[Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

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Literatura Portuguesa I Florianópolis - 2011 Salma Ferraz Período

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Literatura Portuguesa 1

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Literatura Portuguesa I

Florianópolis - 2011

Salma Ferraz3ºPeríodo

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Governo FederalPresidência da República: Dilma Vana RousseffMinistério de Educação: Fernando HaddadCoordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso José da Costa

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbozaPró-Reitora de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh MüllerPró-Reitora de Pesquisa e Extensão: Débora Peres MenezesPró-Reitor de Pós-Graduação: Maria Lúcia de Barros CamargoPró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista FurtuosoPró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José AmanteDiretor do Centro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretor da Unidade de Ensino: Felício Wessling MargottiChefe do Departamento: Izabel Christine SearaCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Sandra QuarezeminCoordenador de Tutoria: Renato Miguel BassoSupervisão de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Daiane da Rosa Acordi

Comissão EditorialTânia Regina Oliveira Ramos

Equipe Coordenação Pedagógica Licenciaturas a Distância

EaD/CCE/UFSCNúcleo de Desenvolvimento de MateriaisProdução Gráfica e HipermídiaDesign Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern, Kelly Cristine SuzukiAdaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira Coordenação: Ane GirondiDiagramação: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli MichelonRevisão gramatical: Gustavo Andrade Nunes Freire, Marcos Eroni PiresDesign InstrucionalSupervisão: Maria Luiza Rosa BarbosaDesigner Instrucional: Maria Luiza Rosa Barbosa

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Copyright © 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Ficha Catalográfica

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.

O48l Oliveira, Salma Ferraz de Azevedo de Literatura portuguesa I / Salma Ferraz. - Florianópolis:

LLV/CCE/UFSC, 2011.150 p. Inclui bibliografia.ISBN : 9788561482473 1. Literatura portuguesa – Estudo e ensino. 2. Literatura

portuguesa – História e crítica . 3. Literatura – Ensino geren-ciado por computador. I. Título.

CDU : 869.0

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Sumário

Apresentação ...................................................................................... 7

Unidade A: Trovadorismo ............................................................... 91 Trovadorismo .................................................................................................11

1.1 Cantigas de Amigo ..........................................................................................12

1.2 Cantigas de Amor ............................................................................................16

1.3 Cantigas de Escárnio .......................................................................................20

1.4 Cantigas de Maldizer ......................................................................................24

1.5 Amor cortesão ...................................................................................................25

Unidade B: Séculos XIII ao XVI ...................................................332 Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria

portuguesa com certeza? ..........................................................................35

2.1 Idade das trevas? ...............................................................................................35

2.2 As Novelas de Cavalaria .................................................................................37

2.3 Amadis de Gaula ................................................................................................41

2.4 D. Quixote de La Mancha .................................................................................51

3 O Teatro de Gil Vicente ...............................................................................55

3.1 A Farsa de Inês Pereira ......................................................................................60

3.2 O Auto da Barca do Inferno ............................................................................63

4 A Lírica de Camões ......................................................................................67

4.1 O Classicismo ......................................................................................................67

4.2 Os Sonetos...........................................................................................................69

4.3 Camões: um poeta concretista ....................................................................83

5 Os Lusíadas......................................................................................................89

5.1 Epopeia .................................................................................................................89

5.2 Os Lusíadas: estrutura ......................................................................................90

5.3 Temas.....................................................................................................................92

5.4 Os narradores e os seus discursos ..............................................................95

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5.5 Episódios ..............................................................................................................97

5.6 Os Lusíadas: cantos épicos ............................................................................97

Unidade C: Século XVII ............................................................... 1136 Os Sermões do Padre Vieira ...................................................................115

Considerações finais .................................................................... 131

Referências ...................................................................................... 133

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Apresentação

A disciplina de Literatura Portuguesa I tem como objetivos princi-

pais identificar as principais manifestações literárias do período de

formação da literatura portuguesa, tanto na lírica como na prosa, e

conhecer os textos mais representativos do período medieval, do renascimen-

to e do barroco português.

Num primeiro momento estudaremos o Trovadorismo português com suas

Cantigas de Amigos, Cantigas de Amor e Cantigas de Escárnio e Maldizer.

Em seguida estudaremos alguns itens sobre a Novela de Cavalaria, dentro da

qual está incluída a primeira manifestação em prosa em Portugal: a novela de

cavalaria intitulada Amadis de Gaula.

Num segundo momento analisaremos alguns aspectos sobre o teatrólogo Gil

Vicente e a composição do teatro medieval português, especialmente a peça O

Auto da Barca do Inferno. Na sequência, analisaremos a importância de Ca-

mões, com sua obra lírica e sua obra épica Os Lusíadas, na composição da

cultura portuguesa e no amadurecimento do português clássico. Após essas

unidades, estudaremos alguns Sermões do Padre Vieira e, para finalizarmos

esta disciplina, analisaremos a poesia do poeta português Bocage.

Optamos por um enfoque historiográfico para que você possa ter uma melhor

compreensão do período formativo da Literatura Portuguesa. Cremos ser inte-

ressante que conheça esse momento importante da literatura e cultura portu-

guesas para entender possíveis repercussões na cultura brasileira. Como aluno

da EaD Letras-Português, você terá a oportunidade de estudar e conhecer au-

tores e textos representativos da cultura portuguesa porque esse conhecimento

é importante para a formação intelectual do futuro professor de Português e

de Literatura.

Sugerimos, ainda, que procure montar sua própria biblioteca (virtual e mate-

rial) incorporando e adquirindo livros e textos fundamentais para a disciplina

como Os Lusíadas e os Sonetos de Camões, O teatro ou Os Autos de Gil Vicen-

te e os Sermões do Padre Vieira. Recomendamos o sebo virtual disponível em

<http://www.estantevirtual.com.br>, bem como a biblioteca digital do Núcleo

de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística (NUPILL), da Universida-

de Federal de Santa Catarina, disponível em <www.literaturabrasileira.ufsc.br>,

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que oferece para acesso democrático um acervo significativo de obras literárias.

Em http://www.dominiopublico.gov.br/, mantido pelo Ministério da Educa-

ção, você também encontra obras completas de muitos autores, tanto da litera-

tura portuguesa quanto da brasileira.

Contamos e apostamos em você, querida aluna e querido aluno. Temos certeza

de que faremos essa disciplina, em um esforço coletivo, da melhor forma pos-

sível. Mãos à obra... E – por que não? – olhos e ouvidos à obra!

Salma Ferraz

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Unidade ATrovadorismo

O trovador

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Capítulo 01Trovadorismo

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1 TrovadorismoA Língua Portuguesa é muito rica e é falada em Portugal, Brasil,

Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Prín-cipe e Timor Leste. Na Idade Média ela contabilizava apenas 15.000 palavras. No século XVI, período marcado pelas grandes navegações, esse número dobrou e, no fim do século XIX, os dicionários já regis-travam 90.000 vocábulos. Hoje, a Academia Brasileira de Letras cal-cula em 400.000 o total de palavras da Língua Portuguesa. A origem dos vocábulos incorporados ao português ao longo dos séculos variou conforme o tipo de contato mantido com outros povos. Entre os sécu-los VIII e XV, o idioma absorveu muitos termos de origem árabe por causa da ocupação moura na Península Ibérica. Durante o Renasci-mento, a arte e a arquitetura italiana universalizaram várias palavras relacionadas a elas. No século XX, a França ditava a moda no Ociden-te, e várias palavras de origem francesa foram incorporadas ao portu-guês. Interessa-nos, neste Capítulo, a formação da Língua Portuguesa durante a Idade Média.

As primeiras manifestações encontradas em Portugal são em verso (séc. XII). Há três principais coletâneas: 1) Cancioneiro da Ajuda (310 canções, cujos manuscritos datam da época trovadoresca); 2) Cancio-neiro da Vaticana (1.205 canções); e 3) Cancioneiro da Biblioteca Na-cional (1.647 canções).

O Trovadorismo foi a primeira escola literária portuguesa, surgiu e desenvolveu-se entre 1198 a 1418. Paio Soares de Taveirós foi o autor da Canção da Ribeirinha, também conhecida como Cantiga da Guarvaia (1198), uma das cantigas mais antigas que se conhece em nossa língua. Os poemas eram cantados por poetas e músicos com instrumentos de corda e sopro. Podemos classificá-los nas seguintes categorias:

Ӳ TROVADOR: poeta, em geral era uma pessoa culta que compu-nha a letra e a música de canções sem preocupações financeiras;

Ӳ MENESTREL: músicos-poetas sedentários que viviam na casa de um fidalgo, enquanto o jogral andava de terra em terra;

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Ӳ JOGRAL: cantores e tangedores ambulantes;

Ӳ SEGREL: trovadores profissionais que iam de castelo em caste-lo, acompanhados por um jogral.

Eram esses músicos que compunham e divulgavam as cantigas que veremos em seguida.

1.1 Cantigas de Amigo

Com relação à poesia lírica, lembre-se de que ela exprime as vivências íntimas da primeira pessoa do discurso. São vivências, sobretudo, afetivas e amorosas. O eu do po-eta (eu lírico) pode aparecer explicitado ou subentendido. De origem galego-portugue-sa, as Cantigas de Amigo exprimem o sen-timento feminino, embora escritas por ho-mens. O poeta assume o que denominamos de eu lírico feminino, e então, por meio des-se estratagema, a mulher faz confidências de seu amor.

Note que a mulher sofre pelo amigo ausente (esse termo é aqui usado no sentido de amante): é um ser mais real e concreto. Apresenta estrutura muito simples, chama-da paralelística: repetições de versos seme-lhantes, com alterações nas palavras finais.

Assim, as cantigas de amigo ambientam-se em lugares mais simples e cotidianos, como bosques, meio rural, meio campesino ou perto do mar. Ademais,

Uma antiga e longa tradição oral de cantigas ao som das quais se dança-

va existiu antes da compilação de poesias nos cancioneiros trovadores-

cos (compilação realizada no final do reinado de D. Afonso III, época do

manuscrito do Cancioneiro da Ajuda). António José Saraiva é da opinião

que, pelas suas características rítmicas e pelo ambiente social que evo-

Figura 1 – Menestréis

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Capítulo 01Trovadorismo

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cam, algumas cantigas remontam certamente a um antiquíssimo pas-

sado, anterior à fundação do reino.

Ao lermos as cantigas de amigo, gênero lírico da tradição medieval

galego-portuguesa, fitamos um difuso simbolismo esotérico feito de

uma coincidência entre sentimento e ambiente, como por exemplo:

“Amor = natureza alegremente faladora (Primavera) / indiferença = na-

tureza tristemente silenciosa (Inverno)” [...].

Algumas destas cantigas têm a forma de diálogo de uma rapariga ena-

morada com a mãe, ou a irmã, ou as amigas, sempre acerca do “amigo” ou

com este mesmo. Outras são monólogos de uma mulher enamorada. O lirismo vazado nestas composições tanto versa sobre o amor não cor-respondido, causa de sofrimento, desconforto e lamento, como tam-bém pode ser manifestação de um amor espontâneo e promissor. Assim, são diversos os sentimentos e reações psicológicas da donzela: o

amor tranquilo e alegre; o fervor da paixão; a ansiedade e angústia porque

o amigo não dá notícias; as saudades e a tristeza pela ausência do amado;

os ciúmes ou as promessas de vingança pela infidelidade do amigo…

* Feição autóctone (origem galaico-portuguesa).

* A donzela (moça solteira) exprime a sua situação amorosa ou os seus

dramas na relação com o amigo.

* A donzela é uma moça simples, por vezes ingênua, mas enamorada.

* O amor é natural, espontâneo.

* O ambiente é rural ou marinho (sempre em contacto com a natu-

reza). A natureza é muitas vezes a confidente ou reflete o estado de

espírito da donzela.

* O paralelismo é um elemento distintivo, bem como o uso do refrão.

* Possuem uma estrutura simples.

* Confidentes: a mãe; a irmã; as amigas e a natureza.

* Sentimentos:

- o sofrimento de amor;

- a morte de amor;

- cuidados e ansiedade;

- tristeza e saudade;

- alegria na volta do amigo;

- ódio aos mexericos.

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* Ambientes:

- a fonte e o rio;

- a praia e o campo;

- a casa (SARAIVA, 1999, p. 19-22).

Vamos ler agora um exemplo de uma cantiga de amigo da autoria do rei D. Dinis

Ai flores, ai flores do verde pino,se sabedes novas do meu amigo!

ai Deus, e u é?Ai flores, ai flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado!ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,aquel que mentiu do que pôs comigo!

ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,aquel que mentiu do que mi há jurado!

ai Deus, e u é?

Figura 2 – ‘Cantigas de Amigo’, manuscrito de Martin Codax.

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Observe que o poeta assume a voz feminina num lamento de des-consolo e tristeza. Você pode constatar que se trata de um português arcaico, também denominado de galego-português. A estrutura para-lelística pode ser observada nas palavras em azul, retomadas ao longo da cantiga; sempre no verso seguinte de cada estrofe, com pequena alte-ração no final: verde pino/verde ramo – meu amigo/meu amado.

Os dois primeiros versos da primeira e da terceira estrofes são reto-mados respectivamente na segunda e na quarta estrofes, com pequenas modificações. Há um verso que finaliza cada estrofe e que não é modi-ficado; sua estrutura mantém-se a mesma: ai Deus, e u é? Isso é o que chamamos de refrão e que você conhece muito bem nas músicas da atu-alidade. Algumas delas tornam-se famosas pelo seu refrão interessante e fácil de ser decorado.

Para as Cantigas de Amigo, temos várias classificações, de acordo com o lugar onde elas se desenvolvem:

1) Barcarolas ou marinhas: ocorrem na presença do mar, que ad-quire certa personalização ao se dirigir à amiga como seu con-fidente;

2) Cantigas de peregrinação: a amiga está em um santuário, ermi-ta ou capela, lugar de reunião que serve de pretexto para o en-contro dos apaixonados. Esse contexto é exclusivo da literatura galego-portuguesa;

3) Dançadas: composições alegres e festivas nas quais se realiza um convite à dança;

4) Alvas ou alvoradas: faz-se referência ao amanhecer; nas “alvas” provençais os amantes separavam-se após terem pernoitado juntos. (RODRIGUES; CASTRO, 1994, p. 27-28).

As cantigas de amigo têm uma estrutura muito formalizada e rígi-da, baseada na repetição. Os elementos característicos são:

5) Paralelismo: repetição da mesma ideia em duas estrofes suces-sivas, nas quais só mudam as palavras finais de cada verso ou a ordem delas, com o que varia a rima;

Podemos encontrar muitas influências da literatura medieval por-tuguesa nas composi-ções de Elomar, músico do sertão baiano, cujas letras das músicas e vídeos estão disponí-veis em:<http://letras.terra.com.br/elomar/>. Vale a pena conferir, também, as músicas de Chico Buarque (http://www.chicobuarque.com.br/), cujas letras apresentam aspectos das cantigas medievais. Sugerimos, ainda, que você ouça o CD Musi-kantiga e Cantigas de amigo, de La Bataglia.

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6) Leixa-pren: repetição dos segundos versos de um par de es-trofes como primeiros versos do par seguinte, o que acentua o paralelismo entre as estrofes que o possuem;

7) Refrão: verso ou versos repetidos ao final de cada estrofe (RO-DRIGUES; CASTRO, 1994, p. 27-28).

Os trovadores mais notáveis que compuseram cantigas foram: Pe-dro da Ponte, Joan Garcia de Guilhade, Martin Codax, D. Afonso X - Rei de Castela e de Leão, D. Dinis - Rei de Portugal.

1.2 Cantigas de Amor

De origem provençal, as cantigas de amor exprimem o sentimento masculino e ambientam-se em palácios. Louvam-se as virtudes da dama por meio do termo mia senhor, que significa minha senhora, minha dama ou minha dona, ou trata-se da coita d’amor, expressão que pode ser tra-duzida como sofrimento por amor. Eis aqui a origem do termo coitado.

No chamado amor cortês, o homem presta vassalagem amorosa sem citar nomes. O amor é uma forma de aprimoramento espiritual. A mulher é idealizada, perfeita, sem nenhum defeito, paira acima de tudo e de todos. Essas cantigas desenvolvem-se geralmente em ambiente de cidades, em palácios, festas, torneios.

Figura 3 – Iluminura medieval do manuscrito medieval As cantigas, de Alphonse Le Sage (século XV).

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Capítulo 01Trovadorismo

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A seguir você lerá a Cantiga da Ribeirinha, também conhecida como Cantiga da Guarvaia, escrita aproximadamente em 1198, em um português arcaico, pois a língua portuguesa ainda estava em formação.

Cantiga da Ribeirinha

Paio Soares de Taveirós

No mundo non me sei parelha

mentre me for como me vai,

ca já moiro por vós – e ai!

Mia senhor branca e vermelha,

queredes que vos retraia

quando vos eu vi em saia!

Mau dia me levantei,

que vos entom non vi fea!

E, mia senhor, des aquel di’, ai!

Me foi a mi muin mal,

e vós, filha de don Paai

Moniz, e bem vos semelha

d’haver eu por vós guarvaia,

Figura 4 – Vassalagem amorosa, iluminura medieval

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pois eu, mia senhor, d’alfaia

nunca de vós houve nem ei

Corre d’ûa Correa.

Agora você lerá uma tradução, ou melhor, uma transcriação para o português moderno que você conhece, feita pelo professor Stélio Furlan e utilizada em uma de suas aulas na UFSC:

Cantiga da Ribeirinha

Stélio Furlan

No mundo ninguém se assemelha a mim

enquanto a minha continuar como vai,

porque morro por vós, e ai!

minha senhora de pele alva e faces rosadas,

quereis que vos retrate (que me afaste)

quando vos vi sem manto! (na intimidade)

Maldito dia! me levantei

que não vos vi feia!

E, minha senhora, desde aquele dia, ai!

Tudo me foi muito mal,

e vós, filha de don Pai

Moniz, e bem vos parece

de ter eu por vós guarvaia,

pois eu, minha senhora, como mimo

de vós nunca recebi

algo, mesmo sem valor.

Em 2001, o poeta e professor Stélio Furlan, tomou a liberdade de incluir ao final dessa cantiga uma estrofe que não havia na versão original da Cantiga da Ribeirinha, de Paio de Taveirós:

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E só teu odor, oh dor! me anima.

Somente teu ser me resume

Suspenso entre o riso e o siso,

sois toda o que não preciso.

Minha esperança não se adere

à tua espera, minha Senhora.

Resta a lembrança do teu hálito,

tua cor: senhas para o sonho.

Em seguida temos outro exemplo de cantiga de amor também es-crita no português arcaico, com um pequeno vocabulário numerado para facilitar sua compreensão:

Tam grave dia que vos conhoci,

por quanto mal me vem por vós, senhor!

ca (1) me ven coita, nunca vi mayor,

sen outro ben, por vós, senhor, des i (2)

por este mal que mh’a mim por vós ven,

come se fosse bem, ven-me por em

gran mal a quem nunca o mereci.

Ca, mha senhor, porque vos eu servi,

sempre digo que sode’la (3) milhor

do mund’e trobo polo (4) vosso amor,

que me fazedes gram ben e assy

veed’ora (5) mha senhor do bon sen, (6)

este bem tal se compre (7) en mi rrem (8),

senon, se valedes vós mays per y (9).

Mais eu, senhor, en mal dia naci.

1) porque; 2) desde então; 3) vós sois; 4) trovo pelo; 5) vede a hora; 6) bom senso; 7) se cumpra; 8) nada; 9) isso; 10) porém; 11) ele.

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del que non tem, nem é conhecedor

do vosso bem, a que non fez valor

Deus de lho dar, que lhy fezo bem y,

per, (10) senhor, assy me venha bem,

deste gram bem, que el (11) por ben non tem,

muy pouco del seria grand’a mi.

Poys, mha senhor, razon é, quand’alguen

serv’e non pede, já que rem lhi den;

eu servi sempr’e nunca vos pedi.”

(D. Afonso Sanches)

Nessa cantiga, temos um típico exemplo do amor cortês, com o trovador confessando o seu amor pela mulher amada, assumindo que ela é superior a ele, afirmando que nada quer, a não ser viver o seu pró-prio sentimento, sem interesse. Fica, no entanto, sentido porque ela não corresponde a seus amores.

1.3 Cantigas de Escárnio

No gênero satírico o objetivo é criticar alguém, ridicularizando essa pessoa de forma sutil ou grosseira; a esse gênero pertencem as Cantigas de Escárnio e as Cantigas de Maldizer. As primeiras são indiretas e há o uso e abuso do equívoco e da ironia, enquanto as segundas são dire-tas, sem equívocos, com intenção difamatória, com o uso de palavrões e xingamentos. A diferença entre esses dois tipos de cantiga é, portanto, apenas relativa, uma vez que, frequentemente, encontramos ambigui-dade na sua classificação. O próprio significado das palavras escárnio e maldizer pode deixar mais clara essa diferença entre os dois tipos de sá-tira. Podemos pensar em cantigas de escárnio como zombaria, menos-prezo, desprezo, desdém, e em cantigas de maldizer como uma espécie de praga proferida contra alguém específico para provocar maledicência e difamação.

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As cantigas satíricas apresentam interesse, sobretudo, histórico. São verdadeiros documentos da vida social, principalmente da corte. Fazem ecoar as reações públicas a certos fatos políticos: revelam detalhes da vida íntima da aristocracia, dos trovadores e dos jograis, trazendo até nós os mexericos e os vícios ocultos da fidalguia medieval portuguesa.

Essas composições satíricas (Escárnio e Maldizer) circulavam por lugares públicos como feiras, colheitas, tabernas, periferias urbanas, ca-racterizando uma literatura marginal e, por isso mesmo, de importância histórica bastante razoável, a exemplo das Cantigas de Amigo, pelo re-gistro social ali contido.

As Cantigas de Escárnio são sátiras indiretas com uso de expres-sões irônicas: não se revela o nome da pessoa satirizada e não há uso exagerado de palavrões. A seguir, apresentamos, da autoria de João Gar-cia de Ghilhade, um exemplo de cantiga em que a pessoa satirizada não é nomeada.

Cantiga de Escárnio

João Garcia de Ghilhade

Ai, dona fea, fostes-vos queixar

que vos nunca louv[o] em meu trobar;

mais ora quero fazer um cantar

em que vos loarei toda via;

e vedes como vos quero loar:

dona fea, velha e sandia!

Dona fea, se Deus mi perdon!

pois avedes [a]tam gram coraçon

que vos eu loe, em esta razon

vos quero já loar toda via;

e vedes qual será a loaçon:

dona fea, velha e sandia!

Figura 5 – Menestrel

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Observe que esse português, em formação, lembra um pouco o es-panhol e o francês. Em uma tradução, ou melhor, transcriação para o português moderno, teríamos o seguinte:

Transcriação

Ai, dona feia, foste-vos queixar

que nunca vos louvo em meu cantar;

mas agora quero fazer um cantar

em que vos louvares de qualquer modo;

e vede como quero vos louvar

dona feia, velha e louca!

Dona feia, que Deus me perdoe,

pois tendes tão grande desejo

de que eu vos louve, por este motivo

quero vos louvar já de qualquer modo;

e vede qual será a louvação:

dona feia, velha e louca!

As Cantigas de Escárnio influenciaram e influenciam músicas com forte tônica crítica em relação à política. Abaixo um trecho da música O Meu País, de Zé Ramalho:

O Meu País

Tô vendo tudo, tô vendo tudo

Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

Um país que crianças elimina

Que não ouve o clamor dos esquecidos

Onde nunca os humildes são ouvidos

E uma elite sem deus é quem domina

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Que permite um estupro em cada esquina

E a certeza da dúvida infeliz

Onde quem tem razão baixa a cerviz

E massacram - se o negro e a mulher

Pode ser o país de quem quiser

Mas não é, com certeza, o meu país

Um país onde as leis são descartáveis

Por ausência de códigos corretos

Com quarenta milhões de analfabetos

E maior multidão de miseráveis

Um país onde os homens confiáveis

Não têm voz, não têm vez, nem diretriz

Mas corruptos têm voz e vez e bis

E o respaldo de estímulo incomum

Pode ser o país de qualquer um

Mas não é com certeza o meu país

Um país que perdeu a identidade

Sepultou o idioma português

Aprendeu a falar pornofonês

Aderindo à global vulgaridade

Um país que não tem capacidade

De saber o que pensa e o que diz

Que não pode esconder a cicatriz

De um povo de bem que vive mal

Pode ser o país do carnaval

Mas não é com certeza o meu país

Figura 6 – Meu país

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1.4 Cantigas de Maldizer

Trata-se de sátiras diretas, com a citação explícita dos nomes das pessoas envolvidas. A temática central é o adultério, o amor interesseiro ou ilícito. São composições que expressam melhor a psicologia do tem-po, na qual observamos a presença de assuntos que despertam grandes comentários na época, nas relações sociais dos trovadores. São sátiras que atingem a vida social e política da época, sempre em um tom de irreverência e grande riqueza, uma vez que se apresentam em conside-rável vocabulário, observando-se muitas vezes o uso de trocadilhos; fo-gem às normas rígidas das cantigas de amor e oferecem novos recursos poéticos.

Enquanto as Cantigas de Escárnio utilizam a ironia e o equívoco para realizar mais indiretamente essas zombarias, as Cantigas de Mal-dizer são sátiras diretas. Eis o porquê de sua maior virulência, do em-prego mais frequente de palavrões (em geral os mesmos utilizados até hoje) e da abordagem mais desabusada dos vícios sexuais atribuídos aos satirizados. Observe, a seguir, uma Cantiga de Maldizer típica, de au-toria de Afonso Eanes do Coton, seguida de um pequeno dicionário das palavras desconhecidas, que facilitará o entendimento da Cantiga de Escárnio.

Ben me cuidei eu, Maria Garcia,

en outro dia, quando vos fodi,

que me non partiss’eu de vós assi

como me parti já, mão vazia,

vel (1) por serviço muito que vos fiz;

que me non deste, como x’omen diz (2),

sequer um soldo que ceass’ (3) um dia.

Mais desta seerei (4) eu escarmentado

de nunca foder já outra tal molher,

1) em troca de; 2) como se diz; 3) suficiente; 4) sairei;

5) antes me algo; 6) pois; 7) hei, há; 8) de graça; 9) tiverdes; 10) vestido; 11)

novamente; 12) na; 13) vossa casa; 14) tendes;

15) nenhum; 16) graças; 17) salvo.

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Capítulo 01Trovadorismo

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se m’ant’algo (5) na mão non poser,

ca (6) non ei (7) porque foda endoado (8);

sabedes como: ide-o fazer

con quen teverdes (9) vistid’e (10) calçado.

Ca me non vistides nem me calçades

nem ar (11) sel’eu eno (12) vosso casal (13),

nen avedes (14) sobre min non pagades;

ante mui ben e mais vos en direi:

nulho (15) medo, grad’a (16) Deus, e a el-Rei,

non ei de força que me vós façades.

E, mia dona, quen pregunta non erra;

e vós, por Deus, mandade preguntar

polos naturaes deste logar

se foderan nunca en paz nen en guerra,

ergo (17) se foi por alg’ou por amor.

Id’adubar vossa prol, ai, senhor,

c’avedes, grad’a Deus, renda na terra.

Observe que essa cantiga traz o nome da pessoa satirizada, Ma-ria Garcia, e o uso do palavrão é constante. Se vivêssemos na época de Afonso Eanes, certamente ele seria uma pessoa que jamais gostaríamos de ter como inimigo...

1.5 Amor cortesão

O termo amor cortesão surgiu em 1883 e foi criado por Gaston Pa-ris em seus escritos sobre Lancelot e Guinevere. O amor cortesão sig-nificava uma espécie de fino amor, um amor perfeito, depurado como

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Literatura Portuguesa I

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ouro mais fino, digno de nobres e finos amantes. Geralmente tratava-se de um amor platônico, impossível de ser realizado, e também adúltero, já que a dama, na maior parte das vezes, era casada. Citamos aqui os filmes Excalibur; As Brumas de Avalon; Lancelot: o primeiro cavaleiro; e Tristão e Isolda. Se você preferir, e é o que aconselhamos, pode ler di-retamente as obras. Em Tristão e Isolda, Tristão apaixona-se por Isolda, que é casada com o Rei Marcos; já Lancelot... retrata, talvez, o mais fa-moso triângulo adúltero de todos os tempos: Arthur amava Guinevere, que amava Lancelot, o primeiro cavaleiro de Arthur.

