TEORIA DO...

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Apostilas do Cipes 1 TEORIA DO SOCIALISMO Texto 1 FONTES DO SOCIALISMO CIPES Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais

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Apostilas do Cipes 1

TEORIA DO SOCIALISMO

Texto 1

FONTES DO SOCIALISMO

CIPES

Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais

2

Esta apostila foi elaborada pela Equipe de Estudos Teóricos do CIPES,

responsável pelo Curso “Teoria do Socialismo”.

A edição é do Grupo de Publicações do CIPES.

Os interessados em adquirir as apostilas e demais publicações devem

escrever para:

CIPES- Grupo de Publicações

Rua Mário Amaral, 320- CEP: 04002

São Paulo- São Paulo

Tel.: 289 0383

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NOTA PRELIMINAR

O Curso Teoria do Socialismo faz parte de um conjunto de cursos que

têm como temática central o socialismo. Eles abrangerão, além desse, outros

sobre a História e a Prática do Socialismo. Com isso, pretendemos fornecer

aos interessados opções que possam levá-los a informar-se melhor das

questões do socialismo, situando-os na problemática atual dessa doutrina.

Temas ou aulas do Curso Teoria do Socialismo:

1. Fontes do Socialismo

2. Transformação do Socialismo em Ciência

3. Papel da Filosofia na Teoria do Socialismo

4. Fontes Objetivas do Socialismo

5. “O Capital” - comprovação científica da hipótese de Marx

6. Categorias de “O Capital” - I

7. Categorias de “O Capital” – II

8. Categorias de “O Capital” – III

9. A Acumulação Capitalista

10. A superestrutura do Capitalismo

11. A Historicidade do Capitalismo

12. Teoria da Transição Socialista

13. Teoria do Socialismo no Brasil

A presente apostila – Fontes do Socialismo – é, pois, a primeira de um

conjunto de 13 textos que servirão de referência de consulta para o curso

acima.

Tanto o curso quanto as apostilas que o auxiliam destinam-se a

iniciantes ou pessoas interessadas em rever o assunto. As apostilas, em

especial, procuram veicular somente informações gerais e indicar fontes que

possam servir de material para um posterior aprofundamento dos

conhecimentos. Elas procuram ser didáticas, muitas vezes utilizando o

sistema de verbetes, de modo a fornecer aos que leem a base mínima para

compreenderem os textos clássicos e outras indicações bibliográficas.

As apostilas procuram, por outro lado, estar de acordo com o plano de

aulas do curso. Entretanto, elas fornecem uma diversidade maior de

informações, enquanto as exposições podem sintetizar algumas delas ou

aprofundar outras, dependendo das limitações de tempo e das questões

suscitadas no decorrer do curso.

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ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 5

II. FONTES OBJETIVAS ......................................................................................................... 8

1.Contradições da sociedade feudal .......................................................................... 8

2. Contradições internas do sistema burguês .................................................... 10

3. A anarquia na produção ......................................................................................... 13

III. FONTES TEÓRICAS ........................................................................................................ 15

1. Ideias existentes no séc. 17 e 18 ......................................................................... 15

2. Os iluministas dos séculos 17 e 18 .................................................................... 18

3. Os socialistas utópicos dos séculos 17 e 18 ................................................... 19

4. As ideias de fins de séc. 18 e início do séc. 19 ............................................... 19

5. A filosofia alemã- fins do século 18 e início do século 19 ........................ 22

6. O socialismo utópico do século 19 ..................................................................... 24

IV. ALGUMAS CONCLUSÕES ............................................................................................. 26

V. INDICAÇÕES DE LEITURA .......................................................................................... 28

APÊNDICE ................................................................................................................................. 29

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FONTES DO SOCIALISMO

INTRODUÇÃO

“Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo. Todas as

potências da velha Europa uniram-se numa Santa Aliança para exorcizá-lo: o

Papa e o Czar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e os espias da polícia

alemã.

Qual o partido da oposição que não foi acusado de comunista por seus

adversários no poder? Qual o partido de oposição que também não lançou

contra seus adversários progressistas ou reacionários o estigma do

comunismo?”

Estas palavras foram escritas por Max e Engels quando publicaram o

Manifesto Comunista. Nessa época, o tipo de socialismo defendido por eles

era somente um entre diversos existentes em cada país da Europa. De lá para

cá esses socialismos sofreram um processo muito diferenciado. Alguns

desapareceram completamente, como os críticos-utópicos; outros

desapareceram por um longo período, voltando a ressurgir na atualidade,

como o anarquismo e o socialismo cristão. O marxismo, por sua vez, o único

socialismo que conseguiu tornar-se realidade prática, divide-se atualmente

em várias correntes e enfrente uma séria crise.

Por outro lado, desde meados do século 18 até hoje, o mundo tem

presenciado uma enorme quantidade de comoções e transformações sociais.

Nenhuma outra época da humanidade conheceu, mesmo remotamente, algo

parecido. A maioria dessas comoções ou transformações realizou-se tendo

como motivação o socialismo, aquele fantasma que aterrorizava reis e

ministros.

- Na revolução Francesa apareceu Babeuf e sua “Conspiração dos Iguais”;

- Em 1871 o proletariado revolucionário de Paris faz a primeira tentativa

séria de materialização do Socialismo através da Comuna de Paris;

- Em 1905 a classe operária russa entra na cena revolucionária com

aspirações nitidamente socialistas, organizando órgãos de poder idênticos

aos da Comuna de Paris (os sovietes);

- Antes da Primeira Guerra Mundial, nas revoluções persa, turca e chinesa

transpareceram muitas aspirações socialistas;

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- A revolução russa de 1917 colocou o socialismo no terreno da prática,

comprovando a possibilidade real de sua materialização. Pela primeira vez

na história, a classe operária de um país, dirigida por um partido marxista,

assumia o poder colocando-se como tarefa expressa construir o socialismo,

estabelecendo uma sociedade na qual as classes e o Estado fossem se

extinguindo paulatinamente.

- Da revolução russa em diante, todas as revoluções e transformações sociais

ocorridas deram-se sob a bandeira do socialismo. As revoluções derrotadas

da Hungria e Alemanha (1919) travaram-se na perspectiva do socialismo. O

mesmo se deu com a revolução espanhola (1936);

- Na última fase da Segunda Guerra Mundial, na esteira do Exército Vermelho

Soviético, o manto do socialismo entendeu-se à Europa Oriental;

- A revolução chinesa, depois de uma prolonga luta armada, libertou das

trevas feudais e do imperialismo uma imensa população, abrindo para ela as

perspectivas do socialismo;

- As revoluções da Indochina, Coréia, Cuba, antigas colônias africanas, Chifres

da África, Iémen do Sul e Nicarágua, revoluções vitoriosas, são também

classificadas como revoluções socialistas ou pró-socialistas.

Das revoluções vitoriosas deste século, somente a revolução iraniana foi

travada sob uma bandeira diferente.

Na atualidade, 30% da área territorial do globo e 35% de sua população

vivem em países que estiveram envolvidos em profundas transformações

sociais e que, em geral, denominam-se ou são denominados socialistas ou

pró-socialistas.

Mesmo assim, o socialismo como doutrina e como prática não é algo de

consenso nem entre os marxistas. Eles travam uma grande polêmica sobre

quase todos os aspectos de teoria socialista e, em especial, sobre os

resultados das experiências dos países que realizaram revoluções sociais sob

motivações socialistas.

Os capitalistas e seus ideólogos, por seu turno, chamam de socialistas e

comunistas, indistintamente, a todos os países que realizaram revoluções. E

aproveitaram-se daquela polêmica e de acontecimentos como os do

Afeganistão e da Polônia para proclamar que o “socialismo está em

decadência” (Ronald Reagan).

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Entretanto, é fora de dúvida que o socialismo ainda é a grande esperança

de milhões de trabalhadores. A classe operária polonesa não pretende um

retorno às mazelas do capitalismo, do mesmo modo que o proletariado

brasileiro e o proletariado dos países capitalistas veem como uma

perspectiva real para resolver seus problemas fundamentais o regime

socialista.

Independentemente de toda a crise que atravessa, o socialismo

demonstra uma grande vitalidade. Um dos sinais mais evidentes dessa

vitalidade reside no ressurgimento de diversas tendências do socialismo

burguês. Mesmo no Brasil não são poucos os representantes burgueses que

se apresentam como socialistas. Delfim Neto é “socialista Fabiano”; Jânio

Quadros é adepto do “socialismo democrático”, e assim por diante. Os

partidos burgueses da socialdemocracia europeia apresentam-se cada vez

mais como alternativas “socialistas” ao capitalismo.

Paradoxalmente, então, ao mesmo tempo que é apregoada a crise e a

decadência do socialismo, em particular do socialismo marxista, a influência

desse socialismo estende-se a camadas cada vez mais amplas das populações

do mundo. E, em qualquer discussão sobre os problemas atuais da sociedade

humana, a solução socialista aparece naturalmente como a mais correta e

viável.

O SOCIALISMO É, POIS, UMA TEORIA PRESENTE NA ATUALIDADE.

