Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

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FUNDAÇÃO VISCONDE DE CAIRU FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS CEPPEV – CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA VISCONDE DE CAIRU MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO HUMANO E RESPONSABILIDADE SOCIAL SIMONE MIRANDA CHAVES PSICÓLOGO ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO – UM ESTUDO SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS DOS VALORES ÉTICOS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO NAS ORGANIZAÇÕES SALVADOR – BA 2003

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FUNDAÇÃO VISCONDE DE CAIRU

FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

CEPPEV – CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA VISCONDE DE CAIRU

MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO HUMANO E RESPONSABILIDADE

SOCIAL

SIMONE MIRANDA CHAVES

PSICÓLOGO ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO –

UM ESTUDO SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS DOS VALORES

ÉTICOS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO NAS

ORGANIZAÇÕES

SALVADOR – BA2003

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C A P Í T U L O 1

VALORES ORGANIZACIONAIS E A PSICOLOGIA

O psicólogo organizacional e do trabalho aplica princípios e métodos oriundos da

psicologia a questões relacionadas ao trabalho humano, com o objetivo de promover o

desenvolvimento integral do trabalhador, a sua satisfação em relação ao trabalho que realiza e,

por conseguinte, desenvolver também a organização (através das pessoas).

É evidente que um trabalho realizado nas organizações tem, necessariamente, vinculações

com o desenvolvimento das práticas de gestão. Neste sentido, a Psicologia Organizacional e do

Trabalho não só incorpora todos os conhecimentos das diferentes áreas da Psicologia que lhe

agregam valor, como também é demarcada pela evolução das teorias da organização e pelas

demandas decorrentes desse processo.

As ações e decisões dos trabalhadores são fatores determinantes para a qualidade da

organização e sustentação da competitividade da empresa. Nesta marcha organizacional

evolutiva, que já dura mais de um século, chegamos a um momento em que as organizações

perceberam que dependem das pessoas para realizar sua missão. Assim, a diferença é

determinada pela mudança de visão em relação à atuação do trabalhador. Este sai da

impessoalidade à qual estava condenado por ser apenas mais um no processo produtivo,

colocando-se em um patamar de atuação em que as suas competências singulares o tornam único

na organização.

No presente capítulo, estaremos enfocando o desenvolvimento da POT, paralelamente às

teorias organizacionais, até chegar, como em todo processo de crescimento, a uma maior

independência dessa área. Procuraremos entender como funcionam e se orientam as

organizações, quais as áreas de atuação e o papel do psicólogo nesse contexto, e quais os

referenciais teóricos que podem embasar as suas ações na promoção da saúde mental, do

desenvolvimento e da valorização do trabalhador.

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1.1 A ORGANIZAÇÃO: CONCEITO E FINALIDADES

No nosso entendimento, a organização é a associação de seres humanos num

empreendimento coletivo, que procuram agregar valor à humanidade e ao universo, através da

produção de bens ou serviços. Este processo redunda, para a empresa, em responsabilidade de

desenvolver seus colaboradores e parceiros, de atuar e contribuir para o crescimento das

comunidades onde está inserida, de encantar e surpreender positivamente seus clientes, bem

como de remunerar seus acionistas. Mayntz (apud LAKATOS, 1997, p. 23) assim conceitua a

organização:

[...] são formações sociais articuladas, em sua totalidade, com um número necessário de membros. Têm funções internas diferenciadas, possuem, de maneira consciente, fins e objetivos específicos e estão ordenadas de forma racional, pelo menos intencionalmente, tendo em vista o cumprimento desses objetivos.

Para Srour (1998, p. 107-108), as organizações podem ser definidas como:

[...] coletividades especializadas na produção de um determinado bem ou serviço. Elas combinam agentes sociais e recursos [...] formando unidades sociais portadoras de necessidades e interesses próprios. De fato, possuem uma dinâmica interna que as leva a procurar reproduzir-se: voltam-se para si mesmas e procuram perenizar-se, fazendo com que aquilo que elas são (meios) se transforme em fins.

O curioso, quando falamos de organização, é que parece algo com existência física e

objetiva, embora não seja tangível. Seus bens e serviços são fenômenos reais, que produzem

resultados objetivos na realidade social na qual que estão implantadas e, deste modo, são

observáveis e manejáveis.

As organizações perseguem o alcance de objetivos que podem ser ou não direcionados à

lucratividade. Quando este é seu foco, são identificadas como empresas, cuja finalidade é a auto-

sustentação, através do excedente dos resultados financeiros, obtido através da integração das

pessoas e dos recursos financeiros, físicos, tecnológicos e mercadológicos, dentre outros

(CHIAVENATO, 2000; PASSOS, 2000). Para atingirem com eficiência esse propósito, necessitam

não só de empregados satisfeitos e comprometidos como também, segundo Selznick (apud

LAKATOS, 1997), ter sido gerada por necessidades da coletividade. É por este motivo que as

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organizações têm caráter próprio, desenvolvendo uma identidade singular. Esse caráter evolui na

mesma medida em que se desenvolve o caráter das pessoas que nela trabalham. Por isso, as

organizações podem ser consideradas como formações sociais intencionalmente elaboradas.

Segundo Chiavenato (2000), as organizações existem para realizar as metas que os

indivíduos, isoladamente, não teriam condições de atingir, tornando possível a satisfação de seus

diferentes motivos: espirituais, emocionais, intelectuais, econômicos e sociais. Assim, a grande

questão que se apresenta para a eficácia das organizações é a competência das pessoas que nela

atuam para conviver e trabalhar bem com o outro, e não apenas as competências mentais, físicas

ou manuais. A disponibilidade para contribuir nas organizações varia intra e inter-

individualmente no decorrer do tempo, não somente em função das diferenças apresentadas pelos

seus integrantes, como também em função do sistema de recompensas praticado pela

organização.

Conforme Etzioni (apud LAKATOS, 1997) e Srour (1998), as organizações apresentam as

características enunciadas a seguir: divisão do trabalho, do poder e das responsabilidades de

comunicação; presença de um ou mais centros de poder para controlar e dirigir os esforços da

organização; substituição de pessoal cujo desempenho não satisfaça à organização; e existência

de um universo simbólico cujos padrões culturais são internalizados e exercitados pelos agentes

sociais.

As relações que estruturam as organizações são coletivas e mediadas pela existência dos

meios de produção, abrangendo e conectando a coletividade. Munidos de instrumentos de

trabalho, os agentes sociais interagem no espaço da organização, processando matérias-primas e

as transformando em produtos finais. As relações de trabalho definem a forma de relação entre os

agentes, a partir de sua atuação no processo de trabalho: quem comanda, quem opera, quem

concebe.

As relações de propriedade definem a forma de relação dos agentes, com base na

capacidade efetiva de se apropriar dos excedentes econômicos gerados pelo trabalho, os quais

determinam as posições ocupadas pelos agentes – ser ou não proprietário – e delimitam as suas

respectivas classes sociais. Estas relações coletivas incluem também relações de poder e saber, de

acordo com Srour (1998). A integração a uma destas classes define também a medida do sucesso

profissional, principalmente quando existe ascensão, embora esta pertença seja relativizada pela

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classe da qual o sujeito é oriundo. Para quem vem das classes mais pobres, ser operário pode ser

considerada uma grande conquista.

A estrutura da empresa e a organização do trabalho repercutem profundamente nas

relações de trabalho, pois refletem a filosofia adotada em relação aos empregados e, assim,

interferem nas decisões que envolvem a gestão de pessoas. Também revelam o seu investimento

para desenvolver e possibilitar maior ou menor autonomia e capacidade de decisão nessas

pessoas, o nível e amplitude dos conhecimentos que proporcionam ou estimulam a buscar na

direção do crescimento pessoal e profissional e, portanto, determinam se o trabalho vai alienar ou

desenvolver e energizar o trabalhador.

De acordo com Milkovich e Boudreau (2000), a estrutura das organizações pode se

apresentar das seguintes formas: pirâmide, pirâmide achatada e rede. A estrutura tradicional da

organização em formato de pirâmide, característica do período da industrialização clássica (muito

forte até 1950), pressupõe a crença no comando e controle. Inclui rotas claras e preestabelecidas

para os empregados, com descrições de funções bem definidas quanto à expectativa de

desempenho pela empresa e o treinamento voltado para a tarefa específica. O plano de carreira se

dá através de promoções até os degraus mais altos da escada da carreira, pressupondo maior

status e melhor remuneração. As informações (inclusive as de recursos humanos) são limitadas à

cúpula.

A estrutura organizacional do tipo pirâmide achatada, típica da fase pós-guerra até a

década de 90, enfatiza o fortalecimento dos indivíduos organizados em equipes. O treinamento

estimula a ampliação das áreas de atuação, tornando os indivíduos generalistas e flexíveis. Os

níveis hierárquicos são diminuídos, as funções enriquecidas, o plano de carreira limitado, pois as

promoções ocorrem horizontalmente. São reconhecidos igualmente os desempenhos individuais e

dos grupos. As descrições das tarefas são genéricas. As informações são compartilhadas com as

equipes, quando necessário. A administração de Recursos Humanos (RH) visualiza as pessoas

como o recurso organizacional primordial, e fator decisivo para o sucesso da organização.

O modelo de estrutura organizacional em rede, que começou no início da década de 90,

estimula ainda mais a participação dos empregados, e recria as fronteiras da organização, até

mesmo as existentes entre clientes e fornecedores, já que tudo circula com muito maior rapidez e

amplitude. As informações são largamente acessíveis. As descrições das tarefas são genéricas,

com ênfase na multihabilidade. As intervenções de RH procuram mostrar às pessoas e às equipes,

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suas responsabilidades pelas próprias carreiras e manutenção do emprego. O foco reside no

desempenho individual ou do grupo, mas a equipe é considerada um elemento fundamental na

construção e desenvolvimento do trabalho. O conhecimento constitui-se em requisito básico, e

torná-lo produtivo é o grande desafio da gestão. Surge, então, a abordagem da gestão de pessoas,

as quais passam a ser consideradas em sua singularidade.

Um dos principais valores do liberalismo praticado pelas empresas modernas é a

flexibilidade, emblemática dos modelos vigentes, que apregoa a necessidade da empresa estar

continuamente preparada para abandonar ou modificar seu produto, suas estratégias, ou até

mesmo seus clientes e empregados (através da demissão), quando é preciso se mover em direção

a mercados mais lucrativos ou adotar uma nova maneira de fazer negócios.

A flexibilidade é vista por Sennett (2001) como a necessidade do empregado estar sempre

em fluxo, sempre se movendo de uma forma para outra, sem condições de manter uma forma

essencial. Neste cenário, a premissa do sacrifício de hoje para conseguir a recompensa de

amanhã, enunciada pela velha ética do trabalho, parece não fazer mais sentido. Se tudo muda da

noite para o dia, e as organizações se transformam com tanta rapidez, por que se preocupar com o

amanhã, trabalhar exaustivamente para uma só empresa, ser aderente ao seu projeto, e adiar a

satisfação pelo atingimento dos objetivos?

