TL_N28

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1 Terra Livre Geografia e Ensino associação dos geográfos brasileiros

Transcript of TL_N28

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Terra Livre

Geografia e Ensino

associaçãodos geográfos

brasileiros

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Associação dos Geógrafos Brasileiros

Diretoria Executiva NacionalGestão 2006/2008

PresidenteEdvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS)

Vice PresidenteManoel Calaça (AGB - Goiânia/GO)

Primeiro SecretárioJones Dari Goettert (AGB - Dourados/MS)

Segundo SecretárioZeno Soares Crocetti (AGB - Curitiba/PR)

Primeiro TesoureiroAlexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP)

Segundo TesoureiroVictor A. de Souza Junior (AGB - João Pessoa/PB)

Coordenação de PublicaçõesAntonio Thomaz Junior (AGB - Presidente Prudente /SP)

Ana Paula Maia Jansen (AGB - Rio Branco/AC)José Alves (AGB - Rio Branco/AC)

José Messias Bastos (AGB - Florianópolis/SC)Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB - Salvador/BA)

Representação junto ao Sistema CONFEA/CREA Titular: Rodrigo Martins dos Santos (AGB - São Paulo/SP)

Suplente: Cristiano Silva da Rocha (AGB - Porto Alegre/RS)

Representação junto ao Conselho das CidadesArlete Moyses Rodrigues (AGB - São Paulo/SP)

Correio eletrônico: [email protected]

Página na internet: http://www.agb.org.br

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ISSN 0102-8030

Terra Livre

Publicação semestral

da Associação dos Geógrafos Brasileiros

ANO 23 – Vol. 1NÚMERO 28

Terra L iv re P resident e P rudente Ano 2 3 , v . 1 , n . 2 8 p. 1 -2 8 8 Jan -Jun/2 0 0 7

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TERRA LIVRE

Conselho Editorial

ColaboradoresAlexandre Bergamin Vieira (UNESP - Presidente Prudente/SP)

Karina Furini da Ponte (UFAC - Rio Branco/AC)

Editor responsável e editoração: José Alves (UFAC - Rio Branco/AC)Co-Editor: Antonio Thomaz Júnior

Formatação eletrônica: Alexandre Aldo Neves (UNESP – Presidente Prudente /SP)Revisão de Espanhol: Jorge Montenegro Gómez (UFRP - Curitiba/PR)

Revisão de Inglês: Jarbas Francisco Alves

CapaMotivo: Muitas Nações, um mundo. I Concurso Local de Cartografia para Crianças / UFAC

Autora: Thais Barros de Souza (Profª. Jane Fran. 4ª série/Ensino Fundamental, Colégio Meta – Rio Branco/AC.)Arte: Gilson Kleber Lomba

Tiragem: 1.000Impressão: Copy Set (Av. Cel. José Soares Marcondes, n. 798, Presidente Prudente-SP - [email protected])

Endereço para Correspondência:Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN)

Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade UniversitáriaCEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758

ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SPe-mail: [email protected]

Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986.São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico

Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for echange

Adauto de Oliveira Souza (UFGD)Ailton Luchiari (USP)Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS)Alexandrina da Luz (UFS)Ângela Massumi Katuta (UEL)Antonio Carlos Vitte (UNICAMP)Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente)Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP)Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP)Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente)Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP)Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS)Douglas Santos (PUC/SP)Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente)Horácio Capel Sáez (Universidade de Barcelona/Espanha)João Cleps Júnior (UFU)João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon)

Jorge Montenegro Gómez (UFPR)José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha)Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon)Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão)Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP)Maria Franco García (UFPB)Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília)Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo)Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB)Ricardo Antunes (UNICAMP)Rogério Haesbaert da Costa (UFF)Selma Simões de Castro (UFG)Silvio Simione da Silva (UFAC)Valéria De Marcos (USP)Virgínia Elisabeta Etges (UNISC)Xosé Santos Solla (Universidade de Santiago de Compostela/

Espanha)

1986 – ano 1, v. 11987 – n. 21988 – n. 3, n. 4, n. 51989 – n. 61990 – n. 7 10. Geografia – Periódicos 10. AGB. Diretoria Nacional

1991 – n. 8, n. 91992 – N. 10Revista Indexada em Geodadoswww.geodados.uem.brISSN 0102-8030

1992/93 – 11/12 (editada em 1996)1994/95/96 – interrompida1997 – n. 131998 – interrompida1999 – n. 142000 – n. 152001 – n. 16, n. 172002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 192003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 212004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 232005 – Ano 21, v.1, n. 242005 – Ano 21, v. 2, n. 252006 – Ano 22, v. 1, n. 262006 – Ano 22, v. 2, n. 272007 – Ano 23, v. 1, n. 28 CDU – 91 (05)

Ficha Catalográfica

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Sumário

EDITORIAL

ARTIGOS

MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:(TERRA E) HOMEM DO NORDESTE

JONES DARI GOETTERT

A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO

COMENDO PASTEL DE VENTO NUM FAST FOOD? NESTOR ANDRÉ KAERCHER

ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO DE

SENTIDOS

IARA GUIMARÃES

O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA DAS

TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS

VALDENILDO PEDRO DA SILVA

LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO

COMPARATIVO DE SABERES DOCENTES NO BRASIL

HELENA COPETTI CALLAI

LANA DE SOUZA CAVALCANTI

SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE: A ESCOLA NORMAL

DA PARAHYBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX CARLOS AUGUSTO DE AMORIM CARDOSO

O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DOS

DESCOMPASSOS ENTRE A FORMAÇÃO DOCENTE E AS

ORIENTAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

MARIA CLEONICE B. BRAGA

ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO PARA O LICENCIANDO EM PEDAGOGIA

MARCEA ANDRADE SALES

15-26

27-44

45-66

67-90

91-108

109-128

129-148

149-162

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ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE AFORMAÇÃOPROFISSIONAL EM GEOGRAFIA PAUTADA NO

DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INVESTIGATIVA

ANA MARIA RADAELLI DA SILVA

JUÇARA SPINELLI

A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA

IDEOLOGIA NACIONAL

ROGATA SOARES DEL GÁUDIO

ROSALINA BATISTA BRAGA

A IDEOLOGIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA

DURANTE O REGIME MILITAR NO BRASIL

EDINHO CARLOS KUNZLER

CARMEN REJANE FLORES WIZNIEWSKY

A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO AS SUAS

PRÁTICAS E LINGUAGENS

ÂNGELA MASSUMI KATUTA

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO POSSIBILIDADE

DE UNIFICAR SABERES

GRAÇA APARECIDA CICILLINI

SANDRA RODRIGUES BRAGA

VALTER MACHADO DA FONSECA

RESENHA

SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS EESPAÇOS SOCIAIS: EDUCAÇÃO, GEOGRAFIA,

INTERDISCIPLINARIDADE

CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES

NORMAS

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

COMPÊNDIO

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES

163-176

177-196

197-220

221-238

239-256

259-261

264-270

273-287

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Summary/Sumario

FOREWORD/EDITORIAL

ARTICLES/ ARTÍCULOS

MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:(LAND AND) THE MAN FROM THE NORTHEAST

MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:(TIERRA Y) HOMBRE DEL NORDESTE

JONES DARI GOETTERT

SCHOOL GEOGRAPHY: A GIANT WITH CLAY FEET EATINGAIR FILLED FRIED PASTRY AT A FAST FOOD RESTAURANT?

LA GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PIES DE BARROCOMIENDO EMPANADAS DE AIRE EN UN “FAST-FOOD”?

NESTOR ANDRÉ KAERCHER

GEOGRAPHY TEACHING, MEDIA AND PRODUCTION OFSENSES

ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA, MEDIOS DECOMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓN DE SENTIDOS

IARA GUIMARÃES

SPATIAL THINKING IN THE AGE OF INFORMATIONALTECHNOLOGIES

EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LA ERA DE LAS TECNOLOGÍASINFORMACIONALES

VALDENILDO PEDRO DA SILVA

PLACE AND URBAN CULTURE: A COMPARATIVE STUDY OFTEACHERS’ KNOWLEDGE IN BRAZIL

LUGAR Y CULTURA URBANA: UN ESTUDIO COMPARATIVODE LOS SABERES DOCENTES EN BRASIL

HELENA COPETTI CALLAI

LANA DE SOUZA CAVALCANTI

SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

THE PLACE OF THE SCHOOL IN THE CITY:THE NORMAL SCHOOL OF PARAHYBA IN THE BEGINNING

OF THE 20TH CENTURYEL LUGAR DE LA ESCUELA EN LA CIUDAD

LA ESCUELA NORMAL DE PARAHYBA A INICIOS DELSIGLO XX

CARLOS AUGUSTO DE AMORIM CARDOSO

THE TEACHING OF GEOGRAPHY IN THE INITIAL GRADESOF BASIC EDUCATION: AN ANALYSIS OF THE DISHARMONY

BETWEEN TEACHING FORMATION AND PUBLIC POLICIESRECOMMENDATIONS

LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA EN LAS SERIESINICIALES DE LA EDUCACIÓN BÁSICA: UN ANÁLISIS DE LA

DISONANCIA ENTRE LA FORMACIÓN DOCENTE Y LASRECOMENDACIONES DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS

MARIA CLEONICE B. BRAGA

STUDIES IN GEOGRAPHY: A CHALLENGE TO PEDAGOGYGRADUATES

ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UN DESAFÍO PARA EL LICENCI-ADO EN PEDAGOGÍA

MARCEA ANDRADE SALES

15- 26

27- 44

45-66

67-90

91-108

109-128

129-148

149-162

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TEACHING AND RESEARCH: REFLECTING UPONPROFESSIONAL FORMATION IN GEOGRAPHY GUIDED BY THE

DEVELOPMENT OF AN INVESTIGATIVE COMPETENCEENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN: REFLEXIONANDO SOBRE LA

FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN GEOGRAFÍA CON BASE ENEL DESARROLLO DE LA COMPETENCIA INVESTIGATIVA

ANA MARIA RADAELLI DA SILVA

JUÇARA SPINELLI

GEOGRAPHY, EDUCATION AND THE CONSTRUCTION OF

NATIONAL IDEOLOGYLA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN Y LA CONSTRUCCIÓN DE LA

IDEOLOGÍA NACIONAL

ROGATA SOARES DEL GÁUDIO

ROSALINA BATISTA BRAGA

IDEOLOGY IN GEOGRAPHY TEXTBOOKS DURING THE PERIOD

OF MILITARY REGIME IN BRAZILLA IDEOLOGÍA EN LOS LIBROS DIDÁCTICOS DE

GEOGRAFÍA DURANTE EL GOBIERNO MILITAR EN BRASIL

EDINHO CARLOS KUNZLER

CARMEN REJANE FLORES WIZNIEWSKY

THE TEACHING EDUCATION: RE-THINKING THEIR

PRACTICES AND LANGUAGES

LA EDUCACIÓN DOCENTE: (RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS YLENGUAJE

ÂNGELA MASSUMI KATUTA

THE ENVIRONMENTAL EDUCATION AS A POSSIBILITY TO

UNIFY KNOWLEDGELA EDUCACIÓN AMBIENTAL COMO POSIBILIDAD DE LA

UNIFICACIÓN DE LOS CONOCIMIENTOS

GRAÇA APARECIDA CICILLINI

SANDRA RODRIGUES BRAGA

VALTER MACHADO DA FONSECA

REVIEW/RESEÑA

TO KNOW AND PRACTICAL IN THE CONSTRUCTION OFCITIZENS AND SOCIAL SPACES: EDUCATION, GEOGRAPHY,

INTERDISCIPLINARIDADESABERES Y PRÁCTICO EN LA CONSTRUCCIÓN DE CIUDADANOS

Y DE ESPACIOS SOCIALES: EDUCACIÓN, GEOGRAFÍA,INTERDISCIPLINARIDADE

CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES

NORMAS

SUBMISSION GUINDELINESA

NORMAS PARA PUBLICACIÓN

COMPÊNDIO

COMPENDIUM OF THE PREVIUS NUMBERS

COMPENDIO DE NÚMEROS ANTERIORES

163-176

177-196

197-220

221-238

239-256

259-261

264-270

273-287

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EDITORIAL

É com imenso prazer que a Coordenação de Publicações da revista Terra Livre

apresenta à comunidade geográfica e demais interessados o número 28 que tem como

dossiê temático Geografia e Ensino.

Pensar fazer a Geografia neste início de milênio é uma tarefa árdua e complexa, mas

também prazerosa e acima de tudo necessária, seja pela dinâmica avassaladora com que a

lógica do capital atua sobre os mais variados territórios, lugares e regiões, sejam pelas

conseqüências que seu processo de acumulação/reprodução gera a esses espaços e a seus

sujeitos. E se estamos partindo do pressuposto de que tais sujeitos devam se posicionar,

não só no campo das idéias, mas também na práxis cotidiana, mais necessário ainda se torna

compreender quais agentes e processos atuam na produção e reprodução das mais variadas

dinâmicas sociais e espaciais.

Essa difícil tarefa não pode ser realizada ou almejada a não ser com o imprescindível

papel que a educação ocupa na sociedade brasileira atual. E para contribuir com esta reflexão,

a Geografia e seu ensino são essenciais.

Assim, a partir do I Concurso Local de Cartografia para Crianças, realizado durante

a XX Semana de Geografia da Universidade Federal do Acre (Maio de 2007), selecionamos

para a capa o desenho de uma criança da 4ª série do Ensino Fundamental de uma das

escolas participantes do encontro, que procurou retratar o tema “Muitas nações, um mundo”,

no qual há a essência de um sujeito em construção que percebe um mundo diverso, com

suas particularidades, mas também com seus problemas e desigualdades.

É com esse intuito que convidamos todos os interessados para a leitura das reflexões

materializadas neste número da Terra Livre. Reflexões de diversas temáticas e preocupações

teórico-metodológicas acerca do ensino de Geografia.

Iniciamos com um texto em homenagem ao inesquecível professor Manuel Correa

de Andrade, apresentado no VI Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor,

realizado em Uberlândia/MG, que objetiva demonstrar algumas preocupações de um dos

mais importantes geógrafos brasileiros. Mestre que se preocupou com a construção e

compreensão da Geografia brasileira, que apesar da sua ausência, muito ainda tem a nos

ensinar.

Na seqüência, deparamo-nos com análises referentes às práticas docentes da geografia

escolar, às relações entre o ensino de geografia e a mídia, ao raciocínio espacial na era das

tecnologias informacionais, ao conceito de cidade e lugar no ensino, à formação e o ensino

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de geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental, bem como à relação entre ensino e

pesquisa na formação docente. Outras reflexões são dedicadas à ideologia presente no

ensino de geografia e nos livros didáticos no período militar, à educação docente - suas

práticas e linguagens, e à questão da educação ambiental no processo educativo.

Como se evidencia, buscou-se fazer deste número, especial sobre ensino, um volume

de preocupações diversas, mas que apesar de plural tenha um objetivo comum, ou seja:

fazer da geografia e do seu ensino um instrumento de reflexão e ação sobre a realidade da

educação e da sociedade brasileira.

Esperamos que o leitor desfrute das contribuições presentes e que possa a partir das

mesmas continuar pensando e agindo em prol de um ensino da Geografia atuante e em

movimento.

OS EDITORES

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FOREWORD

It is with a great pleasure that the Coordination of Publications of the magazine

Terra Livre presents to the geographical community and others that might be interested,

the 28th issue which has as a theme Geography and Teaching.

To think about doing Geography in this beginning of millennium is an arduous

and complex task, but it is also a pleasant and above all necessary one, either for the

overpowering dynamics with which the logic of the capital acts upon the most varied

territories, places and regions, or for the consequences that its accumulation/reproduction

process generates to these spaces and their characters. And presuming that such characters

might take positions, not only in the field of ideas, but also in the daily praxis, it becomes

even more necessary to understand which agents and processes act in the production and

reproduction of the most varied social and space dynamics.

This difficult task cannot be accomplished or desired but only with the indispensable

role that education occupies in the current Brazilian society. And to contribute with this

reflection, Geography and its teaching are essential.

This way, from the First Local Contest of Cartography for Children, taken place

during the 20th Week of Geography of the Federal University of Acre (May 2007), we

selected for the cover the drawing of a child from the 4th grade of Primary School of one

of the schools taking part in the event, which tried to portray the theme “Many nations, one

world”, in which there is the essence of a character in construction who notices a diverse

world, with its particularities, but also with its problems and inequalities.

It is with this intention that we invite anyone who may be interested to read the

reflections materialized in this issue of Terra Livre. Reflections of several themes and

theoretical-methodological concerns on the teaching of Geography.

We begin with a text in honor to the unforgettable teacher Manuel Corrêa de Andrade,

presented in the 6th National Meeting of Geography Teaching - Fala Professor, taken place

in Uberlândia/MG, which aims at demonstrating some concerns of one of the most important

Brazilian geographers. A teacher who worried about the construction and understanding of

the Brazilian Geography, and in spite of his absence, he still has a lot to teach us.

Following that, we find analyses regarding the educational practices of the school

geography, the relationships between the teaching of geography and the media, the space

thinking in the age of informational technologies, the concept of city and place in teaching,

the formation and the teaching of geography in the initial grades of Basic Education, as

well as the relationship between teaching and research in the teachers’ formation. Other

reflections are dedicated to the present ideology in the teaching of geography and in the

textbooks in the military period, to the teachers’ education - its practices and languages, and

to the issue of environmental education in the educational process.

As it is demonstrated, we tried to make this issue, especially on teaching, a volume

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of several concerns, but one with a common objective despite being plural, that is: to make

geography and its teaching a reflection instrument and action about the reality of education

and the Brazilian society.

We hope that the reader enjoys the present contributions and that they, from these

contributions, can continue thinking and acting on behalf of an active and moving teaching

of Geography.

THE EDITORS

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A R T I G O S

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Resumo: Manuel Correia de Andrade, incansavelmente, fez da vida otrabalho em compreender “a terra e o homem no Nordeste”. ManuelCorreia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejoupela vida, pela ciência, por mulheres e homens, em diálogo contínuocom a teoria e com as gentes do litoral, do agreste e do sertão, que“mourejam a terra”. Embalado pelo compromisso intelectual e social,Manuel Correia de Andrade fez-se terra, fez-se homem, fez-se corpo,fez-se espaço e fez-se tempo. Espaço(s) e tempo (s) de um Nordestemúltiplo, diverso, marcado por séculos de mando “controlado por umaoligarquia que procura trazer vantagens para ela própria”, mas que,por outro lado, em uma amálgama de terra e gentes do trabalho,protagoniza “a ação de movimentos como o MST, a Contag e a Pastoralda Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, deque “a reforma agrária seria feita na lei ou na marra”! “Tudo no mundo”,em vinte e dois de junho de 2007, se fechou para os olhos de ManuelCorreia de Andrade. Mas, como que por uma “geografia da alma”,seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros ecentenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes.De seu Nordeste que lutou para que fosse um lugar melhor, uma terrasem males.Palavras-chave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Terra;Homem.

Abstract: Manuel Correia de Andrade made his life into a quest tounderstand “the land and the man from the Northeast”. Manuel Correiade Andrade, known as Correinha by the rural workers, constantlyworked for life, science, men and women without resting, in a constantsharing of ideas between theory and the beach people, not to mentionthe “Agreste” and the hinterland ones who toiled the land. Taken by anintellectual and social commitment, Manuel Correia de Andrade madehimself land, made himself man, made himself space and time. Time(s)and space(s) of a multiple, diverse Northeast which was marked bycenturies of ordering “controlled by an oligarchy that tried to take fulladvantage for itself”. On the other hand, however, this Northeast in anamalgam of land and workers that takes part in “movement actionssuch as the MST, the CONTAG and the PASTORAL DA TERRA”,“bringing back to life Francisco Julião’s slogan (1960) in which hementions, “the agrarian reform is to be done either according to thelaw or to men’s will”! “Everything in the world”, on June 22nd, 2007,closed their eyes to Manuel Correia de Andrade. But, based on a “soulgeography”, his eyes seem to look at us through his route, his booksand hundreds of articles, through his conversations, his land and hispeople. Everything in the world seems to look at us through his Northeastwhich fought in order to be a better place, a blessed land.Keywords: Manuel Correia de Andrade; Northeast; Land; Man.

Resumen: Manuel Correia de Andrade hizo de su vida una buscaincansable para comprender “la tierra y el hombre del Nordeste”.Manuel Correia de Andrade, el Correinha de los trabajadores rurales,trabajó sin descanso por la vida, por la ciencia, por las mujeres y loshombres, en un diálogo continuo con la teoría y las personas del litoral,del “agreste” y del “sertão”, que también “trabajan la tierra sindescanso”. Por su compromiso intelectual y social, Manuel Correia deAndrade se hizo tierra, se hizo hombre, se hizo cuerpo, se hizo espacioy se hizo tiempo. Espacio(s) y tiempo(s) de un Nordeste múltiple,variado, marcado por siglos de mando “controlado por una oligarquíaque intenta obtener beneficios para si misma”, pero que, por otro lado,en un amalgama de tierra y personas trabajadoras, protagoniza “laacción de movimientos como el MST, la CONTAG y la Pastoral de laTierra”, “haciendo renacer el slogan de Francisco Julião, de 1960, deque “la reforma agraria seria hecha por la ley o por la fuerza”! “Todoen el mundo”, el veintidós de junio de 2007, se cerró para los ojos deManuel Correia de Andrade. Pero como por una “geografía de la alma”,sus ojos parecen mirarnos a través de su trayectoria, de sus libros y decentenas de artículos, de sus charlas, de su tierra y de su gente. De suNordeste, por el que luchó para que fuera un lugar mejor, una tierrasin males.Palabras clave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Tierra;Hombre.

MANUEL CORREIA DE

ANDRADE, CORREINHA:(TERRA E) HOMEM DO

NORDESTE*

MANUEL CORREIA DEANDRADE, CORREINHA:

(LAND AND) THE MAN FROM THENORTHEAST

MANUEL CORREIA DEANDRADE, CORREINHA:(TIERRA Y) HOMBRE DEL

NORDESTE

JONES DARI GOETTERT

Professor Adjunto do Curso deGeografia – FCH – UFGD

1º Secretário da DEN – AGBRua João Rosa Góes, n. 1761

Caixa Postal 322 – CEP: 79825-070Dourados – MS

[email protected]

* Texto da AGB em homenagem aoprofessor Manuel Correia de Andrade,escrita e pronunciada pelo professor JonesDari Goettert durante o VI EncontroNacional de Ensino de Geografia – FalaProfessor –, realizado em Uberlândia,Minas Gerais, de 23 a 27 de julho de

2007.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 15-26 Jan-Jun/2007

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GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E)...

Esta não é uma biografia de Manuel Correia de Oliveira Andrade1 . Não é,igualmente, uma análise de sua produção, de sua vasta produção.

É, singelamente, um olhar sobre um homem no nordeste, do nordeste, para onordeste. Manuel Correia de Andrade. Correinha. Em especial, um olhar sobre “A terrae o homem no Nordeste”, de 1963, acompanhado de “A terra e o homem no Nordeste,hoje”, de 2003. Um olhar, enfim, sobre olhares de um homem sobre uma terra; de umnome próprio que, como escreveu Pierre Bourdieu, “é o atestado visível da identidade doseu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de suassucessivas manifestações” (BOURDIEU, 1998, p. 187).

Por entre a terra e as gentes do Nordeste, foi se fazendo o geógrafo e historiadorManuel Correia de Andrade. Terra no plural: terras. Nordestes. Gentes deles.

Nordeste.Manuel Correia de Andrade, em 1963, ano da primeira edição de “A terra e o

homem no nordeste”, já colocava que a região “é apontada ora como a área das secas, quedesde a época colonial fazem convergir para a região, no momento da crise, as atenções eas verbas dos governos; ora como área dos grandes canaviais que enriquecem meia dúziaem detrimento da maioria da população; ora como área essencialmente subdesenvolvidadevido à baixa renda per capita dos seus habitantes ou, então, como a região das revoluçõeslibertárias de que fala o poeta Manuel Bandeira em seu poema “Evocação do Recife””(ANDRADE, 1980, p. 9).

Nordeste, nordestes. Como Terra, como Homem, como representação. Como “partedo imaginário social”, “é também um espaço de disputa e de poder, base para essarepresentação que é apropriada e reelaborada, tanto pela classe dominante como por gruposque se mobilizam para defender seus interesses territoriais. Ambos constroem, a partirdela, um conjunto de idéias e conceitos que são reassimilados coletivamente comoidentidade”, salientou Iná Elias de Castro (2005, p. 193).

Também como representação, o Nordeste de Manuel Correia de Andrade se fazpelo de Manuel Bandeira, que fala das “revoluções libertárias”. Manuel fala com Manuel.Manuel ouve Manuel. Evoca a terra, a gente. Manuel que anuncia, representa, canta.

Evocação do Recife

RecifeNão a Veneza americana

Não a Mauritsstad dos armadores das Índias OcidentaisNão o Recife dos Mascates

1 Para aspectos maiores relativos à biografia de Manuel Correia de Andrade, ver ARAÚJO, Rita de CássiaBarbosa de (org.); BERNARDES, Denis; FERNANDES, Eliane Moury. O fio e a trama: depoimento de ManuelCorreia de Andrade. Recife: UFPE; Editora Universitária, 2002, e GASPAR, Lúcia (coord.); PODEUS, RaquelBatista; SILVA, Rosi Cristina da. Manuel Correira de Andrade: cronologia e bibliografia. Recife: UFPE;Editora Universitária, 1996.

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Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007

Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois- Recife das revoluções libertárias

Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nadaRecife da minha infância

[...]A gente brincava no meio da rua

Os meninos gritavam:Coelho sai!

Não sai![...]

De repentenos longos da noite

um sinoUma pessoa grande dizia:Fogo em Santo Antônio!

[...]- Capiberibe

[...]Foi o meu primeiro alumbramento

Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiuE nos pegões da ponte do trem de ferro

os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras[...]

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livrosVinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povoPorque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nósO que fazemosÉ macaquear

A sintaxe lusíadaA vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem

Terras que não sabia onde ficavam[...]

Manuel Bandeira canta a poesia. Manuel Correia de Andrade canta tempos eespaços em prosa acadêmica. Manuel e Manuel, em tempos diferentes vivendo uma mesmaRecife. Para Correia de Andrade a infância, as ruas, as praças, as escolas, as universidadese a antiga livraria Livro 7.

Nascido em Vicência, pernambucano e nordestino, Manuel Correia de Andradefoi se misturando a Manuel Bandeira, fazendo a Geografia também com pedaços de poesia.

Participante do movimento literário modernista, Manuel Bandeira, e muitas e muitos outros,

deixam para Manuel Correia de Andrade a Semana da Arte Moderna, de 1922, mesmo anoda fundação do Partido Comunista do Brasil.

E é no mesmo ano, em 1922, que nasce Manuel Correia de Andrade. O Nordeste

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ainda não era o Nordeste. Brasília ainda não era a capital. A Marcha para Oeste ainda seencontrava no leste. Mas Getúlio Vargas já levantava o chapéu no Rio Grande do Sul eolhava de canto de olho para a capital. Arthur Bernardes, esse, não seria deposto. E outroAndrade, Mário, na mesma década já dava o recado: “Pouca saúde e muita saúva, osmales do Brasil são”, em “Macunaíma”.

Manuel, nascido em engenho de açúcar, o Engenho Jundiá, a mais de cemquilômetros de Recife, “numa família relativamente abastada”, como mesmo conta, desdecedo conviveu com “trabalhadores rurais, numa certa intimidade que há no campo”: “Euficava chocado porque aqueles meninos da minha idade não iriam ter oportunidades navida, e eu, filho de um senhor de engenho, iria. Isso me causava um impacto muito grande.Por que uns tinham e outros não tinham direito?”. “E depois cheguei a conclusão, pormeio de leituras, que a questão agrária era o problema fundamental do Brasil” (ANDRADE,2000). A questão agrária: ali, a terra e o homem no Nordeste.

Queria fazer Ciências Sociais. Fez Direito primeiro e Licenciatura em História eGeografia depois, “sempre indeciso entre uma e outra”: “Então, eu não sei se me considerariageógrafo ou historiador. Também porque acho que a geografia, ao analisar o espaço, vê osmarcos que existem naquele espaço. Mas esses marcos não foram feitos hoje, são o resultadode uma evolução histórica [...]. É por isso que a história e geografia se interpenetram nasminhas preocupações”, disse Manuel (ANDRADE, 2000). Parece nos dizer ser o espaçoa “acumulação desigual de tempos”, que “em cada sistema há uma combinação de variáveisem escalas diferentes, mas também de “idades” diferentes”, como escreveu Milton Santos(2002).

Manuel Correia de Andrade, ainda estudante, virou comunista. Comunista, viraCorreinha. “Apesar de ser filho de senhor de engenho, Manuel Correia torna-se membrodo Partido Comunista aos vinte anos de idade. Por essa razão, os trabalhadores ruraispassam a chamá-lo de Correinha e nele confiam” (VAINSENCHER, 2007).

“Eu era católico muito fervoroso até os 15, 16 anos. E deixei a Igreja quando ummissionário me criticou porque eu lia Renan. Aí eu pensei: entre Renan e a Igreja, ficocom Renan. E caminhei para a esquerda”. “Entrei no PC e militei uns seis ou sete meses.Um dia, cheguei numa reunião da célula do PC com o livro de Trotski, Minha Vida,debaixo do braço. Foi um escândalo. Um líder comunista disse “você vai deixar esse livroaqui, você não pode carregá-lo”. “Posso, eu comprei”. “Você é trotskista?” “Não, nuncafui. Mas admiro Trotski, ele escreve muito bem”. “Mas ele é inimigo da classe operária”.Eu disse: “Você acha? Mas eu não sou operário! Eu sou da burguesia açucareira”. Haviamuita gente da burguesia que era do PC. Aí ele disse “então, você tem de escolher entreTrotski e o PC”. Eu dei a mesma resposta que havia dado entre Renan e a Igreja. “Ficocom Trotski”. E fui embora” (ANDRADE, 2000). Duas escolhas: um caminho.

Do engenho à participação mais direta nas lutas dos trabalhadores, em especialcomo advogado para sindicatos, e na amizade com Francisco Julião, um “revolucionário

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missionário” e “meio romântico”. Segundo Manuel Correia de Andrade, Armando MonteiroFilho comparava Francisco Julião a Joaquim Nabuco: “Eram aristocratas, vindos doengenho, e que dedicaram a vida às causas populares” (ANDRADE, 2000). Engenhos:casas grandes no Nordeste. E senzalas.

“A sociedade colonial no Brasil, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente àsombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros”. [...] “Terra e homemestavam em estado bruto”. [...] “É ilusão supor-se a sociedade colonial, na sua maioria,uma sociedade de gente bem-alimentada. Quanto à quantidade, eram-no em geral osextremos: os brancos das casas-grandes e os negros das senzalas. Os grandes proprietáriosde terras e os pretos seus escravos. Estes porque precisavam de comida que desse para osfazer suportar o duro trabalho da bagaceira”, escreveu Gilberto Freyre (2000, p. 91, 97 e105).

Era (é) este o Brasil. Era (é) este o Nordeste.Manuel conhece Caio Prado Júnior e a partir dali foi surgindo “A terra e o homem

no Nordeste”: “escrevi o livro porque o Caio tinha um projeto de contratar cinco geógrafos,cada um para escrever sobre uma região. Então, me entregou o Nordeste” (ANDRADE,2000). Um Nordeste que, para Caio Prado Júnior, também trazia a marca de séculos delatifúndio, monocultura e escravidão (PRADO Jr., 1998).

Mas, no que foi sendo e veio a ser definido por Nordeste, os contrastes e ascontradições foram se juntando pelas leituras e diálogos de Manuel Correia de Andrade.Um Nordeste em que “ninguém ousaria admitir a exclusividade da ação de um elementona elaboração dos quadros paisagísticos”, fazendo com que “em cada região se nota queum elemento se sobressai, levando o homem prático que moureja na terra a citá-lo, sempreque quer distinguir as várias áreas que compõem o mosaico regional” (ANDRADE, 1980,p. 11). O homem Manuel intelectual observa e “moureja” o “homem prático”. Como uma“Geografia [que] a gente aprende no pé” – de posseiros do Bico do Papagaio, registradopor Oliveira (1991, p. 144).

Um Nordeste “dividido”, no período colonial, entre a cana-de-açúcar e o gado, emsintonia com Gilberto Freyre. Gilberto: outro pernambucano, outro nordestino. Um Nordestefeito de nordestes: Litoral e Mata, Agreste, Sertão e Litoral Norte, Meio-Norte e GuianaMaranhense (ANDRADE, 1980, p. 13). Nordestes de uma população, na década denascimento de Manuel Correia de Andrade, de aproximadamente 22 milhões de habitantes,chegando no final do século a aproximadamente 50 milhões, com quase 70% vivendo nascidades. Antes, em 1960, a maioria viva no campo, com dois habitantes no meio rural paracada morador das cidades.

Do campo à cidade, como salientava o colega historiador Sérgio Buarque deHolanda, também o “velho engenho” dava lugar à “usina moderna”:

O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda

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do prestígio do antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhoresde empresas concebidas à maneira de estabelecimentos industriais urbanosindicam bem claramente em que rumo se faz essa evolução. [...] A urbanizaçãocontínua, progressiva, avassaladora, fenômeno social de que as instituiçõesrepublicanas deviam representar a forma exterior complementar, destruiu esseesteio rural, que fazia a força do regime decaído sem lograr substituí-lo, atéagora, por nada de novo (HOLANDA, 1995, p. 176).

De brasis e de nordestes que se faziam do rural ao urbano, do tudo de antes “por

nada de novo”. Manuel Correia de Andrade, em análises têmporo-espaciais, atentava paraas continuidades e descontinuidades.

Na terra do campo e da cidade, a população distribuída desigualmente enquantoa concentração fundiária tinha – e tem – seu domínio manifestado pela “proteção dispensadapelos órgãos governamentais à grande lavoura – à cana-de-açúcar, ao café, ao cacau, etc.– e ao completo desprezo às lavouras de subsistência ou “lavouras de pobre””: “As primeirastêm crédito fácil, garantia de preços mínimos, assistência de estações experimentais,comercialização organizada etc., enquanto as segundas são abandonados ao créditofornecido por agiotas, às tremendas oscilações de preços entre a safra e a entre-safra e àganância dos intermediários” (ANDRADE, 1980, p. 45). Hoje, talvez Manuel Correia deAndrade completaria: e, por isso, muitos destes últimos, das “lavouras de pobres”,seguiram para as cidades, para o sul ou Amazônia, muitas e muitos sem-terra e sem-teto, enquanto os primeiros viraram heróis do Brasil. Não por acaso que o que se come

na mesa nossa cada dia, como

A mandioca, o feijão e as fruteiras largamente consumidas por ricos e pobresnunca fizeram sombra à cana-de-açúcar. [...] Enquanto a fabricação doaçúcar evoluiu desde o engenho de bois até as grandes usinas que moemanualmente mais de 500.000 sacos de açúcar, a casa de farinha continuamuitas vezes a ser movida a força humana (ANDRADE, 1980, p. 85).

Manuel, Manuel: que geografia dos contrastes e das contradições nos mostrou. E

nos mostra.

Cana-de-açúcar, gado e cacau de um lado e gente de outro. O colega Darcy Ribeiro

salientava:

Com o gado e com os bodes crescia a vaqueirada, multiplicando-se à toa pelasfazendas, incapaz de absorver lucrativamente a tanta gente nas lides pastoris,pouco exigente de mão-de-obra. Assim é que os currais se fizeram criatóriosde gado, de bode e de gente: os bois para vender, os bodes para consumir, oshomens para emigrar. [...] Os sertões se fizeram, desse modo, um vastoreservatório de força de trabalho barata, passando a viver, em parte, dascontribuições remetidas pelos sertanejos emigrados para sustento de suasfamílias. O grave, porém, é que emigram precisamente aqueles poucos sertanejos

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que conseguem alcançar a idade madura, com maior vigor físico, tendendo afixar-se nas zonas mais ricas do Sul aqueles nos quais a paupérrima sociedadede origem investiu o suficiente para alfabetizar e capacitar para o trabalho.Desse modo, o elemento humano mais vigoroso, mais eficiente e mais combativoé roubado à região, no momento preciso em que deveria ressarcir o seu custosocial (RIBEIRO, 1995, p. 345 e 347).

Hoje, parte do açúcar virou álcool: quem o produz todas e todos sabemos, como

os muitos nordestinos em migração sazonal para Ribeirão Preto e arredores; quem consome,já é parte de uma história (ou uma de geografia) desigual: capitais privados (e “públicos”)investem em usinas de álcool. O álcool que parece virar, abruptamente, o “ópio do povo”.

Para Manuel Correia de Andrade, ainda em 1963,

A expansão das grandes empresas em empreendimentos fundiários – não éjusto considera-los agrícolas – é justificada pela facilidade de aquisição deterras a baixo preço, pela facilidade de obtenção de recursos governamentaispara aplicação dos projetos, pela elevada valorização das terras em um paísem processo de crescimento inflacionário acelerado e pela utilização de mão-de-obra barata, às vezes até em regime de semi-escravidão. (ANDRADE,1980, p. 231).

A valorização das terras persiste, Manuel. O “crescimento inflacionário” foi contidopor um ministro-presidente sociólogo. A “utilização de mão-de-obra barata” e até em“regime de escravidão”, ainda é um desafio a ser combatido.

Do campo para as cidades, eis o movimento acelerado da população nordestinaantes e depois de 1963: “À proporção que o processo usineiro evolui, a área cultivada comcana vai aumentando e os proprietários não só restringem os sítios dos moradores, tirando-lhes as áreas mais favoráveis, como exigem dos mesmos cinco ou seis dias de serviço porsemana nos seus canaviais, o que impede os trabalhadores de cuidarem dos seus roçados.Vai então se processando gradativamente a proletarização da massa camponesa”(ANDRADE, 1980, p. 107).

O açúcar e o álcool vão aumentando e a comida vai escasseando: do sertão aolitoral, já escrevia Manuel Correia de Andrade, “O charque e o bacalhau, comida cotidianadesde a época da escravidão, subiram tanto de preço que hoje figuram apenas nas mesasdas casas ricas e remediadas” (ANDRADE, 1980, p. 114). Com outro pernambucano,Manuel foi vendo e sentindo suas gentes, junto com Josué de Castro. A fome, sim, a fome.A geografia e a geopolítica da fome, no Nordeste, no Brasil e no mundo: “Josué demonstrouque os problemas econômicos são mais importantes como causas da fome do que osproblemas físicos. E que por isso no Nordeste úmido – que era mais rico –, a fome era

epidêmica, e no Nordeste seco era endêmica” (ANDRADE, 2000).

A fome, a exploração e a dominação, o mando e a expulsão, nos anos 1940-1960,

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produziram o “agravamento contínuo da crise, as dificuldades de vida cada dia maiores,[que] levaram os trabalhadores rurais a atitudes de revolta, de desespero, como ocorreu nojá famoso Engenho Galiléia”, dando origem, através da “Sociedade Agrícola e Pecuáriados Plantadores de Pernambuco”, às Ligas Camponesas. E Francisco Julião bradava:“Não vemos inimigos no soldado, no padre, no estudante, no industrial, no comunista; oinimigo é o latifundiário”, citava Manuel Correia de Andrade (1980, p. 252 e 254).

Um homem do Nordeste, Francisco Julião,

que procura despertar as massas a fim de que elas participem da solução dosseus problemas, evitando que uma solução de cúpula, imposta de cima parabaixo, venha modificar a estrutura agrária brasileira sem consultar os interessesdo homem do campo. Acha que a experiência e as reivindicações dos quemourejam a terra têm de ser levadas em conta ao se fazer uma lei agrária”(ANDRADE, 1980, p. 256).

Não, Francisco Julião não era apenas um advogado ou um deputado... Era um

“romancista”, como escreveu Manuel Correia de Andrade. Um “romancista” de metáforas

fortes: o “pedaço de terra que se dá ao trabalhador rural é como o galho de embaúba que

se joga a quem se está afogando em um rio” (Francisco Julião apud ANDRADE, 1980, p.

258).

Diferente da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –,

Francisco Julião, com a reforma agrária, “pretende beneficiar não uma pequena parte da

massa rural trabalhadora, mas de uma forma ou de outra, a todos os que mourejam a

terra” (ANDRADE, 1980, p. 258).

Assim, termina Manuel Correia de Andrade, em

A terra e o homem no Nordeste”, de 1963, “que no Nordeste a sorte está lançadae que os paliativos de uma política de colonização a longo prazo, concebidatecnicamente em gabinete, sem consultar os interesses dos que mourejam aterra dificilmente contribuirão para minorar a situação dos trabalhadores semterras e solucionar a tremenda crise em que se debatem. Os preços dos gênerosde primeira necessidade são altos, sobem cada vez mais, enquanto os salárioscontinuam inferiores ao mínimo. A miséria levou o trabalhador rural a tomarconhecimento de sua força, a não esperar pelos doutores, a exigir os seus direitos.Passou o medo dos proprietários e dos feitores e organizados por políticos deesquerda como Julião, ou por sacerdotes católicos como Antônio Melo, passamos trabalhadores rurais a exigir maior compensação pelo seu trabalho. Agitam-se, esperneiam, são perseguidos, reagem a cota correspondente à suaparticipação na produção, desejam melhores dias. [...] Daí concluímos [continuaManuel Correia de Andrade], que estamos vivendo em um período crítico: ouas reivindicações populares justas são atendidas e dá-se ao homem do campocondições de vida compatíveis com a dignidade humana ou a revolução previstapelo Governador Aluísio Alves será inevitável e a estrutura fundiária arcaicaque aí temos ruirá, arrastando em sua queda tudo que nela se apóia. Sua situação

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é tão difícil, suas condições são tão precárias que a essa altura ninguém adefende, todos a atacam desde os comunistas até os católicos, divergindo apenaspela maneira mais ou menos rápida, mais ou menos radical de como planejamdestruí-la. Assim a velha estrutura montada pelos portugueses no século XVI eque foi se modificando pouco a pouco nos quatro séculos de nossa evoluçãohistórica, acha-se hoje frente ao maior impacto com que se deparou, impactomais sério, acreditamos, que o enfrentado nos fins do século XIX com a abolição”(ANDRADE, 1980, p. 262-263).

“Políticas de colonização” oficiais, construídas em “gabinete” e por “doutores”,

viraram passado. O golpe militar veio em 1964 e as Ligas Camponesas seguiram o caminhode muitas e muitos militantes, na clandestinidade e na morte. Nem as condições de vidacompatíveis com a dignidade humana no campo foram criadas nem a revolução aconteceu:a estrutura agrária “montada pelos portugueses” não ruiu... Mas os camponeses aindaesperneiam, lutando por melhores dias.

Passaram-se vinte e um anos de ditadura militar. Vieram as “Diretas Já”, a“redemocratização”, primeiro dois presidentes nordestinos, os “caras pintadas” e um dospresidentes impedido de continuar na presidência. Depois um presidente mineiro, umsociólogo e mais um nordestino. Homens do, sobre e no Nordeste. Dos nordestes. Próximose distantes.

Em 2003, quarenta anos depois do lançamento de “A terra e homem no Nordeste”,Manuel Correia de Andrade, em Recife, profere a conferência “A terra e o homem noNordeste, hoje” (ANDRADE, 2003). Quatro décadas depois, um homem do Nordeste relê“A terra e o homem no Nordeste”.

Antes, em 1963, a publicação como contribuição para um Brasil das “reformasde base”, com “reformas que pudessem modificar as suas estruturas econômicas e sociais,libertando-o do que se chamava, então, de subdesenvolvimento” (ANDRADE, 2003, p.193). Um livro considerado “não-científico” por geógrafos brasileiros “porque não sedestinava a propósitos acadêmicos, e, sim, a registrar e analisar um longo processohistórico”; e, considerado, pela ditadura militar, de “cunho subversivo”! (VAINSENCHER,2007).

De qual Nordeste nos fala, hoje, Manuel Correia de Andrade?Manuel pensa o Nordeste a partir da sub-divisão já apontada em 1963: Litoral e

Mata, Agreste, Sertão e Litoral Norte, Meio-Norte e Guiana Maranhense. Algumasmudanças ressaltadas por ele entre o antes e o agora: no Litoral e Mata, a área “decultura da cana-de-açúcar passou a ser disputada pela expansão urbana e muitas usinasforam fechadas em bairros de grandes cidades, formando áreas de periferia de pobrezamuito intensa”. E traz, em referência, novamente a Geografia da Fome de Josué de Castro.Paralelamente, o avanço do turismo “provocando uma série de transtornos aodesenvolvimento [da região]” (ANDRADE, 2003, p. 195).

Ali, também, no Litoral e Mata, é “aquela [região] em que há mais forte

reivindicação de terras e maior atuação de movimentos como os do MST, da Contag e da

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Pastoral da Terra, que dão margem a uma expressiva desapropriação de terras”, “pondoem risco o domínio e o poder da velha açucocracia de que falava Tobias Barreto”. ManuelCorreia de Andrade, como em 1963, salienta ainda a necessidade de “uma reforma massiva

e de uma transformação na agricultura, com o desenvolvimento de propriedades familiarese uma produção para o mercado interno” (ANDRADE, 2003, p. 196).

Em áreas da Caatinga, dentre outras características, “as empresas produtoras deração se expandiram, conquistando os espaços que se abriram com o desenvolvimento dasferrovias e das rodovias. Daí a expansão da produção de pastagens para o gado e a expulsãodos trabalhadores sem terra para as cidades da região e do litoral, agravando o problemasocial e fazendo decair a qualidade de vida das mesmas” (ANDRADE, 2003, p. 196-197).

No Sertão, desde o tempo em que os “indígenas flagelados [davam] os própriosfilhos aos proprietários do litoral para libertá-los da morte pela fome”, no desaparecimentodas “oficinas” de charque no final do século XVIII, na migração de sertanejos para aAmazônia nas últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, na importação de camelosda África do Norte até as políticas de irrigação para combate da “indústria da seca” nasúltimas décadas... Desde os tempos em que “projetos mirabolantes e faraônicos, como oda transposição das águas do São Francisco para os altos cursos dos rios Jaguaribe, noCeará, e Piranhas-Açu, na Paraíba”. Que tudo não atenda, sempre, “apenas aos cálculosmatemáticos e às elaborações de econometria” (ANDRADE, 2003, p. 197-198).

No Meio-Norte, “área de transição do Nordeste para a Amazônia e o Centro-Oeste”, o avanço da cultura da soja, a ampliação da cultura de arroz de sequeiro e aexploração de minérios: “Este crescimento econômico e a expansão do povoamento foramfeitos com grandes danos ecológicos e sociais, [...] o desalojamento de populações indígenas,com massacres como em Barra do Corda, e dos caboclos que vieram do Sertão, há décadas,e que plantavam lavouras itinerantes e formavam pequenos povoados, verdadeiramentedesconhecidos dos órgãos oficiais”. E, na Guiana Maranhense, que “foi sendo ocupadapor pecuaristas vindos da Bahia e do Sudeste”, foi ignorado o povoamento primitivo(ANDRADE, 2003, 198-200).

Assim, os “grandes problemas atuais do Nordeste” parecem se reproduzir desdeos tempos da colonização. E pouco adianta crescer economicamente sem desenvolvimento,reafirmando o que Celso Furtado, o homem da SUDENE, afirmava: se assim não for,tudo pode não passar do “mito do desenvolvimento econômico” (FURTADO, 1996). Naoutra ponta da mesma “rede” onde se balança o tempo e o espaço nordestinos, o poderpolítico continua “controlado por uma oligarquia que procura trazer vantagens para elaprópria”. Persiste a concentração da propriedade da terra, o que tem provocado, em luta eem contraposição, novamente reafirma, “a ação de movimentos como o MST, a Contag ea Pastoral da Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, de que “areforma agrária seria feita na lei ou na marra”. “Muitas reformas agrárias”, dizia Manuel

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Correia de Andrade, porque “não existe um Brasil, mas vários brasis. As aspirações dossem-terra do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que são essencialmente pequenosproprietários, podem ser muito diferentes das aspirações dos trabalhadores ruraisassalariados do Nordeste, ou dos extrativistas da Amazônia” (ANDRADE, 2000).

“Muitas reformas agrárias” a partir da luta das e dos trabalhadores, porque jánão é mais possível nem pensar na espera da “bondade” dos “de cima”. Pois, como salientouManuel Correia de Andrade, “Uma das frases mais demagógicas que já ouvi na históriado Brasil foi de Pedro II, que disse que venderia a última jóia da coroa, mas o nordestinonão morreria de fome nem de sede! Só que nunca se fez uma política permanente paraatender a população nordestina” (ANDRADE, 2000). E Dom Pedro II não vendeu a últimae nem a primeira jóia. Ninguém vendeu. Adianta, então, a espera?

Nas cidades o desemprego e a concentração urbana com o êxodo rural, provocandoo crescimento exponencial da população, “quase sempre desempregada, doente e faminta,dando margem ainda a que moléstias epidêmicas, consideradas extintas no início do séculoXX, tornem-se novamente freqüentes no século XXI”.

Por outro lado, Manuel Correia de Andrade, em 2003, salientava a importânciado “fortalecimento do ensino” e da “melhoria das condições de saúde”. O “desenvolvimentode uma política ambiental” e a dinamização do “crescimento da produção por pessoaocupada”. “Enfim, este é, em linhas gerais, o Nordeste em que vivemos neste início doséculo XXI” (ANDRADE, 2003, p. 200-202). Nordeste, nordestes, eis os desafios deuma terra e de suas gentes.

Terra e homem, homem e terra. A natureza que se humaniza em homens e mulheres,fazendo-se litoral, agreste e sertão, misturando-se ao mar, reinventando modos de ser e defazer, mesmo que em “vidas secas” ou em “searas vermelhas”2 . Fazendo-se geografiacomo cotidiano no trabalho, na mobilidade para as cidades, para o Sul ou para a Amazônia.A construção, em Manuel Correia de Andrade, da geografia como ciência da sociedade(ANDRADE, 1987).

No dia vinte e dois de junho de 2007, oitenta e quatro anos depois de seu nascimento,em Recife, Manuel Correia de Andrade fez-se silêncio. Em mais de oito décadas, peloDireito, História e Geografia, pelo Brasil e pelo mundo, mas principalmente pelo Nordeste,Manuel Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou pela vida,pela ciência, pela terra, por mulheres e homens, em trabalho contínuo, sem descanso econstantemente. Fez-se terra. Fez-se homem. Fez-se corpo. Fez-se espaço. Por geografiasde Brasil, do Nordeste físico e humano, de Pernambuco, da pecuária no agreste, da“guerra dos cabanos”, da “Setembrizada” e da “Novembrada”, das polarizações edesenvolvimento, do planejamento regional, do imperialismo e da fragmentação doespaço, dos italianos no Nordeste, das relações entre Brasil e África...

E quando perguntado se havia escrito um livro sobre a contribuição da SUDENE,

2 Alusão, respectivamente, a “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, e a “Seara vermelha”, de Jorge Amado.

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simplesmente respondeu: “Meu caro, eu tenho mais de cem livros publicados! Eu achoque escrevi sobre tudo no mundo!” (ANDRADE, 2000).

“Tudo no mundo” talvez seja, para a terra e o homem nordestinos, nada mais,nada menos, que a revelação, a escrita, o companheirismo e a luta de homens – hoje terra– como Correinha, Manuel Correia de Andrade.

“Tudo no mundo”, também, naquele dia vinte e dois de junho, se fechou para osolhos de Manuel Correia de Andrade. Os olhos se fecharam. Mas, como que por uma“geografia da alma”, seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livrose centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes. De seu Nordeste, quelutou para que fosse um lugar melhor, uma terra sem males.

E, pelos seus olhos, de onde esteve e de onde está, talvez continue a nos olhar,profundamente, nos olhos. E talvez diga: mourejem, mourejem, mourejem... Como o “homemprático que moureja na terra”. A terra do Nordeste. As gentes do Nordeste. Correinhas.

Manuel Correia de Andrade.Mourejem,mourejem,mourejem

...Referências

ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste. 4. ed. São Paulo: LivrariaCiências Humanas, 1980.ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. São Paulo: Atlas, 1987.ANDRADE, Manuel Correia de. O homem do Nordeste. Entrevista realizada por José CorreiaLeite. Revista Teoria e Debate, São Paulo, N. 45, jul/set 2000.ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste, hoje. Conferência pronunciadana 55ª Reunião Anual da SBPC, em 15 de julho de 2003, em Recife, Pernambuco. (http://www.sei.ba.gov.br/ publicacoes/publicacoes_sei/bahia analise/sep/pdf/sep_67/manuel_correia_andrade.pdf [em 05/07/2007]).BANDEIRA, Manuel. Evocação do Recife. (http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira03.html [em 05/07/2007])BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína(orgs.). Usos e abusos da história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998,pp. 183-191.CASTRO, Iná Elias de. Geografia e política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 39. Ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record,2000.FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 1996.HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras,1995.OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto,1991.PRADO Jr., Caio. História econômica do Brasil. 43. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: EdUSP, 2002.VAINSENCHER, Semira Adler Manoel Correia de Andrade. Fundação Joaquim Nabuco. (http//www.fundaj.gov.br/noticia[em 05/07/2007]).

Recebido para publicação dia 28/07/07Aceito para publicação dia 10/08/07

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A GEOGRAFIA ESCOLAR:GIGANTE DE PÉS DE BARRO

COMENDO PASTEL DE

VENTO NUM FAST FOOD?

SCHOOL GEOGRAPHY: A GIANTWITH CLAY FEET EATING AIR

FILLED FRIED PASTRY AT A FASTFOOD RESTAURANT?

LA GEOGRAFIA ESCOLAR:GIGANTE DE PIES DE BARRO

COMIENDO EMPANADAS DE AIREEN UN “FAST-FOOD”?

NESTOR ANDRÉ

KAERCHER

Professor da Faculdade deEducação

Universidade Federal do RioGrande do Sul

e-mail:[email protected]

Resumo: Com este estudo, busco analisar práticas docentes da geografiaescolar – a geografia ensinada no Ensino Fundamental e Médio – observadana ação de dez professores na cidade de Porto Alegre durante os anos de2002-03. Chamamos a geografia de ‘gigante de pés de barro’, ‘geografiafast food’ e ‘geografia pastel de vento’ quando detectamos algunsobstáculos epistemológicos e pedagógicos na nossa prática docente,produzindo resultados como: professores que não professam; ausência dediálogo efetivo, seja com os alunos, seja com o mundo extra-sala de aula;e a quase ausência de conflito cognitivo, que leva a aprendizagem poucosignificativa. Ainda impera uma geografia escolar que se baseia eminformações de almanaque - uma revista de variedades. Que concepçãode geografia isso constrói no aluno? Que possibilidades temos para umadocência que enfrente estes obstáculos? Viso problematizar umaapropriação empobrecida da teoria construtivista e defender a importânciado ‘não’ como elemento pedagógico. Defendo a geografia escolar comouma prática que desperte o desejo de saber no aluno a partir de discussõesque pensem a nossa existência cotidiana.Palavras-chave: Ensino de Geografia no Ensino Fundamental e Médio;Formação de professores; Geografia crítica; Epistemologia da prática doprofessor.

Abstract: With this study, we analyze the educational practices of schoolgeography – the geography that is taught in elementary and high schools– observed in the work of ten teachers, in Porto Alegre (the capital city ofthe southernmost Brazilian state: Rio Grande do Sul), in 2002- 03. Wecall geography “a giant with clay feet”, “fast food geography” or “airfilled fried pastry” when some epistemological and pedagogical obstaclesbecome evident in our teaching practice, producing results such as teachersthat do not teach; the absence of an effective dialogue with the students oreven with the outside-classroom environment; and the nearly absentcognitive conflict, which leads to a learning of very little significance. Theschool geography still standing is the one based on almanac information- a variety magazine. What kind of geography conception does this buildin the student? What possibilities do we have for a teaching which facessuch obstacles? The intention is to challenge an impoverished appropriationof the constructivist theory and to defend the importance of “no” as apedagogic element. I defend the school geography as a practice thatawakens in the student the desire to know from discussions that thinkabout our everyday existence.Keywords: Primary and Secondary Teaching of Geography; Geographyteachers training; Critical Geography; Epistemology of the teacher’spractice.

Resumen: En esta investigación procuro analizar los trabajos en aula dediez profesores de Geografia en escuelas de la ciudad de Porto Alegre(Estado de Rio Grande do Sul – Brasil) de los niveles primarios ysecundarios, observados durante 2002 y 2003. Denomino de ‘gigante depies de barro’, ‘fast-food’ y ‘empanadas de aire’ a la enseñaza de lageografia en medio de obstáculos epistemológicos y pedagógicosproducidos en la acción pedagógica del maestro con resultados tales como:profesores que no “profesan”, ausencia de diálogo efectivo - sea con losalunos o con el mundo afuera del salón de clases - y casi ningún tipo deconflicto cognitivo que nos lleva a un aprendizaje poco significativo. Imperaaún en la escuela una enseñanza de la geografia basada en informacionesdel tipo almanaque - una revista de variedades. ¿Qué concepción degeografia construye todo eso en el alumno? ¿Qué posibilidades tenemospara una docencia que enfrente estos obstáculos? Intento cuestionar unaapropiación empobrecida de la teoria constructivista y defender laimportancia del “no” como elemento pedagógico. Defiendo la enseñanzade la geografia en la escuela como una práctica que despierte el deseo desaber en los alumnos a partir de discusiones que consideren nuestraexistencia cotidiana.Palabras clave: Enseñanza de la Geografia en la escuela primaria y se-cundaria; Formación del profesorado; Geografia crítica; Epistemologíade la práctica del profesor.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 27-44 Jan-Jun/2007

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Intr odução: de onde e porque penso em voz alta

O presente texto procura ‘pensar em voz alta’ – justamente porque assim podemos

dialogar em grupo - algumas constatações e preocupações que tem me despertado a atenção

em função de minha atividade como professor de “Prática de Ensino de Geografia”

(Licenciatura de Geografia, curso Noturno, UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul).

Comento também muitas observações de sala de aula feitas para a elaboração de minha

tese de doutorado.

Em função destas atividades, tenho o duplo privilégio – e às vezes susto – de ver

muitos futuros professores (os estagiários) em ação e de ouvir relatos de práticas de docentes

que os estagiários vão substituir.

A Geografia: pés de barro, fast food e pastel de vento

Muitos dos professores de Geografia têm uma epistemologia/teoria da Geografia

frágil e uma condução/concepção pedagógica que confunde o construtivismo com o laissez-

faire. Isso resulta numa visão de Geografia como sinônimo de informações soltas.

Se digo que a fragilidade é a da Geografia, corro o risco de “essencializar” como

inerente, intrínseca, uma característica da Geografia: a sua pequena consistência teórica.

Soa algo como “a Geografia é frágil epistemologicamente”. Já se digo que essa

fragilidade, esses pés de barro, são dos seus professores, é algo mais suave, é característica

dos professores observados, fruto de uma possível “má formação” individual. Soa algo

como “os professores de Geografia estão, no caso, frágeis epistemologicamente”. É mais

forte dizer que é uma característica – não exclusiva – da Geografia escolar. Pelo que tenho

visto e estudado parece que essa fragilidade é uma característica geral da Geografia escolar

que os professores só reproduzem. Digamos que, nós professores, somos uma manifestação,

um epifenômeno de algo que é estrutural. É confuso? Afinal, não existe A Geografia, ou

Uma Geografia! Concordo, mas seja qual for a corrente epistemológica ou teórica da

Geografia, elas pouco se refletiram na Geografia escolar no sentido de construir uma

prática reflexiva e consistente! É difícil provar isso, e nem sei se é possível ou útil. Seja a

Geografia positivista, seja a Geografia dos teoréticos (neopositivistas), seja a Geografia

Radical/crítica, seja qualquer linha, no fundo elas chegaram muito pouco à Geografia

Escolar. Ou seja, o debate teórico é muito pouco comum entre os professores do Ensino

Fundamental e Médio. O que predomina, hegemonicamente, na Geografia escolar é uma

sucessão de informações sobre os lugares da Terra. Tudo cabe como sendo Geografia.

Nós, de fato, falamos de tudo nas aulas, mas paradoxalmente, com muita pouca relação

às categorias consideradas basilares à Geografia (espaço, território, região, paisagem,

lugar, etc). Afinal, porque tais assuntos (países, continentes, povos, com suas características

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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naturais e econômicas) são Geografia? Parece que não carecemos justificar porque isso é

Geografia, pelo simples fato de que falamos de lugares, de espaços. É uma ciência que

não precisa de justificativas, pois ela “fala” por si, basta que ela cite nomes de lugares. A

toponímia parece justificar nossa existência. A Geografia se confunde com toponímia,

com a topologia. Em outras palavras, o fato da Geografia ter um “objeto” muito ‘concreto’

(o espaço em que vivemos), muito ‘visível’ (os espaços em que vivemos), muito perceptível

(todos nós vivemos num ... espaço), qual seja, a Terra toda e tudo mais que nela está

(povos, países, paisagens) nos deixa como que deitados em “berço esplêndido”, acomodados.

Falar de tudo (todos os lugares) nos enche de assuntos, conteúdos, mas à custa de uma

reflexão mais fundamentada. A conseqüência pedagógica mais comum é a prática de

sobrecarregar nos conteúdos, sempre tão infindos. Parece uma saída, uma “fuga para

frente”. Sempre falta tempo para trabalharmos os conteúdos e assim, raramente, paramos

para pensar “porque isso é Geografia!?”, “o que quero ensinar quando ensino Geografia!?”.

Corremos com os conteúdos para fugirmos de nossa prática automática. Pedir aos

professores justificativas para a existência desta disciplina escolar denominada Geografia

pode nos levar a respostas constrangedoras (KAERCHER, 2004, p. 292 e segs).

Não podemos nos contentar com o discurso simplificador de que a “Geografia

serve para legitimar os Estados Nacionais” ou que a Geografia “serve para legitimar a

ação das classes dominantes detentoras do poder econômico e/ou político”. Claro isso foi

– e ainda é - válido para o seu berço, no final do século XIX. Mas hoje, salvo alguns

nacionalismos - que usam ou não da violência para contrapor-se aos poderes hegemônicos

centrais – o mapa-mundi parece estar desenhado. Não, isso não significa que o mundo

está pronto, acabado, pacificado. Não, guerras e conflitos com suas tradicionais mudanças

do mapa político não deixarão de existir. Mas, não parece haver necessidade de uma

disciplina denominada Geografia - de caráter essencialmente ideológico no sentido da

ocultação ou manipulação dos “debaixo”, como tradicionalmente a esquerda política

acusava a Geografia do ‘status quo’. E, no entanto, ela continua existindo. O seu “núcleo

duro” despolitizado permanece: descrição e memorização dos lugares e das pessoas. O

espaço parece um suporte, um palco que as pessoas usam. Pouco se reflete sobre qual a

influência dos espaços na vida das pessoas.

Não estou defendendo a idéia de que Geografia seja algo inútil. Nem sequer útil.

Não estou dizendo que ela é progressista ou conservadora. Pode ser os dois. O teor político

dela parece ser pouco relevante para a maioria dos alunos. Os alunos, via de regra, não

vêem a Geografia como política ou apolítica. Se estes atributos são percebidos, parecem

ser percebidos como atributos dos seus professores e não da disciplina. Estou apenas

constatando que ela está nos currículos escolares de quase todos os países – não nos

interessa aqui os países orientais, pois com eles muito pouco intercambiamos idéias e

práticas escolares - talvez e justamente por seu caráter meramente informativo e ilustrativo,

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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quase uma revista de variedades que, em vez de falar de gente famosa e/ou rica, fala de

lugares diferentes/exóticos. Isso que eu denomino de núcleo duro. Então, ao fim e ao cabo,

chata ou “modernosa”, política ou apolítica, revolucionária ou reacionária, lá está esta

velha senhora nos currículos. Por inércia? O que observo em muitas de nossas aulas é um

edifício teórico muito pobre, quando não sem sentido lógico algum. Um gigante com pés

de barro.

Não estou defendendo a viabilidade de definirmos “o que é Geografia” ou “os seus

corretos objetivos pedagógicos” numa espécie de reunião de conselho de sábios que

definiriam tudo de antemão. Isso não é possível, nem desejável, mas uma das coisas que

me tensiona, na condição de observador e estudioso da Geografia, é a nossa prática

pedagógica-escolar bastante longe de tornar nossos alunos parceiros da reflexão. Por

conseguinte, os alunos ficam distantes do que fazemos dentro da sala.

Qual o sentido desta disciplina num currículo? A julgar pela prática e pelas respostas

dos professores, salvo as exceções, não temos isso nada claro. Até ai, tudo bem. O problema

é que não ter isso nem como preocupação. A necessidade de dar aula todos os dias parece

auto-justificar a nossa existência. Resumindo: com a desculpa que epistemologia é coisa

‘teórica’ ou ‘filosofia’ nossa prática pedagógica fica pobre e confusa para os alunos.

Esses pés de barro (epistemologia pobre, pedagogia confusa) resultam numa

Geografia escolar como pastel de vento, Geografia Fast Food. Pastel de vento porque

vistoso por fora, recheio pobre. Fast food porque sacia-nos rápido – há muito conteúdo a

ver -, mas de forma pouco nutritiva, reflexiva.

A Geografia pretende-se ciência, mas não raro limita-se a simples informação,

parecendo-se com um telejornal. Muito mais ideologia do que reflexão fundamentada.

Ausência de conflito cognitivo, ausência de tensão cognitiva na relação Professor-aluno.

Há pouco espaço para o espanto, para o novo, para a surpresa: “não tinha pensado nisso,

professor!”

Outra raridade nas aulas de Geografia? Ter aula! Qualquer aula! A Geografia exige

pouco do cognitivo! Quase não há exposição de alguma linha de raciocínio e sua posterior

discussão. O que implica em ouvir o outro e pensar junto. Com isso pouco se pratica a

abstração. O professor, parece, não sabe onde quer chegar com o seu dizer. O resultado

disso não raro é a dispersão dos alunos.

Há um duplo obstáculo. O de concepção de Geografia e o de concepção de Educação/

Pedagogia, que, naturalmente, se imbricam. Em nome de uma educação menos ‘tradicional’,

o professor se esconde, quase se anula, não expõe suas idéias. Parte de um pressuposto

interessante: fazer os alunos falarem, ouvir suas idéias. Para operacionalizar esta

participação ele faz perguntas em profusão. E os alunos falam em profusão. Do que foi

perguntado e muito mais. Há uma dispersão excessiva. Não são feitas sínteses parciais,

não são organizadas as falas, não há um fio condutor via fala do professor. Resultado:

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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janelas (= perguntas do professor) abertas em demasia geram mais turbilhão do que

renovação do ar (= nova e organizadas idéias). Reforça a idéia de que Geografia fala de

tudo, que tudo ‘é Geografia’, e, portanto, pouco fica como sendo o central para as aulas de

Geografia. O espaço, o arranjo, a arrumação e a localização das coisas e das pessoas nos

lugares deixam de ser pensadas como hipóteses, como possibilidades, como problemas a

serem discutidos em nome da ‘lição de coisas’, em nome da informação pela informação.

Pedagogizar ou filosofar a Geografia? Os dois!

Na visão de muitos professores há uma ‘condenação’ sem processo: os alunos não

sabem, os alunos não fazem, os alunos não querem. Como se essas supostas negatividades

nada tivessem a ver com nosso ofício de professor!

Se defendo a idéia de uma Geografia que dialogue mais com o cotidiano do aluno

não estou propondo um modismo, uma novidade como panacéia para nossa ação didática.

Tampouco vamos jogar a criança janela afora com a água suja do banho. Seja qual for sua

linha pedagógica ou ‘geográfica’, o conteúdo sempre é central. Se damos aula de Geografia,

e os alunos a reconhecem como tal, é justamente pelos conteúdos trabalhados. O que

proponho é que, seja qual forem os conteúdos, tenhamos claro os objetivos pedagógicos a

serem alcançados. Onde queremos chegar? O espaço não pode estar ausente. Pensar na

importância e na influências das coisas estarem neste ou naquele lugar.

Isso requer um professor iluminista e iconoclasta. Iluminar novos caminhos, provocar

o espanto do aluno (‘não tinha pensado nisso!’), e, também, destruir certezas, convenções

e marasmos arraigados sem discussão. Numa metáfora: o professor fornece a escada para

o aluno subir em abstração e conhecimento. Mas, logo, retira a escada e diz: “Vão descobrir

outros caminhos. Não voltem por aqui, por esta escada, eu a retirei”. Hannoun (1998) fala

em ‘suicídio pedagógico’ do mestre. Nossa ação visa um aluno cada vez mais independente

do ponto de vista cognitivo.

A maior recorrência nas muitas observações de sala de aula é a relativa ausência do

professor enquanto sujeito condutor do processo pedagógico. Muitas vezes, há quase uma

omissão. O professor esta mais para um gerente burocrata que evita, às vezes sem conseguir,

o excesso de barulho, do que alguém que instaura o que considero fundamental: o conflito,

a tensão cognitiva entre ele e os alunos; tensão entre o modo de pensar entre o ‘antes’ e o

‘depois’ da explanação do professor.

Raras vezes, lembro de um professor dar uma aula, fazer uma explanação, conduzir

uma linha de raciocínio. Por cerca de 30 minutos que seja. Sim, houve muitos momentos

em que o professor coordenou o processo, deu informações, solicitou tarefas. No se trata

de dizer que os professores não cumprem suas tarefas. A hipótese que levanto é que, estas

“tarefas de professor”, estão muito rebaixadas, estão muito ligadas ao comportamental e

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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cada vez menos ao cognitivo, ao intelectual. Não sei se no passado recente - décadas de

60 e 70 - era diferente, e no quero idealizar uma escola do passado que nunca houve, mas

me parece inequivoco que, a partir do final da década de 70 as escolas públicas começaram

a perder qualidade com mais força. A intenção não é comparar, o ontem e o hoje, mas

constatar que as escolas têm se contentado em realizar um trabalho que está mais para o

burocrático do que para o reflexivo. As escolas parecem mais preocupadas em ocupar

seus alunos dentro de uma linha mecanicista do que fazê-los desenvolverem seus potenciais

cognitivos e criativos de uma forma mais estimulante.

A aula expositiva, no sentido mais clássico do termo, ou falando em termos mais

pomposos, uma exposição onde se apresenta uma “tese” – por exemplo, a industrialização

do Brasil pós 1950 - expondo alguns argumentos e raciocínios que sustentem tais idéias,

dando exemplos, mostrando alguns pontos positivos e negativos (antíteses) do que se está

falando, e, por fim, fazer um fechamento com algumas conclusões parciais, isso, salvo

melhor juízo, foi incomum de ter visto/ouvido. Parece que o professor optou – não sei com

que grau de consciência e intencionalidade – por se eximir de dar aula. Ou seja, quero

dizer que o professor, via de regra, não professa. Paradoxal.

Este ponto é fundamental para entendermos uma queixa muito freqüente que os

professores fazem dos seus alunos: eles não sabem defender suas idéias, não sabem escrever

seus pontos de vista. Tampouco tem autonomia e vontade para fazerem anotações,

perguntas, terem iniciativa para o trabalho em sala. De fato, pelo que pude perceber, seja

na minha vida como professor, ou como observador para elaborar a tese, esta dificuldade

dos alunos na expressão oral e escrita é notória. Por vezes, quase exasperante tamanha a

aridez. Absolutamente corriqueiro, ouvir de alunos em final do Ensino Médio, frases

circulares, apenas repetindo o que o texto ou o professor disse. Isso pode alertar a nós,

professores, que não podemos ficar apenas nesta óbvia constatação: os alunos não sabem,

os alunos não fazem, os alunos não querem, etc. Parece que os definimos sempre pela sua

negação, pela sua negatividade, o que eles não fazem para nos ... agradar! Estamos

idealizando um aluno que, aliás, nunca tivemos e nunca fomos. Se ele não se encaixa no

nosso sonhado perfil, ele nos desencanta. Transferimos o nosso (inconsciente?) desencanto

com a profissão para o desencanto com os alunos! O que pode ser até natural, mas tem

conseqüências pedagógicas ruins. A toda hora transparecemos, para nossos alunos, que

eles não são bons, não estão interessados, não são capazes. Sabemos o quanto o bom

relacionamento, e por que não, o incentivo, o elogio, o ânimo são fundamentais para o

processo educativo. Risco de minar a vontade deles em saber mais com a nossa linguagem

gestual e facial.

Cabe dar um passo pequeno, porém significativo: por que os alunos não sabem, não

fazem e/ou não querem? Neste ponto de reflexão haveremos de dar um salto epistemológico

e pedagógico importante, qual seja, inserirmo-nos como parte integrante neste processo –

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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não raro fracassado – educativo. Sendo mais explícito: muitas vezes o aluno não sabe

porque não explicamos; não fazem porque não nos entendem; não querem porque nossas

tarefas, textos e/ou desafios cognitivos são muito enfadonhos.

Tarefa fundante de nosso ofício, conduzir os alunos - o termo pedagogo parece de

suma importância e pertinência - para um desenvolvimento cognitivo mais abstrato, mais

elaborado parece cada vez mais distante. Nós, professores não professamos, não damos a

público nossas idéias, não publicizamos as idéias que a humanidade já organizou. Cabe a

nós, professores, torná-las públicas. Não para que nossos alunos reverenciem a nós ou às

idéias, mas para que, a partir dessa audição, possa se estabelecer um diálogo num patamar

mais elaborado. Agindo de uma forma mais propositiva e sistemática poderíamos evitar

uma situação por demais vista: o desejo do professor de um debate, de uma troca de idéias

com seus alunos que, no entanto, foram muito pouco municiados para tal atividade. Se

queremos o debate que não seja meramente circular, a repetição do que já sabemos e

cremos, temos que ajudar os alunos a terem outras visões. E aqui o papel do professor é

ímpar e insubstituível: ou ele professa ou ele é apenas um disciplinador/ocupador

(recreacionista) de jovens.

Do professor que não professa para uma prática de Geografia fast food, telejornal

Nas aulas de Geografia fica-se, no geral, num somatório de informações dispersas,

sem um grau de encadeamento, seja com a aula anterior ou com a posterior. Como

conseqüência os alunos também não necessitam prestar atenção e pensar junto com o

professor. Parece não haver processualidade nas explicações. As informações quando

aparecem, soam como cacos, pontas. Faz pouca diferença escutar ou não, anotar ou não,

perguntar ou não. A geografia escolar parece-se menos comprometida com a ciência, aqui

entendida como algo que tem uma certa lógica e regras em buscar as explicações para os

fenômenos de que se fala – e mais com lógica de um telejornal que fala dos fatos de forma

apressada e pouco reflexiva. As informações são tantas que mais embaralham o aluno do

que esclarecem-no. “Menos mal” que para estudar para as provas basta dar uma olhada

nos fatos anotados no caderno e rememorá-los. Quando existe o caderno, claro... A

memorização ainda é a habilidade mais exigida pela geografia escolar.

Justiça seja feita: os alunos não perguntam! Parece não haver o que entender! Retomo,

então, a expressão ausência de conflito cognitivo. O confronto de idéias, se existe, permanece

num patamar do senso comum. Patamar em que já se estava antes da ação do educador,

antes da aula de Geografia. Imaginemos a situação: o professor diz “a”. Alguns alunos

dizem o oposto, “não-a”ou “b”. O que é ótimo, pois é uma situação que eu denomino de

conflito cognitivo. Mas, via de regra, para minha decepção, ficava nisso. Não havia

continuidade, cada um ficava na sua crença. Eu disse crença, algo quase religioso, e não

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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opinião argumentada. De fato, havia pouco diálogo. Professor e alunos parecem estar no

mesmo espaço (a sala de aula), mas não se comunicam. Claro, há exceções, seja por parte

de alguns professores, como de alguns alunos. Mas, é bem superior o número de belas

discussões que são levantadas, e ficam natimortas, do que aquelas em que, o fogo inicial

provocado pela polêmica, seja dos assuntos em si, seja por parte de opiniões contundentes

dos alunos, fica acesso por mais de três minutos. Dizendo em outras palavras: a matéria-

prima (os assuntos trabalhados) são ricos, mas originam muito mais fumaça do que fogo.

Queremos fogo, porque ele gera calor (uma boa discussão), e, luz para iluminar cantos

obscuros.

Aparente paradoxo: conciliar um professor iluminista e, ao mesmo tempo, um

iconoclasta. Iluminista, porque resgata o papel tão imodesto quanto necessário, de falar

do banal, do cotidiano, do óbvio, mas mostrando o não-óbvio no óbvio, alertar para pontos

não percebidos, relacionar fatos aparentemente desconexos. Apontar pistas ‘talvez o

caminho seja por aqui, meninos’, enfim, ser condutor do processo. Iconoclasta, porque a

todo mestre cabe destruir ícones (= objetos de culto, portos seguros que não se deve

discutir, tradições que se seguem sem questionamentos), alargar os domínios do saber já

conquistado evitando que ele se solidifiquem, se cristalizem como verdades inquestionáveis.

Iconoclasta que derruba as pontes pelas quais se passou não para desmerecer os que nos

antecederam, mas para avançar. Iconoclasta que sabe rir de si, não se levar por demais a

sério. “O mundo é longe daqui” é uma boa metáfora que Guimarães Rosa nos ensina em

‘Grande Sertão: Veredas’.

Com uma visão pouco clara de Geografia (onde quero chegar com tal assunto? Por

que ele é importante para meus alunos?) a aula do professor fica confusa. O professor

raramente fala o motivo de se estar estudando o que ... está se estudando. Os assuntos

parecem seguir uma lógica sem muita lógica. Está no livro? Dá-se o assunto! E, como no

livro didático de Geografia de quase tudo se fala (o que não é por si só um defeito ou

demérito) o aluno fica desorientado: o que é Geografia? Por que este assunto é Geografia?

Por que este assunto é importante para mim? O aluno não consegue ligar a fala do professor

a sua vida, ao seu cotidiano. Pode-se fazer uma brincadeira de caráter “geográfico”: tanto

o aluno, quanto o professor, parecem estar perdidos, não sabem onde estão! Reforço a

idéia do professor professar suas idéias, pedagogizar a Geografia e, por conseguinte,

(tentar) cativar/seduzir seus alunos. O que se quer, sendo professor, com as aulas de

Geografia? O que se quer dos nossos alunos? Não estou propondo necessariamente que se

resolva, a priori e por decreto, a velha celeuma “o que é Geografia?”, e nem tampouco que

exista somente uma resposta, mas parece claro que os professores de Geografia se

atrapalham sim com o objeto e com o objetivo de sua disciplina. Essa discussão é tão

fundamental quanto pouco feita em nossa graduação!

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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O papel do professor na superação dos pés de barro da Geografia

Some-se a esse problema (da ontologia?) da Geografia a um problema de caráter

pedagógico, de visão de educação: com medo de ser considerado “tradicional”, o professor

evita a explanação, evita a condução – vista como ‘excessiva’ - da aula. O que é, sem

dúvida, um bom pressuposto. Não advogo o retorno aos tempos em que a única voz

ouvida numa classe era a do mestre, e, onde o silêncio era mais sinal de medo do que de

atenção. Mas, o fato é que o professor caiu no outro extremo: o laissez-faire, o deixar

fazer. Então, na visão do professor, o aluno deve ‘participar’, ‘falar ’, ‘fazer’, ‘ser

autônomo’, ‘ter iniciativa’! Ótimo, mas pode ocorrer um problema. Muitas vezes ele não

tem informações suficientes, não tem a base, as condições para participar de uma forma

mais organizada, não digo em iguais condições – impossível, pois professor e alunos não

são iguais, nem devem sê-lo – e o que ocorre é uma dispersão de opiniões que ficam

simplesmente no ‘achismo’. Falta a mediação e a organização do professor. O professor

como mediador pode ser uma espécie de escada, de andaime, oferecendo um suporte

cognitivo para que o aluno saia de um patamar mais simples de organização de idéias para

uma posição mais arrazoada. Para tal, a participação ativa do professor é fundamental.

Estou falando do papel de organizador de conceitos, suporte de informações que terão

sentido se o professor atuar como lógico, relacionar as informações, problematizar o que

se fala em aula. Se este papel lógico do professor for bem compreendido, as informações,

via de regra esparsas, formarão nós de uma rede e não seguirão como pontos isolados.

Com uma rede eu colho mais frutos do que com linhas isoladas.

O resultado dessas discussões natimortas - a explosão de idéias é similar a um fogo

de artifício, intenso, mas muito breve - é um tanto desgastante e frustrante. Para os dois

lados, professores e alunos. As discussões propostas tendem a se dispersar em múltiplos

sub-temas e cacos gerando um grau de turbulência excessiva e de pouca sistematização.

Abrem-se muitas janelas, seja porque o professor faz muitas perguntas – o que é legal –

seja porque os alunos palpitam sobre tudo – o que também é legal -, mas como falta um

papel mais organizador instaura-se um certo stress que desgasta mais pelo barulho que

pelo uso da razão.

As janelas são abertas em profusão (o que é saudável porque assim circulam as

idéias, o “ar”), mas com a relativa ausência do professor como organizador, há uma

sensação de “vento encanado”, isto é, o ar fica excessivamente agitado, gera um turbilhão

que mais desorganiza do que sistematiza. Todos já vivenciamos aquelas correntes de ar

que levantam papéis em profusão por cima das mesas. Um pouco de adrenalina e agitação

é bom para qualquer aula, mas se a dose for excessiva, há um cansaço improdutivo. O

debate de idéias é rico se ficar claro para os participantes, o fio condutor da discussão.

Algo do tipo de onde partimos e onde queremos (mais ou menos) chegar. Eis o papel

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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mediador do professor.

Em um debate de idéias é imprescindível ouvir o outro, algo muito pouco praticado.

Daí me referir ao stress entre os participantes. Num debate, as idéias precisam ser ditas de

forma um tanto quanto organizadas, que sejam inteligíveis para que possam ser

confrontadas, discutidas e, objetivo maior, superadas. Na ausência do professor como

agente que organiza o debate, cerceia o ruído, medeia dizendo que “nem tudo vale em

nome da democracia”, que nem toda idéia faz sentido ou se sustenta, o que impera é um

laissez-faire que até pode aparentar com democracia, mas, no meu entender prejudica o

aluno, seja do ponto de vista cognitivo - a Geografia soa como caótica, os conteúdos são

trabalhados superficialmente, os conceitos não são apropriados -, seja do ponto de vista

educativo mais amplo - o tudo vale pode fortalecer mais a formação de pessoas que

ouvem pouco e se impõem pela altura da voz.

Cuidado para não parecer moralista ou muito prescritivo. Alerto para uma certa

confusão do papel do professor. Na busca de uma postura mais democrática e simpática

há uma certa confusão de camaradagem entre professor e aluno. Um democratismo que é

falseador dos diferentes papéis que cada um tem dentro de uma sala de aula, e, sobretudo,

do ponto de vista educativo é nocivo, pois a relativa ausência do professor enquanto pólo

difusor de idéias sistematizadas e organizadas fica prejudicado. Não confundir, entretanto,

essa preocupação com a visão do professor conteudista, que “dá” bastante matéria achando

com isso que ensina bem e/ou bastante. Não penso que professor bom é o professor sisudo,

durão, mal humorado! O professor deve aspirar sempre conquistar o aluno, gerar um

ambiente de confiança e desejo de estar no ambiente da sala de aula, mas isso não significa

sacrificar o professor em nome do querer “ser amigo” dos alunos. Muitas vezes o professor

é justamente aquele que faz a interdição, sabe construir limites, ainda que isso pouco tem

de simpático. Amigo não tem a preocupação em educar.

Tampouco acredito em relação professor-aluno sem conteúdo1 . Defendo um

professor que assuma sua condição de imprescindibilidade dentro da sala: que organize as

idéias, que exponha seus pontos de vista, que coordene a disciplina vista aqui em seu

duplo sentido: cognitivo (a disciplina escolar chamada Geografia) e comportamental (a

disciplina enquanto um pacto necessário de respeito entre docentes e discentes que torne

possível a comunicação e o trabalho cognitivo). Não confundo “ausência de regras” com

democracia. Acredito que a palavra “não” pode ser muito educativa, democrática e

1 Carvalho (2001) alerta-nos para o perigo da incorporação apressada e irrefletida de algumasidéias que passam a justificar um sem número de ações pedagógicas auto-intituladas“progressistas” e “construtivistas”. Tenho muitos pontos de discordância com Carvalho. Muitasvezes, ele próprio faz o que critica: entoar slogans sobre o que ele parece ter analisado pouco, opróprio construtivismo. Mas, a obra é válida pela polêmica.

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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construtivista!

Alguns retrucam: os professores não dão aula porque não são ouvidos. De fato,

muitas vezes é o que ocorre. É bastante comum o boicote sistemático dos alunos, não raro

num nível de barulho que só aos gritos se conseguiria se fazer ouvir.

Não tem aula porque tem muita bagunça ou porque o professor não sabe/não tem o

que dizer? Às vezes, os alunos não ouvem os professores porque o que está sendo oferecido

a eles é algo muito chato, inútil ou non sense! Muitas vezes tive essa sensação, sem

dúvida. Falamos para os alunos, mas não há comunicação com os alunos. Conseqüência,

os alunos fazem zoeira. Muitas vezes os professores tem sim o álibi do tipo “o que eu

posso fazer? Eles não me ouvem!”, mesmo quando a temática ou o texto proposto pelo

mestre parece ser interessante. É muito comum não haver aula no sentido de haver

raciocínios encadeados e sistematizados. Há informações esparsas. A Geografia se consolida

como algo muito superficial e sem muita lógica: o que há para entender? É a pergunta que

parece ficar sem resposta na cabeça dos alunos!

Daí dizer que as aulas parecem “pastel de vento”. Aparentemente o recheio é vistoso

(as temáticas, os conteúdos da Geografia são super atuais, interessantes), mas basta uma

mordida, basta adentrar na linha de reflexão e há um desencanto, um certo vazio.

Penso que esse saldo pouco atraente para os alunos se deve em boa parte ao que

denomino “os pés de barro da Geografia”: a relativa confusão metodológica/pedagógica e

a fragilidade epistemológica da visão de Geografia que nós professores temos, e, portanto,

construímos para os alunos.

As aulas de Geografia

Freqüentemente o desperdício de tempo da aula, bem como o barulho, tornava o

ambiente da sala pouco propício para o trabalho intelectual. O que parece estranho, pois

uma das queixas dos professores de Geografia é quanto à exígua carga horária semanal da

disciplina. No geral, duas horas por semana, não raro em dias diferentes, o que limita

bastante o trabalho produtivo já que se consome um tempo enorme com ritos dispendiosos:

deslocamento do professor, entrada em sala, conversas iniciais, apagar o quadro, fazer a

chamada, etc.

Muitas e muitas vezes a sensação – facilmente percebida na descrição de minhas

observações – era de que o pressuposto maior da aula era deixar o tempo escoar, passar

lentamente, seja com a chamada que dura minutos, seja com papos extra-classe, ou mais

comum, com atividades que tem como principal característica ocupar os alunos, muito

freqüentemente com atividades mecânicas. Mas isso é tão velho quanto sabido. O que me

chamou a atenção era uma tática bastante usada e que tem, sob o ponto de vista pedagógico,

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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um pressuposto “construtivista”. Falo do “trabalho em grupo”. Alguns vão denominar

“pesquisa” em grupo. Seja qual for o nome dado, o resultado é constante: baixo desgaste

do professor e quase inexistência da aprendizagem por parte dos alunos. O esquema tem

um modus operandi padrão. O professor dá uma rápida introduzida no assunto, seja

escrevendo algo no quadro (não muito comum) – que também raramente é copiado pelos

alunos – ou, mais comum, através de um xerox de um texto (sendo mais freqüente a

leitura individual do que coletiva). Feito esse intróito, a seqüência passa por responder

algumas questões, que vêm, via de regra, do próprio texto. Mas, aí vem a perspectiva

“construtivista”, com a qual concordo, e que tem pressupostos tão positivos quão mal

operacionalizados. É interessante fazer as questões em dupla ou em grupo. Como a leitura

não é feita em aula para todo o grupo, ela é feita individualmente, o que já limita as

explicações do professor, e, claro, favorece as conversas e compromete o silêncio na

turma. Começamos mal, pois não há incentivo para a leitura do texto. Quem quiser ler, no

entanto, vai se deparar com um obstáculo tão invisível quanto poderoso: o ruído, o barulho

em sala. Mesmo que se tente ler, os fatores de dispersão são muitos. Simplesmente – esta

é a regra – não há ambiente para o trabalho intelectual. Não estou falando num silêncio de

monastério, mas há que convir que também a sala de aula não é um parque de diversões.

Há que se respeitar a Geografia dos lugares, cada qual com seus tipos de comportamento.

Como, também via de regra, o professor não fez, ou fez de forma muitíssimo rápida,

uma explanação geral sobre o texto, sobre o tema abordado, fica complicado para o aluno

entender do que se trata. Perguntas sobre o que não se explicou ou não se leu, obviamente,

soam difíceis. Se ocorrem, em quase todos os casos, são explicadas individualmente (e

somente) para quem fez a pergunta. Perde-se outra chance ótima (duas já foram perdidas:

ao não se ler o texto em voz alta para o grupo todo e/ou não se fazer uma explanação

introdutória geral à classe) de alcançar toda a turma. Absolutamente comum são as micro-

explicações restritas ao indivíduo ou a dupla que tenta resolver a questão. Feita a leitura

(pelos raros persistentes), eis a hora de responder ao questionário. Se faltam 10-15 minutos

para o sinal há um código não-escrito, uma senha: “Pessoal, os últimos minutos vocês

usam para responder as questões. Me entreguem na próxima aula!” Dizer isso equivale a

dizer, na prática, “está terminada a aula”.