Ele aparece, é verdade, como em seus primórdios, dividido em

diversas correntes que se multiplicam mais em uns países do que em

outros. Enfrenta novamente uma série de problemas que ainda não foi

capaz de resolver. Para solucioná-los será necessário conhecer os traços

fundamentais de sua teoria e o processo pela qual ela surgiu, desenvolveu-

se e chegou ao estágio atual. Sem voltar a empreender esse primeiro passo

não será possível avançar muito no rumo da libertação da classe operária e

demais trabalhadores.

O objetivo do presente curso reside justamente em retomar, mesmo

de forma simples e sem maiores aprofundamentos, o processo de

surgimento da teoria socialista e seus traços fundamentais.

Nesta primeira aula examinaremos como surgiu o socialismo,

mostrando em linhas gerais suas fontes objetivas e suas fontes teóricas, e

procurando extrair daí as lições mais evidentes.

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FONTES DO SOCIALISMO

II

FONTES OBJETIVAS

1.Contradições da sociedade feudal

Se tomarmos como ponto de partida a sociedade feudal da Europa,

verificaremos que, a partir de determinado momento de sua história,

começaram a ocorrer dentro dela alguns fenômenos e contradições que não

se davam antes.

- Conjugado com o aumento da população e a expansão da agricultura,

ocorreu uma ativação no comércio;

- Essa ativação econômica levou ao surgimento e ampliação dos burgos

(cidades comerciais), ao aparecimento e ampliação de uma camada de

pessoas que se dedicavam a essa atividade (os comerciantes), ao incremento

da navegação;

- Surgiram também, ligadas a todo esse processo de ativação econômica, as

manufaturas, em geral pertencentes a comerciantes burgueses;

- Essas manufaturas criaram as condições para a transformação dos antigos

trabalhadores num trabalhador de tipo diferente um trabalhador

assalariado.

As novas condições criadas pelo comercio e pela manufatura levaram

a que os interesses dessa nova camada social burguesa, desde o começo,

fossem se diferenciando cada vez mais dos interesses da nobreza feudal, dos

senhores de terras. Estes detinham uma série de privilégios e seu domínio

sobre a sociedade determinava a organização da agricultura e, também, das

próprias manufaturas.

Esses interesses diferentes entraram em choque quando a burguesia

ganhou maior desenvolvimento através dos lucros obtidos com as

descobertas marítimas, em especial com a descoberta da América. Entre as

consequências trazidas pelas descobertas marítimas pode-se citar:

- Elas prepararam o terreno para o estabelecimento de um mercado mundial;

- Esse mercado mundial foi definitivamente estabelecido quando a

manufatura se transformou na indústria;

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- Esse mercado mundial, por sua vez, deu um novo e grande impulso ao

comércio, à navegação, às comunicações, reagindo então positivamente

sobre a indústria.

Com isso, a burguesia alcançou um desenvolvimento acentuado. Esse

desenvolvimento por seu lado, gerava novas condições que forçavam a

burguesia, para continuar desenvolvendo-se, a lutar por novas condições

que não encontrava no regime feudal.

- necessitava de trabalhadores livres, cuja força e trabalho pudesse comprar

e usar quando necessitasse;

- precisava derrubar as barreiras feudais ao livre comércio, barreiras que

com suas taxas e outros tributos, encareciam demasiadamente as

mercadorias;

- precisava de uma agricultura que pudesse vender livremente seus

produtos para os habitantes das cidades, entre os quais se encontravam os

operários das suas indústrias;

- precisava modificar a organização feudal das manufaturas, de modo a que

as máquinas e as técnicas de produção pudessem desenvolver-se

livremente.

Em outras palavras, as relações de propriedade próprias do regime

feudal eram incompatíveis com o desenvolvimento das novas condições de

produção que levaram ao surgimento da burguesia.

Essa incompatibilidade aumentou ainda mais com a revolução

industrial.

- O sistema de guildas ou dos grêmios medievais que dominava nas

organizações dos artesãos e, em parte, nas manufaturas, impedia o livre

desenvolvimento da técnica e sua universalização; enquanto a manufatura

Mercado

mundial

Transformação

da manufatura

na indústria

Ativação do

comércio, etc. Novo impulso ao

comércio, à navegação, à

indústria, etc.

Descobertas

marítimas

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moderna e a indústria necessitavam de trabalhadores que pudessem

manejar qualquer máquina e de máquinas nas quais não houvessem

segredos de funcionamento;

- com a difusão das maquinas provenientes da revolução industrial, a

indústria precisava de número crescente de braços, de operários em

condições de vender sua força de trabalho aos donos das máquinas. O

número de servos fugitivos era insuficiente. A organização parcelaria era

um entrave à constituição do mercado industrial do trabalho.

Essa crescente incompatibilidade e os choques daí decorrentes entre as

novas condições burguesas e as formas feudais de propriedade foram

acompanhadas de uma luta política dessa burguesia contra o sistema

feudal. Essa luta foi bastante prolongada e só se completou quando a classe

burguesa conquistou o domínio político da sociedade.

A luta da burguesia contra a nobreza feudal assumiu formas muito

diferentes de país para país.

- Na Itália e na Alemanha a burguesia formou repúblicas urbanas

independentes, mas seu domínio completo só foi alcançado através de

acordos com a nobreza ou parte dela;

-Na Inglaterra a burguesia desde o início se alia uma parte de nobreza;

depois é obrigada a proclamar a república para, posteriormente, voltar

atrás e aceitar a monarquia constitucional. O mesmo ocorreu de modo mais

ou menos semelhante à Holanda;

- Na França a burguesia primeiro estabelece associações amadas,

administrando-se a si própria nas comunas; depois, passa a ser um terceiro

estado, tributário da monarquia; finalmente, realiza uma revolução radical

para romper com todas as travas feudais.

Na luta contra a nobreza feudal, a burguesia viu-se obrigada a

levantar uma série de novos princípios e normas de organização social e

apresentar esses princípios como se fossem do interesse de toda a

sociedade. Isto fazia parte das contradições do próprio sistema burguês que

se gestava dentro da sociedade feudal.

2. Contradições internas do sistema burguês

A radicalidade e as formas de luta assumidas pela burguesia na luta

contra a nobreza feudal dependeram, em grande medida, em cada país, da

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participação da nova classe plebeia que surgira junto com a burguesia e

como seu contrário: a classe dos proletários modernos, dos trabalhadores

assalariados modernos.

- o operário assalariado moderno é um produto de novo modo de

produção capitalista. Quanto mais se desenvolvia a burguesia, o capital,

mais se desenvolvia a classe dos operários

- os proletários são concentrados nas fábricas. São escravos diários

das máquinas, do chefe de seção, do gerente e, acima de tudo, do dono da

fábrica.

- mas os operários são, também, escravos da classe e do Estado

burgueses.

- além de serem explorados pelo capitalista, que se apropria do valor

excedente que cria com seu trabalho, o operário ainda se vê às voltas dos

comerciantes, dos proprietários de imóveis e de toda sorte de

sanguessugas;

Esse processo de exploração a que são submetidos os operários levá-

los a lutar contra a burguesia, desde o momento mesmo de seu nascimento.

- No início a luta é feita individualmente. Cada operário quer resolver seu

próprio problema diretamente com o patrão.

- Depois essa luta vai se ampliando. Ela passa para o nível da fábrica e

depois para uma categoria interna, contra o burguês que explica

diretamente não um, mas um conjunto de operários.

- Nessa fase, boa parte das energias dos operários em revolta vai contra as

máquinas, os instrumentos, os meios de produção e não contra o sistema

capitalista

individual

sanguessugas

diversos

OPERÁRIOS

classe

capitalista

Estado

burguês

comerciantes proprietários

de imóveis funcionários

do Estado

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burguês, que condiciona seu uso. Por exemplo, na época atual temos, de

certo modo, uma repetição desse fenômeno: todos se voltam contra a

energia atômica e contra os robôs, e não contra o sistema burguês

monopolista que condiciona o uso.

É nos primeiros tempos do sistema burguês que a burguesia consegue

unir e mobilizar o proletariado para alcançar seus próprios objetivos na

luta contra a nobreza feudal. Entretanto, nesta luta o proletariado também

luta contra a burguesia, eleva sua consciência e já levanta reivindicações

próprias que demonstram a independência de seus interesses de classe:

- As grandes massas plebeias participantes das diversas revoluções

burguesas eram constituídas por proletários e outros trabalhadores;

- Na revolução francesa de 1789-94, Babeuf é o representante do

proletariado independente;

- Na revolução francesa de 1848, Louis Blanc e Albert são os representantes

proletários;

- Na revolução burguesa alemã de 1848 são as massas operárias que

empurram a burguesia contra os nobres.

Mas o processo de concentração da indústria acelera o processo de

concentração do próprio proletariado, e consequentemente, seu grau de

organização. Isto acaba por transformar, conjugado com a elevação de sua

consciência, a luta dos operários numa luta de classe. Isto é, uma luta

política da classe dos proletários contra a classe dos burgueses e não mais

somente contra os burgueses individuais.

- A organização e luta dos operários em classe é dificultada pela

concorrência entre os próprios operários. Apesar disso, por volta de 1830

irrompem as revoltas lionesas (de Lion, na França), dos operários contra a

burguesia. Entre 1830 e 1850 surge o primeiro movimento revolucionário

de massas operárias, politicamente formado, o dos cientistas na Inglaterra;

em 1844, os tecelões da Silésia, na Alemanha, levantam-se em insurreição,

na primeira grande luta dos operários alemães.