Nessa perspectiva, o empregado não deve ter nem ligações, nem se comprometer ou

aderir fortemente à empresa, porque os vínculos são efêmeros; o que importa é desenvolver a

própria empregabilidade e empreendedorismo, discurso que, muitas vezes, também é encampado

pelos que trabalham com a gestão de pessoas. Algumas análises legitimam esta postura por parte

das organizações e apontam para o fato de que, tiradas da zona de conforto de seus "empregos

vitalícios", as pessoas se dão conta que devem assumir a responsabilidade por sua vida

profissional e pessoal.

Sennet (2001) discorda dessa justificativa, no que concordamos com ele, na medida em

que entende ser o caráter de uma pessoa resultante de seus contatos com o mundo externo,

avaliando que esta fugacidade promove, ao invés de amizades, apenas contatos superficiais; ao

invés de vínculos profissionais, só a vivência em equipes temporárias por projetos. O que vale é o

aqui e agora; não existem planos de longo prazo. Perderíamos o sentido do desenvolvimento

pessoal, sem uma narrativa que fornecesse o lastro do movimento para o futuro. Sennett (2001, p.

32-33) conclui:

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As condições de trabalho do novo capitalismo criaram um conflito entre caráter e experiência, a experiência do tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas transformar seus caracteres em narrativas sustentadas. Talvez a corrosão de caracteres seja uma conseqüência inevitável. “Não há mais longo prazo” desorienta a ação em longo prazo, afrouxa os laços de confiança e compromisso e divorcia a vontade do comportamento. O comportamento flexível que lhe trouxe sucesso (referindo-se a Rico, um dos personagens do livro) está enfraquecendo seu caráter de um modo para o qual não há remédio prático. Se ele é o homem comum de nossa época, sua universalidade pode estar em seu dilema.

Numa era onde a informação cruza todo o planeta em segundos e a tecnologia é

facilmente acessível aos que possuem condições, a economia torna-se globalizada e a palavra de

ordem na vida empresarial é a competitividade. A inevitável constatação a que as empresas

chegaram através desse processo, desencadeado do início da década de 90, é que as diferenças

entre as empresas vão ser delimitadas principalmente pela qualidade das pessoas que nelas

trabalham.

O capital financeiro tem cedido sua primazia ao capital humano, porque mais importante

que o dinheiro na economia globalizada, é a produção do conhecimento, transformada em

vantagem competitiva que garante sustentabilidade à organização. Neste cenário, as empresas

têm dedicado um maior cuidado às aspirações e desenvolvimento das pessoas, introduzindo

novas perspectivas para o ser humano no trabalho: novos ambientes funcionais, novas formas de

compreender a satisfação profissional, progresso e carreira, preocupação com a saúde integral,

entre outros aspectos.

A qualidade das decisões que compõem as relações entre a empresa e seus empregados

(relacionadas ao desenho da estrutura organizacional) vão influenciar diretamente na capacidade

de ambos de alcançar seus objetivos. As pessoas fornecem as suas habilidades, conhecimentos,

atitudes e experiências imprescindíveis ao desenvolvimento organizacional, e a gestão destas

pessoas passa a integrar o planejamento estratégico das organizações, sendo da responsabilidade

de todos os dirigentes. O desenvolvimento do empregado não é mais visto apenas como a

aquisição de conhecimentos e habilidades, incorporando a exposição a idéias, conhecimentos e

vivências não diretamente ligadas às tarefas do indivíduo (MOTTA, P., 1997).

Como este relacionamento entre empresa e empregados é bastante complexo, e

freqüentemente está conectado à cultura organizacional, torna-se uma vantagem muito difícil de

ser copiada, porque não é diretamente observável, como no caso de instalações, equipamentos e

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procedimentos, por exemplo. Aktouf (1994, p. 43) faz importantes reflexões acerca da cultura

organizacional como produtora desta fantástica união entre empregado e empresa, resultando em

vantagem competitiva para a organização:

[...] a empresa é, em suma, concebida como um cimento social, um sistema de crenças, de valores e de normas que constituem modelos de comportamento, um conjunto de símbolos, significados e de objetivos compartilhados [...] Qualquer que seja a escola1, pelo menos na “corrente dominante” a “cultura de empresa” é a quase mágica comunhão de todos, patrões e operários, dirigentes e dirigidos, em um mesmo e entusiástico movimento de sustentação da empresa e seus objetivos.

Contudo, este estado só é alcançado quando os membros da organização percebem sua

identidade comum, assumindo como seu o interesse coletivo.

Aktouf (1994) questiona: Valores e identidade teleguiados, talvez pré-fabricados,

impostos pelos dirigentes, podem ser portadores e criadores de cultura convergente? Como

promover uma adesão espontânea e natural a valores e identidade pré-construídos querendo fazer

acreditar que a cultura pode ser decretada e diferente da realidade subjetiva, vivida, e diferente da

relação do empregado com suas condições de existência?

Esses valores organizacionais são constituídos pelos princípios ou crenças organizados

hierarquicamente, referentes a tipos de estrutura ou a padrões de comportamentos esperados

(metas) que norteiam a vida da empresa e guiam o comportamento de seus membros. Segundo

Tamayo (2003), quase todo empregado pode perceber as diferenças entre os valores praticados

pelas organizações, que determinam o seu clima e sua cultura organizacionais. Iríamos mais

além, acrescentando que não só os empregados, como os clientes, fornecedores e a sociedade em

geral estão atentos a esses valores, que determinam a aceitação da empresa por toda a rede de

parceiros.

Nesta linha de raciocínio, a cultura da empresa, ou o conjunto de valores que instituem a

ética e as práticas por ela desenvolvidas, podem definir o sucesso ou o fracasso da organização. O

exercício da ética empresarial subentende uma atuação eficaz da organização com todos os

segmentos atingidos pela sua atividade direta ou indiretamente, e alto grau de comprometimento

com seus parceiros internos e externos. A responsabilidade social da empresa está associada à

natureza da relação com seus interlocutores, e vai depender muito das políticas, valores e cultura,

1

? Ideacionistas, ecológico-adaptacionistas, cognitivistas, estruturo-funcionalistas ou de qualquer outra corrente dominante na administração, segundo o autor.

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e, sobretudo, da visão estratégica predominante na organização e no atendimento a estas

condições (MARTINELLI, 2003; NASH, 2001).

A vida empresarial, entretanto, tem sido caracterizada pela luta para conquistar mercados,

para vencer a concorrência, pela alta produtividade a custos baixos, para a obtenção de lucro e

pela sobrevivência. Quando a preocupação é superar os obstáculos que se interpõem à sua

sobrevivência, as organizações, muitas vezes, têm desconectado da ética os fatores que fornecem

o suporte à produção e comercialização de produtos e serviços. Nas palavras de Vergara (2001,

p.22): “Historicamente, essa negligência tem se revelado pelas inexpressivas conquistas em

termos de qualidade de vida da maioria dos trabalhadores, pela exploração irresponsável dos

recursos naturais, pelo descompromisso com qualquer grupo de interesse que não seja o dos

acionistas.” Por isto, no senso comum ainda persiste a convicção muito divulgada de que ética e

economia não têm relação, não se harmonizam bem; isto é, ética e vida empresarial são

realidades distintas e independentes. Segundo Passos (2000, p. 69):

Sempre houve uma tendência de se acreditar que ética e negócios não se combinam. Isto, porque o mundo dos negócios é tido como regido pela ganância, lucratividade ilimitada e pela desonestidade, e a ética como o reino da virtude, dos valores positivos como a honestidade, desprendimento e transparência.

Entretanto, as descontinuidades das empresas, as aquisições hostis, o fechamento de

grandes empresas de varejo, as alianças com estrangeiros, entre outras situações, determinaram

uma mudança na visão da ética nos negócios e apontaram para a necessidade da ética no cerne de

qualquer operação econômica e decisão sobre os seres humanos que atuam nas organizações.

Esses fatos têm diminuído a confiança e a motivação dos empregados (no momento em que as

organizações demandam lealdade em função de recompensas nem sempre seguras), e também

dos consumidores, que podem ser bem inconstantes diante da grande variedade de opções.

Como argumentam Vergara (2001) e Martinelli (2003), as empresas têm forte influência

sobre o direcionamento da sociedade e exercem um impacto expressivo no modo de existência

desta última, em razão de seu poder econômico, competência técnica, bem como pela capacidade

de sobreviver e se adaptar num cenário de freqüentes mudanças. Este status lhes confere enorme

responsabilidade em relação à sociedade, resultando na atribuição de um papel mais amplo; as

empresas deixam de ter o foco em si mesmas e passam a ter como objetivo o desenvolvimento

social.

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Autores como Vergara e Branco (2001) apontam para uma possível emergência de um

novo paradigma no mundo dos negócios. Surgem empresas dotadas de uma visão sistêmica,

envolvidas com a extinção de externalidades associadas às suas atividades, representadas pela

degradação da natureza, condições de trabalho e produtos inadequados às necessidades humanas

e à eliminação das causas da pobreza, entre outros aspectos. No entendimento de Abell (apud

DAVEL; VERGARA, 2001), essas ações evidenciam a harmonização entre competitividade e

humanização nas organizações e apontam para a inexatidão da convicção de que o único objetivo

da empresa é o lucro.

Passos (2000) também crê na existência de organizações que consideram o ser humano

como o seu ativo mais valioso, atitude que gera uma cadeia de valor, na qual o empregado

satisfeito produz melhor e com mais qualidade, o cliente bem tratado se transforma num parceiro,

o meio ambiente bem cuidado promove a sustentabilidade, e a comunidade beneficiada aceita

bem a organização, facilitando seu desempenho.

As organizações já entendem que o atingimento de resultados de ordem social é

extremamente necessário à sua permanência no contexto local e global. À medida que as

organizações oferecem aos seus funcionários condições flexíveis de trabalho, perspectivas para o

desenvolvimento da carreira, reconhecimento e participação no projeto de trabalho, os líderes

conseguem maior produtividade, adesão e dedicação irrestritas ao trabalho, o que, na opinião de

Parston (2000, p. 367), pode trazer recompensas para as organizações. O fracasso em responder a

essas expectativas sociais pode ser, na visão desse autor, “[...] tão perigoso quanto não conseguir

atender às expectativas de clientes e acionistas.”

