Teoria Do Direito Constitucional 2015-1

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 GRADUAÇÃO  2015.1  TEORIA DO DIR EITO CONSTITUCIONAL AUTORES: JOAQUIM FAL CÃO, ÁLV ARO PALMA DE JORGE E DIEGO WERNECK ARGUELHES. COLABORADORES: THAMY POGREBINSCHI, BRUNO MAGRANI, MARCELO LENNERTZ, PEDRO CANTISANO E VIVIAN BARROS MARTINS 7ª EDIÇÃO

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  • GRADUAO 2015.1

    GRADUAO 2011.1

    TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

    AUTORES: JOAQUIM FALCO, LVARO PALMA DE JORGE E DIEGO WERNECK ARGUELHES.COLABORADORES: THAMY POGREBINSCHI, BRUNO MAGRANI, MARCELO LENNERTZ,

    PEDRO CANTISANO E VIVIAN BARROS MARTINS

    7 EDIO

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    obrigatrio o uso da Constituio da Repblica Federativa do Brasil em TODAS as aulas. Favor traz-la.

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    SumrioTeoria do Direito Constitucional

    1. ROTEIRO DE CURSO .....................................................................................................................................................................42. ROTEIRO DE AULAS .................................................................................................................................................................... 14 Aula 1: Lei de Cotas: Primo inter pares? ....................................................................................... 14 Aula 2: A (in)constitucionalidade da aula: Esta aula constitucional? ........................................... 21 Aula Extra: Leitura Dirigida da Constituio (no laboratrio de informtica) .............................. 23 Aula 3: Conceito de Sistema ........................................................................................................ 25 Aula 4: Constituio como Norma I: Onde est a norma fundamental? ....................................... 28 Aula 5: A Constituio como Norma II: Antinomias Constitucionais .......................................... 32 Aula 6: A Constituio como Realidade Social I: O que vai para a Constituio? ......................... 35 Aula 7: A Constituio como Realidade Social II: A Ata do Pacto Social ...................................... 40 Aula 8: A Constituio como Realidade Social III: Encontros e Desencontros ............................. 46 Aula 9: Validade, Legalidade, Eccia, Legitimidade: E o Comando Vermelho? ........................... 52

    Bloco III Histria Constitucional Brasileira ....................................................................... 61 Aula 10: Brasil Colnia e Iraque. Do Poder Divino dos Reis ao Estado de Direito ....................... 63 Aula 11: A Insero Liberal I: D. Pedro I versus Frei Caneca ........................................................ 68 Aula 12: A Insero Liberal II: Liberte, Egalit, Fraternit ............................................................ 71 ..77 Aula 14: A Matriz Social: Constituies de 1934, 1937 e 1946 e a Gangorra da Democracia ....... 84 Aula 15: Constituies Militares: A Convivncia Contraditria ................................................... 89 Aula 16: Estado de Direito Democrtico: A Democracia Concomitante ...................................... 92 Anexo ao Bloco de Histria das Constituies .............................................................................. 96

    Bloco IV: Mudana constitucional ........................................................................................ 98 Aula 17: Mutao Constitucional: Mudar a ou Mudar de Constituio? ...................................... 98

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    Bloco V: Interpretao da Constituio ...............................................................................Aula 18: Ato de conhecimento e ato de vontade: Querer ou Conhecer? ........................................Aula 19: Dogmtica, Zettica e Topos: A Caixa Vazia .............................................................Aula 20: Instrumentos Interpretativos I: Unidade, Supremacia e Integrao ...............................

    ............................Aula 21: Instrumentos Interpretativos II: Razoabilidade e Proporcionalidade (Razo e Proporo) .....Aula 22: Interpretao de Bloqueio e Interpretao Legitimadora: The Making Off

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    1. ROTEIRO DE CURSO

    1.1. APRESENTAO GERAL: UM CURSO CONFESSIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    1.1.1. A Confisso Prvia

    Trata-se de um curso confessional a favor da constituio como prtica da de-mocracia. Prtica do aluno em sua dupla qualidade: como cidado que opta pelos valores do respeito ao outro, da participao, da igualdade, da liberdade e da solida-riedade, e como prossional do direito, que pode e deve ajudar na construo das instituies democrticas. O compromisso com a democracia faz com que o curso assim se amolde em suas mltiplas frentes.

    Na frente epistemolgica, combate toda ambio de exclusividade de qualquer teoria, doutrina ou anlise em querer denir o que seja constituio. Entende, ao contrrio, que, quanto maior o nmero de enfoques analticos diferentes disposi-o do aluno, melhor e mais completa ser sua compreenso da constituio.

    Na frente de capacitao prossional, procura treinar o aluno para trabalhar a constituio como uma obra aberta, como uma questo mais do que uma resposta, como um problema mais do que uma soluo. A constituio aparece como um constructo e no como um datum. Como um futuro a ser construdo futuro pelo qual ele, aluno, enquanto advogado, juiz ou procurador, co-responsvel. A consti-tuio surge como um processo em permanente mudana, onde o futuro prossio-nal agente privilegiado.

    Na frente histrica, focaliza a constituio como uma tendncia das instituies democrticas da sociedade brasileira, s vezes descontinuada, s vezes conitante, em favor da incluso poltica, social e econmica. Esta tendncia facilmente ob-servvel na contnua expanso dos direitos fundamentais e na crescente incluso eleitoral.

    Finalmente, na frente didtica, a constituio aparece como matria-prima e fonte para o debate, a discusso, o confronto de idias, a elaborao dos raciocnios, a descoberta da argumentao. As aulas sero sempre inconclusivas, sem respostas absolutas ou denitivamente certas. Um compromisso com o pluralismo analtico, por sua vez, permite que o aluno opte por sua prpria perspectiva, escolha sua po-sio, adote seu conceito de constituio.

    1.1.2. A sensibilizao inicial (Bloco I)

    O curso comea com um Bloco de Sensibilizao, que o anuncia. Trs aulas constituem este bloco. Tem dois objetivos principais. Primeiro, relacionar a prtica cotidiana do aluno com a prtica da constituio. Como cidado ou como pros-sional do direito, nada na sua vida escapa constituio. Tudo que no proibido, permitido pela constituio. Da os dois problemas geradores destas aulas dize-rem respeito diretamente ao aluno hoje: a lei de quotas no vestibular e a qualida-de do ensino brasileiro. Segundo, enumerar de forma rpida, mas contundente,

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    os principais temas/problemas que o aluno enfrentar em seu curso: constituio como sistema, como deciso, como topos, como arena de interesses sociais concor-rentes, como ata do pacto social.

    A primeira aula um debate sobre a constitucionalidade ou no da lei de co-tas para acesso ao vestibular, onde o aluno vai dialogar, discutir, seduzir, tentar convencer o professor e os seus colegas. Trata-se de estimular a interatividade pr-ativa e, desde logo, a interdisciplinaridade. O aluno dever comear a perce-ber a distino entre uma argumentao do senso comum, e uma argumentao jurdico-prossional com base na norma, no artigo da constituio. Alm disso, comear a confrontar argumentaes diferenciadas e concorrentes, na medida em que disputam um bem escasso: ser constitucional ou no. No nal da aula, deve-se esclarecer sobre o jri simulado, que ser a ltima aula do curso, e estabe-lecer o cronograma e as responsabilidades pertinentes a cada um dos grupos e/ou dos alunos.

    A segunda aula cumpre outro papel complementar. Pede-se que olhem para a prpria classe e respondam pergunta: esta aula constitucional ou no? De incio, relaciona-se a relao social (aula) com a relao jurdica (a constituio). A tese que qualquer relao social uma relao constitucional. Mas o aluno vai perceber com surpresa que a constituio , ao mesmo tempo, o tudo e o nada, o limite e a possibilidade, o consenso e o conito. O texto constitucional to contraditrio quanto sistemtico; suas expresses so to precisas quanto vazias. Em ambas as aulas, o aluno ver formuladas, por seus colegas, inndveis solues. A aula ser sempre inconclusiva. No se procura a resposta certa, mas a argumentao convin-cente. A constituio aparece como algo que eles podero construir no futuro. Com isto, estimula-se desde logo um aluno pr-ativo, imaginativo, crtico e insatisfeito. Diante de uma obra aberta, vai perceber tambm que a prosso jurdica s faz sentido porque a constituio imprecisa e contraditria.

    A seguir, o curso passa por um anticlmax. Numa aula extra a ser agendada, realiza-se uma insossa leitura dirigida com um nico objetivo: com a Constituio na mo, os alunos vo descrev-la e aprender a manuse-la. a constituio como instrumento prossional, sem maiores explicaes. abrir, ler e aprender a usar. Inclusive aborda o uso da informtica e dos bancos de dados disponveis na Internet para melhor usar a constituio e, nesse sentido, esto previstos alguns exerccios do tipo gincana.

    1.1.3. O Pluralismo Analtico (Bloco II)

    Neste ponto, o curso se debrua sobre um de seus pilares principais: a possibili-dade de mltiplas perspectivas na anlise da constituio. O objeto do conhecimen-to a constituio enquanto norma positiva estatal pode at ser provisoriamente nico e unvoco, mas as maneiras, seus signicados, o modo de entend-la e de deni-la so necessariamente mltiplos. O curso no adota uma nica denio do que seja constituio, mas estimula mltiplos conceitos dentro de uma epistemo-logia aberta. Nenhuma estratgia analtica exclui a outra aprioristicamente. Mesmo

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    juntas, mostram ao aluno que podem ser complementares, s vezes sucientes, s vezes insucientes, dependendo da nalidade da anlise.

    Este pluralismo analtico no implica em relativismo conceitual, mas em opo pragmtica, onde os meios do conhecer e do praticar a constituio so denidos de acordo com os objetivos a alcanar, seja do juiz, do advogado ou do cidado. Neste sentido, o curso no se situa no reino da dogmtica, mas no reino da pragmtica, en-tendida como a relao entre o signo constituio e seu uso socialmente concreto. O Bloco II se divide em dois grupos de aulas: constituio como norma e constitui-o como realidade social. Dentre as mltiplas anlises possveis, foram escolhidas as seguintes: a constituio como sistema, a constituio como deciso, a constituio como topos, a constituio como fato social e como ata do pacto social.

    As trs primeiras aulas do Bloco enfocam a constituio como norma: como sistema normativo, como expresso da norma fundamental e como normas em conito. A primeira faz uma brevssima introduo ao vocabulrio e aos conceitos bsicos da teoria dos sistemas. A noo de sistema ser dada a partir de exemplos banais, como o sistema de som e o sistema biolgico, o corpo humano. O objetivo estimular no aluno a compreenso sistmica dos fenmenos fsicos e mentais. A concepo sistmica um dos muitos culos para se enxergar a realidade, como tambm o materialismo histrico. Contudo, preciso ateno: no se adota a perspectiva conservadora de que os sistemas tendem ao equilbrio e no ao conito. A noo de sistema tem que ser til tambm para entender os conitos capazes de destruir o sistema e substitu-lo por outro. Nesse sentido, a aula enfoca a constitui-o como um sistema que interage com o meio ambiente e por ele inuenciado. No fundo, um subsistema do sistema normativo (ou do ordenamento jurdico, tradicionalmente falando), que, por sua vez, um subsistema do sistema social ao lado dos subsistemas econmico, poltico e outros.

