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4 Capítulo 4 - Teorias Organizacionais em Crise – … · enfatiza ainda a contribuição que...
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4 Capítulo 4 - Teorias Organizacionais em Crise – Popper e Kuhn podem oferecer maior inteligibilidade a esta questão?
4.1 A Busca por uma Fundamentação Epistemológica na Ciência Organizacional
A ciência organizacional também denominada ciência da administração ou
ciência do gerenciamento, define o gerenciamento como um processo que envolve
a coordenação de recursos humanos, materiais, tecnológicos e financeiros
necessários para uma organização alcançar seu objetivos, baseando-se em teorias
provenientes de diferentes áreas de conhecimento como observa Small (2004,
p.184), “Como uma área de estudo, a administração é baseada em inúmeras áreas
relacionadas, principalmente, as ciências físicas e sociais, a matemática, filosofia,
sociologia e psicologia.”. Dentre estas diversas áreas do conhecimento Small
enfatiza ainda a contribuição que correntes essenciais do pensamento filosófico
poderiam oferecer ao desenvolvimento da ciência organizacional, ao sugerir que:
“Outras áreas centrais dentro da filosofia, tais como: a metafísica e ontologia, a epistemologia e a lógica, e a ética e a filosofia política parecem ter sido esquecidas. Essas áreas ainda terão de prestar sua contribuição significativa à administração e aos estudos da organização”. (Small, 2004)
Seria imprudente de nossa parte afirmar que Kuhn ou Popper
demonstrassem interesse específico pelas questões da administração, no entanto
sob a ótica popperiana a filosofia por “natureza” pretende a resolução de
problemas urgentes e genuínos, os quais se encontram fora de seu campo de
atuação tendo, assim, a capacidade de influenciar profundamente outras ciências.
Neste sentido, num exercício de imaginação, podemos deduzir que a filosofia da
ciência também pode oferecer importante contribuição à ciência organizacional.
Esta expectativa, do mesmo modo, foi demonstrada em Hopp (2004) ao
mencionar a criação da revista “Management Science”, em 1954, publicação de
referência especializada na ciência do gerenciamento, enfatizando a escolha do
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Dr. Churchman, que na ocasião ocupava o cargo de editor chefe de filosofia da
ciência do Case Institute of Technology, para a função de primeiro editor deste
periódico científico.
“Essa vontade de promover a ciência do gerenciamento claramente influenciou a evolução do periódico ‘Management Science’. Para começar, enquanto o presidente fundador da ORSA1, Philip Morse, e os primeiros editores da ‘Operations Research’, Thornton Page e George Shortley, eram todos físicos, Churchman era um filósofo. Como implicação lógica deste episódio inusitado ficou evidente que a ‘Management Science’ adotaria uma visão mais ampla das disciplinas incluídas nas ciências da administração”. (Hopp, 2004)
Tais afirmações e a constatação do constante recurso a conceitos
epistemológicos em diversos trabalhos publicados por estudiosos da ciência
organizacional, demonstram uma tendência, notadamente acentuada a partir da
década de 70, de apropriação do ideário filosófico pelos estudiosos da
administração, sobretudo aqueles atinentes à filosofia da ciência de Karl Popper e
Thomas Kuhn, com o intuito de oferecer novas perspectivas no campo da pesquisa
em administração.
Na tentativa de aproximar a filosofia da ciência organizacional, observamos
ainda que a informação, o conhecimento e inteligência são temas recorrentes, e
vistos como importantes áreas de problematização pela literatura da
administração, em especial pela teoria organizacional. De acordo com Hawkins
(2001, p. 51), as áreas de interesse da teoria organizacional, atualmente são: a
gestão da informação, a inteligência competitiva, e a gestão do conhecimento.
A gestão da informação pode ser definida como “o gerenciamento de todo o
ambiente informacional de uma organização” (Davenport, 1994, p.84), ou seja, se
refere à aplicação de princípios administrativos à aquisição, organização, controle,
disseminação e uso da informação para a operacionalização efetiva de
organizações de todo tipo (Wilson, 1988).
1 A ORSA – Operations Rresearch Society of América foi formada por um grupo similar ao
TIMS – The Institute of Management Science, no interesse de iniciar a publicação do jornal, Operations Research, em 1952 nos Estados Unidos. Ambas tinham fortes raízes militares que as levavam a privilegiar os métodos quantitativos como ferramentas de gerenciamento. Entretanto a TIMS entendia como parte de sua missão o desenvolvimento de um quadro de referência científico com o qual estas ferramentas poderiam ser utilizadas.
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A inteligência competitiva pode ser entendida como a habilidade em lidar
com a complexidade; a habilidade de capturar, compartilhar e extrair significado
de sinais da ambiência externa que possam afetar as organizações de forma
positiva ou negativa (Haeckel & Nolan, 1993). De acordo com Lev (2004), com a
intensificação do uso da informação para fins estratégicos, compreendeu-se que o
valor da empresa, na percepção do cliente e do mercado, incorpora aspectos
“intangíveis”, tais como valor da marca, peso das patentes geradas, capacidade de
inovação, talento dos funcionários em especial dos executivos e suas relações com
os clientes, softwares, processos únicos, desenhos organizacionais e outros.
No que diz respeito à gestão do conhecimento, destacamos dentre os
diversos autores interessados em conhecer como as organizações adquirem e
utilizam o conhecimento organizacional: Argyris(1965), Drucker(1974), Senge
(1990), Nonaka e Takeuchi (1995), De Geus (1998). No interesse dos objetivos
desta dissertação vamos apresentar uma síntese das idéias destes autores fazendo
referência à definição de gestão do conhecimento oferecida por Tarapanoff.
“... disciplina que trabalha sistematicamente a informação e o conhecimento visando ao aumento da capacidade de resposta da empresa ao meio ambiente com inovação e competência, desenvolvendo a eficácia e o conhecimento corporativo”. (Tarapanoff, 2006, p.28)
Considerando este ambiente em constante mudança, repleto de novas
situações e problemas não se pode mais retornar indefinidamente à elaboração de
soluções para cada situação observada. Neste contexto, entendemos a
inevitabilidade do desenvolvimento de teorias organizacionais que primem pela
consistência lógica, no sentido de apoiar o desenvolvimento de empresas
competitivas, ou seja, que sejam capazes de apoiar o desenvolvimento de novas e
melhores práticas, idéias novas, processos de descoberta, algo que a informação,
por mais bem administrada que seja não pode oferecer (Davenport; Prusak, 1998).
Entretanto, ao demonstrar estas tendências também nos vemos obrigados a
contextualizar a maneira pela qual a literatura acadêmica da administração
contemporânea, continua fortemente atrelada a questões dogmáticas, norteada
pela crença no conhecimento seguro, de fontes últimas, fundamentado pela lógica
indutiva da ciência e pelo empirismo verificacionista. No artigo denominado - O
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que diria Popper à Literatura Administrativa de Mercado?, Mattos (2003) entende
que a “literatura administrativa de mercado”, representada pela produção editorial
de revistas especializadas incluindo “bestsellers” de profissionais da consultoria
de negócios, acaba por interessar e até influenciar à própria literatura acadêmica
da administração, ao escrever que:
“... não é possível ao discurso teórico mais frequente no mercado reivindicar qualidades de cientificidade. Mas também não cabe à academia imitar-lhe o empirismo – ainda que agregando bela arquitetura metodológica – nem incorporar levianamente o conhecimento produzido por ele ao acervo de sua tradição literária e à atividade de suas escolas”. (Mattos, 2003, p.61)
Não obstante a filosofia da ciência ser tida por muitos acadêmicos, como
um estudo de problemas abstratos, “pseudoproblemas”, ou mera questão de
linguagem, desconectados dos desafios cotidianos, pudemos constatar que tem
sido cada vez mais representativo o número de pesquisadores no campo da ciência
organizacional, dentre eles Behling (1978), Shareef (2007), Rommel e Christiaens
(2006), Ansoff (1987) e Bernstein (1976), para citar apenas alguns, que contestam
tais idéias e buscam na epistemologia fundamentação teórica para apoiar o
desenvolvimento das teorias organizacionais contemporâneas.
No artigo “Some Problems in the Philosophy of Science of Organizations”
(1978), Behling confirma o valor da articulação entre a epistemologia e as ciência
organizacional ao mencionar:
“A filosofia da ciência, o estudo dos processos sistemáticos pelos quais os seres humanos tentam entender o mundo, têm desenvolvido poderosas ferramentas conceituais, as quais têm potencial para aprimorar a compreensão dos esforços de pesquisa no estudo das organizações”. (Behling, 1978, p.193)
Shareff em artigo recente, cujo título, “Want Better Business Theories?
Maybe Karl Popper Has the Answer” (2007), particulariza a relevância da
metodologia da ciência de Popper, como uma abordagem de pesquisa alternativa
para resolver a baixa eficácia das teorias organizacionais e das práticas gerenciais.
Rommel e Christiaens (2006), Ansoff (1987) e Bernstein (1976), por sua
vez, falam sobre a influência das idéias de Kuhn, e de maneira especial do
conceito do paradigma, na literatura acadêmica da administração, de acordo com
as seguintes citações:
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“Um dos livros que ‘deve ser lido’ por qualquer aluno de pesquisa é o ‘The Structure of Scientific Revolutions’(1970), de Thomas Kuhn. Embora esse livro não tenha sido especificamente escrito para administração pública, é um material obrigatório para aqueles que querem compreender esta disciplina. Ao ler a outra parte da lista dos que ‘têm que ler’, principalmente aqueles exemplares que são específicos à administração pública, rapidamente se torna claro que os paradigmas de Kuhn aparecem muito frequentemente”. (Rommel e Christiaens, 2006) “O interesse científico sobre o comportamento estratégico de organizações pró-ativas vem desde o início dos anos 50. Desde então, várias explicações teóricas, diferentes e conflitantes sobre o comportamento estratégico têm sido oferecidas. Escolas de pensamento foram formadas, dedicando-se a enriquecer as respectivas teorias e a marcar a sua superioridade sobre teorias propostas por outras escolas... a proposta de Thomas Kuhn(1970) se baseia no conceito do paradigma científico. Um dos instigantes aspectos do conceito de um paradigma é que ele põe as teorias aparentemente contraditórias como complementares. Um outro aspecto, igualmente animador, é que o paradigma mostra o caminho para importantes áreas de pesquisa previamente inexploradas”. (Ansoff, 1987) “Os critérios… para um paradigma são muito exigentes, especialmente para uma área tão nova como administração e sociedade. De acordo com os pesquisadores, até as ciências sociais mais maduras, como sociologia e ciência política, carecem de certos elementos de um paradigma, especialmente sua capacidade explanatória”. (Bernstein, 1976)
Diante deste contexto, e no interesse desta dissertação vamos procurar nos
ater à maneira como os pesquisadores da ciência organizacional sustentam os
conceitos oferecidos pelas epistemologias popperiana e kuhniana, seja
interpretando suas experiências à luz destes conceitos, ou apoiando o
desenvolvimento de novas teorias e práticas organizacionais.
4.2 A Presença de Thomas Kuhn
Não obstante a diversidade de questões abordadas por estudiosos das teorias
da administração, os que recorrem à epistemologia de Thomas Kuhn em sua
grande maioria fazem referência ao paradigma kuhniano.
Começamos por citar Ansoff (1987) que recorre à teoria de Kuhn para
entender a lógica da evolução da pesquisa científica, destacando o conceito de
paradigma científico e sua evolução. Ao fazer uma breve descrição sobre algumas
teorias epistemológicas Ansoff aponta a filosofia da ciência de Kuhn como um
rico modelo explanatório acerca da evolução científica. Em seu trabalho, Ansoff
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utiliza o modelo kuhniano de progresso científico para identificar a lógica da
evolução das estratégias organizacionais e propor um novo paradigma que seja
capaz de conciliar as diferentes teorias sobre o comportamento estratégico.
“Felizmente, um quadro de referência conceitual está disponível para identificar a lógica da evolução da pesquisa. Esse quadro de referência, proposto por Thomas Kuhn (1972), se baseia no conceito do paradigma científico, e de sua evolução através do tempo. Um dos aspectos instigantes do conceito de um paradigma é que ele coloca teorias aparentemente contraditórias sob uma perspectiva comum, e frequentemente converte contradições em complementaridades. Um outro aspecto, igualmente instigante, é que o paradigma indica, antecipadamente, o caminho para importantes áreas de pesquisa ainda não exploradas”. (Ansoff, 1987, p. 501)
De acordo com Ansoff (1987), a partir da década de cinquenta o
comportamento estratégico de organizações lucrativas passa a ser objeto de
interesse científico surgindo, nesta mesma época, várias escolas (destacando a
Strategic Management Society) criadas para desenvolver estudos e analisar a
lógica que orienta o processo pelo qual uma organização se adapta ao seu
ambiente externo, ou seja, para propor teorias que melhor descrevam a forma
como se dá a formação de políticas organizacionais, também entendidas como
formulação de estratégias organizacionais.
Ansoff observa que as teorias propostas, apesar de empiricamente testadas e
exibindo algum progresso, se mostram, no conjunto, aparentemente conflitantes,
ainda que tenham como foco o mesmo problema, “... todas essas escolas parecem
estar estudando o mesmo problema. Alguns de nós chamamos esse problema de
formação de política, outros, de formulação estratégica” (Ansoff, 1987, p. 501).
Para ele, o conflito entre as diferentes escolas do comportamento
estratégico, deve-se ao fato dos proponentes observarem as organizações em
contextos ambientais diferentes. Neste sentido, fundamentado no conceito do
paradigma de Kuhn propõe um novo paradigma para o comportamento
estratégico, acreditando que com isso possa legitimar e conciliar diferentes
perspectivas teóricas no campo da estratégia organizacional.
A nosso ver esta assunção é equivocada, pois a explicitação de um
paradigma emergente não nos dá garantia alguma, como pretende Ansoff (1987,
p. 501), de que este novo quadro de referência possa legitimar e acomodar as
diferentes teorias da estratégia organizacional. Para Kuhn a transferência de
adesão de um paradigma a outro é uma experiência de conversão não
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compulsória, e não necessariamente ocorre por meio de uma lógica
verificacionista ou falsificacionista qualquer. Esta transferência de adesão pode se
dar através de técnicas de persuasão e argumentação ou ainda por fatores tais
como: preferências pessoais ou de grupo, idiossincrasias, crenças religiosas,
reputação, dentre outras questões de caráter psicológico e sociológico (Kuhn,
2006, p. 185-202). Portanto, de acordo com a filosofia kuhniana, a mera
proposição de um novo paradigma para o comportamento estratégico não
conduziria à sua adoção pelas escolas em conflito, como pretende Ansoff.
Ainda assim, Ansoff acredita na possibilidade de inspirar a criação de um
novo paradigma capaz de conciliar as diferentes teorias sobre o comportamento
estratégico. Entende que a questão crucial estaria em “Como definir os limites de
um paradigma válido?”, e apresenta a seguinte resposta: “A parte da realidade
abarcada pelo paradigma deve ser tal que a maior parte dos fenômenos dentro
desta realidade pode ser satisfatoriamente explicada dentro dos limites
demarcados pelo paradigma” (Ansoff, 1987, p. 503). Com essa resposta Ansoff
supõe ter ampliado a abrangência do conceito de paradigma proposto em Kuhn,
com o objetivo de apontar as deficiências encontradas nas principais teorias do
comportamento estratégico, ao recomendar:
“Portanto, a distinção entre uma teoria e um paradigma é que a primeira provê somente uma explicação parcial da realidade escolhida. Essa deficiência se torna evidente, na prática, sob duas condições normais: i. Quando um teste empírico da teoria é inconclusivo. ii. Quando explicações alternativas do mesmo fenômeno são oferecidas por outras teorias. Ambas as condições têm sido bem evidentes nos últimos 30 anos da pesquisa sobre o comportamento estratégico”. (Ansoff, 1987, p. 504)
Podemos notar mais uma vez um problema na compreensão do conceito do
paradigma kuhniano, considerando a simplicidade da distinção feita entre teoria e
paradigma e a conclusão prematura quanto ao caráter das diferenças conceituais
apresentadas por Ansoff, simplesmente pela referência ao que Thomas Kuhn
escreve em seu posfácio de 1969:
“Percebe-se rapidamente que na maior parte do livro o termo paradigma é usado em dois sentidos diferentes. De um lado, indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal”. (Kuhn, 2006, p. 220)
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Masterman também pontuou tais dificuldades ao observar que “sejam quais
forem os padrões sinonímicos que Kuhn tenha sido levado a estabelecer no auge
de sua argumentação, ele, na realidade, jamais equipara “paradigma” – em
nenhum dos seus principais sentidos – a teoria científica” (Lakatos & Musgrave,
1979). Diante destas considerações pode-se concluir que a diferença entre teoria e
paradigma não são tão óbvias e não pode se resumir em termos da abrangência,
como sugere Ansoff.
