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SECRETARIA DE ESTADO DE SEGURANA PBLICA INSTITUTO DE ENSINO DE SEGURANA DO PAR POLCIA MILITAR DO PAR CURSO DE FORMAO DE OFICIAIS

Carlos Alexsandro Gomes da Fonseca Carlos Eduardo Memria de Sousa Paulo Henrique Bechara e Silva

Treinamento Continuado de Defesa Pessoal PolicialResultados de uma Pesquisa Interventiva

Marituba/PA 2010

Carlos Alexsandro Gomes da Fonseca Carlos Eduardo Memria de Sousa Paulo Henrique Bechara e Silva

Treinamento Continuado de Defesa Pessoal PolicialResultados de uma Pesquisa Interventiva

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Instituto de Ensino de Segurana do Par e Academia de Polcia Militar Cel. Fontoura, para obteno do grau de Bacharel em Defesa Social e Cidadania. Orientador: Ten Cel QOPM Waldomiro Seraphico de Assis Carvalho Neto.

Marituba/PA 2010

Dados internacionais de catalogao-na-publicao (CIP), Biblioteca do Curso de Formao de Oficiais da Polcia Militar do IESP, Marituba-PA.

DA FONSECA, Carlos Alexsandro Gomes; DE SOUSA, Carlos Eduardo Memria; SILVA, Paulo Henrique Bechara e. Treinamento Continuado de Defesa Pessoal policial / Resultados de uma Pesquisa Interventiva; Orientador Waldomiro Seraphico de Assis Carvalho Neto. __ 2010. 128 f. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao) com Bacharelado em Defesa Social e Cidadania Instituto de Ensino de Segurana do Par, Curso de Formao de Oficiais da Polcia Militar, Marituba, 2010. 1. Defesa Pessoal Policial Ensino. 2. Artes Marciais Treinamento. 3. Uso progressivo da Fora Legislao Policial I. Ttulo. Catalogao na Publicao Willians Jorge Corra Pinheiro CRB 802/92 CDD 025

Carlos Alexsandro Gomes da Fonseca Carlos Eduardo Memria de Sousa Paulo Henrique Bechara e Silva

Treinamento Continuado de Defesa Pessoal PolicialResultados de uma Pesquisa Interventiva

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Instituto de Ensino de Segurana do Par e Academia de Polcia Militar Cel. Fontoura, para obteno do grau de Bacharel em Defesa Social e Cidadania. Orientador: Ten Cel QOPM Waldomiro Seraphico de Assis Carvalho Neto.

Data de aprovao: .......... / ........... / .................

Banca Examinadora

________________________________________ Ten Cel QOPM Waldomiro Seraphico de Assis Carvalho Neto Presidente

________________________________________ Maj QOPM Csar Maurcio de Abreu Melo - Examinador 1

_________________________________________ Cap QOPM Mauro Jos Maus Paixo - Examinador 2

AGRADECIMENTOS

Agradecemos primeiramente ao Senhor Deus Todo Poderoso por ter nos proporcionado to significante e indescritvel oportunidade. Aos nossos familiares por sempre nos apoiarem e terem sido to compreensveis. A nosso orientador, o Ten. Cel. Waldomiro Seraphico de Assis Carvalho Neto, por ter esboado confiana e credibilidade total em nossos projetos. Ao amigo Csar Rodrigues Monteiro Jr, por suas contribuies pontuais para com esta produo acadmica. E a todos os demais que nos ajudaram direta ou indiretamente para que alcanssemos este objetivo.