Assim, a adoção de um comportamento ético pelas organizações é importante não só pela

sobrevivência econômica, mas principalmente pelo valor que deve ser concedido ao ser humano

em todos os níveis de relacionamento com a organização. Façam parte da clientela externa

(acionistas, parceiros, clientes e a própria sociedade), ou da clientela interna (independente do nível

hierárquico), as pessoas valem pelo que são, e não pelo retorno que possam gerar em termos de

produtividade e lucratividade. A produção não pode ser um fim em si mesma, mas deve estar a

serviço das pessoas e do seu bem-estar social; portanto, os compromissos de ordem social devem

ser priorizados da mesma maneira que os de foro econômico. Na concepção de Passos (2000, p.

75, grifos da autora): “A ética empresarial ou qualquer que seja ela, deve seguir uma orientação

humanista que coloca a vida humana como o valor principal.”

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À crescente demanda da sociedade pela assunção de um papel mais amplo por parte das

organizações, apresentam-se vários entendimentos, pois esse papel pode estar relacionado não

apenas a uma postura verdadeiramente ética e cidadã da empresa, mas também a questões de

natureza estratégica. A percepção por parte dos empresários de que as empresas com

preocupações éticas tinham melhores resultados do que as outras, favoreceu muito a utilização da

ética empresarial como uma ferramenta para o aumento da lucratividade, até mesmo porque o

marketing positivo auxiliava a melhorar a imagem da empresa e a fidelização dos clientes.

Inclusive internamente, os efeitos de rentabilidade da ética se fizeram sentir.

Enriquez (1997b) acredita que os dirigentes empresariais fazem da ética um instrumento

sutil a serviço de um desempenho que lhes possibilita a manutenção em funções de poder. Esta

ética, que camufla o desejo de não mudar nada, é veiculada em artigos, livros, entrevistas,

aparecendo sob dois registros: o societal e o empresarial. O primeiro relaciona-se à tentativa de

dar um sentido à sociedade para suprir as suas deficiências. A empresa torna-se cidadã através da

promoção de ações que possibilitem a inserção dos indivíduos na comunidade, com o perfil por

ela estabelecido. “Neste contexto, ela se encarrega não somente do desenvolvimento econômico

da nação, mas também do seu desenvolvimento social, psicológico e cívico. Nenhum dos

domínios da vida lhe é proibido, pois ela se considera com responsabilidade ilimitada.”

(ENRIQUEZ, 1997b, p.10).

Já o segundo registro, o empresarial, preocupa-se com a participação de todos os

membros da organização na formação de um projeto produtivo e na adesão à cultura

organizacional, em detrimento de seus valores individuais. A organização tem necessidade de

empregados que nela invistam toda a sua libido por acreditar que é merecedora de toda essa

dedicação. “Em vários casos, a empresa consegue fazer crer a seus membros que ela é virtuosa,

que considera os homens, suas opiniões e sua vida e que pode ser, o pólo idealizado por

excelência.” (ENRIQUEZ, 1997b, p.11).

Quando os empregados são estimulados a seguir princípios e regras éticas, a compartilhar

valores comuns, a organização se torna mais eficiente economicamente e sobrevive melhor no

mercado. Este espírito ético incutido nos empregados reduz mecanismos de controle – registro de

freqüência, supervisão rígida e controladora –, pois os empregados passam a visualizar seu

trabalho como um instrumento de realização moral; conduz à execução de tarefas de modo

Page 12: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

diferenciado, já que o trabalho não é visto apenas como um meio para a sobrevivência, uma vez

que se sentem responsáveis pela empresa; e repercute positivamente na produtividade.

Na análise de Srour (1998), as empresas só passam a assumir uma conduta socialmente

responsável, quando sua continuidade está em risco, quando enfrentam a intervenção organizada

das contrapartes com as quais trabalha, ou quando mergulham numa disputa de relações de poder.

A maximização dos lucros sempre predomina, quando não ocorre a atividade das contrapartes.

Brito (1998) analisa alguns questionamentos acerca da melhoria do resultado econômico,

motivado pela adoção de uma postura marcada pela cidadania empresarial. O primeiro diz

respeito às razões econômicas que justificariam, em última instância, a ética aplicada às

organizações. Para esse autor, a justificação filosófica para a ética empresarial reside no ser

humano e na dignidade. Como a empresa é uma construção humana que contribui para a vida boa

das pessoas e a sua realização, deve ser ética e, portanto, contemplar a dimensão moral, que faz

do ser humano o que ele é. Deste modo, encontra sua justificativa não apenas no fato de ser

rentável.

A segunda indagação desse autor diz respeito ao valor moral. Deste modo, à questão:

Sendo a atividade humana na empresa motivada por interesse econômicos, pode-se ainda assim,

reconhecer-se nela valor moral? Brito (1998) responde que não existe ação que tenha como causa

apenas a moral. Nessa perspectiva, devemos considerar que o ser humano, na posição de

dirigente de uma organização, é movido por múltiplas intenções, e estas não têm em vista apenas

os objetivos econômicos, embora seja este um dos mais importantes, já que determina a

sobrevivência da empresa no mercado. É preciso também considerar os interesses dos diversos

stakeholders2. Deste modo, o fato da ação do empresário ser permeada por outras intenções que

extrapolam a questão moral, não significa que esta deixe de marcar o seu agir.

Esta mesma convicção parece mover outros autores como Nash (2001). A autora acredita

que a ética nos negócios reflete os hábitos e escolhas dos seus administradores, nutridas pelo

próprio sistema de valores pessoais, crenças e princípios que aprenderam enquanto membros da

sociedade, e que estão relacionados às suas atividades e às demais desenvolvidas na organização.

Podemos encontrar, atualmente, várias empresas cujos dirigentes manifestam um desejo sincero

de contribuir para o crescimento de seus funcionários e da organização. Esta postura empresarial,

sem dúvida, é responsável pela constituição de um ambiente altamente favorável para a

2 Todos aqueles que têm vínculos com a empresa, tais como: fornecedores, consumidores, empregados e comunidade.

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promoção do desenvolvimento humano. Dirigentes de empresas de grande porte, a exemplo da

Ford, 3M, IBM, Johnson e Johnson e HP, enfatizam que altos padrões de conduta são um ativo

economicamente tão importante quanto os clientes, como podemos ver representadas através dos

seguintes discursos:

“Aceitar a concretização de uma vida decente para todos como objetivo fundamental da

empresa.” Valor da Johnson e Johnson (apud NASH, 2001, p. 87).

“Quando foi que cometi meus maiores erros na contratação de pessoal? Quando coloquei

energia e inteligência à frente de moralidade.” Blumenthal, presidente do Conselho da UNYSIS

(apud AGUILAR, 1996, p.114).

Ashley (2000, p. 2) também concorda que exista um descentramento do debate em torno

das corporações, voltando-se o foco para a rede de relacionamento entre os stakeholders, ao

afirmar: “[...] considerando-se que as trocas nunca se dão exclusivamente em aspectos

econômicos, mas incluem relações de confiança, idéias e normas éticas.”

A evolução do tratamento do ser humano na organização, desde o momento em que era

considerado um recurso produtivo como outro qualquer, até quando passou a ser reconhecido

como o parceiro mais íntimo e importante para a sobrevivência nas organizações, é o símbolo da

transformação pelas quais passaram as teorias organizacionais. A Psicologia Organizacional e do

Trabalho surgiu em função da necessidade das empresas, e também empreendeu este percurso

aplicando conhecimentos específicos da psicologia no apoio às várias escolas de administração,

conforme estaremos enfocando a seguir.

1.2 EVOLUÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA DA PSICOLOGIA

ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO

A Psicologia Organizacional e do Trabalho é comumente definida como o estudo do

comportamento humano em organizações de trabalho (O’BRIEN, apud ZANELLI, 2002). Este

comportamento é entendido em termos individuais, grupais, ou coletivos; por trabalho, o autor

define a atividade desenvolvida com o objetivo de produzir riqueza e prestar serviços a uma

sociedade específica.

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Inicialmente essa área do conhecimento era conhecida como Psicologia Industrial. Hoje,

entretanto, é identificada na Europa como Psicologia Organizacional e do Trabalho, denominação

que Zanelli (2002, p.25) julga adequada, porque traduz a idéia “[...] tanto de fatores contextuais

imediatos do trabalho quanto das características organizacionais que exercem influência sobre o

comportamento do trabalhador.” 3

A Psicologia Organizacional e do Trabalho enfatiza a interação das características do

trabalhador, a natureza do trabalho, a estrutura organizacional e o ambiente externo, aplicando

princípios e métodos psicológicos ao contexto do trabalho. Bastos (1992, p. 56) assim

considera o psicólogo que atua em organizações: “um profissional voltado para a gestão de seu

patrimônio humano.” A Psicologia Organizacional e do Trabalho estuda as pessoas, tendo em

vista o papel do trabalho em sua constituição, dinâmica e vida de relação, com o objetivo de

promover a saúde do trabalhador e sua satisfação com referência ao trabalho. Existem ainda

muitas questões relacionadas à definição da Psicologia Organizacional e do Trabalho, pois além

de ser uma área de atuação extremamente abrangente, inclui algumas práticas e conhecimentos

bem específicos, devido à sua interface com a Administração. Deste modo, ainda persiste uma

dificuldade de compreensão dessa área de atuação, até mesmo pelos próprios psicólogos que

atuam em outras especialidades. Mesmo com todo o esforço de renovação para atingir os

objetivos que indicamos acima, ainda dispomos de escassa bibliografia atualizada sobre o tema, o

que acaba por dificultar não só a preparação dos profissionais desta área, como também uma

maior compreensão do seu escopo (SAMPAIO, 1998).

A Psicologia Organizacional e do Trabalho faz interface com a gestão de pessoas nas

organizações públicas e privadas; portanto, existe uma proximidade no desenvolvimento destas

duas esferas de atuação. Comentaremos, em linhas gerais, as teorias e linhas de pensamento da

psicologia que deram suporte à gestão das organizações, mas não estaremos procedendo a uma

leitura crítica de cada uma delas, o que exigiria um grau de aprofundamento bem maior, que

ultrapassa os limites do nosso trabalho.

3 Alguns autores no Brasil, a exemplo de Zanelli (2002), preferem denominar a área de Psicologia Organizacional, outros de Psicologia do Trabalho (CODO, 2003; SAMPAIO, 1998), por acreditarem que, neste momento, esta área se encontra muito mais voltada para estudo e intervenções na organização e relações do trabalho. Nós adotaremos a denominação Psicologia Organizacional e do Trabalho, pois acreditamos traduzir o objetivo da área: através do desenvolvimento do trabalhador, conseguir desenvolver a organização.

Page 15: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

PSICOLOGIA INDUSTRIAL – 1ª FASE

A Psicologia Organizacional e do Trabalho, apoiada no behaviorismo e no funcionalismo,

inaugurou a sua primeira fase no início do século XX, associada aos interesses das indústrias, ao

instrumentalizar alguns conceitos da Escola da Administração Científica, desenvolvida por um

técnico fabril, Frederick Taylor, nos E.U.A, e da Teoria Clássica, desenvolvida pelo engenheiro

Henri Fayol, na Europa. A base dessas teorias era de natureza tecnológica, pois acreditavam que

seria possível aumentar a produtividade aperfeiçoando as técnicas ou métodos utilizados pelos

trabalhadores, alcançando maior controle sobre o trabalho (SAMPAIO, 1998).