Cabe esclarecer que o fino amor não está relacionado ao casamento, já que quase sempre se desenvolve fora deste. O fino amor envolve cor-tesia e é um grande canto do amor. Em 1184 André Capelão escreveu um tratado sobre o amor.

A cortesia é um ideal de comportamento aristocrático, uma arte de viver que implica polidez, refinamento de costumes, elegância, e o sentido de honra cavalheiresca. O amor cortesão, no sentido de amor platônico, aquele que nunca se efetiva no plano real, é um amor virtual-mente adúltero, porque dificilmente chega a se concretizar: repetimos, a dama casada e o os poemas são os mensageiros do fino amor.

O amor cortesão é calcado no modelo feudo-vassálico; o cavalheiro e cavaleiro coloca-se diante da mulher como se estivesse diante de um rei ou um senhor feudal ao qual ele deve prestar vassalagem amorosa, por isso é constante o uso de minha senhora, minha dona. Como cavalheiro e ca-valeiro nobre, deve ser homem de um único Senhor e uma única Senhora, e manter segredo absoluto sobre seus avanços na conquista. Ele deve enca-rar as diversas fases e dificuldades da conquista como se fossem pequenas batalhas de guerra. O amor deve ser conquistado aos poucos, até que o ini-

Figura 7 – Tristão e Isolda, de Edmund Blair Leighton (1902).

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Capítulo 01Trovadorismo

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migo (a amada) se renda. O fino amor é a maior guerra que um homem pode travar, portanto requer paciência: só se conquista ao fim de um longo percurso. Na realidade trata-se de um jogo perigoso e excitante, o homem sempre deve ser o conquistador, o galanteador; e a mulher, o objeto de desejo que deve, mesmo amando e desejando o amante, man-ter distância e apresentar todas as negativas possíveis. Ela não pode se render de imediato, sob pena de ser considerada vulgar.

O cavaleiro deve render homenagem, fazer um juramento de amor e conquistar a mulher progressivamente por meio de um olhar, de um beijo, declarar seu amor, e muito raramente algo a mais. Na realidade o algo a mais, o finalmente, excepcionalmente, ocorre. O homem deve ser leal, cortês, participar de combates e torneios, ser viril e digno de diversas proezas.

Na ética amorosa não é só a vassalagem amorosa que importa, mas o amor deve se transformar numa religião, a mulher deve ser cultuada. O amador deve viver e respirar pela amada, fazer disso o centro de sua vida, viver em estado de dorveille (torpor), permanecer cativo pela ima-gem da amada, fascinado por ela, quase que em um estado que beira

Figura 8 – Leonor de Aquitânia nomeando um cava-lheiro, de Edmund Blair Leighton (1902).

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a depressão. Lembre-se, porém, de que o fino amor é uma erótica do controle do desejo. Esse controle pode ser observado nas várias deno-minações dos vários estágios do enamorado/amante virtual. Cada está-gio recebe um nome, como você poderá observar:

1) Ser provado em sua castidade (extraordinário domínio do desejo)

– assag;

2) Suspirar/desejar – fenhador;

3) Suplicar – precador;

4) Se for aceito – entendedor (língua d´oc);

5) Amante carnal - drut;

6) Alegria final – joy – a força do desejo;

7) Tomar cuidado com o losengier – o bajulador invejoso que des-

trói os amantes – espião;

8) Muito raramente após a conquista e a devoção, o cavaleiro, o po-

eta terá direito à recompensa: guerredon.

Por tudo que você já leu, deve ter percebido que o amor cortesão é uma arte de amar inacessível aos pobres mortais, já que transfor-ma algo simples e natural em algo extremamente disciplinado, uma paixão que deve ser controlada; transforma o amor em uma religião e a mulher em um ser angelical e inacessível. O enamorado deve obe-decer a regras de etiquetas claras, uma delas (e a mais importante) é que ele deve cultuar a mulher amada secretamente – jamais revelar o nome da dama. Esse amor, logicamente, é proibido aos clérigos e aos plebeus. O amor cortesão apresenta um paradoxo: mantém cer-ta aproximação com a moral cristã, no sentido de que transforma a mulher amada em um ser angelical, inacessível, e o amor é transfor-mado em uma religião. Trata-se, no entanto, de um amor adúltero, o que de certa forma anula a moral cristã nesse aspecto. A chamada

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Capítulo 01Trovadorismo

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erótica cortesã é vista como uma técnica sutil de não amar, uma maneira de não realizar o amor, uma vez que o homem tem medo da mulher diante da qual ele teme sua própria sexualidade. O amor cortês revela uma mulher completamente superior e inacessível e mostra as relações entre o feminino e o masculino, mas o homem é, na verdade, o dono desse jogo. O ideal é uma coisa, o real é outra. O público a quem se dirigiam poetas e romancistas era constituído de machos celibatários dos quais a cavalaria estava cheia. Alimentando--lhes o ardor, a literatura cortesã torna-se instrumento pedagógico.

O amor apresenta-se como o extremo refinamento da cortesia. Esse

fino amor é cantado em canções de amor e em romances de amor. A

produção lírica demonstra bem essa arte poética e hermética, muito

complicada e paradoxal de amar. O amor cortesão pode ser visto

como sinônimo de galanteria, mesura, autocontrole, domínio. Sua grande lição é que a vida sem amor não vale nada. O amor

cortesão tem origem na poesia latina de Ovídio (A arte de Amar), na poesia árabe-andaluza e na chamada matéria da Bretanha – as

narrativas de amor do ciclo arthuriano.

Na realidade, o amor cortesão não apresenta um conceito unâni-me entre os estudiosos. O amor é uma loucura, uma bela loucura, pois, cativo de desejo, o poeta morre de amor, mas, como a Fênix, renasce das cinzas. O tormento causado pelo amor é simultaneamente prazer e morte. A dama, a mulher amada, tem o poder da vida e da morte do amado. No sul da França, os trovadores serão chamados de troubadour e, no norte, de trouvère. Essa ideologia cortesã, o chamado modelo cor-tesão, permanece até o final do século XV e depois migra para o gênero romance. No chamado romance romântico teremos a retomada desse modelo cortesão: a mulher idealizada, o amor platônico, sofrimentos e final infeliz.

A Música Sertaneja no Brasil assumiu praticamente essa temática do amor impossível, do amor não correspondido, do sofrer por amor. Os maiores sucessos da música sertaneja cantada de norte a sul do país,

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chegando até a universidade no gênero que é denominado de Sertane-jo Universitário, versam sobre o amor que não deu certo, abandono e traição. Escolhemos, entre centenas de canções, um trecho da música Sinônimos, de Chitãozinho & Chororó:

Sinônimos

Quem revelará o mistério

Que tem a fé

E quantos segredos traz

O coração de uma mulher

Como é triste a tristeza

Mendigando um sorriso

Um cego procurando a luz

Na imensidão do paraíso

Quem tem amor na vida

Tem sorte

Quem na fraqueza sabe

Ser bem mais forte

Ninguém sabe dizer

Onde a felicidade está...

O amor é feito de paixões

E quando perde a razão

Não sabe quem vai machucar

Quem ama nunca sente medo

De contar o seu segredo

Sinônimo de amor é amar...

Desde os Trovadores até as modas da Música Caipira, passando pelas canções da MPB, chegando à explosão da Música Sertaneja no Brasil, ao Sertanejo Universitário, sinônimo de amor é amar... São as senhas para o sonho...

Leia mais!

BEDIER, Joseph. O romance de Tristão e Isolda. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Figura 9 – O beijo, de Francesco Hayez (1859).

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Capítulo 01Trovadorismo

31

DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa feudal à Renas-cença. São Paulo, Martins Fontes, 2009. V.2.

SPINA, Segismundo. 1ª Época Medieval. In: _____. Presença da Litera-tura Portuguesa: Era Medieval. São Paulo: Difel, 1987.

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Unidade BSéculos XIII ao XVI

Capa do livro Amadis de Gaula, versão espanhola de 1533.

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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2 Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

O Amadis de Gaula oferece-nos o paradigma do perfeito cavaleiro,

destruidor de monstros e malvados, amador constante e tímido,

segundo o modelo dos cantares de amor, de uma moça solteira,

Oriana, que gentilmente se deixa possuir antes do casamento. Ne-

nhuma intenção mística ou heterodoxa se descobre neste novo de-

senvolvimento da «matéria da Bretanha», que foi o ponto de partida

para uma última e frondosa ramificação do romance de cavalaria

no século XVI, ridicularizada por Cervantes no Quixote. (SARAIVA,

1999, p. 22).

2.1 Idade das trevas?

Apresentamos para você um pequeno resumo dos principais fatos da Idade Média. Não foi fácil resumir a Idade Média em algumas pági-nas, porque ela é rica e contraditória. Saber e horror, trevas e luz, tudo misturado. Idade rica e abrangente, longe de todos os estereótipos que lhe são imputados, inclusive este de Idade das Trevas.

Se você quer saber um pouco mais sobre a Idade Média, poderá ainda consultar obras do historiador francês Jacques Le Goff, especia-lista em Idade Média, das quais indicamos: A Civilização do Ociden-te Medieval (1964); Para um Novo Conceito da Idade Média (1977); O Imaginário Medieval (1985); e Em Busca da Idade Média (2003). Dos pesquisadores brasileiros indicamos a obra O Pensamento Medieval, de Inês C. Inácio e Tânia Regina de Luca, da qual citamos:

Ao lado dessa visão trágica - A idade das trevas, coexiste e frutifica ou-tro mito tão prejudicial como aquele [aquele no sentido de idade das trevas, da ignorância, desordem, destruição, fogueiras, Inquisição], em-bora de tonalidades mais róseas: é a idealização dos tempos medievais, povoados de heróis cuja vida se desenrola numa mescla de aventura e romance; cavaleiros investidos em suas armaduras, que, montados em seus corcéis, percorrem o mundo batalhando pela justiça e pela fé, pela honra e pelo amor de sua my lady (INÁCIO; LUCA, 1991, p. 10).

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Ao lado da visão da Idade Média como uma Idade em que só se enxergavam as fogueiras da Inquisição, pre-valece outra idealização igualmente prejudicial: a visão romanceada de cavaleiros em seus lindos cavalos, defen-dendo a honra de sua amada e reparando as injustiças do mundo. O historiador Johan Huizinga, em seu livro O Declínio da Idade Média, esclarece-nos que,

Na Idade Média a escolha reside, em princípio, apenas entre

Deus e mundo, entre o desprezo e a aceitação veemente, com

perigo para alma de cada um, de tudo o que constitui a beleza

e o encanto da vida terrena. Toda beleza terrestre traz consi-

go o pecado [...] Os exercícios de cavalaria e modas cortesãs com sua adoração de força corporal; as honras e as dignida-des com suas vaidades e pompas, e especialmente o amor - o que era isso senão orgulho, inveja, avareza, luxúria, tudo condenado pela religião? Para serem admitidas como ele-mentos da mais alta cultura, todas essas coisas teriam de ser

enobrecidas e elevadas à categoria de virtudes. (HUIZINGA, 1978, p.

39, grifos nossos).

Dentro desta visão que opunha o bem contra o mal, própria do Cristianismo, tudo o que era belo e viril constituía uma ameaça à alma. As modas da corte, as reuniões nos salões, as disputas entre os cava-leiros nas justas e nos torneios, o predomínio da força corporal nessas batalhas com armas verdadeiras (justas) ou simuladas (torneiros), tudo isso acabava por ser mostrar extremamente ameaçador para a salvação

da alma. Em resposta a isso e a outros problemas políticos, foram criadas as Cruzadas.

As cruzadas foram tropas ocidentais enviadas à Palestina para recuperarem a liberdade de acesso dos cristãos à Jerusalém. A guerra pela Terra San-ta, que durou do século XI ao XIV, foi iniciada logo após o domínio dos turcos seljúcidas sobre esta re-gião considerada sagrada para os cristãos. Após o domínio da região, os turcos passaram a impedir ferozmente a peregrinação dos europeus, através da captura e do assassinato de muitos peregrinos que visitavam o local unicamente pela fé.Figura 11 – Cruzados

Figura 10 – Cavaleiro Medieval

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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Vale lembrar que a Primeira Cruzada (1096-1099) foi também cha-mada de Cruzada dos Nobres, dos Cavaleiros ou dos Barões, pois nenhum rei dela participou. O Concílio de Clermont, inaugurado pelo Papa Urba-no II em novembro de 1095, incluiu entre suas decisões a de conceder o perdão de todos os pecados - isto é, a indulgência plena - aos que fossem ao Oriente para defender os peregrinos, cujas viagens tornavam-se cada vez mais perigosas. Nessa época, as ordens dos s ricos e poderosos Cava-leiros Hospitalários – Cavaleiros da Ordem de São João de Jerusalém – e dos Cavaleiros Templários – Pobres Cavaleiros de Cristo ou Cavaleiros do Templo de Salomão – foram criadas durante as Cruzadas. Esse termo é também usado, por extensão, para descrever, de forma geral, qualquer guerra religiosa ou mesmo um movimento político ou moral.

É nessa época que surgem as Novelas de Cavalaria, e muitas delas foram inspiradas nas lendas celtas do rei Arthur.

2.2 As Novelas de Cavalaria

As Novelas de Cavalaria, de caráter místico, apresentam o cavaleiro concebido pela Igreja: o herói casto, fiel e dedicado, o escolhido para a peregrinação mística. Observamos que essa concepção de cavaleiro medieval contrapõe-se a do cavaleiro frequentador da corte, que comu-mente estava envolvido em amores ilícitos, uma vez que havia poucas mulheres e a maioria era casada com um rei ou com um senhor. A ori-gem do cavaleiro feudal está ligada à luta pela defesa da Europa Oci-dental contra os sarracenos, eslavos, magiares, que ameaçavam destruir a cristandade. Esses cavaleiros não eram os perfeitos gentis homens, cheios de doçura e poesia que, por vezes, aparecem nas novelas de cava-laria; pelo contrário, eram animalescos na sua fúria guerreira.

Com as Cruzadas era preciso conceber outro tipo de cavaleiro, mais condizente com a realidade, menos violento e mais espiritual. As novelas tratam da nova versão do cavaleiro: casto, cortês, cristão. As narrativas em torno da Demanda do Graal correspondem precisamente à reação da Igreja Católica contra o desvirtuamento da Cavalaria. Foram muitas as lendas em torno do Graal. Recentemente, Dan Brown lançou um best-seller que foi um dos maiores sucessos de venda, com aproxi-

Saiba mais sobre o assunto por meio da leitura do livro Cruzadas, de Cecile Morrisson, publicado pela LP&M

Figura 12 – Iluminuras que mos-tram uma cerimônia em que um jovem nobre do século XVI se torna cavaleiro, recebendo a espada de seu rei.

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madamente 80 milhões de exemplares – O Código da Vinci (BROWN, 2004). Nesse livro, o autor faz uma releitura da lenda do Graal: segundo o enredo, o cálice sagrado não seria um simples cálice com que Jesus be-beu em sua última ceia, mas sim Madalena, ou melhor, o útero sagrado de Madalena, que teria gerado um filho de Jesus.

Tanto o Trovadorismo como as Novelas de Cavalaria são dois ti-pos de produção que existiram primeiro oralmente, depois foram com-pilados e migraram para a prosa escrita. O Trovadorismo traz poemas que relatam a dor do amor, a saudade, enquanto as Novelas de Cavala-ria são biografias de guerreiros lendários que lutam por Deus e por sua Dona.

No que concerne às novelas de cavalaria, vale lembrarmos que,

Originárias da Inglaterra ou/e da França, e de caráter tipicamente me-

dieval, nasceram da prosificação e metamorfose das canções de ges-ta (poesia de temas guerreiros), estas, alargadas e desdobradas a um

grau que transcendia qualquer memória individual, deixaram de ser

expressas por meio de versos para o ser em prosa, e deixaram de ser

cantadas para ser lidas. Dessa mudança resultaram as novelas de ca-

valaria, que penetraram em Portugal no século XIII, durante o reina-do de Afonso III. Seu meio de circulação era a fidalguia e a realeza. Traduzidas do Francês, era natural que na tradução e cópia sofressem

voluntárias e involuntárias alterações com o objetivo de aclimatá-las à

realidade histórico-cultural portuguesa. Nessa época, não há notícia de

qualquer novela de cavalaria autenticamente portuguesa: eram todas

vertidas do Francês.

Convencionou-se dividir a matéria cavaleiresca em três ciclos: ciclo bre-

tão ou arturiano, tendo o Rei Artur e seus cavaleiros como protagonistas;

ciclo carolíngio em torno de Carlos Magno e os doze pares de França;

ciclo clássico, referente a novelas de temas Greco-latinos. Tratando-se da

Literatura Portuguesa, essa divisão não tem cabimento, pois só o ciclo

arturiano deixou marcas vivas de sua passagem em Portugal. Sabe-se

que os demais ciclos foram conhecidos e exerceram alguma influência,

mas apenas na poesia do tempo, visto que não se conhece em vernácu-

lo nenhuma novela de tema carolíngio ou clássico.

Sabe-se, ainda, que na biblioteca de D. Duarte (1391-1438) existiam

exemplares de algumas novelas como Tristão, o Livro de Galaax, o Mago

Merlim, o que revela o alto apreço em que eram tidas e a grande influ-

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

39

ência que exerceram sobre os hábitos e costumes palacianos da Idade

Média portuguesa.

Excetuando o Amadis de Gaula somente permaneceram as seguin-

tes: História de Merlim, José de Arimateia e A Demanda do Santo Graal. (MOISÉS, 2006, p. 26-27, grifos nossos).

As Novelas de Cavalaria são divididas em três grandes ciclos. O primeiro é o Carolíngio, da época de Carlos Magno: relata as lutas en-tre muçulmanos e saxões, entre a cruz e a espada. São textos desse ciclo Chanson de Roland e Crônica de Turpin - gesta: poema ou prosa guer-reira. O segundo ciclo é o Clássico, da época de Alexandre Magno e os Doze Pares de França. Apresenta releituras das tradições históricas da Grécia e de Roma. Aqui falta um pouco do que em literatura denomi-namos verossimilhança, já que aparecem heróis gregos ambientados na Idade Média. Por fim, o ciclo Bretão, o terceiro ciclo, que nos interessa de imediato porque vai influenciar a composição da novela Amadis de Gaula.

O ciclo Bretão, já denominado anteriormente de matéria da Bre-tanha, é repleto de imaginação mística, devoção amorosa, ardente liris-mo, sonhos, imaginação, sentimentalismo e exaltação religiosa. A temá-tica central é o amor, a prostração e a fascinação passional, a divinização da mulher, tudo isso misturado ao espírito bélico. Tem origem nas po-pulações célticas da Grã Bretanha que se fixaram no norte da França.

As narrativas do ciclo Bretão relatam as lendas do Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda. O Rei Arthur, que tentará reunir sobre seu governo, cristãos e celtas, tem um reino real e palpável – Camelot – e ali os cavaleiros reúnem-se em torno da Távola Redonda, a qual, por ser redonda, não tem um lugar principal, revelando a igualdade entre seus membros. Os principais cavaleiros seriam em número de doze. A Távola Redonda lembra a mesa em volta da qual Jesus reuniu-se com seus doze discípulos, e o Rei Arthur, assim como Jesus, representaria o que é bom, belo e santo. Esse era o lado cristão dessas narrativas. O reino de Camelot opunha-se a Avalon, um lugar desconhecido pela maioria das pessoas. Só as Sacerdotisas celtas e o Mago Merlin tinham acesso a esse reino, que ficava escondido atrás de uma parte do mar, coberto por brumas que só se levantavam com a força da mente de um

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iniciado. Camelot era governado por homens guerreiros e Avalon governado por mulheres iniciadas nos mistérios da mente, da cura, das ervas e que previam o futuro.

Já a Demanda do Santo Graal narra a len-da de como José de Arimateia recolheu o sangue de Jesus em um cálice. A lenda do Graal surge associada ao ciclo de aventuras de Arthur. Seu criador, no entanto, foi um francês, Chrétien de Troyes, autor da A História do Graal, narrativa em que o cavaleiro Percival vislumbra o cálice sagrado. Chrétien morreu no fim no século XII, deixando a obra inacabada. Nas cinco décadas que se seguiram à sua morte foram escritas vá-

rias continuações, prólogos, revisões do Graal, incorporando cada vez mais elementos cristãos. Consolida-se então a lenda de que esse cálice era o mesmo com que o Messias bebera em sua última Ceia, e no qual José de Arimateia depositara o sangue que escorria do corpo Jesus quando este estava agonizando na Cruz. José de Arimateia foi preso, depois libertado por Vespasiano, que se curou de lepra ao ver o sudário em que Verônica

enxugou o rosto de Jesus. Após muitas viagens, José de Arimateia instalou--se na Inglaterra, escondendo o Santo Graal na floresta de Corberic. São 150 cavaleiros que procuram o Graal. Só Galaaz, já personagem das novelas do ciclo arthuriano, conseguiu encontrá--lo porque era virgem e puro de cora-ção. A obra tem uma intenção religiosa e representa uma inversão em relação à moral cortês das cantigas de amor. Enquanto na lírica cortês o amor é o caminho para a felicidade, na Deman-da o amor é pecaminoso e a virgindade recomendada: Galaaz nunca conheceu “intimamente” uma mulher.

Figura 13 – Rei Arthur, reprodução de tapeçaria medieval.

Figura 14 – Camelot, reprodução de tapeçaria medieval.

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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Tanto o autor francês como os demais autores desses chama-dos romanças gênero em verso ou prosa que seria o antepas-sado do moderno romance, compuseram uma imagem ideali-zada da cavalaria. A busca de relíquias na Terra Santa era parte importante das justificações ideológicas das Cruzadas, e o Gra-al competia com outra relíquia: a verdadeira Cruz, a cruz em que Jesus teria morrido. Essas relíquias eram as mais impor-tantes para o Cristianismo. A busca pelo Graal foi aos poucos ocupando o centro da imaginação cavalheiresca.c

A última grande versão medieval da lenda - e talvez a versão defi-nitiva da história do Rei Arthur e seus cavaleiros da Távola Redonda – foi Le morte d’Arthur, concluída em 1470 pelo inglês Tomas Malory. No século XVI, as histórias do Graal saíram de moda, já que a Reforma Pro-testante desconfiava dessas lendas populares cristãs e, principalmente, via o culto às relíquias como uma forma de idolatria.

Nessas narrativas, o Rei Arthur apresenta-se sempre como o herói invencível, pois elas misturam uma brisa de teologia, a busca pelo cálice sagrado, com a presença do maravilhoso, com fadas, bruxas, prodígios inexplicáveis, misticismo e gotas do fantástico. Apresentam a força de uma epopeia contrapondo-se aos ardores da volúpia. Vale lembrar, ain-da, que os principais cavaleiros, além do rei Arthur, são: Tristão, Per-cival, Galaaz e Lancelot. Eles possuem virtudes, valentia e devem lutar pela castidade. O rei Arthur não pôde encontrar o cálice porque foi fra-co ao não saber justiçar Guinevere e Lancelot pela traição. Lancelot não pôde encontrar o cálice porque traiu o rei.

2.3 Amadis de Gaula

Amadis de Gaula se transformou num dos mais célebres romances de cavalaria em circulação na Europa Medieval. A autoria da obra é recla-

mada por portugueses, espanhóis e até mesmo, por franceses. Deixan-

do de lado a polêmica, podemos dizer, com toda certeza, que Amadis é uma obra de raiz ibérica.

Figura 15 – Galaaz recebe o alimento espi-ritual do Graal, seguido de Percival e Bors, de Dante Gabriel Rossetti (1864).

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Na versão espanhola de Garcí Rodríguez de Montalbo, Amadis é fruto

dos amores clandestinos de Elisena, filha de Garínter, rei da Pequena

Bretanha e do rei D. Perion de Gaula, que o abandonam em uma pe-

quena arca nas águas do mar. Salvo por uma família que não lhe sabe

a origem, com apenas sete anos de idade é escolhido para pajem de

Oriana, filha do Rei D. Lisuarte da Grã-Bretanha. A rainha é quem o apre-

senta a Oriana, com estas palavras: “filha, este é o pajem que voz servirá”.

Amadis guarda tais palavras no coração e enamora-se de Oriana e desde

aí a sua vida desdobra-se num longo serviço inteiramente consagrado à

amada. Amadis foi criado pelo cavaleiro Gandales que o leva a meter-se em fantásticas aventuras, sempre protegido pela feiticeira Urganda, e perseguido pelo mago Arcalaus, o encantador. Atravessa o arco en-

cantado dos leais amadores no centro da Ilha Firme, luta contra o ter-

rível monstro Endriago, matando-o. Passa por todo o tipo de perigosas

aventuras, pelo amor da sua amada Oriana.

Durante muito tempo a timidez de Amadis inibiu-o de se declarar, nin-

guém sabia que era por Oriana que se arriscava nestes combates. Em

certa disputa, quase deixou cair a espada das mãos ao ver, da arena de

combate, a senhora na assistência.

A história acaba com o Rei Lisuarte, mal aconselhado por conselheiros

invejosos, a afastar Amadis de sua amada e a tentar casar Oriana com

um inimigo do herói. O Amadis resgata Oriana e leva-a para a Ilha Firme.

Lisuarte, aliado a Galaor (ciumento de Amadis) e a Esplandian, declara

guerra a Amadis. Através de várias batalhas, Amadis enfrenta Galaor, até

que o mata. Lisuarte também é morto por Amadis em combate. Num

terceiro, o herói enfrenta Esplandian, sendo que desta vez é Amadis que

é morto. Oriana que, de uma janela, observa o combate, ao ver a morte

de Amadis, atira-se dali para o solo e morre (SÉRGIO, 2007, não pagina-

do, grifos nossos).

O crítico Massaud Moisés, em sua obra Pequeno Dicionário de Lite-ratura Portuguesa, esclarece que,

Ao platonismo amoroso se junta uma sensualidade incontida, dois pólos

de conflito no espírito de Amadis, a transformá-lo em herói psicologica-

mente denso, diferente da tradição medieval, prenúncio do homem re-nascentista. É a humanização do cavaleiro andante, visto em momen-tos de grandiosa fraqueza [...].(MOISÉS, 1981, p. 21-22, grifos nossos).

A principal diferença entre a narrativa de Amadis de Gaula e as nar-rativas em torno do Rei Arthur é que, no caso de Amadis, não se trata de

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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um amor adúltero, diferente da história de Arthur, traído por sua mulher, Guinevere, com seu primeiro e melhor cavaleiro, Lancelot. Na novela de cavalaria Tristão e Isolda, o Rei Mark, ou Marcos da Cornualha, foi traído por sua esposa Isolda com seu sobrinho Tristão. No caso da novela portu-guesa, ou melhor, esclarecendo, da novela peninsular, diferentemente dos amores adúlteros entre Guinevere e Lancelot e Isolda e Tristão, Amadis era solteiro e Oriana também. Como os dois são livres, o amor sai do ide-alismo platônico para o plano físico, portanto Amadis é psicologicamente mais denso que Arthur e Mark. Dessa maneira, Amadis já prenuncia o homem renascentista e suas inquietações. Amadis apresenta suas contra-dições: é valente, viril, herói, mas adoece de amor por Oriana.

Observemos mais um comentário de Massaud Moisés em outro li-vro seu, intitulado A Literatura Portuguesa:

O cavaleiro humaniza-se, terreniza-se, a ponto de casar-se sacramen-

talmente para convalidar a antiga relação amorosa com Oriana. Nas-cem daí os conflitos que agitam Amadis, não padronizados pela tradição, mas os do ho-mem complexo, denso psicologicamente: o homem medieval começava a ceder vez ao homem concebido segundo os valores renas-centistas, que então entravam a predominar. Amadis anuncia o herói moderno, de largo curso e influência no século XV e XVI, servindo de elo de ligação entre um mundo que mor-ria, a Idade Média, e outro que despontava, a Renascença (MOISÉS, 1981, p. 47, grifos nossos).