O pior analfabeto o analfabeto poltico. Ele no ouve, no fala, nem participa dos acontecimentos polticos. Ele no sabe que o custo de vida, o preo do feijo, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remdio dependem de decises polticas. O analfabeto poltico to burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia poltica. No sabe o imbecil que da sua ignorncia poltica nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que o poltico vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio das empresas nacionais e internacionais. Bertolt Brecht

RESUMO

DA FONSECA, Carlos Alexsandro Gomes; DE SOUSA, Carlos Eduardo Memria; SILVA, Paulo Henrique Bechara e. Treinamento Continuado de Defesa Pessoal policial / Resultados de uma Pesquisa Interventiva. 2010. 150p. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao com Bacharelado em Defesa Social e Cidadania) Instituto de Ensino de Segurana do Par, Curso de Formao de Oficiais da Polcia Militar, Marituba, 2010.

Na atual conjuntura, percebemos que a populao, cada vez mais esclarecida e consciente de seus direitos e necessidades, reverbera por profissionais de segurana cada vez mais bem preparados e eficientes em suas aes. Assim, a produo desta pesquisa acadmica buscou verificar se o treinamento constante em defesa pessoal, baseado nos modelos de uso progressivo da fora e diversos institutos legais, seria capaz de reduzir os nmeros de denncias de excessos cometidos pelos policiais e, consequentemente, faria com que estes atuassem com mais respeito aos limites da legalidade, necessidade e moderao. Diante da complexidade do servio policial, fomos motivados pela curiosidade de, tambm, saber quais os motivos que impulsionavam os policiais militares a exagerarem e abusarem no uso da fora, prerrogativa autorizada pelo Estado quando necessria a superposio de vontade coletiva sobre a individual. O estudo em tela ocorreu inicialmente com base em pesquisas de campo, as quais apontaram a Zona de Policiamento (Zpol) com mais denncias por violncia policial na capital e regio metropolitana paraense. A partir da, nos utilizamos do mtodo hipottico-dedutivo em uma abordagem quli-quantitativa, porm com predominncia desta ltima, a fim de depreender resultados finais favorveis. De sorte que os agentes pesquisados compreendidos na referida Zona de Policiamento, somavam 120 (cento e vinte) policiais militares, dos quais 60 (sessenta) participaram de nosso Projeto Piloto de Instrues Continuadas de Defesa Pessoal Policial. Para tanto, a referida pesquisa aplicou, na Zpol objeto de estudo, nos anos de 2008/09, instrues de Defesa Pessoal Policial pelo perodo de (09) nove meses e verificou significativos resultados no quadro problemtico encontrado, como por exemplo, a reduo de 33,03% do total de denncias contra estes profissionais aps participarem de nossas aulas e, assim, conseguindo intervir diretamente na forma de atuar e na realidade de todo o Comando de Policiamento daquela rea. Por meio desta experimentao observamos que a ausncia de instrues e treinamentos continuados configurava-se em diversos resultados negativos que refletem no grau de autoconfiana do prprio policial, no cumprimento de suas misses e nos elevados nmeros de denncias por abusos e excessos cometidos por estes profissionais da segurana pblica.

Palavras-chave: (Artes Marciais; Defesa Pessoal; Ensino/Aprendizagem; Uso Progressivo da Fora; Pesquisa de Interveno; Polcia Militar).

RESUMEN

DA FONSECA, Carlos Alexsandro Gomes; DE SOUSA, Carlos Eduardo Memria; SILVA, Paulo Henrique Bechara e. Entrenamiento Continuo de Defensa Personal Policaca / Resultados de una Investigacin preventiva 2010. 150p. Trabajo de Conclusin de Cursos (Graduacin con Bachillerato en Defensa Social y Ciudadana) Instituto de Enseanza en Seguridad del Par, Curso de Formacin de Oficiales de la Polica Militar, Marituba 2010 .