Taylor entendia que o ser humano tomava decisões de modo racional, consciente das

conseqüências decorrentes de sua escolha. Isto significava que, conhecendo seus objetivos

prefixados, seria possível à empresa prever seu comportamento e saber de antemão como agir.

Acreditava que o indivíduo valorizava principalmente os aspectos econômicos e, portanto, suas

decisões se encaminhariam para a obtenção de maiores ganhos. Pensava que o ser humano

procurava um máximo de ganhos com um mínimo de intensificação das forças físicas e, desta

forma, devia ser levado a despender o esforço de que fosse capaz na realização das tarefas.

Considerava o trabalhador um apêndice da máquina ou mero objeto de produção, não o vendo

como um ser inteligente e criativo. Preconizava a seleção e treinamento dos melhores

trabalhadores (os homens de primeira classe) nos métodos mais eficientes para a realização das

tarefas, e a oferta de salários mais elevados para os que produzissem mais. O treinamento visava

desenvolver não só a expertise nas atividades, como a doutrinação de idéias e valores da

organização (MOTTA, F., 1986).

Em conseqüência, as pessoas eram vistas como recursos manipuláveis, sem direito a

participação como membros ativos do processo de produção. A gerência assumia o planejamento;

a supervisão controlava cerradamente o trabalhador; este, simplesmente, cumpria a execução do

trabalho, segundo uma única maneira correta e pré-definida. A função do líder consistia, nesse

sistema, em estabelecer e fazer cumprir critérios de desempenho para atender às necessidades da

organização e não das pessoas (HERSEY; BLANCHARD, 1986; MOTTA, F., 1986).

O trabalho desenvolvido por Taylor foi complementado por Fayol que, de acordo com

Motta, F. (1986), se voltou para o gerenciamento do processo de trabalho, estruturando as

funções do administrador em planejamento, organização, coordenação, comando e controle, e

Page 16: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

ressaltou os princípios da unidade de comando, da divisão e especialização do trabalho e

amplitude de controle.

Segundo Figueiredo e Santi (2002), o funcionalismo, movimento implantado entre 1880 e

1910, representado por autores como Dewey (1859-1952), Angell (1869-1949), Carr (1873-1954)

e Thorndike (1874-1949), sustentava que a mente devia ser estudada em função de sua utilidade

para o organismo, tendo em vista a sua adaptação ao meio. Para os funcionalistas, as operações e

processos mentais (sentir, pensar, decidir) seriam instrumentos de adaptação e se expressariam

através dos comportamentos adaptativos. Estes seriam hierarquizados, visando uma meta, que

continuava a ser perseguida, mesmo diante das resistências impostas pelo ambiente. Segundo

Bergamini (1982), nessa perspectiva, as pessoas tenderiam a assumir uma atitude conformista,

para se adaptarem e sobreviverem nas organizações às quais pertenciam.

O behaviorismo, projeto de psicologia científica fundado por J. Watson (1878-1958) e

Tolman (1886-1959), e representado principalmente por B. F. Skinner (1904-1990), estudou o

comportamento dentro do campo das reações externas e objetivamente controladas (FIGUEIREDO,

2002). De acordo com esse autor, Watson interessava-se apenas pelo comportamento observável,

com o objetivo de prevê-lo e controlá-lo de forma eficaz. Entendia o ser humano como um

organismo passivo, governado por estímulos oferecidos pelo meio externo. Esta perspectiva do

controle sobre o comportamento enquadrava-se na busca de uma sociedade administrativa e

estritamente funcional4.

De acordo com Figueiredo (2002), Skinner foi o responsável pelo behaviorismo radical,

que tem grandes diferenças em relação a Watson, embora também se trate de uma forma de

comportamentalismo. Através do método de condicionamento operante, seria possível descobrir

os eventos que fortalecem a probabilidade futura do comportamento (reforço) e, desta forma,

controlá-lo e provocar mudanças. Na sua visão, a subjetividade, o mundo privado do sujeito é

uma construção social. O que as pessoas sentem, decidem e pensam depende do que lhes foi

ensinado pela sociedade. Tudo é um produto social e, assim, na concepção de Skinner, cai por

terra a idéia de que o ser humano é livre para determinar o seu destino.

Bergamini (1982) avalia que o behaviorismo apresenta um sistema de valores coincidente

com os postulados do mecanicismo. A aplicação dos conhecimentos dessa teoria à organização

ocorreu pela elaboração de sofisticados instrumentos de controle e de mecanismos para a

4 Figueiredo (2002) sugere que o funcionalismo está presente na idéia de que se comportar é interagir adaptativamente com o meio.

Page 17: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

padronização e controle do comportamento. Sistemas de incentivos, avaliação de desempenho e a

instrução programada, são alguns exemplos desses instrumentos na organização.

Gardner (2000) refere que a psicometria5 foi originada nos estudos de F. Galton6, em

1870, o qual postulava que a inteligência era hereditária e se transmitia mais entre os ricos do que

os pobres. Na opinião do autor, deveria se conter a reprodução dos menos favorecidos para

manter o nível intelectual da nação; a teoria da eugenia (melhoramento da espécie através de

cruzamentos genéticos premeditados) foi formulada a partir desses estudos. Deste modo, a

psicometria fundamentou a dominação dos menos dotados pelos mais dotados. Segundo Aguiar

(1981), a medida dos processos mentais desenvolvida por Galton contribuiu para a criação de

instrumentos de seleção para identificação dos indivíduos com perfil psicológico mais adequado

à tarefa, facilitando, portanto, a padronização e o controle do comportamento pelas organizações

mecanicistas.

De acordo com Sampaio (1998), a prática da chamada Psicologia Industrial limitou-se

inicialmente à seleção e colocação do profissional, orientação vocacional (baseada em testes) e

estudos sobre as condições de trabalho e treinamento, com o objetivo de elevar a produtividade.

Esse autor informa ainda que o primeiro livro da área, Psychology and Industrial Efficiency,

escrito por Hugo Münsterberg, em 1912, estuda a produtividade em função do esforço. Naquela

época, a psicologia aplicada ao trabalho, a psicotécnica7, estudava as funções mentais sob o ponto

de vista das medidas, bem aderente ao pensamento clássico em administração.

As pesquisas de Elton Mayo8, realizadas em indústrias dos EUA em 1923, geraram a

teoria das Relações Humanas, transferindo o foco de interesse dos estudos, antes localizado na

realização da tarefa, para o ser humano e seu grupo social, que trabalhavam ou participavam das

organizações. Esses estudos destacaram a força dos grupos informais sobre o indivíduo, para os

quais se utilizaram técnicas que envolviam desde a simples observação até a sociometria

(MOTTA, F., 1986).

Lakatos (1997), acrescenta que essas pesquisas revelaram a insatisfação do operário com

seu trabalho e seus companheiros, refletida em absenteísmo, produtividade deficiente, baixo

moral e rotatividade de pessoal. As relações mantidas pelo indivíduo dentro dos grupos informais 5 Qualquer técnica de quantificação dos dados psicológicos, que pode recorrer a testes e medições, ou ao tratamento

matemático e estatístico das atividades mentais.6 F. Galton (1822-1911) – antropólogo, matemático e estatístico inglês.7 Aplicação dos princípios psicológicos, sobretudo dos testes e medidas, aos problemas humanos, tais como:

orientação profissional, organização do trabalho, entre outros.8 Elton Mayo (1880-1949), psicólogo e cientista social australiano.

Page 18: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

seriam mais importantes no seu ajustamento ao trabalho e na determinação do moral do que

fatores ambientais e, portanto, se constituiriam em indicadores decisivos para a produtividade.

Hersey e Blanchard (1986) comentam que Mayo sustentava que os verdadeiros centros de

poder numa organização eram as relações interpessoais que se produziam no ambiente de

trabalho; neste contexto, a organização deveria se desenvolver em torno dos trabalhadores,

levando em consideração os sentimentos e as atitudes humanas. Nessa teoria, a função do líder

era facilitar a consecução dos objetivos através da cooperação entre os liderados, promovendo

oportunidades para o seu crescimento e desenvolvimento pessoal; o ser humano era entendido

como um ser gregário, condicionado pelas demandas de ordem social e biológica, daí o realce nas

recompensas sociais como forma de motivação, para satisfazer primordialmente as necessidades

sociais e de estima. Os grupos informais preenchiam diversas funções como atendimento às

necessidades de segurança, afeto e aprovação social, por exemplo, funcionando como um

derivativo à monotonia e à fadiga. A origem dos conflitos sociais e industriais residia na falta de

“responsabilidade social”; a participação espontânea dos funcionários no local de trabalho, os

grupos informais e a liderança natural, em oposição à impessoalidade do taylorismo eram

valorizados.

Alguns autores, entretanto, como avaliam Seligman e Codo (apud SAMPAIO, 1998),

acreditam que esses estudos usavam a integração como um mecanismo de adaptação do indivíduo

à organização, mantendo o enfoque fragmentário e manipulador sobre o ser humano. Como

negavam o conflito, separavam o mundo do trabalho do mundo dos afetos. Não trouxeram, desta

forma, nenhuma opção real aos processos de produção do taylorismo, sendo incorporados a esse

contexto sem esforço. Motta, F. (1986) também salienta que o sistema de participação do

empregado nas decisões que afetavam o trabalho variava de acordo com a situação e o tipo de

liderança, o que propiciou a sua leitura crítica como uma pseudoparticipação e instrumento de

manipulação.

Depois das experiências de Mayo, desenvolveram-se a psicologia social e a sociologia

aplicada às organizações, focalizando, entre outros temas, a análise dos motivos pessoais, o

prazer do trabalho criativo, a necessidade de satisfação no trabalho, o sentimento e influência dos

grupos. Surgiu uma área chamada de engenharia psicológica, que buscava projetar equipamentos

de acordo com as capacidades e limitações dos trabalhadores (SAMPAIO, 1998).

Page 19: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Este autor informa ainda que algumas práticas como a socionomia de J. L. Moreno9 e a

teoria da dinâmica de grupos de K. Lewin10 surgiram no pós-guerra, nos Estados Unidos,

fundamentadas nos mesmos princípios da escola de Relações Humanas, visando diminuir as

conseqüências do mecanicismo e o entendimento das relações como um fato primordial no estudo

do indivíduo e dos grupos, procurando evitar novas tragédias mundiais. Nessa época, já existia

um leque de temas ligados à área da Psicologia Industrial: a seleção, baseada na psicometria; a

avaliação de desempenho; as condições de trabalho; o treinamento; e a liderança.