Ansoff (1987) recorre também ao conceito de fase pré-paradigmática,
definido em Kuhn, para justificar o desacordo entre os proponentes das diversas
teorias da estratégia organizacional. Enfatiza ainda a dimensão sociológica dada
pela epistemologia de Kuhn, quando afirma que os interesses pactuados por cada
grupo, conflitos pessoais e contendas políticas são inevitáveis, ao citar Kuhn:
“este estado de acontecimentos continua até que surja um paradigma unificador
para reconciliar e legitimar as reivindicações conflitantes” (Ansoff, 1987, p. 506).
Apesar de entender que um acordo e a opção por um paradigma dominante entre
escolas competidoras da teoria da estratégia organizacional, não se resolverá tão
cedo, sua intenção foi situar este momento vivenciado pelos teóricos do
comportamento estratégico como pré-paradigmático, e mais uma vez comete um
equívoco ao afirmar que não evoluem porque os proponentes destas teorias não
têm por objetivo chegar à “verdade comum”, ao passo que o conceito de evolução
da ciência em Kuhn seria o da evolução “a partir de” e não “em direção” a
verdade. Mais uma vez registramos a falha de Ansoff ao ignorar que a idéia
kuhniana de progresso científico não pressupõe como meta a verdade.
Para Ansoff, o estabelecimento de uma teoria dominante sobre o
comportamento organizacional só será possível através da formulação de um novo
paradigma que concilie os interesses e perspectivas particulares dos pesquisadores
mais influentes. Apoiado nesta observação parafraseia Kuhn ao citar as principais
características que um paradigma emergente do comportamento estratégico deve
apresentar:
“1. A ótica científica deveria ser multidisciplinar incluindo no mínimo as interações e influências políticas, sociológicas, psicológicas e racionalidades lógicas; 2. O ‘espaço problema’ deveria incluir a interação de comportamento estratégico com a configuração e a dinâmica da organização;
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3. A interação entre os comportamentos estratégicos e operacionais, deveria ser incluída no ‘espaço problema’, sempre que ambos coexistirem e suscitarem importantes reivindicações de recursos e esforços; 4. O processo de evolução estratégica deveria ser tratado holisticamente combinando perceber, decidir e executar; 5. A evolução deveria ser vista como um processo de feedback paralelo e mútuo. O modelo sequencial, perceber-decidir-executar deve ser tratado como um caso especial; 6. Domínios de validade deveriam ser identificados para cada modelo que é arquitetado para descrever uma atividade estratégica; O relacionamento paradigmático básico quando aplicado a todas as variedades do comportamento estratégico pode ser resumido da seguinte maneira: A evolução estratégica de uma organização é determinada pela realimentação da interação entre três forças: do ambiente, da configuração interna e da dinâmica da organização, e de suas estratégias”. (Ansoff, 1987, p. 514)
Procurando legitimar um novo paradigma acerca do comportamento
estratégico, Ansoff conclui seu trabalho com uma questão final: O que é um bom
paradigma? A resposta apresentada assemelha-se aos pressupostos do paradigma
kuhniano, ao afirmar que:
“1- Um paradigma oferece um ‘guarda-chuva científico’ sob o qual teorias anteriormente conflitantes podem coexistir e prosperar; 2- Ele reorienta as energias dos teóricos de escolas competidoras e em conflito com outros teóricos para a exploração e enriquecimento mútuo; 3- A perspectiva paradigmática tipicamente estimula novas saídas teoréticas; 4- Um paradigma define o domínio da aplicação das respectivas teorias; 5- Como conseqüência, um paradigma define as condições sob as quais prescrições normativas baseadas em seus respectivos modelos teoréticos poderiam ser usadas na prática”. (Ansoff, 1987, p. 514)
Aproximadamente nove anos antes da publicação do trabalho de Ansoff
(1987), Behling já indicava a existência de problemas decorrentes da interpretação
indevida do paradigma kuhniano. No artigo “Some Problems in the Philosophy of
Science of Organizations”, publicado em 1978, chama a atenção para a
diversidade de sentidos deste conceito, e observa que o paradigma era citado
independente de uma compreensão clara de seus diversos significados ou das
implicações de suas diferentes definições, comumente utilizadas pelos
pesquisadores da ciência organizacional (Behling,1978, p.193).
Behling aponta tais dificuldades ao divergir das observações de Shapere e
Masterman quanto aos diferentes e inconsistentes sentidos que Kuhn conferiu ao
paradigma afirmando que: “Kuhn usa ‘paradigma’ de uma maneira diferente e
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inconsistente; Masterman identifica 21 sentidos nos quais Kuhn usa o termo, que
não são mutuamente exclusivos e que pertencem a três categorias” (Behling,
1978, p. 193).
O paradigma kuhniano, de acordo com Behling poderia assumir três
possíveis categorias de sentido: os metaparadigmas, paradigmas sociológicos e
paradigmas de artefato ou de construção. Explica que no caso do primeiro sentido,
Kuhn usa o termo paradigma para designar o que ele chamou de metaparadigmas,
por entender que eles se referem mais às ‘visões de mundo metafísicas’ dos
cientistas do que à ciência em si mesma, e oferece como “exemplos de tais
aplicações do termo: um conjunto de crenças, um mito, uma nova maneira de ver,
um princípio organizador governando a percepção, e um mapa” (Behling, 1978, p.
194).
No segundo sentido, Behling entende que Kuhn utiliza o termo paradigma
fazendo referência ao que Masterman chama de paradigmas sociológicos: alguns
exemplos aceitos da real prática científica – exemplos que incluem leis, teoria,
aplicação e instrumentação, modelos estes, que contribuem para o nascimento de
tradições de pesquisa científica, particulares e coerentes (Masterman, 1970, pp.
10-11).
O terceiro sentido, pretendido por Kuhn, de acordo com Behling seria o
que Masterman designou como artefato ou paradigmas de construtos, ao fazer
referência a: “alguma habilidade ou técnica embrionária, ou desenho, e um insight
que é aplicável na sua área. Esta habilidade mais este insight, juntos constituem o
paradigma” (Masterman, 1970, p.69). Nesse sentido, o termo pode referir-se a
coisas tão concretas e limitadas como instrumentos ou livros didáticos clássicos,
ou, mais abstratamente, as analogias ou figuras de “gestalt” (Behling, 1978, p.
194).
Cabe aqui uma observação sobre a natureza do paradigma proposta em
Masterman e indicada por Behling, quando o próprio Kuhn, em sua réplica a
Masterman, admite apenas duas alternativas de sentidos possíveis para o termo
paradigma, uma que ele chama de “sociológico” e a outra que define o
“paradigma enquanto exemplos compartilhados” (Kuhn, 2006, p. 220-222).
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Behling além de perceber a relevância dos diferentes sentidos do paradigma
kuhniano, procura também esclarecer o que eles não significam, citando as
ponderações de Masterman:
“É importante ressaltar também que, quaisquer padrões-sinonímicos que Kuhn possa ter apresentado no calor de seus argumentos, ele nunca, de fato, iguala ‘paradigma’ em nenhum dos seus muitos sentidos com ‘teoria científica’. Porque para ele metaparadigma é algo muito mais amplo e ideologicamente anterior à teoria; por exemplo, uma visão de mundo. O seu paradigma sociológico... é também anterior à teoria, desde que é alguma coisa concreta e observável: por exemplo, um conjunto de hábitos. E seu paradigma de construto é menos que uma teoria, uma vez que pode ser alguma coisa tão teoricamente pequena como um simples pedaço de um artefato: por exemplo, qualquer coisa que possa motivar a ocorrência de um quebra-cabeça real”. (Masterman, 1970)
Para Behling é importante entender toda esta diversidade de sentidos por
considerar que o termo paradigma amplamente usado na área dos estudos
organizacionais (Organizational Studies - OS), carece da clara compreensão de
seus múltiplos sentidos, para que possa ampliar o entendimento dos sucessos e
falhas neste campo de estudos, neste entendimento apresenta a definição atribuída
ao termo “paradigma” por Pondy e Boje: “O termo ‘paradigma’ é usado, segundo
Thomas Kuhn, para se referir aos métodos, teorias, exemplares e visões de mundo
de uma subcomunidade científica particular” (Pondy e Boje, 1975, p.1). Usam o
termo como alguma coisa mais abstrata do que um modelo totalmente explicitado,
embora mais concreto e facilmente externalizado do que o metaparadigma
identificado em Masterman. A intenção de Behling não é negar a existência
destas teorias implícitas, mas sim mostrar como estas teorias diferem dos
metaparadigmas e paradigmas de artefato, na medida em que podem ser tidas
como um meio termo entre estes conceitos. Segundo este entendimento este tipo
de teorias se orientam a partir dos paradigmas de artefatos, e com o apoio das
teorias se movimentando na direção dos metaparadigmas, um esforço que de
acordo com Behling, leva ao aumento de:
“1. Ausência de Abstração – As proposições que compõem o quadro de referência lidam menos com eventos reais e objetos e mais com construtos representados por classes e grupos de eventos e objetos. 2. Escopo – O número ou tipos de fenômenos de experiências materiais para explicar, dentro de um parcimonioso conjunto de proposições crescentes. 3. Limitações na externabilidade – Isto torna mais difícil para o proponente do quadro de referência apresentá-lo sob formas que permitam um exame objetivo”. (Behling, 1978, p.194)
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Com esta comparação Behling apresenta o entendimento de Merton (1957)
quanto à possibilidade da classificação da “teoria” em duas subcategorias. A
primeira conceitualmente próxima aos paradigmas de artefato de Masterman,
descrita em Merton como teorias logicamente interconectadas que são limitadas e
modestas em seu escopo, sendo tidas como teorias de abrangência mediana para
teorias intermediárias, hipóteses de menor relevância que compreendem a maior
parte das rotinas diárias da pesquisa, e as especulações que comprometem um
‘esquema conceitual mestre’”. (Merton, 1957, p. 5-6). A segunda categoria
chamada por Merton de “esquemas conceituais mestre” são entendidas por
Behling como conceitualmente próximos aos metaparadigmas de Kuhn e
Masterman. Em Behling tais diferenças são cruciais para fundamentar o
entendimento das pesquisas na ciência organizacional e devem ser consideradas
além da mera semântica. O problema causado pela confusão entre os
metaparadigmas de Kuhn, e as teorias de abragência média e os esquemas
conceituais mestres, além de tornar a comunicação entre os defensores de
diferentes teorias organizacionais, mais difícil, pode conduzir a conclusões
equivocadas2, como observamos anteriormente no trabalho de Ansoff.
A exemplo de Ansoff, Jones (1983) recorre ao paradigma kuhniano para
falar sobre a inexistência de consenso em torno da disciplina de Negócios e
Sociedade, começando por citar as diversas denominações utilizadas para designá-
la, tais como: “Negócios e seus Ambientes”, “Negócios, Governo, e Sociedade”, e
“Negócios e Políticas Públicas”. Jones afirma que apesar deste campo de estudos
dispor de literatura significativa, acadêmicos comprometidos com pesquisas nesta
área da ciência organizacional sentem falta de uma teoria ou um paradigma
unificador. Ilustra seu ponto de vista pela citação feita ao trabalho de Lee Preston
(1975) “Corporations e Society: The Search for a Paradigm”.
Jones comenta a ausência de definição precisa para o termo “paradigma” e
tomando como referência “The Structure of Scientific Revolutions” (Kuhn, 1970)
resume o extenso discurso em torno do termo conferindo três características
descritivas ao paradigma: 1- tem a capacidade de unificar e integrar uma
2 Para maiores detalhes sobre as diversas classificações do quadro de referência conceitual
no estudo das organizações ver Behling, O. (1978, p.195-199) e Koontz, Harold. The Management
Theory Jungle, Academy of Management Journal, v. 4, p.174-188, 1961.
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disciplina; 2- oferece uma substancial ortodoxia aos parâmetros básicos da
pesquisa – teoria, métodos, e valores; 3- apresenta capacidade preditiva e
explanatória (Jones, 1983).
Segundo Jones a área de negócios e sociedade, tem sido constituída a
revelia desses critérios. Reforça este ponto de vista ao citar alguns autores como
Preston (1975), Cheit (1978) e Post (1982), que também se ressentem da ausência
de um mecanismo de integração capaz de nortear suas pesquisas. Jones expõe a
maneira como as pesquisas nesta área de estudo carecem de sistematização e
normatização, comparando com os critérios estabelecidos pelo paradigma
kuhniano, ao citar a forma como vêm se desenvolvendo:
“1- teorias emprestadas de diversas disciplinas como as ciências econômicas e políticas, sociologia, teoria da organização e lei; 2- uma atordoante variedade de abordagens metodológicas para problemas de pesquisa; 3- uma significativa diversidade de valores”. (Jones, 1983, p. 559)
A partir destas observações conclui que o campo de estudos de Negócios e
Sociedade para se desenvolver deve adotar um modelo paradigmático, embora
reconheça a dificuldade desta empresa de acordo com a filosofia kuhniana,
acreditando que será improvável, num futuro próximo, a emergência de um
paradigma na área de Negócios e Sociedade.
Jones concorda ao mesmo tempo com a observação de Bernstein (1976) ao
afiançar que mesmo as ciências maduras como a sociologia e a ciência políticas
carecem de certos elementos do paradigma, mais notadamente de sua capacidade
explanatória. Reconhece que as pesquisas sobre negócios e sociedade são
recentes, momento segundo ele, que se assemelha à fase pré-paradigmática
identificada em Kuhn. Assim como Ansoff (1987), Jones conclui pela aceitação
dessa substancial diversidade de teorias, métodos e valores no campo de estudo de
negócios e sociedade. Contudo, propõe um modelo com o qual acredita estar
contribuindo para unificar ou integrar a pesquisa sobre este tema, que ele define
como:
“...um modelo geral, de alto-nível que descreva os relacionamentos dos vários assuntos neste campo; e mostre como as partes se ajustam, refutando a noção que este campo de estudo não é nada mais que uma coleção de tópicos fracamente relacionados”3. (Jones, 1983, p.560)
3 Para maiores detalhes do modelo proposto por Jones para integração das pesquisas da disciplina de Negócios e Sociedade ver JONES, T. A. An Integrating Framework for Research in Business
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A pretensão do trabalho apresentado por Jones, seria propor o controle
social dos negócios como uma preocupação dominante deste campo de estudo, e
acredita que seu modelo pode auxiliar na busca por um padrão básico capaz de
contribuir para a formulação de um paradigma para esta área da ciência
organizacional. Portanto, podemos registrar outra percepção equivocada da
epistemologia kuhniana, pois sendo o paradigma um modelo que assegura o
controle de um campo de estudo por comunidade científica particular, seria bem
improvável que a adoção de um paradigma dominante pelos pesquisadores da área
de Negócios e Sociedade, tivesse como objetivo a transferência de autoridade para
qualquer outro grupo externo a esta comunidade.