Desse modo, a luta entre o proletariado e a burguesia, uma

contradição interna do regime burguês, passa paulatinamente a primeiro

plano.

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3. A anarquia na produção

As ferramentas, as máquinas, os meios de transporte, as indústrias, o

novo tipo de trabalhador, isto é, as forças produtivas desenvolvidas pelo

sistema burguês, sem paralelo na história da sociedade humana, tornaram-

se poderosos demais para as condições burguesas de propriedade. As

constantes crises do capitalismo expressam a permanente revolta dessas

forças produtivas contra as relações de propriedade que as condicionam:

- Na fábrica reina a mais completa organização e socialização da produção.

Toda a produção é planejada: cada máquina e cada operário e cada operário

possui cotas determinadas, que deve cumprir num determinado tempo e

ritmo; os diversos movimentos e operações são calculados e planejados de

modo cada vez mais apurado;

- A produção é cada vez mais social: qualquer mercadoria produzida pela

indústria incorpora porções de tempo de trabalho de inúmeros operários,

de diferentes ramos produtivos, do mesmo modo que numa fábrica cada

produto final contou com a participação direta ou indireta, em sua

produção, de todos os operários que nela trabalham;

- Na sociedade ocorre o contrário. Nela reina a anarquia: a produção não é a

realizada de acordo com um planejamento que atenda às necessidades

sociais. Cada capitalista produz conforme seus objetivos de lucro, sem levar

em conta o plano dos demais capitalistas individuais. Nem mesmo o

monopólio da atualidade, que avançou muito no processo de planejamento

externo de sua produção, conseguiu superar essa anarquia na produção;

- Em virtude disso são comuns as crises de superprodução, a destruição de

quantidades enormes de produtos em virtude de uma produção superior à

capacidade de consumo.

Entretanto, a superprodução não significa que os trabalhadores

tenham adquirido produtos demais e por isso não os queiram comprar para

seu consumo. Ao contrário. Ocorre que o grau de exploração a que são

submetidos os operários não lhes permite comprar mais do que o

estritamente necessário para sobreviver.

Assim, por um lado, a organização e a socialização da produção lhe dão

uma capacidade ilimitada de produção. As forças produtivas tendem

sempre a se desenvolver, aumentando o rendimento e a produtividade. Por

outro lado, a exploração dos operários pela burguesia, a apropriação da

produção pelo capitalista (em virtude de possuir a propriedade privada dos

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meios de produção e de troca), torna limitada a capacidade de consumo dos

trabalhadores.

A contradição entre a capacidade ilimitada da produção atender às

necessidades sociais e a limitada capacidade de consumo dos

trabalhadores, reflexo da contradição entre o planejamento interno e a

anarquia de produção, aguçam-se sem cessar na sociedade burguesa.

4. Conclusão

A luta do proletariado contra a burguesia e a anarquia na produção são

as principais fontes objetivas do socialismo:

- A miséria causada aos trabalhadores pela exploração capitalista leva

diversos pensadores a denunciá-la e propor projetos de igualdade social e

econômica, a mesma igualdade que a burguesia colocara em seu estandarte

para derrotar o feudalismo, mas depois transformou em igualdade

burguesa (igualdade jurídica mas desigualdade econômica e social);

- Esses projetos de sociedade exprimem as reivindicações igualitárias do

proletariado incipiente. Eles vêm acompanhados de uma denúncia candente

das injustiças e do mal existentes na organização social burguesa;

- Eles representam, pois, as manifestações teóricas de uma classe em

formação que ainda não havia desenvolvido a capacidade de travar uma

luta independente.

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FONTES DO SOCIALISMO

III

FONTES TEÓRICAS

1. Ideias existentes no séc. 17 e 18

Quando surgiram os primeiros sistemas socialistas, vivia-se por um

lado, a época da destruição da sociedade feudal e, por outro, as primeiras

manifestações de indignação dos predecessores do proletariado moderno

diante da situação de miséria e opressão a que eram submetidos.

Era a época, nos séculos 17 e 18 em que as novas condições de produção

empurravam a burguesia a desenvolver o seu modo de produção nos países

da Europa Ocidental, em especial na Inglaterra, Holanda e França. A

manufatura centralizada e as relações capitalistas avançavam nesses países

e, com elas, as pretensões da burguesia:

- Ela está descontente com as restrições a seus direitos e com os entraves que

se colocam à sua expansão;

- Mostra-se interessada em liquidar as relações feudais, em transformar a

propriedade territorial feudal em capitalista;

- Pretende suprimir as prerrogativas da nobreza e do clero e em abolir todas

as divisões e privilégios estamentais inerentes ao regime feudal;

- A monarquia absolutista não mais se coaduna com as pretensões burguesas.

Durante estes dois séculos as restrições do sistema feudal ao

desenvolvimento da nova organização de produção burguesa fizeram com

que surgissem inúmeros pensadores que apresentam, nas formas mais

variadas, as reivindicações e as aspirações da burguesia. Apesar das

diferenças existentes entre eles, condicionadas em parte pelo grau de

desenvolvimento da burguesia e pelas características assumidas por ela em

cada país, todos são adeptos das teorias iluministas (advogava o reino da luz

contra o reino obscurantismo) e racionalistas (o reino da razão).

Esses ideólogos da burguesia apresentam as reivindicações da

burguesia como conclusões de princípios eternos de direito natural.

Em síntese:

16

- As normas sociais e políticas que desejam ver predominar são apresentada

como naturais, como correspondentes à natureza em geral e à natureza

humana em particular;

- O Estado natural seria o estado da liberdade e da igualdade. Todos os

homens teriam direito de dispor livremente de sua pessoa e dos seus bens e

igual direito à liberdade;

- Entre os direitos naturais estaria a propriedade privada, inerente a cada

homem;

- O Estado surgiu para proteger a propriedade e a liberdade do homem, que

não estão asseguradas no estado natural;

- O Estado representaria uma certa renúncia à liberdade do homem, que

transmite à sociedade o direito de defendê-lo e a seus bens. Mas a liberdade

seria inalienável e, portanto, a renúncia à liberdade, pela formação do Estado,

é uma renúncia limitada. Portanto o Estado ideal seria o Estado resultante de

um contrato social em que todo o povo participasse na legislação;

- O Estado representaria, pois, a passagem do estado natural à sociedade civil

através de um contrato social que os homens celebrariam entre si. As

condições do contrato social seriam as condições sob as quais o poder do

Estado deve ser organizado.

- A baseado contrato social seria a soberania popular. O Estado deveria ser,

pois, democrático.

Todas essas ideias, que expressam o pensamento mais avançado da

burguesia no aspecto político, voltam-se contra a organização medieval.

Entretanto, para superar as concepções medievais e destruir seu regime

social e político, a burguesia tinha necessidade de pôr abaixo a concepção

religiosa-feudal do mundo, que proclamava e justificava a origem divina do

poder real; precisava demonstrar como irracionais e alheios ao direito

natural todos os velhos postulados e [palavra apagada] reclamando sua

abolição e a criação de novas relações sociais e de uma nova organização

política.

Os pensadores burgueses dessa época viram-se obrigados, então, a

retomar o materialismo como filosofia. Para explicar o direito natural do

homem em contraposição ao direito divino era necessário demonstrar que o

homem fazia parte da natureza e que esta, como aquele, não era fruto da

criação divina. Eles argumentavam, então, que:

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- A natureza não é resultado da criação divina; o mundo não foi criado por

ninguém, existe eternamente e dever ser explicado por si mesmo;

- O mundo possui uma substância única, um só princípio; é uma unidade. A

natureza é o próprio Deus. Este e aquela são uma e a mesma coisa;

- Na natureza tudo se realiza de modo necessário e está estritamente

determinado através de uma cadeia indissolúvel entre causas efeitos. Nada é

casual;

- O homem é parte da natureza, tal como os demais seres e objetos;

- A ação do homem também está subordinada à necessidade rigorosa e se

realiza segundo causas determinadas.

- A liberdade só é concebível dentro de determinados limites, estabelecidos

pela necessidade: o homem só é livre quando se guia pela razão, quando seus

atos são determinados por causas que podem ser justificadas.

Esse materialismo dos iluministas e racionalistas, assim como suas

ideias políticas, eram cheias de limitações condicionadas tanto pelo pequeno

desenvolvimento do conhecimento científico, quanto pelo baixo nível de

forças produtivas e da luta de classes. Mas elas significavam uma grande

revolução filosófica, que representou o prelúdio da revolução política

burguesa.

Essas concepções burguesas constituíam o “arsenal de ideias” existente

quando surgiram os primeiros socialistas.

Reconhecendo a situação de miséria causada pela exploração capitalista

em ascensão e pelo regime de servidão, reconhecendo os antagonismos de

classe e a ação destruidora dos elementos integrantes do próprio sistema

capitalista, os fundadores não foram capazes de ir além daquelas ideias

existentes.

Eles se valem, então, as ideias iluministas e racionalistas para encontrar

as causas das calamidades sofridas pela classe operária e demais

trabalhadores e os meios para eliminá-las:

- Denunciam principalmente os males da sociedade feudal e os novos hábitos

burgueses;

- Pregam um socialismo ascético, espartano, igualitário, tomando como

ponto de partida as formas atrasadas de pequena produção artesanal;

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- Proclamam o princípio da distribuição igualitária no contexto do baixo nível

de desenvolvimento do capitalismo e de seu modo de produção subordinado,

então, as necessidades sociais a esse nível de produção, limitando-as.