Moreno criou o Psicodrama11, técnica que trabalha com o psiquismo em ação, na qual o

indivíduo atua sobre o ambiente e o ambiente age consigo, no sentido de uma ação real e efetiva.

É um método de pesquisa e intervenção nas relações interpessoais, nos grupos, entre grupos, ou

de uma pessoa consigo mesma. Mobiliza para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento

das diferenças e dos conflitos, e facilita a busca de resoluções para o que é percebido (SOEIRO,

1995).

Esta forma original de trabalhar com o psiquismo trouxe novas perspectivas à Psicologia

Organizacional e do Trabalho. No treinamento, contribuiu para uma visão que busca preparar o

indivíduo para muito além da mera aprendizagem da tarefa. Utilizando o role playing (jogo de

papéis), permitia ao indivíduo perceber, no contexto da dramatização, quais os seus papéis bem

ou mal desenvolvidos, e o ajudava a melhorar os que se encontravam inadequados ou

insuficientemente desenvolvidos.

A Sociometria, através do teste sociométrico, possibilitou a medição das propriedades

psicológicas dos grupos, isto é, o que cada membro do grupo pensava, percebia e sentia a respeito

dos demais componentes, enquanto que o sociodrama permitia a resolução de conflitos do grupo

no desempenho de papéis. Todos esses métodos e técnicas têm contribuído para o diagnóstico e

solução de problemas, ao fazer emergir situações conflitantes e proporcionar a melhoria da

relação de equipes e do ambiente de trabalho (BERGAMINI, 1982).

K. Lewin pesquisou o campo psicológico individual dentro dos microgrupos, por meio da

dinâmica de grupo, e deduziu que o campo psicológico de cada indivíduo é constituído de fatos

que se tornam psicológicos, à medida que adquirem significado para ele. Então, a riqueza e

9

? J. L. Moreno (1889-1974), médico romeno. 10 K. Lewin (1890-1947), psicólogo alemão.11 Psicodrama é uma denominação mais conhecida e foi estendida para o todo; é parte de uma construção mais

ampla de Moreno, a Socionomia.

Page 20: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

complexidade do campo vão depender do grau de exposição e acesso do indivíduo aos

fenômenos que irão afetar o comportamento e o desenvolvimento de suas características e

capacidades psicológicas. Conseqüentemente, o campo psicológico do sujeito é modificado e se

torna mais complexo, através do processo de assimilação de fatos – informações, conhecimentos,

valores etc., que se produzem na sua interação com os fatores ambientais que o rodeiam

(MAILHIOT, 1976).

O conceito de campo psicológico trouxe novas direções para o estudo do comportamento

na organização, ao ressaltar a interdependência dos fatores: não é possível avaliar o indivíduo

sem situá-lo no contexto organizacional. Mostrou que, se as condições ambientais das

organizações atingem a natureza do campo psicológico dos seus membros, elas têm uma função

sociopolítica muito importante. Neste sentido, as organizações podem favorecer ou impedir o

pleno desenvolvimento psicológico de seus membros (AGUIAR, 1992).

Lewin considerava que o grupo desenvolve processos e possui forças próprias que

influenciam o comportamento de seus membros; deste modo, o grupo não é a simples soma dos

comportamentos de seus membros. Estes são influenciados por fatores tais como: objetivos do

grupo; contexto em que está inserido; condições internas e externas associados a processos

grupais tais como coesão, estrutura e tipos de liderança. Existe uma interdependência no grupo,

isto é, qualquer mudança de estado em qualquer uma das partes reflete no todo (BERGAMINI,

1982).

Essa autora informa ainda que nas suas pesquisas de laboratório sobre estilos de liderança

e os resultados atingidos, Lewin estabeleceu a superioridade da direção democrática sobre a

autoritária, na qual os grupos podem chegar a uma fase de autogestão. Enfatizou a importância da

relação entre pesquisa e ação, e do envolvimento do pesquisador no processo das mudanças das

condições sociais, pois tinha grande preocupação com a conexão entre teoria e prática. Lewin não

só influenciou fortemente a Psicologia Organizacional, como deu grande impulso à Psicologia

Social (LANE, 1995).

PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL – 2ª FASE

Na década de 50 teve início a segunda fase da Psicologia Organizacional e do Trabalho,

quando os psicólogos deixaram de se limitar ao estudo dos postos de trabalho, para contribuir

Page 21: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

também na discussão das estruturas da organização. Na verdade, não houve um rompimento

radical, mas apenas uma ampliação do objeto de estudo. Esta mudança ocorreu em função da

transição da teoria da administração para a teoria das organizações, em que a preocupação com a

produtividade cedeu lugar à preocupação com a eficiência do sistema, marcada pelas idéias de C.

Barnard e H. Simon, considerados os fundadores da linha teórica Behaviorista, ou Teoria

Comportamental, no fim dos anos 50. Esta teoria tinha como objetivo substituir a abordagem

romântica e ingênua da escola de relações humanas, que lhe serviu de base. Apesar dos seus

pontos de contato com o behaviorismo de Watson – com ênfase no comportamento – afastou-se

dessa teoria pela dificuldade de transposição do conceito de reforço ao contexto organizacional

(BERGAMINI, 1982; MOTTA, F., 1986).

Esta corrente preconizava o desenvolvimento de uma conduta analítica experimental, ao

mesmo tempo em que enfatizava o aspecto racional do comportamento humano. Conceituava o

ser humano como “administrativo”, ou seja, o indivíduo que, ao decidir, estabelece uma

hierarquia para as alternativas de ação e suas conseqüências, baseado no conhecimento de suas

perspectivas futuras, que lhe chegam incessantemente através do ambiente. Essa capacidade de

decidir é essencial para os líderes, pois a aceitação da autoridade pelos executores se dará na

medida em que confiem no discernimento dos decisores (CHIAVENATO, 2002; LAKATOS, 1997).

Barnard (apud LAKATOS, 1997) deu especial relevo ao processo de tomada de decisões

como centro do processo administrativo. De acordo com esse autor, em qualquer organização, o

processo essencial de adaptação é a decisão, já que inicialmente as pessoas decidem ou não por se

esforçar individualmente na direção de uma ação cooperativa, e segundo, sua decisão se dá

através da avaliação do efeito de sua ação para os fins da organização.

Após várias pesquisas de campo, Simon (apud MOTTA, F., 1986) concluiu não existir uma

relação simples e constante entre moral e satisfação, ou ainda entre coesão e produtividade.

Notou que o comportamento no trabalho parece ser mais motivado pela percepção das relações

entre as condições futuras e atuais, do que apenas pelas condições atuais. Esse autor salientava a

cooperação e o sistema de dominação hierárquica, mas ignorava o conflito de classes e de

interesses do sistema capitalista. O centro de suas preocupações residia na criação de um

ambiente psicológico, no qual todos detivessem o poder da informação necessária para decidir

corretamente.

Page 22: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Para os behavioristas da administração, a motivação do indivíduo na organização é fruto

dos resultados que prevê para determinada alternativa de ação, e do valor atribuído a esses

resultados. Entre os psicólogos que contribuíram para as teorias da motivação nesta fase,

McGregor12 é referência. Esse autor criou a teoria X, na qual verificou que a empresa tradicional,

com estrutura em formato de pirâmide e decisões centralizadas, partia da suposição de que a

maioria das pessoas preferia ser dirigida, e não estava interessada em assumir responsabilidades,

desejando, acima de tudo, segurança. Assim, os administradores que aceitam essas hipóteses

buscam estruturar, controlar e supervisionar estritamente seus empregados, fórmula adequada

para pessoas não confiáveis, por serem imaturas e irresponsáveis.

Baseando-se na teoria da hierarquia das necessidades de Abraham Maslow13, McGregor

(apud HERSEY; BLANCHARD, 1986) refletiu que a estratégia do direcionamento e controle podia

ser mal sucedida para motivar pessoas no trabalho, caso elas já tivessem as necessidades

fisiológicas e de segurança satisfeitas, e outras necessidades estivessem assumindo a

predominância; deste modo McGregor pôde perceber que as hipóteses da teoria X revelaram-se

inexatas. Como conseqüência, desenvolveu uma teoria alternativa, a Teoria Y, na qual postula

que os indivíduos podem ser criativos e se autodirigirem, se forem adequadamente motivados.

Nesta visão, a função do administrador é a de desencadear esse potencial nas pessoas, já que uma

pessoa motivada pode atingir seus objetivos e, a partir daí, canalizar seus esforços para a

organização (HERSEY; BLANCHARD, 1986).

Outra teoria dessa década, a Estruturalista, que representou um desdobramento da teoria

Burocrática e a sucedeu no início da década de 50, tinha leve aproximação à Teoria das Relações

Humanas. Surgiu pela necessidade de se visualizar a organização como uma unidade social

grande e complexa, onde interagem vários grupos sociais, e um novo conceito de estrutura, que

se caracterizava por trocas constantes com o meio em que se insere. A teoria estruturalista

reconhece o conflito entre os grupos, o qual encarava como oportunidade e orientação para

mudanças, e acreditava que o bem estar social dos grupos estava vinculado à resolução destes

conflitos (MOTTA F., 1986). Este autor cita, entre os estruturalistas, os mais importantes: M.

Weber, P. Selznick, A. Gouldner, R. K. Merton, P. Blau, A. Etzioni, R. Scott.12 Douglas McGregor (1906-1964) psicólogo americano. 13 Abraham Maslow (1908-1970). Fundador da teoria humanista. Segundo a hierarquia das necessidades, todos os

indivíduos possuem necessidades que devem ser satisfeitas para que mantenha a sua motivação e saúde: necessidades fisiológicas, necessidades de segurança (básicas), necessidades de amor e pertinência, necessidades de estima e necessidades de auto-realização. Acreditava que as necessidades básicas são preponderantes e deveriam estar satisfeitas antes que aparecessem as seguintes (FADIMAN; FRAGUER, 1976).

Page 23: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

A teoria da Burocracia, na qual se baseou o estruturalismo, foi inspirada no modelo

burocrático weberiano, em oposição à Teoria Clássica e à Escola de Relações Humanas.

Mostrava um caráter excessivamente formal, pautado por normas racionais, escritas e exaustivas,

definindo relações de poder e subordinação, que deviam ser obedecidas para que a organização

funcionasse com eficiência. Analisava o comportamento humano de forma padronizada,

impessoal e mecânica, dando ênfase à estrutura formal. Prevaleciam os objetivos da organização

sobre os objetivos individuais, participantes de comportamento rígido e alta conformidade como

avalia Chiavenato (1985).