Cabe questionar, no entanto, o seguinte: em que período os críticos classificam essa novela, cuja autoria é problemática? Segismundo Spina, em Presença da Literatura Portuguesa I – Era Me-dieval, enquadra Amadis na 1ª Época Medieval (1198-1434). Já Massaud Moisés, em sua obra A Literatura Portuguesa, enquadra o Amadis no Humanismo (1418-1527), juntamente com Fer-não Lopes e Gil Vicente. Benjamin Abdalla Júnior e Maria Aparecida Paschoalin, em História Social da Literatura Portuguesa, enquadram o Amadis como pertencendo à Idade Média - 1ª Época: Trovadorismo (1189/1198-1434), e não ao Humanismo, como Massaud Moisés.

Figura 16 – Amadis salva Oriana, tapeçaria de François Spiering (ca.1590-95).

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Podemos afirmar que tanto o Trovadorismo, com uma magnífica floração lírica, como as Novelas de Cavalaria são produções medievais, e que Amadis, mesmo sendo uma novela do período medieval, tem traços humanistas e marca a transição dos conceitos medievais para um novo período: o Renascimento. O teatro de Gil Vicente, como você verá mais à frente, marca a transição da Idade Média para o Humanismo.

Cabe aqui explicar que os grandes heróis, como Jesus ou Arthur, têm uma paternidade um tanto quanto complicada, e também a questão da morte desses heróis é misteriosa, pois seus corpos nunca foram encontrados. O desaparecimento do rei Arthur na Ilha de Avalon vai influenciar o Sebastianismo de Bandarra, Padre Vieira e do poeta Fernando Pessoa. El Rei D. Sebastião, o grande Rei português, desapareceu na África, em Alcácer Quibir, no ano de 1578. Em virtude de ser um herdeiro tão esperado para dar continuidade à Dinastia de Avis, ficou co-nhecido como O Desejado e, depois de sua morte, passou a ser conhecido como O Encoberto ou O Adormecido, devido à lenda que se criou depois de sua morte: de que ele estaria encantado numa ilha junto com o Rei Arthur e que de lá voltaria para de-volver a Portugal as glórias passadas. Isso ficou conhecido como Sebastianismo, movimento que você irá estudar mais tarde.

Voltando às novelas de Cavalaria, ressaltamos que o Rei D. Dinis (1261-1325), também conhecido pelo epíteto de Rei-Trovador, pelas Cantigas de Amigo e de Amor que compôs, e pelo desenvolvimento da poesia trovadoresca a que se assistiu no seu reinado, já conhecia as no-velas do ciclo arthuriano.

Não se esqueça, então, de que foram as novelas de cavalaria do ciclo arthuriano que influenciaram o Amadis de Gaula, cuja autoria é polê-mica, mas é importante ressaltar que esse é o primeiro documento em prosa de que se tem notícia em Portugal, e que nessa novela a língua portuguesa já se apresenta bem desenvolvida. A novela Amadis de Gaula foi o livro de cabeceira do século XVI e gerou aquilo que cha-mamos de ciclo dos Amadises, com diversas continuações.

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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A grande questão que envolve Amadis de Gaula é a questão de sua autoria. Ela seria, originalmente, escrita em espanhol ou em português? O original em português teria sido redigido na segunda metade do sécu-lo XIII. O problema surgiu quando o suposto original em português foi perdido. O texto que se conhece data de 1508 e está escrito em castelhano, por Garcia Rodrigues Montalvo, tendo sido publicado em Saragoça.

Amadis de Gaula foi a novela de cavalaria mais importante escrita na península Ibérica e a falta do texto original fez com que o mistério de sua autoria suscitasse, desde cedo, a atenção dos estudiosos, que a atribuíram a franceses, espanhóis e portugueses. O crítico Benjamin Abdalla Júnior defende que o texto surgido em 1508 e composto no total por doze livros é de autoria peninsular. O crítico José Saraiva também fala em “obra pe-ninsular”, cuja autoria seria coletiva. Ou seja, uns defendem a autoria espanhola, outros a autoria em português, e outros a autoria peninsular (escrita a duas mãos em português e espanhol). O crítico Joaquim Ferreira defende a ideia de três autores diferentes para essa novela. Segundo o crí-tico, essa hipótese é aceitável, ou seja, o Amadis de Gaula poderia sim ter tido três autores, sendo dois portugueses e um espanhol: João de Lobeira, português, autor do 1º e 2º livros; Vasco de Lobeira, português, autor do 3º livro; e Garcia Ordonez de Montalvo, espanhol, autor do 4º livro.

Temos de levar em conta que até o século XII as relações entre lite-

ratura castelhana e portuguesa eram muito íntimas, que alguns dos

mais notáveis escritores portugueses como Gil Vicente escreveram

nas duas línguas. Eis, então, o porquê da querela em torno da auto-

ria de Amadis de Gaula.

Mesmo não tendo sido encontrado o original em português, o im-

portante é que na versão para o português encontramos a forma da

língua portuguesa já amadurecida e pronta.

Agora, vamos esclarecer a temática dessa novela de cavalaria. Entre os principais temas abordados temos: a fidelidade à amada, o platonis-mo se opondo ao desejo físico, o sentimentalismo e a timidez do herói, o amor cortês palaciano, as batalhas e o ideal guerreiro, o sensualismo

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explícito que ultrapassa a concepção de amor das Cantigas de Amor, o desejo carnal do homem e principalmente, o desejo carnal presente na mulher – Oriana. Aqui há uma sensualidade ardente que não encontra-mos nos textos da Demanda do Graal.

A tradição do platonismo insiste na existência de dois mundos: o mundo das ideias – onde repousam todos os modelos eternos de todas as coisas, sobretudo os modelos do Bem, do Belo e do Verdadeiro – e o mundo em que vivemos – que é o lugar em que se multiplicam erratica-mente as cópias imperfeitas e degradadas daqueles modelos. O homem sábio é, pois, aquele que supera, pelo exercício das ideias, os apelos da matéria e da carne, enfim, o homem sábio é o que submete o sensível ao inteligível.

Amadis e outros personagens homens representam o ideal ca-valheiresco e sempre estão envolvidos em aventuras, defendendo um reino, uma mulher, uma causa, e também apresentam um ideal ca-valheiresco, pois são gentis homens em suas conquistas amorosas. Aventura e emoção andam sempre juntas. O cavalheiro deve render vassalagem a uma só mulher e a um só rei ou Senhor. Amadis rende vassalagem ao Rei Lisuarte e à sua filha Oriana. Observe como Ama-dis coloca a amada na posição de deusa e como ele existe só para cumprir a vontade dela: “[...] Oriana, a minha senhora, nunca errou em cousa nenhuma, e, se eu morro, é com razão; não porque eu o mereça, mas porque com isso cumpro a sua vontade e o seu mando” (LAPA, 1941, p. 65).

A vida e a felicidade de Amadis dependem dele estar bem com a amada. Quando está doente de amor, se refugia como ermitão e não luta, mudando seu próprio nome: Beltenebroso. Quando se reconcilia com Oriana, recomeçam suas aventuras. Há diversas fases da vida de Amadis e durante essas fases ele usa diversos nomes, como Cavaleiro da Verde Espada ou Cavaleiro Grego. Ademais, ele defende a justiça e os fracos em suas andanças, aceitando diversas demandas. Assume outros nomes porque o seu já era muito conhecido e cheio de glórias. Um só nome não bastava para tanta glória. Outro fato importante é a nobreza de caráter de Amadis. Mesmo tendo brigado com D. Lisuarte, por culpa deste, Amadis o defende na guerra secretamente. No encon-

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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tro final, ajoelha-se perante o rei e a rainha, prova sua nobreza e sua lealdade.

Amadis, como já observamos, apresenta um forte sensualismo que se opõe ao platonismo das Cantigas de Amor e das Novelas de Cavalaria, as quais envolvem a busca pelo cálice sagrado. Nesse aspecto, podemos afirmar que há uma ruptura das convenções morais. Ao contrário da heroína Guinevere (esposa de Arthur) e de Isolda (esposa do rei Marcos da Cornualha), Oriana promete entregar-se ao herói com muita natu-ralidade, e há um forte desejo sexual tanto da parte de Amadis quanto de Oriana, ambos explicitam isso. Amadis deixa claro o que deseja de Oriana: “Senhora, doei-vos de mim e lembrai-vos do que me prometes-tes [...]” (LAPA, 1941, p. 51).

Outra coisa importante que devemos destacar é que, nessa nove-la, a virgindade não é fundamental. Oriana entrega-se ousadamente ao amado, sem maiores questionamentos morais. É a mulher que decide quando e como quer ser amada:

Pode por isso dizer-se que naquela verde erva, e em cima daquele man-

to, mais por graça e cometimento de Oriana que por desenvoltura e

ousadia de Amadis, foi feita dona a mais formosa donzela do mundo.

(LAPA, 1941, p. 52).

Se nos textos da Demanda do Graal só um cavaleiro virgem e puro conseguiria encontrar o cálice sagrado, aqui no Amadis de Gaula o celi-bato é um incidente na vida do herói. Amadis transforma-se em ermi-tão, em um local chamado Penha Pobre, somente porque fora abando-nado por Oriana, não por vocação. Assim que Oriana descobre onde ele está, manda buscá-lo. Amadis obedece e parte imediatamente, como que saindo de um pesadelo.

Nessa novela, como em todas do ciclo arthuriano ou in-fluenciadas por esse ciclo, temos a presença do maravilhoso e do fantástico. Podemos resumidamente afirmar que o maravi-lhoso está presente nos contos de fadas: fadas, bruxas, magias, encantamentos. Você não duvida de mais nada, porque

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Em Amadis de Gaula temos uma fada feiticeira chamada Urganda, a desconhecida. Ela encanta o cavaleiro que ama. Trata-se de uma velha que retira de uma bolsa a eterna aparência jovem. Todos pensam que o cavaleiro está louco ao dizer que se casou com uma velha. Essa novela tem, pois, algumas características específicas. Surge na Idade Média e é a prosificação das canções de gesta. Provavelmente seu conteúdo já existia antes, na oralidade. Traz o mistério da paternidade de Amadis e também do seu filho Esplandiam. Trata-se de filhos de amores ilegí-timos. Nesse caso, filhos tidos antes do casamento e que precisavam ser escondidos para não macular o nome da mãe.

Amadis tem sua vida marcada por profecias. Urganda profetiza so-bre o herói um certo messianismo que recorda o messianismo bíblico. Podemos constatar isso em uma das falas de Urganda:

[...] ele fará estremecer os fortes; ele começará e acabará com honra sua,

todas as coisas em que os outros fraquejam... ele fará com que os sober-

bos sejam mansos... ele será o cavaleiro que no mundo mais lealmente

cumprirá o amor [...]. (LAPA, 1941, p. 20).

A novela Amadis de Gaula é uma novela passional. Tanto Amadis como Oriana, quando estão separados, desejam a morte. Tanto para Oriana quanto para Amadis, a vida só tem sentido se for vivida por amor. Oriana tem vontade de se matar e Amadis, grande herói in-vencível nas batalhas, acostumado à guerra e a enfrentar monstros,

está imerso nesse universo. Você não precisa pensar no que faz sentido ou não, porque tudo pode acontecer. Já o fantástico apresenta uma pequena diferença em relação ao maravilhoso. No fantástico, o texto necessariamente não precisa ser de con-tos de fadas. Algo que acontece lhe causa um estranhamento. Você duvida se aquilo pode ou não acontecer. O crítico Todo-rov, em sua obra As Estruturas Narrativas, afirma que “o fantás-tico ocupa o tempo de uma incerteza [...]” (TODOROV, 1979, p. 148). Ou seja, no maravilhoso, você não fica em estado de hesi-tação ou dúvida, mas é exatamente a hesitação e a dúvida que caracterizam o fantástico. É a dúvida que dá vida ao fantástico.

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mostra-se enfraquecido e em depressão quando ama, quando é des-prezado pela sua amada: “Dizendo Amadis, estas palavras, as lágrimas caíam-lhe em fio pelas faces, sem que ninguém lhe pudesse dar remé-dio” (LAPA, 1941, p. 37).

Você pode observar o sentimentalismo do herói que chora, des-maia, cai de joelhos, não consegue nem olhar de frente para Oriana. No Amadis a ação é praticamente consecutiva: demandas e mais demandas, lutas e mais lutas. Como sempre, em toda boa novela há uma antago-nista, que é rival da protagonista. Neste caso, Oriana é a protagonista, e a rival é Briolanja, que também sente um amor passional por Amadis a ponto de trancar o herói em uma torre para ter um filho dele. A estrutu-ra dramática da novela é plural, há vários núcleos, além do central que envolve Amadis e Oriana.

Em Teoria da Literatura você aprenderá a diferenciar conto, novela e romance. Genericamente, podemos esclarecer que o conto tem uma estrutura menor, com poucos personagens, com um enredo central; o narrador do conto sabe que não tem muito tempo e espaço, por isso, tem que ser rápido e preci-so nos detalhes. A novela, por sua vez, apresenta um espaço maior, pode ter mais personagens, mais detalhes. O romance tem um fôlego maior que a novela, possui mais de um núcleo, mais personagens, mais detalhes e o enredo é mais compli-cado. Quando autores do Romantismo e Realismo brasileiros apresentavam seus romances, eles o faziam em jornais que publicavam semanalmente os romances. Assim, esses textos foram designados de novelas porque eram um novelo que se desenrolava aos poucos, em capítulos. O gênero em prosa Novela está desaparecendo. Aquilo que você assiste à noite, a chamada novela das oito, que não é das oito, mas das nove da noite, está mal designado. A novela televisiva, na realidade, tra-ta-se de um romance, com vários personagens, vários núcleos dramáticos. Só é designado de novela porque é um romance que se desenrola como um novelo: um capítulo por dia.

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Nesta estrutura dramática, a novela, tudo tem início, meio e fim, e os encadeamentos dramáticos estão bem construídos. Há uma su-cessividade no entrelaçamento sistemático das aventuras e uma agre-gação de unidades dramáticas, o ritmo é sempre acelerado com a su-cessão ininterrupta de peripécias, e ocorre o deslocamento constante das personagens, a multiplicação abundante dos episódios, o uso da imaginação e dos sonhos, diálogos vibrantes, cenas movimentadas, trechos narrativos, exposições, observações psicológicas. Há também muitas digressões: o narrador para a trama principal várias vezes para contar outras estórias periféricas, como as de Angriote e Grovenesa, a dona má que exigia que o cavaleiro guardasse o vale por um ano, dizendo que ela era a mais formosa da corte do rei Lisuarte. O lirismo está presente nas descrições dos encontros amorosos do par românti-co. Amadis é o épico e nobre cavaleiro e cavalheiro que desconhece a traição, afinal ele é a flor e espelho de toda cavalaria. Amadis é nobre, pois poupa a vida de Angriote (lutaram pela beleza de uma dama) e luta secretamente para defender o Rei Lisuarte, que o desprezara. Ocorrem situações excepcionais, patéticas e grotescas, e os detalhes da guerra são relatados em minúcias: sangue, o inimigo que tem o lombo esfolado etc.

O narrador é do tipo demiurgo, que usa o resumo e a descrição. Ele é onisciente intruso, sabe de tudo e de todos, conhece o pensamento de todos os personagens e intervém constantemente: “Deixemo-los fol-gar e descansar e contemos o que aconteceu a D. Galaor em busca de el-rei!” (LAPA, 1941, p. 58). Os nomes são, em contrapartida, metafóricos. Cada nome tem um significado: Briolanja, a menina dos leões; Grove-nesa, uma estrela luzente. Constatamos a presença de personagens es-tereotipadas: Urganda (a bruxa), Arcalaus (o feiticeiro), o anão (que faz intrigas ente Oriana e Amadis), Mabília (a alcoviteira). Todas essas são personagens planas, sem aprofundamento psicológico. Além disso, o desenlace ocorre por meio do casamento de Oriana com Amadis, para legalizar a situação deles e do filho. A novela deixa uma abertura para possíveis continuações: as aventuras de Esplandiam, filho de Oriana e Amadis. É uma obra fechada porque tem um fim, mas aberta porque pode ser continuada.

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Afirmamos que Amadis de Gaula é uma novela de cavalaria, uma novela sentimental, uma novela picaresca, uma novela policial, uma novela de mistério, uma novela romântica e uma novela precursora do feminismo. Talvez o mais importante dessa novela é que ela realça natu-ralmente o feminino erótico influenciada pelo ciclo arturiano de origem Celta. Aqui a mulher é motivo e não objeto. Podemos destacar os no-mes celtas das personagens femininas: Oriana, Briolanja, Urganda etc. As mulheres comandam as situações e o jogo amoroso.

Outro exemplo claro do feminismo ocorre quando Urganda e uma certa donzela disputam o cavaleiro, elas é que partem para a conquista e não ficam na posição de objeto, aceitando serem conquistadas. O cava-leiro sofre nas mãos das duas mulheres. Também, como já observamos em citação anterior, é Oriana quem sutilmente se oferece a Amadis, no livro I, capítulo 30, e de livre e espontânea vontade entrega-se a ele. Re-leia a citação e observe que é Oriana quem parte para a conquista, é ela quem seduz, o possuído parece ser o cavaleiro e não a dama.

Oriana e Briolanja disputam entre si o amor de Amadis. Briolanja quer ter um filho de Amadis e ele, entre a beleza e a tentação da dama e seu amor por Oriana, fica atormentado numa torre. Aqui os homens são tentados pelas mulheres e ficam sem saber, por vezes, o que fazer. O crítico Menéndez y Pelayo esclarece sobre essa novela:

Sem o delírio amoroso de Tristão, sem a adúltera paixão de Lancelote, sem o misticismo equivocado dos heróis do Santo Graal, Amadis é o tipo do cavaleiro perfeito, o reflexo do valor e da cortesia, o modelo de leais vassalos e de finos fiéis amantes, o escudo e amparo dos fra-

cos e necessitados, o braço armado posto a serviço da ordem, moral e

da justiça (PELAYO, [19--], p. 28, apud VIEIRA, 1922, grifos nossos).

Enfim, sugerimos a leitura do texto integral de Amadis de Gaula.

2.4 D. Quixote de La Mancha

Depois da Demanda do Graal, de Tristão e Isolda, do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, do Amadis de Gaula e de dezenas de outras novelas de cavalaria, o gênero se esgota, e nesse momento sur-ge o gênio espanhol chamado Miguel de Cervantes (1547-1616), com

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sua magnífica obra intitulada D. Quixote de La Mancha (El ingenioso hidalgo Don Quixote de La Mancha). Po-deríamos escrever centenas de páginas só para resumir e engrandecer essa obra e ainda seria pouco. Ela foi conside-rada por críticos de todo o mundo como a maior obra do milênio passado. D. Quixote de La Mancha revela o esgo-tamento do modelo das novelas de cavalaria. Trata-se de uma novela de cavalaria que faz uma paródia, um deboche crítico sobre a própria novela de cavalaria. D. Quixote é o chamado Cavaleiro da Triste Figura, que depois de tanto ler novelas de cavalaria perde o juízo e sai pelo mundo afo-ra, enfrentando moinhos, exércitos, manadas inexistentes, tudo por uma dama feia – Dulcinéia de Toboso -, junta-mente com seu escudeiro Sancho Pança.

Essa obra constitui-se em um símbolo universal nas-cido do próprio atraso feudal da Espanha. Quando todas as outras novelas de cavalaria forem esquecidas, certamen-te ainda restará D. Quixote de La Mancha, porque além de

ser uma novela de cavalaria que critica o próprio gênero que está mor-rendo, fala sobre os limites da loucura e da razão. Afinal, quem é louco? D. Quixote? Sancho Pança? O leitor? Eu? Você?

Sobre D. Quixote, o crítico Augusto Meyer, em Textos Críticos, es-clarece que

[...] D. Quixote é, no fundo, um mito contra os mitos, ou melhor, uma sáti-

ra, uma paródia, um corretivo a nossa tendência mítica. A cada acidente,

a cada tombo, a cada desacerto, parece advertir o seu comportamen-

to: segure a sua língua, sofreie a intemperança das paixões, ponha de quarentena a fantasia desregrada, criadora de fantasmas (MEYER,

1986, p. 99, grifos nossos).

Amadis de Gaula, juntamente com Palmerim de Inglaterra , me-receu a honra de ser poupada da crítica sarcástica de Cervantes em D. Quixote de La Mancha: no famoso episódio em que o barbeiro e o padre resolvem queimar a biblioteca do fidalgo para evitar que este enlouque-cesse de uma vez por causa da leitura nefasta das novelas de cavalaria, só essas duas obras foram preservadas.

Figura 17 – Dom Quixote

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Capítulo 02Amadis de Gaula: uma novela de cavalaria portuguesa com certeza?

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As novelas de cavalaria influenciaram o romantismo português e o romantismo brasileiro. Temas como o amor cortês, o cavalheirismo, o platonismo amoroso, a pureza, a nobreza de caráter, a virtude, a le-aldade, a religiosidade, o endeusamento da mulher, serão dominantes no movimento romântico. Em Portugal, os românticos inspiraram-se no cavaleiro e cavalheiro medieval. Mais à frente, neste curso, você estudará a obra Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, e poderá constatar o que afirmamos. No Brasil, como não ti-vemos Idade Média, o índio acabou por ser eleito como um perfeito cavalheiro e cavaleiro à moda dos heróis da cavalaria: observe o exemplo do índio Peri, perso-nagem de O Guarani, de José de Alencar. As novelas de cavalaria influenciaram também toda a Literatura Infantil, com seus príncipes e princesas, mas isso é as-sunto para outra matéria.

Figura 18 – Dom Quixote montando Rocinante. Atrás vem Sancho Pança e Rucio, o burro narrador. Cenário da animação Donkey Xote, do diretor espanhol Jose Pozo.

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Capítulo 03O Teatro de Gil Vicente

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3 O Teatro de Gil VicenteHumanismo é o nome de um movimento inte-

lectual, uma doutrina filosófica e uma postura artística que representavam a transição entre a cultura europeia medieval e a do Renascimento. Teve início na Itália, entre o fim do século XIII e o início do século XIV; século este conhecido como o outono da Idade Média. Seus maiores representantes são os poetas italianos Dante Alighieri (1265-1341), autor da Divina Comé-dia, e Francisco Petrarca (1304-1374). O Humanismo tem duas fontes: a volta às origens do Cristianismo e a revalorização do legado clássico. Ao pregar a volta ao chamado Cristianismo primitivo, critica o luxo e os desvios da Igreja Romana e, ao revalorizar a cultu-ra clássica greco-romana com sua filosofia, literatura e história, traz o gosto pela especulação racional, o chamado racionalismo. Lembremos que a Idade Média era teocêntrica, Deus era o centro de tudo e o homem deveria se preocupar com a vida espiritual. Os humanistas adotam ou-tra visão e colocam o homem no centro da História; isto é o gérmen para o antropocentrismo que viria a caracterizar o Renascimento.

Gil Vicente foi o maior representante do Hu-manismo em Portugal (1418-1527), que coincidiu com o absolutismo do reinado de D. João II (1481-1495) e com a expansão marítima que transfor-mou Portugal em um grande e rico império. Lisboa transformou-se em uma grande cidade, a Universi-dade de Coimbra passou a ser prestigiada e a litera-tura a ser divulgada, devido à criação da imprensa por Gutenberg.

A data de nascimento do teatrólogo (1465-[?]) ninguém sabe ao certo, o mesmo ocorrendo com a data de sua morte. O local de seu nascimento é apontado como sendo Guimarães, Lisboa ou Bar-

Figura 19 – Teatro Vicentino

Figura 20 – Gil Vicente escrevendo um Auto da barca, de Victor Couto (2009).

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celos. Em 1502, estreou no teatro representando para a Rainha O Auto da visitação. Era encarregado da organização de festas palacianas, por isso muito prestigiado pela corte. Alguns historiadores dizem que Gil Vicente teria sido, realmente, mestre da balança da Casa da Moeda. Foi dramaturgo e encenador na corte dos reis D. Manuel e D. João III. Nes-se, período produziu mais de quarenta peças de teatro.

Seu filho, Luis Vicente, publicou em 1562, a reunião da produção teatral do pai, intitulada Compilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente, contendo 44 peças de teatro. É bom acentuar que antes de Gil Vicente não havia teatro em Portugal, a não ser aquilo que se conhece como Te-atro Religioso, com função de fazer catequese, um teatro com fins mo-rais e éticos. Gil Vicente buscou no teatro espanhol de Juan del Encina sugestões iniciais para sua primeira fase dramática, mas logo encontrou o seu estilo. Esse estilo incluía constante renovação de temas e formas, uma vocação poética fora do comum, uma forte religiosidade (já que Gil Vicente era um cristão) e o tratamento de temas universais como a mor-te, a vida, a salvação, a luxúria, os pecados, o suborno, a libertinagem.

Algumas de suas peças como O Auto da Barca do Inferno pos-

suem um caráter didático e religioso e objetivam a transmissão

das doutrinas da Igreja. Também atacou impiedosamente as

mazelas de todas as classes sociais. Possuía vastos conhecimen-

tos teológicos e filosóficos, o que revela sua cultura humanísti-

ca. Trabalhou com o português arcaico, com o latim e incluiu o

saiaguês, uma espécie de português simples e caipira que era

falado na região de Saiago, região da província de Zamorra, na

Espanha, fronteiriça às serras da Beira lusitana. O saiaguês era

o falar rústico dos camponeses dessa região e caracterizava-se

pela abundância de regionalismos e arcaísmos, o que dava um

efeito cômico às suas peças. A maioria delas é bilíngue, já que

escreveu tanto em português como em espanhol. Suas peças são

poéticas e este efeito é conseguido porque as personagens falam

em versos de redondilhas menores e maiores, agrupados em es-

trofes rimadas.

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Capítulo 03O Teatro de Gil Vicente

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A origem do teatro vicentino está no teatro medieval cristão, no chamado teatro litúrgico, ou seja, está vinculado aos rituais e cultos da religião católica. A ideologia teocêntrica definiu as formas do teatro medieval, a saber:

Ӳ Mistérios: encenações de passagens bíblicas do Antigo Tes-tamento, consideradas prefigurações do advento de Cristo; encenações da Natividade; representações da vida e paixão de Jesus, segundo o Novo Testamento. Os dois primeiros ti-pos encenavam-se por ocasião do Natal, o último era repre-sentado na Semana Santa (Ex: Auto dos Reis Magos, de Gil Vi-cente);

Ӳ Milagres: dramatização da vida dos santos ou de intervenções mi-raculosas da Virgem Maria;

Ӳ Soties: representações satíricas de origem popular. Tipo de comé-dia rudimentar de conteúdo crítico, em que um parvo/tolo/louco era o protagonista;

Ӳ Moralidades: peças em que as personagens eram alegorias (per-sonificação de ideias, de instituições, por exemplo, a Luxúria, a Avareza, a Guerra, o Trabalho, o Tempo, o Comércio, a Esperança etc.), que através do jogo dramático serviam de exemplo moral para os espectadores (Ex.: Todo Mundo e Ninguém, que faz parte do Auto da Lusitânia, de Gil Vicente);

Ӳ Farsas: encenações satíricas de gosto popular (Ex.: Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente);

Ӳ Autos Pastoris ou Éclogas: diálogo entre pastores simples que evocavam a vida pura, a qual lembrava o cristianismo primitivo;

Ӳ Momos: alegorias meramente visuais, sem texto, com centenas de figurantes ricamente vestidos. Gil Vicente procurou evidenciar não só o espírito aventureiro e cavaleiresco dos momos como a con-cepção cenoplástica nos seus autos narrativos e alegóricos presen-tes em Cortes de Júpiter, Auto das Fadas e Triunfo do Inverno;

Ӳ Laudes: esse gênero de teatro religioso distingue-se de todos os outros por não ser inicialmente representado em um palco, mas sim nas ruas, caminhos e campos, por onde o povo e os frades caminhavam. As laudes derivam dos “tropos”: diálogos, cânticos e

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rituais que eram realizados alternadamente entre o padre, o povo e o coro nas missas das Igrejas. Só que as laudes eram feitas sob a forma de procissão (uma espécie dos atuais romeiros) ou eram de-clamadas, dialogadas e recitadas em degraus, pórticos e outeiros. As laudes eram cânticos de louvor cujos principais temas eram as nar-rações dos Evangelhos, que iam desde o Natal até a Paixão. Em um estado mais avançado, chegaram a ter acompanhamento musical e até caracterização dos atores, e trocaram os seus locais de represen-

tação normais por palcos (RODRIGUES; CASTRO, 1994, p. 43-44).