Outra controvérsia quanto à compreensão do paradigma ficou evidenciada
pelas críticas feitas por Cannella e Paetzold (1994) ao trabalho de Pfeffer (1993),
que atestam o problema de má interpretação do paradigma kuhniano, não
aceitando o ponto de vista de Pfeffer, ao escrever:
“Na nossa visão, Pfeffer argumenta sobre um paradigma que não podemos admitir, um paradigma implicando relacionamentos lineares de causa-efeito, a acumulação linear de conhecimento, certeza tecnológica e, consequentemente, um alto grau de consenso”. (Cannella e Paetzold, 1994, p.332)
Cannella e Paetzold (1994) fizeram duras críticas às idéias de Pfeffer (1993)
apresentadas no artigo “Barriers to the Advance of Organizational Science:
Paradigm Development as a Dependent Variable”, cujos pressupostos podem ser
resumidos em três tópicos fundamentais:
- o controle das publicações acadêmicas, em especial das ciências da
administração, deve ser mantido por uma elite acadêmica.
- este pequeno grupo de pesquisadores devem se empenhar para obter
consenso e impor um paradigma dominante aos demais pesquisadores ainda que
estes tenham idéias divergentes.
- tanto os pesquisadores organizacionais quanto os estudos organizacionais
em geral, irão desfrutar de inúmeros benefícios, pela imposição de consenso e
and Society: A Step toward the Elusive Paradigm?. The Academy of Management Review, v. 8, n. 4, p. 560-563, 1983.
71
pela adoção de um paradigma dominante, que conduzirão ao progresso da ciência
organizacional.
Segundo Cannella e Paetzold (1994) tais pressupostos são
fundamentalmente equivocados e por meio da revisão dos aspectos essenciais da
epistemologia de Kuhn, como o papel da sociologia na construção e
desenvolvimento do conhecimento científico, e em particular da ciência
organizacional, eles pretendem esclarecer a maior parte destes equívocos.
Cannella e Paetzold (1994), a exemplo de Kuhn, acreditam que todo o
conhecimento é construído socialmente, afirmando ser essa a principal conclusão
da filosofia kuhniana. Fazem, ainda, alusão à crítica4 impressa na contracapa do
livro “The Structure of Scientific Revolutions” (1970), apresentada pela revista
Science ao dizer que Kuhn consegue com facilidade questionar a perspectiva de
uma visão da ciência estritamente empírica cujo objetivo de progresso seria
alcançar a verdade. De acordo com a crítica, Kuhn constrói uma estrutura na qual
a ciência é fortemente influenciada por procedimentos não-racionais, onde novas
teorias são tidas como mais complexas que suas antecessoras, mas não
necessariamente melhores ou mais verdadeiras que suas antecessoras. Cannella e
Paetzold (1994) aceitam esta perspectiva questionável do progresso científico
estendendo esta observação para o campo da ciência organizacional ao afirmarem
que:
“...pelo fato de não sermos capazes de determinar quanto nossas teorias representam a verdade absoluta, também não podemos avaliar paradigmas de modo que nos permita saber qual deles poderia merecer uma posição dominante na ciência organizacional”. (Cannella e Paetzold, 1994, p. 332)
Canella e Paetzold (1994) concordam com este ponto de vista, pela citação
a Astley: “Ciência não é uma marcha magnífica em direção a verdade absoluta,
mas uma luta social entre acadêmicos de uma profissão para construir a verdade.”
(Astley, 1985). Entretanto, questionam, a exemplo de Feyerabend (1983), a
existência de uma “ciência normal”, conforme descrita por Kuhn. Questionam
4 Transcrição original da crítica citada por Cannella e Paetzold (1994) “Its author, Thomas S. Kuhn, wastes little time on demolishing the logical empiricist view of science as an objective progression toward the truth. Instead, he erects from ground up a structure in which science is seen to be heavily influenced by nonrational procedures, and in which new theories are viewed as being more complex than those they usurp but not as standing any closer to the truth.”
72
também quão incerta pode ser a extensão dos períodos em que a ciência normal
foi realmente praticada, e a validade desta prática para o evolução da ciência, ao
citar que:
“…a ‘ciência normal’ de Kuhn poderia ter sido imposta em períodos de atividade científica onde não foi identificada a noção de revolução científica de Kuhn; ele observou à descoberta científica a partir de um ponto favorável tão distante que ocorreram atenuações históricas consideráveis, razão pela qual a ciência normal – tipo de períodos sem desafios constantes e importantes entre escolas competidoras, pode ser questionável.” (Cannella e Paetzold, 1994, p. 334)
Além disso, Cannella e Paetzold acreditam no conhecimento socialmente
construído, ao propor que os paradigmas são uma parte importante da sociologia
da ciência, entretanto os paradigmas competidores não deveriam ser ignorados
(Cannella e Paetzold, 1994, p.333). Não aceitam, porém, a idéia dos responsáveis
pelo controle dos financiamentos de pesquisa sustentarem uma visão
paradigmática, como pretende Pfeffer. Para eles a aprendizagem de um paradigma
leva os pesquisadores à aquisição de uma teoria, métodos e padrões para analisar e
julgar os resultados dentro do campo de estudo do paradigma, mas a exemplo de
Kuhn acreditam que o conflito entre escolas competidoras é necessário para que
um paradigma emergente conduza ao reexame completo da ciência. Como Kuhn,
entendem que cada grupo de pesquisadores utiliza seu paradigma para argumentar
e defender sua própria estrutura paradigmática gerando uma circularidade de
argumento que nem sempre lhes é visível. Entretanto não acreditam que esta
circularidade torna a argumentação ineficaz contanto que ela seja persuasiva, e
como Kuhn assinalam que nem a lógica nem o experimento sozinhos podem
resolver o conflito entre paradigmas.
Cannella e Paetzold evidenciam ainda o problema de entendimento do
termo “paradigma” quando afirmam que a posição das pessoas com relação ao
paradigma se torna mais clara quando ele ou ela usa o termo, assim como se usa o
termo conhecimento, como se todos os leitores lhes atribuíssem, implicitamente,
um mesmo significado (Cannella e Paetzold, 1994, p. 333). Para Cannella e
Paetzold, a argumentação de Pfeffer (1993) sobre o desenvolvimento do
conhecimento, não somente admite a linearidade da acumulação do conhecimento,
mas assume também que todos os cientistas organizacionais concordam com uma
definição única para o que vem a ser conhecimento. Assim sendo, para Pfeffer
(1993), a evolução do conhecimento só pode ocorrer nos períodos da ciência
73
normal, períodos estes caracterizados pela adesão da comunidade científica a um
paradigma. Os autores sugerem que esta visão de conhecimento e de ciência
normal representa uma interpretação equivocada da epistemologia de Kuhn
(1970). Entendem que na filosofia da ciência de Kuhn o conceito da ciência
normal emergiu de registros históricos da atividade de pesquisa científica, que a
caracteriza como altamente diretiva e orientada pelo paradigma, na medida em
que os pesquisadores sabem o que querem demonstrar e projetam instrumento
para apoiar seus objetivos (Kuhn, 1970). Cannella e Paetzold defendem a idéia,
presente em Kuhn, do progresso da ciência ocorrer por meio de revoluções, e ao
citarem Feyerabend reiteram esta crença, afirmando que grandes avanços
científicos se devem às interferências externas que são feitas para prevalecer em
face das regras metodológicas mais básicas e mais “racionais” (Cannella e
Paetzold , 1994, p. 162).
Julgam, assim, ter apresentado um bom motivo pelo qual métodos e regras,
num dado momento, devem ser quebrados para que a ciência progrida,
evidenciando a impossibilidade das conclusões de Pfeffer (1993), ao assumir que
o desenvolvimento do conhecimento da ciência organizacional, só é possível
através da existência de um paradigma dominante associado a alto grau de
consenso e certeza tecnológica. Cannella e Paetzold contestam esta restrita visão
de Pfeffer ao assegurarem que mudanças revolucionárias em ambientes
organizacionais, quando reavaliadas por grupos com alto nível de consenso e que
compartilham o mesmo paradigma, resultariam na manutenção do paradigma
dominante.
Outro ponto de discordância com Pfeffer surge quando em seu artigo de
1993, ele faz distinção entre ciências naturais e humanas, onde compara a ciência
organizacional com a física e afirma a inferioridade da primeira em relação à
segunda. Cannella e Paetzold (1994, p. 334) entendem que esta comparação e a
certeza de Pfeffer com relação à idéia de um paradigma dominante, colocam a
ciência organizacional em uma perigosa dicotomia epistemológica. Segundo
Cannella e Paetzold, para evitar problemas das ciências humanas, tais como a
dificuldade em se obter financiamentos, os pesquisadores da ciência
organizacional são reticentes quanto à incorporação de métodos provenientes das
artes ou das ciências humanas, aproximando a ciência organizacional das ciências
naturais (altamente quantificáveis). Cannella e Paetzold argumentam que esta
74
dicotomia entre ciência e arte é falsa e ultrapassada. Acreditam que tanto as artes
como as ciências são construídas socialmente, e que a ciência é apenas mais uma
ideologia e que nenhuma metodologia científica pode separar ciência da arte ou de
outra ideologia qualquer (Cannella e Paetzold, 1994, p. 335). Entendem que uma
teoria só pode ser justificada (ou glorificada) pela comparação com outras teorias
ou pontos de vista, e concluem que as ciências físicas são limitadas pelo fato de
não observarem este pluralismo. Ainda assim, reconhecem a hegemonia das
ciências naturais conferida pela sociedade atual, e entendem que essa tendência
teve início com os movimentos em direção à quantificação e ao desenvolvimento
de metodologias estatísticas que acompanharam e influenciaram as metodologias
científicas, e reforçam essa tendência ao citar Feyerabend:
“... no início, os cientistas podem ter tomado decisões preocupados com as questões das políticas sociais; hoje, os cientistas têm se tornado diretamente responsáveis pelo controle econômico, político e social”. (Feyerabend, 1983)
Pfeffer (1993), de acordo com Cannella e Paetzold (1994), parece aceitar
este nível de controle sobre as ciências naturais como uma medida importante do
avanço destas ciências, além de argumentar que os cientistas organizacionais
deveriam imitar os físicos para alcançar os mesmos resultados. Cannella e
Paetzold não concordam com esta afirmativa e usam a própria alegação de Pfeffer
quanto à novidade deste campo de estudos para mostrar a inadequação de suas
idéias.
“Ciência organizacional é uma disciplina relativamente nova. Seus acadêmicos continuam a retratá-la a partir de uma variedade de disciplinas, com fronteiras indefinidas, de acordo com Pfeffer”. (Pfeffer, 1993, p. 336)
Segundo Cannella e Paetzold (1994), a ciência organizacional se encontra
na fase pré-paradigmática. Para que surja um paradigma dominante, recomendam,
então, a incorporação e aprovação de todas as concepções de conhecimento
compreendidas em diferentes disciplinas que irão apoiar a construção de uma
visão unificada desta área de conhecimento. Segundo eles, não se trata de aderir
ao “anything goes”, em clara alusão aos temores de Pfeffer (1993). Concordam
com o espírito de abertura e defendem diálogo contínuo, segundo eles, essencial à
promoção das teorias, métodos e paradigmas. Consideram legítimas as pesquisas
que seguem coerentemente suas premissas e comunicam claramente seus
75
objetivos, descobertas e cujas limitações são admitidas em público. Assim sendo,
não concordam que a legitimidade da ciência organizacional derive da aprovação
por uma elite acadêmica, ou pela obtenção de consenso quanto as suas
perspectivas. Por isso, Cannella e Paetzold discutem ainda o significado do termo
“consenso”, tido em Pfeffer (1983) como a ausência (para os observadores
externos) de discordância visível, sugerindo que aqueles que divergem dos
caminhos estabelecidos deveriam ser relegados ao ostracismo. Para Cannella e
Paetzold (1994, p. 336) ignorar mais de meio século de pesquisa sobre a ciência
organizacional e ignorar as divergências entre os pesquisadores não resolve o
problema dos desacordos observados neste campo de estudos. Acreditam, ao
contrário de Pfeffer (1983), que o alto nível de consenso oferece pouco conforto
aos pesquisadores que crêem num conhecimento socialmente construído, levando
estes pesquisadores à paralisação quando inseridos neste contexto. Além disso, a
conformidade com um paradigma central, segundo os autores, exigirá que o
treinamento tanto dos pesquisadores quanto dos estudantes os conduza a ignorar
qualquer trabalho divergente do paradigma dominante. Cannella e Paetzold
distinguem como outra provável consequência da adoção de um paradigma
dominante, a acomodação dos acadêmicos já estabelecidos, situação que pode
gerar resistência ao ingresso de novos pesquisadores, e, por conseguinte, restringir
o número de soluções inovadoras.
Para Cannella e Paetzold (1994, p. 338) a proposta de Pfeffer (1983) em
defesa de uma hierarquia da ciência organizacional, associada a um sistema de
elites provenientes das melhores escolas levaria à tirania das elites, que iriam
proteger suas posições pela negação de evidências que desafiassem suas visões e
credibilidade, toda vez que fossem questionadas por aqueles que não podem
controlar. Portanto, Cannella e Paetzold (1994) em posição diametralmente oposta
as idéias de Pfeffer (1983), concluem que os pesquisadores que desafiam as visões
dominantes contribuem para um diálogo contínuo, condição essencial para a
evolução do conhecimento da ciência organizacional, não aceitando assim a idéia
de um paradigma dominante para a ciência organizacional.
Como destacamos anteriormente, outra importante área problematizada pela
literatura da administração, diz respeito à formulação de uma teoria capaz de
apoiar a gestão do conhecimento organizacional. Dalmaris et al (2007a) ratificam
este interesse, além de propor o relacionamento entre a teoria do conhecimento de
76
Popper e a disciplina de “Knowledge Management” (Gestão do Conhecimento),
afirmando que esta área carece de um claro e consistente entendimento sobre a
natureza do conhecimento.
Dalmaris et al, tomando como exemplo o trabalho de Lang (2001),
concordam com a inadequação do conceito de gestão do conhecimento, tido como
gestão da informação, Dalmaris cita ainda a referência feita por Lang aos
trabalhos de Popper e Kuhn (Lang, 2001, p. 44-45), na tentativa de obter uma
fundamentação epistemológica sobre a natureza do conhecimento.
De acordo com Lang (2001, p.43) a indústria da tecnologia da informação
seria a principal responsável pela simplificação do processo de criação e utilização
do conhecimento organizacional, induzindo os gestores a uma percepção
equivocada sobre o que significa gestão do conhecimento organizacional, ao
oferecer através de taxonomias dualísticas, classificações como: público versus
privado, hard versus soft ou tácito versus explícito, distorcem a verdadeira
percepção sobre a natureza do conhecimento organizacional e a maneira como
deve ser construído e utilizado pelos gestores do conhecimento. Visando
esclarecer este impasse propõe a seguinte questão: Pode-se realmente gerenciar
alguma coisa vaga e intangível como o conhecimento? (Lang, 2001, p. 43).
Para Lang a nova economia surge com o aumento da especialização do
trabalho resultante da integração deste conhecimento especializado às atividades
desempenhadas pelas organizações. Deste modo, a manutenção da economia
baseada no conhecimento depende de que cada organização continue
incorporando este conhecimento especializado às atividades habituais. Outra
importante característica da economia do conhecimento, indicada em Lang, é a
transferência do principal meio de produção, o conhecimento da organização, para
seus colaboradores (trabalhadores do conhecimento)5. Segundo Lang, este
trabalhador especializado irá determinar o tipo de contribuição e produção,
proveniente de seu conhecimento, que será capaz de oferecer a organização. Neste
momento, recorre a Kuhn (1970), ao advertir que mudanças radicais, responsáveis
por afetar mais profundamente um corpo de conhecimento organizacional,
geralmente não emergem de seu próprio domínio de conhecimento, terminando
5 Por trabalhador do conhecimento entende-se todo o profissional que utiliza a informação
como insumo, combina-a com seu conhecimento individual para gerar nova informação como produto de sua atividade. Este termo foi cunhado por Peter Drucker em 1993.
77
por sugerir que os trabalhadores do conhecimento devem procurar adquirir novos
conhecimentos a cada quatro ou cinco anos.