    A aula seguinte trata de tema inevitvel: a posio da constituio na hierarquia e as normas infraconstitucionais, a partir da questo: onde est a norma fundamental? Note-se a evoluo do curso: primeiro demos a noo de sistema em geral. Depois, suas qualicaes normativo e hierrquico. Esta aula tem objetivo estratgico principal. Ao mesmo tempo em que se constri a noo da constituio como vrti-ce hierrquico do ordenamento jurdico, demonstra-se, atravs da pergunta-ttulo, a insucincia da concepo de constituio exclusivamente como norma. Trata-se de um subsistema que s se fecha com recursos a elementos extrajurdicos religio-sos, por exemplo, na resposta jusnaturalista para a questo da norma fundamental, ou polticos e ideolgicos, na resposta ao problema da soluo de antinomias cons-titucionais. Ou seja, a constituio um subsistema que se comunica com outros subsistemas no-jurdicos, retirando deles sua fora e sua fraqueza. Esta insucin-cia lgico-formal se reete tambm na insucincia da validade e legalidade como nicos parmetros de avaliao do sistema normativo. A legitimidade e eccia so indispensveis tanto para o exerccio prossional, quanto para uma epistemologia mais abrangente.

    Paralelamente a este objetivo epistemolgico estratgico, deve ser passada uma srie de noes mais tcnicas, como os conceitos de hierarquia e rigidez, validade,

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    legalidade, coerncia e compatibilidade. Uma demonstrao sobre a hierarquia das normas acompanha o material (caso da aplicao de multas pelo abandono de lixo na praia).

    Em seguida, a vez da aula sobre as antinomias constitucionais, que refora o conceito da insucincia da perspectiva lgico formal, apontando para um orde-namento como sistema aberto, no qual necessariamente se discutiro valores, pre-ferncias e escolhas socialmente fundamentadas. A aula sobre antinomia tambm possibilita entrever a constituio como um sistema em mutao, como um cons-tructo. O caso Garrincha coloca em pauta o dilema entre honra, intimidade e liber-dade de expresso normas e valores em conito no mesmo texto constitucional

    As prximas trs aulas tratam da constituio como realidade social. Responde-se pergunta: de onde nasce e como nasce a constituio? Os objetivos estratgi-cos principais so: 1) enfocar a constituio como uma deciso, uma escolha entre alternativas incompatveis; 2) demonstrar a vinculao das alternativas incompa-tveis a interesses sociais concorrentes. Trata-se de evidenciar a origem social das constituies, com vistas a criticar o enfoque puramente lgico-formal como algo neutro, acima das paixes humanas. A constituio enquanto deciso se divide em dois momentos: o momento da elaborao da constituio e o de interpretao da constituio.

    Na primeira aula, a deciso aparece como uma resposta do sistema jurdico a um conito inicial, que pode ser a competio por um novo texto constitucional ou por uma nova interpretao da constituio j existente. A aula comea com a pergunta: o que vai e o que no vai para a constituio? O que deve integrar o rol das normas infraconstitucionais? A partir da, a constituio surge sucessivamente como deciso, como arena na qual os interesses sociais se conitam e se acordam e, por m, como uma precria ata do pacto social. Dentro deste contexto, alguns conceitos mais tc-nicos so transmitidos, tais como: normas constitucionais e normas infraconstitucio-nais, constituio formal e constituio material. Apesar de abrir a possibilidade de tudo ir para a constituio, inclusive o Colgio Pedro II no Brasil e a vaca na ndia, o curso explicita que uma certa tipologia tem consenso na comunidade de intrpretes: a organizao do estado, os direitos fundamentais e as chamadas normas programti-cas. Neste momento, aparece pela primeira vez a constituio como limite do poder estatal e instrumento de defesa de direitos. O caso da aula obriga o aluno a decidir que normas merecem ser superiores s demais.

    A aula seguinte enfoca a constituio especicamente como ata do pacto social. O que nos permite entend-la como documento escrito, que pressupe conitos e divergncias, que resume o consenso, e que este consenso vem dos sujeitos, dos cidados presentes na reunio, viventes na nao enm, presentes na constituinte. Este conceito retirado do constitucionalismo brasileiro. Vem de Frei Caneca em sua disputa (ou busca infrutfera) de um pacto com D. Pedro I. Conceitos clssicos como constituio promulgada e outorgada e assemblia nacional constituinte so ento enunciados.

    A terceira aula deste bloco comea com a radical posio de Lasalle e a pergun-ta: o que aconteceria se um dia o mundo amanhecesse sem qualquer vestgio de

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    constituio? O que mudaria, se que algo mudaria? Busca-se com isto levar o alu-no a identicar os fatores reais de poder como fatores constituintes. Em seguida, trata da tenso entre constituio real e constitucional formal, que em Lewenstein aparece como encontros e desencontros entre a realidade e as constituies nor-mativa, semntica e nominal. Um pequeno texto de Humberto Maturana oferece uma conotao extremamente contempornea, ao sublinhar a importncia do do-mnio emocional e do reconhecimento da legitimidade do outro no cumprimento e elaborao da constituio. O pluralismo analtico se amplia neste horizonte psico-social.

    Fecha-se o bloco com uma aula sobre Validade, Legalidade, Legitimidade e E-ccia. Estes clssicos conceitos da doutrina jurdica ajudaro a analisar as constitui-es brasileiras no prximo bloco, a histria das constituies. Ao mesmo tempo, servem de tipologia sobre as diferentes maneiras pelas quais se apresenta a tenso entre constituio como norma e constituio como realidade social. A noo de validade decorre do conceito de sistema normativo fechado, que s pode ser aberto atravs do conceito de legitimidade, que, por sua vez, necessita do conceito de e-ccia e, em nosso curso, do conceito de domnio emocional de Maturana. H que se sublinhar, pois, a seqncia destes conceitos: validade, legalidade, legitimidade e eccia. A constituio dever ser analisada com recurso conjunto aos quatro. Esta aula se desenvolve a partir de dois casos: o fechamento do Comrcio no Rio de Ja-neiro por ordem do Comando Vermelho, e o combate ao download de msicas pela Internet no Brasil.

    1.1.4. O Constitucionalismo Brasileiro (Bloco III)

    Entra-se, ento, no Bloco III, centrado na histria das constituies e no consti-tucionalismo Brasileiro. Aqui, temos trs objetivos principais. O primeiro montar em sala um laboratrio social para os diversos enfoques analticos dados no pri-meiro bloco. Ao contar a histria das constituies, conta-se a histria do conito e do consenso entre interesses sociais plurais, conitantes s vezes, concorrentes sem-pre. A mudana de constituio aparece como ruptura ou evoluo do subsistema poltico e econmico com repercusses no sistema normativo. Sempre ser no seu primeiro momento a expresso de um pacto com maior ou menor dose de consen-so, com maior ou menor diferena entre os vencedores e vencidos. O quadro nal expressa a constituio num emaranhado de subsistemas que interagem.

    O segundo objetivo historiogrco, na medida em que familiariza os alunos com os fatos, personagens e acontecimentos da evoluo constitucional brasileira, alm das principais caractersticas de cada constituio. nfase deve ser dada na tessitura das relaes entre todas, bem como na inter-relao delas com ideologias mundiais: liberalismo, fascismo, socialismo etc.

    Finalmente, o terceiro objetivo a interpretao propriamente dita da histria constitucional do Brasil, que aponta para as constituies como um projeto de poder das elites, renovado a cada momento, e que procura incorporar os demais segmentos sociais, mas que, ao faz-lo, invariavelmente acaba por se democratizar,

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    ainda que lenta e gradualmente. Na medida em que o curso defende a posio de que inexiste a constituio, mas apenas interpretao da constituio, a cons-tituio de 1988 em grande parte o que os futuros prossionais queiram dela praticar.

    O Bloco comea com uma aula sobre o Brasil Colnia, com dois objetivos princi-pais. Por um lado, trata-se de historiar no Brasil a passagem do governo dos homens para o governo das leis (teria sido o Regimento de Thom de Souza a primeira consti-tuio brasileira?). Surge o tema do estado de direito, que ser recorrente. Esta passa-gem signica que a constituio surge comprometida com a tenso entre organizao do poder e defesa dos direitos da cidadania. Essa dicotomia poder e autoridade, de um lado, e sociedade e cidadania, por outro, ser tambm um eixo recorrente neste bloco. Por outro lado, a aula se trata tambm de um aggionarmento do tema, atravs da comparao com o exemplo da lei de administrao do Iraque uma colnia con-tempornea? A aula termina com uma denio provisria dos aspectos formais do Estado de Direito, dentro das perspectivas de J. J. Canotilho e Carl Schmitt.

    As prximas trs aulas tm um foco e uma mensagem comuns. Por um lado, trata-se de esclarecer como o liberalismo penetra no constitucionalismo brasileiro e se faz seu instrumento. O foco so as relaes entre constituio e ideologia liberal. A mensagem a evidncia da insero de nossa histria constitucional na histria das constituies do mundo ocidental, sobretudo como projeto liberal mundial. A unio gentica entre constitucionalismo e independncia nacional se faz dentro de um projeto liberal global. Por outro lado, tambm a crtica de como absorvermos essa tradio. Em vrios momentos ocorreu e continua a ocorrer uma importao seletiva de leis e princpios. Por isto, as aulas se agrupam duas a duas. A constitui-o de 1824 se alinha ao constitucionalismo francs e revoluo de 1789. Surge a questo dos direitos humanos e dos limites do poder estatal. A constituio de 1891, por sua vez, alinha-se ao constitucionalismo norte americano e os founding fathers. Surge a questo dos trs poderes e da organizao democrtica do prprio estado federal. Esta absoro de estrangeirismos deve ser enfocada atravs dos aspec-tos positivos e negativos, como realidade e como mmica. O que une essas trs aulas a tentativa de se forjar no Brasil um estado de direito republicano. Sempre que possvel, alguns conceitos tcnicos devem ser sublinhados, tais como: constituio sinttica e constituio analtica, poder constituinte originrio e poder constituinte derivado, constituio outorgada e constituio promulgada. No utilizamos ca-sos em sentido estrito neste bloco. Preferimos colocar o aluno em contato direto com os diversos textos constitucionais nacionais e estrangeiros, bem como os docu-mentos originais dos debates de ento: os discursos de D. Pedro I e de Robespierre, alm da proposta de Frei Caneca, entre outros.

