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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBACENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
DOUTORADO EM LINGÜÍSTICA
A SUBJETIVIDADE LINGÜISTICAMENTE MARCADA EMPARECERES TÉCNICOS E JURÍDICOS
JOSELÍ MARIA DA SILVA
João Pessoa, maio de 2007.
JOSELÍ MARIA DA SILVA
A SUBJETIVIDADE LINGÜISTICAMENTE MARCADA EM
PARECERES TÉCNICOS E JURÍDICOS
Tese submetida à Universidade Federal da Paraíba, para obtenção de grau de Doutor, pelo programa de Pós-Graduação em Lingüística.
Orientadora: Profª Drª Lucienne C. Espíndola
João Pessoa – 2007
Dados Internacionais de Catalogação – na – Publicação (CIP)Biblioteca Nilo Peçanha – CEFET/PB
800S586s Silva, Joselí Maria da
A Subjetividade lingüisticamente marcada em Pareceres Técnicos e Jurídicos / Joselí Maria da Silva. – João Pessoa: UFPB, 2007.
195f.
Tese (Doutorado em Lingüística) – UFPB/CCHLA1- Lingüística 2- Gênero Parecer 3- Modalização 4-
Subjetividade
JOSELÍ MARIA DA SILVA
A SUBJETIVIDADE LINGÜISTICAMENTE MARCADA EM PARECERES TÉCNICOS E JURÍDICOS
Tese submetida à Universidade Federal da Paraíba para obtenção de grau de Doutor em
Lingüística, pelo Programa de Pós-Graduação em Lingüística, aprovada
em 25 /05/2007.
ORIENTADORA
________________________________________________
Profª Drª Lucienne C. Espíndola − UFPB
BANCA
_________________________________________________
Profª Drª Eliane Ferraz Alves – UFPB
_________________________________________________
Profª Drª Maria do Socorro Paz e Albuquerque – UFCG
________________________________________________
Profª Drª Maria das Graças Carvalho Ribeiro – UFPB
_________________________________________________
Profª Drª Marluce Pereira da Silva – UFRN
_____________________________________________Profª Dra. Ana Cristina de Sousa Aldrigue – UFPB
Suplente
_____________________________________________Prof. Dr. Onireves Monteiro de Castro – UFCG
Suplente
À minha MÃE (in memorian),
cuja grandeza jamais poderia ser descrita, narrada ou
comentada senão por quem, de fato, conhecesse e
ultrapassasse os limites e segredos da alma de uma
Mulher.
AGRADECIMENTOS
A Deus.
A meus pais, pelo simples direito que me deram de ser.
À Profª Drª Lucienne C. Espíndola, minha orientadora, e, acima de tudo, exemplo de dedicação, disciplina e companheirismo.
Aos meus filhos, Natália e Rubem, e ao meu companheiro, Sérgio, por abrirem mão de muitos momentos de lazer em nome do meu trabalho.
A minhas irmãs, Jailma e Joselma, por dividirem comigo meus compromissos e preocupações, facilitando meu progresso acadêmico.
Aos representantes das instituições públicas – procuradores, advogados e técnicos que disponibilizaram os exemplares de Pareceres que formam o corpus dessa pesquisa.
Às professoras, Drª Maria Augusta (UFCG) e Drª Maria das Graças Carvalho (UFPB) por sua grande ajuda quando de minha Qualificação.
À minha grande amiga, irmã na alma e no coração, Profª Terezinha Almeida, primeira pessoa a me “seduzir” intelectualmente, convidando-me a me inscrever em curso de Especialização, despertando meu amor pelo estudo da Língua Portuguesa, e incentivando-me sempre a ir mais longe.
Aos companheiros do CEFET-PB, especialmente a Girlene e Francilda, não só por acompanharem minhas angústias profissionais mas também por me apoiarem em tantos outros momento difíceis.
À Aliança Francesa (JP), dignamente representada por seus diretores, antigo e atual, M. Fabrice Placet e M. Sébastien Vittet, respectivamente; a seus funcionários e professores, pessoas a quem devo grande parte de meus conhecimentos em Língua Francesa.
A todos os que se envolveram nesta minha jornada, a exemplo do Prof. Dr. Erivaldo Nascimento, fazendo retificações, sugerindo mudanças, discutindo pontos confusos em minhas análises.
Impossível não citar, também, as professoras de Língua Francesa, da UFPB, especialmente as Drªs. Rosalina e Karina Chianca, e a colega do curso de graduação, habilitação em Língua Francesa, Drª Sandra Luna, mais uma amiga querida; todas elas, além de tornarem nossos estudos um momento de enriquecimento acadêmico, proporcionaram-me horas de inesquecível alegria e descontração.
RESUMO
Este estudo, feito a partir da análise de Pareceres (Técnicos e Jurídicos), oriundos de
instituições públicas diferentes, busca reconhecer, identificar e tentar comprovar uma
subjetividade lingüisticamente marcada, presente na construção desse gênero discursivo.
Mesmo dispondo de um número considerável de exemplares, nossa investigação não se
prende a aspectos quantitativos, mas a uma análise descritivo-interpretativa, verificando a
ocorrência de traços pessoais do parecerista, expressos em forma dos recursos lingüísticos,
entre eles, as modalidades, as nominalizações e os atos ilocucionários. Recorremos, para
nosso estudo, a diversas teorias que tratam sobre subjetividade, estilo e modalização, mais
especificamente aos trabalhos de Bakhtin (2000, 2003), Cervoni (1989), Koch (2000, 2002),
Moura Neves (2000), Lyons (1970), Austin (1962, 1990), Castilho e Castilho (1992), entre
outros. Buscamos, enfim, desmistificar a idéia de “impessoalidade”, sempre evocada na
constituição do gênero Parecer, observando que tal traço é dissipado quando consideramos a
presença de modalizadores, realizando, através dos modos verbais e das modalidades
epistêmicas, deônticas, avaliativas e delimitadoras, o processo da Modalização. Com esse
recurso, o locutor/parecerista imprime sinais de sua individualidade, seja claramente, seja de
forma implícita, tornando possível, a partir da identificação da modalidade em uso, uma
interpretação prévia de seu posicionamento final sobre a questão, objeto do Parecer. Dessa
forma, postulamos a presença de um estilo amplo, marcado no próprio gênero em sua forma
constitutiva, e um estilo estrito, determinado pelas interferências pessoais do
locutor/parecerista o qual se permite assegurar, dizer da essencialidade de algo, ou, ainda,
avaliar, não somente uma situação mas também um suposto responsável por ela, bem como
delimitar o campo de percepção ou de apreciação de seu interlocutor em relação ao objeto em
discussão. Entendemos, portanto, que o Parecer (técnico ou jurídico) cumpre sua função
social e histórica não só por seu teor informativo ou decisório mas também por evidenciar e
transferir valores de quem por eles, tecnicamente, se responsabiliza .
Palavras-chave: Parecer. Modalização. Subjetividade
RESUMÉ
Cette étude, faite à partir de Rapports (Techniques et Juridiques), issus d’institutions
publiques différentes, a comme objectif celui de faire voir la présence de la subjectivité
linguistiquement présente dans la construction de ce genre discursive. Bien qu’on ait un
numéro considerable d’exemplaires, notre investigation ne se fixe pas aux aspects de la
quantité. Nous faisons, alors, une analyse de description et d’interpretation, pour vérifier
l’ocurrence des traits personnels du locuter-rapporteur, exprès sous la forme des ressources
linguistiques, entre eux, des modalités, des nominalisations et des actes de parole. Pour cette
étude, nous nous appuyions sur plusieurs théories qui parlent de subjectivité, de style et de
modalisation, et en particulier sur les travaux de Bakhtine (2000, 2003), de Cervoni (1989), de
Koch (2000, 2002), de Moura Neves (2000), de Lyons (1970), d’Austin (1962, 1990) et de
Castilho e Castilho (1992), parmi d’autres. Nous cherchons alors à démystifier l’idée selon
laquelle le Rapport est « impersonnel », cette idée est toujours évoquée dans sa constitution.
Nous avons ainsi pu observer que ce trait est dissipé si nous tenons en compte la présence des
modalisateurs. En effet, ceux-ci réalisent, à travers des modes verbaux et des modalités
épistémiques, déontiques, d’évaluation et de délimitation, le processus de la Modalisation. Or,
avec ce processus, le locuteur/rapporteur met en place des marques de son individualité, que
ce soit fait de manière claire, ou alors implicite. Ainsi, grâce à l’identification de la modalité
utilisée, une interprétation préalable de son positionnement final sur la question, sur l’objet du
Rapport devient possible. De cette façon, nous postulons à la présence d’un style ample,
marqué dans sa forme constitutive, et d’un style strict, qui est déterminé par les interférences
personnelles du locuteur/rapporteur. Ce dernier peut ainsi se positionner sur quelque chose,
peut parler de l’aspect incontournable à propos d’une question, ou encore, évaluer non
seulement une situation mais aussi la position ou la posture d’un supposé responsable de cette
situation. En outre, ce locuteur/rapporteur peut aussi délimiter le champ de perception ou
d’appréciation de son interlocuteur en ce qui concerne l’objet en discussion. Nous
comprenons donc que le Rapport (technique ou juridique) remplit sa fonction sociale et
historique non seulement par sa teneur informative ou décisive mais aussi pour souligner et
transférer des valeurs propres à ceux qui se responsabilisent techniquement par son texte.
Mots clés: Rapport. Modalisation. Subjectivité
ABSTRACT
This study, based on the analysis of Technical and Juridical Reports, issued from different
public institutions, searches for recognizing, identifying and trying to prove a marked
linguistically subjectivity, present in the construction of that discursive genre. Even having a
considerable number of samples, our investigation is not related to quantitative aspects, but to
an interpretative-descriptive analysis, verifying the occurrence of personal traces of the
Report writer, expressed in the form of linguistic resources, among them, the modalities,
nominalizations and the speech acts. We have adopted, in our study, diverse theories dealing
with subjectivity, style and modalisation, more specifically, those proceeding from the works
of Bakhtin (2000, 2003), Cervoni (1989), Koch (2000, 2002), Moura Neves (2000), Lyons
(1970), Austin (1962, 1990), Castilho e Castilho (1992), among others. We intended, at last,
to challenge the idea of “impersonality”, always evoked in the constitution of the Report
genre, observing that this trait is dissipated when we consider the presence of modalisers,
which accomplish the process of Modalisation, through verbal modes and epistemic, deontic,
evaluative and delimiting modalities. Through theses means, the Report writer leaves signs of
his individuality, either explicitly or implicitly, making it possible, from the identification of
the modality in use, a previous interpretation of his final position on the matter, object of the
Report. Thus, we postulate the presence of an ample style, marked by the genre itself in its
constitutive form, and a strict style, determined by the personal interferences of the Report
writer, which enables him to assure, to affirm the essentiality of things, or, still, to evaluate,
not only a situation, but also a subject responsible for it, as well as the limits of the perception
or appreciation field of the receiver in relation to the object under discussion. We understand,
thus, that the Technical or Juridical Report fulfills its social and historical function, not only
through its informative or decisive contents, but also for expressing and transferring values of
those who are, technically, responsible for them.
Keywords: Reports. Modalisation. Subjectivity
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................10
1 O gênero é formado pelo estilo?.......................................................................16
1.1 O Conteúdo Temático.............................................................................19
1.2 A Construção Composicional..................................................................23
1.2.1 O acabamento do gênero – particularidades do enunciado............25
1.3 O Estilo...................................................................................................28
2 O Modo...................................................................................................................32
2.1 O Modo nas frases simples.....................................................................32
2.2 O Modo nas estruturas complexas...........................................................36
3 As Modalidades – aspectos gerais....................................................................40
4 A Modalização .....................................................................................................43
4.1 A Modalização – visão total ou parcial de expressões verbais................48
4.2 A Modalização – visão total ou parcial de adjetivos e advérbios............51
5 De volta às Modalidades – especificidades....................................................55
5.1 Modalidades em evidência – Classificações............................................57
5.1.1 A Modalidade Epistêmica e os Delimitadores.....................................57
5.1.2 A Modalidade deôntica – interferência de valores e normas.................60
5.1.3 A Modalização Implícita...................................................................65
5.2 Recursos Lingüísticos – a materialização das modalidades.....................68
6 Modo – Modalidade – Modalização: categorias analíticas........................78
7 O Corpus – As diversas faces do Parecer...............................................79
7.1 O Parecer Técnico e o Parecer Jurídico: funções entrecruzadas..............79
7.1.1 A constituição estrutural do Parecer...................................................82
7.2 Marcas de Subjetividade: um estilo em construção.................................86
7.3 Legendas e sistematização da análise......................................................88
7.4 Modalidades aplicadas: a revelação da Subjetividade.............................91
7.4.1 Modalizadores Epistêmicos Asseverativos..........................................92
7.4.2 Modalizadores Epistêmicos Quase-Asseverativos...............................94
7.4.3 Modalizadores Deônticos..................................................................97
7.4.4 Modalizadores Avaliativos....................................................................101
7.4.5 Modalizadores Delimitadores..........................................................105
CONCLUSÕES......................................................................................................110
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 115
ANEXO A– Pareceres Técnicos e Jurídicos.................................................. 118
Introdução
Propomo-nos, neste trabalho, a fazer um estudo de Pareceres Técnicos e Jurídicos, a
fim de verificar a presença de uma subjetividade singularizada por traços próprios de seu
locutor. Pretendemos, então, poder fundamentar uma opinião que discorda de conceitos que
prevêem a construção dos referidos textos sem que seja possível ser percebido qualquer traço
ou influência pessoal da parte de quem se apresenta responsável por eles, a exemplo de Zago
(2001), quando fala da “vontade impessoal do órgão”.
Nossos objetivos são, então, de forma abrangente, reconhecer, identificar e tentar
comprovar a presença da subjetividade, lingüisticamente marcada, no parecer, a partir do
critério estilo1, postulado por Bakhtin. Buscamos, ainda, determinar a propriedade que tem o
gênero parecer de ser apresentado como um exemplar da Comunicação Oficial, reconhecendo,
inclusive, a diferença de ordem composicional entre o parecer técnico e o parecer jurídico. Se
dispomos uma pequena parte de nossa apresentação para essa diferença, é porque entendemos
que tal fato não é conhecido de todos aqueles que, de alguma forma, lidam, ou se vêem
utilizando os referidos textos.
Uma vez estabelecidos os objetivos, é necessário apresentar os critérios que serviram de
base analítica para o desenvolvimento de nossos estudos. Entendemos que formas de
tratamento, expressões de introdução e de fecho de forma padronizada e vocabulário técnico
específico são elementos constantes e já gozam do privilégio da uniformidade entre os
locutores dos pareceres em verificação.
Para construirmos o corpus, coletamos, entre instituições públicas e privadas diferentes,
45 exemplares, os quais, após verificação de alguns traços específicos, categorizamos como
dito acima (técnicos e jurídicos). Desse número, nos atemos à análise de uma quantidade mais
restrita (17 exemplares), uma vez que nossa preocupação não se ateve a uma verificação
numérica de exemplares analisados, mas à incidência de aspectos subjetivos, expressos, em
especial, pela utilização de recursos lingüísticos da Modalização, entre eles os atos
ilocucionários e a nominalização, denunciando quanto de interferência pessoal do parecerista
se pode observar na análise de um caso e no seu poder decisório.
As hipóteses que foram aventadas para se percorrerem tais caminhos dizem respeito às
seguintes idéias: a) os pareceres, textos padronizados, também classificados entre os
1 Em nossa perspectiva, o estilo empregado na construção do texto discursivo é construído com presença de elementos como: conteúdo temático, forma composicional e modalizadores. É sobre a análise desses últimos como caracterizadores de um estilo individualizado que nos debruçamos.
formulaicos, são construídos não só pelo estilo genérico2 mas também pelo estilo individual
do locutor; b) a modalização, em suas variadas formas de realização, é um recurso lingüístico
amplamente utilizado na elaboração de um parecer; e c) os atos ilocucionários e a
nominalização, possivelmente representando esses atos, aparecem como recursos
argumentativos na construção do parecer.
Os aportes teóricos utilizados para o desenvolvimento deste trabalho partiram da
leitura de vários estudiosos: iniciamos por Bakhtin (2003), na seção 1, considerando sua
perspectiva de gêneros discursivos como uma teoria essencial em nossa pesquisa. A partir de
sua ótica, tentamos entender o que faz do Parecer um gênero, e, como tal, participar
ativamente das esferas sociais, das comunidades em geral, recebendo interferências de quem
por ele se responsabiliza e, inevitavelmente, interferindo (direta ou indiretamente) nas
transformações cotidianas de grupos variados, seja atuando numa perspectiva jurídica, seja
numa perspectiva técnica.
Seguimos com as pesquisas sobre Modalidades/Modalização, a partir de diferentes
referenciais teóricos, como os estudos de Cervoni (1989), Lyons (1970), Koch (2000, 2002),
Castilho & Castilho (1993), Bronckart (1999), Moura Neves (2000) etc., considerando ainda a
presença dos atos ilocutórios, segundo a Teoria dos Atos de Fala proposta por Austin (1962,
1990), ampliada por Searle (1970,1981), introduzindo as opiniões de Parret (1988), Koch
(2000, 2002), entre outros.
Durante o desenvolvimento do trabalho, também recorremos à Teoria da
Argumentação da Língua, de Oswald Ducrot e colaboradores (1988), e aos acréscimos a esta
teoria, fomentados por Espíndola (2004), ao se referir à argumentação presente nos usos da
língua. É, então, a partir desses estudos que obtivemos um considerável número de
informações para determinar os pareceres como um gênero portador de uma subjetividade
responsável pela criação de um estilo próprio do locutor, através da utilização de recursos
lingüísticos modalizadores, cuja presença se observa nos referidos exemplares analisados.
Não é demais lembrar que o número dos gêneros já concebidos pela sociedade é
indefinível, assim como o entranhamento de traços de um gênero em outro, exigindo,
inclusive, que se lhes observe com certa acuidade para não se incorrer no equívoco de sua
identificação e, evidentemente, desvio de sua função sócio-comunicativa. O que muitas vezes
está sendo elaborado para definir-se como um tal gênero discursivo perde algumas 2 Em falando de estilo genérico entendemos um “estilo em geral”, seguindo os traços de um modelo padrão, coletivo; em nossa perspectiva, entretanto, esse estilo geral é ainda passível de sofrer as influências de um estilo individual, marcado pelos estratos e aspectos da personalidade individual de quem o produz. Ainda que essas influências façam parte do cotidiano da língua em uso, não é isso que se espera na construção de um texto formulaico.
características ou utiliza-se das características de um outro, camuflando sua idéia
composicional de origem. Assim se dá com o Parecer. Em algumas ocasiões, é comum
observar-se que seu usuário o trata como um relatório, outras vezes como um laudo.
Considerando que estamos tratando de Pareceres, estes devem representar o ponto de
vista da instituição que por eles se responsabilizam. Esse ponto de vista, evidentemente,
levará a uma opinião sobre um fato em questionamento, por isso, a solicitação do parecer. O
parecerista estará, então, representando a lei ou pressuposto legal que sustenta sua opinião ou
seu parecer final em nome da instituição onde desempenha sua função. Para tanto, ele deve,
conforme as orientações gerais de que se tem conhecimento, eximir-se de qualquer
envolvimento pessoal com o caso e principalmente com seu julgamento. Trata-se, então, do
critério da impessoalidade.
Esse critério é propagado como significativo e útil na elaboração de gêneros de
natureza técnica. Isso se pode comprovar em Zago (2001, p. 182), quando diz:
As chamadas autoridades, funcionários, ou mais corretamente, agentes ou servidores públicos, são os elementos dos órgãos que constituem o Estado e, nessa qualidade, no exercício da função pública, expressam não a vontade própria, mas a vontade impessoal do órgão (grifo nosso).
Essa idéia tem servido de modelo para outras instâncias da administração; assim,
mesmo entre as empresas privadas, percebe-se a mesma orientação na feitura dos textos
padronizados.
A partir de critérios amparados pela ciência lingüística, revimos esse ponto que, para
nós, tem importância fundamental porque tal “vontade impessoal” não nos parece possível,
comprovável. Enfim, entendemos que não há como um locutor se esquivar, em seu discurso,
em qualquer dos gêneros em uso, de alguma impressão pessoal. Além disso, ainda que se
concentre em repartições públicas, o parecer também pode ser visto em empresas privadas, e,
tanto nestas quanto naquelas, há uma política interna que norteia suas atividades e a
particulariza entre as demais, ou seja, mais uma vez a tal impessoalidade se torna difícil de ser
comprovada.
Talvez ignorando esses aspectos, é comum perceberem-se os textos formulaicos –
vistos como exemplares que seguem um padrão formal de construção – como documentos
áridos, construídos a partir de uma argumentação incisiva, objetiva, prática e desprovida de
quaisquer aparatos retóricos – entendida a retórica aqui como um apoio argumentativo e não
como mero recurso do eruditismo e do preciosismo – com uma única finalidade: a de
expressar um ponto de vista imparcial, baseado em fatos irrefutáveis e absolutamente vazios
de influências de valor subjetivo no sentido amplo, ou seja, uma argumentação destituída de
qualquer interesse por parte de quem os assume.
Verificando o corpus com o qual trabalhamos, investigamos até que ponto havia, de
fato, verdade quanto a essa neutralidade ou a essa aridez argumentativa que se professa ao se
citarem os textos da correspondência oficial.
Tendo como apoio os princípios gramaticais, e até a ausência deles, propusemo-nos a
verificar, seguindo pelos caminhos da argumentação, que recursos lingüísticos, expressos ou
implícitos, poderiam ser responsáveis pela postura dos locutores dos pareceres analisados, e
que denunciassem quão envolvidos estariam os pareceristas no esboço de sua opinião sobre o
fato em julgamento.
Passamos a seguir, na seção 2, ao estudo do Modo verbal. Entendemos a necessidade
de fazê-lo, antes de introduzir o estudo sobre Modalidades e Modalização, dada a diferença
que consideramos entre estes três fenômenos ou categorias.
Sobre o Modo, partiremos do que postulam as gramáticas normativas. Os modos
servem para indicar, de fato, a atitude do falante face ao seu discurso: indicativo, para indicar
o possível; subjuntivo, para indicar o virtual, o que pode ou não acontecer, o condicional; e o
imperativo, para manifestar as ordens e os desejos, mesmo que impressos em frases
declarativas cujo teor possa ser discutido. Sob essa perspectiva, visualizamos o modo verbal
como uma outra forma de se realizar o processo da modalização, que não se confunde, como
já dissemos, com modalidade nem com modalização.
Para esta seção, concentramo-nos nos estudos de John Lyons (1970), uma vez que
suas considerações permitem que se verifiquem muitas das possibilidades de leitura de um
modo verbal, mas não o descaracterizam, ou seja, mantêm sua idéia original, logrando ao
discurso em seu uso mais livre, mais casual, a aplicação de modalidades que ora podem se
acomodar às condições de um modo verbal específico, mantendo a versão gramatical padrão,
ora podem distanciar-se, mas, ainda assim, garantindo sua eficiência argumentativa. É quando
entendemos que pode acontecer a aplicação das modalidades.
Sobre estas últimas, observamos que, classificadas em categorias, atendem aos
interesses do locutor para manifestar suas intenções ao proferir seu discurso. As modalidades
representam os artifícios dos usuários da língua para interferir ou influenciar no momento da
elocução sobre o entendimento, a interpretação do outro sobre um dado fato e, logicamente,
agir sobre seu julgamento.
Encontramos terreno sólido sobre o estudo das modalidades nas produções de Jean
Cervoni (1989), Koch (2000, 2002), Neves (2000), entre outros, que ilustram com bastante
clareza aquilo que já supúnhamos encontrar nos pareceres que selecionamos. Importante
considerar que alguns dados presentes nesses pareceres puderam ser considerados e
analisados através de outras vias e posicionamentos que não só os dos autores acima citados3.
Para isso, buscamos realocar suas idéias de forma a ampliar as possibilidades de aplicação que
eles nos ofereceram, já que boa parte dos exemplares de nosso corpus nos permitiu ir além do
que já estava proposto por tais estudos. É o caso dos modalizadores avaliativos, os quais,
embora não prevíssemos estarem presentes no corpus, foram utilizados pelo locutor do texto
em análise evidenciando novas perspectivas de leitura e nos conduzindo a um outro caminho
de análise.
Sobre a Modalização, vale salientar que a consideramos não como um elemento
lingüístico – para isso elegemos as modalidades –, mas como a realização de um processo que
acontece mediante presença dessas modalidades, que também se realizam a partir de modos
verbais, atos ilocucionários e nominalizações, na atividade discursiva. É esse processo que
nos autoriza a buscar os indícios de um estilo individualizado, particularizado, quase um
identificador dos responsáveis pela construção textual dos exemplares que analisamos.
Observamos, em alguns casos, que a modalização se expressa até mesmo quando o locutor
não pretende utilizar seus recursos, ou imagina não fazê-lo, o que poderia também representar
um estilo, o seu estilo.
Na seção 3, discutimos sobre as Modalidades. Sua apreciação em seção separada se
deve pelo fato de verificarmos especificidades em sua aplicação. O estudo das modalidades é
feito sob várias perspectivas teóricas, com o intuito também de mostrar sua diferenciação em
relação ao Modo e à própria Modalização.
Na seção 4, apresentamos uma visão panorâmica da Modalização. Iniciamos com uma
visão geral e, em seguida, resolvemos abrir subseções, a fim de deixarmos mais clara a idéia
de como esse fenômeno se dá a partir de expressões verbais e de adjetivos e advérbios.
Na seção 5, voltamos a discutir as Modalidades, agora com discussões mais amplas
que nos levam à busca de sua classificação em categorias. Para isso, resolvemos abrir seções
secundárias e tratar cada uma das modalidades com suas características específicas. Neste
percurso, definimos que linhas de estudo seriam seguidas em nossas pesquisas. Assim, alguns
tipos de modalidades foram mantidos em sua classificação seguindo a proposta dos autores
estudados, entre eles, Castilho & Castilho (1993), Koch (2002) e Neves (2000). No entanto,
tendo em vista alguns traços particulares que se manifestaram nos pareceres, decidimos por 3 Para análise de alguns pareceres, tivemos de recorrer à ajuda de alguns especialistas (procuradores federais, advogados) para nos esclarecer o fato em si, uma vez que a linguagem rebuscada e algumas construções confusas dificultavam nossa compreensão.
outra forma de classificação de alguns modalizadores, fazendo, evidentemente, as devidas
justificativas.
Apresentamos nossa idéia sobre todos os fenômenos estudados, enfim, nossa
perspectiva de trabalho, de forma resumitiva, na seção 6. Neste ponto, apresentamos, então,
mais claramente, as categorias de modo, modalidade e modalização (esta última como um
processo).
Na seção 7, fazemos a apresentação do corpus. Nessa seção expomos informações que
achamos importantes para justificar o que nos fez distinguir um Parecer técnico de um Parecer
jurídico. Buscamos informar que elementos compõem ou fazem o estilo geral de um parecer,
e, finalmente, realizamos as análises propriamente ditas.
Em conclusão, a partir do que encontramos em nossas pesquisas, entendemos que o
fator primordial que justifica esta pesquisa é a necessidade de se mostrar que, ao se analisar
um parecer, é possível perceberem-se indícios da presença do locutor, interferindo, ou seja,
atuando ou influenciando de alguma forma sobre os atos públicos e privados no universo das
relações sociais, ainda que se apregoe a impessoalidade como traço característico de
documentos formulaicos, constituintes dos gêneros da correspondência oficial ou empresarial.
1 O Gênero é formado pelo Estilo?
Nesta seção tratamos do gênero do discurso de forma mais aprofundada. Para tal
discussão, partimos dos estudos de Mikhail Bakhtin (2003), cujas idéias demonstram que
produções enunciativas são resultado de relações históricas e sociais, profundamente
enraizadas nas interações discursivas.
Os gêneros do discurso não são, portanto, produções estáticas e definitivas; não podem
ser encontrados como uma estrutura pronta na língua e, por isso mesmo, são passíveis de
interpretações variadas, de re-construções, pertencem a todos os envolvidos e, ao mesmo
tempo, não pertencem a ninguém. São os textos que permitem a realização das atividades
discursivas. Ainda que formados por palavras, agrupáveis, organizadas com um determinado
propósito, não são as palavras (que formam orações) os recursos que garantem as interações
comunicativas por si sós. É necessário que esses agrupamentos traduzam intenções,
funcionem com determinados propósitos, logo formem enunciados.
Se tais enunciados são construídos conforme uma intenção pré-determinada, sua
função já está, de certa forma, marcada e aceita socialmente. Esse aspecto social encerra,
então, o que se pode chamar de estilo geral, estilo genérico, ou, ainda, estilo do gênero. Logo,
esse estilo acaba por contribuir na disseminação de um dado gênero, formalizando, ou mesmo
uniformizando, até certo ponto, sua própria construção, uma vez que não se pode ignorar a
flexibilidade das construções discursivas (mesmo escritas), conseqüência inevitável da
subjetividade que transparece, através desse mesmo estilo, na constituição desse gênero.
A presença do estilo como participante da construção do gênero se verifica em
Bakhtin (2000, p. 284) quando este reconhece que o estilo entra como elemento na unidade
de gênero de um enunciado4. Em outra passagem, o autor (Ibidem, p. 286) é ainda mais
incisivo, quando afirma:
Quando há estilo, há gênero. Quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a modificar a ressonância deste estilo graças à sua inserção num gênero que não lhe é próprio, destruímos e renovamos o próprio gênero (grifo nosso).
E aqui observamos que não se trata, de fato, de algo pré-construído – o gênero – como
uma frase materializada, mas de um produto social, interativo que traduz um pouco (ou
muito) do locutor, de suas origens, enfim da situação histórica de que este faz parte.
Enfim, segundo o mesmo autor (BAKHTIN, 2003, p. 293),4 Para Bakhtin, (2000, p. 291) os enunciados são o texto como um todo, ou seja, não se trata de frases organizadas, mas de textos que respondem a outros textos. Conforme define o próprio autor, Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados.
O gênero do discurso não é uma forma da língua, mas uma forma típica do enunciado; como tal forma, o gênero inclui certa expressão típica a ele inerente. No gênero a palavra ganha certa expressão típica.
A expressividade referida acima não está baseada apenas no significado da palavra
enquanto unidade da língua, mas na relação que pode haver entre essa unidade e seu
significado com o gênero dado. Também não se pode dizer que só essa relação provoque a
expressividade do gênero; há que se considerar ainda um outro aspecto da comunicação, ou
seja, a relação biunívoca entre interlocutores. Na verdade, toda a teoria de Bakhtin se centra
na participação do histórico, do social, como componente articulador de qualquer enunciação.
Assim, a expressividade é vulnerável às manifestações que se desencadeiam tanto no nível da
linguagem quanto da língua, influenciada justamente pelas mudanças nas interações sociais ao
longo do tempo.
Essa noção do social é marcada pelo contexto, cujo traço não se perde, ainda que se
perceba a noção de individualidade presente na palavra. Para Bakhtin (2003, p. 294),
...pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos: como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra, porque, uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada da minha expressão.
Esse movimento de assimilação das palavras dos outros às minhas palavras denuncia
toda a interferência social e histórica que se desenvolve e se reproduz nas interações
discursivas, nos enunciados. As experiências pessoais não se isolam, isto é, as influências do
indivíduo não se limitam a um só contexto, elas se esvaem e entram em contato com as
experiências de todos. A palavra absorve essas influências e o gênero passa a ser utilizado, ora
reproduzindo o já conhecido, ora ampliando as noções de significado a partir daquelas já
existentes e que o contexto permite introduzir e realizar discursivamente.
Segundo Machado (1997, p. 153),
...parece-nos igualmente válido entender o gênero como uma dimensão temporal, um uso. Os gêneros reportam-se às formas de uso das línguas e linguagens. O conceito de gênero é potencialmente a imagem de uma totalidade, onde os fenômenos da linguagem podem ser apreendidos na interatividade dos textos através do tempo decorrente, sobretudo dos vários usos que se faz da língua.
É possível afirmar que influências sociais condicionam uma formação ou distribuição
em categorias dos vários fenômenos que fazem parte do cotidiano na vida humana. E para não
fugir a essa tendência, os gêneros também sofrem e passam por esse movimento. No entanto,
dada a diversidade que caracteriza o fluxo das interações, a reprodução (ou criação) de
gêneros é, até certo ponto, incontrolável, ou pelo menos é ainda impossível ser delimitada
essa reprodução em campos formais estáticos. Pode-se entender que os usos da língua atuam
sobre os gêneros, evidentemente, tornando complexa uma organização definitiva em termos,
inclusive, de classificação.
Ainda que não tenhamos visto como fundamental tecer uma classificação dos gêneros,
em Bakhtin (2003, p. 263), os gêneros podem ser vistos como primários e secundários. O
autor, no entanto, chama a atenção para o fato de que a diferença entre ambos não se deve
somente ao aspecto funcional. A condição de ser o gênero primário ou secundário deve-se à
complexidade de sua construção.
Segundo o autor (Ibidem, loc. cit.),
Os gêneros discursivos secundários (complexos) – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc. surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios (...).
Para exemplificar a discussão acima, o autor usa a réplica do diálogo cotidiano ou da
carta no romance. Esses elementos – o diálogo ou a carta, exemplos de gênero primário –, ao
manterem sua forma, figuram no romance como realidade apenas na obra que integram, ou
seja, fazem parte do acontecimento artístico-literário, porém não mais como elementos
concretos da vida cotidiana. O romance, por sua vez, representa um enunciado completo –
assim como a réplica do diálogo ou a carta –, no entanto, difere desses últimos porque é um
enunciado secundário, complexo, já afastado da realidade imediata.
Ainda que reconheçamos o valor dos estudos de Bakhtin, não nos interessa aqui
propor uma classificação ou inserção dos pareceres em estudo em tipos de enunciados
primários ou secundários. O que consideramos em nossa pesquisa é o intercâmbio que se dá
entre esses tipos de gêneros, para o autor, enunciados, e que nos permite dizer que os
pareceres, como gêneros que são, se formam a partir de influências de outros gêneros, mas
mantêm uma unidade composicional, um estilo e uma temática que lhes conferem uma
identificação como um gênero específico, reconhecido por quem participa desse movimento
interativo.
Os enunciados ou gêneros são, por isso, portadores de sentido e totalmente
influenciados pelos fatores histórico-sociais. Esses enunciados refletem, então, as condições e
finalidades de cada uma das situações que se realizam em forma de gêneros, solicitados a
cada movimento discursivo. Logo, tais enunciados são constituídos a partir de três elementos
– conteúdo temático, estilo e construção composicional –, os quais, embora analisados em
partes, são vistos de forma geral, no todo do enunciado.
1.1 O Conteúdo Temático
Para Bakhtin, o conteúdo temático tem origem a partir do enunciado visto como o todo
do gênero discursivo em utilização, em exercício. Os enunciados são construídos na
alternância dos interlocutores que, numa situação comunicativa, percebem (ou pelos menos
assim se espera) seu início e seu acabamento – posições marcadas pelas atitudes responsivas,
ativa ou retardada –, provocadas pelo locutor sobre o outro, seu interlocutor. Logo, cada
enunciado terá, a seu turno, um conteúdo temático, objeto do processo interativo que combina
elementos como locutor, interlocutor, intenções, funções discursivas, estruturas gramaticais,
contexto, enfim, todo um sistema organizado na forma de um gênero adequado à situação
sócio-discursiva.
Daí se conclui que, na elaboração de uma atividade comunicativa e interativa, é
necessário identificarem-se os elementos acima que funcionarão como pontos de articulação
entre os interlocutores e o social, serão eles os constituintes do evento, logo de uma
construção de sentidos. Portanto, a partir da idéia de convergência de pontos de interação
entre o social e os interactantes de uma situação discursiva, confirma-se a idéia de Bakhtin
sobre o fato de um enunciado se consolidar como uma resposta a outros.
Segundo Bakhtin (2000, p.290):
A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor.
Tais características estão presentes tanto num texto oral quanto num texto escrito. E
em quaisquer dos textos, há um apelo a se realizar, ou seja, há um fenômeno que, consciente
ou inconscientemente, se instala nessa prática dialógica: a argumentação.
Há um interesse por parte de quem está envolvido nessa interação; pretende-se
persuadir ou convencer alguém de algo. O estilo se manifesta naturalmente, uma vez que o
gênero, em se realizando, assim o exige. E não basta apenas utilizar as formas da língua para
se conseguir tal intento. A escolha de um gênero já será parte dessa argumentação, ou seja, o
uso que se faz da língua e do gênero em prática podem determinar o sucesso ou insucesso
desse embate discursivo.
Para justificar tal idéia, pode-se recorrer a Espíndola (2004, pp. 13-14) “Filio-me à
tese de Anscombre-Ducrot – a língua é fundamentalmente argumentativa – à qual faço um
adendo: o uso também é argumentativo” (grifo nosso).
Usar um determinado texto, construí-lo de certa forma, e não de outra, selecionar
estruturas lingüístico-discursivas, empregar certas expressões da língua, é construir objetos de
sentido, logo é argumentar, o que conduz a interpretações. Todo conteúdo temático é exposto
para ser interpretado, ou seja, conhecer ou reconhecer um conteúdo temático significa
interpretar de alguma forma as intenções de quem o produziu, de quem o propôs; significa
perceber algum dos sentidos que o texto pretende imprimir ou explorar em sua prática
argumentativa e, evidentemente, o interesse do locutor é que essa interpretação seja
justamente aquela que ele teve intenção de produzir.
Se a compreensão do conteúdo temático tem algo a ver com o objeto do sentido, é
necessário que o uso de certas palavras em lugar de outras, a ordem ou posição em que
aparecem na frase, as estruturas gramaticais, enfim, possa ser percebido para que tenha algum
efeito sobre o interlocutor, ou seja, o sentido deve superar a própria significação, isto é, deve
ir além do que dispõe o dicionário; deve ter vínculo com a situação para se fazer entender.
Entendemos, portanto, o sentido como algo que vai além das paredes da significação, ainda
que seja construído a partir das diretivas sugeridas pela significação das palavras.
Processo semelhante se espera quando da compreensão do que se diz de frase e de
enunciado, cuja relação está intrinsecamente ligada à noção de sentido e significação. O
entendimento desses conceitos atua significativamente na elaboração do discurso, conforme
podemos ver em Ducrot5 (1988, p. 57):
Por definición llamaré significación al valor semántico de la frase y sentido al valor semántico del enunciado (es decir, de la realización de la frase). La frase tiene pues una significación y el enunciado un sentido.
5 Ainda que a noção de enunciado de Ducrot seja diferente daquela apresentada por Bakhtin, sua fundamentação nos parece adequada à discussão presente, uma vez que ambos defendem a construção do sentido como algo mais do que se pode ver pelas significações possíveis das palavras ou das frases.
Para justificar a distinção que faz entre os dois termos, Ducrot (Ibidem, p. 58) explica
que um enunciado6 pode oferecer muitas indicações não encontradas na frase que o origina. E
diz:
El sentido del enunciado conlleva por otra parte ciertos actos de habla pues el enunciado puede ser una constatación, un consejo, una amenaza, una advertencia, etc., y esto tampoco está escrito en la significación de la frase.
A participação do interlocutor, foco principal da interação, naturalmente, é
indispensável, pois ele faz parte do próprio texto, uma vez que já era considerado no momento
da criação do gênero em uso. Segundo Brandão (2001, p. 287), É o movimento da leitura, o
trabalho de elaboração de sentidos feito pelo leitor que dá concretude ao texto.
Para ela, a leitura torna-se uma atividade de co-enunciação. E, para justificar-se, a
autora (Ibidem) vale-se das palavras de Maingueneau:
A operação do leitor é uma atividade cooperativa de recriação do que é omitido, de preenchimento de lacunas, de desvendamento do que se oculta no tecido textual. Este trabalho de recriação, entretanto, é balizado por dois movimentos (Mainguenau, 1990):− um movimento de expansão: por ser lacunar, o texto permite a proliferação de sentidos;− um movimento de filtragem: o locutor, através de determinadas estratégias, restringe essa proliferação levando o leitor a selecionar a interpretação pertinente.
É possível considerarmos que esses movimentos são realizados de acordo com a
aplicação de alguns recursos lingüísticos, entre eles o processo da modalização. É esse
processo que tentaremos investigar, de forma específica, nos Pareceres, ainda que, partindo da
idéia proposta acima, no caso dos gêneros do tipo padronizado, entendamos que estes podem
não gozar de ampla liberdade para ocupar os espaços vazios que permeiam um discurso. O
mais provável é que se estabeleça o movimento de filtragem, já que a leitura é direcionada
para que se obtenha um efeito de sentido, se possível unidirecional e, é claro, satisfatório ao
curso da comunicação que se estabelece através do gênero.
Numa leitura mais acurada, o conteúdo temático é construído com base nos
movimentos descritos anteriormente que se realizam a partir do ponto de vista do leitor, de
forma que, mesmo nos gêneros formulaicos, padronizados, haverá um direcionamento,
instruído pela intenção do locutor, para o qual deve convergir a percepção do outro. Em
outras palavras, o conteúdo temático estará condicionado a três fatores: a) ao próprio gênero
que se constrói; b) à idéia que se tem do interlocutor; e c) à intenção que se pretende com a 6 Para Ducrot, o enunciado é uma das múltiplas realizações possíveis de uma frase. É esta a idéia que pretendemos seguir em nossa pesquisa ao tratarmos de enunciado.
construção do enunciado – na perspectiva bakhtiniana –, orientado pelas condições oferecidas
pelos elementos da significação que orientarão a construção do sentido previsto (ou pelo
menos pretendido) pelo locutor.
É importante considerarmos que, apesar de o autor falar em conteúdo temático,
quando cita os critérios que justificam a realização de um dado gênero, em sua explanação
cita várias vezes o termo tema, o que nos leva a pensar que se trata do mesmo referente.
E sobre o tema, encontramos em Bakhtin (2000, p. 300) a idéia de que este é o objeto
do sentido recebendo um acabamento relativo, uma certa delimitação em sua exploração já
que, para o autor, o objeto do sentido é inesgotável. Presumimos que essa delimitação se
relaciona com a filtragem de que fala Mainguenau, citado por Brandão (2001, p. 287), pois é
possível que esse movimento – de filtragem –, realizado pelo interlocutor, se expresse
delimitando o objeto do sentido, do tema, primeira atividade sugerida ou organizada pelo
locutor, e percebida ou finalizada parcialmente pelo interlocutor.
Entendemos, portanto, que todo e qualquer movimento em torno ou em prol de uma
atividade discursiva envolve a compreensão do enunciado em seu todo, possibilitando uma
nova construção ou re-construção desse mesmo enunciado, isto é, tornando reais os
mecanismos de filtragem ou de expansão anteriormente referidos. Isso se configuraria como a
atualização do tema, totalmente ligado ao significado, porém não limitado a ele.
O tema se compõe também de formas lingüísticas, vale-se da significação como
aparato técnico para sua realização, mas também se reveste de uma compreensão entre os
interlocutores, para que atinja o sentido em seu ápice. Conforme podemos ler em Bakhtin
(1988, pp. 131-132),
A distinção entre tema e significação adquire particular clareza em conexão com o problema da compreensão [...]. Qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo deve conter já o germe de uma resposta. Só a compreensão ativa nos permite apreender o tema, pois a evolução não pode ser apreendida senão com a ajuda de um outro processo evolutivo. Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente.
Para o autor (Ibidem, p. 128), ainda:
O tema deve ser único. Caso contrário, não teríamos nenhuma base para definir a enunciação. O tema da enunciação é, na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação.
Entendemos que o tema pode ser visto como o resultado de uma interpretação única,
de uma leitura única por parte do interlocutor, de forma a atender intenções do locutor no
momento em que o construiu. Se associarmos interpretação a sentido, então é possível dizer
que o tema é o sentido que se pode abstrair do enunciado, e, por isso, resultado não só das
influências históricas mas também das estruturas lingüísticas e das interferências
extralingüísticas, elementos que, quando absorvidos pelo interlocutor, permitem a construção
de sua resposta: é a sua vez de agir argumentativamente.
1.2 A Construção Composicional
Afastando-se um pouco da visão restrita ao aspecto formal do texto formulaico,
padronizado, Bakhtin insere na composição, além do estilo, do tipo de estrutura e das formas
de conclusão de um todo7 elementos como tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros
da interação verbal, ou seja, ouvinte, leitor, discursos do outro etc.
Esses elementos refletem toda e qualquer mudança na vida social, e, portanto,
histórica, uma vez que representam padrões que podem ou não se manter na construção de um
dado gênero. Todos os elementos descritos acima convergem para a determinação do gênero a
partir do estilo, já que no momento em que se faz uma seleção da forma composicional, está-
se, de fato, lançando-se mão de um gênero – este determinado pela função comunicativa, logo
social, do processo interativo. Sendo influenciado pelo histórico-social, o gênero poderá,
evidentemente, sofrer alterações em seu uso, provocando, inclusive, seu desuso, quando pode
dar-se a substituição por um outro.
No entanto, mesmo passível de tantas transformações, qualquer gênero precisa
demonstrar sua relativa estabilidade, mantida pela representatividade que exerce sobre a
comunidade que o utiliza, afinal sempre se utiliza um padrão para se promover a
comunicação, em qualquer nível interativo. Assim como a língua dispõe de uma
normatividade para realizar-se, também isso se dá com os enunciados, ou seja, com os
gêneros do discurso (BAKHTIN, 2000, p. 304), constituídos, então, de expressividade e de
elementos lingüísticos de ordem gramatical. Estes também de grande importância, como diz
Bakhtin (Ibidem, p. 305):
A idéia que temos da forma do nosso enunciado, isto é, de um gênero preciso do discurso, dirige-nos em nosso processo discursivo. O intuito de nosso enunciado, em
7 Sobre esta última, entendemos que, para o autor, a conclusão do enunciado como um todo acontece quando a resposta do outro se manifesta, evocando a atitude responsiva – seja ativa, seja retardada.
seu todo, pode não necessitar, para sua realização, senão de uma oração, mas pode também necessitar de um grande número delas e o gênero escolhido dita-nos o seu tipo com suas articulações composicionais.
Apesar de se verificar a importância da construção oracional na formação dos
enunciados, não se pode limitar sua análise a esse nível, a fim de não se incorrer no risco de
uma leitura fechada, que, certamente, poderia impedir a produção de outros sentidos, às vezes,
necessários à interação. Aliás, a heterogeneidade da estrutura composicional das formas do
enunciado impede que o acabamento seja total, principalmente se se levar em conta a
estrutura oracional como critério de análise (Idem, ibidem, loc.cit.).
O item seguinte trata do acabamento do gênero. Se o colocamos nessa posição, é
porque entendemos que o acabamento faz parte da estrutura composicional do texto, do seu
todo composicional. No entanto, ainda que considerando o enunciado8 de forma diferente do
que postula Bakhtin – e reconhecendo as particularidades do enunciado propostas em seus
estudos, conforme se verá a seguir –, verificamos sua utilidade para a análise que
pretendemos realizar, ou seja, numa perspectiva mais pontual, de forma que entendemos o
acabamento como o encerramento do texto. Não se pode ignorar, ainda, que há formas de
acabamento já consagradas nos textos formulaicos ou textos padronizados, como o Parecer,
como o uso de expressões do tipo: É o parecer ou S.M.J.( Salvo melhor juízo), entre outras,
cuja finalidade é exatamente encerrar o discurso e “oficializar seu acabamento”.
1.2.1 O acabamento do gênero − particularidades do enunciado
Segundo Bakhtin (2000, p. 297), a oração adquire particularidades que a tornam um
enunciado completo9. Essas particularidades, para o autor, são as seguintes: a) alternância dos
sujeitos falantes; b) o acabamento específico do enunciado (ou alternância dos sujeitos
falantes vista do interior); c) as formas estáveis do gênero do enunciado.
8 Vide página 21.9 Na perspectiva de Bakhtin, o enunciado é visto como o texto em sua totalidade, pronto para receber a resposta do outro. Não o veremos como tal, conforme já esclarecemos na página 21. Seguiremos a proposta de Ducrot, para quem o enunciado é a realização da frase e um texto é constituído de vários enunciados. Se mantemos a terminologia de Bakhtin, é porque queremos apresentá-lo utilizando seus próprios termos.
Considera-se o acabamento do enunciado, do ponto de vista de Bakhtin, como um
ponto de partida para um outro enunciado. Para o autor (Ibidem, p. 299), é necessário o
acabamento para tornar possível uma reação ao enunciado.
Ao se identificar o acabamento, ou – pode-se dizer – o encerramento de um enunciado,
as condições de resposta já se tornam possíveis ou viáveis. Em qualquer processo interativo
oral, a percepção dessa condição é natural, e pode acontecer não só através de pausas na fala,
entonações que sugiram perguntas, questionamentos mas também da própria conduta e
observação de expressões fisionômicas entre os interlocutores, nas comunicações face a face.
No texto escrito, o acabamento aparece no todo do enunciado, profundamente marcado pela
pontuação, funcionando como apoio a outros elementos lingüísticos como a constituição
oracional, por exemplo.
