Trabalho de Literatura Portuguesa

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TRABALHO DE LITERATURA PORTUGUESA A partir da farsa “Quem tem farelos?” percebemos que o teatro vincentino não está de acordo com outras representações do teatro de sua época, ou seja, ele estaria em uma fase de transição, se aproximando da picaresca que atualiza formas congeladas do teatro clássico, tais como a divisão em cenas e a crítica aos tipos sociais. As expectativas modernas fazem com que o teatro de Gil Vicente nos pareça ter uma intriga ténue. Existem razões de época para que a caminhada ao desenlace da farsa não seja acentuada, já que os expectadores se orientavam por formas precedentes, como se o fio narrativo fosse exterior a representação e essa última particularizasse situações cotidianas. O efeito de progressão aqui é acumulativo, não mais causal como era classicamente, havendo uma sobrecarga de traços caracterizadores, ou seja, um acréscimo vertical de elementos que compõe a situação parodiada, transformando um retrato em caricatura pelo exagero. A peça apresenta referências conhecidas previamente pelos expectadores, tipos cômicos estereotipados, como o par escudeiro/moço, representado por Aires e Apariço e a ascensão da burguesia, uma classe social enriquecida pelo comércio, que aqui é personificada no papel de Isabel. A aparição dos tipos satirizados é retardada para causar mais um acumular e gerar uma ligeira tensão. Aires Rosado, como seu nome já diz, é aéreo, se alimenta do ar. A referência aos escudeiros se alimentarem do ar continua

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Trabalho de Literatura Portuguesa Trovadorismo

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TRABALHO DE LITERATURA PORTUGUESAA partir da farsa Quem tem farelos? percebemos que o teatro vincentino no est de acordo com outras representaes do teatro de sua poca, ou seja, ele estaria em uma fase de transio, se aproximando da picaresca que atualiza formas congeladas do teatro clssico, tais como a diviso em cenas e a crtica aos tipos sociais.As expectativas modernas fazem com que o teatro de Gil Vicente nos parea ter uma intriga tnue. Existem razes de poca para que a caminhada ao desenlace da farsa no seja acentuada, j que os expectadores se orientavam por formas precedentes, como se o fio narrativo fosse exterior a representao e essa ltima particularizasse situaes cotidianas. O efeito de progresso aqui acumulativo, no mais causal como era classicamente, havendo uma sobrecarga de traos caracterizadores, ou seja, um acrscimo vertical de elementos que compe a situao parodiada, transformando um retrato em caricatura pelo exagero.A pea apresenta referncias conhecidas previamente pelos expectadores, tipos cmicos estereotipados, como o par escudeiro/moo, representado por Aires e Apario e a ascenso da burguesia, uma classe social enriquecida pelo comrcio, que aqui personificada no papel de Isabel. A apario dos tipos satirizados retardada para causar mais um acumular e gerar uma ligeira tenso.Aires Rosado, como seu nome j diz, areo, se alimenta do ar. A referncia aos escudeiros se alimentarem do ar continua posteriormente na picaresca. Ele inofensivo, enganado pelo criado e vtima das circunstncias. mais digno de pena ou riso do que de dio. Tanto Apario quanto Ordonho tm amos escudeiros que so apresentados pelo contraste de sua realidade de pobreza com sua presuno de manuteno de aparncia de fidalgo. Ambos tambm so trovadores e funcionam como pardia a poesia palaciana, que introduzida com o exagero aos temas recorrentes nessa. As cantigas so o espelho da fantasia na qual Aires Rosado vive e cada momento da sua atuao marca seu afastamento em relao aquilo que se passa sua volta, o que se caracteriza como seu modo de sobrevivncia, ignorando os dados da sua realidade. Apario o seu contraponto, sua ligao ao terreno ou ao real e sua viso corresponde com a do expectador. Vemo-lo dizendo que ambos morrem de fome, vivem jejuando, corteja moas que s querem bons presentes e que apesar de seu amo ser escudeiro, nunca o viu cruzado, apanha nos becos e s anda a noite para no repararem em suas roupas. Ordonho tambm tem um amo escudeiro que acha-se grande senhor, vive a suspirar por guerra, mas nunca entrou em navio, leva umas pauladas na rua e deseja andar no palcio com as damas. Porm Ordonho e seu amo tm uma fonte de renda, a mula que eles alugam, quanto a Aires, ele s recebe uma pequena penso dada pela monarquia aos nobres. Na opinio de ambos os moos, basta ele estar apaixonado que o resto no lhe importa.Podemos concluir por essa descrio que a nobreza sustenta uma falsa imagem que atrai as outras classes sociais tais como a burguesia, que apesar de em alguns casos terem mais bens, no tem fama nem nome.H uma certa causalidade entre tanger viola e estar namorado, pois o trovador escreve para uma moa, ou seja, algo que o inspire.Escudeiros, camponeses e membros da burguesia em ascenso so exemplos de classes em mudana, esto em estgio de transio da sociedade portuguesa e se preocupam demasiadamente com o aspecto exterior.Podemos observar marcas temporais que determinam a durao de aproximadamente um dia na pea que so o como tardaste de Aires a Apario, indicando o tempo que ele demorou conversando com Ordonho, j ela estar na cama indicando que j era noite, hora de dormir, mea noite deve ser [...] pois os galos cantam j indicando que j era madrugada e ao final da cantiga a moa Isabel dizendo que queria almoar.Se fossem respeitadas a diviso de cenas no texto, haveria a entrada dos dois moos a procura farelos. Depois, uma nova cena entre eles e Aires. Posteriormente, a cena da cantiga janela da moa. Por fim, a cena da velha e Isabel. Podemos concluir que Gil Vicente escreve em uma fase de transio e que o espao e o tempo esto difusos na sequncia do texto apresentado, j perdendo concepes clssicas. Imaginando a encenao dessa obra, chegamos as seguintes mudanas de cenrio:1) Rua/feira, local onde Apario e Ordonho se encontram;2) Casa de Aires Rosado, onde os moos se encontram com ele;3) Frente da casa de Isabel, onde ocorre a serenata;4) Interior da casa de Isabel, onde ocorre o dilogo entre a Velha e Isabel.Essas alteraes cnicas so indispensveis para que haja uma lgica no desenrolar da trama, para que no houvesse comprometimento dos aspectos temporais e espaciais.Isabel filha de artesos (trabalhadores manuais), ostenta uma imagem que no possui e procura acender socialmente a partir do casamento, ao invs de trabalhar.Segundo a nossa leitura, h mais passagens em que Apario fala em passo, pois ele critica seu amo e acreditamos que ele faa isso para ser ouvido apenas pelo pblico e no pelos personagens da pea, j que poderia haver alguma punio.Vemos nos texto alguns tipos de efeitos cmicos, como por exemplo:- Aires Rosado mandando Apario dar po aos ces sendo que nem eles tem de comer e tambm quando o moo fala baixo, retrucando o que seu amo diz na cantiga a sua dama, sendo dessa maneira situaes cmicas.- Canta como pata chueca, maneira a qual Ordonho se refere ao jeito de seu amo cantar, asno pelado, nome que Apario d a seu amo; p dormente, o que Aires pensa ter ouvido a moa dizer em voz baixa; Quem esse rousinol, picano ou papagaio?, jeito como a velha se refere a Aires quando esse est cantando. Nesses casos citados temos um efeito cmico produzido pelas palavras.- Aires Rosado, Isabel, a Velha, Apario e Ordonho so tipos cmicos cultivados desde a Antiguidade Clssica. Aires Rosado se assemelha ao soldado fanfarro Vemos que a Velha lembra o senex da Comdia Clssica, que reclama muito das circunstncias e roga maldies. Apario e Ordonho se assemelham aos escravos, pois eles muito criticavam os donos por sua situao miservel, porm tambm no trabalhavam. Isabel lembra as moas com dote/virgo (ver anotaes da aula do Werner do semestre passado). A partir disso vemos que nem em tudo Gil Vicente se distancia dos clssicos, mas que ele cria algo novo a partir de elementos velhos.No trecho em que Aires l as cantigas de seu cancioneiro, podemos tirar a trs concluses:De que imediatamente h uma mudana na cena e aparece Aires lendo pela casa, se auto anunciando por considerar-se importante, de que Apario que est com o livro e parodia seu amo declamando-as ou de que um narrador empresta sua voz para as passagens em prosa.