En la coyuntura actual, nos damos cuenta que la poblacin, cada vez ms consciente y con ideas ms claras sobre sus derechos y necesidades exige que los profesionales de seguridad sean cada vez ms preparados y eficientes en sus acciones. De esta manera, esta investigacin acadmica busca verificar si el entrenamiento constante en defensa personal, basado en los modelos de uso progresivo de fuerza por diversos institutos legales, sera capaz de reducir la cantidad de denuncias de excesos cometidos por los policas y en consecuencia, hara que estos actuasen con ms respeto a los lmites de la legalidad, necesidad y moderacin. Delante de la complejidad del servicio policiaco fuimos motivados por la curiosidad de saber cuales son los motivos que llevaban a los policas militares a exagerar y abusar del uso de la fuerza, que es una prerrogativa autorizada por el Estado, cuando es necesario sobreponer la voluntad colectiva sobre la individual. El estudio ocurri inicialmente con base en las investigaciones de campo, las cuales apuntaran la Zona de Patrulla (Zpol) con el mayor nmero de denuncias por en la capital y en la zona metropolitana paraense. A partir de ah, utilizamos el mtodo hipottico deductivo en un abordaje cualitativo y cuantitativo, mas con la predominancia de este, a fin de desprender resultados finales favorables. De suerte que los agentes investigados que comprenden la Zona de Patrulla referida sumaban 120 (ciento veinte) policas militares, de los cuales 60 (sesenta) participaron de nuestro proyecto piloto de Instrucciones Continuadas de Defensa Personal Policaca. Por lo tanto, la referida investigacin aplic, en la Zona que fue objeto de estudio, entre los aos 2008 2009, instrucciones de defensa personal durante un perodo de (09) nueve meses y verific significativos resultados en el cuadro problemtico encontrado, como por ejemplo, la reduccin de 33,03 % del total de denuncias contra estos profesionales despus que participaron de nuestras clases y as, interviniendo directamente en la forma de actuar y en la realidad de todo el Comando de Patrulla de aquella rea. Por medio de este experimento observamos que la ausencia de entrenamientos continuos se configuraba en diversos resultados negativos que se reflejan en el grado de auto confianza del propio polica, en el cumplimiento de su misin y en los elevados nmeros de denuncias por abusos y excesos cometidos por estos profesionales de seguridad pblica.

Palabras clave: artes marciales, defensa personal, enseaza / aprendizaje, uso progresivo de la fuerza, investigacin de intervencin, polica militar.

LISTA DE ILUSTRAES Figura 1 Modelo Flect de Uso Progressivo da Fora.............................................................33 Figura 2 Modelo Giliespie de Uso Progressivo da Fora...................................................35 Figura 3 Modelo Canadense de Uso Progressivo da Fora...................................................36 Figura 4 Modelo SENASP de Uso Progressivo da Fora..................................................37 Foto 1 Cad. Bechara no primeiro contato com a tropa..........................................................86 Foto 2 Turno pronto para a instruo.....................................................................................87 Foto 3 Cad. Alexandro estimulando a participao...............................................................89 Foto 4 SD da 3 Zpol executando tcnica de imobilizao....................................................91 Foto 5 Pesquisadores com o instrutor J. Antnio R. Coque.................................................107

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 O que Defesa Pessoal?.......................................................................................78 Grfico 2 Defesa Pessoal nos cursos de formao................................................................79 Grfico 3 Importncia da Defesa Pessoal na formao.........................................................80 Grfico 4 Base tcnica da Defesa da Pessoal na formao PM.............................................81 Grfico 5 Valorizao institucional da Defesa Pessoal..........................................................83 Grfico 6 Freqncia de treinamento em Defesa Pessoal......................................................84 Grfico 7 Justificativa dos altos ndices de denncias..........................................................84 Grfico 8 Necessidade do treinamento em Defesa Pessoal...................................................97 Grfico 9 Impacto das instrues nas atitudes ilegais............................................................97 Grfico 10 A soluo para o problema: treinamento regular...............................................100 Grfico 11 Nova viso no uso da Fora...............................................................................103 Grfico 12 Efeitos do treinamento nos pesquisados............................................................104 Grfico 13 Contribuio do treinamento continuado...........................................................105 Grfico 14 Alternativa da Defesa Pessoal............................................................................106 Grfico 15 Proposta Interventiva.........................................................................................107