Vendo o enunciado como realizações de frases e, portanto, parte constitutiva de um
texto, observamos, no caso do Parecer, uma característica que lhe é peculiar e que funciona
também como a confirmação do acabamento do ponto de vista formal. Trata-se do
encerramento do texto expresso por construções do tipo É o parecer, S.M.J. (Salvo Melhor
Juízo), ou similares. O acabamento formal, nesse caso, confirma a conclusão do texto, do
próprio Parecer, entendido como se tendo esgotado todos os recursos de que dispunha o
locutor em prol de sua argumentação. Em alguns casos, e não são raros, o locutor, por já ter
em vista um interlocutor específico, disponibiliza o discurso a partir de seu próprio
encerramento, conforme se vê em expressões como Este é o Parecer que encaminho à
apreciação de Vossa Senhoria.
O acabamento, portanto, apesar de ser resultado de uma fruição interpretativa
condicionada por todo o processo argumentativo, tem em seu interior um dado composicional
que não só permite, mas até certo ponto exige de seu interlocutor uma compreensão desse
encerramento e a manifestação de sua resposta.
Ao tratar do acabamento do enunciado, momento em que se organiza um outro
enunciado, uma resposta, enfim, atua-se sobre sua totalidade. Para se proceder a esse
acabamento enunciativo, Bakhtin (2000, p. 299) relaciona três fatores: 1) o tratamento
exaustivo do objeto do sentido (tema); 2) o intuito, o querer-dizer do locutor; 3) as formas
típicas de estruturação do gênero do acabamento. No caso dos gêneros secundários, esse
acabamento é relativamente fácil de construir, através do tratamento exaustivo do tema, já que
a padronização é máxima e a criatividade é mínima (Ibidem, p.300). O querer-dizer do
locutor determina as fronteiras do enunciado que por si só já está condicionado a certos
limites composicionais.
Pode-se acrescer a esse fator, um outro, o do dever-dizer. Entende-se que o locutor não
se posiciona apenas pelo que quer, mas também pelo que pode ou deve expressar, em respeito
a algumas situações ou contextos de natureza diversificada que interferem nas relações entre
os locutores.
Inevitável um aprofundamento das condições do querer-dizer, dever-dizer e ainda do
poder-dizer. Estar-se-á tratando de um mecanismo bastante recorrente na língua e nas diversas
situações de uso: a Modalização. Esse assunto será estudado mais detidamente na seção 5 –
Modalidades em Evidência – Classificações –, tendo em vista sua profunda interferência na
elaboração dos gêneros que ora estudamos.
Permite-se entender, então, que o acabamento contribui também de forma expressiva
para a constituição de um dado gênero, a partir da idéia de sua estrutura formalizada,
reconhecida pelos participantes do processo enunciativo. Isso se pode confirmar em Pinheiro
(2002, p. 275) que assim dispõe:
[...] pode-se vincular a noção de gênero à recorrência de especificidades e à observação de certos parâmetros sob os quais um texto é produzido e percebido. Um gênero está ligado ao reconhecimento de regularidades de forma e conteúdo de um texto: às formas e aos significados sociais convencionalizados dentro de uma comunidade.
Não se ignora o fato de que há nessa descrição uma idéia estritamente formal que pode
limitar a concepção de acabamento proposta por Bakhtin. Ao se recorrer à sua interferência, o
que se pretende é justamente complementar a idéia do acabamento enunciativo do Parecer
com seu aspecto de estrutura formal, explicitamente marcada por itens que o identificam
como tal.
Apesar da flexibilidade que se tem percebido na organização estrutural (do ponto de
vista interno) do gênero Parecer, há uma certa estabilidade em seu todo composicional. É o
caso de se perceberem itens seqüenciais como: título do documento, identificação do
consulente, do processo que lhe deu origem, da invocação, do relato do caso em análise, da
justificativa acompanhada, em muitos casos (e principalmente quando ela se faz
indispensável) de uma jurisprudência, do encerramento, às vezes seguido de encaminhamento,
da identificação e assinatura do parecerista, locutor, então, do discurso.
Em alguns exemplares, os itens não recebem a mesma nomeação ou identificação; no
entanto, percebe-se, em seu teor argumentativo, que se trata do mesmo elemento. Essa
organização, já de certa forma regulamentada pelo uso, permite ao leitor, interessado ou não
por seu conteúdo, reconhecê-lo por sua funcionalidade, ou seja, o texto não é produzido se
não for útil a uma determinada situação sócio-interativa.
Daí se pode conceber a idéia de que essa compreensão da funcionalidade, condição
presumivelmente inferida da intenção dos envolvidos na interação que justifica sua existência,
acompanha toda a leitura do texto em uso. Entre locutor e interlocutor há o entendimento de
que o todo do texto/enunciado partiu de uma intenção, cumprirá uma função e servirá de
provocação a uma atitude responsiva, mais provavelmente retardada, no caso do Parecer, por
parte de quem dele se servir, a partir do momento em que a interpretação atingir justamente a
compreensão do acabamento do enunciado. É exatamente nesse instante que a presença do
outro concretizará um encerramento “provisório” do enunciado, do Parecer em evidência.
Enfim, o acabamento do Parecer está vinculado a uma compreensão do sentido do texto, a
princípio, e dos elementos composicionais que o estruturam.
Seguindo a idéia de Bakhtin, constatamos que o acabamento do gênero se estabelece
quando se percebe a condição favorável de se lhe dar uma resposta. Esse acabamento pode ser
visto de maneira generalizada no todo do enunciado, conforme a ótica bakhtiniana.
No caso do Parecer, em especial, o acabamento do texto pode ser resultado de uma
seqüência organizacional, respeitando a seleção dos itens que citamos anteriormente
(identificação de processo, de consulentes, relatório etc.), mas se concentra num dos
elementos estruturais que dele fazem parte, o que aqui denominamos encerramento do texto.
Enfim, os elementos composicionais contribuem notoriamente para esse acabamento formal,
uma vez que se apresentam de forma a permitir uma organização estrutural padronizada que
se presume reconhecida pelos interlocutores, autorizando sua realização e eficácia na
atividade discursiva concebida.
Essa organização composicional, presumimos, não apenas faz parte do que se pode
chamar de estilo do gênero, como é, também, responsável pela definição do gênero. O estilo –
e aqui não nos referimos a questões formais da Estilística, em sua visão tradicional – faz
referência a uma forma de se fazer mostrar o locutor. Apesar de haver uma certa estabilidade,
ou construção padrão na confecção de um parecer, também se podem perceber outros traços
que vão além do que dispõe um padrão de elaboração do gênero. Nesse ponto consideramos
possível verificar um estilo pessoal, particular do locutor e que também produzirá influência
sobre seu interlocutor. É sobre o estilo que discorreremos a partir do item seguinte.
1.3 O Estilo
Vendo-se o enunciado conforme dispõe Bakhtin nas seleções anteriormente descritas,
constata-se, então, que o Estilo estará marcado pelo uso das palavras, das unidades
lingüísticas e pela expressividade que nele – enunciado – se manifesta, pois que se originam
das relações interpessoais. Ainda que se constitua, concretamente, de frases ou orações, é o
sentido aplicado a esses estruturantes gramaticais e percebido pelos interactantes que marca a
construção e realização do enunciado. Essa construção/realização depende inevitavelmente da
noção de presença do interlocutor, como já foi citado, e pode ser ratificado pelas palavras do
próprio Bakhtin (2000, p. 320), a seguir:
O índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário. Diferentemente das unidades significantes da língua – palavras e orações – que são de ordem impessoal, não pertencem a ninguém e não se dirigem a ninguém, o enunciado tem autor (e, correlativamente, uma expressão, do que já falamos) e destinatário.
Ainda que leve em consideração a presença do destinatário como elemento
indispensável na construção do gênero, Bakhtin (Ibidem, p. 324) faz referência ao estilo
chamado neutro ou objetivo e diz:
O estilo chamado neutro ou objetivo, o estilo das exposições essencialmente concentradas no seu objeto e que, ao que parece, deveriam ignorar o outro, não deixa de implicitar certa idéia do destinatário. Esse estilo objetivo-neutro seleciona os recursos lingüísticos em função não só de uma adequação ao objeto do discurso, mas também do pressuposto fundo aperceptivo do destinatário do discurso, ainda que esse fundo seja levado em consideração de um modo muito generalizado, com a abstração dos aspectos expressivos (a expressividade do locutor num estilo objetivo também é reduzida ao extremo). O estilo objetivo-neutro pressupõe uma espécie de identificação entre o destinatário e o locutor, uma comunhão de pontos de vista, o que ocorre à custa de uma recusa de expressividade.
Ora, entendemos que, a partir do momento em que se estabelece ou se reconhece a
presença de um destinatário para, principalmente, justificar a construção de um dado gênero,
então a expressividade não pode ser ignorada. E isso é um fato que determinará um estilo que
não se permite dizer neutro ou puramente objetivo. O enunciado construído tem um estilo
genérico, que irá regular sua construção formal a partir do que se pretende veicular, e um
estilo individualizado pelo próprio autor, a partir de suas intenções, suas relações com o
interlocutor e sua própria perspectiva sobre o objeto do sentido, ou seja, sobre o tema em que
se pautará sua argumentação, materializando, então, sua expressividade subjetiva de alguma
forma.
Essa relação com o interlocutor é determinante para a produção do gênero e,
conseqüentemente, do estilo utilizado pelo locutor na construção de seu enunciado,
observação que pode ser ratificada, ainda, em outras palavras de Bakhtin (Ibidem, p. 321):
A quem se dirige o enunciado? Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinatário? Qual é a força da influência deste sobre o enunciado? É disso que depende a composição, e sobretudo o estilo, do enunciado.
Para Bakhtin, o estilo está ligado ao enunciado, e é através deste último que a língua e
a vida se inter-relacionam, se fundem. Isto leva à intenção, que subjaz no quadro interativo, e,
evidentemente, à função social que se pretende aplicar quando da construção de um gênero. A
expressividade, então, será manifesta. Convém observar que essa expressividade não se
encerra em si mesma – é fruto de outros enunciados que interferem diretamente sobre sua
construção, conforme insiste Bakhtin (Ibidem, p. 320):
Repetimos, o enunciado é um elo na cadeia da comunicação e não pode ser separado dos elos anteriores que o determinam, por fora e por dentro, e provocam nele reações-respostas imediatas e uma ressonância dialógica.
Para a definição de um estilo, é necessário que se considerem certos aspectos do
interlocutor, quais suas preferências, seus pontos de vista, seu conhecimento sobre a área
objeto da comunicação em processo, entre outros. Esses dados, notadamente, serão essenciais
para a construção do gênero discursivo em uso. Embora tal construção parta de um estilo
individual, não se pode perder de vista o coletivo presente em toda a comunicação presumida,
pois, conforme visto acima, trata-se da construção de um enunciado, que não existe
isoladamente, mas sim representa uma ligação entre outros enunciados, uma resposta, um
acúmulo de informações e uma nova forma de reestruturação do discurso. O estilo traduzirá,
portanto, uma forma de expressividade.
Importante observar que não vemos o estilo, aqui, do ponto de vista restrito à
Estilística, ou seja, algo que fala de seus efeitos sobre a língua, como algo corrente e, ao
mesmo tempo, estático, esperado, presumível. Não se trata de buscar as potencialidades de
uso da língua para provocar um determinado efeito de sentido. Indo um pouco mais além, ou
seja, afastando-nos um pouco da questão do estilo como algo exclusivo da Estilística em sua
visão mais concentrada, ou seja, tradicionalmente marcada pelos conteúdos gramaticais já
conhecidos, influenciados por alguns “desvios” que permitem uma proliferação de imagens,
achamos conveniente considerarmos a idéia que Bakhtin traz do que seja estilo.
Dessa forma, privilegiamos o estilo como algo que vê além do que está marcado pela
construção frasal, isto é, o estilo construído por uma situação social, histórica, por um
contexto que permite a interação, a inserção do homem no gênero que utiliza para se fazer
presente e para manifestar suas intenções, de forma voluntária e consciente do valor que têm
tais usos na administração de seu discurso.
Daí pode-se dizer que o estilo é o princípio que permite a intersecção de outros estilos,
logo de outros gêneros, fazendo evoluir cada vez mais o universo discursivo entre
locutores/interlocutores.
Ainda sobre este assunto, Bakhtin (2003, p. 261) deixa claro, quando fala do estilo da
linguagem, que se trata da seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua.
E essa seleção já é o início de uma expressividade particularizada, própria de quem produz
um dado texto.
Entendemos que Bakhtin, ao tratar do estilo, lhe confere duas possibilidades de
existência:
a) um estilo do gênero (e aí se confundiria com o que o autor chama de Estilo Geral),
que está indiscutivelmente marcado em sua própria estrutura;
b) um estilo individual, construído pelas interferências de quem participa de sua
realização.
A partir dessas últimas considerações do autor, encontramos espaço para considerar o
estilo, no gênero Parecer, não só como um traço peculiar que o identifica como tal,
diferenciando-o entre outros gêneros, mas ainda como um elemento que é construído pela
influência subjetiva de seu locutor. Nossa idéia nos conduz, então, a um certo afastamento das
impressões de Bakhtin, quando este diz da dificuldade de se refletir a individualidade de quem
fala ou escreve os gêneros do tipo padronizado. Em suas próprias palavras (BAKHTIN, 2003,
p. 265), podemos verificar essa idéia:
As condições menos propícias para o reflexo da individualidade na linguagem estão presentes naqueles gêneros do discurso que requerem uma forma padronizada, por exemplo, em muitas modalidades de documentos oficiais, de ordens militares, nos sinais verbalizados da produção, etc.
Podemos situar os pareceres em análise entre os gêneros do tipo padronizado, como
documentos oficiais, inclusive, e reconhecer essa dificuldade. No entanto, cremos ser possível
identificar esses reflexos de individualidade cruzando-se com o estilo geral na estrutura desse
material, já que, por mais que se pretenda manter-se uma impessoalidade na construção desse
texto, entende-se que, no próprio momento de se justificar a opinião, valendo-se dessa ou
daquela lei, daquele inciso ou de algum outro aporte similar, está-se veiculando uma
expressividade, uma marca pessoal possível de ser identificada.
Apesar de tratarmos de um gênero com peculiaridades de construção a qual, de certa
forma, tenta limitar a expressividade de seu autor, ou locutor, investiremos na busca de
elementos que podem denunciar a interferência pessoal ou subjetividade, formalizando, então,
um estilo particular de quem o produz.
Entre essas diversas formas de expressividade, identificamos o processo da
Modalização, que, podendo se realizar através de várias estratégias lingüístico-discursivas,
aparece como dado marcante nos Pareceres selecionados.
A Modalização representa o ponto central em nossas pesquisas, mas, para chegarmos
às suas particularidades, necessitaremos fazer um breve percurso por outras instâncias do
discurso: as instâncias do Modo e da Modalidade.
2 O Modo
Antes de iniciarmos nossas discussões sobre o processo de Modalização em Pareceres
Técnicos e Jurídicos, sentimos a necessidade de fazer alguns comentários também sobre o que
se tem lido (e considerado) sobre modo e modalidade, uma vez que há uma forte tendência a
se encarar esses três segmentos da produção discursiva como se funcionassem da mesma
forma, ou com o mesmo propósito.
Começamos discorrendo sobre o Modo, inicialmente nas frases simples e, em seguida,
nas frases ou estruturas complexas. Essa separação se faz necessária porque tomamos como
base teórica os estudos de John Lyons (1970), que apresenta os modos indicativo e imperativo
nas frases simples, mas o subjuntivo com caráter de subordinação. Dessa forma, embora não
seja essa nossa preocupação imediata – verificar como se manifesta o modo isoladamente em
frases simples ou em estruturas complexas–, achamos conveniente sua sistematização em
seções secundárias, a fim de também facilitar nossa leitura.
Após as considerações sobre o Modo, faremos, na seção 3, nossa apreciação sobre a
Modalidade.
2.1 O Modo nas frases simples
Como regra geral, é comum pensar-se em Modo como algo apresentado e realizado
pelo verbo, conforme a descrição da gramática tradicional. Segundo Almeida (1989, p. 225),
no capítulo destinado ao estudo dos verbos, como a própria palavra está dizendo, modo na
conjugação de um verbo vem a ser a maneira por que se realiza a ação expressa por esse
verbo. De três maneiras podemos enunciar uma ação; daí, os três modos verbais. O autor
descreve, a seguir, os modos indicativo, subjuntivo e imperativo.
No dicionário de Lingüística de Dubois (2001, p. 415), encontramos a seguinte
definição para Modo:
é uma categoria gramatical, em geral associada ao verbo, e que traduz (1) o tipo de comunicação instituído pelo falante entre ele e seu interlocutor (estatuto da frase) ou (2) a atitude do falante com relação aos seus próprios enunciados.
Mesmo falando sobre modo, a definição acima conduz o raciocínio para duas direções,
conforme se pode ver adiante (DUBOIS, 2001, p. 415):
No primeiro caso, o modo ou modalidade da frase se exprime pela oposição entre (a) a asserção expressa na frase assertiva, afirmativa ou negativa [...]; (b) a interrogação expressa numa frase interrogativa, afirmativa ou negativa [...]; (c) a ordem ou desejo expresso numa frase imperativa ou optativa, afirmativa ou negativa. [...]
No segundo caso, o modo, ou modalização, se exprime pela oposição entre uma atitude do falante, que assume (que leva em conta) seus enunciados, e a do locutor, que não assume (que rejeita) parcial ou totalmente seus enunciados. Em português, o modo do enunciado assumido é o indicativo; o modo do não-assumido é, também, o indicativo (futuro do pretérito) nas frases indiretas: [...], e o subjuntivo ou o futuro do pretérito do indicativo nas frases indiretas: [...]. A modalização pode ser indicada também por outros meios: os advérbios [...], as intercaladas [...], as mudanças de registro (as aspas, na escrita), etc. O modo é distinto das modalidades lógicas, em que o predicado é contingente, provável, necessário, possível (essa contingência, essa probabilidade pode ser assumida ou não).
A partir do que se dispôs acima, verifica-se que o modo ora se apresenta com traços de
modalidade, ora de modalização.
Embora se tente fazer uma distinção clara entre modo e modalidade, percebe-se que há
uma tendência a ampliar suas noções, uma vez que tais fenômenos não se encontram isolados,
isto é, não há como tratar verbos sem que seu sentido se manifeste de alguma forma no que se
diz, no que se produz discursivamente.
Para Lyons (1970, p. 235), o modo, como o tempo, é freqüentemente realizado pela
flexão do verbo ou por sua modificação com ajuda de auxiliares. Esse processo faz com que
as frases se distingam umas das outras, obedecendo a duas classes: as imperativas e as
interrogativas. As primeiras são marcadas pelo modo porque não fazem nenhuma afirmação,
mas exprimem ordens ou instruções (Viens ici! (Vem aqui!). Apesar dessa apresentação, o
autor atenta para a dificuldade de se garantir a diferença entre o que há de declarativo (ou
melhor seria dizer, imperativo) ou de instrucional nesse enunciado.
Em relação às interrogativas, também o modo é que lhes faria distinguir das frases
declarativas. No entanto, tradicionalmente elas não são consideradas modais porque, na maior
parte das línguas (em destaque aqui o latim, o grego e o francês), a diferença sintática entre a
frase declarativa e a interrogativa se estabelece no emprego de diversos pronomes ou
partículas interrogativas, ou ainda na organização da frase, ou disposição na ordem das
palavras, ou na entonação aplicada no discurso oral.
Mesmo reconhecendo que os lingüistas em geral não falam do modo interrogativo,
Lyons insiste na idéia de que há uma modalidade expressa nas frases interrogativas, conforme
se pode ver a seguir10: Mais, d’un point de vue plus générale, les phrases interrogatives sont
clairment modales ; et on peut les définir par des modalités supplémentaires qui indiquent ce
que le locuteur attend11 (LYONS, 1970, p. 236).
10 Todas as traduções de língua francesa são de nossa responsabilidade.11 Porém, de um ponto de vista mais geral, as frases interrogativas são claramente modais; e se pode defini-las pelas modalidades suplementares que indicam o que o locutor espera.
Ao que parece, a distinção entre modalidade e modo está no caráter indicativo deste
último sobre a modalidade, ou seja, o modo é que dirá como será realizada uma possível
modalidade. E ainda que haja uma concentração do estudo sobre as categorias verbais, o autor
cita escalas de modalidades para fazer presente a questão da intenção impressa no e pelo
discurso. Segundo ele (Ibidem, loc.cit.),
...nous constatons que l’attitude du locuteur peut se marquer grammaticalemente de façons très diverses dans les différentes langues. On peut établir au moins très échelles de modalité. La premiére est celle du souhait et de l’intention. C’est qu’illustre l’épitaphe Requiescat in pace (puisse-t-il reposer em paix) : il y a opposition qui se distingue du subjonctif requiescat et l’indicatif requiescit. (...) La seconde échelle est celle de la necessité et de l’obligation : Je dois aller à Londres la semaine prochaine, etc. La troisième est celle de la certitude et de la possibilité : Il peut pleuvoir demain, Il doit être ici etc.12
A classificação em escalas (échelles) para essas diversas modalidades se deu, segundo
Lyons (Ibidem, loc.cit.), pelo fato de que se pode subdividi-las em um número mais ou menos
grande de classes, como certeza, probabilidade, possibilidade, ou diversos tipos de obrigação
e de necessidade mais ou menos fortes etc.
Algumas línguas ainda podem reunir duas das escalas de modalidades
(obrigatoriedade ou possibilidade, por exemplo), ou mesmo as três (quando, às duas citadas,
se pode acrescentar a escala do desejo) e ainda não lhes dar qualquer estatuto gramatical.
Sobre essas possibilidades, diz o autor (Ibidem, loc.cit)
On remarquera également qu’il y a une affinité entre les phrases impératives et les modalités de « souhait » et de « nécessité » d’une part, et entre les phrases interrogatives et la modalité de « possibilité » d’autre part. En fait, une phrase manifestement interrogative comme Veux-tu venir ici ? (sans tenir compte des différences d’intonation) peut être équivalente semantiquement à la phrase impérative Viens ici, veux-tu ? (ou simplement Viens ici !) et on a du mal à la classe dans une modalité plutôt qu’une autre13 .
Poder-se-ia dizer que se confundem as noções semânticas de desejo e de necessidade
ao se observarem as duas construções – interrogativa e imperativa – marcadas acima (sem
12 Nós constatamos que a atitude do locutor pode se marcar gramaticalmente de maneiras muito diversas nas diferentes línguas. Podem-se estabelecer ao menos três escalas de modalidade. A primeira é essa do desejo e da intenção. É o que ilustra o epitáfio Requiescat in pace (Que ele possa repousar em paz): há uma oposição que se distingue do subjuntivo requiescat do indicativo requiescit .(...) A segunda escala é a da necessidade e da obrigação:Eu devo ir a Londres na próxima semana, etc .A terceira é a da certeza e da possibilidade: Pode chover amanhã, Ele deve estar aqui etc.13 Observe-se igualmente que há uma afinidade entre as frases imperativas e as modalidades de “desejo” e de “necessidade” de uma parte, e entre as frases interrogativas e a modalidade de “possibilidade” de outra parte. Na verdade uma frase manifestadamente interrogativa como Queres vir aqui? (sem levar em conta as diferenças de entonação) pode ser equivalente semanticamente à frase imperativa Vem aqui, queres? (ou simplesmente Vem aqui!) e se ter dificuldade em classificar em uma modalidade em preferência a uma outra.
levar em conta, como fez o autor, as diferenças de entonação), o que provoca, então, a
denominação de uma modalidade em detrimento de outra sem haver qualquer garantia de sua
propriedade, ou seja, tanto se pode atribuir ao verbo de uma frase desse tipo a modalidade
imperativa como a interrogativa, e tanto uma quanto a outra esboçam o que espera o locutor
nas instâncias comunicativas de que faz parte.
Situação semelhante pode ser percebida entre frases declarativas com noção de
imperativo, sutilmente aplicada no discurso sem identificação clara da pessoa verbal que
assuma seu teor. É o que, a título de exemplificação, podemos extrair de um dos exemplares
do corpus deste trabalho.
Observe-se a passagem :
(PJ-16, Anexo A, p. 192) 14
“Outrossim, recomenda a remessa de cópias ao Ministério Público para instruir Ação Penal (grifo nosso).
Via de regra, podemos identificar ou classificar o verbo recomendar como marcado
pelo modo indicativo, com noção de declaração. No entanto, há que se levar em conta o fato
de o verbo, em sua própria essência semântica, abrir caminho para a leitura não só de um
conselho, próximo ao desejo do locutor de que algo seja feito, mas ainda permitir associação
com o traço de obrigatoriedade que o fato exige, reforçado, inclusive pelos termos seguintes :
“instruir Ação Penal”. O que, de certa forma, bloqueia o valor do imperativo é justamente a
ausência de um elemento gramatical ou discursivo que assuma o dito: o ato de recomendar.
Ainda assim, tal estratégia não anula o caráter sugestivo e, partindo de uma autoridade, o
parecerista, no caso, a noção do que deve ser feito para atingir os envolvidos no caso
analisado.
De volta às considerações de Lyons, verificamos, em resumo, que o autor trata
modalidade como conseqüência da aplicação do modo, e as frases que trazem esse traço são
aquelas que expressam alguma atitude do locutor.
Bronckart (1999), embora não trate exatamente do modo na perspectiva como o
apresentamos a partir de Lyons, menciona que, às quatro funções de modalização (lógicas,
deônticas, apreciativas e pragmáticas), alguns autores acrescentam as modalidades de
14 A exemplo das citações, os trechos que extrairmos do corpus, para servirem de exemplo a fim de fundamentar alguma idéia desenvolvida, serão registrados com margem recuada, porém de menor extensão, e serão transcritos em fonte do tipo Arial 11. A identificação do Parecer do qual foram extraídos tais trechos será feita antes de seu registro, na parte superior, à esquerda da linha, entre parênteses e em negrito, seguido da página do Anexo, para facilitar a localização do Parecer completo.
enunciado, isto é, os valores modais associados aos quatro tipos de frases identificáveis na
microssintaxe: frases declarativas, exclamativas, imperativas e interrogativas (Idem, p. 335).
Segundo ele, essa teoria apresenta as frases declarativas como não portadoras de qualquer
valor suplementar, enquanto que as exclamativas, imperativas e interrogativas teriam esse
valor em sua essência, pois que traduziriam uma ordem, um pedido, um espanto etc.isto, é,
manifestariam seu valor ilocucional.
Para Bronckart, o valor ilocucional não está expresso no tipo sintático a que pertence
uma frase, afinal uma frase declarativa pode expressar uma ordem, uma frase interrogativa
pode expressar um pedido, um desejo. Além do mais, os valores ilocucionais expressos em
uma frase são, segundo o autor, potencialmente infinitos, pois designam a espécie de ato
comunicativo semiotizado no texto, assim como é ilimitado o número dessas espécies de atos
(Ibidem, loc.cit.).
Constata-se que, ao tratar de outras modalidades (presumimos aqui que se trata das
lógicas), Lyons as distribui em escalas: de desejo ou de intenção, de necessidade ou de
obrigação, e de certeza ou possibilidade, embora sem correspondência imediata. Embora não
distribua as modalidades em escalas – como fez Lyons –, idéia semelhante também é
observada em Bronckart, que, se referindo a tipos de frases, reconhece, com exceção da frase
declarativa, a presença de valores ilocucionais na atividade discursiva.
2.2 O Modo nas estruturas complexas
Até então, os comentários fizeram referência às frases simples. Nas estruturas
complexas, a referência é feita em relação ao estatuto de modalidade impressa ao subjuntivo
em francês. Lyons diz não haver qualquer critério que justifique a presença do subjuntivo –
reconhecido como um modo – em lugar do indicativo, a não ser pela idéia de que o termo
tradicional subjuntivo vem da tradução latina da palavra grega que significava
“subordinação”, logo era o subjuntivo o modo da subordinação por excelência. O indicativo
como forma não-marcada não apresenta, portanto, modalidade (LYONS, 1970, p. 235). A
título de exemplo, ele apresenta a situação do indicativo e do subjuntivo: o primeiro
ocorrendo, em francês, nas frases afirmativas ; e o segundo, nas frases negativas. Dá como
exemplo : Je crois qu’il vient (Eu creio que ele vem.) versus Je ne crois pas qu’il vienne (Eu
não creio que ele venha) (Idem, ibidem, p. 239). Observa-se que o único elemento que
provocou a diferença da aplicação verbal entre as duas frases foi a partícula de negação.
Para justificar a negação como um critério que faz do subjuntivo um modo e não uma
forma verbal, citamos o próprio Lyons (Ibidem, pp. 239-240):
On peut distinguer trois possibilités pour les langues dans lesquelles un ensemble de formes verbales se rencontre surtout dans les propositions subordonnées. (1) les distributions d’un ensemble de formes A et d’un ensemble de formes B peuvent en partie être complémentaires et en partie se chevaucher ; et la distinction peut être modale dans les contextes où ces formes sont en opposition. (...). (2) L’ocurrence soit de A soit de B dans les propositions subordonnées peut être en corrélation avec une différence de modalité qui est également indiquée ailleurs dans la phrase. (...) (3) Il peut n’y avoir aucune espèce de corrélation entre l’ocurrence d’un ensemble spécifique de formes et la modalité du contexte par lequel elles sont determinées. Dans ce cas, on ne décrirait pas la différence entre A et B comme modale – bien qu’on puisse cependant employer le terme subjonctifI pour désigner l’ensemble des formes qui sont plus ou moins limitées aux propositions subordonnées 15.
Para exemplificar a condição (1), Lyons cita a oposição entre o subjuntivo e o
indicativo que, em latim, era mais marcada. No francês, no entanto, a escolha entre um ou
outro não parte exatamente dessa oposição (uma vez que as formas verbais ora podem se
complementar, ora podem ser substituídas umas pela outras), mas de outros fatores na maioria
das proposições subordinadas – o autor não faz referência, no entanto, a esses fatores. É na
condição (2) que vemos que se inclui a negação, uma vez que, inscrita na própria frase,
exprime a dúvida do locutor em oposição à segurança relativa da frase afirmativa. Seria,
então, essa impressão de dúvida que caracterizaria o subjuntivo como portador de uma
modalização.
Ainda que atenda às duas primeiras condições acima expostas, fazendo com que o
subjuntivo seja considerado como um modo, analisado o termo em si mesmo, segundo o
lingüista, ele não porta qualquer nuance de modalidade, haja vista a possibilidade expressa na
condição (3) que trata justamente da ausência de correlação entre a ocorrência de um
conjunto de formas verbais e a implicação do contexto sobre estas, de modo que se pode
empregar o termo subjuntivo às formas mais ou menos limitadas às proposições subordinadas,
mas não obrigatoriamente como modo (LYONS, 1970, p. 240).
15 Podem-se distinguir três possibilidades para as línguas nas quais um conjunto de formas verbais se encontra sobretudo nas proposições subordinadas. (1) As distribuições de um conjunto de formas A e de um conjunto de formas B podem em parte ser complementares em parte se suplantar; e a distinção pode ser modal nos contextos onde essas formas estão em oposição (...). (2) A ocorrência seja de A seja de B nas proposições subordinadas pode estar em correlação com uma diferença de modalidade que é igualmente indicada aliás na frase (...), (3) Pode não haver qualquer espécie de correlação entre a ocorrência de um conjunto específico de formas e a modalidade do contexto pelo qual elas são determinadas. Neste caso não se descreveria a diferença entre A e B como modal – ainda que se pudesse entretanto empregar o subjuntivo para se designar o conjunto das formas que são mais ou menos limitadas às proposições subordinadas.
De certa forma, o que leva ao emprego de uma forma específica do verbo são os
traços sintáticos, já que a l’ocurrence de cette forme spécifique ne peut pas, par elle-même,
porter une distinction de modalité16 (Idem, ibidem, p. 239).
O que se pode concluir dessa discussão? Apesar de falar em modalidade, Lyons não a
apresenta como participando, nas estruturas complexas, do que chamamos de enunciado. Sua
concepção sobre o fenômeno se restringe a determinar o modo com que se pode apresentar
um verbo, discutindo, inclusive, sua pertinência ou não nessa categoria – de modalidade. Uma
vez analisando as estruturas complexas, a inserção do primeiro grupo verbal – o que
tradicionalmente chamamos de oração principal, conforme a gramática normativa – não é o
objeto de análise do autor; sua análise recai exatamente sobre a segunda assertiva – ou oração
subordinada, ainda seguindo a orientação da gramática normativa –, que encerra um modo
(indicativo ou subjuntivo) a partir de algumas condições que viriam expressas no primeiro
grupo, o da oração principal. Lyons parece não reconhecer essa obrigatoriedade do subjuntivo
em todas as circunstâncias em que esta forma verbal acontece, ou seja, a noção de
subordinação apresentada pelos gregos e latinos e que inferiam a capacidade modal ao
subjuntivo não mantém sua idéia original.
Não há como negar que, de alguma forma, Lyons também vê a modalidade como uma
característica da atitude de um dado locutor (ainda que considere tal modalidade como
suplementar), ou seja, haverá traços de modalidade quando o locutor quiser expressar : a)um
desejo ; b) uma necessidade ou obrigação ; e c)uma certeza ou possibilidade, conforme visto
anteriormente ao se apresentarem as escalas de modalidades (cf. p.33). Para se utilizar o
imperativo ou as frases interrogativas, há sempre um propósito que deveria ser percebido pelo
interlocutor na atividade interlocutiva que vivencia. Entretanto, essa modalidade de que trata
Lyons parece ter mais relação com as atitudes ilocucionárias (valores ilocucionários, para
Lyons) adiante apresentadas por Cervoni, que também não considera o modo como definidor
de modalidade, conforme se verá na apresentação do assunto na seção 4.1.
16 A ocorrência de certa forma específica não pode, por ela mesma, portar uma distinção de modalidade.
3 As Modalidades – aspectos gerais
Para falar sobre as Modalidades, começamos com o trabalho de Castilho & Castilho17
(1993, p. 217) os quais declaram:
17 Importante atentarmos para o fato de que estes autores estão reapresentando, conceitos de Charles Bally, conforme podemos verificar em Flores & Teixeira (2005, p. 17), quando lemos: “Bally vê na oração duas partes: a do dictum, base da oração, e a do modus, operação do falante sobre o dictum”. Esses conceitos já haviam sido considerados por Cervoni (1989, p. 54), quando este cita a obra Linguistique générale et linguistique française (1ª ed. 1932), onde Bally retoma os mesmos termos – modus e dictum – utilizados na Idade Média, para fazer distinção entre a forma e a matéria dos enunciados para constituir a base de sua “teoria da enunciação”.
A Gramática Tradicional reconhece dois grandes componentes na sentença: o componente proposicional, constituído de sujeito + predicado (=dictum), e o componente modal, que é uma qualificação do conteúdo da forma de P, de acordo com o julgamento do falante (=modus). Esse julgamento se expressa de dois modos:1) o falante apresenta o conteúdo proposicional numa forma assertiva (afirmativa ou negativa), interrogativa (polar ou não-polar) e jussiva (imperativa ou optativa); (2) o falante expressa seu relacionamento com o conteúdo proposicional, avaliando seu teor de verdade ou expressando seu julgamento sobre a forma escolhida para a verbalização desse conteúdo.
Às duas formas de julgamento, Castilho & Castilho denominam estratégias: a primeira
referindo-se à modalidade, a segunda, à modalização. Os mesmos autores, entretanto,
utilizam os termos sinonimamente, alegando que sempre há uma avaliação prévia do falante
sobre o conteúdo da proposição que ele vai veicular, decorrendo daqui suas decisões sobre
afirmar, negar, interrogar (...) etc. (Ibidem, loc.cit.).
Embora se faça referência ao conceito de modo, na descrição constante do dicionário
Dubois e nas conceituações de Lyons e Castilho & Castilho, verifica-se uma “expansão”
desse conceito, fazendo aparecer os termos Modalidade e Modalização.
Segundo o dicionário Dubois (2001, pp. 413-414), na gramática gerativa, a
modalidade é, com o núcleo, um constituinte imediato da frase de base.(...). Como
constituinte, ele define, portanto, o tipo de frase ou o estatuto da frase: a frase é
interrogativa, declarativa, exclamativa, imperativa e facultativamente enfática, negativa ou
passiva.
Uma outra definição, a de André Martinet, é ainda apresentada no mesmo dicionário
(DUBOIS, 2001, p. 414), onde se lê que, para Martinet, modalidades são monemas
gramaticais que não podem servir para marcar a função: o monema de plural é uma
modalidade. Em sua própria obra, Martinet (1975, p. 103) diz que monemas correspondem a
unidades significativas mínimas sucessivas que constituem os enunciados ou seus fragmentos.
O autor classifica alguns monemas como funcionais, que servirão para indicar a
função de um monema vizinho, chamado de monema dependente. Os monemas funcionais se
manifestam por si sós, ou seja, trazem em si mesmos a indicação de sua função, por isso, são
também chamados de monemas autônomos (Idem, ibidem, p. 120).
Martinet faz distinção, ainda, entre os monemas gramaticais (morfemas) e os lexicais
(lexemas) (Ibidem, p. 121), e considera os determinantes gramaticais como modalidades. De
uma forma geral, os monemas funcionais são gramaticais; são aqueles que introduzirão uma
função a ser exercida pelo termo determinado, agindo então como determinantes. Para dar
melhor exemplo, podemos citar o artigo (definido ou indefinido) que, na opinião de Martinet,
particulariza, ou não, um ser, ativando a noção de modalidade. Segundo ele (Ibidem, pp.
122-123), em relação às modalidades,
A escolha de qualquer delas em certo ponto do discurso é função directa das necessidades da comunicação e, mais exactamente, da experiência a comunicar. As modalidades não diferem a este respeito dos outros monemas não funcionais: para dizer o que quero, escolho entre o javali e um javali do mesmo modo que escolho entre javali e corça. A diferença reside em que, no caso das modalidades, a escolha é estritamente limitada – “definido” ou “indefinido” –, ao passo que é praticamente ilimitado o número de animais entre os quais posso escolher para completar um enunciado como o caçador matou...
Vê-se que a noção de modalidade de A. Martinet tem relação com funções gramaticais
e estabelece limites (de gênero, número e posse – no caso dos nomes –, e de tempo e pessoa, –
no caso dos verbos –, por exemplo) dentro dos enunciados.
Jean Cervoni (1989, p. 53), ao tratar das modalidades, em princípio, apresenta a idéia
de que num enunciado se pode distinguir um dito (conteúdo proposicional) e uma modalidade
(ponto de vista do sujeito falante sobre este conteúdo)18. Em breve passagem, Cervoni
(Ibidem, p. 55) faz, também, referência ao modo, ao se referir aos verbos querer, dever, poder
e saber que, em francês, melhor correspondem à descrição de tipos de atitudes que explicam o
funcionamento da narrativa. Esses verbos mais adiante merecerão especial atenção por parte
deste e de outros autores, pois, mesmo em outras línguas diferentes do francês, se tem
percebido sua influência em um enunciado.
Um outro ponto de vista a ser considerado é o de Koch. A autora não fala em modo
especificamente, trata a questão a partir já das modalidades. Na visão da lingüista (KOCH,
2002, p. 86), é através das modalidades que o locutor marca uma distância relativa em relação
ao enunciado, expressando seu maior ou menor engajamento com o que diz. E acrescenta
(KOCH, ibidem, loc. cit.): O recurso às modalidades (...) permite, ainda, introduzir
modalizações produzidas por outras “vozes” incorporadas ao seu discurso, isto é, oriundas
de enunciadores diferentes...
Ao fazer referência à introdução de modalizações, Koch (Ibidem, p. 78) permite que se
entenda modalidade como algo distinto de modalização, e possivelmente modo como
modalidade, ao fazer referência à “face subjetiva” de conceitos dos modos deônticos e
axiológicos, conforme se pode ver na transcrição abaixo:
18 Ratifica-se aqui a concepção de Charles Bally, já referendada na página anterior (Cf. nota de rodapé 16).
Enquanto os modos aléticos se referem aos objetos do pensamento e os epistêmicos, ao próprio pensamento, os modos deônticos e axiológicos referem-se a conceitos que constituem como que a sua face subjetiva (...).
Impossível não se prender à idéia de subjetividade transposta pelas palavras de Koch.
Seja falando sobre modo, seja sobre modalidade, ou mesmo introduzindo a noção de
modalização (isolando-os ou fundindo-os), a autora concebe a presença não só de objetos do
pensamento mas ainda do próprio pensamento, logo a presença mesma do locutor, visto que
entendemos não haver como se manifestarem quaisquer dos fenômenos acima, se não houver
um autor/locutor para realizá-los.
Conforme já previsto, a delimitação exata do alcance nocional de modo e de
modalidade não é facilmente determinável. Aliás, há freqüente flutuação entre as opiniões dos
autores, exigindo uma observação cuidadosa quando da ocorrência de cada um desses
fenômenos lingüísticos, influenciando diretamente sobre os enunciados reais, porque sociais e
históricos, ou mesmo sendo responsáveis por sua construção. Além desses fenômenos, deve-
se, também, levar-se em conta que há, ainda, um terceiro elemento presente nesse movimento
argumentativo-discursivo: a modalização.
4 A Modalização
Tanto quanto o modo e as modalidades, a idéia de modalização, conforme já dissemos,
não está definida, ou, pelo menos, ainda não se pode lançar mão de uma idéia que represente
ponto pacífico entre todos os que se preocuparam com tal estudo. Assim, para tentarmos
expor de que forma estaremos tratando, não só o modo e as modalidades, mas também a
modalização, faremos uma breve apreciação sobre as pesquisas desenvolvidas por alguns
estudiosos. Começamos pela definição constante do dicionário Dubois.
Em seu Dicionário de Lingüística, Dubois (2001, p. 414) apresenta a modalização
como a marca dada pelo sujeito a seu enunciado. Conforme o autor, pode-se partir de três
diferentes conceitos envolvidos no processo da enunciação (ato de produção do texto pelo
falante) para se compreender a noção de modalização. Assim se pode ler em seu dicionário de
lingüística (Ibidem, loc. cit.):
(1) O conceito de distância considera a relação entre sujeito e mundo por intermédio do enunciado (...); (2) o conceito de transparência estuda a presença ou o apagamento do sujeito de enunciação; (3) o conceito de tensão registra as relações entre falante e ouvinte por meio do texto: ser/estar e ter marcarão a tensão mínima; os auxiliares querer, poder, etc., a tensão máxima. (...).
Observando-se os conceitos acima – distância, transparência e tensão –, verifica-se
que se referem ao grau de engajamento que o locutor estabelece com o próprio enunciado e
com seu interlocutor, a partir das crenças que ele espera serem aceitas por este último. Essa
relação com o dito se efetua num movimento ora de explicitude ora de atenuância e até
mesmo de ofuscamento total das impressões ou da presença do locutor, veiculados pela
própria enunciação, material real construído a partir de elementos lingüísticos e
paralingüísticos (como as entonações no texto oral, a pontuação no texto escrito, entre outros).
O locutor, através da modalização, pode, portanto, se expor totalmente, parcialmente ou tentar
eximir-se de qualquer vínculo com o que profere.
No conceito de distância, há um limite máximo – em que o sujeito se apresenta
totalmente distante de seu enunciado, ou seja, considera seu enunciado como parte integrante
de um mundo distinto dele mesmo; e um limite mínimo – em que se percebe o sujeito
assumindo totalmente seu enunciado, isto é, diminuindo a distância entre si e o enunciado
produzido.
Se com seu enunciado, o locutor permite que se perceba de que “lugar” ele fala (a
favor ou contra, ou tentando tornar-se ou parecer neutro), então, ou ele se aproxima do que
diz, deixando claro qual sua intenção, envolvendo-se com o dito, ou ele se distancia, fazendo
um caminho oposto, ou seja, desengajando-se do dito, ofuscando, então, a dita transparência.
Em relação ao conceito de transparência, o locutor pode deixar que seja identificado
seu comprometimento com o dito, como no uso de expressões do tipo “Eu creio”..., “Eu
acredito que...”, “Eu garanto que...”), ou de outros recursos de não comprometimento, quando
se protege com o uso de expressões como “É possível que...”, “Parece que..., “Seria
interessante que...”, entre outros artifícios. Assim, o conceito de transparência tem a ver com
o locutor mesmo, com sua própria presença no processo enunciativo.
Já o conceito de tensão tem a ver com a atuação do locutor sobre seu interlocutor. A
tensão será máxima quando o locutor tentar deixar sua marca de ação sobre o outro, e isso
poderá ficar claro quando utilizar verbos como querer, poder, dever etc. É o caso de situações
como a que se vê em “Todos devem se manter calados”. Será mínima quando não se registrar
grande interesse de ação sobre o interlocutor; os verbos que farão parte de enunciados cujo
conceito de tensão se mostre mínimo serão ser/estar e ter. Como exemplo, podemos citar uma
construção do tipo “Seria bom que todos se mantivessem calados”. Neste último exemplo,
observamos a construção de um ato indireto, ou seja, a presença de performativo implícito.
Com uma observação um pouco mais cuidadosa, sobre esse último enunciado, pode-se
constatar uma interferência do locutor sobre seu(s) interlocutor(es), deixando implícito um
pedido ou uma ordem para expressar sua vontade de que houvesse silêncio, de se omitir algo
que não devesse ser dito, entre outras leituras possíveis estabelecidas pelo contexto ou
situação de uso.
Há que se fazer um breve comentário sobre o verbo TER. Entendemos que, em alguns
casos, esse verbo pode estabelecer uma tensão máxima. Se se produz algo do tipo: “Tem de
haver...” ou “Você tem de fazer...” ou algo similar, cuja tensão aparece no tempo da
conjugação verbal, percebe-se que o verbo TER, nessas construções, será entendido como
dever, logo haverá uma relação locutor/interlocutor totalmente tensa, comprometendo-os entre
si.
Isto se pode comprovar pela passagem abaixo:
(PT-01, Anexo A, p. 131)
“Para que o(a) estudante tenha acesso ao ensino superior, tenha oportunidade de se qualificar, mantendo o seu ‘status’ de universitário(a) no Brasil, e obter (sic) o título de bacharel em direito, terá que se submeter ao concurso vestibular, apenas isto, conforme exige a legislação” (grifo nosso).
O extrato acima – (PT-01) – permite que se veja, com clareza, os graus de tensão
(originando obrigatoriedade); engajamento (o locutor se envolve claramente, e não emprega
meios-termos para dizer qual sua posição em relação ao caso); e de transparência do locutor
em relação ao que diz (com a forma verbal grifada acima, o locutor expressa o que pensa e o
que espera que seja realizado pelo interessado, aliás, a solução indicada pelo parecerista é
simples – “apenas isto” –, mas a única possível para se resolver o problema em análise).
A noção de engajamento parece manifestar-se claramente nos conceitos de distância e
transparência, já que se referem à relação que há entre o locutor e seu enunciado, ou ao
processo de enunciação. Em sua atitude de produção discursiva, o locutor já se predispõe, ou
não, a se deixar envolver pelo que pretende dizer; de outra forma, o que esse mesmo locutor
pretende com seu enunciado será ou poderá ser lido, percebido pelo interlocutor, através das
marcas impressas nessa produção, o que se traduz pelo conceito da transparência.
À primeira vista, o conceito de tensão não teria maior relação com o engajamento
tratado dessa forma, já que esse aspecto parece não ser considerado, dentro dessa perspectiva,
a partir da relação entre o locutor e seu enunciado, mas sim entre o locutor e interlocutor.
Mas, como agir sobre o interlocutor se este não percebe quanto há de comprometimento do
locutor com o que ele próprio declara, postula, defende, ou, num caminho inverso, parece não
fazê-lo, com um fim específico, de não se comprometer com o dito, mas ainda assim atuar
sobre sua platéia?
O conceito de tensão pode nos sugerir a obrigação, a certeza, a possibilidade ou o
convite ao envolvimento moral, cultural ou mesmo afetivo por parte do locutor com a
intenção de agir sobre o interlocutor, induzindo-o a uma participação, ou não, dentro do dito,
considerando os graus de tensão máxima e mínima dispostos nessa relação.
Os conceitos acima discutidos nos atentam para o fato de que o engajamento do
locutor com seu interlocutor e com seu próprio enunciado passa, sim, pelas três correntes: de
distância, transparência e tensão. E esses conceitos estarão se materializando no processo da
modalização, através de elementos lingüístico-discursivos, responsáveis, conseqüentemente,
pelo sentido que já se esperava alcançar a partir de sua seleção.
O conceito de transparência, referindo-se diretamente ao engajamento do locutor com
o dito, pode, levando-se em conta os graus de transparência, passar pelos critérios do possível
e do provável, enfim pelo valor da crença, o que sugere a modalidade epistêmica. Essa
modalidade também estaria representada ou incutida no conceito de distância, a partir,
também, do grau de envolvimento do locutor em relação ao seu enunciado. O conceito de
tensão pode realizar-se plenamente na modalidade deôntica – eixo do obrigatório, do
permitido, enfim dos deveres, o que ratifica a noção de influência do locutor sobre o outro.