Na época Medieval surge uma categoria de atores divididos em: arremedadores (que se especializavam em imitações); cazurros (char-latães acompanhados por bonifrates, cabritos, macacos ou cães); esgri-midores (jograis que usavam paus e espadas); frasechadores (espécie de ilusionistas); nigromantes (pessoas que faziam aparecer fantasmas); titeriteiros (homens que representavam com bonifrates); mascarados (disfarçados de outras pessoas ou animais).

Portugal conheceu essas formas de teatro europeu medieval através de Castela, que era o centro de onde se irradiava o teocentrismo da Igreja Católica para toda a Península Ibérica. Essa tradição, vinda de fora, constituiu a base do primeiro autor português: Gil Vicente. Ele produziu Autos Pastoris (Auto pastoril castelhano), Autos de Morali-dade (Auto da Barca do Inferno, Auto da Barca do Purgatório, Auto da Barca da Glória, Auto da Alma) e Farsas, sendo a mais conhecida delas A Farsa de Inês Pereira. São vários os casos em que Gil Vicente mistu-rou em uma só composição a alegoria, a moralidade e a farsa, como no Auto da Lusitânia.

O teatro de Gil Vicente identifica-se com o Humanismo uma vez

que, mesmo tendo como base o teatro litúrgico, seus textos apre-

sentam influência da Antiguidade Clássica, trazendo para suas

peças personagens da mitologia greco-romana como Mercúrio,

Apolo, Vênus etc. Mesmo baseado no teatro litúrgico medieval, Gil

Vicente combateu o teocentrismo dogmático criticando em suas

peças o clero corrupto e pregando a volta a uma vida simples e

sem luxo. Em suas peças, combateu a intolerância religiosa, defen-

dendo os judeus.

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Capítulo 03O Teatro de Gil Vicente

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Com relação à estrutura podemos dizer que suas peças subdividem--se em peças de enredo: apresentam início, meio e fim, com clímax e des-fecho (cômico quando há farsa e lírico no caso de auto cavaleiresco); e pe-ças de ação fragmentada: apresentam-se quadros fragmentados de ação e não importa muito a ordem da entrada em cena: uma cena não prepara a seguinte. Essa divisão, porém, é problemática. O Auto da Barca do Inferno é classificado por muitos críticos como uma peça de ação fragmentada e descontínua. Discordamos dessa classificação e explicamos o porquê: em nossa concepção, trata-se de uma peça de enredo, pois tem início (entrada do Diabo e do Anjo), enredo (o julgamento das almas que devem embar-car em uma das barcas) e fim (só os cavaleiros cruzados entram na barca que conduz ao céu).

Com relação ao espaço, a peça pode ser representada em vários ce-nários. Geralmente defende-se a ideia de que o teatro vicentino possui uma enorme variedade espacial que é muito diferente da unidade de es-paço do teatro clássico. No entanto, no Auto da Barca do Inferno há um só espaço: o local (um braço de mar ou um rio) onde estão ancoradas as barcas.

Diz-se que o teatro de Gil Vicente não respeita a regra das três uni-dades, inspirada em Aristóteles e observada na dramaturgia clássica. Você estudou esse conteúdo, na Poética, com a Teoria da Literatura I. No teatro vicentino não haveria unidade de ação (as peças teriam mais de um núcleo dramático), não haveria unidade de espaço (representações ocupariam mais de um lugar) e não haveria unidade de tempo (as histórias transcor-reriam em um período superior a um dia). Isso não é um consenso entre os críticos. A nosso ver, O Auto da Barca do Inferno apresenta a regra das três unidades: há unidade de ação (o julgamento das almas que chegam ao local onde estão ancoradas as barcas); unidade de espaço (o ancoradouro das barcas: braço de mar ou um rio) e unidade de tempo (a peça é rápida e desenvolve-se em questão de horas).

As personagens de Gil Vicente são classificadas como típicas ou ale-góricas. As personagens típicas são aquelas que representam

tipos sociais bem definidos. São estereótipos de profissionais popula-

res, de clérigos, de fidalgos, de juízes corruptos, etc. Ele cria uma vasta

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Literatura Portuguesa I

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galeria de tipos e caricaturas que abrangem nobres decadentes e pe-

dantes, alcoviteiras, comerciantes corruptos, agiotas, espertalhões,

frades devassos, velhos ridículos que se apaixonam loucamente por

moças jovens, escudeiros, trambiqueiros, moças casadoiras, esposas

infiéis, maridos traídos, aldeões caipiras, parvos, loucos e sua forma

típica de falar. Já as personagens alegóricas representam ideias

ou instituições: em O Auto da Lusitânia e Todo Mundo e Ninguém

representam as ideias que seus nomes sugerem.

Sugerimos, por fim, a leitura dos textos integrais de A Farsa de Inês Pereira e O Auto da Barca do Inferno, uma vez que são textos fundamen-tais da Literatura Portuguesa.

3.1 A Farsa de Inês Pereira

A Farsa de Inês Pereira é uma comédia de costumes e a marca do auge de seu autor; foi representada pela primeira vez para o rei D. João III, em 1523, no Convento de Tomar. Muitos duvidavam da autenticida-de das obras de Gil Vicente, e foi com a intenção de provar o contrário que ele aceitou o desafio de criar, sob um ditado popular, uma nova representação. Sua imensa obra não nasceu de improviso, é resultado de

um trabalho árduo de estudos e aperfeiçoamentos.

Farsa é uma representação popular com intenções satí-ricas e, embora Gil Vicente frequentasse a corte portuguesa, tinha vasto conhecimento das tradições populares, utilizan-do-se de trocadilhos e de falas regionais. O que realmente lhe interessava era a vida cotidiana, por isso aprofundou sua crítica à sociedade da época, destacando os males que cor-roíam a sociedade portuguesa, na tentativa de reconduzir o povo português para o caminho do bem e da salvação.

A farsa é a ilustração do dito popular “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”. Gil Vicente põe em cena personagens que encarnavam os elementos ativos dessa comparação.

Você encontra a versão completa em: <http://www.dominiopublico.

gov.br/download/texto/bv000111.pdf>.

Figura 21 – Inês Pereira – ilustração.

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Capítulo 03O Teatro de Gil Vicente

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Vamos agora caracterizar os personagens principais dessa farsa:

Ӳ INÊS PEREIRA: é a personagem fundamental, elo e eixo cen-tral da peça; a primeira Inês é solteira, preguiçosa, alegre, gosta de se divertir, um pouco leviana e geniosa, e não se preocupa com luxos e riquezas; ela quer um homem que lhe proporcione vida alegre, ainda que pobre e faminta. A segunda face de Inês aparece quando ela está casada em primeiras núpcias e estra-nha as imposições do marido, mas está pronta a obedecer-lhe e a ser-lhe fiel. A terceira face de Inês, a Inês de Pêro Marques, é o resultado de transformação profunda provocada pelo com-portamento desumano, desleal e cínico do Escudeiro. Essa Inês é mulher má, que já não acredita no amor nem nos homens;

Ӳ PÊRO MARQUES: é o segundo marido de Inês associado ao asno. É um homem estúpido, ingênuo e honesto. Quer ser feliz e espalhar felicidade à sua volta. É um trabalhador que ao longo dos anos juntou alguns cobres. É o personagem cômico da peça;

Ӳ ESCUDEIRO BRÁS DA MATA VALO: figura importantíssi-ma na peça. É o primeiro marido de Inês e associado ao cavalo. Ele transforma Inês em figura vingativa e explora a ingenuidade de Pêro;

Ӳ LIANOR VAZ: faz papel de confidente e ajuda-nos a conhecer os sentimentos e intenções de Inês e de Pêro, isto é, o enredo da farsa;

Ӳ MÃE: luta quanto pode pela felicidade da filha iludida, o que torna Inês responsável pela sua escolha e seu arrependimento. É extremamente compreensiva e, mesmo contrariada, aceita comemorar as bodas de sua filha;

Ӳ JUDEUS CASAMENTEIROS (Latão e Vidal): são amorais e conhecem bem os defeitos do Escudeiro, mas também não ig-noram que Inês seja preguiçosa, vaidosa e leviana. Têm exter-namente uma atitude bajuladora, mas na verdade as suas afir-mações podem ser entendidas como críticas severas e justas. Inteligentes e voluntariosos, adaptam-se a todas as atividades e vingam-se com ironia;

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Literatura Portuguesa I

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Ӳ MOÇO (Ajudante do Escudeiro): por ele conhecemos a vida, os sentimentos e as intenções do Escudeiro. É um confidente;

Ӳ ERMITÃO: eremita, anacoreta ou monge, vive em um ermo para se dedicar exclusivamente ao serviço de Deus e à salvação das almas. Gil Vicente aproveitou-se da personagem do Ermi-tão para fazer uma crítica aos falsos religiosos. Figura necessá-ria para ter um motivo de Inês ser carregada pelo “asno”.

Resumindo o enredo, temos

[...] uma jovem sonhadora que procura, através de um casamento com

homem avisado que saiba tanger viola, fugir à rotina cansativa da vida

doméstica. Despreza Pêro Marques, filho de um camponês rico, um ho-

mem tolo e ingênuo, aceitando se casar com Brás da Mata, escudeiro

pilantra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos,

porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e

explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensi-

nada pela dura experiência, toma consciência da realidade, aceitando o

casamento com Pêro Marques, seu primeiro pretendente. A farsa termina

com o marido levando-a às costas (mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube), até a gruta do ermitão. (PASSONI, 1991, p. 13).

O teatrólogo coloca em cena os mais diversos temas, com inúmeras situações, grande número de atores e figurantes; dá saltos temporais em lugares diversos, não demonstrando nenhuma preocupação unitária. Como já anotamos anteriormente, há divergências sobre esse tópico. Outra característica também é a mistura de elementos sérios e cômicos, passando de um tom a outro sem restrições.

O autor utiliza o tom coloquial da fala, gírias, palavrões, ditados populares, frases feitas etc. E mais: concilia a linguagem corrente com a poética, uma vez que suas personagens falam em versos de redondi-lhas maiores e menores (7 ou 5 sílabas, respectivamente), agrupados em estrofes rimadas. Ele inventou uma fala musical que não perde a espon-taneidade e incorpora a sonoridade da poesia. Em suas peças há a pre-sença de música: canções populares, folclóricas, religiosas e palacianas. Mesmo frequentando a corte, Gil Vicente é um artista profundamente enraizado nas tradições populares. Também retira do repertório bíblico diversos personagens como anjos, demônios, Abraão, Moisés, David etc.

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Capítulo 03O Teatro de Gil Vicente

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3.2 O Auto da Barca do Inferno

No Auto da Barca do Inferno temos duas barcas ancoradas em um braço de rio ou mar. Todos que chegam ali já estão mortos, e estão ali para serem julgados. Após o julgamento serão embarcados ou para o céu ou para o inferno. No Auto da Compa-decida, de Ariano Suassuna, que você já deve conhecer por meio do filme de mesmo nome, as personagens são re-almente julgadas, e algumas têm uma nova chance, como a figura de Chicó. No Auto da Barca do Inferno, as perso-nagens, que na realidade não passam de estereótipos da sociedade portuguesa medieval, já chegam com seu destino traçado. Nada que falem vai alterar o seu julgamento. Ao mesmo tempo em que se trata de uma peça com propó-sito doutrinário, ao mostrar que só os bons (no caso, os cavaleiros medievais, os cruzados) irão para o céu, enquanto os pecadores (o fidalgo, o padre adúl-tero, a alcoviteira, o agiota, o juiz e o procurador corruptos etc.) vão para o inferno, a peça revela um perfeito painel dos costumes morais e sociais daquela época. Sem sombra de dúvida, a Barca do Inferno é mais ani-mada e interessante do que a Barca que vai para o céu e o Diabo é o melhor personagem concebido por Gil Vicente. Nesta peça, o Dia-bo é irônico, engraçado, faz um grande espetáculo particular com os pecadores. Você não deve confiar muito no retrato que a peça faz dos cruzados como santos e bons homens. Se tiver tempo, leia alguns textos sobre os cruzados e verifique que eles não eram esses gentis e santos homens...

O Auto da Barca do Inferno é uma obra alegórica. A maioria dos personagens entra na barca acompanhado de algum objeto que mate-rializa suas culpas: a alcoviteira está acompanhada de moças as quais ela

Figura 22 – Auto da Barca do Inferno – ilustração.

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desencaminhou na vida; o agiota, com um saco de dinheiro que repre-senta aqueles que ele tanto explorou; o padre, com sua amante etc. Esses apetrechos significam o apego que eles tinham à vida terrena e aponta para seus pecados. O objetivo do autor não é só divertir, mas mostrar os vícios de uma sociedade corrupta e materialista.

Você deve lembrar que duas eram as fontes do teatro medieval: a

vida real e diária das pessoas e a doutrina cristã. Lembre-se que Gil

Vicente era cristão. Ele usava o teatro para criticar os defeitos da

Igreja e da doutrina cristã, já que ele queria reformar a Igreja dentro

da própria Igreja.

Carolina Michaëlis de Vasconcelos, autora de Notas Vicentinas: Preliminares de uma Edição Crítica das Obras de Gil Vicente, assim defi-niu este poeta, pensador, cristão de fé medieval que já vislumbrava ain-da que de longe o sopro humanista do Renascimento, tinha sempre em mente o mundo do além, preocupava-se com a salvação das almas e com uma vida digna nesta terra, simpatizava-se com os humildes, ingê-

Figura 23 – O Diabo e o Juiz, cena de espetáculo teatral.

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Capítulo 03O Teatro de Gil Vicente

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nuos e perseguidos, e antipatizava-se com os prevaricadores e os devas-sos. Teve uma visão teocêntrica da vida e foi fiel aos valores espirituais cristãos que nortearam sua visão crítica. Luciana Stegagno Picchio, em Storia del teatro portoghese, afirma que Gil Vicente não é um fenômeno isolado e nem sequer improvisado, e que a sua cultura é fruto de uma longa maturação, em que intervêm todos os motivos que formaram a grande cultura europeia da Idade Média; o seu teatro não é um ponto de partida, mas, como todas as grandes criações, um ponto de chegada, uma soma na acepção medieval da palavra. Só com Gil Vicente o teatro em Portugal adquire segurança, mestria e pleno uso da palavra.

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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4 A Lírica de CamõesQuem foi - melhor,

quem é - Luís de Camões? A

resposta mais pronta será,

muito provavelmente: o

autor de Os Lusíadas. Uns

até se lembrarão de que o

primeiro verso é “As armas

e os barões assinalados”,

e pouco mais. Muitos, no

entanto - e espero que cada

vez mais numerosos - serão

capazes de ir adiante, não

por terem ouvido dizer que

é um grande poeta, talvez o

maior, da língua portuguesa,

mas por terem realmente lido

seus versos.

Já os contemporâneos

o consideravam príncipe dos poetas: primeiro, Diogo do Couto, o sério

historiador, que o encontrou na Índia, e dele disse, lamentando as suas

precárias condições de vida: “Encontrei em Moçambique meu amigo e

matalote Luís de Camões, príncipe dos poetas de seu tempo, tão pobre

que vivia de amigos”. Pouco depois, um grande fidalgo, D. Gonçalo Couti-

nho, daqueles cuja genealogia data do início da nacionalidade, dando aos

ossos do Poeta “sepultura honrada” manda “lavrar na lousa da sepultura:

Aqui jaz Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo: viveu pobre

e miseravelmente e assim morreu no ano de 1579”. (BERARDINELLI,1997,

não paginado, grifo nosso).

4.1 O Classicismo

Classicismo é o nome da escola artística do Renascimento. Suas ideias e realizações são frutos da assimilação da cultura greco-romana decorrentes dos estudos empreendidos pelos Humanistas. O Renasci-mento foi preparado pelos Humanistas no final da Idade Média e alguns

Figura 24 – Luís de Camões.

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historiadores apontam o Humanismo como uma primeira fase do Re-nascimento. Reforçamos a importância da leitura, para que você, caro aluno, possa entender o contexto em que Camões produziu sua obra.

Em Portugal, o Quinhentismo - Classicismo teve início em 1527, quando do retorno do poeta Sá de Miranda, da Itália, onde vivera vários anos para estudos. Na bagagem, trazia no-vas técnicas versificatórias, o dolce stil nuovo. Além de intro-duzir no país o decassílabo - medida nova - em oposição à redondilha medieval (5 ou 7 sílabas), que passou a ser chama-da de medida velha, trouxe uma nova conceituação artística. Devemos entender, portanto, que Sá de Miranda não trouxe para Portugal apenas um verso de medida diferente, mas um gosto poético refinado. Juntamente com o decassílabo, pas-saram a ser cultivadas novas formas fixas de poesia, como o soneto, a ode, a écloga, a elegia e a epístola. É preciso lembrar que a substituição do verso redondilha (medida velha), carac-terístico da Idade Média, pelo decassílabo (medida nova) não se deu de forma imediata, pois ambas as medidas conviveram por grande parte do século XV.

Relacionamos a seguir acontecimentos marcantes da história por-tuguesa que definiram o Renascimento em Portugal: o desenvolvimento da Escola de Sagres, fundada por D. Henrique; a liberdade predomi-nante durante a dinastia de Avis; o absolutismo e o mercantilismo por-tuguês; as grandes navegações; o império colonial ultramarino que se estendia do Oriente ao Ocidente; Lisboa afirma-se como A Metrópole do Comércio das Navegações e das Conquistas e Portugal é considerado o cais do mundo. Some-se a isso tudo a tomada de Ceuta na África (1415), a descoberta do Brasil (1500), a conquista do porto de Goa na China (1510), a viagem de Vasco da Gama às Índias, a viagem de Bartolomeu Dias, que alcançou o Cabo da Boa Esperança, e a fundação do Colégio Real das Artes (1550).Além das questões econômicas (a busca de ouro, riquezas e especiarias), o que impelia o povo português para o impe-rialismo colonialista era o objetivo de expandir o Cristianismo, lutar contra os mouros e preservar a fé cristã.

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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Com relação à literatura, a obra de Gil Vicente já mostrava a im-portância do teatro português. A estruturação e o uso da língua por-tuguesa se confirmam com o surgimento ou a reafirmação de autores de produção regular como João de Barros, Damião de Góis e Fernão Mendes Pinto nos estudos históricos, e Sá de Miranda, Antônio Ferreira e Luís de Camões na literatura.

Os maiores representantes do Classicismo em Portugal foram Ber-nadim Ribeiro (1482-1553), com a publicação da novela sentimen-

tal Menina e Moça, Antônio Ferreira (1528-1569) com a chamada

tragédia clássica e sua peça Castro e, principalmente, Luis Vaz de Camões com sua obra lírica, composta por centenas de sonetos, e

a obra épica Os Lusíadas. Selecionamos desse período obviamen-

te Camões, porque ele foi o mais importante poeta do classicismo

português, sendo sua maior obra, Os Lusíadas, a maior epopeia já

escrita em nossa língua.

Você pode consultar a biografia de Camões em vários sites na in-ternet e recomendamos que faça isto, porque sua vida, com acidentes, incidentes, amores, viagens, pobreza, glória póstuma, por si só é uma obra à parte.

4.2 Os Sonetos

Muito antes de compor seus sonetos, Camões também chegou a compor na chamada Medida Velha. Essas composições caracteriza-vam-se pelo uso de cinco sílabas (redondilha menor) e de sete sílabas (redondilha maior). Você poderá observar a seguir que Camões foi in-fluenciado pela tradição popular do Trovadorismo, o qual você já co-nhece. Ele apreciava a musicalidade e a temática das Cantigas. Observe a influência da lírica trovadoresca na composição chamada vilancete:

MOTE

Descalça vai pera a fonte

Lianor, pela verdura;

vai fermosa e não segura.

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VOLTA

Leva na cabeça o pote,

o testo nas mãos de prata,

cinta de fina escarlata,

sainho de chamalote;

traz a vasquinha de cote,

mais branca que a neve pura;

vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,

cabelos d’ ouro o trançado,

fita de cor d’ encarnado...

Tão linda que o mundo espanta!

Chove nela graça tanta

que dá graça à fermosura;

vai fermosa, e não segura

(CAMÕES, 1980a, p. 26).

Observe que o mote representa uma espécie de chama-mento, de motivação para o que será desenvolvido nas voltas. Isso é muito utilizado pelos repentistas nordestinos e pelos de-safios dos cantores gaúchos acompanhados de suas sanfonas. É a partir do mote que o poeta cria o poema.

Camões trabalhou com os mais variados formatos de composição: odes, éclogas, elegias e sonetos. Em 1527, Sá de Miranda traz da Itália a chamada Medida Nova, que refletia a tendência da recuperação da estética clássica. Retomava o uso de formas da poesia greco-latina, conservando as rígidas regras que estabeleciam um modo específico de se criar com cada forma. Petrarca fez o soneto tornar-se a composição lí-rica mais famosa do Ocidente, a qual sobrevive há 700 anos.

Figura 25 – Psiquê revivida pelo beijo de Eros, de Antonio Canova (1787).

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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É dessa maneira que Camões se volta para a composição chamada So-neto e a leva à perfeição.

O soneto resistiu ao desprezo dos iluministas e foi cultivado no século XIX por românticos, parnasianos e simbolistas. No século XX sobreviveu à revolução do verso livre modernista e destacou-se na obra de modernistas radicais como Apollinai-re e Fernando Pessoa. No Brasil tivemos grandes sonetistas, como Cláudio Manuel da Costa, Alphonsus de Guimarães e Cruz e Souza.

O soneto tem uma sonoridade toda especial. Na realidade um so-neto é uma obra curta, criada para transmitir uma mensagem em seus 14 versos, em geral rimados e divididos em dois quartetos (grupos de quatro versos) e dois tercetos (três versos). Admite número restrito de variações quanto à forma, e segue normas rigorosas quanto ao conteúdo e desenvolvimento do tema. A rigidez de seus traços possibilitou que atingisse o fim do século XX intacto, tal como o praticaram os grandes sonetistas que o fixaram: Dante, Petrarca, Shakespeare e Camões.

Com relação à métrica, em primeiro lugar, os versos devem pos-suir a mesma métrica, ou seja, o mesmo número de sílabas poéticas. Uma sílaba poética é bem diferente de uma sílaba comum. É possível unir duas ou mais palavras em apenas uma sílaba poética. Observe a seguir um dos sonetos de Camões:

Busque Amor novas artes, novo engenho

Pera matar-me, e novas esquivanças,

Que não pode tirar-me as esperanças,

Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!

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Que não temo contrastes nem mudanças,

Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto

Onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto

Um não sei quê, que nasce não sei onde,

Vem não sei como e dói não sei porquê

(CAMÕES apud RODRIGUES, 1993, p. 45).

Tente ler o primeiro verso devagar, como se fosse uma só pa-lavra, e conte quantas pausas existem até a última sílaba tô-nica:

1 | 2 | 3 |4 | 5 | 6 | 7 |8 | 9 |10|

Bus que a mor, no vas ar tes, no vo en ge nho

Você encontrou as dez sílabas poéticas, certo? Repare que a ex-pressão “busque amor”, ao invés das quatro sílabas comuns (bus-que-a--mor), tem na poesia apenas três sílabas. Costuma-se contar as sílabas poéticas como sendo a forma em que são “ouvidos” os versos, por isso a sonoridade é importante em um soneto. Observe também que a última sílaba poética não é contada, porque as sílabas de um verso só são con-tadas até a última sílaba tônica presente na linha.

A ideia do amor cantada por Camões é a que você já conhece dos trovadores e que fora renovada por Dante e por Petrarca: o amor é uma inspiração que engrandece e apura o espírito do amante, e não pode

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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consumar-se, sob pena de se extinguir. O amor deve ser prolongado e não consumado. Tudo isso e muito mais pode ser observado no soneto a seguir:

Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor?

(CAMÕES apud RODRIGUES, 1993, p. 43).

Encontramos o mesmo soneto, disposto de uma forma criativa na internet:

Nesse soneto, você observou uma série de antíteses, as oposições: contentamento x descontente, dor x sem dor. Lem-bre-se sempre que a antítese é a figura principal dos sonetos camonianos, porque revela as contradições inerentes ao ser humano. Este soneto é o mesmo que aparece na ilustração da abertura do item 4.2. Na internet são comuns as apropriações, Figura 26 – Amor é fogo que arde sem se ver – ilus-

tração.

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citações, atualizações, contemporâneas de trechos dos sonetos camonia-nos que são usados para ilustrarem imagens do cotidiano ou imagens amorosas. O clássico sobrevive há meio milênio e migrou para a cultura digital. Esse soneto é retomado por Renato Russo na letra da música Monte Castelo, do grupo Legião Urbana:

Monte Castelo

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua do anjos

Sem amor, eu nada seria...

É só o amor, é só o amor

Que conhece o que é verdade

O amor é bom, não quer o mal

Não sente inveja

Ou se envaidece...

O amor é o fogo

Que arde sem se ver

É ferida que dói

E não se sente

É um contentamento

Descontente

É dor que desatina sem doer...

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor, eu nada seria...

É um não querer

Mais que bem querer

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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É solitário andar

Por entre a gente

É um não contentar-se

De contente

É cuidar que se ganha

Em se perder...

É um estar-se preso

Por vontade

É servir a quem vence

O vencedor

É um ter com quem nos mata

A lealdade

Tão contrário a si

É o mesmo amor...

Estou acordado

E todos dormem, todos dormem

Todos dormem

Agora vejo em parte

Mas então veremos face a face

É só o amor, é só o amor

Que conhece o que é verdade...

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua do anjos

Sem amor, eu nada seria...

(RUSSO, 1989, faixa 2).

Figura 27 – O beijo, de Rodin (1888-1889).

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Renato Russo faz uma genial mistura do soneto camoniano Amor é um fogo que arde sem se ver com o texto do Apóstolo Paulo, retirado do capítulo 13 da Primeira carta aos Coríntios:

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse

caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda

que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda

a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse

os montes, e não tivesse caridade, nada seria. E ainda que distribuísse

toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse

o meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, nada disso

me aproveitaria. A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é in-

vejosa, a caridade não se trata com leviandade, não se ensoberbece,

não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita,

não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;

tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca falha;

mas, havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão;

havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos e, em

parte profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é

em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino,

sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a

ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque, agora, vemos por

espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço

em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido. Agora,

pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a maior

destas é a caridade. (ALMEIDA, 2000, p. 243).

O soneto a seguir revela que o amador pode transformar-se na coi-sa amada, a fusão de quem ama com quem é amado. Camões escreve o soneto baseado no conhecido verso L’amante nell’amato si transforma, do poeta Petrarca:

Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho, logo, mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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Em si somente pode descansar,

Pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e pura semidéia,

Que, como o acidente em seu sujeito,

Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia;

E o vivo e puro amor de que sou feito,

Como a matéria simples, busca a forma

(PETRARCA apud RODRIGUES, 1993, p. 44).

Esse soneto é sempre apontado como exem-plo máximo do platonismo em Camões. De tan-to pensar na amada, o amante se esquece de si, a ponto de transformar-se na própria imagem obsessiva da amada, que o habita tiranicamente. Como consequência, aquele que ama não precisa desejar mais nada, pois na pessoa amada está a parte desejada.

O próximo soneto é uma recriação do episódio do livro de Gênesis 29,9-31. Você poderá ler o texto bíblico que narra como Jacó trabalhou sete anos para seu sogro em troca de se casar com Raquel. Foi enganado por Labão, que na noite de núpcias lhe deu a filha mais velha, Lia. As-sim, Jacó trabalhou mais sete anos, totalizando 14 anos, por amor à sua pastora Raquel, e o soneto celebra a fidelidade e a constância do amor:

Sete anos de pastor Jacob servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

Mas não servia ao pai, servia a ela,

E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,

Passava, contentando-se com vê-la;

Figura 28 - A valsa, de Camille Claudel (1889-95)

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Literatura Portuguesa I

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Porém o pai, usando de cautela,

Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos

Lhe fora assi negada a sua pastora,

Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,

Dizendo: — Mais servira, se não fora

Para tão longo amor tão curta a vida!

(CAMÕES apud RODRIGUES, 1993, p. 17).