O que ocorre se temos mais um período (os dois períodos semanais são juntos)? Há

uma situação parecida, em ritmo ainda mais lento, e, uma outra senha: “Bom, agora vocês

leiam o texto”. Dá-se um tempo para ler. Poucos lêem. Depois o professor diz: “Agora

vocês fazem as questões”. É comum ele ir se sentar eximindo-se da tarefa de cobrar a

realização da tarefa e auxiliá-los na resolução das questões. Ora, como há um período a

mais o tempo escoa lentamente em conversas entre a dupla. O resultado é bastante comum:

os alunos, com as exceções dos “caxias” de sempre, é que poucos vão usar a aula para

lerem e responderem. Até aí nada excepcional, embora lamentável. Isso tem um duplo

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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desdobramento, um no campo ético, outro no campo pedagógico. No ético, o descaso, o

desinteresse dos alunos em (não) fazer a tarefa dá ao professor a tranqüilidade para dizer,

muitas vezes para mim e em “off” (“eles são fracos”, “este é o ritmo deles”, “não tão a fim

de nada”); outras vezes para a turma toda, em alto e bom som: “viu, vocês não ajudam,

não cooperam. A gente deixa um tempo para vocês fazerem em aula e vocês preferem

conversar, brincar e não fazem suas tarefas. Assim não dá!”. Genial. A falta de vontade do

professor em dar aula, coordenar a turma revestiu-se do seu oposto: são os alunos que não

cooperam, não ajudam, não estão a fim de trabalhar.

Do ponto de vista pedagógico – e mais uma vez com o subentendido pressuposto

“construtivista”/democratista implícito - está armada a próxima aula! Ora, num bom número

de vezes, os alunos não fazem a tarefa, nem na aula e nem tampouco em casa, e, chega-se

à conclusão que, é preciso dar mais tempo, dar mais uma aula, para a conclusão da tarefa

anterior. Dito e feito, dá-se o período para fazer as questões. Poucos fazem, mas isso não

importa, porque, também via de regra, um copia do outro. Descaradamente. É comum as

respostas serem copiadas mecanicamente, do livro ou do texto, sem o mínimo entendimento.

Muito comum as respostas, que exigem apenas a cópia do texto, serem absurdas, não

terem lógica. Ou, quando se exige algo que não está no texto, igualmente as respostas não

terem sentido algum. Tanto faz, o professor, corrige, também mecanicamente as respostas.

E os alunos copiam. Modorrento. Pronto. Resulta que muito pouco se exigiu do ponto de

vista cognitivo, muito pouco se construiu em termos de raciocínio e/ou de idéia de Geografia.

Mas, lá se foram duas semanas de aula.

É pressuposto interessante: trabalhar em grupo, deixar eles lerem o texto, deixar

que eles tirem suas dúvidas, e, por fim, discutir as respostas que eles trouxeram. Mas, a

forma de operacionalizar essa concepção “construtivista” parece permissiva e perversa

para com os alunos, já que gera não só uma baixa reflexividade, como é uma proposta

altamente desmotivadora reforçando a idéia que já lhes soa familiar: na Geografia qualquer

coisa serve, não há muito o que entender. E tudo com a consciência tranqüila para o

professor, afinal, foram os alunos que não aproveitaram a ‘oportunidade’ dada pelo

professor.

Identifico isto como uma tática de sobrevivência do professor. Sabemos que sua

carga de trabalho é extensa. Trata-se de questão de sobrevivência, o dispêndio mínimo de

energia, tanto física como mental. Evitar o burn out, evitar queimar, pifar! Ao deixar os

alunos no laissez-faire é óbvio que, o professor se economiza, não precisa explanar para

todos (só para quem, muito eventualmente o chama). Também se desgasta menos, pois ao

não cobrar a efetiva realização da tarefa com respostas plausíveis, entendíveis, o que eles

respondem não lhes exige muito. A recíproca é verdadeira, os alunos também não cobram

muito o professor. Tudo ocorre tacitamente, com ‘baixo consumo de energia’ e baixo nível

de desgaste de ambos os lados.

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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Claro que imputar tal comportamento ao “construtivismo” parece tão honesto

como acusar Jesus Cristo pelas Cruzadas medievais, mas o mais importante aqui é o

desembaraço do professor de suas tarefas. O curioso é que, uma teoria, altamente

interessante para contribuir com uma prática educativa mais qualificada, quando apropriada

apressadamente, sem a devida leitura/estudo, tende a produzir resultados ruins com ... as

justificativas mais nobres possíveis.

É positivo quando o professor pede que os alunos atuem, façam o questionário, se

ocupem. A idéia de que o aluno vai, através de sua ação, construir o conhecimento. Mas,

via de regra, a ação que os alunos empreendem é muito mais mecânica do que reflexiva.

Presenciei a pintura de mapas (para alunos adultos) sem que estivessem entendendo bem

o significado da tarefa. Sem falar na situação comuníssima de se responder ao questionário

copiando trechos quase aleatoriamente do texto.

Há uma muito baixa cobrança na produção escrita. Fora responder questionários

– que no geral não foi o professor o elaborador – quase os alunos nada tem que escrever.

E, quando tem de fazê-lo, os resultados são sofríveis. Alie a isso a relativa escassez de

aulas e leituras e parece que tudo conspira para algo tão invisível quanto indizível, mas

nem por isso menos efetivo e/ou existente: uma escola pobre para os de classe ‘pobre’. No

geral, estamos falando de escolas públicas, não raro de ensino noturno que acolhem

trabalhadores. O professor já tem a justificativa para esta pobreza cognitiva: “não dá para

exigir muito, eles não acompanham”, “eles não sabem escrever”, “eles não estão a fim”,

ou seja, parece que o aluno é o responsável. Sim, os alunos têm dificuldades imensas na

produção escrita, mesmo na expressão oral ou, não raro, na própria vontade de fazer as

tarefas, participar dos debates, ler em público, mas isso é do humano, isso é o quadro que

temos. Questionar o relativo consenso em que nós, os educadores, nos conformamos a

essa situação de penúria intelectual. Parece que a regra é, dar menos alimento a quem já

está enfraquecido pela subnutrição, com o medo de que ele vá ter problemas com a digestão.

Não proponho o outro extremo: vamos tornar as aulas difíceis, “dar bronca” nos

alunos, aumentar muito o nível das respostas exigidas para que eles consigam “enfrentar

o mundo competitivo lá fora”! Com essa frase se justificam, algumas vezes, a preparação,

meio cega, para o vestibular: empilhar informações em alunos que tentam engoli-las aos

trancos e barrancos.

É muito mais fácil constatar este problema - escola pobre para alunos pobres - do

que resolvê-lo. Há toda uma cultura hegemônica em que estamos, professores e alunos,

imersos. Ambos estão desmotivados. Não podemos ignorar o contexto macro onde a

educação é relegada pelos poderes públicos a um relativo abandono.

Os alunos cobram que o professor facilite tudo. Cobram que ele “não dê aula”, que

ele “largue” ou “solte” - o termo é indicativo de que ali todos parecem presos) - mais cedo,

enfim, que ele deixe as coisas rolarem sem stress. Os professores, sobrecarregados, indo

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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de uma escola a outra, enfrentando alunos desmotivados e ou despreparados tendem a

exigir o mínimo. O resultado é constatado nas avaliações do MEC: muitos saem do Ensino

Médio, e, após, onze ou mais anos de escolaridade, têm dificuldade para escrever alguns

poucos parágrafos e interpretar pequenos textos de jornal ou do livro didático.

As concepções de Geografia

Há ainda um predomínio da Geografia mnemônica, meramente informativa na sua

versão empobrecida. Um somatório de informações, sem uma teoria geral que ligue os

fatos discutidos entre si e, salvo exceções, sem ligação dos assuntos vistos com a vida dos

alunos.

Os conceitos, sejam mais gerais – espaço, natureza, sociedade, lugar, paisagem,

região –, seja os mais específicos – ligados aos assuntos específicos vistos durante o ano

- parecem dados ou subentendidos a priori, compreendidos pelo simples fato de serem

citados. Não há construção destes conceitos, menos comum ainda seu questionamento, a

meu ver um papel muito rico do professor. Acredito que seja papel fundamental do professor

de Geografia que ele, ao citar os conceitos, procure questioná-los, relativizá-los, mostrando

que eles podem ter leituras distintas, e até contrárias, já que são conceitos construídos, e,

como tal, passíveis de controvérsia. E essa controvérsia é a riqueza, é ponto de partida

para o avanço do conhecimento. Então, mais importante do que dizer “natureza é ...”

acredito que seja tarefa do professor alertar que esta palavra foi/vai mudando de significado

ao longo do tempo e em espaços diferentes. Exemplo: hoje a mata virgem é patrimônio a

ser preservado. Para imigrantes do século XIX, chegando ao RS, era um obstáculo a ser

removido.

É bastante comum inexistir a noção de sociedade, entendida aqui como seres humanos

que tem características específicas que fazem toda a diferença ter estas características

(gênero, etnia, classe social, nacionalidade, religião, poder aquisitivo, grau de instrução,

etc.) quando as pessoas estão co-habitando um dado espaço. Discutir a influência do

espaço na constituição/construção da sociedade, e vice-versa, parece fundamental para

trazermos o interesse dos alunos para nossas aulas.

Sobre o conceito de sociedade prevalece a idéia de ‘população’ enquanto um grupo,

um bando que está em cima de um espaço, de um palco. Aliás, por incrível que pareça a

palavra espaço e suas categorias correlatas – região, lugar, paisagem, território – são

relativamente ausentes do discurso de nós professores. O espaço parece um a priori, que

não cabe discutir, quando é palavra chave para questionarmos os conteúdos de Geografia.

Os professores falam do mundo, dos lugares “como eles são”, com a certeza de que se

falamos de algo estamos decifrando sua essência. “O Brasil é assim”, “os brasileiros são

assado” soa como a chave das descobertas. Há muita certeza e pouco espaço para a

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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dúvida: “será que o Brasil é (só) assim?”

A contradição entre a concepção falada (nas entrevistas com os professores), acerca

da Geografia, e a construída na prática, com os alunos, mais duradoura e sistematicamente

através das aulas, via provas, trabalhos e as exposições orais.

Na fala – fora da sala de aula, longe dos alunos - as concepções de quase todos os

professores acompanhados são bem articuladas, progressistas e concatenadas, tanto do

ponto de vista pedagógico, como do epistemológico. A Geografia dita tradicional é muito

bem criticada nas suas fragilidades. Uma geografia diferenciada, sem necessariamente ser

chamada de “crítica”, é defendida consensualmente. Mas, a situação fica bem menos

consensual e organizada na hora de construir tal proposta em sala de aula. A um discurso

relativamente coeso e progressista é muito comum corresponder uma prática bem mais

desinteressante e conservadora.

Com certeza não basta ter bons conhecimentos específicos de Geografia (Geografia

Agrária, Urbana, Cartografia, Geografia Física em geral, etc). Quando somos professores,

sobretudo do Ensino Fundamental e Médio, o desafio é dar uma organicidade a estas

informações, para que elas sejam compreendidas pelo aluno e façam sentido à vida dele.

Que as aulas de Geografia façam sentido para os alunos sem, no entanto, a ilusão de que

o que se fala em aula seja necessariamente útil imediatamente aos alunos. Que supere a

idéia de que a Geografia é um somatório de informações acerca da natureza, dos lugares

e dos povos que habitam a Terra, ou seja, que fala de tudo e todos. Falta-nos, geralmente

uma visão que ligue, mas sem cimentar nem congelar, os fatos e dados vistos nas aulas.

Parece que temos uma Geografia Fast Food. É rápida! Em minutos, fala de muitas

coisas, mas pouco se aprofunda. Chama a atenção! Seus temas são atuais e estão na

mídia! No entanto, a longo prazo, fica pouco para o aluno. Há pouca articulação dos

conhecimentos trabalhados. Ficamos ‘cheios’, mas pouco alimentados. Voltamos a idéia

do pastel de vento: o conteúdo parece frágil.

Desejo que se consiga construir para e com os alunos a idéia de que a Geografia é

muito mais do que uma disciplina escolar. Que vá além da Geografia Fast Food. Que se

consiga desenvolver nos alunos o desejo de saber. Uma prática pedagógica com maior

embasamento teórico, com pedagogias alicerçadas em propostas mais reflexivas e

consistentes que torne a Geografia mais saborosa, desenvolva no aluno o apetite em querer

mais, em saber mais. A Geografia é feita desde que os seres humanos estão neste planeta,

pois é impossível sobreviver sem se valer da natureza, e, neste contato os espaços são

apropriados, construídos e ressignificados. E este processo de fazer-se humano, fazer-secivilizado implica fazer Geografia. Os humanos se fazem humanos na história, na sua

passagem por este planeta e que esta história se dá no contato com a natureza, implica em

modificar e apropriar-se do espaço. Geografia e civilização se confundem. Humanizar-se

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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implica em geografar, marcar a Terra. Civilizar-se demanda geografizar, contatar e

transformar a natureza. Transformando a natureza transformamo-nos, fazemo-nos

humanos. Não estamos dizendo que a Geografia é anterior ou mais importante do que as

outras disciplinas escolares. No entanto, é impossível falar de geografia sem filosofar

sobre nossa existência.

Quase todos, geógrafos ou não, associam Geografia a mapas. Mas, mais uma vez

os professores são traídos pela projeção idealista de acharem que seus alunos sabem onde

estão os lugares citados – e são muitos – nas aulas ou nos textos. A ausência de mapas,

mesmo quando os assuntos tratados são os próprios mapas é uma constante. Há professores

que não usam mapas. Ponto. O professor parece ficar demasiado confiante que suas aulas

são por demais claras. A ilusão de muitos de nós: a Geografia fala como é o mundo. Basta

falar dele para que os alunos entendam tudo com clareza.

Além da quase inexistência dos mapas, há também muito pouco uso de outros

materiais visuais. Fotos, imagens, charges são relativamente raras. Desperdiça-se um

recurso fundamental para a Geografia, qual seja, a visão. Não que a simples visão de uma

imagem vá mostrar como são as coisas, mas é um bom ponto de partida para se buscar

sentidos além do imediatamente perceptível pelos alunos.

Chama a atenção o uso dos textos. Via de regra não se fazia leitura coletiva e em

voz alta dos textos em sala de aula. Os textos eram apenas distribuídos sob um genérico

“agora vocês leiam”. Sensato. Todos sabem ler. Mas, e se não há ambiente para a leitura,

isto é, um mínimo de silêncio? Então, mesmo os que tentassem fazê-lo, tinham dificuldade

para ler. Tal prática vai matando o desejo do aluno em saber mais. A Geografia pode

contribuir para que o aluno entenda, com um mínimo de lógica, o mundo em que vive. A

Geografia ocupa-os, mas de forma pouco reflexiva. Esta lógica um tanto mecânica,

prevalece muitas vezes, até quando a tarefa é diferente e instigante. Por exemplo, quando

o professor solicita que os alunos criem, num papel pardo, uma cidade ideal. Como as

explicações foram muito rápidas e de caráter técnico (arruamento, curvas de nível,

hidrografia, etc.) faltou-lhes embasamento para a elaboração da tarefa, sem dúvida, de

alta complexidade. O resultado foi um tempo desproporcionalmente alto gasto na elaboração

destes ítens de uma forma automatizada (desenhando, pintando) em detrimento da parte

cognitiva (o que é uma cidade ideal? O que ela tem de diferente da cidade em que nós

vivemos?). Portanto, o desafio é fazer da Geografia algo que possa contribuir no

planejamento e reflexão dos espaços em que vivemos. Faltou contextualizar a tarefa,

‘questionar’ o conteúdo. Não basta que os alunos “gostem” da tarefa (uma tarefa que soou

como Educação Artística, muitos alunos ainda gostam de colorir mapas), mas sim que

eles complexifiquem sua visão de mundo auxiliados pelas categorias da Geografia.

Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007

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Nosso desafio é despertar a fome pela Geografia e pelo conhecer

Priorizar um ensino de Geografia que estabeleça relações entre Geografia e outras

áreas do conhecimento, que estimule a capacidade de reflexão e expressão dos alunos e

que contribua para pensarmos nossa existência e nosso mundo/entorno parecem desafios,

utopias e obstáculos que podem nos motivar à docência de forma apaixonada e apaixonante.

Escolher brincar de amor com a Geografia e seduzir o aluno para ir conosco a lugares

nunca dantes navegados. Fazer da Geografia uma ponte que conecte o nosso lugar, o

nosso lar com o mundo, com os outros lugares.

Deus ao mar perigos deu, mas nele espelhou o céu, ensinou-nos Fernando Pessoa.

Navegar nestas águas da busca do conhecimento na companhia dos alunos, de

forma dialogada e provocativa parecem belas utopias a serem perseguidas por nós,

educadores.

Aos meus alunos, futuros professores, eu digo: levem seus alunos para longe dos

nossos estreitos horizontes. De meus alunos pouco quero: apenas a sua alma!

Bom trabalho, boa viagem.

Referências

CARVALHO, José Sérgio Fonseca. Construtivismo: uma pedagogia esquecida da escola.Porto Alegre: Artmed, 2001. 132p.HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. São Paulo: Editora da UNESP,1998. 189p.KAERCHER, Nestor A. A geografia escolar na prática docente: a utopia e os obstáculosepistemológicos da Geografia Crítica. São Paulo: Dep. de Geografia, Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2004. (Tese deDoutorado, 363p.)

Recebido para publicação dia 10/04/07

Aceito para publicação dia 07/05/07

KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...

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ENSINO DE GEOGRAFIA,MÍDIA E PRODUÇÃO DE

SENTIDOS*

Resumo: O presente trabalho analisa as relações entre o ensinode Geografia e a mídia no atual mundo globalizado. A mídiaapresenta-se, atualmente, como um importante lugar de produçãode discursos e de circulação de saberes sobre o mundo. De modosimultâneo e instantâneo, sabemos o que acontece no mundo enos deparamos, constantemente, com a elaboração de discursossobre qual é a nossa tarefa diante da premente necessidade deconhecer e decifrar este nosso mundo globalizado. No campo doensino de Geografia, essa nova relação que se configura entre ocidadão e o mundo, influenciada pela mídia, apresentarepercussões importantes uma vez que, como disciplina escolar, aGeografia tem o objetivo de tornar o mundo sensível ecompreensível aos alunos, proporcionando-lhes o reconhecimentoe a análise da experiência humana na construção do espaçogeográfico.Palavras chaves: Ensino de Geografia; Mundo globalizado; Mídia;Produção de sentidos.

Abstract: The present work analyzes the relationship betweenthe teaching of Geography and the media in present globalizedworld. The media is nowadays an important place of discourseproduction and world knowledge circulation. In a simultaneousand immediate way, we know what is happening in the world andwe are constantly faced with the elaboration of discourses aboutwhich should be our duty in relation to the necessity of knowingand deciphering our globalizing world. In the field of Geographyteaching, this new relationship which is configured between thecitizen and the world, influenced by the media, presents importantrepercussions once, as a school discipline, Geography has theobjective to make the world sensitive and understandable to thestudents, providing them with the recognition and the analysis ofthe human experience in the construction of the geographical space.Keywords: Geography teaching; Global world; Media; Productionof senses

Resumen: El presente trabajo analiza las relaciones entre enseñazade la Geografía y los medios de comunicación en el mundoglobalizado actual. Los medios de comunicación se presentan comoun importante lugar de producción de discursos y de circulaciónde conocimientos sobre el mundo. De modo simultaneo einstantáneo, sabemos lo que acontece en el mundo y nosenfrentamos, constantemente, con la elaboración de discursos sobrecual es nuestra tarea delante de la imperiosa necesidad de conocery descifrar nuestro mundo globalizado. En el campo de la enseñazade la Geografía, esta nueva relación entre el ciudadano y el mundo,influenciada por los medios de comunicación, muestra importantesrepercusiones, ya que como materia escolar, la Geografía tiene elobjetivo de tornar el mundo sensible y comprensible a losestudiantes, proporcionándoles el conocimiento y el análisis de laexperiencia humana en la construcción del espacio geográfico.Palabras clave: Enseñanza de la Geografía; Mundo globalizado;Medios de comunicación; Producción de sentidos.

GEOGRAPHY TEACHING, MEDIAAND PRODUCTION OF SENSES

ENSEÑANZA DE LAGEOGRAFÍA, MEDIOS DE

COMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓNDE SENTIDOS

IARA GUIMARÃES

Eseba - Universidade Federalde Uberlândia

Correio Eletrônico:[email protected]

* Este texto faz parte da tese de doutoradodefendida pela autora. (“Sobre os sentidosde ensinar e compreender o mundo –discurso jornalístico e ensino deGeografia”. São Paulo: Universidade de

São Paulo, 2006.)

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 45-66 Jan-Jun/2007

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GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

Intr odução

Para a Geografia, entender, explorar e descobrir o mundo é uma tarefa assumida

como desafio, propósito e pretensão.

Desde sempre, a geografia tem sua identidade associada à aventura dasexplorações. Descobridores, viajantes, cosmógrafos são, por isso, os legítimosantecessores dos geógrafos acadêmicos surgidos no final do século XIX. Apartir dessa época, em que pouco restava para ser ‘descoberto’, a aventura dasexplorações não cessou, mas mudou profundamente o seu sentido. ‘Os novosmundos’ da atualidade não são mais constituídos por terras nunca visitadas oupor trilhas nunca percorridas. Hoje, as explorações geográficas consistem emverdadeiras metáforas das antigas. Os novos mundos são parte do nossocotidiano, as descobertas são novas formas de olhar, de relacionar, de conceber;as viagens contemporâneas são constituídas pela interiorização em novospercursos temáticos. Neste sentido, a Terra incógnita não cessa de serredescoberta. (CASTRO et al, 1997, p. 7)

Podemos indagar: como explorar o mundo de hoje? Como ajudar os alunos a

organizar explorações geográficas se os “novos mundos” já fazem parte do seu cotidiano?

Como estabelecer o roteiro, o percurso para concretizar as viagens contemporâneas? Viajar

para onde? Qual o sentido da viagem? Por que ser descobridor, viajante e vivenciar as

aventuras de explorar esse novo mundo?

Atualmente “somos” e “estamos” em um mundo no qual o processo de globalização tem

ganhado cada vez mais materialidade. Nesse processo, a sociedade se mundializa, movendo-

se rumo à constituição de um novo modo de vida, no qual a relação com o tempo e o

espaço se reorganiza. Os fluxos de informação rápidos, interligando os diferentes lugares,

representam um fator constitutivo desse processo de globalização que, em consonância

com outros fatores, contribui para uma alteração significativa na forma de viver e perceber

o lugar e o mundo.

Por um lado, a globalização é acompanhada de transformações científicas e

tecnológicas, do desenvolvimento dos meios de comunicação e da informação, que

possibilitaram a convivência simultânea e instantânea com os acontecimentos locais e

distantes, permitindo que espaços longínquos se façam presentes nas vivências cotidianas

dos cidadãos. Por outro lado, o espaço global expõe marcas da segregação, da guerra, da

disseminação do terrorismo, da violência urbana, dos problemas ecológicos, da fome e da

exclusão social de bilhões de pessoas.

A complexidade de compreensão desse espaço globalizado aumentou,

consideravelmente, para o cidadão comum. Esse fato sinaliza, para o ensino de Geografia,

a emergência de novas questões e desafios. Nesse contexto, é preciso pensar na nova

dinâmica espacial que se anuncia, pondo em evidência como devemos nos posicionar

47

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

diante do desafio da explicação do mundo e da nossa relação com o mundo. Isso implica,

também, pensar no compromisso com a construção de um ensino crítico, comprometido

com a formação para a cidadania e revelador do mundo.

No presente texto discutimos algumas repercussões do processo de globalização e,

particularmente, das imagens e vozes da mídia sobre o mundo globalizado para as práticas

escolares e o ensino de Geografia.

Os desafios atuais do ensino de Geografia

Podemos constatar que o desafio de compreender as transformações da realidade,

do ponto de vista espacial, não se mostra apenas ao cidadão comum e para o ensino de

Geografia. Decifrar esse novo contexto tem representado, também, um grande desafio

para a ciência geográfica, pois exige, fundamentalmente, pensar em novas teorias, em

novos instrumentos metodológicos e em considerar atentamente a perspectiva de que a

ciência é uma construção, fruto do seu tempo. De acordo com Souza (1999),

Os geógrafos têm diante de si um duplo desafio: o primeiro é aquele deefetivamente compreender o que é o espaço geográfico, esta mediação entre omundo e o lugar, para em seguida produzir uma geografia que seja rigorosa nacompreensão das formas, dos processos, das estruturas, das funções, sem abdicardas condições históricas da sua produção. (SOUZA, 1999, p 362)

As discussões e interpretações produzidas pela ciência geográfica têm repercussões

importantes no campo do ensino de Geografia. Entretanto, é necessário levar em conta

que a Geografia acadêmica e a escolar não são idênticas, possuindo percursos históricos

particulares e dinâmicas próprias que precisam ser considerados. Portanto, é preciso avaliar

a relação entre conhecimento científico e escolar, suas aproximações e distanciamentos.

Nesse aspecto, reside um ponto importante para a discussão sobre as concepções teórico-

metodológicas do ensino de Geografia, de que tratamos neste trabalho.

As pesquisas no campo educacional, hoje, indicam que o conhecimento escolar

possui peculiaridades. Isso resulta em admitir que o conhecimento geográfico produzido

na academia é diferente do conhecimento escolar, pois este é resultado de um processo de

produção específico que conta com outras formas de conhecimentos engendrados em outras

instâncias. Nessa análise, é necessário considerar que o processo de transposição didática

significa tornar um conhecimento científico e cultural ensinável e aprendível. Isso faz com

que o conhecimento científico sofra expressivas e profundas transformações quando chega

aos estudantes, originando aí um novo tipo de conhecimento.

Na perspectiva da história das disciplinas escolares, a Geografia, assim como as

outras disciplinas presentes no currículo escolar, é uma construção histórica permeada

48

por interesses, tendências e embates presentes em um determinado contexto social. No

caso da Geografia, desde o seu princípio, ocorreu forte vinculação com o poder dos Estados-

Nações emergentes a quem interessava, política e economicamente, a formação de crianças

e jovens impregnados pela ideologia nacionalista.

A presença dos temas geográficos na prática de escolarização e a criação e

estruturação da Geografia como disciplina escolar, é muito anterior a sua institucionalização

como disciplina acadêmica. Deve-se destacar, inclusive, que foi a sua presença nas escolas

primárias e secundárias, na Europa, no século XIX, e a necessidade de formar professores

de Geografia para ministrá-las que favoreceram a sua institucionalização como ciência.

Privilegiando a análise da natureza, sem maiores preocupações com as relações

sociais e/ou mesmo com as relações entre sociedade e natureza, a Geografia se desenvolveu

como disciplina escolar. A chamada Geografia Tradicional, de cunho positivista,

caracterizou-se por empreender uma análise de modo compartimentado e estanque, por

meio de um esquema que se iniciava pela abordagem das bases naturais, seguindo-se dos

estudos relativos à população e finalizando, com a abordagem da economia.

As práticas escolares foram profundamente influenciadas por essa forma de pensar

e fazer geografia, criando uma tradição didática com forte predominância do

enciclopedismo, do ensino mnemônico e que ignorava o caráter político da Geografia.

Trabalhava-se um grande volume de dados, informações e descrições de modo

descontextualizado, sem uma análise que permitisse aos alunos compreender os temas de

forma significativa. Nesse sentido, tinham méritos os alunos com maior facilidade e

predisposição para memorizar conhecimentos.

Essa Geografia passou a ser objeto de profundos questionamentos no final da década

de 1970, período em que adquiriu força o movimento de renovação da Geografia brasileira.

Levantou-se como questão o potencial teórico e metodológico da Geografia, produzida,

até então, para analisar a realidade em constate processo de transformação. Apresenta-se

como tarefa fundamental da Geografia acadêmica e escolar elaborar uma teoria e construir

uma prática que fosse capaz de analisar criticamente a realidade e contribuir para o processo

de transformação dessa realidade.

Sob a influência das teorias marxistas, a Geografia crítica que se firmava naquele

momento colocou como frente de contestação à Geografia tradicional, hegemônica até

então, o seguinte questionamento: para que serve a Geografia? O clássico livro de Yves

Lacoste “A Geografia - isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra”, divulgado no

Brasil, a partir de 1976, questionou as relações da Geografia com o poder militar e com a

elite dominante (“a Geografia dos estados maiores”) e a produção ideológica do que o

autor denominou de “Geografia dos professores”, de caráter despolitizado, acrítico e

desinteressante, que procurava mascarar a importância estratégica dos conhecimentos

geográficos.

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

49

Esse movimento procurou repensar a relação sociedade/natureza, as implicações

de poder no espaço e o papel político da Geografia e dos geógrafos, que passaram a ter

como papel o engajamento nas lutas sociais pelas transformações da realidade. Nesse

sentido, a Geografia crítica promoveu mudanças expressivas na compreensão do papel

dessa ciência.

Carlos e Damiani (1999), fazendo um balanço do que significou esse movimento

de renovação para a Geografia, nas décadas de 1980 e 1990, esclarecem-nos que

os fenômenos físicos e humanos tendem a não ser tratados em separado,como apenas distintos. A Geografia passa, com a negação dopositivismo em geografia, pela negação da geografia como geografiafísica, posteriormente, pela superação desse descrédito e a leitura eincorporação de conhecimento das ciências naturais e humanas paradecifrar o fenômeno geográfico, ainda não sem dificuldades. A questãoambiental hoje renova o sentido possível da relação entre as áreas dageografia humana e geografia física. (CARLOS e DAMIANI, 1999,p. 92)

Entretanto, hoje, já decorridos mais de 20 anos do processo de renovação por que

passou a Geografia, é possível rever o alcance desse movimento na prática docente e, por

conseguinte, na Geografia ensinada na escola. Podemos identificar que as discussões teóricas

e as propostas de ensino resultantes do movimento de renovação da Geografia estão

chegando às escolas de uma forma lenta e, em muitos contextos, ainda são pouco visíveis.

A abrangência e a profundidade dessas propostas vêm ocorrendo em tempos diversos e

com diferentes repercussões no ensino fundamental e médio. Contudo, apesar da morosidade

do processo, mudanças podem ser sentidas tanto nas propostas de ensino quanto na prática

do professor de Geografia.

Verifica-se que algumas idéias têm ganhado força nas propostas atuais da Geografia

escolar:

ØØØØØ O estudo da natureza no ensino de Geografia não pode ser negligenciado, pois é da

maior importância para a compreensão das questões que envolvem a vida e a realidade

do aluno. O importante é relacionar os sistemas sociais e naturais sempre que possível,

integrar os elementos naturais entre si e com a ocupação humana, sem pretender

fundir os conteúdos sociais e naturais. Isso significa admitir que, nem sempre, é possível

tratar a natureza sob o ponto de vista da dinâmica natural em interação com as relações

sociais, fato que em si não causa qualquer tipo de prejuízo aos objetivos da Geografia

escolar. Segundo Vesentini (1995),

a idéia de nunca se separar o social do natural é fantasiosa, sem nexo do pontode vista científico. Existe o momento de separar e o de unir, o momento de

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

50

isolar um elemento para melhor estudá-lo e o de relacioná-lo com outros fatores,

da mesma forma que tanto a análise como a síntese são imprescindíveis ao

avanço do conhecimento. (VESENTINI, 1995, p. 5 )

ØØØØØ A possibilidade de superar o ensino reprodutor, mnemônico e desinteressado da realidade

e dos interesses dos alunos, que marca a trajetória da Geografia escolar. As propostas

atuais de ensino em sua grande maioria reforçam a idéia de que tanto os professores

como os alunos são sujeitos ativos e produtores de conhecimentos. Desse modo, o

professor, à medida que seleciona o que vai ensinar e organiza suas atividades, faz

traduções, realiza interpretações e, nesse processo, produz novos conhecimentos, não

exercendo o papel de mero reprodutor do conhecimento cientificamente produzido.

Processo semelhante ocorre com os alunos. Ao se apropriarem dos conhecimentos

trabalhados pelos professores, eles os reorganizam, gerando novos conhecimentos.

Nessa medida, o ensino deve viabilizar atividades que possibilitam aos alunos o

questionamento da realidade e dos diferentes objetos de conhecimento. O professor,

ao propor atividades desafiadoras, motiva a participação ativa do aluno por meio da

pesquisa, da resolução de problemas, da busca de novas respostas e do desenvolvimento

do pensamento crítico e autônomo.

ØØØØØ Os conhecimentos e as experiências dos alunos devem ser evidenciados. Nesse sentido,

mostra-se fundamental resgatar a Geografia do cotidiano ao considerar a vida do

aluno, as suas experiências individuais e coletivas. Ao conciliar ação e conhecimento,

as questões do espaço vivido do aluno, em suas conexões e interações com o espaço

mais amplo, devem ser objeto de debates e estudos. O resgate e a valorização das

vivências espaciais das crianças e jovens representa um referencial da maior importância

para o ensinar e aprender Geografia.

ØØØØØ O ensino de Geografia deve ser trabalhado pelo professor por meio da utilização de

diferentes linguagens que favoreçam aos alunos produzir e expressar idéias, opiniões,

sentimentos e conhecimentos sobre o mundo. A literatura, o cinema, o teatro, a música,

a televisão, a fotografia, os textos informativos, os gráficos e mapas, são linguagens

que devem estar presentes na Geografia escolar. Dentre as múltiplas linguagens do

ensino de Geografia, merece destaque o trabalho com a cartografia, que precisa estar

presente durante todo o percurso escolar dos alunos. Para que eles tenham domínio da

linguagem cartográfica, é fundamental a experiência como mapeador e também como

leitor de mapas já construídos. Ou seja, os alunos têm que, em um estágio inicial,

aprender a construir mapas, para que possam tornar-se leitores de mapas, interpretando

de modo mais significativo o que esses documentos comunicam.

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

51

ØØØØØ O ensino de Geografia tem como objetivo contribuir para que o aluno possa, de forma

autônoma, desenvolver o raciocínio geográfico, compreendendo as novas dinâmicas

que se impõem ao espaço geográfico, fruto da sociedade ao longo do processo histórico.

Para isso, é preciso que os alunos dominem conceitos básicos de que esse campo de

conhecimento dispõe para explicar o espaço geográfico. Assim, a seleção de conceitos

geográficos básicos tem sido uma referência importante para a organização de propostas

curriculares para o ensino de Geografia e para a orientação do trabalho com os

conteúdos geográficos em sala de aula.

A tarefa de conhecer o campo teórico que a ciência geográfica tem produzido ao

longo de seu percurso histórico mostra-se da maior importância para o professor. Dominar

o campo conceitual e a produção acadêmica da Geografia amplia as possibilidades de os

docentes sistematizarem de uma forma mais rica os conhecimentos escolares. No entanto,

torna-se evidente que a idéia de que basta dominar os conteúdos geográficos para ser um

bom professor já não é mais aceita atualmente. Isso implica repensar o papel e as interações

entre a didática, a Pedagogia e a Geografia. O contexto social de hoje mostra-nos a

necessidade de repensar os procedimentos metodológicos no ensino. Tal fato remete-nos,

também, para o significado das interações entre os conhecimentos pedagógicos e os

conhecimentos da disciplina no processo de formação inicial e contínua do professor de

Geografia.

A ação pedagógica do professor não pode prescindir de um entendimento teórico

aliado ao metodológico. Nesse aspecto, a parceria/colaboração entre a universidade e a

escola de ensino básico possui um papel fundamental. São necessárias a divulgação e a

reflexão sobre o conhecimento produzido na academia, relacionando as preocupações e

propostas emergentes com as indagações e as necessidades dos professores. Isso é um

percurso importante para a chamada prática refletida. É necessário que os professores

tenham a oportunidade de dialogar com as teorias e com os arcabouços metodológicos,

compreendendo o conjunto de questões e os princípios explicativos presentes na discussão

teórico-prática da Geografia.

Apr ender e ensinar em tempos de globalização

Em um texto intitulado “Os deficientes cívicos”, Milton Santos (2002) aborda a

relação entre globalização e educação e, particularmente, as conseqüências que o processo

de globalização, como se manifesta atualmente, tem trazido a idéia de um projeto

educacional para o país. O autor assinala que o papel da educação, para a formação das

gerações presentes e futuras, é, fundamentalmente, atender, ao mesmo tempo, ao interesse

social e ao interesse dos indivíduos. Nesse sentido, o autor mostra que, na sociedade

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

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democrática, os pilares do sistema educacional devem ser

o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário(com garantias de que a educação contribua para eliminar desigualdades),progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro).Daí os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (estaúltima palavra sendo sinônima de ausência de visões particularistas e segmentadasdo mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãosintegrais e indivíduos fortes. (SANTOS, 2002,p.150)

Esses princípios fundamentais da educação foram construídos por meio de um

longo processo histórico de constituição da idéia de democracia, convivência civilizada,

cidadania e solidariedade social. Representam o resultado das conquistas sociais

evidenciadas em diferentes países (sobretudo os europeus), sendo que o pano de fundo que

sustenta esses princípios é a noção de que a dinâmica social não será excludente e de que

todos os cidadãos de um país terão assegurado o direito à educação.

Entretanto, em tempos de globalização, como ficam os objetivos da educação?

Como se percebe a questão de “para que a educação?” Que conseqüências o processo de

globalização tem trazido para o trabalho na escola? Milton Santos nos diz que a

globalização, tal como se apresenta e organiza o mundo de hoje, funda-se em novos

princípios e em outros sistemas de referência, “em que noções clássicas, como a democracia,

a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing

político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto

são outros os valores da nova ética, fundada em um discurso enganoso, mas avassalador”

(SANTOS, 2002, p. 150).

O processo de globalização tem repercutido de forma desfavorável no sistema

educacional e tem representado uma perda significativa dos ideais de educação universal,

igualitária, de qualidade e guiada para a formação da cidadania. As demandas da

globalização econômica, política e cultural têm implantado novos referenciais para os

objetivos educacionais, dentre os quais, podemos destacar:

ØØØØØ A disseminação de um pensamento pedagógico voltado ao gerencialismo, ao controle

e à implantação de inovações de cima para baixo, sem a participação e o envolvimento

daqueles que realmente executam as propostas educacionais e constroem a escola e as

práticas pedagógicas.

ØØØØØ A privatização, como tendência mais eficaz para a educação e a deterioração do sistema

educacional público, que passa a ter uma imagem social degradada, fortemente

associada à ineficácia.

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

53

Sob um viés marcadamente economicista, a globalização tem atingido de forma

eminente os propósitos da educação e, em nosso país em particular, tem contribuído para

a deterioração do sistema educacional público. Nesse contexto, é possível prever que,

como nos diz Santos (2002, p. 151), “escola deixará de ser o lugar de formação de

verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos”. Entretanto esse não

é um caminho único e definitivo, é uma construção que está sendo historicamente tecida

pelas forças do mercado e pelo modelo de globalização vigente. Sendo um processo histórico,

possui brechas que nos autorizam a pensar e propor uma outra percepção sobre a realidade

que evidencie as possibilidades e objetivos que valham a pena ser perseguidos. A educação

não pode furtar-se ao contexto da globalização, mas, dentro deste contexto, é possível

pensar em outras formas de orientação, em outros caminhos possíveis e desejáveis,

retomando a idéia de utopia e projeto.

Quando nos propomos a analisar as conseqüências da globalização na educação,

é possível, apesar de todos os aspectos desfavoráveis assinalados anteriormente, verificar

que esse processo traz também novas e importantes implicações culturais para a prática

de ensino. Tais implicações podem levar a escola a construir um projeto novo, mais aberto

e crítico em relação ao mundo interconectado e complexo, uma escola com horizontes

mais amplos. Segundo Sacristán (2002, p. 93), “do ponto de vista da cultura, a contraditória

globalização tem outras importantes derivações para o pensamento e para as práticas

educativas que alteram pressupostos básicos com os quais vínhamos operando, não

necessariamente de caráter negativo”.

Uma implicação importante posta à educação, pelo processo de globalização, diz

respeito à discussão sobre a maneira como o ensino e a aprendizagem devem se orientar:

ou por uma abordagem que privilegie a experiência direta, o entorno dos alunos, ou através

de uma abordagem que privilegia a globalização dos conteúdos e a formação dos indivíduos

por conteúdos culturais dos “outros”. Essa é uma discussão rica, pois coloca-nos diante

de um desafio da atualidade: como educar em um contexto histórico marcado pelo

encurtamento das distâncias, pelas novas percepções e experiências com o espaço e o

tempo, pelos novos significados do que é próximo e distante? Que pedagogia propor para

a compreensão do mundo globalizado e complexo em que vivemos? Como deve orientar-

se a ação dos educadores nesse contexto?

Significar a prática pedagógica por meio das experiências concretas dos alunos,

da sua realidade e do seu entorno constitui-se em uma proposta amplamente divulgada no

contexto educacional brasileiro. Para Paulo Freire (1996), essa é a premissa básica para

a atuação do professor e para a formação dos alunos. Em um trecho ilustrativo Freire nos

conta a seguinte história:

Certa vez, numa escola da rede municipal de São Paulo que realizava umareunião de quatro dias com professores de dez escolas da área para planejar em

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

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comum as atividades pedagógicas, visitei uma sala em que se expunhamfotografias das redondezas da escola. Fotografia de ruas enlameada, de ruasbem posta também. Fotografias de recantos feios que sugeriam tristeza edificuldades. Fotografias de corpos andando com dificuldade, lentamente,alquebrados, de caras desfeitas, de olhar vago. Um pouco atrás de mim, doisprofessores faziam comentários em torno do que lhes tocava mais de perto. Derepente, um deles afirmou: ‘Há dez anos ensino nesta escola. Jamais conhecinada de sua redondeza além das ruas que lhe dão acesso. Agora, ao ver essaexposição de fotografias que nos revelam um pouco de seu contexto, meconvenço de quão precária deve ter sido a minha tarefa formadora durantetodos estes anos. Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contextogeográfico, social, dos educandos?’ (FREIRE, 1996, p. 30)

Ensinar e aprender com base na experiência direta significa abrir os nossos sentidos

para observar e perceber o meio circundante, o espaço vivido. Para isso, é preciso entrar

em contato com esse nosso mundo particular e interrogá-lo. Esse contato direto com o

mundo exterior é da maior importância para o desenvolvimento de percepções e

interpretações sobre o mundo e a vida, sendo que é a partir desse contato que o indivíduo

vai construindo um conjunto de significações pessoais sobre o mundo e dando um certo

sentido à vida, elaborando, afinal, o seu mundo interior.

Entretanto, é importante destacar que a experiência direta, que propicia o

conhecimento e a significação do entorno, depende dos outros, do contato com os outros.

Daí, a função da escola, da família, do grupo de convívio, dos vizinhos. É nesse sentido

que Paulo Freire, no trecho anterior, chama-nos a atenção para a importância do professor

e do papel significativo que tem a desempenhar nesse processo, questionando como esse

profissional pode ensinar se não conhece e não está aberto ao contexto geográfico e social

dos alunos. Isso denota que a nossa percepção e a significação do mundo circundante são

profundamente influenciadas pelo contato que temos com os outros que, de um modo ou

de outro, vão nos auxiliar e interferir na maneira como olhamos para o mundo, como o

percebemos e cujo significado reconstruímos. Deste modo, o indivíduo vivencia de maneira

compartilhada a experiência de compreensão do mundo próximo. O que os outros pensam,

dizem, expressam, em que acreditam também influencia na nossa maneira de compreender

o mundo.

Além da experiência pessoal de conhecer o entorno ser compartilhada, é notável o

fato de que, para olhar a realidade, é preciso dispor de instrumentos para interpretá-la, ou

seja, o mundo precisa ser decodificado, pois a simples aparência do mundo não nos revela

o que ele é. Existem outras realidades, outros acontecimentos e fatos por detrás daquilo

que nossos olhos conseguem captar. Por exemplo, a existência de um supermercado, dos

produtos que lá existem para ser comprados pelos consumidores subentende e envolve

inúmeras outras realidades escondidas, mas existentes e concretas, que são a base para a

existência e o funcionamento daquele supermercado. Deste modo, para compreender o

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

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mundo cotidiano, é preciso pensar de maneira relacional na existência de outros mundos,

de outras realidades, muitas vezes, distantes e diferentes da nossa.

Esse processo de compreensão do mundo por meio da experiência direta é da

maior importância para o educando. A escola, nesse processo, tem sido cobrada e criticada

por que, nem sempre, propicia esse contato com o mundo cotidiano, por criar um mundo

de referência particular para o aluno e não permitir o contato e a relação do que se ensina

dentro da escola com os conteúdos do mundo vivido do aluno. Paulo Freire, por exemplo,

expressa de maneira enfática uma crítica a essa maneira da escola portar-se diante da

experiência direta dos alunos. Segundo o autor, na maioria das vezes, na prática pedagógica

desenvolvida na escola, ler palavras não quer dizer ler o mundo, ou seja, as “palavras da

escola” são diferentes das “palavras do mundo da experiência”.

O que é que eu quero dizer com dicotomia entre ler as palavras e ler o mundo?Minha impressão é que a escola está aumentando a distância entre as palavrasque lemos e o mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura ésó o mundo do processo de escolarização, um mundo fechado, isolado do mundoonde vivemos experiência sobre as quais não lemos. Ao ler palavras, a escolase torna um lugar especial que nos ensina a ler apenas as “palavras da escola”,e não as “palavras da realidade”. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundoda vida, o mundo no qual os eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, omundo da discriminação e da crise econômica (todas essas coisas estão aí),não tem contato algum com os alunos na escola através das palavras que aescola exige que eles leiam. Você pode pensar nessa dicotomia como uma espéciede “cultura do silêncio” imposta aos estudantes. A leitura da escola mantémsilêncio a respeito do mundo da experiência, e o mundo da experiência ésilenciado sem seus textos críticos próprios. (FREIRE, 1986, p. 164)

Sacristán (2002) sugere que, por mais que seja importante essa aproximação da

escola com o mundo dos educandos e que essa prática deva ser incentivada no contexto da

escola, a educação escolarizada não pode se limitar a esse propósito. Esse autor vê na

escola um potencial singular em relação à possibilidade de tornar possível e acessível o

acesso a um mundo não abrangido pela experiência dos educandos. Para Sacristán (2002),

a riqueza da ação educativa escolar está em explorar com os alunos o mundo estranho,

desconhecido que, por meio das experiências pessoais no mundo próximo, ele não teria

condições de obter. Assim, deve-se compreender a escola como uma força de extensão

cultural universalizadora e globalizadora, que tem a finalidade de colocar os indivíduos

em contato com os “outros”, em outros tempos e espaços. O autor justifica a sua crítica às

propostas educativas que imprimem grande peso à exploração dos vínculos da escola e

das práticas pedagógicas com a experiência direta dos alunos, mostrando que,

em primeiro lugar, o âmbito do que se pode experimentar diretamente no espaçoe no tempo escolares é limitado. A escola é um lugar em que cabem poucas

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

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experiências diretas sobre o mundo em geral, por mais que queiramos aproximá-la da vida e tirá-la dos muros em que se encerrou. Como instituição, construiuum ambiente onde se podem adquirir experiências vitais. Nele, podem serprovocadas inúmeras vivências diretas (desde trazer um animalzinho para serobservado e mantido, criar uma pequena planta, fazer experiência de laboratório,observar o céu e dialogar com a autoridade local). Deveriam ser oferecidascom mais freqüência oportunidades de obter experiências diretas em contatocom as coisas, as pessoas, o meio geográfico, os lugares históricos, as atividadeshumanas, etc., saindo dos recintos escolares. Contudo, o espaço-tempo escolarse limitaria muito se servisse basicamente para proporcionar experiênciasdiretas. Em segundo lugar, a educação é um meio de proporcionar os materiaispara compreender os aspectos implícitos do mundo a partir dos quais teremosa experiência direta. Em um mundo complexo, onde poucas coisas e fenômenossão evidentes por si mesmos, a primeira incumbência ilustradora da educaçãoconsiste em ajudar a decodificar o imediato, que remete a outros processos e aoutras realidades, aproveitando a bagagem cultural disponível. A grandepotencialidade da educação reside em aproximar os sujeitos de muitas outrasexperiências vicárias tidas por outros em diferentes tempos e lugares, de modoque possam mediar as próprias e as alheias revividas. Não ver dessa forma nossituaria em um horizonte muito limitado e pobre para as instituiçõeseducacionais. (SACRISTÁN, 2002, p. 38)

A posição do autor remete-nos para um repensar de algumas idéias advindas das

abordagens construtivistas, já amplamente debatidas e, de certo modo, arraigadas nas

propostas curriculares e nas propostas pedagógicas mais amplas, que imputam as condições

e as premissas para uma prática pedagógica valorosa na escola. De uma maneira geral,

essas propostas trazem como princípio básico o fato de que a aprendizagem, para ser

significativa, deve estar alicerçada na realidade concreta do aluno e de que cabe à escola

promover e viabilizar esse encontro entre os conteúdos escolares, as experiências e a

realidade dos educandos. Como vimos, o autor não nega a importância desse encontro, ou

dessa aproximação, mas ele relativiza a idéia de que a aprendizagem só tenha sentido

mediante a relação direta entre a prática pedagógica e a realidade concreta dos alunos.

Para Sacristán (2002), o papel da escola frente aos desafios do mundo globalizado

é o de abrir horizontes, estender a cultura, globalizar conteúdos, conhecer experiências

alheias, transpor o local e o próximo e proporcionar aos alunos ir além de onde estão.

Interroga-se

que outra função desempenha a instituição escolar na cultura, se não a deprover ‘materiais culturais alheios’ para aqueles que não os tem à sua disposição?Que sentido teria a escola se limitasse a mostrar o que já está disponível demaneira espontânea no meio em que se vive? (SACRISTÁN, 2002, p. 95)

Nessa visão, a condição globalizada do mundo exige a construção de novos

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

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parâmetros e projetos para a educação escolarizada. Isso mostra que a escola precisa

compreender o novo contexto emergente e se dispor a usar de forma crítica as oportunidades

desse processo de globalização, que envolve a vida em sociedade e as experiências

cotidianas dos cidadãos. Para isso, é preciso ver as oportunidades e as brechas da

globalização para a construção de uma prática pedagógica que permita aos educandos

compreender o mundo em que vivem.

Nesse sentido, Edgar Morin, em diferentes obras publicadas nos últimos anos,

defende que a compreensão do mundo atual e dos novos horizontes da vida contemporânea,

profundamente influenciados pela globalização, deva se dar a partir de uma reforma do

pensamento e da maneira como tradicionalmente a humanidade tratou o conhecimento e o

ensino. Esse autor defende a idéia da “complexidade do pensamento” e coloca em questão

a necessidade de repensar os princípios para um conhecimento pertinente, que questione

as certezas absolutas, a capacidade de formular uma lei eterna e de pensar em ordens

absolutas. Dessa forma, o conhecimento complexo recupera a idéia de incerteza, de

impossibilidade de atingir certezas e de evitar contradições no processo de conhecimento

do mundo.

Para o autor,

a palavra complexus significa ‘o que está ligado, o que está tecido’. E é

esse tecido que é preciso conceber. (...) Como a complexidade reconhece

a parcela inevitável de desordem e de eventualidade em todas as coisas,

ela reconhece a parcela inevitável de incerteza no conhecimento. É o fim

do saber absoluto e total. A complexidade repousa ao mesmo tempo sobre

o caráter de ‘tecido’ e sobre a incerteza. Eis dois desafios de importância

capital. (MORIN, 2002, p. 564)

Este autor critica o ensino escolar fragmentado em disciplinas separadas, que

não permite estabelecer o vínculo entre o todo e as partes. Assim, o conhecimento sobre o

mundo complexo em que vivemos deve apreender os objetos em seu contexto e seu conjunto

o que pressupõe a religação dos saberes. Para Morin (2000, p. 14), uma das finalidades

da educação é “promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e

fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais.”

Desse modo, diante das mudanças substanciais advindas do processo de

globalização, o grande desafio da educação é desenvolver um conhecimento do acontecer

global, do mundo complexo e incerto em que vivemos. Nessa empreitada, a escola precisa

rever a sua missão de educar e formar pessoas, construindo uma visão crítica sobre o

mundo. Nas palavras de Delors (1998, p. 89), “à educação cabe fornecer, de algum

modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

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bússola que permita navegar através dele.”

Ensino de Geografia, mídia e produção de sentidos

Vivemos em uma época marcada pela onipresença da mídia1 , pela abundância de

produtos audiovisuais, pela profusão de um mercado que procura utilizar todas as brechas

e possibilidades para promover a publicidade e direcionar o consumo de bens materiais e

simbólicos. Nesse contexto, parece oportuno propor algumas questões que nos levem a

refletir sobre como estamos construindo nossas experiências, como a mídia tem re-

significado as nossas experiências com o espaço e o tempo e as repercussões que isso traz

para a escola e, particularmente, para o ensino de Geografia.

Os meios de comunicação possuem um papel dos mais importantes na vida

cotidiana dos cidadãos, especialmente, em relação à percepção e à construção de novos

sentidos de espaço e tempo. Esse fato impõe novas questões à Geografia e a sua maneira

de conhecer e produzir explicações sobre o mundo. O trabalho do geógrafo também é

profundamente afetado e merece ser redimensionado, para que possa ter maior relevância

para a sociedade, e cumprir a tarefa essencial que envolve esse ofício: a construção de

conhecimentos sobre o mundo.

Na sociedade contemporânea, a idéia de espaço envolve, primordialmente, o

encurtamento das distâncias, o planetário, o mundial. A mídia faz circular uma percepção

geográfica de que o espaço-mundo está disponível para o cidadão comum de forma

instantânea. Tem-se a impressão de que a mídia está a todo tempo construindo pontes

sobre o espaço e criando uma ambiência pela qual tudo pode ser visto, conhecido e

divulgado por intermédio dos fatos e das notícias. No caso do tempo, percebe-se a

disseminação generalizada da idéia de presente, do agora, do instante, do momento. Sarlo

(2000, p. 179) chega a afirmar que nos “movemos no tempo em saltos de zapping, sem

que a memória (com sua lentidão e sua densidade) estabeleça as conexões entre o que

aconteceu e o que está acontecendo”. Para a autora, ao enfatizar o presente, a mídia faz-

nos esquecer a história, os laços que ligam o presente e o passado e, desse modo, “o

passado não pesa sobre nós, tornou-se tão leve que nos impede de imaginar a continuidade

de nossa própria história” (SARLO, 2000, p. 179).

A mídia e as tecnologias da informação têm um papel fundamental na circulação

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

1 Utilizamos o termo mídia no sentido de meios de comunicação de massa, chamado por alguns autores comomass-media. De acordo com Ficher (1996, p. 28), podemos utilizar o termo mídia para nos referir aos diferentesmeios e suas produções: rádio, jornal, revista, vídeo, televisão, cinema e todos os veículos massivos de

comunicação, incluindo aí a comunicação que hoje se faz através da Internet.

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de saberes sobre o mundo, e isso não pode ser desprezado, pois provoca alterações

importantes no trabalho do geógrafo, especialmente, aqueles que se dedicam ao ensino da

Geografia. Lacoste (1981) argumenta que existe a

difusão, pelos mass-media, de uma gama incessantemente mais numerosa deinformações, de imagens, de clichês, de noções de argumentação, que são defato Geografia. Por que, hoje em dia, não há mais somente a Geografia dosprofessores, mas aquela que vincula a televisão, o cinema, os cartazes, osjornais... Geografia em migalhas, confusa, misturada com tudo o que dizemos mass-media, mas, de qualquer maneira, Geografia que, através da repetiçãoe da infinita diversidade de suas imagens-mensagens, oferece certarepresentação do mundo atual. (LACOSTE, 1981, p. 231)

A disseminação dos saberes geográficos pode ser vista nas diferentes mídias.

Nunca houve tantas publicações envolvendo a descrição de paisagens e lugares que se

intitulam “publicações geográficas”. As imagens cartográficas proliferam-se nos mais

diferentes meios: jornais, revistas, televisão etc. Mapas rodoviários e turísticos são

amplamente disseminados e vendidos para os cidadãos. Almanaques e enciclopédias estão

cada vez mais presentes na vida cotidiana, inclusive, agora, através da Internet ou dos

programas de multimídia. Na Televisão, verifica-se a existência de programas destinados

a explorar características específicas do espaço geográfico, fazendo um levantamento de

tudo o que consideram com sendo “a Geografia do lugar abordado”, que pode ser a

China, a savana africana, o deserto australiano, o Pólo Norte, ou a vida selvagem da

Amazônia. Existem, também, canais, através da TV por assinatura, que se dedicam

especialmente a essa temática.

Desse modo, pode-se observar o crescente interesse pela Geografia no âmbito da

mídia. Esse fato possibilita-nos as seguintes indagações: sobre qual geografia fala a mídia?

Que características ela tem? O que aborda e enfatiza?

Pereira (1995, p. 68) afirma que,

a popularidade da concepção de Geografia como a da descrição dos fenômenossobretudo físicos e paisagísticos, pode ser atestada pela proliferação de algumasrevistas, auto denominadas como “geográficas”, que apenas mostram paisagensmuito bem ilustradas que se prestariam a uma análise geográfica maisaprofundada, mas que ali recebem um tratamento meramente descritivo.Outras publicações, como, por exemplo, o Almanaque Abril, apresentam comoassuntos referentes à Geografia os itens ‘relevo, vegetação, clima, ecologia,hidrografia, plataforma continental e ilhas oceânicas, e a presença brasileirana Antártica.’ É a isso que se reduz a Geografia?

Podemos perceber que a mídia tem divulgado para amplas camadas da população

uma idéia de Geografia voltada essencialmente para a descrição, na qual se enfatizam os

aspectos físicos e os dados gerais da população. Para Pereira (1995, p. 68), isso cria “um

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

60

imaginário muito mais popular do que se imagina, que considera geográficas as descrições

paisagísticas povoadas de vegetações, morros, rios, climas e eventualmente até algumas

populações exóticas (por serem típicas do lugar).”

Nessa perspectiva, Lacoste (1981) chama-nos a atenção para o fato de que, por

mais que a Geografia da mídia procure ser atraente para agradar ao público, ela apresenta

semelhanças marcantes com aquela Geografia tradicional, enciclopédica e cansativa

desenvolvida na escola, pelos professores. Para o autor, a Geografia da mídia é muito

parecida com a velha Geografia dos professores.

Aparentemente, esta geografia dos media, que recorre a meios variados paraagradar, comover ou surpreender, apresenta-se de modo muito diferente dageografia dos professores, de didatismo freqüentemente cansativo. De fato,porém, elas são mais semelhantes do que parecem: certas associações de idéias,certos tipos de raciocínios estabelecidos duravelmente na idade escolar,reaparecem na abordagem do cineasta ou do jornalista, e esses clichês sãoreforçados pela ação dos media. Nunca se venderam tanto quanto hojeenciclopédias geográficas, embora elas difiram pouco dos manuais escolaresmodernos... (LACOSTE, 1981, p. 232)

Nunca a demanda foi tão grande pelo saber geográfico sobre o mundo presentes

em livros, revistas, filmes, CDs. As publicações destinadas ao turismo merecem uma

atenção especial na atualidade. Nos jornais, é cada vez mais freqüente a presença dos

chamados cadernos de turismo. Na televisão, são bastante comuns os programas destinados

a apresentar um lugar, enfatizando, particularmente, o seu interesse turístico, a chamada

potencialidade turística. Existe um grande número de publicações de revistas com o enfoque

para o turismo. Nelas, as belas paisagens, o conhecimento da particularidade da vida

local, os pontos turísticos, os fatos exóticos dos lugares são amplamente explorados, por

meio de textos e imagens que procuram fazer uma descrição pormenorizada do que o

lugar-retrato tem a oferecer ao turista, um “inventário geográfico” do lugar. Esse inventário

segue um receituário simples, é preciso mostrar o belo, o espetacular, o que chama a

atenção do leitor, utilizando-se das regras do espetáculo que, por sua vez, é marca das

produções midiáticas, de um modo geral.

As produções midiáticas para o turismo nos levam à discussão do que se tem

chamado, no âmbito da Geografia, de consumo do espaço. Vende-se a aspiração, a busca

idealizada de espaços para o lazer, espaços visuais, enfim, espaços de desejo. Essa idéia

é fomentada por um volumoso esquema de marketing voltado para o mercado de massa,

que promove o consumo dos lugares de praia, de montanha, de lugares ecológicos, de

lugares do mundo rural. Para Lacoste (1981, p. 232), “a ideologia dos lazeres (turismo,

esportes de inverno, mar, montanha) faz da Geografia preocupação de conhecimento dos

diferentes aspectos do mundo, uma das mais importantes formas do fenômeno de consumo

de massa.”

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

61

Carlos (1999) mostra-nos que as estratégias de marketing criam representações

que chegam a ser, literalmente, sem sentido, no afã de promover o consumo de determinados

lugares. A autora cita um exemplo curioso,

O ano novo em Time Square, Nova York, é o exemplo mais claro do poder damídia em fabricar representações; mas aqui ela vai mais longe, pois conseguevender “o nada”. Por volta das 10 horas do dia 31 de dezembro, a massa dequase um milhão de pessoas começa a se acotovelar nas avenidas Sétima eOitava – em áreas pré determinadas pela polícia de Nova York, que colocacavaletes para sinalizar as áreas que podem ser ocupadas que desembocamem Times Square, depois da festa. Nesta praça, apertada e de tamanhoinsignificante, há uma bola e um locutor que vai anunciando os minutos quefaltam para o ano novo. O interessante é que não se vê absolutamente nada: amultidão e o espaço exíguo não permitem. Também não há muito que se ver,é só saber que se está num lugar em que a mídia define como “o lugar” para seestar na noite do dia 31 de dezembro em Nova York. (CARLOS, 1999, p. 69)

A mídia impressa e televisiva divulga para o público os detalhes do evento,

enfatizando o quanto é marcante. É preciso mostrar o espetáculo, descrever a sua força,

gerar audiência. O marketing, por sua vez, também confere um sentido especial à

experiência de estar na Time Square, na passagem de ano, que tem pouca relação com o

prazer de estar e vivenciar o espaço. O sentido está na força do espetáculo, no

direcionamento dado pela mídia sobre quais espaços é preciso conhecer e que experiências

vivenciar. Esse exemplo revela-nos a que ponto chega a poderosa mídia para produzir

espaço-mercadoria e mobilizar milhões de turistas de todo o mundo. Situação semelhante

acontece nas praias mais badaladas do litoral brasileiro que reúne um enorme contingente

de pessoas para ver o espetáculo de fogos, que duram em média de cinco a quinze minutos.

A Geografia, na mídia, torna-se espetáculo. A representação das paisagens serve

não apenas para vender revistas, livros, jornais, cartões postais e lugares de lazer, mas

também automóveis, cigarros, refrigerantes e inúmeros outros produtos. Essa Geografia,

amplamente disseminada pela mídia por meio de imagens, textos e peças publicitárias,

serve a um mercado com propósitos definidos e atinge toda a humanidade, uma humanidade

que vive em uma época na qual se tem pressa para pensar, ler, ver e consumir. Como

atesta Lacoste (1981, p. 232), “esta impregnação da cultura social pelas imagens e pelos

elementos cada vez mais numerosos de um saber geográfico é, historicamente, um fenômeno

novo”.

A mídia tem um papel socializador dos mais importantes na formação dos sujeitos.

Deste modo, por mais que se possa criticar a maneira como as mídias fazem a apropriação

do saber geográfico, o caráter mercadológico e a tendência de criação de espetáculo,

presentes nas manifestações midiáticas, não é possível desconsiderar que ela também

pode desenvolver o gosto pela Geografia e pela construção de conhecimentos sobre o

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

62

espaço geográfico. Nessa perspectiva, Milton Santos (2000), pensando na maneira como

a mídia apresenta o mundo para o cidadão, argumenta que

a informação mundializada permite a visão, mesmo em flashes, de ocorrênciasdistantes. O conhecimento dos outros lugares, mesmo superficial e incompleto,aguça a curiosidade. Ele é certamente um subproduto de uma informação geralenviesada, mas, se for ajudado por um conhecimento sistêmico do acontecer global,autoriza a visão da história como uma situação e um processo, ambos críticos.(SANTOS, 2000, p.166)

Tirar proveito, de maneira crítica, da relação da mídia com o saber geográfico,

dos inúmeros materiais que estão em circulação e que mostram, mesmo que de maneira

pouco aprofundada, o espaço mundial é uma tarefa das mais importantes para o ensino

de Geografia e imprescindível ao professor que trabalha em um contexto marcado pelo

peso da mídia na vida cotidiana. Nesse contexto, é possível visualizar a contribuição do

professor de Geografia: trabalhando com materiais produzidos pela mídia, esse profissional

poderá contribuir para a formação de sujeitos que compreendam os mecanismos que

fazem funcionar determinados processos de significação no contexto atual, caracterizado

pela intensa circulação de sentidos.

Quando nos propomos a pensar a relação entre a mídia e as práticas educativas

escolares, é de fundamental importância adotarmos uma postura crítica que considere as

brechas para a ação e intervenção dos sujeitos. Para isso, é preciso compreender as redes

de discursos que circulam na mídia numa perspectiva por meio da qual os enunciadores

(aqueles que fazem circular determinadas idéias e concepções de mundo) não são totalmente

hegemônicos e nem os receptores/enunciatários (aqueles que as recebem, interpretam,

concordam ou discordam), totalmente passivos. Segundo Castells (1999, p. 498) rede é

“um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta.

Concretamente, o que o nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos”. Quando

pensamos no funcionamento discursivo da mídia e nas redes de discursos que aí se

constituem, verificamos que seus nós possuem significados próprios, que precisam ser

identificados e compreendidos na escola.

Analisar uma determinada rede discursiva implica subverter um esquema

explicativo amplamente utilizado nos setores educacionais e na área de comunicação,

para analisar e pesquisar o alcance e o poder da mídia. Como nos lembra França (2002,

p. 60), “a comunicação veio sendo estudada e compreendida de forma quase hegemônica,

não como rede, mas como vetor; como um fluxo linear de informações entre um emissor

(E) e um receptor (R”).

As experiências culturais e a maneira como a mídia se apresenta, neste início de

século, criam a necessidade de uma maior complexidade no tratamento do processo de

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

63

comunicação. Nessa perspectiva, a Análise do Discurso, opção teórica que adotamos

nesta pesquisa, questiona as concepções que entendem a comunicação como um processo

linear em que existe um emissor forte e um receptor fraco e passivo. Essa crítica permite-

nos remeter a análise feita pela Escola de Frankfurt (notadamente por T. Adorno e M.

Horkheimer)2 sobre o poder da indústria cultural e por J. Baudrillard3 sobre a “sociedade

da simulação ou do simulacro”, que mediante abordagens diferentes sobre os contrapontos

entre os produtos culturais de massa e os consumidores de bens simbólicos, apresentam

em comum o fato de reduzir os homens à condição de receptores passivos frente a um

mundo dominado por uma poderosa mídia. Para França (2002, p. 61), “do ponto de vista

da comunicação trata-se do mesmo esquema: um emissor (dominador e todo poderoso)

produzindo mensagens para um receptor (dominado, passivo”).

Consideramos que a situação atual, em que o processo de globalização atinge a

vida cotidiana do cidadão e que a comunicação tem se tornado um novo credo, exige

explicações mais complexas sobre as relações entre os sujeitos e os sentidos que a mídia

produz e põe em circulação. Assim,

à luz das Teorias do Discurso, não se compreende a mídia, qualquer que sejaa tecnologia adotada, como um “veículo”, pelo simples fato de que atransmissão de informação não é senão uma das funções da linguagem e que,quando esta se dá, não se trata de um mero transporte, mas de uma elaboraçãoconjunta dos participantes do ato de comunicação. (...) Na realidade, tem-seum circuito de interatividade em que não deixa de pesar, necessariamente, ojogo de forças a que estiveram submetidos os participantes do eventoenunciativo que se desenrola. (MOSCA, 2002, p, 14)

A imensa circulação de sentidos promovida pelos meios de comunicação não

pode ser comparada a de nenhuma outra época da história humana. Viver e desenvolver-

se neste contexto sócio-cultural tem apresentado aos cidadãos questões desafiadoras,

abrangendo e impondo novas urgências e posturas. Verificamos, também, que o trabalho

da escola em torno da produção de sentidos sobre a complexidade do mundo e o turbilhão

2 Os trabalhos teóricos desenvolvidos por esses autores influenciaram um número expressivo de estudos nocampo da comunicação. Em linhas gerais, esses trabalhos analisam a atuação dos meios de comunicação demassa como forma mercadológica e industrializada de produção cultural. Adorno e Horckheimer, ao elaborar oconceito de “indústria cultural”, procuraram ressaltar as fortes ligações existentes entre a produção material e aprodução simbólica, além de mostrar que a cultura de massas tem uma história fortemente ligada à indústria e àconstituição da sociedade de consumo. Assim, todo o aparato de produção cultural e a razão instrumental sãousados para retificar os homens que ficariam à margem de um processo de esclarecimento e de emancipação.3 Jean Baudrillard “nos fala da criação, em nossa cultura, de uma espetacularização do cotidiano, operada pelasimagens da mídia, com a conseqüente produção de uma hiper-realidade sem sentido, diferente da concreta, queestaria sendo transformada em algo banal. As massas, segundo esse autor, repeliram o sentido, se ligariamirremediavelmente ao espetáculo e seriam indiferentes a qualquer processo de conscientização”. (FICHER,1996, p. 16)

Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007

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de imagens e textos que circulam por intermédio de diferentes suportes midiáticos, tem se

tornado uma tarefa desafiadora. Para Perrenoud (2001, p. 73), “muitas vezes, a escola

caracteriza-se por uma aceleração constante. Em geral, não há tempo para questionar

tudo o que está sendo feito, para construir sentido, ou isso só acontece quando não há

outro remédio, quando a crise ameaça ou eclode”. Diante desse quadro, devemos refletir

sobre o sentido dos saberes, da experiência escolar e da aprendizagem para os alunos.

Se observarmos a maneira como os meios de comunicação e informação foram

tradicionalmente tratados no âmbito da escola, e pelos especialistas da educação, já é

possível perceber uma mudança significativa de enfoque. De uma abordagem marcada

pela resistência à mídia e de caráter moralista, passou-se para uma abordagem mais

aberta. Pode-se verificar, hoje, certo consenso no contexto educacional de que a escola

não se pode furtar da análise e do uso das produções midiáticas no processo de

aprendizagem. Para Belloni (2002, p. 34),

educar para a mídia define bem uma nova necessidade de ensinar os meios, fazer delesobjetos de estudo e, ao mesmo tempo, instrumentos de comunicação e educação. Essadupla dimensão da apropriação de qualquer “tecnologia da mente” – objeto de estudoe ferramenta pedagógica a serviço de uma pedagogia renovada – é indispensável eparte integrante da formação para a cidadania e, portanto, dever da instituição escolar.

Entretanto é preciso reconhecer os enormes desafios que essa tarefa implica para a

escola desarmada, empobrecida e com poder simbólico e material cada vez mais reduzidos

que temos hoje no sistema público de educação em nosso país. Os próprios Parâmetros

Nacionais Curriculares elaborados pelo Ministério da Educação fazem o diagnóstico de

que, na perspectiva dos jovens que freqüentam a escola,

o conhecimento escolar – salvo as habilidades de expressão oral, leitura, escritae cálculo – em si parece sem função: nem prepara para o mercado de trabalho,nem auxilia a compreender o mundo. O saber difundido na escola, em geral, évisto como um amontoado de conteúdos, com pouca relação com a realidadeem que vivem, não despertando interesse, nem oferecendo referências culturais.Uma vez que o conhecimento escolar não ajuda a compreender o mundo, osentido do estudo encontra-se apenas na continuidade dos estudos, tendo emvista a obtenção do diploma (que nem sempre é alcançada). (BRASIL, 1998,p. 124)

De maneira geral, os jovens, que vivenciam os atuais desafios da sociedade,

desejam uma nova escola. Uma escola menos maçante e mais aberta ao que efetivamente

motiva e inspira a juventude hoje. Para Perrenoud (2001, p. 34), sem conflitos não há

aprendizagem, e a escola está predestinada “a viver com conflitos de valores, de métodos,

de teorias, de relação com o saber, de poder. Ela trabalha para superar todos eles, sabendo,

porém, que surgirão outros [...]”

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

65

Considerações finais

Em meio à crise vivenciada na escola, parece-nos fundamental a valorização deum trabalho pedagógico que possibilite a construção de sentidos e que garanta espaço-tempo para o exercício da reflexão, dando prioridade ao sentido em vez da progressão

acelerada dos programas das disciplinas. Isso exige investimento na escola e novas

perspectivas para a carreira, o processo de formação e a prática docente. Para além de

qualquer otimismo em torno da sociedade técnico-científica e informacional, é preciso

considerar os enormes limites materiais e simbólicos da escola em explorar e tratar

devidamente a produção de sentidos da mídia. Não podemos, contudo, diante desse contexto,

assumir uma crítica comodista, como se não pudesse existir nada de diferente nas

experiências escolares dos alunos. Acreditar no ideal da construção de uma escola atuante

e crítica significa não recuar diante da tarefa de pensar em projetos e desejos. Segundo

Sacristán (2002, p. 9), “a utopia continua dando sentido à vida e à educação, e a partir

dela dotamos de sentido e avaliamos o mundo que nos rodeia”.

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Recebido para publicação dia 10 de Abril de 2007

Aceito para publicação dia 16 de Junho de 2007

GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...

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O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA

ERA DAS

TECNOLOGIAS

INFORMACIONAIS*

SPATIAL THINKING IN THE AGEOF INFORMATIONAL

TECHNOLOGIES

EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LAERA DE LAS TECNOLOGÍAS

INFORMACIONALES

VALDENILDO PEDRO DA

SILVA

* Este texto constitui partemodificada da tese de doutoramento,desenvolvida na Pós-Graduação emGeografia da UFRJ, sob a orientaçãodo Profº. Dr. Cláudio A. G. Egler.

Professor do Departamento deRecursos Naturais do Centro

Federal de EducaçãoTecnológica do Rio Grande do

Norte e do Programa dePós-Graduação em Geografia

da UFRNAv. Senador Salgado Filho,

1559, TirolCEP 59015-000, Natal, RN

[email protected]

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 67-90 Jan-Jun/2007

Resumo: No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nestaera da informação instantânea e simultânea, o raciocínio geográficotem se destacado e, simultaneamente, se alterado por meio de novosaspectos sociais e tecnológicos. O presente estudo foi realizado comdezenove docentes integrantes de vários cursos de formação deprofessor de geografia de instituições públicas e privadas de diversasregiões do Brasil. Esses docentes têm utilizado as novas tecnologiasno ensino de Geografia, seja pesquisando e/ou produzindo trabalhos.Diante disso, perseguimos o estudo na busca de se responder aseguinte indagação: em que medida a utilização das novas tecnologiasfavorece o raciocínio espacial? As tecnologias atuais, como veículosde informações, não têm a finalidade de desenvolver o “saber pensaro espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo semessa finalidade as pessoas aprendem geografia, pensam com apresença dessas tecnologias. O ensino de Geografia contribuiu paraa formação de diversas pessoas por meio do desenvolvimento doraciocínio espacial realizado em duas diferentes escalas, do local aoglobal, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração,desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade quese internacionaliza de maneira acelerada.Palavras chave: Raciocínio espacial; Novas tecnologias; Ensino deGeografia.

Abstract: In the contemporary world, characterized by instantaneousand simultaneous information, the geographic thought has beenmodified by new social and technological aspects. This paper dealswith a research carried out with nineteen teachers who took part invarious teachers’ formation courses in different public and privateinstitutions throughout Brazil. These teachers have been using thesenew technologies in their teaching practice. The objective of this studywas to answer the following question: How does the use of newtechnologies help thinking about space? The contemporary mediatechnologies, as a means of information, do not have the intention todevelop a way of “knowing how to think about space” or to help“spatial thinking”, although even without this goal people still learngeography and think with these technologies in mind. The teachingof geography has contributed to the formation of many people bymeans of developing spatial thinking accomplished in two differentscales, from local to global, showing links among the different levelsof abstraction, from the work space up to its insertion into a societywhich internationalizes itself quickly.Keywords: Spatial thinking; New technologies; Geography education.

Resumen: En el mundo contemporáneo o más precisamente, en estaera de la información instantánea y simultánea, el raciocinio geográficose destaca y en forma paralela se altera por medio de los nuevosaspectos sociales y tecnológicos. El presente estudio ha sido realizadocon diecinueve docentes integrantes de varios cursos de formaciónde profesor de geografía pertenecientes a instituciones públicas yparticulares de diversas regiones de Brasil. Estos docentes hanutilizado las nuevas tecnologías en la enseñanza de la geografía, seainvestigando y/o produciendo trabajos. Ante ello, realizamos esteestudio buscando responder a la siguiente pregunta: ¿en qué medidala utilización de las nuevas tecnologías favorece al raciocinio espacial?Las tecnologías actuales, como vehículos de información, no tienenla finalidad de desarrollar el “saber pensar el espacio” o de realizar el“raciocinio espacial”, mas incluso sin esta finalidad las personasaprenden geografía, piensan ante la presencia de estas tecnologías.La enseñanza de la geografía ha contribuido a la formación de diversaspersonas por medio del desarrollo del raciocinio espacial realizadoen dos diferentes escalas, del local al global, mostrando articulacionesentre los diversos niveles de abstracción, desde el espacio del trabajohasta su inserción en una sociedad que se internacionaliza de maneraacelerada.Palabras clave: Raciocinio espacial; Nuevas tecnologías; Enseñanzade la Geografía.

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SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

Intr odução

O trabalho em questão foi produzido no cerne das contradições que permeiam a

Geografia contemporânea. E uma das dimensões que vêm afetando essa ciência e disciplina

tem sido a atual aceleração do mundo, resultante de transformações técnico-científicas

recentes, e que vem suscitando novas discussões, as quais, direta e indiretamente, estão

relacionadas à Ciência Geográfica e, por conseguinte, ao ensino e o raciocínio geográfico.

Nesta contemporaneidade temos cada vez mais nos deparado não somente com uma

geografia dos professores, mas também com uma geografia veiculada pela televisão, pelo

cinema, pelo computador e pela Internet... Uma “Geografia em migalhas”, que não pode

ser descurada por nós, geógrafos-educadores, como nos tem alertado Lacoste (1974).

Para ele, “a geografia dos mass media manifesta e constrói, por uma sucessão de imagens,

raciocínios que, por não serem explícitos, nem por isso deixam de ser poderosamente

sugeridos” (LACOSTE, 1974, p. 232)..

Hoje sabemos que uma das tendências da humanidade está voltada para a criação

de objetos técnicos, cada vez mais complexos, que permitem transcender os limites do

corpo e da mente humana, desde as pedras, as facas do paleolítico até a Internet no

presente século. Entre todas essas tecnologias, merecem particular atenção aquelas que

propiciam a representação e a transmissão da informação e, por esse motivo, interpelam

diretamente a mente humana e o raciocínio, como, por exemplo, as inscrições monumentais

dos sumérios (na antigüidade) e as mensagens do correio eletrônico (na modernidade).

No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nesta era da informação

instantânea e simultânea, o raciocínio geográfico tem se revalorizado e, simultaneamente,

se alterado por meio de novos aspectos sociais e tecnológicos. É por esse motivo que no

centro de nossas atuais preocupações encontram-se as relações — interfaces — entre as

novas tecnologias e o raciocínio espacial. Mas em que consiste essa relação? E quais são

as possibilidades e limites dessa interface? Para responder a esses questionamentos,

inquirimos dezenove professores de diversas instituições de ensino superior do Brasil e

que atuam na área de geografia com diferentes disciplinas em cursos de formação de

professor de geografia1 .

De antemão, sabemos que as novas tecnologias vêm exercendo uma certa influência

sobre a vida social, quer em condições mais simples quer nas mais complexas, em

1 Perseguindo princípios qualitativos, ou, mais precisamente, o princípio da intencionalidade ou darepresentatividade qualitativa (THIOLLENT, 1994, p. 62), foram inquiridos – por meio da Internet – 19docentes integrantes de vários cursos de formação de professor de geografia de instituições públicas e privadasde diversas regiões do País. Esses professores sistematicamente têm utilizado as novas tecnologias e/oupesquisado e produzido trabalhos a respeito delas no ensino de geografia. Na análise em tela, os instrumentaisde investigação foram organizados numa ordem numérica por meio da seqüência dos algarismos arábicos (1,2, 3...), como forma de preservar o anonimato dos pontos de vista e das opiniões dos sujeitos deste estudo.

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Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007

praticamente todas as dimensões socioespaciais da humanidade. Elas vêm reinando e são

hegemônicas nesse período tecnológico atual por meio de características como a

interatividade e a conectividade (em rede) e envolvem cada vez mais pessoas e territórios

humanos. Hoje, conectar-se é sinônimo de interagir e compartilhar no coletivo. Significa,

também, saber onde acessar bases de dados on-line (em tempo real), obter informações

geográficas onde quer que elas estejam e em qualquer momento e contactar com pessoas

que se encontram em outras paragens, por exemplo. Enfim, é saber como buscar

informações que se transformarão, em seguida, em conhecimentos geográficos.

Neste período de aceleração contemporânea, aprende-se cada vez mais geografia

com o uso das técnicas deste tempo. Pode ser que seja uma geografia fragmentada, do

senso comum, descontextualizada ou sem caráter científico, e que só terá significatividade

social quando submetida à crítica, à reflexão. Mas é verdade que, na atualidade, estamos

cada vez mais diante de milhares de páginas on-line de geografia à nossa disposição;

muitas dessas páginas são gratuitas e nos oferecem mapas, imagens espaciais, textos e

hipertextos geográficos. Por exemplo, quando estávamos refletindo sobre as idéias a serem

postas neste estudo, fizemos uma pausa e acessando o Google2 encontramos 54.300 sites

com temáticas que versam sobre “Novas Tecnologias e Geografia”. Depois disso, fizemos

uma outra entrada sob o título “Novas Tecnologias e Ensino de Geografia” e a resposta

foi a existência de 35.800 sites possíveis de acesso a informações relacionadas com o

tema em foco. Além desse sistema técnico que abre possibilidades de acesso à informação

geográfica, temos a televisão que cada vez mais tem veiculado som, imagem e texto em

tempo real e que vem sendo utilizada para desenvolver o pensar, o aprender e o ensinar

geográficos. Mas é verdade, também, que existem muitos limites para o acesso às

informações disponíveis nesta era informacional. E essas limitações perpassam por questões

de ordem socioeconômica, técnica e cultural, além de questões didáticas, pois muitos

espaços educacionais estão distantes do acesso às técnicas informacionais.

Na atualidade, cada vez mais, o número de atividades socioespaciais que não estão

relacionadas de alguma forma com as novas tecnologias – principalmente com a televisão,

o computador e a Internet, em situações convergentes – e/ou com outros avanços

tecnológicos é menor. Com a geografia e a sua finalidade precípua, que é a de desenvolver

o raciocínio espacial, não tem sido diferente, pois os novos avanços tecnológicos vêm

redimensionando o tratamento da informação geográfica, a interpretação e a produção

desse conhecimento, ampliando o leque de possibilidades ou de integração entre o saber

geográfico e as novas tecnologias:

Desde buscar la incorporación de un recurso de apoyo/complemento a la

2 O Google usa técnicas sofisticadas de identificação exata de textos para encontrar páginas que sejam tantoimportantes como relevantes para uma determinada consulta. http://www.google.com.br.

70

formación presencial que tiene lugar en la aula, hasta su utilización para impartirformación exclusivamente on-line (e-learning), passando por la opciónintermedia de la formación semipresencial o mista (ÁLVAREZ; GONZÁLEZ,2003, p. 198).

Como enfatizou Oliveira (2003, p. 139-0), ao resenhar o livro “O ensino da geografia

diante das novas demandas sociais”, as novas tecnologias vêm adquirindo algumas

dimensões importantes para o ensino, que são a de intercambiar e trocar informações e

materiais de modo ágil e eficaz, o que facilita a interação professor-aluno e aluno-aluno;

além de melhorar os processos de ensino e aprendizagem, devido à mediação que as

tecnologias proporcionam na construção do conhecimento, gerando novas possibilidades

de interação com outras linguagens.

A respeito disso, Callai (2001, p. 16) assevera-nos que “outras leituras para o

ensino da Geografia despertam-nos variadas interpretações, e dizem respeito inclusive à

possibilidade de novos instrumentais para fazer a leitura do espaço”. Essa autora nos faz

ver que ler o espaço é um dos nossos principais objetivos. E ao fazer isso, estamos realizando

a análise geográfica, que nada mais é que o pensar o espaço geográfico em que se vive de

maneira relacional com outros espaços, ou seja, significa desenvolver raciocínios

geográficos. Aliando-se a esse contexto, pensamos aqui numa outra forma de linguagem

que vem do campo da cultura humana ou dos caminhos da arte. Ciência e arte se confluindo

e abrindo-se a várias outras interpretações. Pode-se dizer que a tecnologia está se

relacionando com a arte e possibilitando outras interpretações ou estimulando outros

raciocínios espaciais. Vejamos aqui um pouco dessa relação, tomando por base a canção

Parabolicamará de Gilberto Gil (1994).

Antes mundo era pequenoPorque terra era grandeHoje mundo é muito grandePor que terra é pequenaDo tamanho da antena parabolicamaráÊ, volta do mundo, camaráÊ, mundo dá volta, camaráAntes longe era distantePerto só quando davaQuando muito ali defronteE o horizonte acabavaHoje lá atrás dos montesDende casa, camaráÊ, volta do mundo, camaráÊ, mundo dá volta, camaráDe jangada leva uma eternidadeDe saveiro leva uma encarnaçãoDe avião o tempo de uma saudadePela onda luminosa

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

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Leva o tempo de um raioTempo que levava RosaPra arrumar o balaioQuando sentia que o balaio iaEscorregar, ê, volta do mundo, camaráÊ, mundo dá volta, camará

Animados com essa canção, podemos dizer que ela expressa o alongamento e a tão

decantada compressão do tempo-espaço que ora vivenciamos e que resulta da difusão da

inovação tecnológica atual, além do que pode evidenciar algumas relações entre técnicas

e arte nesta era contemporânea e de amplo predomínio de novas tecnologias informacionais.

Por meio dessa música, podemos, sobretudo, apreender as relações entre as novas

tecnologias e o desenvolvimento da análise geográfica, bem como desenvolver uma leitura

do mundo atual utilizando outros tipos de linguagem.

Com as novas tecnologias – pensemos, por exemplo, no uso da Internet, nos sistemas

de informação geográfica, na televisão e nos demais multimídias – teremos muito a colaborar

no desenvolvimento da qualidade da aprendizagem de conhecimentos geográficos. Essas

tecnologias, se usadas adequadamente e com inteligência, têm grande potencial para

contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento humano. Com elas se

podem criar, a partir da integração de sistemas clássicos, condições novas de tratamento,

de transmissão de acesso e de uso das informações transmitidas até o momento

contemporâneo pelos suportes clássicos da escrita, das imagens, do som ou da fala. E,

como dizem os autores Cesar Coll e Eduardo Martí (2004), essas condições conferem às

novas tecnologias características específicas, especialmente como a de mediadoras do

funcionamento psicológico das pessoas que as utilizam.

Em certa medida, essas tecnologias contribuem para alterar as maneiras de se

relacionar, representar e apreender o conhecimento do espaço geográfico, pois elas estão

presentes com maior intensidade no nosso cotidiano. Elas têm propiciado um certo

encantamento, em virtude dos meios de simulações e animações impregnadas, que às

vezes servem para ocultar os seus desafios ou as suas limitações, o que, a nosso ver,

constitui um problema fundamental.

No entanto, não temos dúvidas de que as novas tecnologias se constituem, hoje,

grandes mediadoras entre nós e as realidades geográficas. Nosso conhecimento do mundo,

desde as situações que povoam nosso dia-a-dia até aquelas que se dão a quilômetro de

distância de nós, está mediado por esses meios. Por isso, ao tratarmos de mediação,

consideramos fundamental falar um pouco da questão do conhecimento, pois como já

afirmamos, não há conhecimento, nem mesmo no âmbito da Geografia, sem mediação. Ou

seja, em certa medida é possível se ter novas interfaces entre as novas técnicas e tecnologias

com o pensar, fazer e ensinar geográficos neste mundo atual de preponderância da

informação. Mas é verdade, também, que isso não se constitui num mérito exclusivo das

Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007

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técnicas e/ou tecnologias desse contexto atual. As técnicas modernas, consideradas em um

sentido abrangente, sempre estiveram presentes e se constituem centralidade no

conhecimento espacial. Elas são, no dizer de Santos (1996), um conjunto de meios

instrumentais e sociais, por meio do qual o homem constrói e pode analisar o seu espaço

vivencial e pode analisá-lo. Para alguns autores, como Lacoste (1989), as tecnologias

modernas têm possibilitado, estimulado e contribuído, no decorrer dos últimos tempos,

para o desenvolvimento do raciocínio geográfico ou espacial. No entanto, convém ressaltar

que “conocer el software o los componentes del ordenador no nos garatizan que sea efectiva

la comprensión geográfica [...] Es necesario ir más allá y aplicar estos conocimientos

adecuadamente” (TORRES, 2003, p. 141).

Novas tecnologias e raciocínio espacial: mas o que isso tem a ver?

As recentes tecnologias vêm dinamizando os processos de aprender e ensinar

Geografia em face dos atuais mecanismos de facilidade, velocidade, instantaneidade e

simultaneidade que estão encarnados nas tecnologias da informação e comunicação, ou

simplesmente nas novas tecnologias, como são comumente conhecidas.