Encontramos, ainda em Dubois (2001, p. 414), a seguinte informação sobre
modalização, que poderia ratificar o que concluímos anteriormente:
O conceito de modalização serve para a análise dos meios utilizados, para traduzir o processo de enunciação. A adesão do falante a seu discurso é sentida pelo interlocutor ora como sublinhada, ora como evidente, ora em baixa: da mesma
forma que o conceito de tensão explica oposição entre o orador que age sobre seu público e o que “ignora seu público”, o conceito de modalização permite dar conta da percepção pelo interlocutor do fato de que o orador crê, insiste no que diz.
A modalização do enunciado é, portanto, do domínio do conteúdo: uma ou mais
frases, um “estado” do discurso, são sentidos como portadores de um certo grau de adesão do
sujeito a seu discurso (Idem, ibidem, loc. cit).
Os conceitos de distância, transparência e tensão, descritos no dicionário, dizem
respeito à análise da enunciação e fazem menção ao engajamento do locutor com seu
enunciado e com seu interlocutor. Retomando Koch (2002, p. 86), é através das modalidades
que o locutor marca uma distância relativa em relação ao enunciado, expressando seu maior
ou menor engajamento com o que diz. A autora não fala em conceitos, mas bem se vê que o
teor das ponderações circula sobre o mesmo objeto – a relação entre locutor, enunciado e
interlocutor.
Percebe-se, então, entre o que se lê em Dubois – acima – e o que postula Koch ao
tratar de modalização, uma mesma noção sobre os referido conceitos, ainda que os autores
não os apresentem da mesma forma.
A autora também informa que “outras vozes” podem ser incorporadas ao discurso
produzido, introduzindo modalizações (KOCH, 2002, p. 86). Estas vozes, oriundas de
enunciadores diferentes, constituem um dos aspectos do fenômeno da polifonia presente na
Teoria da Argumentação, postulada por Oswald Ducrot.
Para Koch (Ibidem, p. 85) na produção de um enunciado, o locutor manifesta suas
intenções e sua atitude através de sucessivos atos ilocucionários de modalização que se
atualizam por meio dos diversos modos de lexicalização que a língua oferece. A autora
considera esses modos de lexicalização também como lexicalizações de modalidades.
Entendemos essas últimas exatamente como unidades formadas de elementos lingüísticos que,
em sua forma final, constituem a face do enunciado, a substância concreta e real que serve de
aporte para a atividade dialógica, permitindo o acordo ou o contraponto, a réplica, a aceitação,
a interação enfim.
A autora, ao que parece, não toma modalidade por modalização; entendemos que,
segundo sua idéia, as modalidades são recursos de argumentação, ou mais explicitamente,
recursos que favorecem e possibilitam a modalização, garantindo sua efetiva presença no
enunciado produzido. Ao falar em “outras vozes”, Koch promove a ampliação do alcance das
modalidades, responsáveis, nesse caso, pela possibilidade de se estabelecer uma outra forma
de modalização. Pode-se supor que a modalização, como um processo, não se limita a um
enunciado produzido por um só locutor, mas se estende, pela presença das modalidades, a
outros enunciados, produzidos por outros locutores e/ou enunciadores.
Em artigo publicado, Guimarães (2001, p. 65) indica sua idéia de modalização como
processo (aqui encontramos eco na compreensão que tivemos de Koch e que expomos
acima), apontando o uso do termo como tal ora numa acepção restrita, bem próximo da sua
significação no campo da Lógica modal, ora numa acepção ampla, abrangendo também a
modalidade de frase, a que ela denomina modalidade lato sensu. Em outro ponto de seu
artigo, a autora (GUIMARÃES, 2001, p.68) introduz seu conceito de modalizadores:
Recobramos, então, neste ponto, a noção de modalizadores como podendo ser identificada com todos os elementos lingüísticos que funcionam como indicadores das intenções, dos sentimentos e das atitudes do enunciador no que diz respeito a seu discurso.
Em suma, quer nos parecer que há uma harmonia pelo menos entre as três posições
acima – a primeira descrita no dicionário de Dubois, a segunda defendida por Koch e a
terceira apresentada por Guimarães–19, sobre o fato de a modalização se configurar como um
processo que se manifesta através de modalidades, estas representadas, por sua vez, por
elementos lingüísticos – os modalizadores. Esta última autora ainda acrescenta que a
modalidade extrapola o âmbito do estritamente lingüístico – o que inviabiliza sua análise em
dimensões radicais e estanques (GUIMARÃES, 2001, p. 75). Pode-se entender, portanto, que
a interação não se constitui somente de elementos lingüístico-discursivos, há ainda os
paralingüísticos assim como os extralingüísticos, o que significa dizer as expressões faciais,
os gestos, a entonação de voz no discurso oral etc.
Nos estudos de Bronckart, observamos que este autor usa modalização por
modalidade, assim como Castilho & Castilho, embora não apresente, ao contrário destes
últimos, qualquer motivo para tal procedimento.
Nos termos de Bronckart (1999, p. 330), assim está disposto o assunto:
As modalizações têm como finalidade geral traduzir, a partir de qualquer voz enunciativa, os diversos comentários ou avaliações formulados a respeito de alguns elementos do conteúdo temático. (...) Portanto, as modalizações pertencem à dimensão configuracional do texto, contribuindo para o estabelecimento de sua
19 Atentamos para o fato de, nesta parte do trabalho, termos feito uma pequena relação comparativa apenas entre Dubois, Koch e Guimarães, apesar de também outros autores nos servirem de suporte teórico. A não inclusão dos demais nessa perspectiva comparativa se explica devido à forma particular com que estes últimos apresentam a modalização, os quais exigem, de nossa parte, uma leitura mais detalhada, como é o caso de Jean Cervoni (l989), que parte da Lógica Modal e se estende até a Teoria dos Atos de Fala, de Austin.
coerência pragmática ou interativa e orientando o destinatário na interpretação de seu conteúdo temático (grifos do autor).
Em suma, seja utilizando o termo modalidade, seja modalização, as discussões
anteriores mostram um ponto vital em sua apresentação: a interatividade. As atividades
discursivas estão intimamente ligadas às interpretações, avaliações e, principalmente, às
intenções dos interlocutores. O jogo presencial locutor/interlocutor, com recursos lingüísticos
expressos ou recursos extralingüísticos, é monitorado pelos participantes que se valem da
modalização para dirigir o sentido de seus enunciados, afetando, expressa ou implicitamente,
o outro.
4.1 A Modalização – ação total ou parcial de expressões verbais
Para uma apreciação mais detalhada sobre a Modalização, voltamos a Cervoni, que
utiliza uma terminologia específica para tratar as modalidades lingüísticas. O autor faz uma
distinção entre núcleo duro e modalidade impura. Não nos parece inconveniente tentar uma
uniformização nesses termos, uma vez que a modalidade impura aparece como uma oposição
ao núcleo duro no sentido de que certas expressões consideradas modalizadoras não encerram
consigo os traços da estrutura canônica do núcleo duro, de forma que passaremos a chamar a
este último de modalidade pura, mantendo a distinção proposta pela teoria.
A modalidade pura a que nos referimos acima aparece sob duas formas: uma formada
pela modalidade proposicional e que apresenta estrutura canônica a qual corresponde a “É +
Adjetivo + que p ou infinitivo”, e outra formada pelos auxiliares de modo (CERVONI, 1989,
p. 63). Assim, Cervoni toma modalidade por modalização, atribuindo à modalidade o poder
de incidir sobre todo um conteúdo proposicional de um enunciado, ocorrendo, então a
modalização, de fato. É o que se pode verificar num exemplo como É certo que algo
acontecerá.
As Modalidades Proposicionais, segundo o autor, se caracterizam por sua
exterioridade em relação à proposição que “modalizam” ou ao infinitivo que as substitui
(CERVONI, 1989, p. 63), ou seja, entendemos que este tipo de modalidade agirá sobre todo o
conteúdo proposicional, sendo esta sua maior particularidade. Desse modo, ao se enunciar “É
certo que algo acontecerá”, deixa-se impressa uma atitude de certeza, a qual, na classificação
tradicional das modalidades, corresponde a uma modalidade epistêmica, inerente ao eixo das
certezas e possibilidades, ou seja, ao conhecimento das coisas.
Quanto aos auxiliares de modo, os de maior aceitação são poder e dever. De um modo
geral, o primeiro indicando a possibilidade e o segundo, a obrigação, ainda que seja possível
observar-se tanto um quanto outro verbo apresentando acepções cruzadas, isto é, o verbo
dever também dando noção de possibilidade e o verbo poder usado com sentido de
obrigação. Também é visto como auxiliar modal o verbo ser, em expressões do tipo “ser
preciso”, “saber” e “querer”. Com “ser preciso” pode-se ter a expressão que P (que + frase).
O valor de necessidade ou de obrigação pode ser confirmado nessas construções: ex.: É
preciso partir ou É preciso que eu parta (CERVONI, 1989, p. 64). Com os auxiliares até aqui
considerados a modalidade incide também sobre todo o conteúdo proposicional.
Em relação ao verbo saber, Cervoni atenta para a necessidade de se distinguir se o
valor modal é de certeza, o que permite a construção que P. Ex.: Eu sei que..., ou de haver
um valor modal de “possibilidade interna” (capacidade): ex.: Ela sabe ser bela, quando a
construção aparece com verbo no infinitivo e o sujeito dos dois verbos sendo sempre o
mesmo (Ibidem, p.65).
Sobre o verbo querer, Cervoni apresenta duas situações: uma em que se pode vê-lo
como modal e outra em que nada nesse sentido se pode constatar. Segundo o autor, há um
vínculo com o valor modal em construções do tipo Eu quero que partas, em que se observa o
caráter da necessidade. O mesmo não se dá, por exemplo, em formas em que o mesmo verbo
aparece com o morfema –ria (indicador de futuro do pretérito do indicativo), cujo valor mais
se aproxima do desejo (Ibidem, loc.cit.).
Enfim, apesar de situar os verbos acima entre as modalidades puras, Cervoni faz
algumas restrições quanto ao verbo querer, levando em conta situações em que este não se
apresenta como responsável por alguma modalização, o que o faz considerá-lo como semi-
auxiliar modal. O mesmo se dá com os verbos crer e parecer, os quais, para este autor, não se
prestam ao imperativo mantendo a noção de obrigatoriedade que geralmente se pretende
aplicar com esse modo. Enquanto crer se encaminha a uma adesão espiritual, parecer sugere
idéia de aparência. Assim, as construções com imperativo do tipo Parece que ou Parecei que
e Crê que ou Crede que mais se relacionam com essas últimas significações do que com a
idéia significada pelo imperativo (CERVONI, 1989, p. 65).
Assim como Cervoni, Bronckart também faz considerações sobre o verbo querer. Em
relação a este, Bronckart o classifica, assim como o verbo poder, entre os auxiliares (ou
metaverbos) de modo. Desse grupo, segundo o autor, também pode fazer parte um outro
conjunto de verbos cuja carga semântica permite que às vezes “funcionem como” tais, ou
seja, como metaverbos: crer, pensar, gostar de, desejar, ser obrigado a, ser constrangido a,
etc. (BRONCKART, 1999, p. 333).
Em Seus dentes rangiam, ela estava cinza: quis dar um passo em direção à janela em
busca de um pouco de ar, mas não pôde senão estender os braços,...(A. Dumas, Les trois
mousquetaires, p. 397, in: BRONCKART, ibidem), exemplo dado pelo autor para um certo
tipo de modalização, os verbos querer e poder, em destaque, estão acompanhando um outro
no infinitivo, o que nos compele a deduzir que se trata dos mesmos auxiliares modais de que
trata Koch, localizando-os entre os operadores modais (KOCH, 2002, p. 85), conforme
veremos quando da apresentação dos elementos modalizadores.
Retomando Cervoni, para fazer oposição à modalidade pura, o autor discute as
condições de funcionamento de modalidades implícitas ou mescladas num mesmo morfema,
numa mesma expressão, a outros elementos de significação. Trata-se, portanto, da
modalidade impura. Dentro desse grupo, o autor apresenta lexemas que podem ser
parafraseados com ajuda de um verbo modal. Cervoni cita o estudo de B. Pottier intitulado
“Sur les modalités”, de onde extrai, para sua exemplificação o que Pottier chama de “síntese
sêmica”; esta resulta da combinação de elementos em que um deles é uma modalidade, o que
pode ocorrer “tanto com um causativo (FAZER), como com um enunciativo (DIZER). Assim,
autorizar pode ser analisado como FAZER que X PODER; obrigar: FAZER que X DEVER”
(CERVONI, 1989, p. 68). Além dos lexemas parafraseáveis, o autor também cita, como
exemplos de modalidade impura, a oposição entre os modos indicativo e subjuntivo e os
empregos modais de certos tempos do indicativo (Ibidem, loc.cit).
Sobre os lexemas citados acima, verifica-se a construção do tipo sustentar que...,
mantendo a estrutura verbo + que e seu efeito sobre a proposição (sustentar significando uma
dos possíveis sentidos de dizer). Em sua idéia, sustentar uma idéia representa mais do que
simplesmente dizê-la, o que conduz a uma modalidade (noção de certeza, portanto
epistêmica). Entretanto, o simples fato de aceitar a fórmula verbo + que não indica que há, de
fato, uma modalidade aí expressa. Se assim o fosse, haveria modalidade em dizer que..., caso
que o autor identifica como explicitador da circunstância da elocução (CERVONI, 1989, p.
69).
Em suma, para Cervoni, a modalidade pura (núcleo duro) estará expressa em fórmulas
canônicas (“É + Adjetivo + que p ou infinitivo”) ou outra fórmula construída com auxiliares
de modo, porém com valor modal incidindo sobre toda a proposição, ainda assim com
restrições. No caso dessa última possibilidade – da presença dos auxiliares de modo –, não
basta apenas sua presença, ou seja, a construção “verbo + que...” pode representar, em alguns
casos, tão somente uma modalidade impura, já que dependeria de uma intenção, às vezes só
identificável a partir de um parafraseamento, a exemplo do que propõe Pottier, já citado
anteriormente, e que parece configurar bem o valor dos verbos auxiliares na questão da
modalização.
4.2 A Modalização – ação total ou parcial de adjetivos e de advérbios
O percurso analítico que discute a natureza de modalidade pura − segundo o que
define Cervoni − das expressões verbais do item anterior também pode ser aplicado para se
fazer o estudo de adjetivos e advérbios.
Em relação aos adjetivos presentes nas expressões unipessoais, há uma atenção aos
avaliativos (É útil que..., É agradável que...), que permitem a paráfrase em referência e,
sintaticamente, poderiam ser enquadrados entre as modalidades puras. Cervoni, no entanto,
reitera a idéia de que há necessidade, para tal, de a expressão unipessoal atingir ou determinar
uma proposição. Assim, a expressão É agradável que...não constituiria, por exemplo, uma
paráfrase correspondente para a construção Você é agradável ou Este lugar é agradável.
Portanto, faz-se necessário, entretanto, acrescentar uma observação de Cervoni: o
autor classifica os adjetivos em modais e não modais (CERVONI, 1989, p. 69). Para ele, será
modal o adjetivo que participa efetivamente de uma expressão unipessoal e atinge toda a
proposição.
Há algo de comum entre a idéia de Cervoni e a de Neves, sobre os adjetivos. Em seus
estudos, a autora apresenta alguns adjetivos como avaliativos e outros com valor de
modalizadores. Com este último traço, o de modalizadores, ela os classifica como de
modalização epistêmica de certeza ou de asseveração, e de eventualidade (NEVES. 2000, p.
188), e, nos dois casos, a expressão que contém o adjetivo estará incidindo sobre toda a
proposição. Para o primeiro tipo – epistêmico de certeza ou de asseveração –, ela apresenta
como exemplo a seguinte construção: É EVIDENTE que não tendes nenhuma pretensão à
santidade (NEVES, 2000, p. 188). Para exemplificar o adjetivo modalizador de
eventualidade, Neves apresenta a construção: É POSSÍVEL que eu esteja sendo submetida a
uma prova (Ibidem, loc. cit.). Nestes exemplos, observa-se a estrutura unipessoal de que fala
Cervoni, constituindo uma modalidade pura – e aqui esses autores se encontram.
Em uma outra passagem, no entanto, a autora, ainda tratando de adjetivos com aparato
de modalizador, dá como exemplo Pareceu-me o meio mais simples de evitar uma
POSSÍVEL crise na família (NEVES, 2000, p. 188), incluído entre os de eventualidade, ou
seja, entre os de modalização epistêmica. Nessa construção, entretanto, verifica-se que a
estrutura canônica não pode ser recuperada, ou seja, a forma unipessoal de modalidade
proposicional não é realizável. Isto nos leva a crer que, para a autora, o adjetivo mantém seu
valor modal tanto quando incide sobre toda a proposição como quando age sobre apenas uma
parte dela.
O mesmo se dá em relação aos adjetivos de modalização deôntica, também propostos
pela autora. Estes adjetivos, para Neves, exprimem consideração, por parte do falante, de
necessidade por obrigatoriedade (Ibidem, pp. 188-89). E apresenta como exemplos: a)
incidindo sobre toda a proposição: É NECESSÁRIO que o plano seja organizado tendo em
vista o efetivo desenvolvimento nacional (Ibidem, p. 189); b) incidindo apenas sobre um
termo da proposição: Íamos e voltávamos a Niterói – era o passeio OBRIGATÓRIO e
enfadonho de todos os domingos (Ibidem, loc. cit.)
A autora deixa claro em que termos se dá o alcance da modalização, quando fala
sobre o âmbito de incidência do modalizador deôntico (Ibidem, p. 252). Neste momento, ela
trata dos advérbios, mais especificamente, o que não nos impede de colocarmos o adjetivo
nessa mesma situação, conforme se pode comprovar pelos exemplos anteriores. Sob seu ponto
de vista, verificamos a modalização, a partir de advérbios, incidir sobre toda a oração:
OBRIGATORIAMENTE as empresas aplicariam 30% do Imposto de Renda no Programa
de Integração Nacional – PIN (ibidem, p. 253), ou sobre um constituinte da oração: Qualquer
análise da evolução do custo de vida está OBRIGATORIAMENTE sujeita à crítica (Ibidem,
pp. 252-253).
A discussão acima deixa claro que não se pode desprezar a influência, tanto do
adjetivo quanto do advérbio, atuando ora sobre todo o conteúdo proposicional, ora sobre parte
dele, assim como também há que se considerar a relação que há entre o locutor e o enunciado,
já que fica claro, pela presença desses elementos lingüísticos, que há um juízo de valor
expresso no discurso, como já se pôde constatar na exposição de Dubois ao se referir à
modalização (cf. pp. 43-44).
Dissemos, ao introduzirmos os estudos de Jean Cervoni, e em algumas linhas
anteriores a esta, que o autor toma modalidade por modalização. Chama-nos a atenção, no
entanto, o que diz esse autor ao final da obra que estudamos (CERVONI, 1989, p. 75):
O lingüista que busca definir noções operatórias só pode explorar a de modalidade se reduzir sua generalidade. (...) Assim procedendo, conseguiremos distinguir a modalidade do fenômeno muito geral do qual ela faz parte, que poderíamos designar pelo termo modalização, e definir como o reflexo, na linguagem, do fato de que tudo o que o homem pode ser, sentir, pensar, dizer e fazer se insere numa perspectiva particular.
Em suma, apesar de inicialmente a idéia de Cervoni circular em torno de modalidade e
modalização como um só fenômeno, percebe-se que, ao final, ele apresenta a modalização
como algo maior, em suas próprias palavras, fenômeno muito geral, onde estão inseridas as
modalidades (ver citação acima) – embora ele as separe como puras ou impuras, conforme já
apresentado anteriormente. E justifica-se essa nova postura pelo fato de o autor preocupar-se
com uma possível generalização dessas modalidades a ponto de atos ilocucionários serem
vistos também como tal.
Entendemos, portanto, que, para Cervoni, a modalização é um processo do qual as
modalidades fazem parte. A partir de então, concluímos que só serão modalidades, para o
autor, aquelas puras, ou seja, as que, de fato, recobrem todo o conteúdo proposicional; logo,
para que as modalidades impuras façam parte do fenômeno da modalização, é preciso que sua
ocorrência se configure com propriedades puras. Se as modalidades impuras são aquelas que
ora se realizam modalizando a proposição, ora não resistem a um exame que lhes comprove
tal poder em qualquer circunstância, então, essas modalidades não farão parte das primeiras –
modalidades puras –, ou seja, haverá situações em que a proposição poderá ou não ser
recoberta pela modalidade.
Apresentadas as idéias de Jean Cervoni, tomaremos como referencial em nossas
análises a idéia de ora a modalização agir sobre o todo de uma dada proposição – para
Cervoni visto, então, como modalidade pura –, ora apenas sobre parte dela, ponto do qual
comungam este e Neves. Consideraremos, ainda, o adjetivo como elemento lingüístico
agindo, ou não, sobre toda a proposição, capaz de promover modalização, seja epistêmica,
deôntica ou avaliativa. Sobre esta última categoria, faremos uma discussão mais detalhada.
Abordado o processo da Modalização, voltamos, na seção seguinte, à discussão sobre
Modalidades, a partir de então, organizando-as em categorias.
5 De volta às Modalidades – Especificidades
Resolvemos abrir uma seção para as modalidades, tendo em vista ter sido a seção
anterior destinada às considerações sobre o que seria visto como modo, modalidade e
modalização, a partir dos conceitos propostos pelos teóricos que embasam nosso estudo.
Observamos que alguns tomam modo por modalidade ou modalidade por modalização;
resolvemos, no entanto, seguir um caminho que isola cada um dos conceitos, embora
percebamos a delicada linha que os separa entre si.
Trataremos de evidenciar as modalidades em separado porque constatamos que,
embora algumas nomenclaturas se mantenham entre os autores, alguns oferecem outras
perspectivas. Umas aceitas e adotadas por nós em nossa pesquisa em sua forma original ;
outras também concebidas para nossa análise, porém com algumas ressalvas, conforme
veremos adiante.
Começaremos nossa resenha por Jean Cervoni (1989, p. 59) o qual, seguindo os
lógicos em sua definição de modalidades, apresenta o seguinte:
as modalidades fundamentais são aquelas que concernem à verdade do conteúdo das proposições. São denominadas modalidades aléticas (...). No registro da verdade, os dois modos principais que podem afetar uma proposição (p) são o necessário (ÿ ) e o possível (◊). É a partir desses dois modos que se definem o impossível (~◊), contrário do necessário (ÿ ~), e o contingente, o que ocorre ser mas poderia não ser (◊~), isto é, não necessariamente (~ÿ ).
Assim como Cervoni (1989), outros estudiosos, como Dubois (2001), Koch (2002),
Parret (1988), também citam as modalidades lógicas segundo uma mesma perspectiva, razão
pela qual nos abstemos de repeti-los.
Koch (2002, p. 73) reconhece, ainda, que houve uma redefinição do conceito acima
transcrito, pois, segundo ela, reproduzindo advertência de Aristóteles,
...os enunciados de uma ciência nem sempre são simplesmente verdadeiros já que, muitas vezes, se formulam como necessariamente verdadeiros ou como possivelmente verdadeiros. Assim, a possibilidade e a necessidade modificam o sentido da simples verdade e, como estão intimamente relacionadas entre si, podem ser definidas uma a partir da outra, com ajuda da negação.
Ainda segundo Koch (Ibidem, loc.cit.), também essa sistematização, que tem em sua
formação o eixo dos “contrários” (ligado à incompatibilidade), dos “subcontrários” (com idéia
de disjunção), dos “contraditórios” (eixo da alternância), e dos subalternos” (referente à
implicação), recebeu algumas críticas, entre elas a de Blanché. De acordo com Koch (Ibidem,
p. 74),
Diz este que, embora o sistema seja coerente, ele se apresenta pouco satisfatório: em primeiro lugar, desde que não se queira violentar os usos da língua, é preciso admitir que o termo possível é usado, muitas vezes, para exprimir o que pode ser ou pode não ser, isto é, nem necessário, nem impossível, o mesmo acontecendo com relação ao termo contingente. Assim sendo, as quatro modalidades aristotélicas seriam, na verdade, três, tendo um delas um duplo nome. Por esta razão, Blanché postula como básica uma estrutura ternária A-E-Y, ou seja, a tríade dos contrários, em que A é o necessário, E o impossível, e Y o termo neutro, que se opõe a ambos, por tratar-se de uma conceito parcialmente afirmativo e parcialmente negativo, que rejeita
igualmente a totalidade e a nulidade, devendo situar-se, portanto, entre a afirmação total e a negação total.
Dessa forma, Blanché acaba por estabelecer a tríade dos subcontrários I-O-U,
chegando, assim, ao hexágono lógico (KOCH, 2002, p. 75), abrindo, portanto, a possibilidade
de ampliação da classificação aristotélica.
Outros sistemas foram criados, então, considerando o que se refere ao conhecimento
que se tem dos estados de coisas. Passa-se a ter, portanto, as modalidades epistêmicas e as
deônticas. Neste sentido, Parret (1988, p. 80) acrescenta que:
ao quadrado “ontológico” do necessário, do impossível, do possível e do contingente corresponde o quadrado epistêmico do certo (ou do estabelecido), do excluído, do plausível e do contestável, e o quadrado deôntico do obrigatório, do proibido, do permitido e do facultativo.
Para ele, o quadrado das modalidades epistêmicas refere-se ao eixo do certo (ou do
estabelecido), do excluído, do plausível e do contestável; o quadrado deôntico é construído
sob os eixos do obrigatório, do proibido, do permitido e do facultativo (Ibidem, loc.cit.).
Para classificar as modalidades, Castilho & Castilho não citam, como Koch, Parret ou
Cervoni, as aléticas. Passam imediatamente às Modalizações Epistêmicas e Deônticas e
introduzem as Afetivas, cujos traços podemos considerar semelhantes à classificação dos
valores afetivos em Koch. Em Neves (2000, p. 253), encontramos, ainda, o termo
modalizadores afetivos. Apesar da diferença terminológica, cremos que se trata da mesma
idéia proposta pelos autores já citados. A autora classifica esses modalizadores como afetivos
subjetivos e afetivos interpessoais (Ibidem, p. 254). Esses elementos serão mais
especificamente discutidos na seção 5.2 Recursos Lingüísticos: a materialização das
modalidades.
5.1 Modalidades em evidência – Classificações
5.1.1 As Modalidades Epistêmicas e os Delimitadores
Castilho & Castilho20 (1993, p.222), ao tratarem da Modalização Epistêmica, criam
neste sistema três subclasses: os Asseverativos, os Quase-Asseverativos e os Delimitadores.
Para eles, Os Modalizadores Epistêmicos, como a própria definição deixa ver, expressam 20 O trabalho de Castilho & Castilho se relaciona especificamente ao estudo de advérbios, logo sua classificação incidirá exatamente sobre essa classe gramatical.
uma avaliação sobre o valor de verdade e as condições de verdade da proposição (Ibidem,
loc.cit.). E assim definem suas subclasses:
a) os Asseverativos – o falante considera verdadeiro o conteúdo de P; não há margem
a dúvidas; constitui uma necessidade epistêmica. Segundo os autores, decorre
daqui um efeito de enfatização do conteúdo proposicional, pois os Asseverativos
são selecionados quando o falante quer expressar uma alta adesão a esse
conteúdo. São exemplos dos afirmativos: realmente, evidentemente, naturalmente,
efetivamente, obviamente, seguramente etc.; são exemplos dos Negativos: de jeito
nenhum, de forma alguma.
b) os Quase-Asseverativos – indicam que o falante considera o conteúdo de P quase
certo, próximo à verdade; por depender de uma confirmação, o falante se furta à
responsabilidade sobre o dito no que refere à sua verdade ou falsidade. São
exemplos: talvez, assim, possivelmente, provavelmente, eventualmente.
c) os Delimitadores – na verdade estabelecem os limites dentro dos quais se deve
encarar o conteúdo de P. São exemplos de delimitadores: quase, um tipo de, uma
espécie de, em geral, em princípio, basicamente, profissionalmente etc.
Referindo-se a advérbios, classificação semelhante também faz Neves (2000, pp.
245-250), ainda que inclua, entre os Asseverativos, os Relativos, estes com as características
dos Quase-asseverativos de Castilho & Castilho. Entretanto, em relação aos Delimitadores, a
autora (Ibidem, p. 250), ainda falando dos advérbios, os vê como um outro tipo de
modalizadores. Segundo ela (Ibidem, loc. cit.),
Esses advérbios não garantem nem negam propriamente o valor de verdade do que se diz, mas fixam condições de verdade, isto é, delimitam o âmbito das informações e das negações. O que ocorre nessa modalização é que o falante circunscreve os limites dentro dos quais o enunciado, ou um constituinte do enunciado, deve ser interpretado, e dentro dos quais, portanto, se pode procurar a factualidade, ou não, do que é dito: BASICAMENTE as pirâmides funcionavam como templos, centros administrativos e depósitos de tecidos e cerâmicas (grifos da autora).
Em relação aos advérbios, também Koch faz classificação diferente dos autores
citados na página anterior (Castilho & Castilho e Neves). Em sua apresentação de
Articuladores Textuais, a autora (KOCH, 2002, p. 133) divide estes últimos em três grandes
classes: os de conteúdo proposicional, os enunciativos ou discursivo-argumentativos e os
meta-enunciativos. E é entre os meta-enunciativos que ela coloca os advérbios do tipo em
referência, classificando-os como delimitadores de domínio. A autora também faz referência
aos modalizadores epistêmicos. De um modo geral, discutindo sobre os articuladores textuais,
em suas palavras (Ibidem, p. 135),
Estes articuladores “comentam”, de alguma forma, a própria enunciação. Subdividem-se nos seguintes grupos: 1. delimitadores de domínio (hedges) – que explicitam o âmbito dentro do qual o conteúdo se verifica: Geograficamente, o Brasil é um dos maiores países do mundo; economicamente, é um país endividado; politicamente, ainda não conseguiu a sua plena independência (grifos nossos).2. organizadores textuais (...);3.modalizadores epistêmicos – que assinalam o grau de comprometimento/engajamento do locutor com relação ao seu enunciado, o grau de certeza com relação aos fatos enunciados (...)
Percebe-se, entre os autores, uma mesma idéia quando falam dos modalizadores
epistêmicos: há noção de certeza do locutor em relação ao que diz. Entretanto, essa noção,
para Neves (2006), não se aplica necessariamente ao todo do enunciado. Segundo ela
(Ibidem, p. 172), “a avaliação epistêmica se situa em algum ponto do continuum que, a partir
de um limite preciso, onde se encontra o (absolutamente) certo, se estende pelos indefinidos
graus do possível”.
Isto não significa dizer que os delimitadores, num ponto qualquer desse continuum,
funcionem da maneira como sugerem Castilho & Castilho, ou seja, como epistêmicos, porque,
na verdade, esses advérbios não traduzem quanto de certeza, ou não, se pode depreender do
locutor em relação ao seu enunciado. O fato de dizer “Politicamente X é p” não permite
inferir, necessariamente “eu acho que” (epistêmico Quase-asseverativo), ou “é certo que”
(epistêmico Asseverativo)etc.
Concordamos com Neves em relação ao fato de verificar uma modalização expressa
pelos delimitadores, porém não com traços epistêmicos. Consideramo-los, assim como a
autora (NEVES, 2000, p. 250), como Modalizadores Delimitadores, já que, de fato, negociam
com o interlocutor de alguma forma, dirigem o enunciado para uma interpretação pretendida,
enfim, atuam sobre o interlocutor a partir do interesse do locutor.
Entendemos, ainda, que também aquilo que não está circunscrito pela delimitação
poderá estar sendo atingido por outro tipo de modalidade, embora não se possa indicar com
certeza um afastamento ou comprometimento total ou mesmo parcial do locutor em relação ao
não-dito, ou seja, sobre o que não está recoberto pelo delimitador.
A tentativa de se ocultar algo ou de não lhe fazer referência pode, ainda, conduzir a
uma forma de se acentuar o que não está evidenciado pela modalidade expressa – marcada
pelo delimitador. Se num enunciado do tipo Profissionalmente você se saiu bem há uma
valorização de um certo fato a partir do advérbio profissionalmente, também não se pode
deixar de ver que o interlocutor terá condições de questionar algo como: Só
profissionalmente?, ou: Quer dizer que me saí mal em outros aspectos? Vê-se que a
circunscrição proposta revela um ponto de vista marcado no enunciado – e sobre o qual os
envolvidos manifestam sua opinião –, mas essa delimitação não elimina outras presunções, ou
seja, a modalização pode ainda ocorrer não mais pela aplicação expressa de um modalizador,
mas exatamente por sua omissão. E há que se considerar também que, em alguns casos, e
cremos que o exemplo acima pode fazer jus a tal alerta, o que não está dito chama mais a
atenção do que justamente o que está em relevo.
De volta às considerações de Castilho & Castilho, estes também afirmam (1993, p.
222) que os Delimitadores têm uma força ilocucionária maior que os Asseverativos e os
Quase-Asseverativos, pois implicitam uma negociação entre os interlocutores necessária à
manutenção do diálogo.
Essa negociação feita através de uma delimitação tanto pode aparecer num enunciado
de traços epistêmicos asseverativos quanto em outros com traços Quase-asseverativos – neste
último caso, no sentido de que não se estará apresentando, discutindo ou, enfim, fazendo
referência a algo em todas as suas propriedades, mas agindo apenas sobre parte delas.
Poderíamos pensar, inclusive, numa sobreposição de modalidades, já que se podem inferir
graus de engajamento – total ou parcial – num enunciado onde também haja um elemento que
limite o ponto de vista proposto pelo locutor.
Enfim, para procedermos às nossas pesquisas, seguiremos a trilha de Neves, no que
diz respeito à localização dos epistêmicos, dentro de um continuum, onde se pode encontrar
uma certeza expressa de forma absoluta ou em variados graus. Para classificar os epistêmicos,
tomaremos como base as subclasses de Castilho & Castilho – Asseverativos e Quase-
asseverativos. Os Delimitadores, entretanto, para nós, funcionarão como modalizadores à
parte, logo não farão parte dos epistêmicos.
5.1.2 A Modalidade Deôntica – interferência de valores e normas
Em relação à Modalização Deôntica também não há distinção quanto ao que informam
outros autores. Em resumo, trata-se de considerar-se o conteúdo de P como um estado de
coisas que deve, que precisa ocorrer obrigatoriamente (CASTILHO & CASTILHO, 1993, p.
223).
Importante observar que, segundo Koch (2002, p. 78), os modos deônticos – ligados à
obrigatoriedade – e os axiológicos – ligados a valores morais, técnicos e afetivos – constituem
sua face subjetiva, ou seja, há interferência de sentimentos e de disposições normativas em
sua aplicação. Isso nos leva a discutir os Modalizadores Afetivos ainda nesta seção.
Sobre a Modalização Afetiva, Castilho & Castilho (1993, p. 223) fazem a seguinte
exposição: verbalizam as reações emotivas do falante em face do conteúdo proposicional,
deixando de lado quaisquer considerações de caráter epistêmico ou deôntico.
Estes mesmos autores os subdividem em dois tipos (Ibidem, loc. cit.):
A) Subjetivos: expressam uma predicação dupla, a do falante em face de P e a da própria proposição como em felizmente, infelizmente, curiosamente, surpreendentemente, espantosamente. B) Intersubjetivos: expressam uma predicação simples, assumida pelo falante em face de seu interlocutor, a propósito de P, como em sinceramente, francamente, lamentavelmente, estranhamente.
Apesar de tratarem de modalidades afetivas, Castilho & Castilho não as apresentam,
ao que parece, com os mesmos traços de Koch.
Retomando o que já iniciamos na página anterior, em Koch (2002, pp. 75-77),
encontramos, a partir do hexágono de Blanché, que permite passar das modalidades aléticas
para sistemas análogos como os dos modais epistêmicos e deônticos, o estabelecimento desse
hexágono permitindo uma relação com os quantificadores e o sistema dos valores
(axiológicos), assim tratados pela autora:
a) valores morais (moral, imoral, amoral);
b) valores técnicos (útil, nocivo, ativo, inofensivo, ineficaz, inativo);
c) valores afetivos (prazer, dor).
Para ela, os valores afetivos se referem ao agradável ou desagradável, o que provoca
prazer ou dor, e não faz distinção entre o que seria subjetivo e intersubjetivo, ao contrário dos
autores citados anteriormente.
Koch (2002, p. 78) cita, ainda, o modo da vontade, para exprimir os atos de vontade.
Sobre os modos deôntico e axiológico, conforme explicação da própria autora (Ibidem, loc.
cit.), pode-se ler:
Enquanto os modos aléticos se referem aos objetos do pensamento e os epistêmicos, ao próprio pensamento, os modos deônticos e axiológicos referem-se a conceitos que constituem como que a sua face subjetiva: disposições do sentimento, no caso dos valores, disposições normativas, no caso dos imperativos.
A autora fala na “face subjetiva” de conceitos quando cita os modos deônticos e
axiológicos. Parece-nos haver uma delimitação do caráter subjetivo a esses “modos”.
Considerando que as modalidades trazem marcas de intenção ao se realizarem no
discurso, não haveria também subjetividade no modo epistêmico? Se há uma intenção
presente no discurso, obviamente haverá toda uma essência subjetiva aí inculcada, e não nos
parece possível ignorar isso.
A possibilidade de um sistema axiológico ou sistema de valores proposto acima nos
predispõe a ver uma outra forma de subjetividade, como uma ampliação das modalidades até
então consideradas, para reconhecer que a enunciação também pode veicular aspectos de
ordem avaliativa.
A idéia da autora nos conduz a um raciocínio que nos sugere uma bifurcação da
subjetividade. De um lado, podemos pensar numa subjetividade em seu sentido amplo,
presente em qualquer discurso, pois que capaz de transmitir as impressões pessoais do
locutor. Por outro lado, e paralelo a esse, uma subjetividade estrita, veiculada por recursos ou
estratégias mais particulares do locutor – nesse caso, orientadas por uma subjetividade
sedimentada em atitudes de avaliação e julgamento.
Assim, quando pensamos nas modalidades deôntica e epistêmica, tanto podemos
pensar em uma subjetividade em sentido amplo – ou seja, há de qualquer forma a presença do
locutor em qualquer discurso –, como, analisando os meios de que fará uso o locutor em sua
produção textual, essa subjetividade poderá tornar-se mais específica, mais “pessoal”, porque
ele estará utilizando, intencionalmente, elementos lingüístico-discursivos para direcionar a
interpretação do interlocutor. Isso poderá ainda ser reforçado pelo emprego de outros recursos
que favoreçam a identificação dos dados valores axiológicos citados por Koch (2002, p.
76-77), conforme visto anteriormente.
Quando tratamos da Modalização em outro momento (seção 2), vimos que, logo no
início, Dubois faz uma exposição de três conceitos – de distância, de transparência e de
tensão (pp. 43-44) – os quais representam a relação entre locutor/enunciado/interlocutor, ou
seja, a questão do engajamento, logo também a subjetividade intrínseca a todo o processo
discursivo, o que nos provoca a curiosidade de possivelmente discutir essa subjetividade
citada por Koch a partir desses três conceitos citados. De um modo geral, se os conceitos de
distância, transparência e tensão estão relacionados ao engajamento do locutor com o mundo
proposto em seu enunciado, assim como na relação que há entre ele e seu interlocutor, então a
subjetividade estaria aí marcada. E isso se materializa na forma das modalizações epistêmicas,
deônticas e nos modos axiológicos de que trata a autora acima.
Tratando exclusivamente das modalidades, Koch (2002, p. 73) diz serem consideradas
como parte da atividade ilocucionária, já que revelam a atitude do falante perante o
enunciado que produz.
A autora também cita a necessidade de se recorrer a informações contextuais, isto é,
pragmáticas, a fim de se derivarem as modalidades (Ibidem, p. 84). E retoma a questão, a
exemplo de Parret, da modalidade a partir dos atos de linguagem. Segundo ela, no eixo
deôntico, revela-se a força ilocucionária (por ex., quem ordena cria obrigações para o
outro): tem-se, aí, a semântica dos atos de linguagem. Verifica-se, então, a estreita ligação
entre subjetividade, em seu sentido amplo, atos de linguagem e modalidades. Sobre os atos
ilocutórios21, pretendemos vê-los como um recurso modalizador, e como sua ocorrência não é
vista de forma homogênea pelos autores que lhes fazem referência, achamos conveniente
discutir sobre eles separadamente, embora dentro da seção que apresenta os recursos
lingüísticos da modalização.
Pode-se antecipar, no entanto, que ao se tratar de atitudes ilocucionárias, como assim
denomina Parret a extensão do estudo das modalidades (PARRET, 1988, p. 80), procede-se,
como bem expõe Koch (2002, p. 84), a uma atividade que parte da teoria da certeza que se
tem a respeito das coisas do mundo para, ao final, chegar-se a uma teoria da ação. Nesse
ponto, há que se encarar a linguagem como atividade que cria deveres, obrigações para os
interlocutores, configurando-se, então, a semântica dos atos de linguagem. E isso nos ajuda a
compreender e até ratificar os conceitos de distância, transparência e tensão como
fundamentados nas relações de engajamento/presença/ausência entre
locutor/interlocutor/enunciados.
Mantendo, como os demais autores apresentados neste trabalho, a classificação
tradicional, e não apresentando distinção entre modalidades e modalização, Bronckart investe
em uma disposição das modalizações em quatro subconjuntos: a) modalização lógica (que
agrupa as aléticas e as epistêmicas); b) a modalização deôntica; c) a modalização apreciativa;
e d) a modalização pragmática (BRONCKART, 1999, pp. 331-332).
Num breve resumo, ele (Ibidem, p. 132) assim considera as modalizações:
21 Entre os autores estudados, observamos que há registro dos termos “ilocucionais”, “ilocutórios” e “ilocucionários”. Esclarecemos, entretanto, que, para efeito de uniformidade, manteremos a terminologia atos ilocucionários, embora estejamos fazendo referência ao mesmo objeto, ou seja, aos mesmos “atos”.
- as modalizações lógicas, que consistem em julgamentos sobre o valor de verdade das proposições enunciadas, que são apresentadas como certas, possíveis, prováveis, improváveis, etc.;- as modalizações deônticas, que avaliam o que é enunciado à luz dos valores sociais, apresentando os fatos enunciados como (socialmente) permitidos, proibidos, necessários, desejáveis, etc.;- as modalizações apreciativas, que traduzem um julgamento mais subjetivo, apresentando os fatos enunciados como bons, maus, estranhos, na visão da instância que avalia; - as modalizações pragmáticas, que introduzem um julgamento sobre uma das facetas da responsabilidade de um personagem em relação ao processo de que é agente, principalmente sobre a capacidade de ação (o poder-fazer), a intenção (o querer-fazer) e as razões (o dever-fazer).
Percebe-se a inclusão das modalizações apreciativas e das pragmáticas. Pode-se dizer
que há uma correspondência entre as Apreciativas de Bronckart e as Afetivas de Castilho &
Castilho ou de Neves, ou ainda de Koch, conforme vimos anteriormente, e assim
exemplificadas por Bronckart: “Felizmente fiz esta conferência em 47, agora seria
interminável...’ (H. Bianciotti, Sans la miséricorde du Christ, p. 214)”. Para exemplificar a
modalização pragmática, encontra-se em Bronckart: Seus dentes rangiam, ela estava cinza:
quis dar um passo em direção à janela em busca de um pouco de ar, mas não pôde senão
estender os braços,...(A. Dumas, Les trois mousquetaires, p. 397) (BRONCKART, 1999, p.
332).
Ao apresentar a modalização apreciativa, Bronckart o faz praticamente da mesma
forma, ou seja, com a mesma noção como Castilho & Castilho apresentam a modalização
afetiva. Ambas as modalizações trazem em si o traço das reações emotivas do falante
(CASTILHO & CASTILHO, 1993, p. 223), ou consistem em uma avaliação que parte do
mundo subjetivo da voz que é fonte de tal julgamento (BRONCKART, 1999, p.332).
Ao que parece, este último autor não limita o poder de um modalizador à sua atuação
sobre todo o conteúdo “temático”, como ele mesmo assim denomina a proposição, mas
também sobre parte desse conteúdo, deixando-se identificar em qualquer nível da estrutura do
texto. É o que podemos verificar em suas palavras quando diz (BRONCKART, 1999, p. 330):
As modalizações têm como finalidade geral traduzir, a partir de qualquer voz enunciativa, os diversos comentários ou avaliações formulados a respeito de alguns elementos do conteúdo temático (grifos do autor).
E, continua sua idéia (Ibidem, loc. cit.), ampliando-a:
Enquanto os mecanismos de textualização, que marcam a progressão e a coerência temáticas, são fundamentalmente articulados à linearidade do texto, as modalizações (sic) por sua vez, são relativamente independentes dessa linearidade e dessa
progressão; as avaliações que traduzem são, ao mesmo tempo, locais e discretas (por oposição ao caráter isotópico das marcas de textualização) e podem também insinuar-se em qualquer nível da arquitetura textual (grifos do autor).
Uma outra consideração interessante em Bronckart (Ibidem, p. 334) é sobre a presença
de algumas modalizações segundo a natureza de um dado gênero. Conforme o autor, em
alguns textos há uma quase saturação de modalização, em outros, entretanto, as unidades que
as denunciariam são raras ou mesmo ausentes, isto é, alguns textos não apresentam qualquer
sinal de modalização. Para ele (Ibidem, loc.cit.), essas diferenças de freqüência parecem
estar relacionadas ao gênero a que pertence o texto. Entre os primeiros, o autor aponta os
artigos científicos, os manuais de história, os panfletos políticos etc., já que, nestes, os
elementos do conteúdo temático são objeto de debate, de discussão e, portanto, de avaliação
(Ibidem, pp. 334-335). Conforme suas palavras, as unidades de marcação de modalização
poderão estar quase ausentes (Ibidem, p. 334)
em obras enciclopédicas, em alguns manuais científicos, ou ainda em alguns “faits divers”, na medida em que os elementos constitutivos do conteúdo temático desses textos podem ser apresentados como dados absolutos ou subtraídos à avaliação (grau zero da modalização).
Observando a questão da avaliação de que fala Bronckart, verificamos que tal noção
pode permitir a presença de alguma modalidade, afinal se estará expressando uma opinião,
seja de forma epistêmica, seja de forma deôntica, e influenciando, de alguma maneira, sobre o
julgamento do interlocutor. Isto também iremos verificar em Neves, ao apresentar os diversos
valores semânticos expressos pelos adjetivos, cuja maior apreciação será feita no item a
seguir. Considerando um desses valores como de avaliação, Neves (2000, p. 191) chama a
atenção para adjetivos que podem expressar uma avaliação psicológica, uma avaliação de
propriedades intensionais e uma avaliação de termos lingüísticos.
Partindo da premissa de que todo discurso produzido traz em si uma intenção e,
portanto, transmite, de alguma forma, a distância, a transparência ou a tensão com que se
atualiza/marca/identifica o locutor, não nos parece possível encontrar qualquer texto, como
discurso, absolutamente vazio de modalização.
5.1.3 – A “Modalização” Implícita
Intitulamos essa seção com o termo modalização, porque não se trata de uma espécie
de modalidade, e sim de um processo que se dá exatamente a partir da “ausência” de
elementos lingüísticos expressos, capazes de representar uma categoria modal, mas que,
apesar disso, atentam mais para o que não está explícito do que o contrário.
Casos dessa ordem em que há omissão ou ocultamento de algo no enunciado, a cuja
ocorrência já nos referimos na seção 5.1.1, são previstos em Koch (2002, p. 83), e
considerados pela autora como “modalização implícita”. Como idéia geral, não há qualquer
enunciado absolutamente desprovido de modalização. A autora parte da explicitação de
Alexandrescu em relação aos operadores crer e saber, os quais são vistos como um
pressuposto geral das demais modalidades, ou seja, para que se apliquem as outras
modalidades, parte-se, originalmente, do fato de crer em algo ou saber algo, sendo, então, o
discurso já construído a partir de pelo menos uma dessas premissas.
A idéia que se faz do que está dito acima é que, para se construir um enunciado e para
que este seja entendido pelo outro já com alguma influência do que pretende o locutor, é
necessário que a própria enunciação já tenha em sua essência algo aceito como existente,
ainda que contestável ou simplesmente imposto. Em suma, para se modalizar algo, é
necessário que esse algo já exista. Logo, o que se presume é que saber da existência de algo
ou crer na existência desse algo já conduz a alguma modalização.
Observe-se como exemplo dessa modalização implícita, baseada no fato de que há um
conhecimento prévio de certa situação, inclusive, comprovada por meio de recursos
midiáticos, a passagem a seguir, extraída de um dos textos do corpus:
(PT-05, Anexo A, p. 158)
“A percepção desta nova realidade – hoje freqüentemente retratada pela mídia –
evidencia-se pelas questões e discussões em curso no seio das próprias
universidades.