Não se esqueça de que o Renascimento também valorizou as tra-dições judaicas e cristãs: o Antigo e o Novo Testamento. Grandes obras do Renascimento enfatizaram a vida de Cristo e episódios bíblicos. O fato de que os renascentistas não acatavam mais a ideologia clerical não quer dizer que não tenham tido religiosidade. A antiguidade grega e latina foi retomada, mas nem por isso a antiguidade bíblica foi rejeitada. Ocorre que os episódios bíblicos em Camões sofreram uma releitura, o que interessava era o amor, o sofrimento, e não o aspecto religioso em si.

O soneto a seguir foi um dos inúmeros dedicados à Dinamene, a chinesa amada por Camões e que morreu em um naufrágio. Aqui o platonismo consiste em ver a mulher amada como um ser que passou a pertencer, com a morte, a um universo mais puro e verdadeiro, não mais rebaixado pelos sentidos e pela matéria deste mundo. O ser amado possui uma verdade a que o amante não pode ter acesso, a formosura suprema só é possível em outra vida, num mundo de ideias:

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Figura 29 – O encontro de Jacó e Raquel, de William Dyce (1853).

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou

(CAMÕES apud RODRIGUES, 1993, p. 17).

O soneto a seguir aborda a questão da efemeridade das coisas e o desconcerto do mundo, ou seja, o contraste entre o mundo tal como de-veria ser e o mundo tal como é, o efeito do tempo que causa mudanças:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E enfim converte em choro o doce canto.Figura 30 – Poema de Camões ilustrado

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E, afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía

(CAMÕES apud RODRIGUES, 1993, p. 31).

A lírica camoniana está marcada por uma visão de mundo dinâ-mica. A natureza e o homem, com seus sentimentos e afetos, estão su-jeitos a mudanças. Essa mudança é a essência das coisas. Para o ho-mem, contudo, parece que as mudanças são sempre para pior e de nada adianta estar prevenido, pois a mudança é imprevisível, uma vez que ela própria muda também. Foi Heráclito, filósofo grego, quem afirmou que nada permanece o que é; tudo muda, tudo entra em contradição com o que era antes. Para ele o mundo não passava de uma eterna guerra de contradições e mudanças. Camões foi influenciado pelas ideias desse filósofo. Para o poeta as mudanças implicam em uma degeneração do mundo, em um desconcerto do mundo. Como você notou no verso final do soneto anterior, até a mudança é instável.

Desde o início deste Capítulo, vimos apontando Camões como um

escritor clássico, e ele efetivamente o é. A maior parte das compo-

sições líricas apresenta, no entanto, uma inquietude, um desequi-

líbrio, uma imperfeição, dúvidas, contradições, perplexidades, um

dinamismo turbulento, um pessimismo que contrasta com a sobrie-

dade clássica. As características clássicas como equilíbrio, perfeição,

otimismo, continuam presentes em alguns sonetos, mas às vezes

sentimos instabilidade, quase uma iminência de ruptura com os pa-

drões clássicos. Essa instabilidade é sugerida pelo tom apaixonado

dos temas e dos sonetos, pelo uso de trocadilhos, paradoxos, antí-

teses, oxímoros, hipérboles, sintaxe sinuosa, tudo isso destoando da

serenidade clássica. Quando isso se verifica é porque Camões adota

um estilo que chamamos Maneirismo. Esse estilo deriva do Classicis-

mo e vigora paralelamente a ele. O estilo Maneirista corresponde à

contradição entre o ideal de equilíbrio e a realidade desequilibrada.

O Maneirismo aponta para uma ideia de crise dentro do Classicismo

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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e marca a crise da fase final do Renascimento, a transição do Re-

nascimento para o Barroco. Alguns historiadores preferem ver o Ma-

neirismo não como uma fase, mas sim como um estilo de arte; seu

início é evidente quando o Renascimento entra em decadência.

A efemeridade das coisas, o desconcerto do mundo, o passar do tempo, o pessimismo, são temas maneiristas. A seguir, mais um soneto de inspiração maneirista:

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,

A força, a arte, a manha, a fortaleza;

O tempo acaba a fama e a riqueza,

O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora

Qualquer ingratidão, qualquer dureza,

Mas não pode acabar minha tristeza,

Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro

E o mais ledo prazer em choro triste;

O tempo, a tempestade em grão bonança;

Mas de abrandar o tempo estou seguro

O peito de diamante, onde consiste

A pena e o prazer desta esperança

(CAMÕES, 1980a, p. 78).

Na lírica maneirista portuguesa, o tema da fuga do tempo e das suas consequências manifesta-se tão reiteradamente nos sonetos camo-nianos que revela uma obsessão por esta temática; a esse respeito suge-rimos consultar a obra Maneirismo e Barroco na poesia lírica portuguesa,

Figura 31 – Ampulheta

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de Vítor M. de Aguiar e Silva. Você pode comparar isso pelos dois so-netos aqui analisados: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e “O tempo acaba o ano, o mês e a hora”, além de dezenas de outros que você encontrará em qualquer boa antologia da lírica do poeta. Outro tema sempre abordado pelo poeta é o pessimismo de quem chega ao final da vida, faz um balanço e vê que errou em tudo:

Erros meus, má fortuna, amor ardente

Em minha perdição se conjuraram;

Os erros e a fortuna sobejaram,

Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente

A grande dor das cousas que passaram,

Que as magoadas iras me ensinaram

A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;

Dei causa [a] que a Fortuna castigasse

As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.

Oh! quem tanto pudesse, que fartasse

Este meu duro Génio de vinganças!

(CAMÕES apud RODRIGUES, 1993, p. 26).

Figura 32 – O pensador, de Rodin (1902).

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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Como você pode ter notado classificar o estilo dos sonetos de Ca-mões não é tarefa fácil. Camões mescla, assimila, transforma as influên-cias que recebe, tentando acomodá-las e expressá-las por meio de seus dramas íntimos, em nada otimistas. Afirmar, portanto que os sonetos camonianos são, em sua maioria, maneiristas é a classificação mais acertada, já que os traços maneiristas revelam os sinais de uma crise, em que o pessimismo e o desencanto começam a minar o otimismo do Renascimento. Sobre este assunto, a terminologia é um pouco delicada, pois é comum os termos clássico, humanista, renascentista, maneiris-ta serem costumeiramente usados, sem muito rigor; talvez por causa da semelhança dos temas tratados, um termo, às vezes, é usado no lugar de outro. A classificação geral é que os sonetos camonianos são clássico-renascentistas, para o conjunto dos sonetos de Camões, e esta não é, afinal, basicamente errada, contudo é um tanto imprecisa. Essa posição é defendida por Antonio Medina Rodrigues (1993, p. 21) em sua obra Sonetos de Camões, de onde retiramos parte do parágrafo anterior.

4.3 Camões: um poeta concretista

Você já deve ter ouvido falar no movimento literário intitulado Concretismo, que surgiu no Brasil em torno de 1950. Genericamente, podemos afirmar que se trata de um movimento que procurava acabar com a distinção entre forma e conteúdo e criar uma nova linguagem que priorizasse o uso de recursos visuais com a disposição geométrica das palavras sobre a página, usando diversas cores e diversos tipos de letras. No Brasil, os principais representantes da chamada Poesia Concreta fo-ram Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari.

Cabe destacar, pois, que Camões foi quase quinhentos anos antes, à sua maneira, um concretista. Quando uma dama chamou o poeta de cara sem olhos, ele respondeu com estes versos galanteadores, no poe-ma intitulado A Uma Dama que lhe Chamou Cara sem Olhos:

Sem olhos vi o mal claro

que dos olhos se seguiu,

pois cara-sem-olhos viu

Sobre a poesia concretis-ta consulte os seguintes sites: http://educaterra.terra.com.br/literatura/litcont/2003/04/22/001.htm e http://www.revista.agulha.nom.br/com.html.

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olhos que lhe custam caro.

De olhos não faço menção,

pois quereis que olhos não sejam;

vendo-vos, olhos sobejam,

não vos vendo, olhos não são

(CAMÕES, 1980a, p. 50).

Bem, a dama o chama de cara sem olhos, provavelmente porque Ca-mões não tinha o olho direito que perdeu em batalha, no ano de 1549, numa escaramuça contra os Mouros, em Ceuta. Observe como o poeta arranja/diagramatiza cuidadosamente a palavra olhos, deslocando-a da direita para a esquerda, de tal forma que obriga o leitor a mover os seus olhos acompanhando visualmente o deslocamento da palavra olhos. Está querendo responder ao desafio da desaforada dama, mostrando o movimento do olhar, que os olhos sobejam. O crítico Antônio José Sarai-va denomina esse estilo de composição como estilo engenhoso, ou seja, um virtuosismo visual, preterindo a imagem sensorial, que caracteriza a maioria dos sonetos de Camões, pelo aspecto geométrico da compo-sição, o brincar com as palavras, a utilização da palavra como um objeto carregado de virtualidade.

Observemos agora outro soneto, em que o poeta se preocupa em distribuir as palavras, pensando nas múltiplas possibilidades de leitura. Primeiramente vamos ler o soneto como ele se apresenta:

- Que esperais, Esperança? - Desespero.

- Quem disso a causa foi? - Uma mudança.

- Vós, vida, como estais? - Sem esperança.

- Que dizeis, coração? - Que muito quero.

- Que sentis, alma, vós? - Que amor é fero.

- E enfim, como viveis? - Sem confiança.

- Quem vos sustenta, logo?- Uma lembrança.

- E só nela esperais?- Só nela espero.

- Em que podeis parar? - Nisto em que estou.

Figura 33 – Olhos

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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- E em que estais vós? - Em acabar a vida.

- E tende-lo por bem?- Amor o quer.

- Quem vos obriga assim? - Saber que sou.

- E quem sois?- Quem de todo está rendida.

- A quem rendida estais? - A um só querer

(CAMÕES, 1980a, p. 79).

Em um primeiro e rápido exame, notamos que se trata de um sone-to, com dois quartetos e dois tercetos, versos decassílabos. No entanto, se aprofundarmos nossa análise, constataremos que se trata de um soneto diferente dos demais, porque possui um diálogo. Alguém pergunta: Que esperais, Esperança? E outra pessoa responde: Desespero. O virtuosismo visual da poesia concreta pode ser observado nas diversas maneiras que podemos ler o soneto. Vamos para a primeira possibilidade:

- Que esperais, Esperança? - Desespero.

- Quem disso a causa foi? - Uma mudança.

- Vós, vida, como estais? - Sem esperança.

- Que dizeis, coração? - Que muito quero.

- Que sentis, alma, vós? - Que amor é fero.

- E enfim, como viveis? - Sem confiança.

- Quem vos sustenta, logo? - Uma lembrança.

- E só nela esperais? - Só nela espero.

- Em que podeis parar? - Nisto em que estou.

- E em que estais vós? - Em acabar a vida.

- E tende-lo por bem? - Amor o quer.

- Quem vos obriga assim? - Saber que sou.

- E quem sois? - Quem de todo está rendida.

- A quem rendida estais? - A um só querer

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A primeira possibilidade de leitura é essa. Você pode ler toda a pri-meira parte em destaque como uma poesia separada da segunda parte que, mesmo assim, ela fará sentido, e então você terá um poema só de perguntas. E pode ler só a segunda parte, como um poema independente, que também fará sentido, um poema só de respostas. A outra possibilidade de leitura é fazer um cruzamento alternado das perguntas com respostas de outra linha:

- Que esperais, Esperança? - Desespero.

- Quem disso a causa foi? - Uma mudança.

- Vós, vida, como estais? - Sem esperança.

- Que dizeis, coração? - Que muito quero.

- Que sentis, alma, vós? - Que amor é fero.

- E enfim, como viveis? - Sem confiança.

- Quem vos sustenta, logo? - Uma lembrança.

- E só nela esperais? - Só nela espero.

- Em que podeis parar? - Nisto em que estou.

- E em que estais vós? - Em acabar a vida.

- E tende-lo por bem? - Amor o quer.

- Quem vos obriga assim? - Saber que sou.

- E quem sois? - Quem de todo está rendida.

- A quem rendida estais? - A um só querer.

Às perguntas em azul, responda com as respostas em azul. Às per-guntas em preto, responda com as respostas em preto e assim sucessiva-mente. Eis aí a riqueza, o virtuosismo visual e a genialidade de Camões, que compôs um soneto concretista, sem sequer imaginar que muitos séculos depois alguém assim o definiria.

Os principais temas da lírica camoniana e que revelam a densi-dade da poesia de Camões, a sua mundividência ou cosmovisão são: constante reflexão sobre a vida humana, a análise do contraditório

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Capítulo 04A Lírica de Camões

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sentimento chamado Amor, o amor platônico, o sofrimento amoro-so, a contradição entre o amor carnal e imperfeito e o perfeito amor espiritual, a chegada da velhice e da morte, fingimento e realidade, dor e delicadeza ou saudosismo, visão idealizada da mulher, o ardor erótico, a passagem do tempo e as mudanças provocadas em razão disso, o pessimismo, a instabilidade do amor, os erros e a condição de todo ser humano, a angustiada reflexão sobre os desencontrados sentimentos humanos e o chamado desconcerto do mundo, na busca incessante por um significado para a existência do homem, esse bicho de terra tão pequeno. O poeta utiliza, em seus sonetos, diversas figuras de linguagem, como o paradoxo, a antítese, o hipérbato etc. Um capítu-lo é pouco para Camões; analisaremos, por isso, alguns episódios d’Os Lusíadas no próximo capítulo.

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Capítulo 05Os Lusíadas

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5 Os Lusíadas Agora que você já entrou em contato com os sonetos de Camões,

chegou o momento de conhecer um pouco sobre Os Lusíadas, obra poé-tica escrita por Camões que é considerada a epopeia portuguesa por ex-celência. Provavelmente concluída em 1556, foi publicada pela primeira vez em 1572, no período literário chamado Classicismo, três anos após o seu regresso do Oriente Reiteremos que Camões é frequentemente considerado o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores da Humanidade. Das suas obras, a epopeia Os Lusíadas é das mais significativas.

5.1 Epopeia

Você já deve ter ouvido falar na palavra Epopeia. Um poema épico, ou Epopeia, é um poema que rela-ta uma série de feitos heroicos em forma narrativa e é extenso. Pode relatar fatos históricos, de um ou de vários indivíduos, ou mesmo de uma nação. Os fatos narrados podem ser reais, lendários ou baseados na mitologia. A Epopeia eterniza lendas seculares e tradições ancestrais, pre-servadas ao longo dos tempos pela tradição oral ou escritas. Os primeiros grandes modelos ocidentais de epopeia são os poemas homéricos Ilíada e Odisseia, os quais têm a sua origem nas lendas sobre a Guerra de Troia.

A Ilíada e a Odisseia são atribuídas ao poeta Homero, que viveu por volta do século VIII a.C. na Jônia (lugar que hoje é uma região da Turquia) e constituem os mais antigos documentos literários gregos (e ocidentais) que chegaram aos nossos dias. A epopeia pertence ao gênero épico, mas embora tenha fundamentos históricos, não representa os acontecimentos com fidelidade, geralmente apre-sentando uma mescla entre fatos históricos e fic-ção, revestindo os acontecimentos relatados com conceitos morais e atos exemplares que funcionam como modelos de comportamento.

No Ambiente Virtual de Aprendizagem, você encontra, para consultar, o contexto histórico do Classicismo e também a biografia de Camões, que vale outra epopeia..

Figura 34 – Mapa que mostra a rota de Vasco da Gama narrada n’ Os Lusíadas.

Figura 35 - Reprodução atual de como deve ter sido construído o Cavalo de Troia, que foi usada nas cenas do filme Troia (2004).

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Os Lusíadas é considerada a principal epopeia da época moderna em virtude de sua grandeza e universalidade. As realizações de Portu-gal, desde o Infante D. Henrique até a união dinástica com a Espanha, em 1580, são um marco na História, contrastando a transição da Idade Média para a Época Moderna.

A epopeia narra a história de Vasco da Gama e dos heróis portu-gueses que navegaram em torno do Cabo da Boa Esperança e abriram uma nova rota para a Índia. É uma epopeia humanista, mesmo nas suas contradições, na associação da mitologia pagã à visão cristã, nos senti-mentos opostos sobre a guerra e o império, no gosto do repouso e no desejo de aventura, na apreciação do prazer e nas exigências de uma visão heroica.

5.2 Os Lusíadas: estrutura

Nas considerações que faremos a seguir, partimos do pressuposto que você está lendo Os Lusíadas. Realize a sua epopeia particular, en-frente o desafio e leia o livro para acompanhar nossa análise. Procure, de preferência, uma edição comentada.

A obra é composta de dez cantos, 1.102 estrofes que são oitavas em formato decassílabo, sujeitas ao esquema fixo de rimas AB AB AB CC – oitava de rima camoniana. A estrutura externa refere-se à análise formal do poema: número de estrofes, número de versos por estrofe, número de sílabas métricas, tipos de rimas, ritmo, figuras de estilo etc. A seguir, alguns esclarecimentos importantes:

Ӳ Os Lusíadas são constituídos por dez partes, liricamente chamadas

de cantos;

Ӳ Cada canto possui um número variável de estrofes (em média,

110);

Ӳ Cada verso é constituído por dez sílabas métricas (decassilábico),

na sua maioria heroicas (acentuadas nas sextas e décimas sílabas).

Ӳ As estrofes são oitavas, tendo, portanto, oito versos; a rima é cru-

zada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos (AB

AB AB CC). Segue um exemplo para você conferir o tipo de rima:

Sugerimos a seguinte edição que contém notas

e comentários: CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Org.

Emanuel Paulo Ramos. Porto, Portugal: Porto Edi-

tora, 1986.

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Capítulo 05Os Lusíadas

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As armas e os barões assinalados AQue, da ocidental praia lusitana, BPor mares nunca dantes navegados APassaram ainda além da Taprobana, BEm perigos e guerras esforçados, AMais do que prometia a força humana, BE entre gente remota edificaram CNovo reino, que tanto sublimaram C

(CAMÕES, 1980b).

Sendo Os Lusíadas um texto renascentista, não poderia deixar de seguir a estética grega que dava particular importância ao número de ouro. Assim, o clímax da narrativa (a chegada à Índia) foi colocado no ponto que divide a obra na proporção áurea (início do Canto VII).

A estrutura interna diz respeito ao conteúdo do texto. Essa obra mostra ser uma epopeia clássica ao dividir-se em quatro partes:

Ӳ Proposição: introdução, apresentação do assunto e dos heróis (es-

trofes 1 a 3 do Canto I);

Ӳ Invocação: o poeta invoca as ninfas do Tejo e pede-lhes a inspiração para escrever (estrofes 4 e 5 do Canto I);

Ӳ Dedicatória: o poeta dedica a obra ao rei D. Sebastião (estrofes 6

a 18 do Canto I); e

Ӳ Narração: a narrativa da viagem, que parte do meio da ação para

voltar atrás no tempo e explicar o que aconteceu até o momen-

to da viagem de Vasco de Gama e da história de Portugal. Depois

prossegue na linha temporal. Por fim, há um epílogo a concluir a obra (estrofes 145 a 156 do Canto X).

Os planos temáticos da obra são:

Ӳ Plano da Viagem: trata sobre a viagem da descoberta do caminho

marítimo para a Índia de Vasco da Gama e dos seus marinheiros;

Ӳ Plano da História de Portugal: são relatados episódios da história

dos portugueses;

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Ӳ Plano do Poeta: Camões refere-se a si mesmo enquanto poeta ad-

mirador do povo e dos heróis portugueses; e

Ӳ Plano da Mitologia: são descritas as influências e as intervenções

dos deuses da mitologia greco-romana na ação dos heróis.

Ao longo da narração nos deparamos com vários tipos de episó-dios: bélicos, mitológicos, históricos, simbólicos, líricos e naturalistas. O poema épico é o canto da construção de uma nação com a ajuda de Deus ou dos deuses. Os Lusíadas é uma epopeia moderna, em que o maravilhoso não passa de um artifício necessário, mas só literário. A fé única no Deus cristão é defendida por toda a obra.

Não se pode pensar em heresia porque não fazia sentido, em tempos de Contrarreforma, acreditar nos deuses do panteão greco-romano, e a prova é a não censura dos inquisidores aos “Deoses dos Gentios”. No episódio da “Máquina do Mundo” (estrofe 82 do Canto X), é o próprio personagem da deusa Tétis que afirma: “eu, Saturno e Jano, Júpiter, Juno, fomos fabulosos, Fingidos de mortal e cego enga-no. Só pera fazer versos deleitosos Servimos”. Apesar de terem corta-do excertos da obra nas suas primeiras edições, o parecer do censor do Santo Ofício, na edição de 1572, declara que percebeu que esse recurso dos deuses “não pretende mais que ornar o estilo Poético”. “Por isso”, continua, “não tivémos por inconveniente ir esta fábula dos Deoses na obra”, mas não resiste a acrescentar “ficando sempre salva a verdade de nossa sancta fé, que todos os Deoses dos Gentios são Demónios”.

A presença desses deuses, todavia, ocupa um lugar de muito rele-vo no poema. São as suas intrigas que ligam os episódios dispersos da epopeia e as suas intervenções deus ex machina que emprestam lógica a acontecimentos inesperados da viagem, relatados na narrativa.

5.3 Temas

Nesta seção, tratamos dos temas que subjazem à narrativa de Os Lusíadas.

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Capítulo 05Os Lusíadas

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5.3.1 O herói

Como o título indica, o herói desta epo-peia é coletivo, Os Lusíadas, ou os filhos de Luso, os portugueses. Nas estrofes iniciais do discurso de Júpiter no Concílio dos deuses olímpicos, que abre a parte narrativa, surge a orientação do autor.

O rei dos deuses afirma que desde Vi-riato e Sertório, o destino (fado) dos valen-tes portugueses (forte gente de Luso) é reali-zar feitos tão gloriosos que façam esquecer os dos impérios anteriores (Assírios, Persas, Gregos e Romanos).

O desenrolar da sua história prova isso, pois além de ser marcada pelas sucessivas e vitoriosas lutas contra mouros e castelhanos, mostra como um país tão pequeno descobre novos mundos e impõe a sua lei para outras nações.

Padre Vieira em seu “Sermão de Santo Antônio”, que você lerá no próximo capítulo, assim resume o papel e a importância de Portugal:

É verdade que Portugal era um cantinho, ou um canteirinho da Europa,

mas neste cantinho de terra pura e mimosa de Deus: Fide purum, et pie-tate dilectum, nesse cantinho quis o céu depositar a fé que dali se havia

de derivar a todas estas vastíssimas terras, introduzida com tanto valor,

cultivada com tanto trabalho, regada com tanto sangue, recolhida com

tantos suores, e metida finalmente nos seleiros da Igreja, debaixo das

chaves de Pedro, com tanta glória. Medindo-se Portugal consigo mesmo,

e, reconhecendo-se tão pequeno à vista de uma empresa tão imensa,

poderá dizer o que disse Jeremias, quando Deus o escolheu para profe-

ta das gentes: Et prophetam in gentibus dedi te. E que disse Jeremias? Et

dixit: A, A, A, Domine Deus, quia puer ego sum (Jer. I, 6): Ah! Ah! Ah! Deus

meu, onde me mandais, que sou muito pequeno para tamanha empre-

sa. – O mesmo pudera dizer Portugal. Mas tirando-lhe Deus da boca estes três AAA, ao primeiro A, escreveu África, ao segun do A escre-veu Ásia, ao terceiro A escreveu América, sujeitando todas três a seu império, como Senhor, e à sua doutrina, como luz: Vos estis lux mundi. (VIEIRA, 1640, grifos nossos).

Figura 36 – Azulejo português que representa cena do Adamastor n’ Os Lusíadas.

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Portugal, o canteirinho do mundo, transforma-se, segundo Vieira, no Quinto Império Universal, mais importante que Babilônia, Medo e Persas, Grécia e Roma, tendo alcançado os três A: África, Ásia e América.

No final do poema surge o episódio da Ilha dos Amores, recom-pensa ficcional da gloriosa caminhada portuguesa através dos tempos. E é confirmado o receio de Baco de que as suas façanhas de conquista sejam ultrapassadas pelas conquistas e glórias dos portugueses.

Camões dedicou sua obra-prima ao rei D. Sebastião de Portugal. Os feitos inéditos dos descobrimentos portugueses e a chegada ao “novo reino que tanto sublimaram” no Oriente foram sem dúvida os estímulos determinantes para a tarefa, desde há muito ambicionada, de redigir o épico português.

Havia um ambiente de orgulho e ousadia no povo português. Nave-

gadores e capitães eram heróis recentes da pequena nação, homens

capazes de extraordinárias façanhas, como o Castro forte (o vice-rei

D. João de Castro), falecido poucos anos antes de o poeta aportar na

Índia. E principalmente Vasco da Gama, a quem se devia o desco-

brimento da rota para o Oriente em uma viagem difícil e com pou-

cas probabilidades de êxito, e que vencera inúmeras batalhas contra

reinos muçulmanos em terras hostis aos cristãos. Essa viagem épica

foi por isso usada como história central da obra, à volta da qual vão

sendo contados episódios da história de Portugal.

5.3.2 A cruzada contra os mouros

O poema pode ser lido em perspectiva que já era antiga, mas fatos recentes acrescentaram outra atualidade, como por exemplo, a cruzada contra os mouros. As lutas no Oriente seriam a continuação das que já se haviam travado em Portugal e no Norte de África, dominando ou abatendo o poder do Islã.

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Capítulo 05Os Lusíadas

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O próprio “movimento” dos descobrimentos surgiu na lógica de

combate ao poderoso Império Otomano que ameaçava a Europa

cristã, esta incapaz de vencer o inimigo em guerra aberta. O objeti-

vo era fazer uma concorrência comercial aos muçulmanos, ao mes-

mo tempo ganhando proveitos e debilitando a economia dos rivais,

mas também se ambicionava encontrar aliados dos europeus nas

novas terras, e poderiam ser eles mesmos cristãos, ou passíveis de

conversão.

Em 1571, a aparente invencibilidade do sultanato turco tinha sido desmentida na batalha de Lepanto. Sentia-se que os otomanos afinal não detinham a supremacia no Mediterrâneo. E o comandante das for-ças cristãs era D. João de Áustria, filho bastardo do imperador Carlos V, o avô de D. Sebastião. Foi nesse contexto de exaltação que o poeta terá contribuído para incitar o jovem rei português a partir em conquista para a África, com os desastrosos efeitos que após esse ato se seguiram.

5.4 Os narradores e os seus discursos

Cada um dos tipos de discurso nesse poema evidencia particulari-dades estilísticas concretas. Dependendo do assunto que trata, o estilo pode ser heroico e exaltado, empolgante, lamentoso e melancólico, hu-morístico ou admirador.

Os Lusíadas é uma obra narrativa, mas os seus narradores são qua-se sempre oradores que fazem discursos grandiloquentes: o narrador principal, Camões, que abre em grande estilo e retoma a palavra em várias ocasiões; Vasco da Gama, reconhecido como facundo capitão (eloquente); Júpiter, que também toma a palavra em diversas ocasiões; Paulo da Gama (Canto VIII); o Velho do Restelo (Canto IV); Tétis, a Sirena que profetiza ao som de música (Canto X) etc.

Na Invocação, quando o poeta pede às Tágides “um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente”, por oposição ao estilo da poesia lírica, de verso humilde, está certamente pensando nesse tom em-

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polgante da oratória. Um tom assemelhado à “tuba canora e belicosa” (trompa de guerra) e não à “agreste avena ou frauta ruda” (flauta do pastor), que seja digno dos “feitos da famosa Gente vossa” (célebre gente do Tejo, os portugueses).

Devemos atentar para as excelentes descrições, como as dos palá-cios de Netuno e do Samorim de Calicute, a do lugar aprazível, ameno da Ilha dos Amores (Canto IX), a do jantar no palácio de Tétis (Canto X) e a do traje do Gama (final do Canto II), entre outras. Por vezes, es-sas descrições são feitas ao modo de uma passagem de slides: as coisas descritas estão ali e há alguém que as mostra. Por exemplo, o começo geográfico do discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde (Canto III, estrofes 6 a 20), certas esculturas dos palácios de Netuno e do Samorim, o discurso de Paulo da Gama ao Catual (Canto VIII, estrofes 26 a 44), A Máquina do Mundo (Canto X, estrofes 77 a 144).