O mundo contemporâneo tem sido marcado pela aceleração espaço-temporal, pela

onipresença da informação em dimensões globais e que vem afetando sobremaneira os

modos de pensar sobre o mundo atual. E o raciocínio geográfico? Como ele vem

acontecendo? A priori, podemos dizer que o raciocínio geográfico ou espacial ocorre numa

situação complexa que envolve não somente a presença de técnicas e tecnologias, mas

uma articulação teórico-metodológica. Em outras palavras:

Considero que a formação do profissional de Geografia exige que ele aprendaa desenvolver raciocínios espaciais para dar conta de aprender a fazer a análisegeográfica. E nesta perspectiva o importante é construir um referencial teóricoe metodológico para saber fazer a análise geográfica. É nisto que deve estar apreocupação central. O instrumental tecnológico apenas potencializa aspossibilidades de aprendizagem, mas não a garantem sozinho (depoimento doprofessor n. 10).

Nesse sentido, é um equívoco pensar que o uso das novas tecnologias por si só

contribua para o desenvolvimento do pensamento geográfico. Sabemos que o raciocínio

espacial não resulta tão-somente da presença das técnicas e, em especial, das novas

tecnologias no âmbito do ensino e na pesquisa geográfica. Para que o “saber pensar o

espaço geográfico” seja efetivado é necessário que se considerem as categorias e os

conceitos científicos básicos à construção do conhecimento e do raciocínio geográficos. É

importante, sobretudo, que contemplemos os conceitos e as diversas categorias geográficas

existentes, como, por exemplo, os conceitos fundantes de lugar, região, território, paisagem,

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

73

espaço, redes, escalas geográficas..., além de categorias como tempo, distância, localização-

distribuição, seletividade, conectividade, acessibilidade etc. Cabe ressaltar que, na

atualidade, essas categorias e conceitos geográficos têm assumido cada vez mais novas

dimensões e significados para a construção do conhecimento geográfico. Como afirmam

Silva e Ferreira (2000, p. 100),

A Educação Geográfica deve permitir aos alunos aprender a aplicar conceitos(espaço, lugar, região, território, ambiente, localização, escala geográfica,mobilidade, interação e movimento), levando ao desenvolvimento de umconjunto de competências que lhes permitam saber observar e pensar o espaçoe serem capazes de actuar no meio.

Além disso, é fundamental que se conheça a epistemologia da ciência geográfica,

seus referenciais teórico-metodológicos importantes à decodificação da “análise dos espaços

[...] capazes de dar conta de interpretar a realidade da sociedade em que vivemos a partir

da análise espacial, quer dizer, com um olhar espacial” (CALLAI, 2003, p. 58). Segundo

Cavalcanti (2002), a formação do raciocínio espacial está além da simples localização do

espaço. Para ela, é fundamental que se entendam as determinações e implicações dessas

localizações, sendo necessário que se tenham referenciais teórico-metodológicos. Esses

são conceitos que permitem, no âmago da Geografia, localizar e dar significatividade aos

lugares, pensar nessa significação, já que propiciam a leitura do mundo do ponto de vista

geográfico.

Também estamos de acordo com o professor Milton Santos (1996, p. 61) quando

afirma que a Geografia necessita elaborar um sistema intelectual ou um pensamento

geográfico que permita, analiticamente, abordar as realidades geográficas por intermédio

de “um sistema de conceitos [...] que dê conta do todo e das partes em sua interação”. Para

esse autor, a Geografia, no período atual, tem como finalidade principal a análise do

“conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço”

(SANTOS, 1996, p. 51). Como se pode perceber, o referido autor tem utilizado, no curso

dos últimos tempos, categorias analíticas universais para compreender a

multidimensionalidade do espaço geográfico ou a démarche geográfica. Vejamos que para

pensar sobre o espaço humano, o professor Milton Santos forjou as categorias de “objeto

e ação”, as quais têm se tornado orientadoras na análise geográfica atual, bem como se

desdobrado numa série de outras categorias e conceitos como forma-aparência, forma-

conteúdo, eventos, horizontalidade, verticalidade, dentre outros.

Por seu turno, Yves Lacoste já assinalava em seu A geografia, isso serve, em primeiro

lugar, para fazer a guerra, que o raciocínio geográfico deveria se basear em diversas

situações geográficas, considerando algumas categorias analíticas (1989). Para esse autor,

o raciocínio geográfico pauta-se principalmente no “saber pensar o espaço” e este ocorre

por intermédio dos usos de categorias científicas e de diferentes escalas geográficas –

Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007

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global, nacional, regional, local... – em que cada vez mais se tem o auxílio do progresso

científico-tecnológico de cada época, que vem desde as imagens de satélite até os

computadores e a Internet, por exemplo, na atualidade. Ainda segundo o autor em foco, os

progressos das ciências e das técnicas, mais recentemente, têm permitido levantar mais

informações dos fenômenos e mesmo de sua evolução em tempo real. Talvez seja por isso

que ele tenha dito que as recentes representações geográficas atingem um extraordinário

grau de precisão e de rapidez graças às novas técnicas implementadas e em implementação.

Casado (2003), em recente discussão sobre o ensino de geografia frente às novas

demandas sociais, relatou que

La Geografía tanto desde un punto de vista didáctico como investigador,participa cada vez más de las innovaciones y avances tecnológicos (sitemas yredes informáticos, teledetección, cartografía, sistemas de informaciónterritorial, soporte vídeo, multimedia,...) medios que ofrecen unas oportunidadesenormes para conecer el território (CASADO, 2003, p. 68).

O que entendemos nós, quanto ao papel da Geografia e do seu ensino na sociedade

tecnológica atual? O que é importante e como fazer com o ensino da ciência geográfica,

nesse período de grande domínio (ou maîtrise, numa visão francesa) das novas tecnologias?

Segundo Pontuschka (apud CALLAI, 2003, p. 59-60),

A geografia assim como as demais ciências humanas e sociais têm na escola ocompromisso de contribuir para formar o homem inteiro, discurso lido emmuitos momentos mas muito difícil de realizar na prática do espaço socialdenominado escola. [...] O conhecimento geográfico abre ao jovem apossibilidade de pensar o homem por inteiro em sua dimensão humana, abertoao imprevisto, aberto ao novo com força ou poder para resistir na realidade daqual é participante (mimeo, destaques da autora).

Por outro lado, Cavalcanti (1998, p. 25) pontua que,

Para cumprir os objetivos do ensino de Geografia, sintetizados na idéia dedesenvolvimento do raciocínio geográfico, é preciso que se selecionem e seorganizem os conteúdos que sejam significativos e socialmente relevantes. Aleitura do mundo do ponto de vista de sua espacialidade demanda a apropriação,pelos alunos, de um conjunto de instrumentos conceituais de interpretação ede questionamentos da realidade sócio-espacial (Destaque nosso).

Portanto, para que possamos ler a paisagem, ler o mundo atual em que vivemos, o

nosso espaço construído é fundamental que utilizemos os conceitos básicos da ciência

geográfica, os seus aportes teóricos e os instrumentais técnicos e sociais que a era da

informação está a nos oferecer. Eis uma atividade que devemos realizar fazendo uso da

técnica de nossa época. Por meio de imagens de satélites, da televisão, dos computadores

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

75

e da Internet conseguimos fazer um zoom da nossa realidade socioespacial, já que cada

vez mais estamos tendo possibilidades de manipular dados, informações e imagens

diversificadas e instantâneas no processo de conhecimento e análise do espaço geográfico.

Esse conjunto indissociável de fixos e fluxos, como propõe Santos (1996), está presente

em nossas vidas, em níveis distintos e em níveis multiescalares.

Atualmente, tornou-se cada vez mais possível acessar e ver informações sobre o

mundo em nossas casas, no trabalho e nos locais de estudo, por meio de imagens, sons e

escritos, numa situação de simultaneidade e instantaneidade em que os pontos mais

diminutos da nossa vida aparecem nas “novas telas” dessa era informacional. As “novas

telas” não apenas transmitem conteúdos e valores suscetíveis de incidir nos conhecimentos

e nas atividades individuais e coletivas, como também estão contribuindo para criar novas

relações socioespaciais tornando-se, no dizer de Coll e Martí (2004), potentes mediadoras

no processo de conhecimento e socialização contemporânea. Para esses autores, como

potentes mediadores semióticos, sua utilização modifica a maneira de memorizar, de

pensar, de raciocinar, de relacionar-se e também de aprender e ensinar. Na Geografia,

isso tem sido possível, pois cada vez mais as “novas telas” da era da informação oferecem

possibilidades de se visualizar as mais diversas realidades geográficas em situações

multiescalares.

Tendo em pauta esses considerandos, partimos do pressuposto de que no atual

contexto socioespacial, o desenvolvimento do pensamento e do raciocínio espaciais está

cada vez mais intermediado pelos novos meios e instrumentais técnicos da era

informacional. Hoje é possível aprender e ensinar com a tecnologia da informação e

comunicação. O que, a nosso ver, não equivale a uma alfabetização tecnológica, como já

nos referimos anteriormente, nem tampouco aprender e apreender a tecnologia em si

mesma, mas aprender e ensinar com a tecnologia da informação e comunicação como um

elemento ou um meio que visa facilitar o processo de conhecimento e aprendizagem

geográficos. Assim, pelo visto, um dos conceitos básicos para se pensar a relação entre

novas tecnologias e raciocínio espacial é o de mediação. Por meio deste, podemos trazer

à lume as possíveis interfaces existentes entre as novas tecnologias e o desenvolvimento

do pensamento e/ou do raciocínio espacial.

Para alguns autores – como, por exemplo, Vygotsky (1994)3 , Coll e Martí (2004),

Martín-Barbero (2003) – de áreas de conhecimentos distintas, os efeitos da interface e/ou

da mediação de instrumentos e signos na formação do pensamento e do conhecimento

humanos tornaram-se mais intensos. Num ponto de convergência, esses autores concordam

que as técnicas (expressão usada em um sentido amplo) ou as novas tecnologias constituem

importantes instrumentais mediadores nas relações sociais e entre o sujeito e o objeto de

conhecimento.

A mediação tem sido uma noção importante na teoria de Vygotsky, haja vista que

Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007

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esta é a ação em que “a relação do homem com o mundo não é uma ação direta, mas uma

relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito

e o mundo” em que vive (OLIVEIRA, 1993, p. 24). A respeito disso, as palavras de

Kenski (2003, p. 21) são esclarecedoras: “o homem transita culturalmente mediado pelas

tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas transformam suas maneiras de pensar,

sentir, agir. Mudam também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos”.

Laymert Santos, em sua obra Politizar as novas tecnologias, diz que a nossa experiência

no mundo atual é altamente mediada por novas tecnologias e que o ritmo dessa experiência

é cada vez mais modulado pela aceleração tecnológica (SANTOS, 2003).

Portanto, as novas tecnologias, como um produto social, vêm na atualidade

interagindo com todas as dimensões socioespaciais. A interface tecnológica atual é uma

realidade e, por conseguinte, constitui-se num mediador cognitivo. Essa mediação é criada

por meio de uma ação global com múltiplos agentes na manipulação da informação. Nos

dizeres de Lemos (2005, p. 4), “a evolução dos media digitais e das respectivas interfaces,

que vai proporcionar a febre da interatividade informática, pode nos ajudar a melhor

compreender a influência das novas tecnologias e a importância da noção de interatividade

para a ‘cibercultura contemporânea’4 ”. Ainda, segundo ele, com as novas tecnologias, o

imaginário é tomado por uma fascinação mágica, justamente por escapar de nossa escala

de compreensão espaço-temporal. Por isso o uso de metáforas como forma de interface.

O imaginário atual, aqui, como mediador entre o homem e a técnica. É a interface

que possibilita a interatividade entre as novas tecnologias e o raciocínio no momento da

construção do conhecimento (LEMOS, 2005). Assim sendo, podemos afirmar que essa é

uma palavra que tem se tornado de uso mais freqüente no curso dos últimos tempos. Ela

é hoje em dia uma palavra de ordem do mundo das novas tecnologias, transformando a

interação e a interatividade dos seres humanos e a própria construção do pensamento e do

conhecimento do homem.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Greenfield (1998), em seu livro O

4 O autor discute essa temática em sua tese de doutoramento, que versou sobre “cibercultura e sociabilidade”,desenvolvida na Universidade de Sorbone/Paris, em 1995. Ele define o termo em destaque como sendo umasimbiose entre a socialidade contemporânea e as novas tecnologias, construindo uma nova cultura que seapropria da tecnologia e redunda num novo estilo de vida social deste período histórico atual (LEMOS, 2000).

3 Em sua obra A formação social da mente Vygotsky (1994) assinala que o uso de instrumentos e signoscompartilham de algumas carcaterísticas importantes, ou seja, ambos envolvem uma atividade mediada. Paraele, os signos são orientados internamente, maneira de mobilizar a influência psicológica para o domínio dopróprio indivíduo; enquanto que os instrumentos são orientados externamente, visando ao domínio da natureza.Por outro lado, salientamos que embora o autor mencionado tenha centrado seus esforços sobre o estudo dacriança, limitá-lo ao desenvolvimento infantil seria um enorme erro, pois seus estudos se dirigiamfundamentalmente para o desvendar de processos humanos mais complexos (destaques nosso). Por seu turno,Coll e Martí (2004) dizem que as NTIC não são o único nem serão os primeiros recursos semióticos criadospelos homens, mas não há dúvida de que essas tecnologias vêm se constituindo mediadores e modificadoresna maneira de memorizar, de pensar, de relacionar-se e também de aprender. Para esses autores, as novastecnologias abrem novas e interessantes possibilidades de conhecimentos e de aprendizagem. Para Martín-Barbero (2003, p..20 ), “a tecnologia é hoje o ‘grande mediador’ entre as pessoas e o mundo, quando o que atecnologia medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado”.

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

77

desenvolvimento do raciocínio na era eletrônica, procurou comparar as formas de

verbalização e identificar as interfaces que os atuais meios eletrônicos podem, ou não,

desenvolver nas mentes das pessoas em nível de formação e informação, tanto dentro

como fora dos ambientes educacionais. A autora tem por preocupação maior desvendar

as relações entre linguagem e pensamento, ou seja, a relação entre os meios eletrônicos e

o desenvolvimento do pensamento. Segundo a autora, se adequadamente bem utilizados,

os meios eletrônicos, sem exceção, podem mediar diversas oportunidades para a

aprendizagem e o desenvolvimento do raciocínio.

Lévy (1993), ao desenvolver uma ontologia da palavra interface, diz que ela possui

sempre pontas livres prontas a se enlaçar, ganchos próprios para se prender em módulos

sensoriais ou cognitivos. Cada vez mais, nesta época atual, pensar, aprender e conhecer

acontecem por meio da mediação técnica, que muitas vezes isso pode ocorrer dentro ou

fora das instâncias educacionais formais. Para ele, o que mais o seduz não é a possibilidade

de utilizar as novas tecnologias, – ou inteligentes como ele assim chama – para realizar

pesquisas, mas o seu interesse está em refletir no modo como o uso dessas tecnologias

transforma a própria maneira de pesquisar. O referido autor, ao invés de confinar a noção

de interface ao domínio da informática, trabalha na análise de todas as tecnologias

intelectuais, dizendo, por exemplo, que o livro – uma tecnologia de todos os tempos – que

seguramos em nossas mãos tem se constituído numa rede de interfaces. Ultimamente,

muitos analistas têm comentado que as novas tecnologias têm se tornado uma ferramenta

ou um meio pedagógico da moda e com um certo poder de persuasão e de contestação ao

mesmo tempo, uma vez que elas contêm e reforçam determinados tipos de informação,

modos de pensar e modos de perceber.

No entanto, Dieuzeide (1994) alerta-nos contra os modismos, lembrando que a

introdução de novas tecnologias no campo da educação e do ensino deve estar orientada

para uma melhoria da qualidade e da eficácia do sistema, priorizando os objetivos

educacionais, e não simplesmente as características técnicas, sem esquecer, entretanto, a

grande influência global destas “ferramentas intelectuais” na sociedade contemporânea:

“não é o objeto que conta, mas o poder que ele confere. A ferramenta está no centro da

história do homem desde suas origens. Relação circular no coração da pedagogia: o

homem fabrica a ferramenta e em retorno a ferramenta modela o homem” (DIEUZEIDE,

1994, p. 18, destaques do autor).

Marquès (2000, p. 240), ao estudar as funções e limitações das novas tecnologias,

adverte que

La incorporación de las TIC favorece procesos de reelaboración y apropiacóncrítica del conocimiento, en la línea de una construcción colaborativa delconocimiento. Asimismo, el uso de las TIC hace que el profesorado sea másreceptivo a los cambios en la metodología y en el rol docente: orientación yasesoramiento, dinamización de grupos, motivación de los estudiantes, diseño

Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007

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y gestión de entornos de aprendizaje, creación de recursos, evaluaciónformativa, etc.

O uso das novas tecnologias no estudo do espaço geográfico pode ser um recurso

pedagógico fundamental para o desenvolvimento da análise geográfica. Ao longo dos

tempos, esse conhecimento tem se dado de qualquer forma por meio da interface (ou

Links) da técnica de cada época. Essa, compreendida com um complexo de materialidade

e intencionalidade, revela-se, assim, como mediação necessária na constituição do espaço

geográfico. Por meio da técnica, podemos dar conta, por um lado, do global que caracteriza

o mundo e, por outro lado, do local, do particular, ou seja, daquilo que existe realmente e

se materializa num dado ponto do Planeta. Dessa forma, fica claro que as realidades

geográficas não se explicam por si mesmas, mas somente no ínterim de uma lógica que

envolve as relações globais mediadas por objetos e sistemas técnicos (SANTOS, 1994).

Nesse sentido, podemos afirmar que a análise espacial tem sido conduzida através

da mediação entre diferentes códigos, partes diferentes de objetos reais, virtuais, de

simulações e especulações necessárias à correção de possíveis erros, construindo um novo

pensamento, um novo saber. Ao longo dos tempos, como dizem Garcia e López (2003, p.

210),

La Geografia, que tradicionalmente ha incorporado como recurso didácticoaquellos instrumentos técnicos vigentes em cada época, desde el mapa y elglobo terráqueo, hasta el moderno ordenador, pasando por toda una serie deherramientas visuales y audiovisuales, encuentra en Internet un apoyo de granvalor educativo para la enseñanza de esta disciplina.

As reflexões de Martínez e Cano (2003, p. 238) sinalizam para a importância da

Internet no ensino e na aprendizagem da Geografia. Eles dizem que neste período da

sociedade do conhecimento é fundamental que se considere a principal ferramenta deste

novo milênio, a Internet, como um suporte didático. Esses autores listam uma série de

possibilidades dessa ferramenta, destacando-a principalmente como um meio de “búsqueda

de información sobre un contenido concreto y procesamiento de lo indagado”. Para eles,

as novas tecnologias oferecem importantes oportunidades para desenvolver as capacidades

de comunicação, análises, resolução de problemas, gestão e recuperação da informação.

Segundo Pilar Comes (2002, p. 50), em seu artigo Geografía escolar y tecnología

de la información y el conocimiento,

La geografía escolar es una de las disciplinas que mayores cambios tendrá que observarpara adaptarse a la sociedad red, de entornos multimedia, de multiidentidades, y derealidades multiescalares del siglo XXI. Los profundos cambios en los entornossociales y tecnológicos afectan las representaciones sociales-espaciales de los alumnos,así como al contenido de los programas de la geografía escolar, a las estrategiasdidácticas, a la propia concepción y función del conocimiento escolar.

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

79

Conforme as palavras de Callai (2003, p. 69), neste mundo atual, “para estudar a

geografia do mundo cada vez tem-se maior volume de conteúdos disponibilizados pelas

informações que são oferecidos nos livros didáticos, nos meios de comunicação, e cada

vez mais com maior intensidade, acessadas na Internet”.

Atualmente, “la tecnología no sólo debe ayudar al alumno a aprender, sino a

desarrollar un pensamiento crítico (análisis, evaluación y conexión) creativo (elaborar,

sintetizar e imaginar) y completo (deseñar, resolver y tomar decisiones)” sobre o espaço

geográfico, como pontuou Patiño (2003, p. 10). Esse autor diz que quando as novas

tecnologias são corretamente empregadas, estimulam a aprendizagem no ensino de

Geografia, podendo contribuir com a compreensão dos conceitos geográficos e, por

conseguinte, com o desenvolvimento do pensamento geográfico. Esse pensamento é

corroborado por George (1994, p. 10) quando nos afirma que a aceleração contemporânea

traz importantes efeitos à sociedade, e que não se trata apenas do surgimento de novos

métodos de conhecimento da diversidade global, mas de uma nova animação das relações

em todas as escalas, em que “cada elemento do puzzle mundial [é] de agora em diante,

atingido, se não animado, pelos efeitos e os contra-efeitos de relações a um só tempo

imediatas e planetárias”.

A escala geográfica em tempos de aceleração contemporânea

Atualmente, para que se possa desenvolver o raciocínio espacial é fundamental que

se contemple, também, a noção de escala geográfica, pois em virtude da aceleração

contemporânea, as informações e os conhecimentos têm se difundido mais intensamente,

contribuindo para que se alterem as escalas de análise e de atuação dos eventos e fenômenos

geográficos. Capel (2004, p. 2) afirma que o

uso del espacio y del tiempo se modifica profundamente. Uno y otro se encogen,se comprimen. La proximidad y la distancia adquieren sentidos nuevos. Esposible la presencia simultánea en varios espacios, la localización fisica en unpunto y el contacto simultáneo con otros alejados, en los que se está telepresentea través de las conexiones técnicas: podremos estar en todas partes al mismotiempo.

Nesta contemporaneidade, a divulgação de imagens espaciais por intermédio dos

meios de comunicação e informação, sem dúvida, tem contribuído para que tenham os

contatos reais e virtuais com espaços mais distantes, o que anteriormente só era possível

muitas vezes por representações cartográficas ou por impresso. Pilar Comes tem

comentando em seus estudos sobre as novas tecnologias no ensino de geografia que

La television, el cine y los otros soportes de la información visual masiva hanayudado a difundir imágenes espaciales fotográficas, esquemáticas, de fácil

Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007

80

lectura, que han servido para ampliar los horizontes espaciales de nuestrosalumnos. Además se observa una integración de los componentes del sistematecnológico en sus representaciones (COMES, 2002, p. 50).

Parece-nos que o alargamento do espaço convive concomitantemente com o seu

encurtamento, pois fronteiras passam a não separar mais, e a informação traz tudo ou

quase tudo para muito perto de nós. Cada vez temos mais dados e informações para

conhecer e analisar o espaço geográfico. Por isso, por intermédio das novas tecnologias,

ou precisamente das “novas telas” em difusão, os eventos e os fenômenos socioespaciais

se apresentam mais freqüentes diante de nós, geógrafos e cidadãos, em dimensões globais

e locais. Nesse ponto, a escala tem se constituído num instrumento fundamental para a

organização das informações do mundo atual.

Com a aceleração contemporânea, o local cada vez mais contém o global, mas o

global também contém o local. Giddens, numa tentativa de conceituar essa era atual,

propõe que esta possa ser definida como a intensificação das relações humanas em escala

global, que se articula de tal forma que acontecimentos locais são modelados por eventos

que ocorrem a milhares de distância e vice-versa (1991). O efeito disso está presente em

nossas vidas cotidianas e em nossas concepções diárias de espaço e tempo, pois as novas

tecnologias têm permitido que

seamos más móviles y que tengamos acesso a más información. Dicho de otromodo, el mundo se encoge no sólo porque sea más fácil y más barato viajarsino porque tenemos, gracias a las imágenes visuales generadas por los mediosde comunicación, una idea del mundo sin tener que desplazarnos gracias a lasrepresentaciones del mundo que proporciona la televisión en sus informativos,series de ficción, documentales... incluso de los conflictos bélicos tal como lacobertura informativa en directo de la guerra del golfo de 1991 se encargó dedemostrar (ROVIRA, 2002, p. 223).

A partir dessa compreensão, podemos afirmar que se estampa diante de nós uma

verdadeira dialética do global-local, que alguns autores – como Robertson (1996) e Castells

(2002) – passaram a chamar de glocalidade. Isso significa dizer que, tomando de empréstimo

as palavras de Santos (1996, p. 273), “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma

razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. Assim sendo, tem-se em

tela uma nova ordem mundial em que a informação passa a redimensionar a vida humana

em vários níveis de análise mutltiescalar.

Com as inovações tecnológicas, não dá mais para apreendermos o mundo atual se

não considerarmos os fenômenos como sendo diferentes porque são compreendidos em

diferentes níveis de análise. Segundo Bauer (apud SHEPPARD; MCMASTER, 2004),

“as society faces a new world order that reflects the increasing tension and simultaneity

between local and global forces, it is essential to lay the foundations toward a comprehensive

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

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‘theory of scale’”. Portanto, neste período histórico atual, pensar em escalas geográficas

é uma maneira eficaz de ordenar o conhecimento do espaço multidimensional em que

vivemos, bem como é uma maneira de racionalizar nossas decisões quanto ao presente e o

futuro. Esses são recortes temporais que estarão cada vez mais eivados de informações

galopantes veiculadas em dimensões globais, levando-se à lógica da globalização atual, o

que demonstra com mais freqüência uma diversidade de níveis escalares atuando ao mesmo

tempo e num mesmo espaço.

Partilhamos das idéias daqueles que dizem que a escala geográfica não é uma simples

questão técnica. Isso significa dizer que qualquer evento ou fenômeno geográficos, em

observação e em estudo, requer que se considere uma escala de análise que não se limite

simplesmente a uma visão geométrica (ou meramente cartográfica) como tem perdurado

com intensidade no âmago da Geografia e principalmente no cerne do seu ensino. Isso

implica, como assinala Roger Batlori (2002), que seja dada uma “comprensión etimológica

del concepto, el reconocimiento de la importancia de la escala en la elaboración del discurso

geográfico”.

Castro (1995), ao discutir o problema da escala, nesse período de aceleração espaço-

temporal, apresenta os limites impostos a esse conceito na Geografia pelo raciocínio

analógico com a cartografia. Refletindo sobre a escala como uma estratégia de aproximação

do real, a autora em destaque recorre às reflexões realizadas em outros campos do

conhecimento, que também enfrentam o problema da grande variação de tamanho de

fenômenos e objetos. Esse seu estudo indica as possibilidades de utilização da perspectiva

da escala na prática do ensino e da pesquisa geográfica, sugerindo novos contornos para

expressar a representação dos diferentes modos de percepção e de concepção da realidade

geográfica. Diante disso, podemos dizer que, nesse tempo de predomínio das novas

tecnologias – com uma maior difusão da televisão, do computador e da Internet, por

exemplo –, a noção de escala se faz necessária, pois cada vez mais as realidades geográficas

que estão distantes se tornam muito mais próximas, possibilitando diferentes jogos de

escalas ou de caminhos geográficos, pois, quando estamos diante dessas “novas telas” ou

conectados a elas, nos encontramos num local que ao mesmo tempo pode se tornar global,

regional, nacional ou globalizado no mundo, e mais, em tempo real (HAESBAERT, 2004).

Por meio dessas “novas telas”, podemos ver o mundo numa situação de interação com

outras realidades geográficas, logo nos obrigando a raciocinar numa instantaneidade e

velocidade inimagináveis e de modo multiescalar.

Nas palavras de Castro (1995, p. 121), “o problema do tamanho é, na realidade,

intrínseco à análise espacial e os recortes escolhidos são aqueles dos fenômenos que são

privilegiados por ela. Na Geografia humana os recortes utilizados têm sido o lugar (e seus

diversos desdobramentos – cidade, bairro, rua, aldeia etc.), a região, a nação e o mundo”.

Segundo essa autora, mais importante do que saber como as coisas mudam com o tamanho,

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é saber com exatidão o que muda e como muda, já que estamos diante de grandes mudanças

espaço-temporais resultantes de transformações técnico-científicas-informacionais. Nesse

sentido, cabe ressaltar que quando a escala muda, a dimensão de apreensão do fenômeno

muda também, por isso ser fundamental tê-la como uma estratégia de apreensão e abordagem

do mundo real ou das distintas realidades geográficas, neste mundo acelerado.

Sabemos que, hoje, diante da instantaneidade e simultaneidade das informações e

comunicações, é fundamental que se considerem novas conceptualizações de escalas

geográficas num prisma relacional, de vez que as realidades geográficas em dimensões

globais se disseminam com maior intensidade sobre os lugares geográficos por meio de

ações e objetos técnicos globais. Talvez seja por isso que Martím-Barbero tenha dito que

o global é o espaço novo produzido pela globalização e pela inovação tecnológica, que

dependem dele para sua permanente expansão.

Em suma, cada vez mais no âmbito do ensino, da extensão e da pesquisa em Geografia

têm-se utilizado as novas tecnologias. Os usos de imagens de satélite com a ajuda de

aparelhos de GPS, de computador e da Internet e de outros recursos multimidiáticos têm

se tornado mais freqüentes nas salas de aula de geografia – mesmo que em proporções

desiguais, conforme nos disseram, em entrevistas, os sujeitos desta pesquisa. Mas, não há

dúvida de que esses meios tecnológicos, quando articulados aos conteúdos, conceitos e

fundamentos teórico-metodológicos da ciência geográfica, têm se tornado fundamentais

ao desenvolvimento do raciocínio espacial, reafirmando que a interface entre novas

tecnologias e raciocínio espacial tem muito a ver com a Geografia contemporânea.

Possíveis interfaces entre as novas tecnologias e o raciocínio espacial

Essa discussão precedente é corroborada, em certa medida, pelos depoimentos dos

professores que foram inquiridos para esta pesquisa. Partindo de relatos de alguns

professores de Geografia, de distintos cursos superiores do País, procuramos apreender

as possíveis interfaces ou mediações existentes entre as novas tecnologias e o

desenvolvimento do raciocínio espacial. Ou seja, buscamos nos depoimentos desses

professores elementos que explicassem essas relações, de vez que nos últimos tempos o

raciocínio geográfico tem se mostrado “repleto de tencionamentos, pois lida com as

contradições sociais existentes, e que estão em constante processo de (re)elaborações”

(CASTROGIOVANNI, 2001, p. 15), em virtude dos recentes processos de aceleração

espaço-temporal. Para esse autor, o fazer pedagógico de Geografia nos dias atuais deve

acontecer por meio das técnicas e das tecnologias disponíveis, sem tomá-las como um fim

em si mesmas, mas como possibilidades de ferramentas da prática educativa, além de ser

necessário considerar as diferentes teorias, para dar conta da análise espacial.

Para desenvolver “o pensamento sobre o espaço geográfico”, os professores

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pesquisados têm de algum modo utilizado algumas das ferramentas desta temporalidade.

As suas práticas pedagógicas cotidianas têm sido permeadas ou interfaceadas pelas

tecnologias da informação e comunicação. Se a televisão se constituiu na ferramenta mais

utilizada por eles, conforme dissemos anteriormente, isso não quer dizer que o computador

e a Internet não estivessem sendo utilizados e não tenham dado suas contribuições para a

análise espacial. Isso veio à tona quando perguntamos a esses professores se, na opinião

deles, o uso das novas tecnologias interferia no desenvolvimento do raciocínio geográfico

ou na maneira de se pensar sobre o espaço. A maior parte desses professores (57,8%)

respondeu positivamente, dizendo que as novas técnicas informacionais aceleram e ampliam

as maneiras de pensar o espaço geográfico, enquanto que, para 26,3% dos inquiridos, essa

interferência ocorria em termos, pois era necessária, também uma integração com os

conteúdos e métodos da Geografia, bem como de uma relação professor-aluno, aluno-

aluno. Por seu turno, para 15,8% dos investigados, as novas tecnologias não interferiam

de modo algum no desenvolvimento do raciocínio geográfico. Mas o interessante disso é

que muitos desses professores, que afirmaram negativamente sobre a interferência das

novas tecnologias no processo de leitura espacial, disseram que essas tecnologias poderiam

contribuir para a criação de novas estratégias de ensino, aprendizagem e auto-formação.

Pelo visto esses professores, contraditoriamente, também, acreditam nas possibilidades

que as novas tecnologias podem, ou não, oferecer ao desenvolvimento do pensamento

geográfico.

Acreditamos que é verdade que as novas tecnologias – sobretudo a confluência

entre a televisão, o computador e a Internet, por exemplo – não objetivam ensinar e aprender

o conhecimento geográfico, mas é também verdade que nós e os nossos alunos aprendemos

muito, e de maneira diversificada, com o uso desses instrumentais, principalmente

aprendemos a ler o nosso espaço vivencial e aprendemos sobre os espaços mais longínquos,

que se tornam visíveis por meio de imagens e textos não-lineares encontrados no ciberespaço,

na Internet ou em outras mídias. Assim, os espaços geográficos parecem se tornar mais

próximos e distantes ao mesmo tempo por meio dessas tecnologias informacionais.

Os fragmentos que apresentamos em seguida, embora sejam longos, merecem ser

conferidos, pois eles evidenciam algumas experiências com o uso das tecnologias atuais.

Vejam que entre as possíveis interfaces que as novas tecnologias podem oferecer à ciência

geográfica e ao desenvolvimento do raciocínio geográfico nas várias modalidades de ensino

dessa área de conhecimento estão, segundo os depoimentos dos professores, em:“Hoje utilizo muito os computadores, mas uso também o vídeo, a música, oretroprojetor, pois as aulas se tornam mais dinâmicas, menos cansativas e aparticipação dos alunos é maior. Essas tecnologias tornam todos os espaçosmais próximos, permitindo assim melhor compreender as transformaçõesdesenvolvidas pelo homem” (depoimento do professor n. 4).

“Eu adoto as novas tecnologias, pois elas possibilitam uma nova visão da

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dimensão espaço-tempo, o que é fundamental para o desenvolvimento doraciocínio geográfico” (depoimento do professor n. 15).

“Utilizo com freqüência em minhas aulas a televisão e o vídeo para assistirfilmes, palestras, entrevistas, projeções de imagens e disponibilizo o meumaterial didático via Internet. Isso para mim amplia as conexões e leva a pensarsobre outras formas de conceber o espaço, por exemplo o virtual” (depoimentodo professor n. 11).

“Ultimamente tenho usado principalmente os softwares de cartografia, comoGIS, Autocad e outros que melhoram a leitura do espaço, possibilitam a visãode diferentes perspectivas, facilitam as simulações de escalas, símbolos,projeções” (depoimento do professor n. 2);

“Somente o fato de mais e mais dados estarem disponíveis já ampliapossibilidades de correlações. Nesse sentido, há a interferência. Contudo, oinstrumento intelectual, o raciocínio propriamente não está na tecnologia, masno desenvolvimento de capacidades de abstração, de lógica, de cognição. Asnovas tecnologias interferem na medida em que dão velocidade a testes dehipóteses e fornecem volume de dados e informações que potencialmenteaprofundariam a análise geográfica” (depoimento do professor n. 17).

“Uso diversos programas de televisão a fim de exemplificar ou problematizaralgumas questões de estudo em sala de aula; peço para os alunos fazeremlevantamentos de dados em diferentes canais e períodos. Levo alguns programasde computador para que os alunos possam usá-los e avaliá-los quanto àpossibilidade de seu uso na sala de aula, peço para fazerem levantamento deinformações de e em sites; faço também levantamentos de dados pela net epeço para os alunos fazerem também [...] E digo: interfere ou não dependendodo uso que for realizado com essas tecnologias, pois seu uso não pode nada sedesconsideramos seus usuários, os sujeitos da aprendizagem [...] O raciocínioe análise geográficos dependem muito de debates e exercícios de análise [...]Há que ter cuidado ao refletir sobre as [novas tecnologias] pois elas podem serfetichizadas ou reificadas” (depoimento do professo n. 19).

“Na sala de aula, disponho hoje de ferramentas que me permitem planejar erealizar com muito mais rapidez e eficácia todas as aulas e atividades teórico-práticas com meus alunos, estou me referindo principalmente à união entretelevisão, computador e Internet” (depoimento do professor n. 13).

Esses depoimentos mostram um pouco do uso das novas tecnologias nos cursos de

formação de professores de geografia, bem como as maneiras como essas tecnologias vêm

mediando o processo de ensino e aprendizagem geográficos. Como se pode ver, as novas

tecnologias tem sido utilizadas como uma ferramenta pedagógica, seja para disponibilizar

os textos geográficos básicos e complementares, para manter contatos via meio eletrônico

(e-mail), realizar trabalho em grupo, seja como mera ilustração, mas o objetivo maior tem

se voltado sobretudo para tornar mais dinâmico, atrativo e interativo o pensar, o fazer e o

ensinar geográficos. Há quem diga que a grande tecnologia da humanidade não são os

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objetos ou as máquinas, mas o conhecimento. Diante disso, podemos dizer a tecnologia

informacional não se constitui na grande coisa da Geografia, mas numa possibilidade de

usarmos para construir um conhecimento geográfico inovador e antenado com o tempo

atual.

Entendemos que as aprendizagens ocorrem em um processo que é social e que é

histórico, logo é nesta perspectiva que são construídos os raciocínios geográficos. Para

que estes ocorram é fundamental que se considerem as variadas possibilidades de

aprendizagem que o mundo em que vivemos está a nos oferecer. Por meio da Geografia,

podemos desenvolver certas habilidades que, com o passar do tempo, vão se tornando

fundamentais para conseguir e manejar determinados instrumentos tecnológicos. Segundo

Callai (2001, p. 18), o que precisamos fazer para a realização de uma leitura espacial é

“saber buscar as informações e os dados, conseguir organizá-los e entender o que dizem.

Saber ler tabelas, decodificar os gráficos, compreender o que seja um banco de dados,

trabalhar com o SIG (Sistema de Informações Geográficas)”.

Em outros termos, expressa essa autora:

É neste contexto que podemos inserir o trabalho com o computador e seusadereços, outros equipamentos eletrônicos, vídeo, máquinas fotográficas, TV,gravadores, GPS, etc. São todos e outros mais também instrumentos que nospermitem fazer as coletas e a organização dos dados para ao sistematizá-los,poder conhecer melhor as informações que nos possibilitam compreender arealidade [geográfica]. E a partir deles construir bancos de dados, organizar,produzir e compreender os Sistemas de Informações Geográficas. E mais, saberler cartas topográficas, fotografias aéreas, os mapas em suas mais variadasescalas (CALLAI, 2001, p. 18).

A nosso ver, isso não se traduz em mais uma nova Geografia. São, na verdade,

outras ou novas possibilidades de se realizar a leitura espacial. E não é a aula de Geografia

que tem que ser desconsiderada para ensinar o uso desses instrumentais, mas é uma

possibilidade que, interfaceando-se com as técnicas modernas, pode contribuir para o

ensinar e o aprender melhor a geografia do mundo contemporâneo.

Segundo Callai (2001), partindo-se do pressuposto de que não adianta somente

passar informações (porque estudar Geografia é muito mais do que isso, e que os métodos

de trabalho precisam estar adequados aos tempos que vivemos) é que se torna imprescindível

a incorporação das novas tecnologias no ensino de Geografia. Para ela, de nada adiantam

essas tecnologias para melhorar o ensino dessa ciência se não tivermos referenciais mais

sólidos para fazer as análises geográficas.

Acrescentamos a isso o fato de que a chave para avaliar o alcance e os usos

educacionais das novas tecnologias no ensino de Geografia pode estar nos três elementos

do triângulo interativo – professor, aluno e conteúdo –, como propõem Coll e Martí

(2004), e de maneira muito particular em sua incidência sobre as relações e as interações

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que se estabelecem entre esses três elementos. Em outros termos, a chave está em analisar

como e até que ponto os diferentes usos das novas tecnologias podem influenciar tanto nos

processos de construção de significados e de atribuições de sentido que os sujeitos (professor

e aluno) realizam no transcurso das atividades de ensino e aprendizagem, como também

os mecanismos de influência educacional que facilitam, promovem e apóiam esses processos

construtivos.

Sabemos que as novas tecnologias, na medida em que atuam como fator de coesão

tanto nas pequenas localidades quanto nas de grande complexidade social e cultural – por

exemplo, os grandes centros urbanos –, são produtores de significados e, por conseguinte,

participam do processo de construção e da leitura das realidades socioespaciais em todas

as suas manifestações. Essas tecnologias chegam no limiar deste século com um dos mais

influentes fatores de circulação de idéias na sociedade da informação. E a Geografia,

como vimos anteriormente, propõe-se estudar o espaço geográfico, sendo que, para realizar

esse estudo, ela necessita de conceitos, definições, pressupostos teórico-metodológicos,

técnica e tecnologia.

Como diz Castells (2002), na era da informação, a tecnologia não determina a

sociedade, modela-a. Nem tampouco a sociedade determina a inovação tecnológica, utiliza-

a. Isso significa dizer que não dá mais para ficarmos alheios às ordens técnicas atuais. As

técnicas contemporâneas constituem um bom caminho para a explicação do espaço

geográfico, como afirma Santos (1996). Elas contribuem para que pensemos a geografia

como uma filosofia das técnicas, uma vez que as transformações socioespaciais e culturais

estão cada vez mais interdependentes da ação técnica. E, assim sendo, para que se

compreenda o espaço em que estamos imersos, é fundamental que entendamos as relações

com o tempo, pois cada período histórico tem sido portador de técnicas e tecnologias que

permitem ações, acontecimentos e teleologias. As ações de nosso tempo atual interatuam

e criam espaços geográficos diferentes, reais e virtuais, corroborando com a assertiva de

Kant (apud SANTOS, 1996) de que os objetos mudam e propõem diferentes geografias

em diferentes momentos.

Isso não significa dizer que temos uma nova Geografia, porque temos novas

tecnologias. Temos, sim, uma teia complexa do mundo cada vez mais ligado por redes

técnicas informacionais que conectam espaços e pessoas – mas deixam muitos desligados/

desconectados ou nos limites do viver contemporâneo – numa velocidade e aceleração

impensadas há poucos anos, mas que impõem um novo papel à Geografia e ao seu ensino.

As tecnologias atuais, veiculadoras de informações, não têm a finalidade de

5 Esse programa foi promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e pela Fundação RobertoMarinho, por meio de teleaulas e módulos adquiridos em bancas de jornais ou livrarias.

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desenvolver o “saber pensar o espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo

sem essa finalidade as pessoas aprendem Geografia, pensam com a presença dessas

tecnologias. Vejam, por exemplo, a experiência do programa Telecurso 20005 ,

especificamente o da área de Geografia, que, procurando qualificar as pessoas sem

escolaridades nos níveis da educação básica (principalmente jovens e adultos trabalhadores),

utilizou módulos instrucionais (ou teleséries) e aulas televisivas com a finalidade de estimular

o desenvolvimento do raciocínio geográfico. As aulas do Telecurso 2000 eram ministradas

a distância por meio de um veículo dinâmico e de massa como o é a televisão (ou por meio

de teleaulas). Por meio dessa tecnologia, o pensamento geográfico foi difundido para milhares

de pessoas pelo País afora. O ensino de Geografia contribuiu para a formação de diversas

pessoas por meio do desenvolvimento do raciocínio espacial realizado em duas diferentes

escalas, do local ao global, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração,

desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade que globaliza de maneira

acelerada.

Por meio das novas tecnologias, podemos obter imagens em escalas diferentes,

realizar interações e interatividade entre pessoas, trocar informações; podem servir também

de espaços de consulta de informações, e com o computador e a Internet, conseguir ter

acesso às informações conjugadas entre som, imagem e texto. Pilar Comes expõe algumas

estratégias didáticas para trabalhar o pensamento geográfico utilizando as novas tecnologias:

En el caso de la enseñanza del espacio geográfico y a través de Internet podemosacceder a miles de páginas que nos ofrecen, muchas de ellas gratuitamente,mapas e imágenes espaciales que podemos utilizar en el aula. Pero este granrecurso potencial adolece aún de graves limitaciones. Algunas de estaslimitaciones están relacionadas con las de la propia red [...], pero entendemosque otras limitaciones están relacionadas con cuestiones que tienen suimplicación didáctica (COMES, 2002, p. 51).

As novas tecnologias no ensino de geografia contribuem para ampliar o potencial

educativo de alunos e professores, permitindo que esses sujeitos tenham acesso à informação

a partir de sua própria busca, capacidade de observação e interesse. É indiscutível que as

tecnologias modernas, quando corretamente empregadas, estimulam o ensino e a

aprendizagem de Geografia, mas suas possibilidades e limitações precisam ser questionadas

para que não as tomemos como um fetiche.

A título de conclusão

A tecnologia sem conteúdos e conceitos geográficos não tem sentido algum. É certo

que as possibilidades de aprender e ensinar Geografia, hoje, são estimuladas pela

proliferação de informações mais acessíveis. Mas também é evidente que as desigualdades

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no acesso às novas tecnologias podem aumentar ainda mais as dificuldades reais de acesso

à informação e ao conhecimento geográfico que já têm atualmente os segmentos menos

favorecidos. O caso da Internet é exemplar, pois sendo, em princípio, um recurso altamente

descentralizado, democrático e sem fronteiras, na verdade é apenas para aqueles que podem

ter fácil acesso a ele, para os “plugados na rede”.

Considerando os depoimentos dos sujeitos deste estudo, podemos dizer que é muito

provável que as novas tecnologias aprofundem as divisões já existentes entre grupos de

pessoas em sua relação com o conhecimento e a aprendizagem. Daí a necessidade de que

as possibilidades e os limites das novas tecnologias estejam sempre em pauta. Nessa

sociedade, os aparatos tecnológicos têm se constituído em novos meios de informação e

comunicação que mobilizam novos modos perceptivos e reorganizadores da prática

cotidiana e da experiência socioespacial. Computadores, videogames, telefones celulares,

TV a cabo e toda a parafernália técnica que nos cerca e nos constitui vão transformando

de maneira rápida as estruturas de pensamento e de significação. E nesse meio ambiente

novíssimo (ecologia cognitiva? ciberespaço? cibercultura? sociedade da informação? da

imagem? do saber?), as instituições de ensino e muitas disciplinas, como por exemplo, a

Geografia, encontram-se nos limites da sociedade informacional, muitas vezes fixada na

oralidade e nos meios impressos e lineares como os textos escritos. As tecnologias

informacionais ainda se encontram pouco presentes nos cursos de formação do professor

de geografia, conforme aponta o resultado da pesquisa. Mas mesmo que em proporções

mínimas e limitadas, as novas tecnologias podem e devem ser postas em questão em aulas

de cursos de graduação, pós-graduação e na educação básica, no sentido de ampliar sua

inserção nos meios educativos. Com as tecnologias modernas, é possível aprender a

aprender, a trabalhar em grupo, a raciocinar em diferentes escalas geográficas.

Em vez de considerar as novas tecnologias como inimigas a ser exorcizadas, é

fundamental que as consideremos como meios que podem ajudar a desenvolver ou estimular

o pensamento geográfico. Conforme já dissemos anteriormente, as novas tecnologias estão

presentes em nossas vidas quer queiramos ou não. Cabe a nós estudiosos utilizá-las, estudá-

las, questionando suas possibilidades e limitações para o desenvolvimento do conhecimento

ou do raciocínio espacial.

Em suma, podemos dizer que as novas tecnologias não têm compromisso com a

construção do conhecimento geográfico. Esse compromisso compete à ciência geográfica

e aos geógrafos nos momentos de construção do raciocínio espacial. Mas é verdade também

que os profissionais de geografia quando utilizam as novas tecnologias aprendem com

elas. Talvez seja uma “Geografia em migalhas”, como nos tem alertado Lacoste (1974, p.

231), que precisa ser melhor questionada e explicitada, mas é possível perceber que existe

uma certa interface entre as novas tecnologias e o desenvolvimento do pensamento

geográfico nesta era informacional.

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Recebido para publicação dia 02 de Abril de 2007

Aceito para publicação dia 17 de Maio de 2007

SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...

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LUGAR E CULTURA

URBANA: UM ESTUDO

COMPARATIVO DE SABERES

DOCENTES NO BRASIL

PLACE AND URBAN CULTURE: ACOMPARATIVE STUDY OF

TEACHERS’ KNOWLEDGE INBRAZIL

LUGAR Y CULTURA URBANA: UNESTUDIO COMPARATIVO DE LOSSABERES DOCENTES EN BRASIL

HELENA COPETTI CALLAI

[email protected]

LANA DE SOUZA

CAVALCANTI

[email protected]

SONIA MARIA VANZELLA

CASTELLAR

[email protected]

Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa sobre Lugar eCultura Urbana: os saberes dos professores de Geografia noBrasil, investigação de caráter interinstitucional que aborda otema a partir de um estudo comparativo entre as cidades deGoiânia (GO), Ijuí (RS) e São Paulo (SP). O objetivo desteestudo é caracterizar e analisar as concepções dos professoresa respeito da cidade e da sua cultura, considerando apossibilidade da cidade ser entendida em função da dinâmicado território. Os dados foram obtidos através de entrevistas,observações de aulas e questionários respondidos porprofessores de Geografia.Palavras-Chave: Saberes dos professores; Lugar; Culturaurbana; Educação geográfica.

Abstract: This article is part of a research about Place andUrban Culture: the knowledge of Geography teachers inBrazil, an interinstitutional investigation which approaches thetheme from the results of a comparative study focusing on thecities of Goiânia (GO), Ijuí (RS) and São Paulo (SP). Theobjective of this study is to outline and to analyze the teachers’conceptions about the city and its culture, considering thepossibility for the city to be understood from the dynamic ofthe territory. The data came from interviews, class observationsand questionnaires answered by geography teachers.Keywords: Teachers’ knowledge; Place; Urban culture;Geographical education.

Resumen: Este articulo es parte de una investigacióninterinstitucional, a respecto de “Lugar y Cultura Urbana: lossaberes de los profesores de Geografía en Brasil”, tratando eltema desde un estudio comparativo entre la ciudad de Ijuí(RS),Goiania(GO) y São Paulo(SP). El objetivo del estudio escaracterizar y analizar las concepciones de los profesores arespecto de la ciudad y de su cultura, considerando la posibilidadde que la ciudad sea entendida en función de la dinamica de suterritorio. Los datos resultan de entrevistas, observaciones yencuestas hechas a los profesores.

Palabras clave: Saberes de los profesores; Lugar; Culturaurbana; Educación geográfica

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 91-108 Jan-Jun/2007

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Esse artigo apresenta algumas análises a respeito de um estudo sobre os saberesdocentes em relação ao conceito de cidade e o ensino de temas relacionados à cidade e aolugar de vivência. A preocupação referente a essa questão advém das experiências daspesquisadoras, envolvidas com a área do ensino de Geografia, que tem evidenciadodificuldades de uma integração maior entre as teorias elaboradas no âmbito da pesquisaacadêmica e a prática realizada pelos professores dessa matéria de ensino.

Trata-se de um estudo sobre saberes de professores de Geografia no Brasil quevisa, pela comparação entre três cidades brasileiras –Ijuí-RS, Goiânia-GO e São Paulo-SP-1 , conhecer saberes e práticas docentes desses professores à respeito de sua cidade.Essas cidades têm suas especificidades, como todas e quaisquer outras, mas em sua dinâmicaexpressam um modo de vida e elementos da espacialidade que são comuns às cidadesbrasileiras e mundiais contemporâneas.

Pressupostos para investigar o ensino de cidade

Partimos do entendimento inicial de que é importante conhecer os professores deGeografia, seus saberes e sua percepção sobre o lugar em que vivem e onde vivem seusalunos, entendendo que esses professores são portadores de uma cultura que sintetiza suaexperiência vivida no local e sua formação acadêmica e profissional. Ao centrar o estudono conceito de cidade e referenciá-lo como lugar em que o professor vive e trabalha, assimcomo seus alunos, entendemos ser possível estabelecer as bases para a compreensão deaspectos significativos da realidade do ensino e aprendizagem de Geografia no Brasil.

Nas últimas décadas, os geógrafos pesquisadores no campo do ensino eespecificamente da metodologia do ensino de Geografia no Brasil têm procurado produzirteorias e práticas voltadas para as tarefas sociais que essa área profissional deve cumprir.Investiu-se bastante nesses anos em pesquisas sobre o ensino e a metodologia de ensino deGeografia. Foram feitos diagnósticos, colheram-se depoimentos, foram analisados materiais,elaboradas propostas. Nesse contexto as autoras deste artigo têm contribuído com trabalhosespecíficos sobre essa questão, predominantemente voltados às problemáticas da formaçãodo professor e da metodologia do ensino de Geografia2 .

Como resultante desse investimento é possível constatar a intensidade destasdiscussões e o interesse de professores da educação básica a respeito do assunto.U m adas recomendações que resultam dessas investigações é a de se considerar o cotidiano, oespaço vivido dos sujeitos do processo de ensino, como referência concreta para oencaminhamento da prática do ensino de Geografia. Isto posto, é fundamental entender as

1 A pesquisa realizada é coordenada na cidade de Ijuí, por Helena C. Callai, da Unijuí, emGoiânia, por Lana de S. Cavalcanti, da UFG e em São Paulo, por Sônia M. V. Castellar, da USP.2 Dentre eles, podem-se destacar: Callai (2001, 2003a, 2003b); Castellar (1999, 2003, 2005),Cavalcanti (1998, 1999, 2001, 2002 a).

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concepções do professor, como um dos sujeitos do ensino, sobre esse cotidiano, sobre esseespaço vivido e compreender como essas percepções podem e têm ajudado na formulaçãodas suas propostas de ensino. Para compreender o lugar de vivência e a relação que oprofessor estabelece com ele, tomou-se como foco a cidade.

A cidade é aqui considerada como tema do ensino porque, em primeiro lugar, é areferência básica para a vida cotidiana da maior parte das pessoas. Ela é local de moradiade um grande contingente populacional; nela se produz e se decide a produção de umagrande parte de mercadorias e de serviços; nela circulam pessoas e bens; nela, também, seproduz um modo de vida (LEFEBVRE, 1991; CARLOS, 1992). Todo esse movimentomostra que na cidade estão materializadas, por um lado, a dinâmica do capital e, poroutro, a dinâmica da sociedade; ambas se expressam contraditoriamente na prática cotidianados cidadãos.

A cidade é uma expressão da complexidade e da diversidade da experiência dosdiferentes grupos que a habitam. Seu arranjo vai sendo produzido para que cada habitantepossa viver o cotidiano, compartilhando desejos, necessidades, problemas com os outroshabitantes. Ela é, nesse sentido, espaço da vida coletiva, espaço público. Para viabilizaressa vida coletiva, seus gestores contam com vários agentes educativos (órgãos deplanejamento, agências de segurança, de trânsito e ambientais, escolas, ONGs). Mas, acidade é, em si mesma, um espaço educativo. A cidade é educadora: ela educa, ela formavalores, comportamentos, ela informa com seu arranjo espacial, com seus sinais, comsuas imagens, com sua escrita (BERNET, 1987). Ela também é um conteúdo a serapreendido por seus habitantes. É no exercício da cidadania, e no espaço cotidiano dacidade, que seus habitantes podem se reconhecer como agentes possuidores de direitos edeveres nesse processo de produção.

Dessa discussão teórica, surgiram questões mais específicas para a pesquisarealizada e apresentada nesse artigo: em que medida os cidadãos têm tido nas cidadesbrasileiras o direito de viver, de circular por suas cidades e seus lugares, de consumir seuslugares e de consumir nesses lugares? Em que medida os jovens cidadãos têm tidoconhecimento de sua cidade, de seus problemas, de seus projetos, e de suas possibilidades?Até que ponto a escola, por meio do ensino de Geografia, tem contribuído para que esseconhecimento ocorra, trabalhando sistematicamente com o tema da cidade, por meio deveiculação de conteúdos das cidades onde vivem seus alunos e das cidades brasileiras emgeral; da promoção de atividades que propiciem o contato mais direto dos alunos comlugares da cidade?

Pode-se discutir estas questões na perspectiva de que representem a alternativa aum desenvolvimento pleno da cidadania sem, no entanto, deixar de considerar que vivemosnum mundo que é extremamente contraditório. Mesmo em um lugar cheio de semelhanças,com as marcas de identidade explicitadas, não é raro encontrar grupos com interessesdiversos. E aquilo que parecia homogêneo se mostra bem diferenciado, exigindo atençãopara com a diversidade, porque estão mascaradas as diferenças. Cada lugar pode ter

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marcadamente uma ou outra característica comum, mas é importante destacar assingularidades.

Reconhecer que existem potencialidades no lugar e que as pessoas tem capacidades,muitas vezes para além do que lhes é exigido e até permitido, já é um passo na busca deconstrução de um lugar solidário para a vida de todos que ali vivem. Mas, acima de tudo,é muito importante ter a compreensão do que está acontecendo, seja no lugar, seja nomundo. Essa busca gera necessariamente um processo de aprendizagem, com significado,para cada um e para o conjunto da sociedade. E nestas análises consideramos que estelugar é a cidade. A cidade em que cada um vive, onde esta localizada a escola, onde aspessoas e o capital circulam, na qual se constrói a idéia de urbanidade.

O foco no lugar e na cidade remete à escala social de análise que, ao ser considerada,relativiza as verdades e as ações das pessoas, no sentido de compreender as nuancescontraditórias da realidade em que vivemos. Um estudo sobre o que é esse lugar e qual a“força do lugar” (SANTOS, 1996) pode ser um desafio, também, para professores eestudantes. É desafiador porque pensar o lugar de vivência, ou a cidade, implicacompreender o sentido de identidade e de pertencimento, considerando, portanto, o fenômenourbano em escala local.

O lugar é o território apropriado, que demonstra em si, através de rugosidades, ahistória das vidas que ali foram e estão sendo vividas. Dessa forma, o lugar é o resultadodas relações, das histórias em diferentes tempos, porém gera necessidades, exige definições,impõe limites e apresenta possibilidades. Não se trata de determinismos físicos ou naturais,como por muito tempo se considerou na base das civilizações, mas do reconhecimento deque o lugar adquire um poder, que é político e que pode dar os contornos para a açãohumana. Então, todos são responsáveis pela construção e são capazes de deixar suasmarcas nos espaços vividos.

Nessa linha de raciocínio, a escola apresenta uma grande capacidade para enfrentaro desafio de compreender o lugar, tanto do ponto de vista da produção e organizaçãoespacial quanto das mobilizações dos grupos sociais.

A escola e a cidade educadora: uma abordagem da pesquisa

Entendemos que a escola é uma das instâncias da formação da cidadania e a partirdela pode-se estabelecer, por meio do ensino da Geografia, a discussão sobre se a cidadeeduca e se os estudantes e os demais moradores cuidam da cidade, no seu entorno doméstico,nos seus locais de convívio. E também, da mesma forma, se a cidade acolhe os cidadãos ese estes a respeitam ao interferirem na sua produção do espaço urbano.

A nossa intenção, portanto, ao fazer este estudo foi a de apreendermos elementosda cultura urbana de professores de Geografia a partir de sua vivência em espaços urbanosdiferentes, no entendimento de que o professor é agente do processo de ensino e

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aprendizagem, portador de uma cultura que lhe permitiu conhecer e analisar espaços urbanosnuma perspectiva de totalidade.

A análise de elementos da cultura urbana dos professores de Geografia contribuipara uma melhor compreensão dos processos didáticos que ocorrem no espaço escolar,que é síntese de culturas e que deve ser assim considerado, subsidiando nesse sentido areflexão sobre caminhos de formação inicial e continuada de professores.

Entendemos que o professor deve ter, em sua formação inicial, um grau de discussãoteórica que lhe permita compreender as categorias geográficas e as formas como ocorrema apropriação dos conceitos e a aprendizagem do aluno. Caso contrário, a formação inicialjá começa debilitada, pois, caso o professor não tenha clareza sobre a dimensão dos seussaberes, não conceba a construção de conceitos e a aprendizagem significativa comodeterminantes no processo, como fazê-lo romper com a prática tradicional? E como sefarão as mudanças no ensino de Geografia? Nesse sentido, ao verificar dados e informaçõesde professores dessas três cidades, foi possível constatar como são tratados temas específicosda Geografia, que se caracterizam como questões significativas para o estudo da cidade edos problemas urbanos no mundo atual.

Essa pesquisa permitiu, também, analisar a situação de aprendizagem e acompreensão que os professores têm dos conceitos geográficos e cartográficos.Consideramos que os conteúdos da Geografia escolar deveriam ser trabalhados naperspectiva das mudanças conceituais – dos conceitos de senso comum para conceitoscientíficos -, levando o professor a mediar o processo do aluno de passar de um estado demenor conhecimento para um estado de maior conhecimento. Para que o professor possarepensar sua prática - e fazer mudanças concretas - com esse propósito é preciso descobriroutros padrões de aprendizagem, a partir de uma rede de significados. No entanto, não háfórmulas prontas e acabadas; existem, sim, possibilidades de se ter êxitos saindo doimobilismo, atuando na perspectiva de utilizar estratégias diversificadas ao abordarconteúdos na busca de novas situações de aprendizagem.

Durante a pesquisa nos deparamos com duas questões que estão interligadas:uma é a construção conceitual das crianças sobre as cidades em que vivem; a outra é comoo professor desenvolve o seu trabalho e como ocorre o seu processo de construção conceitualpara que possa orientar seus alunos.

A partir dessas questões buscamos analisar, através de entrevistas, o perfil deprofessores de Geografia em relação aos aspectos da sua formação, das condições detrabalho e de seus saberes e práticas relacionadas ao tema da cidade. A análise de dadoscoletados será apresentada sinteticamente nos tópicos seguintes do texto3 .

Os professores de Geografia e o ensino de cidade

3 Os relatórios das pesquisas de cada cidade, com a metodologia descrita e a apresentação de todos os dadoslevantados estão disponíveis nos laboratórios das Instituições a que pertencem cada uma das investigadoras.

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No contexto da pesquisa realizada nas três cidades brasileiras, dentre as váriasquestões investigadas destacamos aqueles aspectos que consideramos pertinentes paraexposição nesse artigo. Também julgamos significativo demonstrar esses aspectos a partirdas singularidades que conseguimos captar em cada grupo de professores, em cada umadas cidades.

A – O caso de Ijuí-RSNo contexto de entrevistas, os professores responderam como entendem a cidade.

Suas respostas podem ser agrupadas em três segmentos:1º. Aquele que trata das questões físicas do espaço e considera a cidade como um

lugar onde se apresentam aspectos materiais, na maioria das vezes aparentes, que demarcamo urbano. Foram citadas idéias como: meio urbano; centro urbano; a zona urbana domunicípio; o local onde situam-se o centro e os bairros; zona urbana de um município;o espaço delimitado pelos limites urbanos; sede do município, onde estão as atividadesessencialmente urbanas; um espaço urbanizado com características próprias; umaglomerado de edifícios, moradias, etc.

2º. Aquele que entende a cidade como um lugar fisicamente delimitado que acolheuma população com atividade econômica diferenciada. Foram citados elementos como: omeio urbano é o espaço constituído pela cidade, que se dedica às atividades secundariase terciárias; é um aglomerado físico onde se encontram serviços, onde se manifesta avida das pessoas; uma área densamente povoada onde se concentram os principaisserviços e produtos necessários à sobrevivência da população.

3º. Aquele que incorpora em suas respostas a noção de poder e das relações sócio-espaciais. Alguns elementos foram citados, como: local urbano de relações de produção;centro de relações de pessoas de outras áreas, em busca de bens e de serviços,comercialização e muitas outras atividades.

Numa questão da entrevista que refere a como ensinam geografia urbana e quaissão seus objetivos ao ensinar, pode-se considerar quatro grupos de respostas:

Grupo 1 – as respostas estão centradas na questão do estudo do lugar, do meio emque vivem os estudantes, indicando, no entanto, que os estudos são realizados de formalinear e descritiva. Algumas referências dadas à postura de entendimento da realidade emque vivem permitem pensar que, ao nível da intenção, está presente uma postura deengajamento nos problemas da vida cotidiana. Algumas respostas foram: conhecer o meioambiente, o lugar onde mora; relacionar os temas abordados à realidade cotidiana;desenvolver uma postura ativa e comprometida com a busca de soluções; conhecer,analisar, interpretar, relacionar o teu comportamento com o espaço coletivo.

Grupo 2 – nesse grupo pode-se constatar a intenção de se dar ênfase à cidadania,sugerindo o posicionamento do aluno como sujeito que produz o seu espaço e que tem um

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papel a realizar na sociedade em que vive. Foram citadas: que o educando perceba-secomo membro integrante e agente das transformações; sensibilizar o aluno ao olhargeográfico, ou seja, ao olhar critico para ações que levem à construção de um espaçopúblico justo e com qualidade de vida; que o aluno consiga perceber a importância dacidade para o cidadão se constituir verdadeiramente participante buscando a qualidadede vida e interagindo “nesse espaço urbano”.

Grupo 3 – as respostas nos remetem ao enfoque metodológico, por considerarema escala de análise, a diferenciação dos espaços geográficos, a dimensão de espaço etempo, e a interligação das ações humanas com a produção do espaço. Foram citadas: queo aluno consiga fazer associações do espaço em que vive e o mundo que o cerca; écompreender o espaço, como as pessoas se relacionam nesse espaço, as suas necessidades,desejos, etc. - que o aluno tenha a capacidade de observar, analisar, interpretar e criticara realidade.

Grupo 4 – refere-se às questões especificamente do conteúdo da Geografia urbana,com poucas citações. São professores que demonstram entender que a questão urbana vaialém do estudo da cidade local, onde vivem os alunos. Foram citados: que os alunossaibam pelo menos diferenciar urbano do rural; compreender a dinâmica das cidades,identificar as características do processo de utilização e entender que esse envolvemodificações sociais, econômicas e territoriais.

Noutra questão ao serem perguntados sobre o que consideram ser os principaisproblemas urbanos em Ijuí, apontam as questões de: - Desemprego: a falta de indústriaspara criar empregos; os migrantes vêm buscar emprego e caem na marginalidade; os altosíndices de pobreza e a conseqüência dessa situação gerando violência e roubos. Da mesmaforma, são identificados os problemas decorrentes de um crescimento urbano desorganizado;as periferias desorganizadas e a falta de creches. - Segurança pública: problema que sefaz presente de modo muito acentuado em todos os lugares. Como primeira referêncianesse conjunto é apresentada a falta de um quadro de efetivos de policiais mais amplos, aviolência pessoal, a violência no trânsito, o roubo e o assalto. - A questão habitacional:habitação, especulação imobiliária, moradia, descuido com as ruas nos bairros, que podeser interligada com a estrutura arquitetônica, e aliada ao problema da consciência dosusuários, da falta de conscientização com os problemas. - Aspectos ambientais que secaracterizam pelo saneamento: falta de tratamento de esgoto, saneamento básico reduzidoou inexistente em bairros menos favorecidos, falta de uma estação de tratamento de esgoto,falta de rede de esgoto; em relação ao lixo: a falta de reciclagem e a coleta seletiva; já apoluição ambiental envolve a poluição sonora e a visual. - Trânsito: o problema docongestionamento; aspectos de transporte na área urbana, com carga e descarga que éprejudicial ao ambiente; transporte urbano precário, agregado às ruas com má sinalização,com falta de iluminação pública, falta de cuidados na manutenção das vias públicas.

Como se observa nesse elenco de problemas urbanos apresentados pelos professores

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os temas recorrentes são as problemáticas que têm como conseqüência a ausência dopoder público na organização do espaço urbano, atribuindo aos gestores toda aresponsabilidade. Pode-se talvez constatar a dissonância com a postura de desenvolver acidadania expressa noutros momentos, em que conclama aos sujeitos serem agentes efetivosna produção do espaço.

B - O caso de Goiânia-GoA respeito de saberes geográficos, investigou-se, junto aos professores, suas

concepções sobre lugar e cidade. Quanto ao conceito de lugar, 21,6% o compreendemcomo uma parte determinada do espaço terrestre, com definições como: “porção do espaçoterrestre conhecida por um nome”, “qualquer espaço que ocupamos é um lugar”, oucom definições que destacam aspectos mais subjetivos para se referir ao conceito: “é oreferencial espacial da intimidade das emoções”, “espaço especial carregado de valores”.Mas, um componente mais subjetivo nas definições de lugar aparece mais explicitamenteem 27,5% das respostas, que indicam o conceito de lugar como espaço vivido, comdefinições que expressam a compreensão de que lugar é um local de vivência das pessoas:“é o espaço onde o indivíduo vive”; “é uma porção do espaço que você conhece e temalgum contato”. Um outro grupo de respostas (21,6%) traz definições mais genéricas,ora apontando para uma compreensão de lugar como associado à afetividade, à identidade,à produção de cultura, a um modo de vida; ora ao específico, à escala, ao tamanho. Pelavariedade de respostas, pode-se inferir que há uma associação bastante forte de lugar como vivido localmente pelas pessoas, ficando menos perceptível a compreensão de suas relaçõescontraditórias e das determinações desse local com processos e fenômenos definidos evividos globalmente.

Quanto ao conceito de cidade, a maioria dos professores (53%) apresentou definiçõesque fazem referência à paisagem, ou seja, privilegiando a forma e a disposição dos objetos,as pessoas e seus movimentos: “concentração de pessoas, habitações”,“é um aglomeradode pessoas, onde existe uma organização política e também é munido de infra-estruturas”.Em outro grupo (15,5%), a cidade foi definida pelas relações que são nela e com elaestabelecidas: “é o espaço criado e recriado em que o ser humano desenvolve suasatividades”, “palco de atividades relacionadas à indústria, moradia, lazer, comércio,enfim, atividades que se referem ao urbano”. Foi possível detectar ainda um outro grupo(8%) com definições que apresentam elementos, simultaneamente, dos dois tipos anteriores:“é um espaço onde há um aglomerado de pessoas procurando vários tipos de serviço, éonde as atividades econômicas estão aglomeradas”. Um quarto grupo (8%) apresentauma definição da cidade como palco de contradições, onde há um confronto entre o capitale a cidade: “espaço construído pelos cidadãos, porém de controle e dominação docapital”; “é o lugar do conflito, da manifestação das contradições, etc”.

Pelos dados obtidos percebe-se que predomina um conceito de cidade ligado à sua

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expressão formal, à sua paisagem, ou às atividades que nela se realizam. Além disso,percebe-se que, ainda que alguns professores levantem aspectos mais estruturais da dinâmicada cidade, os elementos contraditórios, as determinações mais globais, e mais estruturaisda sociedade ainda são pouco presentes nas definições dos professores.

Sobre o espaço urbano de Goiânia é possível perceber a coincidência de algunselementos de análise, que foram interpretados como sociais, ambientais e de planejamento/crescimento urbano. Quanto ao primeiro aspecto, muito presente nos depoimentos, osprofessores o destacam para análises positivas do espaço, como: espaço sem exagero deconflito ou para análises negativas, como: é um espaço cheio de contrastes, de muitosproblemas ambientais e sociais. Em relação aos problemas ambientais, predominam asrespostas em que os professores apontam elementos negativos, como: precisa serrevitalizado. Por causa de problemas ambientais. O maior número de respostas fazreferência ao tema do crescimento urbano desordenado e do planejamento, ou falta deplanejamento, com argumentos como: crescimento desordenado associado principalmenteà ação política, uma cidade planejada. Urbanizada, arborizada, o espaço urbano dacidade não foi todo planejado, houve um crescimento muito rápido sem as devidasinfra-estruturas como saneamento básico, segurança, saúde e educação.

Percebe-se que, diferentemente das respostas quanto ao conceito de cidade, aqui osprofessores destacam, um pouco mais, aspectos mais estruturais para fazer análise de umespaço específico, que é Goiânia, ainda que expressando uma idéia de que os problemasvivenciados pela sociedade, neste espaço urbano, têm sua raiz na falta de planejamento, e,sendo assim, sua solução é de ordem técnica.

Sobre os principais problemas urbanos de Goiânia, a conclusão é que entre osprincipais estão: transporte e trânsito; problemas ambientais e habitação. O destaque aosproblemas de transporte e trânsito permite inferir que, para os professores, o deslocamentocotidiano no espaço intraurbano constitui-se como um fator de extrema importância ao seanalisar uma cidade, e os dados parecem revelar que atualmente este é o problema “númeroum” quando se fala em cidade de Goiânia, e que, infere-se, trata-se de um serviço que osgestores não têm oferecido satisfatoriamente. Sabe-se que esse é um problema a serressaltado na maior parte das metrópoles e nas grandes cidades brasileiras, porém afreqüência com que ele aparece aqui evidencia sua importância para o caso de Goiânia.

Pelo que foi evidenciado anteriormente, sobre os dados coletados quanto ao espaçourbano de Goiânia, pode-se dizer que os saberes dos professores vão ao encontro do que apesquisa científica tem mostrado: como um espaço planejado, mas que sofreu umcrescimento urbano intenso, desordenado, o que acarretou muito dos problemas que nelesão vivenciados, entre os quais o das desigualdades sociais, o da segregação socioespacial.Portanto, os elementos que foram levantados pelos professores parecem, até o momento,bastante pertinentes e importantes para a análise do urbano em Goiânia, ainda que requeiramaprofundamento para tornarem-se instrumentos relevantes para os alunos, para o

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desenvolvimento de seu pensamento espacial, para o exercício de sua cidadania.

C- O caso de São Paulo-SPAnalisando as respostas dos professores em relação ao que pensam sobre os conceitos

de lugar, de cidade e quais são os principais problemas urbanos obtivemos respostas comênfase na cultura de senso comum. Quando os professores afirmam nos questionáriosqual a concepção de lugar, a maioria faz comentário como, por exemplo: onde cadaindivíduo ocupa; qualquer espaço da superfície; envolve relações sociais; algo que estápróximo. Essas respostas indicam que o conceito, ou seja, a idéia formada se fundamentaem informações cotidianas e não em bases teórico-metodológicas. Esses dados nos permiteminferir que há falta de análise teórica em relação ao que vem a ser o conceito de lugar paraeles. Na análise dos questionários observamos que o padrão das respostas considera algunsaspectos estruturais quanto ao conceito de cidade, para eles o conceito de cidade é: “cidadeé um lugar urbanizado; onde encontramos recursos; local das atividades; transformadode forma que tem problemas urbanos; onde moro..”. Essas são algumas respostas quetambém evidenciam um senso comum, linearidade e superficialidade, ou seja, demonstramfalta de fundamentação teórica para explicar o que é conceitualmente cidade.

Ao tratarmos dos problemas urbanos os professores destacaram os aspectos negativosem relação à cidade, que ficaram claros nos conteúdo das respostas, nas quais foi possívelperceber a contradição de algumas delas em torno dos destaques dados aos fenômenosurbanos interpretados como sócio-ambientais e de falta planejamento urbano. Os professoresdestacaram em suas análises sobre o espaço urbano de São Paulo questões como: “é umacidade com muita violência, com problemas ambientais e sociais”, “que tem falta desaneamento básico e infra-estrutura”; “com desigualdade social”; “com enchentes eproblemas de trânsito”; “falta de moradia e mal planejada”. Em relação aos problemasambientais, predominam as respostas em que os professores apontam elementos negativos,como: “poluição atmosférica, enchentes e falta de vegetação”; “grande fluxo de pessoas,veículos, um pouco desordenada”. O maior número de respostas faz referência ao temado crescimento urbano desordenado e falta de planejamento, com argumentos como:“cr escimento desordenado associado principalmente à ação política”; “crescimentomuito rápido sem as devidas infra-estruturas, como saneamento básico, segurança,saúde e educação”. Não houve nenhuma resposta que abordasse aspectos positivos emrelação à cidade. É importante destacar que para além dos problemas urbanos, em sala deaula, devemos tratar as questões urbanas também do ponto de vista teórico-metodológico,ou seja, separar as concepções de cidadãos das concepções teóricas do professor degeografia. Isso significa ter clareza dos conceitos geográficos.

A observação dos dados permite concluir que alguns problemas urbanos tais comotransporte, problemas ambientais e falta de habitação são os que se destacam nas respostasdo grupo de professores. No entanto, a associação dos problemas trânsito e transporte,

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que somados permitem inferir que, para os professores, o deslocamento cotidiano no espaçointraurbano constitui-se em fator de extrema importância ao se analisar uma cidade, e osdados parecem revelar que atualmente este é o problema sério para quem vive no municípiode São Paulo, é um serviço que a administração pública não dá conta de resolversatisfatoriamente.

Sabe-se que esse é um problema a ser ressaltado na maior parte das metrópoles enas cidades brasileiras de porte médio, porém, a freqüência com que ele aparece aquievidencia um destaque para essa questão em São Paulo. Além do mais, esse destaqueainda é maior quando se observa que os problemas ambientais que foram agrupados nosremetem as questões diversas, como: a poluição das águas, a poluição sonora, o lixo, apoluição dos mananciais, a impermeabilização do solo, a ocupação de áreas de risco,as ilhas de calor nos centos urbanos, a falta de equipamentos de saúde e de lazer tambémaparece dentre os problemas urbanos.

O que se constata é que os saberes dos professores ainda estão fundamentados emaspectos genéricos em relação à compreensão conceitual, levando em consideração apenasinformações empíricas do cotidiano, mas sem uma análise mais articulada entre osfenômenos urbanos e as discussões teóricas Leva-se em consideração que a falta deplanejamento é o problema, que houve um crescimento urbano intenso, desordenado,gerando inúmeros problemas vivenciados pela população. Aspectos como desigualdadessociais, segregação socioespacial, exclusão cultural em função da falta de políticas públicas,não foram citados por nenhum dos entrevistados.

Nesse sentido, apesar de que os elementos citados pelos professores sejam pertinentese importantes para a análise do urbano em São Paulo, e que possam tornar-se instrumentosrelevantes para os alunos, ainda são superficiais, pois não há articulação entre oembasamento teórico e os fenômenos do cotidiano, para que se estimule, entre outrashabilidades, o desenvolvimento do pensamento espacial.

Dificuldades reconhecidas pelos professores de Geografia para trabalhar com temasda cidade

Um dos problemas destacados pelos professores, em relação ao trabalho docentecom o tema da cidade, é a falta de material ou de acesso a materiais específicos sobre ascidades. No entanto, é preciso alertar para o fato de que o material pode ser construído apartir dos dados da realidade vivenciada por eles mesmos. Considerar, pois, a própriarealidade cotidiana como um laboratório, a partir do qual se articula a outras escalas deanálise, é um desafio constante nas ações de formação docente. Pode-se, então, utilizarconceitos que permitam encaminhar o estudo desta realidade de modo a não permanecerna descrição de paisagens e/ou situações, realizando análises mais contextualizadas domundo globalizado.

Nas respostas dos professores de Ijuí sobre que materiais utilizam para preparar

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suas aulas de Geografia urbana está expressa a interpretação anterior, que o estudo dourbano e da cidade é para eles apenas o estudo do lugar. Nas respostas destacamos àspossibilidades locais, seja de material, de estudos de campo, de entrevistas com pessoas,de visitas, conforme indicam as citações a seguir: documentos, visitas ao museu, viagensde estudo, visitas a bairros, museus, área rural, pesquisa em material bibliográfico domunicípio, pesquisa bibliográfica em geral, estudo da realidade dos alunos, pesquisasobre a cidade, olhar a paisagem local, descrever paisagens, meios de comunicaçãoescrita e falada, urbanistas e Lei Orgânica.

No caso dos professores de Goiânia, os dados revelam que a grande dificuldade deacesso a materiais de investigação geográfica sobre essa cidade é um dos grandes obstáculosa um trabalho docente mais consistente com essa temática. Com efeito, os dados evidenciamuma incipiente relação entre Escolas e Universidade, particularmente no âmbito do IESA/UFG. Segundo afirmaram em entrevista, eles, apesar de trabalharem o tema cidade emsuas aulas e de fazerem leituras sobre a cidade de Goiânia, não têm como fonte dessasleituras os estudos realizados pelas instituições de ensino superior. Já em São Paulo tambémhá dificuldade em se ter acesso a materiais produzidos pelas instituições públicas e privadas.Uma reclamação por parte dos professores é que por falta de divulgação ou acesso acabamdesconhecendo os livros, os documentos e os mapas produzidos sobre a cidade.

As respostas dadas pelos professores das três cidades são próximas em relação aoque gostariam de ter acesso; muitos afirmaram a importância de se ter diferentes tipos demapas, outros disseram que sentem necessidade de acesso aos dados pesquisados peloIBGE e outros órgãos regionais.

Além das dificuldades apresentadas, merece ainda destaque a questão do livrodidático e do seu uso pelo professor. Segundo declararam em entrevistas, os professoresentendem que os livros abordam problemas urbanos como a degradação ambiental/poluição,transporte/trânsito, segurança/violência, que são para a maioria deles problemas relevantesnas grandes cidades brasileiras. No entanto, muitos depoimentos sobre o conteúdo e omodo como utilizam o livro didático destacam o fato de que a realidade urbana analisadano livro tem como referência básica as grandes metrópoles brasileiras, principalmente daRegião Sudeste, e não cidades como Goiânia, e que, assim, eles necessitam “adaptar” ostemas tratados à realidade do aluno. Ressalta-se a mesma constatação de parte dosprofessores de Ijuí, em relação ao ensino da cidade, em que precisam trabalhar cominformações “da cidade grande”, o que é agravado quando se percebe que existem muitascidades pequenas e medias, no território brasileiro.

A inexistência de material didático para o estudo da cidade tem sido, portanto,salientado como motivador das dificuldades que existem para tratar do assunto. Na realidadeé pequena a produção existente em todos os lugares, especialmente pelo fato de não sereconomicamente rentável produzir um livro que terá uma venda restrita no caso, porexemplo, de cidades pequenas e mesmo de cidades médias.

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Reafirmação da relevância do ensino da cidade

Os dados levantados na pesquisa revelam dificuldades para um trabalho efetivocom a temática da cidade no ensino de Geografia em escolas da rede pública. Mas, elestambém indicam caminhos para a superação dessas dificuldades. É possível destacar, porexemplo, dois aspectos, com o intuito de reafirmar a pertinência de investimentos dapesquisa nesta linha. O primeiro deles está relacionado à abertura dos professores deGeografia para trabalharem com temas da cidade, por entenderem sua complexidade e porconsiderarem que ela faz parte do mundo vivido pelos alunos e por eles próprios. O segundodiz respeito à necessidade de estreitamento das relações entre Universidade e escolas deensino básico, ou mais especificamente, entre Cursos de Geografia e práticas de ensino deGeografia no ensino básico, particularmente quanto ao conhecimento e ao debate sobretemas urbanos.

O primeiro aspecto está ligado aos saberes docentes sobre a temática estudada, oque aqui está sendo tomado como elemento da cultura urbana4 . Os depoimentos e aspráticas dos professores sujeitos da pesquisa revelam sua consciência de que é precisotrabalhar com a realidade do aluno, com o mundo cotidiano do qual ele participa e de queas cidades estudadas são espaços urbanos em constante e acelerada expansão, queapresentam problemas de ordenamento territorial, muitas vezes atribuído à falta deplanejamento. Essas questões colocam responsabilidades para os formadores de professoresde Geografia, em cursos de formação inicial e continuada, de propiciar oportunidades aoprofessor de discutir aspectos relevantes do espaço urbano e de conhecer fatos e fenômenosda dinâmica do espaço intra-urbano das cidades na atualidade e em seu processo histórico.

Quanto ao segundo aspecto, é preciso destacar que as investigações geográficas, noâmbito da academia, têm evidenciado, nas cidades estudadas, como partes de um país daAmérica Latina, em seu contexto de extrema desigualdade social e elevada concentraçãode renda, ambos aspectos expressos em seu arranjo espacial interno. Como processoscorrelatos a esse contexto ocorrem: um processo de expansão intensa e rápida de suamalha urbana, acarretando em contrastes na paisagem entre áreas valorizadas e áreaspobres; uma verticalização intensa; uma fragmentação do território; uma devastaçãoambiental aliada a um comprometimento da qualidade de vida na cidade. O estudo dastrês cidades se colocado em uma escala global estão inseridas em um mundo capitalista,cujo modelo do capital destaca a flexibilidade e a tecnificação no processo produtivo,portanto há problemas que são os mesmos em proporções menores ou maiores e que

4 Entende-se cultura como uma teia de significados tecida pelo homem. Seu estudo significa compreender comoesses significados são produzidos, percebidos e interpretados, e como eles atuam no processo de identificação dohomem com seu grupo social e com o seu ambiente. Esse conceito está em íntima relação com o de identidadedo sujeito, entendendo esta identidade como aberta, provisória, histórica, contraditória (GEERTZ, 1989 e HALL,1997).

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podem ser conectadas a uma rede global. Essa realidade coloca Ijuí, Goiânia e São Paulo,inseridas, como afirmam Blanco e Gurevich (2002), em redes de relações funcionais, emmúltiplas escalas de análises.

Por outro lado, mas em profunda articulação com os aspectos abordadosanteriormente, as pesquisas acadêmicas têm também revelado essas cidades em seuselementos “imateriais” (BLANCO e GUREVICH, 2002), um conjunto variado de símbolos,representações, idéias, tecnologias. Abordando os agentes da produção cotidiana dessesespaços - sujeitos locais e globais, sujeitos que tem participação efetiva na gestão, naeconomia, mas também sujeitos que vivem cotidianamente a cidade, a consomem, aproduzem – os estudos evidenciam aspectos culturais, maneiras pelas quais as pessoas(inclusive professores e alunos de Geografia) entendem seu ambiente e suas ações nesseambiente, quais as percepções que tem do mesmo, como o simbolizam, que significadosdão a eles.

Todos esses são elementos destacados na investigação geográfica e tomados comoimportantes na composição dos saberes docentes sobre a cidade, são necessários, portanto,para compor a Geografia urbana escolar. Trata-se de ter como referência a cidade,articulando algumas áreas do conhecimento, ampliando sua compreensão pelo aluno. Edestacar, no currículo de Geografia, a cidade e a cultura urbana como tema de projetoeducativo significa compreender a sua função, a sua gênese e o processo histórico no qualfoi produzida, como conteúdo formativo e ao mesmo tempo como um método de análisedos fenômenos e das relações que os estruturam. Fazer da cidade um objeto de educaçãogeográfica busca, portanto, superar a superficialidade conceitual e estabelecer uma relaçãomais eficaz entre o saber formal e o informal sobre a espacialidade cotidiana.

Desse modo, os alunos podem descobrir que a cidade é mais do que uma decodificaçãodas informações que ela revela na sua aparência. A cidade passa a ser entendida peladinâmica do território, o que requer o uso de escalas de análise que estabelecem o nível deinterpretação do que se investiga e das escalas cartográficas para se localizar nos mapasos fenômenos geográficos.

Ao se estudar as cidades observam-se as áreas comerciais, o centro histórico, asáreas residenciais, as formas de ocupação regular e irregular, constatam-se a exclusãosocial expressa e materializada na exclusão geográfica. Desse modo, ao investigar o espaço

o aluno pode compreender o valor da cidade, estabelecer sentido ao lugar de vivência e aosítio a partir de relatos ou histórias dos moradores, pode ainda, caracterizar a paisagemobservando a complexidade dos elementos locais, incluindo as culturas locais e singulares,contextualizadas em diferentes perspectivas: econômicas, sociais, ambientais e culturais.

Essa compreensão da cidade e do espaço urbano permite a construção de um eixotemático de análise: cidade e cultura. Nesse caso destaca-se o eixo aprender a cidade quesignifica aprender que ela não é estática, mas dinâmica, para a qual fluem, por exemplo,informações e cultura. Nessa perspectiva torna-se relevante compreender a cidade comoum lugar que abriga, produz e reproduz culturas, como modo de vida materializado

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Nesse contexto, ao observar os elementos que compõem o espaço vivido, o alunoperceberá a dinâmica das relações sociais presentes na organização e produção desseespaço, bem como o significado do processo de construção de sua identidade individual ecoletiva. Nesse sentido, o estudo da Geografia auxilia na formação do conceito de iden-tidade, expresso de diferentes formas: na consciência de que somos sujeitos da história;nas relações com lugares vividos (incluindo as relações de produção); nos costumes que

cotidianamente.Também se destaca aprender com a cidade, que significa facilitar e socializar o

processo de aprendizagem com o recurso da cidade, porque os alunos poderão articular osconceitos científicos em redes de significados, e em diferentes áreas de conhecimentoescolar. Desse modo os alunos poderão elaborar roteiros a partir da observação do cotidiano,fazer leituras de cartas e mapas, além de organizar instrumentos de pesquisas para descobrir,ampliar seus conhecimentos e analisar as várias cidades e itinerários que existem em umacidade. Nesse sentido, cabe perguntar: como criar um pensamento pedagógico que torne acidade o fenômeno e o local onde se materializa a educação geográfica? Nesse contexto,

Bernet (1993) corrobora com essa análise ao afirmar:

La escuela-ciudad constituye también una estrategia pedagógica de tipopropedéutico para formar al ciudadano adulto. Así, Piaget, comentandofavorablemente el self-government, escribía: ‘Más que imponerse a los niños umestudio completamente verbal de las instituciones de su país y de sus deberesciudadanos, está efetivamente muy indicado aprovechar los tanteos del nino en laconstitución de la ciudad escolar para informale sobre el mecanismo de la ciudadadulta’ (BERNET, 1993, p. 194).

Compreender a cidade nessa dimensão pedagógica é reconhecê-la como ummeio em que a escola está inserida; a cidade não terá o papel de substituir a escolana formação educativa do aluno, ela é o objeto de estudo que dinamizará a práticadocente e tornará a Geografia mais significativa. A Geografia escolar, portanto,contribui, desse modo, para que os alunos reconheçam a ação social e cultural dediferentes lugares. A vida em sociedade é dinâmica e o espaço geográfico expressaas diferentes contradições, como as que ocorrem em relação aos ritmos estabele-cidos pelas inovações no campo da informação e da técnica e as alterações nocomportamento e na cultura da população dos diferentes lugares. Além disso,devemos considerar a dimensão temporal na cidade: observam-se diversos ele-mentos em que o tempo pode ser percebido, tanto no que se refere ao cotidianoquanto na natureza, pois o modelado do relevo, as avenidas e ruas, as indústrias eos campos, por exemplo, revelam em suas formas, simultaneamente, o passado eo presente. Todas as dimensões presentes na cidade resultam do processo de pro-dução e de organização do espaço geográfico, analisado a partir das relações so-ciais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. No eespaço geográfico encon-tramos objetos técnicos, transformados ou não; nele há relações simbólicas eafetivas, que revelam as tradições e os costumes.