As ideias iluministas, reflexo das condições de existência da burguesia

naquele momento histórico, concretizaram-se na república burguesa e na

igualdade formal, na liberdade formal e na fraternidade formal.

As teorias dos primeiros socialistas foram suplantadas pelo próprio

desenvolvimento do capitalismo, que trouxe consigo o desenvolvimento da

técnica, dos conhecimentos científicos, da classe operária e da luta de classes.

A ideia que eles possuíam sobre o proletariado em formação como

classe sem qualquer iniciativa histórica ou qualquer movimento político

independente foi suplantada, também, por novos fatos históricos. No século

19, as revoltas operárias e o movimento cartista, colocaram em evidência as

possibilidades históricas do proletariado como classe.

2. Os iluministas dos séculos 17 e 18

Os mais destacados iluministas e racionalistas desse período

encontravam-se na Holanda, Inglaterra e, especialmente, na França.

Eles foram, em geral, cientistas, filósofos, juristas, políticos e artistas.

Deram importantes contribuições ao conhecimento das ciências naturais e

das matemáticas, retomaram o materialismo como concepção do mundo

natural, atacaram fortemente as concepções religiosas, desenvolveram

novas teorias sobre o direito e o Estado que correspondiam às necessidades

do desenvolvimento das novas condições burguesas. Em geral defenderam

teses democráticas e fora grandes defensores da liberdade de pensamento e

de consciência.

Destacamos os seguintes:

Holanda: Hugo Grócio (1853-645); Baruch (Benedito) Spinoza (1632-1677).

Inglaterra: Francis Bacon (1651-1626); John Milton (1608-1679); John

Locke (1632-1704).

Franças: Renèe Descartes (1569-1650); François Marie Arouet (Voltaire)

(1694-1788); Charles Louis Monstesquieu (1689-1751); Jean Jacques

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Rousseau (1712-1778); Paul Holbach (1723-1789); Claude Helvécio (1715-

1771); Dionise Diderot (1713-1784).

No apêndice desta apostila encontram-se as características principais

do pensamento de cada um destes pensadores, em especial aquelas que

influenciaram de forma progressista a luta filosófica e política.

3. Os socialistas utópicos dos séculos 17 e 18

São principalmente franceses e ingleses os criadores dos primeiros

sistemas socialistas utópicos. Isto é natural porque nesses países foi onde

primeiro se desenvolveram as novas condições burguesas de produção,

acompanhadas de todas as calamidades que se abatiam sobre os

trabalhadores.

O processo de implantação e expansão do capitalismo, aliado à

opressão feudal, tornava insuportável a vida dos servos e dos operários. Os

primeiros socialistas, diante desta situação, realizam uma crítica candente da

sociedade feudal e das desigualdades sociais. Voltam-se principalmente

contra a propriedade privada, que consideram a causa primeira de todos os

males e das desigualdades. Propõem, então, a abolição da propriedade

privada e a instauração da igualdade de bens.

Destacamos os seguintes socialistas utópicos deste período:

França: John Meslier (1644-1733); Morelly (...1775...); Gabriel Bonnot de

Mably (1709-1785); François (Graco) Babeuf (1760-1797);

Inglaterra: Gerard Winstanley (?)

No Apêndice desta apostila encontra-se algumas características do

pensamento de cada um.

4. As ideias de fins de séc. 18 e início do séc. 19

A evolução das condições materiais de existência da burguesia, como o

desenvolvimento das técnicas de produção, da força de trabalho, dos

conhecimentos científicos e da própria produção, as criaram as condições

para a revolução filosófica dos séculos 17 e 18.

Essa revolução filosófica, por sua vez, foi o prelúdio das revoluções

burguesas na Holanda, Inglaterra e França.

20

A revolução francesa de 1789-1794, em especial, tomou realidade os

postulados dos filosóficos e pensadores burgueses mais avançados. Com isso,

ela exerceu uma poderosa influência sobre as mentes dos homens daquele

tempo.

A revolução de 1789 e suas consequências causaram intensa comoção

em toda Europa e tiveram repercussão em todas as áreas do mundo onde a

civilização europeia havia chegado.

Em primeiro lugar ela colocou em evidência o fato de que a sociedade

não é algo imutável. Mostrou, ao contrário, que ela se encontra sob um

constante processo de desenvolvimento, de transformação. A revolução

industrial inglesa demonstrou isso no terreno da técnica, das forças

produtivas, e a revolução francesa teve o mesmo efeito no campo da política

e das classes.

Essa evidência, trazida à luz pela revolução industrial e pela revolução

francesa de 1789-94, entrava em contradição com a filosofia materialista

metafísica que havia servido à preparação revolucionária e predominava até

então. A concepção de uma sociedade estática, eterna, não se coadunava com

as inovações técnicas, com as descobertas científicas e muito menos com as

transformações sociais que estavam ocorrendo.

Os pensadores burgueses da Holanda, Inglaterra e França, porém, não

viviam condições que lhes possibilitassem a resolução desse problema

filosófico:

- Nesses países, a revolução burguesa já fora realizada e a burguesia,

premiada pela luta do proletariado e pela reação feudal, tentava consolidar

sua dominação;

- A aristocracia feudal realizava ataques de toda ordem contra a revolução

burguesa. Na própria França, após a queda de Napoleão e ascensão dos

Bourbons, desencadeou-se uma violenta reação contra a consolidação da

dominação burguesa, com a reação ideológica acompanhando e

fundamentando a reação política;

- O centro dos ataques ideológicos da reação feudal eram as ideias

iluministas; as concepções materialistas, em especial, sofriam grande

perseguição. Em tais condições, os pensadores burgueses foram refugiar-se

no idealismo filosófico. Essa vitória momentânea do idealismo sobre o

materialismo no campo da filosofia foi causada, também, pelo fato de que o

materialismo metafísico dos iluministas era incapaz de explicar os novos

21

fenômenos que ocorriam na sociedade e, em grande medida, as novas

descobertas no campo das ciências naturais;

- No terreno da política, o democratismo dos iluministas cedeu lugar ao

liberalismo. O desenvolvimento das relações capitalistas era acompanhado

pela ruína dos artesão e dos trabalhadores rurais e pela exploração

desumana dos operários fabris. A jornada de trabalho nas fábricas era

superior a 14 horas, inclusive para mulheres e crianças. Isso forçava o

proletariado à luta, fazendo com que a contradição com a burguesia passasse

a primeiro plano. Em tais condições, os pensadores burgueses passam a

salientar o princípio da utilidade pessoal e da liberdade de empreendimento

e contestam a legitimidade do governo do povo. Substituem a ideia da luta de

classes pela da solidariedade das classes. A ideia da igualdade entre os

homens é substituída pela ideia de desigualdade como uma lei supostamente

eterna.

Os princípios sociais burgueses são apresentados como eternos,

imutáveis, como expressão das leis da natureza. O Estado passa a ser

considerado como instrumento destinado a reconciliar e anular as

contradições de classe, erigindo-se em princípio a “não intervenção” do

Estado na economia. Essas ideias liberais substituem as ideias do iluminismo

nas burguesias francesa e inglesa.

Em contrapartida, essa situação, conjugada com as crises, o

desemprego e outros flagelos do capitalismo, fez com que crescessem a

indignação e o protesto espontâneo das massas operárias. Revoltas operárias

explodiram na França, Inglaterra e Alemanha. A luta entre operários e

burgueses começa a manifestar-se com força. E como seu reflexo surgem as

manifestações teóricas que representam aquela indignação e protesto

espontâneo dos proletários e semiproletários contra o novo sistema

capitalista.

Na Alemanha o capitalismo também se desenvolvia, mas num estágio

muito mais atrasado. Enquanto a Inglaterra, França e Holanda já haviam

realizado sua revolução burguesa, a Alemanha encaminhava-se para ela por

um caminho muito mais tortuoso.

A burguesia alemã, por contingências próprias, apresentava-se apática

e fraca, além de dominada pelos príncipes feudais. Entretanto, as mesmas

condições que a geraram, empurravam-na para remover os obstáculos

medievais. A divisão da Alemanha em múltiplos estados minúsculos, cada um

com uma legislação e taxas próprias, era um sério empecilho ao

22

desenvolvimento capitalista. Mas os comerciantes e fabricantes espalhados

por esses domínios feudais, tinham como consumidores principais de seus

produtos os príncipes nobreza.

Essas contingências históricas condicionaram as características da

burguesia alemã e de seus pensadores. Como os demais pensadores

burgueses dessa época, os ideólogos alemães situam-se no campo do

idealismo e suas teorias relativas ao direito e ao Estado são reacionárias.

Entretanto, as contingências particulares do desenvolvimento do

capitalismo na Alemanha, aliadas as descobertas científicas do período,

fizeram com que coubesse justamente à filosofia alemã a tarefa de resolver o

problema filosófico trazido à luz com as constantes transformações técnicas,

científicas e sociais.

A filosofia idealista alemã e o socialismo utópico de fins do século 18 e

início do século 19 constituíram duas fontes imediatas do socialismo

científico.

5. A filosofia alemã- fins do século 18 e início do século 19

Kant, Fitche, Schelling e Hegel são os representantes mais

característicos da filosofia alemã desse período.