Merton, Gouldner e Selznick (apud MOTTA, F., 1986) centraram suas análises nas

disfunções da burocracia, avaliando que os mesmos fatores que levam à eficiência podem

conduzir à ineficiência do sistema. A excessiva burocratização pode levar aos seguintes

extremos: excessiva formalização, que transforma os meios em fins e tende a fixar padrões

mínimos de desempenho; excesso de processos e tramitações de papel; excesso de

impessoalidade que se traduz em diretrizes gerais e impessoais que podem aumentar o nível de

tensão interpessoal internamente, como também promover o tratamento impessoal aos clientes

externos. Estes, acreditavam os autores, despertavam resistências à conformidade, pela

necessidade de autonomia dos membros da organização, manifestando-se através da

desobediência, deterioração da moral e redução da produtividade.

Para Etzioni, Blau e Scott (apud MOTTA, F., 1986), existem diversos conflitos na

organização originários de tensões entre a organização formal e informal, entre racionalidade e

irracionalidade, estrutura organizacional, hierarquia, planejamento e iniciativa etc., que possuem

um papel dinâmico no desenvolvimento das organizações. Para os dois últimos autores, nesses

conflitos estão presentes os dilemas entre a ordem e a liberdade.

Etzioni (apud MOTTA, F., 1986) também tem um trabalho de destaque no estudo da

tipologia organizacional através do consentimento como critério comparativo. De acordo com

essa visão, as empresas são organizações utilitárias, isto é, o exercício do poder se dá por

intermédio da oferta de recompensas materiais, e do consentimento via envolvimento calculado

por parte dos integrantes de nível mais baixo.

Nessa perspectiva, o ser humano é conceituado como um ser organizacional, ou seja,

integra uma sociedade de várias organizações, nas quais desempenha simultaneamente vários e

diferenciados papéis, sendo possuidor das seguintes características: flexibilidade diante das

Page 24: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

constantes mudanças; resistência à frustração decorrente do conflito entre as necessidades

individuais e as da organização; capacidade de adiar recompensas, para conseguir lidar com o

trabalho rotineiro, em detrimento de preferências e vocações pessoais; e permanente desejo de

realização para garantir conformidade e cooperação com as metas da organização (LAKATOS,

1997).

A Psicologia Organizacional e do Trabalho continuou os estudos sobre treinamento, com

o foco em capacitação e também desenvolvimento, incorporando postulados da escola estruturo-

funcionalista da administração. Os conhecimentos psicológicos das forças grupais revelados por

Lewin e as teorias motivacionais são aplicados na organização, o que possibilita o

desenvolvimento de novas formas de trabalho. A área industrial se democratiza com os grupos

semi-autônomos e o enriquecimento de tarefas. O caráter instrumental da Psicologia

Organizacional e do Trabalho trouxe como conseqüência a supervalorização das teorias

comportamentais que maximizavam a influência do ambiente no comportamento humano e

minimizavam as influências intrapsíquicas, reduzindo-as ao âmbito da satisfação (AGUIAR, 1981;

SAMPAIO, 1998; BERGAMINI, 1997).

As teorias cognitivas ou conscientes de motivação ajudaram a compreender os processos

das decisões motivacionais. Viam o comportamento, do ponto de vista da motivação, como uma

espécie de antecipação dos eventos futuros, levando em conta os sinais percebidos no ambiente

atual.

Em seus estudos sobre motivações, Bergamini (1997) faz um levantamento dos autores

que contribuíram para a construção desse conceito. Nos anos 50, o modelo da eqüidade proposto

por E J. Adams levou à confrontação entre a percepção que a pessoa possui sobre as suas

contribuições e os resultados obtidos, comparando-os com alguém colocado como referência.

Nos anos 60, V. H. Vroom, com seu modelo da expectância, propôs que a motivação está

relacionada ao valor atribuído pela pessoa a algo que deseja e à probabilidade que seu esforço a

leve à consecução da tarefa e, conseqüentemente, à recompensa. F. Heider com seu modelo da

atribuição, na década de 60, examinava a interpretação dos comportamentos a partir da atribuição

de suas causas. Bergamini (1997) afirma que, em síntese, para esses autores, a decisão de se

empenhar numa atividade depende do valor que se atribui ao que ela pode oferecer como

resultado; portanto, a atividade é o recurso que permite ao indivíduo chegar a algum resultado de

valor.

Page 25: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

De acordo com Bergamini (1997), a teoria das necessidades surgiu como uma dimensão

alternativa para se compreender o comportamento humano nas organizações. Acrescenta ainda

que E. J. Murray (na década de 30), A. Maslow, nas décadas de 40 e 50, e Alderfer (a partir do

trabalho deste último), tiveram a preocupação de descrever as necessidades individuais comuns a

todas as pessoas, e de pesquisar o que as pessoas buscam através do seu comportamento

motivacional (mas não o porquê e o como, isto é, a dinâmica intrapsíquica envolvida). Com a sua

teoria sobre as necessidades, que para ele achavam-se organizadas numa hierarquia seqüencial,

Maslow alcançou irrestrita aceitação, embora não tivesse passado por nenhuma comprovação que

a validasse na prática.

Como avalia Fernando Motta (1986), a aplicação da teoria dos sistemas abertos foi

introduzida na análise organizacional e na psicologia através da divulgação do trabalho do

biólogo Ludwig von Bertalanffy, desenvolvido nos Estados Unidos, em 1940. Essa proposta

inaugura uma nova perspectiva no estudo e compreensão das organizações. Conforme essa teoria,

a empresa é um sistema aberto e integrado por diversas partes relacionadas entre si (como um

sistema biológico) que trabalham em harmonia umas com as outras, com a finalidade de atingir

os objetivos da organização e de seus integrantes. O sistema aberto pode ser compreendido como

um conjunto de partes em constante interação, constituindo um todo sinergético (maior que a

soma das partes), orientado para determinados fins, em permanente relação e interdependência

com o meio.

Entre os esquemas teóricos baseados na teoria geral dos sistemas, os mais divulgados no

Brasil foram os de Trist e Rice, do Instituto Tavistock, de Londres e o de D. Katz e R. Kahn, da

Universidade de Michigan, como apontam Chiavenato (1985) e Fernando Motta (1986). Este

último refere que Trist e Rice enfocaram, na década de 60, a relação entre a organização –

composta por um subsistema social e um subsistema técnico, dotada de normas, aspirações e

valores – e o ambiente – constituído pelas demandas da tarefa, o espaço físico e os equipamentos.

Esta relação dota a organização de eficiência potencial, transformada em eficiência real, quando

os dois subsistemas se inter-relacionam.

O centro da abordagem de Katz e Kahn, de acordo com Fernando Motta (1986), é a

concepção das empresas como sistemas abertos, que importam insumos do ambiente (inputs:

matéria-prima, mão-de-obra), processam estes insumos energéticos em seu bojo, (fabricação,

treinamento) e exportam resultados para o meio ambiente (outputs: produtos finais).

Page 26: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Lakatos (1997) indica outros autores, importantes nessa orientação: Argyris, Brown,

McGregor, Homans, Likert. Homans enfatiza a interdependência entre os sistemas interno,

externo e ambiente, de modo que, qualquer mudança em um dos elementos afeta os demais. As

variáveis básicas desse esquema são representadas pelos sentimentos e interações, que

influenciam contínua e ciclicamente a adaptação dos indivíduos ao ambiente externo. Brown

também segue o enfoque psicológico, enfatizando que grande parte do comportamento humano

não se deriva do interior do sujeito ou é herdado, como se pensava, e sim, que ele é conseqüência

da função do sujeito no grupo. Salienta que a sociedade industrial competitiva tem levado os

seres humanos à insegurança e à desorganização, pois os grupos se desintegram e as pessoas

perdem sua referência.

McGregor contribuiu, ainda, para o entendimento da motivação, ao afirmar que o

funcionamento e a permanência do sistema sociotécnico encontram-se ligados ao comportamento

motivado das pessoas e, portanto, são influenciados por seus relacionamentos e suas condutas nas

organizações, incluindo as atividades dos grupos informais.

Conforme Argyris14, a aderência à teoria X, que ainda ocorreria em muitas empresas,

levaria a relações fracas, superficiais e suspeitas, que não permitem a expressão natural dos

sentimentos, tornando-os inautênticos e reduzindo a competência interpessoal. Se, ao contrário,

fossem assumidos valores humanísticos, se desenvolveriam autênticas relações de confiança,

aumentando a cooperação, a flexibilidade, a competência interpessoal e, conseqüentemente, a

eficácia empresarial. Neste contexto, os administradores deveriam criar um clima de trabalho em

que todos tenham a oportunidade de crescer e amadurecer como pessoas, satisfazendo as suas

necessidades.

Likert15, junto a seus colegas da Universidade de Michigan, realizou pesquisas e

implantou programas de mudança organizacional em várias empresas, visando ajudá-las a passar

das suposições da teoria X para as suposições da teoria Y. Nesses estudos, verificou que os

estilos administrativos predominantes nas empresas passam, seqüencialmente, do Sistema 1,

representado por um estilo administrativo altamente estruturado a autoritário, orientado para

tarefas, até o Sistema 4, estilo administrativo orientado para relações, baseado no trabalho em

equipe e confiança. Os estilos 2 e 3 constituíram-se estágios intermediários entre os dois

extremos (que se aproximam muito da teoria X e Y). Baseado nesses pressupostos, Likert e seu

14 Chris Argyris (n. 1923).15 Rensis Likert (1903-1981).

Page 27: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

grupo criaram um instrumento para avaliar as características atuais da organização e as que

gostariam que ela tivesse, e o testou, através da aplicação, em centenas de administradores de

diferentes organizações, de um instrumento que foi amplamente utilizado em muitas empresas.

Na década de 60, como informa Sampaio (1998) surgiram as propostas de

Desenvolvimento Organizacional, nas quais a Psicologia Organizacional e do Trabalho associou

a idéia de Desenvolvimento Organizacional com Desenvolvimento Gerencial, isto é, o gerente

que trabalha na nova organização (fordista) deve não só atingir as metas estabelecidas, mas

também alcançar flexibilidade nas relações de trabalho para diminuir/eliminar conflitos. A gestão

passa, como vimos, a considerar as características do ambiente, e tem como suporte a base teórica

da liderança situacional. Teorias com visão mais complexa do ser humano vão fornecer o

respaldo para o desenvolvimento interpessoal e formação da mão-de-obra: a análise

transacional16, dinâmica de grupo americana, e a sociometria/sociodrama de Moreno.