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resgatam a nossa memória social; na identificação e comparação entre valores e períodosque explicam a nossa identidade cultural.

Dessa forma, o olhar geográfico do aluno pode ser estimulado ao comparar diferen-tes lugares e escalas de análises, possibilitando superar a falsa dicotomia existente entre olocal e o global, superando o senso comum na ordenação concêntrica dos conteúdos geo-gráficos, que acaba gerando um discurso descritivo do espaço geográfico. Nesse caso,destacamos a importância de se estabelecer relações entre essas escalas, criando condi-ções para que o aluno ordene os espaços estudados, comparando os fenômenos geográfi-cos, ampliando a idéia de escala.

Essa idéia se reforça, com as assertivas de alguns autores, como Callai (2003) eBatllori (2002, p. 11), que chamam a atenção sobre a importância de se eleger uma escalade análise e em seguida outra, para que o aluno consiga explicar o processo de generaliza-ção dos elementos e fenômenos de uma área, porque em função da escala pode-se perdera noção de conjunto ou de detalhes do que está se estudando.

A interpretação dos fenômenos geográficos ganha significado quando o aluno en-tende a diversidade da maneira como se dá a organização dos lugares, quando compreendeo conceito de território. Por isso reafirmamos que a leitura de mapas e a elaboração demapas cognitivos são imprescindíveis para a compreensão do discurso geográfico.

Destacamos, ainda, que não se trata de ensinar a cidade de modo tradicional, ape-nas definindo lugar e sociedade local. É preciso ter em conta todos os aspectos que estabe-lecem a organização da cidade, as relações entre os diferentes lugares, a cultura dos gru-pos sociais, a economia e o processo histórico que operam em múltiplas escalas.

Trata-se de criar espaços de encontros e análises junto com os membros das comu-nidades, que despertem a curiosidade para o saber e que superem as práticas pedagógicasque reproduzem esquemas rígidos de aprendizagem. Todas as cidades educam, à medidaque a relação do sujeito, do habitante, com esse espaço, é de interação ativa e dialética, esuas ações, seu comportamento e seus valores são formados e se realizam com base nessainteração.

Porém falar em cidade educadora no contexto do ensino de Geografia significadestacar a possibilidade de, pela mediação da escola e do trabalho escolar com a Geografia,viabilizar esse projeto, objetivando com essa mediação a formação de cidadãos queconheçam, de fato, a cidade em que vivem, que compreendam os lugares como locaisproduzidos segundo projetos sociais e políticos determinados e que, sendo assim, suaparticipação nessa produção é viável, desejável e pode contribuir para que seja garantidanela a melhor vida coletiva possível. O desafio que se coloca então é como interligar osaspectos teóricos, os resultados empíricos da pesquisa realizada nas três cidades e osencaminhamentos pedagógicos num contexto da geografia escolar. Neste sentido éfundamental discutir os currículos da formação do professor, aprofundar a discussão sobrecidade educadora e articular a essas questões a produção de metodologias que permitamavançar no ensino da Geografia. Isso tudo, por entendermos que esta é uma disciplina

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escolar capaz de contribuir na formação dos jovens do século XXI.

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Recebido para publicação dia 05 de Abril de 2007

Aceito para publicação dia 18 de Maio de 2007

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O LUGAR DA ESCOLA NA

CIDADE: A ESCOLA NORMAL

DA PARAHYBA NO INÍCIO DO

SÉCULO XX*

THE PLACE OF THE SCHOOL INTHE CITY:

THE NORMAL SCHOOL OFPARAHYBA IN THE BEGINNING OF

THE 20TH CENTURY

EL LUGAR DE LA ESCUELA EN LACIUDAD

LA ESCUELA NORMAL DEPARAHYBA A INICIOS DEL SIGLO

XX

Carlos Augusto deAmorim Cardoso

[email protected]

* Trabalho parcialmente financiadopelo CNPq. Agradeço os comentários/indicações dos pareceristas, queproporcionaram uma essencial revisãodo artigo.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n . 28 p. 109-128 Jan-Jun/2007

Resumo: O artigo procurou analisar, através das ações dosadministradores públicos e da construção do edifício da Escola Normal,o processo de modernização da cidade da Parahyba do Norte, atualcidade de João Pessoa. As ações que auxiliaram a compreensão desseprocesso vinculam-se às noções de urbanidade, de disciplina, de bemestar, de higiene e de educação moral. O surgimento de cadeiras especiaisna Escola Normal, a instalação de um Serviço de Higiene e as reformasda instrução são aspectos que denotam a vida urbana na escola. O textofoi produzido como resultado da coleta de artigos e reportagens daRevista Era Nova e do Jornal O Educador, no Instituto Histórico eGeográfico Paraibano e de documentos oficiais (atas, relatórios, leis)da Assembléia Legislativa e do Arquivo Histórico da Fundação EspaçoCultural do Estado - FUNESC. O artigo conclui que, para definir olugar da escola na cidade, um lugar para a Escola Normal, seránecessário compreender o conjunto de forças sociais, os mecanismosde sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituaissimbólicos das representações da monumentalidade para avaliar assignificativas diferenças dos lugares na cidade.Palavras-chaves: Modernidade; Didática urbana; Escola; Ensino degeografia; História da educação.

Abstract: In this paper we discuss the modernization process of thetown of Parahyba do Norte. We focus on the public administrationsactions and the construction of the building of the Normal School. Weused the notions of urbanity, discipline, welfare, hygiene and moraleducation to really help us to understand that process. Special subjectsin the Normal School, a hygiene service and the reforms of the instructionare aspects which show urban life in the school. This text is a result ofour research on papers and articles of Nova Era Magazine and OEducador Journal, in the Historical and Geographical Institute, andofficial documents of the Legislative Assembly and Historical File ofthe Fundação Espaço Cultural do Estado–FUNESC. The paperconcluded that we need to understand the social forces, the mechanismsof space overvalue and the value of the land, and the symbolicrepresentations of monumentality to define the place of the school inthe town, a place to the Normal School.Keywords: Modernity; Urban didactic; School; Geography teaching;History of education.

Resumen: El artículo procuró analizar, a través de las acciones de losadministradores públicos y de la construcción del edificio de la EscuelaNormal, el proceso de modernización de la ciudad de Parahyba do Norte,actual ciudad de João Pessoa. Las acciones que auxiliaron lacomprensión de este proceso se relacionan con las nociones deurbanidad, de disciplina, de bienestar, de higiene y de educación mo-ral. La creación de asignaturas especiales, el establecimiento de unServicio de Higiene y las reformas de la instrucción son aspectos quemuestran la vida urbana en la escuela. El texto se construyó mediantela recopilación de artículos y reportajes de la Revista Era Nova y delPeriódico O Educador, en el Instituto Histórico y Geográfico Paraibano,y de documentos oficiales (actas, notas, leyes) de la Asamblea Legislativay del Archivo Histórico de la Fundación Espacio Cultural del Estado –FUNESC. El artículo llegó a la conclusión de que para definir el lugarde la escuela en la ciudad, un lugar para la Escuela Normal, seránecesario comprender el conjunto de fuerzas sociales, los mecanismosde supervaloración del espacio y del valor del suelo, así como los ritualessimbólicos de la representación de la monumentalidad para evaluar lasdiferencias significativas de los lugares en la ciudad.Palabras clave: Modernidad; Didáctica urbana; Escuela; Enseñanzade la geografía; Historia de la educación.

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Quando se trata de crianças, brigar e se amar parecem ir sempre juntos (P. Kropotkin)

Para Pedro e André

Intr odução

O texto ora apresentado resulta da pesquisa Escola e Modernidade na Paraíba(1910-1930)1 , que teve como objetivo central analisar e compreender a relação entre asreformas (educacionais e urbanas) e remodelações que se passaram na cidade da Parahybado Norte, atual João Pessoa e na Escola Normal da Parahyba no período de 1910 à 1930.

Através da coleta e da identificação dos dados nos arquivos da AssembléiaLegislativa (documentos, atas e leis), no Instituto Histórico e Geográfico Parahybano(material cartográfico, fotográfico, jornalístico e de revistas), no Arquivo Histórico daFundação Espaço Cultural do Estado - FUNESC (relatórios, documentos e jornais) e noEndereço Eletrônico http://www.crl.edu/content/brazil/pari.htm (mensagens dos Presidentesda Província à Assembléia Legislativa), foi possível reconhecer os conteúdos das açõesdos administradores públicos e da dinâmica social. As análises dos documentos e dasfontes permitiram examinar parte da morfologia da cidade, a localização de prédiosescolares, a política da instrução e do higienismo. Nesse texto ora apresentado, tentamosdemonstrar as reflexões, as sínteses provisórias das relações da escola, e em especial daEscola Normal com a cidade.

A Parahyba do Norte no contexto da modernização brasileira

Qual a cidade antiga brasileira não conheceu a sua Rua Direita, a Rua do Colégio?Da Alfândega? ou Do Comércio? Na cidade da Parahyba tal demarcação está presente,denunciando as atividades que ali aconteciam. Esta plasticidade é uma das característicasdas cidades brasileiras.

A partir da primeira metade do século XIX, a transferência da sede do governoportuguês para o Brasil, a abertura dos portos e a independência foram conjuntos deacontecimentos que são imprescindíveis para analisar os núcleos urbanos.

Tais aspectos são condições preliminares para que as capitais de províncias, quasetodas no litoral, tornem-se centros político-administrativos importantes, dando nova vidaaos núcleos urbanos. A intenção de criar uma elite capaz de governar o país acarreta afundação de algumas faculdades (no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Salvador), o queestimula a vida urbana. Decerto que a capital da Parahyba, como centro político-administrativo desde a sua fundação (a Parahyba do Norte já nasce cidade em 1585), já

1 A pesquisa contou com a participação de Tamara Dayse Bomfim de Aguiar e Tâmara Antas Siqueira, bolsistasdo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico da e da Universidade Federal da Paraíba - PIBIC/CNPq/UFPB.

CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...

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exercia tal função na província. Contudo, é certo também que o Lyceu Parahybano écriado por Lei provincial em 1836, após a independência. Tais fatores são importantespara compreender que numa cidade extraordinariamente insignificante do ponto de vistaurbano, fosse possível criar um “espírito escolar”.

É certo também que a abolição, as redes de transportes e a imigração não foramsuficientes para alterar a orientação da economia, mas a cidade, centraliza as criações,cria tudo. “Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade isto é sem relações”(LEFEBVRE, 1999, p. 111).

O crescimento da cidade da Parahyba, desde o século XVI, acontece à serviço dasrelações internacionais e do processo de colonização. Concentra suas atividades econômicasnas grandes propriedades exportadoras e está imersa numa estrutura de base agrária, com“poucos inputs de urbanização”. Os impulsos para o progresso, principiados no início doséculo XX no governo João Machado (1908-1912), estenderam-se até os anos trinta,passando pelos governos de tradições liberais e oligárquicas: Castro Pinto (1912-1916),Camilo de Hollanda (1916-1920) e Solón de Lucena (1920-1924), sustentáculos da políticade Epitácio Pessoa

2. Nesse período destacam-se as primeiras implementações de porte no

que diz respeito à equipamentos urbanos e à modernização: abastecimento d’água (1911),iluminação elétrica (1914) e sistema de transportes de bondes (1914).

Não resta dúvida que a Escola Normal, criada no final do século XIX (1884), estáno interior desse processo de estímulo ao crescimento urbano, progresso e modernização,procurando o seu espaço na cidade e consolidando-se 30 anos depois.

No governo de João Machado e governos consecutivos de Castro Pinto, Camilode Holanda e Sólon de Lucena, a urbanização que passava a cidade da Parahyba estavafirmada na capacidade do poder público de dotá-la de um aspecto limpo, com iluminação,com alinhamento de ruas, em condições salutares e com espaços públicos. No final dadécada de 1910 e início da década de 1920 do século XX, as noções do higienismointensificam-se e os espaços passam a ser pensados como finalidade, com ordem políticae social3 .

Monarcha (1999), em “A Escola Normal de São Paulo e a Reforma Urbana” buscaespecificar a maneira que uma certa concepção funcional de cidade obedece à racionalidade“moderna” dos administradores da Província de São Paulo. À semelhança de outrasprovíncias, nas décadas de 1910-20 do século XX, a cidade Parahyba do Norte começa aperder pouco a pouco o seu aspecto colonial e passa a ser dotada de manifestações modernas.Cabe lembrar que a função educativa de bem estar e higiene e as noções do espírito

2 Deputado à Assembléia Nacional Constituinte (1890-91), deputado federal (1891-93) e ministro da Justiça eNegócios Interiores (1898-1901), procurador da República (1902-05), ministro do Supremo Tribunal Federal(1902-12), senador pela Paraíba (1912-19), assumiu a presidência do País em 1919.3 Segundo Abreu (1996), desde o final do século XVIII, o pensamento higienista já havia penetrado no Brasil.No início com pouca repercussão, as idéias higienistas foram ganhando força com a institucionalização doensino médico no país.

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cosmopolita derivam das reformas urbanas. A cidade redefine as relações de poder noespaço urbano que se modifica e por sua vez modifica a escola: a cidade colonial se vêcada vez mais distante e os espaços públicos, ruas, praças e escolas da cidade modernacada dia mais presente.

As reformas urbanas e as reformas educacionais encetam um novo viver-fazer dentroda cidade e nas novas relações que se estabelecem; a sociedade começa a exigir umacidade moderna onde impere o modo de vida urbano. Assim, na morfologia urbana dosdois primeiros séculos de existência de Brasil, eram os edifícios religiosos as construçõesque se destacavam. Isso se deu em cidades como Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Belém,São Luiz e Olinda ou em São Paulo. Nesta última, o Pátio do Colégio é o início da cidadena visão dos Jesuítas.

A cidade da Parahyba do Norte apresentava-se de forma análoga àquelas. Terceiracidade mais antiga do país, as edificações religiosas grafaram a sua morfologia. Nostempos iniciais de sua formação territorial, as edificações religiosas grafaram uma cruz,símbolo do cristianismo, que exprimia a disposição da ocupação dos templos na cidade:na “cabeça” da cruz, ao Norte, a Ordem dos Franciscanos; aos “pés” da cruz, ao Sul, aOrdem do Jesuítas; no “braço esquerdo”, a Oeste, a Ordem dos Beneditinos e a Leste, no“braço direito” da cruz, a Ordem dos Carmelitas.

No que diz respeito às renovações pedagógicas Kulesza (2005) nos brinda com

uma arguta análise das ações no campo educacional:

No seu clássico estudo histórico sobre o ensino na Paraíba, José Baptista deMello, para louvar a renovação empreendida no governo Castro Pinto(1912–1916), modernidade que faria com que seu nome viesse a designaranos depois o primeiro aeroporto do Estado, ressalta suas ações no campoeducacional. ‘Para iniciar, comissionou o Professor Francisco Xavier Junior,Diretor da Instrução, para, no sul do país, estudar os mais adiantadosprocessos de ensino, a fim de adaptá-los entre nós’, afirma Mello pondo emevidência o desejo modernizador daquele Presidente do Estado (1996, p. 81).Esse trânsito pelo que constituía então o eixo norte-sul, vinha seintensificando desde o início do século XX com a paulatina concentração daeconomia no território que hoje compõe a região Sudeste (KULESZA, 2005,p. 1).

A existência material de um novo espaço urbano que se pretende mais amplo ecomo fator de estímulo para as noções de progresso, de modernidade e de modernização,também estão realçadas nos estudos históricos sobre a expansão dos grupos escolares na

Paraíba:

A ‘instrução generalizada’, como fator de ‘progresso’, foi sistematicamente defendidapela elite paraibana e esteve condicionada à difusão dos ideais positivistas, implantadosno Brasil desde meados do século XIX (...) predominando a convicção de que ampliandoa oferta de instrução pública esta propiciaria a ordem e o progresso que, para muitos,tratava-se de ‘questão da sobrevivência nacional’ (PINHEIRO, 2001, p.130).

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Do mesmo modo, em estudos históricos sobre as tramas, os encontros e desencontrosda cidade com a modernidade, verifica-se a existência das noções de progresso e de

civilização:

Na Parahyba do Norte, a influência européia foi absorvida e, embora não tenhaexperimentado reformas modernizantes tão intensas quanto no Rio de Janeiro,não deixou de haver a tentativa de alinhamento dos padrões de civilização,progresso e desenvolvimento europeu. A atuação dos Presidentes de Estado ePrefeitos da Capital demonstrava uma certa obsessão em construir uma cidadeesteticamente moderna (ARAÚJO, 2001, p. 62).

Em similar diapasão, Nunes (1994) afirma que a escola reinventa a cidade atravésdo paradigma de moderno, delineado no Brasil em fins do século XIX e início do séculoXX na cidade do Rio de Janeiro, propiciando que a escola seja um centro de ressonânciae amplificação da vontade de mudar:

Uma nova leitura do urbano era paulatinamente construída pelo esforçoideologizador de toda uma geração de educadores. (...) Havia uma culturaurbana em processo acelerado de transformação a ser decifrada e cabia àescola ensinar hábitos que ajudassem as crianças mais pobres a interpretara realidade (NUNES, 1994, p. 197).

Dessa maneira, a cidade e a escola tornam-se efetivos locais onde a cultura setransforma e onde se afirma a língua nacional e a identidade racional. Para as sociedadeseuropéias, os progressos da Ordem Pública já são sentidos nos séculos XVII e XVIII,onde, em cada cidade, ao se identificar os crescimentos demográficos constantes, sãotraçadas técnicas de ensino de alfabetização e de instrução. Tais técnicas utilizam-se daleitura dos estandartes, cartazes e placas de ruas para instruir os pobres em história, artes,pesos e medidas e profissões. A rua torna-se uma escola, um teatro de pedagogizaçãorecreativa que objetiva reforçar a nação, favorecendo uma leitura urbana de múltiplasformas. As cidades e as escolas, deste ponto de vista, passam a ser o lugar do movimentodialético das “necessidades, desejos e prazeres” (CAMBI, 2001).

Na Parahyba, o século XIX pouco difere dos séculos anteriores, embora indique oinício do desprestígio da aristocracia rural (LEWIN, 1993). A lentidão das transformaçõesmantinha a cidade “pequena, antiquada, carente de diversos equipamentos urbanos” e“chama atenção sua paisagem natural e peculiaridades de umas poucas edificações”.(AGUIAR e MELLO, 1989, p. 75). A cidade expandiu-se mas conserva boa parte dafisionomia do campo. Assim, do ponto de vista dos ideários da República, a Parahyba “aofinal do século XIX, era uma região em decadência econômica e política e não se distinguiapela pujança do movimento republicano” (CARVALHO, 1990, p. 67).

No entanto, no século XX, as implementações modernas e uma série de residências

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são construídas: casarões, templos religiosos, escolas e as sedes de órgãos públicos irãocompor os maiores destaques das edificações da cidade.

Diante disso, a cidade da Parahyba e seus atores sociais irão construir a concepçãode manutenção da ordem oligárquica ao mesmo tempo em que propugnam as necessáriasreformas instrucionais indicadas pelo atualismo republicano, induzindo à emoção cívicapara produzir frutos didáticos na nova ordem. Nesse sentido, a escola reúne os instrumentaisessenciais que podem transmitir as noções de cidade moderna e de urbanização comofatores necessários para a construção de uma vida urbana.

Os estudos sobre o desenvolvimento da escolarização na Primeira República,centrados na organização da escola pública de São Paulo (NAGLE, 2001; MONARCHA,1999), não têm conseguido reproduzir seus resultados quando aplicados às realidadesregionais. O descompasso entre a urbanização e a industrialização nessas regiões, tornoumais complexas as relações entre educação e sociedade. O processo de constituição de ummercado nacional centrado no Sudeste, em plena vigência do federalismo, expunhacontradições que afetavam a emergência de uma escola destinada simplesmente a prepararpara a “ordem e o progresso”. A desigual distribuição geográfica da mudança nas relaçõesde produção propiciada pela moderna indústria, confrontava-se com os objetivos de umaeducação nacional sob a égide do Estado.

No âmbito do ensino, em especial o da Geografia, os nexos da modernizaçãorepublicana explicitavam os lemas da inspiração evolucionista e positivista. Podemosrecordar a importância do ensino da Geografia naqueles anos do início do século XX. Noinício de janeiro do ano de 1913, o governo da Parahyba recebe a letra e a música do hinoda bandeira nacional. Os versos de Olavo Bilac são distribuídos para as escolas locaispara serem ouvidos, juntamente com o hino da independência, o da Republica e o daParahyba e serem tocados “em dias determinados de cada mez”. Cânticos patrióticosentoados em “côros infantis organisados pelas escolas publicas” e ao som da “musicamarcial pelas escolas primarias de ambos os sexos, em edifícios apropriados como exercíciosde canto coral e educação cívica”. O diretor da instrução pública, Dr. Xavier Júnior, é oencarregado de agendar as “patrióticas visitas” do Presidente do Estado Castro Pinto àsescolas. Na ocasião da saudação dos “símbolos sagrados da nossa nacionalidade” honrasserão dadas “ao governo genuinamente republicano, altruisticamente emprehendedor eamigo, que quer fazer do povo parahybano, uma nobre força, trabalhando pacificamentepela Republica e pela Pátria!” (A UNIÃO, 1913).

Essas noções de pátria e de nação já eram objetos de observação do ensino degeografia no alvorecer da República. José Veríssimo (1985), em seu clássico EducaçãoNacional, no capítulo intitulado Geografia Pátria e a Educação Nacional, propugnavaum ensino de geografia voltado para o enaltecimento da nação e da pátria. Este movimentoexprime uma filosofia da educação que instrumentalizará a cultura brasileira atéaproximadamente os anos de 1930. José Veríssimo, como um dos expoentes máximosdesta filosofia e republicano de primeira hora, propugnava a educação leiga, inspirada

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nos grandes interesses humanos e na experiência da ciência universal, revelando suaanuência a uma filosofia evolucionista e positivista. A crítica que este autor formula àeducação - e à geografia em particular - em fins do século XIX, diz que o sistema geral de

instrução não merece o nome de educação nacional, pois

em todos os ramos é apenas um acervo de matérias sem nexo e lógica, e estranhocompletamente a qualquer concepção elevada de Pátria (...) Nas escolas, aGeografia é uma nomenclatura de nomes europeus principalmente; a Geografiapátria, quase impossível de estudar pela ausência completa dos elementosindispensáveis, resume-se a uma árida denominação (VERÍSSIMO, 1985, pp.53-54).

Percebe-se, assim, que a noção do autor d’Educação Nacional estava baseada nabusca da formação da idéia de pátria, de nacionalidade, da identidade brasileira e doprincípio federativo. O seu estudo avalia o ensino da geografia de sua época como“lamentável” e feito por uma “decoração bestial e a recitação ininteligente da liçãodecorada”, cheio de lacunas no que diz respeito a materiais com mapas, cartas e globos.Sobre os nossos livros exclama que são

mal pensados e mal escritos, carecem inteiramente de valor pedagógico. (...)limitam-se à enumeração seca das cidades, à indicação do bispado a que pertencem,à divisão judicial, ao número de representantes, calando completamente as notíciasmuito mais úteis sobre o clima, a configuração física, o regime das águas, osprodutos e as zonas de produção (VERÍSSIMO, 1985, p. 94).

Na verdade, Veríssimo deseja uma geografia da sua terra, que deveria ser melhorconhecida em seus aspectos pitorescos e paisagísticos. É portanto deste modo que nocapítulo que trata da geografia, no livro mencionado, reivindica, no interior do seu projeto

de nação, um brasileiro para nos dar a “nossa geografia”:

O que sabemos da geografia da nossa Pátria, das feições características do seusolo, dos seus habitantes de outras zonas que não são nossas, sabêmo-los pelosestrangeiros. Foram os Castelnaus, os Saint-Hilaires, os Eschweges, os Martius,os Burtons, os Agassiz, os Bates, os Wallaces, os New-Wieds, os Hartts e os Steinensque nos ensinaram a geografia da nossa Pátria. (...) Que desamor profundo doPaís está este fato a revelar! Entretanto, o conhecimento do País em todos os seusaspectos, que todos se podem resumir em - geográfico e histórico - é a base de todoo patriotismo esclarecido e evidente. Por isso, a geografia do País, inteligentementecompreendida e ensinada, é por assim dizer a base de toda a educação nacionalbem dirigida (VERÍSSIMO, 1985, p. 96).

Esse modelo de ensino de geografia se multiplica, rechaçando os métodos que nãofossem estritamente geográficos e massificando os conhecimentos escolares nos currículosdas escolas brasileiras em todos os níveis dos sistemas educacionais. É neste modelo quea excursão geográfica surge como um método ativo, sugerindo que o principal objetivo do

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ensino da geografia deve ser aquele que educa os “sentimentos do belo e da pátria”Esses princípios republicanos se farão presentes em muitos conteúdos escolares.

No período de 1910-1930, as escolas secundárias e de formação de professoras utilizarammateriais didáticos que reproduziam aqueles princípios. Podemos citar: “Lições de LínguaMaterna” de Francisco Xavier Filho publicado em 1907, “Pontos de História do Brasil”de Eudésia Vieira, “Geografia Elementar adaptada às Escolas Publicas Primarias” deTancredo do Amaral e “Escola Pittoresca” de Carlos D. Fernandes, para ficarmos noslivros adotados na Escola Normal e nas escolas primárias paraibanas.

A cidade e a escola na modernidade: a Escola Normal da Parahyba

A relação da cidade com a escola tem o espírito do tempo. A forma da cidade, emcada época, responde ao espírito do tempo dela mesma. A cidade pode ser analisada namodernidade como local onde se desenrolam as atividades e manifestações de seushabitantes; onde se registram os sentimentos de identidade coletiva, as percepções subjetivase experienciais. Esta importante perspectiva seria uma maneira de fixar a cidade no campoeducativo; e relevante porque os ordenamentos e a disciplinarização urbanas estão situadosno mesmo projeto de modernização do ensino e da cidade, pelo menos é o que nos ensinao grupo modernista GATEPAC (MOSER, 1933, p. 28).

Mas, ainda que a modernização – e os modernistas - esteja assentada na cidade,as décadas de 1910-1930 do século XX não eram apenas construções de escolas grandiosas,tais como a da Escola Normal da Parahyba. Eram tempos de escolas isoladas; como a da“D. Diná Carneiro Monteiro”, “D. Zinha”, “D. Maria Araújo”, “D. Dulce Aragão” naParahyba (BRITO, 1989). Tempos e espaços que se combinam com a escola da “D.Olímpia” e do “Professor Teófilo”, na cidade do Rio de Janeiro (NUNES, 1994).

Todavia, enfatizar a formação de um sistema escolar para a formação de professoresseria a conexão apropriada dos modernizadores da cidade do período republicando de1910 à 1930. Através das transformações e das investidas dos administradores públicos eda sociedade, a cidade da Parahyba configura-se como célula de progresso e crescimento.Sendo assim, a escola e a educação compartilham com a cidade o caráter disciplinador deque se necessita para construir o progresso, provendo-a de infra-estrutura de serviços.

Durante tal período, urbanizar era sinônimo de sanear, embelezar e iluminar.Segundo Trajano Filho (1999), a “abertura da Avenida João Machado, durante aadministração do presidente da província João Machado (1908–1912), que indicava ocrescimento da cidade em direção as Trincheiras4 no início da década de 1910, pode serconsiderada como o marco inicial dessas reformas”. (TRAJANO FILHO, 1999, p. 4).

Do mesmo modo que cabia sobretudo ao Estado a formação de um sistema escolar

4 A rua das Trincheiras era a principal ligação rodoviária da cidade de Parahyba do Norte com a cidade do Recife.

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e a construção de edifícios para a educação e para a cultura, o calçamento das ruas, osalargamentos para passagens de carroças e de automóveis, a colocação de postes deiluminação pública e a criação de linhas de bondes ligando os subúrbios ao centro dacidade, tornaram-se parte muito importante dos investimentos do Estado para atribuirqualidade ao novo mundo urbano. Um documento do órgão responsável pelas finanças daProvíncia nos revela o interesse da administração num conjunto modernizações:

Contrato que faz o Estado para execução e exploração dos serviços de iluminaçãopública e particular, distribuição de força eletro motora, e eletrificação daslinhas de bondes desta capital... (...). A iluminação compreende as praças eruas e terá início ao anoitecer, terminando ao amanhecer; (...). Osconcessionários ficarão obrigados a eletrificar as linhas de bondes atualmenteexistentes entre a Praça Álvaro Machado, Tambiá e Trincheiras e, fazer o tráfegoda ferrovia de Tambaú por tração elétrica, a vapor ou por meio de automóveis(FUNESC, 1910).

Uma década depois, a revista de costumes Era Nova, reproduz a mensagem de fim

de ano do Prefeito do município, Guedes Pereira, que, num tom futurista5 , diz:

A cidade, sob seus influxos ganha novos encantos, perde pouco a pouco o seusaturno aspecto colonial e adquire foros de uma formosa e bem cuidadametrópole. Enquanto isso novas avenidas são abertas, em aprazíveis localizaçõespara o alargamento de nossas ruas. As finanças da municipalidade tem sidoorganizadas com o irroprochavel (sic!) critério, que constitui o traçopredominante do espírito progressista do conceituado político paraibano(PEREIRA, 1923a, p. 13).

Em maio do mesmo ano, na mesma revista, em nota intitulada “as bellezas da

cidade”, enaltece os jardins e as praças da cidade:

Uma das maiores bellezas da nossa capital e que logo encantam os nossosvisitantes, são os nossos jardins públicos. (...) A Parahyba já ganhou mesmo osforos de “cidade dos jardins”. (...) esses logradouros públicos que constituema mais bella ornamentação da nossa urbs. (...) sempre perfeitamente conservadose attrahentes os nossos jardins, o da praça commendador Felizardo, o da PraçaVenancio Neiva e o da Pedro Americo. (...) os dois primeiros, com as suasesbeltas e farfalhantes palmeiras, com os seus ficus copados, com os seusextensos tapêtes de relva, (...) emprestam a maior esthetica a nossa capital,deixando em quem nos visita a impressão de que a Parahyba é toda um grandee encantado jardim (PERREIRA, 1923b, p.5).

Apesar dos ideais reformadores dos seus diversos administradores, a cidade da

5 O futurismo é um movimento modernista surgido por volta de 1909 e atribuído a sua criação ao artista italianoFilippo Tommaso Marinetti. Baseia-se numa concepção dinâmica da vida e no combate o culto do passado e datradição.

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Parahyba do Norte e a sociedade paraibana possuíam um ritmo lento em relação a outrascidades brasileiras. Se no período de 1910 à 1930 há uma preocupação no remodelamentoe no embelezamento da cidade e engendravam-se as noções de modernidade, a inclusão deimpostos, tais como o da décima urbana6 , alinhamentos das casas nos limites da rua,calçamento, saneamento entre outras modificações que foram decorrentes das reformas, acidade e sociedade ainda se encontram intimamente ligado a uma cultura oligárquica rural,conservadora e tradicional (MAIA, 2000).

As contradições eram de várias ordens. A institucionalização da Escola Normal daParahyba dá-se no Império, assemelhando-se à Escola Normal do Rio de Janeiro. A lei Nº761, sancionada pelo presidente José Ayres do Nascimento em 7 de dezembro de 1883,transformou o Liceu Paraibano numa escola normal de dois graus, sendo o primeiro graucompreendido pelo ensino elementar destinado à formação de professor e o segundo graudestinado a um conhecimento mais prático e com um maior desenvolvimento das cadeirasdo primeiro grau. Tal Lei foi regulamentada em 30 de junho de 1884 e a Escola Normal deprimeiro grau solenemente instalada em abril de 1885 (KULESZA et. all, 1998).

Ainda no tocante às reformas escolares, o segundo governo de Álvaro de Machado(1905) inicia um conjunto de reformas educacionais, que a par do desenvolvimento doensino no Rio de Janeiro procura pelo menos no papel atualizar o ensino no Estado. Édesse período o restabelecimento do decreto de criação da Escola Normal, revogando aLei Nº 761 que criara a escola normal de dois sexos.

No governo Camilo de Hollanda (1916 a 1920), as noções de modernidade seengendravam de tal forma que seu mandato se diferenciava pela realização de inúmerasobras públicas, dentre elas o prédio da Escola Normal.

A construção de prédios de imponência e significação urbana é vista como umaforma de olhar a função educativa da cidade. Dessa maneira, a construção do prédio daEscola Normal contrastava com a deficiência da cidade em termos de infra-estrutura urbana,apesar da difusão e da propaganda das reformas na cidade e na educação. O Jornal OEducador, órgão do professorado primário, comunicava as condições das escolas da cidadeda Parahyba daqueles anos com o título “A deficiência de luz nas escolas noturnas”. Osemanário solicita atenção do diretor geral da instrução pública, através do conhecimento

de que

as casas de ensino na sua maioria, são prédios impróprios e com seriasdificuldades. A falta de luz adequada as escolas proporciona gravesconseqüências. Muitos professores levam de casa candieiros a querosene parapoderem exercer suas atividades, como os alunos, com dificuldades para ler eescrever, ascendem velas nas carteiras (EDUCADOR, 1922b).

6 Imposto do Estado em prol do melhoramento da cidade. Existiam benefícios, como a sua isenção, aosprédios construídos em favor da execução de melhoramentos da cidade. As escolas privadas e as escolasisoladas reivindicavam o benefício de isenção.

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Soma-se a isso as investidas oficiais na área de transporte e comunicação, além

das intensivas campanhas de higienização e purificação do espaço urbano, realizadas emnome da chamada “Revolução Sanitária” e inspiradas nas novas descobertas da área demicrobiologia. Era necessário “desodorizar” a urbis, em nome das novas exigências estéticase científicas da sociedade positivista do tempo. As escolas entram no ritmo das reformas ea instrução promove e reforça os vínculos com a vida urbana, criando cadeiras especiaisde higiene na escola. Na administração do Estado, é criada a Repartição de Hygiene, coma função de vacinação e revacinação do mal da varíola. Mesmo órgão responsável porfiscalizar nas escolas o cumprimento do “tríplice escopo da educação do homem –desenvolver a inteligência, formar o coração e avigorar o corpo” (LEAL, 1906).

O conjunto de regras e códigos (no ano de 1911 é criado a Polícia Sanitária paraa intimação e visitas domiciliares) que a cidade passa a possuir reforça a vida urbana. Aescola e a Escola Normal em particular passam a ser reconhecidas como uma instituiçãosocial que contribui com a reorganização do espaço territorial da cidade. A década de1910 será a primeira consolidação das duas mais importantes escolas da cidade da Parahybado Norte: a Escola Normal e o Lyceu Paraibano. São criados os regulamentos e sãoinstalados os edifícios mediante construção ou reformas e, a profissão de professoresrecebe suas primeiras regulamentações gerais. Dirigiremos nossa atenção ao processo deinstalação definitiva da Escola Normal na cidade.

A ESCOLA NORMAL PROCURA O SEU LUGAR NA CIDADE

O início das reformas educacionais republicanas na Parahyba se dá com o que seconvencionou chamar de “Alvarismo” no governo. É na administração de Álvaro Machadoem seu primeiro mandato (1892-1896) que é criada, por decreto Nº 7 de 4 de fevereiro de1893, uma Escola Normal para ambos os sexos, em substituição ao antigo ExternatoNormal, só destinado ao sexo feminino. No seu segundo mandato (1904-1908) elerestabelece o decreto nº 7 de 1893, com as modificações aconselhadas pela experiência. Éprovável que a experiência a que se refere o Presidente da Província seja a de que umaescola normal para ambos os sexos não tenha tido o sucesso esperado. Pois em mensagemoficial presente no Relatório do ano de 1905, estabelece a substituição do pessoal docentede instrução primária por normalistas, concedendo regalias e “vencimentos compensadoresda honrosa profissão do magistério”, que valoriza o título de normalista. A mensagemtermina com a expectativa de que “traçado esse rumo e seguido sem desfalecimentosteremos em breve tempo elevado à altura a que tem direito a instrucção primária nossoEstado” (MACHADO, 1905).

Diante das expectativas de modernização da escola, da formação de professoras edo acolhimento pelo Estado da profissão de professor, a escola passa a ter um papeldestacado na cidade. Para tal destaque é necessário encontrar um lugar para a escola. Édesta forma, portanto, que a escola passa a se deslocar na cidade de acordo com as

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configurações urbanas; movimenta-se no sentido de melhor adequar-se ao espaço e aoconjunto da sociedade nos seus vários aspectos simbólicos e sociais.

A geografia nos auxilia para exemplificar estas configurações no espaço urbano dacidade. Podemos traçar uma breve chorographia-chronologia do percurso da EscolaNormal na cidade da Parahyba do Norte até a sua fixação em edifício próprio: a) 1885-1905 - no 1º andar do Lyceu Parahybano, ao lado da Igreja da Conceição dos Militares; b)1905-1909 - na antiga residência presidencial e antigo Palacete da Instrução Pública,atual Biblioteca pública na Rua Nova - atual General Osório; c) 1909-1911 no térreo doPalácio da Redenção, enquanto espera reforma no prédio do Palacete da Instrução Pública;d) 1911-1919 – na antiga Residência Presidencial e antigo Palacete da Instrução Pública,atual Biblioteca pública; e) 1919-1939 - no Prédio da Escola Normal, hoje ocupado peloTribunal de Justiça do Estado e f) 1939 aos dias atuais no Instituto de Educação, junto aoatual prédio do Lyceu Paraibano.

Inicialmente no primeiro andar do prédio do Lyceu Parahybano (Foto 01), a EscolaNormal posteriormente localizou-se na atual Rua General Osório - antiga Rua Nova (Foto02). Foi desalojada em 1909 para reconstrução do prédio, pois na visão dos responsáveispela instrução, a escola encontrava-se em “prédio inadequado, sem acomodações precisas,sem mobiliário apropriado e destituídos de condições de higiene” (MACHADO, 1911),passando as aulas a funcionar em um período curto de tempo nas dependências do Paláciodo Governo, vizinho ao Lyceu Parahybano. Em junho de 1911 retorna ao seu prédio daRua General Osório em solenidade de inauguração qualificada como um momento“concorrido por um grande número de famílias e pessoas graúdas” (LEAL, 1906), sósaindo de lá em 1919, para o prédio da Praça Comendador Felizardo Leite.

FOTO 1

Lyceu Parahybano, atual Faculdade de Direito. Fonte: PARAHYBA, 1936.

Durante a passagem da Escola Normal para o Palácio do Governo em 1909, oprédio da Rua General Osório passou por reformulações gerais, sendo destruído quasetodo e ficando só as paredes mestras. Reconstruído e ampliado, chegou a desapropriaruma casa e um terreno vizinho para a instalação do grupo escolar modelo anexo. Asescolas modelos eram uma das exigências para que as alunas se tornassem mestres de

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acordo com as prescrições de um ensino ativo.A escola também passou por melhoramentos internos, sendo dotada de aparelhos de

ensino e mobiliário “decente e adequado” adquiridos em uma fábrica especializada deNova York. Foram realizadas melhorias nas condições higiênicas, substituindo as fossasfixas pelos aparelhos sanitários e seguindo os preceitos da rigorosa higiene (MACHADO,1911).

FOTO 2

Antiga Escola Normal na década de 1910, atual Biblioteca Pública do Estado.Fonte: CUNHA, 1940.

No decorrer do trajeto da Escola Normal na cidade foi se constituindo um conjuntode debates entre administradores públicos, arquitetos, professores, pedagogos e intelectuais,no sentido de proporcionar para a Escola Normal um lugar apropriado. O PresidenteCastro Pinto, em mensagem à Assembléia Legislativa no ano de 1913, compreende que oedifício da Escola Normal da Rua Nova (atual rua General Osório) não correspondia maisa seus fins. Acata a sugestão do então Diretor da Instrução Pública, Dr. Francisco XavierJunior, de desapropriar um prédio vizinho à escola para a construção da Escola Modelo,mas afirma que esta seria de caráter provisório. Segundo ele, mais sensato seria

emprehndermos a construcção de um edifício próprio, capaz de preencher todas asnecessidades dessa instituição, com escolas modelos e jardins de infância annexos, ondese instaurasse simultaneamente o primeiro grupo escolar estabelecido pelos moldes paulistas(PINTO, 1913).

Esse debate sobre um novo prédio para a Escola Normal se prolonga durante osanos seguintes. Em 1917, dois anos antes da sua inauguração, os desenhos e os planos doedifício e da fachada do projeto arquitetônico de Octavio Freire foram mostrados ao entãoPresidente da Província, Camillo de Hollanda. Tal acontecimento suscitou exaltações naimprensa local:

Trata-se de um bello edifício de estylo neo-dorico, appropriado com muitoengenho aos fins pedagógicos pelo talento architectural do sr. dr. Octavio Freire.Os desenhos da fachada, feitos a aquarella afiguram-se-nos irreprehensiveis,pela nitidez e segurança de traço com que estão concluídos. (...) A nossaimpressão dos desenhos da fachada e dos planos foi o melhor possível. (...) O

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futuro edifício da escola Normal há de fazer honra ao governo de do sr. dr.Camillo de Hollanda, ficando como um eloqüente attestado da evolução daarchitectura na Parahyba, nestes ultimos tempos (A UNIÃO, 1917).

Para os administradores, um estilo neo-dórico e universitário caracterizava a utilidadee o embelezamento da cidade e o edifício da Escola Normal vinha a atender às aspiraçõese às exigências postas pela crescente urbanização. Pois, podemos verificar este pragmáticoplano na “Exposição de motivos” apresentada por Camillo de Hollanda, na passagem deseu governo para o governo de Sólon de Lucena:

Visando o duplo aspecto – o de sua utilidade e de embellesamento da capital,tratamos logo da construção de vários edifícios públicos, começando pelo daEscola Normal, defficientemente alojada. Esse edifício, cujas linhas sóbriascondizem precisamente com as de um estabelecimento do seu gênero, obedeceao estylo universitário, abragendo uma superfície de 892 metro quadrados,com dous pavimentos. (...) O edifício está provido de mobiliário novo eadequado, afora quadros, globos, mapas, ardósias e tudo mais imprescindívelao confôrto e hygiene de um estabelecimento dessa natureza (LUCENA, 1920).

À exemplo de outras cidades brasileiras, o edifício da Escola Normal da Parahybaé resultado de um debate de estilos, acompanhando as manifestações de estilos implantadosnoutras Escolas Normais noutras regiões; cada cidade assume uma funcionalidade eadequação de acordo com as necessidades locais e os poderes constituídos aplicam comoparâmetros as concepções organizativas de que a sociedade precisa para se apropriar dourbanismo.

A Escola Normal instalada em 1919 na Praça Comendador Felizardo, segue asnormas vigentes dos moldes escolares da época, com “prescrições higiênicas e pedagógicas,que condizem com a iluminação, ventilação e asseio das aulas e compartimentos” (AUNIÃO, 1917). O projeto arquitetônico da escola procura adaptar-se às condições dolugar, em acomodá-la ao clima tropical, com a inserção de janelas que propiciem umarenovação constante do ar e a disposição da iluminação, sem tirar a harmonia do estiloneo-dórico (Foto 3).

De acordo com o projeto, o prédio vinha atender três aspectos básicos de umaedificação escolar: estética, técnica e salubridade. A Comissão nomeada para avaliar oprojeto, composta pelos membros: Dr. Matheus de Oliveira, arquitetos Hermenegildo DiLascio e Pascoal Fiorilli, Dr. José de Azevedo Maia inspetor sanitário escolar, e Dr. JoséFructuoso Dantas professor de pedagogia da Escola Normal, dá parecer sob os pontos devistas técnico, higiênico e pedagógico da planta daquele edifício:

Todo o edifício está, a rigor, estylizado com a beleza e majestade do dóricomoderno. Obedeceu a um plano consciencioso e artisticamente elaborado depar com a techinica. A simples visão agrada e se define, tal é a correção e boamedida de suas linhas. Não terá os excessos de ornamentação nem tão pouco apolychromia que tanto mal nos faz a vista e ao espírito, estroplondo-nos osenso esthetico; talvez, por isso, a alguém possa desagradar. (...) É bem de

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ver-se, elle o elaborou, não só tendo em vista dotar esta cidade de uma bellaobra arquitetônica, mas de resolver com o maior critério pedagógico a disposiçãointerior a semelhança dos melhores estabelecimentos congêneres. Assim, afutura Escola Normal será dotada de um systema de ventilação consoante asprescrições da hygiene escolar precisamente tropical. (...) O local foiacertadamente escolhido e está, parece-me, fadado a enfaixar as melhores obras,fazendo ângulo com dous lindos jardins que concorrerão grandemente paraaumentar o arejamento (A UNIÃO, 1917).

FOTO 3

Escola Normal, atual Palácio da Justiça do Estado na antiga Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa(1930). Fonte: Rodriguez, s/d.

Abrangendo uma superfície de oitocentos e noventa dois metros quadrados, o prédioda Escola Normal na Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa, compõe-se de doispavimentos, um superior e um inferior, onde se pode encontrar salas com capacidade para60 à 120 alunos, laboratório de física, química, salão de desenho, biblioteca, salão dehonra, sala para trabalhos de agulha, salão para história natural (composta com uma salapara o museu escolar e um vestuário), vestuário, lavabo e porão, que era habitável. Amonumentalidade atendia à promoção de uma ampliação no ensino, com o ensinoprofissionalizante e a obtenção de laboratórios de química e física.

As modificações surgidas posteriormente, alterando aqui e ali a planta do edifício,devia-se à uma certa obsessão pedagógica, tão em voga, por parte dos gestores e educadoresde acompanhar as mudanças para acomodar a escola a um modelo que privilegie ascondições técnicas, pedagógicas e estéticas que favoreçam a “modernidade”.

Desta forma, o projeto da Escola Normal privilegiou a relação do espaço externocom o espaço interno. As salas de aulas do andar térreo tinham uma disposição que davama uma galeria que propiciava uma constante ventilação e uma fiscalização completa dadiretoria. De acordo com os ideais republicanos não bastava um ensino voltado só para ointelecto, era preciso também um ensino cívico mediante culto à bandeira nacional, cânticose hinos patrióticos que se intermediava na cidade pela mocidade escolar, conforme vimos

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nas prescrições de Veríssimo (1985) e nas reportagens dos jornais da época. A escola éuma estrutura material onde se coloca o escudo pátrio, a bandeira nacional e os pavilhõesnacionais, hasteando-os no início das aulas e recolhendo no final.

A Escola Normal, uma das grandes instituições escolares do ensino secundário,fazia com que quase todas as moças fossem à procura de um curso que levassem a umaprofissionalização. Esta busca e a esperança no magistério, segundo Kulesza et. all. (1998),era porque “as meninas menos favorecidas da sociedade viam no magistério a oportunidadede assumirem uma profissão”. E, aos olhos da maioria da sociedade da época, era aprofissão mais adequada. Adequada no sentido de se ter no sexo feminino a representaçãodo papel social e educativo atribuído à mãe; ou seja, caberia à mulher dar a educaçãonecessária às crianças do ensino primário.

Para as moças que não podiam ter uma profissionalização e nem serem mentesativas na sociedade, deveriam dedicar-se à aspectos de uma preparação para serem donasde casa, conforme suas vocações ao lar. Em mensagem, Sólon de Lucena (1921) explicitabem como incomodava a educação feminina voltada para o intelectual, bem como para a

vida no urbano:

Esta preparação especializada forma-lhes, unilateralmente, a mentalidade: crêa-lhes bem fundadas esperanças no ganhar a vida por meio da profissão queabraçaram: habitua-as à existência rumorosa e agitada das ruas; desacostuma-as aos labores medíocres do lar e, prepara-lhes, por sua vez a desillusão que asassalta quando, à mingua de colocação, vêem o quanto de tempo e energiasconsumiram inutilmente (LUCENA, 1923).

A vida na escola, os hábitos corriqueiros das normalistas e as delimitações do espaçoescolar eram acentuadamente reflexo e réplica da vida urbana. Cabia à escola lidar com apolítica higienizadora, bem como com as novas práxis salutares e de higiene no âmbitoeducativo, lançando as normas e princípios da modernização e sua medida no conjuntosocial. A Escola Normal, pela sua própria concepção propedêutica, e por ser uma escolaexclusivamente feminina, faz com que as meninas e damas se aprimorassem em atividadescaseiras e se profissionalizassem. Essa diferença de sexo na divisão das atividades foiobservada pelo Jornal O Educador quando

sugere a ampliação de dois tipos de conhecimento ensinados nas instituições,separando-os quanto ao sexo. Para as mulheres podemos ensinar, confecções,bordados, rendas feitas de roupas, flores, chapéus, pintura, decoração, arteculinária, datilografia, fotografia etc. . Para os homens um número mais deatividades e um ensino mais técnico: mecânica, ferraria, marcenaria,eletrotécnica, decoração, química etc. (EDUCADOR, 1921).

É possível, assim, sugerir que este espaço da cidade ou o da escola em especial

seja machista. Ao analisar a relação cidade-escola podemos levantar o debate sobre algunsargumentos de especial relevância para um estudo desta natureza: a) a distinção entre

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conflitos relativos à reprodução de idéias e os que dizem respeito ao consumo das idéias(ou mesmo de sua aplicação); b) os fatores que mediam e/ou controlam os conflitos sociais;c) a direção da atenção para as diferenciadas fontes urbanas de poder público; d) aintervenção do Estado como componente territorial, campo de análise da geografia urbanalocal, nacional e mundial; e, e) a incorporação das noções de gênero, patriarcado, oligarquiae uma sucessão de fragmentações do conhecimento na história: prendas domésticas,trabalhos manuais, economia doméstica, cursos comerciais etc. .

À maneira de conclusão

Ao supor a construção de um espaço machista na cidade no início do século XX,verifica-se que o lugar das mulheres na cidade, e de resto das professoras normalistas, éuma reinterpretação do papel do trabalho doméstico e feminino no contexto das cidades namodernidade. O espaço escolar, em seu desenvolvimento interno, é um reflexo do espaçosegmentado da cidade em processo de modernização. Do patriarcalismo herda-se o rituale o simbólico, contrastado com as contradições da clausura e da ostentação das instituiçõesescolares. Exemplo singular é o romance A Normalista, de Adolfo Caminha. Ambientadoem Fortaleza, estado do Ceará, no fim do século XIX, que mostra parte substancial doprovincianismo das elites e dos subprodutos do coronelismo.

A Escola Normal, como espaço que possui salas de conferências, gabinetes, salasde aula com separação entre meninos e meninas “representam diferentes formas retóricasde comunicação, além de cobrir determinadas funções” (FRAGO, 1998, p. 39).

Frago (1998), ao examinar as Instruciones sobre arquitetura escolar que a Direçãode Ensino Primário da Espanha publicou em 1912, afirma que as construções arquitetônicase o lugar ao qual as escolas são submetidas, bem como igrejas, templos e espaços públicos,expressavam “a função estética e simbólica que os edifícios escolares podiam desempenharna educação da infância e de toda a comunidade”, acrescentando que a “solidez dasinstituições era equivalente à solidez de seus muros”. (FRAGO, 1998, p. 35-7).

Em pesquisa recente, Capel (2005) destaca a importância e a especificidade dosestabelecimentos escolares que pedagogos e arquitetos em Espanha atribuíam aos edifíciosescolares desde meados do século XIX, manifestando os ideais sobre a construção de

edifícios escolares:

Su hermosura había de ser ‘sencilla, sin profusión de adornos’ ya que estosedificios debían ser baratos. (…) El exterior había de ser sencillo, ya que aestos edificios ‘la circunspección y seriedad los embellece, como también elemplear en ventanas y rejas materiales sólidos y robustos que correspondancon la demás decoración’. Al mismo tiempo se elaboraron normas para que laspuertas de entrada estuvieran claramente indicadas, sin muchas escaleras paralos más pequeños, ventanas amplias que proporcionasen luz a las aulas, y losmás altas posibles respecto al piso de la calle, para no quedar expuestas a lasmiradas del publico y no se interrumpiesen las tareas (CAPEL, 2005, p. 391-2).

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O referido autor prossegue demonstrando que a cidade como sede da ciência e dacultura sempre concentrou equipamentos educativos e culturais, adquirindo mais ou menosimportância em função da conformação das mentes e das atitudes.

Na Parahyba do Norte, com o crescimento da cidade e as modernizações advindasdo processo de urbanização, um sistema escolar vai sendo paulatinamente instalado eescolas vão sendo inauguradas mediante grandes festividades e grandes solenidades. Nestassolenidades, em geral, são onde se ressaltam as doações de pessoas ilustres da oligarquialocal, como podemos notar quando da “inauguração do prédio escolar Izabel Maria dasNeves, que ocupa um prédio na capital doado pelo cel. Alípio Dias Machado que deu aescola o nome de sua mãe. (...) situado na avenida João Machado (EDUCADOR, 1921).

Nesta intrincada relação, é necessário anotar que a Décima Urbana transfigura-see é aprovada a Lei 544 de 1921, que “permite aos particulares construir prédios paraescolas com a completa inserção de impostos e a garantia de 1% de rendimentos mensaissobre a quantia orçada”(EDUCADOR, 1922).

Grosso modo, como se pode ver através dos tempos, em continuidades edescontinuidades, os espaços públicos e as instituições se modificam, se produzem e sereproduzem na dinâmica da cidade. A localização da escola e suas relações com o espaçourbano responde à padrões culturais e pedagógicos que as crianças e os jovens internalizame aprendem. Luz, ventilação e asseio são elementos mecânicos que ganharam importânciano século XIX e que se relacionam com o higienismo e com a industrialização. Na Parahybado Norte, esta relação está mais articulada ao higienismo do que com a industrialização,com o republicanismo oligarca e com o positivismo científico. A escola como produto decada tempo, caminha na cidade em busca permanente de seu lugar: itinerância, fixação eestabilidade.

O que procuramos evidenciar é que para definir o lugar da escola na cidade, umlugar para a Escola Normal, será necessário compreender o conjunto de forças sociais, osmecanismos de sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituaissimbólicos das representações da monumentalidade para avaliar as significativas diferençasdos lugares na cidade. Cabe verificar que a maneira como a escola se fixa na cidade éúnica, singular. A sua extensão implica na sua identificação enquanto configuraçãogeográfica de um fixo no espaço, um prático-inerte. Ao fazer uma geografia histórica dalocalização podemos demonstrar as relações de interesses das instruções pedagógicas. Ouseja, a escola como lugar, pressupõe uma mobilidade das idéias e dos alunos na cidadeque, em maior ou menor grau, contrapõe-se à idéia de um lugar do ensino como estável efixo.

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Recebido para publicação dia 05/04/07Aceito para publicação dia 20/08/07

CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...

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O ENSINO DE GEOGRAFIA

NAS SÉRIES INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL:UMA ANÁLISE DOS

DESCOMPASSOS ENTRE AFORMAÇÃO DOCENTE E AS

ORIENTAÇÕES DAS

POLÍTICAS PÚBLICAS*

THE TEACHING OF GEOGRAPHYIN THE INITIAL GRADES OF BASIC

EDUCATION: AN ANALYSIS OF THEDISHARMONY BETWEEN

TEACHING FORMATION ANDPUBLIC POLICIES

RECOMMENDATIONS

LA ENSEÑANZA DE LAGEOGRAFÍA EN LAS SERIES

INICIALES DE LA EDUCACIÓNBÁSICA: UN ANÁLISIS DE LA

DISONANCIA ENTRE LAFORMACIÓN DOCENTE Y LAS

RECOMENDACIONES DE LAS POLÍ-TICAS PÚBLICAS

MARIA CLEONICE B.BRAGA

Profª Adjunta da UniversidadeEstadual de Feira de Santana

[email protected]

* O presente texto se constitui (compoucas alterações) num dos capítulosda tese de doutorado da autoraintitulada “Aprender e EnsinarGeografia: a visão dos egressos docurso de Geografia da UEFS(Universidade Estadual de Feira deSantana)”. São Carlos: EDUFSCar,2006.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 129-148 Jan-Jun/2007

Resumo: O presente artigo tem como preocupação central o ensinode Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental tomando comoparâmetro as demandas formativas dos docentes postas pelas políticaseducacionais a partir da década de 90 do século passado. O objetivoé analisar as possibilidades dos professores desse nível de ensino paradesenvolverem uma Geografia Crítica considerando suas formaçõespara o trabalho com a referida disciplina. A referida reflexão exigiuuma incursão em alguns estudos sobre os Parâmetros CurricularesNacionais, bem como a realização de uma breve revisão pelosfundamentos da ciência geográfica e sua relação com o ensino, revisãoessa que resultou no estabelecimento de uma classificação das atuaistendências do ensino de Geografia em dois grupos: as GeografiasInstituídas e as Geografias Instituintes.Palavras-chaves: Ensino de geografia; Séries iniciais; Formaçãodocente; Políticas públicas; Ensino instituído e Ensino instituinte.

Abstract: The present article has as a central concern the teachingof geography in the initial grades of basic education taking asparameter the formative demands to the teachers imposed by theeducational policies from the decade of 1990 of the last century. Theobjective is to analyze the possibilities for the teachers of this level ofeducation to develop a Critical Geography considering theirformations to work with the related discipline. Such reflectiondemanded an incursion in some studies on the National CurricularParameters, as well as the accomplishment of one brief revision forthe fundaments of geographic science and its relation with education,which resulted in the establishment of a classification of the currenttrends of the teaching of Geography in two groups: InstitutedGeographies and Instituting Geographies.Keywords: Teaching of Geography; Initial grades; Teachingformation; Public policies; Instituted and Instituting teaching.

Resumen: El actual artículo tiene como preocupación central laeducación de la geografía en las series iniciales de la educación bási-ca que toma como parámetro las demandas formativas de losprofesores impuestas por la política educativa a partir de la década de90 del siglo pasado. El objetivo es analizar las posibilidades de losprofesores de este nivel de la educación para desarrollar una geografíacrítica, considerando sus formaciones para el trabajo con la citadadisciplina. Esta reflexión exigió una incursión en algunos estudiossobre los parámetros básicos del plan de estudios nacionales, así comola realización de una breve revisión de los fundamentos de la cienciageográfica y de su relación con la enseñanza, revisión que dio lugaral establecimiento de una clasificación de las tendencias actuales dela educación de la geografía en dos grupos: las Geografías Instituidasy las Geografías Instituyentes.Palabras claves: Enseñanza de la geografía; Series iniciales;Formación del profesorado; Políticas públicas; Enseñanza instituiday enseñanza instituyente.

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BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

Intr odução

Os avanços capitalistas das últimas décadas do século XX vêm comandando uma

série de transformações, (re)adaptações, nas esferas econômicas, sociais, políticas, culturais,

no mundo e, em especial, nos países da América Latina. A difusão dos ideais neoliberais

foi e continua sendo necessária para garantir sua expansão e consolidação de forma

harmônica e a escola, enquanto responsável pela educação formal da sociedade, incluindo

importantes aspectos da formação para o trabalho, tem sido tratada como instituição de

grande relevância nesse processo. Isto não significa que ela (a escola) absorva, incorpore

e desenvolva essa função (de difusora da ideologia neoliberal) de forma simples e

harmônica. Seu caráter social lhe confere uma complexidade de interesses que são plurais

e contraditórios. Ao mesmo tempo em que desenvolve a função de reproduzir os interesses

hegemônicos ela também pode apresentar resistência a eles. Parafraseando Pérez Gómez

(2000), a escola possui espaços de relativa autonomia que podem ser usados para combater

a tendência conservadora de reprodução dos interesses das classes dominantes.

O Estado, apesar de ter o seu papel redimensionado frente ao avanço transnacional

do capital, se mantêm como estrutura política responsável pela criação das condições

necessárias para a implantação e movimentação desse capital nos mais variados territórios

(SANTOS, 2003). No Brasil, a aliança do Estado com o neoliberalismo tem sido

evidenciada pela criação de incentivos vultuosos a empresas estrangeiras que pleiteiam a

instalação de filiais no nosso espaço, pela privatização de empresas estatais, pela

flexibilização de direitos dos trabalhadores, pela redução dos investimentos na área social

e pela liberdade controlada do processo educacional.

É nesse contexto de expansão das políticas neoliberais e das formas como as mesmas

vêm influenciando a organização do espaço brasileiro em todos os seus aspectos e sentidos,

inclusive no educacional, que procuro analisar o ensino de Geografia desenvolvido no

nosso país nas últimas décadas, em especial o ensino nas séries iniciais do Ensino

Fundamental. A referida análise tomou por base referências teóricas produzidas nas últimas

décadas, a experiência da autora como docente de cursos de Pedagogias voltados para a

formação de alunos que já atuam como professores nas séries iniciais na Universidade

Estadual de Feira de Santana, Ba (UEFS) e em pesquisa realizada na mesma instituição

nos anos de 2000 e 2001 intitulada “A problemática da alfabetização geográfica nas

séries iniciais”.

A participação do Estado no direcionamento do ensino de Geografia nas séries iniciais:breves considerações

A atuação do Estado na área de educação pode ser analisada por vários vieses.

Aqui, limito-me a destacar essa influência no direcionamento do processo de ensino básico.

131

Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007

A esse respeito vale a pena retroceder um pouco no tempo para entender o contexto

em que são criados os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais. Segundo Spósito (2002),

durante a década de 70 do século XX ocorreu a universalização do ensino. Com o

crescimento rápido da população brasileira, cresce, também rapidamente, a demanda por

mais escolas e mais professores, principalmente para as séries iniciais do ensino

fundamental. E “[...] sem uma proporcional qualificação dos seus recursos humanos,

aviltados pelo rebaixamento dos salários, tornou-se imperiosa a necessidade de um currículo

mínimo que orientasse a ação docente no ensino fundamental e médio” (p. 298). (Destaque

da autora).

É nesse contexto que o governo passa a investir mais sistematicamente na elaboração

de documentos oficiais para servir de apoio para a grande massa de professores leigos e

semileigos que ingressavam na profissão docente. Portanto, desde essa década, os

documentos oficiais passaram “a orientar a formulação dos projetos pedagógicos escolares,

os planos de ensino, as práticas educacionais e a elaboração dos materiais pedagógicos de

apoio, sobretudo o livro didático.” (SPÓSITO, 2002, p. 24)

Na década seguinte do referido século, anos 1980, deu-se o fim do regime militar e,

concomitantemente iniciou-se um período considerado de abertura política, de maior

liberdade de pensamento e expressão, enfim, de maior democracia. Na educação, foi época

de bastante efervescência teórico-prática, de questionamentos sobre os rumos seguidos

até aquele momento pelas diversas áreas de ensino e sobre os caminhos que poderiam ser

trilhados dali em diante. Muitas secretarias de educação estaduais promoveram, em convênio

com as universidades, grandes encontros, onde professores refletiam, estudavam,

elaboravam os novos rumos do ensino em seus municípios. Foi um período de progresso,

com um claro processo de descentralização política e de formulação de currículos básicos

para o ensino fundamental e médio (ACRE, 2004; SPÓSITO, 2002).

Mas esse foi um período curto. Já na década de 90 do mesmo século, o governo,

agora civil, retomou o comando das políticas curriculares com a proposição dos PCNs.

Desde então, o ensino básico (fundamental e médio) que substituiu os antigos ensinos de

1º e 2º Graus, tem como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais.

A cada disciplina foram dedicados parâmetros gerais para servir de orientação para

o ensino. Os rumos apontados para a disciplina Geografia, nos PCNs, na visão dos críticos

educacionais da referida área, são bem mais que rumos, considerando a precária formação

e condição de trabalho dos professores, principalmente os das séries iniciais. Frente a essa

realidade, em vez de tomá-los como parâmetros, os professores, por falta de conhecimento

para compreendê-los em profundidade, tendem a adotá-los de forma superficial e, até

mesmo, equivocada, o que pode vir a ter conseqüências várias como, por exemplo, a

prática de um ensino tendencioso porque acrítico, desenvolvido com base numa dependência

técno-burocrática (do livro didático, de condições precárias de trabalho etc.) e não numa

132

efetiva assunção esclarecida da sua postura teórico-metodológica.

Entretanto, a efervescência de discussões, críticas e propostas acerca do ensino de

Geografia, desencadeadas, também1 , pelo lançamento dos PCNs, é bastante positiva, pois

é um processo que tem alimentado o debate na área e, pela diversidade teórica nele presente,

tem trazido contribuições bastante plurais que estão promovendo, no mínimo, inquietações

naqueles que são os responsáveis diretos pelo desenvolvimento da disciplina, os professores.

Isso significa que, ao falar de ensino de Geografia, há dois movimentos a considerar: o

ensino desenvolvido de fato nas escolas (que não é uno), aqui denominados ensinos

instituídos, e os ensinos instituintes, representados pelas propostas ou tendências teórico-

metodológicas que, na atualidade, combatem o ensino tradicional e que lutam para se

tornarem instituídos.

Em outras palavras, os ensinos instituídos são formados pelo conjunto das práticas

já desenvolvidas com os alunos; aqueles que conseguiram sair da condição de projeto ou

proposta pedagógica e se estabelecer enquanto prática. A luta por esse estabelecimento é

que caracteriza os ensinos instituintes, luta essa que é dinâmica e histórica. Em cada

momento histórico existiu e existirá ensino(s) instituído(s) e instituintes, os primeiros

estabelecidos e os últimos tentando se estabelecer.

Na prática, essa divisão entre ensinos instituídos e instituintes não é algo identificável

empiricamente, facilmente percebível no exercício docente, até porque eles coexistem em

maior ou menor grau. O ensino tradicional de Geografia, predominantemente desenvolvido

nas séries iniciais do Ensino Fundamental (aqui tratado como o instituído), convive com

alguns traços das propostas instituintes, sejam as oficiais (como os PCNs, que apresentam

uma visão mais humanista e que se autodenominam ecléticas do ponto de vista teórico

filosófico), sejam as não-oficiais (que apresentam uma visão mais crítica da Geografia,

fundamentadas em referenciais marxistas e neo-marxistas).

O ensino de Geografia nas últimas décadas: caracterização e fundamentos (onde osinstituintes começam a serem instituídos)

Ao se falar em ensino de Geografia no Brasil, faz-se referência, geralmente, a duas

grandes tendências: as tradicionais e as “atuais tendências”, que por sua vez são mais

conhecidas na literatura geográfica como Geografias críticas.

De uma forma geral, não existem muitas polêmicas quanto às características do

ensino tradicional de Geografia e nem quanto às suas funções políticas e ideológicas no

1 Na verdade, o movimento de crítica ao ensino de Geografia já vinha sendo construído nasuniversidades, desde a década de 80.

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

133

nosso meio teórico. Embora também esteja adotando o uso do referido termo, considero

importante o desenvolvimento de estudos que questionem e investiguem com mais

profundidade a pseudo homogeneidade metodológica com que o ensino tradicional é, em

geral, mostrado. Afinal, se entendemos o ensino como uma atividade que envolve sujeitos

sociais (alunos e professores), é importante atentarmos para o seu caráter plural e

contraditório. Ou seja, tanto pode reproduzir interesses hegemônicos (como o fez!), quanto

pode combatê-los, contestá-los. Entretanto, devido à insuficiência de tempo e de espaço

para a realização de uma investigação no interior desse recorte me contento em apresentar

alguns traços do que já foi produzido para construir um perfil (bastante sintético) do que

tem se convencionado a chamar de ensino tradicional de Geografia.

Carvalho (1998) chama a atenção para a função ou o papel político da Geografia,

através da forte relação entre o seu surgimento como disciplina no final do século XIX, a

formação dos Estados nacionais e a emergência do capitalismo industrial na Europa.

Segundo a autora, nesse contexto a Geografia tornou-se uma disciplina importantíssima.

E indaga:

Qual além dela (Geografia) deteria melhor escopo teórico – metodológicopara cientificamente auxiliar na criação e no fortalecimento dosentimento nacionalista, tão necessário para a consolidação dos estadosnacionais? (E mais): a idéia de país deveria vir a fazer parte doimaginário coletivo, e nesse sentido a escola e a Geografia foram muitoeficientes. É a Geografia que vai veicular conceitos importantes como ode país, apresentado basicamente no seu aspecto territorial e como setudo fosse eterno. (CARVALHO, 1998, p.29)

Com relação à criação do sentimento nacionalista vale lembrar que os recém-criados

Estados-nações “necessitavam” envolver as populações em torno de ideais comuns, de

sentimentos comuns em relação aos espaços que acabavam de serem reunidos para formar

os novos Estados. Nesse sentido, a escola foi um dos instrumentos fundamentais na

divulgação desses ideais e formação dos valores nacionalistas. A participação da Geografia

como disciplina foi importante para inculcar o sentimento patriótico através do ensino de

um espaço homogêneo, delimitado territorialmente, despolitizado nos seus diversos aspectos

(sociais, políticos, físicos, culturais). Se, por exemplo, o Hemisfério Norte é mais

desenvolvido do que o Sul as causas são naturais, não políticas.

As referidas relações da Geografia disciplina com a formação dos Estados nacionais

e com o desenvolvimento do capitalismo industrial, é que justificaram o surgimento da

disciplina antes mesmo da criação oficial da ciência. Esse caminho inverso trilhado pela

Geografia só corrobora a importância que o estado conferia à sua presença nos currículos

das então nascentes escolas públicas. Portanto, é preciso não esquecer que a Geografia

Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007

134

sempre desempenhou um papel educativo-político, como, no mais, o saber escolar em

geral.

As relações entre o contexto político e econômico da Europa no final do século XIX

e o surgimento da disciplina Geografia também dão sentido a algumas das principais

marcas do ensino tradicional ressaltadas em trabalhos de vários geógrafos brasileiros

(VESENTINI, 1992, 2004; CARVALHO, 1998, PEREIRA, 1989 entre outros): prioridade

dada aos estudos de aspectos físicos do espaço e da localização (de aspectos naturais,

capitais, países etc.), em detrimento dos aspectos sociais; tratamento isolado dos elementos

do espaço ou o estudo dos elementos da Terra separados em diversas “gavetas”;

desarticulação dos conteúdos com a vida dos alunos e o ensino do espaço como uma

ordenação natural.

Essa breve retrospectiva pela história do ensino de Geografia foram feitas pela

influência que esse modelo de ensino europeu exerceu no desenvolvimento da disciplina

no nosso país, principalmente na primeira metade do século XX. Apesar da diferença de

contexto sócio–econômico, a Geografia desenvolvida nas escolas fundamentais do Brasil

foi, predominantemente, a tradicional até algumas décadas atrás. Portanto, as características

apontadas anteriormente como sendo típicas do ensino tradicional de Geografia, são aceitas

como traços do ensino da referida disciplina no país.

Embora ainda hoje continue presente nas escolas brasileiras, o ensino tradicional

tem enfrentado sérias críticas e começado a conviver com outras tendências geográficas

que podem ser classificadas em duas vertentes: a Nova Geografia, que teve suas origens

após a Segunda Guerra Mundial, e as Geografias Críticas, mais atuais.

O movimento de combate à Geografia Tradicional começou na academia

(OLIVEIRA, 1994; CAVALCANTI, 1998)2 , já a partir de meados do século XX, com

questionamentos sobre os fundamentos da ciência; depois acabou por envolver também a

disciplina, que já há algum tempo vinha sendo questionada sobre sua relevância ou função

na sociedade.

Inicialmente questionava-se a Geografia ciência com base nos critérios da ciência

moderna. Defendia-se a busca da cientificidade, a superação do empirismo presente nos

estudos geográficos clássicos e a utilização dos novos instrumentos de trabalho colocados

à disposição da pesquisa, graças ao progresso tecnológico. Essa busca resultou no

surgimento da Nova Geografia, tendência sustentada no neopositivismo3 que também

ficou conhecida como Geografia Quantitativa pelo fato de utilizar sobremaneira a

Matemática e a Estatística como recursos de análise e de construção de modelos para os

estudos geográficos.

2 J. W. Vesentini (2004) discordou, em trabalho recente, desta hipótese. Segundo ele, os movimentosde renovação da Geografia tiveram os professores de ensino fundamental e médio como pioneiros.3 Doutrina que se notabilizou por aprimorar o positivismo através da recuperação das discussões acercado que é ou não cientifico a partir do uso da linguagem matemática (SPOSITO, 2004).

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

135

O uso da matemática e da estatística e a aplicação de modelos teóricos aos quais a

realidade deveria se submeter é o que de mais marcante a disciplina Geografia aproveitou

da corrente teórica denominada Nova Geografia. Os elementos do espaço passaram a

ocupar os livros didáticos acompanhados de muitas tabelas, gráficos, percentuais, enfim,

números. Essas características deveriam conferir a cientificidade tão almejada pela

Geografia, pela exatidão dos dados, pelo controle na aplicação dos modelos e pelo rigor

teórico.

Pedagogicamente, o ensino de Geografia continuou embasado na concepção de

ensino centrada no professor que, por sua vez, é responsável apenas pelo repasse dos

conteúdos, já que a produção do conhecimento ensinado é responsabilidade da academia,

dos pesquisadores. Aprender, nessa perspectiva, continua sendo sinônimo de decorar

(VESENTINI, 1994; KAERCHER, 2003; STRAFORINI, 2004).

Em outras palavras, a Nova Geografia parece ter tido pouca influência na forma

como os processos de ensinar e aprender eram tratados, principalmente no ensino

fundamental4 . Segundo Vesentini (1994), a Nova Geografia não foi criada para a escola,

mas para as grandes empresas públicas e privadas que necessitavam se reorganizar

espacialmente visando à reprodução dos seus capitais. Pontuschka (1999) também concorda,

mas ressalta que naquele período (de regime militar) medidas ligadas à política educacional

do país

[...] levaram para as escolas livros com saberes geográficos extremamenteempobrecidos em conteúdos escolares, desvinculados da realidade então vividae descaracterizados pelas propostas de estudos sociais, introduzidos pela Lei5692/71, sendo muitos os livros que realizavam colocações de cunho altamenteideológico, valorizando as grandes obras dos militares como as hidrelétricas eas chamadas rodovias de integração [...]. (PONTUSCHKA, 1999, p.121)

Ou seja, até pode ser que a Nova Geografia não tenha sido pensada, inicialmente,

para o ensino, mas ela foi usada, sim, para divulgar a ideologia dos governos militares

brasileiros.

A desvalorização da Geografia como disciplina (que foi anexada à História quando

da criação dos Estudos Sociais) e os questionamentos sobre o seu papel na formação do

cidadão se intensificam a partir de 1960. As funções para as quais a Geografia havia sido

criada já não eram mais tão importantes. O contexto havia mudado. As fronteiras, os

limites dos Estados nacionais eram cada vez mais tênues, o processo de globalização

econômica enfraquecera-os; os ideais burgueses respaldados nos ideais iluministas haviam

sido desmascarados; o capitalismo começava a viver sua Terceira Revolução (técnico–

científica) e a ciência moderna vivia o seu limiar (alguns teóricos até já anunciam sua

4 Nas universidades ainda houve inserções dos estudos relacionados ao desenvolvimento tecnológico, como asfotografias aéreas, o geoprocessamento de dados, dentre outros.

Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007

136

superação) (VESENTINI, 1994).

Em síntese, as funções que haviam justificado a sua criação como disciplina escolar

difusora dos ideais burgueses já não existiam mais e, por outro lado, os críticos do ensino

tradicional de Geografia alegavam sua total falta de importância como disciplina escolar,

o que justificava as iniciativas de construção de novas propostas para o ensino da referida

disciplina (CARVALHO, 1998).

A partir da década de 70 do século XX ganham espaço as Geografias Críticas, cuja

denominação se deveu à forma crítica como foram tratadas tanto a Geografia Tradicional

clássica, quanto a também considerada tradicional Nova Geografia. Segundo Oliva (1999,

p. 34), “A Geografia brasileira vem convivendo com impulsos renovadores há pelo menos

vinte anos”. São impulsos que se traduzem em novas propostas teóricas de explicação do

mundo e que partem do pressuposto de que são as transformações sociais do nosso espaço-

tempo que estão exigindo da ciência geográfica, posturas teórico-metodológicas que

consigam mostrar a realidade espacial para além da sua aparência.

Para Pontuschka (1999, p.125), algumas dessas novas tendências que começaram

a se destacar no meio acadêmico e que ficaram conhecidas como Geografias Críticas,

“[...] têm como elemento unificador o materialismo histórico como método de investigação

da realidade, buscando superar os diferentes dualismos que a Geografia sempre teve desde

que se constituiu em um corpo sistematizado de conhecimento.”

Ou seja, na visão da autora, apenas algumas dentre as várias tendências da Geografia

que se reuniram no movimento de crítica à Geografia Tradicional possuíam esse elo comum,

o materialismo histórico.

Vesentini (1994, p. 36) vai mais além afirmando que as fontes de inspiração teórica

das Geografias Críticas “[...] vão desde o marxismo (especialmente o do próprio Marx),

até o anarquismo (onde se recupera autores como Elisée Réclus e Piotr Kropotkin) passando

por autores como Michel Foucault, Cornélius Castoriades, Henri Lefrèbvre e outros.”

Como vemos, Vesentini (1994) apresenta uma origem plural das Geografias

classificadas como críticas. Para ele, todas as Geografias, marxistas e não-marxistas que

surgiram ou re-surgiram combatendo a corrente Tradicional, passaram a integrar o grupo

das Geografias Críticas. Já para Gardenal (apud CARVALHO, 1998, p. 46), a Geografia

atual possui três “movimentos de ponta” que ele classificou como sendo: “Geografias

interdisciplinares dialético–marxistas; Geografias interdisciplinares dialético–

fenomenológico–existencialistas; Geografias transdisciplinares multiformes articuladas

embrionariamente via paradigmas da complexidade [...].”

O que parece é que, desde o início, os teóricos perceberam a existência de tendências

ou propostas diferentes reunidas em torno do conceito de Geografia Crítica. Cada vez

mais se firma a compreensão de que as propostas de renovação da Geografia que ganharam

vulto a partir da década de 70 do século passado formaram um movimento bastante

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

137

heterogêneo do ponto de vista teórico e metodológico, o que vem demandando um olhar

mais crítico sobre o uso indiscriminado do conceito em pauta.

Na verdade, o uso comum do adjetivo “crítica” parece ser, numa certa acepção,

pertinente para todas as Geografias que se manifestaram contrárias às práticas e concepções

tradicionais dessa ciência e do seu ensino. E essa é a única razão pela qual optei por

utilizar o conceito de Geografia Crítica como uma denominação geral que designa todas

as atuais tendências teórico-metodológicas instituintes presentes na Geografia e no seu

ensino. Entretanto, também considero que existem outros referenciais, que não apenas o

dialético marxista sustentando esse movimento de renovação da Geografia e que, por isso,

o conceito Geografias Críticas precisa de divisões internas, tal como afirmou Gardenal

(apud CARVALHO, 1998). Ou seja, para usar o termo Geografia Crítica preciso do

procedimento classificatório para identificar quais são essas tendências que estão reunidas

sob esse rótulo.

Ciente dessa necessidade e também ciente do risco de limitação, de empobrecimento,

que representa qualquer tipo de classificação é que classifico as tendências instituintes do

ensino de Geografia a partir de duas grandes perspectivas: Geografia Crítica Marxista

(GeoCM) e Geografia Crítica Humanista (GeoCH).

Apesar dos vários desdobramentos que sabemos serem ramificações dessas matrizes,

pode-se afirmar que foram elas, as Geografias Críticas Marxistas e Humanistas que, nas

décadas de 80 e 90 do século passado, impulsionaram o que ficou conhecido como

movimento de renovação da Geografia. Em comum, as mesmas possuem o posicionamento

teórico permanentemente crítico em relação às correntes Tradicionais5 , consideradas

obsoletas quando se pensa nas necessidades dos novos tempos.

Como podem ser caracterizadas essas duas tendências Críticas? Quem são os seus

principais expoentes? Como e qual deveria ser o ensino de Geografia, nas suas perspectivas?

E finalmente, quais são as influências e perspectivas dessas tendências da Geografia no

ensino fundamental, principalmente nas séries iniciais, que se constituem na preocupação

mais específica do presente trabalho? É o que apresentarei a seguir. Apenas ressalto que,

pela grande quantidade de propostas e também pela grande repetição de idéias, o que

tentei foi elaborar uma síntese das que, no meu entendimento, melhor as caracterizam.

A Geografia Crítica Marxista (GeoCM) é formada por todas as propostas que

utilizam como referencial teórico o marxismo. Alguns nomes se destacam na construção

dessa tendência no ensino, como o de Milton Santos e o de Ariovaldo Umbelino de Oliveira,

considerados pioneiros desse processo. A obra “Para onde vai o ensino de Geografia” da

Editora Contexto (1994), organizada por Oliveira é uma referência bibliográfica em cursos

e concursos para professores em todo o Brasil e expressa a natureza pluralista das GeoCM.

5 O uso do termo no plural se justifica pela existência de diversas Geografias embasadas nos mesmospreceitos teóricos, mas com métodos de análises diferentes. Ex: Geografia Clássica, Nova Geografia,Geografia Comportamentalista, entre outras.

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Milton Santos, por seu turno, é um pensador que se sobressaiu nos estudos e produções

acerca da construção de uma Geografia Crítica de base dialética marxista. Algumas de

suas obras (1990, 1994, 1999) são marcos na história da construção do que está sendo

denominado de GeoCM.

A Geografia Crítica Humanística (GeoCH) é constituída pelas tendências com

visões mais fenomenológicas, que buscam apreender o espaço geográfico a partir da sua

própria manifestação que é, para o sujeito conhecedor, “plena de sentido”. Nessa

perspectiva, o espaço vivido ou o lugar é referência central de análise. No ensino, a expressão

maior da tendência geográfica Crítica Humanista aparece na relevância que tem sido dada

ao estudo do lugar, como espaço “revelador das práticas sociais” (SPOSITO, 2004). Os

Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (BRASIL, 1997) defendem o

conhecimento do espaço a partir da “subjetividade do imaginário” e das dimensões

“singulares” da relação do homem com a sociedade.

Vale ressaltar que essas duas grandes tendências (GeoCM e GeoCH) não se

encontram tão claramente definidas nos trabalhos e práticas dos geógrafos, sejam

professores ou técnicos. No ensino, então, é comum perceber o entrelaçamento de ambas.

Uma das características presentes nas propostas Críticas, principalmente na

GeoCM, é “[...] o fato de explicitarem as possibilidades da Geografia e da prática de

ensino de cumprirem papéis politicamente voltados para os interesses das classes populares.”

(CAVALCANTI, 1998, p. 20)

A crença de que não existe ciência e nem ensino neutro fez florescer muitos trabalhos

que, de forma clara ou implícita, defendem uma prática que tenha por objetivo a construção

de um mundo menos injusto, mais igualitário. Callai e Callai (1998, p. 65), por exemplo,

afirmam que:

[...] Ao invés de conhecer e descrever para se adaptar, se ajustar, devemosprocurar entender o espaço como resultado de uma dinâmica e, então, darcondições ao aluno para que se situe nesse processo. Deve-se reconhecer que épossível construir o espaço, e que a forma como ele se apresenta, no momentoatual, é o resultado da história de quem vive nele e como vive.”

Também Vesentini (1994, p.36) defende uma “[...] Geografia que concebe o espaço

geográfico como espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos sociais [...] No ensino,

ela preocupa-se com o senso crítico do educando e não em arrolar fatos para que ele

memorize”.

Esta é mais uma característica das tendências instituintes, tanto da GeoCM, quanto

da GeoCH: a crítica e o combate ao ensino como sinônimo de repasse de conteúdos e de

aprendizagem como simples memorização. O ensino construtivista, onde o conhecimento

é elaborado a partir da participação ativa do aluno, orientado ou mediado pelo professor,

é mais uma característica comum. Essa concepção é responsável pela postura metodológica

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS...

139

de valorização do saber do aluno e, por conseguinte, do seu lugar no processo de construção

dos conhecimentos trabalhados pelas escolas. Isso fica patente nesses pensamentos

textualizados:

O ensino de Geografia no século XXI, portanto, deve ensinar - ou melhor,deixar o aluno descobrir, o mundo em que vivemos. (VESENTINI, 1995, p.10)

O conteúdo da Geografia [...] é o material necessário para que o aluno construao seu conhecimento, aprenda a pensar. Aprender a pensar significa elaborar, apartir do senso comum, do conhecimento produzido pela humanidade e doconfronto com os outros saberes [...], o seu conhecimento. (CALLAI, 2000,p.92).

[...] O ensino de Geografia, assim, não se deve pautar pela descrição eenumeração de dados, priorizando apenas aqueles visíveis e observáveis nasua aparência [...]. Ao contrário, o ensino deve propiciar ao aluno a compreensãodo espaço geográfico na sua concretude, nas suas contradições. (CAVALCANTI,1998, p. 20).

Com relação ao conteúdo a ser ensinado pela Geografia, também existem novidades.

Alguns autores consideram que antes de se pensar em ensinar qualquer conteúdo é

imprescindível para o professor saber o que é e para que serve a Geografia. Em outras

palavras, pensar o conteúdo a ser ensinado não pode estar desvinculado de pensar que

cidadão queremos ajudar a formar, para qual sociedade. De acordo com Kaercher (2002,

p. 224), “sem saber o que queremos com nossa ciência, não há aluno que vá nos ouvir

interessadamente”. Eu acrescento ainda: sem saber os objetivos de ensinar Geografia

acabamos por praticar o ensino Tradicional no seu formato apolítico, por não se preocupar

com qualquer tipo de mudança e que, portanto, pode se tornar hegemônico.

O espaço vivido, entendido a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas,

vem sendo muito valorizado por ambas as tendências críticas da Geografia. Na visão de

Kaercher (1998, p. 13), “[..] a Geografia existe desde sempre; e nós a fazemos diariamente.

(È importante) romper então com aquela visão de que Geografia é algo que só veremos em

aulas de Geografia”. Assim sendo, a aula de Geografia passa a ser defendida como espaço

onde o aluno têm a oportunidade de discutir, analisar, compreender melhor o mundo em

que vivem, os seus espaços de convivência, de sobrevivência, de lazer etc.

Aliás, o espaço ganha status de categoria principal da ciência e da disciplina. O que

muda são as formas de interpretação da sua ordenação. A Geografia Crítica Marxista

prioriza a explicação da ordenação espacial da realidade, que existe objetivamente, a

partir de fatores econômicos e políticos; sua fundamentação marxista também é responsável

pela relevância dada à questão do entendimento do espaço para a sua transformação.

Já na perspectiva humanística o espaço é visto muito mais como lugar, como realidade

Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007

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subjetiva, ou seja, “[...] como espaço que se torna familiar ao indivíduo, é o espaço do

vivido do experienciado” (CAVALCANTI, 1998, p. 89). Embora as explicações ligadas a

fatores econômicos e políticos também estejam presentes como viés de análise, elas adquirem

uma leitura mais subjetivista, que está associada à relação do indivíduo com o lugar.

Enfim, em se tratando de referenciais teóricos são muitas as propostas de mudanças,

tanto nos conteúdos quanto no tratamento dos mesmos. A pluralidade epistemológica é um

aspecto que está posto como desafio para os pesquisadores interessados em entender mais

aprofundadamente essas diferenças presentes nas atuais tendências do ensino de Geografia.

No ensino de Geografia esses movimentos de oposição à Geografia Tradicional e de

construção das Geografias Críticas também começam a se manifestar, inicialmente nas

universidades e depois, com bem menos vigor, nas escolas básicas (VLACH, 1995).

Ou seja, essa discussão mais teórica sobre o ensino de Geografia, as diversas

tendências que se destacaram, por que se destacaram, as posições teóricas mais recentes,

nem sempre está presente no cotidiano dos professores de Geografia, licenciados em cursos

de nível superior e que militam na escola básica de 5a. à 8a. séries do Ensino Fundamental

e no Ensino Médio. Se essas análises permeiam as conversas dos professores que formam

esses profissionais docentes, nem sempre são feitas nos cursos de formação básica. Se

isso é assim, nesse nível de formação e em cursos da área específica de Geografia, que se

dirá sobre os cursos de formação e sobre a atuação dos professores das séries iniciais do

Ensino Fundamental? Essa é a discussão que comporá o próximo item.

Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental e o ensino de Geografia

Falar de formação de professores para ensinar Geografia nas séries iniciais do

Ensino Fundamental é uma tarefa difícil. Isto porque essa é uma discussão que não tem

sido muito visada pelos pesquisadores, talvez pela própria complexidade que é encontrar

soluções para o problema da locação dos conteúdos das áreas específicas na formação

desses docentes. Nos cursos destinados à formação desses professores (Magistério e

Pedagogia) não têm sido contemplados dois aspectos fundamentais para o desempenho de

suas funções frente à disciplina: o “o que” e “como” ensinar Geografia.

Essa característica da maioria dos cursos de formação de Pedagogia de não

contemplar a aprendizagem dos conteúdos curriculares a serem ensinados nas séries iniciais,

mas apenas as suas metodologias, é um dos fatores que contribui para que a discussão não

se coloque nos âmbitos universitários. É também, talvez, um dos motivos pelos quais os

professores dessas séries nem sempre ensinem esses conteúdos e priorizem a leitura, a

escrita e a matemática.

Com isso, os professores das séries iniciais permanecem bastante distanciados das

discussões teóricas e propostas mais recentes para o ensino da Geografia. Suas

aprendizagens da disciplina foram construídas, em geral, a partir do ensino que tiveram

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

141

como alunos do ensino básico e da disciplina de Didática ou Ensino de Geografia, feitasno curso de Magistério e, no caso dos que possuem formação superior, de Pedagogia.