LISTA DE TABELAS Tabela 1 Principais Transgresses .........................................................................................76 Tabela 2 Principais Denncias contra o 6 BPM....................................................................77 Tabela 3 Principais Denncias contra o 21 BPM..................................................................78 Tabela 4 - Comparativo de Dados no CPRM............................................................................90 Tabela 5 Comparativo de Dados no 6 BPM.........................................................................92 Tabela 6 Comparativo de Dados no 21 BPM.......................................................................93

LISTA DE SIGLAS BPM.................................................................................................Batalho de Polcia Militar; CME........................................................................................Comando de Misses Especiais 1; COR........................................................................................................................Corregedoria; CPC..................................................................................Comando de Policiamento da Capital; CPC................................................................................Comando de Policiamento da Capital 2; CPR..................................................................................Comando de Policiamento Regional 3; CPRM.....................................................Comando de Policiamento da Regio Metropolitana 4; DPP........................................................................................................Defesa Pessoal Policial; P2.........................................................................................Seo de Inteligncia e Estatsticas; PM.......................................................................................................................Policial Militar; PMPA......................................................................................................Polcia Militar do Par; PPI.....................................................................................................Plano Piloto de Instrues; ZPOL........................................................................................................Zona de Policiamento.

1

Este Comando empregado em todo estado do Par e formado pela Companhia Independente de Operaes Especiais (CIOE), Batalho de Polcia de Choque (BPCHQ), Batalho de Polcia Ttica (BPOT), Companhia de Polcia Fluvial (CIPFLU), Grupamento Areo de Polcia Militar (GrAer), alm da RPMONT (Regimento de Polcia Montada) e da Companhia Independente de Polcia com Ces (CIPC); 2 Abrange sua rea de cobertura por toda a capital paraense, para a realizao desta tarefa utiliza-se do 1, 2, 10, 20 e 24 Batalhes de Polcia Militar; 3 Estes so enumerados de I XI, correspondendo assim s reas e municpios estendidos pelo interior do territrio paraense; 4 Corresponde aos municpios vizinhos a Belm, possuindo para esta misso o 6 BPM, no municpio de Ananindeua, e o 21 BPM, no municpio de Marituba (no decorrer da pesquisa ocorreu a fundao do 25 BPM no bairro do Paar em Ananindeua, desmembrando assim parte do efetivo do 6 BPM).

SUMRIO 1 INTRODUO....................................................................................................................15 2 A POLCIA MILITAR E SUA COMPETNCIA LEGAL..............................................21 2.1 ANALISANDO AS CONSTITUIES DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E DO ESTADO DO PAR........................................................................................21 2.2 ANLISES DE ALGUMAS DOUTRINAS.......................................................................23 2.2.1. Polcia Ostensiva...........................................................................................................23 2.2.2. Poder de Polcia em oposio ao Abuso de Autoridade.............................................23 2.2.3. Preservao da Ordem Pblica....................................................................................25 2.2.4. Competncia Residual..................................................................................................26 3 O USO DA FORA, NA PTICA DOS DIREITOS HUMANOS, DENTRO DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR.....................................................................................28 3.1 ATIVIDADE POLICIAL E DIREITOS HUMANOS........................................................28 3.2 ATIVIDADE POLICIAL E O USO DA FORA...............................................................29 3.3 ATIVIDADE POLICIAL E O USO ESCALONADO DA FORA...................................30 3.3.1. Modelos de Uso Progressivo da Fora........................................................................32 3.3.1.1 Modelo Flect................................................................................................................32 3.3.1.2 Modelo Gillespie..........................................................................................................34 3.3.1.3 Modelo Canadense......................................................................................................35 3.3.1.4 Modelo Bsico proposto pela SENASP.....................................................................36 4 LEGISLAO INFRACONSTITUCIONAL SOBRE O USO DA FORA NA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR.....................................................................................39 4.1 ANALISANDO A CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 POR OUTRO NGULO.................................................................................................39 4.2 ANLISE DOS CDIGOS PENAL E DE PROCESSO PENAL.....................................40 4.3 ANLISE DOS CDIGOS PENAL MILITAR E DE PROCESSO PENAL MILITAR...43 5 O CONTEXTO DO ENSINO E INSTRUO NAS POLCIAS BRASILEIRAS.......45 5.1 HISTRICO DO ENSINO E INSTRUO NA POLCIA MILITAR DO PAR...........46 5.2 A DEFESA PESSOAL NOS CURSOS DE FORMAO DOS POLICIAIS MILITARES NO PAR..................................................................................................................................47 6 ARTES MARCIAIS E DEFESA PESSOAL......................................................................50 6.1 CONCEITOS......................................................................................................................52 6.1.1. Artes Marciais................................................................................................................52