Os destaques em itálico representam, para nós, sinais de uma modalidade implícita,
uma vez que, nesse enunciado pode haver a compreensão de que, seqüencialmente, se a mídia
retrata algo, não há como alguém se furtar total ou parcialmente a seu conhecimento, e, no
grifo seguinte, pode-se acordar que, sobre “uma nova realidade”, há questões e discussões em
curso, ou seja, o próprio parecerista reconhece que dentro das universidades há questões
complexas e que estas estão sendo objeto de atenção e observação por parte de quem de
direito e dever para fazê-lo. Ainda podemos verificar modalização no uso do verbo evidencia-
se; aqui, não nos parece implícito, ainda que colocado acompanhado do pronome SE,
pressupondo uma intenção de afastamento com o dito; na verdade, esse verbo deixa claro o
fato de que uma nova realidade se projeta e pode ser vista a olho nu – basta que se voltem as
atenções para o que acontece no interior da própria universidade.
Assim, levando-se em conta tal opinião, entende-se que nenhum texto está totalmente
desprovido de qualquer recurso modalizador, pois mesmo a não identificação de operadores
da natureza do crer ou do saber não impede que qualquer texto seja lido sob um modo – o da
opinião – ou sob outro – o do saber. Para Koch (2000, p. 82), “a ocultação da modalidade
epistêmica, contudo, deixa sempre um traço: a enunciação aí está, o locutor apenas finge
esquecê-la para dar a impressão de que seu ato é neutro,[...]”.
A autora (KOCH, 2000, pp. 82-83) ainda acrescenta:
Além disso, há os casos em que a retórica faz deslizar o enunciado de uma modalidade a outra, do discurso tolerante ou polêmico (ao qual o enunciado deveria pertencer por suas verdades contestáveis) ao discurso autoritário (em que o enunciado não pode mais ser contestado). Isto se aplica, de maneira especial, aos contextos avaliatórios e deônticos, mas também aos demais. Segundo suas relações com o destinatário, o locutor adota uma ou outra modalidade, mas há sempre os casos em que lhe convém mascarar sua hesitação para tornar seu enunciado mais facilmente aceitável pelo interlocutor (ou vice-versa).
Logo, discordamos de Bronckart quanto à ausência de modalidade em alguns tipos de
enunciados, pois entendemos que, de fato, conforme apresenta Koch (Ibidem, p. 83),
Esta abordagem das modalidades crer e saber como um pressuposto geral das demais modalidades, e a aceitação da possibilidade de sua ocultação (“modalização implícita”) vem fortalecer a posição de que não existem enunciados neutros e, em decorrência, de que a argumentatividade é uma característica inerente à linguagem humana.
Em Coracini (1991, pp. 122-123), encontramos vestígios da idéia exposta acima. A
autora cita a modalidade implícita – e aqui não faz qualquer distinção sobre conceitos de
modo, modalidade ou modalização – considerando o engajamento do locutor com seu
discurso. Em sua análise do discurso científico, Coracini (Ibidem, loc. cit.) atenta para o fato
de que o pesquisador demonstra seu engajamento com o dito a partir da crença que lhe atribui
antes mesmo de sua manifestação lingüística. Tal fenômeno se expande para o
leitor/interlocutor, que a mantém, seja pelo fato de ser leigo no assunto, deixando valer a
informação de quem é tido como “autoridade no assunto”, ou mesmo pelo contrário, ou seja,
pelo fato de participar de determinada comunidade científica, portanto conhecedor da matéria
tratada, neste caso, assumindo um postura, se não de anuência, pelo menos de pacificidade..
É essa crença que exercerá algum efeito sobre o interlocutor, portanto, mesmo que não
haja ainda quaisquer elementos lingüísticos expressos, claros, presentes no enunciado.
Segundo a autora (Ibidem, p. 123),
Poder-se-ia dizer que a modalidade implícita desempenha um duplo papel no discurso científico: a) o de convencer, pelas afirmações, da verdade que está sendo anunciada; e b) o de camuflar a ‘origem’ enunciativa: afinal, aparentemente, é o enunciado quem diz o fato que se apresenta e não o sujeito-enunciador.
De então, conclui-se que identificar uma possível modalidade inscrita no enunciado
pode ser algo difícil, dada a sutileza com que pode ser construído o discurso, mas isto não
significa que um processo modalizador não esteja sendo tecido.
Após o esboço das modalidades aqui apresentadas, seguiremos, de maneira geral, as
teorias e classificações propostas por Koch, Castilho & Castilho e Neves, cujas idéias
parecem recobrir, com as devidas ressalvas já expostas anteriormente (pp. 58-59), nosso plano
de análise. Assim, serão consideradas, neste trabalho, as modalidades: Epistêmica
(Asseverativa e Quase-asseverativa), Delimitadora, Deôntica e Avaliativa.
5.2 Recursos lingüísticos – a materialização das modalidades
Dissemos, no início, que os interlocutores dispõem de diversos recursos lingüísticos
para expressar sua intenção ao produzir um discurso. Koch chama a alguns desses recursos de
modos de lexicalização ou operadores modais (KOCH, 2002, p. 85). Citamos alguns deles:
performativos explícitos22, auxiliares modais, predicados cristalizados, advérbios
modalizadores, formas verbais perifrásticas, modos e tempos verbais, verbos de atitude
proposicional, entonação e operadores argumentativos.22 Reconhecemos também a ocorrência de performativos implícitos funcionando como modalizadores, e sobre estes fizemos breve alusão na página 44, ao tratarmos do conceito de tensão mínima.
Embora os adjetivos não figurem na lista acima, vimos que eles são considerados por
autores como Cervoni e Neves como responsáveis por algum tipo de modalização, embora em
circunstâncias diferentes para os referidos autores, conforme explicitado nas páginas 51 e 52.
Os advérbios modalizadores, por sua vez, receberam um tratamento especial por parte
de Castilho & Castilho e, funcionando como tais, também foram considerados por Neves.
No capítulo destinado ao estudo dos advérbios, em sua Gramática funcional (NEVES,
2000, p. 244), a autora assim os apresenta:
Os advérbios modalizadores compõem uma classe ampla de elementos adverbiais que têm como característica básica expressar alguma intervenção do falante na definição da validade e do valor de seu enunciado: modalizar quanto ao valor de verdade, modalizar quanto ao dever, restringir o domínio, definir a atitude e, até, avaliar a própria formulação lingüística.
A partir de sua definição, já se pode perceber a modalização epistêmica e a deôntica,
mantendo a classificação tradicional, e, em sua ampliação, a presença de modalizadores
delimitadores e de modalizadores afetivos, com algumas características propostas por Castilho
& Castilho em relação a esses elementos.
Sobre os deônticos, Neves (2000) considera que esses advérbios comumente ocorrem
com predicados já modalizados deonticamente através de auxiliares modais: É preciso
abandonar os sindicatos e organizar OBRIGATORIAMENTE uniões operárias “paralelas e
livres” (Ibidem, p. 244).
Em harmonia com a identificação dos modalizadores afetivos apresentados por
Castilho & Castilho, Neves também os classifica como subjetivos, mas difere dos outros
autores ao utilizar o termo interpessoais em lugar de intersubjetivos (NEVES, 2000, p. 253).
Vimos na transcrição da autora, acima, sua idéia de como os advérbios podem “avaliar
a própria formulação lingüística”. Acreditamos que seja este o movimento que aparentemente
acontece ao se utilizarem os modalizadores afetivos – subjetivos ou interpessoais – a que ela
faz alusão.
Um outro recurso lingüístico modalizador que nos parece possível nas instâncias
discursivas é a nominalização. Apesar de os autores estudados neste trabalho não terem feito
referência a tais formas portadoras de modalização, encontramos em Nascimento (2005)
ocorrências dessa natureza. Em seu estudo sobre verbos dicendi na Notícia Jornalística, o
autor (Ibidem, pp. 110-111) registra diversas contextualizações que comprovam sua
existência, ou seja, nominalizações de verbos ou formas nominalizadas derivadas de verbos,
as quais podemos transcrever:
A)Além de discutirem sobre o Plano Real, Ciro e Serra trocaram farpas também a respeito do salário-mínimo. Serra cobrou a promessa de Ciro de levar o salário-mínimo a US$ 100 em todos os dias de seu governo (grifos do autor).B)Já Anthony Garotinho, na avaliação do diretor da UP, protagonizou o papel de quem está em último ligar e disparou sua metralhadora giratória em todos os sentidos, o que não agradou boa parcela do público (grifos do autor).
De acordo com Nascimento, em (A), o substantivo “promessa” pode ser traduzido
como “prometer”, logo constituindo uma nominalização do verbo dicendi, funcionando, na
forma de nome, como introdutor do discurso.
O substantivo “avaliação”, em (B), também carrega os mesmos traços da justificativa
anterior (verbo dicendi introdutor do discurso). Sua presença, no discurso, segundo
Nascimento, faz o locutor – diretor da UP – apresentar o ponto de vista segundo o qual o
presidenciável Anthony Garotinho protagoniza o papel de quem está no último lugar na
corrida presidencial, de forma que o nome “avaliação” recupera o verbo “avaliar” e diz qual é
a posição do locutor em relação ao dito, ao fato ocorrido, relatado no jornal.
Enfim, seguindo o raciocínio apresentado por Nascimento em relação à nominalização
– processo possível com verbos dicendi –, buscamos, em formas nominalizadas, não
obrigatoriamente a presença de verbos dessa natureza e introdutores do discurso, como
ocorreu nas pesquisas do autor citado, mas indícios de uma modalização que pode
efetivamente se realizar em um enunciado. Para melhor esclarecermos a questão, convém
que discorramos sobre o que vemos como nominalização.
De início, consideramo-la, em alguns casos, como um recurso modalizador que o
locutor utiliza para afastar-se, aparentemente, com o que diz, ou para reproduzir o que foi dito
por outrem em situações de casos relatados. A nominalização seria mais um dos recursos
disponíveis ao locutor para evidenciar os graus de distância, transparência e tensão
considerados anteriormente. Observemos os termos grifados no exemplo retirado do corpus
desta pesquisa:
(PJ-16, Anexo A, p. 191)
“É o próprio pai que o denuncia, inclusive taxando-o de má-fé” (sic) (grifos nossos).
Já antecipando seu ponto de vista, ou sua impressão sobre um dos envolvidos no caso,
o locutor utiliza os verbos denunciar e taxar, embora, no documento, em sua íntegra, nada
exista que possa comprovar que, de fato, a pessoa a quem ele faz referência usou esses
mesmos verbos, ou outros que a eles correspondessem no sentido. Ambos verbos
ilocucionários e de caráter dicendi, ainda que não introduzam o discurso do indivíduo referido
na fala do locutor, servem para mostrar o grau de envolvimento (distância, transparência e
tensão) deste último com a questão em si, com o julgamento dos fatos e, principalmente,
evidenciando sua avaliação através da utilização desses verbos.
A intenção de “adjetivar também pode ser constatada quando o locutor registra a
expressão “de má-fé”, que, neste caso, revela a má conduta ou a má intenção de um dos
envolvidos na questão em juízo. O nome, substantivo de valor adjetivo, absorve a carga
semântica, o sentido negativo expresso pelo verbo que o antecede (taxar). A modalidade
avaliativa, portanto, já pode ser observada no trecho apreciado.
Um outro exemplo de verbo dicendi, agora na forma nominalizada, é verificado na
passagem seguinte:
(PT-02, Anexo A, p. 134)
“3. A ação do Ibama fora desencadeada por denúncias formuladas por moradores vizinhos da empresa, os quais queixaram-se do forte cheiro exalado pela revenda de gás GNV [...]. Neste sentido, os denunciantes forneceram vários documentos; [...]”
Podemos constatar, então, que a presença de verbos ilocucionários e de nomes, em
alguns enunciados, pode conferir, quando representantes de modalidades, suas mesmas
características. Conforme o enunciado produzido, as nominalizações (resultado de derivação
deverbal) podem ilustrar a modalidade avaliativa, por exemplo, e, como derivados de verbos,
em sua maioria dicendi, podem recuperar atos ilocucionários. Assim, seja na forma
nominalizada, seja na própria forma de verbo, estes atos também contribuem para a expressão
de uma modalidade, fornecendo pistas, através da modalização, para a interpretação
discursiva em movimento.
A fim de estabelecermos com mais precisão de que forma abordaremos os atos
ilocucionários e as nominalizações, apresentemo-los com mais detalhes.
a) Os Atos Ilocucionários
A partir da perspectiva abordada por Cervoni (1989), encontramos espaço para
estabelecermos um paralelo entre a sua teoria e o que propõem outros lingüistas, entre os
quais Herman Parret, que privilegia os atos ilocucionários como pertencentes à categoria das
modalidades.
Recuperando a Teoria dos Atos de Fala, de John Austin (para quem todo dizer é um
fazer), Cervoni busca marcas de correspondência entre verbos performativos – que realizam
algo ao serem proferidos – e a categoria das modalidades. Cervoni (1989, p. 72) afirma que
um valor ao mesmo tempo modal e ilocucionário também pode ser observado no campo do núcleo duro da modalidade: quase fazemos o mesmo ato ao enunciar Tu podes entrar e ao empregar a fórmula performativa Eu te permito entrar.
O autor reconhece, que, com alguns auxiliares modais, há a possibilidade de realização
deôntica – o locutor age sobre outrem –, e também epistêmica – o locutor exprime um ponto
de vista, logo o engajamento se manifesta ou pode ser reconhecido pelo interlocutor.
Cervoni faz restrição quanto a integrar as “modalidades de frases” às modalidades,
apesar do nome (Ibidem, pp. 74-75). Em sua apreciação os enunciados formados pelo verbo
dizer constituem atos de linguagem, mas não representam necessariamente uma modalidade.
Isso talvez pudesse ser considerado, isto é, sua inclusão com valor modal, se esse ato
de dizer configurasse algum aspecto especial na atitude interlocutiva, mas, neste caso, não
seria apenas um dizer informativo, mas uma forma específica, entremeada de uma intenção
particular que se fizesse perceber pelos interlocutores, atuando ou agindo sobre sua ação.
Parret (1988), por sua vez, considera que as modalidades não se restringem às atitudes
proposicionais, mas se estendem a atitudes ilocutórias (termo próprio do autor). Para ele,
então,
O ato proposicional é um ato de referência e de predicação e, pois, dominado por restrições ontológicas e epistemológicas, enquanto que o ato ilocutório é constitutivo de uma certa realidade e, além disso, motivado pelo jogo da produção e do reconhecimento das intenções, não insondáveis e escondidas mas classificáveis e “convencionalizadas” (PARRET, 1988, p. 80).
Partindo-se da exposição acima, entende-se que, para o autor, as atitudes ilocutórias
encerram também modalidades, pois é nelas que se podem verificar as intenções possíveis de
serem identificadas e classificadas, inclusive transparecendo sinais de convenção; ou seja,
através dos atos ilocutórios denuncia-se o modo de se fazer ou de se entender algo.
Julgamos, então, necessário recuperar, brevemente, algumas noções sobre os atos
performativos postulados por Austin23 (1990) e mais amplamente desenvolvidos por Searle
(1981).
Na teoria de Austin, as palavras proferidas em determinadas circunstâncias
correspondem a ações. Considerou em seus estudos que dizer algo é fazer algo, ou que ao
dizer algo estamos fazendo algo, ou mesmo por dizermos algo fazemos algo (AUSTIN, 1990,
p. 85). Partindo dessas situações, ele classificou os atos de dizer em locucionários,
ilocucionários e perlocucionários. Grosso modo, poderíamos dizer que o locucionário
corresponderá ao ato de dizer algo – é o momento de utilização da fala.
Para nos utilizarmos da fala, no entanto, estaremos empregando alguma força
argumentativa, ou seja, há uma intenção, um interesse específico ao se dizer algo – o que
poderíamos chamar de ato ilocucionário.
Finalmente, por se dizer algo, há a possibilidade de se produzirem efeitos ou
conseqüências sobre os sentimentos, pensamentos, ou ações dos ouvintes; este seria o que
Austin (1990, p. 89) chamou de ato perlocucionário.
Em suma, nas palavras do filósofo (Ibidem, p. 95):
Em primeiro lugar, distinguimos um conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo, que sintetizamos dizendo que realizamos um ato locucionário, o que equivale, a grosso modo, a proferir determinada sentença com determinado sentido e referência, o que, por sua vez, equivale, a grosso modo, a “significado” no sentido tradicional do termo. Em segundo lugar dissemos que também realizamos atos ilocucionários tais como informar, ordenar, prevenir, avisar, comprometer-se, etc. isto é, proferimentos que têm uma certa força (convencional). Em terceiro lugar também podemos realizar atos perlocucionários, os quais produzimos porque dizemos algo, tais como convencer, persuadir, impedir ou, mesmo, surpreender ou confundir.
Searle, a partir das constatações de Austin, considerou que numa enunciação o falante
pode executar, pelo menos, três tipos de atos distintos: a) enunciar palavras (morfemas,
frases); b) referir e predicar; c) afirmar, fazer uma pergunta, dar uma ordem, prometer
(apud SEARLE, 1981, p. 35) e caracterizou esses atos como atos de fala, dispondo-os da
seguinte forma (Idem, ibidem):
a) enunciar palavras (morfemas, frases) = executar atos de enunciação;b) referir e predicar = executar atos proposicionais;c) afirmar, perguntar, ordenar, prometer, etc. = executar atos ilocucionais
23 Atentamos para o fato de que a 1ª edição da obra deste autor é de 1962, de responsabilidade da Oxford University Press. Uma segunda edição data de 1975 (AUSTIN, John L. How to do things with words. 2. ed., Clarendon Press, 1975). Nossa pesquisa, entretanto, é feita a partir da tradução em lingual portuguesa, publicada em 1990, conforme consta nas Referências.
O autor não considera que os atos aconteçam separadamente; na verdade há uma
simultaneidade, ou seja, quando se executa um ato ilocucional, executam-se, efectivamente,
actos proposicionais e actos de enunciação (SEARLE, 1981, p. 35). Atentando sobre a
importância dos atos perlocucionais, Austin considera as conseqüências ou efeitos que os atos
ilocucionais exercem sobre as ações, pensamentos, ou crenças, dos ouvintes (Ibidem, p. 37).
É possível concluir que, nos atos ilocucionários, se presentifica uma intenção, que
pode ou não se manifestar, pode ou não causar os efeitos desejados. Sobre isso, Austin
(Ibidem, p. 92) revela que: a) a pessoa que fala pode tentar produzir um efeito e não consegui-
lo; e b) pode tencionar não causar um certo efeito e, no entanto, ele ocorre. No primeiro caso,
o autor chama a atenção para a diferença entre tentar e conseguir; no segundo caso, ele atenta
para nossa invocação a recursos lingüísticos normais a fim de negar nossa responsabilidade
(advérbios como “não intencionalmente” e outros), que se encontram à nossa disposição
quando da realização de ações (Ibidem, pp. 92-93).
Com apoio em considerações anteriores, consideramos, então, que os atos
ilocucionários, caracterizados pelo compromisso que inferem ao discurso ao serem
produzidos, podem apresentar algum traço de modalização, já que incidirão de alguma forma
sobre a proposição – no todo ou em parte – e, conseqüentemente, sobre a atitude dos
interlocutores.
Pela exposição dos filósofos, atribuir-se um fazer a um ato de dizer significa,
conforme nossa compreensão, colocar-se no discurso e deixar marcas de um propósito, de um
objetivo. Presume-se que não se produz um enunciado inocentemente, ou seja, sem que se
tenha uma idéia a se manifestar, um compromisso a se firmar, enfim, uma intenção implícita
ou expressa, mas que se quer compreendida pelo outro. Assim, os atos ilocucionários, como
manifestações de fala e, conseqüentemente, portadores de algum intento, funcionam como
recursos que se prestam com bastante eficácia à realização da modalização, pois sua aplicação
pode dizer de que forma esse intento deve ser percebido pelo interlocutor.
Entre esses atos ilocucionários privilegiamos, em nossa análise os verbos dicendi,
seguindo a perspectiva de Neves (2000) que, ao tratar destes últimos, os conceitua como
verbos de elocução propriamente ditos. Para a autora (Ibidem, p. 47), os dicendi são os verbos
introdutores de discurso (discurso direto ou indireto)
Ao grupo dos verbos dicendi, a que pertencem os verbos FALAR e DIZER, básicos,
porque neutros, ou seja, não responsáveis por qualquer sugestão de modalidade, Neves
(Ibidem, p. 48) acrescenta outros verbos
cujo significado traz, somado ao dizer básico, informações sobre o modo de realização do enunciado (GRITAR, BERRAR, EXCLAMAR, SUSSURRAR, COCHICHAR, etc.) à qual podem acrescer-se ainda noções sobre a cronologia discursiva (RETRUCAR, REPETIR, COMPLETAR, EMENDAR, ARREMATAR, TORNAR, etc.) (grifos da autora).
Ainda, segundo a autora (Ibidem. loc. cit.),
entre os verbos de dizer há muitos que apresentam lexicalizado o modo que caracteriza esse dizer. São verbos como QUEIXAR-SE, COMENTAR, CONFIDENCIAR, OBSERVAR, PROTESTAR, EXPLICAR, AVISAR, INFORMAR, RESPONDER, SUGERIR, etc. que podem ser parafraseados por dizer uma queixa, dizer um comentário, dizer uma confidência, dizer uma observação, dizer um protesto, dizer uma explicação, dizer um aviso, dizer uma informação, dizer uma resposta, dizer uma sugestão, e assim por diante (grifos da autora).
Assim, embora não trate diretamente sobre modalidade, a autora faz alusão ao “modo”
de realização do enunciado a partir da presença do verbo dicendi. Ao longo de sua discussão,
ela também apresenta outros verbos que, a exemplo dos dicendi, introduzem discurso, mas
não indicam necessariamente ato de fala (Ibidem, p. 49). É o caso de verbos como
ACALMAR, AMEAÇAR, CONSOLAR, DESILUDIR, GARANTIR – que instrumentalizam
o que se diz –, e verbos como RIR, CHORAR, ESPANTAR-SE, SUSPIRAR etc. – que
circunstanciam o que se diz.
Nascimento (2005, p. 74) apresenta os verbos dicendi em dois grupos: 1) não-
modalizadores, ou de primeiro grupo (dizer, falar, perguntar, responder, concluir etc.); e 2)
modalizadores ou de segundo grupo (acusar, protestar, afirmar, declarar etc.), constituído por
verbos que, além de apresentarem o discurso de um locutor (L2), assinalam uma avaliação,
modalização ou direção desse discurso pelo locutor que o apresenta (L1).
Entre esses dois últimos estudiosos, encontramos um detalhe que nos chama a atenção.
Trata-se da classificação do verbo CONCLUIR.
Sobre a exposição de Neves (2000, p. 48), entendemos que o modo de realização do
enunciado também se dá através de verbos cujo significado traduz noções de cronologia
discursiva, ou seja, há um movimento, ou uma continuidade num discurso em realização.
Entre esses verbos, achamos possível incluir o verbo CONCLUIR, uma vez que pode ser
também “traduzido” por arrematar (citado por Neves), ou seja, finalizar, ou tentar mostrar
que se chegou ao final de um raciocínio ou discussão, pelo menos temporariamente.
Nascimento (2005, p. 74), entretanto, apresenta o verbo CONCLUIR no primeiro
grupo, o de verbos não-modalizadores.
Para nossa análise, entretanto, seguimos o raciocínio de Neves (2000, p. 48), uma vez
que verificamos a possibilidade de esse verbo atualizar alguma modalidade, conforme a
natureza do enunciado de que faça parte, ou seja, quando ativando a cronologia discursiva,
manifestando um ato ilocucionário ou intenção marcada na fala do locutor. Assim, o verbo
concluir será considerado como dicendi, presente num ato ilocucionário, quando for usado
para “dizer” que posição o locutor assume com seu discurso, ou seja, de que forma, esse verbo
conduz a leitura de outrem, influenciando sua conduta. É neste sentido que entendemos a
expressão grifada no extrato a seguir:
(PT-02, Anexo A, pp. 139-140)
“[...] ‘A Resolução n.º (sic) 237, (sic) compatibilizou o sistema de competência nos licenciamentos aos ditames da Carta Magna, dando competência implementadora a quem constitucionalmente a tem, possibilitando que o ente federativo atingido [...] ocupe-se com a questão que lhe diz de perto.’
“Do que se conclui que com relação à licença ambiental, esta é da competência da Sudema” [...]”.
Consideramos que o uso do verbo concluir na passagem acima, ainda que
acompanhado do pronome se, induzindo a um distanciamento do locutor em relação ao que
está em julgamento, permite que se veja, após relato e justificativa de um fato, uma conclusão,
uma definição, enfim, de um posicionamento ou interesse de que se entenda a quem compete
assumir a responsabilidade ou o compromisso de exigir algo de alguém.
Enfim, a partir do esboço de nossa perspectiva de apreciação dos atos ilocucionários, é
importante deixar claro que, neste trabalho, estes atos estarão contemplando os verbos
dicendi, quando: a) introduzirem o discurso do locutor do parecer em estudo, manifestando
alguma modalidade; b) ainda que não introduzam o discurso do locutor responsável pelo
parecer, forem utilizados por este para marcar o modo como quer que o discurso de um outro
locutor seja lido, deixando transparecer sua avaliação sobre o discurso deste último; e, c)
estiverem na forma nominalizada, sendo identificada, no entanto, sua intenção ilocucionária,
ou seja, sua característica de agir sobre o outro quando em forma de ato ilocucionário.
b. As Nominalizações
É importante informar que, sobre as nominalizações, buscaremos apoio na Gramática
normativa, para aqui determinarmos como as consideraremos. De antemão, lembramos que,
de modo geral, são considerados nomes os termos pertencentes à categoria dos substantivos e
dos adjetivos. Vale fazer uma apreciação mais sistemática sobre tal denominação.
No estudo do adjetivo, Almeida (1989, pp. 137-38) faz referência à capacidade que
têm os substantivos e os adjetivos de intercambiarem suas classes, ou seja, um passar a
funcionar como o outro.
Tal fenômeno provocou em certos adjetivos perda total de seu caráter próprio.
Segundo o gramático (Ibidem, p. 138),
Musteus é registrado nos dicionários latinos como adjetivo e, no entanto, nos dicionários portugueses, moço é, em primeiro lugar, classificado, definido e estudado como substantivo.Essa é a razão por que o latim, que imprime na gramática o mais forte cunho lógico possível, designa, conjuntamente, as duas primeiras classes de palavras, o substantivo e o adjetivo, sob a denominação genérica nome: nomen substantivum, nomen adjectivum (grifos do autor).
Daí já podemos recuperar o termo “nome” para representar a classe gramatical que nos
servirá de apoio em nossos estudos sobre a modalização a partir do processo de
nominalização.
Acrescentamos, ainda, o que diz Bechara (1999, p. 112) sobre os substantivos:
Substantivo – é a classe de lexema que se caracteriza por significar o que convencionalmente chamamos objetos substantivos, isto é, em primeiro lugar, substâncias (homem, casa, livro) e, em segundo lugar, quaisquer outros objetos mentalmente apreendidos como substâncias, quais sejam, qualidades (bondade, brancura), estados (saúde, doença), processos (chegada, entrega, aceitação) (grifos do autor).
Em sua classificação dos substantivos, o autor menciona, entre outros, os substantivos
concretos e os abstratos. Concentremo-nos nos abstratos, pois que serão eles o ponto de
partida para as nominalizações que ora discutimos. Para Bechara, (Ibidem, p. 113), “os
substantivos abstratos designam ações (beijo, trabalho, saída, cansaço), estado e qualidade
(prazer, beleza), considerados fora dos seres, como se tivessem existência individual” (grifos
do autor).
Levando em conta que a nominalização é um processo que pode ser incluído dentre
aqueles de formação de palavras, observamos que Bechara, ainda que não utilize o mesmo
termo que estabelecemos, apresenta-o como tal. Em suas palavras (BECHARA, 1999, p. 370),
Além dos processos gerais típicos de formação de palavras, possui o português mais os seguintes: formação regressiva, abreviação, reduplicação, conversão e combinação.Intimamente relacionada com a derivação temos a formação regressiva ou deverbal, que consiste em criar palavras por analogia, pela subtração de algum sufixo, dando a falsa impressão de serem vocábulos derivantes: de atrasar tiramos atraso, de embarcar, embarque; de pescar, pesca; de gritar, grito (grifos do autor).
Ainda, segundo o mesmo autor (Ibidem, p. 371), “Neste processo, os substantivos
tirados de verbos denotam ação (...)”, logo são formados a partir do processo de derivação
deverbal. Assim, podemos prever outras analogias, como denúncia de denunciar, testemunho
de testemunhar, confissão de confessar etc., substantivos abstratos que podem ser
considerados, conforme bem expôs Almeida, ao tratar dos substantivos e dos adjetivos, como
nomes, daí estendermos a esses processos o termo nominalização.
Enfim, veremos a nominalização como um processo deverbal, ou seja, terão sofrido
nominalização os nomes ou substantivos (e adjetivos) oriundos de verbos, logo denotando
ação (ação de falar, dizer, denunciar, acusar etc), o que nos parece suficiente para localizá-los,
no corpus que analisamos, reproduzindo atos ilocucionários, e, provavelmente, veiculadores
de algum tipo de modalidade.
6 Modo – Modalidade – Modalização: categorias analíticas
Ainda que tenhamos laborado bastante na distinção entre as três categorias – modo,
modalidade e modalização –, cremos que definimos que nosso interesse, neste trabalho, é o de
identificar marcas de subjetividade, de um estilo que vai além de um padrão composicional de
um Parecer Técnico ou de um Parecer Jurídico, logo um estilo geral, chegando a um estilo
mais pessoal ou particular, focalizando, para isso, o processo da Modalização expresso pelo
responsável pelo texto em análise, em seu discurso.
Para tal empreendimento, uma vez definidos as tênues linhas de demarcação entre
essas três categorias, decidimos tratar o modo como o traço mesmo da categoria do verbo
podendo manifestar uma modalidade. Logo, enquanto situado nas instâncias do verbo, o
modo indicativo será considerado para indicar algo que pertence ao campo da existência, do
realizável ; entretanto, será visto ainda como o indicativo das relações entre
locutor/interlocutor, permitindo prever sua ligação, em graus, com o dito; o modo do
subjuntivo para aplicar a modalidade da possibilidade, do virtual; e o modo imperativo,
demonstrando total engajamento do locutor com seu enunciado e com seu interlocutor,
levando-se em conta as intenções de ordem ou de desejo.
Verificamos a realização do processo de modalização, também, através de
modalidades específicas: epistêmica, deôntica, avaliativa e delimitadora. Consideramos,
ainda, essas modalidades, expressas, recursos lingüísticos, ora agindo sobre toda a proposição
ora sobre parte dela, e que se manifestam não só através de advérbios, adjetivos, entre outros
termos ou expressões mas também por meio de atos ilocucionários e de nominalizações.
Enfim, consideramos modalidade a manobra discursiva que, expressa ou
implicitamente, permite sua identificação no enunciado, agindo intencionalmente, muitas
vezes, sobre o interlocutor, concretizando a modalização, esta última entendida em nosso
trabalho como um processo responsável pelo efeito que pretendemos causar, ou intenção que
pretendemos manifestar através do enunciado produzido, ou seja, seu efeito sobre o outro,
sobre uma platéia, enfim, com a qual interagimos, socialmente, em nossa atividade discursiva.
7 O Corpus – As diversas faces do Parecer
7.1 O Parecer Técnico e o Parecer Jurídico: funções entrecruzadas
O corpus deste trabalho é constituído de dezessete pareceres, classificados em duas
categorias, assim distribuídos: oito pareceres técnicos e nove pareceres jurídicos, de
instituições diferentes.
Para justificar tal classificação, faz-se necessária uma breve discussão sobre o que,
neste trabalho, será definido como Parecer. Para tanto, transcreve-se o que dispõe Batista
Neves (1987), em seu Dicionário de Brocardos Latinos:
PARECER, s.m. – Diz-se da opinião; do conselho ou do esclarecimento que o advogado, o jurisconsulto ou qualquer outro técnico que exerce função pública, emite sobre determinada questão de direito ou de fato, submetida a seu juízo. Diz-se, também, da opinião do técnico, relativamente ao caso ou assunto, a cujo respeito é
ouvido ou consultado. Diz-se, ainda, da resposta do Ministério Público, do síndico, ou do comissário, sobre a hipótese, fato ou coisa que exija o seu pronunciamento. Em direito parlamentar, diz-se do ato pelo qual a Comissão respectiva, da Câmara dos Deputados ou do Senado, se manifesta sobre a emenda apresentada a um projeto de lei.
Para se proceder à distinção entre os Pareceres Técnicos e os Jurídicos, reporta-se à
definição de outro dicionário. Em Houaiss (2003, p. 312), o termo jurídico aparece como
adjetivo, que se faz por via da justiça.
A expedição de um Parecer Jurídico é feita por um jurista, conforme o dicionário
(Idem, ibidem, p. 313), “especialista em direito”. Essa necessidade não se dá no caso do
parecer técnico. O termo técnico (Idem, ibidem, p. 502) aparece com as seguintes descrições:
adj. 1. relativo a uma arte, ciência ou ofício; 2. que visa formar profissionais de nível médio;
subst. masc. 3. perito, especialista.
Para estabelecer a diferença entre os Pareceres Técnico e Jurídico, um dos argumentos
sobre os quais nos apoiamos é justamente a disposição dos caracteres citados no dicionário
acima. É conveniente observar que também se pode acumular o atributo de especialista ao
jurista que emite o parecer jurídico, assim chamado por se fundamentar em leis do direito.
Também não se pode afastar a idéia de que o direito diz respeito a uma ciência, logo o aparato
de técnico também lhe cabe.
Dessa forma, pode-se concluir que o Parecer Jurídico é também Técnico.
A acumulação desses traços não acontece, porém, no parecer técnico, que, embora
precise de normas para se apoiar, estas não serão fundamentadas no Direito, tampouco será
necessário um jurista para expedi-lo. O Parecer Técnico carecerá de um especialista, que pode
ser um profissional de nível médio, com habilidades específicas em determinada atividade.
Um outro argumento que justifica nossa dupla classificação diz respeito à função do
Parecer. De modo geral, o parecer técnico não delibera sobre a questão em análise. A opinião
do parecerista funciona como uma informação legal. Tomemos como exemplo uma passagem
retirada de um dos exemplares do corpus:
(PT-03, Anexo A, p. 151)
“Retornando ao requerimento inicial, especialmente às questões postas a esta Procuradoria, entendemos por respondidos os pontos cabíveis e pertinentes à autora (sic), mediante a apresentação deste parecer técnico” ( grifos nossos).
O parecer jurídico, por sua vez, evidentemente estará também sendo construído a
partir de informações e com justificativas legais, assim como o parecer técnico; entretanto, a
partir de sua emissão, o parecerista “delibera” sobre a questão avaliada e, se não delibera por
si mesmo, permite a outrem que o faça, administrativamente, de forma ativa, punindo a quem
cometeu alguma infração, ou, conforme o que orienta o Parecer, restringindo, ou, ainda,
anulando uma punição anteriormente determinada.
Na leitura da passagem a seguir, podemos verificar como o locutor tenta influenciar
com veemência o interlocutor. Observe-se sua atitude incisiva, marcada textualmente pelo
grifo de sua autoria (atente-se também para o uso do termo pugnando, que remete a
“combate”, “luta”), expressando sua opinião não só de que a cobrança em questão deve ser
mantida mas ainda acrescida de outros encargos. Vejamos o extrato selecionado:
(PJ-10, Anexo A, p. 180)
“Neste sentido, não havendo âmparo (sic) legal para a dispensa dos eventuais cargos incidentes sobre o valor originário da TCFA nos termos requeridos, opino pela cobrança com as correções regimentais, a contar até a data de 14.01.2002, data efetiva do requerimento da interessada (grifos do parecerista), pugnando (grifo nosso) finalmente que seja oficiado (sic) a interessada da decisão final desta Gerência (grifo nosso), sobretudo seja encaminhado a SAR para as providências pertinentes de ajustes que o caso comporta” (grifos do parecerista).
Há que se levar em consideração, também a posição que esse locutor assume, de certa
forma, tomando ou substituindo o poder da instituição a qual representa, ou seja, ele próprio
assume o “poder decisório” da instituição, através do seu parecer, conforme se verifica no
trecho que grifamos no extrato acima: “que seja oficiado (sic) a interessada da decisão final
desta Gerência”.
A diferença entre os dois tipos de parecer é clara. E, mesmo que esse último
parecerista, a exemplo do que fez o primeiro, no PT-03, não denomine o texto como técnico
ou como jurídico, por sua própria construção, no parágrafo do encerramento, geralmente, se
permite a identificação de sua natureza. Enfim, concluímos que, apesar de a figura do locutor,
parecerista, representar grande papel nessa diferenciação, a função a que se presta o gênero
Parecer é um atributo primordial em sua classificação.
Uma outra questão de que trata esta pesquisa se refere a determinar os pareceres, já
considerados como Técnicos e Jurídicos, como gêneros representativos da Redação Oficial.
Observamos em Marcuschi (2001, p. 41) que, para o autor, que usa a terminologia pareceres
em processos, estes já são tratados como gêneros e estão classificados entre os Textos
Acadêmicos, fazendo parte do domínio do que é tipicamente escrito.
Não vemos, no entanto, os Pareceres como representantes de textos acadêmicos. Dada
sua natureza, muitas vezes decisória, e sua utilidade para fins de comprovação de fatos,
consideramos que melhor seria classificá-los como típicos da Redação ou Correspondência
Oficial, mesmo que o responsável por seu teor não seja sempre uma repartição pública, de
onde geralmente parte esse tipo de comunicação, mas também é utilizada por empresas
privadas.
Assim, este trabalho defende que o Parecer é exemplar dos gêneros da
Correspondência Oficial e classifica-se em dois tipos:
a) Parecer Técnico – cujo teor se aplica a opinar sobre fatos de natureza técnica, com
objetivo ou função de informar, sem pretensões aplicativas ou executivas (em seu
sentido estrito), expedido ou emitido por um técnico ou especialista;
b) Parecer Jurídico – determinado por opinião fundamentada por leis do Direito,
emitida por jurista ou advogado, com poder de decisão sobre querela
administrativa.
Enfim, enquanto um tipo de parecer – o técnico – se destina às comprovações de
situações a partir de dados geralmente mensuráveis, um outro – o jurídico – vale-se da
aplicação de leis, e, num nível mais subjetivo, da interpretação dessas mesmas leis, para
expedir uma decisão, um julgamento da questão posta em juízo, funcionando como
instrumento legal para se executar ou suprimir uma penalidade de ordem administrativa.
7.1.1 A constituição estrutural do Parecer
Convém que se determine a semelhança dos elementos constitutivos dos gêneros em
estudo e como estão dispostos em sua forma composicional, apresentando uma certa
regularidade, em geral, configurando um padrão ou modelo de construção.
Nos exemplares elencados, seguindo uma certa flexibilidade, verificou-se a seguinte
ordem:
a) timbre da instituição que emite o parecer;
b) título do documento – PARECER, e neste item não há qualquer definição quanto
ao que seja técnico ou jurídico;
c) número do processo que lhe deu origem;
d) identificação do interessado ou consulente (nem sempre presente, porém);
e) assunto;
f) ementa (presente em alguns pareceres apenas);
g) invocação (também pouco recorrente no corpus analisado);
h) relatório – representando uma exposição resumida do assunto para justificar a
necessidade da emissão do parecer em questão. Seria a apresentação histórica do
fato em si.
Esses elementos correspondem, sucintamente, a uma primeira parte do Parecer.
A segunda parte aparece constituída do Mérito e da Conclusão. O parágrafo do Mérito,
em alguns pareceres, recebe exatamente esse nome e representa todo o aparato teórico –
técnico ou do Direito –, que servirá de aporte para a discussão do parecerista. Há pareceres,
no entanto, que apresentam toda a teoria necessária, porém não têm esse parágrafo
nominalizado como tal.
No parágrafo da Conclusão também se observa uma pequena variação. Em alguns
exemplares, apõe-se um subtítulo: Voto do Relator. Em outros, introduz-se a opinião do
parecerista sem tal subtítulo, numa seqüência direta ao Mérito desenvolvido. Neste padrão,
podemos observar o PT-04, a seguir transcrito do corpus, para uma visualização mais
concreta.
A terceira parte do Parecer corresponde, finalmente, ao encerramento formal do texto.
Este item é marcado por uma construção já consagrada: Este é o Parecer, ou É o parecer, ou
ainda Este é o parecer, s.m.j.(Salvo Melhor Juízo). Com este fecho, transcrevemos o PJ-09,
no qual observamos mais claramente esta última forma de construção.
Nessa parte, do fechamento ou conclusão do parecer, é possível que o parecerista
encaminhe o documento a uma outra instância para análise, aprovação ou refutação.
Exemplo 1:
(PT-04, Anexo A, p. 152)
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOCONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
I. RELATÓRIO
1. HistóricoO Conselho Municipal de Educação de ... realiza consulta ao CNE sobre interpretações possíveis
sobre os dispositivos legais que tratam do calendário escolar. Apresenta um sólido embasamento em relação à legislação vigente e culmina com duas questões objetivas. A primeira delas se refere a possibilidades de desvinculação das oitocentas horas do ano letivo em relação aos duzentos dias de efetivo trabalho escolar do município, oferecendo algumas alternativas. A segunda pergunta refere-se a dúvidas relativas à freqüência dos alunos.
As duas alternativas apresentadas pela consulente à primeira questão contrariam o texto legal, o qual, submetendo-se a outro ditame constitucional, o da garantia de padrão de qualidade à educação (CF. art. 206, VII), inclui expressamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a definição de ano letivo de, no mínimo, duzentos dias de efetivo trabalho escolar e oitocentas horas.
(...)A primeira alternativa, considerar uma greve como sendo correspondente a certo tipo de peculiaridade local, não procede. A adequação do calendário escolar a peculiaridades locais se refere, na verdade, a algo que não se pode admitir que ocorra a qualquer tempo, em qualquer lugar, como é o caso de um movimento grevista.
(...) Não se pode considerar um movimento paredista como sendo uma situação emergencial, o que poderia conduzir à substituição de educação presencial por educação a distância no ensino fundamental.
(...)A Constituição garante o direito à greve (CF Art. 9º), mas não é possível olvidar que ela mesma
garante o direito de educação pública, gratuita e com padrão de qualidade, conferindo-lhe a prerrogativa de direito público subjetivo (CF Art. 208, parágrafo 1º).
2. MéritoInicialmente, cabe justificar a brevidade deste parecer e a carência de reproduções dos dispositivos
legais coligados com o objeto da consulta. Percebe-se que ela é realizada com plena consciência dos aspectos legais e da profundidade que eles encerram, razão pela qual me abstenho de tentar emular erudição e o conhecimento que saltam à vista na missiva de consulta.
O cumprimento dos duzentos dias de efetivo trabalho escolar constituiu objeto de diversas consultas e pronunciamentos como já aludido na missiva (...).
O mínimo de duzentos dias deverá ser rigorosamente cumprido, mesmo se disso implicar defasagem entre o ano letivo e o ano civil (...).
INTERESSADO:ASSUNTO:RELATOR:PROCESSO Nº:
II – VOTO DO RELATORO cumprimento do calendário escolar que observe os mínimos estabelecidos em lei não admite
exceção diante de eventual suspensão de aulas (...). Contexto urbano, como é o caso do município..., não pode ser considerado portador de “peculiaridades locais” pelo simples fato de ter passado por período de greve dos trabalhadores da educação. Esse período tampouco pode ser considerado uma “emergência”. (...) Acrescente-se ainda que a flexibilidade de organização do ano letivo em ciclos mantém a referência básica do ano para efeito de apuração de freqüência e dias letivos.
Dada a urgência que reveste a consulta, solicito que este Parecer, uma vez aprovado por esta Câmara de Educação Básica, seja encaminhado imediatamente à Consulente.
Local, dia, mês e ano.Conselheiro... – Relator
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto do Relator.
Sala das Sessões, em dia, mês, ano.Conselheiro... – Presidente
Conselheiro... – Vice - Presidente
Exemplo 2:
(PT-09, Anexo A, p. 177)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
PROCURADORIA JURÍDICA
Processo nº
Interessado(a):.
Assunto: “Análise de Pedido de Reconsideração”.
PARECER nº
“XX” e “YY”, insatisfeitos com a r. decisão proferida pelo CONSUNI -
Conselho Universitário desta Instituição, que indeferiu o pedido para invalidar o “Ad referendum dado
pelo Presidente do COC/CSTR sobre alocação da vaga de Professor Adjunto para Professor Titular,
extinguindo-se o processo de redistribuição do Professor Titular Z.Z.Z., do Departamento de XX da
Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de A.A.A. para o DCV do CSTR/UFPB”, requerem
um pedido de reconsideração ao Presidente do CONSUNI, para que se proceda uma nova decisão a
respeito da matéria.
O Regimento da SODS, em seu art. 33, reza o seguinte:
“Art. 33 - Das decisões dos Órgãos Deliberativos da Administração Superior poderão ser interpostos pela parte interessada, perante o respectivo Presidente, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da data da ciência:
I.pedidos de reconsideração, desde que se aduzam fatos ou argumentos novos; II.recursos, na forma prevista nas Disposições Especiais deste Regimento.”
Passamos a analisar a admissibilidade do presente recurso.
O pedido é intempestivo, haja vista que a decisão do CONSUNI foi prolatada em
31.10.2001 e o pedido de reconsideração foi interposto em 28.11.2001, ou seja, 28 (vinte e oito) dias após a
decisão do CONSUNI.
Mediante o exposto, opinamos pelo não recebimento do presente pedido de
reconsideração, em face do mesmo ter sido interposto fora do prazo previsto no caput do artigo 33 do
Regimento Geral da SODS.
É o nosso parecer, s.m.j.
À consideração do Sr. Procurador Geral.
Local e data.
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
Processo nº
Parecer nº
APROVO o Parecer supra.
Encaminhe-se à consideração do Magnífico Reitor.
Em,
Procurador Geral
OAB/PB nº
Em todos os exemplares analisados, finalmente, verificou-se a presença de um
consulente, de um interessado, portanto, a presença indiscutível de um destinatário.
Essas são as considerações que, acredita-se, após expostas, justificam a classificação
dos Pareceres constantes do corpus deste trabalho em duas categorias: pareceres técnicos e
pareceres jurídicos, e sua classificação entre os textos formulaicos representantes da
Correspondência Oficial.
7.2 Marcas de Subjetividade: um estilo em construção
Já citamos, na introdução deste trabalho, quais os critérios que serviram de base
analítica para a análise do corpus24. Nossa atenção concentrou-se nos dados ou elementos que 24 Faz-se necessário informar que, dos Pareceres em análise, serão omitidos os nomes ou quaisquer outros dados de sua identificação, por questões éticas. Alguns pareceres fornecidos para esse estudo já nos foram entregues sem portar o nome do parecerista. No entanto, isso poderia ser recuperado através de sua função na Instituição
nos permitiram identificar marcas de subjetividade lingüisticamente marcada nos Pareceres
Técnicos e Jurídicos, ou seja, marcas de individualidade do locutor/produtor do texto em
análise.
Para demonstrar a presença de uma subjetividade expressamente marcada nos
Pareceres objeto de nosso corpus, utilizamos como critério geral a busca de identificação das
modalidades, atualizadas por meio de recursos lingüístico-discursivos como atos
ilocucionários25, advérbios ou expressões adverbializadas, adjetivos e nominalizações, além
de estruturas verbais que expressassem caracterização ou adjetivação.
Convém esclarecermos que nossa investigação apresenta cunho qualitativo-descritivo,
logo, embora tivéssemos uma quantidade de exemplares considerável, não foi o número que
se impôs como resultado comprovador de nossas hipóteses, mas sim a incidência notória de
traços pessoais influenciando no julgamento do locutor em suas análises e que puderam ser
identificados pelos recursos lingüísticos expressando as modalidades, estas obedecendo à
seguinte classificação: epistêmicas asseverativas, epistêmicas quase-asseverativas,
delimitadoras, deônticas e avaliativas.
Não podemos ignorar, ainda, alguns pareceres cuja construção parece desprovida de
quaisquer elementos modalizadores, característica que, em nossa avaliação, também imprime
uma forma de subjetividade. Essa suposta distância, ou esse presumível afastamento do
locutor com o texto, também merece nossa atenção, tendo em vista considerarmos uma
modalização que acontece de forma implícita.
Em pareceres construídos dessa forma, observamos que a tentativa de não esboçar
qualquer pré-julgamento a respeito do caso em questão, ou dos envolvidos com o evento,
também se configura como uma forma de modalização, e voltamos à questão do crer e do
saber já discutida e exemplificada na página 65, com passagem do PT-05 (Anexo A, p.158).
Um outro parecer que pode se apresentar como tal, ou seja, com um texto em que o
parecerista tenta não demonstrar qualquer marca de pessoalidade, mas “forjando”, dessa
forma, uma marca explicitamente sua, é o PJ-09 (Cf. Anexo A, p.177).