Ainda nesse momento, segundo Silva (apud SAMPAIO, 1998), a arquitetura social

(conceito oriundo da teoria de Warren Bennis – Desenvolvimento Organizacional, que será

tratado na próxima seção) da organização provém da criação de uma nova visão de normas e

valores. Essa visão anuncia a mudança da Psicologia com foco na Organização para a Psicologia

com ênfase no Trabalho, com impacto nas seguintes práticas tradicionais da área, conforme a

autora:

[...] a tecnologia de seleção deve extrapolar a análise “perfil individual x adequação ao cargo” para verificar a adequação do candidato aos valores humanos que vai compartilhar com o sistema social da empresa. As técnicas de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos devem privilegiar as habilidades de perceber, compreender, sentir, cooperar, ao lado das habilidades de planejar, avaliar, operar, calcular. A dinâmica de grupo deve rejeitar abordagens que consistam em “fazer passar conflitos reais para o plano do brinquedo, logo do imaginário” para ensejar o desvelamento de novos padrões de interação, a identificação do conjunto de valores representados e reproduzidos pelos grupos e na recomposição de um sistema de referências que leve a uma linguagem mais clara. (SAMPAIO, 1998, p. 84-85, grifos do autor).

PSICOLOGIA DO TRABALHO – 3ª FASE

16 Análise Transacional: método de análise e compreensão do comportamento desenvolvido por um psicólogo americano, Eric Berne, que pode ser aplicado às organizações relacionado com as contribuições de McGregor e Likert. Segundo Hersey e Blanchard (1986), tomou emprestado conceitos freudianos, colocando-os de forma acessível, facilitando sua utilização em diagnósticos.

Page 28: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

A terceira fase da Psicologia Organizacional e do Trabalho se direciona para o estudo e a

compreensão do trabalho humano. Começou a partir dos anos 70, quando as teorias

administrativas se tornaram menos prescritivas e adotaram um caráter mais explicativo e crítico.

Estavam mais voltadas à compreensão dos fenômenos da produção condicionados por fatores

externos, do que ao desenvolvimento de técnicas para o aumento da lucratividade.

Fernando Motta (1986) refere o surgimento, ainda nos anos 60, da abordagem

contingencial, defendida por T. Buns, G. M. Stalker, J. Woodward, W. Bennis e Grupo de Aston,

ressaltando não existir uma forma melhor para se organizar e atingir objetivos altamente

variados, dentro de um ambiente tão diversificado. Deste modo, ambientes diferentes levam as

empresas a adotar novas estratégias e, por sua vez, requerem estruturas organizacionais diversas.

Conforme esse autor, Burns e Stalker enfatizam que as sociedades precisarão ser

orgânicas (foco nas relações humanas), para acompanhar o ambiente turbulento e mutável. Essa

organicidade se caracteriza pelo ajustamento contínuo às transformações no ambiente, incluindo

as tarefas, pela valorização do saber especializado e da comunicação em todos os níveis, em

virtude do processo de trabalho, e por um forte alinhamento com os objetivos da organização.

Conforme Woodward (apud MOTTA, F., 1986), a tecnologia é uma das variáveis

determinantes no desempenho financeiro e mercadológico nas organizações fabris. Esse autor

verificou em seus estudos que o desempenho era melhor nas empresas que evidenciavam com

clareza uma correlação positiva entre tecnologia e estrutura. O Grupo de Aston efetuou estudos

similares com sistemas e subsistemas das organizações e concluiu que o tamanho, seguido da

tecnologia e da interdependência são características definidoras da estrutura organizacional.

Bennis (apud MOTTA F., 1986), percebeu uma propensão dos sistemas em evoluir do mecânico

para o orgânico no capitalismo moderno.

Fernando Motta (1986) refere ainda que os estudos de P. Lawrence e J. W. Lorsch sobre a

influência de diferentes fatores contextuais na geração de formas de integração, de estruturas e

processos dentro de uma mesma organização, apontam para o fato de que não há uma única

maneira de administrar e estruturar atividades, como também não há tipos de personalidades

preestabelecidas para o trabalho. Estas podem variar em função do nível de certeza ou incerteza

do cenário. O indivíduo concebido pela teoria contingencialista, resultante das concepções

anteriores, deseja utilizar suas habilidades e potencialidades para a resolução de problemas,

Page 29: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

dominar as situações de conflito que se apresentam, adaptar-se com flexibilidade às variáveis do

ambiente interno e externo.

Do ponto de vista da empresa, essa teoria entende que o ponto essencial, num ambiente

organizacional em permanente movimento (inclusive os meios e fins), está situado na iniciativa

individual e na evolução. A administração contemporânea exige flexibilidade e imprime grande

importância tanto ao papel do administrador como modelador da cultura, como ao desenho da

evolução organizacional. O contingencialismo propiciou a convergência entre a sociologia do

trabalho, a administração e a psicologia. Estes estudos marcaram o final da primeira etapa da

abordagem dos sistemas abertos nas organizações. Os anos 70 e início da década de 80

caracterizaram uma nova fase, fundamentada na relação entre sistema aberto e agente social

(ênfase deslocada do racional), na visão de J. March e K. Weich (apud MOTTA, F., 1986).

Novas formas de gestão empresarial vêm surgindo, motivadas pela necessidade de maior

competitividade, qualidade e produtividade, como condições essenciais de integração numa

economia de proporções globais. Podemos destacar os Círculos de Controle de Qualidade,

originados no Japão, a partir de 1960, que buscavam a participação espontânea dos empregados

em grupos para o estudo, diagnóstico e solução de problemas, através da utilização de técnicas

diversas, melhorando a qualidade do produto, aumentando a produtividade e reduzindo custos.

Esta estratégia promove o envolvimento do empregado, porque aproveita os laços informais já

existentes, reconhece o trabalho e recompensa as soluções viáveis para o processo (LAKATOS,

1997; MOTTA, F., 1986).

Também no Japão foi primeiramente implantada a filosofia administrativa americana da

Qualidade Total, que tem como principais representantes E. Deming e J. M. Juran. Segundo Reis

(apud LAKATOS, 1997), ela pode ser resumida em dois aspectos primordiais: todos são clientes e

fornecedores simultaneamente; qualidade é a busca da perfeição técnica, ou seja, zero defeito.

O objetivo da liderança que atua em conformidade com os preceitos da qualidade total

deve ser melhorar a qualidade, aumentar a produção e dar condições para que as pessoas sintam

orgulho pelo trabalho que realizam. Essa atuação se dá através da gestão dos problemas do

processo e das pessoas ao mesmo tempo. A melhoria é alcançada a partir do controle estatístico,

mensuração e avaliação do processo, clareza da missão e dos objetivos institucionais, forte ênfase

na educação, treinamento e capacitação, participação das pessoas e satisfação do cliente.

Page 30: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

É o ser humano que concretiza a qualidade; portanto, Drummond (1991) enfatiza a

importância das pessoas, de suas interações e emoções. Na visão desta abordagem, também os

clientes e fornecedores integram o processo e, por isso, se torna importante conhecer o ambiente

externo, as outras pessoas e suas emoções. Essa autora alerta ainda para o fato de que, se a

qualidade total visa ao comprometimento e envolvimento de todos para fazer bem feito, esta

conscientização individual é que irá garantir o resultado do trabalho.

Segundo Lakatos (1997), a Gestão pela Qualidade Total incorpora muitas das idéias de

Taylor e Fayol acerca da padronização do trabalho; entretanto, em relação à sua visão sobre os

seres humanos, apoia-se na teoria das necessidades de Maslow. O gerenciamento do crescimento

humano preconizado por esse modelo, visa favorecer o atendimento das necessidades indicadas

por esse autor, para obtenção de um moral elevado, que se revela através de maior motivação.

Senge (apud LAKATOS, 1997) deu relevo, década de 90, ao conceito de organização de

aprendizagem, no qual as organizações não podem manter o domínio pessoal, sem estimular

objetivos pessoais que contemplem desejos relacionados à esfera profissional, pessoal, familiar e

organizacional, já que todas as forças se relacionam entre si, e não podem ser vistas de forma

fragmentada. Nas organizações de aprendizagem, o foco é dirigido ao trabalho em equipe, ao

pensar de forma sistêmica, numa visão clara de onde estão e para onde se dirigem, e à certeza de

que o aprendizado e o desenvolvimento individual estão vinculados à aprendizagem e ao

desenvolvimento organizacional (LAKATOS, 1997).

As organizações de aprendizagem focalizam a estratégia de desenvolvimento das pessoas

e a contínua busca de transformação organizacional. Para tanto, constróem estruturas e

estratégias, buscando a dinamização e o aumento do potencial de aprendizagem. Nestes tempos

de globalização, onde o êxito ou a sobrevivência da organização está associado à sua capacidade

de refletir, ao conhecimento que pode produzir e à velocidade com que o utiliza, a construção

coletiva do conhecimento firmou-se como a ação essencial para qualquer empreendimento em

qualquer organização.

Fleury (2000) salienta que o conceito de uma organização de aprendizagem supõe a

superação do modelo taylorista, entre os que concebem e os que operacionalizam, porque envolve

um processo de aprendizado contínuo, realizado coletivamente. Os objetivos organizacionais são

explicitados e compartilhados, como também o projeto de desenvolvimento organizacional é

aderente e consistente ao projeto de desenvolvimento individual. Isto significa eliminar as

Page 31: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

barreiras existentes intra e inter níveis hierárquicos, e entre as áreas, que dificultam a

comunicação, para possibilitar o desenvolvimento do conhecimento compartilhado.

Cada teoria administrativa reflete o momento cultural, social e econômico de sua época.

Uma teoria não é melhor ou mais correta do que outra. Apenas a solução encontrada está de

acordo com as contingências do momento, e cada um dos métodos utilizados poderá ser

apropriado a uma situação específica. Entretanto, parece-nos que, nas organizações do futuro, a

gestão de pessoas terá cada vez maior importância. Não mais encaradas como recursos

manipuláveis, o conhecimento e competências integrais das pessoas serão reconhecidos e

valorizados. Entretanto, é interessante notar que, sem abandonar a racionalidade organizacional,

são agora promovidas a capital humano, ativo a ser contabilizado, fato normal do mundo e modo

capitalista, que sugere não viver sem este tipo de referência.

Segundo Sampaio (1998), a Psicologia Organizacional e do Trabalho passa a priorizar em

seus estudos o entendimento do trabalho humano em todos os seus significados e manifestações,

ao invés da produtividade. Até este momento, as críticas acentuavam o caráter instrumental da

Psicologia Organizacional, a sua busca pela eficácia, produtividade e suavização das

conseqüências da divisão do trabalho e empobrecimento de tarefas. Agora esta área volta-se para

uma compreensão mais próxima do ser humano que trabalha, passando a considerar as questões

de poder, conflito e seus reguladores.