6.1.2. Defesa Pessoal................................................................................................................54 6.2 ARTE DA DEFESA PESSOAL POLICIAL.......................................................................57 6.3 ESTUDO TCNICO DO COMBATE CORPO-A-CORPO...............................................60 6.3.1. Ataque e defesa..............................................................................................................62 6.3.2. Raio de ao...................................................................................................................65 6.3.3. Filosofia de combate......................................................................................................67 6.3.4. Imobilizaes.................................................................................................................69 6.3.5. Curso de defesa pessoal policial...................................................................................70 7 METODOLOGIA................................................................................................................73 7.1 MTODO............................................................................................................................73 7.2 CAMPO DE PESQUISA E DELIMITAO AMOSTRAL..............................................74 8 RESULTADOS DA PESQUISA..........................................................................................89 8.1 RESULTADOS ADQUIRIDOS JUNTO CORREGEDORIA GERAL..........................90 8.2 LEVANTAMENTO DE DADOS JUNTO AO P2 DO 6 E DO 21 BPM.........................91 8.3 ANLISE DO QUESTIONRIO FINAL.........................................................................93 8.3.1 Principais Caractersticas dos Pesquisados.................................................................94 8.3.2 Anlise do Bloco B do Questionrio Final...................................................................95 8.3.3 Anlise do Bloco C do Questionrio Final.................................................................101 9 CONSIDERAES FINAIS............................................................................................109 10 REFERNCIAS...............................................................................................................115 APNDICE............................................................................................................................120 ANEXOS................................................................................................................................154

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1 INTRODUO

H um clamor pblico que reverbera no meio da sociedade, o clamor pelo atendimento aos seus direitos bsicos, elencados no artigo 5 de nossa Constituio, e dentre esses direitos est presente o direito segurana, o qual inerente a todo cidado brasileiro. Para a maioria da populao brasileira, o exerccio da segurana de responsabilidade do Estado atravs da polcia, porm, a Constituio Federal em seu artigo 144, nos mostra que tal funo realmente dever do Estado, mas tambm direito e responsabilidade a ser compartilhado com todos. Atualmente, nota-se que o Estado no tem conseguido cumprir seu dever constitucional de proporcionar segurana populao e de conter os avanos da violncia e da criminalidade. Com isso, a sociedade tem se deparado com uma situao catica rbita da segurana pblica, os criminosos organizam-se e aparelham-se de forma cada vez mais eficiente, tornam-se verdadeiros estrategistas em suas aes delituosas, enquanto a polcia, fora utilizada pelo Estado no combate criminalidade, vem sendo muitas vezes desmoralizada neste combate desigual. Percebe-se que, no Estado do Par, a Polcia Militar uma instituio quase bicentenria e possui diversas responsabilidades sociais. Dentre estas responsabilidades, possvel elencar a obrigao constitucional de preservao da ordem pblica e incolumidade das pessoas e do patrimnio com o objetivo de que a lei seja cumprida e o bem comum seja