    A prxima aula enfoca a Era Vargas e inclui as constituies de 34, 37 e 46. O foco so as mutantes relaes entre regime poltico e constituio. A partir da que se consolida a idia, presente em 24 e 91 e ainda predominante na doutrina, de que mudar de constituio signica ruptura poltica. Esta noo ser desfeita na constituio de 1988, que, ao invs de surgir de uma ruptura, veio de uma negociao. nfase tambm dever ser dada ao surgimento de um concorrente ao

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    projeto constitucional liberal capitalista: os direitos sociais e trabalhistas, revelando a ascenso do trabalhador como ator jurdico e poltico e a inuncia do socialis-mo nas constituies brasileiras. Ao mesmo tempo, ressurge a experincia de um governo dos homens, explicitado pelos decretos-lei, colocando em cheque a noo de estado de direito liberal. No perodo de 34 e 37, se consolida a matriz militar que, de alguma forma iniciada em 1891, ser modernizada na revoluo de 1964. O questionamento do estado de direito nesse perodo feito por um caso de tom-bamento pelo Instituto do Patrimnio Histrico-Artstico Nacional (IPHAN), que pretende nos dias de hoje, na vigncia da constituio de 1988, aplicar os mesmos critrios, normas e procedimentos de tombamento como se ainda estivssemos em l937, data de sua fundao.

    A prxima aula tem o nome de A convivncia contraditria. Enfoca as cons-tituies militares de 67 e 69, a convivncia entre os atos institucionais e as cons-tituies. Um sintoma da tentativa de convivncia entre o governo dos homens (os militares e a segurana nacional) e o governo das leis (a tripartio dos poderes e de eleies controladas). Existe estado de direito sem democracia? A aula inicia com o prembulo do Ato Institucional n 1, abordando a questo da legitimidade do poder revolucionrio. H que se ressaltar a dimenso legitimadora do desen-volvimentismo (eccia constitucional), sem o qual no h aceitao do regime poltico. Comea-se com a ruptura jurdico-poltica e se termina com a crise de legitimidade consubstanciada nas Diretas J e na negociao jurdico-poltica, na abertura lenta, gradual e segura, base na nova constituio de 1988. Os estudos de caso so basicamente dois: o prembulo do AI-5 e o julgamento do ex-presidente Jango Goulart.

    A prxima aula aborda a questo do estado democrtico de direito. Um conceito ou melhor, uma nfase brasileira que surge como crtica s constituies militares e ao autoritarismo e, ao mesmo tempo, anuncia e legitima a constituio de 1988 e a democracia. Os alunos j devem ter discutido democracia no curso de Teoria do Estado Democrtico; aqui, trabalharemos com os conceitos de democracia, au-toritarismo e ditadura. O curso distingue, como alis fez nossa histria, estado de direito de estado democrtico de direito. Nem todo estado de direito democrtico. O exemplo nacional j ter sido dado na aula anterior. A noo de estado de direito contrastada com a de estado democrtico de direito, atravs do exemplo da As-semblia Nacional Constituinte, entendida como o processo pelo qual se optou por uma constituio analtica, pluri-ideolgica, e contraditria. A promulgao desta Constituio tornou necessria uma mudana radical do paradigma de interpretao constitucional. Anuncia-se, desde logo, a importncia de uma interpretao sistmi-ca, integradora e legitimadora.

    A Constituio de 1988 apresentada ao aluno atravs de duas nfases. A pri-meira o prprio conceito de democracia que adota, o conceito de democracia con-comitante. No fundo, este conceito assimila vertentes liberais e vertentes socialistas na formatao de nosso regime poltico, de nosso estado. A segunda o anncio do surgimento e crescimento de um terceiro ator entre o estado e o cidado, rompen-do com as dicotomias radicais pblico x privado, planejamento x mercado, lei

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    x contrato, poder x liberdade. Trata-se do Terceiro Setor, que no se enquadra totalmente na misso de organizar o estado, nem totalmente na misso de defender direitos individuais.

    1.1.5. Mudana constitucional (Bloco IV)

    O bloco sobre constitucionalismo demonstrou como nascem e morrem as cons-tituies no Brasil, ou seja, como o Brasil tem mudado de constituio. O prximo bloco mostra como o Brasil muda ou pode mudar a constituio a tual. Conrma-se a constituio como processo aberto, como construo, e no como um dado esttico. Este bloco tem uma mensagem principal: ao contrrio do que informa a doutrina clssica, a mudana na constituio no ocorre apenas pela revoluo ou mesmo pela poltica em sentido estrito. A constituio vigente pode ser mudada por dois mecanismos bsicos: explicitamente, pela emenda constitucional (e a se muda o texto), ou implicitamente, pela interpretao judicial ou legislativa, e a no se muda o texto.

    A aula desse bloco objetiva, principalmente, demonstrar a tese de que mu-dana constitucional pode ser obtida tambm atravs da interpretao. Esta noo ser abordada a partir do contraponto com o processo de mudana formal, atravs de emenda constitucional. Nesse sentido, sero abordados brevemente os limites do poder de reforma da Constituio, anunciando-se a pedra no caminho as clausulas ptreas, tema que ser aprofundado em Constitucional II. Aqui, o con-traste com o processo constitucional norte-americano importante; este processo tambm estaria presente aqui no Brasil. As duas interpretaes possveis judicial e congressual sero focalizadas atravs de estudos de caso especcos. No fundo existe uma sub-reptcia disputa de poder sobre quem dar a palavra nal sobre os conitos entre os poderes legislativo ou judicirio. O caso escolhido o da apli-cao da licena maternidade a mes adotivas. Anuncia-se, assim tambm, o ltimo bloco: a interpretao judicial da constituio.

    1.1.6. A interpretao da Constituio (Bloco V)

    O bloco nal tem uma mensagem-sntese principal: inexiste constituio en-quanto s texto, objeto e signicante. Constituio texto e interpretao, su-jeito-intrprete e objeto, signicante e signicado. Mais uma vez, defende-se a tese da constituio como uma arena sem vencedores prvios, um sistema aber-to construo atravs da argumentao. Defende-se uma epistemologia cons-titucional democrtica. Este bloco , no fundo, um grande laboratrio onde o pluralismo analtico e a histria do constitucionalismo brasileiro sero aplicados como instrumentos da vida prossional futura dos alunos, como cidados, juzes ou advogados. Uma segunda mensagem, to importante quanto a primeira, que este arsenal analtico no existe por si s. Ele apenas meio para que os advogados juzes argumentem, raciocinem, expressem, defendam e legitimem seus interesses ou de seus clientes. Nesse sentido, os interesses sociais que no constitucionalismo

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    assumiram uma dimenso macro interesses de classe, de grupos, etc. agora as-sumem dimenso micro, como interesses dos clientes, ou do autor e ru, ou ainda do prprio juiz.

    O bloco joga com um conceito simplicado de interpretao, entendida atravs de seus trs elementos bsicos: sujeito, mtodo e objeto. Mtodo entendido no no sentido cartesiano, isto , como o conjunto de regras graas s quais os que as obser-vam exatamente jamais tomaro como verdadeiro o que falso, mas apenas como conjunto de instrumentos conceituais possivelmente teis na aplicao de normas jurdicas, em especial das normas constitucionais. Iniciamos com uma aula que, ao invs de enfocar o objeto, o artigo constitucional, encaminha-se para o sujeito. A deciso sobre o que ou no constitucional um ato de conhecimento ou um ato de vontade? Como ato de conhecimento, o intrprete se anularia e somente conta o objetivo como um datum. Se prevalecer o ato de vontade, a interpretao aparece como um constructo e mltiplas possibilidades se abrem; muitos seriam os sujeitos e todos so muito imprevisveis. Passa a existir uma incerteza que o sustento de um pluralismo interpretativo defendido pelo curso.

    A primeira aula centra-se no texto legal, objeto da interpretao. Que esta norma? Trata-se de um ponto xo a partir do qual diversos signicados vo se conitar, sendo a prpria escolha do ponto xo matria de disputa. Qual o artigo a aplicar? Como interpret-lo? Escolhido esse ponto xo, pode ser questionado ou ser aceito pelos participantes da argumentao. Da porque a aula caminha para a relao entre pensamento dogmtico e pensamento zettico, conceitos com os quais os alunos entraro em contato atravs do texto de Trcio Sampaio Ferraz Jr. sobre ensino jurdico. Em seguida, ser demonstrado que o artigo constitucional ponto xo dogmtico a partir do qual no se tem mais uma atitude zettica na ver-dade um topos, caixa vazia que pode acomodar vrias interpretaes, arena onde brigam as interpretaes concorrentes que lutam pelo bem escasso: s uma ser considerada constitucional. O caso estudado o caso do HC 71373-4 RS, sobre a possibilidade de coleta forada de material gentico para exame de DNA em ao de investigao de paternidade.

    A segunda e a terceira aulas do bloco dizem respeito aos instrumentos da in-terpretao constitucional. No mais o sujeito nem mais o objeto. Focamos agora o mtodo, os instrumentos disposio dos intrpretes. O objetivo treinar os alunos no emprego de conceitos tcnicos hoje largamente utilizados na aplicao das normas constitucionais. Inicia com princpios de interpretao especicamente constitucional, a partir das premissas da supremacia e da unidade da Constituio, que pede uma interpretao sistemtica e integradora, necessria para que se d uma coerncia constituio. Esta sistematicidade particularmente importante se levarmos em conta o processo gentico constituinte que nos legou uma constitui-o analtica, prolixa e at mesmo contraditria. O fundamental no discutir em tese o catlogo de princpios expostos pela doutrina, mas enfatizar o carter instru-mental pragmtico destes princpios. O caso envolve debate sobre sade pblica e liberdade de informao em torno da questo de propaganda de cigarro, a partir de ADIn proposta pela Confederao Nacional da Indstria.

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    FGV DIREITO RIO 13

    Na quarta aula, a interpretao especicamente constitucional continua a ser desenvolvida, agora centrada nos conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. A razoabilidade se distingue da racionalidade por apontar para uma construo de justia e correo mais prxima do acordo de sujeitos, enquanto a racionalidade aponta para uma noo de justia e correo que externa e independente do acor-do dos sujeitos. A razoabilidade construda cada vez mais por uma comunidade de intrpretes e por fatores extrajurdicos. J a proporcionalidade um instrumen-to capaz de medir a adequao entre m e meios, a necessidade da medida, e o balancing entre direitos promovidos e direitos sacricados. O estudo de caso a deciso do STF sobre a constitucionalidade da pesagem obrigatria de botijes de gs na presena do consumidor (ADI 855-2).

    Finalmente, o bloco acaba com uma quarta e ltima aula, na qual se far a anlise da interpretao de bloqueio e da interpretao legitimadora. A interpretao legiti-madora aponta para um ativismo, fruto de uma aliana sobretudo entre Ministrio Pblico e juzes. A aula ser uma aprofundada anlise do parecer Direitos da Mu-lher: Igualdade Formal e Igualdade Material, de Joaquim Falco. O professor far um making of da elaborao de um raciocnio jurdico sobre um caso concreto.

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    FGV DIREITO RIO 14

    2. ROTEIRO DE AULAS

    AULA 1: LEI DE COTAS: PRIMO INTER PARES?