Consideramos a inadequação das alegações feitas por Lang, tanto em
termos conceituais quanto em relação às suas conclusões. A nosso ver a premissa
central da teoria de Kuhn (1970) sobre as revoluções científicas é de que são
episódios raros. Assim sendo, qualquer prescrição temporal visando à aquisição
de novos conhecimentos em função da adoção de um novo paradigma, não se
justifica a partir da teoria kuhniana. Procura ainda mostrar que a construção do
conhecimento se dá através da interação social, mas em momento algum Lang
menciona as considerações de Kuhn (2006) sobre a relevância da comunidade
científica, dos compromissos e dos exemplos compartilhados pelo grupo
dominante.
Lang (2001) entende que o conhecimento é construído em comunidades, e
se aproxima de Berger e Luckmann (1966) quando defendem a construção social
da realidade abalizada por pressupostos, expectativas e experiências anteriores.
Para Lang o conhecimento se baseia na crença adquirida, que não é
necessariamente, correta. Observa ainda, de forma implícita, a questão da
verificação de teorias pelo método da falseabilidade de Popper (1972), afirmando
que o conhecimento pode ser avaliado quanto à sua coerência interna e não
necessariamente pela sua correspondência com a realidade.
Portanto a conciliação, admitida em Lang, entre as epistemologias de
Popper (1972) e Kuhn (1970) visando obter fundamentação epistemológica e
concordância quanto à natureza do conhecimento, nos parece equivocada.
Ao sugerir que a evolução do conhecimento ocorre por meio de mudanças,
de forma muito simplificada Lang (2001) tenta transpor a tese kuhniana sobre a
evolução do conhecimento científico para a evolução do conhecimento
organizacional, ao concluir que o principal objetivo da gestão do conhecimento
organizacional seria facilitar o fluxo de comunicação entre as pessoas para
compartilhar habilidades e conhecimento, de forma a possibilitar a criação de
novos conhecimentos. Entende-se, entretanto, que a gestão do conhecimento nas
organizações engloba objetivos mais amplos do que estes apontados em Lang,
podendo ser entendida como uma disciplina que tem como premissas básicas
projetar e implementar um sistema cujos objetivos incluem identificar, captar e
78
compartilhar sistematicamente o conhecimento contido em uma organização, de
modo tal que possa ser convertido em valor para a mesma.
Rommel e Christiaens no artigo “Beyond the Pardigm Clashes in Public
Administration”, publicado em 2006, também ilustraram de forma exemplar o
problema do entendimento e a aplicação do paradigma kuhniano no campo da
ciência organizacional. Assinalam o conflito entre paradigmas na administração
pública ao resumir de forma precisa as questões centrais da epistemologia de
Kuhn, como se segue:
“Embora Kuhn não seja o único autor a escrever sobre esse tema, é definitivamente o mais conhecido. A sua contestação é que a ciência não progride através de acumulação. Mais exatamente, ocorre uma série de revoluções destruidoras das tradições. Ele asseverou que a ciência se desenvolve através de diferentes caminhos. No período de ciência normal, pesquisadores refinam e expandem o paradigma por meio de soluções de quebra-cabeças. Paradigmas são ‘pressupostos universalmente reconhecidos que, por um tempo, fornecem problemas modelos a uma comunidade de praticantes’ (Kuhn, 1970). Paradigmas concorrentes se distinguem em termos de pressuposições filosóficas, metas e métodos que cada um traz. Eles têm um papel crucial em prescrever as normas e regras que guiam pesquisas mais avançadas. Em certo momento, os cientistas encontram fatos inesperados que não podem ser integrados ao paradigma dominante. Após um período pré-paradigmático, caracterizado por debates profundos entre diversas escolas, um novo paradigma vem à tona, com um novo vocabulário e novos conceitos, necessário para analisar novos fatos. Esse novo paradigma não é um caso especial do antigo paradigma, ele é ‘não só incompatível, como também frequentemente incomensurável com o paradigma anterior’ (Kuhn, 1970, p.103). Quadros de referência científicos rivais são incomensuráveis se nenhum deles pode ser completamente traduzido no vocabulário do outro. Paradigmas concorrentes são mundos diferentes e vêem coisas diferentes. Depois da mudança revolucionária, um novo período de ciência normal começa a refinar o novo paradigma, que é substancialmente diferente da ciência normal que precedeu o paradigma anterior”. (Rommel e Christiaens 2006, p.611)
Neste trabalho, Rommel e Christiaens (2006, p.611) apresentam uma
expressiva lista de pesquisadores que debatem a questão da administração pública
sob a perspectiva do paradigma kuhniano, incluindo Aucoin (1995), Barzelay
(1992), Behn (2001), Borins (1999), Cheung (2005), Holmes & Shand (1995),
Hughes (2003), Mathiasen (1999), Osborne & Gaebler (1992).
Para Rommel e Christiaens estes pesquisadores propõem uma mudança
radical, conduzida por uma mudança revolucionária do paradigma, no que diz
respeito aos pressupostos tradicionais da administração pública, hoje
fundamentados na ciência política e considerados ineficientes (ex. baixo
79
desempenho dos governantes). Em oposição aos pressupostos tradicionais,
pretendem se espelhar no setor privado, fundamentado em conjecturas
econômicas e norteado pela lógica de mercado, objetivando desenvolver teorias
organizacionais mais adequadas ao desenvolvimento do setor público. Afirmam
que estas mudanças estão sendo observadas em vários países, pela citação da
OECD6 (Organisation for Economic Co-operation and Development), quando diz
que um novo paradigma para a administração pública vem emergindo, com o
propósito de fomentar uma cultura orientada ao desempenho, em um setor público
menos centralizado (OECD, 1995, p. 8).
Ao examinar as propostas destes pesquisadores Rommel e Christiaens
notam problemas de entendimento e aplicação do paradigma, ao mencionar que a
maioria dos teóricos da administração pública enfatiza as diferenças entre a nova e
a velha administração, ignorando características essenciais do paradigma
kuhniano, ao relatarem:
“A reivindicação do paradigma é feita surpreendentemente rápido. Embora muitos autores citem o trabalho de Kuhn e reivindiquem a utilização de seu conceito, apenas poucos parecem ter realmente lido com cuidado o trabalho de Kuhn. Tem-se a impressão de que nunca usaram um quadro de referência sistemático para analisar se alguém pode realmente falar sobre um paradigma, nem aplicam o quadro de referência de Kuhn às suas próprias argumentações”. (Rommel e Christiaens, 2006, p.612)
Portanto, neste sentido eles acreditam que embora muitos enfatizem as
diferenças entre uma administração antiga e a nova administração, poucos olham
para a convergência da literatura, muito menos para a consistência da nova
administração pública ou de sua capacidade de solucionar problemas, que para
eles seriam as três características essenciais do paradigma de Kuhn.
Rommel e Christiaens (2006) também advertem sobre o problema de
entendimento, demonstrado por alguns teóricos da administração, que costumam
estabelecer uma similaridade entre teoria e paradigma, além de confundir as
mudanças de práticas da gestão pública com mudanças paradigmáticas.
6 A OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, fundada em 1948
é uma organização internacional, formada por trinta países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado. A maior parte dos membros da OCDE é composta por países economicamente desenvolvidos com um elevado índice de desenvolvimento humano (IDH). Informações detalhadas sobre países membros no site http://www.oecd.org.
80
Confirmam esta convicção ao observer a ausência de questões epistemológicas
relevantes na administração pública:
“... nós não encontramos nenhum autor que mencione ter criado um novo tipo de método de pesquisa para a administração pública, ou como estes métodos estão sendo modificados em função da Nova Administração Pública (NPM), ou porque estes métodos não são úteis à administração pública tradicional”. (Rommel e Christiaens, 2006, p.612)
Segundo, Rommel e Christiaens muitos destes pesquisadores não entendem a
diferença entre mudança teorética e mudança paradigmática, quando escrevem:
“Além disso, estes autores, na maioria, estão falando sobre mudanças na prática, enquanto os paradigmas falam sobre ciência e pesquisa. Ainda que muitos governos se organizassem de maneira diferente da tradicional, isso não implica que a pesquisa tenha de fazer à mesma mudança. Hughes (2003), como defensor incondicional da idéia de que a administração pública é um paradigma kuhniano, argumenta que existe uma convergência com a teoria. Entretanto, mudança teórica não é a mesma coisa que mudança paradigmática”. (Rommel e Christiaens, 2006, p.612)
4.3 A Relevância de Karl Popper
No capítulo anterior apresentamos a maneira como alguns pesquisadores da
administração têm mencionado e utilizado o modelo epistemológico de Thomas
Kuhn, pretendemos agora prosseguir em nossa pesquisa na intenção de verificar
em que sentido a filosofia da ciência de Popper tem contribuído para o
desenvolvimento dos estudos organizacionais.
Em artigo recente, denominado de “Want Better Business Theories? Maybe
Karl Popper Has the Answer ”, Shareef (2007) sugere como a filosofia da ciência
seria capaz de mudar a cultura das escolas de negócio tendo como fonte de
inspiração a metodologia crítica de Popper, e recomenda a revisão do modelo
paradigmático tido como prática da ciência normal em Kuhn. Para este autor tal
perspectiva poderia mitigar problemas de crise no ensino das escolas de pós-
graduação em negócios, assim como oferecer inspiração à formulação de novas
teorias mais adequadas às exigências gerenciais das organizações
contemporâneas. Cabe aqui ressaltar a justificativa dada por Shareef à tese supra
citada.
“Essa posição é baseada na literatura publicada, nas tendências contemporâneas da teoria da administração, e no ensino de cursos de pós-graduação em ciências da administração. Eu também sugiro que, se tal
81
transição não ocorrer, os programas de MBA vão continuar a perder tanto sua legitimidade social quanto organizacional”. (Shareef, 2007, p. 272)
Este depoimento explica porque a tese de que o interesse e aplicação da
epistemologia de Popper pelas ciências da administração são genuínos e têm se
confirmado em publicações recentes.
Shareef, baseado nos artigos de Ghoshal (2005), Mitroff e Swanson (2004)
questiona a ascendência da teoria da agência7 (instituída pela Escola de Negócios
de Chicago e disseminada pelos cursos de pós-graduação), julgando esta situação
prejudicial às teorias científicas da administração, e responsável por comprometer
a legitimidade das escolas de pós-graduação em negócios, quando escreve:
“Ghostal primeiramente dirige o seu ataque no efeito destrutivo da teoria da agência no curso de MBA da ‘Chicago School of Economics’. Ele corretamente afirma que a teoria da agência relacionada com os modelos do comportamento humano (exemplo: racional, auto-centrado...) e do comportamento corporativo (exemplo: o objetivo fundamental da empresa é maximizar o valor de acionistas) conduziu a formulação de teorias da administração pseudocientíficas, práticas de administração ineficientes, e decisões administrativas antiéticas. Como resultado, a legitimidade institucional das escolas de graduação de negócios e a influência da teoria da administração na pesquisa, foram severamente comprometidas. Assim como Ghoshal, Mitroff e Swanson (2004) argumentam que a teoria da agência e a economia neoclássica infectaram o currículo de educação em negócios por incutir nos estudantes um conjunto de normas que sugerem que decisões de negócio são livres de valores. Esse sistema de valor não normativo passa a idéia aos futuros alunos de MBA de que não existe problema em adotar um comportamento antiético no processo de tomada de decisões”. (Shareef, 2007, p. 272)
Shareef entende que Ghoshal (2005) reconhece a situação de conformidade
experimentada pela comunidade científica frente a um paradigma dominante. Cita
Pfeffer (2005), ao mencionar que o aparecimento de novas teorias da
administração, norteadas pela prática da ciência normal, conforme descrita em
7 A teoria da agência procura alinhar os interesses dos gestores aos interesses dos
proprietários, baseada em um processo de delegação de autoridade e atribuições, neste intuito surgem dois personagens que assumem papéis bem definidos nas relações contratuais mencionadas por Jensen, M. C., Foundations of organizational strategy. Boston: Harvard University Press, 1998. O primeiro identificado como Principal, é o empreendedor original, aquele que detém a posse da organização ou delega alguma atribuição a outrem, ou em um nível ainda maior, identificado pelos acionistas da Instituição. O segundo personagem, identificado como Agente, é aquele que irá executar ou administrar o empreendimento sob delegação do proprietário ou superior hierárquico (Principal). Para melhor compreensão dos problemas inerentes a teoria da agência ver Fama, E. 1980. Agency problems and the theory of the firm. Journal of Political
Economy, 1988, p. 288–307.
82
Kuhn (1970), poderá ser a salvação intelectual e institucional das escolas de
graduação em negócios. Comenta ainda as afirmações de Frankfort-Nachmias e
Nachmias (1996), que ponderam sobre a continuidade da prática da ciência
normal apesar dos problemas observados pela própria comunidade científica, que
segundo Shareef têm impossibilitado as mudanças, a inovação e a construção de
uma nova teoria da administração. Contrariamente a estes autores Shareef (2007,
p. 273), afirma que a aceitação do modelo do paradigma de Kuhn torna
virtualmente impossível acelerar o processo de desenvolvimento e advento de
teorias melhores para a ciência organizacional. De acordo com Shareef, Frankfort-
Nachmias e Nachmias (1996), acharam que não existia uma “lógica da
descoberta” no quadro de referência do paradigma, somente uma “sócio-
psicologia da descoberta”, e que à exemplo de Kuhn, aceitam o comprometimento
psicológico dos pesquisadores, membros de uma comunidade científica, com a
preservação dos valores da tradição de pesquisa dominante, o que justifica a
ascendência da teoria da agência apesar de um número crescente de pesquisas
empíricas evidenciarem seu reduzido poder explanatório e preditivo.
Shareef menciona também um artigo recente de Locke e Noel (2004),
pretendendo demonstrar a situação atual dos estudos de ética nas escolas de
graduação em negócios.
“Eles argumentam que escolas de negócios deveriam continuar a ensinar a filosofia do pragmatismo – a filosofia na qual não existem princípios absolutos e os administradores deveriam tomar decisões baseados nos princípios amorais de Machiavell. Esse tipo de filosofia, livre de valor leva ao comportamento administrativo anti-ético descrito por Maslow (1970)”. (Shareef, 2007, p. 273)
Estas perspectivas que toleram estes tipos de conduta na tomada de decisão,
segundo Shareef, ilustram o recente caso da falência da Enron, cujos gerentes
realizaram acordos secretos com produtores de energia da Califórnia para
paralisar deliberadamente suas centrais elétricas de maneira a manipular preços e
aumentar os lucros.
Shareef, em sua análise, estabelece uma relação de identidade entre a
irracionalidade da avaliação do paradigma pela comunidade científica com os
processos de tomada de decisão organizacional definido pelo grupo de pensadores
83
de Janus8 (1970), cuja norma do grupo dominante não permite perspectivas
discordantes, mantendo a conformidade com o “status quo” no sentido de
preservar a associação da comunidade. Para Shareef, tanto o processo de
comprovação do paradigma como a dinâmica do grupo de pensadores de Janus
provocaram crises organizacionais-sociais que poderiam ser evitadas.
Neste contexto, como alternativa ao paradigma de Kuhn, Shareef propõe a
idéia de uma ciência racional crítica, em permanente revolução, apresentada por
Popper, e interpreta esta perspectiva popperiana de ciência ao dizer que o objetivo
fundamental do cientista é gerar teorias melhores já que teorias antigas são
descartadas como resultado de terem falhado quando submetidas a testes
empíricos rigorosos (Shareef, 2007, p.273), e cita Popper ao afirmar que a ciência
revolucionária deve fundamentar a pesquisa científica.
“A comunidade científica é uma comunidade aberta onde nenhuma teoria dominante ou paradigma deveriam ser sagrados; teorias são só tentativas e os cientistas não deveriam hesitar em rejeitar uma teoria baseada em resultados empíricos não confirmados; teorias melhores evoluem continuamente através da rejeição de teorias inferiores”. (Popper, 1965)
Como se vê, Shareef aceita a tese popperiana sobre a construção de teorias
como um processo em permanente revolução e a tese que admite a substituição da
teoria dominante como decorrência da pesquisa empírica.