16 atingido pela populao, tais assuntos ho de ser discutidos na seo dois deste trabalho, no s em carter constitucional como tambm atravs de uma reflexo doutrinria. Ainda assim, o cotidiano das atividades policiais militares apenas parte integrante de um imenso sistema, onde cada uma das partes possui suas responsabilidades especficas. Contudo, por ser a forma mais visvel e prxima da populao (como se costuma dizer, a ponta do sistema) na atuao dos rgos de Segurana Pblica, exige-se sempre um pouco mais desta briosa corporao que dos demais rgos de segurana. No cumprimento do dever que a lei lhes impe, a Polcia Militar pode fazer uso da fora, desde que o faa obedecendo aos princpios da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade, tema este que h de ser discutido na seo trs desta produo. H tambm, no exerccio das atividades policiais, uma freqente fiscalizao por parte de rgos, legislaes e at tratados internacionais que impem limites na execuo de suas tarefas, a fim de que a utilizao da fora (quando necessria) ocorra sem o cometimento de abusos e excessos. Tais mecanismos de contenes e oposio aos arbtrios sero tambm aqui analisados, como o caso da lei de tortura e a lei do abuso de autoridade, alm da Declarao Universal dos Direitos Humanos, do Cdigo de Conduta dos Encarregados da Aplicao da Lei (CCEAL) e dos Princpios Bsicos para o Uso da Fora e das Armas de Fogo. Alm disso, verificaremos a legislao constitucional, algumas legislaes infraconstitucionais e as legislaes internacionais, que tem como objetivo regular e coibir os excessos cometidos pelos agentes da lei. Todo este arcabouo aqui mencionado ter suas anlises reflexivas iniciadas na seo trs e adentraro pela seo quatro desta produo. Diante de todo o exposto, analisaremos a real necessidade de uma atuao cada vez mais exemplar dos policiais militares, alm de uma melhor capacitao de seus profissionais com o objetivo de que, no cumprindo seus deveres, os faam sem abusos e excessos, respeitando sempre a dignidade da pessoa humana no cumprimento de suas funes. Tais fatores fundamentam e balizam a real necessidade de instrues e treinamentos constantes a serem praticados pelos agentes policiais a fim de que suas aes sejam cada vez mais tcnicas e confiveis. Estes ensinamentos nos fazem recorrer s palavras de Mello (2008, p. 4) quando afirma que a sociedade, cada vez mais consciente de seus direitos e garantias, vm exigindo uma polcia cada vez mais tcnica e especializada, sem improvisaes e empirismos que possam colocar a vida dos cidados em perigo. Na seo cinco, faremos uma breve anlise dos processos e mtodos de instruo

17 adotados na formao bsica dos agentes policiais no Brasil e, direcionaremos o foco de nossa pesquisa para a formao dos agentes policiais no Estado do Par. Dentre a gama de instrues disponibilizadas aos policiais militares, defenderemos a importncia de um treinamento mais freqente e continuado voltado para a defesa pessoal, para que assim, estes agentes venham se recorrer cada vez menos da arma de fogo e de mtodos violentos para a soluo das ocorrncias. Portanto, a justificativa da temtica em questo, foi motivada pela sua relevncia dentro do contexto da segurana pblica, podendo esta pesquisa contribuir com a melhoria profissional dos policiais militares alm de ampliar, a partir de algumas compreenses, o grau de confiabilidade da populao no servio policial. No obstante aos fatores at agora relatados, foi possvel verificar atravs de muitas experincias policiais vivenciadas por cada um dos autores deste trabalho e dos conhecimentos adquiridos atravs de um longo perodo como praticantes de artes marciais diversas que, tais conhecimentos podem ser fundamentais no exerccio do servio policial e no atendimento de ocorrncias policiais. Uma caracterstica relevante da atividade policial o poder que o Estado lhe concede a fim de alcanar o interesse da coletividade, poder este denominado de poder de polcia, o qual definido por Meirelles (2005, p. 131) como (...) a faculdade de que dispe a administrao pblica para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais em benefcio da coletividade ou do prprio Estado. Ainda segundo Meirelles (2005, p.135) este atributo do ato de policia justifica o emprego da fora fsica quando houver oposio do infrator. Percebe-se ento, que a Polcia Militar pode fazer uso da fora no cumprimento de suas misses em que haja resistncia por parte do infrator/transgressor da lei, desde que se evite a violncia, utilize-se da fora quando extremamente necessria e de forma escalonada e progressiva, observando assim os mtodos menos lesivos e, acima de tudo, de maneira proporcional. Para tanto faremos, na seo seis deste trabalho acadmico, uma anlise histrica e evolutiva das artes marciais direcionando seu foco para a defesa pessoal, alm disso, faremos tambm a distino entre as artes marciais e a defesa pessoal. Aps, refletiremos sobre as tcnicas de combate corpo-a-corpo e, concluiremos esta seo, apoiando a importncia de um estilo exclusivo e diferenciado de defesa pessoal a ser praticada pelos agentes de segurana pblica, a Defesa Pessoal Policial, nomenclatura esta fornecida por Coque (2001, p. 150) quando defende este estilo de treinamento a ser praticado pelos agentes