Dessa forma, consideramos que, a partir dos conceitos de distância, transparência e
tensão, podemos chegar a uma identificação desse estilo que, para nós, se mostra como
individual, típico de cada locutor/parecerista. Consideramos, portanto, que a subjetividade nos
que representa, de forma que, também nesse caso, a referida função será suprimida. Esses procedimentos, espera-se, não tornarão menos válida a análise, uma vez que se entende que qualquer documento, escrito, de ordem burocrática, está composto de uma assinatura e da identificação de quem o expede e/ou se responsabiliza por seu teor.25 Os atos ilocucionários serão considerados a partir da ocorrência de verbos dicendi conforme a perspectiva esboçada e já discutida nas páginas 74 a 76.
pareceres está marcada por elementos lingüísticos que denunciam um estilo distante, quando
o locutor não se envolve com o dito ou com seu próprio interlocutor (em suas expectativas de
interpretação); um estilo transparente , marcado pelo engajamento e total comprometimento
do locutor/parecerista com o seu próprio discurso ou as formas de construí-lo; e um estilo
tensional. Sobre este último consideramos ainda uma possibilidade de gradação da tensão
detectada no estilo do locutor. Assim, o estilo será tensional mínimo ou máximo, quando o
locutor pretender agir diretamente sobre seu interlocutor.
Atentamos, então, para o fato de que, quando tratamos de um estilo individualizado,
na verdade, estamos focalizando nossa idéia sobre a forma como o locutor se manifesta na
construção de seu discurso, como suas impressões pessoais serão demonstradas, identificadas
e comprovadas no gênero parecer.
7.3 Legendas e sistematização da análise
Os Pareceres do Corpus, em sua integridade, estão organizados em um Anexo,
denominado “A” (pp.119-194), ao final deste trabalho. Em seu corpo, estão marcados os
elementos lingüísticos com as cores correspondentes às modalidades da tabela adiante
apresentada.
Na análise propriamente dita, para identificar o parecer em estudo e a modalidade
presente, utilizaremos a legenda PT (Parecer Técnico), seguindo a numeração de 01 a 08, e
PJ (Parecer Jurídico), cuja numeração, começando a partir do número 09, dará seqüência à
análise, totalizando, então, 17 exemplares. A modalidade identificada (e em discussão) será
identificada pelos números 1 a 5, conforme indica a tabela abaixo, seguindo a identificação da
subseção, que corresponde especificamente à análise, e antecedendo a identificação numérica
do Parecer.
1- Modalizadores epistêmicos asseverativos
2- modalizadores epistêmicos quase-asseverativos
3- Modalizadores deônticos
4- Modalizadores avaliativos
5- Modalizadores delimitadores
Serão considerados modalizadores epistêmicos os elementos lingüísticos que
veiculem a modalidade ligada ao conhecimento. Quando do tipo asseverativo, esses
modalizadores estarão traduzindo o engajamento do locutor ao dito, a partir do uso de
expressões como: é certo que, creio que, entre outros, além de advérbios ou expressões
adverbializadas como certamente, efetivamente, sem dúvida, com efeito, de fato etc.
Em situações em que o engajamento do locutor não se dê em sua totalidade,
evidenciando um distanciamento ou limitação com o dito, então o modalizador será
classificado como epistêmico quase-asseverativo. É o caso de termos ou expressões como
talvez, possivelmente, provavelmente, eu acho que, é possível que, em se tratando de, no que
se refere a etc. Também classificamos como epistêmicos quase-asseverativos verbos como
sugerir, recomendar etc., os quais, ainda que não introduzam um discurso, evidenciam a
intenção do locutor de direcionar a leitura do interlocutor, tentando promover a aceitação de
seu ponto de vista, porém com certo distanciamento.
Sobre esses verbos, é possível que seu caráter de quase-asseveração transpareça não só
por seu próprio conteúdo semântico, já que assinalam para uma atitude a ser tomada, mas
mantenham certo distanciamento quanto ao dito; eles também podem ratificar essa quase-
asseveração quando aparecem na 3ª pessoa do singular, manobra de nível gramatical utilizada
pelo locutor com o mesmo propósito: tentar manter neutralidade em relação ao que enuncia.
Quanto aos modalizadores deônticos, os que expressam noções de obrigatoriedade,
permissão, necessidade, serão marcados através de termos como exigência, obrigação,
necessidade etc., ou expressões do tipo é necessário que, é obrigatório que, tem de (que), ou
ainda em situações contextuais em que apareçam os verbos DEVER e PODER traduzindo
essas noções, eliminadas as possibilidades de, no contexto discursivo, se verificarem marcas
de modalidade epistêmica.
Atender a essa condição última não nos parece tarefa simples ou fácil, dada a
flutuação semântica com que esses verbos se apresentam. Para tentar equilibrar esse
movimento de flexibilidade modal dos verbos DEVER e PODER, achamos conveniente a
classificação proposta por Neves ao tratar de verbos modalizadores.
Segundo essa autora (2000, p. 62), esses verbos indicam, principalmente:
a) necessidade epistêmicaEntendo que uma escola moderna DEVE ser eminentemente educativa, onde a fraternidade DEVE ser o meio e o amor DEVE ser o fim..b) Possibilidade epistêmicaQuando reina a ignorância, qualquer fato PODE se transformar em uma catástrofe. c) Necessidade deôntica (obrigatoriedade)E era ajuste que não PODIA demorar muito. Bentinho, amanhã TENHO QUE romper as estradas para Piranhas. d) Possibilidade deôntica (permissão)Se você é livre, PODE fazer o que quiser. Não se DEVE fumar na sala de necropsia.
Em relação aos modalizadores avaliativos, observaremos sua presença a partir do uso
de adjetivos, das nominalizações (que também podem representar atos ilocucionários),
advérbios e outras estruturas verbais as quais, embora não estejam na forma fixa de um
adjetivo, encerram sua noção, qualificando, categorizando, enfim, especificando um traço ou
ação que particularize o objeto ou ser focalizado. Em sua ocorrência, chamaremos a atenção
para o fato de que o locutor estará se apoiando nesse recurso para apresentar, implícita ou
expressamente, sua idéia sobre um dado fato e até mesmo sobre uma pessoa cujos atos estão
indubitavelmente à mercê de sua apreciação, logo avaliação, no sentido estrito do termo.
Finalmente, consideraremos delimitadores os modalizadores que, expressando um
certo limite ou restrição sobre o fato, circunstância, enfim para determinado aspecto para o
qual se pretende chamar a atenção, direcionam a interpretação do interlocutor conforme uma
presumível intenção do locutor que se utiliza desse recurso.
De forma esquemática, teremos:
a) Modalizadores epistêmicos asseverativos, podendo expressar uma necessidade ou
uma possibilidade epistêmica:
• É certo que, creio que, é indiscutível que etc.
• Certamente, efetivamente, indubitavelmente etc.
• Sem dúvida, de fato, com efeito etc.
b) Modalizadores epistêmicos quase-asseverativos
• Eu acho que, penso que, é possível que
• Possivelmente, talvez
• Poder, dever, sugerir, recomendar
c) modalizadores deônticos (podendo expressar uma necessidade ou uma
possibilidade deôntica)
• é obrigatório, exige-se que, é necessário que, é permitido
• exigência, obrigatoriedade, necessidade
• poder, dever
d) modalizadores avaliativos
• adjetivos
• nominalizações (estas tanto ativando verbos ilocucionários modais, como outras
categorias gramaticais que evidenciem o ponto de vista do locutor sobre um dado
argumentativo: denúncia, testemunho, degradação, entre outros)
• advérbios
• estruturas verbais que expressem caracterização ou adjetivação (taxando,
denominando, codinominando etc.)
e) modalizadores delimitadores
• advérbios como profissionalmente, historicamente,geograficamente entre outros
de natureza semelhante;
• expressões que restringem o campo de percepção em relação ao enunciado como
do ponto de vista..., em se tratando de...,no que se refere a..., entre outras de
natureza semelhante.
Após a identificação e classificação dos modalizadores em suas modalidades
específicas (epistêmicas, deônticas, avaliativas e delimitadoras), passaremos aos comentários
e discussões convenientes que justificam nosso entendimento como tal. Como há a
possibilidade de recorrência de certos termos, o que pode também levar a uma mesma
classificação, mesmo em diferentes pareceres – muitos, inclusive, já caracterizadores de um
jargão técnico –, nos absteremos de comentários muito longos, pois que pode tornar-se
exercício repetitivo, logo de leitura cansativa e inútil.
As transcrições serão feitas ipsis litteris, isto é, conforme estão registradas nos textos
originais do corpus, logo qualquer transgressão à norma culta, ainda que percebida, não será
marcada ou modificada, por respeito aos autores dos referidos textos.
Convém lembrar que os termos ou expressões destacados nos pareceres são, para nós,
elementos lingüísticos modalizadores, e sua função é expressar as modalidades que veiculam
o processo de modalização.
7.4 Modalidades: a revelação da Subjetividade
Embora cada Parecer tenha sido analisado individualmente, os resultados serão
apresentados com seus respectivos elementos agrupados por modalidades, estas identificadas
conforme a indicação do quadro de cores da página 88, onde também constam as orientações
de leitura das legendas PT (Parecer Técnico) e PJ (Parecer Jurídico). Acrescentamos, ainda, a
estas legendas o número da página do Anexo A (de que fazem parte os Pareceres
integralmente), em que estão localizados, especificamente, os extratos selecionados para
nossa análise e comprovação dos resultados.
7.4.1 – Modalizadores Epistêmicos Asseverativos
(PT-01, p. 131)
“A UFPB apenas pugna pela aplicação da legislação pertinente à matéria, que com certeza vai de encontro às pretensões do recorrente” (grifo do parecerista).
(PT-02, p. 138)
“A licença ambiental, portanto, é um legítimo instrumento de política ambiental [...] a Lei da PNMA nº 6.938/81, que em seu art. 10, (sic) revela indubitavelmente a obrigatoriedade da licença prévia [...].”
(PT-03, p. 146)
“Verifica-se, pois, a ausência do Conselho Pedagógico na estrutura básica do CEFET/PB, e assim, somente poderia ser estendido à sua competência de atuação o poder consultivo. (...) atendo-se, obviamente aos limites legais, impostos pela legislação superior, in casu, a Lei nº 9.394/96.”
(PT-04, p. 153)
“A adequação do calendário escolar a peculiaridades locais se refere, na verdade, a algo que não se pode admitir que ocorra a qualquer tempo, em qualquer lugar, como é o caso de um movimento grevista.”
(PT-05, p. 158)
“Diante dessa constatação, advoga-se a necessidade de criar um novo modelo de curso superior, que privilegie o papel e a importância do estudante no processo da aprendizagem,(...).”
(PT-07, p. 163)
“Sob a ótica da interpretação literal da lei, não temos dúvida em afirmar que o concurso público só é necessário para os 2.000 cargos criados de Analista Ambiental.”
(PJ-10, p. 180)
“Do que se depreende da plena legalidade da TCFA e o seu reconhecimento pelo STF, e levado em consideração que a matéria decidida fora efetivamente publicada no DJU no dia de do ano de, quando efetivamente tornou-se coisa pública, (...).”
(PJ-11, p. 181)
“Finalmente o laudo de Vistoria de fls.15 atesta efetivamente que houve a realização de um desmate no Sítio (...), em uma área de 0,25 h a, sendo a vegetação suprimida pertencente ao ecossistema de Mata Atlântica, conforme atestam as fotos de fls. 07 a 13, dando conta da área devastada.”
(PJ-16, p. 192)
“Pois bem, da análise dos Autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu na época do fato os dispositivos então vigentes [...].”
(PJ-17, p. 194)
"Pois bem, da análise dos Autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu os arts. 2º, “e” da Lei 4.771/65; art.225 da CF; arts. 7º e 10 da Lei nº 7.661/81 e art. 14 da Lei nº 6.939/81, e que efetivamente as alegações ofertadas na peça defensiva não têm o condão de ilidir o Auto de Infração, devendo, pois, este ser mantido em todos os seus fundamentos. Mercê de homologação.”
À vista dos elementos sublinhados nos extratos, verificamos a posição do parecerista
em assegurar o que diz; não há sinais de dúvida, de hesitação em seu discurso. O caráter de
asseveração é visto, inclusive, em algumas formas sutis de apresentação do dito, por exemplo,
no Parecer 05, através da forma advoga-se; o uso do termo advogar só se dá quando se tem
certeza do que se pretende, do que se entende de uma situação, ou seja, não há como se
incorrer em falhas, correr riscos desnecessários, enfim.
Os termos realmente, efetivamente e a expressão não temos dúvida em afirmar
também caminham na mesma direção, ou seja, há toda uma transparência e engajamento com
o dito nesse discurso. O parecerista assume, sem rodeios, sua posição em relação ao que
enuncia. Seu posicionamento deixa claro de que forma ele quer que o dito seja interpretado,
ou seja, não há, segundo seu julgamento quaisquer dúvidas sobre o que está exposto.
Observa-se que, mantendo a linha de tensão, digamos, “ativada”, e sua certeza
transparente em relação ao que declara, o locutor, ainda que não tenha poderes para
determinar o cumprimento ou não de seu julgamento, faz uso de termos e expressões os quais,
justamente por seu tom asseverativo, deixam pouca ou nenhuma opção àquele que lhe é
hierarquicamente superior para deliberar a aplicação das sanções ou punições colocadas de
forma opinativa ou decisória, ou, ainda, minimizar ou anular essas punições.
Outras marcas de modalidade epistêmica asseverativa estão registradas nos Pareceres
que formam a seção do Anexo A, a partir da página 119, assim como as demais modalidades
que selecionamos adiante.
7.4.2 – Modalizadores Epistêmicos Quase-Asseverativos
(PT-01, p. 121)
“Além disso, a concessão do ingresso em universidade pública sem a devida aprovação em vestibular viola o princípio constitucional da isonomia, ao qual fazem jus dezenas, talvez centenas de estudantes que também desejam uma vaga em curso de direito de uma universidade federal [...].”
(PT-02, p. 134)
“Os técnicos, considerando a complexidade do assunto, declarou (sic) não ‘disporem de condições[...] para que fossem tomadas medidas corretas e justas sobre o
problema. Sugerindo-se afinal que esta Gerência solicitasse estudo local de profissionais especializados na matéria[...].”
(PT-03, p. 151)
“Sugerimos, outrossim, um exame apurado na situação de todos os alunos beneficiados pela dita resolução, e, nos casos em que houve o atendimento aos requisitos, de forma concomitante: ” (grifos do autor).
(PT-04, p. 153)
“Para reverter essa possível defasagem é necessário utilizar dias normalmente não ocupados com o efetivo trabalho escolar, como período de férias e/ou sábados e domingos”.
(PT-05, p. 159)
“Pensa-se, igualmente, em fazer uso responsável da autonomia acadêmica, flexibilizando os currículos e as especificidades institucionais e regionais permitindo que cada estudante possa fazer escolhas para melhor aproveitar suas habilidades, sanar deficiências e realizar desejos pessoais.”
(PT-07, p. 162)
“Um grupo de cerca de 350 servidores do IBAMA, ocupantes de cargos que passaram a integrar a nova carreira de Especialista em Meio Ambiente [...], consulta-nos sobre a possibilidade de aproveitamento dos atuais servidores daquela autarquia, [...] nos cargos de Analista Ambientar (sic) e Analista Administrativo [...].”
(PJ-10, p. 180)
“O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão relativa à alegação de bitributação quanto à taxa que supostamente utilizaria base de cálculo de imposto e vem concluindo pela inexistência da alegada bitributação, (...).”
(PJ-11, p. 181)
“Sugere a Ditec, ás fls. (sic) 15, que a (...) seja oficiada a proceder à averbação da área de reserva legal. Outrossim, visando minorar a vulnerabilidade da área vegetada frente aos infratores ambientais, recomendo que o representante da referida empresa seja oficiado a comparecer á (sic) DITEC [...].”
(PJ-12, p. 184)
“A documentação acostada pelo requerente às fls. 04/05 dos autos em nada modifica o nosso entendimento [...].”
(PJ-13, p. 186)
“Frente ao exposto, entendemos que o pleito do requerente não pode ser deferido em face da legislação acima transcrita e da jurisprudência ora acostada ao presente processo.”
(PJ-14, p. 187)
“No mérito, entende pela aplicação de atenuantes e, sobretudo pelo não cabimento de multa simples à guisa de que antes disso o IBAMA deveria advertir o autuado ou se o mesmo tivesse oposto embaraço à fiscalização.”
(PJ-15, p. 190)
“Analisando as peças acostadas ao presente processo e o sentido do pedido do requerente, entendemos que o pleito se refere a vantagem prevista no inciso I, do art. 192, da Lei nº 8.112/90.”
(PJ-16, p. 192)
“Deve ainda, ser o interessado informado da possibilidade de parcelamento da multa, podendo, outrossim, o Sr. Gerente, instar a DICOF para retomar a fiscalização no local, com a finalidade de constatar se efetivamente a agressão cessou ou continua, (...).”
(PJ-17, p. 194)
“Deve ainda, ser o interessado informado da possibilidade de parcelamento da multa, podendo, outrossim, o Sr. Gerente informar ao mesmo sobre a faculdade de apresentação de eventual Termo de Compromisso para reparação do dano ambiental, consoante estatui o benefício do art. 60 do Decreto Federal nº 3.179/99”.
Os modalizadores epistêmicos Quase-Asseverativos demonstram certo distanciamento
ou pouca transparência do parecerista em relação ao que apresenta em seu discurso. Este
recurso, no entanto, longe de parecer enfraquecer seu poder argumentativo, favorece a
condução da interpretação já que não se prende a uma posição fixa, pré-determinada, na
maioria das vezes. Além disso, com o uso desse tipo de modalidade, o parecerista deixa
espaço para uma outra decisão, (observe-se, por exemplo, a passagem transcrita nos Pareceres
03 e 11, através da forma Sugerimos).
Em algumas passagens, essa “abertura” não vai além da expressão de sua opinião; há
outras circunstâncias, no entanto, em que, mesmo apresentando sua idéia como “sugestão”, o
parecerista mantém uma conotação que beira o enfático, sem, entretanto, permitir-se
formalizar opinião decisória ou definitiva: esta é repassada para quem, em alguns casos, lhe
pediu opinião sobre um fato determinado (observe-se o PJ-17, em que, já no início do
parágrafo, o parecerista usa a forma “Deve ainda...”, seguido da forma podendo). Se o
responsável pelas providências a serem tomadas não fizer conforme suas orientações, isto não
quer dizer que tenha sido por falta de orientação; afinal, o Parecer foi, tecnicamente,
anunciado.
Esse mesmo recurso de distanciamento se faz presente nas formas do verbo entender,
conforme se pode verificar nos excertos transcritos dos pareceres jurídicos 12, 13 e 15. No
PJ-14 (cf. Anexo p.187), há presença do verbo dever sob a forma de futuro do pretérito do
indicativo. Não se trata de uma construção do parecerista do texto em análise, mas de um
outro locutor que, valendo-se desse tempo verbal, reclama de uma decisão errada e, ao mesmo
tempo, apresenta uma outra forma de solução, sem, no entanto, agir diretamente sobre seu
interlocutor, preservando-se e a seu cliente. A força da obrigação (verbo dever) é atenuada
pela forma verbal.
Verificamos que há uma flutuação na intenção do discurso, marcada pelo uso dos
modalizadores quase-asseverativos e pelos termos que os representam. Entendemos que esse
traço delata o que há por trás do relato do locutor: mesmo cônscio de seu poder limitado, há
sempre um sutil investimento sobre alguns termos que fortalecem a idéia do que “deve ser
feito”, mas, ao mesmo tempo, deixa transparecer um certo relaxamento quanto à atitude a ser
tomada, uma abertura para uma certa escolha, enfim, o discurso se equilibra sobre um fio que,
embora compacto, porque regido pela lei que o recobre, é flexível a outros movimentos de
conduta, se estes não colidirem exatamente com a lei que sustenta esse mesmo fio.
7.4.3 – Modalizadores Deônticos
(PT-01, p. 121)
“A ‘Universidade (...)’, ministrado na cidade de (...), sediado na cidade de (...), é uma universidade particular, e o Colendo STJ já firmou jurisprudência no sentido de que um estudante de universidade particular não pode ser transferido para uma instituição pública” (grifo do parecerista).
(PT-02, p. 135)
“Pois bem, após a imposição da medida sancionadora pelo IBAMA (embargo/interdição), a Empresa referida obteve uma liminar em sede de Mandado de Segurança [...]” (grifo do parecerista).
(PT-03, p. 145)
“Preliminarmente, há que se falar a respeito da competência do Conselho pedagógico, em relação à criação da pré-falada Resolução.”
(PT-04, p. 153)
“O mínimo de duzentos dias deverá ser rigorosamente cumprido, mesmo se disso implicar defasagem entre o ano letivo e o ano civil (...)”.
(PT-05, p. 158)
“Assim, verificado este novo momento histórico, esta nova complexidade vivencial, veloz e mutante, a universidade brasileira precisa repensar-se, redefinir-se, instrumentalizar-se (...)”.
(PJ-06, p. 161)
“Esta Coordenação teria que visitar a obra ‘in loco’, antes da conclusão dos trabalhos executados [...].”
(PT-07, p. 162)
“A indagação envolve ainda questões de interpretação constitucional, considerando que [...], cujo ratio legis investigaremos, ocasionando modificações no concernente à exigência de concurso público para o preenchimento de cargos no quadro de pessoal na Administração Pública.”
(PT-08, p. 173)
“O Conselho de Educação do (...), inconformado com a decisão da Câmara Legislativa do (...) que promulgou a Lei, 2.921, de 21/2/2002, contrariando o veto do Governador de (...), pela qual os estabelecimentos de Ensino Médio [...] encaminha a este colegiado o Ofício [...]:”
(PJ-10, p. 180)
“Como se sabe a Constituição Federal em seu art.145 não só define o que seja taxa como também impõe uma proibição no sentido de que as taxas não poderão ter base de cálculo própria dos impostos”.
(PJ-11, p. 181)
“Sugere a Ditec, ás fls. (sic) 15, que a (...) seja oficiada a proceder à averbação da área de reserva legal. Outrossim, visando minorar a vulnerabilidade da área vegetada frente aos infratores ambientais, recomendo que o representante da referida empresa seja oficiado a comparecer á (sic) DITEC [...].”
(PJ-12, p. 184)
“Mediante o exposto e diante do não preenchimento dos requisitos contidos no art. 33 [...], opinamos pela não admissão do pedido de reconsideração e conseqüente arquivamento do processo”.
(PJ-13, p. 185)
“Em atendimento a solicitação da Coordenadora de Escolaridade desta Instituição, Profª (...), temos a informar que no presente caso deverá se aplicar o art. 84, inciso II, do Estatuto da UFPB, e o artigo 19, inciso I, da Resolução nº 22/96, (...)”.
(PJ-14, p. 187)
“Vem a exame processo administrativo alusivo à infração ambiental ocorrida [...], consistente em ‘autorizar a desmatar 19um0 hectare de floresta nativa de caatinga, sem autorização do órgão oficial competente’ [...].”
(PJ-16, p. 192)
“Pois bem, da análise dos Autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu os arts. 2º, “e” da Lei 4.771/65; art.225 da CF; arts. 7º e 10 da Lei nº 7.661/81 e art. 14 da Lei nº 6.939/81, e que efetivamente as alegações ofertadas na peça defensiva não têm o condão de ilidir o Auto de Infração, devendo, pois, este ser mantido em todos os seus fundamentos”.
Nos extratos que selecionamos acima, é notória a noção do obrigatório, do permitido
(ou não), enfim, do que se deve, ou não, fazer, mediante permissão, em determinadas
circunstâncias. Nos textos analisados, os modalizadores deônticos marcam presença,
principalmente porque são conseqüência de premissas legais, ou seja, o parecerista organiza
seu discurso fundamentado em leis que protegem seu posicionamento quando define algo
como indispensável, obrigatório etc. Seu comprometimento com o dito é latente quando há
uma lei ou um dispositivo de mesmo peso jurídico para lhe dar respaldo opinativo.
A força dos deônticos é expressiva nos Pareceres não exatamente por haver um poder
decisório por parte do parecerista, mas pelo fato de que o parecerista, sabendo desse seu limite
administrativo, ainda assim procura direcionar a atitude de quem o consultou. Assim, se o
parecerista não tem o poder de decidir, por outro lado, ele sabe de seu poder de persuadir a
outrem a decidir conforme sua leitura do fato. A força com que o modalizador deôntico se
manifesta num texto jurídico é absolutamente compreensível porque está embasada em uma
outra maior: a lei constitucional. Além disso, não se pode esquecer que o parecerista, de um
modo geral, dispõe do conhecimento dessas leis, motivo suficiente para agir e influenciar
sobre o consulente que procura sua apreciação reconhecidamente aceita no meio profissional.
Essa força interpretativa também pode aparecer em termos que, de um modo geral, são
mais freqüentemente utilizados como quase-asseverativos, como, por exemplo, a expressão É
possível ou o nome possibilidade. Entretanto, encontramos o termo impossibilidade e
entendemos que seu valor dentro do discurso funciona exatamente como um deôntico e não
como um quase-asseverativo como habitualmente classificado. Observemos esse termo no
PT-03 (Anexo A, p.144 ):
"Mesmo que houvesse dúvidas acerca da aplicação das determinações emanadas pela LDB [...] seria mister a manifestação favorável e anterior, do DNE, o que até o presente momento, existe, (sic) mas apenas em sentido contrário, ou seja opinando pela ilegalidade e impossibilidade de redução do ano letivo[...]”
No PT-05, também encontramos um verbo que, geralmente, não expressa qualquer
modalidade, mas pode, conforme o uso, agir como modalizador. Trata-se do verbo caber, que
aparece em “Aos estudantes caberá buscar um curso que lhes propicie, com qualidade, a
formação desejada”, com valor deôntico. Se retomarmos o texto completo, veremos que, lá,
esse verbo não traduz a idéia comum de “conveniência”; há, na verdade, uma seqüência de
obrigações, de deveres a serem cumpridos por um outro responsável (a universidade) e, logo
depois, a obrigação que compete aos alunos (cf. Anexo, pp. 158-159).
Ainda que reconheçamos, porém, o valor que os modalizadores deônticos expressam
dentro do gênero Parecer, é importante destacar que seu uso não é patenteado pelo poder de
ação do próprio parecerista. Sua evocação se dá justamente para garantir àquele que vai gerir
a situação final, a aplicabilidade do que se decidir no Parecer. Assim, o parecerista atuará
como transmissor, e conforme sua interpretação dos fatos, não só do que diz a lei mas ainda
do que ele mesmo pensa sobre a ação ou a coisa em julgamento. É neste ponto que
encontramos sinais da subjetividade do parecerista, pois não se trata apenas de valer-se de um
apoio legal para justificar uma conduta, uma punição, um perdão; é possível, também, que,
em alguns casos, as expressões deônticas, mesmo acompanhadas de outros que poderiam,
mesmo que debilmente, enfraquecer seu valor apelativo, são registradas na acepção clara da
ordem, proibição, permissão, enfim, não há como se esquivar de sua idéia germinal.
Veja-se o caso da expressão grifada abaixo (PJ-12), selecionada anteriormente:
“Mediante o exposto e diante do não preenchimento dos requisitos contidos no art. 33 [...], opinamos pela não admissão do pedido de reconsideração e conseqüente arquivamento do processo”.
A forma nominalizada não admissão, está, de certa forma, enfraquecida pelo verbo
opinamos, o que não invalida o caráter deôntico do que é admissível (ou não), mas limita o
poder de ação do próprio parecerista. O que percebemos, portanto, é que, se o parecerista sabe
de sua força discursivo-argumentativa e dela faz uso, é também consciente de que ele mesmo
não pode ir além do que seu dever lhe garante, qual seja, o de apresentar sua opinião sobre um
ato ou fato, à luz de aparatos legais, tentando convencer seu interlocutor ou consulente da
idéia instaurada em sua interpretação.
7.4.4 – Modalizadores Avaliativos
(PT-01, p. 119)
“Insatisfeito com esta decisão, o requerente tempestivamente, interpôs recurso para o CONSEPE.”
(PT-02, p. 134)
“O episódio se deu no local supra citado, onde o Autuado exercia as suas atividades consideradas potencialmente poluidoras sem o devido licenciamento ambiental, a cargo do Órgão Estadual Licenciador.”
(PT-03, p. 144)
“Os autos do processo em destaque se encontram instruídos com documentação suficiente ao recebimento e entendimento do questionamento.”
(PT-04, p. 152)
“O Conselho Municipal de Educação de (...) realiza consulta ao CNE sobre interpretações possíveis sobre os dispositivos legais que tratam do calendário escolar. Apresenta um sólido embasamento em relação à legislação vigente e culmina com duas questões objetivas.”
(PT-05, p. 158)
“Como produtora de saber e formadora de intelectuais, docentes, técnicos e tecnólogos, a universidade contribui para a construção do mundo e sua configuração presente.”
(PT-06, p. 161)
“O assunto em tela merece estudo e esclarecimentos para o devido encaminhamento do pedido solicitado pela CAG-UNED, que passaremos a discriminar:”
(PT-07, p. 163)
“Ora, ‘ingresso’ nos cargos da nova carreira significa, a rigor, entrada no serviço público, não abrangendo, por conseguinte, aqueles que já estão ocupando cargos públicos, porque já estão dentro da Administração Pública.”
(PT-08, p. 173)
“O Conselho de Educação do (...), inconformado com a decisão da Câmara Legislativa do (...) que promulgou a Lei 2.921, de 21/2/2002, contrariando o veto do Governador de (...), pela qual os estabelecimento de ensino Médio [...], encaminha a este colegiado o Ofício [...]:”
(PJ-09, p. 177)
“XX” e “YY”, insatisfeitos com a r. decisão proferida pelo CONSUNI - Conselho Universitário desta Instituição, que indeferiu o pedido para invalidar o “Ad referendum dado pelo Presidente do COC/CSTR (...), [...] requerem um pedido [...] para que se proceda uma nova decisão a respeito da matéria”.
(PT-10, p. 179)
“Sustenta que mandara expediente ao IBAMA (não trazido aos autos) pugnando por ‘uma definição do órgão com relação ao pagamento da TCFA nos trimestres iniciais do ano de 2001 supra referido.”
(PT-11, p. 181)
“Vem a exame auto de infração lavrado em desfavor de (...) por suprimir vegetação secundária em estágio inicial de regeneração em área de Mata Atlântica (Sítio...) zona rural de (...), desprovido de qualquer licenciamento ambiental.”
(PJ-12, p. 183)
“AA”, insatisfeito com a decisão proferida pelo CONSEPE, que indeferiu o seu pedido de transferência para esta Instituição, ingressa com um pedido de reconsideração junto ao seu Presidente, para que uma nova decisão seja dada sobre a matéria”.
(PJ-13, p. 185)
“No ano de (...), o requerente abandonou o referido curso não mais efetuando a sua matrícula nos períodos seguintes”.
(PJ-14, p. 187)
“Vem a exame processo administrativo alusivo à infração ambiental ocorrida no município de (...), atribuída ao infrator em epígrafe, consistente em “autorizar a desmatar 1(um) hectare de floresta nativa de caatinga, sem autorização do órgão ambiental competente”(sic) sendo na oportunidade estabelecida uma multa pecuniária de R$1.500,00(um mil e quinhentos reais) “.
(PJ-15, p. 190)
“SS”, servidor pertencente ao Quadro de Inativos desta Instituição, ocupante do cargo de, matrícula nº , requer a transposição do Padrão e Classe B-VI para A-III, sem fundamentar o seu pedido em qualquer legislação, alegando apenas que vários de seu colegas foram contemplados com este benefício”.
(PJ-16, p. 191)
“Trata-se de processo referente ao Auto de Infração[...] por ‘construir alvenaria e concreto, (sic) e suprimir vegetação remover parte da falésia, considerada de preservação permanente sem o licenciamento ambiental.”
(PJ-17, p. 193)
“Em defesa apresentada, tempestivamente, o Autuado aduz em síntese do essencial, que a infração fora praticada por seus funcionários, em face deles possuírem baixo grau de instrução e não tinham noção da ilicitude dos atos praticados.
As expressões lingüísticas destacadas acima “denunciam” a avaliação feita pelo
parecerista, e são múltiplas nos exemplares selecionados.
A freqüência de avaliativos demonstra com que precisão o parecerista pretende, não só
repassar as informações sobre o caso como também promover uma reação prévia em relação
ao caso em análise bem como em relação aos envolvidos nele. Em alguns pareceres, como o
PT-02 (cf. texto integral, p.133 do Anexo), por exemplo, é considerável o emprego de
adjetivos de valor negativo; daí já se pode ter uma idéia do que pretende o parecerista quando
“cria”, com esse recurso, uma imagem do “infrator” ou “autuado”. Nesse mesmo parecer
(PT-02), paralelamente, o parecerista também utiliza adjetivos de valor positivo, montando
uma imagem respeitosa de outros pareceristas (nobre, douta, bem fundamentada), que
coadunam sua opinião, logo digna de crédito, servindo-lhe, inclusive, ou principalmente, de
esteio argumentativo, com intenção, supõe-se, de fazer contraposição à figura da empresa
“infratora”
Com essa conduta, o leitor de um parecer construído dessa forma já tem condições de
antecipar a opinião final do parecerista. O esforço em fortalecer a imagem dos denunciantes
como “vítimas” ou dos infratores como merecedores de punição é tão expressivo quanto o de
mostrar o caráter duvidoso de instituições que, de alguma forma, favorecem indevidamente a
empresa autuada com alguns privilégios. Esse mesmo esforço se dá quando, para negar um
pleito, o parecerista busca respaldo não só nas leis já em vigor para tal, mas na reapresentação
de sua aplicação por outros pareceristas.
Um outro traço que revela a interferência pessoal do parecerista está no emprego do
verbo querer (PT-02) ao qual podemos associar o nome vontade (PT-07). Ora, tanto em um
(cf. Anexo, p.133) quanto em outro (cf. Anexo, p. 162), respectivamente, esses elementos
lingüísticos denotam o engajamento do parecerista de forma clara. Nos dois textos, o verbo
querer está presente. No PT-07 (cf. Anexo, p. 166), o parecerista não somente usa o verbo
querer como também fala da “vontade” do legislador de ser entendido de uma e não de outra
forma. Tais registros traduzem a interpretação que o parecerista faz da atitude de outrem,
avaliando a conduta que se teve no processo em questão como algo tratado a partir da
vontade, do querer, o que contraria o procedimento técnico regular.
Também entre os avaliativos encontramos termos ou expressões que fogem à sua
classificação rotineira: necessidade e a forma é necessário. O que se expressa como
necessário exprime, via de regra, valor deôntico, no entanto, em algumas passagens também
do PT-07 (cf. Anexo, p. 162), essas expressões evidenciam mais fortemente uma avaliação do
parecerista sobre a questão em estudo, estabelecida essa avaliação, inclusive, como conclusão
de seu texto.
Enfim, os modalizadores avaliativos, nos pareceres, de um modo geral, evidenciam a
impressão pessoal do parecerista, expondo com clareza seu ponto de vista não só sobre o
objeto da questão mas, também, sobre as circunstâncias em que o caso se apresenta e, ainda,
sobre os envolvidos nas querelas em juízo.
Se considerarmos os conceitos de tensão, distância e transparência, outrora tratados,
podemos dizer que, quando o locutor faz uso dos avaliativos, seu estilo nada tem de distante;
ele, de fato, se envolve com o julgamento que faz; há também toda uma transparência no que
ele revela de suas impressões sobre os elementos avaliados. A tensão também se manifesta de
forma intensa, pois seu discurso evidencia sua opinião pessoal sobre o fato, sobre as
circunstâncias e também sobre os envolvidos com o caso em julgamento. E se nos colocamos
dessa forma, é porque pressupomos que qualquer avaliação sugere envolvimento. Avaliar algo
como positivo ou como negativo em nada muda o grau de tensão ou de envolvimento com o
objeto avaliado.
Entendemos, assim, que o próprio ato de avaliar já conduz a uma direção de
interpretação, de julgamento e, portanto, de expressividade. Negar-se a uma avaliação
também não significa dizer que não há subjetividade expressa, mas sim que essa possível
ausência de avaliação constrói um outro tipo de estilo: um estilo distante, se assim podemos
considerar.
Enfim, os modalizadores avaliativos podem ser, mais do que esperávamos,
responsáveis pelas marcas mais latentes de expressão subjetiva nos pareceres técnicos e nos
jurídicos, pois são eles que evidenciam, conforme o que pretende o locutor, os aspectos
positivos ou negativos da situação ou dos envolvidos nessa questão, a partir do ponto de vista
pessoal desse locutor ou parecerista.
7.4.5 – Modalizadores Delimitadores
(PT-01, p. 131)
“e obter o título de bacharel em direito, terá que se submeter ao concurso vestibular, apenas isto, conforme exige a legislação. A UFPB apenas pugna pela aplicação da legislação pertinente à matéria, (...)” (grifo do parecerista).
(PT-02, p. 135)
“12. Sucedeu-se a sentença de mérito relativamente ao mandamus de n.º , lastreada nas informações do Ibama; (...)”.
(PT-03, p. 144)
“As questões apostas no documento oficial se fundam especificamente, no embasamento legal atribuído a Resolução AA/88 pelo Conselho Pedagógico desta Instituição.”
(PT-04, p. 152)
“Apresenta um sólido embasamento em relação à legislação vigente e culmina com duas questões objetivas.”
(PT-05, p. 158)
“É consenso entre professores, associações científicas e classistas [...] e mesmo no geral da população instruída que, diante da velocidade com que as inovações científicas e tecnológicas vêm sendo produzidas e necessariamente absorvidas, o atual paradigma de ensino – em todos os níveis, mas sobretudo no ensino superior – é inviável e ineficaz.”
(PJ-06, p. 161)
“Esta Coordenação teria que visitar a obra ‘in loco’, antes da conclusão dos trabalhos executados para emitir Parecer Técnico e aprovar os serviços a serem executados e solicitados pela CAG.”
(PT-07, p. 162)
“Um grupo de cerca de 350 servidores do IBAMA, ocupantes de cargos que passaram a integrar a nova carreira de Especialista em Meio Ambiente, prevista na recente lei nº 10.410, de 11.02.2002, consulta-nos sobre a possibilidade de aproveitamento dos atuais servidores daquela autarquia, portadores de curso
superior, nos cargos de Analista (sic) Ambientar e Analista Administrativo, e nos cargos de Técnico Ambiental e Técnico Administrativo, com relação aos que já concluíram o ensino médio.”
(PT-08, p. 174)
“2. Quanto à ilegalidade da Lei 2.921/2002Trata-se de comprovar que essa lei solicitada por uma unidade da
Federação se contrapõe às normas próprias e privativas da União, editadas pelo Congresso Nacional.”
(PJ-09, p. 177)
“’XX’ e ‘YY’, insatisfeitos com a r(sic) decisão proferida pelo CONSUNI [...] requerem um pedido de reconsideração ao Presidente do CONSUNI, para que se proceda uma nova decisão a respeito da matéria.”
(PJ-10, p. 179)
“Vem a exame requerimento da Empresa ‘AA’ solicitando a dispensa da cobrança da TCFA – Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental relativamente aos três primeiros trimestres do exercício de 2001.”
(PJ-11, p. 181)
“Do que se depreende dos autos em apreciação resta caracterizada a infringência aos comandos legais respeitantes ao meio ambiente, na medida que o autuado desmatou uma área com incidência de vegetação de Mata Atlântica”.
(PJ-12, p. 184)
“Excepcionalmente, só são deferidas transferências de universidades privadas para públicas quando não existir na cidade para qual o mesmo foi transferido idêntico curso numa universidade privada, [...].”
(PJ-13, p. 185)
“No ano de (...), o requerente abandonou o referido curso não mais efetuando a sua matrícula nos períodos seguintes. A Procuradoria Jurídica desta Instituição orientou a Pró-Reitoria de Graduação a conceder ao mesmo o prazo de 10 (dez) dias para que ele exercesse, por escrito, o direito de defesa”.
(PJ-14, p. 187)
“Vem a exame processo administrativo alusivo à infração ambiental ocorrida no município de (...), atribuída ao infrator em epígrafe, consistente em “autorizar a desmatar 1(um) hectare de floresta nativa de caatinga, sem autorização do órgão ambiental competente”(sic) sendo na oportunidade estabelecida uma multa pecuniária de R$1.500,00(um mil e quinhentos reais) “.
(PJ-15, p. 190)
“Analisando as peças acostadas ao presente processo e o sentido do pedido do requerente, entendemos que o pleito se refere a vantagem prevista no inciso I, do art. 192, da Lei nº 8.112/90”.
(PJ-16, p. 192)
“Pois bem, da análise dos autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu na época do fato os dispositivos então vigentes, (...)”.
(PJ-17, p. 194)
“Pois bem, da análise dos Autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu os arts. [...], e que efetivamente as alegações ofertadas na peça defensiva não têm o condão de ilidir o Auto de Infração, devendo, pois, este ser mantido em todos os seus fundamentos.”
Como se pode perceber, o uso de modalizadores delimitadores promovem uma leitura
com limite de visualização do assunto. Com esse tipo de modalidade, o parecerista investe na
atenção sobre um dado específico que, embora não permita que se ignore o que não foi
delimitado pela modalidade, orienta enfaticamente para uma interpretação desejada em
relação aos interessados, pelo menos é o que parece ser a intenção do parecerista.
Interessante observar que, ao utilizar os modalizadores delimitadores, o locutor de
certa forma se protege discursivamente. Se seu argumento não for validado por algum motivo,
ele poderá apelar para o limite posto em seu enunciado. Essa cautela argumentativa, que não
compele a um distanciamento com o próprio discurso, permite que o locutor enfatize, focalize
seu objeto de atenção e atraia o “olhar” do interlocutor justamente para esse foco. Com uma
área de abordagem mais restrita, parece mais provável o alcance de seu objetivo, seja o de
reforçar, atenuar ou anular uma punição.
Também nos parece importante atentar para o fato de que, ao delimitar um certo
domínio ou campo de visualização, de abordagem, o locutor também faz uma prévia
avaliação. Entendemos que, ao definir exatamente, através de uma circunscrição, de que
ponto de vista seu discurso vai ser construído, esse locutor nos permite presumir, também,
uma avaliação, uma análise do que poderá ser observado, o que lhe poderá garantir maior
sucesso em seu desempenho argumentativo.
A estratégia de uso desse tipo de modalizador geralmente faz referência a uma
restrição, isto é, de um grande universo, cerca-se um pequeno trecho, limita-se o espaço físico
ou temporal, limita-se a idéia, enfim. Em favor desse limite, o locutor constrói seu discurso e
aproxima-se do interlocutor, “convidando-o” ou conduzindo-o, como já dissemos, a
concentrar sua atenção exatamente sobre aquele ponto.
Curiosamente, notamos uma outra forma de delimitação, que contraria, a priori, essa
estratégia. Observando mais atentamente o destaque do último Parecer (PJ-17) a expressão
que grifamos nos despertou interesse. Trata-se da passagem: “ser mantido em todos os seus
fundamentos”. Neste caso, o delimitador não restringe a idéia como se constata nos demais
exemplares, ou pelo menos não no sentido de reduzir um campo de visão, de interpretação.
De forma contrária ao esperado, esse delimitador conduz a uma amplitude desse domínio. A
delimitação é feita no sentido inverso, ou seja, há um realce para o que deve ser levado em
consideração, de fato, mas isso, neste caso, significa uma restrição porém dirigida para sua
totalidade, ou seja, não é parte do universo em análise que deve ser observado, mas o todo
desse universo, só assim, a ação que se espera realizada será realmente satisfatória.
Quando mencionamos anteriormente, logo acima, que com auxílio dos delimitadores
cerca-se um pequeno trecho, limita-se o espaço físico ou temporal, limita-se a idéia,
pretendemos dizer que, a partir de alguns usos de termos ou de expressões, esses
modalizadores determinam certas fronteiras que, na leitura ou interpretação de um discurso,
podem se referir a limites variados.
Verifiquem-se os termos grifados retirados do PT-02: “dentro do SISNAMA...” ou
“no raio de...”, dando uma idéia de locação geográfica (Anexo A, p. 139); em “uma certa...”
(Anexo A, p.141), percebe-se uma delimitação na idéia, aliás, apresentação de algo
indefinido, mas, ainda assim, preso a um ponto específico de interpretação; com os termos
“senão...” (Anexo A, p. 141) ou “caso deixe de...” (Anexo A, p. 141), observa-se uma
ressalva, o que também converge para um limite – são condições específicas para se proceder
a algo ou não.
Ainda se vê alguma particularidade na delimitação localizada no tempo contínuo de
uma dada ação na construção “enquanto as condições (...) atenderem a...”, que também
atenta para a ressalva, para a condição (cf. Anexo A, p. 141).
Essas últimas reflexões, ou considerações, nos levam a perceber que, se os
delimitadores, em algum momento, deixam passar a impressão de que não têm características
próprias que também os diferenciam entre si, a partir de um olhar mais acurado, essa idéia ou
impressão se esvai. Os delimitadores apresentam-se, então, como um recurso modalizador que
merece, acreditamos, uma atenção especial, o que, infelizmente, não é possível ser feito neste
trabalho já que mudaria nosso rumo.
Impossível não concluir, portanto, que esse modalizadores traduzem não apenas uma
idéia de limites mas ainda carregam em si mesmos traços de avaliação; além disso também
são portadores de aspectos que os particularizam, pois evidenciam em que circunstâncias, ou a
partir de que ponto de vista (temporal, espacial, nocional) sua atuação pode ser verificada e
aplicada discursivamente.
CONCLUSÕES
Em todos os exemplares analisados, constatamos a presença de elementos lingüísticos
modalizadores, evidenciando a intenção do parecerista em demonstrar sua opinião e
compreensão sobre um determinado fato e, ainda, buscando atuar sobre a opinião de seu
interlocutor, ora de forma sutil, ora de forma expressiva.
Um fato que nos chamou a atenção na análise desses pareceres foi exatamente a pouca
ou moderada freqüência de modalizadores epistêmicos asseverativos na confecção desse
gênero. Aliás, essa observação merece ser feita não só em relação aos epistêmicos mas
também aos deônticos. Ora, se estamos tratando de um gênero que, em princípio, provém de
órgãos que têm algum poder decisório e administrativo, logo haveria de se supor que o caráter
de seguridade, asseveração e de dever a se cumprir seriam marcas típicas e abundantes em
seu corpo.
Essa constatação nos levou a refletir sobre a posição real dos pareceristas, os quais,
ainda que na condição de opinadores ou responsáveis por uma decisão, assumem tão-somente
o papel de interpretadores das leis que regem os deveres e direitos dos cidadãos, produzindo,
malgrado o esforço de alguns, uma relação entre a instituição, o consulente e o próprio
parecerista, ligados ora pela questão em si mesma, ora pelas possíveis interpretações que
podem advir de um argumento marcado por rebuscamentos, imprecisões, entre outros
interferentes. Sua atuação dentro das repartições que representam os leva, de fato, a um
compromisso não apenas com o julgamento da coisa em análise mas ainda com a maneira
como esse julgamento pode ou deve ser apresentado, de forma a manter a identidade idônea
do órgão, a justeza das decisões tomadas em relação à aquiescência ou punição em relação ao
ato julgado.
Enfim, a idéia de que o parecer poderia ser marcado por traços asseverativos ou
deônticos não se consolidou, como esperávamos a princípio, justamente pelo fato de que o
parecerista funciona como um intermediário entre o consulente e a lei, esta concretizada ou
materializada na forma do gênero constituído para definir posições. Assim, o Parecer, seja
técnico ou jurídico, ainda que finalize por validar uma decisão, parte da idéia de que alguém,
com competência para tal, pode e deve avaliar o que se pede e, em seguida, disponibiliza esta
avaliação para um outro que, realmente, seja o responsável por sua viabilização.
Assim, o que se comprovou foi a utilização de modalizadores avaliativos – em alguns
pareceres, às vezes, até registrados com certo exagero, o que nos levou a pensar que esse
procedimento se deu pelo fato de que o parecerista pretendia, ansiadamente, expor a situação,
ou melhor sua leitura dos fatos, de forma a não deixar quaisquer dúvidas sobre sua idéia em
relação ao assunto de que tratava.
O recurso aos modalizadores avaliativos, além de se fazer presente na forma de
adjetivos (ora na forma simples, ora na forma de superlativos), de verbos como denunciar,
testemunhar, taxar etc., também pôde ser percebida em grifos feitos pelo parecerista, quer na
forma de negritos, quer na forma de itálicos ou mesmo na redação de certas passagens com
fonte maior do que a que compõe o restante do texto. A presença marcante desses
modalizadores comprova, então, nossa conclusão de que os Pareceres são gêneros discursivos
que analisam, avaliam, esboçam uma opinião que pode ser acatada com valor aplicativo ou
não. O fato é que, mesmo não sendo os aplicadores diretos das decisões apresentadas em seu
discurso, os pareceristas, autores dos exemplares analisados, agiram, às vezes de forma
transparente, às vezes de forma velada, com o intuito de conduzir a leitura de seu interlocutor
para o sentido que eles mesmos, pareceristas, indicaram através das avaliações feitas sobre os
casos que lhes foram confiados.