As mudanças na prática de ensino desses professores são ainda mais sutis do que as

dos professores das demais séries do Ensino Fundamental e Médio, podendo, mesmo,

serem denominadas de preocupações ou inquietações, apenas. A principal delas, no meu

entendimento, é a insatisfação com o ensino desenvolvido associada à frustração de não

saber como praticá-lo de forma diferente.

Minha experiência junto a esses professores me induz a afirmar que nos últimos

anos eles têm tido conhecimento do surgimento de muitas “idéias” norteadoras de como

ensinar Geografia: através de livros, artigos, dos PCNs, de cursos etc. Essas são as formas

através das quais as Geografias Críticas vêm sendo apresentadas aos professores

polivalentes. Esses contatos, bastante superficiais na maioria dos casos, aliados à

insatisfação para com a prática de ensino desenvolvida, são responsáveis pela inquietação

de uma parcela dos docentes com relação ao ensino que praticam. Eles sabem da existência

de outras “formas” de ensinar Geografia, diferentes da que eles ensinam (quando ensinam!).

Mas seus conhecimentos sobre elas são muito incipientes (ou mesmo inexistente) para que

as coloquem em prática com autonomia e segurança. Na visão de Marcelo García (1999),

essa inquietação é uma característica positiva, pois um dos fatores determinantes no

processo de mudança na prática docente é a autoconsciência da fragilidade do ensino

desenvolvido.

Na ausência de uma fundamentação clara e segura de como ensinar uma Geografia

Crítica os professores optam, geralmente ou por permanecerem ensinando a Geografia

que aprenderam quando alunos, mesmo que insatisfeitos, ou por mesclarem esse ensino

com algumas práticas por eles traduzidas das atuais tendências. O problema dessas

interpretações é, novamente, a falta de embasamento teórico específico, que “constitui um

dos principais inibidores do trabalho dos professores que atuam nessa fase do ensino,

determinando, assim, o exercício de uma prática em que os conteúdos são ensinados sem

uma articulação com os objetivos maiores da disciplina” (BRAGA E SILVA, 2001, p.

123).

Ou seja, mesmo querendo mudar, os professores se ressentem com suas formações

que, via de regra, enaltecem os conhecimentos pedagógicos e didáticos em detrimento dos

específicos da matéria. Em função disso, e também da inexistência de uma formação

continuada que possa minimizar essa carência, suas tentativas de praticar um ensino de

Geografia de mais qualidade, menos estático, acaba se constituindo apenas num ensino

diferente, que suprime algumas características da abordagem considerada tradicional,

mas que ainda está longe de se constituir num ensino crítico.

Todavia, os tipos de conteúdos ensinados sofreram algumas alterações. Em geral,

não se pautam mais, apenas, em nomenclaturas dos aspectos geográficos (naturais)

considerados importantes e em dados matemáticos dos aspectos populacionais e econômicos;

Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007

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agora já são ressaltados aspectos da vivência cotidiana do aluno, como por exemplo, o

bairro, a escola, o município, a cidade, a comunidade etc. Em outras palavras, os conteúdos

já não exclusivamente aqueles mostrados em fotografias nos livros didáticos, mas também

os aspectos espaciais mais próximos das crianças.

Os livros didáticos, fortes direcionadores do ensino, também sofreram algumas

transformações em relação aos tipos de conteúdos abordados. Alguns deles já incentivam

os docentes a incluírem aspectos do espaço mais próximo do aluno, da escola, do bairro

etc. Os manuais do professor oferecem orientações de como os conteúdos devem ser tratados

e através deles é possível perceber que o aluno está sendo mais requisitado a mostrar o que

sabe sobre o espaço geográfico. Ou seja, tanto pelos livros didáticos, quanto pela descrição

que os professores fazem de suas aulas é possível visualizar uma pequena mudança na

relação do aluno frente aos conteúdos de aprendizagem. Estes já não são mais tão artificiais,

tão alheios aos alunos quanto o eram. Mas o que isso pode significar? Essa é uma questão

que precisa ser mais aprofundada para que se possa afirmar seu verdadeiro sentido.

Apesar de adotar como conteúdo os espaços de vivência do aluno (a família, o

bairro, a cidade...) os professores parecem não ter clareza do para quê (finalidade) e do

como esses espaços devem ser ensinados. Ou seja, por falta de referencial teórico e

metodológico, as tentativas de realizar um trabalho crítico acaba se tornando, no mais das

vezes, num mero estudo de paisagem, ou seja, do visível, do exposto à visão de todos. A

paisagem, segundo Santos (1999), é a forma congelada do espaço geográfico, num dado

momento. Entendê-la pressupõe descongelá-la, ir além dela, buscar sua(s) função(ões)

para a sociedade que a mantém. E isso só é possível fazer com o mínimo de conhecimento

acerca das bases teóricas e metodológicas que constituem a disciplina.

Em síntese, é difícil falar do ensino de Geografia praticado nas séries iniciais,

quando o objetivo é caracterizá-lo a partir do surgimento das atuais tendências ou propostas

instituintes. As pesquisas são bastante escassas, o que dificulta ainda mais o trabalho. As

propostas instituintes oficiais ou as diretrizes governamentais para o ensino de Geografia

(PCNs), chegaram às escolas ainda no final da década de 90 do século passado. Nesse

material já é defendida uma concepção de Geografia

[...] que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens, tampoucopautada exclusivamente na interpretação política e econômica do mundo; (mas)que trabalhe tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementosfísicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interaçõesentre eles estabelecidas na constituição de um espaço: o espaço geográfico.(BRASIL, 1997, p. 106)

Como vemos, a concepção dos PCNs expressa nessa citação é bastante eclética,

dando margem para o ensino do espaço geográfico tanto numa perspectiva GeoCM, quanto

na GeoCH. Se alguma dessas concepções de Geografia está ou não sendo perseguida,

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

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como isso está sendo feito, até onde esse processo já caminhou, são questionamentos que

ainda estão postos e que precisam ser contemplados pelos pesquisadores, a fim de que

tenhamos mais sustentação para falarmos de qual(is) ensinos de Geografia está(ão) sendo

praticado(s) nas séries iniciais do ensino fundamental.

Frente a isso, as colocações que faço sobre o ensino de Geografia nas séries iniciais

do Ensino Fundamental são resultantes, em grande medida, da minha própria experiência

profissional, o que só serve para aumentar o desejo de conhecer melhor e de forma mais

profunda essa realidade.

No nível da reflexão, entretanto, alguns teóricos da área (PONTUSHCKA, 1999;

SPOSITO, 1999; OLIVEIRA, 1999) têm se debruçado sobre os PCNs de Geografia e

realizando análises bastante críticas dos mesmos, apesar de não negarem os avanços que

eles representam. Essas críticas são direcionadas para vários elementos componentes das

diretrizes: concepção de Geografia, grau de complexidade das orientações metodológicas

frente à formação dos docentes, vinculação aos interesses políticos internacionais, dentre

outros.

As críticas aos PCNs de Geografia para o ensino fundamental são originadas, dentre

outras razões, do descontentamento de uma parcela de geógrafos com os rumos teóricos

assumidos (às vezes, implicitamente) pelas referidas diretrizes, bem como a forma

centralizada como se deu sua elaboração que, segundo eles, desconsideram o trabalho que

já vinha acontecendo em alguns estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre etc.) de

construção de propostas curriculares participativas e inovadoras, cujos fundamentos eram

marxistas. Para esse grupo, aqui tratado como defensor do ensino instituinte não oficial,

embora os PCNs se autodenominem ecléticos (permitirem interpretações teóricas bastante

plurais), sua análise revela que em vários trechos do seu texto são feitas defesas de

abordagens teóricas que valorizam as dimensões subjetivas, individuais, dos sujeitos, em

detrimento das explicações socioeconômicas (SPOSITO, 1999).

A falta de correspondência entre as suas propostas e a realidade dos professores

que atuam na maioria das nossas escolas é outra acusação que pesa sobre as diretrizes

oficiais para o ensino de Geografia. Na visão de Pontuschka (1999, p. 16) o texto dos

PCNs, de natureza eclética, construído por geógrafos de pensamento teórico diversos, é

acessível apenas a uma

[...] minoria de professores bem-formados, que com maior ou menor intensidade,já conhecem a bibliografia geográfica mais atualizada e acompanham a trajetóriapercorrida pela ciência geográfica em suas diferentes vertentes e também seuensino como disciplina escolar nas últimas décadas. O texto é teórico demaispara o professor que ainda utiliza o livro didático como a sua única ou principalbibliografia.

A autora está se referindo aos professores de Geografia das séries finais do ensino

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144

fundamental que, com muito mais freqüência, possuem uma licenciatura nessa área ou em

Estudos Sociais. Ou seja, mesmo que de forma deficiente, esses professores já estiveram

em contato por três ou quatro anos com os conteúdos geográficos. Pensando nesse público,

é que ela considera os PCNs da Geografia complexos demais. Então me reporto para a

realidade do nosso ensino das séries iniciais, onde a maioria dos professores possui o

curso de Magistério em nível médio e uma minoria tem formação em Pedagogia ou Normal

Superior. O conhecimento do conteúdo específico dessa disciplina, da sua teoria, do seu

ensino, oferecido nessas formações é mínimo ou mesmo ausente.

Eu me recordo, nesse momento, de algumas turmas de alunos de Licenciatura em

Geografia da UEFS, que, chegando à disciplina Metodologia do Ensino, demonstravam

carências teóricas básicas como o domínio de categorias conceituais, dentre as quais sempre

aparecia a de território. E isso acontecia após três anos de formação superior onde os

conteúdos curriculares são quase unicamente específicos.

No caso dos professores das séries iniciais que têm apenas o curso de Magistério,

essa formação específica fica limitada a uma Didática da Geografia, cujo objetivo é ensinar

as formas como os conteúdos podem ser trabalhados junto às crianças. Como é possível

que em cursos destinados a formar professores possa haver tamanha indiferença para com

essa contradição? Como se aprende a ensinar o que é e como são construídos os territórios

e as regiões geográficas quando não se sabe o que são e nem como os mesmos são formados?

Essas questões não serão respondidas nesse trabalho, mas revelam uma das preocupações

que deu origem a ele.

Por outro lado, os currículos dos cursos superiores continuam cometendo a mesma

falha. No caso específico da licenciatura Pedagogia: Séries Iniciais do Ensino

Fundamental da UEFS foi ofertada, no último ano do curso, a disciplina Ensino de

Geografia, com uma carga horária de 90 horas anuais. Pela ementa da disciplina6 , percebe-

se uma preocupação em suprir em parte essa carência teórica associando conteúdo com

possibilidades de tratamento didático. Apenas a título de exemplo, consta na ementa

“Correntes do pensamento geográfico: características e influências no ensino da Geografia

brasileira”, o que demonstra a intenção de que fosse abarcado na disciplina um mínimo de

teoria acerca das suas principais tendências teóricas. Mesmo assim convém ressaltar que

90 horas7 é um tempo bastante reduzido para se trabalhar conteúdo específico (inclusive

a teoria da ciência) e metodologia do ensino. E isso representou um grande avanço frente

ao currículo do curso de Pedagogia da UEFS que contempla uma única disciplina,

Fundamentos do Ensino de Geografia, cuja carga horária era de 60 horas!

Analisando os PCNs de Geografia destinados ao ensino das séries iniciais é possível

6 Vale esclarecer que fui uma das professoras a participar da construção da referida ementa.7 A carga horária total foi aumentada para 150 horas, a partir de 2002, distribuídas em duas disciplinas de 75horas cada.

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

145

entender a preocupação expressa por Pontuschka (1999) com o nível de exigência teórica

dos mesmos. Vejamos alguns trechos do texto do referido documento:

Embora o espaço geográfico deva ser o objeto central de estudo, as categoriaspaisagem, território e lugar devem ser abordadas, principalmente nos ciclosiniciais, quando se mostram mais acessíveis aos alunos [...] (BRASIL, 1997,p.10).

O território é uma categoria importante quando se estuda sua conceitualizaçãoligada à formação econômica e social de uma nação. Nesse sentido, é o trabalhosocial que qualifica o espaço, gerando o território [...] (BRASIL, 1997, p.10).

Para estudar essa categoria (território) é necessário que os alunos compreendamque os limites territoriais são variáveis e dependem do fenômeno geográficoanalisado. [...] Além disso, compreender o que é território implica tambémcompreender a complexidade da convivência em um mesmo espaço, nem sempreharmônica, de diversidades de tendências, idéias, crenças, sistemas depensamento e tradições de diferentes povos e etnias (BRASIL, 1997, p.111).

Esses são apenas alguns poucos dos muitos exemplos de momentos em que o texto

dos PCNs dá mostras de que os conhecimentos teóricos específicos exigidos para que um

professor siga suas orientações estão muito além do que é oferecido nas nossas formações.

Assim, a carência de uma formação consistente para a docência da disciplina faz com que

muitos professores das séries iniciais desenvolvam um ensino com significado bastante

restrito, onde os conteúdos são trabalhados de forma mecânica, técnica, isolados dos

contextos sociais dos alunos (BRAGA e SILVA, 2001).

Diante dessa realidade é precisamos questionar a formação dos professores de

Geografia das séries iniciais frente aos currículos oficiais e pensarmos no que, de fato, é

possível (e desejável) ser contemplado em suas trajetórias formativas a fim de que os

mesmos possam proporcionar às crianças o desenvolvimento de capacidades que lhes

permitam apreender a realidade a partir do seu viés espacial, pois como disse Cavalcanti

(1998, p. 24), “[...] se tem a convicção de que a prática da cidadania, sobretudo nessa

virada de século, requer uma consciência espacial”. Portanto, o ensino de Geografia tem

um papel importante na formação das crianças e adolescentes da atualidade, que vivem

numa realidade complexa, conflituosa, contraditória e injusta. É sua função provê-los de

conhecimentos que lhes permitam compreender essa realidade (espacial) para poderem

exercer verdadeiramente suas cidadanias. E essa consciência espacial é responsabilidade

da escola e, em especial, dos professores de Geografia.

Considero que a contribuição maior que esse estudo deixa para os leitores é a

reflexão acerca da estrutura curricular dos cursos que formam professores para as séries

iniciais e da importância do trabalho dos professores formadores que ensinam as didáticas

específicas (da Geografia, da História, da Matemática etc). Como aliar conteúdos

Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007

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específicos e didáticos na formação desses docentes? É possível (e viável) incluir nas

grades curriculares desses alunos disciplinas de conteúdos específicos? Quando defendo oaumento da carga horária das disciplinas em pauta defendo um trabalho que procurereunir, partindo dos conhecimentos e experiências desses alunos, o conteúdo específico aodidático ou o como ao o que. Essa relação poderia contribuir não apenas para umaotimização maior do tempo dedicado a essas disciplinas, mas também para munir o professorde saberes fundamentais para sua prática, os didáticos e os dos conteúdos específicos.

Considerações finais

O ensino de Geografia tem recebido um aumento considerável das atenções dospesquisadores nas últimas décadas. São vários os trabalhos que tem se dedicado a tratardo tema, sejam propondo formas de abordagens dos conteúdos (CASTROGIOVANNI,2000, 1998; CALLAI e CALLAI, 1998), sejam discutindo teorias e defendendoposicionamentos metodológicos críticos (CALLAI, 2000; CAVALCANTI, 2002, 1998;KAERCHER, 2000). Entretanto, ainda são poucos os que têm se voltado para o ensinonas séries iniciais, principalmente quando se trata de enfocar a questão da formação dodocente que aí atua.

O presente trabalho buscou mostrar um pouco dessa carência.As análises acerca da formação dos professores que atuam nas séries iniciais e do

ensino que desenvolvem apontam para a grande discrepância existente entre as orientaçõespresentes nas políticas governamentais (PCNs) e as suas reais formações teóricas emetodológicas para ensinar Geografia. Por um lado o governo espalha pelas escolas detodo país orientações curriculares para o ensino nessas séries, orientações essas quedemandam conhecimentos específicos e didáticos que a maioria dos docentes não possuem.Por outro lado, a formação desses docentes para ensinar Geografia ainda continua muitotênue, mesmo quando se dá em nível superior (BRAGA, 2006).

Frente a esse quadro urge a necessidade de estudos que diagnostiquem a situaçãodo ensino e da aprendizagem de Geografia nas séries iniciais e que possam assim, serviremde base para reflexões e possíveis orientações curriculares que, de fato, venham contribuirpara a melhoria da formação dos docentes, condição imprescindível para o aumento daqualidade do processo de aprendizagens das crianças, qualidade essa entendida comocompreensão da realidade espacial para além do visível, da sua mera descrição erepresentação.

Referências

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BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES

INICIAIS...

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Recebido para publicação dia 16 de Abril de 2007

Aceito para publicação dia 20 de Julho de 2007

BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS...

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ESTUDOS EM GEOGRAFIA:UM DESAFIO PARA O LICENCIANDO EM

PEDAGOGIA

STUDIES IN GEOGRAPHY: ACHALLENGE TO PEDAGOGY

GRADUATES

ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UNDESAFÍO PARA EL LICENCIADO EN

PEDAGOGÍA

MARCEA ANDRADE SALES

Professora Assistente daUniversidade do Estado daBahia – Departamento de

Educação/Campus I, Salvador/BA

Universidade do Estado daBahia – DEDC/Campus I

[email protected]

Resumo: O ensino na Licenciatura em Geografia para futurosprofessores nos dá a possibilidade de rever e reeditar os modelos deensino que vivenciamos em nossa própria formação docente (iniciale continuada). Trabalhar com esta ciência em outro campo do saber,como a Educação, certamente, amplia e diversifica muito a nossa açãodocente com estes futuros professores que têm seu campo de trabalhoatividades com crianças. Com as reformas curriculares vivenciadasdo ano de 2000 para cá, a Geografia ingressou, também, nos cursosde Pedagogia, o que tornou imperioso pensar o ensino desta ciêncianas séries iniciais. Chegamos, então, a duas áreas do conhecimento –Geografia e Pedagogia – , amalgamadas pela Educação. Por entenderas especificidades da formação do professor da 1ª a 4ª série (EnsinoFundamental), este texto tem o foco no estudante licenciado e discutea necessária relação que deve existir entre a Geografia e a Pedagogiapara o ensino dialogado e multireferenciado nestes campos deconhecimento.Palavras-Chave: Geografia; Formação docente; Currículo; Educaçãogeográfica; Pedagogia.

Abstract: The teaching in the Geography Degree courses gives usthe opportunity to review and to re-edit the teaching methods whichwe experienced during our formation process as teachers (initial andcontinuous). To work with this discipline in a different knowledgefield, such as education, certainly amplifies and diversifies a lot ourpractice with these future teachers whose work focus will be primaryschool. Since latest educational curriculum reforms, in 2000,Geography has been put as an official discipline in Pedagogy courses,which made it imperious for us to rethink our teaching practices atPrimary school level. Following these ideas we came to the twosciences – Geography and Pedagogy – linked by Education. Thepresent work focuses on graduate students and discusses the necessaryrelation of Geography and Pedagogy for a dialogic and multi-referenced teaching within these knowledge fields.Keywords: Geography; Teachers Formation; Curriculum;Geographical Education; Pedagogy.

Resumen: La enseñanza en la Licenciatura en Geografía para futu-ros profesores nos da la posibilidad de rever y reeditar los modelos deenseñanza que vivimos en nuestra propia formación docente (inicialy continuada). Trabajar con esta ciencia en otro campo del saber, comola Educación, seguramente, amplía y diversifica mucho nuestra accióndocente con estos futuros profesores que tienen como su campo detrabajo actividades con niños. Con las reformas curriculares experi-mentadas desde 2000 hasta hoy, la Geografía ingresó, también, en loscursos de Pedagogía, lo que volvió imperioso repensar la enseñanzade esta ciencia en las series iniciales. Llegamos, entonces, a dos áreasdel conocimiento – Geografía y Pedagogía –, amalgamadas por laEducación. Buscando comprender las especificidades de la formacióndel profesor de la 1ª a la 4ª serie (Enseñanza Fundamental), este textotiene el foco en el estudiante licenciado y discute la necesaria relaciónque debe haber entre la Geografía y la Pedagogía para la enseñanzadialogada y multireferenciada en estos campos de conocimiento.Palabras clave: Geografía; Formación docente; Currículo; Educacióngeográfica; Pedagogía.

T e r r a L iv r e P r e si d e n te P r u d e n te A n o 23 , v . 1 , n . 28 p . 149 -162 Jan -Ju n / 2007

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O ensino da Geografia

O início dos meus trabalhos acadêmicos se deu na Licenciatura em Geografia1 ,quando passei a desenvolver atividades de ensino e pesquisa com futuros professores.Hoje, ao dar continuidade a este trabalho no ensino na Licenciatura em Pedagogia2 mevejo diante de um grande desafio: repensar o ensino da Geografia para os professores dasséries iniciais do ensino fundamental. Com a crise paradigmática que tem tipificado acontemporaneidade temos assistido a algumas reformas curriculares nos cursos deLicenciatura, do ano de 2000 para cá. Reformas estas que buscam romper com o modelodicotomizado e hierarquizado da escola moderna. Vivemos, neste momento, algumasexperiências docentes que têm valorizado o diálogo entre os vários campos do saber e osatores que vêm desenvolvendo trabalhos com a Geografia, e estes, por sua vez, têm tentadocumprir o ideal de uma ciência humana, ou pelo menos, uma ciência feita para e pelassociedades.

É grande o repertório de discussões que tematiza a formação do professor deGeografia (em seus vários segmentos), e podemos potencializar esta discussão aocolocarmos em foco o Licenciado em Pedagogia que, muitas vezes, não tem osconhecimentos mínimos para o ensino daquela ciência em sua formação inicial. O resultadodesta prática é um ensino caricaturado em atividades curriculares que, muitas vezes,esvaziam os conteúdos próprios da Geografia, além de reforçar a memorização destesconteúdos, no geral, descontextualizado da vida docente.

O ensino na Licenciatura em Pedagogia

Para iniciar minha reflexão neste texto, começo destacando o processo de construçãodo conhecimento profissional pelos professores da 1ª a 4ª série. Assim, algunsquestionamentos se apresentam para o debate:

· o que caracteriza o conhecimento do professor das séries iniciais?· quais as especificidades que este nível de escolaridade pressupõe?· qual a natureza da formação profissional desse professor?

Monodocência, práticas curriculares interdisciplinares e auto-implicação sãoaspectos destacados por Iria Brzenzinski (2001) ao se referir ao professor deste seguimentoda educação. A autora destaca que a práxis social deste professor, no geral, é marcadapela preservação de uma herança cultural na qual ele é o principal agente interventor na

1 Universidade Católica do Salvador (1997-2000), Universidade do Estado da Bahia / Campus V (2001-2005) eFaculdades Jorge Amado (2003-2006).2 Universidade Federal da Bahia (2000-2006) e Universidade do Estado da Bahia / Departamento de Educação- Campus I (2005 aos dias atuais).

SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...

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preparação e na qualificação de novas gerações. É neste momento, quando a criançainicia seu período escolar, que o professor precisa estar atento para a construção de umconhecimento intrapessoal que integre e dê sentido à presença da criança na escola. Assim,os atores da educação na 1ª a 4ª série – professores e estudantes - têm sua relação marcadapor laços afetivos e interatividade, para a construção de conexão entre o cotidiano intra eextra-escolar.

Para Schulman (in CASTRO e CARNOY, 1997, p. 46) a dimensão do conhecimentodo professor é marcada por alguns aspectos:

· conhecimento do conteúdo da própria disciplina, tornando-o compreensível;· conhecimento do currículo – programa e ferramentas de trabalho;· conhecimento pedagógico geral – planejamento, avaliação...;· conhecimento dos estudantes e suas características (contexto escolar);· conhecimento dos fundamentos – objetivos, fins e valores educacionais.

E quando esse professor é um educador da infância? Que contorno tem estadimensão? Nos últimos anos a principal alteração social que afetou os cuidados com ascrianças foi o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho que, passando atrabalhar fora de casa, contribuiu para que alguns aspectos da educação sofressemalterações:

· maior número de crianças com menos de três anos na Escola;· aumento da exigência quanto ao preparo profissional do professor;· demanda de maior integração entre a Escola e a família

Eis alguns destaques que têm contribuído para o debate sobre a formação dolicenciado em Pedagogia3 , e que, ao mesmo tempo em que o integra no campo da educação,especificam suas atividades a partir dos trabalhos desenvolvidos com estudantes nasprimeiras fases de aprendizagem.

Nos primeiros anos de vida a aprendizagem é mais rápida e intensa. As criançassão naturalmente curiosas e essa “chama” deve ser mantida para que promova seu bemestar, sua exploração e descoberta ativa, autônoma e criativa. Por outro lado, o que oprofessor observa na criança decorre das suas próprias concepções e postura de vida.Cada criança, na complexidade do ser humano, carrega seu “mistério”, o que faz com queo acompanhamento do seu desenvolvimento seja inquietante.

O conhecimento de uma criança é constituído pela sua apropriação e por suaspróprias idéias que se desenvolvem para a coerência. Acompanhá-la em seu desenvolvimento

3 Historicamente, este profissional foi chamado de pedagogo, mas as Diretrizes Curriculares para o Curso deLicenciatura em Pedagogia, editadas em 2006, enfatizam o trabalho deste profissional como licenciado e nãomais técnico, como tínhamos em alguns currículos até o início do ano 2000.

Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007

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exige um olhar teórico-reflexivo sobre seu contexto sócio-cultural e manifestaçõesdecorrentes do caráter evolutivo do seu pensamento. Significa respeitá-la em suaindividualidade e em suas sucessivas e gradativas conquistas e conhecimentos (que deveriaser em todas as áreas).

Os cursos de Licenciatura em Pedagogia ainda privilegiam (ou priorizam) estaperspectiva e, talvez, por isto, seus currículos estejam recheados de atividades quepromovem a reflexão e a teoria sobre o desenvolvimento cognitivo do estudante nesta fasede ensino. Porém, ainda é possível observar uma grande lacuna para o diálogo da Didáticacom outros campos do conhecimento e seus respectivos (e específicos) objetos de estudopara uma leitura e análise mais ampla.

Como uma criança descobre e conquista o mundo? E seu domínio da língua? Queapropriações ela vai construindo com o espaço dentro do seu cotidiano?

Ao buscar compreender a criança, o professor deve redimensionar o seu fazer apartir do mundo infantil descoberto e ressignificado, contribuindo para a qualidade da suainteração. Por isso, é preciso atentar que, nesta fase, nem sempre, compreendem-se osconceitos usados pelos adultos, já que a possibilidade desta compreensão de conceitosnecessários à aprendizagem é inerente ao nível de desenvolvimento de cada um.

O ensino da Geografia para a criança

Se a criança nem sempre compreende os conceitos usados – incluindo-se, aí, àquelesveiculados na Escola -, como trabalhar conceitos relativos à noção de espaço, por exemplo.Passini (2002) em seu livro O espaço geográfico: ensino e representações, afirma que épreciso considerar três aspectos:

1. A construção da noção de espaço pela criança por meio de um processopsicosocial no qual ela elabora conceitos espaciais através de sua ação e interação em seumeio.

A criança tem uma visão Sincrética do mundo, tendo os objetos e espaços queocupa como indissociáveis. A posição do objeto é dada em função do todo e a ação percebeesse todo e não cada parte. Assim, até os seis anos a localização e o deslocamento sãodefinidos a partir das referências (posição) da própria criança. Sabemos que pela suapsicogênese a noção de espaço vai sendo apreendida a partir do Espaço Vivido, acumulandoo Espaço Percebido, até realizar a idéia de Espaço Concebido. É preciso esclarecer queestas não são fases estanques, mas cumulativas e que integram o processo de construçãoda noção de espaço.

A idéia apresentada por Passini converge com os estudos de Piaget sobre os estágiosde desenvolvimento da criança – Sensório Motor, Pré-Operatório e Operações Concretase Formais. Assim, a criança, desde sua afetividade egocêntrica até o início da sua autonomiae formação da sua personalidade, vai elaborando conceitos, preparando-se para sua inserçãoe adaptação ao mundo adulto.

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2. O aprendizado espacial no contexto sociocultural como instrumento necessárioà vida das pessoas para uma visão consciente e critica do seu espaço social.

A exploração do espaço, desde o nascimento, ocorre com as experiências que acriança realiza no seu entorno. Em sua memória corporal são registradas as referênciaslaterais e as partes do corpo que servirão de base para seus referenciais corporais.

A solução de problemas pela criança se inicia quando surgem os sentimentosprimitivos – gostar ou não gostar, por exemplo. Quando tem início seu comportamentosocial, ela já é capaz de ter pensamentos pré-lógicos (expressão cunhada por Piaget). Apartir da manifestação da sua vontade e do início da sua autonomia, a solução de problemasconcretos torna-se possível.

Assim, a base cognitiva sobre o qual se delineia a exploração do espaço, dependede funções motoras e da percepção do espaço imediato, pois a consciência está diretamenterelacionada ao amadurecimento do sistema nervoso e da representação que a criança fazde si e do mundo em relação a ela.

3. O preparo para o domínio espacial, assim como o da língua, do pensamentológico e científico, das habilidades artísticas e da educação corporal.

O estudante das séries iniciais deve entrar em contato com as diversas concepçõese visões de ensino da Geografia para elaborar e construir conceitos de forma significativa.Deve, ainda, começar a entender o espaço geográfico como estrutura da sociedade econsiderar que as relações sociais produzem um conteúdo territorial, preparando-se paraser sujeito das suas ações.

Há de se favorecer a observação da realidade, não como mera identificação deelementos, mas com o necessário levantamento de dados, classificação, comprovação erepresentação espacial. E para domínio do espaço é necessária a tomada de consciênciado espaço corporal. Vê-se lançado, então, o desafio para o ensino da Geografia nas sériesiniciais do Ensino Fundamental, rompendo com o modelo que priorize a descrição e amemorização dos seus temas e conteúdos.

A questão que nos acompanha está exatamente na formação docente deste professor,nas primeiras séries. O conhecimento geográfico que ele traz ao ingressar na Licenciaturaé àquele adquirido no Ensino Médio e, o geral, reduz este campo como mais uma disciplinaque adota memorização de dados – lugares, populações, aspectos físicos de uma dadapaisagem etc. Já que é esta Geografia que o (futuro) professor das séries iniciais conhece,conseqüentemente vai ser esta mesma Geografia que ele vai (conseguir) ensinar para seusestudantes.

Uma possível ruptura deste modelo de ensino descritivo e descontextualizado temsido o trabalho com a disciplina Referenciais Teórico-Metodológicos da Geografia4 , quandotemos discutido o ensino da Geografia nas escolas de Ensino Fundamental e Médio e naEducação de Jovens e Adultos, deslocando-o para o campo da ciência - uma ciência

4 Disciplina que passou a integrar o currículo da Licenciatura em Pedagogia nos cursos oferecidos a partir de2001, no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia –Campus I.

Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007

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eminentemente humana.

Uma educação geográfica para a formação pedagógica

A criança delineia suas impressões e percepções referentes ao domínio espacialdesde os primeiros meses de vida. Mas, no sentido geográfico, este domínio refere-se a suaorganização e a concepção de espaço. Daí a necessidade de enfatizar, mais uma vez que,também em um curso de Licenciatura em Pedagogia, a Geografia deve ser uma ciênciavoltada para a análise da realidade social e observação das suas configurações espaciais.

Neste sentido, a organização social do espaço, considerando a relação sociedade enatureza feita através do trabalho, é um ato social que leva à construção de espaçosdiferenciados, o que redunda no desenvolvimento do domínio espacial que é realizado pelohomem desde sua infância.

O bebê ao sentar amplia seu campo de visão, sua percepção dos objetos e seudeslocamento, podendo virar-se numa amplitude de 180º. A continuidade desse processo –do engatinhar ao andar – influencia na sua evolução motora, assim como no seudesenvolvimento físico e psicológico. Assim, a criança sempre reconstrói seu próprio espaço,pois está voltada para o espaço externo a partir das suas próprias dimensões e da suacapacidade de percebê-la, com sua imaginação transformadora.

O desenvolvimento da noção espacial precede a escola, mas é nela onde ocorre aaprendizagem espacial voltada para a compreensão das formas pela qual a sociedadeorganiza seu espaço. E a apreensão do espaço é possível através da representação gráficae com linguagem própria: a cartografia.

A criança entre os cinco e sete anos toma gradativa consciência do seu corpo comsuas partes. Nesse momento passa a ter a possibilidade de, aos poucos, projetar objetos epessoas. É quando as relações espaciais topológicas elementares são “construídas”,estabelecendo espaço próximo e usando referências elementares – dentro/fora, perto/longe...

Assim, a partir da construção da noção de espaço a criança começa a dar conta queo juízo que ela faz da localização, através das suas referências espaciais, muitas vezes nãoconfere com o que acontece.

A partir do próprio corpo (referência para localização) a criança começa a perceberque pode usar outros referenciais espaciais e, após os sete anos, ela passa a conservar aposição dos objetos e a alterar o ponto de vista, construindo relações espaciais projetivas.Isso ocorre juntamente com o surgimento noção de localização que situam os objetos emrelação aos outros. Por isso, o trabalho com a orientação, localização, e representaçãodeve partir do espaço próximo para o distante, abordando o primeiro em relação comoutras instâncias espacialmente distantes. Ou seja, a realidade deve ser o ponto de partidae de chegada par o desenvolvimento do trabalho docente.

Mas a herança da escola-fábrica em suas relações verticalizadas, na transmissãobipolar do conhecimento – professor para estudante -, na valorização do ordenamento dos

SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...

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espaços escolares, ainda tem dificultado uma abordagem contextualizada e centrada nocotidiano tanto das professoras5 , quanto das suas crianças nas séries iniciais, o que nosleva a um dos conflitos atuais da Educação: demandas contemporâneas, mas soluçõesmodernas para nosso estar na Escola.

A educação na contemporaneidade

Ao vivermos um tempo de acelerações a educação básica não escapou das suasrepercussões. A organização escolar foi questionada, as vias da formação docente vêmsendo redefinidas e o currículo repensado pelos atores da educação. Na correnteza dessasmudanças percebemos a demanda de uma maior atenção para as metodologias de ensino,um equilíbrio entre os saberes docentes e as competências necessárias a uma educaçãopara este século. É necessário, ainda, investir em um pensamento aberto, produtivo ecriativo para por em suspensão uma ordem estabelecida e suas verdades que se pretendemdefinitivas.

No entanto, as modificações na educação escolar passam, prioritariamente, pelosprofessores e pelos seus papéis, já que eles, em última instância, são os que interpretam osmodelos de gestão, a organização da escola, o currículo, dentre outros aspectos quecompõem o cotidiano escolar.

(Mas) O professor é um sujeito de um tempo determinado, de uma sociedade concreta,que vive as contradições e as incertezas deste mesmo tempo e sociedade. É um indivíduo,com uma história de vida ligada a um estrato social, a uma família, num meio com tudoisso interferindo no desempenho do seu papel. Por isso, é necessário colocar este professor,desde a sua formação inicial, em contato com a dinâmica da escola básica, aproximandosua formação da experiência profissional e valorizando sua individualidade.

Mesmo que ainda presenciemos a tentativa da manutenção de uma ordem, queredunda em um ensino que mantém algumas tradições, tem sido voz corrente as reflexõessobre os equívocos da unificação curricular.

Nas sociedades primitivas a educação era uma tarefa coletiva – os adultosapresentavam às crianças e aos jovens códigos e valores do grupo. Entretanto, à medidaque as sociedades ficaram mais complexas, a educação sofreu uma setorização e passoua ser trabalho de especialistas. Podemos ressaltar, aqui, duas características que a sociedademoderna deixou para a educação formal:

· unificação: pouca atenção prestada à diversidade cultural dos estudantes;· repetição: extensão exagerada e desarticulação dos conteúdos.

5 O Curso de Pedagogia tem a maioria da sua população feminina e, consequentemente, a ocupação doscargos e funções na escola também. Por isto, optei em adotar o gênero feminino ao referir às professoras destesegmento de ensino no texto.

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Para problematizar o binarismo que ainda encontramos na nossa educação, pensoser necessário tencionar algumas questões para uma discussão sobre a educação básica.Isso não significa dizer que se trata de caracterizar o ensino como ”tradicional” ou “crítico”,como querem alguns, mas entender a necessária multiplicidade das questões que envolvemo ato de ensinar. Um exemplo deste tensionamento pode ser o debate sobre para quemensinar – uma camada da sociedade ou todas as pessoas que a compõem?

Ao propor o exercício de extrapolar o binarismo do pensamento moderno é precisodestacar que esta questão não se reduz à composição demográfica da escola, mas destacara necessidade de uma mudança na sua cultura original, somada à reflexão sobre suamatriz curricular. Se condicionarmos o ensino ao mundo do trabalho fica difícil não incorrerna massificação da educação básica e, conseqüentemente, reforçar os dois aspectosressaltados anteriormente: a unificação e a repetição do ensino.

É necessário apostar em outras perspectivas que já podem ser consideradas realidade,como a relação de co-produção entre o professor e seus alunos. Daí a urgência de umcurrículo que valorize as diferentes possibilidades da formação docente e que insira oprofessor em uma cultura científica e tecnológica dessa nossa contemporaneidade.

As metodologias de ensino também precisam valorizar a experimentação do ensinoem todo o processo da formação inicial e continuada do professor, assim como garantir sua

heterogeneidade sociocultural. O viés da articulação da escola com o mundo do trabalhopode contribuir para superar o condicionamento da primeira a este, passando a valorizaros componentes da profissionalização docente e garantindo a integração entre a teoria e aformação geral do professor: prática profissionalizante estreitada pela cultura tecnológica.

Outro aspecto que demanda nossa atenção é a reorganização da escola. Nela énecessário que seja garantido que o docente seja visto como um centro de recursos educativospostos à disposição dos educandos para que, como nos indicou Paulo Freire, “a educação,qualquer que seja ela é sempre uma teoria do conhecimento colocada em prática”. (FREIRE,1999, p.25)

Contribuições da Geografia para a formação do licenciando em Pedagogia

A Geografia apresenta-se como uma possibilidade para o alargamento do horizontedo conhecimento ao apresentar oportunidades concretas para o estudante-licenciado seinstrumentalizar para a aquisição do saber geográfico. Ou seja, oportunizar formas deexpressão através de leituras analíticas e compreensivas e a ampliação do conhecimentoespecífico desta área. Uma das grandes questões que preocupam os professores, de modogeral, engloba duas dificuldades no seu cotidiano:

· O que ensinar? Identificar o que é realmente significativo para o estudante, o quevai auxiliá-lo a situar-se no seu meio social, conhecendo e interpretando os fenômenossociais, políticos e econômicos que regem a sociedade, são algumas reflexões possíveis

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para essa questão. É preciso ter clareza da realidade educacional brasileira, das suastendências no contexto atual, das perspectivas e necessidades que derivam desta realidade,e como isso reflete no nosso dia-a-dia como educadores na(s) nossa(s) escola(s). ParaVeiga-Neto (2007, p. 25), “o educador precisa emancipar-se a si mesmo, para que suaatividade docente seja um ato de emancipação e não de embrutecimento” . Assim, énecessário explicitar o que significa assumir algumas posturas em relação ao trabalho emeducação de modo geral e, em particular, à prática em sala de aula.

· Como ensinar? Oportunizar um tipo de ensino que permita ao educando construirseu próprio conhecimento, procurando desenvolver metodologias participativas e quepromovam a co-produção é outro aspecto a ser destacado.

A visão que o professor tem do mundo, do homem e da sociedade tem influênciadecisiva no seu trabalho pedagógico. Diante da realidade educacional, inserida no contextosocioeconômico e político, é imperativo que o professor se posicione politicamente. Avisão e a concepção sobre educação e sociedade refletirão na opção metodológica queconduz o trabalho pedagógico – verticalizado, ou não.

A definição por uma metodologia de ensino é orientada pela compreensão einterpretação da realidade, concretizada por uma prática docente em uma dada disciplina.Esta concepção teórica irá orientar a ação pedagógica em seus diversos aspectos: relaçãoprofessor-estudante, seleção dos conteúdos e sua abordagem, procedimentos didáticos,avaliação, dentre outros.

É importante que o conteúdo educativo atinja maior significação, e isso irá ocorrerquando o professor conhecer a realidade de que seus educandos fazem parte. A partir doconhecimento desta realidade, relacionada ao ambiente de trabalho do professor, é quehaverá uma melhor adequação ao caminho metodológico a empreender.

Sabemos da heterogeneidade da nossa realidade educacional. Na escola encontramosdiferentes demandas intelectuais, afetivas e sociais. O conhecimento dessa realidade precisaser considerado para a condução da ação docente em sala de aula. Muitas vezes a divisãodo trabalho na educação contribuiu para alienar o professor da sua interação diária comos estudantes no desenvolvimento do seu trabalho. A aproximação do conhecimento mútuo– aluno e professor – pode favorecer uma relação mais dialogada e a valorização deopiniões e posições diferentes, superando o modelo de relação verticalizada, com podercentralizado no professor.

Com o conhecimento da realidade em que está inserida a escola onde trabalha oprofessor viabiliza uma melhor organização das atividades pedagógicas que promovamníveis mais elaborados de conhecimento e habilidades intelectuais dos seus educandos.Assim, uma das preocupações do educador deve ser a de propiciar meios para que oeducando desenvolva uma boa comunicação para o aprofundamento dos seusconhecimentos, considerando as experiências e os conhecimentos individuais, historicamenteconstruídos. Ou seja, o que está posto para o ensino da Geografia é a compreensão do

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indivíduo como parte da sociedade e agente ativo na construção do espaço. O professorpode iniciar este debate nas séries iniciais, favorecendo a compreensão dos espaços emque vivemos para nossa intervenção. Note que esta perspectiva de ensino está na contramão da Geografia Tradicional que, historicamente, primou pela descrição e memorizaçãodos seus conteúdos e que ainda está presente nos currículos da educação básica. Aabordagem de ensino, defendida aqui, reconhece a Geografia como campo de conhecimentodas ciências sociais e tem a sociedade como o centro das suas discussões.

É preciso tomar como condição necessária para o ensino da Geografia a discussãoe elaboração de pressupostos teóricos que norteiam nosso trabalho, relacionando-os àrealidade em que vivemos e desenvolvendo um trabalho de assunção de agente construtordesta realidade. Por fim, é preciso criar condições para que nossos educandos possamconhecer o espaço e ter instrumentos para saber-se atuante na construção deste. Entenderque o lugar que está ocupando socialmente pode ser uma das conseqüências do modo emque os homens se relacionam entre si, é um possível ponto de partida para que nossosestudantes assumam o lugar de construtor do espaço.

O Conceito de Espaço na Educação Infantil e sua percepção pela criança...

As concepções que temos de mundo são historicamente construídas e, além desofrerem constantes modificações, não se apresentam homogeneamente no tempo e noespaço. Assim, ao considerarmos a idéia de criança é preciso saber o contexto sócio-cultural a que estamos nos referindo. Em uma sociedade algumas crianças podem assumirresponsabilidades dentro do grupo que faz parte, que vão ser diferentes das crianças dealguns grupos de outras sociedades. Em uma mesma cidade, dependendo da classe sociala qual pertence, a criança pode enfrentar adversidades com o trabalho infantil ou ter oscuidados e proteção necessária ao seu desenvolvimento. Exatamente por ser um sujeitosocial e histórico, ela faz parte de uma organização familiar que está inserida em umasociedade.

Por possuir uma natureza singular, se caracteriza como um ser que sente e pensa omundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelece com as pessoas e com omeio em que vive, desde seu nascimento, a criança revela seu esforço para compreender omundo em que vive e, ao brincar, explicita as condições de vida a que está submetida. Naconstrução do conhecimento ela utiliza diferentes linguagens e exerce sua capacidade deformular hipóteses originais sobre o que pretende desvendar. Por isso, ela constrói oconhecimento a partir das interações com as pessoas e com o meio.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam alguns objetivos para a Educação Infantildos quais destaco um “Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente evalorizando atitudes que contribuam para sua conservação.” (BRASIL, 1998, p.63)

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O conceito de espaço na educação infantil e sua percepção pela criança é umaabordagem que tangencia o próprio ensino do saber geográfico neste segmento da educação.É preciso atentar que as particularidades de cada proposta curricular devem estar vinculadasàs características socioculturais da comunidade na qual a Escola esteja inserida.

Sabemos que, ao nascer, o bebê está em um estado de fusão com a mãe, nãodiferenciando seu próprio corpo e limites. Aos poucos vai adquirindo consciência doslimites do seu corpo e as conseqüências de seus movimentos. Isto porque desde o nascimento,as crianças se orientam, prioritariamente, para o outro. A criança vai construindo a noçãode espaço a partir das suas relações espaciais e da psicogênese dessa noção.

O Espaço Vivido é aprendido por brincadeiras que a criança explora, com seupróprio corpo, as dimensões e as relações espaciais. É preciso ajudá-la a lateralizar-se, ouseja, tomar consciência do predomínio lateral em seu corpo (direita ou esquerda). Assim,a análise do espaço é apreendida pela criança a partir das suas experiências com seupróprio corpo.

A fase do Espaço Percebido não precisa mais ser experimentada fisicamente. Piaget(apud WADSWORTH 1995, p.82) nos indica que o pensamento intuitivo (construído dosquatro aos sete anos) assenta-se sobre a aparência do fenômeno – o que a criança percebeou parece estar acontecendo. Nesta fase, a criança passa a lembrar os percursos que faznão sendo mais necessário percorrê-los. Segundo Passini (2002), é nesse momento quecomeça a Geografia para ela e o professor deve proporá atividades que desenvolvamconceitos e noções de espaço.

No terceiro estágio, Espaço Concebido, a criança já estabelece relações espaciaisentre os elementos a partir da representação, ou seja, pode ter uma idéia sobre a área,mesmo sem conhecê-la. Nesta fase ela já consegue pensar cientificamente, buscandosoluções lógicas para os problemas.

Em síntese, dos cinco aos oito anos a criança distingue direita e esquerda, masainda não consegue projetar, pois, como nos indica Passini, exige descentralização(passagem do egocentrismo infantil para um enfoque mais objetivo da realidade) ereversibilidade (caminho de ida e volta). Dos oito aos onze anos já é capaz de distinguir adireita e a esquerda de alguém, de frente para ela, pois o domínio da conservação (referencialpara que a ação seja revertida). Porém, só após os onze anos a criança é capaz de situarobjetos, independente da sua própria posição ou do seu corpo.

Assim, a criança vai construindo seu saber – retendo parte(s) do que lhe é ensinadoao integrá-los, à sua maneira, nos esquemas de pensamento e ação. E o professor é sujeitofundamental para mediar esse processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, as pessoas queconvivem com a criança, medeiam seus contatos com o mundo, e nestas relações suascaracterísticas vão sendo construídas, e o professor das séries inicias precisa ter essanoção. É preciso estar atento às perguntas feitas por elas, o modo pela qual elas desenvolvemseu aprendizado e se interam do meio social e natural em que vivem. Por isso, o trabalhodocente deve estar voltado para a ampliação das experiências trazidas pelas crianças para

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o espaço da sala de aula.

Geografia, Pedagogia e outros diálogos necessários

Não poderia finalizar este texto sem apontar algumas questões imperativas para oensino da Geografia na contemporaneidade. Assim, não é uma conclusão, mas a propostade novos começos que partam das demandas que se apresentam à Educação neste novoséculo.

No processo de contínuas mudanças em que vivemos, e a partir do requintetecnológico, as transformações podem ocorrer de maneira mais acelerada, ou não. Dessaforma, a escola é impelida a participar dessas transformações sem que fique à margem docrescimento de uma sociedade. Cabe, então, à escola, potencializar o educando em seuprocesso de ensino e aprendizagem para seu crescimento intelectual.

É necessário que seja desenvolvido, ainda nas primeiras séries, um processo dealfabetização de forma integral, buscando realizar a possibilidade e o desejo de ler omundo. Daí que a necessária contextualização do saber geográfico na sua emergênciahistórica vem atribuir ao fazer pedagógico o caráter de veículo para a interpretação doreal, no qual os vários campos do conhecimento sistemático sejam instrumentos dedecodificação desse real e privilegie o enfoque interdisciplinar.

Partindo do seu objeto de estudo, o ensino da Geografia deve conceber o espaçogeográfico como produto social construído na relação da sociedade com a natureza, tendoo trabalho com elemento viabilizador dessa construção.

No entanto, o modo de fazer, pensar e ensinar uma ciência tem estreita relação comas demandas históricas. O saber geográfico existe desde a Pré-História, quando os homensapenas marcavam os caminhos e projetavam seus desenhos em pinturas rupestres,elaborando só primeiros mapas. Dessa forma, há um entendimento de que o saber geográficoantecede a escrita, considerando, também, a transmissão de informações geográficaspassadas de geração para geração.

No Brasil, a Geografia vem convivendo com impulsos renovadores desde aredemocratização do país, e estes impulsos têm atingido o ensino na/da escola básica. Oespaço geográfico era apreendido, prioritariamente, por metodologias descritivas, mas apartir dos anos 1980 passou a ser debatido como elemento que compõe o quadro social,tendo valor explicativo dessa realidade. Para tal abordagem, foi necessário que a Geografiarestabelecesse o diálogo rompido com outras ciências sociais no período da influênciamilitar no ensino nacional, ressignificando o valor educativo desta área do conhecimento.

Ao discutirmos o valor educativo do ensino da Geografia na Contemporaneidadedefrontaremos, conseqüentemente, com a problemática da formação do professor, tantonos diversos campos do conhecimento, quanto nos vários segmentos da educação. Énecessário retemperar o discurso em cada sala de aula com outras perspectivas teóricasdaquilo que estamos debatendo com nossos estudantes e superar o inventário que

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tradicionalmente é feito nas aulas da escola básica. Ou seja, é preciso empreender umesforço intelectual com a leitura dos diversos autores que pensam/escrevem a Geografia edemais áreas. O professor, na veiculação do saber geográfico, deve estar atento àscontribuições do conjunto dos saberes, (re)organizando seu discurso conceitual paraacompanhar e participar do fluxo de mudanças, e possibilitar que seu educando compreendae atue na sociedade da qual faz parte. Assim, o estudante das séries iniciais pode entrar emcontato com diferentes concepções e visões dos temas tratados pela Geografia, construindoconhecimento de forma significativa e, principalmente, considerando que as relações sociaispossuem um conteúdo territorial. Esta é uma das grandes contribuições que podemosidentificar para que o saber geográfico seja contextualizado na sua emergência histórica ena realidade da criança da educação básica. É, também, uma soma para o trabalho doprofessor das séries iniciais do Ensino Fundamental no sentido de contribuir para umtrabalho que privilegie o diálogo entre os diversos campos do conhecimento, para que elecumpra do desafio de amalgamar a sua formação inicial na Licenciatura em Pedagogiacom os saberes da Geografia no campo da Educação.

É preciso, então, repensar permanentemente a educação em seus domíniosepistemológicos e políticos, o que pode apontar para o começo da descolonização de umpensamento que insiste em preceder a nossa prática docente. Além disto, as experiênciasmodificadoras da/na prática docente precisam ganhar relevo para que a sala de aula sejacada vez mais espaço de aprendizagem, não com modelos estabelecidos a priori, mascomo possibilidades coletivas em que construímos este processo.

Referências

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BRZENZINSK, Iria. Profissão Professor: Identidade e profissionalização docente. Brasília/DF:Editora Plano, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:Paz e Terra, 1999.

HOFFMAN, Jussara. Um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação,1996.

KINCHELOE, Joe. A formação do professor como compromisso político. Porto Alegre: ArtesMédicas, 1997.

PASSINI, Elza; ALMEIDA, Rosângela D. de. Espaço geográfico: ensino e representação. 12ed. São Paulo: Contexto, 2002.

SACRISTÁN, J. Gimeno; GOMÉZ, I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre:Artmed, 1998

SCHULMAN, L. Ensino, formação do professor e reforma escolar. In: CASTRO, C.M. eCARNOY, M. (orgs.). Como anda a reforma da educação na América Latina?. Rio de Janeiro:Fundação Getúlio Vargas, 1997.

VEIGA-NETO, Alfredo. Vigiar, punir ou educar? Revista Educação – Especial: Biblioteca do

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Professor n.o 03, Foucault pensa a Educação. São Paulo: Editora Segmento, 2007.

WADSWORTH, Barry J. Inteligência e Afetividade da Criança na Teoria de Piaget. São Paulo:Pioneira, 1995.

WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000.

Recebido para publicação dia 20 de Julho de 2007

Aceito para publicação dia 28 de Agosto de 2007

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ENSINO E PESQUISA:REFLETINDO SOBRE A

FORMAÇÃOPROFISSIONAL

EM GEOGRAFIA PAUTADA

NO DESENVOLVIMENTO DA

COMPETÊNCIA

INVESTIGATIVA

TEACHING AND RESEARCH:REFLECTING UPON PROFESSIONAL

FORMATION IN GEOGRAPHYGUIDED BY THE DEVELOPMENT OFAN INVESTIGATIVE COMPETENCE

ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN:REFLEXIONANDO SOBRE LA

FORMACIÓN DEL PROFESIONAL ENGEOGRAFÍA CON BASE EN EL

DESARROLLO DE LA COMPETENCIAINVESTIGATIVA

ANA MARIA RADAELLI DA SILVA

[email protected]

JUÇARA SPINELLI

[email protected]

ICEG/Universidade de PassoFundo - UPF

Resumo: O propósito deste texto é socializar reflexões sobre aexperiência que vem sendo construída em decorrência dosprocedimentos adotados nas disciplinas de Metodologia da Pesquisae Seminários de Pesquisa em Geografia da Universidade de PassoFundo - UPF, bem como levantar idéias que possam subsidiar o debateacerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pela elaboraçãode trabalhos de conclusão de curso no ensino superior. Para tal,apresentam-se, inicialmente, referências teóricas que orientam ametodologia da pesquisa e discute-se o ensinar a pesquisar;posteriormente, destaca-se como vem sendo trabalhado o ensino nadireção da iniciação investigativa, demonstrando-se o processoconstruído ao longo do Curso, na UPF e, ao final, analisa-se aarticulação dos trabalhos elaborados a partir dessas disciplinas, tantoao currículo acadêmico quanto à consolidação das linhas de pesquisado Curso.Palavras-chave: Ensino e pesquisa; Metodologia da pesquisa; Cursode Geografia – UPF; Modalidade licenciatura; Modalidadebacharelado.

Abstract: The purpose of this study is to socialize the reflectionsabout the experience which is being built in consequence to theprocedures adopted in the disciplines of Research Methodology andSeminars of Research in Geography of the University of Passo Fundo,UPF, as well as to raise ideas which can subsidize the debate regardingscientific initiation, as a rule, determined by the elaboration of finalprojects in graduation courses. Therefore, at first, we presenttheoretical references that direct the research methodology and wediscuss the teaching to research. Subsequently, we highlight howthe teaching in the direction of the investigative initiation has beenworked, demonstrating the process built throughout the course, atUPF and, finally, we analyze the articulation of developed studiesfrom these subjects in the academic curriculum as well as in theconsolidation of research lines of the course.Keywords: Teaching and research-UPF; Research methodology;Geography course; Dgree; Bachelors degree.

Resumen: El objetivo de este trabajo es socializar la experiencia quese ha venido construyendo como resultado de los procedimientosadoptados en las disciplinas de Metodología de la Investigación ySeminarios de Investigación en Geografía, en la Universidad de PassoFundo (UPF), así como plantear ideas que permitan encauzar el debatesobre la iniciación científica, por lo general, delimitada por laelaboración de trabajos de final de carrera en la enseñanza de nivelsuperior. Para ello, se presentan inicialmente referencias teóricas queorientan la metodología de la investigación y se discute el enseñar ainvestigar, posteriormente, se destaca cómo se ha venido trabajandola enseñanza en la dirección de la iniciación investigativa, y sedemuestra el proceso construido a lo largo de la carrera, en la UPF.Para terminar, se analiza la articulación de los trabajos elaborados apartir de esas disciplinas, tanto al currículo académico como a laconsolidación de las líneas de investigación de la carrera.Palabras clave: Enseñanza e investigación; Metodología de lainvestigación; Carrera de Geografía – UPF; Modalidadlicenciatura; Modalidad bachillerato.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 163-176 Jan-Ju n/2007

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Intr odução

Do pressuposto de que pesquisar é um imperativo para os profissionais de educação,bem como uma atividade implícita e explícita a todo o processo de formação, decorre ointeresse de iniciar um debate acerca dos procedimentos adotados no processo de ensinoda iniciação à pesquisa em Geografia. Assim, o presente trabalho objetiva socializarreflexões sobre o trabalho que se realiza nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa,Seminários de Pesquisa em Geografia I, II e III e Trabalho de Conclusão de Curso, bemcomo possibilitar um debate acerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pelaelaboração de projetos cujos referenciais e levantamentos tornam-se trabalhos finais decurso no ensino superior. Para tal, apresenta-se o caso do Curso de Geografia daUniversidade de Passo Fundo - UPF, o qual congrega as modalidades licenciatura ebacharelado, tendo sido avaliado e recomendado pelo Ministério de Educação em 2006.

As reflexões que norteiam a questão ensinar a pesquisar, apresentam-se,inicialmente, pela exposição de um breve quadro referencial teórico que aborda metodologiasde pesquisa e discute o ensinar a pesquisar. Nesse horizonte, denotam-se os desafios demobilizar os acadêmicos para a elaboração de projetos de pesquisa de uma área queatende ao processo formativo em nível de licenciatura e/ou bacharelado, desenvolvendohabilidades de pesquisar e “questionar” o conhecimento. Esses desafios têm, por um lado,a preocupação de tornar os acadêmicos aptos para incorporar permanentemente odesenvolvimento científico e tecnológico, tanto como uma prática inerente ao processo deformação, quanto à própria prática profissional. Por outro lado, buscar apoio do uso dapesquisa no ensino tem sido o principal viés dado ao Curso no âmbito da licenciatura e, noâmbito do bacharelado, a investigação em temas emergentes e/ou recorrentes tem sidouma prática, em especial nos estágios curriculares e/ou profissionalizantes.

Socializar como vem sendo trabalhado o ensino na direção da iniciação investigativa,demonstrando-se o processo construtivo ao longo do Curso de Geografia da UPFcompreende o segundo tópico do presente artigo. Sua relevância está calcada nofortalecimento buscado, ao longo do currículo do Curso, em pedagogicamente permitiravanços nos diversos campos que compõem o conhecimento geográfico de forma apromover: a) leituras de temas específicos, b) captura de informações por meio de recursostradicionais ou eletrônicos, c) análises geoespaciais, d) utilização de recursos cartográficose geotecnologias aplicadas ou aplicáveis ao campo de pesquisa e como instrumentosessenciais ao ensino e à pesquisa em Geografia, e) seminários por linhas de pesquisa,entre outros.

A criação e a consolidação das linhas de pesquisa, no Curso, vêm sendo promovidas,de um lado, pela execução de projetos institucionais e interinstitucionais por parte dosdocentes do Curso e de áreas afins, com participação de alunos bolsistas e, de outro, portrabalhos construídos nas diversas disciplinas. As linhas de pesquisa, até o momentoconsolidadas, intitulam-se: Relação Sociedade-Natureza e Impactos Ambientais, Processo

SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...

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de Transformações Territoriais no Rio Grande do Sul, Processos de DesenvolvimentoRegional, bem como, Geografia, Ciência e Ensino. Destaca-se que as iniciativas para aconsolidação dessas linhas de pesquisa, embora constantes, cuja participação dosacadêmicos tem sido considerada de fundamental importância, têm se revelado como umdesafio aos discentes em formação investigativa, quer pela responsabilidade que acabasendo imposta ao sentirem a necessidade de enquadrar seu projeto em uma dessas linhas,quer pela necessidade dos docentes orientadores, em alguns momentos, de acabaremtransitando por linhas de pesquisa distintas de seus projetos institucionalizados. Estas eoutras inquietações são debatidas no terceiro tópico do artigo, junto à socialização doresultado de experiências de ensino na pesquisa geográfica.

Ensinar a pesquisar: desafios e considerações iniciais

Dentre as inúmeras preocupações que permeiam o ensinar a pesquisar, a experiênciadocente junto ao Curso de Geografia da UPF tem salientado, em primeiro lugar, a dificuldadeque os alunos têm em definir a temática a ser investigada e elaborar o próprio projeto e,em segundo lugar, o método e a(s) técnica(s) de pesquisa a serem perseguidas na execuçãodo projeto.

Com relação ao primeiro ponto, ao longo das vezes em que a disciplina deMetodologia da Pesquisa em Geografia foi ministrada, foi sendo aperfeiçoado o processode integração interdisciplinar, ou seja, foi sendo incentivado que os professores das diversasdisciplinas ilustrassem suas aulas com projetos e pesquisas em andamento ou já realizadasem sua área de atuação, apresentando resultados parciais e/ou finais. Com isso, observou-se o despertar do interesse por realizar trabalhos semelhantes e novas possibilidades nastemáticas em questão por parte dos alunos e, na medida em que as disciplinas ocorrem,fortalece-se a atenção para possíveis avanços no conhecimento nos diversos campos daGeografia. Quanto à elaboração dos projetos de pesquisa, definidas as temáticas, adotou-se o critério de perseguir uma orientação normativa instituída pela própria Universidade1 ,seguindo um roteiro norteador para projetos e trabalhos científicos e o procedimento demetodologia científica conforme as normativas estabelecidas pela Associação Brasileirade Normas Técnicas – ABNT.

Cumpridas as etapas anteriores, de definição da temática e da elaboração do corpobásico-estrutural do projeto, o desfio subseqüente refere-se ao método científico e as técnicasde pesquisa a serem adotados. Na prática pedagógica, esse desafio torna-se maiscontundente, tendo em vista que, por se constituir em um momento de iniciação à pesquisa,os próprios conceitos de ciência, de metodologia e de conhecimento ainda precisam sercompreendidos ou retrabalhados. Nesse contexto, compartilham-se as considerações de

1 São orientações que compõem a obra de RAUBER, J. J. e SOARES, M. Apresentação de TrabalhosCientíficos: Normas e Orientações Práticas, EDUPF.

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Gerardi e Silva (1981, p.3) quando tratam das perspectivas para trabalhar a metodologiacientífica e a pesquisa em Geografia:

Entendemos por ciência um método de estudo, ou seja, um processo no qual seconstrói, passo a passo, um modelo da realidade, supervisionado e manejável.Esta realidade pode envolver somente fenômenos naturais ou humanos, ouainda, uma combinação dos dois.

O estabelecimento do método científico de estudo, portanto, é considerado tãofundamental quanto a escolha da temática e a elaboração estrutural do projeto de pesquisa,até porque a ciência ressalta-se como um produto do conhecimento científico. Assim,dentre os diversos conceitos de método científico, adotou-se, para efeitos deste artigo, o deAbbagnano (1970, p. 640) para o qual se trata de um “procedimento de investigaçãoordenado, repetível e auto-corrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos”.

De uma maneira geral, em Geografia trabalha-se mais comumente com um dos trêsmétodos científicos: o indutivo, o dedutivo e o dialético. Esses métodos são apresentadose debatidos desde o primeiro nível do Curso, nas disciplinas de Introdução à Filosofia daCiência e Iniciação ao Estudo Acadêmico e vão sendo retrabalhados nos semestresposteriores, em disciplinas afins.

O método indutivo preconiza que a investigação parta de questões particulares atéchegar a conclusões generalizadas ou universais, ou seja, dos fatos às leis. Segundo Lakatose Marconi (1990, p. 85) “o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujoconteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se baseiam”.

O método dedutivo é aquele que procede do geral para o particular, do princípiopara a conseqüência, percorrendo níveis de abstração da observação de um fenômenogeral, buscando particularizá-lo, o que pressupõe uma operação mental em busca daconclusão. Inicialmente, o raciocínio dedutivo foi desenvolvido por Aristóteles (384-322a.C.) na Antigüidade Clássica, também denominado silogismo, um raciocínio dedutivoformal, e foi revigorado por Descartes (1596-1650) em um momento de busca da construçãode uma nova ciência, através da adoção de uma atitude de dúvida metódica e doracionalismo, tomando o conhecimento procedente de uma verdade a priori (1969).

O método dialético foi sendo estabelecido com base nas leis da dialética, umprocedimento que supõe a prática do diálogo. No início do século XIX, Friedrich Hegel(1770-1831) apresenta a dialética como um movimento histórico do espírito em direção àautoconsciência e, portanto, um processo movido pela contradição. Karl Marx (1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895) aceitam, mas reformam o conceito hegeliano dedialética, utilizando a mesma forma, mas introduzindo um novo conteúdo. Essa novadialética é chamada de materialista e analisa o tempo histórico sob a ótica dos processoseconômicos e sociais que ocorreram em dados períodos ou modos de produção.

Para a Geografia é um procedimento que enriquece o estudo dos fenômenos, umavez que pressupõe que eles sejam analisados levando em conta o seu dinamismo, revelando-

SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...

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os no contexto em que ocorrem, explicando-os como um movimento e apresentando suascontradições.

Abordados os métodos, parte-se para as técnicas de pesquisa, via de regra,trabalhadas no âmbito dos tipos de pesquisa, ou seja, da pesquisa bibliográfica, da pesquisaqualitativa e da pesquisa quantitativa.

A pesquisa bibliográfica, de cunho teórico, tem o intuito de ser “dedicada a reconstruirteoria, conceitos, idéias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos,aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000, p. 20). Embora não implique em imediataintervenção na realidade, a pesquisa teórica não deixa de ser importante, pois seu papel édecisivo na criação de condições para a intervenção. Nas palavras de Demo, “oconhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenhológico, argumentação diversificada, capacidade explicativa” (1994, p. 36). Em termos detécnicas, a pesquisa bibliográfica é feita a partir de documentos tais como livros, periódicos,livros virtuais, cd-rom, internet, revistas, jornais, entre outros.

A pesquisa qualitativa diz respeito ao estudo de temas no seu cenário natural,buscando interpretá-los em termos do seu significado assumido pelos indivíduos; paraisso, usa uma abordagem holística, que preserva a complexidade do comportamento humano(GREENHALGH e TAYLOR, 1997). As principais técnicas utilizadas em pesquisasqualitativas são realizadas através de diários de campo, observação participante, entrevistaindividual (formais, informais, estruturadas, não-estruturadas), entrevista familiar,entrevista em grupo, etc. Para a realização de tais procedimentos, utilizam-se instrumentoscomo imagens: vídeo, fotografias, coleta de narrativas e histórias de vida, análise de materialescrito/impresso, entre os diversos recursos.

A pesquisa quantitativa é um método de pesquisa que utiliza técnicas estatísticas.Normalmente implica a construção de inquéritos por questionário e elaboração de bancosde dados e informações geográficas. Dada a complexidade dos fenômenos geográficos,normalmente, é realizada através de técnicas de amostragem.

Aliado ao processo pedagógico de âmbito teórico, ensinar a pesquisar induz,também, a um conjunto de procedimentos de ordem prática. Proporcionar a concretizaçãoda relação teoria-prática no (re)conhecimento de temas pertinentes a serem investigadosrevela-se como mais um desafio no campo do fazer geográfico, que coloca em confronto,para os acadêmicos, o contato da realidade apreendida pela leitura com o contato com arealidade vivida na execução da pesquisa. Esses procedimentos são expressos no itemseguinte com base no plano pedagógico do Curso de Geografia da UPF.

A pesquisa na Universidade de Passo Fundo e no Curso de Geografia

A Universidade de Passo Fundo é uma instituição comunitária e, por seu caráter,considerada de ensino público não-estatal. Esse caráter induz que a convergência entre astrês funções básicas da universidade, ensino-pesquisa-extensão, é o indiscutível caminho

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para a qualificação institucional bem como para o fortalecimento da formação acadêmicaenquanto compromisso com a produção e socialização do saber.

Em que pese a obviedade dessa idéia, por inúmeras questões que vão da capacitaçãodos profissionais ao desempenho dos acadêmicos, permeadas pelas estratégias de gestão,vive-se uma realidade marcada pela permanência da desarticulação e fragmentação nocivasà qualificação do processo de formação profissional. Essa situação, não raro, é comum àsinstituições/entidades de ensino superior de cunho privado, cuja preocupação maior é aformação em caráter de urgência e até de emergência, garantindo a circulação de capital,entenda-se, de alunos, muitas vezes induzindo ao desrespeito a essa tríplice função. Nasinstituições comunitárias, historicamente, essa tríplice função tem sido respeitada, muitoembora a concorrência gerada pela instalação de muitas entidades de ensino superioracabe, por vezes, ferindo o pleno funcionamento institucional.

Não é intenção desse texto, entretanto, questionar se a instituição está cumprindosuas determinações estatutárias de oferecer ensino, pesquisa e extensão para ser fiel aoperfil identitário que consta nos seus documentos ou se a gestão financeira/contábil seimpõe no estabelecimento/manutenção das deploráveis fronteiras entre docência, pesquisae extensão às demandas da comunidade.

Importa, na verdade, é ter consciência desse contexto restritivo, não como forma dedesestímulo, mas de revigoramento das intencionalidades expressas no Projeto Político-Pedagógico do Curso de Geografia/20012 e, na medida das possibilidades, argumentarpara o convencimento daqueles que não se renderam, ainda, à inquestionável relação entreensino-pesquisa e ao reconhecimento de que ambos contribuem para a qualificação daspráticas extensionistas.

Corroboram nesse sentido Damiani e Carlos (1999, p. 99), para as quais

A universidade, a nosso ver, se constrói, fundamentalmente, no cotidiano dapesquisa – sem a qual não há ensino comprometido com a formação do cidadão-, o que aponta o único caminho viável à produção/reprodução de umconhecimento crítico e original, que marca o sentido da universidade e dásubstância ao trabalho acadêmico [...].

É uma idéia que contribui para a confirmação ou validação da proposta que baseiaesse texto. Constituído por uma matriz curricular que compreende uma carga horária de3.410 horas/aula teórico-práticas, distribuídas em oito semestres letivos, incluindo-se asatividades complementares (técnico-científico e culturais), o Curso de Geografia –Licenciatura e Bacharelado – da UPF apresenta uma estrutura curricular que incentivaatividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias desde o primeiro nível.Os itens que seguem buscam elucidar tal situação em ambas as modalidades.

2 Por conta do legalismo, decisões verticalizadas forçaram a separação das modalidades licenciatura ebacharelado, em 2005, permitindo a oferta de dois cursos, dos quais apenas a licenciatura se mantém. Aúltima turma do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado ingressou em 2004.

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A relação ensino-pesquisa na perspectiva da formação docente

O exercício do conhecimento é o caminho para a formação do cidadão. Na Geografia,o desafio é o conhecimento do mundo, da realidade e de suas contradições, o que exige umesforço para explicá-las, bem como para explicar as próprias relações com o mundo.

Para Carlos e Oliveira (1999, p. 141), “a pesquisa é ela própria um desafio erepresenta concretamente a possibilidade de descoberta de nossa condição no mundo”,enquanto um exercício livre, criativo, consciente em busca de respostas ao inquietantemomento que se vive, no terreno dinâmico do acontecer, das criações e das transformaçõesque conformam o mundo atual.

Na formação profissional em Geografia, diante das imensas possibilidades que seuobjeto, o espaço geográfico, oferece para investigação, é inequívoca a necessidade deserem desenvolvidas as bases teóricas e metodológicas que conduzam a uma conceituaçãosólida da ciência e da respectiva instrumentalização para a sua prática.

Especificamente no que diz respeito à formação para a prática docente, defende-sea idéia do fortalecimento da base científica e filosófica da Geografia como possibilidadede conferir ao ensino um caráter crítico e criativo, capaz de problematizar e propor soluçõespara as questões do conteúdo teórico e da respectiva dimensão social que se revela noespaço vivencial. Para tanto, essa formação deve ser sustentada pela pesquisa, uma vezque o espaço precisa ser discutido, pensado.

A categoria central da dialética marxista, a práxis, é referência epistemológica dadiscussão sobre a construção do conhecimento na perspectiva da superação da dicotomiaentre teoria e prática que a pesquisa possibilita.

Gonçalves (1994, p. 477) esclarece que

A práxis concebida como pensamento e ação, atividade objetiva,transformadora do mundo natural e social, que consubstancia a criação,a produção e a transformação, sedimentadas na unidade entre saber e

fazer, teoria e prática, ação e reflexão.

Em consonância com esta idéia, tem-se a preocupação de agregar ao desenvolvimentoteórico das disciplinas de formação pedagógica, experiências que sejam avaliadas à luz dateoria, como fundamento de sua reelaboração, às quais são destinados créditos específicosna grade curricular do Curso.

Aqui fica evidente o compromisso de articular ensino e pesquisa, em qualquer nível(preservadas as suas dimensões) para instrumentalizar o aluno-professor no seu próprioprocesso investigativo/criativo, a fim de que incorpore a metodologia da transposição dosaber acadêmico para o terreno da prática profissional.

O trabalho docente, impregnado de intencionalidade, visa à formação humana pormeio de conteúdos e habilidades, de pensamento e ação, o que implica escolhas, valores,

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compromissos éticos e que significa dizer, também, que o compromisso do professor éensinar, é formar.

Trabalhar o conhecimento no processo formativo dos alunos significa proceder àmediação entre os significados do saber no mundo atual e aqueles dos contextos nos quaisforam produzidos. Além de explicitar os nexos, significa contribuir com seu saber, seusvalores, suas experiências para melhorar também a qualidade social da escolarizaçãoparalelamente ao compromisso com o seu desenvolvimento intelectual.

Argumenta-se que, na formação para a docência, a pesquisa seja estimulada epraticada como compromisso de construção das competências profissionais, visando oexercício docente pautado na mediação de investigações criativas tendo a afetividade e

sensibilidade como propulsores da promoção, da mobilização, da motivação para a construçãodo conhecimento dos alunos.

Busca-se apoio na perspectiva de um ensino socioconstrutivista da Geografia paraencaminhar as atividades que visem às respectivas competências. O lugar é a disciplina deMetodologia e Prática de Ensino que desenvolve os referenciais teóricos para esclarecer esustentar as atividades práticas, em contato com a realidade escolar, entre as quais as quesão dinamizadas pelos trabalhos de campo.

A concretização efetiva dessa relação, ensino-pesquisa, na formação profissionaldocente, é potencializada especialmente pelos TCCs que são propostos e desenvolvidosem torno da linha de pesquisa Geografia, Ciência e Ensino.

Em estudo anterior, Silva e Fioreze expressam que

Paralelamente ao domínio do conteúdo da ciência geográfica, como requisitoprimordial para desempenho do exercício da docência em Geografia, eparalelamente também ao suporte técnico, didático e pedagógico, éimprescindível que os cursos superiores de formação de professoresproporcionem uma ampla e crítica visão epistemológica e histórica da mesma,para que o ensino da geografia seja também um ensino sobre a Geografia.(2000, p. 9-10)

Estas idéias justificam a definição da linha de pesquisa que abriga projetos depesquisa do Curso bem como TCCs, uma das opções a que aderem alunos que têm maisafinidade com a habilitação licenciatura.

Os trabalhos que se têm orientado convergem para uma reflexão sobre Geografiaenquanto ciência e enquanto disciplina escolar, cada qual com seus recortes temporais etemáticos.

Dessa reflexão decorrem análises sobre o estado da arte no ensino fundamental, ouno ensino médio; ou sobre o conteúdo dos livros didáticos em relação às orientações teórico-metodológicas da Geografia; ou sobre a abordagem didática de temas como os daGeopolítica; outros foram propostos e desenvolvidos com a finalidade de desvendar opapel educativo da Geografia em relação ao ambiente; outras incursões foram feitas noâmbito de propostas curriculares de escolas, de municípios da região, além daqueles que

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elegeram a utilização de recursos, como o da música ou da literatura, para discutir aspossibilidades do ensino renovado da Geografia.

Importa destacar uma significativa contribuição aos estudos de Geografia no RioGrande do Sul, o trabalho “Boletim Gaúcho de Geografia: a produção do saber e daciência geográfica na Associação de Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre”, de EvaJoelma Pires de Souza, orientada por Zélia Guareschi Fioreze, realizado no semestre2005/2, cuja análise faz um mapeamento da produção geográfica da entidade agebeana noestado.

Importa dizer, também, que é um aprendizado pleno de significados para orientadores/orientandos, um desafio e uma possibilidade de desvendar as múltiplas realidades e,sobretudo, a tomada de consciência sobre elas e sobre as condições de enfrentamento.

A relação ensino-pesquisa na perspectiva da formação do bacharel em Geografia

Pelo que já foi exposto, fica claro que o Curso apresenta uma estrutura curricularque incentiva atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias em todosos seus semestres letivos, cujas atividades são consubstanciadas, em um primeiro momento,pelas disciplinas comuns às duas modalidades e que permitem uma iniciação aoconhecimento filosófico/científico/técnico/pedagógico. Em um segundo momento, pelosestágios curriculares do bacharelado, os quais compreendem cinco estágios de cunhoacadêmico e dois estágios de cunho profissionalizante, o que vem a reforçar a idéia doexercício do conhecimento como um caminho para a formação cidadã, das realidades/diversidades e suas relações com o mundo.

Nessa perspectiva, desde o primeiro nível do Curso realizam-se atividades queenvolvem o ensinar a pesquisar. No primeiro nível, o estágio curricular I é voltado àrepresentação cartográfica, buscando congregar as disciplinas específicas de Geografia, éconfeccionada uma maquete do município, da região ou do estado. Esse procedimentoexige do corpo discente, um empenho em pesquisar as características do local a serrepresentado. Vinculado à disciplina de Cartografia Básica e Temática, exploram-sereferenciais de cartografia, além de conteúdos que elucidem os temas a serem lançadossobre o mapa-base proposto, sendo priorizado o rigor cartográfico, tendo, na representaçãocartográfica e na elaboração de um texto explicativo, o resultado de um processoinvestigativo que ocorre durante a disciplina.

No segundo nível, a pesquisa é incentivada no estágio curricular II, através do qualé realizado um trabalho de campo pelo Rio Grande do Sul. Para tal, novamente a pesquisae o levantamento de dados, de informações e de materiais cartográficos é um processofundamental que antecede o trabalho de observação e investigação acerca dosmacrocompartimentos geomorfológicos do estado e de sua caracterização geográfica comoum todo.

O trabalho de campo consiste, segundo Silva (2002), na prática andante de fazer

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Geografia, ou seja, uma forma de aproximação da teoria com a prática e uma possibilidadede ação reflexiva na interface da teoria e da prática educacional. Assim, esse Estágioconstitui-se num momento integrador, além de ser um núcleo estratégico fundamentalpara garantir que se efetive uma nova forma de profissionalização desde o início do Curso.

Os estágios curriculares III e IV, realizados nos respectivos níveis, congregam aprática de pesquisa em Geografia Física, através de atividades que permitem a iniciaçãoinvestigativa em Geologia, Geomorfologia, Climatologia, Hidrografia e Biogeografia.

O Estágio Curricular III tem abrangência local, ou seja, desenvolve-sepreferencialmente nas proximidades do campus central da Universidade, tendo como escalamáxima, o município de Passo Fundo. Compreende as mais variadas metodologias deidentificação dos elementos físicos, tais como componentes de uma bacia hidrográfica eseu comportamento, elementos climatológicos por interpretação de cartas sinóticas; tipose constituição de rochas e de solos, entre outros. Nesse estágio, os alunos, realizamobservações e coleta de informações geográficas, como medidas de áreas e superfícies,obtenção de coordenadas através de GPS (Global Positioning System), entre outras. Oproduto final constitui-se na elaboração do relatório técnico o qual é subsidiado pelapesquisa em fontes e materiais teóricos e balizado pelas análises resultantes do trabalhode campo.

Já o Estágio Curricular IV, que contempla atividades de Biogeografia épreferencialmente realizado em áreas de valor ambiental, sendo normalmente definidasáreas próximas do entorno da Universidade, e que possam servir de estudo nas referidastemáticas. O trabalho se constitui em um pequeno inventário que identifica e analisa osimpactos socioambientais decorrentes de alterações no meio físico, em especial nasformações vegetais, via de regra, inerentes ao processo capitalista de produção agropecuária,tendo em vista que a região transformou-se, ao longo dos últimos anos, de típica de mataAraucária ou Floresta Ombrófila Mista - tendo ainda espécies como erva-mate, cedro,canela, angico, entre outras - para de produção extensiva da soja e do trigo. As pesquisasdesenvolvidas nesse estágio revestem-se de um caráter interdisciplinar importante dentrodo próprio Curso, bem como com áreas afins. Tal fato é denotado na análise crítica expressanos relatórios técnicos que são igualmente subsidiados por um referencial teórico e porobservações de campo.

No quinto nível, o estágio curricular V refere-se à prática de pesquisa em GeografiaHumana e, como nos estágios anteriores, promove a iniciação científica em temas refletidosem relação à comunidade na qual se busca levantar dados quanto às variáveissocioeconômicas, através da aplicação de um instrumento de pesquisa (questionário e/ouentrevista), cujas informações sistematizadas e os dados coletados, são apresentados emtabelas, gráficos e cartogramas. Essa investigação possibilita concretizar a relação teoria-prática e desenvolve competências investigativas.

Nos níveis VI e VII são realizados os estágios profissionalizantes, em órgãos e/ouentidades públicas, privadas ou não governamentais. O primeiro refere-se à prática de

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planejamento ambiental, sendo realizado no município de Passo Fundo e o segundo, deplanejamento urbano e regional, realizado nos municípios de procedência dos alunos.Ambos constituem momentos de extrema importância para os acadêmicos do Curso, umavez que é o contato mais direto com o campo profissional do bacharel, através do qualpode demonstrar o seu preparo no que concerne a um amplo conhecimento teórico quesubsidie as atividades práticas e as iniciativas de gestão.

Por essa descrição sumarizada, acredita-se que o processo de iniciação científicaocorre de forma paulatina e concomitante ao desenvolvimento da grade curricular.

A convergência

Paralelamente à estrutura curricular para a promoção formativa de ambas asmodalidades no mesmo Curso, buscou-se atribuir uma carga horária relativamente elevada,dada a consideração da relevância da pesquisa ao profissional de Geografia, em disciplinasespecíficas à iniciação científica. Nesse sentido, a partir do quinto nível é realizada adisciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia, a qual, além das teorias e métodosem Geografia, trabalha especificamente as normativas e passos para a elaboração doprojeto de pesquisa, o qual deverá constituir-se no Trabalho de Conclusão de Curso -TCC (nível VIII). Após a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia, seguem-sequatro disciplinas complementares: Seminário de Pesquisa I, Seminário de Pesquisa II,Trabalho de Conclusão de Curso e Seminário de Pesquisa III.

No Seminário de Pesquisa I são realizados ajustes no projeto, tanto nos aspectosteórico-conceituais, quanto nos de métodos e técnicas para a investigação. A finalizaçãoda disciplina é demarcada por um seminário geral com todos os professores envolvidos noCurso. Nesse momento, os projetos são apresentados pelos alunos e é aberto espaço parasugestões, recomendações e considerações por parte dos professores participantes doseminário. Também, nesse momento, é feita uma discussão no sentido de identificar ospotenciais orientadores, sendo constituída uma ficha que formaliza o pedido de orientaçãoà coordenação do Curso.

O Seminário de Pesquisa II concerne em um ensaio acerca da revisão da literaturado TCC. Na perspectiva de um ensaio, o produto final é um artigo teórico que compreenderáa base do referencial bibliográfico para o trabalho final.

A disciplina Trabalho de Conclusão de Curso refere-se à execução da pesquisa apartir do projeto confeccionado em Metodologia da Pesquisa e dos ajustes e referencialteórico produzidos nos seminários. Cabe salientar que como o Curso habilita para alicenciatura e o bacharelado, os TCCs podem ser específicos sobre ensino de Geografia,pesquisas aplicadas às atividades do geógrafo bacharel ou, ainda, contemplar temas queproporcionem avanços no conhecimento geográfico, quer no âmbito estritamente teórico,quer em procedimentos ou práticas que envolvam o saber geográfico. Todos os trabalhosdevem ser inéditos e constituem-se em um banco de referências junto ao Laboratório de

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Geografia. O processo avaliativo do TCC constitui-se de uma apresentação do trabalhopelo acadêmico a uma banca, com seção aberta ao público, composta pelo orientador emais dois professores do Curso e/ou de áreas afins à temática em estudo. Após a explanaçãooral do aluno, a banca composta pelos professores tece considerações, realiza a argüiçãoe elabora os pareceres avaliativos.

A disciplina de Seminário de Pesquisa III consiste na entrega da versão final doTCC e no debate de limitações, dificuldades e avanços no conhecimento e no processoformativos após a defesa do TCC. Em geral, é um momento em que o acadêmico manifestasuas inquietações e satisfações, revelando-se como de suma importância para avaliar oensinar a pesquisar ao longo de todo o Curso realizado.

Para uma melhor visualização da pesquisa no Curso de Geografia da UPF, o quadro

seguinte demonstra a matriz curricular, com especial destaque às disciplinas específicas

voltadas ao ensino da pesquisa (Quadro 1).

SEMESTRE

Iniciação ao Estudo Acadêmico

Estágio Curricular I

Antropologia

Climatologia

Estágio

Cultural Geral Curricular II

Tópicos Especiais I

Geografia da

Domínios Climáticos

Teoria e Geografia Estágio

População do MundoOrganização do Espaço

Física III Curricular III

Tópicos Especiais II

Sociologia Construção do

Território

Estágio

DISCIPLINAS

Nível I Introdução à Filosofia da Ciência

Astronomia de

Orientação

Estatística Aplicada à Geografia

Geografia Física I

Cartografia Básica e Temática

Nível II História do Pensamento Geográfico

Geografia Física II

Sensoriamen-to

Remoto Aplicado à Geografia

Nível III Geoproces-samento

Nível IV Biogeografia Ciência, Tecnologia e Sociedade

História Econômica e Formação

Fonte: Adaptado do Plano Pedagógico do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado, 2001.

Socializando experiências de ensino na pesquisa

No Curso de Geografia da UPF, Licenciatura e Bacharelado, desde seu início, em2001, foram produzidos, com aprovação, 73 Trabalhos de Conclusão de Curso. A primeiraturma concluiu o curso no final de 2004 sendo que deste ano em diante, muitos alunos

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formados têm contribuído com seus relatos de experiências acadêmicas e profissionaispara a formação de novos acadêmicos, em jornadas de pesquisa e mostras de iniciaçãocientífica.

A construção/consolidação das linhas de pesquisa tem sido fortalecida pelosimportantes trabalhos realizados por alunos do curso. Nessa perspectiva, 17 trabalhos,representando 23,3% dos TCCs concluídos, são da linha de pesquisa Relação Sociedade-Natureza e Impactos Ambientais. Por sua vez, a linha de pesquisa intitulada Processos deTransformações Territoriais no Rio Grande do Sul foi contemplada com a maioria dostrabalhos, ou seja, 47 trabalhos (64,3%). A esse respeito interpreta-se a interdisciplinaridadee a abrangência das linhas, o que permite a confecção de trabalhos de conclusão quearticulem temas pertinentes à formação do profissional de Geografia, seja na especialidadelicenciatura ou bacharelado. Por outro lado, apenas dois trabalhos, representando 2,8%inserem-se na linha de pesquisa Processos de Desenvolvimento Regional, evidenciandoseu caráter ainda incipiente e que denota a necessidade de um maior envolvimento docentee discente em aperfeiçoar a articulação entre as três dimensões do macro projeto institucionalque envolve ensino, pesquisa e extensão, na busca da consolidação da área. Por fim, setetrabalhos, representando 9,6%, inserem-se na linha de pesquisa Geografia, Ciência e Ensino,caracterizando o anseio de muitos acadêmicos em qualificar sua atuação na área específicada licenciatura, de forma a contribuir com o pensar e agir para a promoção da melhoria doensino de Geografia em nível escolar, seja em instituições públicas ou privadas.

Importa ressalvar que a realização de trabalhos de conclusão de curso é uma práticaconsolidada no Curso de Geografia, também para a modalidade específica de licenciatura,anterior ao projeto em questão, como para a mesma modalidade que foi implantada em2005.

Manifesta-se assim, a expectativa de promover a pesquisa como forma dequalificação das atividades docentes, desenvolvendo o gosto e as competências para seremrealizadas, também, nas escolas.

Em estudo anteriormente realizado, Silva (2002, p. 237) faz referência à preocupaçãocom a constatação de “uma certa obsolescência colada à desmotivação” que permeia entreprofissionais docentes de Geografia, e que se traduz no fato de que

[...] é mais nítido um formalismo externo ao ato de ensinar do que a expressãoobjetiva do subjetivo de seus agentes, tanto do professor como do próprio aluno.Salvo situações especiais, uma aula verdadeiramente como um processo deinvestigação, construção e comunicação de conhecimento não existe na atualestrutura dos sistemas municipais e estadual de educação, nem é visível naspropostas das escolas e nos planejamentos dos professores.

A preocupação de incentivar a pesquisa em educação responde, justamente, aoapelo da situação verificada.

Ensinar a pesquisar: um desiderato que não se conclui aqui

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A sumarização das idéias adjacentes ao desafio de ensinar a pesquisar,possibilitaram um exercício de auto-avaliação que vem a ser, também, uma questão deconscientização. A tomada de consciência, paralela e concomitante à reflexão realizada,permite dizer que o intento de provocar ações investigativas, de incentivar a imersão narealidade, de descobrir e sustentar “verdades”, de criar condições para fazer escolhas, é onosso desiderato.

As autoras, ancoradas nas suas experiências, defendem que formar profissionaiscríticos e reflexivos pressupõe o desenvolvimento da competência investigativa.