Todas as considerações feitas por Shareef, até aqui, tiveram por objetivo
apontar que a cultura vigente das escolas de graduação em negócios revela-se
completamente vinculada ao modelo paradigmático, segundo ele, motivo pelo
qual a teoria da agência não foi solapada a despeito de tantas evidências
contrárias. Neste entendimento, Shareef apresenta duas possibilidades: ou a
eliminação da teoria da agência por meio de provas empíricas, ou sua prevalência
enquanto dominante, conduzindo assim ao descrédito das escolas de graduação
em negócios. Para justificar sua tese de que a epistemologia popperiana pode
resolver problemas como os apontados no trabalho de Ghoshal (2005), Shareef
propõe a revisão da teoria da agência na perspectiva kuhniana de ciência normal,
8 Para mais informações sobre processos de tomada de decisão organizacional ver Janus, I. 1970. Groupthink: The desperate drive for consensus at any cost. In J. M. Shafritz & J. S. Scott (Eds.), Classics of organization theory (5th): 185–192. Ft. Worth: Harcourt College Publishers.
84
frente à da construção da ciência como um processo de revolução permanente
segundo Popper. Shareef mostra ainda como o modelo de desenvolvimento de
teorias de Popper serviu de base epistemológica para uma nova teoria, a HRO -
teoria da organização de alta confiabilidade (HRO; high-reliability organization)
proposto em Weick (2003) e Sutcliffe (2001).
Shareef cita alguns problemas da teoria da agência identificados em Jensen
& Mecling (1976) e Fama (1980), e assim a resume:
“No quadro de referência da teoria da agência o proprietário-principal determina o trabalho a ser feito pelo gestor-agente, que aceita a responsabilidade de verificar se a tarefa designada é concluída”. (Shareef, 2007, p. 274)
Evidencia alguns dos conflitos observados nesta teoria como: as perdas que
podem ocorrer numa agência quando o principal não pode determinar se o agente
tem se empenhado para concluir a tarefa solicitada. Menciona o problema dos
incentivos, quando o agente não é responsável pela segurança da organização,
preocupando-se exclusivamente com a maximização dos lucros, e sobre a
incongruência de objetivos entre o relacionamento agente-principal e os
mecanismos específicos para reduzir as perdas da agência. Shareef recorre ainda
ao conceito de empresa definido em Fama (1980), como uma equipe cujos
membros são motivados somente por interesses próprios embora aceitem que só
conseguirão alcançar os objetivos individuais se a equipe vencer outras equipes
concorrentes no mercado.
O autor descreve de forma detalhada os conceitos de paradigma, ciência
normal, revoluções científicas apresentados por Kuhn, além de indicar o
comprometimento social e psicológico dos cientistas com o paradigma e a
consequente resistência dos membros da comunidade científica, em abandonar um
paradigma desacreditado. Shareef observa que de acordo com este contexto o
estabelecimento de um paradigma alternativo à teoria da agência pode levar
décadas, como destaca do relatório de Frankfort-Nachmias e Nachmias:
“Os cientistas, assim como outros profissionais, vêem o que eles esperam ver. Por essa razão, um paradigma dominante tende a permanecer como paradigma aceito muito tempo mesmo que se mostre contrário às observações empíricas”. (Frankfort-Nachmias e Nachmias 1996, p. 16-17)
85
Shareef ainda evidencia a semelhança desta perspectiva com a
epistemologia de Kuhn ao citá-lo: “note que o cientista (educado para esperar
resultados induzidos pelos paradigmas) continua resistindo em ver a natureza de
uma maneira diferente, muito tempo depois das anomalias se tornarem aparentes.”
(Kuhn, 1970), concluindo que as revoluções são raras dentro deste pressuposto
epistemológico.
Em contraposição à perspectiva kuhniana, Shareef apresenta as teses
centrais da epistemologia de Popper, na intenção de contestar a visão descritiva e
psicológica da pesquisa científica em favor de uma metodologia racional crítica
para o desenvolvimento da ciência (Shareef, 2007, p. 275). Defende ainda a
possibilidade de substituição do paradigma dominante submetendo-o à
falsificação pelo método dedutivo da prova, ao citar Hindess.
“Popper alega que uma sociedade científica é uma sociedade aberta onde nenhum paradigma dominante é consagrado. Sua visão do mundo é que o objetivo da descoberta na ciência começa pelos enunciados universais, prossegue por meio da dedução e falsificação, e que o progresso científico deve, por isso, avançar pela eliminação das teorias que são falsas”. (Hindess, 1977)
Shareef também faz menção à tese popperiana do conhecimento em
evolução constante e da ciência cujo objetivo principal seria produzir teorias
melhores, pela seguinte citação:
“... o conhecimento é revolucionário e cresce à medida que as teorias são refutadas pela evidência empírica permitindo assim, que surjam novas teorias. Cada passo nos conduz mais próximo da verdade através ‘do crescimento integrado da árvore do conhecimento’”. (Popper, 1965, p. 264)
Aceita o conceito intuitivo de verdade como correspondência aos fatos,
assim como a inexistência de um critério adequado para a determinação da
verdade, ao afirmar que Popper (1965) não está interessado em demonstrar as
teorias científicas como seguras, certas ou prováveis. Neste sentido Shareef (2007,
p. 276) além de rejeitar a idéia de que uma pesquisa científica tenha algo a ver
com certeza, probabilidade ou confiabilidade, a exemplo de Popper, acredita na
ciência revolucionária, controlada por críticas que permite aos cientistas:
“(a) se aproximar da verdade de um fenômeno e (b) melhorar o conteúdo de verdade de teorias dentro de uma disciplina específica. Assim, a metodologia da ciência revolucionária é relativamente válida quando: uma teoria existente (T1) pode ser substituída ou suplantada por outra teoria (T2) só depois que a teoria existente falhar frente aos testes
86
empíricos rigorosos. T2 seria então substituída por T3 de uma maneira similar. A cada grau de avanço da verdade, ou seja, a cada teoria sucessora, chega-se a uma aproximação mais precisa da verdade”. (Popper, 1965)
Shareef destaca também o desacordo de Popper com relação ao conceito de
ciência normal e com o pensamento dogmático dos cientistas acerca do paradigma
kuhniano ao dizer que Popper é especialmente crítico quanto à descrição de Kuhn
do conceito de ciência normal e argumenta que cientistas “normais” têm sido
doutrinados e educados de maneira dogmática. Além disso, Popper acredita que
paradigmas constituem-se em um dogma dominante, são pseudocientíficos, e
abalam a pesquisa científica legítima. Mesmo assim, Popper reconhece que os
cientistas deveriam reter algum dogmatismo para não ceder às críticas tão
facilmente, mas rejeita as crenças de Kuhn acerca de um dogma preponderante
para a comunidade científica por períodos de tempo prolongados (Shareef, 2007,
p. 276).
Shareef procura evidenciar a preocupação dos filósofos da ciência com esta
aparente dicotomia entre dogma e ciência e recorre a Greer (1989) na intenção de
mostrar dois cenários possíveis para o processo da pesquisa científica:
“uma espiral para cima onde o conhecimento científico se acumula ou uma espiral para baixo onde a teoria se transforma em doutrina e depois em dogma. Kuhn (1970) aceita que a ciência normal é relacionada com dogma mas não acredita que isso impede o empreendimento científico. Inversamente, Popper (1965) argumenta que a existência de um dogma dominante da comunidade científica é o maior empecilho ao crescimento do conhecimento científico”. (Shareef, 2007, p. 276)
Outro importante dissenso entre Popper e Kuhn apontado por Shareef, diz
respeito ao objetivo da ciência quando diz que as abordagens de Popper e Kuhn da
pesquisa científica são muito diferentes. O objetivo da ciência revolucionária de
Popper é de conduzir o cientista mais próximo da verdade durante o processo de
construção da teoria. Consequentemente, onde Popper vê a ciência revolucionária
produzindo teorias melhores através de estágios evolucionárias, Kuhn acredita que
a ciência deveria ser originalmente caracterizada por ampliar o detalhamento e
refinamento do conhecimento da natureza. Kuhn reconhece que a pesquisa
científica evolui com a tradição da ciência normal a partir de começos primitivos,
mas não acredita que o objetivo da investigação científica se oriente na direção e
uma meta específica, como a verdade (Shareef, 2007, p. 276).
87
Baseado nos pressupostos filosóficos até aqui apresentados Shareef analisa o
problema da falsificação da teoria da agência, conforme o artigo de Ghoshal
(2005), e aponta a inadequação da interpretação de Ghoshal no que diz respeito a
epistemologia popperiana. Nota que Ghoshal se preocupa com o aspecto negativo
da teoria da agência, ao dizer que:
“... a concepção liberal do homem, enquanto seres humanos imperfeitos... e observa o problema da organização social mais como uma questão negativa de prevenir pessoas más de causarem danos do que permitir pessoas boas de praticarem o bem”. (Ghoshal, 2005, p. 84)
Segundo Shareef, o problema encontrado por Ghoshal na teoria da agência tem
como origem a ideologia dos conservadores contemporâneos, de acordo com o
artigo “Liberals, Conservatives, and the Elections” de 1980, ao esclarecer:
“Parece que o conservador enquanto reconhece que o homem é abençoado com a centelha divina, acredita que o animal humano é incorrigível, que a sua natureza é imutável e... ele é egoísta por projeto e necessidade. Essa visão conformista nos remete ao âmbito da nossa herança ocidental, a doutrina judaica-ocidental a qual nos ensina que o homem é completamente, e para sempre, predestinado a viver debaixo da sombra do pecado original”. (Bunke, 1980)9
De acordo com Shareef, como resultado desta interpretação os conservadores
modernos acreditam que a natureza humana é invariável e fixa, transferindo para
as instituições a força decisiva para modelar e disciplinar a personalidade humana.
Com base nesta crença comportamentos oportunistas são esperados, sendo, pois
necessário realizar controles organizacionais visando restringir as consequências
indesejadas decorrentes da natureza egoísta do gestor. Para Shareef essas crenças
formaram a base da ideologia científica da teoria da agência, a exemplo do
paradigma, as crenças ideológicas e valores que sustentam a teoria da agência
formam grupos coesos e promovem solidariedade social nesta comunidade
científica particular. Podemos subentender, neste momento, a referência de
Shareef, ainda que implícita, ao conceito de paradigma como uma constelação de
compromissos de grupo (Kuhn, 1970, p. 228-234), ao atribuir a avaliação negativa
de Ghoshal a respeito da teoria da agência ao fato dele não fazer parte desta
comunidade de teóricos. Explica também porque milhões de seguidores da
9 Ver Bunke, H. C. 1980. Liberals, Conservatives, and the Election. (Reprint from Business Horizons, No. 80509: 3–10.), para maiores esclarecimentos sobre visão ideológica dos conservadores sobre a natureza humana.
88
doutrina do cristianismo não se opuseram às crenças e valores que fundamentam a
teoria da agência, ao citar Weick (1995): “... ideologias ajudam as pessoas a dar
um significado ao comportamento humano obstinado”.
Para Shareef, Ghoshal inadvertidamente iguala a concepção pessimista e
egoísta de mundo oferecida pela teoria da agência com a noção popperiana sobre a
falseabilidade e refutabilidade das teorias, tomando-as como ideologias
pessimistas. Contrário a esta visão pessimista a respeito da refutação de teorias
Shareef propõe um novo referencial para analisar as idéias de Popper:
“(a) a construção da teoria é feita através de graus da verdade, ou (b) a construção da teoria vista como um critério de progresso oferece a esta abordagem metodológica uma perspectiva bem mais afirmativa”. (Popper, 1989)
Confere essa nova perspectiva de abordagem a Senge (1990) que considerou
esses tipos de alterações linguísticas cruciais no sentido de mudar a construção
social da realidade, facilitar mudanças organizacionais, e criar uma cultura de
aprendizagem.
Outro equívoco cometido por Ghoshal em seu artigo, diz Shareef, foi
presumir que Popper teria uma visão negativa da natureza humana, do que
discorda veementemente, justificando seu ponto de vista apoiado nas idéias de
Bunke (1980) sobre a concepção popperiana de progresso da ciência, ao escrever:
“Na verdade, o processo evolucionário de Popper de criar um mundo melhor através do aumento do conteúdo de conhecimento das teorias é congruente com a descrição liberal de Bunke sobre século 20 a respeito do ser humano: (a) chegamos ao mundo como uma folha em branco (b) criaturas cujo bem/razão/esclarecimento são intrínsecos, e (c) inferiorizados somente por padrões institucionais imutáveis que reprimem o crescimento e a criatividade. Bunke (1980) afirma que o liberal acredita que: ‘se por extensão o mundo é bom, o homem leva o crédito; e se por extensão o mundo é conturbado, o homem deve também levar a culpa’. Os problemas que pairam pelo mundo são produtos de decisões humanas; para eliminá-los novas decisões são necessárias. O critério de Popper (1961) quanto ao conceito de progresso ‘se ajusta’ à descrição de Bunke da filosofia liberal. Seja na área da teoria organizacional ou na filosofia política, Popper acredita que a eliminação de teorias ou políticas falseadas e a tentativa de substituí-las empiricamente por teorias mais novas é o método para o progresso humano. Popper argumenta que esse quadro de referência da ciência revolucionária fornece um fluxo contínuo de novas e melhores teorias destinadas a aperfeiçoar a condição humana. Isso é precisamente a prática da filosofia da ciência de Popper, um quadro de referência normativo. Da mesma maneira, Popper chama de tentativa e erro a construção do processo de conjectura das teorias, tentando refutá-las, e
89
somente depois de várias tentativas, as aceita se elas não forem rejeitadas”. (Shareef, 2007, p. 277-278)
Baseado nestas considerações Shareff assegura que Popper tem muito pouco em
comum com os partidários da teoria da agência no que diz respeito à natureza
humana.
Shareef conclui seu artigo, propondo uma inusitada correlação do método da
falseabilidade e da idéia de progresso científico proposta em Popper com a
definição de organizações de alta confiabilidade (high-reliability organizations -
HROs), conceituando-as como empresas que respondem as turbulências
ambientais através da busca de falhas nas teorias ou procedimentos em operação
na organização, ao escrever:
“Weick (2003) lembra que as HROs têm uma ‘fascinação pelo erro’, este por sua vez serve de mecanismo para construção de teorias melhores. Como o processo de tomada de decisão, neste tipo organização tem como premissa o quadro de referência teórico de Popper, os líderes nas HROs entendem que os planos estratégicos são apenas tentativas, e procuram por qualquer situação incongruente com os procedimentos baseados nas teorias existentes, de modo a desenvolver uma cultura organizacional de aprendizagem contínua e atualizada. Weick (2003) alega que as HROs se preocupam com erros porque seus lideres percebem que melhores planos estratégicos e aprendizagem institucional, só aparecem quando a organização identifica pequenas falhas antes que evoluam, a ponto de ameaçar a sustentabilidade organizacional”. (Shareef, 2007, p. 278)
Shareef concorda com as conclusões de Weick and Sutcliffe (2001), que
mostram como os gestores das organizações de alta confiabilidade (HRO)
desenvolvem seus planos estratégicos pelo reconhecimento de falhas através de
testes empíricos.
“Weick e Sutcliffe reconhecem (como Popper) que a busca por confirmação dá margem aos pesquisadores observarem de maneira seletiva aquilo que confirma suas crenças enraizadas, e ignoram dados que comprometem essas crenças (Weick, 1995). Consequentemente, os lideres de organizações de alto desempenho buscam substituir os seus planos estratégicos através de T1, T2..., quando pequenos erros de desempenho ocorrerem – antes que evoluam e ocasionem uma catástrofe organizacional. Aqui, planos estratégicos são substituídos por melhores planos estratégicos, como resultados de erros reconhecidos empiricamente”. (Shareef, 2007, p. 278)
Com base na tese supra citada Shareef conclui que o modelo teorético das
HROs, ajusta-se ao conceito da ciência revolucionária de Popper, e admite que a
construção de uma teoria capaz de projetar estruturas organizacionais tão flexíveis
90
e adaptáveis, como as HROs, só pode ter sido desenvolvida pela aplicação da
metodologia da ciência de Popper.