Eles elaboram um sistema filosófico no qual se considera que a fonte de

conhecimento e da atividade é o espírito, a ideia. Cada um deles possui

diferenças em torno dessa questão e Kant chega mesmo a reconhecer a

possibilidade do homem conhecer certos fenômenos, ou seja, admite o

caráter objetivo de certos conhecimentos assim como a existência de um

mundo objetivo. Mas no fundamental eles consideram que todo o real

representa o reflexo de uma ideia. As leis seriam, pois, resultado da razão:

quanto mais perfeita fosse a razão humana, quanto mais educada, mais

perfeitas seriam as leis.

Entretanto, só isto não explicava o processo de mudanças que ocorria a

olhos vistos. Era necessário demonstrar que essa razão, essa ideia evoluía,

desenvolvia-se, o que refletiria também nas mudanças do real.

Hegel procurou demonstrar que todo real representa a evolução de

certos princípio absoluto. Este princípio ou ideia absoluta adota múltiplas e

variadas formas de expressão através de diversas fases sucessivamente

23

ascendentes. Desse modo, a sociedade, o Estado, o direito, a cultura,

representam formas de manifestações da ideia. Como a ideia de evoluir,

transforma-se, o mesmo ocorre com essas manifestações.

Essa teoria da evolução constitui o núcleo racional da teoria filosófica

hegeliana e representou uma verdadeira revolução no pensamento filosófico.

Apesar disso, a base idealista da filosofia alemã entrava em contradição

com a necessidade de arrasar com o obscurantismo religioso que dominava

as instituições do país. A luta contra a religião positivista levou os jovens

adeptos de Hegel, que elaborou o método dialético de forma mais

sistemática, a recorrer ao materialismo anglo-francês.

Para este, o único real é a natureza. Mas isto se chocava com o sistema

idealista hegeliano, para o qual a natureza é uma alienação da ideia absoluta,

algo assim como uma degradação da ideia. Porém, o idealismo alemão, com

sua dialética, explicava o processo de evolução da sociedade, enquanto o

materialismo metafísico era incapaz de fazê-lo. Para superar o idealismo

filosófico alemão era necessário, por um lado, demonstrar que a natureza é

independente da filosofia e, por outro lado, que também a natureza está em

constante processo de mudança e que as ideias em evolução constituem na

verdade o reflexo das mudanças que ocorrem na natureza e na sociedade.

A primeira parte dessa tarefa foi realizada por Feuerbach, que restaurou

o materialismo na filosofia:

- Para ele, a natureza existe independente da filosofia;

- A natureza é a base sobre a qual cresceram e se desenvolveram os homens

que são, por sua vez, produtos dessa mesma natureza;

- Fora da natureza e dos homens nada existe: os seres que nossa imaginação

religiosa cria não são senão reflexos fantásticos de nosso próprio ser.

O materialismo de Feuberbach não conseguiu resolver a outra parte da

tarefa, da relação entre o ser (a matéria) e o espírito (a ideia), mas seu

rompimento com o sistema idealista imperante teve um papel

importantíssimo no desenvolvimento posterior da filosofia.

Esse papel pode ser melhor compreendido se se recorda que a história

tem mostrado que a revolução filosófica em geral é um prelúdio da revolução

política. Na Alemanha, como na França do século 18, a revolução na filosofia

foi o prelúdio da revolução burguesa. As conquistas da filosofia alemã foram

24

a base imediata sobre o qual se desenvolveu uma nova e mais profunda

revolução filosófica que se coadunava com a existência e o processo de

desenvolvimento de uma nova classe social: o proletariado. A nova revolução

filosófica que se gestava na Alemanha foi o prelúdio da revolução política do

proletariado.

6. O socialismo utópico do século 19

Na mesma época em que a Alemanha marcha para realizar sua

revolução sobre a liberdade, a igualdade e a fraternidade mostravam sua

verdadeira natureza:

- A liberdade burguesa não era senão a liberdade do operário vender sua

força de trabalho livremente e do capitalista comprar essa força de trabalho

e utilizá-la como qualquer mercadoria.

- A igualdade resumiu-se na formula de que todos são iguais perante a lei,

sacramentando a desigualdade econômica e o direito dos proprietários de

capital explorarem os despossuídos;

Igualdade burguesa = desigualdade econômica e social

Liberdade burguesa

Operário livre de meios de trabalho

Operário livre para vender sua força

de trabalho no mercado

Capitalista livre para comprar e

utilizar a força de trabalho do

operário como qualquer mercadoria

Capitalista livre para explorar ao

máximo os possuidores de força de

trabalho, mas não possuidores de

capital

Capitalista livre para manter as

grandes massas trabalhadoras na

miséria

25

- A fraternidade transformou-se na obrigação dos trabalhadores não lutarem

contra seus exploradores (paz social);

Fraternidade burguesa = explorados manterem-se em paz, mesmo sendo

explorados ao máximo

Contra essa situação cresceu a indignação e o protesto dos operários,

indignação e protesto que se manifestaram teoricamente através dos

socialistas utópicos, em especial de Saint-Simon, Fourier e Owen.

A força desses socialistas utópicos baseava-se na crítica impiedosa dos

vícios e contradições do capitalismo, na busca de um caminho que conduzisse

a um novo regime social justo e na apresentação de pressupostos sobre a

forma desse futuro regime social.

Ainda influenciados pelo racionalismo, os socialistas utópicos do século

19 consideravam que o capitalismo e as contradições que lhe são inerentes

eram consequência da falta de aperfeiçoamento da razão humana.

Concluíram daí, ser possível explicar os representantes de todas as

classes da sociedade a irracionalidade e a injustiça do capitalismo, levando-

os a entender os projetos e planos do novo regime social justo e perfeito que

propunham e a esforçar-se por sua realização.

Limitados pelo baixo nível de organização e união dos proletários, não

acreditavam que a classe operária fosse capaz de realizar qualquer

movimento independente. Mas era à melhoria da situação dessa classe que

voltavam o melhor de seus esforços.

No apêndice encontram-se os traços principais do pensamento desses

pensadores.

26

TEORIA DO SOCIALISMO

IV

ALGUMAS CONCLUSÕES

Da exposição sobre as fontes objetivas e as fontes teóricas do socialismo,

assim como sobre os sistemas socialistas aparecidos nos séculos 17,18 e 19,

pode-se retirar algumas conclusões interessantes, referentes ao processo de

surgimento e desenvolvimento da teoria do socialismo.

1. Quando surgiram os primeiros sistemas socialistas, a luta do proletariado

contra a burguesia e a anarquia na produção (fontes objetivas) ainda não

havia alcançado um alto grau de desenvolvimento.

2. Essa situação objetiva condicionava o desenvolvimento das teorias

filosóficas e políticas. A luta do proletariado confundia-se com a luta da

burguesia contra a nobreza e essa luta dominava todo o curso dos

acontecimentos. As ideias novas que predominavam eram, então, as dos

iluministas e racionalistas.

3. As concepções filosóficas dos iluministas eram, em geral, materialistas.

Mas elas sofriam o defeito de se utilizarem de um método que não

correspondia ao processo real da existência da matéria, o método

metafísico.

4. Nessas circunstâncias, não haviam ainda amadurecido as condições

objetivas (materiais) e subjetivas (arsenal de ideias existente) para que os

pensadores preocupados com a situação da classe operária forjassem uma

teoria científica do socialismo.

5. Para que isso acontecesse era necessário que:

- a luta da classe operária contra a burguesia houvesse alcançado um nível

que demonstrasse praticamente a capacidade dessa classe travar suas

lutas de forma independente e suas perspectivas históricas.

- as contradições da filosofia (luta entre o materialismo e o idealismo e luta

entre metafísica e dialética) fossem resolvidas de modo a fornecer os

instrumentos científicos capazes de explicar as leis mais gerais da

natureza e da sociedade.

27

- o desenvolvimento da produção e do intercâmbio dos meios materiais de

vida, isto é, das condições materiais, econômicas, sobre as quais a

sociedade se eleva, houvessem alcançado um estágio em que fosse possível

suas leis de funcionamento.

6. Essas condições só começaram a se conjugar na primeira metade do século

19:

- as revoltas operárias em Lion (França) e o movimento cartista na

Inglaterra, por volta de 1830, foram as primeiras indicações da capacidade

independente da classe operária;

- os passos decisivos para a resolução das contradições em que se debatia

a filosofia foram dados pelos filósofos alemães em fins do século 18 e início

do século 19: eles retomaram a dialética como lei geral do conhecimento

(ou método científico do conhecimento) e repuseram o materialismo como

concepção filosófica do mundo;

- o conhecimento das leis que regem a produção e o intercâmbio dos meios

materiais, isto é, das leis econômicas que regem o desenvolvimento social,

deu um passo decisivo com as teorias econômicas dos fisiocratas franceses

e de Adam Smith: eles criaram a Economia Política clássica que teve seu

apogeu com David Ricardo na Inglaterra e Jean Sismondi na França.

7. Essas condições objetivas e subjetivas, e mais as ideias revolucionárias dos

socialistas utópicos franceses e ingleses, criaram as bases concretas para

que o socialismo se transformasse em ciência.