Argumenta-se em favor do compromisso institucional de garantir o espaço dapesquisa no interior do Curso e de incentivar a inserção dos docentes para consolidargrupos de pesquisa e para promover novas investigações em cada uma das linhas depesquisa como condição para o fortalecimento das investigações acadêmicas.

É imperativo dar relevância à articulação do trinômio ensino-pesquisa-extensão noprocesso formativo e no estimulo aos futuros profissionais para uma atuação engajadanos processos de renovação da Geografia. Um desiderato que continua...

Referências

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Recebido para publicação dia 10 de Abril de 2007

Aceito para publicação dia 18 de Maio de 2007

SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...

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A GEOGRAFIA, AEDUCAÇÃO E A

CONSTRUÇÃO DA

IDEOLOGIA NACIONAL*

GEOGRAPHY, EDUCATION ANDTHE CONSTRUCTION OF NATIONAL

IDEOLOGY

LA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN YLA CONSTRUCCIÓN DE LA

IDEOLOGÍA NACIONAL

ROGATA SOARES DEL

GÁUDIO

[email protected]

ROSALINA BATISTA BRAGA

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE

MINAS GERAIS

* Este texto é parte de minha tese dedoutorado Concepções de nação eestado nacional dos docentes degeografia – Belo Horizonte no finaldo segundo milênio, defendida em2006 junto ao Programa de PósGraduação em Educação, FaE/UFMG , sob a orientação da Prof.a

Dr.a Rosalina Batista Braga.

Resumo: Este texto procura discutir os resultados de uma pesquisa dedoutorado centrada em dois aspectos: um relacionado à formaçãodocente e outro ao ensino de Geografia. No primeiro, discutimos aconstituição dos saberes docentes; no segundo, abordamos acentralidade do ensino de geografia para a construção da ideologianacional no Brasil. Constatamos que os saberes docentes sãomultifacetados, o que é confirmado pela literatura sobre o tema.Dedicamos especial atenção ao modo de raciocinar do professor: suacapacidade de articular conteúdos e conceitos e estabelecer nexosexplicativos e relações, em suma, atribuir sentido e significado ao queensinam. Esse processo parece ter grande importância na construçãodo conhecimento escolar e é essencial na definição do que é consideradoum bom docente em Geografia. Em relação à centralidade do ensinode Geografia para a construção da ideologia nacional verificamos quea mesma se constitui a partir da referência à natureza e extensãoterritorial brasileiras, “nosso povo pacífico e ordeiro” e a partir dautilização intensiva do termo país, termo híbrido cujo sentido éconstruído na e a partir da escola básica, e que permanece bastanteimpreciso no campo das Ciências Humanas.Palavras-chave: Ensino; Geografia; Saberes docentes; Ideologianacional; País.

Abstract: This text discusses the results of a doctoral research fromtwo perspectives: teacher professional development and geographypedagogical practices. The former will discuss teacher’s knowledgethe latter will address the centrality which underlies the geographyinstructional practices in order to make up for a national ideology inBrazil. When it comes to teacher’s knowledge we realized, that it ismultifaceted, which has already been confirmed by the specializedliterature. We realized that it is necessary to give some special attentionto the so called teacher’s way of thinking: the capacity to articulatecontents and concepts setting up explaining patterns so as to establishan explanatory nexus of relations so to attribute sense and meaning towhat is to be studied. This process seems to be essential in theconstruction of the school knowledge and to the definition of what isconsidered a good geography teacher. Concerning the centrality ofthe geography teaching for the construction of a national ideology, weverified that it stems from concepts such as “our” nature and territorialextension, “our pacific people” and the term “country”, a “hybrid”term whose meaning is constructed from and within high school;however this term is quite uncertain in the field of the human sciences.Keywords: Teaching; Geography; Teacher’s knowledge; Nationalideology; “Country”.

Resumen: Este texto busca discutir los resultados de una investigaciónde doctorado con relación a dos aspectos asociados a la formacióndocente y a la enseñanza de geografía. En el primero, discutiremos laconstitución de los conocimientos docentes, en el segundo, lacentralidad de la enseñanza de la geografía para la construcción de laideología nacional en Brasil. Con relación a los conocimientos docen-tes, constatamos que son de múltiples facetas, lo que es confirmadopor la literatura sobre el tema. Hay que dedicar especial atención a loque denominamos “modo de raciocinar del profesor”: su capacidadpara articular contenidos y conceptos y establecer nexos explicativos,en suma, atribuir sentido y significado a lo que enseñan. Ese procesoparece esencial en la definición de lo que es considerado un buen do-cente en geografía. Con relación a la centralidad de la enseñanza degeografía para la construcción de la ideología nacional verificamosque ésta se realiza a partir de la referencia a “nuestra” naturaleza yextensión territorial, “nuestro pueblo pacífico y disciplinado” y a par-tir de la utilización intensiva del término “país”, término “híbrido”cuyo sentido se construye en la y a partir de la escuela básica, sinembargo, muy impreciso en el campo de las Ciencias Humanas.Palabras clave: Enseñanza; Geografía; Conocimientos docentes;Ideología nacional; “País”.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 177-196 Jan-Jun/2007

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Intr odução

A Geografia como disciplina escolar está presente nos currículos desde o séculoXIX. No entanto, poucas vezes nos dedicamos a tentar compreender a perenidade doensino de Geografia na escola básica. Menos ainda, procuramos investigar a associaçãoentre a Geografia, enquanto disciplina escolar, e a construção da ideologia nacional.

Partimos da hipótese de que a abordagem, na Geografia Escolar da “naturezaexuberante” e da “enorme extensão territorial” do Brasil têm tido uma participação efetivana (re)produção daquela ideologia.

Apontaremos algumas possibilidades desses vínculos tendo por referência umapesquisa realizada junto a 14 docentes de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte.

Essa pesquisa, inscrita no campo da teoria crítica, procurou compreender os vínculosentre o ensino da Geografia e a constituição da ideologia nacional a partir da análise doconteúdo e do discurso dos docentes pesquisados.

Constituição dos saberes docentes

Muitos estudiosos têm analisado a constituição dos saberes que conferemalteridade à profissão do professor. Segundo Marguerite Altet (2001), professoresprofissionais seriam aqueles cuja formação lhes permitiu desenvolver eaprimorar uma série de competências específicas e especializadas, cujas origensrepousam em construções sociais, originadas das ciências (disciplinares) e daprática (o ato de ensinar) criando conhecimento simultâneo e específico durantee após seu desenrolar.

De acordo com a autora, houve um aumento da especificidade da profissão doprofessor à medida que esta se particularizava e, ao mesmo tempo, era socialmenteinstituída. Assim para Altet (2001, p. 28), o professor, na perspectiva atual seria, antes detudo, “um profissional da articulação do processo ensino-aprendizagem em umadeterminada situação, um profissional da interação das significações partilhadas”. Dessemodo, as competências destes profissionais corresponderiam “ao conjunto formado porconhecimentos, savoir-faire e posturas, mas também as ações e atitudes necessárias aoexercício da profissão de professor”. E justamente por isso, tais competências são “deordem cognitiva, afetiva, conativa e prática”.

Diversos autores (CHARLIER, 2001; TARDIF, 2002, PAQUAY e WAGNER,2001), apontam a composição plural dos saberes dos professores, ancorados nos saberesteóricos, nos saberes práticos, naqueles sobre a prática e naqueles da prática.

Há um desdobramento e uma ampliação dos saberes teóricos, que não se limitamapenas ao campo disciplinar específico, mas abrangem os saberes culturais implicados noprocesso de ensino-aprendizagem, portanto, parecem resvalar nos valores e sentidos daescolarização para as diferentes sociedades. Em relação aos saberes práticos, há aquelessobre a prática (relacionados ao desenvolvimento da própria pedagogia) e aqueles que se

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originam diretamente da relação professores/alunos nas diferentes disciplinas e escolas.Identificamos os saberes docentes como plurais, construídos ao longo de toda a

vida escolar e não escolar do professor, oriundos tanto dos saberes acadêmicos, do sensocomum, da prática e sobre a prática, estando inscritos numa temporalidade e espacialidadeespecíficas.

Outra questão importante é que a formação específica confere uma identidade aodocente: “Sou professor de ...”. Por estarmos no campo de uma disciplina específica, ofato de se privilegiar os conhecimentos disciplinares aparecerá como componente essencialde sua identidade profissional.

Em nossa pesquisa, nos deparamos também com uma outra questão que se relacionaà identidade do professor, alguém capaz de ensinar não apenas o conteúdo, mas,principalmente, um modo de raciocinar com base nesse conteúdo – e de preferência, segundoa referência do saber considerado culto e institucionalizado, ou seja, aquele sabersocialmente reconhecido e valorizado.

Esse professor, que desenvolveu habilidades pessoais de estabelecer inter-relaçõesentre elementos e fenômenos, possui uma visão integradora de seu conteúdo e raciocíniointerdisciplinar e consegue articular isso com seus alunos, independentemente, inclusive,de seu conteúdo específico. Eles conferem sentido às informações sendo capazes de associarcategorias e conceitos em prol de uma análise e explicação dos fenômenos abordados.

Provavelmente, isso auxilia os alunos a compreenderem e apreenderem oconhecimento não só específico da disciplina, mas também de outras áreas do conhecimentohumano. Ensinar esse modo de raciocinar pode significar ensinar um modo de articularconhecimento, útil para qualquer área e qualquer empreendimento futuro que esses alunosvenham a desenvolver. O trecho de uma entrevista, a seguir, demonstra esse raciocínio:

Eu gosto de ver os meninos construindo um pensamento, entendendo o processode, a dinâmica, a formação do espaço, assim, o espaço físico. Eu achointeressante [...] O cenário nosso é pré-cambriano e a gente faz o mundomoderno nesse cenário. Como ele vai se re-significando. (PROFESSORPEROBA1 ).

Em suma, esses professores são capazes de construir sentido para os fatos einformações porque eles conseguem articulá-los e explicitar essa articulação em suasaulas. Eles são capazes de articular seu pensamento, integrar seu raciocínio aos diversoscampos do conhecimento, conectar os conteúdos e informações, como no exemplo a seguir:

Não tem jeito de você falar do Oriente Médio sem falar da questão religiosatambém. E não tem jeito de você falar dos problemas sociais de uma AméricaLatina sem falar de colonização, sem falar de exploração da economia. Entãotransitam essas três relações ao mesmo tempo. [...] Então, a matéria é trabalhada

1 Todos os professores entrevistados em nossa pesquisa receberam pseudônimos de árvores. Essaescolha foi ao acaso, uma vez que não era propósito identifica-los, nem às escolas em que atuam.

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de forma tão contextualizada, mas tão contextualizada que os meninos já entram[...] Ontem mesmo eu dei uma aula interessantíssima. Aí eu comecei no quadroa passar; eles falaram “puxar o gancho, né professor”. Eu falei “puxar o gancho”.(PROFESSOR PINHEIRO)

Na medida em que, sub-repticiamente, os professores ensinam um modo deraciocinar, eles permitem aos alunos articularem conteúdos e conceitos, estabeleceremnexos, pontes e relações.

Partimos, então, do pressuposto que é o modo de raciocinar dos professores,articulando categorias, conceitos e conteúdos, que faz a grande diferença no processo deaprendizado dos alunos. Isso significa ensinar uma maneira de pensar, mais que ensinaros conteúdos. Dessa forma, a idéia de “puxar o gancho” significa ensinar os alunos aarticularem os diferentes conteúdos, a integrarem diferentes partes, desenvolvendo oprocesso de integração do conhecimento. De outro modo, utilizando outra linguagem, naentrevista a seguir identificamos o mesmo processo:

Fiz duas disciplinas de metodologia [no mestrado em Educação, na FaE].Aprendi muito de metodologia. (...) Uso [em sala de aula] em que sentido: namedida em que eu consigo fazer a metacognição da metodologia de pesquisa,eu consigo criar estratégias de transmissão de conhecimento a partir disso.(PROFESSOR CASTANHEIRA)

Logo, se não se ensina aos estudantes como estabelecer nexos, correlações, ou seja,como construir sentido para seus saberes, pode-se até ensinar o mesmo conteúdo, mas elecarecerá de sentido, nexo e significação. Desse modo, estudantes que não aprenderam adesenvolver essas habilidades podem mesmo possuir diplomas, mas talvez sejam menospreparados para enfrentar processos seletivos como os vestibulares mais concorridos e,mais tarde, se tornarem líderes ou formadores de opinião. Ou ainda, para lidarem com aprática social em outra perspectiva.

Se os alunos não se apropriam desse modo específico de raciocinar, eles têm grandechance de, mesmo terminando a escolaridade básica, manterem-se excluídos do acessoefetivo não apenas às informações, mas também às conexões entre elas, ou seja, manterem-se afastados do conhecimento científico e dos mecanismos sociais de sua produção edivulgação. O conhecimento integrado, articulado, pode ser crítico no sentido real dapalavra e não no sentido estreito de ser “do contra”. Ter uma apropriação crítica doconhecimento pode significar ter mais chances de ser criativo, para “o bem ou para omal”.

Essa constatação é reforçada pelo trecho a seguir, parte da entrevista concedida por

Milton Santos a Odete Seabra, José Correa Leite e Mônica de Carvalho:

Sou da penúltima turma que se formou bacharel em ciências e letras. [...] E oque se dava nesses cinco anos? Havia, por exemplo, a geografia humana, queaparecia no segundo ano. Muita coisa que hoje nós damos, em parte, na pós-graduação era ensinado no ginásio. [...] Tínhamos, então, física, química,

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história natural, etc., e professores que eram professores de faculdade. [...] Nosdois anos de preparação para a faculdade, líamos Charles Gide, um grandeeconomista francês, uma espécie de papa para a formação escolar no Brasil.Tínhamos uma formação confluente, porque víamos esses grandes autoresatravés de diversos prismas. Era como um mundo próprio [...]. Não haviatelevisão, éramos ensinados a não gostar de futebol, sobretudo gente como eu,que tinha origem visivelmente inferior, e que as famílias preparavam para asfunções de mando. A educação que me foi dada não foi a de obedecer, foi parame preparar para fazer parte dos que iam mandar. Todas as atividades ditaspopulares eram desaconselhadas, de forma não explícita, na produção do homemda elite, do bacharel. E o que é o bacharel? É um sujeito que pode ser advogado,promotor, juiz, jornalista, político, diretor de hospital. Isto é o bacharel. E queaprende a falar, o que era uma característica do mando e da política, saberfazer frases, saber amarrar uma idéia com a outra. (SEABRA, LEITE eCARVALHO, 2000, p. 75/76)

Portanto, há algo que diferencia esse “bom professor”, que, geralmente, acaba porlecionar em escolas onde estudam os filhos das elites, pelo menos a elite cultural, aquelesque ocuparão posições de mando, e que, para tanto, precisam aprender a amarrar umaidéia com a outra. Tais professores possuem também essa capacidade de “amarrar idéias”e acreditamos que é isso que eles ensinam, mais que o conteúdo em si.

Desse modo, um “bom professor” é aquele que consegue conferir sentido ao conteúdoensinado. E mais do que isso, consegue ensinar aos alunos, não apenas essa articulação deconteúdos, mas também um processo de como fazer isso (por meio da explicitação domodo como ele, professor, raciocina).

O ensino de Geografia e a construção da ideologia nacional

A partir de nossa pesquisa, compreendemos que grande parte da construção daideologia nacional no Brasil passa, sobretudo, pelo ensino de Geografia. Afirmamos issocom base na perenidade, no ensino dessa disciplina escolar, de temas como o destaqueatribuído à “nossa extensão territorial,”, à exuberância de “nossa natureza” e, somentedepois, à discussão acerca da constituição do povo.

Por ideologia nacional compreendemos uma “representação ideológica de umacomunidade de iguais que expressa/oculta relações de dominação de classe.” (ALMEIDA ,1995, p.20-28).

A ideologia nacional constitui os sujeitos como abstração na medida em que, deacordo com Vlach (1991, p.120) , “coloca em cena a própria lógica do capital, que podeser sistematizada pelo princípio da identidade, que para tornar igual o que é desigual,recorre à abstração”.

Assim, sujeitos – seres humanos concretos, vivendo suas vidas concretas – sãoabstraídos pelo uso recorrente dos termos povo e população e identificados a um territórioprecisamente limitado e soberano, em suma, nacional - o “país”.

Logo, os componentes intrínsecos da ideologia nacional passam a corresponder a

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um povo abstrato e igual, associado a um território que adquire concretude com a suarepresentação cartográfica, a exaltação de sua natureza e beleza, o levantamento eapropriação de seus recursos e potenciais.

Segundo Almeida (1995), a ideologia nacional possui uma dimensão universalista(“a representação dos agentes enquanto proprietários”) e uma dimensão particularista, namedida em que

A nação não se apresenta apenas sobre a base de um igualitarismo específico;mas o articula à referência a uma comunidade singular. É na afirmação destasingularidade que a representação de um território precisamente delimitado,com o qual a comunidade dos nacionais mantém um vínculo profundo, adquireuma importância primordial. (ALMEIDA, 1995, p. 35/36)

Desse modo, o território precisamente demarcado e apropriado, além dehistoricamente associado a determinado povo se constitui em um dos marcos materiais daideologia nacional. Portanto, espera-se que estados nacionais “possuam” um territóriodemarcado e “um povo”, sobre o qual determinado Estado exerça soberania, e que seja

reconhecido como tal pelos demais estados nacionais, pois,

se, no que diz respeito às relações de produção, o espaço é o espaço do capital,o que se configura no âmbito da estrutura do estado capitalista é a constituiçãode um território nacional, estreitamente ligada à representação de umaespacialidade singular e homogênea e, ao mesmo tempo, reduto exclusivo deuma comunidade peculiar de cidadãos. (ALMEIDA , 1995, p. 39-40)

Dessa forma, o território exclusivo de uma comunidade de cidadãos, uma outraabstração, torna-se pré-requisito para a instituição da soberania nacional. Em relação àconstituição de uma variante da ideologia nacional brasileira – o nacionalismo patriótico(VLACH, 1988) – o território é mais que um mero vínculo. Na realidade, o território, suanatureza, exuberância, belezas e riquezas tornam-se o ator, o motivo por excelência daconstrução da identidade e do orgulho nacional. Tal processo, no Brasil, associa-seinicialmente, ao movimento romântico e sua exaltação da terra e do índio; passa,posteriormente, pela literatura dos “viajantes europeus” (SCHWARCZ, 2003) e desembocanaquilo que nos interessa mais de perto: o ensino de Geografia. Afinal, de acordo com JoséMurilo de Carvalho,

A história nacional parece ser algo estranho para muitos brasileiros, como seeles não tivessem nada a ver com ela. O orgulho pela natureza poderia serinterpretado como um indício da alienação dos brasileiros pela sua própriahistória. (CARVALHO, 2003, p. 404)

Segundo o autor, essa associação entre nacionalidade e território tem sua raiz nomito edênico, que integra, por sua vez, natureza e extensão territorial à idéia de paraíso

que, na tradição luso-brasileira, “tinha um caráter puramente natural”.

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Um aspecto do mito edênico tem a ver com o tamanho do país. O Brasil é lindoe rico, mas também grande, enorme, um país continental. [...] O Barão W.L. vonEschwege [...] observou que os brasileiros costumavam falar utilizando hipérboles:“tudo no Brasil deve ser grande, a natureza deve ser diferente, mais gigantesca emais maravilhosa do que em outros países.” Nós sempre queremos ter “o maiordo mundo”. O Rio Amazonas é o maior rio, a Floresta Amazônica é a maiorfloresta tropical, Iguaçu é a maior e mais bonita catarata, o carnaval é o maiorespetáculo da Terra, nosso time de futebol é o melhor do mundo, e assim pordiante. (CARVALHO, 2003, p.406)

Ora, em geral, em que conteúdos escolares foram e são tratados, durante decêniosdecorados, informações sobre a imensidão do Brasil e as benesses de sua natureza, senãonas aulas de Geografia? Em que conteúdo escolar se canoniza “nossa” forma e extensãoterritorial, com base, por exemplo, nos mapas políticos em pequena escala? Qual conteúdoescolar contribui para nossa identificação como “iguais”, a despeito das diferenças regionaise de classe? Que conteúdo escolar discute as “singularidades” do Brasil no contextomundial?

É preciso destacar que, em relação ao mito edênico e sua construção acerca danatureza brasileira há, pelo menos, duas percepções dominantes. Uma que afirma ser anatureza brasileira edênica, e o Brasil, “um paraíso terreal”. Outra, associada muitasvezes à construção discursiva das primeiras missões jesuítas sobre o Brasil, que afirmaser este um “lugar abandonado por Deus”, um lugar “infernal”. Se ambas se confrontamna constituição do imaginário e na literatura, por que perdura mais a primeira percepçãoque a segunda? Porque acreditamos que ela auxilia a construir uma imagem nacionalpositiva mediante dois fatores: de um lado, a quase ausência de “heróis políticos nacionais”e de um “passado histórico mítico”; de outro, a relativa ausência do povo, já que, duranteséculos, e mesmo durante nossa independência, a sociedade encontrava-se cindida entresenhores e escravos.

Acreditamos ainda que, mesmo a percepção da natureza infernal auxilia a construirnossa identidade, na medida em que se torna – a natureza, e não a sociedade – a grandevilã e causa de nossas mazelas econômicas e sociais. Desistoriciza-se e naturaliza-se, coma percepção da natureza infernal, processos econômicos, políticos e sociais, enquanto oparaíso terreal fornece uma imagem positiva e esperançosa para o porvir desta sociedade.

Desse modo, assinalamos que o ensino de Geografia, no Brasil, constitui uma fonteprimordial de (re)construção e reiteração da ideologia nacional2 na medida em que, naspalavras de Chauí,

Na escola, todos nós aprendemos o significado da bandeira brasileira: oretângulo verde simboliza nossas matas e riquezas florestais, o losango amarelosimboliza nosso ouro e nossas riquezas minerais, o círculo azul estreladosimboliza nosso céu, onde brilha o Cruzeiro do Sul, indicando que nascemosabençoados por Deus, e a faixa branca simboliza o que somos: um povo ordeiro

2 Para outros estados nacionais, como a França, por exemplo, parece-nos que o ensino de históriaexerceu um papel mais central. A esse respeito, consultar THIESSE, 1995, 1997.

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em progresso. Sabemos por isso que o Brasil é “um gigante pela próprianatureza”, que nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores enossos mares são mais verdes. Aprendemos que por nossa terra passa o maiorrio do mundo e existe a maior floresta tropical do planeta, que somos um paíscontinental cortado pela linha do Equador e pelo Trópico de Capricórnio, oque nos faz um país de contrastes regionais cuja riqueza natural e cultural éinigualável. Aprendemos que somos um “dom de Deus e da natureza” porquenossa terra desconhece catástrofes naturais (ciclones, furacões, desertos,nevascas, terremotos) e que “aqui, em se plantando tudo dá”. (2000, p. 5)

Em qual disciplina escolar aprendemos a definir, diferenciar e especificar o Brasilda forma descrita por Chauí, senão na Geografia? Onde estão nossos mitos fundadores3

via História? Eles próprios parecem apoiar-se na exuberância de “nossa” paisagem.Neste caso, é pertinente reproduzir um pequeno trecho de Rocha Pita, considerado

o primeiro historiador brasileiro, presente no texto de Chauí:

Em nenhum outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais belaa aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados, nem osreflexos noturnos tão brilhantes; as estrelas são mais benignas e se mostramsempre alegres [...] as águas são mais puras; é enfim o Brasil Terreal Paraísodescoberto, onde têm nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero oclima; influem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o fazemfértil e povoado de inumeráveis habitadores. (ROCHA PITA, apud CHAUÍ,2000, p. 6).

Será preciso exemplo mais cabal da centralidade do discurso geográfico para aconstrução da “nossa” ideologia nacional? A Geografia Escolar, ao trabalhar diretamentecom a construção de uma espécie de retrato do Brasil4 – em que se destacam sua extensão,suas riquezas minerais e naturais, suas belezas tropicais, seu povo “pacífico e ordeiro” –muito tem contribuído para a manutenção da ideologia nacional. Mais que isso. Afirmamosque certa vertente do discurso geográfico sobre “nosso” território e “nossa” natureza sãoas principais fontes de criação e perpetuação da ideologia nacional, na quase ausência de“mitos fundadores” oriundos da História (CARVALHO, 2005a, 2005b; CHAUÍ, 2000;MORAES, 2000, 2002; OLVEIRA, 2000; SCHWACZ, 2003).

Saberes docentes, ideologia nacional e o híbrido “país”

O termo país destacou-se a partir de nossa pesquisa empírica. A ênfase neste vocábuloficou evidente durante as entrevistas com os professores. Esses, ao serem indagados sobresuas concepções sobre nações e estados nacionais, em algum momento utilizavam este

3 Para Chauí (2000, p. 9), um mito fundador “é aquele que não cessa de encontrar novos meiospara exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais pareceser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.”4 Reconhecemos que outros elementos compõem essa construção (como a literatura e o ensino dehistória). No entanto, estamos enfatizando o ensino de geografia porque nos parece que, noprocesso de sua constituição enquanto disciplina escolar no Brasil, essa função coubefundamentalmente a essa disciplina.

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vocábulo, tanto para se referirem às nações, quanto aos estados nacionais. Isso nos despertoupara seus possíveis sentidos e significados ou para a ausência deles.

Por adaptar-se a qualquer contexto e escala, o termo país pode ser usado ora com osentido de nação, ora de estado nacional, ora ainda, como terra/pátria amada. País é umtermo tão corriqueiro, tão intensamente agregado a nosso vocabulário, que sequerpressupomos que ele careça de qualquer definição. Antes, ao contrário: pensamos deantemão, que, ao utilizarmos o termo país, estabelecemos com nossos interlocutores umacomunidade de sentido que dispensa qualquer explicação – explicar o que entendemos porpaís seria até mesmo uma tautologia. Afinal, supomos que todos saibam o que este vocábulosignifica e o que ele denota, precisamente.

A partir dessa constatação, passamos a buscar o conceito de país. Optamos por,primeiro, pesquisar seu significado em dicionários de língua portuguesa5 . Verificamosque o sentido que os dicionários de português atribuem ao vocábulo país são derivados deseu sentido etimológico, ou seja, “país natal, solo natal”.

Nos diferentes dicionários de etimologia que consultamos, país é associado a “lugarde nascimento,” “terra natal,” “burgo/aldeia,” “nação,” “estado,” “região,” “solo natal”.

Todavia, nos dicionários de português a própria escala do vocábulo é modificada:de lugar de nascimento (específico, o burgo, o “lugar”), país torna-se a “pátria”, territórioe comunidade nacional abstratos cuja identidade partilhamos com nossos conterrâneos,mesmo que não os conheçamos.

O sentido de “burgo”, ou de “lugar de nascimento” perde-se ou é substituído poroutro, aquele que denota, agora, “nossa nacionalidade”, não mais, necessariamente, a“terra de nossos pais” – lugar de nascimento -, mas a “nossa” própria terra – o territóriopátrio.

Procuramos, a partir de então, o significado de país em obras de referência maisgerais, como o Dicionário de Política, organizado por Bobbio (2000). Esperávamos queesse termo estivesse definido no campo da ciência política, o que não se verificou. Oreferido dicionário apresenta diversos outros verbetes muito utilizados no campo das ciênciassociais, mas nenhuma referência a país. Pesquisamos ainda na L´enciclopédia dellaGeografia - publicada pelo Istituto Geográfico De Agostini, em 1996, em Novara, Itália- e também não encontramos uma definição para país (ou paesi).

Pesquisamos ainda o sentido de país nos dicionários de etimologia, filosofia,sociologia e antropologia. Porém, somente encontramos definição para país nos diferentesdicionários de etimologia, nada sendo encontrado em dicionários de filosofia, política,antropologia e sociologia.

Resolvemos, então, buscar o sentido de pays e paysage em dicionários de francês.O Larousse (1998) apresenta pays como pessoa do mesmo vilarejo, da mesma região. Por

5 Até porque alguns professores apontaram os dicionários como fonte de pesquisa para suasaulas.

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exemplo, se uma pessoa está fora do Brasil e encontra um brasileiro, usa ou pode usar aexpressão “encontrar o país”. País associa-se à pessoa e origem, ou melhor, ao lugar deorigem de certa pessoa. Desse modo, país articula certa familiaridade entre pessoa e terra.

Assim, apesar de esses termos serem bastante comuns, praticamente não encontramosuma definição precisa deles na área das ciências sociais – ou uma primeira aproximaçãocom o vocábulo, possibilitada por obras introdutórias ou gerais como dicionáriosespecíficos.

Procuramos então, compreender como os professores entrevistados definem país.Qual o sentido que esta palavra tem para eles? Qual seu significado? A que associam essevocábulo: a nação, a estado nacional ou a ambos, indistintamente?

Como pode ser observado nos trechos destacados a seguir, país manifesta-se nasconcepções dos professores de forma híbrida, desprovido de um sentido político imediato,variando de acordo com o processo de formação de cada um – em alguns momentos, otermo é relembrado da formação básica de alguns docentes. Ele é corriqueiro, falado semque sequer se tenha pensado em seu significado, quase como um “ato falho”, ou algo tãocomum, que não se observa enquanto se fala, ou seja, não se pronuncia com cuidado, mascomo uma palavra que flui, escapa no diálogo, e que pressupõe compreensão imediatapelo outro.

Não estou lembrado. Eu usei o termo país? Passou despercebido. (risos) Eudeveria ter usado nação então. Se usava, usava sempre como sinônimo. Mas,aí o sentido de país qual que seria? [...] Parte física, território formado, fechado,com [...] um povo [...] digamos, suas [...] características peculiares próprias,que é diferente de outros, que tem autonomia, que tem leis, que tem [...] umdestino, que tem [...] uma formação mais diferenciada do outro próximo, danação próxima. Dessa forma. (PROFESSOR FIGUEIRA)

O uso do termo “país” é tão automático, que o professor sequer tem consciência deter utilizado em sua entrevista. “País” passar a existir como sinônimo de nação e parecereferir-se, neste caso, à paisagem, entendida como aquilo que se vê, ao território (aspectosconferidos pelos mapas políticos em pequena escala), ao povo e à soberania. De acordocom Almeida (2005)6 , “país se adequa a qualquer quadro político-territorial, em qualquercontexto, seja nação, estado nacional e em qualquer estágio de construção, até por ser umtermo relativamente neutro”, portanto destituído de uma conotação política. Por isso,consideramos o termo país como híbrido, ou, como ressalta Chauí (2000), um semióforo7

e acreditamos que sua utilização é outro elemento que contribui para a construção daideologia nacional, na medida em que ele carece de precisão conceitual, sendo intensamente

6 Essas observações foram obtidas diretamente do autor, durante a realização de uma mesa-redondapromovida pelo V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais, realizado de 26 a 29 de julho de2005, em Belo Horizonte - MG.7 Semióforo “é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outracoisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim, por sua força simbólica. [...] Um semióforoé fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação” (CHAUÍ, 2000, p.11/12) .

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utilizado tanto na linguagem coloquial, quanto nos manuais didáticos e mesmo, em livrosde caráter mais acadêmico.

Observe-se a esse respeito, a entrevista a seguir:

Eu [...] eh, quando a gente fala país eles [os alunos] têm a noção de Brasil, queseria um território de poder, com presidente, nem que seja um mínimo, vocêvai criar, é um espaço que tem presidente, que tem, eh [...], tem deputados, temsenadores. [...] Acho que é um espaço delimitado com leis [...]. Um grandeterritório que tem ali uma lei que determina, todos que estão ali dentro ali temque se submeter àquela lei. [...]. Porque quando a gente está estudando nafaculdade a gente não ouve muito falar país. Você quase não ouve. É tudoestado-nação. O que é estado-nação? É país. [...] Estado com E maiúsculo épaís, estado com E minúsculo é Minas Gerais. [...] Eu não consigo diferenciarpaís e estado-nação não. [...] Todos são sinônimos. [...] Eu não consigodiferenciar (PROFESSOR MOGNO)

A observação anterior de Almeida é crucial, acrescida, neste caso, das questõespolíticas, territoriais e escalares apontadas por Vlach e Haesbaert (2005)8 . Para Vlach,“país se refere ao mapa, à forma geométrica e permite abstrair o político, pois, utilizando-se este termo, não se faz a discussão política da sociedade que ali vive”; para Haesbaert“país é criado com a modernidade, a exclusividade de um único país, associando-se nestecaso, à questão da escala.”9 País, portanto, seria uma palavra que significaconcomitantemente tudo e nada. Um termo que se supõe de compreensão imediata, deconsenso geral, utilizado em qualquer escala (territorial e temporal), e ao mesmo tempo,desprovido de sentido e significado político; por isso, tão comum, corriqueiro, fácil,intangível e pleno de sentidos.

Observamos o quanto, na escola básica, o vocábulo país é comum. Talvez porqueao utilizar esse termo se esvazie a carga política dos vocábulos nações e estados nacionaise possibilite aos docentes, fugirem ao tema sobre o qual parecem sentir-se inseguros, umavez que afirmaram carecer de formação mais específica para trabalhar estes conceitos,principalmente na graduação. É possível ainda, que essa “fuga da política” esteja associadaa certa herança da Geografia moderna ou tradicional a se perpetuar na escola básica.

Por que falamos em herança? Porque um dos grandes autores e divulgadores daGeografia, principalmente a escolar, no Brasil, - Aroldo de Azevedo -, em 1955 escreveuum texto no Boletim Paulista de Geografia em que afirmava a necessidade de se fazer daGeografia uma ciência “neutra”, que se distanciasse da senda política, sobretudo aquelaassociada à geopolítica alemã, que resvalou no nazismo e nos horrores da II Guerra Mundial.Nesse texto, ele afirma, inclusive, que escreve sobre geografia política e geopolítica comcerto “temor”, mas o faz por considerar importante discutir e “alertar os jovens geógrafos

8 Referimos à participação e às observações de Vânia Vlach, Rogério Haesbaert e Lúcio Fláviode Almeida na mesma mesa-redonda, no evento já citado.9 E aqui constatamos outro hibridismo: originalmente, “país” associava-se à grande escala (olugar de nascimento); atualmente, refere-se ao estado nacional ou à nação, mas tanto em umcomo em outro, a escala agora é pequena.

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acerca desta senda tão instável”. Assim, o ensino e a pesquisa de Geografia deveriamprimar pela neutralidade científica, tão “cara aos franceses”, afastando-se das “influênciasinstáveis da geopolítica alemã”, que levou o mundo ao desastre da II Guerra Mundial(AZEVEDO, 1955).

É possível que esse recurso ao termo país seja uma tentativa de afastamento da“instabilidade da geopolítica”, de afirmação da “neutralidade” da Geografia, de uma“despolitização do discurso geográfico” – mas não exclusivo dele em se tratando do vocábulopaís. É provável ainda que esteja relacionado à forte influência da Geografia francesasobre a constituição da Geografia brasileira (afinal, o termo pays é de origem e uso francês).

Em contrapartida, será que esse termo não teria sua origem no senso comum, tendo-se perpetuado na escola básica? Nesse caso, a utilização e mais, a constituição de umacomunidade de sentido para país não poderia ser uma produção derivada diretamente daescola básica e que se estende até a produção acadêmica?

O professor Pinheiro, por exemplo, associa país a limites e fronteiras: Eu vejo adiferença, país delimitado espacialmente. País, Brasil com uma fronteira. Tem um limite.Isso é país. (PROFESSOR PINHEIRO)

País associado a fronteiras e, novamente, aos mapas políticos em pequena escala,que lhes conferem existência e materialidade no cenário de outras nações. Daí parece quehá uma gradação entre os termos país, nação e estado nacional. País implica delimitação,materialidade simbólica nos mapas políticos em pequena escala; nação, por sua vez, remeteà idéia de identidade, e estado nacional refere-se à posição daquele grupo, daquelaorganização no cenário mundial, ou seja, estado nacional seria um estágio de negociação/arranjos/acordos/disputas no cenário internacional.

Assim, país seria um estado soberano. [...] Porque eu penso que um é o território.[...] E dentro desse território vem todas as formações econômicas. (PROFESSORLARANJEIRA)

Ora país é o território, ora é um estado soberano. Assim, mais uma vez, dentro dovocábulo país cabe qualquer coisa, qualquer definição.

A transcrição a seguir, fornece um exemplo do que chamamos de hibridismo entreos termos nações, estados nacionais e país. Nela, aparecem lembranças da formação ginasiale secundária do professor,10 as quais ele utiliza, ainda que não conscientemente, paradefinir, diferenciar e mesmo, aproximar os termos nação, estado nacional, país, pátria. Amemória, neste caso, retrata sua formação básica ocorrida durante a ditadura militar e ossímbolos e rituais utilizados para construir a ideologia nacional – a pátria amada, ofutebol, a língua, a religião.

País [...], por exemplo, Alice no País das Maravilhas. Até... até Alice tem umpaís. [...] Eh, por exemplo, a Guiana Francesa pode-se dizer que é um país.

10 Conforme Tardif (2002), a formação não se “fecha” no tempo da graduação, mas abre-se parao passado e para o porvir.

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Agora, politicamente, ela é uma, um departamento de ultra-mar da França.[...] Então, por exemplo, uma área que não é independente politicamente, quenão é reconhecida pela comunidade internacional como um estado nação, elepode ser um país, entendeu? [...]. A pátria. Pátria é aquela coisa do coração etudo. [...] Aí, tem lá, futebol. [...]. A língua, eh, os valores nacionais pra eles[os alunos], o que é importante pra eles no Brasil, o que eles acham importante.Nação. [...] Você se acha, você acha que futebol é uma referência sua praconceituar nação. Porque é um valor, eh, cultural bem forte. A língua. [...] Dopaís. O país, aí já não é mais aquele conceito, [...] que ele não tem soberania.Não. País, normalmente, é usado genericamente como estado nacional,entendeu? [...] O exemplo de países que não têm soberania política,reconhecimento e digo pra eles um país que é vinculado a outro, por exemplo.A Chechênia é um país. [...] A Chechênia tem fronteiras delimitadas. É umpaís, mas não tem soberania. [...] Mas pro brasileiro país é a coisa mais confusa.Então, eu explico dessa forma. “Meu país”. Aí, é uma coisa que parece que émais de coração, sabe, está ligada ao futebol, à nação, mas uma nação semsoberania. [...] Pátria já, acho que nos remete a uma questão mais, eh, emotiva,vamos dizer. Eh, me parece que é uma coisa de chão mesmo, sabe. [...] Pátria,eu acho que foi na escola primária, que a gente ficava no pátio, tocava o hinonacional e hasteava a bandeira. A gente punha a mão assim, sabe. [...] O paísparece que confunde um pouco com pátria, sabe. Na faculdade, eh, eu fuientender, lendo e estudando, eu queria saber se tinha alguma diferença. E nadamencionava. “País se diferencia disso aqui”. Um dia eu li.[...] O país, pode serum país, eh, qualquer lugar pode ser um país, eu posso considerar país, eh, porexemplo, o estado nacional, desculpa, a nação de um grupo étnico é consideradoum país. [...] Deixa eu ver, [...] se não me engano no Almanaque Abril. Nãotenho certeza. (PROFESSOR JATOBÁ)

Assim, país refere-se à pátria, remete ao coração, à língua e à religião, e pode serusado para referir-se ainda às nações que não têm soberania, apesar de terem fronteirasdelimitadas (o exemplo, no caso, é a Chechênia). A construção dos conceitos de pátria,país, nação, estado nacional parece oriunda de sua prática e por ela norteada e inclui outrosujeito em sua entrevista e construção, os alunos, que se tornam os referenciais de seudiálogo conosco. Embora ausentes de fato, eles estão presentes de direito e constituem omarco deste professor para construir sua argumentação. No trecho, os alunos aparecemquase como sujeitos ocultos, para os quais se dirigem a ação e o discurso construído peloprofessor.

Outra questão que muito nos chamou atenção foi a particularidade e a identidadede e em ter um país (para ele, até Alice tem um país), ou seja, todos têm um país, umaorigem, vêm de algum lugar - neste caso, país parece assumir sua designação inicial: lugarde origem de alguém.

O hibridismo da palavra é ressaltado, na medida em que tanto a Guiana Francesa,quanto a Chechênia e o Brasil são exemplos de “país” (País eu posso denominar qualquer,eh, eu posso criar um país pra mim, entendeu). E há ainda, a generalização do discurso:mas pro brasileiro, país é a coisa mais confusa. Em suma, o professor, no momento emque organiza suas respostas, percebe e generaliza a confusão em torno do que seria otermo. Isso que ele percebe – que para o brasileiro, país é uma coisa confusa – a nossover é uma realidade, e não apenas circunscrita ao ensino de Geografia.

Outro professor aponta que país é tudo, o estado e a nação. E associa nação a algo

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além do limite territorial, a questão cultural e de pertencimento, embora não tenha utilizadoesses termos.

Quando eu falo país é o conjunto de tudo. Dentro de país tem estado nacional,tem a nação. Vamos pensar por exemplo, lá nos [...] nos curdos. Eles não estãotentando transformar o seu estado? Eles não tem um estado. Não tem país. Opaís daquele grupo ali não tem. Então, o país... dentro do país tem o estado,tem o povo, aí vai ter governo, vai ter. Então, país é tudo. As fronteiras. Nãoporque o estado para mim, o país tem o limite físico, territorial. A nação já nãotem. Ela vai além. [...] Tem um país, que é todo, conjunto todo, territorial,recursos naturais e tal. A nação é mais composta pelo povo e o estado nacional,no meu ponto de vista, é o que administra isso tudo. (PROFESSOR IPÊ).

País, então, é uma associação entre povo, estado e governo, portanto, implica limitesterritoriais, soberania, afinidades culturais (identidade comum?) e fronteiras não apenasdemarcadas, mas reconhecidas e associadas à soberania política. Ademais, país aproxima-se da idéia de “chão” e da definição encontrada nos dicionários de francês e etimologia,portanto, de seu sentido original, como o lugar de origem de alguém.

Nesta outra transcrição, mais um exemplo do hibridismo desse termo, tão comum etão desconhecido, ao mesmo tempo senso comum, despolitização, sentido para algo quenão se precisa o que seja.

Eu acho que dentro da concepção que você tem hoje de país, você tem que terum povo organizado com o estado. Aí você teria o país. É. Aí você tem que ter[...] vamos dizer assim, você tem que ter esse território, esse limite, que aspessoas estão vivendo ali, um poder constituído, uma nação. Se bem que tempaís também que tem várias nações. Difícil isso.[...] (P.) Nas suas aulas vocêusa o quê? Eu falo em país. Mas, quando você vai pra trabalhar os conflitosvocê acaba entrando na nação e no estado. Porque uma boa parte desses conflitosaí, eles estão em cima disso, está em cima de, de território, de formação deestado. (PROFESSOR JUAZEIRO)

Povo organizado, limites, território, poder constituído. País associa-se, neste caso,à idéia genérica de estado nacional, fugindo de sua proximidade com pátria – porque nãose falou em emoção – e de nação, porque se considera um território soberano e comEstado próprio. Assim, nas aulas usa-se novamente o termo país e sua aparenteneutralidade, apesar de este designar para o professor, o estado nacional. A nação e oestado nacional aparecem como sujeitos quando se trabalha a temática referente aosconflitos, pois que estes colocam em pauta, tais definições. Desse modo, será que se não

se tivesse que trabalhar conflitos, seria colocada em questão a discussão dos sentidos dasnações e estados nacionais?

O professor demonstra ainda, seu modo de raciocinar ao responder a essa questão.Ele vai aos poucos, procurando definições, buscando delimitar o campo, os conceitos ecategorias. Uma marca de texto que pode demonstrar essa busca pelo raciocínio: difícilisso, depois de ter procurado dar uma resposta bastante didática – novamente os alunosaparecem como sujeitos ocultos do discurso. Outro aspecto: fala-se em nação e estado

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nacional diante do tema conflitos. Será que, então, essa temática não é discutida paraBrasil? Por que será que se usa mais país para se referir ao Brasil? Almeida (2005) supõeque isso seja uma decorrência do processo de construção inerente à nação brasileira,inicialmente marcada por uma base econômica fundada no trabalho escravo. “Assim,seria um termo mais fácil de usar, pois não é possível falar em ‘nação brasileira’ porexemplo, no período escravista.”11 Mesmo quando se procura conferir um sentido maisgeopolitizado a esta palavra, ela acaba por significar tudo e nada e remeter, ainda queindiretamente, à soberania, este marco dos estados nacionais modernos, como na transcriçãoa seguir.

Minha noção de geopolítica acho que, não sei se eu estou ampliando ela muitoaqui, mas acho que trata dessa relação de como você vai pensar a, essa questãoda organização do território. Como que esse território está interagindo com oque está em volta ou dentro dele mesmo. [...] Vou usar o caso do Brasil, porinteresse político, por interesse econômico ou por, teria a questão militar, porexemplo. [...] Será que o Brasil está tomando uma atitude meio [...] digamosassim, arrogante com relação aos vizinhos ou aos aviões que entram pela suafronteira? [...] Até, eh, [...] eles usam muito essa idéia que vem na mídia mesmo.Eu acho que a mídia constrói muito essa questão geopolítica também, assim,de [...] de passar algumas informações, mas sem estar discutindo muito oassunto. (PROFESSOR JACARANDÁ)

Observa-se, na entrevista, a consideração do território, quase como um sujeito oucomo sujeitos em interação, abstraindo-se as sociedades. Assim, as interações geopolíticasocorrem entre o “país-sujeito” Brasil com outros “países-sujeitos”. Destaca-se ainda aidéia da soberania e das fronteiras demarcando e diferenciando o interno do externo,conferindo uma identidade e, ao mesmo tempo, desprovido de um sentido mais político,como argumentaram Vlach e Almeida. A idéia de país, para este docente, teria uma origemclara: a mídia. Mas, não seria a própria escola básica a fonte de origem ou de manutenção,divulgação, vulgarização desta palavra? O contato permanente com ela – nos livros e nasaulas de Geografia, mas não exclusivamente nelas -, faz com que seja incorporada tãoprofundamente ao nosso vocabulário que, em geral, não pensamos sobre seus sentidos esignificados. Assim, ela se torna tão irrelevante que não é trabalhada com uma precisãoconceitual maior.

Neste ponto, com base nas pesquisas realizadas, é possível fazer três constataçõesa respeito da grande difusão do termo “país”: uma refere-se ao uso constante dele pelaGeografia francesa e sua incorporação pela brasileira; outra, ao fato de o uso do termo sertão comum, que parece não haver necessidade de nenhuma precisão conceitual, de nenhumadefinição. Por fim, cabe argumentar que este vocábulo tem sua manutenção, atribuição desentidos e significados estreitamente vinculado à escola básica. Aventamos a possibilidade,inclusive, de ser a escola básica o local de produção de sentido e significado para a palavra

11 Mesa-Redonda durante o V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais.

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“país”, disseminando-se, a partir dela, para toda a sociedade, num processo de construçãoe reconstrução de significados, ou, como afirma Therborn (1987, p.21, tradução nossa),permitindo que “os seres humanos se constituam como membros conscientes do mundosócio-histórico”. Ou ainda, permitindo que se construa a “interpelação”, considerando-seque esta seja “uma ilustração, um exemplo adaptado a um modo específico de exposição,suficientemente ‘concreta’ para ser reconhecida, mas abstrata o bastante para ser pensávele pensada, dando origem a um conhecimento.” (PÊCHEUX, 1996, p.149).

Para Michel Pêcheux (1996, p. 146/147), “o teatro da interpelação” permite aligação do “sujeito perante a lei”, apresenta esse vínculo como se “o teatro da consciência- eu vejo, eu falo, etc - fosse observado dos bastidores” e designa, pela discrepância daformulação “indivíduo/sujeito, o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado a existir”. Logo,o importante é o significante, isto é, aquilo que representa o sujeito da interpelação/identificação. No caso do termo “país”, ele próprio se transforma em significante/sujeito,traduzindo para outros sujeitos - dessa vez concretos, os “nacionais” - o que significapertencer a um território ou constituir uma nação/estado nacional.

Assim, a construção da ideologia nacional em vez de ser colocada em discussão, ésubsumida no uso contínuo do termo “país”, que permite seu encaixe, justamente por suaimprecisão e sua abrangência, em qualquer escala temporal, territorial e política.

E se estamos no campo da ideologia nacional, para a qual o termo “país” tantoconfere um sentido, quanto oculta o movimento, é preciso considerar também, com Therborn(1987, p. 65, tradução nossa), que as ideologias,

não funcionam como idéias ou interpelações imateriais. Sempre são produzidas,transmitidas e recebidas em situações sociais concretas, materialmentecircunscritas, e com base em meios e práticas de comunicação especiais, cujaespecificidade material pesa sobre a eficácia da ideologia em questão.

As escolas funcionam, nesse sentido, como locais onde os professores têmlegitimidade para falar, e no caso dos professores de Geografia, para falar das nações,estados nacionais, pátrias e “países”. Este termo torna-se corriqueiro e como tal, seusentido é (re)produzido. É transmitido em escolas, meios de comunicação, diálogos pessoais,copas do mundo, corridas automobilísticas. É recebido e transformado continuamente emsituações sociais concretas do cotidiano, eivado por essas vivências, trocas e diálogos.

Ou, como afirma Bakhtin (1997), entra no domínio da ideologia aquilo que temvalor social. E país tem valor social, tanto, que sequer precisa ser definido, pois se considera,em geral, que esse vocábulo esteja sempre subentendido, e como tal, integre o conhecimentohumano geral.

Considerações finais

Nossa pesquisa realizou-se com base nas entrevistas com professores de Geografia,

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indicados por sete escolas entre públicas e privadas de Belo Horizonte. A amostra foiqualitativa e os professores entrevistados possuem legitimidade em seus locais de trabalho,estão inseridos em um processo de formação contínua, demonstraram refletir em e sobresua prática escolar e todos são considerados bons professores de Geografia nas instituiçõesem que lecionam.

Bons professores – segundo os critérios encontrados em nossa pesquisa – foramdefinidos como aqueles que articulam conteúdos e saberes distintos, ensinam essa habilidadede articulação a seus alunos e são capazes de conferir sentido àquilo que ensinam.

Observamos ainda uma relação circular entre a escola básica e a academia: asdisciplinas escolares vão constituindo um corpus próprio e quase autônomo em relação àsdisciplinas acadêmicas, embora guardem uma relação de profunda interação com elas,uma validando e justificando a existência, permanência, necessidade e atualidade da outra,dialeticamente.

Se considerarmos, portanto, que esta relação é dialética, ela encontra-se imbricadaem validações e contradições. Se há uma “certa desconsideração” pelos acadêmicos, dosaber escolar, os professores da escola básica consideram, muitas vezes, que o conhecimentoacadêmico carece de objetivação, por ser “muito teórico”.

Na institucionalização da História e Geografia como disciplinas escolares na Europa,construiu-se uma certa subordinação desta àquela. Na França e Alemanha, a Geografiasubordina-se à História e ambas são criadas para constituir os nacionais. No Brasil, porsuas especificidades, ocorre o contrário, ou seja, é a Geografia que fornece os principaiselementos de construção dos “grandes mitos formadores nacionais”.

Portanto, em relação ao Brasil, acreditamos que a subordinação da Geografia àHistória deve ser relativizada. Isso deve ocorrer, sobretudo, quando consideramos aconstrução da ideologia nacional. Aí é a Geografia, mais que a História, que fornece oselementos para a construção de nossa ideologia nacional, tais como aspectos referentes ànossa extensão territorial, miscigenação, a grandiosidade de nossa natureza face à relativaausência de “mitos fundadores nacionais”.

Desde o “descobrimento”, o que conferiu singularidade a esta terra na percepçãodo europeu ibérico foi sua natureza exuberante, “rica em águas”, pródiga, um verdadeiro“jardim do Éden”.

A esse “jardim do Éden” associa-se um superlativo que procura traduzir/refletir/refratar a grandeza brasileira: ser um dos “países” de maior extensão territorial do mundo,e mais, com expressiva população, essencialmente mestiça e pacífica.

É preciso considerar, no entanto, que se de um lado, constrói-se esse mito da naturezaedênica, de outro, a natureza é percebida como um entrave, um empecilho aodesenvolvimento nacional. Essas duas percepções conflitantes da natureza tanto produzirame produzem discursos de “orgulho nacional”, quanto de justificativa para nosso “atraso”social e econômico. Se de um lado, a nossa natureza “pródiga” constitui positivamentenossa imagem, de outro, nossa natureza “infernal” permite-nos justificar, pela via do

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natural, as nossas mazelas.As duas perspectivas desnaturalizam o homem e naturalizam as sociedades,

possibilitando, desse modo, que se construam discursos pertinentes à constituição dosbrasileiros, uma vez que se ignora a sociedade, cindida pelo escravismo no período coloniale por profundas desigualdades sociais na atualidade. O recurso à natureza, seja edênicaou infernal, permite que se constitua o Brasil e os brasileiros, criando um vínculo profundoentre os nacionais a despeito de suas desigualdades efetivas.

A Geografia Escolar, ao trabalhar diretamente com a construção de uma espécie de“retrato do Brasil” muito tem contribuído para a manutenção da ideologia nacional. Frenteà “neutralidade” da Geografia, povo torna-se população, território transmuta-se em terra,poder em estado, e este estado pode reservar-se a função de mediador das lutas sociaisincluindo, evidentemente, as lutas por terras e território.

Acreditamos também que, no Brasil, a Geografia Escolar reproduz com maiorintensidade a ideologia nacional, justamente por negar-se a discuti-la. Na medida em quenos furtamos à discussão sobre a construção de “nosso” território, em que reproduzimos,ainda que com críticas, a prodigalidade da natureza brasileira, em que continuamos atrabalhar nossas fronteiras descontextualizadas de seu processo de construção, em quecontinuamos a descrever nossa população como ordeira e pacífica, reinventamos/vivificamos nossos mitos fundadores geográficos.

Por isso consideramos o termo país um “semióforo”, algo que se pressupõe ser doentendimento comum, que remete a alguma coisa situada fora de si mesma, que por isso,constitui-se como signo e cujo valor reside em sua força simbólica.

Pertencer a um país constitui-se assim, em uma faceta de nossa subjetividade.Notamos que professores, obras de referência e livros didáticos utilizam de modo recorrenteesse vocábulo, que tudo e nada fala a respeito de ser um “nacional”, mas que, ao mesmotempo, estabelece um sentido comum de pertencimento, ainda que pouco definido.

Este termo, ao mesmo tempo significando tudo e nada, talvez permita esvaziar acarga política e ideológica presente nos termos nações e estados nacionais. Talvez permitafalar em “nação brasileira” sem que esta, necessariamente, exista. E talvez possibilite atodos que o utilizam, fugir das discussões suscitadas pelas nações, estados nacionais comotermos carregados de vários sentidos históricos e ideológicos.

Assim, mantém-se, de certo modo, uma das funções historicamente atribuídas àGeografia na escola desde sua institucionalização no século XIX: constituir a identidadenacional.

Por isso, podemos considerar que a Geografia foi e continua a ser agente de produçãoe reprodução da ideologia nacional. E isso parece ser um aspecto inerente à escola básica,uma vez que os professores entrevistados afirmaram não terem discutido essas questõesdurante sua formação na graduação. É importante ressaltar o quanto foi recorrente osentrevistados afirmarem não se lembrar de disciplinas, no curso de Geografia, quecolocassem em discussão os conceitos de nação e estado nacional. Muitos afirmaram que,

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na graduação, pressupunha-se que os discentes tivessem esses conceitos. Eles, hoje, fazem

o mesmo com seus alunos na escola básica: pressupõem que os alunos já construíram esses

conceitos. Se os alunos da escola básica não os têm, os docentes acreditam que, em algum

momento, esses conceitos serão construídos nas aulas de História. Desse modo, a Geografia,enquanto disciplina escolar, e seus professores, continuam a constituir os “brasileiros”,ainda que sem ter clareza quanto a isso.

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- Entrevistas com 14 docentes da escola básica de Belo Horizonte - MG

Recebido para publicação dia 20 de Maio de 2007

Aceito para publicação dia 08 de Junho de 2007

GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...

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A IDEOLOGIA NOS LIVROS

DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA

DURANTE O REGIME

MILITAR NO BRASIL

IDEOLOGY IN GEOGRAPHYTEXTBOOKS DURING THE PERIODOF MILITARY REGIME IN BRAZIL

LA IDEOLOGÍA EN LOS LIBROSDIDÁCTICOS DE GEOGRAFÍA

DURANTE EL GOBIERNOMILITAR EN BRASIL

EDINHO CARLOS

KUNZLER

[email protected]

CARMEN REJANE FLORES

WIZNIEWSKY

[email protected]

Profª Adjunta Departamentode Geociências - UFSM

Resumo: A ditadura militar no Brasil (1964 – 1985) foi reflexo daspolíticas internacionais postas em prática após a Segunda GuerraMundial pelo governo dos Estados Unidos, com a finalidade de exercerum controle ideológico e econômico sobre seus parceiros e como formade controle ao perigo socialista. O Brasil, assim como em outros paísesda América Latina, passou por anos de ditadura que influenciaram emgrande parcela a estrutura política, social e econômica, assim como osistema de ensino. Isto é resultado da interferência dos acordosunilaterais que tinham real interesse em manter assegurado o controleideológico do Estado, bem como difundir a nova face do capitalismo ea modernização que se desenvolveu no campo e na cidade. Nessecontexto, este trabalho pretende analisar o período da ditadura militar,assim como a forma que o livro didático foi utilizado pelo Estado paradifundir sua ideologia, durante aquele momento da história do Brasil.Palavras-chave: Política; Ensino; Geografia; Llivro didático;Ideologia.

Abstract: The military dictatorship in Brazil (1964 – 1985) was areflex of the international policies practiced after the Second WorldWar by the government of the United States, with the purpose toexercise an economic and ideological control on their partners and as aform of avoiding the Socialist Regime. Brazil, like other Latin-Americancountries, experienced years of dictatorship which influenced at mostthe social, economic and political structure, even the educational system.It is reflected on the interference of the unilateral agreements whichhad as a real interest to assure the ideological control of the State, andalso to spread the new face of the capitalism, modernization –industrialization/urbanization – that was developed in the countrysideand in the city. In this context, this work intends to analyze the periodof the military dictatorship, as well as the form with which the textbookwas used by the State to spread out its ideology, during that moment inthe history of Brazil.Keywords: Politic; Teaching; Geography; Textbook; Ideology.

Resumen: La dictadura militar en Brasil (1964 – 1985), fue el reflejode las políticas internacionales puestas en práctica después de laSegunda Guerra Mundial por el gobierno de los Estados Unidos, conla finalidad de ejercer un control ideológico y económico sobre suscompañeros y como forma de control del peligro socialista. Brasil, asícomo otros países de América Latina, pasó por años de dictadura, queinfluenciaron de forma importante la estructura política, social yeconómica, así como el sistema de enseñanza. Eso es resultado de lainterferencia de los acuerdos unilaterales que tuvieron verdadero interésen asegurar el control ideológico del Estado, así como en difundir elnuevo lado del capitalismo y la modernización que se desarrolló en elcampo y en la ciudad. En ese contexto, este trabajo tiene como objetivoinvestigar el periodo de la dictadura militar, así como la forma con quelos libros didácticos fueron utilizados por el Estado para irradiar suideología durante aquel momento de la historia brasileña.Palabras clave: Política; Enseñanza; Geografía; Libro didáctico;Ideología

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 197-220 Jan-Jun/2007

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Intr odução

A educação, no Brasil, tem sofrido muitos reveses durante sua história. A começarpela catequização dos nossos índios a partir da qual sua cultura era desprezada emdetrimento à cultura européia, fortemente embasada na fé cristã. O livro didático, que foicriado com o intuito de ser um instrumento de auxílio ao professor na sala de aula, emmuitos casos, passou a ser a “bíblia” da sala de aula. Mais ainda, como o governo,historicamente, procura estabelecer parâmetros curriculares comuns em todo país, temencontrado nos livros didáticos um importante instrumento meio de praticar esta “paridade”educacional.

Nota-se que até hoje, mais de vinte anos depois da redemocratização, o Estadobrasileiro tem exercido esse papel na educação de suas crianças e jovens. E durante operíodo militar, o que sabemos sobre as políticas públicas para a educação e, maisespecificamente, para os livros didáticos?

Normalmente quando é feita alguma menção ao período militar, os termos queouvimos ou que lemos mais freqüentemente são: repressão, tortura, perseguição edesaparecimento geralmente vinculados aos danos físicos e morais causados às pessoas,às organizações democráticas e aos meios de comunicação. Mas pouco se tem faladosobre a maneira que os militares administraram o país e seus reflexos na sociedade brasileira.Com sua ascensão ao poder, os militares passam a se instrumentalizar para a aplicação deseu projeto de Estado à sociedade brasileira. Esses instrumentos, denominados aparelhosdo Estado, são os meios legais pelos quais o homem organiza sua sociedade, ou seja,

para garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação dedominação e subordinação econômica, política e ideológica, a classe dominanteutiliza-se do Estado, que nada mais é que um instrumento de repressãoassegurador do seu domínio” (NOSELLA, 1978, p. 21).

Portanto, a escola, como uma instituição de abrangência nacional e de caráter centralna formação e instrução da população, passou por transformações para que contemplasseas reformas implantadas pelos militares. Assim, Nosella (1978, p. 27) diz que o papel daescola é “[...] cumprir sua função de instrumento de inculcação da ideologia da classedominante à classe dominada.”

Pode-se então perceber que a política centralizadora do período militar atacou emmuitas frentes, e o livro didático, como o mais importante instrumento de ensino empregadonas salas de aula brasileiras (dada a precariedade das condições de trabalho do professorese os graves contrastes e problemas sociais presentes na vida dos alunos), também fezparte do ‘pacote’ de mudanças que alicerçaram o período. Esta reflexão fundamenta otema do presente trabalho, trazendo uma análise de livros didáticos produzidos durante operíodo da Ditadura Militar (1964 – 1985), como forma de compreender suas abordagensno que se refere a determinados aspectos que se relacionam ao momento que passava

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nosso país.Com isso, tem-se como objetivo, de forma geral, demonstrar como foi tratada a

educação no Brasil durante o regime militar e, especificamente, demonstrar quais foramas políticas públicas elaboradas para reger as atividades educacionais durante o referidomomento, como essas políticas atingiram os livros didáticos de geografia e construir umreferencial teórico com vistas a ampliar a visão que se tem sobre o assunto, ainda tãopouco explorado, sobretudo, no Brasil. Para desenvolver a pesquisa, foi adotada umametodologia qualitativa, a partir da análise descritiva de livros didáticos do referido período,levando, desta maneira, à compreensão do tema proposto.

Os livros analisados são de autores expressivos do período e trata-se de obras quefizeram parte da leva de livros disponibilizados às escolas de acordo com o tratado assinadoem janeiro de 1967. A partir da análise dos livros selecionados, foi possível traçar umalinha-padrão de apresentação e abordagem da geografia e, mais precisamente, em temas eassuntos sobre o Brasil.

Sobre o cenário político e econômico internacional e brasileiro após a Segunda GuerraMundial

O mundo, após a Segunda Guerra Mundial, viu despertar um novo embate entrenações. De um lado da “trincheira”, no hemisfério ocidental liderado pelos Estados Unidosda América (EUA), ergueu-se o bloco capitalista, dito Primeiro Mundo, com uma economialiberal voltada aos interesses do mercado e do capital, onde a interferência do Estado naeconomia do país era mínima. No hemisfério oriental, liderado pela União das RepúblicasSocialistas Soviéticas (URSS), ergueu-se o bloco de economia planificada e centrada nointeresse coletivo representado pelo Estado (conhecido como Segundo Mundo), sendo ocentro das decisões na capital da Rússia, Moscou.

Durante este período, a América Latina permanecia como uma região cujaspossibilidades de avanço do socialismo eram reais. Seria muito perigoso para os EstadosUnidos, e de certa forma essencial para o capitalismo, que a América Latina fosse integradaideologicamente e economicamente aos vizinhos do norte do continente. Porém, segundoKatchaturov (1980), essa mudança de visão, e atitude dos governos norte-americanospara com a América Latina não se deu de uma hora para outra, mas foi sendo construídacom o passar dos anos (especialmente do final do século XIX até a metade do século XX),sendo fortemente apoiada por doutrinas criadas e “aprimoradas” por sucessivos governos.

Assim, o governo de Washington parte em busca de aliados nos países da AméricaLatina para que se leve até esses países o modelo adotado por ele e seus seguidores. Eencontrou nesses países a insatisfação crescente da classe burguesa com o avanço doproletariado em seu “território”, associado ao risco de uma eminente revolução das classesascendentes embasada nos ideais marxistas, o que o levou a apoiar a burguesia nos golpesde Estado para a (re)tomada do poder e a consolidação de sua hegemonia no continente

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americano. Dentre os instrumentos e os direitos que os Estados Unidos dispunham e teriama liberdade de adotar, caso fosse necessário, em benefício próprio para a aplicação de suasdoutrinas, estavam a intervenção armada nos países, anexações de territórios e até aderrubada de governos constitucionais, definida por Katchaturov (1980, p. 19) como aconcretização de uma “[...] ‘política preventiva’, proclamada pelos EUA e que tentavafundamentar o ‘direito’ de intromissão nos assuntos dos países latino-americanos com a‘anarquia’ reinante e as ‘transformações políticas indesejáveis’.”

Foi assim com a derrubada do governo civil e constitucional do Brasil em abril de1964, com a deposição do governo da então Guiana Inglesa em dezembro do mesmo anoe com a intervenção armada na República Dominicana em abril de 1965. Todos estesgolpes foram alicerçados pela Doutrina Johnson, que segundo Katchaturov (1981, p. 25)“afirmava o direito dos EUA à intromissão nos assuntos internos dos países da AméricaLatina e que estes não permitiriam o surgimento de uma segunda Cuba”. Já através dapolítica do Presidente Nixon denominada por “colaboração entre iguais” conduzida pelopresidente estadunidense Nixon, foram depostos os governos da Bolívia em 1971, doUruguai e do Chile em 1973. E em 24 de março de 1976 é deposto o governo peronista daArgentina, estando neste momento as relações internacionais dos Estados Unidos regidaspela política do “novo diálogo”.

No Brasil, o golpe que levou os militares ao poder central em 31 de março de 1964,pode ser encarado como a revolução da grande burguesia contra o proletariado. Os militaresrepresentavam, portanto, a classe que historicamente ocupava os palácios do poder central.Esta classe (formada pela burguesia monopolista e financeira, associada com setores declasse média, da Igreja, militares, policiais, latifundiários, burocratas e tecnocratas) planejoue pôs em prática o golpe de Estado com o claro objetivo de cercear o avanço da classeoperária e do campesinato, que estavam conseguindo formar classes conscientes e ativasperante a sociedade brasileira da época, segundo Ianni (1981).

Este avanço da consciência política, econômica e ideológica de uma classe“subalterna” ocorria justamente porque os detentores do poder até então nada tinham feitopara reprimi-lo. Muito pelo contrário, tudo isso aconteceu justamente porque a classeburguesa “permitiu” esse avanço do proletariado sem que meios legais tivessem sido criadospor governos anteriores para restringir qualquer ameaça de revolução social. Assim,juntamente com a força do capital monopolista internacional, no país concretizou-se a“vitória da opção do capitalismo dependente” (IANNI, 1981, p. 197), frente às outraspossibilidades do período, “o capitalismo nacional, o socialismo por via pacífica ou porvia revolucionária”.

Para frear o avanço da classe operária e campesina na sociedade e na política, tãologo tomaram o poder, os “conservadores” buscaram ampliar os direitos e o poder doEstado sobre a sociedade sob a bandeira do planejamento estatal de desenvolvimento dopaís. Este planejamento elaborado pelo poder central era difundido como sendo a únicaforma de se fazer o país avançar sem que houvesse qualquer tipo de discriminação e

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distorção de aplicação de investimentos nos setores estratégicos. Não obstante, a ideologiadifundida pelo governo e inclusive amparada por sociólogos, tanto brasileiros, quantoestrangeiros, era de que o planejamento por si só era uma “técnica neutra1 ”, segundo nosdiz Ianni (1981). E, para pôr em prática as políticas públicas planejadas para o Brasilpotência, logo os “novos” governantes passaram a usar o poder e a força do Estado paragarantir e legitimar o seu governo e a “[...] reprodução das relações de produção, o quesignifica garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de dominaçãoe subordinação econômica, política e ideológica.” (NOSELLA, 1978, p. 21)

Aqui vale ressaltar que a política de investimentos executada pelos Estados Unidosna América Latina fez com que cada dólar investido rendesse entre quatro e cinco dólaresde lucro líquido para os investidores, segundo Katchaturov (1980). Contudo, para o sucessodesse projeto, era indispensável suprir a necessidade de mão-de-obra que novo modeloprodutivo planejado para o país, suas novas demandas e as novas tecnologias exigiriam,sendo por isso elaboradas alterações consideráveis nas políticas do Estado. Essas novasdemandas de mão-de-obra, tecnologias e relações trabalhistas, exigidas pela nova fase dedesenvolvimento do país, acarretariam em aspectos que poderiam culminar muito além dosimples objetivo de dinamizar a produção. Como efeito, essas novas dinâmicas, fatalmenteseriam instrumentos de inclusão e exclusão social e assim servindo como um mecanismode manipulação de massas, empregado com o objetivo de assegurar a manutenção depoder por parte da classe dominante sobre a classe trabalhadora.

Sem dúvida, a habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem atecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivasem cada período histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que,embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia(ou a sua falta) incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bemcomo os usos que as sociedades, sempre em um processo conflituoso, decidemdar ao seu potencial tecnológico (CASTELLS, 2005, p. 44-45).

O governo do período foi também muito hábil em adotar discursos que ratificassema exatidão do caminho que estava sendo trilhado. O sentimento do verdeamarelismo2 , deque nos fala Marilena Chauí (2000), passou de discurso de legitimidade do sistema colonialbrasileiro para uma “questão nacional”, onde, segundo a autora, a luta de classes passa aser incorporada no discurso, mas é, ao mesmo tempo, neutralizada por uma ação paternaldo Estado e pela suposta colaboração entre capital e trabalho. Esse mesmo sentimento

1 Em IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital (1981), são apresentadas quatro citações deimportantes autores do período: Roberto de Oliveira Campos, Antônio Delfim Netto, João Paulodos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen. Os quatro autores são unânimes em afirmar que a“técnica de planejar” é um instrumento livre de interesses políticos e que só o planejamento podegarantir exatidão das tomadas de decisões governamentais.2 Segundo Marilena Chauí em Brasil, mito fundador e sociedade autoritária (2000), overdeamarelismo surgiu como um sentimento elaborado no curso dos anos pela classe dominantebrasileira como imagem celebrativa do “país essencialmente agrário”, tendo sua construçãocoincidindo com o período em que o “princípio da nacionalidade” era definido pela extensão doterritório e pela densidade demográfica, visando legitimar o que restara do sistema colonial e ahegemonia dos proprietários de terra.

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verde-amarelo, que com a superação do sistema agrário-exportador do país por um sistemade industrialização interna, havia de certa forma perdido seu foco, foi revitalizado, reforçadoe incorporado nos anos da ditadura e do Brasil Grande. Ele serviu como um movimentode unidade da nação que visava a sua transformação em potência política e econômica eque privilegiaria o tripé tradição, família e propriedade, evidentemente trazendo à tona odomínio de uma classe historicamente favorecida sobre os indivíduos das classesdesfavorecidas.

Para assegurar a vitória do modelo que se propunha ao país era necessário nãoapenas garantir a supremacia de uma classe em relação à outra. Era necessário que ascondições de dominação fossem reproduzidas. E se a repressão pela violência física emoral, pela censura, ou pela omissão dos verdadeiros planos e atos do governo serviram,num primeiro momento, para desfazer qualquer “ameaça” de revolução ao novo sistema,para assegurar, no futuro, a reprodução do modelo econômico de dominação e exclusãoatravés das novas gerações, o mais importante instrumento que o Estado brasileiro pôdeusar foi a educação, atingida pelo transbordamento dos planos e programas governamentaispara todos os campos da economia e da sociedade, de acordo com Ianni (1981).

Como se pode notar, os passos traçados e seguidos pelo Governo Militar visavamnão apenas tomar o poder para si, mas muito mais que isso, visavam usar o poder doEstado para garantir que o modelo econômico que o país adotara a partir dos anos 50 emais incisivamente no início dos anos 60 não fosse suplantado por outro modelo em casode uma “revolução” das classes proletárias. Portanto, todo o planejamento para odesenvolvimento do país alardeado pelo “novo governo” já havia sido pensado e detalhadoantes do Golpe de 1964, cabendo aos governantes do período a aplicação das políticasnecessárias à “perpetuação” do capitalismo (periférico e dependente) no Brasil sob aalegação e propaganda do projeto Brasil Potência.

As políticas educacionais no período da ditadura militar

Durante o período do regime militar a educação foi um dos campos mais atingidospor reformas que visassem sua adaptação para atender às demandas do projeto dedesenvolvimento nacional baseado na abertura econômica e no aporte do capital estrangeiro.Assim, segundo Frigotto (1995, p. 18), “[...] a educação no Brasil, nas décadas de 60 e70, foi reduzida pelo economicismo, a mero fator de produção – capital humano”. Asdiferenças estariam então, não apenas sendo mantidas, mas também ampliadas, na medidaem que a grande massa de estudantes das escolas públicas teria sua “formação” destinadaa suprir as necessidades do mercado e os professores, a ferramenta de execução de talobjetivo. Assim, a instituição da escola pública deixou de ser um ambiente destinado aocrescimento pessoal e social e foi, deliberadamente, transformado pelo poder central emuma “fábrica” de trabalhadores alienados e completamente dependentes das “vontades”do capital ou da “bondade” do governo.

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Esta combinação entre fortalecimento do Estado e do capitalismo, no Brasil,apresentou conseqüências como o sucateamento das escolas públicas, os baixos saláriosdos profissionais, a qualidade do ensino visivelmente inferior em relação às instituiçõesprivadas (embora existam exceções). E, principalmente, a incapacidade da escola emfazer com que os alunos desenvolvam o seu senso crítico e participativo, restando-lhesapenas a resignação com sua situação e a expectativa da ajuda paternal dos governos.Esta ajuda paternal dos governos, nada mais era que um mecanismo de fortalecimento doEstado, que, conforme palavras de Castells (2005, p. 53) “[...] visava a maximização dopoder para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e nos níveis maisprofundos de seu consciente”.

Vale ressaltar que todos os ideais pelos quais se balizaram os administradores foram“importados” junto com o capital e os investimentos necessários para o “desenvolvimento”do país. O próprio ideal de progresso e o conceito de desenvolvimento chegaram aqui jáelaborados e definidos, como diz Buarque (1993). Coube ao governo ditatorial implantá-lo e criar as condições para que o “progresso e o desenvolvimento” pudessem levar o paísà condição de potência continental, o que de fato não ocorreu e contribuiu apenas parafortalecer ainda mais a classe dominante, em detrimento das reais necessidades da sociedadedo país. Assim,

ao importarem as necessidades e os meios para atingir o modelo dedesenvolvimento dos países ricos, os subdesenvolvidos endividaram-se,violentaram suas culturas, depredaram seus recursos, concentraram a renda,utilizaram regimes autoritários, segregaram suas sociedades, na ânsia deatingirem o nirvana do progresso” (BUARQUE, 1993, p. 59).

Vê-se, então, que o ideal de desenvolvimento do país permeou o discurso dosgovernantes (que estavam cumprindo os objetivos da classe dominante) e que este somenteseria possível mantendo-se a ordem. Porém, a maneira como as políticas foram conduzidaspelo governo tratava com clara distinção de classes a sociedade, inclusive nas escolas, nassuas metas e nos seus objetivos. A maneira como a educação foi conduzida no país duranteo período do regime militar, obviamente serviu aos interesses traçados pelo Estado,dominado pelas elites e alinhado ao grande capital e dependente da assinatura de tratadosinternacionais.

Em 1966-68, o Governos dos Marechais Castello Branco e Costa e Silvaassinaram acordos com o Governo dos Estados Unidos, no sentido de planejaremcooperativamente a ‘modernização’ do sistema brasileiro de ensino. A execuçãodos acordos ficou a cargo do Ministério da Educação e Cultura (MEC),representando o Brasil, e Agência Norte-Americana para o DesenvolvimentoInternacional (USAID), representando os Estados Unidos. (IANNI, 1981, p.19-20).

Não é a toa que os governos militares tenham elaborado vastas reformas no sistemade ensino do país. E também não é de se estranhar o fato destas reformas terem sido

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elaboradas a partir de tratados e acordos assinados em conjunto com o governoestadunidense. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968 foram firmados doze acordos MEC-USAID. O ápice destas reformas foram as Leis 5.540/68 e 5.692/71 e, enquanto a primeiratratava do Ensino Superior, a segunda se encarregava de reestruturar os Ensinos Básico eMédio. A base prevista na reformulação do Ensino Superior era a departamentalizaçãodos cursos superiores, enquanto as reformas nos níveis inferiores do ensino estabelecerama instituição do Ensino Profissionalizante.

Se por um lado os técnicos do governo elaboravam os estudos que culminariam nasreformas cujo princípio norteador era a despolitização da escola, por outro lado estasreformas foram extremamente eficientes em transformar a educação em uma prática“imobilizadora e ocultadora de verdades”, segundo palavras de Freire (2002). Apossibilidade de atribuição deste papel à educação serviu ao governo ditatorial como ummeio muito eficiente para minar a capacidade de reação das classes operárias e,especialmente, garantir em longo prazo o “abastecimento” das fábricas com mão-de-obrabarata e dificultar o acesso das classes proletárias às camadas superiores da sociedade.Esse processo comandou toda a estrutura de dominação ideológica da classe burguesasobre a classe proletária.

Parece evidente, então, que os estrategistas do governo brasileiro, apoiados pelostécnicos e pela “experiência” dos Estados Unidos, tinham plena consciência de onde poderiachegar o processo de reformulação do ensino no país. Soma-se a isso o processo de inversãode capital, abordado por Romanelli (1997), nesta etapa de “colaboração” do país donorte, vê-se que o eixo principal da Reforma do Ensino não seria exatamente a demandasocial do ensino e do sistema de ensino. É muito mais plausível supor que a grandenorteadora deste processo foi a dominação ideológica com vistas à intensificação do modeloeconômico acolhido pelo país através dos representantes da burguesia no poder central.

A ideologia e o livro didático de geografia

O golpe civil-militar foi fortemente marcado pela elaboração de políticas baseadasem planos estratégicos desenvolvidos por técnicos do governo brasileiro, apoiados portécnicos e “pessoal gabaritado” do governo dos Estados Unidos. Estes planos e projetospara o país, ao contrário do que alardeavam os teóricos do governo não eram técnicasneutras de administração, mas sim instrumentos de legalização da política de dominaçãopraticada pelo governo ditatorial. Este ideal atendia aos interesses do governo norte-americano, bem como a necessidade cada vez maior do capital internacional e de seusrepresentantes em difundir o modelo econômico, produtivo e consumista, e o anseio deretomada das rédeas do país por parte da grande burguesia nacional. As reformas noensino foram tratadas como sendo necessárias para “despolitizar” o sistema brasileiroatravés da neutralidade dos planos e programas, fazendo da educação uma atividade“neutra”, o que, segundo Freire (2002), pode ser considerado um erro que implica em uma

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visão defeituosa da história.Com o argumento de despolitizar o ensino brasileiro, através da “neutralidade” das

reformas planejadas, e formar trabalhadores, incute-se a idéia de que o sistema de ensinobrasileiro era, até então, ineficiente e não cumpridor dos reais interesses do povo e do país.Este “erro” apontado na abordagem da escola e que precisaria ser revertido à virtude do“acerto”, no entanto, extrapola o campo da qualidade do ensino. Na verdade, este foi odiscurso utilizado pela classe dominante para fazer do sistema oficial de ensino do paísum grande sistema de reprodução da sua ideologia, que, de acordo com Marilena Chauí(2000), não pode explicitar sua própria origem, pois, se o fizesse, tornaria explícita adivisão social de classes, perdendo sua razão em ocultar a realidade.

Adiciona-se a questão proposta por Maturana (1998), a educação serve para que(?),em que o autor traz como resposta para o questionamento proposto, que a educação serve,necessariamente, a um fim determinado por alguém, e teremos uma visão mais clara decomo o momento político vivido no Brasil afetou o sistema de ensino. E no caso do país,a educação, assim como os demais setores estratégicos controlados pelo governo ditatorial,deveria servir para atender às necessidades e os interesses da nação. No entanto, aconsciência de “Estado/nação” e o sentimento de “nacionalismo” também são instrumentosde dominação e manipulação de massas. Estado que “[...] aparece como realização dointeresse geral [...], mas, na realidade, ele é a forma pela qual os interesses da parte maisforte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários) ganha a aparência de interessesde toda sociedade [...]” (CHAUÍ, 2001, p. 65). A idéia de Estado legalmente constituído,legítimo e soberano e suas instituições são, portanto, uma grande máquina de um gruporeduzido de pessoas que historicamente tiveram a seu dispor as possibilidades de efetuarseu domínio econômico, político e ideológico sobre o grupo maior e a criação de meios econdições para a reprodução do modelo de exclusão da grande classe proletária.

As reformas do Ensino Superior e do Ensino Médio levaram, definitivamente, paradentro das salas de aula esta estrutura de separação de classes. O enlace desta reforma doensino com as teorias pedagógicas mais recentes do período agradou em cheio a comunidadeescolar e o momento econômico que o país atravessava, pois apenas reafirmava o acertodo “planejamento governamental”. O tecnicismo pedagógico, de que nos fala Ghiraldelli(1994) foi a corrente pedagógica dominante no período, tida como a pedagogia oficial ebase bibliográfica para os concursos do magistério e foi decisivo para a adoção do modelobancário de ensino, denunciado por Freire (1987). Esta concepção, norteada pelos princípiosde racionalidade, eficiência e produtividade (conceitos estes “importados” do modeloprodutivo implantado nas indústrias e adaptados à sala de aula com a “colaboração” dostécnicos dos Estados Unidos) enfrentou ainda a concorrência de outras teorias “não-oficiais”,sendo, neste caso, dada ênfase apenas ao sistema oficial.

Assim, é possível citar o que Brabant (2003) chama de enciclopeditismo dageografia. O discurso essencialmente descritivo da disciplina encontra, segundo o autor,as suas raízes na geografia militar, em que se faz o inventário dos dados úteis e das

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potencialidades que possam ser usadas no futuro. Este tipo de tratamento dispensado àdisciplina leva à ênfase na geografia física e ao conhecimento dito “de gaveta” (oriundo daconcepção bancária de ensino, de Paulo Freire). Neste contexto as ligações e as relaçõesentre homem-natureza e homem-homem deixam de ser as principais balizadoras dadisciplina e assumem um papel de importância secundária. Ao mudar o foco da disciplinae centralizá-la em variáveis predominantemente estatísticas e “despolitizar o ensino” (ouseja, subtrair da sala de aula e das disciplinas qualquer parâmetro passível de discussão),os planejadores fizeram, então, com que a geografia assumisse o papel de disciplinaenciclopeditista, limitando-a unicamente à função de expositora de dados e informações.Era o enciclopeditismo fazendo uso do que Paulo Freire chama de concepção bancária do

ensino e todas as suas conseqüências para o desenvolvimento crítico, tanto de alunos,

quanto de professores.Para tanto, o pressuposto que norteou as reformas no sistema de ensino e a adoção

destes novos parâmetros, especialmente para a disciplina de Geografia durante o RegimeMilitar, foi o Neopositivismo. Este pressuposto teórico-metodológico trouxe para o ensinodo Brasil um modelo que, segundo Tonini (2003) foi construído como uma ferramentapara intervenção espacial que possibilitasse o atendimento aos interesses estadunidensespelo mundo. Esse pressuposto perfazia perfeitamente às disposições que as reformaspropunham ao ensino. O tecnicismo pedagógico teve, então, uma base amplamenteestruturada em conceitos e técnicas matemáticas de abordagem, o que foi decisivo para atransformação da geografia numa “ciência enciclopédica”, com as verdades prontas paraser “depositadas” pelos professores no intelecto dos alunos. Assim, segundo Vesentini(2004) a escola poderia atuar na adaptação das pessoas.

Esta é a geografia que, segundo Vesentini (2003) teria por função difundir a ideologiada Pátria, tornar sua construção histórica como algo “natural” e dar ênfase à Terra emdetrimento à sociedade, tornando a natureza como o ser maior que domina nosso planeta,acima da sociedade de qualquer dicotomia que esta possa apresentar, segundo Faria (1994).Neste contexto, o livro didático de geografia poderia muito bem ser um instrumento capazde “avalizar” e “legalizar” todas estas ponderações. Em um país com recursos econômicoslimitados e que acabara de assinar um contrato de cooperação com um país de maiorespossibilidades financeiras e “técnicas” para edição, publicação, impressão e distribuiçãode mais de 50 milhões de exemplares de livros didáticos, logo o livro didático passou dacondição de instrumento de auxílio a instrumento balizador da prática de ensino. No âmbitodas reformas estabelecidas, vale descrever o acordo MEC-SNEL-USAID, assinado em 6de janeiro de 1967, que diz respeito diretamente ao tema do presente artigo, o livro didático:

Por esse acordo, seriam colocados, no prazo de 3 anos, a contar de 1967, 51milhões de livros nas escolas. Ao MEC e o SNEL incumbiriam apenasresponsabilidades de execução, mas, aos técnicos da USAID, todo o controle,desde os detalhes técnicos de fabricação do livro, até os detalhes de maiorimportância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de livros,além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de direitos

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autorais de editores não-brasileiros, vale dizer, americanos (ROMANELLI,1997, p. 213).

É plausível, portanto, considerar que o avanço norte-americano só ocorreu no Brasil,desta forma, porque encontrou adeptos de sua política que, juntamente com a “colaboração”do país do norte, vislumbraram a possibilidade de agregar riqueza e poder ao seu domíniosob a bandeira do projeto Brasil Potência. Desta maneira, segundo Freitag (1987 apudSCHÄFFER, 1998, p. 135), os acordos MEC/USAID visavam substituir o modelo francês,tido como improdutivo e excessivamente politizante, pelo modelo anglo-saxônico, maiseficaz e mais capaz de uma participação efetiva no desenvolvimento, uma vez que era ummodelo voltado quase que exclusivamente às necessidades das empresas. E como afirmaSpósito (2006, p. 298), “[...] o crescimento populacional brasileiro, o aumento de demandapela escola pública e a ampliação da rede oficial de ensino [...], sem uma proporcionalqualificação de seus recursos humanos [...]” foram fatores decisivos e que muitocontribuíram para a validação das reformas previstas na LDB de 1971 e na “padronização”do sistema público de ensino e de seus instrumentos de apoio, especialmente o livro didático.Claramente, esta delimitação para a disciplina empunhava também uma limitação nasatividades do professor e na capacidade de percepção e formação do aluno, uma vez queambos “estavam envolvidos num processo dialético de dominação [...] e não participavamdo processo de produção do ensino” (OLIVEIRA, 2003, p. 28).

Em suma, toda estruturação política e econômica planejada para o país e para o seufuturo, embora tenha contado com a “colaboração” de técnicos e do governo dos EstadosUnidos, foi célebre em ocultar seus reais interesses. E é por este sentido, o de ocultar averdade sobre os verdadeiros motivos das “reformas que o país necessitava” paratransformar-se numa potência continental (e até mundial), que pode-se acreditar que taismudanças não seriam aceitas se fossem de fato explicitadas. Para tanto, a educação seriao instrumento ideal para a “ocultação” da verdade e contribuiria para formar o contingentede mão-de-obra barata para as fábricas, sob igualdades de condições através dapadronização do sistema de ensino e de seus instrumentos, especialmente o livro didático.

Os livros didáticos de geografia elaborados durante o período do regime militar

Baseado no que fora exposto anteriormente, veremos como a teoria envolvida noreferencial aproxima-se do exercício prático, ou seja, da sua aplicação no material de“contato” entre o mundo real (o vivido pelo aluno e pelo professor) e o mundo apresentadono material didático. Para tanto, foram analisados os seguintes livros didáticos3 :

3 Para sistematizar e simplificar o trabalho, a relação dos livros analisados encontra-se nessaapresentação de maneira resumida. A enumeração feita será empregada no decorrer dasobservações e análise com o mesmo objetivo. O referencial completo encontra-se junto àsreferências bibliográficas. Foram analisados, nos livros relacionados, aspectos como:caracterização geral das obras; as relações políticas; Estado, Pátria, Nação e progresso; povo ecultura; as relações entre o campo e a cidade e as atividades propostas.

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1. AZEVEDO, Aroldo de. Terra brasileira. 42. ed., 1968;

2. RODRIGUES, David Márcio Santos. Geografia do Brasil: curso ginasial 4.ed., 1971. Volume 1;3. RODRIGUES, David Márcio Santos. Geografia: o mundo atual. 3. ed., 1971;4. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: estudos sociais, 1º grau,5ª série. 10. ed., 1975;5. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: as regiões brasileiras, 1ºgrau. 15. ed., 1981. Volume 2;6. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: geografia geral e do Brasil,1º grau. 10. ed., 1984. Volume 1. Caderno de atividades;7. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: as Américas. 3. ed., 1984.Livro de atividades.