Em outro instigante artigo, “A Popperian View of Change in Innovative
Organization”, de 1997, Shareef examina o motivo pelo qual a maior parte dos
teóricos e especialistas em mudanças organizacionais adota o paradigma kuhniano
e a idéia de revoluções como eventos extraordinários. Contrariando esta visão
dominante, Shareef defende a tese da “revolução permanente” oferecida pela
epistemologia de Karl Popper, como a mais adequada ao desenvolvimento de
teorias que expliquem as transformações frequentemente observadas em
organizações inovadoras. Baseado nesta premissa pretende elucidar algumas das
principais teses epistemológicas de Popper, analisando possíveis contribuições à
teoria da mudança organizacional. A expectativa de Shareef com esta
averiguação, foi oferecer aos stakeholders10 (partes interessadas) destas
organizações, um melhor entendimento sobre a mudança organizacional, além de
facilitar a condução de processos de mudança em organizações inovadoras.
Shareef estruturou seu artigo em cinco seções, apresentando na primeira a
teoria de conjecturas e refutações definida em Popper. Na seção seguinte, oferece
um “rationale” para a aplicação da filosofia da ciência em geral com o intento de
entender a mudança nas organizações inovadoras. Na terceira parte, discute alguns
estudos de caso sobre mudanças empreendidas por indústrias americanas no setor
de petróleo, farmacêutico e de transporte baseado na visão popperiana. Termina
mostrando as implicações e conclusões desta nova perspectiva filosófica para a
comunidade científica dos teóricos organizacionais ao propor um (re)exame da
filosofia da ciência popperiana com o objetivo de analisar suas relações e
contribuições no campo da mudança organizacional.
Shareef observa que a tese popperiana é amplamente considerada, tanto por
pesquisadores da administração quanto por economistas e gestores de políticas
públicas ao escrever:
10 O termo Stakeholder, Project Stakeholder ou Partes Interessadas (em português) é
amplamente utilizado pelos acadêmicos da Administração. De acordo com o PMI- Project
Management Institute, responsável pela publicação do guia do conjunto de conhecimentos em gerenciamento de projetos, o termo é definido como: “Pessoas e organizações, como clientes, patrocinadores, organizações executoras e o público, que sejam ativamente envolvidas no projeto ou cujos interesses possam ser afetados de forma positiva ou negativa pela execução ou término do projeto. Elas podem também exercer influência sobre o projeto e suas entregas” (PMBOK®, 2004).
91
“Fundamentalmente, Popper sustenta que o valor das proposições científicas reside no fato de que elas ainda não foram falseadas. Essa descrição do processo científico teve várias influências, desde o editorial de tomada de decisão a respeito das publicações sobre as ciências organizacional/administrativa (Beyer, Chanove, & Fox, 1995), até a formação das políticas públicas e econômicas (Sowell, 1995)”. (Shareef, 1997, p.656-657)
Neste sentido Shareef fala sobre o caráter não definitivo da refutação, ao
descrever o método dedutivo da epistemologia de Popper.
“Popper acredita que o objetivo da ciência no sentido de encontrar proposições universalmente verdadeiras, procede pela dedução e falsificação. As teorias podem ser refutadas, mas elas não podem ser provadas. Assim, ‘a busca por declarações universais deve proceder através de eliminação daquelas que são falseadas’ (Hindess, 1977, p.168). Além disso, Popper (1965, p.54) também escreve, ‘podemos ver este momento, quando percebemos a aceitação pela ciência de uma lei ou teoria, apenas como uma tentativa; significa dizer que todas as leis e teorias são conjecturas, ou hipóteses arriscadas; e que podemos rejeitar uma lei ou teoria com base em uma nova evidência, sem necessariamente eliminar a evidência antiga que nos levou, originalmente, a aceitá-la”. (Shareef, 1997, p.657)
Shareef defende a crença popperiana numa ciência cujas características
revolucionárias seriam a regra, na qual a formulação de conjecturas desafiadoras
passíveis de crítica constante pelos cientistas, configura o comportamento
dominante. Neste sentido explica em que medida diverge da percepção de Kuhn a
respeito de Popper ao citá-lo:
“Popper (1965) somente acredita na ciência revolucionária que ele descreve na seguinte passagem: ‘Eu acredito que a ciência é essencialmente crítica: que se fundamenta em conjecturas audaciosas, controladas pela crítica, podendo então, ser descrita como revolucionária. Mas, eu sempre enfatizei a necessidade de certa dose de dogmatismo: o cientista dogmático tem um papel importante a desempenhar. Se nós cedemos à crítica rápido demais, nunca iremos descobrir onde jaz o verdadeiro poder de nossas teorias’”. (Kuhn, 1970)
Segundo Shareef, esse tipo de dogmatismo não é o que Kuhn (1970, p. 55) deseja
ao sugerir a preponderância do dogma durante longos períodos, não aceitando que
o método da ciência normalmente é o de conjecturas audaciosas e críticas. Afirma
também que para Popper (1965) a tentativa dos cientistas de verificar e confirmar
as leis os induz a negligenciar refutações, levando ao dogmatismo ou ao tipo de
dogmatismo dominante, creditado a Kuhn. Inversamente, na perspectiva
popperiana os cientistas devem adotar uma atitude crítica, uma atitude pronta para
mudar leis, “para testá-las; refutá-las e falsificá-las se possível” (Popper, 1965, p.
92
50). Shareef, a exemplo de Popper, afirma que “essa atitude crítica reflete a
verdadeira atitude científica enquanto a atitude dogmática é pseudocientífica”
(Shareef, 1997, p.657).
Shareef destaca a perspectiva da essência revolucionária da prática científica
ao defender a tese popperiana da comunidade científica como uma sociedade
aberta, na qual nenhum paradigma (ou teoria dominante) é superlativo, reforça
esta perspectiva pela citação de Nachmias e Nachmias (1992), quando afirmam
que “a ciência deve estar numa revolução permanente, e a crítica deveria ser o
coração do empreendimento científico. Refutações ao conhecimento até então
aceito dão origem as revoluções” 11.
Shareef propõe que a metodologia da ciência de Popper seria o modelo mais
adequado para explicar as transformações observadas em indústrias inovadoras,
ao argumentar que a noção de Popper das revoluções científicas em permanência
são ainda mais relevantes para as organizações do setor privado no sistema
capitalista, devido às rápidas mudanças observadas em seu ambiente operacional.
Exemplifica seu ponto de vista ao citar a análise de Euchner (1993) sobre a
mudança frequente, entre cidades, dos times de esporte profissional nos Estados
Unidos, atribuindo a tremenda capacidade de transformação e mobilização destes
times ao controle total dos recursos e processos por eles gerenciados. Shareef
concorda com Euchner12, quando afirma que a procura por novos mercados e o
confronto com mercados competidores alimentam as revoluções permanentes nas
forças produtivas (Euchner, 1993, p. 56). Tendo em mente esta acepção, ele
reconhece a relevância das idéias de Popper além de indicar que no caso dos
interesses privados, devido à flexibilidade, inovação e controle coeso de seus
recursos, eles respondem mais rapidamente a novas situações, tendo assim maior
afinidade com a proposta da revolução em permanência de Popper (Shareef, 1997,
p.657-658).
Shareef destaca ainda a meta de aproximação da verdade como um dos
objetivos da ciência na epistemologia popperiana, através da crítica racional dos
11 Para maiores detalhes desta proposição ver FRANKFORT-NACHMIAS, C., & NACHMIAS, D. Research methods in the social sciences(4th ed.). New York: St. Martins Press, 1992. 12 Para mais informações sobre o estudo de caso citado por Shareef, ver EUCHNER, C. Playing
the field: Why sports teams move and cities fight to keep them. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1993.
93
enunciados universais pelo método dedutivo, fazendo menção a Hindess (1977)
que descreve o processo dedutivo da seguinte maneira:
“(1) comece por um problema e formule uma tentativa de solução ou teoria; (2) submeta a teoria aos testes mais severos possíveis, num processo de eliminação de erro, e (3) a eliminação de erro leva à formulação de novos problemas que surgem da própria atividade criativa”. (Hindess, 1977, p. 176)
Shareef prossegue apresentando as questões sobre o teste dedutivo da
prova, e as tentativas de Popper para eliminar hipóteses que não são boas,
comparadas ao desenvolvimento do conhecimento humano e científico, na
seguinte citação:
“Enquanto o conhecimento animal é pré-científico se desenvolve principalmente pela eliminação daqueles que não se adequam as hipóteses, a crítica científica normalmente faz nossas teorias perecerem em nosso lugar, eliminando falsas crenças antes que tais creças nos conduzam a nossa própria extinção”. (Popper, 1972, p. 261)
Analogamente, define o desenvolvimento do conhecimento como
revolucionário, afirmando que este se desenvolve como as teorias, ao citar Popper:
“Assim, o conhecimento é revolucionário – crescendo conforme as teorias são refutadas pela realidade e quando novas teorias aparecem. Cada passo nos conduz mais próximo da verdade ‘o crescimento integrado da árvore do conhecimento’”. (Popper, 1972, p. 264)
Neste ponto Shareef indica a possibilidade de estabelecer um paralelo entre
o método das conjecturas e refutações, definido em Popper, e a práxis das
“organizações de alto valor” 13.
Recorre então à obra de Reich (1992)14, para mostrar que a experimentação
de novas teorias/conceitos são cruciais para o tipo de empresa que ele chama de
“organização de alto valor” (high-value organization). Segundo Shareef, Reich
acredita que neste tipo de organização os analistas estratégicos consomem muito
tempo procurando pela combinação certa das soluções e problemas. Reich (1992,
p.20) nota que a experimentação é o sangue da vida das organizações de alto
13 De acordo com Reich (1994), torna-se difícil, ou até impossível, o controle de cima para baixo, assim como se torna obsoleta a percepção de propriedade centralizada nas organizações de alto valor. Neste novo ambiente, poder e prosperidade fluem para os grupos que acumularam a experiência mais valiosa na identificação de problemas, nas soluções de problemas e na promoção estratégica da “venda” das soluções. 14 Para mais detalhes sobre organizações de alto valor ver REICH, R. The work of nations. New York: Vintage Books, 1992. e KANTER, R. When giants learn to dance. New York: Touchstone.
94
valor, uma vez que a customização de suas estratégias e práticas requer contínuas
tentativas e erros. Em Shareef, a analogia feita por Reich se adapta nitidamente à
visão de mundo de Popper, ao proferir:
“... então não existe nenhum procedimento mais racional do que o método da tentativa e erro – da conjectura e refutação; da proposta de teorias audaciosas; de tentar o máximo possível provar que elas estão erradas; e de aceitá-las caso os nossos esforços não tenham sucesso”. (Popper, 1965, p. 51)
Shareef (1997, p. 659) faz também referência à pesquisa de Kanter (2001)
sobre inovação, que de forma similar enfatiza a necessidade da experimentação
nas empresas na era da globalização. De acordo com Shareef, os experimentos
para Kanter têm dois propósitos: em primeiro lugar eles são obviamente a chave
para novos sucessos e descobertas. Em segundo, experimentos bem sucedidos
oferecem aos formuladores das políticas organizacionais alternativas para a
reformulação de suas estratégias. De acordo com Kanter, essas opções constituem
o equivalente interno de um portfólio diversificado para momentos de turbulência
(Kanter, 2001).
Para ilustrar de que forma a tese popperiana se ajusta melhor às mudanças
organizacionais realizadas nas organizações inovadoras, Shareef (1997, p. 659-
666) apresenta cinco estudos de caso, visando estabelecer paralelos de
comparação convincentes quanto à aplicação das conjecturas epistemológicas,
estabelecidas em Popper, como por exemplo, a dimensão crítica da ciência, o
método de conjeturas e refutações e a idéia de progresso científico, com o
desenvolvimento de estratégias e práticas adotadas por este tipo de organizações.
A análise dos casos apresentados no trabalho de Shareef foge ao contexto desta
pesquisa, considerando sua abordagem predominantemente utilitária e técnica,
portanto não serão aqui discutidos, sendo mencionados apenas com o intuito de
evidenciar a aplicação destes conceitos filosóficos na práxis das organizações
inovadoras.
Shareef (1997, p.668) termina seu artigo concluindo que dentro da
comunidade científica tem ressurgido o interesse pela filosofia de Popper aplicada
às mudanças organizacionais. Faz menção ao livro de Thomas Sowell do Instituto
Hoover, ao questionar o número reduzido de testes sistemáticos das teorias, que se
evidencia no âmbito das políticas públicas. Entende ainda que Sowell, como
95
Popper, atribui tal comportamento ao espírito dogmático que existe na
comunidade científica, ao escrever:
“O pensamento dogmático, a habilidade extraordinária para desafiar a evidência ‘objetiva’ (como definido por Weber15), é mais perigoso no modelo paradigmático, uma vez que este modelo reduz os circuitos de realimentação provenientes de uma realidade fundamentada”. (Sowell, 1995)16.
Shareef conclui sua reflexão acreditando na possibilidade de um futuro
próximo, em que a comunidade dos teóricos da administração examinará e
reexaminará as teorias da mudança organizacional à luz da filosofia da ciência de
Popper.
Susman (1981) como Shareef (1997), também pesquisou a questão das
mudanças organizacionais tendo por inspiração a filosofia popperiana, ainda que
pareça não percebê-la em profundidade. No artigo entitulado “Planned Change:
Prospects for the 1980s”, parte da premissa de que o planejamento e
desenvolvimento organizacional são áreas intimamente associadas ao
planejamento de mudanças, e reconhece que estas áreas levantam problemas
fortemente inter-relacionados e comuns. Diante desta afirmação Susman (1981
p.139-141) analisa problemas comuns como: a estagnação da produtividade, a
migração para fontes de energia alternativa, crescimento reduzido do estado e do
governo local, transformação de valores, e o aumento da interdependência entre os
problemas. Ilustra sua pesquisa fazendo alusão a casos reais de organizações da
década de 80, tanto na administração pública quanto na administração privada,
nos Estados Unidos, constatando que independente da área de atuação as
organizações podem e devem atuar de forma coordenada.
Segundo Susman, a atividade de resolução de problemas e suas
consequências, tanto nas empresas privadas quanto na administração pública, não
são facilmente negociadas através de um planejamento central. A recomendação
de Susman seria a criação de fóruns internos à organização e entre as
organizações, que incluíssem representantes de todas as partes interessadas. Além
disso, propõe um método de solução de problemas que busca valores comuns
15 WEBER, M. The theory of social and economic organization. New York: Free Press, 1964. 16 SOWELL, T. The vision of the anointed: Self-congratulations as a basis for social policy. New York: Basic Books, 1995.