Exemplos de descrições dinâmicas são a da batalha da ilha de Mo-çambique (Canto I, estrofes 84 a 92), as das batalhas de Ourique (Canto III, estrofes 42 a 54) e Aljubarrota (Canto IV, estrofes 26 a 44), a da tem-pestade (Canto VI, estrofes 1 a 42). Camões é mestre nessas descrições, marcadas pelos verbos de movimento, pela abundância de sensações visuais e acústicas e por expressivas aliterações.

Há n’Os Lusíadas vários momentos líricos. Os textos em que se concretizam são no geral narrativo-descritivos. É o caso da parte inicial do episódio da linda Inês (Canto III, estrofes 120 a 135), da parte final do episódio do Adamastor (Canto V, estrofes 37 a 60), do encontro na Ilha dos Amores (Canto IX). Em todos esses casos o estilo é muito asse-melhado à écloga.

São muitas as ocasiões em que o poeta assume um tom de lamen-to: a última estrofe do Canto I, parte do discurso do Velho do Restelo (Canto IV, estrofes 94 a 104), o início e final do Canto VII e partes da Profecia da sereia fazem lembrar outros lamentos da lírica.

A fé e os apelos a Deus têm uma presença forte na obra. Por várias vezes, em momentos difíceis, Vasco da Gama irrompe em oração: em Mombaça (Canto II), na aparição do Adamastor, no meio do terror da

Sugerimos que você reto-me os conceitos de figuras de linguagem em: <http://

www.filologia.org.br/viii-senefil/03.html>.

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Capítulo 05Os Lusíadas

97

tempestade etc. As invocações do poeta às Tágides, à Calíope (Canto III, estrofes 1 e 2 e Canto X, estrofe 8), às ninfas do Tejo e do Mondego (Canto VII), em termos tipológicos, são também orações.

5.5 Episódios

Os Lusíadas trazem diversos episódios, como você pode constatar no quadro abaixo:

Episódios d’Os Lusíadas

EPISÓDIOS MITOLÓGICOS - Concílio dos Deuses no Olimpo - Concílio dos Deuses Marinhos

EPISÓDIO CAVALHEIRESCO - Os Doze de Inglaterra

EPISÓDIOS BÉLICOS

- Batalha de Ourique- Batalha do Salado- Batalha de Aljubarrota

EPISÓDIOS LÍRICOS

- A Fermosíssima Maria- Morte de Inês de Castro- Despedida do Restelo

EPISÓDIOS NATURALISTAS

- Fogo de Santelmo e Tromba Marítima- Escorbuto- Tempestade

EPISÓDIOS SIMBÓLICOS

- Velho do Restelo- Adamastor- Ilha dos Amores

5.6 Os Lusíadas: cantos épicos

Você deve ler todo o poema Os Lusíadas, uma vez que é impossível reproduzi-lo aqui na íntegra e resumir seus cantos seria uma tarefa her-cúlea e – por que não dizer - mutiladora da riqueza da obra. Você, como aluno de Letras e futuro professor de Letras, tem a obrigação de ler Os Lusíadas na íntegra. O site <http://fredbar.sites.uol.com.br/camoepi.html> traz diversas interpretações e explicações sobre cada canto d’Os Lusíadas e será de grande utilidade para esclarecer as dúvidas. A seguir apresentamos algumas ilustrações e trechos d’Os Lusíadas:

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Ӳ Canto I – Proposição, Invocação e Dedicatória

1

As armas e os barões assinalados

Que da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca dantes navegados

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

2

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando,

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando

Cantando espalharei por toda a parte

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

No belo episódio do Concílio dos deuses, Camões destaca o va-lor dos portugueses, relatando-nos um episódio mitológico, no qual os deuses do Olimpo reúnem-se em “concílio glorioso” para decidir sobre o destino dos portugueses no Oriente:

20

Quando os Deuses no Olimpo luminoso,

Onde o governo está da humana gente,

Se ajuntam em concílio glorioso

Sobre as cousas futuras do Oriente.

Pisando o cristalino Céu formoso,

Vêm pela Via-Láctea juntamente,

Convocados da parte do Tonante,

Pelo neto gentil do velho Atlante.

21

Deixam dos sete Céus o regimento,

Que do poder mais alto lhe foi dado,

Figura 37 – Vasco da Gama

Figura 38 – Baco, inimigo dos portugueses

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Capítulo 05Os Lusíadas

99

Alto poder, que só co’o pensamento

Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado.

Ali se acharam juntos num momento

Os que habitam o Arcturo congelado,

E os que o Austro tem, e as partes onde

A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.

22 (Júpiter)

Estava o Padre ali sublime e dino,

Que vibra os feros raios de Vulcano,

Num assento de estrelas cristalino,

Com gesto alto, severo e soberano.

Do rosto respirava um ar divino,

Que divino tornara um corpo humano;

Com uma coroa e ceptro rutilante, [...]

Ӳ Canto III - Inês de Castro

Este episódio é considerado um dois mais líricos de Os Lusíadas. Observe que dentro de um poema épico encontramos diversos episó-dios líricos, como a paixão avassaladora do gigante Adamastor e o amor de Inês de Castro com Dom Pedro, que podem ser considerados o Ro-meu e a Julieta da literatura portuguesa. Em seguida algumas informa-ções que facilitarão a compreensão deste episódio:

Ainda no decurso do reinado de D. Afonso IV, Luís de Camões [no re-

lato feito por Vasco da Gama ao rei de Melinde] apresenta a morte de

Inês de Castro, um dos episódios líricos d’Os Lusíadas. O rei D. Afonso

IV, cedendo às pressões dos seus conselheiros que invocam razões de

Estado, consente na morte da aia de D. Constança por quem o príncipe

herdeiro do trono português se apaixonara. Inês de Castro pertencia a

uma família galega influente e ambiciosa, o que fazia o povo português

temer pela possível perda da independência. Aproveitando a ausência

do filho, D. Afonso IV dirigiu-se com as suas tropas a Coimbra com o

objetivo de executar Inês. Apesar das suas súplicas, implorando mise-

ricórdia em atenção principalmente aos seus filhos, netos do rei, que

ficariam órfãos e desamparados, D. Inês foi cruelmente degolada, como

consta do testemunho documental, Chronicon Conimbrigence. Luís de

Camões fundamenta-se parcialmente na realidade histórica, ao contar

este trágico acontecimento. Todo o seu episódio está ornamentado de

ficções românticas, próprias da veia poética, que contribuíram atrativa-

mente para a perpetuação da imagem de Inês transformada em mártir,

Figura 39 – O Concílio dos Deuses, afresco de Luigi Sabatelli (1819-25), na Galeria Palatina (Palazzo Pitti), Florença, Itália.

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surgindo o Amor como o verdadeiro res-

ponsável pelo triste desenlace. Inês de Cas-

tro, segundo Adrien Roig, é a personagem

mais bela e a mais comovente d’Os Lusíadas,

pois Luís de Camões, artisticamente, dotou

esta figura de uma sensibilidade portugue-

sa, realçando, como traços dominantes da

sua personalidade, o amor, a piedade e a

saudade. A intemporal beleza do episódio

inesiano conduziu ao conhecimento uni-

versal da sua protagonista e à conseqüente

glorificação do respectivo autor [...]. (LAMAS,

2006, p. 68-70).

118

Passada esta tão próspera vitória,

Tornado Afonso à Lusitana Terra,

A se lograr da paz com tanta glória

Quanta soube ganhar na dura guerra,

O caso triste e dino da memória,

Que do sepulcro os homens desenterra,

Aconteceu da mísera e mesquinha

Que depois de ser morta foi Rainha.

119

Tu, só tu, puro amor, com força crua,

Que os corações humanos tanto obriga,

Deste causa à molesta morte sua,

Como se fora pérfida inimiga.

Se dizem, fero Amor, que a sede tua

Nem com lágrimas tristes se mitiga,

É porque queres, áspero e tirano,

Tuas aras banhar em sangue humano.

120

Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruito,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

Figura 41 – Morte de Inês, de Columbano Bordalo Pinheiro (1901-1904). Morte por encomenda: abraçada à filha, Inês pede clemên-cia a seus algozes, aliados do rei.

Figura 40 – Túmulo de Inês de Castro

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Capítulo 05Os Lusíadas

101

De teus fermosos olhos nunca enxuito,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas.

Ӳ Canto IV: O Velho do Restelo

Quando estão se despedindo das famílias na praia, os navegadores são surpreendidos pelas palavras de um velho que estava entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo, que representa a contestação da época con-tra as aventuras dos descobrimentos. Havia quem pensasse que era puro orgulho e simplesmente suicídio tentar esses projetos de navegar para par-tes longínquas do mundo; uma perda de recursos e homens, que fariam falta na luta contra os inimigos mouros ou para a defesa do reino contra uma eventual invasão castelhana. O que o Velho de Restelo profetiza é que a glória, a cobiça, a fama, as mortes causadas pelas conquistas e navegações não levariam Portugal a lugar algum. No que concerne a essa questão, Sa-raiva (2001, p. 58) comenta que Camões,

[...] num episódio enigmático, o do Velho do Restelo, atribui à “glória de

mandar” e “à vã cobiça” o impulso que move o Gama e seus companheiros.

Neste episódio resume alguns

lugares-comuns dos humanistas

e afirma a sua independência e

reserva em relação aos feitos épi-

cos de que se faz cantor. Noutros

passos, dentro do mesmo espí-

rito, insiste na superioridade das

letras sobre as armas.

94

Mas um velho, de aspecto

venerando,

Que ficava nas praias, entre a

gente,

Postos em nós os olhos,

meneando

Três vezes a cabeça, descontente,

A voz pesada um pouco alevantando,

Figura 42 – Velho do Restelo

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Literatura Portuguesa I

102

Que nós no mar ouvimos claramente,

C’um saber só de experiências feito,

Tais palavras tirou do experto peito:

95

“Ó glória de mandar! Ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

Ó fraudulento gosto, que se atiça

C’uma aura popular, que honra se chama!

Que castigo tamanho e que justiça

Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas,

Que crueldades neles experimentas!

96

- “Dura inquietação d’alma e da vida,

Fonte de desamparos e adultérios,

Sagaz consumidora conhecida

De fazendas, de reinos e de impérios:

Chamam-te ilustre, chamam-te subida,

Sendo dina de infames vitupérios;

Chamam-te Fama e Glória soberana,

Nomes com quem se o povo néscio engana!

97

A que novos desastres determinas

De levar estes reinos e esta gente?

Que perigos, que mortes lhe destinas

Debaixo dalgum nome preminente?

Que promessas de reinos, e de minas

D’ouro, que lhe farás tão facilmente?

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Capítulo 05Os Lusíadas

103

Que famas lhe prometerás? Que histórias?

Que triunfos, que palmas, que vitórias?

(Os Lusíadas, Canto IV, 94-97)

Ӳ Cantos IX e X – A Ilha dos Amores

Vendo agora a frota em segurança no seu regresso a Portugal, Vênus pede a ajuda do seu filho Cupido para juntar os amores e ferir as Nerei-das com as flechas do amor. Com as ninfas e Tétis sob essa influência, coloca uma ilha mística na rota dos portugueses e a ela traz os amantes.

Comumente atribui-se ao episódio da Ilha dos Amores as seguintes implicações:

Ӳ Cenário onde decorre o encontro amoroso, com os seus chãos maciamente relvados, águas límpidas, arvoredos frondosos e lago. É um cenário paradisíaco;

Ӳ O amor que experimentam é de paixão: imediato, arrebatado e carnal;

Ӳ Se os amores mal sucedidos de Adamastor deixam entrever o caso real do próprio Camões, Leonardo aqui representa a con-sumação do seu sonho.

Vasco da Gama é acompanhado por Tétis até um magnífico palá-cio de cristal e ouro, enquanto os restantes marinheiros e as suas com-panheiras ficam nas praias e nos bosques.

Figura 43 – Vênus e a Ilha dos Amores

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Literatura Portuguesa I

104

“Fica-nos assentado que, ao estabelecermos os dois planos de

significação de Os Lusíadas – o plano da realidade e o plano da

alegoria, considerando-se neste último um possível plano cós-

mico e metafísico, Camões ocultou, cuidadosamente, a localiza-

ção geográfica da ilha. A impossibilidade de uma real e completa

consideração de qualquer ilha material, reside no fato de que a

ilha é um topos da literatura européia, uma paisagem idealizada,

que o poeta, com o seu inestimável saber científico e seu alto

grau de genialidade, conseguiu desenvolver em seus leitores,

um ponto imaginário, num século de utopias, conforme as de-

cisivas palavras de Jorge de Sena, ao considerá-la uma ‘catarse

total, não apenas de todos os recalcamentos, mas das misérias

da própria história e das misérias da vida no tempo de Camões

e fora dele’

A escolha da ilha, lugar isolado e distante da agitação do mun-

do é, historicamente, o pólo de atração mítica do povo portu-

guês, que descobriu ilhas avulsas, inseridas mais tarde em vastos

continentes. O homem, criado para usufruir da sua beleza, no

texto camoniano, tornou-se um elemento integrante, à procura

da cura do corpo e não da alma, quando conduzido àquele lo-

cal privilegiado, criação de Vênus, que por sua vez também fora

criada pela linguagem do poeta, numa suprema união da lingua-

gem poética e de Eros.

Lembremos que na Renascença, a vida é plena. Para os homens

lutadores e trabalhadores, o amor e o deleite dos sentidos não

deveriam ser um exercício da imaginação, um delírio mórbido

como na Idade Média, mas um exercício forte e são da vontade,

da razão e dos membros. Ao conhecermos essa ilha, com seus

traços de extrema beleza, concluímos que esse cantar confir-

ma-se no gênio camoniano, num panteísmo idealista. Desde

a Antigüidade Clássica, a existência de ilhas como símbolo de

paraíso e de descanso já era conhecida. Denominadas ‘ilhas dos

bem-aventurados’ ou ‘ilhas felizes’, identificam-se com a Ilha dos

Amores descrita por Camões, também localizadas num oceano

ocidental, numa geografia mítica (Canto IX, estâncias 54-63).

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Capítulo 05Os Lusíadas

105

Igualavam-se aos países de felicidade, normalmente inalcançá-

veis e se conceberam como símbolos de uma espécie de paraíso.

Dois planos de significação podem ser admitidos na leitura des-

sas estâncias: o plano da realidade e o plano da alegoria. No pri-

meiro, está o paraíso camoniano, um cenário idílico composto

de árvores frondosas, águas cristalinas, flores silvestres e animais

que por si só vivem em perfeita harmonia. O homem está ausen-

te e não faz falta; sem ele, a Criação é completa e há um sopro

de vida que tudo anima. No segundo, o jogo de desvendar o

que antes foi velado, faz um apelo à imaginação erótica do leitor.

O cenário é um eterno convite ao descanso, onde os tons dife-

rentes de verde, pincelado com o colorido alegre das laranjas e

limões maduros que se identificam com o corpo e os cabelos

de Dafne, lembram a sensualidade dos seios de uma virgem e

remetem-nos às ilhas felizes, esquecidas no Oceano, local onde

antigos guerreiros entregavam-se ao gozo do descanso, isolados

da civilização.

O homem, quando surge nessa paisagem incomum, não é ab-

sorvido no grande seio da mãe-natureza, tal como as árvores, as

águas, as flores, os frutos e os animais. O panteísmo idealista de

Camões, embora fértil e fecundo, não estabelece a fusão do ho-

mem com a natureza, mas atribui-lhe a força da consciência. Ape-

nas completa a cena, sem artifícios, iluminando-a, naturalmente.

O mesmo se dá com as ninfas, ao saírem das águas como flores

que nascem de um botão – verdadeiras criações fantásticas. Os

navegantes portugueses, bravos heróis guerreiros, ao desembar-

carem na ilha, recebem o prêmio, como os bem-aventurados de

Homero, alcançando a condição de vida feliz – a recompensa – a

vida plena, o gozo, o amor sensual e o deleite dos sentidos, clara-

mente expressos nas estâncias 64 a 72, do Canto IX.

Essa paisagem edênica, tão discutida, leva-nos a refletir sobre um

espaço idealizado, próprio das sociedades humanas que imagi-

naram a existência no passado e no futuro, de épocas muito feli-

zes ou catastróficas, inserindo-as numa série de idades, denomi-

nadas “míticas” pelos historiadores.

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Literatura Portuguesa I

106

Esse estudo constitui uma abordagem nas concepções do tem-

po, da história e das sociedades ideais. A maior parte das reli-

giões concebe uma idade mítica feliz, quase perfeita, no início

do universo; a época primitiva é imaginada como uma Idade do

Ouro, compreendida por uma série de períodos, desde a Anti-

güidade Clássica. Há registros nos textos literários de escritores

como Hesíodo (Os trabalhos e os dias, século VII a.C), Ovídio (

Metamorfoses, livros I e XV), Virgílio (Écloga IV), havendo em to-

dos eles, implicitamente, a idéia de utopia.

No Renascimento, a periodização da História encaminha-se para

a idéia de progresso. A tradição clássica é revivida pela literatu-

ra produzida na época. O tema da Idade do Ouro é retomado,

mas sofre alterações. Marsílio Ficino, representante máximo do

neoplatonismo florentino, posicionando-se a esse respeito, afir-

mou em 1492, que na época, apenas os ‘espíritos de ouro’ (aurea

ingenia) seriam produzidos. Assim, as artes (verbais e plásticas) e

a criação da imprensa podem ser consideradas como o reflexo

desses espíritos iluminados.

Retomando Camões e a Ilha dos Amores pensada na utopia, pre-

sentificam-se as linhas de pensamento resumidas, anteriormen-

te: foi numa ilha, onde reinava a paz, que os bravos homens, os

heróis, receberam a suprema recompensa. A inestimável cultura

clássica do poeta e seu profundo sentimento de nacionalismo,

levam-nos a visualizar na Ilha dos Amores um paraíso utópico,

uma fuga à história da Pátria – resultado de uma incontestável

angústia do desconcerto do mundo, evidenciando uma estreita

ligação com o episódio do Velho do Restelo.” (CORTEZ, 2001, não

paginado).

22

Ali quer que as aquáticas donzelas

Esperem os fortíssimos barões

(Todas as que têm título de belas,

Glória dos olhos, dor dos corações)

Com danças e coreias, porque nelas

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Capítulo 05Os Lusíadas

107

Influïrá secretas afeições,

Pera com mais vontade trabalharem

De contentar a quem se afeiçoarem.

41

Ali, com mil refrescos e manjares,

Com vinhos odoríferos e rosas,

Em cristalinos paços singulares,

Fermosos leitos, e elas mais fermosas;

Enfim, com mil deleites não vulgares,

Os esperem as Ninfas amorosas,

D’ amor feridas, pera lhe entregarem

Quanto delas os olhos cobiçarem.

64

Nesta frescura tal desembarcaram

Já das naus os segundos argonautas,

Onde pela floresta se deixavam

Andar as belas deusas, como incautas

Algüas doces cítaras tocavam,

Algüas harpas e sonoras flautas;

Outras, cos arcos de ouro, se fingiam

Seguir os animais que não seguiam.

72

Outros, por outra parte, vão topar

Com as Deusas despidas, que se lavam;

Elas começam súbito a gritar,

Como que assalto tal não esperavam;

Uas, fingindo menos estimar

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Literatura Portuguesa I

108

A vergonha que a força, se lançavam

Nuas por entre o mato, aos olhos dando

O que às mãos cobiçosas vão negando.

83

Oh, que famintos beijos na floresta,

E que mimoso choro que soava!

Que afagos tão suaves! Que ira honesta,

Que em risinhos alegres se tornava!

O que mais passam na manhã e na sesta,

Que Vénus com prazeres inflamava,

Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;

Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

Ӳ Canto X - A Máquina do Mundo

Acabado o banquete, Tétis convida Gama para o espetáculo da Má-quina do Mundo, o espetáculo único das esferas celestes de Ptolomeu.

Nessa estrofe, a deusa Vênus apresenta aos portugueses a máquina do

mundo, uma esfera perfeita, espécie de maquete do universo, na qual

está contido tudo o que nele existe. As mentes mortais logo pergun-

tam: se nessa esfera está tudo o que há, então o que está por fora dela?

A deusa responde que, em volta do globo, está Deus. Alguém pode-

ria perguntar: e o que está além de Deus? Mas logo somos advertidos

de que o entendimento de Deus está além da compreensão humana;

não devemos, portanto, insistir na questão. Camões adota em seu livro

a concepção de Ptolomeu, segundo a qual a Terra ocuparia o centro do

universo, sendo envolvida por sete esferas celestes, como as camadas

de uma cebola, cada uma correspondendo a um dos sete planetas en-

tão conhecidos. O paraíso celeste, ou empíreo, estaria localizado na sé-

tima esfera, a mais luminosa e próxima de Deus (GUIA DO ESTUDANTE,

2010, não paginado).

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Capítulo 05Os Lusíadas

109

80

Vês aqui a grande máquina do Mundo,

Etérea e elemental, que fabricada

Assi foi do Saber, alto e profundo,

Que é sem princípio e meta limitada.

Quem cerca em derredor este rotundo

Globo e sua superfícia tão limada,

É Deus: mas o que é Deus, ninguém o

entende,

Que a tanto o engenho humano não se

estende.

81

Este orbe que, primeiro, vai cercando

Os outros mais pequenos que em si tem,

Que está com luz tão clara radiando

Que a vista cega e a mente vil também,

Empíreo se nomeia, onde logrando

Puras almas estão daquele Bem

Tamanho, que ele só se entende e alcança,

De quem não há no mundo semelhança.

82

Aqui, só verdadeiros, gloriosos

Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,

Júpiter, Juno, fomos fabulosos,

Fingidos de mortal e cego engano.

Só pera fazer versos deleitosos

Figura 44 – Tétis mostra a Gama a Máquina do Mundo, de Carlos Alberto Santos (ca. 1980).

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110

Servimos; e, se mais o trato humano

Nos pode dar, é só que o nome nosso

Nestas estrelas pôs o engenho vosso.

Ӳ Epílogo

A epopeia termina com um epílogo, em que o poeta lamenta mais uma vez as injustiças que o Reino lhe terá cometido. Reforça a dedicatória da obra ao jovem rei D. Sebastião e aproveita, como homem experiente da vida e dos conhecimentos, para lhe dar alguns conselhos: que se aconselhe com os melhores, governe com justiça, premie apenas e sempre quem merece. Deste modo, tal como Aqui-les foi cantado por Homero, Camões cantará o seu rei e as glórias do povo lusitano.

A vibração emotiva e, ao mesmo tempo, a permanente lucidez com que são analisados os sentimentos humanos, transmitem à obra de Camões uma dramaticidade que a torna uma das mais significa-tivas realizações literárias não só do Renascimento, mas de todos os tempos.

145

Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Düa austera, apagada e vil tristeza.

Vale lembrar, no entanto, nesse século, também se deram os fatos que marcaram oficialmente o fim do Classicismo. D. Sebastião morre na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, oito anos após a publicação de Os Lusíadas, e com ele sepulta-se o sonho do grande império por-tuguês na África. No ano de 1580, ocorre a anexação de Portugal pela Espanha, situação que perduraria por 60 anos. No mesmo ano, ocor-re a morte do maior autor clássico português: Luís de Camões. Encer-

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Capítulo 05Os Lusíadas

111

rava-se assim o Classicismo e a obra Os Lusíadas passa a desempenhar o símbolo da vontade nacional pela independência política, narrando a história de um pequeno povo que sai dos seus limites para conquistar o mundo conhecido e desconhecido.

Em carta datada de 1579, Camões escreve: “[...] enfim, acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não me contentei de morrer nela, mas com ela”. Camões morre com sua pátria. O grande vate português apresenta-se sobre uma tríplice perspectiva: 1) um fidalgo fiel a seu rei; 2) o guerreiro, que enfrenta os perigos de ultramar; e 3) o poeta, que sintetizou todas essas experiências em uma linguagem que sobreviveu aos séculos. Resumindo: guerreiro, navega-dor, amante patriota, poeta, lírico, trágico, épico.

Para consultar a carta, acesse: <http://www.vidaslusofonas.pt/luis_de_camoes.htm>.

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Unidade CSéculo XVII

O êxtase de Santa Teresa, de Gianlorenzo Bernini (1652).

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Capítulo 06Os Sermões do Padre Vieira

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6 Os Sermões do Padre Vieira

Decidimos terminar este livro-texto, transcreven-do, na íntegra, um magnífico Sermão de Vieira. Ele tem como tema a importância dos portugueses e suas con-quistas. A explicação sobre este Sermão será postada em vídeo, no Ambiente Virtual de Aprendizagem. Lá você também encontrará uma biografia sobre o Pa-dre Antônio Vieira e a importância de seus Sermões na Literatura Portuguesa; assim como as principais obras e sermões do autor, as principais características do movimento Barroco e as diferenças entre Cultismo e Conceptismo.

SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO 

Pregado em Roma, na Igreja dos Portugueses, e na ocasião em que o Marquês das Minas, Embaixador extraordinário do Príncipe nos-so Senhor, fez a Em baixada de Obediência à Santidade de Clemente X.

Vos estis lux mundi.

§I

Um português italiano e um italiano português celebra hoje Itália e Portugal. Como o sol, Santo Antônio nasce em uma parte e sepulta-se em outra. O que vê a Itália em Pádua, e o que vê em Lisboa Portugal. Argumento: Santo Antônio foi luz do mundo porque foi verdadeiro português, e foi verdadeiro português porque foi luz do mundo.

A um português italiano e a um italiano português, celebra hoje Itália e

Portugal. Portugal a Santo Antônio de Lisboa: Itália a Santo Antônio de

Pádua. De Lisboa, porque lhe deu o nascimento; de Pádua, porque lhe

deu a sepultura. Assim foi, mas eu cuidava que não havia de ser assim.

José, o prodigioso, José, o que tanto cresceu fora de sua pátria, man-

dou que seu corpo fosse levado a ela, e não ficasse no Egito. Em Egito

obrou as maravilhas, em Egito recebeu as adorações, mas não quis que

descansassem os seus ossos na terra onde reinara, senão na terra onde

nascera. Quis que conhecesse a sua pátria que estimava mais a nature-

za que as fortunas.

Figura 45 – Padre Antonio Vieira

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Literatura Portuguesa I

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Antes quis uma sepultura rasa em sete pés da terra própria, que os mau-

soléus e as pirâmides egípcias na estranha. Assim cuidava eu que à lei

de bom português devia fazer também Santo Antônio, mas quando por

parte da pátria me queria queixar do seu amor, atalhou-me o Evangelho

com a sua obrigação: Vos estis lux mundi. Reparai, diz o evangelista, que

Antônio foi luz do mundo. Foi luz do mundo? Não tem logo que se quei-

xar Portugal. Se Antônio não nascera para sol, tivera a sepultura onde

teve o nascimento; mas como Deus o criou para luz do mundo, nascer

em uma parte, e sepultar-se na outra, é obrigação do sol. Profetizando

Malaquias o nascimento de Cristo, diz que nasceria como sol de justiça:

Orietur vobis sol justitiae (Mal. 4, 2). E que fez Cristo como sol, e como

justo? Como sol, mudou os horizontes; como justo, deu a cada um o seu.

Como sol mudou os horizontes, porque nasceu num lugar e morreu

noutro; como justo deu a cada um o seu, porque a Belém honrou com

o berço, a Jerusalém com o sepulcro. Assim também Antônio. Se Lisboa

foi a aurora do seu oriente, seja Pádua a sepultura do seu ocaso.

Levante Pádua glorioso mausoléu às sagradas relíquias de Antônio,

e veja-se esculpida nas quatro fachadas dele a obediência dos quatro

elementos sujei tos a seu império. A terra com os animais prostrados, o

mar com os peixes ouvintes, o ar com as tempestades suspensas, o fogo

com os incêndios parados. Pendurem-se nas pirâmides por troféus os

despojos inumeráveis de sua beneficência: as bandeiras dos vencedo-

res, as âncoras dos naufragantes, as cadeias dos cativos, as mortalhas

dos ressuscitados, e dos enfermos de todas as enfermidades, os votos.