A) Caracterização dos livros didáticos analisadosA apresentação gráfica das obras analisadas levou em consideração os aspectos

relativos à forma como tais obras apresentam seu conteúdo, a linguagem adotada e oemprego de imagens. Primeiramente, vale ressaltar o que nos expõe Romanelli (1997)sobre o acordo MEC-SNEL-USAID, de 6 de janeiro de 1967. Tratava da cooperaçãopara publicações técnicas, científicas e educacionais, cujo controle dos detalhes técnicosda fabricação dos livros, bem como elaboração, ilustração, editoração e distribuição estavama cargo dos técnicos norte-americanos. Neste quesito é possível verificar certas semelhançasentre as obras, embora de autores e anos distintos.

Primeiramente, todas as obras relacionadas chamam a atenção pela linguagemadotada, basicamente formada por frases curtas e de sentido positivo, geralmente deexaltação do país em todos os seus aspectos, com raras inferências sobre os assuntosnegativos, já na seqüência superados ou em vias de superação graças à ação do governo.Este modelo de abordagem também alerta para sua superficialidade. Não se tem maioresexplicações plausíveis sobre a origem dos problemas. Vê-se, contudo, que existe umapontamento de quais são os problemas e que estes, geralmente, são decorrentes de causasnaturais e/ou do “atraso” das pessoas e das técnicas (e mesmo do país).

Porém, ao mesmo tempo em que as causas naturais são apontadas como responsáveispelo atraso e pelo subdesenvolvimento do país, são tidas também como a base para asolução destes problemas. E o combustível apresentado como solução destes problemassão o planejamento e ação do governo. Ocorre, portanto, uma exaltação exacerbada dasvirtudes do Brasil. Todas as obras são exímias em apresentar nossas maravilhas naturais,inclusive com ilustrações destas maravilhas e observações sobre a importância dos recursosnaturais para o desenvolvimento do país. É interessante também a apresentação da “orelha”das capas dos livros de David Márcio, com a reprodução de uma foto do Palácio doPlanalto, juntamente com o seguinte dizer: “Conheça o Brasil. Cresça com ele”.

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Saltam à vista e à percepção a maneira de apresentar os problemas, suas causas ea ação do governo para solucioná-los. A linguagem usada beira a linguagem infantil,porém, com ênfase e segurança no que se está afirmando. Não existem dúvidas e, se poracaso existissem, seriam imediatamente rechaçadas, como ocorre em Beltrame (1981, p.61): “Será que o nordeste não poderia fazer do sol um grande aliado? Pois fique sabendoque já existe um projeto em estudo, visando aproveitar não só a energia solar, mas tambéma energia eólica, isto é, o vento”.

Esta “simplicidade” na linguagem adotada faz parte, segundo a referida autora, naapresentação de seus livros, de “[...] um manual didaticamente novo [...], onde ao textoacessível constitui o resultado de uma pesquisa de vocabulário ao nível do adolescente[...], testada em mais de mil alunos de diferentes camadas sócio-econômicas, sendo atarefa concluída apenas quando os resultados foram satisfatórios”. Outra questão que seapresenta muito claramente é a exaltação do sentimento patriótico, do verdeamarelismoque nos fala Marilena Chauí.

Nestas páginas de síntese, tentamos esboçar um retrato geográfico de nossopaís. Seu quadro natural – planaltos e planícies, ao contato com as águas doAtlântico, sob um clima predominantemente tropical, por entre rios de todosos tamanhos, a caminhar através de florestas e campos. Sua população – quecresce à média de dois milhões cada ano, composta de gente de todos os matizes,[...] a realizar lenta e admiravelmente a ocupação do solo, fortalecendo-se comoEstado e como Nação (AZEVEDO, 1968, ‘Ao leitor’).

O caráter tecnicista fica explícito nesta condição, uma vez que a maneira como osassuntos são abordados não permitem que os alunos desenvolvam uma concepção críticada sua realidade, ou pior, não permitem (ou limitam) qualquer possibilidade do professordesenvolver uma atividade de maneira a desenvolver um sentido mais apurado nos alunos.É o conhecimento de gaveta de que fala Paulo Freire. É a simplicidade aparente do mundoque cerca os alunos e professores. Enfim, é o “Brasil gigante pela própria natureza”caminhando rumo ao seu futuro de país do futuro.

B) As relações políticas nos livros didáticos analisadosPode-se observar nos livros didáticos analisados um forte apelo à importância do

Estado valorizador da grandeza da Pátria, assim como sua responsabilidade única (umavez que o povo é tido como “apolítico”) de atuar como planejador (político e econômico).Desta maneira, a ação do Estado é decisiva para fortalecer seu caráter paternalista e,sobretudo, agir de forma absolutista e definidora da direção do desenvolvimento sócio-econômico de forma “segura”, representando os interesses da parte mais forte da sociedadesob a máscara do interesse de todos, segundo Chauí (2001).

Enfim, o Brasil, como muitas outras nações do mundo, deve lutar contra osubdesenvolvimento. Cada nação procura tornar-se desenvolvida atendendo asuas características próprias. O Brasil precisa descobrir depressa a melhor formapara lutar pelo bem-estar de seu povo. A aplicação dos projetos organizados

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pelo Ministério do Planejamento, começa a fornecer resultados satisfatórios.Caminhamos em busca do desenvolvimento (RODRIGUES, 1971, p. 15).

As relações políticas, portanto, são as formas pelas quais os diferentes grupos,organizados ideologicamente entre si, interagem através de diálogos e discussões orientadase balizadas por uma estrutura de leis (o que dá legalidade às relações, embora muitasvezes critique-se sua legitimidade). Assim, nos livros didáticos analisados, não existe odiálogo entre o governo (ou os representantes do Estado que, teoricamente, é o representantedo povo) e a população. O que existe é uma “conversa unilateral”. Ou seja, o governo fala(planejamento) e o povo escuta (ação). Este fenômeno ocorre em toda atividade dentro doterritório brasileiro. Contudo, em relação aos países vizinhos, é interessante destacar opapel do país apontado pelos autores: o de líder no desenvolvimento e integração na América

Latina e de independente perante os países europeus, os colonizadores.

Compreender, portanto, que o Brasil faz parte de uma grande família de nações– onde cada uma deve manter sua independência – é a melhor maneira depraticar o nacionalismo moderno. Nosso nacionalismo deve ser o de procurarsoluções brasileiras para problemas brasileiros, sem nos esquecermos do auxílioque outras nações ou conjunto de nações podem prestar quando se dispõem aajudar verdadeiramente o Brasil (RODRIGUES, 1971, p. 8).

Porém, o modelo de desenvolvimento em si já implica em copiar algo, pois o conceitode país desenvolvido e, conseqüentemente, de país subdesenvolvido, como diz Buarque(1993) já é importado. Desta maneira, os livros didáticos serviam como folhetinspropagandísticos do governo e ocultavam muitos aspectos importantes. A frase “[...] somente

agora a América Latina encontrou sua vocação para independência econômica [...]”(RODRIGUES, 1971, p. 23) é um exemplo de omissão e descaso com a história, ao omitircompletamente e não apenas nesta frase, os regimes opressores comandados pelos EstadosUnidos em países deste continente.

Ao mesmo tempo, os livros apresentavam as relações entre o Brasil e demais paísescomo sendo algo positivo, especialmente porque é esta “cooperação” que vai ajudar o paísno seu projeto de ser uma potência e assim poder atuar como líder da América Latina.Como se pode ver, existe uma ingenuidade ao passar a idéia da cooperação de paísesverdadeiramente interessados em ajudar o Brasil e que, estes países, formam uma grandefamília. Como se não existissem interesses de outras nações e como se todas as naçõesestivessem interessadas no “desenvolvimento” do Brasil.

C) Estado, pátria, nação e progressoEstes três conceitos (Estado, pátria e nação), embora tenham significados

ligeiramente diferentes, são amplamente divulgados e utilizados com a finalidade de atrelaruma identificação ideológica das pessoas para com o território onde vivem. O sentimento

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do verdeamarelismo foi reeditado pelo governo militar e foi amplamente divulgado sob aótica do amor à pátria visando incorporar o povo (de corpo e alma) ao “seu” projeto. E agrande bandeira que os governantes empunhavam era a do progresso, a ser conseguido àscustas de trabalho, desenvolvimento, aplicação e dedicação de todos.

A ênfase nas virtudes naturais do país, o amor à Pátria e à terra natal são virtudessempre visíveis. O Brasil, em suma, aparece nestas obras como uma potência mundialesperando por acontecer. Um local onde todas as qualidades e possibilidades estão presentes,por natureza. Faltava apenas a cabeça astuciosa do governo e a mão do trabalhador paratransformar isso tudo em progresso.

Esta evocação das virtudes do país e o chamado do povo para a participação efetivano desenvolvimento, fazem parte da retomada do nacionalismo, em baixa após a crise dosgovernos populistas anteriores ao Golpe de 1964 (CHAUÍ, 2000) e, concomitante a estemovimento, uma chamada à necessidade de superação do modelo agrário-exportador porum modelo de industrialização do país. Assim, ao “surgimento” do Brasil (dom de Deus eda Natureza) é imprescindível a ação do Estado para sua modernização, segundo Chauí(2000). Portanto, enquanto as obras analisadas chamam a atenção para a necessidade doBrasil explorar seus recursos, as mesmas mascaram quem são os exploradores e osexplorados.

É este o discurso onde a luta de classes aparece mascarada. Se todos trabalharem,todos progredirão. Ou, se ocorrerem discrepâncias, estas se darão com o tempo e porrazões naturais. Chama atenção a frase de abertura do capítulo 10 – indústria e comércio– do livro 4 de Zoraide Beltrame (1975). A autora, sintetizando os temas estudados atéentão, introduz ao novo assunto com a seguinte interrogação, “[...] você está vendo comotudo caminha naturalmente (?)”, numa clara alusão à evolução natural das técnicas e dasociedade, deslocando o homem da condição de sujeito da história à condição de objetohistórico. É a subordinação total ao meio, a mais clara visão determinista.

É este o papel apresentado aos alunos pelos livros analisados, o de se bem exploraras riquezas naturais para a construção do país-potência. Assim, os livros didáticos apontam,em suas entrelinhas, o povo como o responsável pelo atraso econômico do país, sendonecessária a intervenção e o controle da mão forte do Estado para reverter esta situação.Este país “gigante pela própria natureza” precisava, então, para atingir seu objetivo, deum povo que o amasse e o exaltasse e trabalhasse por ele. Desta forma, questões comoEstado, Pátria e Nação, embora levemente abordados em seus significados, eram sempretratados como motivo de orgulho: “Agora você poderia perguntar: o que é Pátria? A Pátriaé o país em que nascemos. É a terra onde vivemos, com seus rios, suas florestas, seusmares, seu céu, sua beleza, sua cor, suas riquezas e o jeito do seu povo (BELTRAME,1981, p. 11)”. Segue-se a este pequeno diálogo e exemplo do que é pátria, um trecho dopoema Pátria, de Carlos Barbosa, exaltando-a “[...] como de todos, de direito à idéia, àpalavra; é o céu, o solo, o povo, a tradição, o túmulo dos antepassados, a comunhão da leie da liberdade”.

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Como se pode ver o discurso amplamente difundido pelo governo militar em prol da“unidade da nação” pregava o amor à pátria como condição para a construção de umEstado forte. Assim sendo, o Brasil é um país de infindáveis recursos, naturais e humanos,pronto para ser explorado através da “ajuda bem intencionada” dos parceiros estrangeiros,aqui demonstrada na obra de Rodrigues (1971, p. 50): “Além do Brasil, somente aVenezuela, Chile e Peru possuem grandes recursos em exploração [...]”. Mais incrível eraa “colaboração bem intencionada” dos outros países neste processo: “[...] em todos estespaíses, as principais jazidas são controladas pela Bethlehem Steel e pela United StatesSteel; somente o México tem procurado manter uma posição mais reservada.”

É incrível como as diferenças entre o discurso nacionalista de construção de umapotência econômica e o ato consumado oposto ao discurso passam por cima de fatos comoo citado acima sem nenhuma explicação plausível para o motivo de tamanha discrepânciaentre discurso e realidade. E assim, o aluno que teve acesso a estas fontes cai numa rodaonde ele é constantemente jogado de um lado para outro. Por certo é esta a ajuda pararesolver problemas somente quando o país não tiver competência que o aluno perceberá:nossos recursos naturais são muitos e são bons; não sabemos explorá-los, logo nossosamigos irão nos ajudar a explorar estes recursos para que nosso país se desenvolva. E estepapel dos livros revela que somente a ação paternal do governo pode desenvolver o país,uma vez que a força do povo se dá pela importância do braço do trabalhador e não atravésda sua consciência política, visto que esta encontrava-se, assim como a geografia (e aescola), submetida aos “caprichos” do capital e de seus representantes mascarados. Nestaperspectiva, nada é mais explícito que sua condição de disciplina enciclopédica, onde suafunção é desviada a mostrar a capital de “[...] enormes palácios flutuando entre jardins ede aparecimento quase mágico” (BELTRAME, 1981, p. 133). É assim que a geografiafunciona como alienadora e como difusora da ideologia do Estado forte.

D) Povo e cultura“A população de um país deve ser cuidada como o maior de seus recursos naturais”

(BELTRAME, 1975, p. 146). É desta maneira que a população e especialmente os alunosforam tratados: como recursos naturais. E como a base do desenvolvimento era a“exploração inteligente” dos recursos naturais, se percebe que o caminho trilhado não foiselecionado “ao acaso”. Como bem escreveu Paulo Freire, a educação pode servir “tantopara desnudar a realidade, quanto para mascará-la” e, se considerarmos que o “progresso”do país foi planejado, então a “neutralidade”, quer seja das técnicas de planejamento, querseja da educação, definitivamente se desfazem, ou pior, assumem seu verdadeiro rostoperante a realidade omitida e negada: a de base discursiva para a construção de “mentiras

que parecem verdades4 ” .

4 Título do livro de Marisa Bonazzi e Umberto Eco que trata sobre ideologia, dos preconceitose anacronismos contidos nos livros didáticos utilizados nas escolas italianas (1980).

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[...] poderemos reconhecer, naqueles textos, o instrumento mais adequado deuma sociedade autoritária e repressiva, que tende a formar súditos, povosolitário, integrante de qualquer categoria, seres de uma única dimensão [...].A mistificação da realidade não é feita através de uma leitura, seja mesmoideológica e falsamente otimista da sociedade industrial avançada, mas passando

através dos restos rançosos de uma sociedade pré-industrial e agreste que nãotem relação alguma com a vida moderna (ECO & BONAZZI, 1980, p. 16).

Contudo, esta nova fase de desenvolvimento levaria consigo também um povo doqual faziam parte o negro, o branco, o índio e seus descendentes. E nos livros analisados,são unânimes em apostar na “unidade do povo apesar dos vários matizes que o formam”.Apesar desta exaltação da variedade étnica das pessoas que compõem a sociedade, poucoé apresentado sobre os problemas de exclusão a que são submetidos os “não-brancos”.Exemplo: “O ‘barranqueiro’ do rio São Francisco é um dos tipos humanos do interiorbrasileiro. Vivendo às margens do grande rio, luta contra a pobreza do meio”(RODRIGUES, 1971, p. 85). Neste caso o “meio” é pobre, portanto, o homem que habitao “meio pobre”, conseqüentemente, será pobre. Não há qualquer texto ou frase explicandocomo o “barranqueiro” foi parar na pobreza do meio; ou, se aquele meio é pobre e existeum “meio rico”, porque ele está sofrendo e lutando com o “meio pobre”.

É importante destacar a condição do índio brasileiro. Segundo Azevedo (1968),estes são brasileiros semelhantes aos povos europeus pré-históricos e que precisam serassimilados pela civilização, sob pena de desaparecerem totalmente. Resumidamente, oque é nativo desta terra precisa ser reconduzido a uma condição superior para que possaintegrar o “mundo desenvolvido”. É assim com os recursos naturais, é assim com aspessoas. Esta socialização do nativo brasileiro viria a agregar conteúdo ao discurso doperíodo, de abandono da base agropastoril da economia brasileira em detrimento aodesenvolvimento atrelado à industrialização. E, de acordo com a exposição, o índio era arepresentação do que de mais arcaico poderia existir entre os “vários matizes” que formama população. E este atraso não combinaria, em hipótese alguma com o progresso. O negro,por sua vez, além de aparecer ainda como ligado ao período da escravidão é, mesmo quede forma indireta, tido como inferior por questões culturais ou naturais. Estas diferenças“vieram” para o Brasil junto com os representantes das etnias africanas trazidos para cá,na condição de escravos.

Os Sudaneses, originários da Guiné, era mais altos, de feições mais finas emais cultos [...]. Os Bantos, mais rudes e mais atrasados, vieram principalmentede Angola [...]. Tais diferenças podem explicar a posição modesta ocupadapela maioria dos brasileiros de cor negra [...]. Várias gerações de brasileirosreceberam forte influência da mãe-preta, que gozou de muito prestígio nascasas senhoriais do passado. O Brasil orgulha-se de possuir muitos negros nagaleria de seus homens notáveis (AZEVEDO, 1968, p. 76).

Além do mais, como é possível verificar na última citação, existe um real

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mascaramento da condição do negro ao afirmar que os estes são diferentes entre si e quetal diferença é culpada pela sua posição modesta na sociedade brasileira. Ou seja, osnegros estariam para África assim como os índios para o Brasil; são pessoas naturalmenteinferiores e esta “mediocridade existencial” se reflete no “meio”. O mesmo “meio” pobreque acolheu o barranqueiro.

No entanto, a verdadeira exaltação se dá à condição de país predominantementecatólico e livre de problemas originados por “choques culturais”, como ocorrem, de acordo

com os livros, em outros países.

No meio de tantas diferenças, o Brasil possui dois fortes elementos queasseguram sua unidade: a religião e a língua, a par da força de seu passadohistórico, que os brasileiros de todas as origens consideram um só. [...] Nãoexiste aglomerado urbano que não possua seu templo católico. [...] Outroimportante elemento unificador do povo brasileiro é a língua portuguesa, portodos falada em toda extensão do país. Atualmente, os 70 milhões de brasileirosaparecem, no Mundo, como o mais poderoso núcleo de habitantes a falar essalíngua (AZEVEDO, 1968, p. 81).

Ademais, nota-se que a participação do negro na formação do povo brasileiro nãoé tão saudada quanto à do europeu. A cultura negra presente em hábitos, culinária evocabulário não é admirada como é a cultura cristão-ocidental. Assim como não se dizque “o Brasil tem orgulho dos seus brancos” porque este orgulho já está claro ao aluno,afinal o país foi “descoberto”, colonizado e é administrado por brancos. O discurso daunidade precisava, portanto, abraçar também os historicamente renegados, perseguidos eexplorados negros e índios e introduzi-los na marcha pelo progresso.

E) Campo e cidadeAs “mentiras que parecem verdades”, terminologia referida anteriormente, também

estão presentes nas abordagens que se referem ao campo e à cidade. Geralmente o campoé tido como atrasado e grande responsável pelos problemas do país. Já a cidade aparececomo fruto da modernidade, da evolução e da ação planejadora que visa desenvolver oBrasil. Esta visão, da qual os livros analisados estão impregnados, é fruto da tentativa dedissociar a imagem do país da sua formação essencialmente agrária. Assim, cito umasíntese do tratamento dispensado ao meio rural.

A paisagem agrária domina nossas regiões porque nossas estruturaspermanecem atrasadas e para vencê-las dependemos de um planejamentoeficiente e a longo prazo; a técnica agrícola brasileira ainda emprega métodosantigos e de baixo rendimento; tal forma de aproveitamento agrícola, aliada aosistema latifundiário, caracteriza um país mal e irregularmente povoado comoo nosso (RODRIGUES, 1971, p. 99).

Esta exposição (apenas uma dentre várias possíveis) torna visível a abordagem docampo, denunciando-o como dono de uma estrutura agrária arcaica e conservadora, a

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medida que se observa explícitas as grandes propriedades como a única forma demanifestação produtiva no campo, enquanto a agricultura familiar é apresentada comoatrasada e incapaz de satisfazer as necessidades econômicas e do povo. Desta forma,somente a intervenção do governo poderia desenvolver as técnicas agrícolas, uma vez queos homens do campo, por si só, não eram capazes de se aperfeiçoarem. E esteaperfeiçoamento se daria a partir do instante que os produtos da industrialização chegassemàs propriedades rurais.

A cidade, por sua vez, é vista a partir destas referências como um ambiente oriundoda própria evolução natural, pois à medida que crescem abandonam a agricultura e sededicam à indústria. Esta “evolução natural” da cidade, de acordo com os livros analisados,leva consigo os ex-agricultores, expropriados de suas antigas propriedades, mas admitidosnas empresas. Esta condição faria com que a mão-de-obra disponível fosse bem recebidana indústria e, assim, melhoraria de vida. Verifica-se, ainda, a diferença de abordagemdispensada ao campo e à cidade quando se confronta a maneira como é avaliada a ocupaçãoda terra no campo, classificando as propriedades de acordo com o desperdício de terra(BELTRAME, 1975), enquanto não existe qualquer classificação relativa à cidade deacordo com sua poluição ambiental.

Além das “diferenças de tratamento” dispensadas ao campo e à cidade, ainda épossível notar a imagem do trabalhador rural ainda ligada a traços do período da escravidão,onde o atraso da atividade agrícola é representado pelas figuras do “senhor”, latifundiárioherdeiro e remanescente do período colonial, explorador do trabalho do homem negro,maltrapilho e descendente dos escravos. As condições de trabalho destes homens denunciamo atraso da agricultura brasileira.

Sob a ótica do regime, portanto, a cidade é o fruto do trabalho realizado pelo governo.É a imagem do progresso. O campo, por sua vez é o que de mais atrasado existe no país.Nem mesmo as relações entre as pessoas se dão no mesmo nível que ocorrem na cidade.Isto é fruto de um atraso histórico, das técnicas atrasadas e do descompasso com odesenvolvimento natural do homem, enquanto a cidade e o processo de industrialização

venceram até mesmo a subordinação aos países colonizadores.

Esta evolução natural das exigências humanas, normais aos países que sealfabetizaram gradativamente, passou a solicitar dos órgãos governamentaisuma série de medidas, visando integrar o homem do campo no desenvolvimentoeconômico, social e político de seu país. Iniciaram-se, então, séries de estudospelos órgãos de planejamento, buscando não apenas reduzir grandes extensõeslatifundiárias pertencentes em sua maioria a poucos proprietários, mas mobilizaruma assistência técnica, sanitária, educacional e moral ao homem do campo(RODRIGUES, 1971, p. 47 – 48).

Obviamente, a citação fala de um processo inicial de reforma agrária (até hoje nãorealizada). O interessante são os pontos a serem atingidos por esta “reforma”, como“assistência moral”. Ora, se o homem do campo necessita de uma assistência moral, logoo aluno poderia concluir que ele não é digno de sua atividade nem de sua existência. A

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crítica freqüente ao latifúndio, não é apenas justificada pela sua (baixa) produção,mas também porque a reforma agrária é exigida como um passo fundamental a ser dadopelo país.

Outro ponto importante no que tange a “necessidade de reformular o campo paraadequá-lo à nova fase do país” é o que Marilena Chauí (2000) chama de “superação domodelo agrário-exportador por um modelo de industrialização”. A classe urbana buscava,portanto, atrelar a imagem do país à modernidade, à industrialização, à cidade e não maisao campo e à agricultura. Enquanto o meio urbano passava por uma revolução, o campodeveria se modernizar acompanhando o ritmo de desenvolvimento urbano, ou seja, deveriafazer uso das técnicas modernas de produção e deflagrar a “Revolução Verde”. E assimcomo o índio e o negro foram elementos a serem incorporados pela modernização e peloprogresso do país, o agricultor, fosse praticante de uma agricultura familiar ou latifundiário,era encarado como alguém “estranho ao sistema” e que deveria ser integrado ao novoBrasil e à construção da nova potência.

F) As atividades de fixaçãoAcompanhando as reformas elaboradas para o sistema de ensino e a “modernização”

das técnicas didático-pedagógicas, as atividades propostas pelos livros analisados tambémacompanharam tal evolução. Embora os livros 1 e 4 não tragam sugestões de atividades,as demais obras analisadas trazem uma série de exercícios propostos, sendo inclusive,duas destas (6 e 7) exclusivamente dedicadas às atividades.

Como já fora mencionado anteriormente, a autora destas obras faz uma alusão àfacilidade de resolução dos exercícios propostos. Esta simplicidade visava satisfazer àscapacidades do aluno, despertar seu interesse e fixar mais eficazmente (e até de maneiradivertida) os conteúdos da disciplina. Contudo, atrás do aparente baixo nível de dificuldadede execução destas atividades, esconde-se a sua superficialidade de abordagem e totalparcialidade ao evitar, desta maneira, que o aluno possa exercitar seu senso crítico. Osexercícios (ou atividades) propostos são, portanto, plenamente desenvolvidos no sentidode reprimir a real compreensão de mundo do aluno. Estão mais para passa-tempo quepropriamente para exercícios didáticos. Integram a lista sugestões de atividades como:como montar uma bússola, juntar letras dispersas em quadrinhos para formar o nome dasduas grandes potências, palavras cruzadas, caça-palavras, entre outros.

Ora, como é possível desenvolver o senso crítico do aluno resolvendo palavrascruzadas ou caça-palavras? Mas é possível sim, fixar o conteúdo através deste tipo de

exercício, uma vez que o conteúdo a ser fixado é tão vago quanto a atividade e ainda épossível distraí-lo e desenvolver seu lado prático produzindo uma bússola artesanalmente.

Claro que não existe problema em se resolver palavras-cruzada, caça-palavras, oufazer uma bússola. O problema consiste em retirar as poucas possibilidades que os alunosdas classes subalternas têm para crescerem como seres humanos (sociais e políticos),para incutir-lhes uma falsa idéia de que a escola moderna “ensina divertindo”. Porém, da

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forma como está exposto, nota-se claramente que a concepção bancária do ensino a que sereferia Paulo Freire fazia uso de outras artimanhas que não apenas despejar e repetirconteúdos de maneira desconexa sobre os alunos. Fazia uso de elementos que muitocontribuíam para acobertar o verdadeiro foco da educação e que, como atividades didáticas,eram um bom passa-tempo.

Considerações finais

Na sua “inovadora proposta” de despolitização do ensino, as reformas tiraram daescola (e das disciplinas estudadas em sala de aula) a sua capacidade de ensinar os alunosa pensarem e, em troca, não construiu nada que pudesse satisfazer e suprimir seu caráteracrítico. Hoje se percebe o caráter cada vez mais excludente de uma sociedade que primapelo aperfeiçoamento técnico-científico constante, onde as relações humanas de produçãomaterial e histórica são cada vez mais dinâmicas e mais difíceis de se ver e perceber.Porém, o caráter tecnicista implantado e ainda arraigado na escola e na geografia nãopermite que se vislumbre como possa se dar esta “abertura mental” para a realidade. Nãorestam dúvidas que, apesar da restrita quantidade de obras e autores analisados, assemelhanças existentes entre estes são próximas demais para se tratarem de simplescoincidências. Como bem disse Paulo Freire, a educação não é, não foi, nem pode serneutra. Ela sim, interessa a alguém e cumpre os objetivos definidos por este “alguém”(MATURANA, 1998). Se o objetivo do período era difundir a ideologia do Estado forte,da construção do Brasil Potência, então a educação, a geografia, seriam utilizadas, comode fato foram, para tal fim. O da manipulação ideológica para se atender aos planostraçados.

Umberto Eco e Marisa Bonazzi, no livro “Mentiras que parecem verdades” (1980)fazem uma análise da ideologia, dos preconceitos e anacronismos contidos nos livrosdidáticos utilizados nas escolas italianas, elaboram uma concepção sobre tais obras quepode muito bem ser transposta para o material aqui analisado: “[...] são um instrumentoadequado de uma sociedade autoritária, falsamente otimista, porém com restos rançososde um período pré-industrial”. É uma sociedade semelhante a esta, denunciada pelos autoreseuropeus, que foi a grande responsável pelo Golpe Militar de 1964, que conduziu aspolíticas de planejamento para a construção do Brasil Potência e que transformou o sistemade ensino num mecanismo de dominação e reprodução de exclusão social.

Sendo assim, torna-se cada vez mais esclarecedor o âmago das reformas do ensino.Esclarece-se de que maneira a concepção bancária do ensino (FREIRE, 1987) foi utilizadae como o enciclopeditismo da geografia (BRABANT, 2003), aliada ao caráter neopositivistade tais reformas (TONINI, 2003), foram amplamente úteis para a difusão e inculcação daideologia que dominava o país naquele momento. Melhor explicando, segundo Vesentini(2003), destinada a difundir a ideologia da Pátria e tornar a construção histórica comoalgo natural. Ora, ademais de passagens dos livros didáticos analisados, apresentadas e

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discutidas, que insistentemente apontam os processos históricos como sendo naturais(logicamente uma idéia contraditória, pois se existe história a ser contada é porque existeo homem a mudar seu curso constantemente), ainda é possível deparar com a seguintefrase, que acompanha uma foto panorâmica de Brasília no livro 5: “Seu aparecimento équase mágico. Em 1956 não havia nada no local. Em 1960 já havia surgido essa maravilhosacidade”.

E assim como a capital tem “um aparecimento quase mágico”, a “descoberta” e aformação do Brasil são consideradas, sob este ponto de vista, ações que extrapolam assimples possibilidades e interferências humanas. Tal maneira de apresentar os fatos suprimeda sua responsabilidade a ação humana (e conseqüentemente dos seus interesseseconômicos) e a sua capacidade de intervir no espaço, de alterar os processos (naturais ounão) e de usar os recursos disponíveis (o homem usando o próprio homem) sob a alegaçãodo progresso e desenvolvimento de um Estado. Desta forma, pelo bem do Estado, que é arepresentação da submissão de muitos em nome do “interesse coletivo”, e condicionandoas alterações previstas pelo projeto Brasil Potência à evolução natural, tem-se a realdimensão dos recursos e meios utilizados para o exercício do processo de dominaçãoideológica da classe dominante sobre a classe dominada.

Portanto, assim como Paulo Freire (2002) afirma que a educação não pode serneutra, deve-se olhar para os livros didáticos de geografia elaborados, distribuídos eutilizados naquele período como os mais “bem desenvolvidos” instrumentos de alienação,submissão e reprodução de dominação. O que insinua o termo “arregale os olhos paraver”, não significa que quem olhe tenha que compreender o que está acontecendo; precisaapenas olhar, admirar e exaltar as maravilhas do país e da “obra divina” operando peranteseus olhos.

Deste modo, vê-se nestas análises o caráter enciclopeditista ao qual foi reduzida ageografia, rebaixando-a a mera função de disciplina ilustradora de fatos e fenômenos quepoderiam, num futuro próximo, serem apropriados e convertidos de benefícios naturais àvantagens econômicas e, assim, contribuírem para o progresso do país. Os textos de simplescompreensão, as frases otimistas, a tentativa de superar a formação agrária do Brasil sãoconstantes que seguem a linha da propaganda do governo e da classe que este representava;mostra a tendência em urbanizar e industrializar o país e torná-lo desenvolvido seguindoum conceito de desenvolvimento importado juntamente com o capital e o modelo, aindaque cobrasse a negação do seu passado histórico.

A escola, ainda hoje, é tida como incapaz de cumprir seu principal objetivo. O detransformar alunos em cidadãos. A geografia, por sua vez, ainda é considerada umadisciplina superficial, atrelada aos vícios oriundos da maneira como fora tratada, limitadasimplesmente a responder questões como “o que há em tal lugar (?)”, ou “qual é a capitaldeste país (?)”. Não é esta a geografia que a sociedade precisa. E a escola dificilmente setornará um ambiente atraente e em sintonia com o constante dinamismo de uma sociedadepautada por parâmetros cada vez mais carentes de uma identidade local, em detrimento ao

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avanço da “aldeia global”, se mantiver arraigada em suas entranhas uma geografia que jánasceu condenada à morte. Não como ciência, mas sim como representante de um rançode um país de formação colonial, mas que nega seu passado (que continua presente) e quenão vê que toda mudança parte da aceitação e do aprendizado existente da relação entreerros e acertos.

Referências

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Recebido para publicação dia 09 de Maio de 2007 Aceito para publicação dia 14 de Junho de 2007

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GEOGRAFIA...

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A EDUCAÇÃO DOCENTE:(RE)PENSANDO AS SUAS

PRÁTICAS E LINGUAGENS

THE TEACHING EDUCATION: RE-THINKING THEIR PRACTICES AND

LANGUAGES

LA EDUCACIÓN DOCENTE:(RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS Y

LENGUAJE

Ângela MassumiKatuta

Professora Adjunta doDepartamento de Geociências, nadisciplina de Prática de Ensino e

Estágio Supervisionado –Universidade Estadual de

Londrina/PRUEL – Campus Universitário;

Centro de Ciências Exatas;Departamento de Geociências;

Rodovia Celso Garcia Cid (PR 445)km 380; Caixa Postal 6001,

Londrina/PR; CEP 86051-970.

E-mail: [email protected]

Resumo: Inicialmente, reflito sobre a necessidade da assunção doinacabamento humano como fundamento das práticas educativas formaise não formais. Este entendimento permite pensar a educação docente, aspráticas educativas e as linguagens em um contexto formativo amplo, oque permite romper com as concepções tecnicistas em educação (modeloda racionalidade técnica), atualmente assumidas em muitos cursos deformação docente. Em seguida, reflito sobre o caráter triádico daslinguagens – estruturas estruturadas, estruturas estruturantes einstrumentos de dominação –, e a necessidade da ruptura com uma posturarealista em relação às mesmas, dado que se constituem em expressõesdas práxis humanas com o Outro (mundo, ambiência, pessoas) em umdeterminado modo de produção e, ao mesmo tempo, auxiliam a constituí-las em diferentes contextos sociais e espaço-temporais. Por fim, demonstroque o repensar e a (re)apropriação das linguagens nas aulas de geografiadevem se realizar em um contexto de transformação epistemológica daprática docente. Esta deveria acolher a multiplicidade das geografiasvividas-enunciadas pelos sujeitos, isso porque o conhecimento se realizaem incessantes e infinitos movimentos do pensamento.Palavras-chave: Ensino de geografia; Inacabamento humano; Formaçãodocente; Caráter triádico das linguagens; Transformação epistemológica.

Abstract: I initially approach the necessity for the assumption of humanunfinishedness as the basis for formal and non formal educationalpractices. Such understanding allows the thinking over teachers’education, educational practices and languages in a broader formativecontext, thus enabling the accomplishment of rupture with technicistconceptions in education (technical rationality model), presently followedby many teachers’ formation courses. Then, I present a brief reflectionupon the triadic character of languages – structured structures, structuringstructures and instruments of domination -, and on the necessity ofbreaking with a realistic attitude towards them, as they consist ofexpressions of human praxis with the Other (world, environment, people)within a certain production mode and, at the same time, help constitutingthem in different social and spatial-temporal contexts. Finally, I showthat re-thinking and re-appropriation of languages in geography classesshould be accomplished in a context of epistemological transformationof teaching practice. Such practice should welcome the multiplicity ofgeographies lived-enunciated by diverse subjects, because the knowledgeis realized by incessant and infinite movements of thinking.Keywords: Geography teaching; Unfinishedness of human being;Teachers’ formation; Triadic character of languages; Epistemologicaltransformation.

Resumen: Inicialmente, reflexiono acerca de la necesidad de asumir laincompletud humana como fundamento de las prácticas educativas formales yno formales. Este entendimiento permite pensar a la educación docente, lasprácticas educativas y los lenguajes en un contexto formativo amplio, lo quepermite romper con las concepciones tecnicistas en educación (modelo de laracionalidad técnica), actualmente asumidas en muchos cursos de formacióndocente. A continuación, reflexiono sobre el carácter triádico de los lenguajes –estructuras estructuradas, estructuras estructurantes y instrumentos dedominación -, y la necesidad de ruptura con una postura realista en relación alas mismas, dado que se constituyen en expresiones de las praxis humanas conlo Otro (mundo, ambiente, personas) en un determinado modo de produccióny, al mismo tiempo, auxilian a constituirlas en diferentes contextos sociales yespacio-temporales. Por fin, demuestro que el repensar y la (re)apropiación delos lenguajes en las clases de geografía deben realizarse en un contexto detransformación epistemológica de la práctica docente. Ésta debería recoger lamultiplicidad de las geografías vividas-enunciadas por los sujetos, esoporque el conocimiento se realiza en incesantes e infinitos movimientosdel pensamiento.Palabras clave: Enseñanza de geografía; Incompletud humana;Formación docente; Carácter triádico de lenguajes; Transformaciónepistemológica.

Terra Livre Presidente Pru dente Ano 23, v. 1, n . 28 p . 221-238 Jan-Ju n/2007

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A educação docente: o inacabamento do ser humano como fundamento das práticaseducativas

“[...] Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio daexperiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres ehomens o inacabamento se tornou consciente.” (FREIRE, 1996, p. 50).

A formação docente sempre foi um campo de disputas, expressão dos históricosenfrentamentos dos diferentes grupos sociais que se posicionaram e, ainda hoje seposicionam politicamente em relação a esta questão. Dessa maneira, para refletir sobre aformação docente no Brasil, a conjuntura na qual a mesma foi formulada deve ser resgatadaporque pode nos auxiliar a compreender essa esfera da ação humana como um campo detensões em que distintos projetos societários e de formação docente são defendidos.

O contexto político no qual a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDBnº 9394/96) foi aprovado é rapidamente descrito por Pereira (1999, p. 11) da seguintemaneira:

Na época, particularmente na América Latina, respirava-se uma atmosferahegemônica de políticas neoliberais, de interesse do capital financeiro, impostaspor intermédio de agências como Banco Mundial e Fundo MonetárioInternacional (FMI) que procuravam promover a reforma do Estado [...].

A reforma do Estado à qual o autor se refere, no contexto das políticas neoliberais,configurou um Estado máximo para as classes sociais hegemônicas e, por conseguinte,ocorreu a minimização dos seus papéis junto às classes sociais menos privilegiadas. Dessamaneira, as leis e a lógica do mercado, passam a predominar em todas as áreas, inclusivena educação que, na atual conjuntura, tem sido alvo de disputas de muitos gruposcorporativos que têm se aproveitado das crescentes demandas por cursos superiores etécnico-profissionais.

Para Bourdieu (1998, p. 83) “[...] O que está em questão é o papel do Estado [...],particularmente na proteção dos direitos sociais, o papel do Estado social, único capaz decontrabalançar os mecanismos implacáveis da economia abandonada a si própria.” Eis oque as reformas promovidas mundialmente pelo conjunto dos Estados nacionais einstituições financeiras têm colocado em xeque. É no contexto das políticas neoliberaisque tem ocorrido a diminuição, encurtamento e mesmo eliminação dos direitos arduamenteconquistados pelos movimentos sociais.

A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 (LDB) foi elaborada no contexto da reformaneoliberal do Estado, fato este que explica, em grande em parte, a sua face conservadora1 .

1 Sobre este assunto ver o livro organizado por Iria Brzezinski (org.) intitulado LDB interpretada:diversos olhares se entrecruzam (1997). Nele existe um conjunto de textos que analisam a Leisob diferentes aspectos que podem auxiliar o leitor a se situar no debate.

KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...

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Os elementos progressistas que nela se encontram resultam da participação da sociedadecivil e dos movimentos sociais organizados que, em conjunto, garantiram algumasmodificações no substitutivo Darcy Ribeiro. Daí sua polifonia, especificamente, no que serefere à formação docente (Título VI - Dos Profissionais da Educação). De acordo com aanálise de Pereira (1999, p. 110):

[...] Nela convivem termos e expressões que contêm idéias inconciliáveis, como,de um lado, ‘programas de formação pedagógica para portadores de diplomasde educação superior’, ‘institutos superiores de educação’, ‘normal superior’,e, de outro, ‘profissionais da educação’ e ‘base comum nacional’.

Segundo o mesmo autor, além da LDB 9394/96, que aponta para uma determinadapolítica de formação docente, é preciso considerar que nesta também influem as condiçõesmateriais de realização do trabalho docente, especificamente, o aviltamento salarial e aprecariedade do trabalho escolar, elementos estes que concorrem para a desvalorizaçãosocial da profissão e dos seus profissionais, além de desmotivar a busca pelo aprimoramentoprofissional. Um outro elemento essencial para o entendimento da atual situação daformação docente é a necessidade do atendimento de uma demanda crescente porprofissionais da educação, sem uma mobilização financeira correspondente, no atualcontexto de diminuição dos investimentos sociais. Em outro artigo intitulado AUniversidade, a Avaliação e a Prática de Ensino (KATUTA, 2003, p. 424) indiquei que,

não por acaso, no contexto do neoliberalismo:

Os investimentos na sociedade são denominados ideologicamente, na atualconjuntura, como gastos. E portanto, como tendem a ser algo ruim ou perniciosopara a economia, devem ser socializados, diminuídos ou extirpados. Esta visãoeconomicista da realidade subsidia a elevação de todos os índices reveladoresda baixa qualidade de vida em que vive a maioria do povo brasileiro.

É a partir da veiculação dos entendimentos ora explicitados que, na perspectiva daformação docente, se justificam a transformação dos portadores de diplomas de ensinosuperior em professores mediante a realização de estudos de complementação pedagógica,a adoção da capacitação em serviço e das experiências docentes anteriores como capazesde habilitar o professor que, nesta perspectiva, acaba por tornar-se um profissional cujaidentidade tende a se tornar difusa.

Vale ressaltar aqui, o questionamento feito por Bourdieu (2001, p. 85): “Como nãoenxergar que a lógica do lucro, sobretudo a curto prazo, é a estrita negação da cultura, quesupõe investimentos a fundos perdidos, fadados a retornos incertos e não raro póstumos?”.Em outras palavras: como não enxergar que a lógica do lucro, aplicada à educação, negaa face emancipadora e revolucionária dos processos educativos, pelo fato destes implicaremem investimentos de capital financeiro e cultural cujo retorno, além de incerto, se realiza,

Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007

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em geral, no médio e longo prazo?Assim, foi no contexto explicitado anteriormente que se criou um campo de tensões

entre um modelo formativo da Racionalidade Técnica que tende a se perpetuar em funçãoda conjuntura política e econômica nacional e internacional e, um outro que, fundado emuma racionalidade prática (Modelo da Racionalidade Prática) e resultante da práxis dosatores sociais, concebe o professor como um profissional autônomo, que reflete, tomadecisões e cria, isso porque a ação pedagógica é vista como um “[...] fenômeno complexo,instável e carregado de incertezas e conflitos de valores.” (PEREIRA, 1999, p. 113)

O modelo de racionalidade técnica pode ser caracterizado como aquele em que:

[...] o professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor,na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico edo conhecimento pedagógico. Portanto, para formar esse profissional, énecessário um conjunto de disciplinas científicas e outro de disciplinaspedagógicas, que vão fornecer as bases para sua ação. (PEREIRA, 1999, p.111-112).

Veja-se que no contexto deste modelo formativo a teoria e a prática, o pensamentoe a ação constituem-se em atividades que se realizam em separado, não possuindo relaçõesorgânicas entre si. Opera-se assim, uma separação epistemológico-territorial entre o locusdo pensamento (cursos de formação docente) e aquele da ação (escola). É importanteressaltar ainda que a despeito da ampliação da carga horária do estágio supervisionadonos cursos de licenciatura que previa, dentre outros, a maior vinculação entre local deestágio e de formação, em função da pouca valorização da formação de professores emface do bacharelado, da política de contratação docente nas Instituições de Ensino Superiortanto públicas quanto privadas, a tendência atual parece ser a da manutenção destaseparação. O posicionamento ora apresentado pode parecer pessimista, contudo, o objetivoé chamar a atenção para a necessidade de políticas que intensifiquem a relação entre aformação inicial e a continuada, entre as licenciaturas e o ensino básico, isso se o objetivoefetivamente for o de aproximação das duas instâncias formativas.

É no contexto do modelo da racionalidade prática que o inacabamento do ser humanocomo fundamento das práticas educativas formais e não formais deve ser assumido. Nãose trata, portanto, de afirmar que os docentes são mal formados ou despreparados para arealização do trabalho em sala de aula, ou para o lidar com outras linguagens que não ascomumente usadas (escrita e matemática) no Ensino Básico.

Trata-se de compreender que, com o processo de globalização, ocorreu umaintensificação das relações econômicas, sociais, culturais, científicas e políticas de talmonta e, em um curto espaço de tempo que, o discurso geográfico hegemônico presentenos livros didáticos, bem como suas linguagens – escrita e cartográfica –, emboraimportantes, tiveram explicitados com maior força suas limitações na apreensão,representação e compreensão do que Lacoste (2004, p. 22-23) denomina de multiplicidadede interações. São estas que nos dão a sensação de que a Terra encolheu, pois “[...] com

KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...

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seis bilhões de pessoas, ela está muito mais ‘cheia’ do que antigamente e [...], entre todosos países, se multiplicam interações de todo tipo, tanto no plano econômico e financeiroquanto no político e científico.”

Em outras palavras, as transformações recentes das interações humanas – emquantidade e em qualidade –, possibilitadas pelo desenvolvimento do meio técnico científicoe informacional, alteraram de tal forma a realidade objetiva que as práticas pedagógicas eas linguagens, tradicionalmente empregadas no ensino formal da geografia, acabaram porse tornar ainda mais limitadoras da possibilidade de entendimento das espacialidadeshodiernamente engendradas. Por quê?

Porque a geografia ainda hoje veiculada pela escola funda-se no discurso da

identidade, da homogeneidade dos espaços em função da

“[...] assunção, pela escola de massas, das ontologias e epistemologiashegemônicas fundadas na metafísica - separação entre o sujeito e o objeto, oespaço e o tempo, entre sujeito, espaço e tempo, a sociedade e a natureza, adimensão individual e social etc. - [...]”. (KATUTA, 2004, p. 244).

Eis o processo por meio do qual os educadores, a disciplina de geografia e suaslinguagens auxiliam no processo de (re)produção das relações de produção, dado que,quando da eliminação da diferença, contribuem para a construção do que Deleuze e Guattari(2002) denominam de subjetividade capitalista.

O que fazer então? Ao meu ver, Marx e Engels (1977, p. 12) em A Ideologia Alemãexplicitam um entendimento que, não por acaso, escapou ao modelo da racionalidadetécnica. Isso porque o fundamento desta última é metafísico, ou seja, separa o que éligado. Assim, o pensamento pedagógico tecnicista constitui-se separadamente da práticaeducativa, dado que é construído a despeito do local, contexto social e histórico de suarealização.

A doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educaçãoesquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprioeducador deve ser educado. [...] A coincidência da modificação dascircunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio pode serapreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária(LEFEBVRE, 1991, p. 53).

O capitalismo, em escala planetária, alterou o valor e o trabalho por meio dadissolução, substituição e (re)criação de relações que o mesmo estabelece com as

populações. As circunstâncias de sua realização foram, portanto, alteradas:

‘O capitalismo não subordinou apenas a si próprio sectores exteriores eanteriores: produziu sectores novos transformando o que pré-existia, revolvendode cabo a rabo as organizações existentes.’ (LEFEBVRE apud MOREIRA,1999, p. 54). [...] Polissemias do valor, abrindo para a surgência, até entãoestancada, de todas as diferenças: sociais [...], de corpo [...], de gênero [...], dealteridade [...], de multiculturalismo [...] Diferenças do ente. Do homem como

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condição da adaequatio do ser e dos entes. (MOREIRA, 1999, p. 54)

No contexto do entendimento ora assumido, com a alteração das circunstâncias derealização da (re)produção do capital, portanto, com a reinvenção (polissemização) dotrabalho – “[...] do valor-trabalho, do mundo do trabalho, e assim, dos sujeitos do trabalho.”(MOREIRA, 1999, p. 54) – ocorre a polissemização do espaço.

Como entender esse espaço, ontologicamente fundado na diferença, por meio depráticas e linguagens centradas no discurso da identidade? Acreditando ser isso impossível,defendo aqui uma necessária transformação epistemológica da prática docente que permitiriaampliar o rol de linguagens usadas no ensino da geografia.

Em minha tese de doutoramento defendo que a ruptura entre a geografia dos gruposhegemônicos que tem tido freqüente assento na sala de aula e, aquela realizadacotidianamente pelos sujeitos, engendra o processo de “estrangeirização” ou alienaçãodos alunos. Isso porque a primeira permite, sobretudo por meio da produção da ignorânciaquanto ao entendimento da organização do espaço, a (re)produção do mesmo pelo capital.

Trata-se, pois, de assumir o inacabamento humano e, conseqüentemente, do educador.Compreendo que é nesta perspectiva que se pode constituir práticas pedagógicas emgeografia que objetivem a apreensão, (re)apresentação e compreensão de um espaçocompreendido enquanto coabitação tensa da diferença e da unidade (MOREIRA, 1999, p.55). Como fazer isso? Por meio da apropriação das mais diversas linguagens que apresentamo espaço em sua identidade e diferença, em sua homogeneidade e heterogeneidade.

Aqui, vale a pena resgatar Lacoste que nos chama a atenção para a necessidade de(re)significarmos o grapheim da Geografia (Geo = Terra, grapheim = escrever, desenhar)

no atual contexto:

Tal como eu a concebo, a geografia [...] significa, é claro, representara Terra e principalmente representar tudo o que acontece nela. Nãose trata apenas de representar nos mapas as terras e mares, asconfigurações espaciais particulares de todos os tipos de fenômenos.Creio que é preciso também levar em conta as idéias, asrepresentações que cada um de nós pode fazer daquilo que se passana superfície do globo. É possível, portanto, reapresentarrepresentações – não se trata de um pleonasmo –, e isso torna-setanto mais necessário quanto, com o desenvolvimento da democraciae com a influência cada vez mais considerável da mídia,representações subjetivas e impregnadas de parcialidade decidemem grande parte as opções e os temores da opinião pública.Particularmente, é esse o caso quando se trata da globalização. (Grifonosso). (LACOSTE, 2004, p. 21).

Em que pese o fato de que as representações subjetivas são tecidas na tensão dialéticaentre o individual e o social, é possível afirmar que o autor explicita o que deve ganharespaço em sala de aula, na perspectiva de um ensino de geografia que aponte para ademocratização das interações econômicas, sociais, culturais, científicas, políticas, entre

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outras: as representações geográficas dos diferentes sujeitos.Segundo Elias (1994, p. 100):

[...] os indivíduos não são livres de proferir todos os sons lingüísticos quedesejam. Para serem compreendidos, precisam de usar a mesma língua que osmembros do seu grupo utilizam. Assim, uma língua tem um grau de autonomiaem relação a qualquer indivíduo que fala. No entanto, ela existe somente se forfalada por seres humanos.

Dessa maneira, verifica-se a necessidade da interação dialética entre asrepresentações e linguagens utilizadas cotidianamente pelos alunos com aquelasdisseminadas pela escola. É por meio desta interação que ocorre a (re)construção deconhecimentos, representações e linguagens do sujeito cognoscente que deve sercompreendido em sua dimensão triádica. Lefebvre explicita adequadamente esta dimensão(biológica e social e individual) no processo cognitivo:

[...] O ‘mundo’ chega a esse ‘eu’, que sou eu, por dois caminhos: a históriainteira, o passado o tempo biológico e social – e a biografia individual, o temposingular. Por um lado, um infinito, uma ordem longínqua. Por outro, umaordem próxima, o finito, minha finitude. Minha ‘presença’. Não seria essadupla determinação do ‘meu’ ‘ser humano’, de minha ‘subjetividade’?(LEFEBVRE, 1991, p. 23-24).

Com base no exposto pode-se afirmar que é preciso trazer para o chão da escola,para o território da educação formal a dimensão das singularidades e particularidades pormeio das quais o conhecimento se realiza quando do processo de sua generalização. Partirdo singular, do particular para o geral, por meio de abstrações, supõe assumir que oconhecimento somente se realiza neste movimento infinito:

É assim que avança o conhecimento, que não é uma revelação num dadoinstante, nem mesmo uma marcha linear e simples da ignorância aoconhecimento, mas uma estrada cheia de complicados meandros, queacompanha os acidentes do terreno sobre o qual ela passa e que, por vezes,deve voltar atrás. É apenas uma estrada, um caminho que passa através danatureza; mas como diz Hegel numa fórmula singular e profunda, é um caminhoque se faz a si mesmo. (LEFEBVRE, 1991, p. 49).

Se, como defende Lefebvre (1991, p. 287) “[...] Antes de elevar-se ao nível teórico,todo conhecimento começa pela experiência, pela prática.”2 , faz-se necessário, paracompreender os espaços polissêmicos, engendrados por sujeitos também polissêmicos,apreendê-los por meio das representações e linguagens que, por meio da abstração, ou deaproximações possíveis do objeto permitam a realização do conhecimento aqui

2 “[...] é precisamente a modificação da natureza pelo homem – e não a natureza enquanto tal,tomada isoladamente – que é o fundamento próximo e essencial do pensamento humano; foina medida em que o homem aprendeu a modificar a natureza que seu pensamento cresceu.”(LEFEBVRE, 1991, p. 245).

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compreendido como:

[...] o processo pelo qual o pensamento se aproxima infinita e eternamente doobjeto. O reflexo da natureza no pensamento humano não deve ser compreendido

de modo morto, de modo abstrato, sem movimento, sem contradições, mas simno processo eterno do movimento, do nascimento das contradições e de suaresolução... [E Lênin observa:] A idéia tem em si a oposição mais violenta [...]O homem cria eternamente essa oposição do pensamento e do objeto e a superaeternamente. (LEFEBVRE, 1991, p. 287).

Na perspectiva da problemática que vimos abordando, trata-se de (re)pensaras práticas docentes com as linguagens pois “[...] tudo o que pode fazer éaproximar-se eternamente dessa totalidade, criando abstrações, conceitos, leis,uma figuração científica do universo, etc.” (LEFEBVRE, 1991, p. 276).

As linguagens como práxis humana: estruturas estruturantes, estruturas estruturadase instrumentos de dominação

“Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim,trata-se de um terreno que não pode ser chamado de ‘natural’ no sentido usualda palavra: não basta colocar dois homo sapiens quaisquer para que os signosse constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmenteorganizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistemade signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar,mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico esocial.” (BAKHTIN, 1997, p. 35).

A relação que os educadores possuem com as linguagens e, especificamente, os dageografia tende, via de regra, para o naturalismo. Em outras palavras, os mesmos acreditamque inexistem diferenças entre o pensamento e fala, sendo esta última expressão direta doprimeiro. Some-se a esta compreensão a crença de que, independentemente dos grupossociais, as conexões entre pensamento e fala são idênticas em todos os grupos humanos.Verifica-se que, subjacente a tais entendimentos, reside a crença de que os significados daspalavras não se alteram social e espaço-temporalmente.

O entendimento ora explicitado tem como fundamento a crença na “[...] possibilidadedo estabelecimento de leis gerais e generalizações à luz das regularidades, cujos fundamentosmetateóricos são as idéias de ordem e de estabilidade do mundo e a de que o passado serepete no futuro, característico do pensamento científico moderno.” (SANTOS, B. 2000,apud KATUTA, 2004, p. 141). Os estudos e debates ligados às questões referentes àlinguagem expressam estes entendimentos e são também expressões dos mesmos.

Em sala de aula, estas crenças se explicitam na prática pedagógica do professorquando, ao usar determinadas linguagens (cartográfica, escrita, fílmica, gráfica, fotográfica,musical, entre outras), este lida com as mesmas como se fossem reproduções do real e nãosuas apresentações ou versões sempre elaboradas na perspectiva de cada um de seusprodutores. É importante esclarecer que estou empregando a palavra realismo na perspectiva

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do uso que, em geral, os educadores fazem das linguagens. Para uma parte significativados referidos sujeitos sociais as linguagens representam a realidade de maneira fidedigna.Esse habitus3 realista com relação às linguagens torna-se um obstáculo epistemológicoao professor e, portanto, aos alunos que, em geral, acabam por aprender e, dessa maneira,passam a manter a mesma relação que os seus mestres com o objeto ora em foco. Nestecontexto de uso das linguagens, o caráter triádico das mesmas fica oculto, sendo entãodesconsiderado, em grande parte em função do tipo de relações que esses grupos sociaiscom elas mantém.

Destaco que estou partindo do pressuposto que o professor ensina muito mais doque conhecimentos e conceitos. Um conjunto de habitus também é ensinado na escola,apesar de o mesmo também ser aprendido no âmbito da educação não formal. Para Bourdieu(1997, p. 42):

Os ‘sujeitos’ são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um sensoprático [...], de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão edivisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivasduradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturasobjetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e aresposta adequada. O habitus é uma espécie de senso prático do que se devefazer em dada situação.

As linguagens, na perspectiva esboçada, tornam-se entes com vida própria, cujafunção é representar o real tão fidedignamente quanto possível. É neste contexto que osmapas são usados para “mostrar como são os lugares ou para concretizá-los”, que filmesou documentários são exibidos para mostrar a realidade de determinados grupos sociais,fatos ou territórios, ou como era um determinado sujeito, que letras de canções são usadasa fim de mostrar como são os lugares, fatos e pessoas, que poesias e prosas são utilizadascomo meros complementos descritivos do real. Tais práticas deslocam as linguagens deseus contextos de realização, tornando-as neutras, livres de quaisquer determinações sociaise políticas. Esta compreensão constitui-se em um núcleo gerador de compreensõesequivocadas acerca do real, daí seu caráter de obstáculo epistemológico.

Os entendimentos esboçados desconsideram o fato de que as linguagens são,concomitantemente:

- estruturas que permitem a estruturação de nossos pensamentos (estruturasestruturantes), ou seja, uma parte deles ganha expressão por meio das linguagens;

- estruturas produzidas social e espaço-temporalmente pelos mais diversos gruposhumanos (estruturas estruturadas). Nascemos em uma comunidade lingüística ecompartilhamos-disseminamos, para além dos léxicos, símbolos e signos produzidos pelamesma, inclusive, seus habitus lingüísticos e cognitivos;

- instrumentos de dominação, ou seja, dependendo do uso que delas se faz, podem

3 Expressão esclarecida nos parágrafos que seguem.

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estar a serviço da dominação de determinados grupos sociais por outros. É preciso salientarque as linguagens não possuem poder de dominação em si e per si, são os seres humanosque, por meio delas, estabelecem relações sociais de dominação.

A característica triádica das linguagens deve ser trabalhada na escola e, sobretudo,nos cursos de formação de professores porque auxiliaria no equacionamento dos obstáculosepistemológicos engendrados em função de uma postura realista que, por não serproblematizada nos processos formativos são ainda hoje lugares comuns. Eis um dospapéis fundamentais da escola em uma sociedade em que os processos comunicativos e,conseqüentemente, as linguagens atingiram um patamar de desenvolvimento, especialização,uso e disseminação sem precedentes na história da humanidade.

Educar os alunos para entenderem as diferentes linguagens e seus sujeitos

enunciadores, explicitando seu caráter triádico, constitui-se, nos dias de hoje, em uma

condição fundamental para que os mesmos possam conquistar sua autonomia de pensamentono atual contexto do desenvolvimento do capital. Atualmente, a velocidade e diversidadede meios para disseminação das informações, dos conhecimentos, dos processoscomunicativos tornaram-se centrais ao processo de sustentação e (re)produção docapitalismo em sua face globalizada. Por isso, já dizia Paulo Freire (1996, p. 123-124):“Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática deconhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a suacomunicabilidade.”

As linguagens, como todo e qualquer produto humano, são expressões das relaçõesdos grupos sociais que as criaram e, ao mesmo tempo, auxiliam em sua (re)produção. Porisso, pode-se afirmar que as mesmas constituem-se também em práxis humanas, daíauxiliarem, dependendo do uso que delas for feito, na (re)produção do espaço para e docapital. É o que demonstro no item que segue.

O repensar e a (re)apropriação das linguagens enquanto expressão da transformaçãodas práticas docentes: assunção da multiplicidade dos sujeitos enunciadores e suasgeografias

“O desrespeito à leitura de mundo do educando revela o gosto elitista, portantoantidemocrático, do educador que, desta forma, não escutando o educando,com ele não fala. Nele deposita seus comunicados. Há algo ainda de realimportância a ser discutido na reflexão sobre a recusa ou respeito à leitura demundo do educando por parte do educador. A leitura de mundo revela,evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente seconstituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprioprocesso de assimilação da inteligência do mundo.” (FREIRE, 1996, p. 123).

Considerando o caráter triádico das linguagens e a maneira realista com que, via deregra, os educadores com elas se relacionam, entendo que o repensar e a (re)apropriaçãodas linguagens pelos sujeitos sociais em questão deve ser antecedida de uma transformaçãode suas práticas pedagógicas ancorada, obviamente, em uma necessária transformação

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epistemológica.Com isso, não estou querendo afirmar que a transformação da prática pedagógica

docente deve ser antecedida pelas teorias. Ao contrário, é o trabalho realizado em sala deaula com as diferentes linguagens que irão demandar determinados conhecimentos etransformações epistemológicas que, por sua vez, auxiliarão a fundar uma prática docenteque considere a prática e a teoria como duas faces da mesma moeda. Isto já bem observouLefebvre (1991, p. 49-50):

[...] o conhecimento é prático. Antes de elevar-se ao nível teórico, todoconhecimento começa pela experiência, pela prática. Tão-somente a práticanos põe em contato com as realidades objetivas. [...] Em segundo lugar, oconhecimento humano é social. Na vida social, descobrimos outros seressemelhantes a nós; eles agem sobre nós, nós agimos sobre eles e com eles.Estabelecendo com eles relações cada vez mais ricas e complexas,desenvolvemos nossa vida individual; conhecemos tanto eles quanto nósmesmos. [...] o conhecimento humano tem um caráter histórico. [...] Há quepartir da ignorância, seguir um longo e difícil caminho, antes de chegar aoconhecimento. O que é verdadeiro para o indivíduo é igualmente verdadeiropara a humanidade inteira: o imenso labor do pensamento humano consistenum esforço secular para passar da ignorância ao conhecimento. A verdadenão está feita previamente; não é revelada integralmente num momentopredestinado. Na ciência, tal como no esporte, por exemplo, todo novo resultadosupõe um longo treinamento; e todo novo desempenho, todo melhoramento deresultados, são obtidos de modo metódico.

É na lida cotidiana docente com as diferentes linguagens que os desafios inerentes àsua (re)apropriação e repensar comparecerão. Daí a necessidade de o professor ter umapostura investigativa com relação à própria prática pedagógica, caso contrário, suas açõesem sala de aula correm o sério risco de se tornarem difusas ou empobrecidas na medidaem que acabam por se encerrarem em si. Isto pode ocorrer quando o uso das linguagens serealiza de maneira aleatória, apenas para tornar a aula menos maçante ou cansativa.Pereira (1999, p. 118) define o educador investigador da seguinte maneira: “[...] umprofissional dotado de uma postura interrogativa e que se revele um pesquisador de suaprópria ação docente.”

Vale a pena alertar para o fato de que, inerente à prática descrita, existe umacrença de que são as metodologias ou as linguagens usadas pelo educador que têm o poderde transformar as suas aulas. O equívoco desta postura tem como fundamento a fetichizaçãoe reificação das metodologias e linguagens. Em outras palavras, deposita-se uma crençano objeto, dotando-o de características mágicas e esquece-se do fato de que o determinantenesta questão é a relação que os sujeitos irão estabelecer com as mesmas.

O que se quer aqui evidenciar é que o repensar e a (re)apropriação das linguagensdevem ser realizados a partir do trabalho em sala de aula que, por sua própria característica,como afirmei anteriormente, é um fenômeno complexo, instável, eivado de incertezas e deconflitos culturais, de valores, de entendimentos de mundo, entre outros. E, enquanto tal,

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deve ser constantemente debatido em fóruns educacionais mais amplos. Trata-se de assumir,portanto, que os saberes sobre as linguagens aplicados à sala de aula devem ser construídoscoletiva e cotidianamente na lida do trabalho educativo.

Se, como já apontava Freire (1996, p. 123-124), a tarefa maior da escola, portanto,dos professores é o trabalho com a inteligibilidade e comunicabilidade das coisas do e nomundo, é preciso que se assuma que as linguagens constituem-se em elementos importantespara que o objetivo maior da educação formal se realize.

Luria (1988, p. 51-52) em suas pesquisas verificou que pessoas sem instruçãousam a linguagem em sua função mnemotécnica (de memorização) “[...] apenas paraajudá-las a relembrar e reunir os componentes da situação prática mais do que para permitirque formulem abstrações ou generalizações.” Este uso aponta para uma concepção delinguagem realista enquanto reprodução exata do real, relação que também os povosprimitivos nutriam com ela.

Pessoas instruídas ou com algum grau de instrução utilizam a palavra para codificarobjetos em esquemas conceituais, daí serem capazes de executar um pensamento lógicomais complexo. Eis o foco do trabalho do professor.

Ao lidar com diferentes linguagens o educador deve compreender que se tratam dedistintos modos de semiotização, dentre os quais inexiste a possibilidade de julgar unscomo sendo melhores que outros. A escolha dos tipos de linguagens por meio das quais oprofessor trabalhará os conteúdos irá depender de seus objetivos pedagógicos.

Cada linguagem nos permite construir uma rede de coordenadas semióticas – redesde significados e significações, que nos localizam e orientam em nossas ações. Assim,cada uma captura aspectos do real permitindo a sua racionalização. Daí Wittgenstein(1995, p. 375) afirmar que uma forma de expressão inapropriada conduz à confusão e àimobilidade:

<<Assim uma pessoa que não aprendeu uma linguagem não pode ter certasrecordações?>> Certamente – não pode ter recordações verbais, não podeverbalizar desejos ou medos, etc. E recordações, etc., verbais não são apenas asrepresentações coçadas das experiências realmente vividas: pois não é alinguagem também uma vivência? (WITTGENSTEIN, 1995, p. 486).

No caso específico do ensino da geografia com quais linguagens trabalhar? Seráque existem umas mais propícias que outras? Se, como afirma Lefebvre (1991, p. 34) aslinguagens têm uma origem tópica, ou seja, se originaram a partir das ações que os gruposhumanos estabeleceram no meio ambiente e entre si, pode-se afirmar que todas elas podem

ser utilizadas, desde que o professor tenha clareza de seus objetivos pedagógicos.

No começo era o Topos. E o Topos indicava o mundo, pois era lugar; nãoestava em Deus, não era Deus, pois Deus não tem lugar e jamais o teve. E oTopos era o Logos, mas o Logos não era Deus, pois era o que tem lugar. OTopos, na verdade, era poucas coisas: a marca, a re-marca. Para marcar, houvetraços dos animais e de seus percursos; depois sinais: um seixo, uma árvore,

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um galho quebrado, um cairn4 . As primeiras inscrições, os primeiros escritos.Por pouco que fosse, o Topos já era o ‘homem’. Assim como o sílex seguro pelamão, como a vara erguida com boa ou má intenção. Ou a primeira palavra: oTopos era o Verbo; e algo mais: a ação, ‘Am Anfang war die Tat’ [No princípioera a ação, traduzido por Douglas Santos (1997)]. E algo menos: o lugar, ditoe marcado, fixado. Assim, o Verbo não se fez carne, mas lugar e não-lugar.(LEFEBVRE, 1991, p. 34).

Para Ostrower (1998, p. 173) o pensamento e a imaginação nas pessoas realizam-se mediante imagens de espaço. Em outras palavras, estas imagens são o fundamento denosso pensamento e imaginação. Daí a importância do uso das diferentes linguagens noensino da geografia, estas viabilizam a produção de representações e imagens do espaço,sejam elas cartográficas, escritas, ou artísticas em geral.

Parafraseando as sábias palavras de Lefebvre (1991, p. 34):

No começo era o Topos, que era e ainda é ou são “as coisas no mundo” e as“coisas do mundo” e que nele têm lugar. Coisas olhadas, sentidas, tocadas,discernidas do não-eu, marcadas, vistas, usadas, nominadas, denominadas,dominadas porque necessárias na e para a ação, para a sobrevivência humana,e hoje, para a produção de excedentes por muitos para o usufruto de poucos.Das relações dialéticas engendradas entre o topos e as ações humanas surge alinguagem, estrutura estruturante e estruturada, coroamento do domínio relativodos seres humanos em relação aos outros elementos da natureza. (KATUTA,2004, p. 224-225).

É preciso salientar que existe uma linguagem específica que não pode serdesconsiderada no processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos geográficos: alinguagem cartográfica. Este meio de comunicação permite apreender as espacializaçõesdos fenômenos, bem como possibilita pensar em explicações para as mesmas em diferentesníveis escalares. Contudo, apenas esta linguagem não dá conta da polissemia dos fenômenosgeográficos, pois diversos são os grupos sociais bem como as suas geografias. Há que,como afirma Moreira (1999, p. 54), polissemizar a diferença, instituir a dialética daidentidade-diferença na geografia. Para tanto há que: “[...] rever o modo de ser representação[...], num outro que combine heterogêneo e homogêneo sem que a diferença desapareça nahomogeneidade-identidade por um ardil formal da razão.”

É preciso então:

[...] dialogizar a dupla direção do olhar: da identidade para a diferença, dadiferença para a identidade. De reatar a dialética das significações múltiplas,do significado que também é significante, da identidade que também é diferença,da ausência que também é presença, do homogêneo que também é heterogêneo.(MOREIRA, 1999, p. 55).

4 Amontoado de pedras na forma de cone, feito por diferentes grupos humanos para indicarlugares conhecidos , marcos ou mesmo uma tumba. Grifo da autora.

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É interessante notar que o entendimento de Moreira (1999) acerca da representaçãoestá muito próximo da concepção que Lefebvre (1983) explicita em sua obra: La presenciay la ausencia: contribucion a la teoria de las representaciones. Ao enfatizarem omovimento no processo de conhecimento, identificam a necessidade da dialetização dossignificados que também são significantes (grade da linguagem), das identidades que sãotambém diferenças, da ausência que é presença, do homogêneo que é também heterogêneo:“[...] el espacio así concebido se define como juego de las ausencias y las presencias,representadas por la alternancia de las sombras y de las claridades, de lo luminoso y de lonocturno. Los ‘objectos’ en el espacio simulan la aparición y la desaparición más profundasde las presencias.”5 (Lefebvre, 1983, p. 261).

Inexiste linguagem que dê conta das múltiplas determinações das espacialidadeshumanas, elas não se sobrepõem, antes se justapõem formando um mosaico passível deser capturado por nossa racionalidade em distintas espaço temporalidades, por meio dasmais diversas linguagens. Estou assumindo e apontando aqui a importância de umageografia que parta de uma ontologia do objeto que tenha como fundamento a dialética daidentidade-diferença: “[...] Um objeto qualquer é o mesmo e, não obstante, jamais é omesmo: pequeno ou grande, conforme se afaste ou se aproxime, e rico de aspectos diversos.”(LEFEBVRE, 1991, p. 69).

“Cada época deve esforçar-se por organizar, sistematizar numa ‘síntese’, o conjuntodos conhecimentos sobre a natureza. Mas nenhuma dessas sínteses pode se pretenderdefinitiva.” (Lefebvre, 1991, p. 67). Isso porque inexistem verdades absolutas,transcendentais. A racionalidade opera a partir do caos sob a forma de uma sínteseorganizadora que varia de acordo com o modo de produção e as relações sociais entre osdiferentes sujeitos. Contudo, nunca devemos nos esquecer que a ação com e no mundo,com os objetos antecede toda e qualquer racionalidade: “[...] Esse trabalho de organizaçãoé, inicialmente, um trabalho prático. O mundo humano organizado, o mundo da percepção,dos objetos determinados, é produto do trabalho e não produto do ‘espírito’.” (Lefebvre,1991, p. 69).

Nem identidade que promova o estancamento do discurso geográfico acerca domundo na homogeneidade do objeto e, muito menos, diversidade que estanque naimediaticidade do sensível, do percebido. Em outras palavras, não se trata de defender odiscurso generalista e abstrato da velha fórmula geográfica N-H-E (natureza, homem,economia). Moreira (1993, p. I) faz contundentes críticas àquele ensino da geografia quereduz as espacialidades à fórmula colocada que pode ser explicitada da seguinte maneira:“[...] Primeiro descrevemos a natureza, depois a população e por fim a economia. Àsvezes alternamos a ordem seqüencial.” Esta é a fórmula geográfica utilizada na maioriadas salas de aulas, e que, não por acaso, podemos ver seus registros em uma parte

5 “O espaço assim concebido se define como jogo das ausências e presenças, representadas pelaalternância das sombras e claridades, do luminoso e do noturno. Os ‘objetos’ no espaço simulama aparição e o desaparecimento mais profundo das presenças.” (Tradução da autora).

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significativa dos livros didáticos de geografia.Também não se quer aqui defender as práticas pedagógicas que valorizam apenas a

dimensão da percepção e da sensibilidade dos saberes geográficos cotidianos dos alunos,pois, como afirma Lefebvre (1991, p. 111) o sensível: “[...] não representa mais que umaapreensão global, confusa, não analisada e ‘sincrética’ (como diz a psicologia) do realconcreto. Por conseguinte, permanece abstrata.”

Eis o divisor de águas entre epistemologias da geografia que ora estancam no discursoda generalidade, ora no da singularidade e uma outra que se funda no movimento do entreestas instâncias ou momentos distintos do conhecimento. As duas primeiras têm comofundamento a abstração, dado que estancam o movimento do conhecimento ora num póloora noutro.

Assim, o que efetivamente caracteriza o conhecimento é o movimento que vai dosingular, do particular até chegar ao geral para, incessante e infinitamente, retornar aosingular e assim por diante. Lefebvre denomina este movimento de ritmo do conhecimentoque descreve da seguinte maneira:

Parte do concreto, global e confusamente apreendido na percepção sensível, eque se apresenta, portanto, sob esse aspecto, como primeiro grau de abstração;caminha através da análise, da separação dos aspectos e dos elementos reais doconjunto, através, portanto, do entendimento, de seus objetos distintos e deseus pontos de vista abstratos, unilaterais; e, mediante o aprofundamento doconteúdo e da pesquisa racional, dirige-se no sentido da compreensão doconjunto e da apreensão do individual na totalidade: no sentido da verdadeconcreta e universal. (LEFEBVRE, 1991, p. 116).

É a perspectiva de que o conhecimento se realiza no movimento de passagem dosingular, para o particular a fim de chegar ao plano da generalidade, que pode permitiruma transformação epistemológica necessária para o repensar e a (re)apropriação daslinguagens, enquanto expressões do fenomênico em múltiplas escalas. Em outras palavras,ao conceber o conhecimento enquanto movimento que parte do singular, passa peloparticular para chegar ao geral, abre-se espaço nas aulas para as geografias vividas pelosalunos – emergência do espaço da diferença!, bem como para outras linguagens enquantomeios de registro das múltiplas espacialidades criadas e vivenciadas por outros grupos ouclasses sociais.

As letras das canções, as poesias, as prosas, as pinturas, as histórias em quadrinhos,os filmes, as telenovelas, entre outros, apresentam as espacialidades vivenciadas pelosdiferentes grupos sociais. São formas de registro das geografias de cada um de nós, daí aimportância das mesmas serem repensadas e (re)apropriadas pelos professores da disciplinaem questão.

Via de regra, essas linguagens abordam as singularidades das espacialidadesvivenciadas pelos sujeitos, por isso, seu uso no primeiro movimento do conhecimento éplenamente justificável, contudo, não pode nele estancar. É neste contexto que o discurso

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da particularidade e da generalidade tornam-se relevantes, porque se realizam enquantoponto de chegada provisória do pensamento que se movimenta da diferença para a identidadee desta para a diferença.

Resgata-se, nessa perspectiva, o respeito defendido por Paulo Freire (1996) à leiturade mundo do educando que, nesta relação pedagógica, deixa de ser mero depositário dosconhecimentos do professor. O aluno torna-se, juntamente com o educador, um dos sujeitosenunciadores dos saberes geográficos6 que vivencia cotidianamente.

Finalizo a presente reflexão com um sábio alerta do pedagogo:

[...] Respeitar a leitura de mundo, do educando não é também um jogo táticocom que o educador ou educadora procura tornar-se simpático ao educando. Éa maneira correta que tem o educador de, com o educando e não sobre ele,tentar a superação de uma maneira mais ingênua por outra mais crítica deinteligir o mundo. Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-lacomo ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modogeral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes daprodução de conhecimento. É preciso que, ao respeitar a leitura do mundo doeducando para ir mais além dela, o educador deixe claro que a curiosidadefundamental à inteligibilidade do mundo é histórica e se dá na história, seaperfeiçoa, muda qualitativamente, se faz metodicamente rigorosa. E acuriosidade assim metodicamente rigorizada faz achados cada vez mais exatos.No fundo, o educador que respeita a leitura do mundo do educando, reconhecea historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, assume a humildadecriticam própria da posição verdadeiramente científica. (FREIRE, 1996, p.122-123).

Eis a transformação epistemológica que deve ser o fundamento do repensar e da(re)apropriação das linguagens nas aulas de geografia. Resgatar a multiplicidade dossujeitos enunciadores dos saberes geográficos, portanto, de suas geografias deve nortear ouso de toda e qualquer linguagem na referida disciplina.

Conclusões

Com base no exposto, compreendemos que a educação do docente de geografiadeve ser repensada, principalmente no que se refere às relações que o mesmo mantém coma cartografia em particular e, de modo mais ampliado, com as outras linguagens. Não setrata aqui de acusar os docentes da referida disciplina de ter uma relação simplista comeste instrumento do pensamento. Trata-se antes de assumir, por um lado, o inacabamentodo ser humano enquanto fundamento das práticas educativas em todos os níveis emodalidades de ensino e, por outro, a inesgotabilidade do processo de construção deconhecimentos, sendo as linguagens elementos fundamentais para que este último ocorra.

6 Aqui geografia está sendo entendida em um amplo sentido, ou seja, como o conjunto dasrelações que o sujeito estabelece com o espaço e o grupo social com quem convive.

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Assim, quanto mais linguagens se utilizam e dominam, mais ampla tende a ser acompreensão do mundo pelos sujeitos, isso porque cada uma delas apresenta o real apartir das especificidades de sua sintaxe, de seu modo de dizer sobre as coisas do e nomundo.

A ampliação do conjunto de linguagens utilizadas nas aulas de geografia éfundamental para que a análise do mesmo fenômeno em múltiplas escalas ocorra. Assim,um mesmo tema, ao ser apresentado em um mapa, em uma foto ou pintura, em umacrônica ou letra de canção, é passível de ser compreendido nas várias escalas em queocorre. Dessa maneira, acaba por congregar um conjunto de características que passariamdesapercebidas em entendimentos mais simplistas, reduzidos a apenas uma escala de análise,fundado na homogeneidade. Como conseqüência destas múltiplas apreensões, pode-seafirmar que é também por meio do uso de várias linguagens que a ontologia dos objetosestudados pela geografia ganha maior amplitude, também porque enunciada por diferentessujeitos. É neste contexto de uso de linguagens que a multiplicidade dos sujeitos enunciadoresganha espaço nas aulas de geografia, cria-se, portanto, a possibilidade da compreensãodos lugares por meio de um olhar que se situa entre a diferença e a homogeneidade, entrea singularidade e a generalidade, entre o concreto e o abstrato, é exatamente neste movimentoque se constroem os conhecimentos dos arranjos espaciais.

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Recebido para publicação dia 10/04/07Aceito para publicação dia 25/06/07

KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

COMO POSSIBILIDADE

DE UNIFICAR SABERES

THE ENVIRONMENTALEDUCATION AS A POSSIBILITY TO

UNIFY KNOWLEDGE

LA EDUCACIÓN AMBIENTAL COMOPOSIBILIDAD DE LA UNIFICACIÓN

DE LOS CONOCIMIENTOS

VALTER MACHADO DA

FONSECA

Geógrafo e mestre emEducação – FACED-UFU

[email protected]

SANDRA RODRIGUES

BRAGA

Doutoranda em Geografia –IG-UFU/CNPq

[email protected]

GRAÇA APARECIDA

CICILLINI

Profa. Dra. FACED/UFU

[email protected]

Resumo: A crise ambiental descortina a crise civilizacional doOcidente, de seu projeto de natureza e de seu projeto de homem. Talprojeto externaliza-se na fragmentação dos saberes e na práticaescolar que afasta educandos e educadores da natureza, dosproblemas e questões da vida cotidiana. Este trabalho discorre sobrea importância da construção de um modelo curricular, fundado narelação homem-natureza e em uma concepção interdisciplinar dessarelação. A Educação Ambiental não deve ser enxergada como maisuma disciplina (obrigatória por lei), mas deve ser assumida comoum conhecimento, que unifique conteúdos e dê à escola um novosentido, uma nova razão de ser, re-introduzindo educadores eeducandos numa relação harmônica com a Terra.

Palavras-chave: Natureza; Sociedade; Escola;Interdisciplinaridade; Currículo.

Abstract: The environmental crisis reveals the crisis of ocidentalcivilization, of its nature project and its project of mankind. Suchproject is externalized in the fragmentation of knowledge and in theteaching practice which separates teachers and students from nature,problems and matters of everyday life. This work discusses theimportance for the construction of a curriculum model, based on therelation between nature-man and an interdiciplinary conception ofthis relation. The Environmental Education does not have to be seenas another discipline (obrigatory by law), but it should be assumedas knowledge, which unifies contents and give the school a newsense, a new reason for existing, reintroducing teachers and studentsin a harmonic relationship with the Earth.

Keywords: Nature; Society; School; Interdisciplinarity; Curriculum.

Resumen: La crisis ambiental muestra la crisis de la civilizaciónoccidental, de su proyecto de naturaleza y de su proyecto de hombre.Tal proyecto se explicita en la fragmentación de los conocimientosy en la práctica de la enseñanza que separa a los educandos y a loseducadores de la naturaleza, de los problemas y de las cuestionesde la vida cotidiana. Este trabajo discursa acerca de la importanciade la construcción de un modelo curricular, fundado en la relaciónhombre-naturaleza y en un concepto interdisciplinario de estarelación. La Educación Ambiental no tiene que ser percibida comouna disciplina a más (obligatoria por ley), sino que debe ser asumidacomo un conocimiento que unifica contenidos y concede a la escuelauna nueva dirección, una nueva razón de ser, reintroduciendo aeducadores y educandos en una relación armónica con la Tierra.

Palabras clave: Naturaleza; Sociedad; Escuela;Interdisciplinaridad; Currículo.

Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 239-256 Jan-Jun/2007

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Intr odução

Ao final do século XVIII, o advento da revolução industrial inaugurou um ciclo deinovações tecnológicas que deixou como legado um violento impacto sobre a biomassa, osbens naturais e a atmosfera. Esses efeitos, ignorados nos “anos dourados” do desenvolvi-mento, apenas nas últimas décadas do século XX seriam apresentados como a problemá-tica ambiental, um conjunto amorfo de fatores que englobam a poluição e degradação domeio, a crise de recursos naturais, energéticos e de alimentos.

Nesse momento, “a promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o bene-fício comum da humanidade” revelou-se uma fraude, ao mesmo tempo em que se desve-lou-se sua condução à “uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais,à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio”, como apon-ta Boaventura de Souza Santos (2001, p. 56).

Tal problemática ambiental surgiu “como uma crise de civilização, questionando aracionalidade econômica e tecnológica dominantes”. Essa crise foi “percebida como re-sultado da pressão exercida pelo crescimento da população sobre os limitados recursos doplaneta”, quando se tratava de um “efeito da acumulação de capital e da maximização dataxa de lucro a curto prazo”, responsáveis por “padrões tecnológicos de uso e ritmos deexploração da natureza, bem como forma de consumo”, que esgotam as reservas naturais,“degradando a fertilidade dos solos e afetando as condições de regeneração dos ecossistemasnaturais.” (LEFF, 2002, p. 59)

Esta degradação do natural não atingiu (nem atinge) todos os homens indistinta-mente. De fato, como nos lembra Theodor Adorno (1982), a humanidade, tomada em seucaráter genérico, não passa de uma construção ideológica que escamoteia as gritantesdiferenças de poder social entre os homens. Tal degradação não é linear, simples e contí-nua, envolvendo elementos contraditórios ligados ao jogo de poder entre dominantes edominados ao longo da história humana.

Efetivamente, a consideração da problemática ambiental obriga à iluminação dasesferas social e política, posto que é, fundamentalmente, fruto de uma crise da civilizaçãoocidental urbano-industrial. Já em 1975, a Organização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – manifestou-se, por intermédio da Carta deBelgrado, em prol de “uma nova ética global, capaz de promover a erradicação da pobreza,da fome, do analfabetismo, da poluição, da exploração e dominação humana”, censurando“o desenvolvimento de uma nação às custas de outra, acentuando a premência de formasde desenvolvimento que beneficiassem toda a humanidade” (DIAS, 1992, p.26). Estavadado o tom em que seriam pronunciados a posteriori os discursos oficiais sobre o tema.

Tais discursos trabalham, ambiquamente, com o fato de que o ambiente, palco emotivação dos conflitos, possui elementos perceptíveis e “imperceptíveis”. Os primeirosdizem respeito aos ecossistemas naturais e aos modificados pela ação do “sujeito” (ohomem) sobre o “objeto” (a natureza): os elementos bióticos e abióticos, os ecossistemas

FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI , G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...

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naturais e seu frágil equilíbrio, o espaço urbano, a concentração de capital, as diversasformas de poluição, a expansão da fronteira agrícola, dentre outros. Os elementos“imperceptíveis” da natureza são resultado das disputas sobre os territórios: a supremaciados dominantes sobre os dominados; a expansão do abismo entre ricos e miseráveis; aconcentração da riqueza material no hemisfério norte; a segregação sócio-espacial e asnefastas conseqüências da racionalidade técnica e científica.

Santos (2001, p. 58) lembra-nos:

Como é que a ciência moderna, em vez de erradicar os riscos, as opacidades,as violências e as ignorâncias, que dantes eram associados à pré-modernidade,está de facto a recriá-los numa forma hipermoderna? O risco é actualmente oda destruição maciça através da guerra ou do desastre ecológico; a opacidade éactualmente a opacidade dos nexos de causalidade entre as ações e as suasconseqüências; a violência continua a ser a velha violência da guerra, da fome,da injustiça, agora associada à nova violência da hubris industrial relativamenteaos sistemas ecológicos e à violência simbólica que as redes mundias dacomunicação de massa exercem sobre as suas audiências cativas. Por último, aignorância é actualmente a ignorância de uma necessidade (o utopismoautomático da tecnologia) que se manifesta com o culminar do livre exercícioda vontade (a oportunidade de criar escolhas potencialmente infinitas).

É nesse contexto de emergência de questões – demandatárias de urgentes respostas– que, em meados dos anos 1970, a Educação Ambiental (doravante denominada EA)emerge como “resposta à crise na própria educação; [...] que prioriza o racional, quecompartimenta os saberes e que estimula a competição entre indivíduos e grupos” (PÁDUA,2002, p. 55), em uma iniciativa que a fortiori demanda um trabalho interdisciplinar e asuperação da fragmentação de saberes.

A transmissão fragmentada do saber

A crise ambiental foi atribuída ao processo histórico que, a um só tempo, construiua revolução industrial e a ciência moderna. Lugar de destaque nessa evolução ocupa adistinção entre as ciências, com o concomitante fracionamento do saber e acompartimentalização da realidade em campos disciplinares confinados, tendo por fitootimizar a eficácia da ciência em prol da produção. Nessa conjuntura, iniciou-se, comonos informa Enrique Leff (2002, p. 60), “a busca por um método capaz de reintegrar essesconhecimentos dispersos num campo unificado do saber” e a análise da questão ambientalemergiu como tema demandante de “uma visão sistêmica e um pensamento holístico”.

O tecnicismo, que surgiu como exigência das revoluções industriais, ganhou ahegemonia da educação formal. A transmissão e reprodução do conhecimento isolaram/isolam educadores e educandos dos seus problemas concretos, isentando-os de participarda relação homem-natureza. A compartimentação dos conteúdos, a verticalização curriculare o ensino cada vez mais elitizado, igualmente, colocaram-nos cada vez mais distantes doseu meio.

Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007

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A fragmentação disciplinar e as dificuldades da prática pedagógica constituem, naatualidade, os principais óbices à abordagem da temática ambiental, de modo transversale interdisciplinar. Trabalhar a interdisciplinaridade da temática ambiental implica revelara rede de conflitos e interesses que a criaram, partindo da realidade local para, emseguida, tratar das questões ambientais mais amplas. É mister compreender que asciências, cada uma delas, constituíram processos metodológicos de investigação científicapróprios e que o ambiente não pode se constituir em mais um segmento da ciência, masdeve preencher as rachaduras da compartimentação dos conteúdos disciplinares.

A problemática ambiental é herdeira direta da concepção de que o homem, por sercapaz de raciocinar, adquirir, produzir e organizar conhecimentos, está acima da natureza

e das leis que regem o planeta e o mantêm em equilíbrio.

A maioria das pessoas, sobretudo aquelas que não estudaram as ciênciasbiológicas, manifesta muito freqüentemente uma tendência a situar o homemem confronto com a natureza, ou mesmo em oposição a ela. Segundo sejamessas pessoas otimistas ou pessimistas, vêem elas o homem como o rei danatureza ou a sua vítima (FRIEDEL, 1921 apud BRANCO, 1988, p. 6).

Esta maneira de pensar e compreender a relação homem-natureza, expressa pelofilósofo francês, alimenta a crença de que o ser humano pode reinar sobre todos os recursosnaturais, explorando-os desordenadamente, sem se preocupar com as conseqüências desua exploração. Henri Lefebvre (1979, p.233-234) compartilha essa avaliação:

O sujeito - o homem - separa-se da natureza graças a seu poder sobre ela, aseus instrumentos, a seu entendimento e a seu poder de abstração. Porém,quanto mais ele se separa da natureza, tanto mais penetra profundamente nanatureza, por meio de seu conhecimento e de sua ação. O “subjetivo”, humano,contém assim – no coração de seu próprio movimento – o carecimento, anecessidade da natureza. Na ação produtora e no conhecimento, ele resolveincessantemente esse conflito, que sempre renasce, entre o sujeito e o objeto(entre o homem e a natureza). Ele tende para a absoluta identidade (oconhecimento e a posse completa da natureza). Aqui, sob esse ângulo, a idéiaaparece como unidade do sujeito e do objeto (com o acento posto sobre o objeto),ou seja, do homem concreto e vivo com a natureza material. Por conseguinte,a idéia é ao mesmo tempo a idéia do homem e a idéia da natureza (com oacento posto sobre a natureza, isto é, insistindo sobre a realidade e a prioridadeda natureza).

