que eu –
eu que pensava – era alguma cousa, e notando que esta verdade – penso, logo existo
– era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos não
eram capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulos, como
primeiro princípio da filosofia que procurava.” (Descartes, 2011, p. 50)
Conforme observamos na Tabela 2, há no discurso e conteúdo do filme a
predominância das categorias Considerações relativas às ciências e Regras da moral e
religião. Isto mostra que a temática do filme está focada no conflito da fé e da ciência,
vivenciado pela personagem durante a maioria das cenas.
Também observamos que é apresentada com frequência a discussão entre René
Descartes e outras personagens sobre seu método para guiar a razão. Para elaboração do
roteiro, podemos observar que o diretor utiliza de vários conceitos filosóficos presentes na
obra “Discurso do Método”.
CONCLUSÃO
A relevância do estudo proposto vai além do que se observa no filme e na obra
literária, qual seja, a dicotomia em que Descartes se vê oscilar – fé e ciência, e ganha em
qualidade teórica ao atingir aspectos macros educacionais por acrescentar mais um exemplo
de utilização de linguagem cinematográfica às estratégias de aprendizagem, uma vez que
existem poucos trabalhos inseridos nesta linha de pesquisa.
Assim, a análise do pensamento científico e matemático em uma perspectiva filosófica
através do uso de produções cinematográficas pode se tornar um grande aliado pedagógico
que amplia a construção de conhecimento, indo além da esfera do ensino de ciências e de
matemática e tocando em assuntos que versam sobre cultura e artes.
“Mudar a mídia da história da página para a tela, acrescentar imagens, som, cor,
movimento e drama é alterar a maneira como lemos, vemos, percebemos a respeito
do passado. Todos esses elementos fazem parte de uma prática da história para a
qual ainda não temos um rótulo decente. (...) Todavia, esse tipo de história é um
desafio, uma provocação e um paradoxo.” (Rosenstone, 2010)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Educação Física. Brasília : MEC /SEF, 1998.
CALDAS, C. Mídia, escola e leitura crítica do mundo. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n.
94, p.117-130, Jan./abr.2006.
CAPARRÓS LERA, J. M. 100 Películas sobre Historia Contemporânea. Madrid: Alianza,
1997.
DESCARTES , René. Discurso do Método. Tradução, prefácio e notas de João Cruz Costa,
professor de filosofia da Universidade de São Paulo. – [Ed. Especial]. – Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2011.
MIRANDA, Carlos E. A. Olhares Desconfiados. Educação & imagem (UERJ), v. 19, p. 1-2,
2010.
QUADROS, K. A. N. Salto para o futuro: Análise dos textos de educação ambiental do
programa TV Escola. Divinópolis - Minas Gerais, 2007.
ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. Tradução de Marcello
Lino. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
SETTON, M.G.J. A cultura da mídia na escola: ensaios sobre cinema e educação. São Paulo:
USP, 2004.