Em relação aos delimitadores, estes também se apresentaram com bastante
relevância, pois serviram aos interesses do parecerista para delimitar precisamente em que
ponto específico deveria se concentrar o leitor, ou interessado na questão, para se fazer
entender e conseguir anuência acerca de sua idéia, em busca de coro em sua opinião final.
Estes modalizadores apresentaram também algumas características curiosas como o de
portarem traços de avaliativos e, além disso, uma vasta possibilidade de sentido em sua
aplicação, fato carecedor de outros estudos.
Enfim, impossível não discordar de pontos de vista que consideram a atitude, postura
ou o comportamento de quem representa instituições públicas como alguém que não
manifesta sua vontade própria, mas sim a vontade impessoal do órgão.
Para nós, na produção de um discurso, seja na esfera pública, seja na esfera privada,
entram elementos de toda ordem, principalmente os da vontade subjetiva, indicativos de
valores que não desaparecem simplesmente porque se está avaliando uma situação que não se
lhe diz respeito pessoal ou particularmente.
A partir das análises que fizemos, podemos comprovar quão de interferência pessoal
há na argumentação, apresentação de fatos, definição de situações etc., em documentos
classificados como formulaicos, para nós típicos da correspondência oficial, e responsáveis,
muitas vezes, pelo destino de várias pessoas, afetando sua vida no âmbito profissional, social,
político, enfim, transformando, de alguma forma, seu cotidiano.
As modalidades que identificamos no corpus traduzem, e nem sempre de forma sutil, a
perspectiva a partir da qual o parecerista emitirá seu julgamento. O que podemos concluir é
que se limitar a dizer o que é certo, possível, desejável, ou mesmo obrigatório, nem sempre é
a postura do parecerista. Em alguns exemplares, verificamos que ele não consegue se eximir –
em alguns casos sequer faz tentativa para tal –, de expressar sua impressão pessoal sobre o
fato analisado e, especialmente, sobre os envolvidos na questão.
Seu estilo se constrói quase que imperceptivelmente a seus olhos – do parecerista –,
promovendo a manufatura de um gênero que expõe sobremaneira o caráter político e social
embutido na questão julgada, na lei que lhe será aplicada, na punição ao infrator, enfim, na
própria figura desse parecerista, cujas palavras consolidarão a punição ou o perdão de um ato,
e que acabarão por denunciar com que escala de valores ou de medidas o parecerista fará a
mensuração dos valores que subjazem ao ato, objeto do parecer.
Tal procedimento nos incita a observar a exposição de uma particularidade subjetiva
em relação ao que diz esse parecerista, ou melhor, à forma como este dito se expressa, seja
este marcado pela expressão direta em seu discurso, seja, justamente, pela tentativa de omitir-
se de qualquer engajamento com a situação que ora analisa.
É essa particularidade que vemos como um estilo individualizado, marcado pela
transparência, o que nos dará, então um estilo transparente,ou pela tensão, neste caso estilo
tensional, e aqui poderíamos subdividir esse estilo tensional em mínimo ou máximo,
conforme a gradação com que se apresenta o locutor em relação à sua ação sobre o
interlocutor.
Essas classificações que tentam interpretar o que para nós tem valor de “individual”
dizem respeito a um estilo construído a partir de marcas pessoais, portanto, únicas, ainda que
sejam observadas em pareceres diferentes, produzidos por locutores distintos e que se revelam
através do uso de expressões que, a partir dos conceitos de distância, transparência e tensão
(mínima ou máxima), acabam por agir sobre o interlocutor, pré-anunciando o julgamento de
dada situação.
Assumindo um estilo particular (transparente ou tensional), o locutor se coloca como
um “guia” da leitura que pretende ser realizada por parte dos interessados; para isto, faz uso
do que é comumente aceito pela comunidade de que faz parte, valendo-se de dispositivos
legais para amparar sua argumentação, e, ainda, utiliza algumas expressões que, mesmo não
fazendo parte do discurso de quaisquer dos envolvidos no caso em julgamento, desempenham
seu papel de “condutores” dessa leitura, daí o uso das nominalizações de valor avaliativo, por
exemplo.
Em outros casos, no entanto, o estilo do locutor denuncia absolutamente o contrário,
ou seja, ao tentar eximir-se do uso dessas expressões que poderiam revelear sua avaliação
prévia do caso, o locutor constrói o que podemos classificar como um estilo distante, ainda
nos valendo dos conceitos anteriormente estudados.
Esta estratégia, no entanto, pode funcionar para não adiantar um posicionamento e
definição do julgamento de um dado parecerista, mas não impedirá que se lhe identifique um
estilo também particular, próprio, tipicamente seu e, talvez, até já conhecido por alguns
membros de seu grupo, ou seja, o estilo distante.
Sobre o Parecer, o gênero em si mesmo, não ignoramos que este porta um estilo
generalizado, já reconhecido formalmente e, para nós, fazendo parte da Correspondência ou
Redação Oficial, como já expusemos na seção 7.1, pág. 81. Verificamos certa estabilidade na
organização composicional de sua estrutura, caracterizada pela presença de elementos os
quais, embora não sejam pontuados, por todos os pareceristas, de um modo geral, por uma
terminologia expressa (Histórico, Mérito, Conclusão etc.), não significa que informe ou
represente outro segmento dentro da linha textual, já que continua tendo o caráter de opinativo
(informativo ou deliberativo). Assim, mesmo que não faça uso desses termos, o locutor
desenvolve sua argumentação, partindo de um relatório do caso, seguido de uma apreciação
das condições legais e, aportado por essa apreciação, geralmente com base em leis, portarias,
decretos, finalmente apresenta uma conclusão, ou seja, seu parecer sobre o caso.
A utilização ou não dessa terminologia também nos parece um objeto de constatação
de que há um estilo próprio de cada parecerista, ou ainda mais especificamente, sua forma
pessoal de apresentar seu ponto de vista sobre um dado fato.
Fazendo uso das modalidades epistêmicas, deônticas, avaliativas e delimitadoras, o
parecerista, em seu texto, pode manifestar sua idéia a partir da observação sobre o fato, e
transferir, quase de forma transparente, essa sua idéia. Selecionar termos lexicais, estruturas
sintáticas, entre outros recursos lingüístico-discursivos, como também evitar fazê-lo,
corrobora nossa hipótese inicial de que no gênero Parecer há uma subjetividade
lingüisticamente marcada, capaz de traduzir um estilo − transparente, tensional ou distante −,
ou seja, próprio, estrito e marcante de cada parecerista responsável pelo texto, pelo discurso,
enfim pela análise a que está sujeito um determinado objeto de consulta.
Isto nos coloca, conseqüentemente, em posição diferente da assumida por Bakhtin, que
considera os documentos de forma padronizada, entre eles os documentos da redação oficial,
como os menos propícios para um reflexo da individualidade, conforme podemos constatar a
partir da citação abaixo (BAKHTIN, 2000, p. 283):As condições menos favoráveis para refletir a individualidade na língua são as oferecidas pelos gêneros do discurso que requerem uma forma padronizada, tais como a formulação do documento oficial, da ordem militar, da nota de serviço, etc (sic). Nesses gêneros só podem refletir-se os aspectos superficiais, quase biológicos, da individualidade (e principalmente na realização oral de enunciados pertencentes a esse tipo padronizado).
Verificados os elementos lingüísticos e sua aplicação como modalizadores nos gêneros
discursivos analisados, concluímos que a subjetividade, logo a expressividade, pode ser
reconhecida em um parecer, seja técnico ou jurídico – exemplares da correspondência oficial,
textos de forma padronizada. O registro dessa expressividade deixa impresso, no texto, o
estilo de um dado parecerista, exatamente através de registros lingüísticos que denunciam sua
interferência pessoal, presença subjetiva indiscutível, fator que, como já dissemos
anteriormente, elimina a hipótese de que os gêneros traduzem “a vontade impessoal do
órgão”, conforme postula Zago (cf. p. 12). Como conseqüência, o gênero Parecer acaba por
portar um estilo também específico; o gênero em si mesmo passa a ter traços que o
particularizam entre outros, passa a ser visto com um “ser” capaz de modificar, direta ou
indiretamente, a vida de quem depende de seu teor avaliativo e/ou decisório. O Parecer, como
qualquer outro gênero, tem uma função, um objetivo a cumprir, e isso se realiza, concretiza-
se, através da manifestação da perspectiva do parecerista sobre o objeto da consulta, no
momento de sua construção.
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ZAGO, Lívia Maria A. K. O Princípio da Impessoalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
ANEXO A – PARECERES TÉCNICOS E JURÍDICOS
PT-01
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃOPROCURADORIA-GERAL FEDERALPROCURADORIA-FEDERAL – UFPB
Prédio da Reitoria – 2º andar – Cidade UniversitáriaCastelo Branco – CEP: 58.059-900 – João Pessoa/PB
Fones: (0XX83) 216-7158/7412 - Fax: (0XX83) 216-7199
Processo nº .Interessado(a): Assunto: "Transferência Ex Officio de Universidade Privada para Universidade Pública".
PARECER nº
O requerente “X” solicita a sua transferência ex officio do Curso de Direito da Universidade (...), para o Curso de Direito, em face de sua transferência ex officio do 9º BECNST para o 1º Grupamento de Engenharia e Construção, nesta Capital. O seu pleito foi indeferido pela Coordenação de Escolaridade desta Instituição.
Insatisfeito com esta decisão o requerente, tempestivamente, interpôs recurso para o CONSEPE. O Presidente do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPB designa o conselheiro “Z” para relatar e emitir parecer no presente processo. O eminente conselheiro solicita um parecer da Procuradoria Jurídica desta Instituição acerca da matéria.
Em atendimento a (sic) solicitação do conselheiro Professor “Z”, temos a esclarecer o seguinte:
O art. 49 da Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, assim prescreve:
“Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na hipótese de existência de vagas, e mediante processo seletivo.Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão na forma da lei.”
A Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, que tratou de regulamentar o parágrafo único do artigo 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assim dispôs:
“Art. 1º - A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício
Parágrafo único – A regra do caput não se aplica quando o interessado na transferência se deslocar para assumir cargo efetivo em razão de concurso público, cargo comissionado ou função de confiança.”
O artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, prenuncia o princípio da isonomia como norteador da matéria em comento:
“Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (g. nosso)
Em nome da igualdade de acesso aos estudos, faz-se precisa interpretação cautelosa dos preceitos constitucionais pertinentes a fim de evitar que a proteção conferida pela Lei Maior à formação educacional possa servir de via oblíqua ao ingresso nas Universidades e nos cursos mais concorridos à míngua da imprescindível seleção do concurso vestibular, forma normal e igualitária de obtenção de vaga nas Instituições de Ensino Superior. Vejamos o que diz a jurisprudência em um caso análogo ao do recorrente:
APELACAO EM M.S. Processo na Origem:
RELATOR :APELANTE :PROC/S/OAB :APELADO :ADVOGADO :REMETENTE :
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - ENSINO SUPERIOR - REMOÇÃO DE DEPENDENTE DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL MILITAR - DIREITO DO DEPENDENTE ESTUDANTE À TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA PARA INSTITUIÇÃO DE ENSINO CONGÊNERE, DA LOCALIDADE ONDE O MILITAR PASSOU A EXERCER SUAS FUNÇÕES - ART. 99 DA LEI Nº 8.112/90 - ART. 1º DA LEI Nº 9.536, DE 11/12/97 - LEGITIMIDADE RECURSAL DA AUTORIDADE IMPETRADA, EM MANDADO DE SEGURANÇA - INEXISTÊNCIA.
I - Consoante reiterada jurisprudência, a autoridade impetrada não tem legitimidade para recorrer de sentença deferitória do mandamus, cabendo a legitimidade recursal ao representante da pessoa jurídica interessada.
II - Na esteira da jurisprudência mais recente do egrégio STJ, a 1ª Seção do TRF/1ª Região, ao analisar o alcance da expressão “congênere”, constante do art. 99 da Lei nº 8.112/90, firmou entendimento no sentido de que “a expressão congênere deve ser entendida como transferência feita somente de estabelecimento público para estabelecimento público e de privado para privado, salvo se na localidade de recepção do aluno não existir estabelecimento público com o curso dele” (incidente suscitado na AMS nº 95.01.22761-8/PI, Rel. Juiz Catão Alves, 1ª Seção do TRF/1ª Região, maioria, julgado em 03/03/99).
III - Quando a Lei nº 9.536, de 11/12/97, assegura a transferência compulsória, em caso de remoção ex officio de servidor público federal civil ou militar estudante, ou de seu dependente estudante, “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino”, ou seja, vinculadas aos sistemas de ensino federal, estadual, do DF ou municipal, não está a impor que a transferência se opere obrigatoriamente para instituição de ensino pública, se o servidor estudante ou seu dependente é originário de instituição de ensino privada, impondo-se interpretação restritiva ao dispositivo, à luz do art. 206, I, da CF/88, de molde a assegurar a igualdade de condições para o acesso a instituição de ensino superior pública.
IV - A impetrante, dependente estudante de servidor público federal militar, removido ex officio, com mudança de domicílio, não tem direito líquido e certo à transferência compulsória de instituição de ensino superior privada, para outra pública, se, na localidade onde o militar passou a exercer as suas funções existem instituições de ensino superior privadas, com o curso para o qual pretende transferir-se compulsoriamente.
V - Apelação não conhecida.
VI - Remessa oficial provida.
A “Universidade (...)”, ministrado na cidade de (...), sediado na cidade de (...), é uma universidade particular, e o Colendo STJ já firmou
jurisprudência no sentido de que um estudante de universidade particular não pode ser transferido para uma instituição pública. Ora, a universidade particular não é idêntica à universidade pública, porque aquela é custeada pelo próprio estudante, e a universidade pública, não. Portanto, quem estuda em universidade particular não faz jus à transferência para universidade pública, mas apenas para instituição de ensino congênere, ou seja, privada (grifos do parecerista). Além disso, a concessão do ingresso em universidade pública sem a devida aprovação em vestibular viola o princípio constitucional da isonomia, ao qual fazem jus dezenas, talvez centenas de estudantes que também desejam uma vaga em curso de direito de uma universidade federal, e que, para tanto, enfrentam o concorrido vestibular. Sobre a matéria, pedimos venia para transcrevermos na íntegra o acórdão proferido nos autos do Recurso Especial nº 141.179:
“(LEX – Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais - Volume 102 - Página 218)
RECURSO ESPECIAL N. 141.179 - CE (97.0051036-0)
Segunda Turma (DJ, 13.10.1997)
Relator: Exmo. Sr. Ministro l
Recorrente: Universidade Federal do Ceará - UFC
Recorrida:
Advogados:
EMENTA: - ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA DE UNIVERSIDADE PARTICULAR PARA INSTITUIÇÃO PÚBLICA: IMPOSSIBILIDADE. TRANSFERÊNCIA EM VIRTUDE DA NOMEAÇÃO PARA EXERCER CARGO EM COMISSÃO: INADMISSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 99 DA LEI N. 8.112/90. RECURSO PROVIDO.
I - Servidor que estuda em universidade particular não faz jus à transferência para universidade pública, mas apenas para instituição de ensino congênere, ou seja, privada.
II - O art. 99 da Lei n. 8.112/90 não alcança os ocupantes de cargos em comissão.
III - Recurso especial conhecido e provido para denegar a segurança, ressalvando os créditos obtidos pela estudante.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo os Srs. Ministros AA e BB. Vencido o Sr. Ministro CC.
Custas, como de lei.
Brasília, 4 de setembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro CC, Presidente – Ministro(...) , Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO (...): - A Universidade Federal do Ceará interpõe recurso especial contra acórdão proferido pelo TRF da 5ª Região.
“DD” impetrou mandado de segurança contra ato do Reitor da Universidade Federal do Ceará. A então impetrante, aluna do Curso de Direito da Universidade Regional do Cariri, solicitou a sua transferência para a Universidade Federal do Ceará, por ter assumido a função de (...) DAS-1 na Prefeitura Municipal de (...)/CE, cidade que fica a “xx” quilômetros de Fortaleza/CE. No entanto, a comissão permanente de transferência indeferiu o pedido, pelo que foi impetrado o “writ” para fins de obtenção da pleiteada transferência.
O Juiz Federal de primeiro grau concedeu a segurança.
Inconformada, a ora recorrente apelou.
Conduzida pelo voto proferido pelo então Juiz “EE”, que ora abrilhanta esta Corte, a 2ª Turma do TRF da 5ª Região, à unanimidade de votos, negou provimento ao apelo, prestigiando a sentença concessiva do “writ”.
Irresignada, a Universidade Federal do Ceará interpõe recurso especial pelas alíneas a e c do permissivo constitucional. Alega que o acórdão proferido pela TRF da 5ª Região está em dissonância com a jurisprudência
dos TRF’s das 1ª e 4ª Regiões. Aduz que o aresto recorrido violou o art. 99 da Lei n. 8.112/90.
Sem contra-razões.
O recurso especial foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. (Relator): - Sr. Presidente, o recurso especial merece prosperar.
O art. 99 da Lei n. 8.112/90 dispõe:
“Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga” (grifei).
Como se vê, a lei instituidora do regime jurídico único assegurou a transferência apenas para instituição de ensino congênere à freqüentada pelo servidor.
Antes do advento da Lei n. 8.112/90, a legislação não fazia tal restrição, qual seja, a de que a transferência fosse para instituição de ensino congênere. Senão vejamos.
O art. 158 da Lei n. 1.711/52 estabelecia que “ao estudante que necessite mudar de domicílio para exercer cargo ou função pública, será assegurada transferência do estabelecimento de ensino que estiver cursando para o da nova residência, onde será matriculado em qualquer época, independentemente de vaga”.
O art. 100 da Lei n. 7.037/82 também não limitava a transferência para determinado gênero de instituição de ensino, “in verbis”:
“Art. 100. A transferência de aluno, de uma para outra instituição de qualquer nível de ensino, inclusive de país estrangeiro, será permitida na conformidade com os critérios que forem estabelecidos:
............................
§ 1º Será concedida transferência, em qualquer época do ano, e independentemente da existência de vaga:
I - para instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, quando se tratar de servidor público federal, ou de membro das Forças Armadas, inclusive seus dependentes, quando requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício que acarrete mudança de residência para o município onde se situe a instituição recebedora ou para localidade próxima desta, observadas as normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Educação” (grifei).
Como já dito, o dispositivo ora em vigor, ou seja, o art. 99 da Lei n. 8.112/90, restringe a transferência para instituição de ensino congênere. Tal evolução legislativa não pode passar despercebida pelos exegetas, especialmente por esta Corte, a quem cabe dar a última palavra acerca da interpretação da lei federal. O vocábulo “congênere” significa do mesmo gênero, idêntico, semelhante, similar (cf. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa e Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa).
Ora, a universidade particular não é idêntica à universidade pública, porque aquela é custeada pelo próprio estudante, e a universidade pública, não. Portanto, servidor que estuda em universidade particular não faz jus à transferência para universidade pública, mas apenas para instituição de ensino congênere, ou seja, privada. Além disso, a concessão do ingresso em universidade pública sem a devida aprovação em vestibular viola o princípio constitucional da isonomia, ao qual fazem jus dezenas, talvez centenas de estudantes que também desejam uma vaga em curso de direito de universidade federal, e que, para tanto, enfrentam o concorrido vestibular. Nesse sentido é a jurisprudência do TRF da 4ª Região:
“A LEI N. 8.112/90, NO ART. 99, ASSEGURA TRANSFERÊNCIA PARA INSTITUIÇÃO DO MESMO GÊNERO. OS ESTABELECIMENTOS OFICIAIS NÃO PERTENCEM AO MESMO GÊNERO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PARTICULAR.
I - Servidor removido compulsoriamente por necessidade de serviço que cursa faculdade particular. Existindo instituição particular de ensino na localidade para a qual o servidor foi transferido, o mesmo não tem direito
líquido e certo de transferir-se para o estabelecimento público.
II - Apelação improvida” (AMS n. 95.04.16907-4/RS, TRF da 4ª Região, Rel. Juiz “FF”,DJU 19.05.96).
“Nos termos do art. 99 da Lei n. 8.112/90, ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga. O que garante a norma é a transferência independentemente de vaga, para instituição do mesmo gênero, e não o ensino gratuito, livre do concurso. Os estabelecimentos oficiais, em razão da acirrada disputa pela gratuidade, não pertencem ao mesmo gênero das instituições de ensino particular. Tal preceito se encontra em harmonia com o princípio da igualdade de condições para o acesso ao ensino público, exigido pelo art. 206, I, da CF/88” (AMS n. 94.04.36670-6/RS, TRF da 4ª Região, Rel. Juiz “GG”, DJU 28.06.95).
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA. REMOÇÃO. RESIDÊNCIA ANTERIOR.
- Não havendo prova quanto ao caráter da remoção, nem da residência anterior e constatando-se que a impetrante, não tendo sido bem sucedida no concurso vestibular da UFSC, mas tendo sido aprovada na Universidade Regional de Blumenau cursa apenas um semestre e já sente a necessidade de transferência, esta deve ser indeferida pois há que se resguardar o princípio da isonomia que deve imperar em todo concurso vestibular, acirrada disputa, cuja lisura não pode ser maculada e nem solapada, quer antes, quer após, mediante favorecimentos, à solércia dos que pretendem por toda forma furtar-se ao princípio da lealdade entre os concorrentes” (AMS n. 90.04.13584-7/SC, 2ª Turma do TRF da 4ª Região, Rel. Juiz “HH”).
“Deve-se salientar, ainda, que a transferência há de ser feita para instituição de ensino superior correspondente (congênere), eis que não está autorizada a transferência para qualquer estabelecimento de ensino, como, no caso, de uma entidade particular para uma universidade pública, razão por que não se pode acolher a pretensão do Autor. O Impetrante, alegando freqüentar a Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas (RJ),
pretende ingressar numa universidade pública, furtando-se de prestar o acirrado concurso vestibular, meio idôneo e democrático de impedir privilégios” (trecho extraído do voto-condutor proferido pelo eminente Juiz “II”, quando do julgamento da AMS n. 93.04.45879-0/PR).
Por derradeiro, lembro que a interpretação teleológica (art. 5º da LICC) do art. 99 da Lei n. 8.112/90 conduz à conclusão de que os estudantes nomeados para ocupar cargos em comissão não fazem jus à transferência independentemente de vaga pois podem ser exonerados “ad nutum”, já que tais cargos são vocacionados para serem ocupados em “caráter transitório” (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”, 8ª ed., Malheiros, p. 160 e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Direito Administrativo”, 7ª ed., Atlas, 1996, p. 383). A respeito do tema, invoco os seguintes precedentes do TRF da 1ª Região:
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA DE ESTUDANTE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
I - A nomeação para cargo comissionado, demissível “ad nutum”, não gera para o estudante direito à transferência.
II - Apelação desprovida” (AMS n. 90.01.14619-8, 2ª Turma do TRF da 1ª Região, unânime, Rel. Juiz”JJ”, DJU 20.08.92) (grifei).
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA DE ESTUDANTES QUE ASSUMEM CARGOS OU EMPREGOS PÚBLICOS.
- A interpretação extensiva das normas legais que autorizam a transferência compulsória de estudantes que assumem cargos ou empregos na Administração Direta ou Indireta só alcançam a primeira nomeação ou contratação por concurso público” (AMS n. 89.01.25289-9/MT, 2ª Turma do TRF da 1ª Região, unânime, Rel. Juiz “KK”, DJU 10.12.90) (grifei).
Com essas considerações, ou seja, na linha dos precedentes dos TRF’s da 1ª e 4ª Regiões, e com a devida vênia do eminente Ministro, conheço do recurso especial, e dou-lhe provimento para denegar a segurança, ressalvando os créditos.
É como voto.
EXTRATO DA MINUTA
REsp n. 141.179 - CE - (97.0051036-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel. Recorrente: Universidade Federal do Ceará - UFC. Recorrida: (...). Advogados: Drs.
Decisão: Após o voto do Exmo. Sr. Ministro Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, no que foi acompanhado pelos Exmos. Srs. Ministros, pediu vista dos autos o Exmo. Sr. Ministro (em 25.08.97 - 2ª Turma).
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro .
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: - Num País carente de estudantes e em que crassa o analfabetismo, a interpretação das leis que disciplinam as transferências de jovens universitários não pode ser estrita. Afinal, a educação é, nos nossos dias, um direito social do cidadão (art. 6º da CF/88).
No caso dos autos uma jovem estudante aluna do Curso de Direito da Universidade Regional do Cariri solicitou transferência para a Universidade Federal do Ceará por haver assumido a função de (...) DAS-1, na Prefeitura Municipal de (...)/CE, cidade que dista apenas 22km de Fortaleza, pedido que lhe foi negado ao argumento de que a transferência independente de vaga mas só é assegurada, nos termos da Lei n. 7.037/82, quando se tratar de funcionário público federal ou membro das Forças Armadas (fl. 15).
Tal argumento foi repelido pelo Juiz Federal que acentuou haver a Universidade do Ceará se limitado “a invocar a inexistência do alegado direito líquido e certo, em razão da Lei n. 7.037/82, art. 100, § 1º, I” (fl. 62).
A Egrégia 2ª Turma do TRF da 5ª Região negou provimento à apelação e à remessa, unanimemente, nos termos do voto do ilustre Juiz (...), hoje emprestando o brilho da sua inteligência à Seção do STJ, que, em extenso e bem articulado voto concluiu pelo reconhecimento do direito líquido e certo da impetrante
a partir da interpretação dos arts. 99, da Lei n. 8.112/90 e 158, da Lei n. 1.711/52 e da jurisprudência do extinto TFR e deste STJ.
E o fez muito bem, “data venia” do douto Relator e dos que o acompanharam. Com efeito, dos autos consta prova de que a impetrante é servidora pública municipal.
Ora, servidor público, na dicção do art. 2º da Lei n. 8.112/90, é a pessoa legalmente investida em cargo público. E, nos termos do art. 99, do “Regime Único”, “ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurado, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino, congênere, em qualquer época, independentemente de vaga”.
Diz, porém, o ilustre Relator, que o art. 99 restringiu à hipótese da transferência à instituição de ensino congênere, limitação inexistente sob a vigência do art. 158 da Lei n. 1.711/52, para concluir que a universidade particular não é idêntica à universidade pública. O vocábulo “congênere” significa do mesmo gênero, idêntico, semelhante, similar (conforme Dicionário Escolar da Língua Portuguesa e Novo Dicionário da Língua Portuguesa), como diz o ilustre Relator. Não concordo com a sinonímia de idêntico, mas de semelhante. Ser alguma coisa do mesmo gênero de outra não implica em igualdade ou identidade. E no caso não distingo para o efeito pretendido, entre universidade privada e pública. O ensino é atividade exercida diretamente pelo Estado ou pelo particular, mediante autorização, permissão ou concessão. As Faculdades de Direito privadas se submetem na orientação dos seus cursos, às diretrizes traçadas pelo MEC, em tudo e por tudo semelhantes ou assim, idênticas às faculdades públicas. O fato de ser paga a faculdade privada não pode ser obstáculo à transferência para a faculdade pública, mantida pelo Estado. Se fosse ao contrário, a única exigência que se poderia fazer ao estudante seria o custeio das despesas e com o curso. Com relação ao Estado, é de seu dever promover a educação do cidadão.
Quanto ao vestibular, não vislumbro a violação ao princípio da isonomia a transferência de estudante servidor público, prevista e regulada em lei. É que o servidor público presta serviços à coletividade e é em seu nome que se estabelece à exceção. E o conceito de servidor público não se subsume a prestação de serviço
à União ou órgão federal. O conceito é amplo e abrange os serviços públicos estaduais e municipais. E não poderia ser outro o conceito face à regra do art. 99, que há de ter interpretação sob o prisma da diretriz constitucional insculpida no art. 6º. E como fez o ilustre Juiz (...), transcrevo mais uma vez acórdãos da lavra dos Ministros (...), no extinto TFR, e (...), neste STJ, que agasalham a tese da recorrida:
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA DE ALUNO. LEI N. 1.711/52, ART. 158.
I - O art. 158, da Lei n. 1.711, de 28 de outubro de 1952, comporta interpretação extensiva, em respeito ao princípio da igualdade, esculpido no art. 153, § 1º, da Carta Magna.
II - O conceito de servidor, abrange os estaduais e municipais, razão por que impede assegurar-lhes direito à matrícula, por transferência, em estabelecimento federal de ensino superior, independentemente de vaga.
III - Remessa oficial improvida. Segurança confirmada” (TFR, REO n. 96.866/PB, Rel. Min. (...), DJ de 11.04.85).
“UNIVERSIDADE. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO.
I - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é de caráter nacional. Não se confunde com lei federal. Vincula a União, os Estados, os Municípios e todos os estabelecimentos de ensino. Autonomia das Universidades não significa independência. Todas se vinculam ao sistema único. Este é compulsório. Respeitado, cada entidade dispõe como melhor lhe aprouver, como ocorre, exemplificadamente, com o “curriculum” mínimo e o “curriculum” pleno. A transferência de alunos integra o Sistema porque relacionado com a continuidade do curso, aspecto que interessa à própria educação. A Lei se preocupou também com a dinâmica do ensino. A Universidade, em si mesma, é vazia: só faz sentido com o corpo docente (entre os quais pesquisadores) e o corpo discente. A transferência de servidor público é constitucional. Além disso, a Lei é auto-aplicável quando disciplina a transferência entre estabelecimentos nacionais. A regulamentação é necessária na hipótese de
transferência de estudante de escola estrangeira para congênere do Brasil.
II - Por unanimidade, não conhecer do recurso pela alínea “a” e, pela alínea “c”, do mesmo conhecer parcialmente para lhe negar provimento” (STJ, REsp n. 5.651/DF, Rel. Min.(...), DJ de 11.03.91).
Tenho, pois, para mim, que o direito da jovem estudante funcionária pública municipal à transferência requerida é líquido e certo, pelo que conheço do recurso pela letra c mas lhe nego provimento.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO (...): - A lei só autoriza a transferência do aluno que, sendo funcionário público, for removido “ex officio”; não há essa hipótese de transferência do aluno que muda de domicílio para ocupar cargo público.
Acompanho, por isso, o eminente Relator, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento para denegar a segurança, ressalvados os créditos já obtidos.
EXTRATO DA MINUTA
REsp n. 141.179 - CE - (97.0051036-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro (...). Recorrente: Universidade Federal do Ceará - UFC. Recorrida (...). Advogados: Drs. (...) e outros e (...).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Exmo. Sr. Ministro (...), conhecendo do recurso mas negando-lhe provimento, a Turma, por maioria, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, vencido o Exmo. Sr. (...) (em 04.09.97 - 2ª Turma).
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros (...), (...) e (...).
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro (...).
Para que o(a) estudante tenha acesso ao ensino superior, tenha oportunidade de se qualificar, mantendo o seu “status" de universitário(a) no Brasil, e obter o título de bacharel em direito, terá que se submeter ao concurso vestibular, apenas isto, conforme exige a legislação. A UFPB apenas pugna pela aplicação da legislação pertinente à matéria, que com certeza vai de encontro às pretensões do recorrente (grifo do parecerista).
Vale salientar, que existe nesta Capital o Curso de Direito na Unipê e no IESP, que também são universidades particulares, logo, a transferência do requerente só pode ser deferida se for para uma instituição de ensino congênere, ou seja, privada (grifo do parecerista).
Por fim, quando a Lei nº 9.536/97 assegura a transferência “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino”, ou seja, vinculadas aos sistemas de ensino federal, estadual, do DF ou municipal, não está a garantir que a transferência seja feita obrigatoriamente para instituição de ensino pública, se o servidor militar federal estudante é originário de instituição de ensino privada, uma vez que os aludidos sistemas de ensino englobam as instituições de ensino públicas e também as criadas e mantidas pela iniciativa privada. E, à luz do art. 206, inciso I, da Constituição Federal de 1988, entendemos que a interpretação a ser dada ao dispositivo também deva ser a restritiva, de molde a assegurar a igualdade de condições para o acesso a instituição de ensino superior pública, ante o disputadíssimo exame vestibular.
O pleito do(a) requerente carece de respaldo legal e jurisprudencial, conforme já ficou exaustivamente comprovado e único meio legal dele(a) ingressar no Curso de Direito da UFPB – Campus I, ministrado nesta capital, está previsto no artigo 69 de seu Regimento Geral:
“Art. 69 - A admissão aos cursos de graduação ministrados pela Universidade far-se-á após classificação em Concurso Vestibular.” (g. nosso)
O art. 207, da Constituição Federal, assim dispõe:
“Art. 207 - As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”
Esperamos ter atendido a solicitação da eminente
conselheiro Professor (...), e desde já ficamos a sua inteira disposição para maiores esclarecimentos.
Obs: Segue em anexo a cópia na íntegra do acórdão proferido nos autos da APELACAO EM (...), nº .
É o nosso parecer, s.m.j.
À consideração do Sr. Procurador Geral.
Local e data.
#########################################################################
Processo nº 23074.003297/03-13.Parecer nº
APROVO o Parecer supra.Encaminhe-se à consideração do Magnífico Reitor.Em, (...).
PT-02
ADVOCACIA GERAL DA UNIAOPROCURADORIA GERAL FEDERALPROCURADORIA DO IBAMA NA PARAÍBA
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – I B A M A
Processo n.º : -IBAMA-GE/PBAutuado: A .B.C.
Assunto: Termo de Apreensão/Depósito nº :
• “A ci v i l i z a ção tem isto de ter r í v e l : O pode r ind i sc r i m i n a d o do homem
abafand o os va lo res da natu reza. Se antes reco r r í a m o s a esta para dar
uma base estáve l ao D i re i t o ( e no fundo, essa é a razão do D i re i t o
Na tu ra l), assist i m os, ho je, a uma trág i ca inve rsão, sendo o homem
obr i gad o a reco r re r ao D i re i t o para salva r a natu reza que mo r re.” -
M I G U E L RE A L E , Mem ó r i a s, São Pau lo: Sara i va, 1987.v. I,p.297.”
P A R E C E R n º ( 0 ) 200X
E M E N T A: Embargo/Interdição administrativo. Funcionamento de revenda varejista de combustíveis e derivados de petróleo-Gás Natural Veicular-GNV, sem prévia licença ambiental da autoridade ambiental competente. Infringência às normas de proteção à preservação do meio ambiente. Decisão Judicial em sede de ação mandamental pelo desembargo das atividades, em face de superveniente licença concedida pelo Oema. Perda do objeto da ação institucional do Ibama nos limites de sua competência e do poder de polícia. Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Estadual em curso.
I - DOS FATOS E DOS ANTECEDENTES HISTÓRICOS.
1. Os autos do processo administrativo traz a lavratura do Termo de Embargo em epígrafe, datado de..., em desfavor de A .B. C. portador do CNPJ/MF nº..., com endereço na Av., n.º 00, Bairro, município K, em face do funcionamento de comércio e venda de gás natural veicular-GNV. Consoante descrição patenteada no campo 16 do aludido Termo de Embargo/Interdição, assim caracterizada:
“ Fica embargado o funcionamento do comércio, venda de gás natural veicular, pela firma A. B. C., localizado na Av., nº 00, município K”.
2. O episódio se deu no local supra citado, onde o Autuado exercia as suas atividades consideradas potencialmente poluidoras sem o devido licenciamento ambiental, a cargo do Órgão Estadual Licenciador. Consigna-se, por oportuno, que o IBAMA não autuou a empresa em apreço, haja vista que a Sudema em data de 25/10/2001, portanto, em data anterior a intervenção deste órgão Federal, já a multara (auto de infração n.º 0, no valor de R$5.000,00). Isto em virtude do descumprimento das normas ambientais no que pertine a falta do reportado licenciamento ambiental. Posteriormente em 26/10/2001, a Sudema firmou o chamado Termo de Compromisso com A .B. C., tendo como objeto específico a apresentação pela empresa de “ Projeto de Ampliação e fazer adequação a Resolução Conama nº, no prazo de 60 dias.”
3. A ação do Ibama fora desencadeada por denúncias formuladas por moradores vizinhos da empresa, os quais queixaram-se do forte cheiro exalado pela revenda de gás-GNV(produzido pela substância mercaptana), além do risco de uma iminente explosão ou incêndio. Neste sentido, os denunciantes forneceram vários documentos; cópias de reportagens de jornais locais, e, sobretudo um estudo realizado por uma aluna da UFPB, cujo trabalho encontra-se encartado nos autos às fls. 50/57(26). Tais estudos revelam sistematicamente alguns dados acerca dos riscos, quais sejam: limites de tolerância humana; informações toxicológicas; reatividade e estabilidade química; armazenamento e manuseio; medidas de proteção; cuidados com o meio ambiente e perigos que a atividade relacionada ao gás natural veicular-GNV proporciona.
4. Fora igualmente acostado aos autos parecer técnico do CEATOX (Centro de Assistência Toxicólogica da Paraíba) quanto ao “impacto à saúde humana decorrente da exposição ao gás natural utilizado como combustível(fls.59), o qual revela o perigo à exposição humana de produtos químicos e a sua toxidade, incluindo ai, o GNV.
5. Em 20 de fevereiro de 2002, a Chefia da Divisão Técnica deste órgão designou
uma equipe, composta por um engenheiro florestal e de uma agrônoma no intuito de realizar uma vistoria no local e emitir parecer conclusivo sobre a questão. Os técnicos, considerando a complexidade do assunto, declarou não “disporem de condições técnicas/científicas para oferecer subsídios para que fossem tomadas medidas corretas e justas sobre o problema”. Sugerindo-se afinal que esta Gerência solicitasse estudo local de profissionais especializados na matéria, com respaldo nas normas do Conama, objetivando, assim, a adoção de medidas pelo Ibama. O processo seguiu à Chefia da Ditec que concordou com tal manifestação dos técnicos. Em seguida, submeteu à Gerência Executiva, que por seu turno, não adentrando no mérito, o encaminhou para esta Procuradoria para análise.
6. Em respeito aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, o Embargado/Interditado fora devidamente cientificado para apresentar a sua defesa administrativa, como de costume.
7. O Autuado apresentou defesa administrativa no dia 21 de dezembro de 2001, aduzindo, em síntese do essencial, os seguintes argumentos:
7.1- “ Que em face do Termo de Ajustamento de Conduta firmado com a Sudema para regularização das atividades no prazo estipulado de 60 dias(prazo final estimado para 26.12.01), não poderia a empresa ser molestada ou impedida de exercer suas atividades comerciais, considerando as denúncias inconsistentes, originadas por pessoas que queriam prejudicá-la, por interesses inconfessáveis”, diz a defesa.
7.2- No mérito pugnou pelo desembargo da área. II –DAS MEDIDAS JUDICIAIS CONCEDIDAS PELA JUSTIÇA FEDERAL
26 SILVA, Lily Maciene D. in Toxicologia sobre o produto químico. Curso de especialização em engenharia de segurança do trabalho. UFPB. João Pessoa.2002.
8. Pois bem, após a imposição da medida sancionadora pelo IBAMA(embargo/interdição), a Empresa referida obteve uma liminar em sede de Mandado de Segurança(Processo n.º ...) advinda da 1ª Vara Federal de João Pessoa, vazada nos seguintes termos:
“Isto posto, defiro o pedido de liminar requestada, assegurando ao Impetrante o normal funcionamento das bombas de GNV, da unidade localizada na avenida, até o julgamento do writ, retirando-se os lacres opostos pelo IBAMA, ressalvada a atividade interventiva, a qualquer tempo, obedecido o devido processo legal, caso a SUDEMA, órgão competente, constante a emissão de poluição ou degradação ambiental, em níveis superiores aos permitidos”.
9. Nas informações prestadas pelo IBAMA, no reportado mandamus, houve o reconhecimento de que a liminar concedida em data de 04 de janeiro de 2002, se deu por conta da concessão da Licença de Operação pela SUDEMA, em 03 de janeiro do mesmo ano. À vista disso, o IBAMA considerou a perda do objeto do processo judicial, vez que o embargo/interdição perdera seu objeto. Isto, ante a existência da outorga ambiental do OEMA, que efetivamente assegurou à Empresa Impetrante o direito de exercer suas atividades comerciais naquele momento.
10. Anteriormente, porém, outro mandado de segurança (sob n.º ) ao acima referenciado, houvera sido ajuizado pelo Embargado/Interditado em comento. Fora-lhe deferida a liminar. Todavia o interessado após desafiar agravo de instrumento perante o TRF-5ª da Região, veio a desistir da ação, em face da manifesta perda do objeto àquela altura do “campeonato”. Já que dispunha da “anuência da Sudema”, na medida que esta lhe concedera a licença ambiental.
11. Por oportuno, convém relembrar que antes a esses fatos a SUDEMA multou a interessada pelo fato de que esta ampliou suas atividades de venda de gás natural-GNV, sem a devida autorização (Auto de Infração n.º ). Posteriormente, como se disse, celebrou acordo com o OEMA, mediante termo de compromisso, cujo escopo consistia na obrigatoriedade do posto de revenda de GNV apresentar em sessenta dias o plano de ampliação do estabelecimento.
12. Sucedeu-se a sentença de mérito relativamente ao mandamus de n.º , lastreada nas informações do Ibama; no parecer do Ministério Público Federal e sobretudo pela determinação da suspensão do embargo administrativo que fora motivado pela apresentação posterior da licença de operação concedida pela Sudema. A Ação Mandamental fora julgada extinta pela perda do objeto, sem o pronunciamento de mérito, consoante a Lei Adjetiva Processual.
13. Em suma, os dois mandados de segurança supra referidos, promovidos pelo Embargado/Interditado resguardaram de forma efetiva os interesses comerciais de sua unidade de revenda de GNV na Avenida. De modo que às decisões dos mandamus, determinou a cessação do poder de polícia do IBAMA no caso, em vista das razões acima esposadas.III –DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
14 Por meio de uma ação civil pública promovida pelo ministério público estadual na Justiça comum fora concedida uma medida liminar, determinando a suspensão da revenda de GNV, cuja parte dispositiva fora vazada, verbis:
“(...)suspender a utilização da unidade de gás natural, até que adote as medidas exigidas com relação às normas ambientais e de segurança, mediante a apresentação de projeto que deverá ser analisado por peritos indicados por esse juízo”.
15. Acontece que a empresa diante desta decisão interpôs Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, sendo-lhe deferida pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba à cassação da liminar anteriormente concedida pelo Juízo a quo, na reportada Ação Civil Pública. Voltando o Posto de Revenda de Combustíveis a desenvolver suas atividades normalmente, até final julgamento da aludida ACP.
16. Tive acesso as contra razões do agravo de instrumento sobredito, oferecida pelo parquet, onde a promotora de justiça “X” em bem fundamentada peça processual relata de forma pormenorizada toda a situação no que concerne os veementes indícios de danos ambientais. Sobretudo sublinhando o perigo à saúde humana dos moradores do bairro, em decorrência das atividades desenvolvidas pelo posto de revenda de combustíveis, mormente com relação ao GNV. Na peça a que me reporto, há várias passagens desses indicativos. Tomei a liberdade de transcrever um relatório parcial da AGEVISA-PB, subscrito em 13 de maio do ano em curso, sendo novamente realizada em 17 de julho deste ano, onde se configurou um quadro que aponta os riscos à saúde representados pelo vazamento do GNV.
16.1. “A área visitada foi a rua M. P. J. no bairro, onde existe o abastecimento de gás natural(GNV). A situação observada foi a seguinte:
16.2. a atividade de abastecimento de GNV, libera um odor forte proveniente do citado gás que se expande até aproximadamente 100m de distância permanentemente.
16.3. Dependências (salas, quartos, banheiros e etc.) das residências situadas circunvizinhas a esta atividade com fortes odores gasosos permanentemente.
16.4. O abastecimento do GNV(gás natural veicular) produz ruído que chega a perturbar os moradores próximos.
16.5. Sic, processo de abastecimento do GNV, provoca fortes impactos nas estruturas físicas das residências, devido a pressão deste gás.
16.6. Diante da situação a comunidade circunvizinha a esta atividade encontra-se exposta a sérios danos à saúde, tanto de efeito imediato quanto ao longo prazo, significando que o cidadão não está tendo o seu direito fundamental que é a saúde... Constata-se que:
16.7. Conforme a situação acima descrita, a população circunvizinha está exposta a sérios danos à saúde tanto de efeito imediato quanto em longo prazo.
16.8. Que o manuseio desse produto (GNV) não se encontra ecologicamente saudável, ou seja, de forma segura para proteger o meio ambiente.
16.9. Portanto, como todos os setores sociais são responsáveis, perante os cidadãos, quanto às conseqüências das suas decisões políticas, ou pela falta delas, sobre a saúde das populações (carta de Otawa, 1986). Conclui-se que a atividade em discussão não se encontra conciliando os interesses econômicos e propósitos de bem estar para todos que ali convivem e sim infringindo a legislação em vigor.
16.10. Diante da insegurança à saúde dessa comunidade, recomenda-se a desativação ou remoção do equipamento de abastecimento de gás natural(GNV).”
17. Inclusive há relatos indicativos que sugerem que o Sr.”Y”, vizinho contíguo ao posto, vem sofrendo problemas de saúde ocasionado pela exposição respiratória pelo agente tóxico GNV. Consoante demonstra a ficha de notificação da lavra da médica”Z”, a qual considerou o quadro do referido senhor como “quadro de tontura, palidez intensa, sudorese e vômitos abundantes”.
18. Sob o ponto de vista legal, alusivamente a Licença Ambiental concedida pela Sudema assevera a Curadora de meio ambiente que “a mesma não fora precedida do indispensável Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental Eia/Rima”.
Assegura ainda o seguinte: “a Sudema ao descuidar desta exigência torna a licença concedida carecedora de credibilidade”.
19. Ademais a nobre representante do parquet admite que as várias normas que regem a matéria exigem na hipótese, a exigência do EIA/RIMA. A par disso, refere-se ao art.225, IV da CF/88; a Lei federal 6.938/81, art.9º, inciso III; a Resolução Conama nº01/86, arts. 1º e 2º. No plano estadual fez menção a Lei 6.934/00, art.4º, incisos IV e V.
20. Exsurge do pensamento da douta Curadora que “a licença concedida pela Sudema padece de vícios que a torna inválida, posto que ofendeu ao princípio da legalidade, quando dispensou, à revelia da legislação que regulamenta a espécie, tanto federal quanto estadual, o imprescindível EIA/RIMA, ferindo ainda o princípio da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, vez que, por ser um bem de uso comum do povo, é um bem que tem caráter indisponível, já que não pertence a este ou aquele.”
21. A ação civil ainda não teve desfecho processual.
22. Destarte, vindo o presente processo para análise e parecer desta Subprocuradoria e sendo a mim distribuído, o tenho por relatado, passando a opinar o que se segue:
I V- A N Á L I S E DA DEFES A APRES E N T A D A
23. Malgrado a defesa apresentada, a mesma não trouxe benefícios no plano
administrativo, em vista de que fora alcançado no mérito pelos mandados de segurança
impetrados, os quais foram julgados extintos por perda do objeto, em virtude da concessão
da licença pela Sudema. Assim, não mais teria sentido discutir no processo administrativo
algo que já se consolidou no plano judicial. Restando, pois, prejudicada, quanto à questão do embargo das atividades de revenda varejista do GNV.
V- DA L I C E N Ç A A M B I E N T A L CO N C E D I D A PEL A SUDE M A
24. As atividades que envolvem revenda de combustíveis e derivados de petróleo
são tidas como atividades potencialmente poluidoras. Neste diapasão, urge o
licenciamento ambiental como instrumento de exigência incondicional, porquanto pode ocasionar eventualmente o comprometimento da qualidade do meio ambiente (por tratar-
se de atividade potencialmente poluidora, que podem causar danos e impactos
ambientais).
25. É sob este prisma, que há a necessidade, nestes tipos de empreendimentos, do licenciamento ambiental. Decorre de normas cogentes, na medida
que o licenciamento é um instrumento da PNMA, que recai ao interessado de forma
imperiosa. Com efeito, subordina o administrado a seguir às exigências que condicionam
ao exercício das atividades consideradas potencialmente poluidoras ou impactantes ao
meio ambiente. A licença ambiental, portanto, é um legítimo instrumento de política
ambiental consagrado pela Constituição Federal (Art.225, inciso V) o qual recepcionou
um importante diploma infraconstitucional, a Lei da PNMA n.º 6.938/81, que em seu art. 10,
revela indubitavelmente a obrigatoriedade de licença prévia nos empreendimentos que
causem ou possam causar degradação ambiental, cuja dicção é a seguinte:“Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como
os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento de órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, e o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo
de outras licenças exigíveis.”
26. Observa-se do disposto supra transcrito que o licenciamento deve ser PRÉVIO,
e não a posteriori como se consumou no caso dos autos. O Ibama agiu na sua supletividade
legal, porquanto, de fato, naquele momento, a empresa revendedora não tinha a licença de
operação para o GNV. Procedeu-se o embargo/Interdição do empreendimento comercial.