    2. NOTA AO ALUNO

    A) INTRODUO

    Esta a primeira aula do curso de Direito Constitucional I. Hoje, voc ser apresentado a diversos temas que, ao longo dos prximos meses, vo se tornar seus inseparveis companheiros de viagem. No se preocupe se no conseguir entend-los agora. Ns os analisaremos em maior profundidade no momento certo.

    Todas as aulas sero participativas e, portanto, a leitura prvia do material did-tico e dos textos relacionados indispensvel. Nesta preparao para aula, procure ter em mente:

    Escolha o essencial. Nem tudo que est dito em um texto ou mesmo no material de um caso necessariamente importante para a questo. Tudo depende do uso que pode ser feito deles. Um prossional do direito precisa aprender a distinguir quais fatos podem e quais no podem ser juridicamente relevantes, por pelo menos dois motivos. Primeiro, porque o tempo escasso. Segundo, porque costuma existir uma hierarquia entre temas e problemas. H os principais e os acessrios. Voc deve estar treinado para identicar quais os principais aqueles que estruturam a discusso, aqueles cuja resoluo torna os demais irrelevantes.

    Seja criativo. Esta aula, assim como todas as outras do curso, no ser sobre a posio doutrinria deste ou daquele autor, mas sobre problemas. Os textos foram indicados para ajudar na compreenso dos conceitos bsicos e para serem utiliza-dos na argumentao em sala de aula, mas voc tem total liberdade para ousar na argumentao desde que apresente uma fundamentao jurdico-constitucional adequada. Corra riscos, seja pr-ativo. Corra o risco de inovar.

    Leia. Leia muito. Dicilmente voc ser criativo se no for culto tambm. No precisa ser pedante ou hermtico para ser culto. A cultura a base para a criatividade. Ler o alicerce da cultura. estimulo para pensar alternativas, para conhecer alter-nativas, para enxergar a complexidade dos problemas. No basta estar informado. No futuro, haver apenas dois tipos de prossionais: os que leram e se informaram e, portanto, comandam, e os que apenas se informaram e, portanto, apenas seguem.

    Fuja dos argumentos de autoridade. Eles podem at funcionar (e funcionam) na prtica jurdica, mas, em sala, nem o professor, nem seus prprios colegas vo se satisfazer com uma tese cujo nico fundamento de validade a autoridade de quem a enunciou. Preste ateno no argumento em si, e no nas autoridades. A criao de uma boa tese no privilegio da idade, nem do status prossional. Um argumento vale pelas razes que apresenta, pela forma com que se expe e pelos valores que defende, e no pelo peso, fora e poder da autoridade que o pronuncia.

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    FGV DIREITO RIO 15

    Pesquise. Embora o material de leitura obrigatria tenha sido selecionado para estabelecer um terreno comum para a discusso em sala, voc pode e deve procurar por conta prpria outras fontes que contribuam para o debate. As fontes podem es-tar na sua frente. Converse com amigos e professores, leia jornais, assista noticirios e lmes, faa buscas na biblioteca e na Internet. Aprenda a ver o mundo como uma grande fonte de informao. Tudo sua volta informao e voc vai precisar dela na sua vida prossional. Lembre-se apenas do primeiro conselho acima: escolha o essencial. Aprenda a identicar o que e o que no relevante, especialmente quan-do for pesquisar na Internet.

    Agora, leia o caso a seguir e prepare-se para debat-lo em sala de aula!

    B) O CASO

    A Lei do Estado do Rio de Janeiro que determina que 50% das vagas da UERJ sero destinados a negros e pardos constitucional?

    Em 2001, o deputado estadual Jos Amorim (PPB) enviou Assemblia Legisla-tiva do Rio de Janeiro o projeto de lei n 2490, com o seguinte artigo:

    Art 1o Fica estabelecida a cota mnima de 40% (quarenta por cento) para as po-pulaes negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduao em todas as instituies pblicas de educao superior universidades do Estado do Rio de Janeiro.

    Na justicativa do projeto, o deputado armava:

    Nos Estados Unidos da Amrica do Norte, pas no qual o racismo evidente, o presidente John Fitzgerald Kennedy decretou, ainda na dcada de 60, que 12% (doze por cento) das vagas nas universidades cassem reservadas para a populao negra. Percentual que correspondia exata proporo da populao negra na socie-dade americana.

    No Estado do Rio de Janeiro, estima-se que 40% (quarenta por cento) da popu-lao seja constituda por negros e pardos. Grande parte desse contingente vtima de discriminao e, sobretudo por questes econmicas, no consegue acesso ao en-sino de qualidade, fator crucial para possibilitar a ascenso econmica e prossional desses cidados.

    Entre os dias 31 de agosto e 7 de setembro, os pases membros das Naes Unidas vo se reunir na frica do Sul para apresentar o Esboo da Declarao contra o Racismo e reconhecer que a escravido representou um desrespeito cultura dos povos de origem negra, contribuindo para deix-los em condies de extrema pobreza e misria.

    O Brasil, como segundo pas com maior nmero de indivduos descendentes da raa negra, precisa acatar a sugesto de implantar programas educacionais, que res-peitem diferenas, e contribuam para a promoo da igualdade social. Hoje, apenas uma pequena parcela de negros tem algum poder de deciso na sociedade.

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    O inciso VIII do artigo 37 da Constituio Federal j prev a reserva de cargos em empresas pblicas para pessoas portadoras de decincia fsica como forma de fa-cilitar o acesso ao mercado de trabalho e reduzir a discriminao. A reserva de vagas para negros em universidades pblicas mais uma forma de promover a integrao social das parcelas ainda discriminadas da sociedade.

    O projeto foi aprovado, dando origem lei 3.708/2001.Com relao desigualdade, a sociedade brasileira enfrenta um problema seme-

    lhante ao de diversos outros pases democrticos, ainda que em grau e caractersti-cas distintas. Por um lado, constata-se que a sociedade brasileira profundamente desigual.

    Desigualdade econmica, regional e racial, sobretudo em relao aos negros. Nos EUA, os negros representam atualmente cerca de 13% da populao. No Bra-sil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica), de 1996, respondem por 45% da populao, ou seja, 76,5 milhes de negros e pardos. A proporo de negros entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo (equivalente aos que concluram o ensino mdio e possuem curso superior) de apenas 2,8%, quase quatro vezes menos do que os brancos na mesma faixa (10,9%). A taxa de analfabetismo quase trs vezes maior entre negros e mulatos do que entre a popu-lao branca.

    Por outro lado, constata-se tambm que o ideal de igualdade entre os cidados um ideal indispensvel democracia, inclusive inserido na prpria constituio. Em sua 14 Emenda, a constituio norte-americana diz textualmente:

    Section 1. All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.

    Taxa de analfabetismo(%) 15 anos ou + de idade, 2002

    Fonte: Tabulaes feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informaes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD)

    7,5

    17,2

    4,0

    7,0

    Brasil Rio de Janeiro

    Branco

    Negro

    Taxa de analfabetismo(%) 15 anos ou + de idade, 2002

    Fonte: Tabulaes feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informaes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD)

    7,5

    17,2

    4,0

    7,0

    Brasil Rio de Janeiro

    Branco

    Negro

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    FGV DIREITO RIO 17

    Qual o papel do direito diante deste problema? Como podem a constituio, os tribunais, as leis, os prossionais contriburem para fazer com que o ideal seja real? O dever ser, de fato, seja?

    Um conjunto de aes visando a diminuir e mesmo extinguir as desigualdades foi ento pensado, formatado e praticado, entre elas as aes armativas. Ou seja, normas, leis e sentenas que armam juridicamente a igualdade. Um dos tipos de aes armativas so as leis de quotas, que no dizem respeito apenas aos negros, embora tenham se transformado num dos instrumentos mais poderosos do movimento negro norte-americano. So leis que asseguram, reservam um determinado numero de posies (uma quota), que sero preenchidas exclusiva-mente por determinados grupos que, do contrrio, no teriam acesso posio em disputa.

    Na ultima dcada, o Brasil comeou a criar algumas leis que estabelecem cotas, como, por exemplo, a Lei Federal 9.504 de 30 de setembro de 1996, que reserva, em seu artigo 10, 30% de vagas nos partidos polticos para mulheres como candi-datas s eleies.

    Luisa Peixoto fez o vestibular para desenho industrial da UERJ em 2003. Foi a 10a colocada no concurso, mas no se classicou porque a universidade reservava grande parte de suas vagas para alunos de escolas pblicas, negros e pardos. Das 36 vagas oferecidas pelo curso, apenas quatro no foram preenchidas por cotistas. Luisa entrou com uma ao na justia do Rio de Janeiro, e o Tribunal de Justia considerou inconstitucional a prtica da Uerj, que estava amparada pela lei estadual 3524/00, como inconstitucional. (O Globo)

    Foi argida tambm a inconstitucionalidade desta lei, agora junto ao Supre-mo Tribunal Federal pela Confederao Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (ADIN 2858-8). Na petio inicial, alega-se que esta lei fere a constituio, pois, ao combater a discriminao racial, a lei provocaria a descriminao de outros grupos to ou mais vulnerveis do que os negros os ndios brasileiros, por exemplo, que no seriam beneciados na quota.

    Como voc deve ter percebido aps a leitura dos trechos selecionados da petio inicial da ADIn proposta pela CONFENEN, a questo causou grande polmica.

    7,0

    4,9

    8,1

    6,1

    Brasil Rio de Janeiro

    Branco

    Negro

    Fonte: Tabulaes feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informaes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD)

    7,0

    4,9

    8,1

    6,1

    Brasil Rio de Janeiro

    Branco

    Negro

    Fonte: Tabulaes feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informaes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD)

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    FGV DIREITO RIO 18

    Alegava-se, por exemplo, que a lei seria extremamente difcil de ser aplicada, diante da tradio cultural de miscigenao brasileira. muito difcil estabelecer em de-nitivo quem negro e quem no . Diante da reao da sociedade e da ameaa de deciso contrria do Supremo, a lei foi modicada. O critrio racial no mais o nico para a reserva de vagas. A nova lei diz:

    Art. 5 Atendidos os princpios e regras institudos nos incisos I a IV do artigo 2 e seu pargrafo nico, nos primeiros 5 (cinco) anos de vigncia desta Lei devero as universidades pblicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes caren-tes no percentual mnimo total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribudo da seguinte forma:

    I 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pblica de ensino;II 20% (vinte por cento) para negros; eIII 5% (cinco por cento) para pessoas com decincia, nos termos da legislao

    em vigor e integrantes de minorias tnicas.

    Pergunta-se: diante da constituio federal, o Brasil pode adotar leis que es-tabelecem o sistema de cotas com o objetivo de promover o ideal da igualdade? E outros tipos de ao armativa? Essas leis podem utilizar qualquer critrio? O critrio racial? O critrio da desigualdade econmica? O critrio do gnero, como por exemplo, o artigo 7, XX da prpria Constituio? O critrio da nacionalidade? O critrio da decincia fsica, como por exemplo, no art. 37, VIII? O critrio da idade, como na preferncia de tramitao de processos de idosos na justia?