Os esforços da Psicologia Organizacional e do Trabalho convergem, de acordo com

Sampaio (1998) para a saúde e o bem-estar humano (estudos sobre saúde mental e sofrimento no

trabalho, stress, qualidade de vida no trabalho), independentemente do aumento ou não da

lucratividade e da produtividade, com forte influência da Psicossociologia e da Psicanálise. A

Psicanálise e formas de interpretação do imaginário são adotadas para explicar o fenômeno

organizacional. A dinâmica intrapsíquica é levada em conta. O objeto de estudo passa a incluir

também os processos inconscientes das relações interpessoais e grupais no conjunto das práticas

institucionais. Alguns teóricos como Laurent Lapierre (1994), dentre outros, dedicaram-se a

pesquisar a interferência do imaginário inconsciente na qualidade do desempenho dos

trabalhadores (principalmente para os que exercem posições de liderança), nas relações de poder,

trazendo a psicologia profunda como mais um recurso para o entendimento das organizações

racionais. Na visão desse autor, a gestão é um processo de intervenção sobre o ambiente externo,

a partir da realidade interior do dirigente:

Page 32: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Sob a ótica da interioridade, a visão vem da intuição, de convicções e de compromissos pessoais do dirigente. Esta direção apoia-se sobre o leadership da pessoa em posto de autoridade, sobre certa projeção da sua realidade interior, sobre seu desejo de transformar a realidade exterior e sobre considerações de ética. A atividade principal é interior ao gerente, mesmo se ela ocasiona uma ação exterior. (LAPIERRE, 1994, p. 261).

O ser humano passa a ser visto como um sujeito desejante, e Dejours e Abdoucheli (1994)

e Chanlat (1993), trouxeram contribuições para a compreensão do desejo do sujeito, a relação

prazer-sofrimento no trabalho e suas repercussões na vida organizacional.

Conforme Chanlat (1993, p. 29), é através dos mecanismos de identificação que o sujeito

se relaciona com as pessoas. É através do outro que o ser humano “[...] se constitui, se reconhece,

sente prazer e sofrimento, e satisfaz ou não os seus desejos e pulsões [...] Lugar por excelência do

imaginário, do inconsciente e das defesas, de processos de identificação, tendo a vida psíquica

um papel fundamental no comportamento humano.”

Dejours e Abdoucheli (1994, p. 39; 41) acreditam que, se a Psicanálise não falou sobre o

trabalho, existem questões relevantes e sérias a serem debatidas, já que dizem respeito à própria

saúde mental do trabalhador, tais como:

No Trabalho contemporâneo, qual é o lugar do Desejo, e qual é o lugar do Sujeito? [...] qual é o lugar do sujeito no trabalho e de que liberdade ele dispõe para elaborar um compromisso nos conflitos que surgem no confronto de sua personalidade e de seu desejo com a organização do trabalho?

Pagés et al. (1993) traz à tona os jogos de poder existentes nas relações que se

estabelecem nas empresas. O indivíduo se encontra sob a dominação da organização, que lhe

oferece um sistema de regras, cujo respeito e coerência lhe garante segurança e poder. Procura,

assim, um modelo de personalidade em conformidade ao que é explicitado pela organização,

encontrando satisfação e valorização que justificam as pressões exercidas pela carga de trabalho.

Tudo isso condiciona o indivíduo à obtenção do seu prazer através da organização, uma entidade

abstrata, e não da satisfação proporcionada pelo contato com as pessoas (colegas, chefias,

clientes). O trabalho em equipe e o reconhecimento pelo outro não são abolidos, apenas são

desvalorizados e submetidos ao prazer solitário, advindo da organização.

Page 33: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Os estudos sobre a subjetividade e suas relações com o trabalho procuram mostrar que a

subjetividade, habitualmente atrelada ao “ser”, merece tanta atenção no processo de gestão

quanto a objetividade, ligada ao “ter”, e que as duas dimensões não estão dissociadas e, portanto,

não se excluem. Considerar a subjetividade das pessoas significa levar em conta que todos

possuem um espaço interno próprio, construído historicamente, que se relaciona com o exterior, e

que se mostra decisivo nas escolhas durante a vida, influenciando, assim, o ambiente externo.

Considerar a subjetividade significa permitir a sua livre expressão (pensamentos, condutas,

emoções e ações) nas organizações em que se trabalha (DAVEL; VERGARA, 2001).

Outros estudos organizacionais voltados à cognição buscam novas perspectivas de

entendimento do fenômeno organizativo. Surgiram do entendimento de que a ação das pessoas

nas organizações tem origem em suas atividades cognitivas e mentais. Nesta abordagem, a

cognição envolve pensamentos, processos, estilos e estruturas mentais individuais ligados aos

grupos e às organizações, e abrange aspectos emocionais, corporais, culturais e sociais, presentes

em nosso dia a dia, os quais produzem o conhecimento tácito. Esses processos mentais são

fundamentais para o entendimento da participação das pessoas na formulação de estratégias, na

dinâmica da rede de poder, na emergência e articulação de conflitos, para citar alguns exemplos

(BASTOS, 2001).

Multiplicaram-se os estudos sobre saúde mental e neurose no trabalho, o que deu novo

ânimo à Psicologia Organizacional e do Trabalho. Os novos modelos administrativos, como o

japonês, vêm exigindo pesquisa e posicionamento dessa área acerca do impacto desses novos

modelos no psiquismo humano. Conforme Glina e Rocha, (2000), o estresse tornou-se um

problema de saúde pública, porque abala as mais diversas categorias de trabalhadores.

Na introdução do seu trabalho a respeito do estresse, França e Rodrigues (1999, p. 12)

resumem as múltiplas facetas envolvidas:

No trabalho temos que conviver com pessoas de temperamentos diferentes do que pensávamos em nosso projeto de vida, e esse fato pode configurar um desafio à sobrevivência do modo de ser, pensar e de manter nosso bem estar biopsicosocial. Além disso, ter de cumprir metas, executar múltiplas tarefas e atender a funções nem sempre compatíveis com nossos desejos profissionais e, ao mesmo tempo, preservar nossa necessidade de autoestima e realização – compatibilizando com a cultura da empresa – pode ser um desafio a nossa saúde.

Page 34: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Para o indivíduo o estresse traz como conseqüência o desenvolvimento de vários

distúrbios tanto físicos quanto psíquicos, enquanto que para a sociedade e as indústrias, diminui a

produtividade e qualidade dos produtos. Diante da dificuldade de associar o surgimento de

problemas físico-psíquicos às situações de trabalho, apenas recentemente as empresas passaram a

desenvolver programas de prevenção visando a saúde mental (GLINA; ROCHA, 2000).

Estas autoras entendem que um programa de prevenção do estresse se justifica pelas

seguintes razões: o estresse afeta todo o conjunto da vida do ser humano e não apenas o trabalho;

as crescentes mudanças tecnológicas demandam maior esforço mental e alto desempenho para a

manutenção do emprego; e, os programas de prevenção promovem a maior participação dos

trabalhadores através do uso pleno de suas potencialidades.

Sampaio (1998) acredita que os psicólogos que trabalham na área mesclam os

instrumentos e práticas desenvolvidos durante as três fases, sem uma distinção clara de sua opção

prático-metodológica. No entendimento desse autor e também de Codo (2003), este é o momento

de assumir a psicologia voltada para o trabalho humano.

1.3 EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO

NO BRASIL

No Brasil, o trabalho pioneiro na área de psicologia aplicada foi a criação em Pernambuco

do Instituto de Seleção e Orientação Profissional, em 1925, que durante mais de 10 anos produziu

numerosas pesquisas. Outros serviços de seleção e orientação profissional foram criados até os

anos 50, com fundamental contribuição para a profissionalização do psicólogo.

A Psicologia Industrial (como era conhecida no seu aparecimento) surgiu no país na

década de 50, com a criação de instituições e produção de textos importantes por Roberto

Mange17, Mira Y Lopez18, entre outros, à margem das estruturas universitárias (PESSOTI, 1988).

17 Roberto Mange: Incentivou a aplicação da psicologia à Organização Nacional do Trabalho; Um dos fundadores do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT); Participa do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP); Membro da Associação Brasileira de Engenharia Ferroviária; Diretor do Laboratório de Psicotécnica do SENAI.

18 Emilio Mira y Lopez, psiquiatra espanhol, famoso pela atuação pioneira nas áreas de orientação profissional. Foi o criador de vários instrumentos psicotécnicos, e do famoso teste PMK (Psicodiagnóstico Miocinètico), de expressão gráfica que se propõe a explorar a personalidade.

Page 35: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

Segundo Zanelli (1994, p.111): “As pressões do desenvolvimento industrial promoveram o

incremento da área para consumo próprio. Situação que perdura, sendo particularmente

verdadeira, dissociando o trabalho acadêmico do âmbito da aplicação em organizações.”

Essa década foi marcada pela luta dos psicólogos na busca de regulamentar a profissão,

conquista alcançada em 1962. A partir desse momento, foram criados os cursos de bacharelado e

licenciatura em Psicologia, pois, até então, a Psicologia era disciplina obrigatória em cursos como

Medicina, Direito e Pedagogia. Na ocasião da regulamentação, a Psicologia Industrial já contava

com mais de três décadas de aplicação em várias áreas de trabalho, pois as pressões do

desenvolvimento industrial estimularam o desenvolvimento da área para o consumo próprio.

Na década de 60, a industrialização deu um relevo ao Psicólogo Industrial, no processo de

planejamento e organização do trabalho, com uma visão bem técnica, e estudo de temas como:

estudo de tempos e movimentos, papel dos grupos, atuação x recompensas e punições. Com isso,

a área de recrutamento e seleção, foi valorizada e, já nos anos 70, a ênfase concentrou-se no

treinamento, para fugir da rotatividade excessiva. Nessa época, os psicólogos que atuavam nas

empresas (indústrias, prestação de serviços) passaram a ser chamados de Psicólogos

Organizacionais. Depois de 1978, ocorreu um deslocamento para as áreas de planejamento

estratégico, administração por objetivos e administração participativa (VENTURI, 1995).

Um marco para a profissão foi a criação do Conselho Federal de Psicologia, em 1971, que

submeteu todos os psicólogos que atuam na área ao Código de Ética da profissão, orientando sua

atuação por regras e normas legais.

Segundo Weil (apud VENTURI, 1995) as linhas demarcadoras da Psicologia

Organizacional e do Trabalho no Brasil são similares ao desenvolvimento da psicologia no

mundo: 1ª fase preliminar – bases científicas e universitárias, com predomínio da

psicometria; 2ª fase – psicotécnica; 3ª fase – educacional, com o treinamento nas

organizações (as duas últimas voltadas para a adaptação do ser humano ao trabalho); 4ª fase –

atuação psicossociológica, prática do psicólogo orientada por uma visão macroscópica e

sistêmica da organização.

A Psicologia Organizacional e do Trabalho passou por várias transformações e, como

percebemos, com estreito vínculo com as atividades administrativas. O papel dos profissionais

desta área evoluiu da busca do ajustamento das pessoas e da máxima produtividade para o

Page 36: Teorias Organizacionais e a Psicologia Organizacional

exercício de um papel muito mais amplo na promoção do desenvolvimento integral do ser

humano através de várias ações, como estaremos focalizando a seguir.