28

TEORIA DO SOCIALISMO

V

INDICAÇÕES DE LEITURA

1. Engels, F.: Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico – Partes I e II

2. Engels, F.: Anti-Duhring – Cap. I

3. Marx, C. e Engels, F.: Manifesto Comunista – Cap. I

4. Lênin, V.: Três Fontes e Três Partes Integrantes do Marxismo

5. Pokrovski, V.S.: História das Ideologias

6. Lênin, V.: Carlos Marx

Textos seguintes do Curso Teoria do Socialismo

Texto 2: Transformação do Socialismo em Ciência

Texto 3: Papel da Filosofia na Teoria do Socialismo

Texto 4: Fontes Objetivas do Socialismo

Texto 5: “O Capital” – Comprovação Científica da Hipótese de Marx

Texto 6: Categorias de “O Capital” – I

Texto 7: Categorias de “O Capital” – II

Texto 8: Categorias de “O Capital” – III

Texto 9: A Acumulação Capitalista

Texto 10: A Superestrutura do Capitalismo

Texto 11: A Historicidade do Capitalismo

Texto 12: Teoria da Transição Socialista

Texto 13: Teoria do Socialismo no Brasil

29

APÊNDICE

I. Os Iluministas dos séculos 17 e 18

1) Holanda

- Hugo Grócio (1583-1645): o primeiro que tentou expor, de toda forma

sistemática, a teoria do direito natural de acordo com as reivindicações da

burguesia. Foi influenciado pela revolução holandesa em luta pela liberdade

política e religiosa, contra o domínio espanhol e as normas feudais e pela

instauração da república burguesa sob a hegemonia dos comerciantes

abastados.

Obras principais: O Mar Livre (1609); Do Direito Da Guerra e da Paz (1625).

- Baruch (Benedito) Spinoza (1632-1677): foi o primeiro filósofo europeu do

século 17 a tentar explicar o mundo por si próprio. Dar uma explicação

materialista do mundo nessa época representou uma grande conquista

filosófica. Além de preconizar o materialismo materialista, Spinoza

manifesta-se, na política, resolutamente contra a monarquia absoluta.

Defende teses democráticas de organização política livra-se completamente

da influência das ideias religiosas nas suas teorias relativas ao Estado e ao

direito. Foi grande defensor da liberdade de pensamento e de consciência.

Obras principais: Ética Demonstrada pelo Método Geométrico; Tratado

Teológico-Político; Tratado Político.

2) Inglaterra

- Francis Bacon (1651-1626): pai do materialismo inglês. Para ele as ciências

naturais eram as verdadeiras ciências. A física experimental era a parte mais

importante das ciências naturais. Os sentidos são infalíveis e constituem a

fonte de todos os conhecimentos. Toda a ciência se baseia na experiência e

consiste em aplicar um método racional de investigação ao que é dado pelos

sentidos. Considera o movimento como a primeira e mais importante

propriedade inerente à matéria. Suas teorias tiveram grande influência na

luta contra as superstições medievais, principalmente contra a escolástica.

Obras principais: Novum Organum.

30

- Thomas Hobbes (1588-1679): continuador da obra de Bacon, considerava

que o fundamental no mundo é a matéria, o corpo. Considerava o método

matemático um método científico universal a ser utilizado também no campo

da vida social e da política, do mesmo modo que nas ciências naturais.

Consequentemente, pensava o Estado e outros fenômenos da vida social

como resultado da ação do homem. Apesar disso, mantinha posições políticas

reacionárias e de apoio à monarquia.

Obras principais: Defesa do Poder dos Direitos do Rei Necessários à

Conservação da Paz no Estado (1640); Do Cidadão (1642); Do Corpo (1655);

Do Homem (1658); Leviatã (1659).

- John Milton (1608-1679): famoso, poeta, identificou-se com o partido dos

independentes durante a revolução inglesa. Publicou diversos folhetos

políticos e obras em defesa da liberdade de pensamento e de religião.

Defendeu a teoria do direito natural, sendo um dos principais partidários

burgueses do princípio da soberania popular, entendendo por povo a

burguesia.

Obras principais: O Paraíso Perdido; Recuperado.

- John Locke (1632-1704): ideólogo da revolução inglesa de 1688 e da

coligação da burguesia com a nobreza. Foi o “representante da nova

burguesia em todas as suas formas: dos industriais contra os operários e os

desprotegidos, dos comerciantes contra os usuários de tipo antiquado, da

aristocracia financeira contra os devedores estatais (...)” (Marx-Engels). Na

filosofia foi materialista inconsequente, admitindo ao mesmo tempo, o valor

primordial da matéria e a origem experimental do conhecimento humano e

a ideia de Deus como causa primeira (deísmo). Foi defensor da monarquia

constitucional, reconhecendo ao mesmo tempo o direito à insurreição.

Obras principais: Dois Tratados sobre o Governo (1689); Ensaios sobre o

Entendimento Humano (1690).

3) França

- Renée Descartes (1596-1650): naturalista, matemático e filósofo,

generalizou principalmente as conquistas da física. Considerava como fator

31

fundamental no conhecimento da verdade a razão, o pensamento teórico, e

não a experiência, como proclamava Bacon. O sistema filosófico cartesiano

faz uma separação entre física (ciência da natureza) e a metafísica (doutrina

das substâncias). A física cartesiana, que concebe a matéria como força

autocriadora e o movimento mecânico como manifestação de vida da

matéria, é eminentemente materialista. Mas sua metafísica é dualista, isto é,

admite que a matéria e o espírito são substâncias independentes entre si. A

teoria do conhecimento e o método de investigação científica criadoras por

Descartes iniciaram o racionalismo do século 17 e representaram um

instrumento de combate ao escolasticismo e ao aristotelismo medievais.

Obras principais: Discurso do Método (1637), Meditações Metafísicas

(1641); Princípios de Filosofia (1644).

- François Marie Arouet (Voltaire) (1694-1788): notável filósofo literato e

dramaturgo, traduziu a posição da parcela da burguesia francesa que não

queria o poder e apenas reivindicava garantias, dispondo-se satisfazer a

satisfazer-se com o programa do absolutismo iluminista. Este programa

consistia:

- na eliminação da arbitrariedade da administração real;

- na realização de reformas que abrissem caminho ao desenvolvimento

capitalista.

Voltaire denunciou em folhetos, tratados científicos e obras sobre arte, a

ignorância do clero, a intolerância religiosa, a desigualdade dos estamentos

e a injustiça feudal. Criticou o regime feudal em todos os aspectos, assim

como a religião católica, com seus dogmas e seu escolasticismo. Incitou à luta

pela ciência e pelo progresso e considerava as leis da razão como leis naturais

proporcionadas à humanidade pela natureza. Foi partidário de uma religião

racionalista que mantivesse as massas submissas. Reconhecia Deus como

causa primeira do mundo (deísmo) e considerava que isto não estava em

contradição com a investigação e o pensamento científicos.

Obras principais: Cartas Filosóficas (1753); Cândido; Micromegas;

Dicionário Filosófico.

- Charles Louis Montesquieu (1689-1751): jurista e político, procura

demonstrar que as leis de qualquer país devem corresponder e

32

correspondem inevitavelmente a sua situação geográfica e econômica, a sua

religião e, sobretudo, as suas instituições políticas. Seu pensamento

fundamental é que o espírito das leis está condicionado por uma série de

circunstâncias concretas em que vive esta ou aquela sociedade. Deteve-se

minunciosamente na análise das formas de Estado, pronunciando-se contra

o despotismo e, consequentemente, contra ao absolutismo francês. Criou a

teoria da separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário),

propondo a criação de órgãos de representação popular, mas restritos. Seu

ideal político é a monarquia constitucional.

Obras principais: Consideração sobre as Causas da Grandeza e da Decadência

dos romanos (1734); Cartas Persas (1721); Do Espírito das Leis (1748).

- Jean Jacques Rousseau (1712-1778): ideólogo da pequena-burguesia

radical e notável defensor das ideias democráticas. Defendeu a tese de que a

cultura não só não é útil com corrompe o homem. Todos os vícios provêm da

ciência e da arte. Mas a principal fonte do mal reside na riqueza que, junto ao

luxo, dá vida à ciência e à arte. Volta-se, desse modo, contra a desigualdade e

o luxo resultantes, naquele momento histórico, do desenvolvimento

econômico capitalista. Considera que no estado natural, existia igualdade e

liberdade. Ao saírem desse estado natural e entrarem na civilização, os

homens criaram a propriedade privada e o Estado e, portanto, a desigualdade

e todas as suas consequências negativas. Tais concepções de Rousseau sobre

a origem e o desenvolvimento da desigualdade possuem muitos elementos

dialéticos.

Ele defende a necessidade de um contrato social que ponha fim a tais

desigualdades. O Estado resultante desse contrato social, portanto resultante

da soberania popular, dos princípios democráticos, é o único capaz de

assegurar a felicidade e a liberdade dos indivíduos. Afirma que onde não

existe a soberania popular, onde não existe o contrato social, existe o

despotismo. Entretanto, apesar de ser um ferrenho defensor da democracia

radical pequeno-burguesa, na qual se admite inclusive o direito à insurreição,

Rousseau não admite a possibilidade de estabelecer a completa liberdade de

consciência, propondo a implantação de uma religião civil à qual todos os

indivíduos deveriam prestar obediência. Rousseau é, também, adversário da

democracia representativa. Seu modelo de democracia popular é a

democracia grega, a democracia direta, na qual todos os cidadãos devem

participar, discutir e aprovar, eles mesmos, as leis. Rousseau propõe que o

poder governamental seja igualmente subordinado à soberania popular, que

33

deve ter o direito de mudar não só os governantes como o próprio modo de

governo existente. Acreditava que, com a instalação da república

democrática, desapareceria a opressão do homem pelo homem e a

desigualdade de bens. À propriedade correspondente ao contrato social era

aquela necessária para prover as necessidades elementares dos homens, ou

seja, a pequena propriedade privada.