Dispa-se a fama para fazer cortinas a este sacrário, bordadas – como

fazia a antiguidade – de olhos, de línguas e de orelhas. Das orelhas, com

que deu ouvidos a tantos surdos; dos olhos, com que restituiu a vista a

tantos cegos; das línguas, com que desimpediu a fala a tantos mudos. E

por alma de todo este corpo milagroso, veja-se – como hoje se vê – e

adore-se em custódia de cristal a mesma língua de Antônio, depois da

morte, viva, antes da ressurreição ressuscitada, apesar da terra, incorrup-

ta, apesar das cinzas, inteira, apesar da sepultura, imortal, e apesar dos

tempos, eterna.

Isto é o que vê Itália em Pádua. E em Lisboa, que vê Portugal e o mundo?

Não se veem ali muitos milagres: vê-se ali um só milagre; não se veem

os milagres do santo; vê-se o milagre dos santos. Vê-se Antônio sobre os

altares, com as mãos carregadas de memoriais, como primeiro valido de

Deus, e como bom valido, des pachado logo. Vê-se a casa onde nasceu,

convertida e consagrada com magnificência real em suntuoso templo,

e vê-se, com religiosa razão de estado, fundado sobre as abóbadas do

Figura 46 - A luz de Cristo

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Capítulo 06Os Sermões do Padre Vieira

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mesmo templo, o Capitólio ou Senado daquela triunfante cidade, da-

quela cidade, digo, que, depois de pôr freio ao nunca domado oceano,

descobriu, conquistou e sujeitou, e uniu à Igreja Romana aqueles vas-

tíssimos membros do corpo do mundo, de que Roma já se chamava a

cabeça, mas ainda o não era.

Neste templo e naquele sepulcro se vê dividido Antônio entre Portugal e

Itália; nestes dois horizontes tão distantes se vê dividida a luz do mundo

entre Pádua e Lisboa. Gloriosa Pádua, porque pode dizer: Aqui jaz. Glo-

riosa Lisboa, porque pode dizer: Aqui nasceu. Mas qual das duas mais

gloriosa? Não quero decidir a questão: dividi-la sim. Fiquem as glórias

de S. Antônio de Pádua para a eloquência elegantíssima dos oradores

de Itália. E eu, que me devo acomodar ao lugar e ao auditório, só falarei

hoje de S. Antônio de Lisboa.

Para louvor, pois, do santo português, e para honra e doutrina dos portu-

gueses que o celebramos. reduzindo estes dois intentos a um só assunto,

e fundando tudo nas palavras do Evangelho: Vos estis lux mundi, será o

argumento do meu discurso esse: que Santo Antônio foi luz do mundo

porque foi verdadeiro portu guês, e que foi verdadeiro português por-

que foi luz do mundo. Declaro-me: bem pudera Santo Antônio ser luz

do mundo, sendo de outra nação, mas, uma vez que nasceu português,

não fora verdadeiro português, se não fora luz do mundo, porque o ser

luz do mundo nos outros homens é só privilégio da graça; nos portu-

gueses é também obrigação da natureza. Isto é o que hoje hão de ouvir

os portugueses de si e do seu português. Ave Maria.

  § IISer luz do mundo, graça universal da nação portuguesa. Portugal, único reino do mundo findado e instituído por Deus. A instituição da Igreja em S. Pedro, e a instituição do Reino de Portugal em D. Afonso Henriques. El-rei D. Afonso Henriques e Gedeão. O nome de Pedro e o nome dos portugueses.

 Vos estis lux mundi.

Fala Cristo nestas palavras com os apóstolos, e neles com todos seus su-

cessores, os varões apostólicos. E porque a obrigação do ofício apostó-

lico é alu miar o mundo com a luz do Evangelho, por isso lhes dá Cristo

por título o mesmo caráter da sua obrigação, chamando-lhes luz do

mundo: Vos estis lux mundi. Esta prerrogativa tão gloriosa, que nas outras

nações é graça particular das pessoas, nos portugueses não só é par-

ticular das pessoas, senão universal de toda a nação. A Pedro e a João

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disse Cristo que eram luz do mundo, mas, ainda que Pedro e João eram

galileus, não o disse a toda Galileia. A Basílio e Atanásio disse Cristo que

eram luz do mundo, mas, ainda que Basílio e Atanásio eram gregos, não

o disse a toda Grécia. A Cipriano e Agostinho disse Cristo que eram luz

do mundo, mas, ainda que Cipriano e Agostinho eram africanos, não o

disse a toda África. A An tônio, porém, disse Cristo que era luz do mundo,

e não só o disse a Antônio, que era português, senão também a todos

os portugueses. E qual é, ou qual pode ser a razão desta diferença tão

notável? A razão é porque os outros homens, por instituição divina, têm

só obrigação de ser católicos: o português tem obrigação de ser cató-

lico e de ser apostólico; os outros cristãos têm obrigação de crer a fé: o

português tem obrigação de a crer, e mais de a propagar. E quem diz

isto? São Jerônimo ou Santo Ambrósio? Não: o mesmo Cristo, que disse:

Vos estis lux mundi.

É glória singular do Reino de Portugal que só ele, entre todos os do

mundo, foi fundado e instituído por Deus. Bem sei que o Reino de Israel

também foi feito por Deus, mas foi feito por Deus só permissivamente, e

muito contra sua von tade, porque teimaram os israelitas a ter rei, como

as outras nações; porém o Reino de Portugal, quando Cristo o fundou e

instituiu, aparecendo a el-rei – que ainda o não era – Dom Afonso Hen-

riques, a primeira palavra que lhe disse foi: Volo: que ro. Como o Reino

de Portugal havia de ser tão filho da Igreja Católica, e lhe havia de fazer

no mundo tão relevantes serviços, quis Cristo que a sua instituição fosse

muito semelhante à da mesma Igreja. A S. Pedro disse Cristo: Tu es Pe-trus, et super hanc petram adificabo Ecclesiam mean; a D. Afonso dis-

se Cristo: Volo ia te, et ia semiae tuo imperium mihi stabilire. A Pedro

disse: Quero fundar em ti uma Igre ja, não tua, senão minha: Ecclesiam meam. A Afonso disse: Quero fundar em ti um império, não para ti, senão

para mim: Imperium mihi. A Pedro, na instituição da Igreja, não disse: In te, et in semiae tuo, porque, como o império da Igreja era uni versal

sobre todas as nações do mundo, quis que todas as nações tivessem direi-

to à eleição da tiara: o hebreu, como Pedro, o grego, como Anacleto, o

romano, como Gregório, o alemão, como Vítor, o francês, como Martinho,

o espanhol, como Calixto, o português, como Dâmaso. Mas na instituição

do Reino de Portugal disse Cristo: Ia te, et in semine tuo, porque, como

era reino particular de uma só nação, quis que fosse hereditário e não

eletivo, para que se continuasse na sucessão e descendência do mesmo

sangue. E por que tudo isto, e para quê?

Não para o fim político, que é comum a todos os reinos e a todas as

nações, senão para o fim apostólico, que é particular deste reino e des-

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ta nação. O mesmo Cristo o disse nas palavras com que o instituiu: Ut deseratur nomem mcuta ia exteras gentes: para que, por meio dos portu-

gueses, seja levado meu nome às gentes estranhas. Ainda então não sabia o

mundo que gentes estranhas fossem estas, mas daí a 400 anos, quando tam-

bém o mundo se conheceu a si mesmo, então o soube. Vede se foi insti-

tuição Apostólica. De S. Paulo disse Cristo: Ut portei nomem meum coram gentibus; dos portugueses disse o mesmo Cristo: Ut deseratur nomem meum in exteras gentes. Aos apóstolos disse Cristo: Videte regioaes, guia alba sunt ad roessem; e aos portugueses disse o mesmo Cristo: Ut sint messores mei ia terás longinquis. E notai que disse nomeadamente

messores: sega dores, porque se havia de servir também do seu braço

e do seu ferro. Quando Cristo apareceu a el-rei D. Afonso, estava ele na

sua tenda lendo a história de Gedeão, não só com um, mas com dois

mistérios: Primeiro, para que o rei não desconfiasse da promessa, vendo

que os seus portugueses eram poucos. Segundo, para que os mesmos

portugueses entendessem que, como soldados de Gedeão, em uma

mão haviam de levar a trombeta, e na outra mão a luz (Jz. 7, 20). A Pe-

dro chamou-lhe Cristo Cephas: pedra (Jo. I, 42), em significação do que

havia de ser; os portugueses primeiro se chamaram Tubales, de Tubal,

que quer dizer mundanos, e depois chamaram-se lusitanos; lusitanos,

para que trouxes sem no nome a luz: mundanos para que trouxessem

no nome o mundo, porque Deus os havia de escolher para luz do mun-

do: Vos estis lux mundi.

§ III

Os cinco movimentos particulares da luz de Santo Antônio. Primeiro: mudar de religião: Por que deixou S. Antônio a S. Agostinho para seguir S. Francisco? As sagradas quinas, brasão e armas de Portugal. As quatro chagas dos cravos e a incredulidade de S. Tomé. As cinco pe-dras de Davi e as cinco chagas de Cristo.

Suposta esta verdade tão autêntica, para que vejamos distintamente

quão bem se desempenhou Santo Antônio da obrigação de verdadeiro

português, e do título de luz do mundo, considero eu na sua luz cinco

movimentos muito particula res: 1. mudar de religião; 2. deixar a pátria;

3. embarcar-se e meter-se no mar; 4. dedicar-se a vida à conversão dos

infiéis; 5. vir a Roma, onde estamos, e dar obediência ao Vigário de Cris-

to, como Portugal lha deu agora solenemente, e com tanta soleni dade.

Parecem muitos os movimentos, mas como são de luz, serão breves.

Não há coisa que mais pareça contrária à santidade que a mudança da

vocação. Santo Antônio era religioso da sagrada Ordem de Santo Agosti-

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nho: ali se graduou de luz, e ali havia de ser. Pois por que muda de hábito

e de profissão? Se o fez pela clausura de cônego regrante, para sair, como

luz, ao mundo, passara-se aos eremitas, debaixo da mesma regra de San-

to Agostinho. Por que deixa logo o seu patriarca, e entre todos os pa-

triarcas escolhe a S. Francisco? Porque era português, e resoluto a alumiar

o mundo, havia de ser debaixo das quinas de Portugal, debaixo da ban-

deira das cinco chagas. O mesmo Santo Agostinho, seu padre, chamou

as chagas de Cristo bandeiras de luz: Fulgentia redemptionis vexilla. E

como entre todos os patriarcas, entre todos os generais da Igreja mili-

tante, só Francisco levava diante a bandeira das cinco chagas, só debaixo

desta bandeira se devia alistar Antônio, como português e como luz do

mundo: como português, para seguir as sagradas quinas; como luz do

mundo, para alumiar com elas aos infiéis.

Infiel estava Tomé, e tão incredulamente infiel que dizia e protestava: Nisi videro fixuram clavorum, et mittam manum meam in latus ejus, non cre-dam (Jo. 20, 25): Se não vir as chagas dos cravos, e não meter a mão na

chaga do lado, não hei de crer. – Aqui reparo. Para crer e para fazer fé,

bastam duas testemunhas; as chagas dos cravos eram quatro; pois por

que se não contenta Tomé com as chagas dos cravos, por que pede tam-

bém a do lado para crer? Porque as chagas dos lados, ainda que eram

chagas, não eram quinas: eram quatro, não eram cinco. E para converter

infiéis, para os render e reduzir a crer, hão de concorrer todas as cinco

chagas. Tertuliano: Omnibus divinitatis Christi probationibus instrutus, dixit: Dominus meus, et Deus meus. Reduziu-se a infidelidade de Tomé, e

rendeu-se à virtude e eficácia das chagas de Cristo? Sim. Mas notai – diz

Tertuliano – que não se rendeu a parte delas, senão a todas: Omnibus.

Crerás, Tomé, se vires as chagas das mãos de Cristo? Non credam. Crerás,

Tomé, se vires as chagas das mãos e as dos pés? Non credam. E se vires

as duas dos pés e as duas das mãos, e também a quinta do lado, crerás?

Então sim: Dominus meus, et Deus meus. Assim se rendeu a infidelidade

de Tomé, e assim se rendeu e se havia de render a do mundo.

Por isso disse judiciosamente S. Pedro Crisólogo que a instância de

Tomé em pedir as cinco chagas não só foi incredulidade, senão

profecia: Prophetia sane coagis, quam cunctatio fuit. Muitas coisas

profetizou S. Tomé na Índia, dos portugueses, mas esta profecia foi o

cumprimento de todas: Que havia de ser conquistada a infidelidade

das gentes em virtude das cinco chagas de Cristo; que havia de ser

conquistada a infidelidade das gentes, não pelas armas dos portu-

gueses, senão pelas Armas de Portugal. Deu-nos Cristo por armas e

por brasão as sagradas quinas, e essas quinas foram as nossas armas.

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Capítulo 06Os Sermões do Padre Vieira

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Quando os filhos de Israel saíram do Egito para a conquista da terra

de promis são, saíram sem armas, porque lhas vedavam e proibiam os

egípcios; e contudo diz o texto que saíram armados: Armati ascende-runt filii Israel de terra Aegypti. Pois se saíram sem armas, como diz a

Escritura que saíram armados? Milagro samente o original hebreu: As-cenderunt filii Israel armati: ascenderunt filii Israel quini et quini (Êx.

13, 8). Diz que saíram armados, porque saíram, mis teriosamente, cinco

e cinco. E como saíram cinco e cinco: quini et quini, estas quinas lhes

servirão de armas: Ascenderunt quini et quini: ascenderunt armati. Estas foram as armas com que os hebreus conquistaram a Terra de

Promissão, estas foram as armas com que os portugueses conquis-

taram o mundo novo, e estas foram as armas com que S. Antônio

conquistou, alumiou e renovou o velho. Oh! soberano Davi, menor,

vestido de saial, e vencedor do gigante, em virtude das sagradas quinas!

Quando Davi, entre os irmãos o menor, houve de sair contra o gigante,

que fez? Despe as armas de Saul, veste-se do seu saial, vai-se ao rio, es-

colhe cinco pedras, e sai: Elegit sibi quinque limpidissimos lapides de torrente (1 Rs. 17, 40). Para o tiro bastava uma só pedra, como bastou.

Pois, se bastava uma só, por que leva cinco Davi? Porque, ainda que uma

só bastava para o golpe, eram necessárias todas cinco para o mistério.

Aquelas cinco pedras eram as cinco chagas de Cristo; a tor rente de que

as tirou lavadas era a torrente do seu sangue. E para um homem ou um

moço tão pequeno, derrubar um gigante tão grande, só na virtude das

cinco chagas podia ser. Dispa logo Antônio as armas de Agostinho, vista-

se do saial de Francisco, e, com as sagradas quinas diante, saia seguro e

confiado o menor, que ele vencerá o gigante. Estava uma vez pregando

Santo Antônio; eis que aparece junto a ele S. Francisco com os braços

em cruz, mostrando as chagas. Francisco era o Moisés, Antônio era o

Josué; Francisco sustentava a bandeira, Antônio meneava as ar mas;

Francisco arvorava as quinas, Antônio alcançava as vitórias. No corpo de

Francisco estava cintilando a constelação das cinco estrelas fixas, e pela

boca de Antônio saíam os raios e as influências da luz, que confundia e

alumiava o mun do: Vos estis lux mundi. 

§ IVSegundo movimento da luz: deixara pátria. Sem sair, ninguém pode ser grande. Os dois empregos que Cristo fez dos trinta dinheiros por que foi vendido. Como pudera Santo Antônio ser luz do mundo se não safra de Portugal? Portugal semi nário de fé e de luz.

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E se Antônio era luz do mundo, como não havia de sair da pátria? Este

foi o segundo movimento. Saiu como luz do mundo, e saiu como por-

tuguês. Sem sair, ninguém pode ser grande: Egredere de terra tua, et faciam te in gentem magnam, disse Deus, ao pai da fé. Saiu para ser

grande, e, porque era grande, saiu. Ao quinto dia do mundo, criou Deus

no elemento da água as aves e os peixes. E que fizeram uns e outros?

Os peixes, como frios e sem asas, deixaram-se ficar onde nasceram; as

aves, como alentadas e generosas, mudaram elemento. Assim o fez o

grande espírito de Antônio, e assim era obrigado a o fazer, porque nasceu

português. Uma coisa em que há muito tempo tenho reparado são os

dois empregos que Cristo fez dos trinta dinheiros por que foi vendido. O

primeiro emprego foi comprar um campo para enterro de peregrinos:

Emerunt ex eis agrum figuli in sepulturam peregrinorum. O segundo

emprego foi esmaltar com os mesmos trinta dinheiros o escudo das

armas de Portugal: Ex pretio quo ego genus humanum emi, et quo a judaeis emptus sum, insigne tuum compones. Notáveis empregos! E

que propor ção tem o escudo de Portugal com o enterro dos peregrinos,

para que o preço de um seja esmalte do outro? Grande proporção. Quis

Cristo que o preço da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das ar-

mas dos portugueses, para que entendêssemos que o brasão de nascer

português era obrigação de morrer peregrino. Com as armas nos obri-

gou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas,

se nos deu o brasão, que nos havia de levar da pátria, também nos deu a

terra, que nos havia de cobrir fora dela.

Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu

Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas terras para a sepultura.

Para nascer, pouca terra, para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal,

para morrer, o mundo. Perguntai a vossos avós quantos saíram e quão

poucos tornaram? Mas estes são os ossos de que mais se deve prezar

vosso sangue.

Funda-se esta pensão de sair da pátria na obrigação de ser luz do mun-

do. Como pudera Santo Antônio ser luz de França e de Itália, se não saíra

de Portugal? Para Abraão levar a fé à Palestina, houve de sair de Caldeia;

para Cristo derrubar os ídolos do Egito, houve de sair de Nazaré: ambos

desterrados da pátria, mas ambos, como luz, desterrando trevas. Não se

pode plantar a fé sem se transplantarem os que a semeiam. Não de-

balde disse Cristo: Pater meus agrícola est. Houve-se Deus, com os

portugueses, como agricultor de luzes. Semeia o agricultor em pouca

terra o que depois há de dispor em muita. Pouca terra era Portugal, mas

ali fez Deus um seminário de luz para a transplantar pelo mundo. Criou

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Deus a luz no primeiro dia; passou o segundo, passou o terceiro, e ao

quarto dia, dividindo aquela mesma luz que tinha criado, formou dela o

sol, a lua, e as estrelas, e repartiu-as por todo o firmamento. Pergunto: e

esses planetas, esses astros, esses signos e essas constela ções, por que

as não formou Deus logo no primeiro dia, senão depois? O mistério foi,

diz S. Basílio, porque quis o supremo artífice do universo debuxar no ras-

cunho da natureza a traça que havia de seguir nas obras da graça. É o que

vimos na conver são do mundo novo. Assim como a luz material primeiro

a criou Deus junta em um lugar, e depois a repartiu dali por todas as

regiões do céu e sobre todas as da terra, umas estrelas ao Polo Ártico,

outras ao Antártico, umas ao Norte, outras ao Sul, umas ao Setentrião,

outras ao Meio-Dia, assim, para alumiar o Novo Mundo, que tantos sé-

culos havia de estar às escuras, sem ser conhecido dos homens nem ter

conhecimento do verdadeiro Deus, que fez o autor da graça? Criou pri-

meiro e con servou separado em Portugal aquele seminário escolhido

de fé e de luz, para que dali, dividida e repartida a seu tempo, umas luzes

fossem alumiar a África, outras a Ásia, outras a América, umas ao Brasil,

outras a Etiópia, outras a Índia, outras ao Mogor, outras ao Japão, outras

a China, e desta maneira, transplantada de Portugal, a fé se plantasse nas

três partes do mundo.

É verdade que Portugal era um cantinho, ou um canteirinho da Europa,

mas neste cantinho de terra pura e mimosa de Deus: Fide purum, et pie-tate dilectum, nesse cantinho quis o céu depositar a fé que dali se havia

de derivar a todas estas vastíssimas terras, introduzida com tanto valor,

cultivada com tanto trabalho, regada com tanto sangue, recolhida com

tantos suores, e metida finalmente nos seleiros da Igreja, debaixo das

chaves de Pedro, com tanta glória. Medindo-se Portugal consigo mesmo,

e, reconhecendo-se tão pequeno à vista de uma empresa tão imensa,

poderá dizer o que disse Jeremias, quando Deus o escolheu para profe-

ta das gentes: Et prophetam in gentibus dedi te. E que disse Jeremias? Et dixit: A, A, A, Domine Deus, quia puer ego sum (Jer. I, 6): Ah! Ah! Ah! Deus

meu, onde me mandais, que sou muito pequeno para tamanha empre-

sa. – O mesmo pudera dizer Portugal. Mas tirando-lhe Deus da boca

estes três AAA, ao primeiro A, escreveu África, ao segun do A escreveu

Ásia, ao terceiro A escreveu América, sujeitando todas três a seu império,

como Senhor, e à sua doutrina, como luz: Vos estis lux mundi.

§VTerceiro movimento da luz: embarcar-se e meter-se no mar. Santo Antô-nio caminha do poente para o levante mostrando o caminho aos portu-gueses. O caminho do mar, aberto por Deus aos portugueses, e por eles

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às outras nações. As naus portuguesas, os carros do sol de que fala Ha-bacuc. O profeta Isaías e os antípodas. Os portugueses chegam com as naus onde Santo Agostinho não chegou com o entendimento. Somente um homem passou o Cabo de Boa Esperança antes dos portugueses: Jo-nas, no ventre da baleia.

Mas como Santo Antônio – já imos no terceiro movimento – como Santo

Antônio era a primeira luz destas luzes, ela foi também a que lhes abriu e

mostrou o caminho, saindo do poente para o levante. Não é este o curso

do sol; porém assim havia de ser, porque era Antônio sol que levava a

saúde nas asas: Et sanitas in pennis ejus (Mal. 4, 2). Pediu el-rei Ezequias

a Deus que lhe segurasse a saúde em um sinal do sol. E qual foi o sinal?

Que o sol trocasse a carreira, e não caminhasse do oriente para o ocaso,

senão do ocaso para o oriente. Assim Antônio, e assim os portugueses.

Ele do poente para levante, eles do ocaso para o oriente, porque leva-

vam na luz a saúde do mundo. E porque o sol, quando desce a alumiar

os antípodas, mete o carro no mar e banha os cavalos nas ondas, para

que assim o fizessem tam bém os portugueses, deixa Antônio a terra,

engolfa-se no Oceano, e começa a nave gar, levando o pensamento e a

proa na África, que também foi a primeira derrota e a primeira ousadia

dos nossos argonautas.

Mas por que a frase dos cavalos e carro do sol metidos no

mar não pareça poética e fabulosa, ouçamo-la ao profeta

Habacuc, que, com novo e levantado estilo, o cantou assim

no capítulo terceiro: Viam fecisti in mari equis Luis, et quadri-gae tuae salvatio: Vós Senhor – diz o profeta – fizestes o

caminho pelo mar aos vossos cavalos e às vossas carroças

da salvação.

Na Vulgata: Qui ascendes super equos tuos, et quadrigae tuae salvatio: Tu, que montarás sobre os teus cavalos, e as tuas car-

roças são a nossa salvação (Hab. 3, 8). No versículo 15 porém,

lê-se: Viam fecisti in mari equis Luis, in luto aquarum multa-rum: e cavalos que caminham pelo mar? Que carroças e

que cavalos são estes? Portugallenses in suis navigatio-nibus et conversionibus, disse Genebrardo. Mas ouçamos

antes o mesmo texto. Primeiramente diz o profeta que Deus

é o que lhes fez este caminho pelo mar: Viam fecisti in mari equis tuis, porque o caminho que fizeram os portugueses era

caminho que ainda não estava feito. Por mares nunca dan-

tes navegados, Deus abriu o caminho aos portugueses,

Figura 47 - Jonas no ventre da baleia

Figura 48 - Os Argonautas, de Ercole d’Antonio Roberti (ca. 1480).

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e os portugueses o abriram às outras nações. Mareavam sem car-

ta, porque eles haviam de fazer a carta de marear. As suas vitórias

arrumaram as terras, os seus perigos descobri ram os baixos, a sua

experiência compassou as alturas, a sua resistência exami nou as cor-

rentes. Navegavam sem carta nem roteiro, por novos mares, por novos

climas, com ventos novos, com céus novos e com estrelas novas, mas

nunca per deram o tino nem a derrota, porque Deus era o que mandava

a via: Viam fecisti in mari equis tuis. Estes eram os cavalos intrépidos

e generosos.

E as carroças da salvação, quais eram? Eram aquelas cidades nadan-

tes, aqueles poderosíssimos vasos da primeira navegação do Oriente,

a que os estrangeiros, com pouca dife rença de carroças, chamaram

carracas. E chama-lhes o profeta carroças de salva ção: Quadrigae tuae salvatio, porque, da quilha ao tope, isto é o que levavam. Levavam

por lastro os padrões da Igreja, e talvez as mesmas igrejas em peças,

para lá se fabricarem. Levavam nas bandeiras as chagas de Cristo, nas

antenas a cruz, na agulha a fé, nas âncoras a esperança, no leme a cari-

dade, no farol a luz do Evangelho, e em tudo a salvação: Et quadrigae tuae salvatio. Desta maneira en traram pelo mar dentro aqueles novos

carros do sol, para levar a luz aos antípodas. Assim o disse, falando à

letra dos portugueses, o profeta Isaías. Não é a exposi ção minha, nem

de nenhum português; é de Vatablo, de Cornélio, de Maluenda, de

Tomás Bósio, e outros: Ite Angeli veloces ad gentem expectantem, ex-pectantem, ad gentem conculcatam: Ide depressa, portugueses, ide

depressa, embaixado res do céu, levai a luz do Evangelho a essa gen-

te, que há mil e quinhentos anos que está esperando: Ad gentem expectantem, expectantem. Ide, levai a

luz do Evangelho a essa gente pisada: Ad gentem conculcatam. Gente pisada? Gen-tem conculcatam? E qual é a gente pisada?

Não a busqueis, que está muito longe. São

os antípodas, que vivem lá debaixo dos

nossos pés; eles vivem lá embaixo, e os

nossos pés andam cá pisando por cima.

Tão elegantemente o disse Isaías, como

profeta de corte.

Santo Agostinho teve para si que não havia

antípodas. E diz assim no livro 26, De Civitate Dei: Absurdum est, ut dicatur homines ali-quos ex hac in illam partem, trajecta Oce-

Figura 49 - Travessia do Mar Vermelho - ilustração

Page 126: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Literatura Portuguesa I

126

ani immensitate, navigare et pervenire potuisse, ut etiam illis, ex uno illo primo homine, genus institueretur humanum. Se há tais homens,

argumentava Agosti nho, são filhos de Adão; se são filhos de Adão, pas-

saram destas partes àquelas nave gando e atravessando a imensidade do

Oceano; tal passagem e tal navegação é impos sível: logo, não há tais ho-

mens. – Grande glória, Antônio, da vossa nação, que chegas sem os por-

tugueses a dar fundo com as âncoras onde Santo Agostinho não achou

fundo com o entendimento; que chegassem os portugueses a fazer pos-

sível com o valor o que no maior entendimento era impossível. Por isso

Isaías lhes mandou mais que homens: Ite Angeli veloces. Um só homem

passou o Cabo de Boa Esperança antes dos portugueses. E qual foi, e

como? Jonas no ventre da baleia. Desembocou a baleia o Mediterrâneo,

porque não tinha outro caminho, tomou a costa da África à mão esquer-

da, dobrou o Cabo de Boa Esperança, escorreu a Etiópia, passou a Arábia,

entrou o sino Pérsico, aportou às praias de Nínive, no Eufrates, e, fazendo

da língua prancha, pôs o profeta em terra: In profundum projectus est, exceptusque a ceto marino mons tro, ac devoratus post triduum fere. Ninivitarum littoribus ejectus, jussa praedicat: diz Sulpício Severo, no li-

vro Ida História Sagrada.

Mas por que fez o profeta esta viagem por debaixo do mar, dentro em

uma baleia; por que a não fez por cima da água, no mesmo navio em

que navegava? Porque este milagre do valor, e esta vitória da natureza,

não era para os mareantes de Tiro: tinha-o Deus guardado para os argo-

nautas do Tejo. O Tejo era o que havia de dominar o mar; o Tejo era o que

havia de triunfar das ondas e dos ventos; o Tejo era o que havia de tirar

o tridente das mãos ao Oceano, para o pôr, reverente, aos pés do Tibre.