Não o multando naquela oportunidade, tendo em vista que a Sudema já houvera sancionado
pelo mesmo fato. Isto em data anterior ao procedimento de lacre das bombas efetuado pelo
Ibama. Posteriormente, o Ibama fora vencido pela decisão judicial comentada. O que
demonstra que este órgão ambiental agiu pautado no seu poder de polícia supletivo.
Diante de que a competência originária para licenciar as atividades, in casu, é justamente do OEMA, porquanto não diz respeito às hipóteses de cabimento à atuação exclusiva ou
originária deste órgão federal.
27. A este respeito, trilha a doutrina de Hely Lopes Meireles, para o qual “ a prática do ato administrativo, a competência é a condição primeira de sua validade. Nenhum ato – discricionário ou vinculado – pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo” (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª ed.,
p. 134).
28. Depreende-se que de fato o Ibama não poder-se-ia ir mais além do que o limite de sua competência lhe autorizava. Agiu esta Autarquia quando assumiu a postura
da supletividade e não mais pôde agir em face da presença do OEMA na condição de ente
legitimado para tal atividade licenciável. Dentro do SISNAMA o Ibama age em nome do
Poder Executivo Federal, funcionando às vezes com este caráter supletivo. O qual consiste
em ação supletiva que supre, que ocupa lugar faltante.Segundo a Enciclopédia Saraiva do
Direito, no verbete ”supletório ou supletivo”: Diz-se tudo que é complementar ou subsidiário. Na terminologia jurídica, chama-se supletório o direito a que se recorre para suprir as lacunas da lei.”
29. Assim, pela regra geral, a ação do Ibama será legitimada quando houver a omissão ou inércia do órgão licenciador estadual. A Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente-PNMA atribui a União a competência licenciatória somente nos casos em que o
interesse supra regional ou nacional tiver sobrelevância, previstas, ou definidas em lei.
30. Neste norte, a atuação do Poder Público Federal no licenciamento ambiental é
limitada. Emerge o princípio da predominância do interesse de que fala o professor José
Afonso da Silva:” o princípio geral que norteia a repartição de competências entre entidades
componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União
caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse local, tendo a Constituição vigente
desprezado o velho conceito do peculiar interesse local que não lograra conceituação satisfatória em
um século de vigência”(Curso de Direito Constitucional Positivo, p.418).
31. Todavia não se pode perder de vista o dever comum de proteger o meio
ambiente e combater a poluição, conforme postulado constitucional do art. 23 da CF/88. É de se concluir que o Ibama predominantemente resguarda o interesse geral, nacional,
impacto regionais ou nacional, cabendo ao OEMA tratar das matérias e assuntos de
interesse regional, ressalvando-se, contudo, o interesse local, este de competência do
município se assim se insurgisse competente com seus critérios próprios definidos em lei.
32. Neste sentido, assinala textualmente Daniel Roberto Fink “A Resolução n.º 237,
compatibilizou o sistema de competência nos licenciamentos aos ditames da Carta Magna,
dando competência implementadora a quem constitucionalmente a tem, possibilitando,
outrossim, que o ente federativo diretamente atingido dentro do raio de influência do dano ambiental (potencial ou concreto) ocupe-se com a questão que lhe diz de perto.” P.
45.
33. Do que se conclui que com relação à licença ambiental, esta é da
competência da Sudema. Os eventuais vícios de sua concessão, se porventura provados e
apurados devem, em conseqüência, ser encaminhados às autoridades competentes, a
exemplo do Ministério Público Estadual; do Conama, ou ao Ministério do Meio Ambiente.
34. Como se sabe, o licenciamento ambiental é um ato administrativo vinculado. O
que não se permite à discricionariedade do gestor público, em vários princípios, quais
sejam: princípio da legalidade, da precaução, do desenvolvimento sustentável e o da
supremacia do interesse público. Diferentemente do poder discricionário que admite a
liberdade de escolha para a Administração Pública. Caso ocorra o desvio da legalidade, o
agente público estará sujeito a sanções criminais, e, ainda, à responsabilização civil pelos
danos ambientais causados pelo mau-exercício do poder polícia ambiental. Exsurge,
outrossim, o ministério público como agente dotado de prerrogativas institucionais de
equacionar tais acontecimentos.
V I – DO EI A/R I M A E A LEG I S L A Ç Ã O AP L I C Á V E L
35. A questão que se discute ao nível da ação intentada pelo Ministério Público Estadual na Paraíba na Ação Civil Pública diz respeito à validade da licença concedida pela Sudema, em face do OEMA não ter exigido para as atividades do estabelecimento o EIA/RIMA. Além do fato da Sudema não querer avaliar sistematicamente a recalcitrância dos problemas que subsistem no posto de revenda de GNV à população ali residente. Por fim duvida da regularidade da concessão da licença daquele órgão estadual licenciador.
36. A questão enfrentada requereria uma acurada apreciação pautada em elementos técnicos-científicos, no presente caso em concreto, os quais naturalmente, o Ibama não dispõe. Ora, se a Sudema ao conceder a licença entendeu não ser necessário o EIA/RIMA. E porque deva está aportada em estudos ambientais. Assim supõe-se. A Resolução Conama n.º 237/97, os define como: “todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação, ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano d-e manutenção, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco ou outros que apontem sistematicamente as restrições cabíveis de forma a reduzir ao mínimo os efeitos ambientais adversos e potencializar os benéficos”( inagê p.148) . Até porque, no conceito de impacto ambiental definido no art. 1º da Resolução Conama n. º 01/86, refere-se a alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente resultantes das atividades humanas que diretas ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem estar da população entre outras hipóteses.37. A Resolução Conama n.º 01/86 e a 237/97, disciplinam a questão, do impacto e do licenciamento ambiental, respectivamente. Sendo que a última, ao que pese a levantada inconstitucionalidade de alguns artigos, flexibiliza em alguns aspectos que, em tese, outorgam aos órgãos ambientais licenciadores uma certa margem de discricionariedade para substituir o EIA/RIMA por meio de estudos ambientais alternativos. Todavia, não se pode perder de vista a preservação do meio ambiente saudável, no seu mais consagrado postulado que é justamente o princípio da precaução. Neste prisma, o ato discricionário também não pode ser confundido com o ato vinculado. O primeiro não abrange todos os aspectos do ato, deixando uma margem legal, a escolher qual a melhor alternativa que atende ao interesse público envolvido. Quanto ao ato vinculado27, abrange
27 O termo “vinculado” já aparece grifado pelo parecerista; esclarecemos este detalhe uma vez que também o fizemos, tendo em vista a demarcação do elemento modalizador.
os vários aspectos do ato, não deixando opções ao agente público, uma vez que verificada a hipótese legal, a não ser praticar o ato. Assim o EPIA/RIMA(art.225, da CF/88,verbi gratia) é um ato vinculado, dele o gestor público não pode afastar-se, senão através de norma legal que o autorize à abstenção.
38. Pois muito bem, sabe-se que enquanto as condições fixadas pela licença ambiental atenderem ao fim maior que é a preservação do meio ambiente saudável, será mantida. Caso deixe de atendê-lo, a licença deverá ser revista. Infere-se, portanto, que a licença ambiental é dotada, implicitamente, de uma verdadeira cláusula rebu sic stantibus28, ou seja, se as condições originais que deram ensejo à concessão da licença mudarem, esta também poder ser alterada ou até retirada. Ademais, essas licenças são revistas periodicamente, já que concedidas por prazos certos.
39. No caso em comento, inobstante a Sudema ter concedido a licença ambiental ao particular, no raio de suas atribuições definidas pela PNMA, resiste a dúvida se realmente esse órgão poder-se-ia prescindir de estudos ambientais específicos ou mesmo do RIMA. Isso porque existe norma estadual, a Lei n.º 6.934, de 12/12/2000, taxando como obrigatório o Relatório de impacto ambiental no caso de atividades de revenda de combustíveis. Tal norma estadual prega que a área ocupada pelo posto revendedor deve observar a segurança, a saúde, às normas ambientais de urbanismo, meio ambiente e do bom desempenho da atividade de revenda varejista (art.1º, Parágrafo Único da lei citada). No art. 4º, a lei em comento lista quais os requisitos para a concessão da LO(Licença de Operação), entre os quais consta o RIMA(Relatório de Impacto Ambiental) e demais normas de proteção ao meio ambiente.
40. Os moradores vizinhos ao empreendimento(já que este se encontra localizado em área residencial) sentem-se prejudicados com o cheiro exalado pelas bombas de GNV, consistente no denominado etil mercaptana, que segundo a literatura: “é um líquido incolor amarelado, com odor pungente, penetrante, repulsivo e desagradável que com a exposição aguda provoca náusea e dor de cabeça, e em alguns casos pode produzir inconsciência com cianose (extremidades arroxeadas pela falta de oxigênio)sensações de frio nas extremidades e pulso acelerado.”
41. Afora a mercaptana, existe a potencialidade de risco de incêndio e explosão ante as características inflamáveis dos produtos. A Agência reguladora AGESIVA e o corpo de bombeiros testificaram vazamentos localizados nas bombas de GNV no posto de revenda. Todavia a licença fora concedida. E, ao que parece, segundo informações dos moradores do local, os vazamentos e pequenas explosões persistem.42. Por outro lado, perfilhou-se o Ministério Público Estadual com a interposição de uma Ação Civil Pública, ora em tramitação na Justiça Comum. Em tal lide o MP discute de forma contundente, o modus operandi da licença concedida pela SUDEMA. Questiona, o parquet, sobre a abstenção da essencialidade da realização de EPIA/RIMA, por ocasião da concessão da licença ambiental da pelo aludido OEMA. Repita-se que o Ibama já interveio por meio de sua supletividade e ao que pese a participação da fiscalização realizada, a priori, não dispõe de técnicos locais, que sejam especializados no aprofundamento do caso em apreço.
28 Embora o locutor do texto não o tenha feito, consideramos importante para a compreensão do texto, a tradução da expressão latina Rebus sic stantibus, que significa “estando assim as coisas (cláusula). (NEVES, Iêdo, B. Vocabulário P´ratico de Tecnologia Jurídica e de Brocardos Latinos. APM Editora -Rio de Janeiro: 1987.
V I I I – SUGES T Õ E S APO N T A D A S .
43. Convém considerar como recomendável uma perícia técnica multidisciplinar, promovida por especialistas no assunto (o IBAMA local não dispõe, como foi dito. Talvez fosse plausível a remessa dos autos à sede central, a UFPB ou órgãos que se ocupam da questão), para traçarem em campo, diretrizes adequadas objetivando a urgente compatibilização das atividades da empresa com o bem estar e qualidade de vida saudável da população adjacente à atividade de revenda varejista de combustíveis e derivados de petróleo. Sobretudo para avaliar e dimensionar os eventuais danos ambientais. Isso em face do que prenuncia os arts. 23 e 225 da CF/88, com posterior encaminhamento ao Conama ou ao Ministério Público Estadual para supervisionamento e adoção de medidas pertinentes, se assim justicarem o seu resultado.
44. O Conama, de acordo com a Lei 6.938/81 é o órgão Consultivo e Deliberativo do SISNAMA, e tem dentre suas finalidades, deliberar sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida (art.6º). Por seu turno, os incisos II e XVIII do art. 7º do Decreto Federal nº 99.274/90, que regulamentou a lei supra citada, intitulada de PNMA, prevêem ao Conama nos limites de suas competências: “a determinação de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados ou requisição de informações aos órgãos federais, estaduais e municipais”(inciso II). Sobretudo, pode deliberar, sob a forma de “proposições, recomendações e moções, visando o cumprimento dos objetivos da política nacional do meio ambiente (inciso XVIII)” (grifo do parecerista).
45. A vista disto, pode-se exaltar o princípio da cidadania, para sugerir que o denunciante identificado às fls. nº (Sr.”X”, em nome dos moradores das adjacências do posto de revenda de GNV), seja devidamente informado das providências adotadas pelo IBAMA, ofertando-o cópias da manifestação da DITEC ás fls. nº e do presente parecer (fls. nº), e que o mesmo ainda tenha conhecimento da faculdade de instar tanto o Conama ( dispositivos citados no item anterior deste parecer-item 44) como também ao Ministério Público Estadual, se assim entender oportuno.
V I I I – CON C L U S Ã O
46. Isto posto e tudo que dos autos constam restou patenteado a intervenção supletiva do IBAMA na questão, consistente no lacre das bombas de GNV, sobretudo no embargo/interdição das atividades da empresa. Como consectário, houve a posterior perda do objeto das ações administrativas desencadeadas pela fiscalização do IBAMA, em face de superveniente licença concedida pelo Oema. Sobretudo decorrente do resultado das ações mandamentais decididas pela Justiça Federal, favoráveis ao posto revendedor.Contudo, sem prejuízos de tais episódios, recomendo que o IBAMA deva ficar vigilante ao assunto já que tem assento no colegiado do COPAM. Adotando, acaso assim entenda esta Gerência, à adoção das sugestões supra indicadas nos itens 43,44 e 45, tudo aos auspícios do meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, para as presentes e futuras gerações .
47. É e s t e o p a r e c e r, S.M.J. Local e data.
P R O C U R A D OR F E D E R A L
PT-03
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃOPROCURADORIA GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL DO CEFET-PBAv. 1º de MAIO, 720, JAGUARIBE – JOÃO PESSOA/PE
TEL. (83) 241-2200, Ramal 234 – Tel/Fax: (83) 241-2083
PARECER Nº EM: / /PROCESSO NºASSUNTO: Encerramento do ano letivo contrário à LDB. Dispositivo cogente – Impossibilidade
Encaminha-se a este setor jurídico processo em epígrafe, onde a servidora
XXX, exercendo a função de (...), lotada nesta Instituição de Ensino, solicita esclarecimentos
sobre a legalidade de criação e aplicação da Resolução AA/88 emitida pelo Conselho
Pedagógico do CEFET-PB.
Os autos do processo em destaque se encontram instruídos com documentação
suficiente ao recebimento e entendimento do questionamento.
Constam dos autos, além da fundamentação apresentada pela requerente,
04(quatro) pareceres normativos, todos emitidos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE),
são eles: Parecer 00/00, aprovado em x/x/xx, fls. YY/ZZ; Parecer 00/11, aprovado em x/x/xx,
fls. yy/zz; Parecer BB/BB, aprovado em xx/xx/xx, fls. pp/pp e Parecer SS/SS, aprovado em
aa/bb/ss, fls. 11/11. Juntou-se, ainda, cópia da resolução, razão do questionamento, fls.TT.
As questões apostas no documento inicial se fundam especificamente, no
embasamento legal atribuído a Resolução AA/88 emitido pelo Conselho Pedagógico desta
Instituição.
As razões da autora, por sua vez, encontram respaldo nos pareceres, antes
enumerados, que atacam, de maneira direta e incontroversa, todos os pontos polêmicos da
dita Resolução.
É o breve relatório.
Passamos ao exame do assunto proposto.
Preliminarmente, há que se falar a respeito da competência do Conselho
Pedagógico, em relação à criação da pré-falada Resolução.
O Regimento do CEFET/PB, em conformidade com o que estabelece a Lei nº
8.948/94, lei instituidora da autarquia, define em seu art. 6º, a estrutura básica da Instituição:
“Art. 6º - o Centro Federal de Educação Tecnológica da
Paraíba possui a seguinte estrutura básica:
I – órgão executivo: Diretoria Geral;
II – órgãos colegiados:
a) Conselho Diretor;
b) Conselho técnico-profissional.
..................................................................................”
No mesmo Regimento, no capítulo V, “Dos Órgãos Colegiados”, art. 15, in
verbis:
“Art. 15 – O ConselhoDiretor, órgão deliberativo e
consultivo, integrado por dez membros titulares e seus
respectivos suplentes, nomeados por Portaria do Ministro
de Estado da Educação, terá a seguinte composição:
(destacamos)
...................................................................................”
Ainda, art. 18, relacionado ao Conselho Técnico-Profissional:
“Art. 18 – O Conselho Técnico-Profissional, órgão
consultivo e de avaliação do atendimento às
características e aos objetivos da instituição,
constituído... “ (destacamos)
Extrai-se do texto destacado que esta Instituição possui, em sua estrutura
básica, dois únicos órgãos colegiados: o Conselho Diretor e o Conselho Técnico-Profissional,
estando restrito, exclusivamente, ao Conselho Diretor , o poder deliberativo, cabendo ao
Conselho Técnico-Profissional, apenas, poder consultivo, portanto, opinativo, em suas
colocações.
Verifica-se, pois, a ausência do Conselho Pedagógico na estrutura básica do
CEFET/PB, e assim, somente poderia ser estendido à sua competência de atuação o poder
consultivo. Este Conselho Pedagógico poderá deliberar apenas aos assuntos alheios a
estrutura da autarquia, ou aqueles relacionados com a parte operacional didático-
pedagógica da instituição, atendo-se, obviamente aos limites legais, impostos pela
legislação superior, in casu, a Lei nº 9.394/96.
No que se refere à competência específica ao assunto, temos a esclarecer as
determinações constitucionais: “são de competência restrita e privativa da União legislar
sobre: diretrizes e bases da educação nacional”. No caso, em se tratando de alteração da
Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB), visto já sido
estabelecido limite ao número de dias letivos ao ensino médio, esta somente poderá ser
alterada por uma outra lei específica e dentro dos ditames já prefixados pela Constituição
Federal de 1988, art. 22, inciso XXIV:
“Art. 22 – Compete privativamente à União legislar
sobre:
...........................................................................................
.
XXIV – diretrizes e bases da educação
nacional.............................................................................
Ademais, ratificando a ausência de competência do Conselho pedagógico desta
Instituição em se atrever a alterar as regras impostas, pela LDB, temos o artigo 90, da lei nº
9.394/96:
“Art. 90 – As questões suscitadas na transição entre o
regime anterior e o que se institui nesta lei serão
resolvidos pelo Conselho nacional de Educação, ou,
mediante delegação deste, pelos órgãos normativos dos
sistemas de ensino, preservada a autonomia
universitária.”
Mesmo que houvesse dúvidas acerca da aplicação das determinações
emanadas pela LDB, inexistia a competência para interpretação da legislação específica, pois
seria mister a manifestação favorável e anterior, do CNE, o que até o presente momento,
existe, mas apenas em sentido contrário, ou seja, opinando pela ilegalidade e impossibilidade
de redução do ano letivo, no tocante ao ensino médio, convém esclarecer, haja vista que
todos os pareceres inicialmente mencionados são direcionados à inconsistência de qualquer
ato que venha a reduzir o número de horas-aula, ou de maneira mais contundente, redução
do número de dias letivos.
A título de melhores esclarecimentos, passamos a transcrever alguns conceitos
fundamentais sobre o instituto da competência.
“Competência – É o círculo definido por lei dentro do qual podem os agentes
exercer legitimamente atividade. Na verdade, poder-se-ia qualificar esse tipo de competência como
administrativa. Funda-se na necessidade de divisão do trabalho, ou seja, necessidade de distribuir a
intensa quantidade de tarefas decorrentes de cada uma das funções básicas”.
Sendo o Estado integrado por grande quantidade de agentes, estando a seu
cargo um número incontável de funções, não é difícil concluir que a competência tem que decorrer da
norma expressa.
...São duas as características de que se reveste o instituto da competência, a primeira
é a inderrogabilidade; a competência de um órgão não se transfere a outro por acordo entre as
partes ou por assentimento do agente da Administração. Fixada em norma expressa, deve à
competência ser rigidamente observada por todos”. (in Manual de Direito Administrativo – José
dos Santos Carvalho Filho).
Ainda, neste sentir, temos os ensinamentos de Alexandre de Moraes, in Direito
Constitucional o qual, no mesmo rumo e entendimento anterior, assim encaminha sua
doutrina:
“Competência – Princípio básico para a distribuição de competências –
predominância do interesse.
Pelo princípio da predominância do interesse, caberá à União aquela matéria e questão de
predominância do interesse geral”.
Somando-se a esses ensinamentos, Maria Sylvia Zanella di Pietro dirige suas
manifestações doutrinárias, especificamente nos casos de vícios de competência:
“Visto que a competência vem sempre definida em lei, o que constitui
garantia para o administrado, será ilegal o ato praticado por quem não seja o detentor das
atribuições fixadas na lei e também quando o sujeito o pratica exorbitando de suas atribuições”.
Poderá ser classificada em: excesso de poder; desvio de poder e função de
fato.
No caso de haver excesso de poder pode ser configurado como crime de
abuso de autoridade, quando o agente público incidir numa das infrações previstas na Lei nº
4.898/65, hipótese em que ficará sujeito à responsabilidade administrativa e à penal, podendo ainda
responder civilmente , se de seu ato resultarem danos patrimoniais”.
É válido mencionar a doutrina de Hely Lopes Meireles, “A competência
discricionária não se exerce acima ou além da lei, senão, como toda e qualquer atividade
executiva, com sujeição a ela”.
Portanto, indelével é o entendimento de que foge da competência desta
Instituição, a alteração proposta pelo Conselho Pedagógico, em reduzir o ano letivo, ditame,
este imposto pela LDB, independente da questão política considerada no contexto da
Resolução em questão: o interesse de alguns alunos aprovados em processo seletivo,
almejando o ingresso em Universidade Pública.
Obediência às leis, supremacia do princípio da legalidade.
Salutar, se trazer a baila (sic) os preeminentes princípios
administrativos, considerados como postulados, fundamentais, inspirando o modo de agir da
Administração Pública. Representam, cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado
quando no exercício de atividades administrativas.
Esses princípios se encontram, inicialmente, definidos, no Capítulo VII
do Título III, artigo 37 na Carta Política do nosso País, destinado à Administração Pública.
Dentre eles, tem-se o princípio da legalidade, considerado como suporte técnico aos demais
princípios administrativos.
O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos
agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser
autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita. Implica, sobremaneira, subordinação
completa do administrador à lei.
Para o ilustre administrativista, Diógenes Gasparini em sua obra
“Direito Administrativo” o princípio da legalidade, resumido na proposição “SUPORTA A
LEI QUE FIZESTE”, significa mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena
de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o
correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e
expõe-se à anulação.
No tocante à interpretação dada aos artigos, todos insertos na LDB,
elencados na Resolução XX/xx, do Conselho Pedagógico dessa Instituição, desnecessário
tecer quaisquer outras considerações, posto que cabe a esta Procuradoria acompanhar, in
totum, o posicionamento adotado pelo CNE, materializado nos Pareceres Normativos,
juntados aos autos.
Outro ponto de tamanha relevância é a análise da legalidade do ato
discutido.
Tratando, precisamente sobre redução do ano letivo, frontalmente
contrário às imposições postas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
caracteriza-se como alheio aos parâmetros legais, posto que foi editado em desacordo com
as condições e postulados normativos e regulamentares, portanto deve ser retirado do mundo
jurídico, deixar de produzir seus efeitos danosos ser anulado.
Salientamos que a autoridade competente para anulação de um ato
viciado, deverá ser a mesma que o editou, ou seja, neste caso cabe à Direção-Geral do
CEFET-PB, a anulação do feito. A matéria se encontra sumulada pelo Supremo Tribunal
Federla: Súmula ZZZ do STF – “A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus
próprios atos e a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos”.
Para Seabra Fagundes: “os atos viciados dividem-se em atos nulos,
anuláveis e irregulares. Nulos são os atos que contrariam normas fundamentais quanto à
manifestação da vontade, à finalidade, à forma ou ao motivo”.
No entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, atos anuláveis
são “aqueles atos declarados por lei e os que possam ser reeditados sem o vício”.
O ato anulado produz efeito retro-operante até a data de entrada em
vigor da anulação ou declaração de nulidade, efeito ex tunc. Esse efeito decorre do fato de que
ato inválido não produz direito e, conseqüentemente, não gera efeitos jurídicos.
Com a anulação decretada pela Administração, os fatos voltam ao
status quo ante, ou seja, as situações preexistentes ao ato, e por ele modificados, se
recompõem integralmente com expedição do ato anulatório.
A anulação de atos viciados tem seu embasamento legal no dispositivo
contido no artigo 114 da Lei 8.112/90, que assim determina:
“Art. 114 – A Administração deverá rever seus atos, a qualquer
tempo, quando eivados de ilegalidade”.
À vista das considerações feitas, opinamos pela declaração de nulidade
da referida resolução e, conseqüentemente, anulação de seus efeitos legais no mundo jurídico,
inclusive a emissão dos certificados de conclusão do ensino médio sem cumprimento dos
requisitos exigidos pela LDB.
Sobre este particular, trazemos à colação manifestação do Conselho
Nacional de Educação, emitida no Parecer nº 22/2002, fls. 24:
“Em face de todo o exposto, este Conselho nacional de Educação, alerta a todas as Instituições de Educação Superior do País, e, de um modo especial àquelas sediadas no Distrito Federal, que o preceituado da Lei nº 2.921, de 22 de fevereiro de 2002 é inconstitucional e ilegal, especialmente contrária à Constituição do Brasil, em seu artigo 22, inciso XXIV, e aos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, Lei 9.394/96, conflitando, frontalmente, entre outros dispositivos com o inciso I, do artigo 24 da LDB (...) os efeitos desta lei 2.921/2002, são profundamente danosos e os efeitos de matrícula na educação superior sem a titulação prevista são plenamente nulos...”
Sugerimos, outrossim, um exame apurado na situação de todos os alunos
beneficiados pela dita resolução, e, nos casos em que houve o atendimento aos requisitos,
de forma concomitante:
- 75% da freqüência do total de horas letivas para aprovação e,
- aproveitamento de estudos concluídos com êxito, de acordo com alínea “d” e; item VI
ambos do art. 24 da Lei nº 9.394/96, será possível, a emissão de novos certificados,
conclusivos e legais, obviamente, após o real término do ano letivo, facultando a
substituição do documento inicialmente apresentado junto a Universidade Federal visando a
matrícula para ingresso em curso de graduação, agora de maneira definitiva e correta.
De forma conclusiva, acatadas as sugestões aqui esposadas,
registramos, ainda, a necessidade de apuração de responsabilidade no âmbito institucional,
quanto a realização e execução do incauto procedimento adotado pela Administração
Geral deste CEFET.
Retornando ao requerimento inicial, especialmente as questões postas
a esta Procuradoria, entendemos por respondidos os pontos cabíveis e pertinentes à autora,
mediante a apresentação deste parecer técnico.
Antes as considerações expostas, este é o parecer submetido à
apreciação superior, com posterior ciência à interessada.
-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
PT-04
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOCONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
I. RELATÓRIO
1. Histórico
O Conselho Municipal de Educação de (...) realiza consulta ao CNE sobre
interpretações possíveis sobre os dispositivos legais que tratam do calendário escolar.
Apresenta um sólido embasamento em relação à legislação vigente e culmina com duas
questões objetivas. A primeira delas se refere a possibilidades de desvinculação das
oitocentas horas do ano letivo em relação aos duzentos dias de efetivo trabalho escolar do
município, oferecendo algumas alternativas. A segunda pergunta refere-se a dúvidas
relativas à freqüência dos alunos.
2. Mérito
Inicialmente, cabe justificar a brevidade deste parecer e a carência de reproduções
dos dispositivos legais coligados com o objeto da consulta. Percebe-se que ela é realizada
com plena consciência dos aspectos legais e da profundidade que eles encerram, razão
pela qual me abstenho de tentar emular erudição e o conhecimento que saltam à vista na
missiva de consulta.
O cumprimento dos duzentos dias de efetivo trabalho escolar constituiu objeto de
diversas consultas e pronunciamentos como já aludido na missiva.
INTERESSADO:ASSUNTO:RELATOR:PROCESSO Nº:PARECER Nº: COLEGIADO: APROVADO EM:
A duração do ano letivo de, no mínimo, duzentos dias e oitocentas horas está bem
estabelecida em lei federal e é bem conhecida a posição deste Conselho na exigência de seu
cumprimento em todo o território nacional. O acoplamento dos dias letivos em relação às
oitocentas horas faz parte do texto da lei 9394/96, a qual, articulada com o ditame
constitucional em relação ao direito à educação, previu estrategicamente a progressão em
direção à escola de tempo integral, almejada pela lei, sem trazer prejuízos à extensão do ano
letivo. Portanto, não cabe interpretar o que tem clareza meridiana.
O mínimo de duzentos dias deverá ser rigorosamente cumprido, mesmo se disso
implicar defasagem entre o ano letivo e o ano civil (...). Para reverter essa possível defasagem
é necessário utilizar dias normalmente não ocupados com o efetivo trabalho escolar, como
período de férias e/ou sábados e domingos.
As duas alternativas apresentadas pela consulente à primeira questão contrariam o
texto legal, o qual, submetendo-se a outro ditame constitucional, o da garantia de padrão de
qualidade à educação (CF. art. 206, VII), inclui expressamente na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional a definição de ano letivo de, no mínimo, duzentos dias de efetivo
trabalho escolar e oitocentas horas.
A primeira alternativa, considerar uma greve como sendo correspondente a certo tipo
de peculiaridade local, não procede. A adequação do calendário escolar a peculiaridades
locais se refere, na verdade, a algo que não se pode admitir que ocorra a qualquer tempo,
em qualquer lugar, como é o caso de um movimento grevista. As peculiaridades locais se
referem obviamente a contextos particulares, dos quais advenha extraordinária dificuldade de
deslocamento ou acentuada sazonalidade.
A segunda alternativa, a de se cogitar o oferecimento de educação à distância (sic)
para alunos do ensino fundamental para compensar dias letivos, também incorre em
ilegalidade. Não se pode considerar um movimento paredista como sendo uma situação
emergencial, o que poderia conduzir à substituição de educação presencial por educação a
distância no ensino fundamental. As situações emergenciais claramente configuram
cataclismas ou modificações dramáticas da vida cotidiana.
Enquanto se aguarda a solução da emergência pelas autoridades competentes,
o legislador se preocupou em não interromper o atendimento educacional compulsório,
para o que se pode recorrer a ferramentas heterodoxas durante a emergência.
A Constituição garante o direito à greve (CF Art. 9º), mas não é possível olvidar
que ela mesma garante o direito de educação pública, gratuita e com padrão de
qualidade, conferindo-lhe a prerrogativa de direito público subjetivo (CF Art. 208,
parágrafo 1º). Se o direito à educação de qualidade não compromete o direito de greve,
este não pode comprometer aquele, dado pertencerem ao mesmo patamar
constitucional. Não bastasse isso, lembre-se que os setores progressistas que lutaram
para inscrever em nossa constituição o direito de greve foram os mesmo que se bateram
pela inclusão da garantia do padrão de qualidade da educação pública e gratuita.
A segunda questão se refere ao cumprimento da freqüência mínima. No caso
específico de XXX, os alunos têm um ciclo de três anos e se pergunta se devem ter
freqüência mínima a cada ano ou no cômputo geral do ciclo. Aqui cabe contemplar
diferentes aspectos da lei, tendo em vista a efetiva aprendizagem dos alunos, a
preocupação que deve nortear a hermenêutica jurídica educacional.
A aprendizagem dos alunos tem um tempo próprio, que lhe confere uma
cadência peculiar. O desenvolvimento de habilidades e competências é gradual e deve
ser planejado de maneira a conquistar níveis ou patamares crescentes. A verificação da
aprendizagem tem justamente essa função, ao servir de monitoramento do processo de
aprendizagem. Esta e aquela devem ter na continuidade a regra áurea. O
monitoramento obrigatório tem precipuamente essa função, dado que ele permite
antecipar descontinuidades no processo de aprendizagem. Certamente não será o caso
de realizar o balanço da freqüência apenas ao final de longos períodos, aferindo o
cumprimento passivo de uma formalidade burocrática. Assim, o controle da freqüência
deve estar atrelado às estratégias de avaliação utilizadas, com vistas à efetiva
aprendizagem dos alunos.
Cabe acrescentar que a Lei 9394/96 flexibiliza a organização do calendário
escolar, mas mantém como unidade básica o ano. Mesmo se organizado em ciclos de
dois ou três anos, o calendário escolar mantém como referência o ano. Ele é a
referência básica para apurar freqüência em atendimento ao que diz a lei, inclusive
com a recente emenda à redação do artigo 12 de LDB, fruto da Lei 10.287/01, que
acrescentou um inciso (VIII) com a imposição de comunicação compulsória de
ausência de alunos como incumbência dos estabelecimentos de ensino.
II – VOTO DO RELATOR
O cumprimento do calendário escolar que observe os mínimos estabelecidos
em lei não admite exceção diante de eventual suspensão de aulas. Os sistemas de
ensino estão obrigados a garantir o exercício do pleno direito dos alunos à educação
de qualidade, que tem por base legal a Constituição Federal. Contexto urbano, como é
o caso do município..., não pode ser considerado portador de “peculiaridades locais”
pelo simples fato de ter passado por período de greve dos trabalhadores da educação.
Esse período tampouco pode ser considerado uma “emergência”. Trata-se de um
direito constitucional, que deve ser exercido com prudência e pleno conhecimento das
conseqüências que dele podem advir. Não se admite que o direito à educação
pública, gratuita e de qualidade possa ser ameaçado por outro direito constitucional
sem que se incorra em ilegalidade. Acrescente-se ainda que a flexibilidade de
organização do ano letivo em ciclos mantém a referência básica do ano para efeito de
apuração de freqüência e dias letivos.
Dada a urgência que reveste a consulta, solicito que este Parecer, uma vez
aprovado por esta Câmara de Educação Básica, seja encaminhado imediatamente à
Consulente.
Local, dia, mês e ano.
Conselheiro... – Relator
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto do Relator.
Sala das Sessões, em dia, mês, ano.
Conselheiro... – Presidente
Conselheiro... – Vice - Presidente
PT-05
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOCONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
]
I – RELATÓRIO
No limiar deste novo século – e novo milênio – emerge uma nova subjetividade, um
sentimento coletivo, generalizado, mundializado, traços de uma nova cultura em formação, de
um novo momento histórico – a que muitos denominam pós-modernidade – caracterizado
pela economia pós-industrial, pela compreensão do homem como um ser pluridimensional,
pelo estabelecimento de novas concepções de limites, distâncias e tempo, pelo sentimento de
responsabilidade em relação aos recursos naturais, pela busca da qualidade de vida. E,
repetindo, em outra dimensão, os movimentos de vanguarda do início do século XX, também
agora, na base desta nova realidade, está a velocidade (não mais a mecânica, mas a
eletrônica) com que têm sido gerados novos conhecimentos científicos e tecnológicos,
rapidamente difundidos e absorvidos pelo setor produtivo e pela sociedade em geral.
Como produtora de saber e formadora de intelectuais, docentes, técnicos e
tecnólogos, a universidade contribui para a construção do mundo e sua configuração presente.
Por outro lado, sua amplitude e abrangência organizacional e possibilidade de ação
resultam do modelo de país no qual se insere e das respectivas políticas educacionais. Assim,
verificado este novo momento histórico, esta nova complexidade vivencial, veloz e
mutante, a universidade brasileira precisa repensar-se, redefinir-se, instrumentalizar-se para
INTERESSADO: Conselho nacional de Educação / Câmara de Educação SuperiorASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de QuímicaRELATOR (A)PROCESSO (S) Nº (S):
PARECER NºCNE/CES:
COLEGIADO: CES APROVADO EM:
lidar com um novo homem de um novo mundo, com múltiplas oportunidades e riscos ainda
maiores. Precisa, também, ser instrumento de ação e construção desse novo modelo de país.
A percepção desta nova realidade – hoje freqüentemente retratada pela mídia –
evidencia-se pelas questões e discussões em curso no seio das próprias universidades, nas
entidades ligadas à educação e nos setores de absorção do conhecimento e dos profissionais
gerados pela universidade. É consenso entre professores, associações científicas e classistas,
dirigentes de políticas educacionais e mesmo no geral da população instruída que, diante da
velocidade com que as inovações científicas e tecnológicas vêm sendo produzidas e
necessariamente absorvidas, o atual paradigma de ensino – em todos os níveis, mas
sobretudo no ensino superior – é inviável e ineficaz.
Os currículos vigentes estão transbordando de conteúdos informativos em
flagrante prejuízo dos formativos, fazendo com que o estudante saia dos cursos de
graduação com “conhecimentos” já desatualizados e não suficientes para uma ação
interativa e responsável na sociedade, seja como profissional, seja como cidadão.
Diante dessa constatação, advoga-se a necessidade de criar um novo modelo de curso
superior, que privilegie o papel e a importância do estudante no processo da aprendizagem,
em que o papel do professor, de “ensinar coisas e soluções”, passe a ser “ensinar o estudante
a aprender coisas e soluções”. Mas como materializar este “ensinar e aprender”?
Nas discussões de diretrizes curriculares, em decorrência das mudanças encetadas pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), observam-se tendências que
demonstram preocupação com uma formação mais geral do estudante, com a inclusão, nos
currículos institucionais, de temas que propiciem a reflexão sobre caráter, ética, solidariedade,
responsabilidade e cidadania. Prega-se, igualmente, a abertura e flexibilização das atuais
grades curriculares, com alteração do sistema de pré-requisitos e redução do número de
disciplinas obrigatórias e ampliação do leque de possibilidades a partir do projeto
pedagógico da instituição que deverá, necessariamente, assentar-se sobre conceitos de
“matéria” e “interdisciplinaridade”. Pensa-se, igualmente, em fazer uso responsável da
autonomia acadêmica, flexibilizando os currículos e as especificidades institucionais e
regionais permitindo que cada estudante possa fazer escolhas para melhor aproveitar suas
habilidades, sanar deficiências e realizar desejos pessoais. Além disso, já não se pensa em
integralização curricular apenas como resultado de aprovação em disciplinas que preencham
as fases ou horas-aula destinadas ao curso. O estudante deve ter tempo e ser estimulado a
buscar o conhecimento por si só, deve participar de projetos de pesquisa e grupos
transdisciplinares de trabalhos, de discussões acadêmicas, de seminários, congressos e
similares; deve realizar estágios, desenvolver práticas extensionistas, escrever, apresentar e
defender seus achados. E mais: aprender a “ler” o mundo, aprender a questionar as situações,
sistematizar problemas e buscar criativamente soluções. Mais do que armazenar informações,
este novo profissional precisa saber onde e como buscá-las, deve saber como “construir” o
conhecimento necessário a cada situação. Assim, as diretrizes curriculares devem propiciar
às instituições a elaboração de currículos próprios adequados à formação de cidadãos e
profissionais capazes de transformar a aprendizagem em processo contínuo, de maneira a
incorporar, reestruturar e criar novos conhecimentos; é preciso que tais profissionais saibam
romper continuamente os limites do “já-dito”, do “já-conhecido”, respondendo com
criatividade e eficácia aos desafios que o mundo lhes coloca.
Mas para que esses novos currículos, montados sobre este novo paradigma
educacional, sejam eficazes, há que haver, igualmente, uma mudança de postura institucional
e um novo envolvimento do corpo docente e dos estudantes. Já não se pode aceitar o ensino
seccionado, departamentalizado, no qual disciplinas e professores se desconhecem entre si.
As atividades curriculares dependerão da ação participativa, consciente e em constante
avaliação de todo o corpo docente. A qualificação científica tornar-se-á inoperante se não for
acompanhada da atualização didático-pedagógica, sobretudo no que se refere ao melhor
aproveitamento do rico instrumental que a informática e a tecnologia renovam
incessantemente. As instituições precisam compreender e avaliar seu papel social; precisam
redefinir e divulgar seu projeto pedagógico. Aos estudantes caberá buscar um curso que lhes
propicie, com qualidade, a formação desejada.
II – VOTO DO RELATOR
Diante do exposto e com base nas discussões e sistematização das sugestões
apresentadas pelos diversos órgãos, entidades e Instituições à SESu/MEC e acolhida por este
Conselho, voto favoravelmente à aprovação das Diretrizes Curriculares para os cursos de
Química, bacharelado e licenciatura plena, e do projeto de resolução, na forma ora
apresentada.
Local e data.
Conselheiro (a) – Relator (a)
Conselheiro (a)
Conselheiro (a)
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Superior aprova por unanimidade o voto do (a) Relator (a).
Sala das Sessões, em (dia, mês e ano)
Conselheiro – Presidente
Conselheiro – Vice-Presidente
PT-06
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO ESTADO (...) COORDENAÇÃO DE OBRAS E ENGENHARIA
Em / /2003
PARECER Nº PROCESSO NºASSUNTO: SOLICITAÇÃO DE ADITIVO
Senhor Procurador;
Examinamos o processo em destaque para fins de emissão de parecer, através do qual a Coordenação de Administração Geral – CAG da UNED de (...), devidamente identificada no memorando Nº (...), solicita que seja aprovada a inclusão de aditivos de serviços, conforme planilha em anexo, emitida pela empresa STC – Serviços, Telecomunicações e Construções Ltda., constatada e aprovada pela comissão de fiscalização, acompanhamento e recebimento final das obras da guarita da UNED (...); designada através da portaria Nº (...), de / /2003, pela Diretora da UNED, (...).
O assunto em tela merece estudo e esclarecimentos para o devido encaminhamento do pedido solicitado pela CAG-UNED, que passaremos a discriminar:
1. Por determinação da Direção Geral, através do Administrador da Sede, Prof. (...), informava a este coordenador que CEFET não tinha recursos financeiros para pagamentos de diárias, portanto iria nomear uma Comissão de Serviços lotados na UNED, para fiscalização das obras de Reforma da Guarita;
2. Esta Coordenação não participou da fiscalização e acompanhamento da obra e não foi informada, pela Comissão de Fiscalização, dos problemas existentes no decorrer do andamento da construção;
3. Esta Coordenação teria que visitar a obra “in loco”, antes da conclusão dos trabalhos executados para emitir Parecer Técnico e aprovar os serviços a serem executados e solicitados pela CAG.Diante do exposto, ficamos impedidos de emitir parecer sobre serviços executados e aditivos pleiteado pela STC-Ltda e aprovado pela CAG-UNED.Nestes termos, este é o parecer submetido à apreciação de Vossa Senhoria.
PT-07
PARECER
Um grupo de cerca de 350 servidores do IBAMA, ocupantes de cargos que passaram a integrar a nova carreira de Especialista em Meio Ambiente, prevista na
recente Lei nº 10.410, de 11.02.2002, consulta-nos sobre a possibilidade de aproveitamento dos atuais servidores daquela autarquia, portadores de curso superior, nos cargos de Analista Ambientar e Analista Administrativo, e nos cargos de Técnico Ambiental e Técnico Administrativo, com relação aos que já concluíram o ensino médio.
Trata-se de consulta que examinaremos, verificando se há óbices na própria Lei 10.410/2002 e na Constituição Federal, para o aproveitamento de cargos públicos transformados.
A indagação envolve ainda questões de interpretação constitucional, considerando que o art. 37, caput, da Constituição, passou a ter nova redação, com o advento da Emenda nº 19/1998, cujo ratio legis investigaremos, ocasionando modificações no concernente à exigência de concurso público para o preenchimento de cargos no quadro de pessoal na Administração Pública. Nessa investigação, utilizaremos portanto o processo histórico-teleológico de interpretação e ainda outras diretrizes recomendas (sic) na hermenêutica constitucional.
DA ANÁLISE DA LEI Nº 10.410, DE 11.1.2002[...]29
A Lei nº 10.410, de 11.1.2002, no art. 1º, criou, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA, a carreira de Especialista em Meio Ambiente.
Por força do § 1º do art. 1º, os cargos de provimento efetivo do IBAMA passaram a denominar-se Analista Ambiental, analista Administrativo, Técnico Ambiental, Técnico Administrativo e Auxiliar Administrativo, compondo a referida carreira.
Já no § 2º desse mesmo preceito, criou, no inciso II, 2.000 (dois mil) cargos efetivos de analista Ambiental.
E, no art. 11, dispôs que “O ingresso nos cargos referidos no art. 1º far-se-á mediante prévia aprovação em concurso público específico, exclusivamente de provas”.
Surge, então, a indagação, objeto da consulta: há necessidade de concurso público para todos os cargos que, mediante nova denominação, passaram a integrar a carreira de Especialista em Meio Ambiente, inclusive para aqueles 2.000 (dois mil) cargos de Analista Ambiental que foram criados no § 2º, inciso II, do art 1º? Pode haver aproveitamento dos atuais ocupantes dos cargos transformados?
Sob a ótica da interpretação literal da lei, não temos dúvida em afirmar que o concurso público só é necessário para os 2.000 cargos criados de Analista Ambiental.
De fato, a Lei º 10.410/2002, no art. 11, como vimos acima se refere a “ingresso” nos cargos que passaram a compor a carreira de Especialista em Meio Ambiente, previstos no § 1º da mesma lei.
29 Os colchetes nessa passagem indicam supressão de um texto impossível de ser transcrito, por estar ilegível na cópia que nos foi fornecida para organização de nosso corpus.
Ora “ingresso” nos cargos da nova carreira significa, a rigor, entrada no serviço público, não abrangendo, por conseguinte, aqueles que já estão ocupando cargos públicos, porque já estão dentro da Administração Pública.
Em conseqüência, para os atuais ocupantes dos cargos transformados e para aqueles que forem transformados, conforme previsto no § 3º do aludido art. 1º, desnecessária se torna a realização de concurso público, porque esse foi o desiderato expresso do legislador ordinário ao usar o vocábulo “ingresso”.
Se quisesse estabelecer concurso público para todos os cargos que integram a nova carreira, a lei teria usado o termo tradicional “investidura”, tal como está inserido no art. 27, II, da Constituição Federal (“II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação exoneração;”).
Depreende-se, portanto, que o legislador ao utilizar a palavra “ingresso” quis deliberadamente distanciar-se do comando do inciso II do art. 37 da Constituição Federal, que usa o vocábulo “investidura”, porque naturalmente percebeu, de um lado, que seria um enorme absurdo não aproveitar a experiência dos milhares de servidores do Ministério do Meio ambiente e do IBAMA nos cargos transformados, e, de outro lado, estaria contribuindo para o desmesurado aumento de despesas, altamente prejudicial à economia nacional, no presente momento histórico, se tivesse de realizar-se concurso para os quadros de pessoal nesses dois órgãos públicos.
Quando afirmamos que houve uma intenção propositada do legislador quanto ao vocábulo que elegeu para realizar as transformações de cargos no Ministério do Meio Ambiente e no IBAMA, partimos do pressuposto de que na elaboração legislativa, segundo os ensinamentos da hermenêutica, nenhum vocábulo ou expressão é desconsiderado na sua significação corrente ou usual. Se o legislador usou de tal ou qual palavra é porque teve em mente dar um significado específico ao texto legal.
Daí dizer-se que, na interpretação literal, como método de busca do significado da lei, nada é desprezado.
Pondere-se, por outro lado, que o legislador ao empregar a palavra “ingresso”, para afastar a exigência concurso público, certamente sabia que, em matéria de transformação de cargos públicos, sempre se adotou, na Administração Pública, a prática de aproveitamento dos servidores ocupantes dos cargos transformados.
Prática que também era defendida na doutrina do Direito administrativo, conforme mostra o ensinamento de um dos seus maiores mestres, o professor e magistrado HELY LOPES MEIRELLES, no seu clássico e monumental “Direito Administrativo Brasileiro”, de leitura obrigatória para todos quantos tivessem dúvidas sobre questões envolvendo essa ciência:
“Pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser originária (para os estranhos ao serviço público) ou derivada (para os ervidoreds que forem enquadrados), desde que preencham os requisitos da lei.” (pág. 363) (grifos do parecerista).
Poderia objetar-se que o legislador, ao não usar a palavra “investidura”, tal como figura na Constituição, estaria maculando a Lei º 10.410/2002 de inconstitucionalidade em face do inciso II do art. 37 da Constituição.
E nesse ponto responderíamos que esse preceito constitucional não pode mais receber a tradicional interpretação dada pelo Judiciário, por força da emenda nº 19/1998.
DOS OB JETIVOS DA EMENDA 19/1998
Sem dúvida alguma, a Emenda nº 19, publicada em 5.6.1998, introduziu profundas alterações na Constituição Federal, no que diz respeito aos princípios e normas que regem a Administração Pública e os seus servidores em geral, promovendo uma verdadeira reforma administrativa, não se arrolando aqui as diversas inovações, que exigiram aprofundadas considerações, por fugir ao âmbito específico do parecer.
Mas, já é notório, mediante essa emenda, pretendeu precipuamente o legislador constitucional modernizar e agilizar a atividade do Estado, desatrelando a Administração dos entraves que a tornavam menos operacional e eficaz, e implementando medidas adequadas e austeras de atuação administrativa, obrigando-a ainda a utilizar-se, para o melhor atendimento do bem comum e das necessidades públicas, de seus recursos disponíveis.
O ânimo determinado do Poder Executivo de querer alterar a capacidade operacional da Administração Pública, visando maior rendimento e economia, inclusive quanto ao recrutamento de pessoal, revela-se nas contundentes afirmações de propósitos contidas na justificativa da Emenda 19/98 (Exposição de Motivos Interministerial nº 49, de 18.8.95), a seguir transcritas.