96
através do alinhamento de diferentes interesses, encorajando o comprometimento
e esforço conjunto das partes interessadas no processo de definição e resolução de
problemas. Destaca a importância destas duas condições facilitadoras e as trata
como temas centrais do seu trabalho. Em Susman (1981) esses “Fóruns de
Resolução de Problemas” devem ser gerenciados e apresentar como pré-requisitos
para sua efetividade, as seguintes condições:
“(2.1) Desenvolver redes entre organizações, (2.2) Desenvolver estruturas transversais dentro das organizações, (2.3) Expandir a base da capacitação para resolução de problemas, (2.4) Encorajar valores congruentes com a resolução de problemas”. (Susman, 1981, p.145)
Susman cita ainda Michael (1973)17 pretendendo enfatizar o trabalho de
construção de uma cultura organizacional que valorize a atividade de resolução de
problemas, ao defender a:
“... necessidade dos membros de uma organização conduzirem suas ações orientadas ao futuro em detrimento do presente, e adotarem uma postura pró-ativa em vez de reativa, e ‘considerar erro’ a fim de que os membros da organização possam aprender a partir destes erros e planejar de forma mais eficiente”. (Michael, 1973)
Neste ponto Susman não deixa claro em que medida “considerar erro” seria uma
conduta fundamental no processo de resolução de problemas e na aprendizagem
organizacional. Neste caso poderia ter recorrido a Popper quando afirma que:
“... o crescimento de todo conhecimento consiste na modificação de conhecimento prévio – ou sua alteração, ou sua rejeição em ampla escala. O conhecimento nunca começa do nada, mas sempre de algum conhecimento de base – conhecimento que no momento é tido como certo – juntamente com algumas dificuldades, alguns problemas. Estes, via de regra, surgem do choque entre, de um lado, expectativas inerentes a nosso conhecimento de base e, do outro lado, de algumas novas descobertas, tais como nossas observações ou algumas hipóteses sugeridas por elas”. (Popper, 1999, p. 75)
Com relação ao método de resolução de problemas, Susman opta pela
“Investigação-Ação”, descrito como “um processo cíclico composto de cinco
fases: diagnóstico, planejamento da ação, execução da ação, avaliação e
especialização da aprendizagem” (Susman, 1981, p.146). Cada uma destas fases é
apresentada detalhadamente em Susman. Entretanto em função dos objetivos
17 Michael, D. N. On Learning to Plan-and Planning to Learn. San Francisco: Jossey-Bass, 1973.
97
centrais desta dissertação será comentada apenas a fase de especialização da
aprendizagem, na qual o pesquisador faz referência a Popper.
De acordo com Susman, na fase de especialização da aprendizagem apesar
do objetivo principal ser a aprendizagem em si, a maior parte desta aprendizagem
ocorre em cada uma das fases anteriores, ele reconhece, entretanto, que é nesta
fase que a Investigação-Ação focaliza direta e conscientemente no que foi
aprendido e no processo de “aprender a aprender”. Segundo Susman (1981, p.
152) a fase de aprendizagem organizacional da Investigação-Ação considera
quatro aspectos importantes: o reconhecimento de padrões, de contradições, de
consequências e da interdependência. O reconhecimento de padrões é definido por
Susman como a habilidade de descobrir o que é comum entre fenômenos
aparentemente não relacionados. Em oposição à indução, o reconhecimento de
padrões é uma atividade que transcende à observação dos fenômenos, exigindo
“saltos da imaginação”. Neste momento Susman afirma que tais “saltos da
imaginação” foram chamados de “conjecturas”, de acordo com Popper. 18
Susman mais uma vez perde a oportunidade de estabelecer a conexão entre
o conhecimento conjecturado e a questão da indução amplamente discutida em
Popper (1999, p. 13-23).
A conclusão de Susman de que o planejamento de mudanças na década de
80 está intrinsecamente associado aos problemas concretos observados neste
mesmo período de tempo, e que, portanto devem ser tratados através de um
método geral de resolução de problemas, método que permitiria a revitalização e
atualização da teoria da Investigação-Ação. Entretanto, Susman não observa em
profundidade a epistemologia de Popper, mais especificamente o método da
ciência (Popper, 1973), o qual permitiria ampliar a conclusão apresentada por ele,
não limitando o sucesso do planejamento de mudanças organizacionais a uma
metodologia de resolução de problemas. Para Popper, seria inexequível conduzir o
processo de resolução de problemas dissociado da formulação de conjecturas
avançadas, de acordo com sua própria síntese.
“Tantas vezes tenho descrito o que considero como o método de autocorreção por meio do qual a ciência procede que posso ser aqui
18 Traduzimos o termo “cojecturing” como “conjecturas”, entretanto no texto original Susman usa o termo “conjecturing”, segundo ele extraído do livro POPPER, K. Conjectures and
Refutations. New York: Harper, 1968.
98
muito suscinto: o método da ciência é o método de conjecturas ousadas e de tentativas engenhosas e severas para refutá-las”. (Popper, 1985)
Robb em artigo denominado de “Towards a 'Better' Scientific Theory of
Human Organizations” (1985), também reconhece o racionalismo crítico presente
na epistemologia de Popper, aceitando a idéia que a teoria científica é uma
conjectura corroborada acerca do mundo, uma suposição que é submetida a
severos testes críticos para definir os limites de sua validade. Segundo Robb, os
cientistas devem olhar para uma hipótese com a qual se comprometem, tendo por
objetivo a definição de expectativas, ou sua definitiva rejeição, caso essas
expectativas não se realizem. Robb sugere que a teoria da administração, ao
enunciar prescrições para melhorar o controle das organizações humanas,
encontra-se repleta de “mitos” que influenciam fortemente o comportamento e a
percepção dos gestores destas organizações. Neste sentido acata a teoria científica
e o método de conjecturas e refutações de Popper (2003), ao justificar que a teoria
tradicional da administração não pode ser classificada como científica segundo o
critério de demarcação da epistemologia popperiana. Assim sendo, Robb (1985)
pretende propor uma “hipótese do gerenciamento”, a propósito da natureza das
grandes organizações, de modo a identificar suas fronteiras e validade, sendo
passível de testá-la pela observação.
Robb argumenta que a teoria do gerenciamento tradicionalmente lida com
questões para melhorar a eficiência gerencial, levanta também hipóteses
substanciais sobre a natureza das organizações humanas, e, portanto sugere a
seguinte hipótese: “organizações humanas de grande porte são sistemas vivos”
(Robb, 1985, p. 463), e introduz o conceito da “autopoiesis” e “auto-produção” ao
pressupor que as organizações humanas de grande porte19 se assemelham aos
organismos vivos.
Pode-se resumir a definição de sistema vivo, apresentada em Robb (1985),
como um sistema topograficamente delimitado que, apesar de importar e exportar
19 Robb (1985) define organizações de grande porte como qualquer sociedade
suficientemente grande capaz de conter estruturas gerenciais formais ou informais, incluindo: corporações, instituições governamentais, instituições religiosas entre outras. Segundo ele, estas instituições exibem as mesmas propriedades de uma organização fechada, ou seja, existe fisicamente no tempo e no espaço sendo reconhecidas por um observador informado, qualquer que seja o seu quadro de referência.
99
materiais e energia se constitui num sistema fechado. Robb (1985, p. 464) propõe
como característica necessária, mas não suficiente para a caracterização dos
sistemas vivos, a autonomia, ou seja, um sistema vivo é uma unidade
exclusivamente envolvida com o seu próprio sistema. Explica que a autopoiesis se
fundamenta na produção e na destruição dos componentes de um sistema por si
mesmo, ao descrever a forma que opera para se manter como uma entidade, e
justifica que a noção da auto-produção seria uma condição necessária e suficiente
para caracterizar os sistemas vivos. Segundo Robb as observações mostram que
tais sistemas expostos a perturbações externas associadas às dinâmicas internas do
próprio sistema, induzem mudanças estruturais que visam à manutenção de sua
autopoiesis. Robb (1985, p. 464) classifica estas mudanças em quatro tipos:
adaptação (mudanças estruturais), também denominada de aprendizagem,
desintegração (sucumbência pela incapacidade de adaptação), reprodução (criação
de um outro sistema que continua a realizar a autopoiesis da mesma maneira que
o organismo original) e evolução (reprodução de várias gerações, onde cada uma
delas acrescenta mutações aos seus descendentes).
Baseado na caracterização dos sistemas vivos Robb (1985, p.464) afirma
que as organizações humanas são sistemas semelhantes, portanto
organizacionalmente fechados a despeito de importar materiais e energia,
processando-os para exportar o produto como um bem. Além disso, as
organizações também desviam parte do que importam, com o intuito de suportar a
estrutura gerencial, ou manter a produção do próprio sistema, ou ainda para se
adaptar às condições de mudança.
Robb (1985) afirma que, a despeito da extensão de propósito que uma
organização humana possa ter, ela sempre opera para manter sua própria
identidade inalterada. Independente de perturbações externas, busca adaptar suas
dinâmicas internas, e, como os sistemas vivos, uma organização submetida a
pressões internas e externas pode se desintegrar, reproduzir e evoluir.
Conclui que a hipótese por ele levantada não implica em atribuição de
propósito, intenção ou objetivos últimos, seja ela aplicada aos organismos ou às
organizações humanas. Robb (1985) entende que as estruturas e operações de
auto-produção das organizações determinam apenas a forma como irão se
comportar. A “intenção”, como propriedade atribuída às organizações humanas,
segundo Robb (1985), desvia a atenção para a eficiência de produção de bens e
100
serviços, e impede o exame detalhado das várias estruturas que comprometem as
organizações humanas e das perturbações que as afetam.
Na pretensão de apoiar suas hipóteses quanto à natureza das organizações
humanas, Robb (1985, p. 464-466) propõe analisá-las tendo em vista novas
perspectivas.
Começa por divergir da idéia dominante, segundo a qual as organizações
são construídas pelos humanos com o propósito de executar um serviço para a
comunidade ou para os indivíduos que a compõem. De acordo com Robb (1985),
as organizações humanas são entidades biológicas vivendo de um substrato
composto por materiais, energia e seres humanos que competem por recursos
materiais, energéticos e humanos de forma a manter sua própria auto-produção.
Robb sugere ainda rever a crença dominante que prega o irrestrito controle
humano sobre as organizações, ao propor que frente às oscilações os gestores
devem buscar simplesmente fazer ajustes de modo a manter o sistema de auto-
produção da organização. Implica em dizer que as organizações devem se
comportar como se não estivessem sob controle humano, pois apesar dos recursos
humanos exercerem algum papel de controle sobre as mudanças organizacionais,
a natureza da própria mudança é determinada por fatores inerentes à estrutura
organizacional num estágio particular de desenvolvimento. A fim de suportar esta
proposição, Robb cita sucintamente Greiner (1983), ao deduzir que:
“... o desenvolvimento organizacional passa por um número de estágios conhecidos de ‘evolução e revolução’, a taxa de progresso através destes estágios é função do tempo de vida e tamanho da organização, considerando ainda a taxa de crescimento da indústria na qual se insere. Indica que uma ação gerencial adequada, em tempos de crise ou revolução, ao mesmo tempo em que deve assegurar a sobrevivência para progredir através dos estágios evolucionários subsequentes, também considera as sementes das próximas crises, além de estimular os gestores a identificar o estágio de desenvolvimento de suas organizações de modo a antecipar a natureza da próxima crise, desse modo, controlar melhor seus efeitos”. (Robb, 1985, p. 465)
Robb busca inspiração nas conjecturas de Calow (1978)20 ao explicar a
constância de sistemas biológicos, a despeito das forças entrópicas de seu entorno.
20 CALOW, P. Life Cycles. London: Chapman & Hall, 1978.
101
Atribui esta tenacidade a dois sistemas bem distintos, observados nos sistemas
biológicos:
“... um sistema protegido e termodinamicamente estável (o genoma) e um sistema ativo, e em parte meta-estável (o fenótipo). O processo de auto-produção depende do genoma que provê a subsistência do mecanismo de reparo ou substituição de partes de um fenótipo quando eles estão desgastados ou danificados. Durante o ciclo de vida de um organismo, ocorre uma acumulação gradual de danos quando se envelhece e eventualmente morre. A reprodução permite que o genoma se mantenha constante. O sucesso de um organismo depende de sua habilidade de compartilhar recursos que lhe são demandados a fim de assegurar sua própria manutenção, crescimento e reprodução”. (Robb, 1985, p.465)
Robb (1985) entende, então que se as organizações alcançarem o estágio de
desenvolvimento dos organismos biológicos, serão observadas de forma similar,
ou seja, se constituirão de um sistema aberto de produção, separado do meta-
sistema organizacionalmente fechado, responsável por controlar seu
desenvolvimento. Analogamente aos sistemas biológicos, este sistema de
produção, será responsável por importar processos, material, informação, energia
e pessoas e exportar produtos, além de contribuir para manutenção do meta-
sistema. Por outro lado este meta-sistema fechado será protegido e estável, como
o genoma de um sistema biológico, provendo os meios de reorganizar e regenerar
o vulnerável sistema de produção. Neste sentido, toda a organização é dirigida
pela auto-preservação, cujo meta-sistema, fechado por natureza, estaria além do
controle humano, enquanto o sistema de produção pode ser controlado pelo
homem, desde que observadas as restrições organizacionais impostas pelo meta-
sistema. Portanto, de acordo com Robb o destino de uma organização foge do
controle humano, quando ela desenvolve seu meta-sistema, sendo o futuro
determinado pela interação de seu meta-sistema com o meio ambiente instável e
com o seu sistema de produção, renovando constantemente seus componentes e
modificando sua forma.
A apresentação desta peculiar interpretação a respeito de sistema de
desenvolvimento organizacional, segundo Robb, tem por finalidade suscitar novas
alternativas para canalizar e não controlar a direção das mudanças
organizacionais. Nesta abordagem os gestores não controlam o processo de
mudança organizacional, mas devem pretender a reestruturação do meio ambiente
no qual se inserem. Uma forma de interferir neste ambiente seria, segundo ele,
produzir leis e regras mais efetivas para conduzir a direção das mudanças uma vez
102
que em alguns casos as leis e regras formuladas para normatizar o ambiente
organizacional têm sido responsáveis pela extinção de recursos organizacionais de
grande valor para a sociedade.
Robb (1985) conclui que sua hipótese quanto à semelhança entre as
organizações de grande porte e os organismos vivos poderia ser falseada pela
observação de que algumas organizações de grande porte não se comportam de
forma a preservar sua própria auto-produção, tratando-se, assim, de uma
proposição científica no sentido popperiano. Neste sentido Robb considera que
sua teoria poderia ser submetida a testes críticos, e sendo bem sucedida poderia
ser aplicada, teria como implicação imediata uma mudança de paradigma, com
consequentes mudanças no contexto organizacional, especialmente na maneira
como os gestores percebem seu trabalho. Destaca que a contribuição mais
importante desta nova teoria seria levar a uma reavaliação radical do
relacionamento entre pessoas e as instituições sociais em que habitam.
Chamamos a atenção para duas publicações recentes de Dalmaris et al
(2007a e 2007b) que reforçam a tese desta dissertação quanto à relevância da
metodologia da ciência de Popper e a possibilidade de aplicação da mesma pela
ciência organizacional. Nos artigos “A framework for the improvement of
knowledge-intensive business processes” e “The time-value of knowledge: a
temporal qualification of knowledge, its issues, and role in the improvement of
knowledge intense business processes”, Dalmaris et al (2007a e 2007b). São
trabalhos complementares que propõem um novo modelo para a administração
das organizações baseado em processos de negócio que dependem do emprego de
conhecimento especializado, chamados de “knowledge-intensive business
processes – KBPI” (processos de negócio intensivos em conhecimento).
“Em Dalmaris et al, nós apresentamos um quadro de referência para o desenvolvimento do modelo de processos de negócio intensivos em conhecimento. O KBPI é baseado na epistemologia de Popper que define o desenvolvimento do conhecimento científico como uma atividade baseada na ‘solução de problemas’, conhecimento este de natureza tácita ou explícita. O modelo incorporou a ontologia dos processos de negócio para capturar suas características básicas, e uma metodologia para orientar os esforços de desenvolvimento”. (Dalmaris et al, 2007b, p. 1)
Em linhas gerais Dalmaris et al (2007a) partem do pressuposto de que os
processos residem no coração de quase tudo que as organizações fazem para
permanecerem competitivas ou crescerem. Ao entenderem que a maioria dos
103
processos envolve algum grau de conhecimento, acreditam que o
desenvolvimento organizacional depende do desenvolvimento de processos de
negócio (BPI- Business Process Improvement), no caso específico deste artigo,
ampliam este conceito ao pretenderem o desenvolvimento de um modelo para os
processos de negócio intensivos em conhecimento, doravante designado KBPI, e
fundamentado na teoria do conhecimento de Popper.