Faltavam-lhe ao anel de pescados quase as três partes do círculo, e essas

lhe perfez o Tejo com o ouro das suas areias. Muito me engano eu, se o

não cantou Davi: Dominabitur a mari usque ad mare, et a flumine usque ad terminos orbis terrarum (SI. 71, 8). Dominará a Igreja de mar a mar, e

do rio: aflumine, até os últimos fins da terra. – E qual é o rio que de fim a

fim está contraposto aos fins da terra? É o rio de Lisboa, o Tejo. Do rio de

Lisboa saiu Antônio, e, derrotado da tempestade, foi aportar à Itália para

ser luz da Europa. Do rio de Lisboa saíram os portugueses, e, medindo a

África, descobrindo a América, chegaram com a luz do Evangelho até

os fins da Ásia, para que, alumiando Antônio a melhor parte do mundo,

e alumiando os outros portugueses as três maiores partes, na união de

todas quatro se devesse inteiramente ao nome português o título de luz

do mundo: Vos estis lux mundi.

Page 127: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Capítulo 06Os Sermões do Padre Vieira

127

§ VIQuarto e quinto movimento da luz: dedicar-se à conversão dos infi-éis, e vir a Roma dar obediência ao Vigário de Cristo. Como o ofi-cio do sol é perseguir as trevas, assim também os portugueses aos infiéis. Para os católicos o escudo, para os infiéis a espada. O ferro português e a lança que abriu o lado de Cristo morto. O maior título de Portugal: filho obedientíssimo da Sede Apostólica.

Não se dedicou Antônio – este era o quarto movimento, mas por abre-

viar o ajuntarei com o último – não se dedicou Antônio à cristandade,

porque são homens com luz; aos infiéis o levava o seu espírito, porque

era espírito português. Glória singu lar é de Portugal, que nem no Reino,

nem em toda a Monarquia domine um só palmo de terra que não fos-

se conquistada a infiéis. Tudo quanto dominou a luz neste mundo foi

conquistado às trevas, porque elas o possuíam primeiro: Tenebrae erant superfaciem abyssi, et dixit Deus: Fiat lux. Et facta est lux. E, assim como

o ofício do sol é ir sempre seguindo e perseguindo as trevas e lançan-

do-as fora do mundo, assim também os portugueses aos infiéis. Estava

Portugal pela desgraça universal de Espanha ocupa da de maometanos;

e que fizeram os portugueses? Do Minho os lançaram além do Douro,

do Douro à Estremadura, da Estremadura a Além do Tejo, de Além do

Tejo ao Algarve, do Algarve às Costas de África, e ali os foram sempre

seguindo e conquistan do, até que o peso das armas se passou às con-

quistas da gentilidade, onde fizeram o mesmo. Sempre como soldados

de Cristo, pela fé e contra infiéis.

É verdade que algumas vezes tiveram guerra os portugueses contra cató-

licos, mas guerra defensiva somente, nunca ofensiva. Tem Portugal para

os católi cos o escudo, para os infiéis a espada. A S. Pedro, que era cabeça

dos fiéis, disse-lhe Cristo, que metesse a espada na bainha; a S. Paulo,

que era conquistador da gentilidade, meteu-lhe na mão a espada. Para

os infiéis a espada sempre nua; para os fiéis, na bainha. Com os católicos

paz, com os infiéis perpétua guerra. Santo Antô nio meneou as armas da

sua milícia na Itália e na França, mas estes raios da sua luz foram reflexos.

Os direitos iam à África, os reflexos foram à Europa. Mas ainda aí, notai,

não se chamou Antônio martelo dos vícios, senão martelo das heresias:

Perpetuus haereticorum malleus, porque os vícios acham-se também

nos católicos; as heresias, só nos infiéis. Por isso Deus, para formar este

martelo, foi buscar o ferro às minas de Portugal, porque a dureza natural

do ferro português é para quebrantar e converter infiéis.

Page 128: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Literatura Portuguesa I

128

É o ferro português como o ferro da lança que abriu o lado de Cristo:

tirou primeiro sangue, e depois água: Exivit sanguis et agua (Jo. 19,

34). O san gue para vencer, a água para batizar os vencidos. Mas qual foi

a razão ou o misté rio porque o soldado não deu a lançada no corpo de

Cristo vivo, senão no corpo morto? Pela mesma que vou dizendo: O cor-

po místico de Cristo, materialmente considerado, é todo o gênero hu-

mano; os fiéis são o corpo vivo, porque é corpo informado com a fé; os

infiéis são o corpo morto, porque é corpo informe. Quan do recebem

a fé, então recebem também a forma, e se fazem membros vivos do

corpo místico de Cristo, que é a Igreja. Para isto se serviu Cristo daquele

soldado e da sua lança: Ut sibi Ecclesiam fabricare, diz S. Cipriano. Fo-

ram sempre os soldados portugueses como os fabricadores do segun-

do templo de Jerusalém, que com uma mão pelejavam, e com a outra

iam edificando. Nenhum golpe deu a sua espada que não acrescentas-

se mais uma pedra à Igreja. Se pelejavam, se venciam, se triunfavam,

era para tirar reinos à idolatria, e sujeitá-los a Cristo, para conver ter as

mesquitas e pagodes em templos, os ídolos em imagens sagradas, os

gentios em cristãos, os bárbaros em homens, as feras em ovelhas, e

para trazer essas ovelhas de terras tão remotas e em número infinito ao

rebanho de Cristo e à obediência do Sumo Pastor.

Assim o fez Santo Antônio em Roma, lançando-se a si e a tantos here-

siarcas rendidos aos pés da Santidade de Gregório IX. Assim o fez el-rei

D. Manoel, pondo todo o Oriente aos pés da Santidade de Leão X. E as-

sim o fez ultimamente o Príncipe reinante de Portugal, o muito alto e

muito poderoso Se nhor nosso, D. Pedro, que Deus guarde, oferecendo

solenemente aos beatíssimos pés da Santidade de Clemente X, nosso

Senhor, o seu Reino, a sua Monarquia toda, e na pessoa excelentíssima

de seu embaixador, a sua real pessoa, como herdeiro e verdadeiro

imitador de seus gloriosos progenitores. A el-rei D. Sebas tião, pouco

antes de dar a vida pela dilatação da fé, ofereceu a Santidade de Pio V

que escolhesse título; e que responderia o religiosíssimo rei? Respondeu

que não queria outro título, senão o de filho obedientíssimo da Sede

Apostólica. Em cum primento deste título, três sucessores continua-

dos do mesmo rei, em espaço de vinte e oito anos, estiveram sempre

oferecendo à Santa Sede a mesma obediência de filhos. E se a pública

aceitação deste ato se dilatou, foi com atenção e provi dência pater-

nal do Vigário de Cristo, para que, no entretanto, pudesse lograr a

Igreja os repetidos exemplos de tão constante sujeição e obediência,

perseveran do e instando sempre o primeiro rei, o segundo e o terceiro,

não só como filhos obedientes, mas como obedientíssimos filhos.

Page 129: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Capítulo 06Os Sermões do Padre Vieira

129

No filho pródigo, notou agudamente São Pedro Crisólogo que cha-

mou pai ao pai, reconhecendo que se não devia chamar filho: Pater, non sum dignus vocari filius tuus. Parece implicação. A denomina-

ção de filho funda-se na relação de filho; a denominação de pai fun-

da-se na relação de pai, e, conforme. a verdadeira filosofia, nas relações

mútuas e recíprocas, quando falta uma, falta também a outra. Se falta a

relação de filho, cessa a de pai; se falta a relação de pai, cessa a de filho.

Pois, se da parte do pródigo faltava a relação e denominação de filho:

Non sum dignus vocari filius tuus (Lc. 15, 19), como da parte do pai

não faltou a relação e denominação de pai: Pater? Porque essa foi

a maravilha mais que natural – diz Crisólogo – que, faltando no filho

a relação de filho, não faltasse no pai a relação de pai: Ego perdidi quod filii est: tu quod patris est non amisisti. Voltemos à semelhança.

Da parte do Pai universal nunca faltaram os fundamentos próximos da

relação, que eram a vontade, o afeto e paternal amor, como sempre re-

conheceu e experimentou Portugal. Mas que, enquanto não resultava

a relação do pai, existisse sempre inteira a relação do filho? Essa foi a

maravilhosa prova da verdadeira filiação. Tinha tanto de divina, que não

só foi relação, mas subsis tência. Assim havia de ser para qualificar Portu-

gal, que não só era filho, mas filho obedientíssimo.

Bem sabe toda a Europa com

quantos discursos, e ainda

direitos mal-interpretados,

procurou a política menos

cristã tentar a obediência

por tuguesa em tantos anos.

Mas a sua obediência obe-

dientíssima tão longe este ve

de dar ouvidos a semelhantes

tentações, que nunca che-

gou nem ainda a ser tentada,

quanto mais vencida. Quan-

do Deus mandou a Abraão

que lhe sacrificasse seu filho,

diz a Escritura que tentou

Deus a Abraão: Tentavit Deus Abraham (Gên. 22, 1). Eu cui-

dava que neste caso o tenta-

do havia de ser Isac. Sacrificar

o pai ao filho amado, tenta-

Figura 50 – O sacrifício de Isaac, de Caravaggio (1594-1596).

Page 130: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

ção era; mas que o filho se houvesse de deixar atar, e lançar-se sobre a

lenha, e aguardar o golpe, e perder a vida, essa era a terrível tentação.

Pois por que diz a Escritura que tentou Deus a Abraão, e não a Isac? Por-

que Isac era filho obedientíssimo. O amor, no pai, podia ser tentado, mas

não vencido; a obediência, no filho, nem vencida nem tentada.

Tal foi a de Portugal. Tão longe de ser vencida, nem ainda tentada no

meio de todas essas tentações que, como filho obedientíssimo, sem-

pre esteve multiplicando obediências sobre obediências, e mandando

embaixadas sobre em baixadas, tantas e por tantos modos. Nas duas

primeiras, mostrou-se obediente; na terceira e na quarta, mais que obe-

diente; na quinta e na última, obedientíssimo. Uma só vez vieram os reis

do Oriente a Belém protestar a sua obediência e ofere cer as coroas aos

pés de Cristo. Mas como vieram? Chamados primeiro por uma estrela:

Vidimus stellam ejus, et venimus. A obediência de Portugal não espe rou

por estrela para vir, antes, vindo cinco vezes sem estrela, veio também a

sexta. Mas, porque veio sem estrela seis vezes, por isso o recebeu o céu

com seis estrelas. Assim recuperou Santo Antônio à sua pátria, em um

dia, o que tinha perdido e pedido em tantos anos.

§ VIIAgradecimento às estrelas do brasão de Clemente X.

Vivam as clementíssimas estrelas eternamente: Quasi stellae in per-petuas aeternitates. Vivam as clementíssimas estrelas, e permaneçam,

se é conce dido, sobre os anos de Pedro: Stellae manentes in ordine et cursu suo, para que, debaixo destas estrelas, como a valente Débora,

triunfe a Igreja do bárbaro Sisara, que tanto se vem chegando, mas para

sua ruína. E se os reis do Oriente, quando lhes apareceu a estrela escon-

dida, gavisi sunt gaudio magno valde, faça extremos de prazer Portugal,

adorando os clementíssimos aspectos e a divina majestade destas estre-

las, que se na outra estrela é opinião que estava um anjo, nestas estrelas é

fé que está Deus. Alegre-se Lisboa, e alegre-se Portugal, e agora se tenha

por verdadeira mente restituído, pois se vê restituído e canonizado. Santo

Antônio entrou triunfan te no céu no dia de sua morte, mas os sinos de

Lisboa não se repicaram milagrosa mente senão no dia de sua canoniza-

ção, porque não tem Portugal as suas glórias por glórias, senão quando

as vê confirmadas e estabelecidas por Roma. Muitas graças a Roma, mui-

tas graças às beatíssimas estrelas que a dominam. E pois eu lhes não

posso oferecer outro tributo, quero fixar ao pé delas o meu tema: Vos estis lux mundi.

Page 131: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

131

Considerações finais

Caro(a) aluno(a),

Chegamos ao final da disciplina Literatura Portu-guesa I. Passamos pelo Tro-vadorismo e suas Cantigas de Amor, de Amigo e as satíricas Cantigas de Escárnio. Emocio-namo-nos com as Novelas de Cavalaria, conhecemos os he-róis Arthur, Lancelot e Amadis de Gaula. Conhecemos o teatro de Gil Vicente e suas farsas, seus autos, suas alegorias. Le-mos os clássicos sonetos camo-nianos e constatamos a geniali-dade de Camões na composição da epopeia Os Lusíadas. E, por fim, analisamos os Sermões do Padre Vieira.

Você deverá observar que no plano de curso ainda constam Os Sonetos de Bocage. Para que o livro-texto não fique imenso, optamos por deixar esta parte do conteú-do no Ambiente Virtual de Aprendizagem. Você deverá ler o material que lá está devido à riqueza e importância de Bocage para a Literatura Portuguesa e Universal como ícone do arcadismo lusitano, autor que ficou conhecido em Portugal e no Brasil como poeta boêmio, satírico e erótico. Ele foi um poeta de transição entre o Neoclassicismo e o Ro-mantismo, viveu com um pé nos degraus da Arcádia e com o outro sus-penso ante os abismos enigmáticos do futuro. Esta é a mesma trajetória do poeta Gregório de Matos Guerra, conhecido como “Boca do Inferno” que você estudará em Literatura Brasileira.

Sentimos, por vezes, que a ementa seria muito grande e que não daríamos conta, mas confiávamos em sua capacidade e sabíamos que

Figura 51 – Literatura Portuguesa

Page 132: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Literatura Portuguesa I

132

juntos conseguiríamos. Se você leu com atenção e interesse este livro--texto, fez todas as atividades solicitadas, entregando-as no prazo estabe-lecido, acessou o AVEA, participou dos bate-papos e videoconferências, se assistiu à aula por nós ministrada, se buscou e consultou os tutores responsáveis pela disciplina, temos certeza de que você está apto(a) para passar de semestre e em condições de frequentar a disciplina Literatura Portuguesa II.

Foi um grande prazer termos navegado com você em mares/ma-térias nunca antes navegados/conhecidas, e chegado a um porto seguro.

Parabéns pelo esforço. Cremos que agora, tal como Camões, po-deremos dizer que “um valor mais alto se alevanta”...

Salma Ferraz

Page 133: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

RefeRênCias

133

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Crédito das Imagens

Capa

O retrato de Camões por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende.

Fonte: Disponível em: <http://www.nublog.com.br/admin/fotos/file/ca-moes.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2011.

Unidade A

O trovador

Fonte: Disponível em: <http://www.enciclopedia.com.pt/images/trova-dor.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2011.

Unidade B

Capa do livro Amadis de Gaula, versão espanhola de 1533.

Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Amadis--spanish-1533.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Unidade C

O êxtase de Santa Teresa, de Gianlorenzo Bernini (1652).

Fonte: Igreja de Santa Maria della Vittoria, Roma. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4c/Ecstasy_St_Theresa_SM_della_Vittoria.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2011.

Miolo

Figura 1 – Menestréis

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_HT1jJiNY5aI/S_lgri1ACyI/AAAAAAAAAOI/HgJs-Cj7Lfo/s320/trovadores.jpg>. Aces-so em: 10 ago. 2011.

Figura 2 – ‘Cantigas de Amigo’, manuscrito de Martin Codax.

Fonte: Pierpont Morgan Library, New York, Vindel MS M979. Dispo-nível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Martim_Codax_Can-tigas_de_Amigo.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2011.

Figura 3 – Iluminura medieval do manuscrito medieval As cantigas, de Alphonse Le Sage (século XV).

Fonte: Biblioteca Real, El Escorial, Madri, Espanha. Disponível em: <http://www.corbisimages.com/images/IH164074.jpg?size=67&uid=91ec75f7-9662-45b0-8175-51c3d03bc560>. Acesso em 12 ago. 2011.

Page 140: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Literatura Portuguesa I

140

Figura 4 – Vassalagem amorosa, iluminura medieval.

Fonte: Disponível em: <http://conversademenina.files.wordpress.com/2009/04/amor-cortes_iluminura-21.jpg?w=394&h=279>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 5 – Menestrel

Fonte: <http://lh6.ggpht.com/_i-VaP9vomiQ/THCQvXVUoCI/AA-AAAAAAAPs/t1KBcM2WojQ/med_minstrel_thumb%5B9%5D.gif>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 6 – Meu país

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_l-pG7Myu5P8/TI-DdG4jggDI/AAAAAAAAEB4/efU5JbHHT8w/s1600/brasilastbn5.gif>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 7 – Tristão e Isolda, de Edmund Blair Leighton (1902).

Fonte: Disponível em: <http://hermannthate.blogspot.com/2010/12/los-alegres-viernes-retro-leonor-de.html>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 8 – Leonor de Aquitânia nomeando um cavalheiro, de Edmund Blair Leighton (1902)

Fonte: Disponível em: <http://hermannthate.blogspot.com/2010/12/los-alegres-viernes-retro-leonor-de.html>. Acesso em: 12 ago. 2011.

Figura 9 – O beijo, de Francesco Hayez (1859).

Fonte: Pinacoteca Di Brera, Milão. Disponível em: < http://3.bp.blogspot.com/-SaimlNaLpDI/TatqGLiMBmI/AAAAAAAAAV4/VV_cu-pjqcI/s1600/francesco-hayez-o-beijo-1859.jpg>. Acesso em: 12 ago. 2011.

Figura 10 – Cavaleiro Medieval

Fonte: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/_G76NFNcUugU/SgUrjx351dI/AAAAAAAAN-8/O0qEFpFQLtk/s400/galahadhorse.gif>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 11 – Cruzados

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_dXpY29iliks/TCiOTx4IU5I/AAA-AAAAAAVA/AKGs_vXXv-g/s400/cruzados.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 12 – Iluminuras que mostram uma cerimônia em que um jovem nobre do século XVI se torna cavaleiro, recebendo a espada de seu rei.

Fonte: STEINMANN, H.; DEL OLMO, M. J. A. No tempo do Feudalis-mo. 7. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 33.

Page 141: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

RefeRênCias

141

Figura 13 – Rei Arthur, reprodução de tapeçaria medieval.

Fonte: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-0CkJJzhsOhI/TdAB-t65xu6I/AAAAAAAAAes/8iWHdvq1Uho/s1600/king-arthur-tapestry.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2011.

Figura 14 – Camelot, reprodução de tapeçaria medieval.

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-HS8HBa_VKJA/TdAL-G2PL1I/AAAAAAAAAe8/8WpYL5cy0V4/s1600/tournament-camelot11.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2011.

Figura 15 – Galaaz recebe o alimento espiritual do Graal, seguido de Per-cival e Bors, de Dante Gabriel Rossetti (1864).

Fonte: Tate Gallery, London/UK. Disponível em: <http://uploads7.wikipaintings.org/images/dante-gabriel-rossetti/how-sir-galahad-sir-bors-and-sir-percival-were-fed-with-the-sanc-grael0-but-sir-perci-val0s-1864.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2011.

Figura 16 – Amadis salva Oriana, tapeçaria de François Spiering (ca.1590-95)

Fonte: The Metropolitan Museum of Art, New York. Disponível em: <http://www.metmuseum.org/special/tapestry/view_alt.asp?item=2>. Acesso em: 15 ago. 2011.

Figura 17 – Dom Quixote

Fonte: SECKEL, A. Incredible Visual Illusions. New York:Arcturus Publishing, 2006. Disponível em: <http://paperofpins.blogspot.com/2010/11/dom-quixote.html>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 18 – Dom Quixote montando Rocinante. Atrás vem Sancho Pança e Rucio, o burro narrador. Cenário da animação Donkey Xote, do diretor espanhol Jose Pozo.

Fonte: Revista Época, São Paulo, 20 maio 2009. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI73895-15220,00.html>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 19 – Teatro Vicentino

Fonte: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/_lrRTe2L23lY/S63e-thi6zmI/AAAAAAAAACw/aBOdf_sRpmY/s1600/1152295931.jpg>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 20 – Gil Vicente escrevendo um Auto da barca, de Victor Couto (2009).

Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/com-mons/8/85/Gil_Vicente_vermelho.jpg>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Page 142: [Livro UFSC] Literatura Portuguesa 1

Literatura Portuguesa I

142

Figura 21 – Inês Pereira – ilustração.

Fonte: Disponível em: http://1.bp.blogspot.com/_G76NFNcUugU/SGeqmNcH5bI/AAAAAAAAHOA/l0TM2Saz9eA/s400/002%2B-%2BC%C3%B3pia.jpg. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 22 – Auto da Barca do Inferno – ilustração

Fonte: Disponível em: <http://www.essaseoutras.com.br/wp-content/uploads/2011/05/fidalgo-auto-barca-inferno.jpg>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 23 – O Diabo e o Juiz, cena de espetáculo teatral.

Disponível em: < http://images01.olx.com.br/ui/9/30/13/12912 24535_143112713_6-AUTO-DA-BARCA-DO-INFERNO-O-ESPETa-CULO-Brasil-1291224535.jpg>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 24 – Luís de Camões

Fonte: Disponível em: <http://purl.pt/5610/1/e-405-v_JPG/e-405-v_JPG_24-C-R0072/e-405-v_0001_1_p24-C-R0072.jpg >. Acesso em: 15 ago. 2011.

Figura 25 – Psiquê revivida pelo beijo de Eros, de Antonio Canova (1787).

Fonte: Museu do Louvre. Foto de Ricardo André Frantz. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/71/Canova--eros%26psique4u.jpg>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 26 – Amor é fogo que arde sem se ver – ilustração.

Fonte: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-e0rbJ3oKk4A/Tag4Og6WX_I/AAAAAAAAAcM/nKw2aFXA2kg/s400/Amor-e-Fo-go-que-Arde-sem-se-ver.jpg>. Acesso em: 16 ago. 2011.

Figura 27 – O beijo, de Rodin (1888-1889)

Fonte: Disponível em: <http://www.portalct.com.br/blogs/araguaina-ontime/administracao/files/images/oBeijoRodinC%C3%ADceraMaria.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 28 – A valsa, de Camille Claudel (1889-95).

Fonte: Museu Rodin, Paris, França. Disponível em: <http://www.pas-seiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/galeria/open_art/1294>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 29 – O encontro de Jacó e Raquel, de William Dyce (1853).

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RefeRênCias

143

Fonte: Hamburger Kunsthalle, Hamburg. Disponível em: <https://www.myartprints.com/kunst/william_dyce/Jacob-Rachel.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 30 – Poema de Camões ilustrado

Disponível em:<http://www.robertoizidro.com.br/014/html/cam%C3%B5esfoto.htm>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 31 – Ampulheta

Disponível em: <http://api.ning.com/files/bcTo9nweC3pBFfITiJI-TQLWxAUOWqLNmYEKKfBGxBFqTwlV0jLx1nIS2T-QkX6znDbn-gVC3pZVWuSvawKc-sY-x1wAw*AhCZ/ampulheta.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 32 – O pensador, de Rodin (1902).

Fonte: Museu Rodin, Paris, França. Disponível em: < http://www.revis-tabahiaemfoco.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/08/o-pensador.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 33 – Olhos.

Disponível em: < http://www.grandesmensagens.com.br/wp-content/uploads/2010/06/olhos2-708073.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 34 – Mapa que mostra a rota de Vasco da Gama narrada n’ Os Lusíadas.

Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_VGO-3G6MgEo/T N D d F hy g Mw I / A A A A A A A A AW 0 / 1 pm 5 t d e Z 9 b 8 / s 1 6 0 0 /os+lus%C3%ADadas.jp>. Acesso em: 10 ago. 2011.

Figura 35 – Reprodução atual de como deve ter sido construído o Cava-lo de Troia, que foi usada nas cenas do filme Troia (2004).

Fonte: Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/aulas/10808/imagens/cavalodetriafilme.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 36 – Azulejo português que representa uma cena do Adamastor n’Os Lusíadas.

Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_NmEuBmIpK2A/SibtKwE-JgVI/AAAAAAAAByw/w9-gxJHg0UY/s400/1067202_DP7fl.jpeg>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 37 – Vasco da Gama

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Disponível em: <http://www.artimanha.com.br/Historia%20naval/His-toria%20Nau%20S%20Gabriel/Imagens%20S%20Gabriel/Vascodaga-ma.jpg>. Acesso em: 01 ago. 2011.

Figura 38 – Baco, inimigo dos portugueses.

Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/com-mons/6/64/Bacchus_head_in_Italy.jpg>. Acesso em 10 jul. 2011.

Figura 39 – O Concílio dos Deuses, afresco de Luigi Sabatelli (1819-25), na Galeria Palatina (Palazzo Pitti), Florença, Itália.

Disponível em: < http://gekos.no/fineart/support/viewer/z.html>. Aces-so em: 18 ago. 2011.

Figura 40 – Túmulo de Inês de Castro

Disponível em: <http://api.ning.com/files/x8Nc4bGvSTU0tdnZ1u-F1rUQXVDTbdFPLJy2ixu-JFLJRy51Nx*a4Oq91qCFaD5GBWaLjTciCSYbC3e8t9Y1ns2jKtSY-IG3T/InsdeCastroTmuloI.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2011.

Figura 41 – Morte de Inês, de Columbano Bordalo Pinheiro (1901-1904). Morte por encomenda: abraçada à filha, Inês pede clemência a seus algozes, aliados do rei.

Fonte: Museu Militar de Lisboa, Portugal. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/ines_de_castro_-_a_rainha_mor-ta.html>. Acesso em: 18 ago. 2011.

Figura 42 – Velho do Restelo

Fonte: Disponível em: < http://ventosdouniverso.blogspot.com/2010/11/os-lusiadas-significado-da-epopeia-2.html>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Figura 43 – Vênus e a Ilha dos Amores

Fonte: Disponível em:< http://3.bp.blogspot.com/_-DaHXdvbrtc/TD-WYzNq_nI/AAAAAAAAAEQ/TxPuIoRXTSE/s1600/venus.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 44 – Tétis mostra a Gama a Máquina do Mundo, de Carlos Al-berto Santos (ca. 1980).

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_sLjuDPlTvUo/THzKAS4i6HI/AAAAAAAACNE/IS3KBsyJzhg/s1600/Lus%C3%ADadasVascodaGamaeTetismachina.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 45 – Padre Antônio Vieira

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RefeRênCias

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Fonte: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_ypOB0y_Sc24/TOg-dRVHdrbI/AAAAAAAAAKw/NwspI5-pegE/s1600/Imagem+1.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011.

Figura 46 – A luz de Cristo

Fonte: Disponível em: < http://1.bp.blogspot.com/-bmlNDX3db6w/TbKeNAxBjwI/AAAAAAAACdU/N2jwHjjWvmU/s320/LUZ_DE_DEUS.jp>. Acesso em: 25 ago. 2011.

Figura 47 – Jonas no ventre da baleia

Fonte: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_MYwR9oRI9uY/TOqNVBV8JWI/AAAAAAAAAaY/jqYwz3ZhG5k/s1600/jonas_ba-leia.gif>. Acesso em: 25 ago. 2011.

Figura 48 – Os Argonautas, de Ercole d’Antonio Roberti (ca. 1480).

Fonte: Disponível em: <http://26.media.tumblr.com/tumblr_loh3cu-46xf1qchk7to1_500.jpg>. Acesso em: 25 ago. 2011.

Figura 49 – Travessia do Mar Vermelho - ilustração

Fonte: Disponível em: <http://farm4.static.flickr.com/3295/2735048321_90ae8f9a9f.jpg?v=0>. Acesso em: 25 ago. 2011.

Figura 50 – O sacrifício de Isaac, de Caravaggio (1594-1596).

Fonte: Galleria degli Uffizi, Itália. Disponível em: <http://upload.wiki-media.org/wikipedia/commons/4/45/Michelangelo_Caravaggio_022.jpg>. Acesso em: 25 ago. 2011.

Figura 51 – Literatura Portuguesa

Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_71zUUJ2kX6U/S3A5VcCGgwI/AAAAAAAABBw/qR9cm40FNNM/s1600-h/banner-literatura_portuguesa.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011.

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