    C) MATERIAL DE APOIO

    c1) Textos

    I) OBRIGATRIOSPena, Srgio D. Pena. Retrato Molecular do Brasil, in Falco, Joaquim e

    Arajo, Rosa Maria Barbosa de. O Imperador das Idias: Gilberto Freyre em questo. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001 (tpicos Razes Filogenticas do Brasil e No existem raas)

    Merola, Ediane. Notas baixas e critrios de cotas para negros provocam pol-mica na Uerj. Reportagem publicada no jornal O Globo em 11/03/04.

    Gois, Antnio e Petry, Sabrina. Na era das cotas, negro o 1 lugar em me-dicina. Reportagem publicada na Folha Online em 08/02/04

    O GLOBO. Estudante ganha ao contra Uerj. Reportagem publicada no jornal O Globo de 17/03/04.

    Trechos da petio inicial da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) so-bre a lei estadual do Rio de Janeiro n 4151/03 (lei de cotas), proposta pela CONFENEN (Confederao Nacional dos Estabelecimentos de Ensino)

    UNGER, Roberto Mangabeira. Justia racial j, artigo publicado no jornal Folha de So Paulo em 13/01/04.

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    FGV DIREITO RIO 19

    II) LEITURAS ACESSRIAS (OBRIGATRIAS PARA A AULA 30 JRI SIMULADO)Kamel, Ali. Cotas: Um erro j testado. Artigo publicado em O Globo de

    29/06/04.__________. UNB: Pardos s se forem negros. Artigo publicado em O Globo

    de 20/03/04.Petio da ONG Conectas, na qualidade de Amicus Curiae (editada).Unger, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. (trecho sobre

    aes armativas nos EUA).Schwartzman, Simon. Entrevista ao jornal O Globo de 21/03/04.Falco, Joaquim. Sistema de Cotas Brasileira. Publicado no Jornal do Brasil.Barroso, Lus Roberto. Cotas e o papel da universidade. Publicado em O

    Globo de 28/06/03.Gomes, Joaquim B. Barbosa. Ao armativa & princpio constitucional da

    igualdade: O direito como instrumento de transformao social. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001.

    Vieira, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal Jurisprudncia Poltica. So Paulo: Malheiros, 2001 (trecho sobre a deciso da Suprema Corte no caso Bakke).

    Dworkin, Ronald. Levando os Direitos a Srio. So Paulo: Martins Fontes, 2002 (captulo IX - A discriminao compensatria).

    c2) Legislao

    Leis Estaduais: 4154/03, 3708/01 e 3524/00.Constituio Federal (dispositivos diversos).

    c3) Questes de Concursos

    36 Concurso Magistratura Estadual/ 2002 RJ compatvel com a Constituio da Repblica a gratuidade estabelecida no art.

    13, V, da Constituio do Estado do Rio de Janeiro em favor dos que percebem at um salrio mnimo, dos desempregados e dos reconhecidamente pobres para o sepultamento e os procedimentos a ele necessrios, inclusive o fornecimento de esquife pelo concessionrio do servio funerrio?

    Ministrio Pblico Estadual/ 2002 PRTramita no Congresso Nacional um projeto de lei que objetiva reservar 20%

    das vagas em estabelecimentos pblicos de ensino superior para estudantes negros. Suponha que esta lei seja aprovada e sancionada e que uma entidade legitimada ingresse com uma ADIN perante o STF, alegando que a lei ofende ao princpio da igualdade. Analise o mrito da questo, dizendo da possibilidade de sucesso da ao, apresentando fundamentao jurdica.

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    FGV DIREITO RIO 20

    Provo/ 2002A parte da natureza varia ao innito. No h, no universo, duas coisas iguais.

    Muitas se parecem umas s outras. Mas todas entre si diversicam. Os ramos de uma s rvore, as folhas da mesma planta, os traos da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo uido, os argueiros do mesmo p, as raias do espectro de um s raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no cu, at os micrbios do sangue, desde as nebulosas no espao, at os aljfares do rocio na relva dos prados. A regra da igualdade no consiste seno em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social proporcionada desi-gualdade natural, que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais so desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desi-guais com igualdade, seria desigualdade agrante, e no igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criao, pretendendo, no dar a cada um, na razo do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. (Barbosa, Rui. Orao aos Moos. 18. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, pp. 53-55)

    A partir desse texto, analise a validade da adoo da discriminao positiva no Brasil, oferecendo exemplos; a relao entre o princpio da igualdade e o da propor-cionalidade, a possibilidade de o juiz decidir unicamente com base no princpio da eqidade.

    Provo/ 2003(Estcio:) Eu creio que um homem forte, moo e inteligente no tem o direito

    de cair na penria.(Salvador:) Sua observao, disse o dono da casa sorrindo, traz o sabor do cho-

    colate que o senhor bebeu naturalmente esta manh, antes de sair para a caa. Presumo que rico. Na abastana impossvel compreender as lutas da misria, e a mxima de que todo homem pode, com esforo, chegar ao mesmo brilhante resul-tado, h de sempre parecer uma grande verdade pessoa que estiver trinchando um peru... Pois no assim; h excees. Nas coisas deste mundo no to livre o ho-mem, como supe, e uma coisa, a que uns chamam mau fado, outros concursos de circunstncias, e que ns batizamos com o genuno nome brasileiro de caiporismo, impede a alguns ver o fruto de seus mais hercleos esforos. Csar e sua fortuna! toda a sabedoria humana est contida nestas quatro palavras. (Assis, Machado de. Helena. Rio de Janeiro: W.M. Jackson Inc. Editores, 1962. cap. XXI: p. 221). Iden-tique a convergncia ou divergncia do pensamento do personagem Salvador ao iderio que inspira o Estado liberal, no tocante garantia de igualdade perante a lei e de liberdade de agir, como condicionantes do sucesso individual.

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    FGV DIREITO RIO 21

    NOTA AO ALUNO

    A) INTRODUO

    Um dos princpios jurdicos que fundamenta a ambio de exclusividade do siste-ma normativo, ou do ordenamento jurdico em regulamentar a conduta do cidado, o de que tudo que no est proibido est permitido. Ou seja: tudo o que a norma, a lei, ou a lei maior (a constituio) no proibiu seria juridicamente permitido. To-das as relaes sociais so de alguma maneira passveis de serem entendidas ou como proibidas ou como permitidas juridicamente. Caberia ento constituio dizer o que permitido e o que proibido ela deteria a ltima palavra sobre se determina-da realidade ou relao social deve ser permitida ou proibida. Esta aula partiria ento do pressuposto de que Relao social = Relao jurdica = Relao constitucional. O seu objetivo treinar esta viso, esta maneira de analisar a sociedade.

    B) O CASO

    Esta aula constitucional?A sala de aula de um curso de direito a realidade que vocs devem analisar. Ela

    composta de mltiplas relaes sociais. Algumas so evidentes, como a relao entre o professor e os alunos, ou as relaes dos alunos entre si. Outras no so to evidentes, mas, ainda assim, so de alguma maneira indispensveis realizao da aula: a relao entre a FGV e a Light, sem a qual os elevadores no funcionariam. Quais os sujeitos destas relaes? Quais os direitos e deveres presentes? Pense, por exemplo, na relao entre o professor e o coordenador do curso que lhe determinou o horrio da aula. Pense nas obrigaes do professor em relao FGV. Pense nos direitos dos alunos em relao ao professor.

    Procure identicar pelo menos cinco relaes sociais que esto ocorrendo ou podem ser inferidas de uma sala de aula. Em seguida, tente detalhar sucientemen-te esta relao (por exemplo, identicando os atores/sujeitos destas relaes) para poder responder seguinte pergunta: esta relao social que est ocorrendo na sala permitida ou proibida pela constituio? constitucional ou inconstitucional? Por qu?

    Depois de identicar e caracterizar a relao social, voc dever procurar e en-contrar o artigo da constituio pertinente, que a regularia direta ou indiretamente. Finalmente, dever argumentar/explicar/justicar porque se aplica este determina-do artigo e no aquele outro, e porque ele probe ou permite a relao em questo.

    Avalie, por exemplo, se seria constitucional a deciso do diretor de uma escola de direito catlica de determinar que somente a doutrina catlica de direito, a jus-naturalista, poderia ser ensinada na sala de aula. Para o jusnaturalismo, h certos direitos e deveres superiores aos direitos e deveres criados pela Constituio do Es-

    AULA 2: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA AULA: ESTA AULA CONSTITUCIONAL?

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    FGV DIREITO RIO 22

    tado deveres que decorrem da natureza humana ou da vontade divina. Mais: para que no existam dvidas sobre esta doutrina, o diretor determinou tambm que o nico mtodo didtico possvel seria a aula conferncia, expositiva, cando vedada a realizao de perguntas por partes dos alunos.

    A classe ser divida em dois grupos, escolha do professor, cada um com a tarefa de defender uma posio oralmente e por escrito.

    Na leitura dos textos, procure responder as perguntas seguir. Elas o ajudaro a realizar a atividade em sala:

    t 0RVFSFMBPTPDJBM $JUFUSTFYFNQMPTt 0RVFWPDFOUFOEFQPSSFMBPKVSEJDB $JUFUSTFYFNQMPTt $PNPQPEFNPTDPOFDUBSSFMBFTTPDJBJTFSFMBFTKVSEJDBT t 0RVFUSBOTGPSNBVNBSFMBPTPDJBMOVNBSFMBPKVSEJDB

    C) MATERIAL DE APOIO

    c1) Casos/Jurisprudncia

    ADIN 894/DF Unio Nacional dos Estudantes questiona dispositivo de lei federal que, na prtica, permite que os estabelecimentos particulares de ensino im-peam os alunos inadimplentes de fazer prova. No chegou a ser conhecida pelo STF, por ilegitimidade ativa ad causam da UNE.

    ADIN 51/RJ MP questiona Resoluo da UFRJ que determinava procedimen-to para eleio de reitor. A resoluo da UFRJ usurpava a competncia da Unio para legislar sobre ensino, alm de violar a autonomia universitria.

    c2) Textos

    Contratos da FGV com fornecedores (luz, gua, telefone etc).Contratos da FGV DIREITO RIO com seus alunos.Contratos da DIREITO RIO com seus professores.Petio inicial da UNE na ADIN 894/DF, questionando lei federal que permite

    que os estabelecimentos particulares impeam alunos inadimplentes de fazer prova.

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    FGV DIREITO RIO 23

    AULA EXTRA: LEITURA DIRIGIDA DA CONSTITUIO (NO LABORATRIO DE INFORMTICA)

    NOTA AO ALUNO:

    A) INTRODUO

    O objetivo desta aula proporcionar a voc um primeiro contato com as Cons-tituies. No apenas a Constituio Federal de 1988, como tambm as outras Car-tas de nossa histria e algumas Constituies Estrangeiras (Americana, Portuguesa, Europia etc.).