“Para este Governo, a reforma administrativa é componente indissociável do conjunto de mudanças constitucionais que está propondo à sociedade. São mudanças que conduzirão à reestruturação do Estado e à redefinição do seu papel e da forma de sua atuação, para que se possa alcançar um equacionamento consistente e duradouro da crise” (grifos do parecerista);
“A revisão dos dispositivos constitucionais não esgota a reforma administrativa, mas representa etapa imprescindível ao seu sucesso, promovendo a atualização de normas, concomitantemente à remoção de constrangimentos legais que hoje entravam a implantação de novos princípios, modelos e técnicas de gestão” (grifos do parecerista);
No difícil contexto do retorno à democracia, que em nosso país foi simultâneo à crise financeira do Estado, a Constituição de 1998 corporificou uma concepção de administração pública verticalizada, hierárquica, rígida, que favoreceu a proliferação de controles muitas vezes desnecessários. Cumpre agora reavaliar algumas das opções e modelos adotados, assimilando novos conceitos que reorientam a ação estatal em direção à eficiência e à qualidade dos serviços prestados ao cidadão” (grifos do parecerista);
“A revisão de dispositivos constitucionais e inúmeras outras mudanças na esfera jurídico-legal, que a acompanharão, estão direcionadas para o delineamento de condições propícias à implantação de novos formatos organizacionais e institucionais, à revisão de rotinas e procedimentos e à substituição dos controles formais pela avaliação permanente dos resultados” (grifos do parecerista);
“Como resultados esperados da reforma administrativa, vale destacar o seguinte:incorporar a dimensão de eficiência na administração pública: o aparelho do Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte” (grifos do parecerista);
“romper com formatos jurídicos e institucionais rígidos e uniformizadores: a reforma constitucional permitirá a implantação de um novo desenho estrutural da Administração Pública brasileira, que contemplará a diferenciação e a inovação de gestão e de controle, particularmente no que tange ao regime jurídico dos servidores, aos mecanismos de quadros e à política remuneratória; (grifos do parecerista);
DO NOVO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SEU SIGNIFICADO
Inegável, entretanto, que a vontade do legislador constitucional em dar uma nova forma de atuação administrativa ao Estado, principalmente quanto ao recrutamento de
pessoal, cristalizou-se principalmente com a introdução da eficiência como um dos princípios básicos pelos quais, doravante, deve reger-se a Administração Pública, conforme demonstra a nova redação dada ao caput do art. 37 da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes (sic) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte” (grifo do parecerista).
Em conseqüência, com a adoção expressa do princípio da eficiência, significa que a Administração Pública agora está jungida a realizar as suas atividades com os próprios recursos de que dispõe, materiais ou humanos, para poder superar a carência de suportes financeiros, e mesmo nesse estado de insuficiência implementar as suas políticas públicas.
A significação da eficiência relacionada a manuseio de recursos disponíveis para a consecução dos fins institucionais da Administração Pública, está nesses termos conceituada, consoantes se viu em tópico da referida exposição de motivos interministerial. Idêntica concepção também adota a doutrina de direito constitucional, daí dizer o constitucionalista JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO em “Princípios Constitucionais da Administração Pública (de Acordo com a Emenda Constitucional nº 19/98), inserto no livro “Os 10 Anos de Constituição Federal”, coordenado por ALEXANDRE DE MORAES, Editora Atlas, pág. 166 (grifos do parecerista):
“De início, parece-nos de todo natural reconhecer que a idéia de eficiência jamais poderá ser atendida, na busca do bem comum imposto por nossa Lei Maior, se o Poder Público não vier, em padrões de razoabilidade, a aproveitar da melhor forma possível todos os recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros existentes e colocados ao seu alcance, no exercício regular de suas competências” (grifos do parecerista).
“Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e aproveitamento máximo das potencialidades existentes” (grifos do parecerista).
“Estará, portanto, uma Administração buscando agir de modo eficiente sempre que, exercendo as funções que lhe são próprias, vier a aproveitar da forma mais adequada o que se encontra disponível (ação instrumental eficiente), visando chegar
ao melhor resultado possível em relação aos fins que almeja alcançar (resultado final eficiente) (grifos do parecerista).
DAS CONSEQÜÊNCIAS DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Assim, em razão do novo princípio da eficiência inserido na Constituição Federal, a partir da emenda nº 19/98, resulta ser possível e jurídico, no presente momento, o aproveitamento dessa considerável quantidade de servidores do IBAMA nos cargos transformados na Lei nº 10.410, de 11.1.2002, uma vez que a exigência constitucional é no sentido de cada instituição pública exercer a sua competência com os recursos disponíveis, sejam materiais ou humanos.
De fato, seria incompreensível, fugiria à lógica do razoável, que, dispondo o IBAMA de um contingente considerável de servidores públicos, passando os seus cargos a terem outra denominação, com atribuições novas ou semelhantes ao do cargo transformado, não pudesse recorrer ao aproveitamento deles, utilizando-se de sua experiência ou mesmo reciclando-os.
Significaria, igualmente, um desprezo injustificável à atual realidade econômica, na crise sem precedentes em que se encontra a administração Pública, altamente carente de recursos financeiros para o atendimento de seus fins institucionais, tivesse o IBAMA, sem utilizar-se do aproveitamento, de valer-se apenas do concurso público para o recrutamento de pessoal, o que elevaria o desperdício à categoria de princípio básico do Estado.
Realizar novo concurso para quem já está concursado ou tornado efetivo no IBAMA, ao invés de realizar o aproveitamento, para os cargos transformados na Lei nº 10.410/2002, seria uma frontal desobediência ao art. 37, caput, da Constituição Federal, ao princípio da eficiência, porque aí não estaria a autarquia utilizando os seus recursos humanos disponíveis, na realização de suas metas, tal como se infere daquele preceito na sua significação própria.
Mas, poderia ser suscitado o argumento de que o mesmo art. 37, no seu inciso II, condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação em concurso público, salvo as exceções previstas, daí não ser possível o aproveitamento para quem tem o cargo transformado.
Já observado, entretanto, via tópicos da exposição de motivos justificadora da Emenda nº 19/98, que a ratio legis, ou seja, a finalidade expressa ou o objeto do legislador constitucional, foi reestruturar o Estado, inclusive quanto ao recrutamento do pessoal, sendo incabível restringir-se essa inovação apenas ao estrangeiro, que presentemente pode ser investido em cargo público, porque aí não se estaria cuidando propriamente de reestruturação, por tratar-se de caso de pouca abrangência.
A peremptoriedade da exposição de motivos, conforme visto no último de seus tópicos transcritos neste parecer, ao afirmar que a reforma constitucional vai permitir uma nova estrutura onde estará presente inovação quanto ao regime jurídico dos servidores públicos, relativamente “aos mecanismos de recrutamento de quadros” (grifo de aspas do parecerista), constitui afirmação que por si já afastaria a idéia de o art. 37, II, não admitir outras exceções à regra do concurso obrigatório.
DOS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS
Ora, no ensinamento da hermenêutica, na interpretação das leis, em caso de dúvida de seu significado, de relevante valor geralmente se apresenta a exposição de motivos, pois é aí nesse documento escrito, que se vai buscar a real finalidade ou objetivo da lei, vale dizer, “o porquê e o para quê da norma legislada”.
Na lição de JORGE TAPIA VALDES (Hermenêutica Constitucional, págs. 36/37) é de grande importância “a) a ênfase dada ao método histórico, que acentua a importância em recorrer as atas e outros documentos contemporâneos à formulação da Constituição (grifo do parecerista), para descobrir qual deve ser o significado dos termo técnicos usados pelo texto; b) o espírito do constituinte, que pode não estar claramente expresso no texto da lei suprema;”.
Constitui, enfim, esse método um dos meios de averiguar a vontade do legislador na elaboração da lei, buscando os princípios, os motivos que o orientaram na produção da norma jurídica, daí ser, muitas vezes, imprescindível na atividade interpretativa, tal como no caso concreto, em face do aparente conflito do art. 37 caput com o seu inciso II (grifo do parecerista).
A conciliação é possível, entretanto, entre as duas normas constitucionais sob enfoque, de modo a afastar a aparente contradição, se considerarmos que a taxatividade e as ressalvas do inciso II do art. 37 deixaram de ter significação rígida, literal, por aludir este, também, na sua concepção jurídica, a recrutamento de pessoal na Administração Pública, ambas tratando por conseguinte da mesma matéria (grifo do parecerista).
É certo que abandonando a literalidade do inciso II do art. 37, na realidade, apela-se para uma interpretação criativa, mais consentânea com a realidade social.
Mas é certo, igualmente, em face da constatação de que geralmente a Constituição não especifica o conteúdo de seus princípios “que toda interpretação constitucional é, em maior ou menor grau, uma construção jurídica. Aqueles que têm o poder-dever de interpretar a Constituição não podem limitar-se a verificar, pura e simplesmente, o significado visível e diretamente inteligível de suas normas, mas devem, em certo sentido, completá-las e acabar de preenchê-las, de modo a permitir a sua aplicação no caso concreto decidendo.” (FÁBIO KONDER COMPARATO, em Direito Público, Estudos e Pareceres, Saraiva, pág. 62).
A interpretação, além do mais, não é estática, está modelada, condicionada ao momento histórico em que a lei é aplicada, mesmo tratando-se do estatuto jurídico mais importante e superior de uma organização estatal denominado constituição.
Nesse sentido posiciona-se JOSÉALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO (Hermenêutica Constitucional, RDP 59/60, pág. 50), invocando ensinamento de Hector Fix Zamudio, ao dizer que “a interpretação dos dispositivos constitucionais requer por parte do intérprete ou aplicador particular sensibilidade, que permite captar a essência, penetrar na profundidade e compreender a orientação das disposições fundamentais, tendo em conta as considerações sociais, econômicas e políticas existentes no momento em que se pretende chegar ao sentido dos preceitos supremos” (grifo do parecerista).
Além dessa perspectiva, a Constituição pode ser considerada ainda uma obra aberta, onde podem ser colhidas alternativas válidas, jurídicas, para a identificação e atualização dos conteúdos das normas constitucionais, sempre tendo em conta entretanto os demais princípios superiores que a fundamentam como estatuto político ordenador da sociedade.
Cabem aqui as observações de PETER HÄBERLE (Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos interpretes (sic) da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, pág. 30), no sentido de que “A estrita correspondência entre vinculação (à Constituição) e legitimação para a interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se consideram os novos conhecimentos da teoria da interpretação; interpretação é um processo aberto. A interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas (grifo do parecerista). A vinculação se converte em liberdade na medida que (sic) se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo dos intérpretes aqui sustentada é apenas conseqüência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação (grifo do parecerista)”.
Em resumo: em virtude das modificações operadas nos planos cultural, econômico e social, de determinada sociedade, a Constituição, por ser uma categoria histórica, variando no tempo e no espaço, na percepção de Aristóteles, precisa ser atualizada ou mediante alterações no seu bojo, ou por via da interpretação que a torne compatível com a realidade histórica do momento.
No magistério de KONRAD HESSE (A Força Normativa da Constituição, Fabris, págs. 18/25), se a Constituição não se adapta à realidade do momento histórico, não se assenta no presente, se não se realizam as tarefas que propõe, e aqui podemos mencionar as elencadas na Emenda 21/1998, ela perde a sua força normativa. É que, a contrario sensu, “Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa”. Essa conclusão inarredável resulta do fato de que “a Constituição jurídica está condicionada pela
realidade histórica. A pretensão da eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade” (pág. 24).
Com base nesses ensinamentos acima, podemos dizer que, na atualidade, o inciso II do art. 37 da Constituição Federal perdeu a sua eficácia normativa, para toda e qualquer forma de recrutamento de pessoal, em decorrência de ter havido mudança quanto à política de provimento de cargos públicos mediante emenda constitucional.
Já se disse, por outro lado, que uma Constituição, a par de assegurar os direitos individuais, constitui-se, na verdade, de um conjunto de políticas públicas para o atendimento das necessidades sociais e do bem estar geral, desse modo enfrentando a realidade do cotidiano.
Ora, uma das políticas públicas que o legislador constitucional escolheu foi a de aproveitar os seus próprios recursos humanos disponíveis, mesmo em caso de recrutamento de pessoal – aqui entrando na hipótese fática a transformação de cargos – para a implementação das tarefas da Administração Pública, nada havendo de censurável nessa escolha, que mais representa uma opção econômica de emergência, em vista das dificuldades financeiras do momento crítico da economia nacional.
E é em razão dessa realidade premente, que, segundo consta, tem havido largo aproveitamento de servidores públicos em cargos transformados ou reestruturados em diversas instituições públicas, tais como na Polícia Federal, no Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União, e em passado recente no próprio IBAMA.
Tais precedentes representam verdadeiramente “a revolta dos fatos contra lei”, na expressão cunhada por célebre jurista, pois, ao que se saiba, é raro o órgão público onde não se deu o aproveitamento (grifo do parecerista).
Pode-se dizer também que se trata de manifestação inequívoca da já referida perda de eficácia da força normativa do inciso II do art. 37 da Carta Magna, quanto à exigência geral do concurso público, na medida em que é largamente ignorado, em caso de transformação de cargos públicos, pois para qualquer administração esse preceito constitucional revela-se absurdo quando aplicado na práxis da atividade administrativa, ao impedir o aproveitamento, se interpretado literalmente, da experiência dos já concursados.
Figura ainda como causa a pressão da consciência entronizada no administrador da necessidade de só ser possível cumprir a política de contenção de despesas, para a retomada do desenvolvimento, almejada pelo legislador constitucional na Emenda 19/1998, desde que a Administração Pública atue de maneira eficiente com os seus próprios recursos disponíveis, inclusive em relação ao recrutamento de pessoal.
De reconhecer-se, por conseguinte, que a persistente desconsideração do concurso por parte a (sic) Administração Pública, como fórmula única para a transformação de cargos, merece ser levada em conta na aplicação do direito pelo Judiciário, que, na sua atividade
construtiva, não pode desconsiderar esse fato histórico da rejeição da norma constitucional, daí a conclusão de estar superada a interpretação do Supremo Tribunal Federal, dada no passado, a respeito da matéria, em razão da nova realidade histórica, consolidada com a superveniência da Emenda nº 19/1998.
Em resumo, do ponto de vista, portanto, da interpretação em que se pesquisou o seu elemento histórico, para a revelação real do âmbito de abrangência do princípio da eficiência, posto na Carta Magna no art. 37, caput, a par de uma concepção de que essa norma deve ser interpretada também segundo as condições sociais, econômicas e políticas no momento de sua aplicação, a caracterizar, na expressa de PETER HÄBERLE, um processo aberto, conclui-se que a obrigatoriedade do concurso para quem já ocupa cargo público, em caso de transformação de cargos, já não mais se sustenta, por força da Emenda 19/1998.
De acrescentar, por último, ainda, que pelo método da interpretação sistemática também não mais se justifica a exigência concursal para a mesma situação funcional.
No dizer de MIGUEL REALE (Aplicações da Constituição de 1988, pág. 114), “É em se tratando de interpretação de normas constitucionais que mais se impõe a subordinação do intérprete às razões decorrentes dos processos teleológico e sistemático, sempre de maneira conjugada, a fim de que a finalidade ética, política, social ou econômica da regra constitucional seja realizada no contexto unitário da previsão legislativa” (grifos do parecerista).
Ora, com a introdução do princípio da eficiência pela Emenda nº 19/1998, o inciso II do art. 37 da Constituição deixou de ser o único dispositivo pelo qual é regulado o recrutamento de pessoal na Administração, em matéria de provimento de cargo público.
Assim, em matéria de recrutamento de pessoal, nem o respectivo inciso II podem ser interpretados (sic) isoladamente, senão em conjunto e de maneira harmoniosa com os valores e interesses objetivados na Emenda nº 19/1998, que, segundo a ratio legis, foram o de tornar a Administração mais operante, inclusive no tocante a provimento de cargos públicos, utilizando-se de seus próprios recursos humanos.
É que essas normas se relacionam e se integram numa unidade reguladora da matéria de sua especificidade, para formar o todo ou o contexto, cada qual com atuação em seu campo específico, subsumindo-se no art. 37, caput, cargo público transformado, e no respectivo inciso II, cargo público criado mas ainda não preenchido.
CONCLUSÕESCom base nas considerações supra deduzidas, estabelecemos as seguintes
conclusões:a) não há necessidade de concurso público para os atuais ocupantes de cargos de
provimento efetivo no quadro de pessoal do IBAMA, transformados em Analista
Ambiental, Analista Administrativo, Técnico ambiental, Técnico Administrativo e auxiliar Administrativo;
b) é legal o aproveitamento dos servidores do IBAMA acima mencionados nos cargos que compõem a carreira de Especialista em Meio Ambiente, desde que satisfeitos os requisitos de escolaridade exigidos;
c) o concurso público só é necessário para os 2.000 cargos criados de Analista Ambiental, por força da primeira investidura;
d) de preferência, por motivo de racionalização de trabalho, deveria ser feito o aproveitamento dos servidores do IBAMA e, em seguida, o concurso público para o caso do Analista Ambiental.
É o parecer.
É o parecer.Brasília, DF, 18.2.2002
OBS. O parecerista é Subprocurador Geral da República aposentado e Mestre em Direito Público pela Universidade de XXXX.
PT-08
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOCONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
INTERESSADO UF:ASSUNTO:
RELATOR (A):PROCESSO (S) Nº (S):PARECER NºCNE/CEB
COLEGIADO:CEB
APROVADO EM:/ /
I – RELATÓRIO
• HistóricoO Conselho de Educação do (...), inconformado com a decisão da Câmara Legislativa
do (...) que promulgou a Lei 2.921, de 21/2/2002, contrariando o veto do Governador de (...), pela qual os estabelecimentos de ensino Médio “expedirão o respectivo certificado de conclusão do curso e o histórico escolar aos alunos da terceira série do ensino médio, que comprovarem aprovação no vestibular, para ingressar em curso superior”, encaminha a este colegiado o Ofício XXX, datado de XX/XX/2002, com o seguinte teor:
1. Expediente do Conselho de Educação de (...)
“Este Conselho de Educação do (...), em sua reunião ordinária de xx/xx/2002, decidiu consultar esse egrégio Conselho Nacional de Educação quanto à legalidade dessa lei, por entender que a matéria tratada na mesma colide com as disposições da Lei 9.394/96, e ainda com o art. 22, inciso XXIV da Constituição Federal que determina ser competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da Educação Nacional”.
Texto da Lei 2.921, de 22 de fevereiro de 2002, da Câmara Legislativa do (...):
“Dispõe sobre a emissão de certificado de conclusão do ensino médio.Art 1º - Os estabelecimentos de ensino expedirão o respectivo certificado de
conclusão do curso e o histórico escolar aos alunos da terceira série do ensino médio que comprovarem aprovação em vestibular para ingressar em curso de nível superior.
§ 1º - A expedição do diploma independe do número de aulas freqüentadas pelo aluno.
§ 2º - A expedição dos documentos de que trata o caput deverá ser providenciada em tempo hábil de modo que o aluno possa matricular-se no curso superior para o qual foi habilitado.
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário”.
• MéritoDo expediente do Conselho de Educação do (...) resultam duas questões fundamentais, assim formuladas:
a) Se a Lei 2.921/2002 – da Câmara Legislativa do (...), é legal;b) Se a mesma Lei 2.921/96 (sic) conflita com a Lei 9.394/96 – LDB e com o art. 22,
inciso XXIV da Constituição Federal.
2. Quanto à ilegalidade da Lei 2.921/2002
Trata-se de comprovar que essa lei solicitada por uma unidade da Federação se contrapõe às normas próprias e privativas da União, editadas pelo Congresso Nacional.
Explicitando o princípio que, por si mesmo, não carece de qualquer confirmação, vejamos contra quais princípios e normas se contrapõe a Lei 2.921/2002, da Câmara Legislativa do (...):
a) Extraído do texto da Consultado do CE/(...):Art. 22, inciso XXIV:“compete privativamente à União legislar sobre (caput), inciso XXIV: “Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.
b) Da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:A LDB é por excelência, a manifestação da União em relação à Educação Nacional, por Decreto do Congresso Nacional, sancionado pelo Sr. Presidente da República.
c) A Lei 2.921/2002 colide diretamente sobre os seguintes princípios legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
• “Art. 24 – A Educação Básica nos níveis fundamental e médio será organizada de acordo com as seguintes regras” (caput):
Inciso I (deste artigo) “A carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar excluído o tempo reservado aos exames finais quando houver”.
• Art. 35 da LDB (caput):“O ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:”
a) Art. 44 da LDB:“a Educação Superior abrangerá os seguintes cursos e programas:(...)II – de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo” (grifos do relator/parecerista).
• Usurpa, também, e ainda, as legítimas competências do Conselho Nacional de Educação que lhe são garantidas pelo artigo 90 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei 9.394/96.
Art. 90 da LDB:
“As questões suscitadas na transição entre o regime anterior e o que se institui nesta lei serão resolvidos pelo Conselho Nacional de Educação ou mediante delegação deste, pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino, preservada a autonomia universitária”.
b) Além do mais, o § 1º do art. 9º da LDB define que “na estrutura educacional, haverá um Conselho nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei”.
2.1. Diante do exposto evidencia-se que
a) A Câmara Legislativa do (...) usurpou “competência privativa da União”, (cf. Art. 22, inciso XXIV da Constituição Federal), uma vez que a Lei 2.921/2002 modificou o disposto no inciso I do art. 24, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) que definiu: Art. 24, inciso I, letra “a”: a série anual terá “carga horária anual de oitocentas horas, distribuídas por um número de duzentos dias de efetivo trabalho escolar”.
b) Referida lei infringiu o artigo 35 da LDB, ao autorizar a redução do tempo mínimo para completar o ensino médio:“O Ensino Médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos”... (grifo do relator/parecerista)
c) Sobre este particular o Conselho Nacional de Educação já se manifestou em várias oportunidades. Destacamos o Parecer CNE/CEB 18/2002 quanto à impossibilidade de rejeição do tempo mínimo para completar o ensino médio e o Parecer CNE/CP 98/99, quanto à exigência de efetiva conclusão do Ensino Médio, etapa de consolidação da Educação Básica, como condição necessária para matrícula em cursos superiores de graduação.
2.2. Por último, é imperioso destacar o que se define na Lei 9.784/99, no seu artigo 11
“a competência é irrenunciável e se oferece pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente emitidos.”
Para confirmar o disposto no artigo 11, da Lei 9.784/99, é válido trazer o ensinamento de Hely Lopes Meireles, consultando a definição do Desembargador Seabra Fagundes sobre atos discricionários quando afirma que: “a competência discricionária não se exerce acima ou além da lei, senão, como toda e qualquer atividade executiva com sujeição a ela.”
Sobre a matéria, já se manifestou este colegiado por meio do Parecer CNE/CEB 4/2001, de 30/1/2001 que, apesar da consulta ter sido feita sobre a questão “competência”, não podemos deixar de considerar a manifestação desta Câmara de Educação Básica, através do Parecer CNE/CEB 04/2001, de 30/1/2001, que versa sobre o tema “responsabilidades dos órgãos de educação e sistemas de ensino”. Após uma elucidativa exposição conceitual sobre gestão pública na área educacional, o parecer afirma que, com “a atual denominação, prevalente nos Estados, Municípios e Distrito Federal, respectivamente, de Conselhos de Educação e de Secretarias de Educação, não resta dúvida que a lei de diretrizes e bases da educação nacional, bem como a lei do fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistérios os tomam, devidamente e cada um, como órgãos normativos responsáveis pela educação escolar e como órgãos executivos responsáveis pela educação escolar”.
II – VOTO DO (A) RELATOR (A)
Em face de todo o exposto, este Conselho Nacional de Educação alerta a todas as Instituições de Educação Superior do País e, de um modo especial, àquelas sediadas no (...), que o preceituado na Lei 2.921, de 22 de fevereiro de 2002 é inconstitucional e ilegal, especialmente, contrária à Constituição do Brasil, em seu artigo 22, inciso XXIV, e aos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, conflitando, frontalmente, entre outros dispositivos, com o inciso I, do artigo 24, da LDB.
Ar. 24, inciso I – “ a carga horária mínima anula será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.”
Em conseqüência, este Conselho Nacional de Educação considera:- os efeitos desta Lei 2.921/2002, da Câmara Distrital do (...), são
profundamente danosos e os efeitos da matrícula na educação superior com a titulação prevista naquela lei são plenamente nulos, vez que a Câmara Legislativa do (...) não tem competência para legislar sobre a matéria, privativa do sistema educacional.
Local e data.
Conselheiro – Relator
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto do Relator.Sala das Sessões, em (...)
Conselheiro – Presidente
Conselheiro – Vice-Presidente
PJ-09 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
PROCURADORIA JURÍDICA
Processo nº Interessado(a):.Assunto: “Análise de Pedido de Reconsideração”.
PARECER nº
“XX” e “YY”, insatisfeitos com a r. decisão proferida pelo CONSUNI - Conselho Universitário desta Instituição, que indeferiu o pedido para invalidar o “Ad referendum dado pelo Presidente do COC/CSTR sobre alocação da vaga de Professor Adjunto para Professor Titular, extinguindo-se o processo de redistribuição do Professor Titular Z.Z.Z., do Departamento de XX da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de A.A.A. para o DCV do CSTR/UFPB”, requerem um pedido de reconsideração ao Presidente do CONSUNI, para que se proceda uma nova decisão a respeito da matéria.
O Regimento da SODS, em seu art. 33, reza o seguinte:
“Art. 33 - Das decisões dos Órgãos Deliberativos da Administração Superior poderão ser interpostos pela parte interessada, perante o respectivo Presidente, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da data da ciência:
I.pedidos de reconsideração, desde que se aduzam fatos ou argumentos novos; II.recursos, na forma prevista nas Disposições Especiais deste Regimento.”
Passamos a analisar a admissibilidade do presente recurso.
O pedido é intempestivo, haja vista que a decisão do CONSUNI foi prolatada em 31.10.2001 e o pedido de reconsideração foi interposto em 28.11.2001, ou seja, 28 (vinte e oito) dias após a decisão do CONSUNI.
Mediante o exposto, opinamos pelo não recebimento do presente pedido de reconsideração, em face do mesmo ter sido interposto fora do prazo previsto no caput do artigo 33 do Regimento Geral da SODS.
É o nosso parecer, s.m.j.
À consideração do Sr. Procurador Geral.
Local e data.
-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-xProcesso nº Parecer nº
APROVO o Parecer supra.Encaminhe-se à consideração do Magnífico Reitor.Em,
Procurador GeralOAB/PB nº
PJ-10
Ministério do Meio AmbienteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Procuradoria da Gerência Executiva na ParaíbaProcesso: Interessado : Parecer nº -Subprocuradoria/IBAMA-B
Assunto: Inexibilidade de pagamento de TCFA
Senhor Gerente Executivo:
Vem a exame requerimento da Empresa “AA” solicitando a dispensa da cobrança da TCFA –Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental relativamente aos três primeiros trimestres do exercício de 2001.
Alega a Empresa em síntese do essencial, que efetuara tão somente o pagamento referente ao 4º trimestre de 2001, deixando de recolher as demais pagamentos da TCFA(três trimestres iniciais de 2001) em face da informação do IBAMA de que dever-se-ia aguardar o julgamento da ADIN Nº perante o STF.
Sustenta que mandara expediente ao IBAMA(não trazido aos autos)pugnando por uma definição do órgão com relação ao pagamento da TCFA nos trimestres iniciais do ano de 2001 supra referido.
Finalmente requer o cadastro definitivo no IBAMA e o pagamento da TCFA(três primeiros trimestres de 2001) em seu valor nominal, ou seja, “sem qualquer acréscimo ou majoração moratória”, em face de entender que a cobrança hábil do tributo esteve prejudicada pelo trâmite da mencionada ADIN, movida por CNI-Confederação Nacional da Indústria que questionava, no mérito, a validade da cobrança da aludida TCFA.
Este o relatório, passo a opinar.
A empresa interessada de fato solicita efetuar o pagamento da TCFA em seu valor nominal, desconsiderando qualquer acréscimo, em razão da exigibilidade da TCFA, nos respectivos recolhimentos trimestrais, no moldes exigidos pela Lei nº 10.165, de 27.12.00.
DA TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL – TCFA
Como se sabe a Constituição Federal em seu art.145 não só define o que seja taxa como também impõe uma proibição no sentido de que as taxas não poderão ter base de cálculo própria dos impostos. Ainda, de acordo com os princípios de direito tributário e disposições do Código Tributário Nacional, a identificação de um tributo se faz analisando o fato gerador, ou mais precisamente a hipótese de incidência. No caso da taxa o fato gerador está vinculado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte, mas esta distinção por si só não está a diferenciar a taxa do imposto.
DA NOVEL JURISPRUDÊNCIA
O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão relativa à alegação de bitributação quanto à taxa que supostamente utilizaria base de cálculo de imposto e vem concluindo pela inexistência da alegada bitributação, conforme recente decisão em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade em que suspendeu os pedidos de liminar contra a cobrança da taxa, expresso no Acórdão, publicado no Diário da Justiça de (...). Nessa demanda a Confederação Nacional da Indústria – CNI ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar sob nº , cujo Relator fora o Min., objetivando impugnar os arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 10.165/00, que alterou dispositivos pertinentes à Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente.
Com efeito, não fora conhecido a referida ADIN, restando prejudicada, e por conseqüência, a apreciação do pedido de medida cautelar, inclusive com parecer do MPF – PGR (Procurador da República (...)) pelo indeferimento da liminar requerida.
CONCLUSÃO
Do que se depreende da plena legalidade da TCFA e o seu reconhecimento pelo STF, e levado em consideração que a matéria decidida fora efetivamente publicada no DJU no dia de do ano de, quando efetivamente tornou-se coisa pública, passando doravante aos efeitos ex nunc toda a obrigatoriedade de sua regular cobrança. Não cumprindo a ninguém desconhecer a publicidade dos atos judiciais à guisa de espera da comunicação obrigatória por parte da administração Pública.
Neste sentido, não havendo âmparo legal para a dispensa dos eventuais encargos incidentes sobre o valor originário da TCFA nos termos requeridos, opino pela cobrança com as correções regimentais, a contar até a data de , data efetiva do requerimento da interessada, pugnando finalmente que seja oficiado a interessada da decisão final desta Gerência, sobretudo seja encaminhado a SAR para as providências pertinentes de ajustes que o caso comporta.
É este o parecer, SMJ.
Local e data.
Procurador Federal
PJ-11
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃOPROCURADORIA GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL ESPECIALIZADA - IBAMA/PB
Parecer nº SUBPROCURADORIAProcesso nº Interessado: Assunto: Auto de Infração nº
EMENTA. Infração Administrativa. Supressão da Mata Atlântica sem autorização do órgão ambiental. Revelia. Manutenção dos efeitos dos termos administrativos lavrados. Encaminhamento ao Ministério Público Estadual.
Sr. Gerente Executivo:
1. Vem a exame auto de infração lavrado em desfavor de (...) por suprimir vegetação secundária em estágio inicial de regeneração em área de Mata Atlântica (Sítio...) zona rural de (...), desprovido de qualquer licenciamento ambiental.
2. No processo administrativo fora imputado ao autuado uma multa no valor de R$1.500,00(um mil e quinhentos reais), estando a infração administrativa calcada no art. 50 da Lei 9.605/98, combinado com outros dispositivos legais pertinentes à matéria, a exemplo da Lei nº 4.771/65 e nos Decretos nº 3.179/99 e 750/93.
3. Ao que pese a amplitude do contraditório e do princípio constitucional da ampla defesa, o autuado não apresentou defesa administrativa, tornando-se, portanto, revel.
4. Por oportuno, consigna-se que a área foi embargada.
5. Finalmente o laudo de Vistoria de fls.15 atesta efetivamente que houve a realização de um desmate no Sítio (...), em uma área de 0,25 h a, sendo a vegetação suprimida pertencente ao ecossistema de Mata Atlântica, conforme atestam as fotos de fls. 07 a 13, dando conta da área devastada.
6. O processo foi-me distribuído para análise.
7. Em síntese do essencial é o relatório, passo a opinar.
8. Do que se depreende dos autos em apreciação resta caracterizada a infringência aos comandos legais respeitantes ao meio ambiente, na medida que o autuado desmatou uma área com incidência de vegetação de Mata Atlântica.
9. De fato, a supressão de vegetação pertencente ao ecossistema de Mata Atlântica, infringe a legislação ambiental, porquanto repercute desfavoravelmente ao meio ambiente, implicando em degradação ambiental do solo e do habitat local.
10. Sugere a Ditec, ás fls. 15, que a (...) seja oficiada a proceder à averbação da área de reserva legal. Outrossim, visando minorar a vulnerabilidade da área vegetada frente aos infratores ambientais, recomendo que o representante da referida empresa seja oficiado para comparecer á DITEC no prazo de trinta dias, a partir do conhecimento deste, objetivando viabilizar a adoção de medidas técnicas
preventivas no local, mormente no que pertine a possibilidade desta Empresa cercar a área em apreço.
11. Quanto à repercussão penal, cuida o Ministério Público Estadual, pois se trata de área localizada em município, cabendo-lhe as providências de persecução criminais acaso venham efetivamente a comportar.
12. Pelo exposto, opino pela manutenção dos efeitos dos atos punitivos impostos ao infrator, sugerindo que o mesmo seja cientificado da possibilidade recursal ou conformando-se, pelo parcelamento na forma determinada pela IN Nº 07/02
13. É este o parecer, SMJ.
Local e data.
Procurador Federal
PJ-12
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-GERAL FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Processo nº e Outros.Interessado(a): Assunto: “Pedido de Reconsideração”.
PARECER nº
“AA”, insatisfeito com a decisão proferida pelo CONSEPE, que indeferiu o seu pedido de transferência para esta Instituição, ingressa com um pedido de reconsideração junto ao seu Presidente, para que uma nova decisão seja dada sobre a matéria.
O artigo 33 do Regimento da SODS, reza o seguinte:
Art. 33 - Das decisões dos Órgãos Deliberativos da Administração Superior poderão ser interpostos pela parte interessada, perante o respectivo Presidente, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da data da ciência:
I.pedidos de reconsideração, desde que se aduzam fatos ou argumentos novos; II.recursos, na forma prevista nas Disposições Especiais deste Regimento.
Passamos a analisar a admissibilidade do presente pedido de reconsideração.
O recorrente ao solicitar o pedido de reconsideração aduziu como fato novo uma reportagem retirada do site do Superior Tribunal de Justiça,
datada de (...), na qual o STJ decidiu que as regras contidas na Lei nº 8.112/90 não se aplicam aos servidores militares federais.
A documentação acostada pelo requerente às fls. 04/05 dos autos em nada modifica o nosso entendimento, pois a orientação da Consultoria Jurídica do MEC e da predominante jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que um estudante de universidade privada só faz jus a ser transferido para outra universidade privada. Excepcionalmente, só são deferidas transferências de universidades privadas para públicas quando não existir na cidade para qual o mesmo foi transferido idêntico curso numa universidade privada, o que não é o caso nos autos, haja vista que em nossa capital tem o Curso de Educação Física (Universidade Privada).
Mediante o exposto e diante do não preenchimento dos requisitos contidos no art. 33, inciso I, do Regimento da SODS, opinamos pela não admissão do pedido de reconsideração e conseqüente arquivamento do processo.
É o nosso parecer, s.m.j.
À consideração do Sr. Procurador Geral.
Local e data
#################################################Processo nº e Outros.
Parecer nº
APROVO o Parecer supra.Encaminhe-se à consideração do Magnífico Reitor.Em (...).
Procurador Geral
PJ-13
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBAPROCURADORIA JURÍDICA
Processo nº Interessado(a): Assunto: "Jubilamento".
PARECER nº
A(O) requerente solicita que seja tornado sem efeito o seu jubilamento do Curso de (...) desta Instituição, já que não lhe foi assegurado o amplo direito de defesa. No ano de (...), o requerente abandonou o referido curso não mais efetuando a sua matrícula nos períodos seguintes. A Procuradoria Jurídica desta Instituição orientou a Pró-Reitoria de Graduação a conceder ao mesmo o prazo de 10 (dez) dias para que ele exercesse, por escrito, o direito de defesa.
Após o requerente exercer o seu direito de defesa, a Coordenadora de Escolaridade desta Instituição, encaminha o presente processo a esta Procuradoria Jurídica solicitando uma orientação de como proceder no referido caso.
Em atendimento a solicitação da Coordenadora de Escolaridade desta Instituição, Profª (...), temos a informar que no presente caso deverá se aplicar o art. 84, inciso II, do Estatuto da UFPB, e o artigo 19, inciso I, da Resolução nº 22/96, in verbis:
“Art. 84 - Considerar-se-á abandono de curso:
II - o aluno que deixar de matricular-se em disciplinas durante dois períodos letivos consecutivos.”
“Art. 19 – Considerar-se-á na condição de abandono de curso:
I – o aluno que não efetuar a matrícula em disciplinas nem a matrícula institucional por dois períodos letivos consecutivos;
O Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região já firmou jurisprudência no sentido de que é válida a norma regimental que impede reabertura de matrícula em razão de ter o estudante abandonado o referido curso, conforme fazem
prova as cópias dos acórdãos proferidos nas AMS nº , AMS nº e AC nº que segue em anexo ( doc. ).
Frente ao exposto, entendemos que o pleito do requerente não pode ser deferido em face da legislação acima transcrita e da jurisprudência ora acostada ao presente processo.
É o nosso parecer, s.m.j.
À consideração do Sr. Procurador Geral.
João Pessoa, 19 de junho de 2002.
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Processo nº .Parecer nº .
APROVO o Parecer supra.Encaminhe-se à consideração do Magnífico Reitor.Em, (...).
Procurador Geral
PJ-14
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃOPROCURADORIA GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL - IBAMA/PB
Parecer nº Processo nº Interessado: Assunto: Auto de Infração nº
Sr. Gerente Executivo:
14. Vem a exame processo administrativo alusivo à infração ambiental ocorrida no município de (...), atribuída ao infrator em epígrafe, consistente em “autorizar a desmatar 1(um) hectare de floresta nativa de caatinga, sem autorização do órgão ambiental competente”(sic) sendo na oportunidade estabelecida uma multa pecuniária de R$1.500,00(um mil e quinhentos reais). A área objeto da lavratura do auto de infração fora embargada (TAD nº) fls. (...)e, apreendidos os produtos florestais descritos às fls (...).
15. Em defesa argüida em seu favor o representante legal do Autuado suplica pelo cancelamento do auto de infração em face de alegado desconhecimento da legislação pertinente, sobretudo enaltecendo a hiposuficiência financeira do seu constituinte. No mérito, entende pela aplicação de atenuantes e, sobretudo pelo não cabimento de multa simples à guisa de que antes disso o IBAMA deveria advertir o autuado ou se o mesmo tivesse oposto embaraço à fiscalização. Finalmente pede a redução da multa ou a conversão da multa em serviços de preservação ambiental com base no Decreto nº 3.179/99.
16. É em síntese, o relatório. Passo a opinar.
17. Da análise dos Autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu os arts. 70 da Lei 9.605/98; art.37 do Decreto nº 3179/99 e art. 19 da Lei nº4.771/65. As alegações aduzidas na peça defensiva não têm o condão de ilidir o Auto de Infração. Pois, de acordo com os artigos infringidos qualquer intervenção no que tange a exploração florestal prescindem do licenciamento ambiental, sob pena de cometimento de infração ambiental. E sendo o caso do autuado em não possuir
a referida LICENÇA AMBIENTAL PRÉVIA, incorreu na sanção administrativa, inclusive ferindo o princípio da precaução ambiental, postulado constitucional.
17. Pois bem, ao analisar as formalidades constitutivas dos termos administrativos lavrados, não vislumbro nenhuma anomalia que os possam macular em eiva de vício. Portanto, estão aptos a gerarem seus jurídicos e legais efeitos. A defesa resta insubsistente, porquanto desprovida de elementos fáticos e probantes que possam afastar o autuado de sua responsabilidade administrativa pelo cometimento do fato ilícito praticado, na medida que perpetrou a exploração de uma área rural( desmatamento ) sem a licença ambiental outorgada pelo Órgão Ambiental competente.
18. A relação das sanções circunscritas no art.72 da Lei nº 9.605/98 são independendentes entre si. Não guardando nenhuma gradação obrigatória entre uma e outra. A redação do § 3º do artigo reportado desta norma não deve ser interpretada com alargamento que possa desvirtuar a vontade que o legislador quis imprimir às sanções ambientais.
19. Da exegese do dispositivo assentado neste § 3º, do artigo referido desperta-se posição doutrinária, a exemplo do que pondera o Juiz Federal Flávio Dino de Castro30, ao creditar defeitos em sua redação, quando assim sentencia:
“A defeituosa redação dada ao §3º pode ensejar interpretações equivocadas que em muito dificultariam a imposição da sanção de multa – pena administrativa por excelência”, conforme ensinamentos de Ruy Cirne Lima, referido por Wladimir Passos de Freitas”.
8. Ainda sobre a questão, ilustra o eminente jurista: “Por primeiro, poder-se-ia considerar que somente se caracterizados culpa ou dolo seria possível a aplicação de multa; em segundo lugar, em face do inciso I, ter-se-ia como imprescindível a prévia aplicação da pena de advertência-relativa ao mesmo fato para que fosso imposta a multa.Contudo, estas leituras, além de reduzirem de modo expressivo a eficácia do sistema de sanções administrativas, gerariam uma série de contradições impossíveis de serem explicadas, tais como: por que exigir o elemento subjetivo somente quando a sanção aplicável for a de multa? Por que exclusivamente esta sanção deve vir antecedida da pena de advertência?”
9. Finaliza com grande maestria o tema atacado pelo autuante, relativamente ao campo da hermenêutica a ser emprestada ao cotado dispositivo:
30 COSTA,Flávio Dino de Castro e.Crimes e Infrações Ambientais.Brasília:Brasília Jurídica, 1ª ed. 2000. p.346/347.
“É imperativo, portanto, buscar-se uma interpretação que concilie a letra da norma com o espírito e a lógica interna do sistema. Com este escopo, a melhor alternativa consiste em considerar-se o dispositivo em análise como veiculador de regras excepcionais, logo insuscetível de interpretação ampliativa. Assim sendo, conclui-se que a presença de culpa ou dolo por parte do infrator só é exigível caso se cuide de embaraço à fiscalização ou de inobservância de prazo para superar irregularidades sanáveis. (...) Contudo, este iter não é necessário quando se trata de irregularidades insanáveis, caso em que não há qualquer sentido em conferir-se tal prazo ao infrator(nem a lei assim expressamente determina).”
10. À vista disso, depreende-se que a tese da defesa labora em equívoco.11. Ao adentrar no quantum estabelecido para o valor da multa, previsto no art.37do Decreto nº 3.179/999, observa-se que a multa mínima é de R$1.500,00 por hectare ou fração. No caso em apreço o fiscal autuante considerou este valor, de modo que a multa é a mínima possível.
12. Pelo exposto, opina-se pela manutenção dos efeitos dos termos administrativos lavrados, e em conseqüência, pugnar pelo indeferimento da defesa por falta de suporte legal, recomendando que o interessado seja informado da possibilidade de parcelamento da multa, e encaminhamento de cópias necessárias do presente processo ao Ministério Público Estadual, em virtude da conduta produzida pelo autuado constituir crime ambiental, a teor do art. 60 da Lei nº9.605/98.
13. Outrossim, entendo que o caso comporta o benefício do art.60 do Decreto nº3.179/99, uma vez atendidas os pressupostos para sua concessão.
14. É este o parecer, SMJ.
Local e data.
Procurador Federal
PJ – 15
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBAPROCURADORIA JURÍDICA
Processo nº : Interessado(a): Assunto: “Transposição de Padrão e Classe”.
PARECER nº 04/97
“SS”, servidor pertencente ao Quadro de Inativos desta Instituição, ocupante do cargo de, matrícula nº , requer a transposição do Padrão e Classe B-VI para A-III, sem fundamentar o seu pedido em qualquer legislação, alegando apenas que vários de seu colegas foram contemplados com este benefício.
Analisando as peças acostadas ao presente processo e o sentido do pedido do requerente, entendemos que o pleito se refere a vantagem prevista no inciso I, do art. 192, da Lei nº 8.112/90.
De acordo com as informações constantes às fls. (...) dos autos, podemos verificar que os cálculos da vantagem do inciso I, do art. 192, da Lei nº 8.112/90, a qua faz jus o requerente estão corretas.
Mediante o exposto, opinamos pelo indeferimento do presente pedido, por falta de amparo legal.
É o nosso parecer, s.m.j.À consideração do Sr. Procurador Geral.Local e data.
Processo nº Parecer nº APROVO o Parecer supra.Encaminhe-se à consideração do Magnífico Reitor.Em, (...).
Procurador Geral
PJ-16
‘Ministério do Meio Ambiente
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenováveisProcuradoria da Gerência Executiva na Paraíba
Processo:
Interessado:
Parecer nº
Senhor Gerente,
Trata-se de processo referente ao Auto de Infração 295105 lavrado
contra o interessado por “ construir em alvenaria e concreto, e suprimir vegetação
remover parte da falésia, considerada de preservação permanente sem o
licenciamento ambiental”. Sendo-lhe imputado na oportunidade uma multa
pecuniária de R$ 6.000,00. A infração se deu no município do Conde/Paraíba.
Em defesa apresentada, tempestivamente, o Autuado aduz
simplesmente, em síntese do essencial, não ser o proprietário da Fazenda
Coqueirinho, atribuindo tal propriedade ao seu genitor, bem como inadmite a
construção de qualquer edificação, pedindo o cancelamento dos atos punitivos
lavrados contra si.
Ocorre que a discussão da questão não se prende a saber de quem é a
propriedade da área. O que se persegue na infração ambiental constatada pela
fiscalização é a sua materialidade e a sua autoria.
Neste particular já restou provado que o Sr. Laércio de Souza Ribeiro,
que inobstante o Autuado, Lúcio, ignore-o, ou evite falar que é o seu pai, que por
sinal imputa tal responsabilidade e lhe contradiz(vide fls.). É tanto que o auto de
infração fora lavrado em princípio em nome do seu pai Laércio. Em contradita
oferecida pelo fiscal foi possível chegar a verdade dos fatos. É o próprio pai que o
denuncia, inclusive taxando-o de má-fé, já que não existe um convivência
harmoniosa entre ambos.
Destarte, o fato é que se observou a infração ambiental, e em
momento algum o ora Autuado comprovou sua isenção em tal ilicitude. Muito pelo
contrário, é seu próprio genitor quem testemunha de forma contrária.
Pois bem, da análise dos autos verifica-se que o Autuado realmente
infringiu na época do fato os dispositivos então vigentes, quais sejam: os arts. 2º e
26 “g” da Lei nº 4.771/65 c/c o 10 e 14 da lei nº 6.938/81 e art. 17 e 34, incisos
IV/VI do Decreto 99.274/90. Portanto, as alegações feitas na peça defensiva não
têm o condão de ilidir o Auto de Infração, devendo, pois, este ser mantido em todos
os seus fundamentos.
Deve ainda, ser o interessado informado da possibilidade de
parcelamento da multa, podendo, outrossim, o Sr. Gerente, instar a DICOF para
retomar a fiscalização no local, com a finalidade de constatar se efetivamente a
agressão cessou ou continua, se assim entender pertinente.
Outrossim, recomenda a remessa de cópias ao Ministério Público
para instruir Ação Penal.
É este o parecer, S.M.J.
Local e Data
Procurador Federal
PJ-17
I B A M A
GOVERNO FEDERALMINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA
PROCURADORIA DA GERÊNCIA EXECUTIVA DO IBAMA NA PARAÍBA
Processo: Interessado: Parecer nº
Senhor Gerente,
Trata-se de processo referente ao Auto de Infração 009014 lavrado contra o interessado por “desmatar floresta nativa, considerada de preservação permanente, em área de domínio da união”. A área total atingida fica em torno de 450 m², com a cominação de uma multa administrativa no valor de R$1.500,00. A infração se deu no município de (...).
Em defesa apresentada, tempestivamente, o Autuado aduz em síntese do essencial, que a infração fora praticada por seus funcionários, em face deles possuírem baixo grau de instrução e não tinham noção da ilicitude dos atos praticados. Assegura, também, que não houve danos ambientais, porquanto foram suprimidos meros arbustos da encosta.
Trata-se de infração ambiental em área de preservação permanente albergada pela legislação em vigor. Sobretudo a vegetação
Pois bem, da análise dos Autos verifica-se que o Autuado realmente infringiu os arts. 2º, “e” da Lei 4.771/65; art.225 da CF; arts. 7º e 10 da Lei nº 7.661/81 e art. 14 da Lei nº 6.939/81, e que efetivamente as alegações ofertadas na peça defensiva não têm o condão de ilidir o Auto de Infração, devendo, pois, este ser mantido em todos os seus fundamentos. Mercê de homologação.
Deve ainda, ser o interessado informado da possibilidade de parcelamento da multa, podendo, outrossim, o Sr. Gerente informar ao mesmo sobre a faculdade de apresentação de eventual Termo de Compromisso para reparação do dano ambiental, consoante estatui o benefício do art. 60 do Decreto Federal nº 3.179/99.
É este o parecer, S.M.J.
Local e data.