Aires: Senhora, no vos ouo bem.Isabel: O que fazeis aqui?A: Oh! Que vos fao eu aqui?I: O que vos fazeis aqui?A: Que senhora? Eles a mi? I: No tens medo?A: No hei medo de ningum. Olhai, senhora Isabel: inda que tragam charrua, eu s lhes terei a rua com uma espada de papel!I: Quem so esses contigo?A: Que so? Que so?I: A charrua matarias a ti.A: Rebolarias?I: (Risos)A: E mais rides-vos de mi!I: Hs de ir embora!A: Eu porque mhei dir daqui?I: Fazes-me descortesias.A: Fao-vos de descortesias? Mana Isabel, ouvis?I: Difamas de mi.A: Eu que defamo de vs? Oh pesar de Deos! Vs tendes-me em dous ceitis. No sabeis que me digais.I: Sei o que diram de mi.A: Sabeis qu? Bem vos entendo. Inda me no arrependo, com quanto mal me queirais.I: Hais de se perder.Aires: H i mais que me perder? Pera que so tais prefias? Bem dizeis; porm meus dias nisto ho de fenecer.Apario (passo): Dou-te demo essa cabea; no tem siso por um nabo.Aires: Senhora, isso do cabo me dizei ante que esquea. Mais resguardado est qui o meu grande amor fervente.I: s um insolente!A: Que tendes?... um p dormente? Oh, que gro bem pera mi! Hi! Hi! Hi! I: De que te ries?A: De que me rio? Rio-me de mil cousinhas, no j vossas, seno minhas.Apario: Olhai aquele desvario.