    Ainda assim, a Constituio de 1988 ser o objeto central de anlise da aula. Os objetivos so (a) dar uma viso geral da carta poltica brasileira e (b) ensinar-lhe a manuse-la.

    Assim, a aula tem um objetivo instrumental agora, voc aprender a lidar com este documento jurdico chamado Constituio. No desenvolvimento desta habilidade, precisar aprender: a estrutura da Lei maior; buscar assuntos no ndi-ce remissivo; saber como o ADCT se integra na Constituio; buscar atualizaes (emendas) em sites; procurar jurisprudncia constitucional e smulas do STF; e, por m, uma noo bsica de redao e organizao legislativa.

    B) ATIVIDADES

    1) Esta uma competio para averiguar sua capacidade de encontrar com pre-ciso e velocidade assuntos na constituio federal. Sero vrias rodadas, com cres-centes nveis de diculdade. O professor pedir a voc que encontre determinados assuntos na constituio.

    2) Agora que voc aprendeu como manusear a Constituio, vamos aprender a utilizar Internet para buscar artigos, assuntos, jurisprudncias e smulas que sero teis em seu dia-a-dia como advogado. Seu professor lhe dar uma lista de assuntos que devem ser encontrados nos sites abaixo.

    SITES DE BUSCA GERAISt www.google.comt www.yahoo.comt www.altavista.comt www.cade.com.br

    BRASILt www.stf.gov.br Supremo Tribunal Federalt www.planalto.gov.br Presidncia da Repblica do Brasilt www.senado.gov.br Senado Federalt www.camara.gov.br Cmara de Deputados

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    FGV DIREITO RIO 24

    t www.tj.rj.gov.br Tribunal de Justia do Rio de Janeirot www.tj.rs.gov.br Tribunal de Justia do Rio Grande do Sult www.tj.sc.gov.br Tribunal de Justia de Santa Catarinat www.jfrj.gov.br Justia Federal do Rio de Janeirot www.trf2.gov.br Tribunal Federal da Segunda Regio

    INTERNACIONAISt www.ndlaw.comt www.supremecourtus.govt www.wto.org (http://docsonline.wto.org)t http://www.wipo.int/t http://europa.eu.int/eur-lex/t http://www.parlement.fr/t http://www.conseil-constitutionnel.fr/

    C) MATERIAL DE APOIO

    a) Texto Complementar

    Freire, Natlia de Miranda. Anotaes sobre Tcnica Legislativa, in Tcnica e Processo Legislativo: comentrios Lei Complementar n. 95/98, com as alteraes introduzidas pela Lei Complementar n. 107/01. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2002.

    b) Legislao

    Constituio Federal de 1988.

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    AULA 3: CONCEITO DE SISTEMA

    NOTA AO ALUNO

    A) INTRODUO

    O objetivo desta aula entender o conceito geral de sistema como um instru-mento de anlise. Aqui, ainda no trataremos do sistema jurdico propriamente dito. Abordaremos a teoria geral do sistema, com algumas noes de sistema social e de sistema poltico, respectivamente, de Talcott Parsons e de David Easton.

    Antes de entrar nos conceitos especcos, cabe ressaltar a importncia do concei-to de sistema. Aprender o conceito de sistema no signica ter uma viso positivista do direito, muito pelo contrrio. O que se pretende aqui mostrar como a noo de sistema pode ser til como um instrumento de anlise. Eles so culos para com-preender a realidade de forma a entend-la, analis-la e poder sugerir alternativas a ela. Em especco, a noo de sistema ajuda na compreenso de determinados conceitos importantes ao direito, tais como, por exemplo:

    t BTSFMBFTFUFOTFTEFOUSPFGPSBEPPSEFOBNFOUPKVSEJDPt PNUPEPEFJOUFSQSFUBPTJTUFNUJDBFEBBOBMHJDBt PDPODFJUPEFBOUJOPNJBEBTOPSNBTFEFMBDVOB

    Os conceitos envolvidos na noo de sistema so: o input, o output, os elemen-tos ou subsistemas internos, o processamento (converso ou estrutura de tomada de deciso) e o feedback. Input a entrada do sistema, a provocao do ambiente externo, so as demandas do meio. O output a outra interface, a sada do sistema. O sistema comunica-se como meio externo, ele aberto. Desta abertura resulta seu carter dinmico, a constante interao interna e externa. A interna o processa-mento do input que se d atravs da inter-relao entre os elementos internos e/ou os subsistemas e a externa a prpria troca com o meio, j descrita. O feedback, por ltimo, uma ferramenta de manuteno do sistema no ambiente, uma vez que permite um output que no foi bem recebido pelo sistema possa ser reavaliado e eventualmente modicado. Estes conceitos esto representados nos esquemas na pgina anterior para melhor entendimento.

    B) O CASO

    Leonardo acordou eufrico na sexta-feira. Aps 4 longos anos, sua banda nal-mente iria tocar na grande nal do Concurso Nacional de Bandas. Passou o dia inteiro ensaiando para no cometer nenhum engano na hora do show. De to con-centrado que estava, Leonardo acabou perdendo a noo do tempo. Quando caiu em si, faltavam apenas 20 minutos para o incio da competio. E o pior! Apesar do show estar marcado na Barra da Tijuca, ele ainda estava em sua casa, em Botafogo.

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    Leo no pensou duas vezes. Mesmo com a habilitao vencida, colocou o equipa-mento no carro de seu pai e partiu levando seus colegas de banda.

    Dirigia como um louco! Cortava carros pela direita, cantava pneus nas curvas, fechava os outros motoristas e quase atropelou uma senhora que vagarosamente se esforava para atravessar a rua. E Leo continuaria seu ritmo louco at o show no fosse um outro motorista como ele. Ao avistar o sinal, Leo desacelerou um pouco, mas continuou, conante que ningum atravessaria seu caminho. Mas Leo estava errado. Ao passar pela esquina da rua, ele colide seu veculo com outro. Para sua sor-te, ambos os veculos estavam em baixa velocidade, o que evitou que algum sasse machucado. Mas no evitou o grande prejuzo: dois faris quebrados, um pra-cho-que amassado, radiador e pneus furados, cap empenado, e por a vai. Leonardo, que sempre foi violento, sai de seu carro furioso. Sua expresso era clara. Ele iria agredir o motorista do outro veculo. Ao perceber que o motorista do outro veculo tambm era seu amigo, Dudu, um dos integrantes da banda, saiu do carro e disse:

    Conflito, Divergncias Sociais

    DecisoLei SentenaContrato Declarao Tratado Etc...

    Esquema 1

    Esquema 2

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    FGV DIREITO RIO 27

    Calma Leo, isso no vai levar a nada. H um policial ali perto. Ns podemos tentar resolver isso de outra maneira.

    Tendo perdido suas chances de participar da competio, Leonardo estava deses-perado e no sabia o que fazer. No estava nem certo de quem estava com a razo. Como ele iria resolver isso? Nesse momento, Carlos, um outro amigo, que estava no carro e o mais calmo de todos, sugeriu uma alternativa: uma negociao amigvel. Ele se disps a conversar com o dono do outro carro e tentar obter um justo valor pelos danos causados. Dudu discordou. Disse que o sujeito dicilmente aceitaria pagar. Como conhecia ambos e tinha presenciado o acidente, Dudu props ser o rbitro para resoluo do acidente. Dessa forma, uma terceira pessoa imparcial ao caso daria a deciso.

    Mas isso foi antes de Marcelo sair do carro. Marcelo, como a maioria dos estu-dantes de direito, s pensava em processar o motorista. Seus olhos brilhavam com a possibilidade de obter uma gorda quantia, no s para reparar o carro do amigo, como tambm para compensar a perda da competio.

    O que voc faria no lugar de Leonardo?

    a) Tentaria reaver o prejuzo sofrido fora?b) Negociaria com o motorista do outro carro?c) Chamaria um terceiro desinteressado para ser o rbitro da questo?d) Ou faria o boletim de ocorrncia com o policial e ingressaria na justia acres-

    centando o dano moral na indenizao?e) Arcaria com os prejuzos e iria para casa?

    C) MATERIAL DE APOIO

    c1) Textos

    I) OBRIGATRIOSVerbete Sistemas Enciclopdia Mirador.PARSONS, Talcott. Papel e sistema social, in IANNI, Otvio e CARDOSO,

    Fernando H. (orgs.). Homem e Sociedade.

    II) ACESSRIOSFerraz, Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do Direito. Pp.172-174 e 249-

    250.

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    FGV DIREITO RIO 28

    NOTA AO ALUNO

    A) INTRODUO

    Voc est andando pela orla de Copacabana, em uma tarde ensolarada de do-mingo. Ao parar para descansar em um quiosque, v uma famlia inteira um casal e trs lhos adolescentes jogar na areia todos os cocos que tinham acabado de tomar. Ningum em volta parece ter cado muito incomodado com o gesto. Infe-lizmente, voc pensa, esse tipo de desrespeito parece ter se tornado banal demais em nossa cidade. Logo, porm, repara no ter sido o nico a prestar ateno na cena. Um Agente de Fiscalizao de Limpeza Urbana, que estava passando pelo local, prontamente saca do bolso um bloco e preenche alguma coisa em uma folha, que ento destaca e entrega famlia.

    Isso um Auto de Infrao, diz o Agente. Os senhores acabaram de violar o Art. 83 da Lei Municipal de Limpeza Urbana e, por isso, devem pagar uma multa, que estou xando provisoriamente em R$ 300,00. Se os senhores quiserem contestar a multa, sugiro seguir os procedimentos do Decreto 21.305/01 da Prefeitura. O Decreto pode ser encontrado na pgina da COMLURB na Internet. Alguma dvida?1.

    A famlia ca atnita. O pai se levanta, revoltado. Comea a discutir com o Agente. Curioso, voc se aproxima disfaradamente para ouvir a discusso. Logo percebe que o argumento principal do pai para no pagar a multa a suposta falta de autoridade do Agente. Quem ou o que lhe conferiu esse poder de aplicar multas? A famlia parecia no ver razo alguma para obedec-lo. At porque, argumenta o pai, ningum nunca ouviu falar de agentes da COMLURB aplicando multas por algum ter jogado lixo no cho. Voc repara que boa parte dos curiosos que acompanham a discusso parece concordar com a armativa. A aquiescncia ainda maior quando ele arremata: Todo mundo faz isso e no multado. Por que voc acha que ns deveramos te obedecer? Essa uma lei que no pegou; se ningum obedece, voc no pode aplic-la.

    O Agente de Limpeza est um pouco desorientado. Ele novo nesta rea e ningum havia questionado sua autoridade antes. A impresso de que ele mesmo comea a duvidar da validade do seu ato. O Decreto 21.305/01 da Prefeitura con-fere aos Agentes de Limpeza a responsabilidade de aplicar as multas e penalidades previstas na Lei Municipal de Limpeza Urbana isso foi tudo que lhe disseram durante o seu treinamento, concludo h alguns meses. Mas por que o Decreto e a Lei Municipal devem ser obedecidos? De onde vem, em ltima instncia, a sua autoridade, se no dessas duas leis? uma questo que nunca tinha passado pela sua cabea.