Incorporado à ciência, este comportamento implica um afastamento do homem danatureza de que participa. Cada ramo do conhecimento passa a ser pensado separadamente,como fragmentos desarticulados, desconsiderando o todo e a relação com a natureza. Vale

lembrar, como o faz Leff (2002, p.66):

As ciências não vivem num vazio ideológico. Tanto por sua constituição apartir das ideologias teóricas e as cosmovisões do mundo que plasmam o terrenoconflitivo das práticas sociais dos homens, como pelas transformaçõestecnológicas que se abrem a partir das condições econômicas de aplicação de

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conhecimento, as ciências estão inseridas dentro de processos ideológicos ediscursivos onde se debatem num processo contraditório de conhecimento/desenvolvimento, do qual derivam sua capacidade cognoscitiva e seu potencialtransformador da realidade. A articulação destes processos de conhecimentocom os processos institucionais, econômicos e políticos que condicionam opotencial tecnológico e a legitimidade ideológica de suas aplicações está regidapelo confronto de interesses opostos de classes, grupos sociais, culturas e nações.

Se o conhecimento científico, produzido pelos cientistas, e aquele veiculado naescola representam “diferentes padrões de produção de conhecimento”, é certo que a escolarealiza “uma espécie de tradução desse conhecimento [científico] ao ser divulgado na

sociedade”, afirma Graça Aparecida Cicillini (2002, p. 39-40), que prossegue:

O conhecimento divulgado na escola é um tipo de conhecimento peculiar. Alémdas características próprias de sua produção no ambiente de sala de aula, eletambém é produto da interação com outras formas de conhecimento produzidasem diferentes instâncias. Existe um conhecimento biológico produzido pelacomunidade científica. Atualmente essa produção ocorre com freqüência tantonas instituições universitárias, nos institutos de pesquisa, quanto nas indústrias.Contudo o domínio desse conhecimento é privilégio de poucos, ou seja, dacomunidade que o produz e de quem utiliza essa produção. Deve-se observar,porém, que parte desse conhecimento é apropriado pela sociedade. Mas essaapropriação não ocorre do mesmo modo pelo qual esse conhecimento foiproduzido.

Apropriando-se do conhecimento social, os grupos detentores do poder político eeconômico procuram orientar a escola segundo seus interesses. Eles não desejam discutiro saber, na perspectiva de uma relação harmônica homem-natureza, contrária à idéia de“desenvolvimento a qualquer custo” que defendem. Luís Rigal (2000, p. 175) comenta a

implantação desse modelo escolar na América Latina:

A escola da modernidade na América Latina esteve marcada por tal tradição: aformação de uma cidadania capaz de se somar ao processo social do momentoconstituía a meta fundamental da instituição escolar. Transmissora porexcelência de uma cultura homogênea, sem brechas, nem diferenças, aspiravaassim a produzir um tipo de sujeito apto a adaptar-se às exigências políticas esociais que a classe dominante perseguia.

Entretanto, como adverte Ciccilini (2002, p. 45), “a escola deve ser consideradacomo uma instituição representativa da sociedade [...] não apenas reproduz as ideologias,mas também apresenta formas de resistência à inculcação ideológica”.

A escola vê-se, então, confrontada com o desafio lançado por educadores e educandosque defendem uma nova prática pedagógica e um currículo que expresse o abandono daideologia e a ação prática de produção do conhecimento a partir da realidade e dos problemas“cotidianos”. Dada a recorrência do termo “cotidiano” na literatura de EA, cabe aqui umparêntese sobre as armadilhas que seu emprego comporta.

A Teoria do Cotidiano, exposta por Agnes Heller (1989), afirma que a cotidianidade,apesar de sua aparente riqueza, quando invade outras esferas da realidade, como a escola,o faz por já se ter tornado um espaço de alienação. Assim, o trabalho realizado pela

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educação escolar formal deve participar da vida não cotidiana dos indivíduos, já que acotidianidade, por seus caracteres de espontaneidade, pragmatismo, economicismo,analogia, precedentes, juízo provisório e ultrageneralização, não possibilita a plenaapropriação da cultura humana. A alienação da cotidianidade impede a sua própria

explicitação. A superação da consciência espontânea, do senso comum, em favorde uma consciência crítica, supõe a unidade teoria-prática.

Tais armadilhas não têm implicações apenas teóricas, mas implicações prático-pedagógicas bastante precisas, que redundam na pauperização do ensino. A inserçãoconsciente na vida social depende do grau de compreensão e crítica dos mecanismos queregem as relações sociais, que é mediado pelo conhecimento intelectual e a “socializaçãodo saber”, facultados pela escola. O desenvolvimento da consciência crítica não se fazsem uma fundamentação teórica que permita a análise das práticas sociais e vice-versa,em uma dialética de ação-reflexão-ação. É assim que o comprometimento escolar com ainteração plena educador-educando-natureza, demandante de um novo modelo de escola ede um novo currículo, exige uma robustez teórico-metodológica que o sustente.

Desse modo, de início, há que se saber o que é, efetivamente, EA e que tipo deeducação queremos.

O que é Educação Ambiental? Que Educação Ambiental?

O conceito de EA foi, inicialmente, definido na Conferência Intergovernamentalsobre a Educação Ambiental, realizada em Tbilisi, Geórgia, ex-república soviética em1977. A Conferência de Tbilisi propôs uma ação pedagógica orientada para a solução deproblemas ambientais concretos por intermédio de enfoques interdisciplinares e daparticipação ativa de cada indivíduo e da coletividade (UNESCO, 1980). Essa Educaçãodefiniu-se, destarte, como resultado de uma reorientação e articulação de diversas disciplinase experiências.

Na Conferência de Tbilisi, tentou-se obter um mínimo de uniformidade deprocedimentos, por intermédio da conceituação de meio ambiente e da definição dosobjetivos, características, recomendações e estratégias da EA. O meio ambiente, consoanteàs definições de Tbilisi, abrange tanto os recursos naturais do nosso planeta quanto àsinstituições e valores historicamente construídos. Esta conceituação explicitou a necessidadede se incorporarem as dimensões social, ética, cultural, política e econômica, de modointerdisciplinar/transversal, tanto na resolução dos problemas ambientais, quanto nasatividades de ensino/pesquisa em EA. Como se constata, para combater a crise ambiental,reconheceu-se nessa Educação seu elemento crítico e destacou-se a necessidade do homemrecompor suas prioridades.

Nesse contexto, o treinamento de professores e o desenvolvimento de novos recursosinstrucionais e métodos revelaram-se como necessidades prementes ao desenvolvimentoda EA. Foi este o sentido da conceituação de EA, estabelecida pelo Conselho Nacional do

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Meio Ambiente – CONAMA: “um processo de formação e informação, orientado para odesenvolvimento da consciência crítica sobre as questões ambientais, e de atividades quelevem à participação das comunidades na preservação do equilíbrio ambiental” (CONAMA,s.d. apud DIAS, 1992, p.31).

Avançando nas distintas conceituações, Nana Medina (1998 p. 69) elabora umaconceituação de EA que concilia a questão ambiental com a eliminação da pobreza extrema

e a melhoria da qualidade de vida.

Educação Ambiental é o processo que consiste em propiciar às pessoas umacompreensão crítica e global do ambiente, para elucidar valores e desenvolveratitudes, que lhes permitam adotar uma posição consciente e participativa arespeito das questões relacionadas com a conservação e adequada utilizaçãodos recursos naturais, para melhoria da qualidade de vida e a eliminação dapobreza extrema e do consumidor desenfreado. (MEDINA, 1998 p. 69)

As várias definições de EA coincidem na afirmação da necessidade de uma visãoholística do real e na abordagem integradora que essa necessariamente demanda. De fato,a sua introdução na grade curricular promete “conduzir os cidadãos/educandos a umaconscientização construída, além de possibilitar sua ampliação da visão de mundo, asuperação do antropocentrismo estreito e a educação do homem na sua integridade”, pormeio de “uma prática pedagógica interdisciplinar e transdisciplinar” (PONTES JUNIORet al., 2002, p. 88).

Essa inovação educacional propõe-se a formar cidadãos conscientes, capazes detomar decisões incidentes sobre a realidade socioambiental, de forma comprometida coma vida do planeta. Por seu caráter intrinsecamente interdisciplinar, ela valoriza a açãopedagógica. Por tratar de problemas vividos, e não abstratos, promove a criatividade e ainovação, em um permanente diálogo entre ensino e aprendizagem, que ocorre tanto emespaços formais quanto informais.

A EA formal tem por locus a escola, realizando-se na rede de ensino, por meio daatuação curricular, tendo como referência pedagógica os Parâmetros Curriculares Nacionais– PCNs (BRASIL, 1998). Já a EA informal se dá por intermédio de campanhas nos meiosde comunicação de massa que objetivam alterar padrões de comportamento danosos ànatureza, difundindo atitudes que levem ao conhecimento e compreensão dos problemasambientais e a conseqüente sensibilização para a preservação da natureza.

A EA escolar caracteriza-se como uma inovação educativa que envolve toda acomunidade escolar e que não pode se configurar como uma nova disciplina. Leff (2002,p.72) comenta:

O ambiental aparece como um campo de problematização do conhecimento,que induz um processo desigual de ‘internalização’ de certos princípios, valorese saberes ‘ambientais’ dentro dos paradigmas tradicionais das ciências. Esteprocesso tende a gerar especialidades ou disciplinas ambientais, métodos deanálise e diagnóstico, assim como novos instrumentos práticos para normatizare planejar o processo de desenvolvimento econômico sobre bases ambientais.Entretanto, esta orientação ‘interdisciplinar’ referente a objetivos ambientais

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não autoriza a constituição de um novo objeto científico – o ambiente – comodomínio generalizado das relações sociedade – natureza.

A inserção da EA na grade curricular inaugura um processo de ruptura com acaracterização histórica da escola.

Tradicionalmente, a educação incentiva além da aceitação, a obediência aoque é transmitido pelo mestre ou indivíduo mais velho e experiente. O resultadocomum é o desenvolvimento de posturas rebeldes, que normalmente semanifestam de forma agressiva. A passividade é outra postura freqüente:Indivíduo aceita o que é ensinado, sem questionar. O respeito esperado peloprofessor tradicional ignora a individualidade, a diversidade e a riqueza quetodo indivíduo já traz, por mais simples que seja sua origem. O mestre deveriaincentivar trocas continuamente para que o aluno se sinta valorizado em suaindividualidade, o que facilitaria a construção de processos coletivos de empatia,respeito e colaboração (PÁDUA, 2002, p. 54).

A contestação ao modus operandi da escola tradicional ocorre porque o entendimentoda EA não se dá apenas no campo teórico, mas pressupõe a abertura para novas idéias, acapacidade do professor-educador de colocar-se no nível do educando, vivenciando seusproblemas e proporcionando-lhe meios para a construção do conhecimento. Isso significaromper com os dogmas e “verdades” arraigadas na escola tradicional, abrindo horizontespara o respeito às liberdades individuais, à inventividade e às potencialidades dos educandos,

na maioria das vezes, sufocadas pela escola.

Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se,à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições emque eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos “conhecimentosde experiência feitos” com que chegam à escola (FREIRE, 1997, p. 71).

Ao se incorporar a dimensão ambiental no ensino formal, caminha-se para práticasinterdisciplinares que aprofundem o conhecimento das questões ambientais, o que nãonecessita ser formalizado em uma disciplina, pois se embasa na interação com todas asoutras disciplinas. Os PCNs (BRASIL, 1998) introduziram a temática ambiental nocurrículo do Ensino Fundamental, como tema transversal, que deve perpassar todas asdisciplinas escolares, e a posterior Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA(BRASIL, 1999) –, estendeu essa política a todos os níveis de ensino.

Os PCNs apontam, como um dos objetivos gerais do ensino fundamental, que osalunos sejam capazes de perceberem-se integrantes, dependentes e agentes transformadoresdo ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamentepara a melhoria do meio ambiente. Já na PNEA, foram definidos os princípios, objetivos,as obrigações do governo, empresas, instituições de um modo geral, as modalidades, opapel do ensino formal e não formal na EA.

O trabalho pedagógico de forma transversal torna o aprendizado mais dinâmico,explicitando (e alterando) valores e incluindo procedimentos vinculados à rotina deeducadores e educandos. Ainda que as Ciências Naturais, a História e a Geografia surjam

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como tradicionais parceiras da temática ambiental, esta pode e deve abarcar quase todasas outras disciplinas pela discussão do tema e pela geração de textos e programas deatividades correlatas.

Seja ou não formal, a EA demanda um enfoque interdisciplinar, uma perspectivaglobal e equilibrada, que se acha na cooperação/interação entre todas as disciplinas oucampos de atuação do tema, sendo importante a abordagem dos seus aspectos sociais,matemáticos, históricos, geográficos, das línguas, artes e filosofia. Diferentes estratégiaspedagógicas permitem o desenvolvimento de métodos e técnicas de ensino capazes dedotá-la de um caráter multiplicador.

A prática da EA demanda uma múltipla visão dos fenômenos e uma atuaçãocatalisadora do conhecimento das questões ambientais. Mas, para trabalhar neste nível,essa práxis necessita incorporar a crítica das relações na sociedade e desta com a natureza,voltando-se para a complexidade, absorvendo diferenças em uma busca coletiva de avançospara os problemas ambientais globais.

Analisadas as distintas conceituações de EA, vale ressaltar as diferentes concepçõesde meio ambiente que permeiam os seus projetos e/ou atividades. Essas diferenças podemcaracterizar a EA como um “adestramento ambiental”, como uma educação para ademocracia ou ainda como uma educação “subversiva, que busca a tentativa de implantarum projeto transformador, traduzido pela inserção da racionalidade ecológica no núcleoideológico de nossa sociedade” (LAYRARGUES, 1999, p. 141).

Paula Brügger (1994), ao destacar que EA não é igual ao ensino de ecologia, definea perspectiva preservacionista como “adestramento ambiental”, pois visa unicamente auma mudança de comportamento individual e não de valores societários.

Parte expressiva dos projetos/atividades de EA no Brasil privilegia uma perspectivareducionista da temática ambiental, fundamentando-se nos aspectos biológicos do ambientee numa concepção preservacionista, que ignora o homem e as relações sociais. Apreponderância dessas abordagens faz-se acompanhar por práticas destituídas dereferenciais teórico-metodológicos e de um questionamento de seus determinantes. Valeaqui indagar, como o fazem Victor Novicki e Maria Maccariello (2007, p. 1):

A quem interessa defender uma abordagem reducionista (naturalista) da questãoambiental? Quais interesses procuram ocultar os determinantes sociais, políticos,éticos, culturais e econômicos da degradação ambiental? Se todo e qualquerproblema ambiental é causado por nosso modo de produzir e consumirmercadorias (inclusive a natureza) e, dialeticamente, se os efeitos ou custosambientais desta degradação afetam os seres humanos de modo desigual ecombinado, segundo seu lugar no modo de produção capitalista, que ideologiaesforça-se em separar artificialmente sociedade e natureza?

Além do naturalismo preservacionista, que se regula pela dicotomia homem-natureza,encontramos outras propostas demarcadas pelo tecnicismo, que apontam as soluçõestécnicas, de manejo e gestão dos recursos naturais, como a solução da crise atual, ignorandoos seus aspectos políticos e econômicos. O privilegiamento da razão técnica repete os

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esquemas de reprodução do capital impulsionadores dessa crise. Em verdade, trata-se deimplementar uma modalidade de consumo perdulária, mas com uma vaga preocupaçãoambiental, expressa na fabricação de automóveis menos poluentes (em oposição à criaçãode ciclovias ou à melhoria do transporte público) ou em métodos de reciclagem (não deprodutos mais duráveis).

Outra corrente teórica procura sacralizar o meio ambiente, desconsiderando a

dinâmica natural e a ação antrópica. A abordagem do “arcaísmo-naturalista” é pautada nanostalgia pelo passado, na valorização de ideais perdidos, no discurso do retorno à natureza.Para os adeptos dessa corrente teórica, a produção humana só tem sentido se garantir edesenvolver a biodiversidade, daí sua ênfase nas “culturas tradicionais”.

Já a abordagem socioambiental, consoante às indicações da Conferência de Tbilisi,apresenta “uma visão da realidade bastante crítica, demonstrando que as origens da atualcrise ambiental estão no sistema cultural da sociedade”, sociedade essa “pautada pelomercado competitivo como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão demundo unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade”(LAYRARGUES, 1999, p.132).

Essas diferentes concepções de mundo, educação e homem implicam distintos eantagônicos projetos educacionais. Se é consensual a constatação da gravidade da crisesocioambiental e da necessidade de intervir sobre ela, os objetivos, princípios e diretrizesde atuação em EA revelam-se bastante diferenciados em cada uma dessas perspectivasteóricas. A homogeneização e superficialização do discurso, desconsiderando taiscontradições, apontam no sentido da “cotidianização” dessa Educação e na concomitanteperda do seu caráter crítico.

Contra a tendência preservacionista, que trata a humanidade como deflagradora evítima da crise ambiental, a vertente socioambiental identifica sujeitos sociais específicoscom níveis diferenciados de responsabilidade sobre ela. Ao mesmo tempo, ela defendeuma ação pedagógica transformadora/crítica, propiciadora do exercício da cidadania. Nesseponto, a ação pedagógica interdisciplinar em EA transmuta-se em ação política, quedesencadeia uma dinâmica de ação-reflexão dos sujeitos sociais que, em suas práticas, nainteração com seus semelhantes, transformam a natureza pelo trabalho e são por eletransformados.

A Educação Ambiental na trans/inter/multidisciplinaridade

Como toda inovação, a EA demanda tempo e preparo para sua utilização. Exige aformação permanente dos responsáveis pelas mudanças, a análise da instituição escolar eo conhecimento das relações intra-escolares e dos diversos sujeitos sociais envolvidos.Nesse contexto, a escola emerge como espaço de mediação entre o interno e o externo, oconhecido e o por conhecer.

A introdução da EA no currículo envolve interesses econômicos, políticos e

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ideológicos e demanda debates aprofundados para unificação das razões, conseqüências e

objetivos desta prática pedagógica. Medina (2002, p. 73) afirma:

A escola gerencia e possibilita complexas relações entre pessoas, tanto internascomo externas, com interesses e diversas expectativas, grupos de poder quedefinem a micropolítica institucional e relações pessoais conflitivas, diversostipos de tensões e grupos de pressão diferenciados que produzem em seuconjunto a cultura do centro educacional.

Aqui vale ressaltar que a disciplinarização e a fragmentação do conhecimento estãoa serviço da manutenção do stablishment por negarem a educandos e a educadores aligação dos saberes e a produção do novo conhecimento. Nesse sentido, Oliveira (2002, p.61-62) afirma:

A pedagogia moderna, embalada pelo contexto da cientificidade, permitiu aespecialização dos profissionais da educação, a divisão da carga horária, aespecificidade dos materiais didáticos, etc. No currículo disciplinar tudo podeser controlado: o que o aluno aprende, como aprende, com que velocidade oprocesso acontece e assim por diante. [...] E é nesse contexto que, mais umavez, a pedagogia apropria-se do pensar das ciências exatas, que buscavam a re-ligação das fronteiras das ciências.

Para se superar esse quadro deformante, a prática em EA requer o entendimento dequatro parâmetros fundamentais: transversalidade, transdisciplinaridade,interdisciplinaridade e multidisciplinaridade.

A transversalidade volta-se contra a formalidade dos conteúdos, fazendo a escolarepensar valores e atitudes, de forma a garantir uma dimensão político-social do trabalhopedagógico. Rompe-se, destarte, com o confinamento da atuação formal dos educadores eampliam-se suas responsabilidades com a formação dos educandos, por intermédio dotrabalho contínuo no decorrer de toda a escolarização.

O ambiente é apenas um dos temas importantes para a formação do educando, mas,trabalhado de forma transversal, pode articular uma integração maior da comunidadeescolar, colaborando para que o processo pedagógico se torne mais prazeroso e resulte emações práticas que venham ao encontro das necessidades da escola, do bairro, do planeta.Para tanto, há que se traçar metas bem definidas, definir estratégias de ação e estabelecero papel de cada um, pois, como ressaltam os PCNs, o tema Meio Ambiente

[...] pode ser mais amplamente trabalhado quando mais se diversificarem eintensificarem a pesquisa de conhecimentos e a construção do caminhocoletivo de trabalho, se possível com interações diversas dentro da escola edesta com outros setores da sociedade (BRASIL, 1998, p 192).

A interdisciplinaridade argüi a divisão compartimentada dos conteúdos.Transversalidade e interdisciplinaridade são termos complementares: enquanto atransversalidade refere-se à dimensão e à possibilidade da didática estabelecer uma relaçãoentre assimilar os conhecimentos sistematizados (aprender na e da realidade), a

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interdisciplinaridade constrói uma abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento,necessária pois

[...] para que os alunos construam a visão da globalidade das questões ambientaisé necessário que cada profissional de ensino, mesmo especialista em determinadaárea do conhecimento, seja um dos agentes da interdisciplinaridade que o temaexige. A riqueza do trabalho será maior se os professores de todas as disciplinasdiscutirem e apesar de todo o tipo de dificuldades encontrarem elos paradesenvolver um trabalho conjunto. Essa interdisciplinaridade pode ser buscadapor meio de uma estruturação institucional da escola, ou da organizaçãocurricular, mas requer necessariamente, a procura da superação da visãofragmentada do conhecimento pelos professores especialistas (BRASIL, 1998,p 193).

Já a transdisciplinaridade implica que os temas fundamentais para a construção doconhecimento sejam inerentes a todos os saberes numa perspectiva multidisciplinar. Avisão transdisciplinar é aberta na medida em que ultrapassa o domínio das ciências exataspor seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas tambémcom a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.

Nesta perspectiva, o ambiente pode constituir-se num tema transversal que cimentetodas as disciplinas e preencha as rachaduras da fragmentação dos conteúdos curriculares.Considerando que uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração noconhecimento, mas contextualizar, concretizar e globalizar o saber, a educaçãotransdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpona transmissão dos conhecimentos.

Se, na interdisciplinaridade, os interesses próprios de cada disciplina são preservados,os princípios da transversalidade e da transdisciplinaridade buscam superar o conceito dedisciplina, por intermédio de um tema/objetivo comum (transversal). Leff (2002, p.72),porém, alerta-nos:

No entanto, não é fácil abandonar a tendência a pensar o ambiente como umcampo de atração e convergência no conhecimento, de submissão das ciênciasante um projeto integrador. O meio, no final das contas, é uma rede de relaçõescapaz de agrupar todo o saber em busca de seu objeto, é o plasma onde sedissolve ou coagula aquele excedente de saber que ultrapassa o campo doconhecimento científico.

A temática ambiental emerge como importante ferramenta para a revitalização daescola, no momento em que a educação enfrenta uma série de debates sobre as lacunascriadas pela “sociedade global”. Finn et al. (1980 p. 187) comentam alguns dos aspectos

desses debates, que, atingindo em cheio a educação, difundem a idéia da “crise”:

Em análises de sistemas educacionais é útil distinguir dois aspectos. Na literaturadisponível esses aspectos estão freqüentemente divorciados, mas na verdade devemser vistos em conjunto. O primeiro aspecto é o trabalho das próprias escolas efaculdades; suas estruturas institucionais, sua disposição de conhecimento, suasrelações pedagógicas, suas culturas e organização informais. Designamos esseaspecto de trabalho ideológico da própria escola. Mas, em segundo lugar, estes

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aspectos primários são também objeto de definições e práticas mais amplas. Estedebate sobre educação é freqüentemente construído a alguma distância dosprocessos que ele pretende descrever. Este debate, contudo, através das políticas,exerce um efeito real sobre o próprio sistema educacional. Ele também faz partede um discurso político geral. Em formas desenvolvidas do Estado democrático(que pressupõe uma cidadania igual) os debates sobre educação são partes deuma história de hegemonia; são uma instância regional do processo de solicitaçãoda anuência dos governados (FINN et al., 1980, p. 187).

Neste contexto, a escola, que difundiu o industrialismo depredador e segmentou osaber, adota a temática ambiental como virtual preenchedor do vazio da produção denovos conhecimentos, a partir da criação de um canal de diálogo com a comunidade

externa. Penteado (2000, neste sentido, assevera:

A formação da consciência ambiental de nossa juventude e o desenvolvimentodo exercício de sua cidadania passa pela transformação da escola formadora.Esta será aquela que formos capazes de construir a partir da consciênciaambiental que temos e das participações escolares que formos capazes decoordenar no dia-a-dia do nosso trabalho escolar, organizando o processo deensino num amplo processo de comunicação escolar (PENTEADO, 2000, .p164).

Oliveira (2002, p. 66) afirma que, para que isso ocorra,

[...] deve-se ser levada em conta a relação entre a escola e o espaço em que elaestá inserida. Ela deve estar conectada com as questões mais amplas da sociedadee com os movimentos de defesa da qualidade do ambiente, incorporando-oscom as suas práticas, relacionando-os com seus objetivos.

A EA surge como resposta ao projeto epistemológico positivista e homogeneizadordo mundo, inserindo-se entre as reivindicações por democracia, equidade, justiça,participação e autonomia, que questionam a concentração do poder do Estado e do mercado.Eclode, assim, como uma outra racionalidade social, orientada para novos valores e saberes,além de modos de produção em bases ecológicas e com significados culturais, guiados pornovas formas de organização democrática.

O engajamento do cidadão e a percepção dos problemas ambientais locais são oprimeiro passo para o sucesso das atividades em EA, de acordo com os princípios da

Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1980):

• Consciência - para ajudar os indivíduos e grupos sociais na buscada progressiva assimilação da consciência necessária dos problemas domeio ambiente global;•· Conhecimento - para adquirir uma diversidade de experiências e acompreensão fundamental do meio ambiente e dos problemas que o afetam;• Comportamento - comprometimento com os valores éticos, tal queos indivíduos se sintam interessados pelo meio ambiente, participandoassim da proteção e da melhoria ambiental;

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• Habilidades - para adquirir as habilidades necessárias para a corretaidentificação e resolução de problemas ambientais;• Participação - visando a proporcionar a participação ativa nas tarefasque busquem resolver os problemas ambientais.

Nesta abordagem, é imprescindível sintonizar as diferentes realidades políticas,

econômicas, sociais, culturais e ecológicas da localidade. A EA deve objetivar a construção

de novas relações sociais, econômicas e culturais, relações de respeito às minorias étnicase às populações tradicionais, à mulher e a liberdade para edificar alternativas dedesenvolvimento sustentável, respeitando os limites dos ecossistemas.

É mister definir-se o foco de assuntos a serem abordados em EA, de maneira que aação pedagógica seja pautada no ensino contextualizado, abordando o tema da questão dadistribuição e do uso dos recursos naturais. Há que se integrar o conhecimento sistematizadoe a realidade dos sujeitos sociais envolvidos, levando à sensibilização, ao comprometimentoe à consciência ambiental, bem como desenvolvendo competências, tais quais a análise,decisão, planejamento e pesquisa, bases para o pleno exercício da cidadania.

A constituição de um quadro de professores capacitados para formar multiplicadoresem EA tem primordial importância para a criação de subsídios teóricos e metodológicos àsua inserção curricular. Visa-se, destarte, a uma matriz de problemas sócio-ambientais desua região, com o intuito de promover a sua inserção transversal nos currículos.

É comum que a problemática ambiental seja atribuída à “falta de educação” dospobres. Focalizando casos isolados, tenta-se jogar o ônus da crise ambiental, gerada pelomodelo de produção capitalista, nos ombros dessa população. É fundamental alterar estavisão da realidade que vigora, especialmente, nas escolas públicas da periferia. Tal visãoé produzida pela lógica de reprodução do capital, por seus aspectos políticos, econômicose sociais, nos quais estão mergulhados quer educadores quer educandos. Desta forma,deve levar-se em conta as contradições do modo de produção capitalista.

Formações ideológicas aparecem no terreno da problemática ambiental comoprocessos de significação que tendem a “naturalizar” os processos políticos dedominação e ocultar os processos econômicos de exploração provenientes dasrelações sociais de produção e das formas de poder que regem o processo deexpansão do capital. Desta maneira, pretende-se explicar e resolver aproblemática ambiental por meio de uma análise funcional da sociedade,inserida como um subsistema dentro do ecossistema global do planeta (LEFF,2002, p. 67).

Não se pode exigir qualquer compromisso com a problemática ambiental de umapopulação que não vê solução a problemas muito mais graves, que incidem, mesmo, sobrea relação ensino-aprendizagem. Penteado (1997), igualmente, lança seu olhar sobre essasquestões:

O cidadão comum passa nesta versão como o agente poluidor e destruidor,como se depreende, por exemplo, de campanhas televisivas de verão voltadaspara a manutenção da limpeza das praias, ou de campanhas publicitárias, ao

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longo do ano, para a venda de produtos supostamente não agressivos à natureza,como os biodegradáveis. Sem considerar o que de verdadeiro existe em cadauma dessas óticas, padecem de uma visão epistemológica: a científica, atendo-se a uma abordagem naturalista da questão, e a cultural, limitando-se a umaabordagem industrialista. [...] Assim, uma vez desencadeado o processo deinformação a respeito, a resolução da degradação ambiental seria uma‘decorrência natural’. [...] Quem são os mais significativos agentes poluidores,pela extensão e abrangência dos estragos? Quais os comportamentos e/ou açõesprecisam ser desenvolvidos, e por quem, por que agentes sociais, para reverteresta situação? (PENTEADO, 1997, p. 9-10)

Neste quadro, é preciso retomar uma prática afetiva em que os sujeitos da práticaeducacional assumam-se em sua plenitude.

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar ascondições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todoscom o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capazde amar. Assumir-se como sujeito por que capaz de reconhecer-se como objeto(FREIRE, 1997, p. 46).

A prática crítico-educativa, proposta por Paulo Freire (1997), permite inovar adinâmica de ensino-aprendizagem, inserindo-a no dia-a-dia dos educandos e da própriacomunidade, em que a escola se insere. A análise crítica da realidade (ambiental), que

transita entre as escalas do global ao local, deve envolver toda a prática em EA.

A perspectiva ambiental deve remeter os alunos à reflexão sobre os problemasque afetam a sua vida, a de sua comunidade, a de seu país e a do planeta. Paraque essas informações os sensibilizem e provoquem o início de um processo demudança de comportamento, é preciso que o aprendizado seja significativo,isto é, os alunos possam estabelecer ligações entre o que aprendem e a suarealidade cotidiana, e o que já conhecem (PONTES JUNIOR et al., 2002, p.88).

É necessário salientar que “todo ser vivo ocupa um nicho dentro da teia da vida”,apesar de o ser humano ter há muito se distanciado “da natureza e de suas origensbiológicas”, esquecendo-se de que “não vivemos sem a natureza porque ela faz parte, oumelhor, ela está no âmago do nosso ser” (PÁDUA, 2002, p. 53).

A retomada de uma visão integradora do mundo representa um passo fundamentalno sentido da ruptura com a fragmentação e compartimentação dos conteúdos. Para tanto,a EA deve ser trabalhada numa relação dialógica entre educadores/educandos e a realidadeda escola e das comunidades circunvizinhas.

Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associara disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violênciaé a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do quecom a vida? Por que não estabelecer uma necessária digamos “intimidade”entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência socialque eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas eideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A

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ética de classe embutida neste caso? Porque, dirá um educador reacionariamentepragmático, a escola não tem nada a ver com isso. A escola não é partido. Elatem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operampor si mesmos. (FREIRE, 1997, p. 33-34)

O professor-pesquisador deve estar aberto às relações aprender/ensinar e ensinar/aprender que envolvem os saberes adquiridos e produzidos pelos educandos, assentadosna realidade, nos costumes, nas contradições, sentimentos e emoções das suas comunidades,o que leva ao estabelecimento de prioridades, seleção e adequação dos conhecimentosproduzidos na academia à realidade escolar.

Considerações finais

Em meados do século XX, são inegáveis os impactos da ação antrópica sobre oambiente, provocando um desequilíbrio sem precedentes nas forças que mantêm emequilíbrio os ecossistemas terrestres e colocando em risco a existência das espécies e,dentre elas, a do próprio homem.

A crise ambiental, progressivamente, desvela-se colapso da civilização ocidentalurbano-industrial. Em uma das pontas dessa falência de cunho civilizatório, estão a ciênciamoderna, o positivismo, a escola tradicional e a fragmentação/compartimentação dosconteúdos curriculares por ela adotada. Advém, por conseguinte, dessa gênese a importânciae a necessidade de se incorporar a EA ao currículo escolar.

A escola precisa estar alerta para o estudo aprofundado das questões ambientais,contribuindo com informações, propondo pesquisas em sala de aula ou fora dela, de talmaneira que os estudantes possam trabalhar com documentos existentes e produzir novosque os auxiliem na reflexão e solução de certas questões.

O propósito não é acrescentar uma nova disciplina, mas oferecer informações nointerior de cada uma das disciplinas escolares ou em projetos interdisciplinares, com aintenção de despertar a consciência dos alunos e professores para uma questão que dependede cada um de nós, de ações públicas, institucionais e particulares.

Nesse sentido, é relevante o papel dos educadores, no sentido de desenvolver umprojeto didático-pedagógico que englobe a EA em uma perspectiva transversal,interdisciplinar e multidisciplinar dos conteúdos curriculares. Desta forma, é possíveldar-se um grande passo na construção de uma escola transformadora, solidária e criadorade sujeitos construtores do conhecimento. Essa Educação pode servir de importanteinstrumento que possibilite uma maior integração entre escola e comunidade, construindo,dessa forma, a elação dialógica entre educadores (as), educandos (as) e comunidade.

A EA deve ser capaz de romper a camisa de força que a mantém aprisionada avelhos e falsos conceitos, que em última instância visam às reformas nos marcos do capital.Hoje, existe uma gama de organismos oficiais, organizações não governamentaisambientalistas, ecologistas e correntes pedagógicas que se reivindicam do debate ambiental.Os “especialistas” do complexo campo de investigação das temáticas ambientais repetem,

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por caminhos diferentes, os mesmos discursos.Distintamente, a EA pautada por uma abordagem socioambiental/crítica tem por

finalidade a formação política de cidadãos, sua participação ativa na formulação eimplementação de políticas públicas, voltadas para a reversão do quadro de degradaçãosocioambiental. Trata-se de alterar a relação entre a sociedade e os bens naturais,contrapondo-se à gramática política autoritária, dominante no Brasil e assumindo o papelde “Educação Ambiental para a democracia”.

Pensar na degradação ambiental de forma coerente e séria é pensar na complexidadeambiental, é descartar os discursos superficiais do “politicamente correto”, da “preservaçãoda ararinha azul, do mico leão dourado ou do boto cor de rosa”, do “ecologicamentecorreto” do “tomar consciência de”, pelo contrário, é assumir a (re)flexão epistemológicasobre a relação natureza-sociedade, é levar às últimas conseqüências este debate. Aproblemática ambiental é uma questão política e como tal deve ser tratada.

É na prática social que os indivíduos desenvolvem suas consciências. Aceitação,resistência, alienação e interação são produtos dessa ação no mundo e das determinaçõeshistórico-sociais. Desta forma, a análise ambiental deve incorporar “coletivismo” e“individualismo” metodológicos, considerando a articulação dos fenômenos individuais(crenças íntimas, escolhas etc.) e coletivos (“grupos de interesse”, “classes”, sociedadeetc.). Nessa perspectiva, ao mesmo tempo busca-se reconhecer a especificidade do indivíduoe não fazer do consenso o resultado de uma interação na qual desaparecem as distinçõesentre os mesmos.

É a articulação entre a teoria e o mundo vivido que impede a invasão da escola pelacotidianidade, que a alienação da sua própria explicitação. Há que se superar a consciênciaespontânea, construída no cotidiano, em prol de uma consciência crítica. A escola deveapropriar-se do cotidiano, mas não ser absorvida por ele, o que pressupõe a unidadeteoria-prática e a robustez teórico-metodológica.

Por outro lado, uma EA pautada por uma abordagem socioambiental/crítica nãopode exigir daqueles colocados à margem da utilização dos recursos naturais, a aceitaçãode padrões preestabelecidos por aqueles que se utilizam, a seu bel prazer, dos recursos danatureza, como forma de mercantilizá-la, colocando-a a serviço da reprodução do capitale gerando o bem estar para uma pequena parcela da população mundial.

A consciência ambiental pressupõe democracia e participação social e isto envolvetambém um trabalho de construção de uma sociedade justa e igualitária. As questõesambientais integram-se às conquistas sociais pelo direito à qualidade de vida para todos enão para uma pequena parcela da população. Na abordagem teórica crítica, que assumimos,a EA significa ação política. Nesse sentido, a construção da relação dialógica escola-comunidade se faz, mais do que necessária, imprescindível.

Referências

ADORNO, Theodor W. La ideología como lenguaje: la jerga de la autenticidad. 6. ed. Tradução

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de Justo Pérez Corral. Madri: Taurus, 1982.BRANCO, Samuel M. O meio ambiente em debate. São Paulo: Moderna, 1988.BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: geografia.Brasília, 1998.______. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília: Imprensa Nacional, 1999.BRÜGGER, Paula. Educação ou adestramento ambiental? 3. ed. Chapecó: Argos; Florianópolis:Letras Contemporâneas, 2004.CICILLINI, Graça A. Conhecimento científico e conhecimento escolar: aproximações edistanciamentos. In: CICILLINI, Graça A.; NOGUEIRA, Sandra V. (Org.). Educação escolar:políticas, saberes e práticas pedagógicas. Uberlândia: EDUFU, 2002. p. 37-66DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 1992.FINN, Dan et al. Democracia social, educação e crise. In: CENTRE FOR CONTEMPORANYCULTURAL STUDIES OF THE BIRMINGHAM UNIVERSITY (Org.). Da ideologia. Traduçãode Rita Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 5. ed. SãoPaulo: Paz e Terra, 1997.HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro SãoPaulo: Editora Paz e Terra, 1970.LAYRARGUES, Philippe P. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema-gerador ou a atividade-fim da Educação Ambiental. In: REIGOTA, Marcos. Verde cotidiano: omeio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 131-148LEFEBVRE, Henri. Lógica formal/lógica dialética. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2.Ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979.LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela; revisão técnica dePaulo Freire Vieira. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2002.MEDINA, Nana N. O desafio da formação de professores para a Educação Ambiental. In: MINASGERAIS (Estado). Secretaria Estadual de Educação. Educação Ambiental: ação e conscientizaçãopara um mundo melhor. Belo Horizonte, 2002. (Lições de Minas, 17). p. 69-84NOVICKI, Victor; MACCARIELLO, Maria do C. M. M. Educação Ambiental no ensinofundamental: as representações sociais dos profissionais da educação. GT 13 – EducaçãoFundamental – ANPED. Disponível em: <www.anped.org.br/reunioes/25/victoraraujonovickit13.rtf>. Acesso em: 23 maio 2007.OLIVEIRA, Renato C. F. Transversalidade no currículo escolar: ética e meio ambiente. In:MINAS GERAIS (Estado). Secretaria Estadual de Educação. Educação Ambiental: ação econscientização para um mundo melhor. Belo Horizonte, 2002. (Lições de Minas, 17). p. 61-68PÁDUA, Suzana M. Um caminho ousado e estimulante rumo a um mundo melhor. In: MINASGERAIS (Estado). Secretaria Estadual de Educação. Educação Ambiental: ação e conscientizaçãopara um mundo melhor. Belo Horizonte, 2002. (Lições de Minas, 17). p. 53-60PENTEADO, Heloísa D. Meio Ambiente e formação de professores. 3. ed. São Paulo: Cortez,2000. _(Col. Questões da nossa época)PONTES JUNIOR, Eurípedes et al. A proposta político-pedagógica de Educação Ambiental naperspectiva da escola Sagarana. In: MINAS GERAIS (Estado). Secretaria Estadual de Educação.Educação Ambiental : ação e conscientização para um mundo melhor. Belo Horizonte, 2002._(Lições de Minas, 17). p. 85-89RIGAL, Luis. A escola crítico-democrática: uma matéria pendente no limiar do século XXI. In:IMBERNÓN, Francisco (org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. PortoAlegre: Artmed, 2000. p. 171-194SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001.UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION –UNESCO. La educación ambiental: las grandes orientaciones de la Conferencia de Tbilisi.Paris, 1980.

Recebido para publicação dia 18 Abril de 2007 Aceito para publicação dia 20 de Agosto 2007

FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI , G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...

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R E S E N H A

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Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais:Educação, Geografia, Interdisciplinaridade

CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES

Doutoranda em Geografia (UFRGS), Professora e Coordenadora do Curso de Geografiada Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

[email protected]

Quando circulamos no espaço da cidade, em ritmo apressado, mais lento, comcuidados ou de forma indiferente, não nos damos conta da riqueza, dacomplexidade, da beleza e dos desafios que se anunciam por meio de um simples“estar disponível” para perceber que existem outras formas de ser nesses mesmosterritórios. Talvez olhemos os outros como parte de um cenário de coadjuvantes:nós no centro e sobre os demais nossos preconceitos, nossos poderes, nossassoberbas. Isso em nome de muitas filiações, quer de ordem acadêmica/científica,religiosa, política, quer de senso comum cristalizado.

Nilton Bueno Fischer

O livro Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais –

Educação, Geografia e Interdisciplinaridade, publicado em 2006 pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul e organizado por Nelson Rego, Jaqueline Moll e Carlos

Aigner, apresenta reflexões e vivências de educadores, geógrafos e profissionais de diversas

áreas (comunicação, psicologia social, artes, etc.) que estabelecem diálogos

interdisciplinares na perspectiva de uma educação inclusiva e emancipadora. A geografia

do local, em vários contextos, está em destaque nessa obra em que o lugar é o centro a

partir do qual podem ser realizadas as diversas ressignificações do mundo vivido.

Em diversos momentos, a leitura dos artigos presentes no livro leva à reflexão

sobre a importância do conhecimento dos sujeitos (como protagonistas do lugar ao qual

estabelecem vínculos de pertencimento) e espaços sociais para a elaboração de práticas

educativas e ações sociais. A riqueza do trabalho está justamente na ênfase que é dada à

noção de lugar e na idéia de uma produção de saberes transformadores da vida cotidiana.

A compreensão do lugar é um dos caminhos para entender a complexidade do

mundo vivido e buscar as articulações entre o local e o global na sociedade contemporânea.

A idéia de complexidade é uma das perspectivas, também presente nessa obra, tratando os

conhecimentos de forma interdisciplinar nas análises de ações educativas, cujos significados

emergem da leitura do lugar. Essa leitura passa pela construção de um circuito interativo

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com o lugar através de práticas e saberes (muitas vezes construídas e condicionadas pela

realidade local) que se reconstituem na diversidade das apropriações espaciais.

Muitas passagens do livro conduzem a instigantes reflexões que, com certeza,

fazem o leitor modificar o seu olhar sobre sujeitos concretos que circulam nos espaços da

cidade de Porto Alegre. São sujeitos que falam através de seu silêncio, de suas diferenças

e de sua identidade sobre justiça social e exclusão. As identidades dos sujeitos e dos

lugares se fundem gerando sentimentos de inclusão e exclusão. O estudo do lugar vivido

tem a evidente preocupação de deslocar o centro do olhar do observador para entender o

olhar dos sujeitos numa relação dialógica de construção de saberes, pois o lugar evoca

relações afetivas e subjetivas que podem romper com uma visão fragmentada do espaço.

A relevância da leitura da obra Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e

Espaços Sociais está justamente nessa tentativa de olhar para a complexidade dos lugares

e evitar uma visão fragmentada e reducionista, articulando local e global e demonstrando

explicitamente a subjetividade das observações na relação sujeito e objeto. Na primeira

parte do livro, intitulada Os estabelecidos e os outros: fluxos na construção e representação

de territórios, merecem destaque as análises feitas pelos autores sobre os poderes

estabelecidos, as culturas hegemônicas e as construções simbólicas que constituem

territórios que podem promover processos de inclusão/exclusão. Já a segunda parte,

intitulada Práticas educativas Instauradoras: os sujeitos e seu lugar no mundo, traz

reflexões, relatos de projetos e vivências de práticas educativas que são denominadas de

instauradoras, pois buscam a superação da realidade vivida através de ações

transformadoras do presente.

Pode-se perceber, nas duas partes do livro, a busca por releituras do lugar a partir

de uma geografia vivida que possa iniciar ou fortalecer ações transformadoras para o

exercício da cidadania e, também, a preocupação sempre presente com processos de

segregação que levam à exclusão social. Os textos são apaixonantes tanto em seus relatos

de experiências como nas reflexões que trazem explicitamente a fonte de seus referencias

teóricos, articulando teoria e prática em diferentes níveis de abordagem.

A aceleração contemporânea, possibilitada pelo desenvolvimento da técnica e da

informação desafia as práticas de ensino de geografia, pois na medida em que o mundo

torna-se globalizado, o lugar revela-se em ação imediata, porque nele se encontram as

possibilidades mais próximas para compreensão do sujeito na relação sócio-espacial. O

lugar assume importância fundamental porque ele representa o cotidiano, o localmente

vivido, portanto, objeto de uma razão global. O lugar é uma categoria importante para a

geografia e as ciências sociais, pois reflete a dinâmica das relações globais e a reconstitui

cotidianamente numa interação perene e cada vez mais consolidada através do

desenvolvimento tecnológico e da globalização econômica. No lugar observamos as

PIRES, C. L. Z. RESENHA: SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO

DE SUJEITOS...

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tessituras territoriais entrelaçadas por diferentes práticas sócio-culturais e apropriações

concretas e simbólicas do espaço.

Nesse sentido, Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e espaços Sociais é

uma leitura indicada para todos que pretendem desenvolver ações educativas que promovam

a cidadania ou que têm interesse em uma geografia atuante e transformadora que tem

como desafio compreender as dinâmicas das relações espaciais a partir do cotidiano que

passa a compor as redes sócio-espaciais e ambientais do mundo contemporâneo.

Bibliografia

FISCHER, Nilton Bueno. Prefácio. In: REGO, Nelson, MOLL Jaqueline e AIGNER,Carlos. (Org.). Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação,Geografia, Interdisciplinaridade. Porto Alegre: UFRGS, 2006.

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N O R M A S

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REVISTA TERRA LIVRENORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Terra Livr e é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação eprática dos geógrafos e sua participação na construção da cidadania. Nela são acolhidostextos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos osque se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejamrelacionados com as discussões que envolvem as teorias, metodologias e práticasdesenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sobas quais vêm se manifestando e suas perspectivas.1. Todos os textos enviados a esta revista devem ser inéditos e redigidos em português,inglês, espanhol ou francês.2. Os textos devem ser apresentados com extensão mínima de 15 e máxima de 30 laudas,com margem (direita, esquerda, superior e inferior) de 3 cm, e parágrafos de 2,0 centímetros,em folhas de papel branco, formato A-4 (210x297mm), impresso em uma só face, semrasuras e/ou emendas, e enviados em duas vias impressas acompanhadas de versão emdisquete (de 3,5") de computador padrão IBM PC, compostos em Word para Windows,utilizando-se a fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1 e ½ .3. O cabeçalho deve conter o título (e subtítulo, se houver) em português, inglês e espanholou francês. Na segunda linha, o(s) nome(s) do(s) autor(es), e, na terceira, as informaçõesreferentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) correio(s) eletrônico(s)e endereço postal do(s) autor(es).4. O texto deve ser acompanhado de resumos em português, inglês e espanhol ou francês,com no mínimo 10 e no máximo 15 linhas, em espaço simples, e uma relação de 5 palavras-chave que identifiquem o conteúdo do texto.5. A estrutura do texto deve ser dividida em partes não numeradas e com subtítulos. Éessencial conter introdução e conclusão ou considerações finais.6. As notas de rodapé não deverão ser usadas para referências bibliográficas. Esse recursopode ser utilizado quando extremamente necessário e cada nota deve ter em torno de 3linhas.7. As citações textuais longas (mais de 3 linhas) devem constituir um parágrafoindependente. As menções a ideias e/ou informações no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.:(OLIVEIRA, 1991) ou (OLIVEIRA, 1991, p.25). Caso o nome do autor esteja citado notexto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “A esse respeito, Milton Santosdemonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmoano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (SANTOS, 1985a),(SANTOS, 1985b).8. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética desobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos.

a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação:Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia AgráriaBrasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.

b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro. Local de publicação: Editora,

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data, página inicial-página final. Ex.: FRANK, Mônica Weber. Análisegeográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas - RS.In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.).Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editorada Universidade, 2000, p.67-93.

c) No caso de artigo: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título doperiódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo,página inicial- página final, mês(es). Ano. Ex.: SEABRA, Manoel F. G.Geografla(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.

d) No caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação(tese). Local: Instituição em que foi defendida, data. Número de páginas.(Categoria, grau e área de concentração). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da.Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfica.São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidadede São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana).

9. As ilustrações (figuras, tabelas, desenhos, gráficos, fotografias ...) devem ser enviadaspreferencialmente em arquivos digitais (formatos JPG ou TIF). Caso contrário, adotar-se-à suporte de papel branco. Neste caso, as fotografias devem ter suporte brilhante empreto & branco. As dimensões máximas, incluindo legenda e título, são de 15 cm, nosentido horizontal da folha, e 23 cm, no seu sentido vertical. Ao(s) autor(es) competeindicar a disposição preferencial de inserção das ilustrações no texto, utilizando, paraisso, no lugar desejado, a seguinte indicação: [(fig, foto, quadro, tabela, ...) (n0)].10. Os originais serão apreciados pela Coordenação de Publicações, que poderá aceitar,recusar ou reapresentar o original ao(s) autor(es) com sugestões de alterações editoriais.Os artigos serão enviados aos pareceristas, cujos nomes permanecerão em sigilo, omitindo-se também o(s) nome(s) do(s) autor(es). Os originais não aprovados serão devolvidosao(s) autor(es).11. A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se reserva o direito de facultar osartigos publicados para reprodução em seu sítio ou por meio de cópia xerográfica, com adevida citação da fonte. Cada trabalho publicado dá direito a dois exemplares a seu(s)autor(es), no caso de artigo, e um exemplar nos demais casos (notas, resenhas,comunicações, ...).12. Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es),não implicando, necessariamente, na concordância da Coordenação de Publicações e/oudo Conselho Editorial.13. Os trabalhos devem ser enviados à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) -Diretoria Executiva Nacional/Coordenação de Publicações - Terra Livre - Av. Prof. LineuPrestes, 332 -Edifício Geografia e História - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - SãoPaulo (SP)-Brasil. e-mail: [email protected]. A Coordenação de Publicações está composta com os seguintes companheiros(as):Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP- [email protected]); AnaPaula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/[email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]).

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

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TERRA LIVRESUBMISSION GUIDELINES

Terra Livr e is a semestrial publication from the Association of Brazilian Geographers(ABG) that aims to divulge present matters and issues concerned with the geographersformation and practical affairs and with their participation in the construction of citizenship.This effort receive writings as articles, notes, releases and so, from everybody that areinterested and participate of the knowledge shaped within Geography and that are relatedto the theoretical, methodological and practical discussions developed and used in thisprocess, as far as under the conditions and situations that has been expressed and theirperspectives.1. All text contributions mailed to this publication must be unpublished and writen inportuguese, spanish, english or french.2. Texts must be presented in the minimum extention of 15 and the maximun of 30 sheets,with margins (right, left, top and bottom) of 3 cm, in white paper, A4 formal (210 x 297mm), printed in only one side, with no handmaded corrections, mailed in two prinledcopies and one 3 ½ flexible disk copy from (IBM PC compatible). The file formal must beMS Word, text using Times New Roman font, size 12 and space 1 ½ between lines.3. Header must have Title (and Sublille if it’s the case) in portuguese, spanish, french andenglish. The second line musl have author(s) name(s) and, in the third line, informationabout the instilution(s) where they work, as well as their e-mail and postal address.4. Text must have abstracts in portuguese, spanish, french and english, from 10 to 15lines, simple space between lines, and five keywords.5. Text structure must be divided by not-numbered subtitles. It’s recommended that alltexts may have an introduction and a conclusion parts.6. Footnotes may not be used for bibliographic references. This aspect should be usedonly if it’ s extremely necessary and each note must be a maximum of three lines long.7. Long textual citations (more than 3 lines) must be in a different paragraph. Whenmentioning ideas or informations along the lext, they must be formatted as (Author lastname, date) or (Aulhor last name, date, page). Example: (OLIVEIRA, 1991) or(OLIVEIRA, 1991, p. 25). When lhe author’s name is part of the text, only the date mustbe parenthesis indicated. Example: “By this respect, Milton Santos showed lhe limits...(1989).” Different titles from the same author published in the same year must be identifiedby a low case letter after the date. Example: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b).8. Bibliography must be presented in the end of lhe text, in alphabetical order from the lastnames of the autors, as in lhe examples:

a) when it’s a book: LASTNAME, Name. Book title. Place of publication:Editors, date. Example: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia AgráriaBrasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.

b) when it’s a book chapter: LASTNAME, Name. Chapter title. In: LASTNAME,Name (Org.). Book title. Place of publicalion: Editors, date, fïrst page-lastpage. Example: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantaçãodo Parque Municipal de Niterói, Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce.BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.). Ambiente e lugar no urbano: aGrande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93.

c) When it’s an article: LASTNAME, Name. Article litle. Publication title,place of publication, volume of publication, number of publication, firstpage-

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last page, month. Year. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografïa(s)? Orientação,São Paulo, n.5, p.9-17, oul. 1984.d) When it’s a MSc, DSc or PHD Thesis: LASTNAME, Name. Thesistitle. Place: Institution, date. Number of pages. (Type, degreee and knowledgefield). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares emFortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese,doutorado em Ciências: Geografia Humana).

9. All images, figures, tables, drawings, graphs, maps and pictures must be mailed attachedas digital files (JPG or TIF formais are accepted). If it’s not in digital format, we preferprintings in white paper. In this cases, photos must be supported in brilliant papers andprinted in black & white Standard. Maximum size, including legends and titles, are Hight:15 cm and Width: 23 cm. The authors must indicate the right position to insert the picturesin the text, indicating as [(fig, photo, chart, table,...) (number)].10. The original submission materiais will be evaluated by the Coordination of Publicationsof ABG, that can accept, refuse or return the original materiais for further editing by theauthors. The text will be sent to the scientific commission members, whose names will notbe divulged, as well as the author’s names that are submiting materiais. The original textsnot approved will be returned to the authors.11. The Association of Brazilian Geographers reserves the right to publish all approvedarticles in it’s internet website, in the regular printed publication and in any other media,but granting the authors and other sources citation, as well. Each published article allowtwo printed volumes to their authors. Other types of contributions (notes, comments etc.)allows one printed volumes to their authors.12. The concepts evolved in the contributions are from entire response of their authors,and are not, necessarily, of agreement from the Publications Coordinator of ABG nor thescientific commission members.13. Submissions must be sent to Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) - DiretoriaExecutiva Nacional/Coordenação de Publicações - Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes,332 -Edifício Geografia e História - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo(SP) - Brasil, e-mail: [email protected]. Publishing management is constituted by the fllowing members: Antonio ThomazJúnior (AGB/Presidente Prudente-SP- [email protected]); Ana Paula Maia Jansen(AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio [email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]).

SUBMISSION GUIDELINES

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REVISTA TERRA LIVRENORMAS PARA PUBLICACIÓN

Terra Livr e es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos Brasileños(AGB) que tiene por objetivo divulgar matérias concernientes a los temas presentes en laformación y práctica de los geógrafos y profisionales afins y su participación en laconstrucción de Ia ciudadanía. En ella son escogidos textos sobre la forma de artículos,notas, resenas, comunicaciones, entre otras, de todos los que se interesan y participan delconocimiento propiciado por la Geografia, y que estén relacionados con las discusionesque envuelven las teorias, metodologias y prácticas desarrolladas y utilizadas en esteproceso, así como las condiciones y situaciones sobre las cuales se viene manifestando ysus perspectivas.1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redirigidos en português,español, inglés o francés.2. Los textos deben ser presentados con una extensión mínima de 15 y máxima de 30hojas, con margen (derecha, izquierda, superior e inferior) de 3 cm. En hojas de papelblanco, formato A-4 (210x297mm), impreso en una sola cara, sin rasgunos y/orectificaciones, enviados en dos vias impresas acompanadas de versión en disket (de 3,5")de computador padrón IBM PC, compuestos en Word para Windows, utilizando la fuenteTimes New Roman, tamano 12, espacio 1e ½ .3. La Sumilla debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en português, espanol yfrancês o inglês. En la segunda línea, el/los nombre(s) del/los autor(es), y, en la tercera,las informaciones referentes a la(s) institución(es) a Ia que pertenece(n), así como el/loscorreo(s) electrónico(s) y dirección postal do(s) autor(es).4. El texto debe ser acompanado de resúmenes en português, espanol y francês o inglês,con mínimo de 10 e máximo de 15 líneas, en espacio simple, y una relación de 5 palabrasclave que identifiquen el contenido del texto.5. La estructura del texto debe ser dividida en partes no numeradas y con subtítulos. Esesencial que contenga introducción y conclusión o consideraciones finales.6. Las Notas de zócalo no deberán ser usadas para referencias bibliográficas.Ese recurso puede ser usado cuando sea extremamente necesario y cada nota debe tener entorno de3 líneas.7. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafoindependiente. Las menciones a ideas y/o informaciones en el transcurrir del texto debensubordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página).Por ejemplo.: (OLIVEIRA, 1991) o (OLIVEIRA, 1991, p.25). Si el nombre dei autor estecitado en el texto, se indica solo Ia fecha entre paréntesis. Por .ejemplo.: “A ese respeto,Milton Santos demostro los limites... (1989)”. Diferentes títulos del mismo autor publicadosen el mismo año deben ser identificados por una letra minúscula después de la fecha. Porejemplo: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b).8. La bibliografia debe ser presentada a finales del trabajo, en orden alfabética de apellidode/los autor(es), como en los siguientes ejemplos.

a) En el caso de libro: APELLIDO, Nombre. Título de Ia obra. Local depublicación: Editora, fecha. Por ejemplo.: VALVERDE, Orlando. Estúdiosde Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985

b) En el caso de capítulo de libro: APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In:

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NORMAS PARA PUBLICACIÓN

APELLIDO, Nombre (Org.). Título dei libro. Local de publicación: Editora,fecha, página inicial-página final. Por ejemplo.: FRANK, Mónica Weber.Análisis geográfico para implantación dei Parque Municipal de Niterói,Canoas-RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto(Org.). Ambiente y lugar en el urbano: La Gran Porto Alegre. Porto Alegre:Editora de Ia Universidad, 2000, p.67-93c) En el caso de artículo: APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Títulodel periódico, local de publicación, volumen del periódico, número delfascículo, página inicial- página final, mes(es). Año. Por ejemplo.: SEABRA,Manuel F. G. Geografía(s) Orientación, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.

d) En el caso de disertaciones y tesis: APELLIDO, Nombre. Título de la disertación(tesis). Local: Institución en que fue defendida, fecha. Número de páginas.(Categoria, grado y área de concentración). Por ejemplo.: SILVA, JoséBorzacchiello de la. Movimientos sociales populares en Fortaleza: un abordajegeográfico. São Paulo: Facultad de Filosofia, Letras y Ciências Humanas dela Universidad de São Paulo, 1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciências:Geografia Humana).

9. Las ilustraciones (figuras, cuadros, dibujos, gráficos, fotografias) deben ser enviadaspreferentemente en archivos digitales (formatos JPG o TIF). De lo contrario, se adoptarael soporte de papel blanco. En este caso, las fotografias deben tener soporte brillante ennegro & blanco. Las dimensiones máximas, incluyendo leyenda y título, son de 15 cm, enel sentido horizontal de la hoja, y 23 cm, en su sentido vertical, al/los autor(es) compiteindicar la disposición preferente de inserción de las ilustraciones en el texto, utilizando,para eso, en el lugar deseado, la siguiente indicación: [(figura, foto, cuadro, tabla,...)(n0)].10. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones, que podráaceptar, rechazar o reapresentar el original al/los autor(es) con sugerencias de alteracioneseditoriales. Los artículos serán enviados a los revisores, cuyos nombres permanecerán ensigilo, omitiéndose también el/los nombre(s) del/los autor(es). Los originales no aprobadosserán devueltos al/los autor(es).11. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el derecho de facultarlos artículos publicados para reproducción en su sitio o por médio de fotocopia, con adebida citación de la fuente. Cada trabajo publicado da derecho a dos ejemplares a su(s)autor(es), en el caso de artículo, y uno ejemplares en los demás casos (notas, resenas,comunicaciones,...).12. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva de/los autor(es),no implicando, necesariamente, en la concordância de la Coordinación de Publicacionesy/o del Consejo Editorial.13. Los trabajos deben ser enviados a la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB)- Dirección Ejecutiva Nacional/Coordinación de Publicaciones - Terra Livre - Av. Prof.Lineu Prestes, 332 -Edifício Geografia e Historia - Ciudad Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo (SP)-Brasil. e-mail: [email protected]. La Coordenación de Publicaciones está composta con los seguintes companeros(as):Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP - [email protected]); AnaPaula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/[email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]).

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COMPÊNDIO

DOS NÚMEROS ANTERIORES

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273

Compêndio dos números anteriores

01) MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em questão. Ano 1, n. 1,p. 6-19, 1986.02) THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As agroindústrias canavieiras em Jaboticabal e aterritorialização do monopólio. Ano 1, n. 1, p. 20-25, 1986.03) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Apropriação da renda da terra pelo capital nacitricultura paulista. Ano 1, n. 1, p. 26-38, 1986.04) VALVERDE, Orlando. A floresta amazônica e o ecodesenvolvimento. Ano 1, n. 1,p. 39-42, 1986.05) SALES, W. C. de C., CAPIBARIBE, P. J. A., RAMOS, P., COSTA, M. C. L. da. Osagrotóxicos e suas implicações socioambientais. Ano 1, n. 1, p. 43-45, 1986.06) CARVALHO, Marcos Bernardino de. A natureza na Geografia do ensino médio.Ano 1, n. 1, p. 46-52, 1986.07) SANTOS, Douglas. Estado nacional e capital monopolista. Ano 1, n. 1, p. 53-61,1986.08) CORRÊA, Roberto Lobato. O enfoque locacional na Geografia. Ano 1, n. 1, p. 62-66, 1986.09) PONTES, Beatriz Maria Soares. Uma avaliação da Lei Nacional do Uso do Solo Urbano.Ano 1, n. 1, p. 67-72, 1986.10) PLANO DIRETOR DA AGB NACIONAL GESTÃO 85/86. Ano 1, n. 1, p. 73-75,1986.11) A AGB e o documento final do projeto diagnóstico e avaliação do ensino de Geografiano Brasil. Ano 1, n. 1, p. 76-77, 1986.12) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reflexões sobre Geografia e Educação: notasde um debate. n. 2, p. 9-42, jul.1987.13) VLACH, Vânia Rúbia Farias. Fragmentos para uma discussão: método e conteúdono ensino da Geografia de 1° e 2° graus. n. 2, p. 43-58, jul.1987.14) VESENTINI, José William. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografiatradicional e Geografia crítica). n. 2, p.5 9-90, jul.1987.15) REGO, Nelson. A unidade (divisão) da Geografia e o sentido da prática. n. 2, p. 91-114, jul.1987.16) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Análise dos planos de ensino da Geografia. n. 2, p.115-127, jul.1987.17) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Para a construção do espaço geográfico na criança. n. 2,p. 129-148, jul.1987.18) VIANA, P.C.G., FOWLER, R.B, ZAPPIA, R.S., MEDEIROS, M.L.M.B.de. Poluiçãodas águas internas do Paraná por agrotóxico. n. 2, p. 149-154, jul.1987.19) AB’ SABER, Aziz Nacib. Espaço territorial e proteção ambiental. n. 3, p. 9-31,mar.1988.20) GOMES, Horieste. A questão ambiental: idealismo e realismo ecológico. n. 3, p. 33-54, mar.1988.21) BERRÍOS, ROLANDO. Planejamento ambiental no Brasil. n. 3, p. 55-63, mar.1988.

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22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagemsistêmica. n. 3, p. 65-74, mar.1988.23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88,mar.1988.24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análiseambiental: a atuação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar.1988.25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino -o caso da industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar.1988.26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 9-38, jul.1988.27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidadee dinâmica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul.1988.28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dosGeógrafos. n. 4, p. 55-76, jul.1988.29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova RondaAlta e o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988.30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87,jul.1988.31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático deGeografia para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul.1988.32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... dadiscussão. n. 4, p. 97-108, jul.1988.33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988.34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aosprestigiamentos pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988.35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço namodernidade). n. 5, p. 47-67, 1988.36) SILVA, Mário Cezar Tompes da. O papel do político na construção do espaço doshomens). n. 5, p. 69-82, 1988.37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dosrecursos naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988.38) KRENAK, Ailton. Tradição indígena e ocupação sustentável da floresta. n. 6, p. 9-18, ago.1989.39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agráriano Brasil. n. 6, p. 19-63, ago.1989.40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p.65-76, ago.1989.41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p.77-92, ago.1989.42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientizaçãoe de luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago.1989.43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campono estado de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago.1989.

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44) BARBOSA, Ycarim Melgaço. O movimento camponês de Trombas e Formoso. n. 6,p. 115-122, ago.1989.45) MENDES, Chico. A luta dos povos da floresta. n. 7, p. 9-21, 1990.46) BARROS, Raimundo. O seringueiro. n. 7, p. 23-42, 1990.47) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A defesa da natureza começa pela terra. n. 7,p.4 3-52, 1990.48) COLTRINARI, Lylian. A Geografia e as mudanças ambientais. n. 7, p. 53-57, 1990.49) SILVA, Armando Corrêa da. Ponto de vista: o pós-marxismo e o espaço cotidiano. n. 7,p. 59-62, 1990.50) COSTA, Rogério Haesbaert da. Filosofia, Geografia e crise da modernidade. n. 7,p. 63-92, 1990.51) RIBEIRO, Wagner Costa. Maquiavel: uma abordagem geográfica e (geo)política. n. 7,p. 3-107, 1990.52) CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos e GOULART, Lígia Beatriz. Uma contribuiçãoà reflexão do ensino de geografia: a noção de espacialidade e o estatuto da natureza. n. 7,p. 109-118, 1990.53) CORDEIRO, Helena K. Estudo sobre o centro metropolitano de São Paulo. n. 8,p. 7-33, abr.1991.54) MAURO, C.A., VITTE, A.C., RAIZARO, D.D., LOZANI, M.C.B., CECCATO, V.A.Para salvar a bacia do Piracicaba. n. 8, p. 35-66, abr.1991.55) PAVIANI, Aldo. Impactos ambientais e grandes projetos: desafios para a universidade.n. 8, p. 67-76, abr.1991.56) FURIAN Sônia. “A nave espacial terra: para onde vai?” n. 8, p.77-82, abr.1991.57) ALMEIDA, Rosângela D. de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre oensino de Geografia. n. 8, p. 83-90, abr.1991.58) FILHO, Fadel D. Antonio e ALMEIDA, Rosângela D. de. A questão metodológica noensino da Geografia: uma experiência. n. 8, p. 91-100, abr.1991.59) ESCOLAR, M., ESCOLAR, C., PALACIOS, S.Q. Ideologia, didática ecorporativismo: uma alternativa teórico-metodológica para o estudo histórico da Geografiano ensino primário e secundário. n. 8, p. 101-110, abr.1991.60) ARAÚJO, Regina e MAGNOLI, Demétrio. Reconstruindo muros: crítica à propostacurricular de Geografia da CENP-SP. n. 8, p. 111-119, abr.1991.61) PEREIRA, D., SANTOS, D., CARVALHO, M. de. A Geografia no 1° grau: algumasreflexões. n. 8, p. 121-131, abr.1991.62) SOARES, Maria Lúcia de Amorim. A cidade de São Paulo no imaginário infantilpiedadense. n. 8, p. 133-155, abr.1991.63) MAMIGONIAN, Armen. A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos.n. 8, p.157-162, abr.1991.64) SANTOS, Milton. A evolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. n. 9,p. 7-17, jul.-dez.1991.65) LIMA, Luiz Cruz. Tecnopólo: uma forma de produzir na modernidade atual. n. 9, p.19-40, jul.-dez.1991.66) GUIMARÃES, Raul Borges. A tecnificação da prática médica no Brasil: em busca de

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sua geografização. n. 9, p. 41-55, jul.-dez.1991.67) PIRES, Hindemburgo Francisco. As metamorfoses tecnológicas do capitalismo noperíodo atual. n. 9, p. 57-89, jul.-dez.1991.68) OLIVEIRA, Márcio de. A questão da industrialização no Rio de Janeiro: algumasreflexões. n. 9, p. 91-101, jul.-dez.1991.69) HAESBAERT, Rogério. A (des)or-dem mundial, os novos blocos de poder e o sentidoda crise. n. 9, p. 103-127, jul.-dez.1991.70) SILVA, Armando Corrêa da. Ontologia analítica: teoria e método. n. 9, p. 129-133,jul.-dez.1991.71) SILVA, Eunice Isaías da. O espaço: une/separa/une. n. 9, p. 135-141, jul.-dez.1991.72) ANDRADE, Manuel Correia de. A AGB e o pensamento geográfico no Brasil. n. 9,p. 143-152, jul.-dez.1991.73) MORAES, Rubens Borba de. Contribuições para a história do povoamento em SãoPaulo até fins do século XVIII. n. 10, p. 11-22, jan.-jul. 1992.74) AZEVEDO de Aroldo. Vilas e cidades do Brasil colonial. n. 10, p. 23-78, jan.-jul.1992.75) PETRONE, Pasquale. Notas sobre o fenômeno urbano no Brasil. n. 10, p. 79-92,jan.-jul. 1992.76) CORRÊA, Roberto Lobato. A vida urbana em Alagoas: a importância dos meios detransporte na sua evolução. n.10, p.93-116, jan.-jul. 1992.77) VALVERDE, Orlando. Pré-história da AGB carioca. n. 10, p. 117-122, jan.-jul. 1992.78) SOUZA, Marcelo José Lopes de. Planejamento Integrado de Desenvolvimento:natureza, validade e limites. n. 10, p. 123-139, jan.-jul. 1992.79) ANDRADE, Manuel Correia de. América Latina: presente, passado e futuro. n. 10,p. 140-148, jan.-jul. 1992.80) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia política e desenvolvimento sustentável.n. 11-12, p. 9-76, ago.92-ago.93.81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleiturasdo território. n. 11-12, p. 77-90, ago.92-ago.93.82) EVASO, A.S., VITIELLO, M.A., JUNIOR, C.B., NOGUEIRA, S.M., RIBEIRO,W.C. Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p.91-101, ago.92-ago.93.83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de perspectiva.n. 11-12, p. 103-117, ago.92-ago.93.84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revisitada.n. 11-12, p. 119-133, ago.92-ago.93.85) IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Os dilemas históricos da questão agrária no Brasil.n. 11-12, p. 135-151, ago.92-ago.93.86) FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária e modernização no campo.n. 11-12, p. 153-175, ago.92-ago.93.87) ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a formação do geógrafo-educador. n. 11-12, p. 177-188, ago.92-ago.93.88) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Licenciandos de Geografia e as representações sobreo “ser professor”. n. 11-12, p. 189-207, ago.92-ago.93.

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89) VESENTINI, José William. O novo papel da escola e do ensino da Geografia naépoca da terceira revolução industrial. n. 11-12, p. 209-224, ago.92-ago.93.90) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Iniciação às ciências sociais: os grupos, os espaços, ostempos. n. 11-12, p. 225-236, ago.92-ago.93.91) RIBEIRO, Wagner Costa. Do lugar ao mundo ou o mundo no lugar? n. 11-12, p. 237-242, ago.92-ago.93.92) PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Silvia Regina. Problemas sociais daescola e a contribuição do ensino de Geografia. n. 11-12, p. 243-264, ago.92-ago.93.93) SILVA, Armando Corrêa da. A contrvérsia modernidade x pós-modernidade. n. 11-12, p. 265-268, ago.92-ago.93.94) ROSA, Paulo Roberto de Oliveira. Contextos e circuntâncias: princípio ativo dascategorias. n. 11-12, p. 269-270, ago.92-ago.93.95) CALLAI, Helena Copetti. O meio ambiente no ensino fundamental. n. 13, p. 9-19,1997.96) CAMARGO, L.F. de F., FORTU-NATO, M.R. Marcas de uma política de exclusãosocial para a América Latina. n. 13, p. 20-29, 1997.97) KAERCHER, Nestor André. PCN’s: futebolistas e padres se encontram num Brasilque não conhecemos. n. 13, p. 30-41, 1997.98) CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? n. 13,p. 42-60, 1997.99) PONTES, Beatriz Maria Soares. Economia e território sob a ótica do estado autoritário(1964-1970). n. 13, p. 61-90, 1997.100) SOUSA NETO, Manuel Fernandes de. A ágora e o agora. n. 14, p. 11-21, jan.-jul.1999.101) FILHO, Manuel Martins de Santana. Sobre uma leitura alegórica da escola. n. 14,p. 22-29, jan.-jul. 1999.102) COUTO, Marcos Antônio Campos e ANTUNES, Charlles da França. A formação doprofessor e a relação escola básica-universidade: um projeto de educação. n. 14, p. 30-40, jan.-jul. 1999.103) PEREIRA, Diamantino. A dimensão pedagógica na formação do geógrafo. n. 14, p.41-47, jan.-jul. 1999.104) CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. A formação de professores e o ensino deGeografia. n. 14, p. 48-55, jan.-jul. 1999.105) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no ensino médio. n. 14, p. 56-89, jan.-jul.1999.106) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Interdisciplinaridade: aproximações e fazeres. n. 14,p. 90-110, jan.-jul. 1990.107) CAVALCANTI, Lana de Souza. Propostas curriculares de Geografia no ensino:algumas referências de análise. n. 14, p. 111-128, jan.-jul. 1990.108) SOUZA NETO, Manoel Fernandes de. A Ciência Geográfica e a construção do Brasil. n. 15, p. 9-20, 2000.109) DAMIANI, Amélia Luísa. A metrópole e a indústria: reflexões sobre umaurbanização crítica. n. 15, p. 21-37, 2000.

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110) SOUZA, Marcelo Lopes de. Os orçamentos participativos e sua espacialidade: umaagenda de pesquisa. n. 15, p.39-58, 2000.111) FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. n. 15,p. 59-85, 2000.112) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. O que há de novo no rural brasileiro? n. 15,p. 87-112, 2000.113) BRAGA, Rosalina. Formação inicial de professores: uma trajetória compermanências eivadas por dissensos e impasses. n. 15, p. 113-128, 2000.114) ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do(a)professor(a) de Geografia do Brasil. n. 15, p. 129-144, 2000.115) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Geografia, representações sociais e escola pública. n. 15,p. 145-154, 2000.116) OLIVEIRA, Márcio Piñon. Geografia, Globalização e cidadania. n. 15, p. 155-164, 2000.117) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. “Navegar é preciso, viver não é preciso”:estudo sobre o Projeto de Perenização da Hidrovia dos Rios das Mortes: Araguaia e Tocantins. n. 15,p. 167-213, 2000.118) VITTE, Antonio Carlos. Considerações sobre a teoria da etchplanação e suaaplicação nos estudos das formas de relevo nas regiões tropicais quentes e úmidas. n. 16,p. 11-24, 2001.119) RAMIRES, Blanca. Krugman y el regresso a los modelos espaciales: ¿La nuevageografía? n. 16, p. 25 - 38, 2001.120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização econceituação. n. 16, p. 39-70, 2001.121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16,p. 71-98, 2001.122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicasna Geografia contemporânea. n. 16, p. 99-112, 2001.123) MENDONÇA, Francisco. Geografia socioambiental. n. 16, p. 113-132, 2001.124) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o Ensino? n. 16, p. 133-152, 2001.125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário.n. 16, p. 153-168, 2001.126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino deGeografia como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001.

126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A naturezada Geografia Física na Geografia. n. 17, p. 11-24, 2001.

127) OLIVA, Jaime Tadeu. O espaço geográfico como componente social. n. 17, p. 25-48, 2001.

128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos,paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. n. 17, p. 49-62, 2001.

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129) SEGRELLES, José Antonio. Hacia uma enseñanza comprometida y social de laGeografía en la universidad. n. 17, p. 63-78, 2001.

130) RIBEIRO, Júlio Cézar; GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma buscaconceitual pelo viés da contextualização histórico-espacial da sociedade. n. 17, p. 79-98,2001.131) CIDADE, Lúcia Cony Faria. Visões de mundo, visões da Natureza e a formação deparadigmas geográficos. n. 17, p. 99-118, 2001.132) NETO, Manuel Fernandes de Sousa. Geografia nos trópicos: história dos náufragosde uma Jangada de Pedras. n. 17, p. 119-138, 2001.133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de antigosquilombos no Brasil. n. 17, p. 139-154, 2001.134) GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. n.17, p.155-170.135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v.1, n. 18, p. 11-36.136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda.Ano 18, v. 1, n. 18, p. 37-46.137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v.1,n. 18, p. 47-62.138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão sobrecasos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das Américasdesde uma perspectiva européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74,139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano18, v. 1, n. 18, p. 75-84.140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18,v. 1, n. 18, p. 85-94.141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensinofundamental: um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114.142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locaisde informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18,p. 115-132.143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18,v. 1, n. 18, p. 133-142.144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na GeografiaEconômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160.145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18,v. 1, n. 18, p. 161-178.146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1,n. 18, p. 179-184.147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha).Ano 18, v. 1, n. 18, p. 185-186.148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territoriosem el marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190.

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149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexõesa partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35.

150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala yEspaña. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 37-58.

151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18,v. 2, n. 19, p. 59-74.

152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dosassentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94.

153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18, v. 2,n. 19, p. 95-112.

154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado doParaná e as novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126.

155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p.127-146.

156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias eadaptações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162.

157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista:implicações do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completoparte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176.

158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES,Marcelino A., DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M.,GONÇALVES, Sara Maria M. P. S., ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedadedo capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem.Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190.

159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2,n. 19, p. 191-198.

160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19,p. 199-212.

161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19,p. 213-228.

162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST.Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242.

163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudose a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256.

164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e lutapela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p.257-272.

165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania:

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES

281

do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273-284.

166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhargeográfico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 11-26.

167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul:indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49.

168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano dasociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63.

169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaçonos estudos do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100.

170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimentoglobal. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 101-110.

171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticasregionais observadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126.

172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais elocais. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 127-135.

173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimentoglobal e suas repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143.

174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios aoplanejamento urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158.

175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC.Ano 19, v. 1, n. 20, p. 159-170.

176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicciónmeteorológica para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en BuenosAires. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 171-178.

177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde coletiva.Alterações climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do reservatório deItaipu, PR. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 179-191.

178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social esaúde no Brasil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204.

179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica– notas introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221.

180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 11-23.

181) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.Ano 19, v. 2, n. 21, p. 25-39.

182) BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia Agrária e responsabilidade social da ciência. Ano19, v. 2, n. 21, p. 41-53.

Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007

282

183) GRABOIS, José, CEZAR, Lucia Helena da S., SANTOS, Cátia P. dos, GREGÓRIO Filho,Gregório. O habitat e a questão social no Noroeste Fluminense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 55-71.

184) ALMEIDA, Rose Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 73-88.

185) FERNANDES, Bernardo M., SILVA, Anderson A., GIRARDI, Eduardo P.DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: uma experiência de pesquisa e extensãono estudo da territorialização da luta pela terra. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 89-112.

186) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações nocampo e o agronegócio no Brasil. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156.

187) BERNARDES, Júlia Adão. Territorialização do capital, trabalho e meio ambienteem Mato Grosso. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 157-167.

188) ABREU, Silvana de. Racionalização e ideologia: o domínio do capital noespaço matogrossense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 169-181.

189) OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. A busca do desenvolvimento sustentável nagestão dos recursos hídricos brasileiros. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 183-192.

190) PASSOS, Messias Modesto dos. A construção da paisagem no Pontal doParanapanema – uma apreensão geo-foto-gráfica. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 193-211.

191) MARTINS, César Augusto Ávila. Empresas na pesca e aqüicultura: anotações douso do território. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 213-223.

192) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Desterritorialização da violência no capitalismoglobalitário: o caso do Brasil e do Espírito Santo. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 225-240.

193) MORATO, Rúbia G., KAWAKUBO, Fernando S., LUCHIARI, Ailton. Mapeamentoda qualidade de vida em áreas urbanas: conceitos e metodologias. Ano 19, v. 2, n. 21, p.241-248.

194) HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social – uma leitura das idéias

de natureza nas obras de Milton Santos. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 249-262.

195) PANCHER, Andréia M. FREITAS, Maria Isabel C. de. Mapeamento do crescimento urbanoem áreas de várzea na passagem do Rio Corumbataí por Rio Claro/SP. Ano 19, v. 2, n. 21,p. 263-279.

196) SPOSITO, Eliseu Savério. Dinâmica regional e diversificação industrial (Resenha). Ano 19, v.2, n. 21, p. 281-284.

197) SEABRA, Manoel. Os primeiros anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20,v. 1, n. 22, p. 13-68.

198) VIEIRA, Alexandre B., PEDON, Nelson R. O papel das comunidades científicas: aAGB Nacional e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83.

199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados:memória e história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97.

200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES

283

– Salvador, quase 50 anos de Geografia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 99-112.

201) FONTOURA, Luiz Fernando M., DUTRA, Viviane S. Os 30 anos da Associaçãodos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre. Ano 20, v. 1, n. 22, p.113-123.

202) CROCETTI, Zeno Soares. AGB: Desejos de transformação. Ano 20, v. 1, n. 22, p.125-132.

203) CHAVES, Manoel R., MESQUITA, Helena A. da, MENDONÇA, Marcelo R. Inserção,crítica e intervenção na realidade: a AGB e a Geografia em Catalão – GO. Ano 20, v. 1, n. 22,p. 133-143.

204) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. AGB-Rio: 68 anos de história. Ano 20, v. 1, n. 22,p. 145-152.

205) FONSECA, Valter Machado da. A história da AGB – Uberaba (MG) e a perspectiva deconstrução de um pólo do pensamento geográfico no Triângulo Mineiro. Ano 20, v. 1, n. 22,p. 153-160.

206) ROMANCINI, Sônia R., SILVESTRI Magno. Trajetória histórica e perspectivas daAGB – Seção Local Cuiabá. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 161-168.

207) GOMES, Horieste. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia. Ano 20, v. 1,n. 22, p. 169-176.

208) ANTUNES, Charlles da França. AGB-Niterói: notas de um começo de história. Ano20, v. 1, n. 22, p. 177-189.

209) Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru. Otrabalho técnico-político-pedagógico da Associação dos Geógrafos Brasileiros na SeçãoLocal Bauru – AGB/Bauru. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 189-195.

210) RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na construção da GeografiaBrasileira: uma outra Geografia sempre é possível. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 199-209.

211) ANDRADE, Manuel C. De. A AGB – 1961/62 – Um depoimento. Ano 20, v. 1, n. 22,p. 211-212.

212) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB 1934 – 2004. Ano 20, v. 1, n. 22, p.213-230.

213) ALVES, William Rosa. A permanente busca do horizonte: a história da AGB-BH. Ano 20,v. 1, n. 22, p. 231-255.

214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo.Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248.

215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dosGeógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 251-260.

216) BENKO, Georges. Murano et les verries: um district industriel pas comme les autres.Ano 20, v. 2, n. 23, p. 15-34.

217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v.2, n. 23, p. 35-51.

Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007

284

218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na SerraGaúcha. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 53-74.

219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografiasadversas e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia.Ano 20, v. 2, n. 23, p. 75-85.

220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23,p. 87-96.

221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômicamundial e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém.Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109.

222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A.,LUCHIARI, Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHSe aplicação de segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23,p. 111-122.

223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessasde reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138.

224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários empaisagens do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159.

225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163-164.

226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167.

227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 13-28.

228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensinode Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41.

229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituiçãodo capital e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60.

230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais deplanejamento na porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p.

61-75.

231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho eterritorialidade da atividade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24,p. 77-99.

232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social eterritório no distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117.

233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1,n. 24, p. 119-133.

234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA,

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES

285

Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24,p. 135-150.

235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza:uma abordagem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p.151-175.

236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências naspesquisas acadêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177-191.

237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e socialdo problema. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210.

238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de losRiesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230.

239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares(Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236.

240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas sériesiniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241.

241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno edesigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33.

242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidadecontemporânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48.

243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía.Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65.

244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência.Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79.

245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo.Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93.

246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (Londrina-Paraná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110.

247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a

introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2,n. 25, p. 111-120.

248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricosno Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137.

249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuiçãoao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis conseqüências emrelação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155.

250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre abiodiversidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162.

Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007

286

251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso(Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 163-166.

252) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Amazônia e a nova geografia da produção dasoja. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 13-43.253) SILVA, Sílvio Simione da. Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensãoda diferenciação dos trabalhadores seringueiros do campesinato acreano. Ano 22, v. 1, n. 26,p. 45-61.254) CRUZ, Valter do Carmo. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia.Ano 22, v. 1, n. 26, p. 63-89.255) NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A geograficidade dos comandantes deembarcação no Amazonas. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 91-108.256) SZLAFSZTEIN, Claudio.; STERR, Horst.; LARA, Rubén. Estratégias e medidasde proteção contra desastres naturais na zona costeira da região amazônica, Brasil. Ano22, v. 1, n. 26, p. 109-125.

257) CAMPOS, Agostinho C.; CASTRO, Selma S. de. Unidades de Conservação, aimportância dos parques e o papel da Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 127-141.

258) ROCHA, Genylton O. R. da; AMORAS, Izabel C. R. O ensino de geografia e aconstrução de representações sociais sobre a Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 143-164.

259) COSTA, Maria A. F.; RIBEIRO, Willame de O.; TAVARES, Maria G. da C. Entrea valorização da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o quepode o ecoturismo na Amazônia? Ano 22, v. 1, n. 26, p. 165-175.

260) TRINDADE JR, Saint-Clair C. da. Grandes projetos, urbanização do território emetropolização na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 177-194.

261) BRITO, Lílian S. A.; COSTA, Léa M. G. Estratégias de desenvolvimento regionalpara a Amazônia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro. Ano 22, v. 1, n.26, p. 195-205.

262) SILVA, José Borzacchiello da. La fabrication du Brasil: une grande puissance endevenir (Resenha). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 209-210.

263) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB-1934-2004 (Depoimento). Ano 22, v. 1,n. 26, p. 213-221.

264) MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Aziz Nacib Ab’Saber – geógrafobrasileiro. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 15-30.

265) VITTE, Claudete de Castro Silva. Integração, soberania e território na América do

Sul: um estudo da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana). Ano 22, v. 2, n. 27, p. 31-48.

266) GÓES, Eda; ANDRÉ, Luis André. Violência e fragmentação: dimensõescomplementares da realidade paulistana. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 49-68.

267) ANTUNES, Ricardo. Perenidade e superfluidade do trabalho: alguns equívocos sobrea desconstrução do trabalho. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 71-84.

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES

287

268) MASSEY, Doreen. Travelling thoughts / Pensamentos itinerantes. Ano 22, v. 2, n.27, p. 85-92 / 93-100.

269) LINDÓN, Alicia. Os hologramas sócio-espaciais e o constructivismo geográfico.Ano 22, v. 2, n. 27, p. 101-120.

270) NUNES, João Osvaldo Rodrigues; SANT’ANNA NETO, João Lima;TOMMASELLI, José Tadeu Garcia; AMORIM, Margarete Cristiane de Costa Trindade;PERUSI, Maria Cristina. A influência dos métodos científicos na Geografia Física. Ano22, v. 2, n. 27, p. 121-132.

271) HESPANHOL, Antonio Nivaldo; HESPANHOL, Rosangela Aparecida de Medeiro.Dinâmica do espaço rural e novas perspectivas de análise das relações campo-cidade noBrasil. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 133-148.

272) FERREIRA, Maria da Glória Rocha. (Re)organização do espaço a partir da produçãode soja: Balsas-MA. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 149-164.

273) QUEIROZ FILHO, Alfredo Pereira de. Considerações sobre a interatividade naCartografia. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 165-184.

274) NUNES, Flaviana Gasparotti. A importância do econômico na Geografia atualmente:algumas questões para o debate. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 185-196.

275) REOLON, Cleverson Alexsander; SOUZA, Edson Belo Clemente de. Reestruturaçãosócio-espacial: as estratégias espaciais de ação adotadas pelas empresas do Paraná. Ano22, v. 2, n. 27, p. 197-210.

276) FERRAZ, Cláudio Benito O. Geografia de exílio (resenha). Ano 22, v. 2, n. 27, p.213-216.

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Título Preparação de originais e revisão de textos Capa Arte final da capa Editoração eletrônica Formato Tipologia

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Geografia e Ensino

José AlvesThais Barros de SouzaGilson Kleber LombaAlexandre Aldo Neves18x26Times New RomanSulfite 75g2881000 exemplaresCopyset ([email protected])