Dalmaris et al (2007b) destacam a idéia central da epistemologia
popperiana sobre o desenvolvimento do conhecimento como um processo crítico
de “resolução de problemas”, como parte integrante de seu modelo de processos
de negócio intensivos em conhecimento. Segundo eles o KBPI é composto de três
partes: a epistemologia, a ontologia dos processos de negócios e a metodologia de
desenvolvimento (Dalmaris et al, 2007b, p. 3). Afirmam que a razão pela qual
escolheram a epistemologia popperiana para fundamentar o modelo KBPI, seria
pelo fato desta epistemologia considerar a obsolescência do conhecimento em sua
essência, pelo processo de tentativa e eliminação de erro, o conhecimento é
abolido (eliminado) e substituído por novos e melhores conhecimentos
modificados (Dalmaris et al, 2007b, p. 2).
Durante a elaboração do modelo KBPI aplicam a metodologia que
denominaram eliminação do erro, numa analogia clara com a tese da
falseabilidade de Popper, sobre o desenvolvimento de teorias, que pode se
observar pela seguinte descrição:
“A eliminação do erro é um mecanismo pelo qual teorias existentes são melhoradas. Cada enunciado que fazemos é uma teoria. Formulações de problemas (enunciados de problemas) e suas soluções são teorias que nos ajudam a dar sentido e interagir com o meio ambiente. A eliminação do erro é crítica no sentido de projetar uma teoria melhor. Seguindo Popper (1972) e Niiniluoto (1999), cada tentativa de falsificar uma teoria fornece uma oportunidade de aprimoramento. A falsificação pode ser alcançada usando uma lógica dedutiva, assim como acontece no campo da matemática, ou através de experimentos. Na maior parte dos casos presentes nessa pesquisa, ambas as formas de falsificação foram usadas. Aqui, a lógica foi usada para produzir a formulação do problema e uma tentativa de solução original. A utilização da experiência foi feita sob a forma de estudos de caso. Um erro em uma teoria é descoberto quando o que é percebido pelos nossos sentidos não está de acordo com a teoria – com o que nós esperamos. Isto leva à falsificação da teoria original e muitas vezes indica a localização e a natureza da inconsistência entre a teoria e o fato observado. Essa informação é usada pelo pesquisador para corrigir o erro indicado pelo teste, e para produzir uma teoria presumivelmente nova e melhor”. (Dalmaris et al, 2007a, p. 286)
104
Asseguram ainda que a apropriação desta metodologia de eliminação de
erros foi ainda mais desafiadora, ao ser utilizada para encontrar uma solução
consistente, capaz de incorporar componentes teóricos e práticos, ao proporem a
classificação dos erros em três tipos: erros de fundamentação teórica, erros de
representação de processo, e erros da metodologia de desenvolvimento,
detalhados em Dalmaris et al ( 2007a) como se seguem:
“(1) Erros da base teórica. Esses são erros relacionados à epistemologia, e sua habilidade de fornecer definições apropriadas às questões fundamentais relacionadas com essa pesquisa, tais como ‘o que é conhecimento’. (2) Erros de representação do processo. Esses são erros relacionados à representação de um processo de negócio como uma instância da ontologia de processos de negócio. (3) Erros de desenvolvimento da metodologia. “Esses são erros relacionados à aplicação do desenvolvimento do quadro de referência de um processo de negócio”. (Dalmaris et al, 2007a, p.287)
Vale a pena destacar como Dalmaris et al, adotaram a metodologia
popperiana de resolução de problemas, ao aplicá-la ao processo de resolução de
erros do tipo 1, na ocasião da construção do modelo KBPI.
“(1) Problemas na definição do conceito de conhecimento e como o conhecimento pode ser encontrado em processos de negócio pertencem à primeira classe de erros. Foi determinado que as soluções (respostas ao problema básico de epistemologia) disponíveis na literatura não eram adequadas, uma vez que as definições ou explicações eram muito ambíguas para serem úteis na prática. Soluções para esse tipo de erros foram encontradas, subsequentemente, nos trabalhos de Karl Popper e foram adotadas no quadro de referência. Essas soluções se tornaram fundamentais para o resto do quadro de referência, já que tanto a ontologia do processo de negócio como o desenvolvimento da metodologia se basearam nelas”. (Dalmaris et al, p. 287)
Além da possibilidade de avaliação e eliminação do conhecimento vigente
pelo método de conjecturas e refutações, outra importante contribuição de Popper
ao modelo KBPI, se fundamenta na tese do terceiro mundo, ou seja, na defesa de
uma epistemologia sem um sujeito conhecedor. Entretanto, de acordo com
Dalmaris et al (2007b, p. 3-4) a contribuição fundamental de Popper reside na
definição do conhecimento como “soluções de problemas”, em oposição à
definição popular que descreve o conhecimento como “crenças verdadeiras
justificadas”. Dentro deste contexto argumentam que o conhecimento cresce
através de um ciclo continuamente repetido de suposição/teorização para construir
105
novos conhecimentos e testar estes conhecimentos contra uma realidade externa,
possibilitando a eliminação de erros de forma seletiva. Segundo Dalmaris et al,
uma das peças vitais dessa epistemologia é que alguns tipos de conhecimento
podem existir e persistir independente do “conhecedor”. Para Popper, o
conhecimento pode existir fora do cérebro humano num sentido objetivo (Popper,
1972, pp.73-74), em outras palavras, o conhecimento objetivo pode ser autônomo
e independente do conhecedor. E por causa dessa independência do conhecedor,
o conhecimento objetivo (ou explícito) pode ser submetido às mentes conscientes
e a uma crítica linguística e intersubjetiva, diferença crucial do conhecimento
tácito que não pode ser criticado (Popper, 1972, p.66). A qualidade do
conhecimento não está relacionada ao sujeito do conhecimento, mas ao nível com
que é testado ou verificado (criticado por seus erros potenciais pelo(s) seu(s)
usuário(s)).
A epistemologia de Popper também especifica o “lócus” do conhecimento,
que pode ser encontrado em três diferentes mundos ontológicos. O “mundo 1”
corresponde ao mundo físico e tudo que existe nele. O “mundo 2” representado
pelo mundo das nossas experiências pessoais subjetivas. E o “‘mundo 3” que
corresponde ao mundo do conteúdo lógico de coisas, como os livros e a memória
do computador (Popper, 1972, p.74). Dalmaris et al, não fazem distinção entre
dado, informação ou conhecimento. Segundo eles, dentro do paradigma
popperiano, dados e informações podem ser vistos como formas de conhecimento
menos integradas e testadas. Para eles o conhecimento é o único que torna
possível a interpretação, uma vez que envolve o como-conhecer (know-how)
interpretativo.
Portanto ao adotar a concepção de um terceiro mundo objetivo concebida
em Popper (1999, p. 109), Dalmaris et al afirmam ter obtido as ferramentas
conceituais adequadas ao desenvolvimento do modelo KBPI, e distinguem três
pontos importantes que integram as idéias de Popper ao modelo proposto:
“1. O conhecimento objetivo pode existir fora do cérebro e pode ser armazenado em ‘reservatórios’ de conhecimento. Portanto, a tecnologia pode ser usada para armazenar e transportar conhecimento do ‘mundo 3’. O conhecimento que pode existir independente e autônomo em formas objetivas é de grande valor para a gestão do conhecimento (KM). 2. O KBPI enfatiza o conhecimento objetivo em oposição ao subjetivo. Isso porque o conhecimento objetivo pode ser transferido e testado facilmente, enquanto o conhecimento subjetivo não apresenta esta
106
facilidade. Ainda assim, o conhecimento subjetivo, é reconhecido como importante. 3. O conhecimento do ‘Mundo 3’ é expresso linguisticamente. A linguagem é necessária para a transferência de conhecimento codificado de um conhecedor para outro, e deve ser usada com cuidado para assegurar a objetividade e clareza”. (Damaris et al, 2007b, p. 4)
Dalmaris et al (2007a, p.288) admitem preferência pelo racionalismo crítico
de Popper enquanto fundamentação epistemológica do modelo KBPI, e justificam
esta opção com base no extenso estudo comparativo entre teorias epistemológicas
publicado por Niiniluoto (1999)21. Segundo eles, a obra de Niiniluoto (1999)
oferece uma análise profunda e a justificativa para a adoção do “racionalismo
crítico”. Asseveram que no seu livro ele estuda detalhadamente um grande
número de epistemologias concorrentes, incluindo várias vertentes do
construtivismo adotadas por diversos gestores do conhecimento, avalizando a
epistemologia de Popper como um instrumento para a compreensão dos
fenômenos do mundo real. Neste entendimento Dalmaris et al (2007, p. 288)
reforçam a adoção da perspectiva popperiana para o desenvolvimento do modelo
KBPI.
Os artigos de Dalmaris et al (2007a, 2007b) colocam em evidência a
relevância da associação entre a epistemologia e a ciência organizacional,
ilustrando de forma exemplar como a filosofia da ciência de Popper disponibilizou
arcabouço conceitual importante para o desenvolvimento de um novo modelo
teórico orientado ao desenvolvimento de uma prática organizacional
fundamentada pela epistemologia, que visa ajudar as organizações a aprimorar o
desempenho de seus processos de negócio.
Outro exemplo de como a epistemologia de Popper tem ajudado a
desenvolver o pensamento crítico na ciência organizacional pode ser observado no
trabalho de Fontaine (2007), por intermédio do artigo “Cross-cultural
management: six perspectives” nos oferece outra interessante perspectiva sobre a
epistemologia de Popper. Em sua pesquisa Fontaine (2007, p. 125-134) faz
referência ao critério de demarcação e ao método de verificação de teorias
popperiano, ao ponderar sobre as diferentes abordagens possíveis para o
21 Para uma análise mais profunda e justificativa da abordagem escolhida por Dalmaris et
al, no desenvolvimento do modelo KBPI, ver Niiniluoto, I., Critical Scientific Realism, Oxford University Press: Oxford, 1999.
107
“gerenciamento intercultural” (cross-cultural management)22. Destaca a
relevância das discussões acadêmicas em torno da disciplina do gerenciamento
intercultural, ao observar que quase todos os gestores, do CEO (Chief Executive
Office)23 até o supervisor, atuam como gerentes interculturais, e ainda que
entendam a relevância desta atuação poucos sabem, verdadeiramente, como agir
ao assumir esta função.
Fontaine (2007) principia seu artigo estabelecendo alguns pressupostos
relativos à abordagem tradicional das pesquisas sobre o gerenciamento
intercultural. Afirma que segundo esta perspectiva tradicional, diferentes valores
entre grupos conduzem a diferentes culturas, e que a mensuração do número de
problemas relacionados a sociedades culturalmente heterogêneas poderia ser feita
através do registro do número de distúrbios, de natureza étnica, num dado período
de tempo. Pela assunção destas premissas, Fontaine concorda que as sociedades
culturalmente mais homogêneas deveriam apresentar menos distúrbios raciais do
que sociedades culturalmente menos homogêneas. Fontaine estudou por sete anos
o gerenciamento intercultural na Malásia e apresentou um contra-exemplo a essa
teoria ao afirmar que a Inglaterra, da década de oitenta até 2001, vista como uma
sociedade culturalmente homogênea teve oito conflitos raciais, enquanto na
Malásia, vista como uma sociedade culturalmente heterogênea, não foi observado
nenhum conflito neste mesmo período. Assim sendo, Fontaine propõe entender tal
contradição a partir do estudo de seis teorias sobre o gerenciamento intercultural:
a abordagem clássica, antropológica, psicológica, estereotipada, gerenciamento do
conhecimento e sistemas de pensamento.
As questões levantadas por Fontaine (2007, p. 125-131) sobre cada uma
destas abordagens teóricas, se basearam no estudo de caso sobre o papel atribuído
a um gerente intercultural malasiano, cujas implicações relacionadas a cada uma
destas possíveis abordagens na pesquisa do gerenciamento intercultural, são
apresentadas como se seguem:
22 Segundo o IDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial)- http://www.institutoidg.org/ “Cross-Cultural Management” tem por objetivo ampliar os conceitos e processos de comunicação sob a ótica da globalização, traduzindo na prática as novas competências nas relações interpessoais e de negócios. 23 Dispensamos a tradução do termo CEO - Chief Executive Office, pois o termo, em inglês, costuma ser adotado pelos acadêmicos da administração para designar a pessoa com a mais alta responsabilidade ou autoridade numa organização.
108
Abordagem Clássica – o gestor intercultura aceita a teoria de Hofstede
(1980)24, por acreditar que todos os malasianos compartilham o mesmo valor
cultural.
Abordagem Antropológica – o gestor intercultural não aceita a
generalização da cultura malasiana, proposta pelo modelo de Hofstede (1980),
considerando a diversidade proposta pela teoria geral da cultura, onde os gestores
interculturais devem se assemelhar mais aos antropólogos.
Abordagem Psicológica – o gestor intercultural seria capaz de conhecer e
modificar os fatores do contexto. Os fatores de contexto, ilustrados em Fontaine
(2007, p. 127) são; as políticas nacionais, organizacionais e fatores individuais, de
forma a minimizar as diferenças contextuais no ambiente de trabalho.
Abordagem Psicológica com foco em estereótipos – o gestor intercultural
age mais como um conselheiro psicológico, ajudando os membros da equipe a
identificar e modificar o estereótipo negativo que tem a respeito de outros grupos.
Abordagem Gerenciamento do Conhecimento – o gestor intercultural atua
como facilitador do processo de gerenciamento do conhecimento na medida em
que é capaz de transformar conhecimento tácito em explícito, conciliando as
diferenças culturais.
Abordagem Sistemas de Pensamento – o gestor intercultural passa a ter
como papel fundamental a capacidade de projetar ou reprojetar novos sistemas
organizacionais visando à melhoria das relações interculturais.
O aspecto mais relevante do artigo de Fontaine (2007, p.133) considerando
o objetivo desta dissertação, reside no tópico Limitações, ao salientar que todas as
abordagens anteriormente mencionadas permitem muitas críticas, e afirmar que
muitas teorias do gerenciamento intercultural não são “teorias boas” de acordo
com os critérios popperianos (2002)25.
Fontaine se refere ao critério de demarcação de Popper (2002), mesmo de
forma implícita, ao argumentar que boas teorias têm de ser “arriscadas”, ou seja,
elas devem mostrar se são verdadeiras ou falsas, uma teoria não arriscada se ajusta
24 Fontaine faz severas críticas aos pressupostos de Hofstede, G., Culture’s Consequences, Sage, CA: Thousand Oaks, 1980, ao constatar que a Malásia em 2005 era um país, cuja população era constituída por 60% de malasianos, 27% de chineses, 7% de indianos e outros grupos étnicos que coexistiam em um ambiente multicultural. 25 Fontaine faz alusão ao livro de Popper, Conjecture and Refutations, London: Routledge Classics, 2002.
109
a qualquer conjunto de dados, não sendo possível dizê-la como verdadeira ou
falsa. Segundo Fontaine é fundamental encontrar o ponto fraco de uma teoria, e
cita Mackenzie e Afzalur Rahim (2003)26 ao assegurar que eventualmente todas as
teorias se provam erradas ou necessitam de reformulação. Em vez de tentar
justificá-la, a melhor maneira de aprimorar a teoria é encontrar onde ela falhou. A
falha, uma vez identificada, pode levar a reformulação da teoria. Pode-se ultimar
que Fontaine ao citar Popper procura evidenciar o valor da proposição de novas
teorias para o gerenciamento intercultural, que sejam passíveis de avaliação
segundo as regras metodológicas da epistemologia popperiana. Neste sentido a
lógica dedutiva de Popper parece ser uma via alternativa à construção de teorias
organizacionais mais progressivas como também afirma Camerer (1985) em seu
artigo Redirecting research in business policy and strategy, ao argumentar que a
teorização dedutiva pode ser a maneira mais útil de abordar as questões
organizacionais.
26 Mackenzie, K.D. and Rahim, M.A. (2003), ‘‘Strong inference and weak data’’, in Rahim, M.A., Golembiewski, R.T. and Mackenzie, K.D. (Eds), Current Topics in Management, Vol. 8, Transaction Publishers.