    Vejamos: a Lei Municipal de Limpeza Urbana (Lei 3273/01) estabelece em seu artigo 83 a penalidade que foi aplicada famlia no quiosque. Indiretamente, esta lei confere validade ao auto de infrao celebrado pelo Agente de Limpeza, pois

    AULA 4: CONSTITUIO COMO NORMA I: ONDE EST A NORMA FUNDAMENTAL?

    1 http://www.rio.rj.gov.br/comlurb/

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    FGV DIREITO RIO 29

    ele recebe sua competncia para aplicar multas por meio do Decreto Municipal 21.305/01, que regulamenta a Lei de Limpeza Urbana.

    Uma questo, porm, permanece em aberto: de onde a Lei de Limpeza Urbana retira sua autoridade? Certo, ela d validade ao decreto, que d validade multa aplicada pelo Agente. Mas confere validade Lei 3273/01?

    Reetindo sobre a questo e pesquisando um pouco na Internet, voc pensa ter encontrado uma soluo para a questo. A Lei de Limpeza Urbana vlida por ser um ato legislativo conforme os parmetros e a competncia estabelecidos na Lei Orgnica do Municpio do Rio de Janeiro, cujo artigo 30 e seus incisos I e VI esta-belecem ser competncia do Municpio legislar sobre assuntos de interesse local e organizar e prestar (...), entre outros, os servios de limpeza pblica, coleta domiciliar e remoo de resduos slidos. Como estudante de Direito, voc sabe que a Lei Orgnica do Municpio do Rio de Janeiro tem previso constitucional. Diversos dispositivos da Constituio conferem aos Municpios a prerrogativa e o dever de se organizarem para cumprir suas tarefas junto populao, especialmente os artigos 23, VI, 29 e 30, I, que dispem:

    Art. 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios:

    VI proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas;Art. 29. O Municpio reger-se- por lei orgnica, votada em dois turnos, com o

    interstcio mnimo de dez dias, e aprovada por dois teros dos membros da Cmara Municipal, que a promulgar, atendidos os princpios estabelecidos nesta Constitui-o, na Constituio do respectivo Estado e os seguintes preceitos (...)

    Art. 30. Compete aos Municpios:I legislar sobre assuntos de interesse local;V organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concesso ou permisso,

    os servios pblicos de interesse local, includo o de transporte coletivo, que tem carter essencial;

    Tentando representar gracamente suas concluses, voc chega ao seguinte re-sultado:

    Observando essa cadeia de validade, voc se detm no ltimo quadro a Consti-tuio Federal de 1988. Todos os outros quadros so concretizaes de competncias e

    Art. 30, VI da Lei Orgnica do Municpio do Rio de Janeiro.

    Art. 83 da Lei de Limpeza Urbana(Lei Municipal 3.273/01).

    Art. 4 do Decreto Municipal 21.305/01.

    Auto de Infrao emitido por Agente de Fiscalizao de Limpeza.

    Art. 23, VI, art. 29 e art. 30, I da Consti-tuio Federal de 1988.

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    FGV DIREITO RIO 30

    deveres direta ou indiretamente estabelecidos nesta Lei Maior. Em ltima instncia, ela que confere validade a todo o resto do ordenamento. A obedincia Constituio exige que obedeamos tambm Lei Orgnica do Municpio, que exige que obedea-mos Lei de Limpeza Urbana, que exige que obedeamos ao Decreto 21305/01, que nos obriga a reconhecer a validade e autoridade do ato praticado pelo funcionrio da COMLURB, por mais inconveniente que seja.

    Ser que isso responde questo do Agente de Limpeza?Vejamos. Tudo parece ser uma conseqncia lgica da aceitao da validade da

    Constituio. Se reconhecemos a Lei Maior de nosso pas, reconhecemos tambm a validade de toda norma jurdica (lei ordinria, lei complementar, lei orgnica, decreto, regulamento etc) que tenha sido formulada de acordo com os parmetros ali previstos. Mas... por que aceitar a validade da Constituio?

    Vrios autores tentaram responder a essa pergunta. Dependendo da perspectiva, o fundamento da obedincia Constituio de onde o resto do ordenamento jurdico retira sua validade pode ser a vontade de Deus, a razo universal, a natu-reza humana, o simples fato de ela ter sido posta pelo Poder Constituinte2... A mais famosa resposta formulada para esse problema, porm, continua sendo a de Kelsen, encontrvel na bibliograa desta aula tambm atravs do texto de Bobbio, um dos seus inmeros intrpretes.

    B) ATIVIDADES

    Aps a leitura dos textos, imagine que o ordenamento jurdico brasileiro possa ser representado gracamente pela pirmide abaixo. Estabelea suas divises inter-nas (camadas), indicando a posio de diferentes normas das quais voc j ouviu falar. No esquea de indicar o que se encontra no vrtice da pirmide: seria a Constituio ou a norma fundamental? Caso voc ache que seja a Constituio, onde voc situaria a norma fundamental neste esquema grco?

    ?

    Art. 23, VI, art. 29 e art. 30, I da Consti-tuio Federal de 1988.

    2 Segundo Raul Machado Horta, O poder constituinte o respon-svel pela elaborao da Cons-tituio. A funo constituinte a atividade desse poder criador da Constituio. Em qualquer de suas denominaes As-semblia Nacional Constituinte, Congresso Constituinte, Conven-o Constituinte -, que servem para identificar o rgo, o poder constituinte originrio sempre o autor da Constituio. (Direito Constitucional. 4a ed. Belo Hori-zonte: Del Rey, 2003. P. 51)

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    FGV DIREITO RIO 31

    Aps completar o grco que ser discutido pelo professor procure pesquisar e trazer para a sala de aula as cadeias de validade referentes a:

    1) Multa de trnsito;2) Nota Zero atribuda por um professor da DIREITO RIO a um aluno,

    como sano por comprovada utilizao de cola durante a prova.Utilize como parmetro para realizar estas tarefas a cadeia de validade que tra-

    amos para a multa do agente de Limpeza Urbana.

    C) TEXTOS

    i) Obrigatrios

    Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico..10a ed. Braslia: UNB, 1999. Cap. II, A Unidade do Ordenamento Jurdico, pp. 37 a 53 e 58 a 65 (tpicos 1 a 4 e 6).

    Kelsen, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. So Paulo: Martins Fontes, 2000. Pp. 181 a 184 (Cap. IX, A hierarquia das normas).

    ii) Acessrios

    Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. So Paulo: Editora Martins Fontes, 1994, pp. 215 a 232 e pp. 246 a 263.

    Hart, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gul-benkian, 2a edio, 1994.

    Heller, Hermann. Teoria do Estado. So Paulo: Ed. Mestre Jou, 1968 (trad. Lycurgo Gomes da Motta). Pp. 318 a 327 (A constituio escrita).

    Warat, Luis Alberto. Quadrinhos Puros do Direito. Buenos Aires: ALMED.

    iii) Questes de Concursos

    31 Concurso Magistratura Estadual/ 1999 RJa) luz do nosso modelo constitucional, apresenta-se correta a armao de que

    existem normas constitucionais hierarquicamente superiores umas s outras?b) possvel falar-se em inconstitucionalidade da Constituio?c) Analise a assertiva de que todas as normas constitucionais originrias retiram

    sua validade do Poder Constituinte originrio.d) Explicite o signicado da funo de guardio da Carta Magna Federal, que

    expressamente conferida ao Supremo Tribunal Federal, e que ele a exerce por meio da declarao de inconstitucionalidade nos controles difuso e concentrado.

    e) Podem as clusulas ptreas ser invocadas para a sustentao da tese da incons-titucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitu-cionais superiores?

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    AULA 5: A CONSTITUIO COMO NORMA II: ANTINOMIAS CONSTITUCIONAIS

    NOTA AO ALUNO

    A) INTRODUO

    O tema desta aula so as antinomias constitucionais. Mas o que so antino-mias constitucionais? Segundo o prof. Trcio Ferraz, podemos denir, portanto, antinomia jurdica como a oposio que ocorre entre duas normas contraditrias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo m-bito normativo, que colocam o sujeito numa posio insustentvel pela ausncia ou inconsistncia de critrios aptos a permitir-lhe uma sada nos quadros de um ordenamento dado. importante notar que existem critrios previstos pelo or-denamento jurdico para a resoluo de simples conitos entre normas. Esses critrios so os da temporalidade, da especialidade e da hierarquia.

    A importncia da antinomia para o Direito Constitucional mltipla. Por um lado, explica a existncia de normas contraditrias, hierarquicamente situadas no mesmo patamar, esta contribuio sendo lha direta do processo constituinte radi-calmente democrtico e da sociedade plural e conitante como a brasileira. Por outro, ao impor ao intrprete a constituio como obra aberta, deixa-lhe espao interpretativo para sintonizar sua deciso aos valores, princpios e objetivos de sua poca. A pergunta desta aula : como resolvemos os conitos entre normas, quando os critrios tradicionais, que esto dentro do sistema, no os resolvem?

    B) O CASO

    Em 1999, o jornalista Ruy de Castro, que j havia publicado dois best sellers, Chega de Saudade, sobre a bossa nova, e O anjo Pornogrco, sobre Nelson Rodrigues, pela editora Companhia das Letras, lanou pela mesma editora uma biograa independente e no ocial da vida de Garrincha. Esse livro teve tambm imediato sucesso de vendas por ser Garrincha dolo nacional, e sua histria sempre despertar grande interesse do pblico. O livro narra sua infncia em Pau Grande, as diculdades que sofreu, e depois sua performance como jogador do Botafogo e da seleo responsvel pelas Copas de 58 e 62, tido como igual a Pel. A vida pessoal de Garrincha sempre foi conturbada. Ele sempre deu entrevistas ao lado de suas na-moradas, mesmo estando casado legalmente. Seu desempenho sexual era conhecido por todos os seus colegas e jornalistas mais prximos. Durante a copa do mundo de 1962, no Chile, ele conhecera a cantora Elza Soares, que estava no pas como repre-sentante do Brasil. O romance cou conhecido e Garrincha no fez muito esforo para escond-lo, mesmo tendo uma esposa e oito lhas. Elza era sua amante publi-camente e inclusive tinha acesso aos vestirios, onde todos os jogadores trocavam de roupa. Garrincha teve sucesso absoluto, vrias namoradas e era unanimemente reconhecido como um grande namorador.

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    FGV DIREITO RIO 33

    Dos 14 lhos que Garrincha ocialmente teve, apenas duas de suas lhas foram entrevistadas, tendo os outros tomado conhecimento do livro aps a publicao. Apesar dessas entrevistas, o livro foi feito sem uma autorizao formal da famlia. Os fatos narrados se sustentam em depoimentos de diversas pessoas prximas e jornalistas.