Obras principais: O Restabelecimento das Ciências e das Artes Contribuiu

para Melhorar os Costumes (1750); A Nova Heloísa; Emílio (1762); O

Contrato Social (1762); Sobre as Causas das Desigualdades.

- Paul Holbach (1723-1789): filósofo materialista, adversário do idealismo e

da religião. Seu materialismo, porém, limitava-se aos fenômenos da natureza,

não se estendendo aos da sociedade. Defendia concepções políticas

moderadas, mas implacavelmente contrárias aos usos feudais. Apresentava

o homem como produto do meio social, mas considerava que o meio social

era criado pela opinião social e não pela atividade produtiva. Negava a

realidade do chamado estado natural e considerava que o contrato social era

a base do Estado. A liberdade, a propriedade e a segurança eram direitos

naturais sagrados, do mesmo modo que a desigualdade entre os homens era

um fenômeno natural. O fundamento da propriedade, para ele, deveria ser a

relação entre o homem e o produto de seu trabalho. Pronunciou-se pela

eliminação da propriedade feudal e dos privilégios da nobreza. Considerava

necessária a liberdade de consciência e de pensamento, e tinha como ideal

máximo o reino da razão.

Obras principais: Sistema da Natureza; Política Natural (1733); Sistema

Social (1733), Moralidade Universal (1776).

- Claude Helvécio (1715-1771): pertence, como Holbach, ao setor dos

ideólogos burgueses adeptos do materialismo metafísico. É a partir dessa

premissa filosófica que procura resolver o problema relativo ao homem

(uma máquina, segundo ele) e as suas faculdades mentais (causadas pela

sensibilidade física). As diversas manifestações do psiquismo humano devem

ser explicadas e deduzidas por essa sensibilidade física. Odeia o despotismo,

o regime feudal e o predomínio do clero e da nobreza, ao mesmo tempo que

defende a necessidade da propriedade, da liberdade de pensamento e da

segurança da pessoa.

Obras principais: Do Espírito (1758); Do Homem (1773).

34

- Dionise Diderot (1713- 1784): dirigente ideólogo e organizador da

Enciclopédia das Ciências, das Artes e dos Ofícios. Representante típico do

materialismo francês do século 18, expôs suas concepções em artigos sobre

problemas de filosofia e de política. Submete os hábitos da sociedade feudal

e o clero a uma crítica demolidora, mas do mesmo modo que os demais

materialistas franceses não chegou a ser partidário da revolução,

depositando suas esperanças num monarca iluminista que respeitasse a

soberania popular. Expôs todo um programa de reformas políticas, incluindo

a abolição da servidão, que correspondia aos interesses básicos da burguesia.

Obras principais: O Sobrinho de Rameau; A Religiosa; Crítica às Instruções

de Catarina II, da Rússia; Colóquio de D’Alambert e Diderot (1769);

Fundamentos Filosóficos da Matéria e do Movimento (1770); Pensamento

sobre a Interpretação da Natureza (1754).

- Jean Meslier (1644-1733): filho de um tecelão, tornou-se sacerdote de uma

paróquia de Champagne, sendo o primeiro a apresentar, na França, as ideias

do socialismo utópico. Faz uma acusação candente contra a sociedade feudal,

a exploração dos servos e os injustificados privilégios da nobreza; acusa

apaixonadamente os preconceitos religiosos, demonstrando como eles são

utilizados para fins egoístas, de lucro. Considera como o primeiro mal a

enorme desigualdade entre os diversos estados e posições dos homens.

Dentro do espírito da teoria do direito natural, afirmas que todos os homens

são iguais por natureza, têm direito à liberdade e a sua parte nos bens de

terrenos. Critica ferozmente a burocracia e as bases do regime existente.

Condena a propriedade privada, propondo que a vida da sociedade se

organize sobre os princípios de igualdade de condições: todos devem

dedicar-se a uma ocupação útil e esta deve ser bem distribuída de acordo

com as necessidades sociais. Abomina o absolutismo e incita à ação armada

contra os tiranos.

Obra principal: Testamento.

- Morelly (...1775...): representante da filosofia enciclopédica segundo a qual

o regime social e político existente baseava-se na ignorâncias e nos

preconceitos, contradizia a razão humana e deveria ser substituído por outro

que correspondesse à natureza humana. Considerando necessário somente

encontrar as bases racionais da organização social para as pôr em prática,

35

Morelly propõe-se essa tarefa. Reconhece na propriedade privada a única e

primeira causa de todos os males e opõe a ela o estado natural em que

governavam as leis da natureza e sob as quais os homens viviam agrupados

em famílias, sem necessidade do Estado. No modelo de sociedade que

apresenta, formula 3 leis fundamentais e sagradas: abolição da propriedade

privada; direito do cidadão ao trabalho; obrigação ao trabalho no interesse

da utilidade social, de acordo com suas forças, talentos e idade. A compra e

venda e o comércio eram proibidos: cada um deve receber de acordo com as

suas necessidades. No caso de escassez de produtos, considera necessário

limitar as necessidades. Concebe, além disso, mecanismos para eliminar as

diferenças entre o campo e cidade. Nesse modelo de sociedade, considera

indiferente a organização política a adotar, desde que não haja a propriedade

privada, base de todo o despotismo.

Obra principal: Código da Natureza (1775).

- Gabriel Bonnet de Mably (1709-1785): adepto da teoria do direito natural,

procurar tirar das particularidades da natureza humana conclusões relativas

à organização social e política. Particularidades inerentes à natureza

humana, segundo ele, são a faculdade de raciocionar, a liberdade e a

igualdade. Daí deduz que o poder de Estado deve conservar e fortalecer tais

particularidades. Manifesta-se contra as diferenças estamentais e considera

a propriedade privada em contraposição à natureza humana, sendo a origem

de todas as calamidades e vícios sociais. Considera incompatíveis a riqueza e

a moralidade e propõe a instauração da igualdade de bens e das situações

dos cidadãos. Mas conclui ser impossível um retorno ao comunismo

primitivo, propondo então reformas educativas que aproximem os homens

desse tipo de sociedade. Pronuncia-se a favor de um regime democrático e

deposita suas esperanças na educação e na eliminação dos desregramentos.

Justifica, porém, as revoluções como uma necessidade para evitar a

putrefação social.

Obras principais: Dos Direitos e Deveres do Cidadão (1758); Da Legislação

ou Princípios das Leis (1776).

- Gerard Winstanley (...-...): inspirador do partido dos niveladores autênticos

(diggers Inglaterra), reivindica a supressão da propriedade privada (em

primeiro lugar da terra), do comércio, do sistema monetário e de toda a

desigualdade de bens. Sugere uma sociedade em que todos tenham que

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trabalhar e recebam, igualmente, dos armazéns sociais, os objetos que

necessitam. Reclama também, a abolição de todo poder.

Obras principais: Nova Lei de Justiça; A Lei da Liberdade (folhetos).

- François (Graco) Babeuf (1760-1797); representante mais caracterizado de

uma corrente política dos predecessores do proletariado revolucionário

francês, surgida sob a influência da revolução burguesa de 1789-1794. Além

de propor a mudança radical da sociedade, Babeuf e seus seguidores

procuram organizar-se para levar seu projeto à prática com o apoio das

massa populares (Conspiração dos Iguais). Crítica a igualdade formal

burguesa e propõe a igualdade de bens em lugar dela. Considera a

propriedade privada a causa de toda desigualdade e exorta a sua supressão

e à instauração da comunidade de bens e trabalho. Formula o princípio da

obrigatoriedade do trabalho, vinculando-o ao princípio da igualdade. Elabora

um projeto de sociedade e economia socialistas: uma enorme comunidade

nacional, à qual se transmitem os bens. Durante a revolução, o Estado

expropria os bens de seus inimigos e os coloca em usufruto da comunidade.

Ao mesmo tempo, procura resolver o problema da transição para essa

sociedade, elaborando tanto os planos da mudança revolucionária

(levantamento popular e instauração de um poder revolucionário de

transição), quanto os planos de medidas a serem adotadas pelo governo

revolucionário, medidas que deveriam levar, ao fim de algum tempo, ao

triunfo da propriedade social.

Escreveu artigos e folhetos (Manifesto dos Iguais) e publicou a Revista da

Liberdade de Imprensa, depois chamada Tribuno Popular.

II. Os filósofos alemães – fins do século 18, início do século 19

Kant e Hegel são representantes mais categorizados do idealismo filosófico

alemão desse período.

- Emmanuel Kant (1724-1804): considerado o pai do idealismo alemão,

procurou conciliar o materialismo e o idealismo. A essência de sua filosofia

idealista transcendental, como ele mesmo a chama, consiste em negar a

possibilidade do conhecimento do mundo objetivo (das coisas em si). Para

ele, o conhecimento é um processo de associação de nossas sensações com

as formas puras da faculdade cognitiva, ou seja, espaço e tempo, categorias

do entendimento e ideias da razão. Assim, os conhecimentos têm caráter

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objetivo só na medida em que são obrigatórios para o gênero humano. À

filosofia kantiana dá-se o nome de agnosticismo. No campo do Estado e do

direito, Kant propõe reformas burguesas moderadas que não abolem o

império dos feudais. Chega a exaltar o regime estatal prussiano e é adversário

da revolução.

Obras principais: Princípios Básicos da Metafísica dos Costumes (1785);

Crítica da Razão Pura (1788); Princípios Metafísicos da Teoria sobre as

Virtudes (1797); Princípios metafísicos da Teoria sobre o Direito (1797);

Pela Paz Perpétua (1793).

- Georg W. F. Hegel (1770-1831): representa o elo final na corrente de

concepções do idealismo alemão. Compreendendo a tentativa de estabelecer

um sistema teórico idealista mais consequente, depois que o agnosticismo de

Kant e o idealismo subjetivo de Fichte foram refutados, realiza uma

verdadeira revolução na filosofia ao retomar o método dialético como

método de conhecimento. Hegel conserva o sistema idealista, mas seu

método constitui um núcleo racional. A primeira fase do sistema hegeliano é

a do desenvolvimento da ideia até se converter em absoluto, em sua forma

pura: essa fase é expressa pela lógica. A segunda fase é a da manifestação da

ideia no espaço e no tempo (imanação da ideia): é a expressa pela natureza.

A terceira fase é a da ideia no seu estado mais desenvolvido, o retorno da

ideia a si mesma: é expressa pelo espírito. O sistema de Hegel supõe, pois,

que todo o real representa a evolução de certo princípio absoluto que adota

múltiplas formas de expressão através de fases sucessivamente ascendentes.

Ele compreende três partes: a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do

espírito. Esta última, por sua vez, compreende 3 partes principais: a ciência

do espírito subjetivo (que se manifesta na evolução dos indivíduos); a ciência

do espírito objetivo (que se manifesta na sociedade, no Estado, nos povos e

em sua história); e a ciência do espírito absoluto como unidade dos espíritos

subjetivos e objetivo (que se manifesta na arte, na religião, na filosofia). Com

base nas concepções filosóficas, Hegel desenvolve suas teses sobre a

sociedade, o Estado, e o direito como manifestações do espírito objetivo.

Criada numa época em que a revolução burguesa, sob Napoleão, se exercia

conforme os interesses da grande burguesia e da parte da nobreza a ela

ligada, a teoria hegeliana do Estado e do direito volta-se contra os postulados

progressistas da teoria jurídico-naturalista. Considera o direito “a existência

efetiva do livre arbítrio”; a guerra como um medicamento contra a

estagnação e decomposição dos povos; a igualdade como algo impossível, a

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não ser no aspecto jurídico; o Estado como o fundamento da família e da

sociedade civil. As teorias hegelianas, talvez mais do que as outras de seu

tempo, possuem muitos aspectos contraditórios, progressistas uns e

reacionários outros.

Obras principais: Fenomenologia do Espírito (1806); Ciência da Lógica

(1812); Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1817); Filosofia do Direito

(1837); Lições de Estética (1838); Lições de História da Filosofia (1836).

Feuerbach é a expressão do materialismo alemão desse período.

-Ludwig Feuerbach (1804-1872): combateu resolutamente o idealismo

hegeliano e a filosofia idealista em geral. Seu materialismo caracteriza-se por

sua concepção antropológica da filosofia, isto é, faz do homem o ponto de

partida de sua teoria. Demonstra que a consciência do homem constitui uma

qualidade específica do cérebro. Volta-se também contra o materialismo

mecanicista do período anterior, confundindo-o porém, com o materialismo

propriamente dito. Além disso não considera o homem como um ser social e

não aproveita o núcleo racional da filosofia hegeliana, a dialética. Realiza uma

crítica em profundidade da teologia e da religião, mas proclama uma nova

religião, sem Deus, a religião do amor.

Obras principais: A essência do Cristianismo (1841); Teses Provisórias para

a Reforma da Filosofia (1842); Princípios da Filosofia do Futuro (1843); A

Essência da Religião (1845)

IV. Os socialistas utópicos do século 19

- Claude Henri Saint-Simon (1760-1825): filósofo, cientista e político, é a

cabeça mais universal de seu tempo, juntamente com Hegel. Ao lado das

ideias utópicas e idealistas sobre a reorganização social, expressa

pensamentos geniais de base materialista e dialética e ideias justas sobre os

fundamentos e princípios do futuro regime socialista. Compreende o caráter

objetivamente progressista de cada novo sistema e regime social que tem

lugar na história da humanidade e a importância da instituição da

propriedade privada. Procura explicar os acontecimentos da história da

França pelo processo de transferência da propriedade das mãos dos

latifundiários nobres para novos grupos sociais. Considera que esse processo

de transferência, aliado ao avanço das ciências e a progresso geral, foram as

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causas fundamentais da revolução francesa. Afirma que a instituição da

propriedade é que “serve de fundamento ao edifício social”, sendo este o

problema mais importante a resolver para a organização de uma nova

sociedade. Formula a ideia de que a revolução francesa foi uma luta de

classes, não apenas entre a burguesia e a nobreza, mas entre a nobreza, a

burguesia e os desprotegidos. Elabora projetos de uma nova sociedade,

depositando esperanças nos banqueiros, fabricantes e comerciantes como a

parte mais culta e ativa da classe dos industriais (na qual inclui os

desprotegidos). Em todas as suas obras, “a tendência burguesa continua a

afirmar-se unida, até certo ponto, juntamente com a tendência proletária”

(Engels). Exemplo disso é que não propõe a abolição da propriedade privada.

Mas nelas está sempre presente a ideia da solução justa do destino da “classe

mais numerosa e indigente”.

Obras principais: Conceito sobre a Propriedade e a Legislação; Sobre o

Sistema Industrial; Carta a um Habitante de Genebra Dirigida aos

Contemporâneos; Cartas Genebrinas.

- François Marie Charles Fourier (1772-1837): profundo estudioso das

ciências, da filosofia, da economia política e da história, conclui que a

revolução francesa não conduziu, de modo algum, ao regime da razão e da

liberdade. Realiza, então, uma crítica profunda e demolidora do regime

capitalista, denuncia a exploração impiedosa e a anarquia que reinam em seu

interior. Realiza, entre ouras coisas, uma crítica magistral do matrimônio

burguês e da posição da mulher na sociedade capitalista, sendo um dos

primeiros a formular a ideia de que, em cada sociedade, o grau de

emancipação da mulher é a medida natural de toda a libertação.

Em seus pensamentos sobre a história da civilização afirma que um dos

fatores que condicionam a transição de um período para outro reside no

nível de desenvolvimento da indústria. Divide a história precedente da

humanidade em quatro períodos: selvageria, barbárie, patriarcado e

civilização, entendendo por civilização o império de regime desarmônico e

anárquico. O desenvolvimento progressivo da indústria, das ciências e da

técnica cria as premissas para passar da civilização para o regime da

harmonia ou das associações. Fourier projeta uma sociedade resultante da

transformação pacífica do regime injusto e irracional da civilização burguesa

num regime justo, em que reine a colaboração pacífica e a harmonia entre as

classes sociais dentro de associações produtivas ou falanstérios. Apesar de

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considerar desnecessário a abolição da propriedade privada, das classes e

das desigualdades econômicas (pretende apenas salvar os indigentes das

necessidades e da fome e assegurar-lhes sua quota-parte da abundância),

sustenta a necessidade de trabalho converter-se num prazer, dos interesses

sociais e pessoais estarem em harmonia e da emulação criadora entre os

trabalhadores tornar-se o estímulo fundamental do progresso social.

Obras principais: O Novo Mundo Social e Industrial; Teoria dos Quatro

Movimentos e dos Destino Universais.

- Robert Owen (1771-1858): como os demais socialista utópicos, realiza uma

crítica profunda ao capitalismo, com a vantagem de ter vivido na Inglaterra

no período da revolução industrial, durante a qual o capitalismo se elevou a

um grau muito mais elevado. Compreende que o trabalho é a fonte da riqueza

social e que a propriedade privada é um dos principais obstáculos a que os

trabalhadores gozem os frutos de sua atividade produtiva. Neste ponto

diferencia-se de Saint-Simon e Fourier. Formula um projeto de sociedade (as

colônias de produção e de vida), nas quais a propriedade privada é

substituída pela propriedade coletiva.

Também ao contrário de Saint-Simon e Fourier, realiza uma série de

experiências práticas, filantrópicas umas, cooperativas outras, no sentido de

materializar suas teorias. Durante muito tempo acreditava na possibilidade

da harmonia entre as classes para a realização dos planos da sociedade

racional, mas depois volta-se decididamente para a participação no

movimento operário inglês, onde ajuda na formação de uniões profissionais,

cooperativas etc. Todo o conteúdo de sua atividade mesmo a parte principal,

utópica, está subordinada à causa da melhoria radical da situação material

da classe operária e demais setores trabalhadores.

“Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais mais

registrados na Inglaterra no interesse da classe operária estão associados ao

nome de Owen”. (Engels).