    Na ocasio de sua morte, suas lhas estavam na maior pobreza. Garrincha en-tregou-se ao alcoolismo e teve um nal de vida triste. Diante do sucesso do livro, instruda por advogados, trs delas interpuseram uma ao contra a editora, pedin-do indenizao por danos morais e materiais, tendo em vista o perl traado do pai, que alegaram ser irreal, e o fato de o livro ter sido escrito sem autorizao formal da famlia. As informaes alegadas como ofensivas memria de Garrincha referiam-se s seguintes passagens do livro: o captulo intitulado A Mquina de Fazer Sexo e as menes ao alcoolismo.

    O juiz de primeira instncia reconheceu preliminarmente esse direito e deu deciso favorvel s lhas, concedendo indenizao por danos materiais e morais. Na segun-da instncia, porm, os advogados do escritor conseguiram modicar a deciso. O Desembargador Joo Wehbi Dib no reconheceu o pedido de indenizao por danos morais feito pelas herdeiras, usando como argumento que o tamanho do pnis do jogador citado no livro deveria ser motivo de orgulho para a famlia, e no de ofensa.

    As asseveraes de possuir um rgo sexual de 25 centmetros e ser uma mqui-na de fazer sexo, antes de serem ofensivas, so elogiosas, malgrado custa crer que um alcoolista tenha tanta potncia sexual, justica o desembargador. H que assinalar que ter membro sexual grande, pelo menos neste Pas, motivo de orgulho, posto que signica masculinidade, continua.

    O desembargador cita ainda a foto da capa do livro para justicar seu voto e comentar a polmica sobre o tamanho do pnis do jogador: No consta que tenha sido medido. Demais disso, na foto da capa est com as pernas abertas e no ostenta nenhum volume, descreveu.

    Procuradas, as lhas mostraram-se inconformadas com a deciso. Era uma ver-gonha para sua famlia e a memria de seu pai, ver aspectos ntimos da vida dele, sua privacidade sendo tratados dessa forma.

    Como voc decidiria tal questo?

    C) MATERIAL DE APOIO

    c1) Jurisprudncia

    No caso a seguir, incide outra antinomia de normas constitucionais: entre a defe-sa de uma manifestao cultural e a preservao da fauna. Para ter acesso ao inteiro teor do acrdo, visite o site www.stf.gov.br.

    RE 153531 / SC SANTA CATARINARECURSO EXTRAORDINRIO

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    FGV DIREITO RIO 34

    Relator(a): Min. FRANCISCO REZEKRel. Acrdo: Min. MARCO AURELIOJulgamento: 03/06/1997 rgo Julgador: Segunda TurmaPublicao: DJ DATA-13-03-98 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388 EmentaCOSTUME MANIFESTAO CULTURAL ESTMULO RAZOABI-

    LIDADE PRESERVAO DA FAUNA E DA FLORA ANIMAIS CRUEL-DADE. A obrigao de o Estado garantir a todos o pleno exerccio de direitos cul-turais, incentivando a valorizao e a difuso das manifestaes, no prescinde da observncia da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituio Federal, no que veda prtica que acabe por submeter os animais crueldade. Procedimento discre-pante da norma constitucional denominado farra do boi.

    c2) Textos

    I) OBRIGATRIOSSarmento, Daniel. A Unidade da Constituio e a Insucincia dos Critrios

    Clssicos para Resoluo dos seus Conitos Normativos, extrado de A Pon-derao de Interesses na Constituio de 1988 (pgs. 26-40).

    Ferraz Jr, Trcio Sampaio. Para que serve a Constituio Brasileira?

    II) ACESSRIOSvila, Humberto. Teoria dos Princpios: da denio aplicao os princpios

    jurdicos. Editora Malheiros: So Paulo, 2003.

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    FGV DIREITO RIO 35

    AULA 6: A CONSTITUIO COMO REALIDADE SOCIAL I: O QUE VAI PARA A CONSTITUIO?

    NOTA AO ALUNO

    A) INTRODUO

    O objetivo desta aula duplo:

    a) entender a Constituio como uma deciso;b) saber que tipos de normas devem constar na Constituio.

    O que quer dizer entender a Constituio como deciso? O que uma deciso? Em geral, entende-se por deciso a resoluo de um ato voluntrio que, aps avalia-o, forma a execuo de uma soluo encontrada entre vrias alternativas possveis. Deciso , pois, uma escolha entre alternativas incompatveis. Ou seja, em face de diversas solues possveis, deve-se escolher uma entre outras que, ipso facto, se auto-excluem. Nas palavras de Trcio Sampaio Ferraz Jr.:

    Deciso termo correlato de conito, que entendido como conjunto de al-ternativas que surgem da diversidade dos interesses, da diversidade no enfoque dos interesses, da diversidade das condies de avaliao etc, que no prevem, em prin-cpio, parmetros qualicados de soluo, exigindo, por isso mesmo, deciso. (...) Sua nalidade imediata a absoro de insegurana nos sentido de que, a partir de alternativas incompatveis (que, pela sua prpria complexidade, constituem, cada uma por si, novas alternativas: pagar ou sujeitar-se a um processo, sendo pagar en-tendido como pagar a vista, a prazo, com ou sem garantias etc), obtemos outras premissas para uma deciso subseqente, sem ter de retornar s incompatibilidades primrias. Decidir, assim, um ato de uma srie que visa transformar incompatibi-lidades indecidveis em alternativas decidveis, que, num momento seguinte, podem gerar situaes at mais complexas que as anteriores.3

    Analisando em detalhes a deciso como um tipo de procedimento, o autor expli-cita quatro elementos constitutivos:

    Impulso, motivao, reao e recompensa. Impulso pode ser entendido como uma questo conitiva, isto , um conjunto de proposies incompatveis numa situao que exigem uma resposta. A motivao corresponde ao conjunto de expec-tativas que nos fora a encarar as incompatibilidades como um conito, isto , como exigindo uma resposta. A reao propriamente a resposta exigida. A recompensa o objetivo, a situao nal na qual se alcana uma relao denitiva em funo do ponto de partida. Neste quadro, a deciso um procedimento cujo momento cul-minante um ato de resposta.4

    3 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. A Cincia do Direito, p. 89.

    4 Idem, p. 88.

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    FGV DIREITO RIO 36

    A partir dessa matriz terica, podemos enfocar a Constituio como deciso em pelo menos dois momentos. Primeiramente, quando de sua criao. Nas consti-tuies democrticas (e este o foco deste curso), o processo constituinte envolve a disputa entre interesses de diversos setores da sociedade, que pretendem v-los positivados, isto , postos sob a forma de direito. Cada grupo social pretende a incluso, modicao ou excluso de um determinado artigo na Constituio. A promulgao formaliza a deciso entre as normas e os interesses em conito. O segundo momento se refere ao uso que se pode fazer do objeto Constituio: sua interpretao. Interpretar, segundo Kelsen, envolve um ato de cognio e um ato de vontade. Quando o juiz interpreta a carta magna, produz uma nova deciso, escolhe quem tem direito: o autor ou o ru. Escolhe se a norma constitucional ou no. Neste sentido, podemos dizer que a Constituio uma arena onde a guerra dos interesses travada no s quando de sua criao, mas tambm no seu uso dirio.

    A deciso em si no tem signicado sem o conceito de conito. O conito uma interrupo na comunicao entre dois atores sociais. Assim, para resolver o conito, necessrio que a comunicao seja restabelecida atravs de um processo ordenado, onde a manifestao de cada parte prevista, tendo, por m, uma deci-so. Importante salientar que a deciso termina o conito. No signica que elimi-na a incompatibilidade primitiva, mas coloca-a em uma situao onde no pode ir adiante nem voltar (graas aos efeitos da chamada coisa julgada).

    O segundo objetivo da aula correlato do conceito de Constituio como deci-so. Suponha que voc um constituinte. Entre milhares de sugestes de artigos e projetos, deve escolher quais as que merecem um tratamento constitucional, quais as que so matria infraconstitucional. O que vai e o que no vai para o trono constitucional? O que merece ou no merece a proteo constitucional em nosso pas? Como fundamentar essa escolha? Existe algum critrio para determinar qual o contedo que cabe ou no cabe em uma Constituio? Qual tipo de normas digno de gurar na Constituio?

    No texto indicado na bibliograa desta aula, Lus Roberto Barroso procura dividir as normas constitucionais em denidoras de direitos, programticas e de organizao. Trata-se de uma classicao das normas que constam na maioria das Constituies contemporneas, e sobre as quais h relativo consenso. Aps a leitura do texto, procure preencher o quadro abaixo, indicando dispositivos da Constituio de 1988 que se enquadrem nas trs categorias apresentadas por Lus Roberto Barroso:

    Tipo de norma: Exemplos na Constituio?

    Organizao

    Definidora de Direitos

    Programtica

    Aps terminar de ler os textos e preencher o quadro acima, reita: ser que todas as normas que tm status constitucional em nosso pas se enquadram na

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    FGV DIREITO RIO 37

    diviso do Prof. Barroso? Ser que, alm das normas consideradas indispensveis s Constituies (materialmente constitucionais), existem outras que esto na Constituio to somente por fora do processo formal de elaborao da mesma (normas formalmente constitucionais)? Voc consegue pensar em artigos da nossa Constituio que exempliquem esse problema?

    A partir da leitura dos textos, reita sobre os trechos abaixo, retirados de tra-dicionais manuais de direito constitucional. Eles esto em acordo ou desacordo entre si? O que eles dizem compatvel com o texto de Lus Roberto Barroso? Voc concorda ou discorda das teses expressas nestes trechos?

    Se h regras que, por sua matria, so constitucionais ainda que no estejam contidas numa Constituio escrita, nestas costumam existir normas que, rigoro-samente falando, no tm contedo constitucional. Ou seja, regras que no dizem respeito matria constitucional (forma de Estado, forma de governo etc)

    (FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Saraiva, 2002)

    Em suma, a Constituio, em seu aspecto material, diz respeito ao contedo, mas to-somente ao contedo das determinaes mais importantes, nicas mere-cedoras, segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como matria constitucional - Paulo Bonavides.

    (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros, 2006)

    Dene-se a Constituio em sentido substancial pelo contedo de suas normas. (...) Em suma, ela denida a partir do objeto de suas normas, vale dizer, o assunto tratado por suas disposies normativas. Pode-se, segundo esta acepo, saber se uma dada norma jurdica constitucional ou no, examinando-se to-somente o seu objeto

    (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Saraiva, 1997)

    B) CASO I

    De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica), em janeiro de 2004 a taxa de desemprego no Brasil era de 11,7%. Estimava-se em 2,4 milhes o nmero de pessoas sem emprego no pas naquele momento. Entre essas, 54,4% eram mulheres, 45,6% eram homens e 18,6% estavam procurando o pri-meiro trabalho. Os jovens, ou seja, a populao com menos de 24 anos de idade, representavam 46,5% deste total.

    Sabemos que existe no Brasil o chamado seguro-desempre