18 aplicadores da lei. Para que o agente da lei tenha conhecimento e pratique cotidianamente tudo aqui j mencionado, faz-se necessrio, durante o exerccio da atividade policial militar, o treinamento continuado em defesa pessoal a fim de que este agente continue a relembrar o que aprendeu em suas instrues durante o processo de formao para ingressar na corporao e, porque hora ou outra, no atendimento de uma ocorrncia, pode ser necessrio o emprego da fora fsica (com os devidos limites), j que os mtodos mais agressivos como a arma de fogo, por exemplo, devem ao mximo ser evitados. Esta afirmativa reforada por Pinto e Valrio (2002, p.50) quando dizem que, em geral s se deveria utilizar as armas de fogo quando o suspeito oferece resistncia armada, ou, quando colocar em risco as vidas alheias e no so suficientes medidas menos extremas para dominar ou deter o delinqente suspeito. A assertiva acima, mostra-se como uma tendncia de aceitao a nvel mundial, como refora Person (2007, p.12) quando diz:Pesquisadores e estudiosos da rea de segurana pblica e direitos humanos, em diversos pases, produziram modelos de emprego da fora pelo agente pblico conforme a reao do infrator. A anlise destes modelos baliza a instruo de defesa pessoal na Policia Militar.

Portanto, pelo fato de a defesa pessoal mostrar-se como uma disciplina indispensvel para o exerccio das atividades policiais militares, esta pesquisa visa encorajar e estimular a prtica de tal disciplina e acima de tudo, verificar se o treinamento continuado em defesa pessoal poder realmente contribuir com a reduo do nmero negativo de denncias de abusos cometidos quanto ao uso da fora por parte dos policias militares no Estado do Par. Policiais estes que, no cumprimento de seu dever at resolvem as ocorrncias de forma eficiente, mas, normalmente excedem em suas aes. Tais fatos sero demonstrados atravs de um levantamento de dados aferidos junto Corregedoria da PM do Par, referente aos anos de 2008/09, e apresentados sero na seo sete de nosso trabalho, o que ir, inclusive, nortear nossa metodologia. Como j comentado, o poder de polcia, ainda que com o uso da fora, reveste as aes policias militares de atributos de legalidade, determinando ou delimitando posturas aos cidados em cumprimento da lei e benefcio da coletividade, porm, o problema ocorre quando este poder exercido de maneira exorbitante. Da surgiu ento preocupao em conhecer a Zona de Policiamento (Zpol) que agia utilizando-se demasiadamente de agresses e excessos, bem como os motivos que levavam os policiais militares desta rea a agirem dessa forma na soluo dos litgios.

19 Ser perceptvel ento, no decorrer da seo sete deste trabalho, a apresentao de fatores que se mostraro como determinantes para o grande ndice de ilegalidades no uso da fora por parte dos policiais militares. Fatores estes que sero apontados pelos prprios elementos que serviram de experimentao em nosso projeto piloto e, com isso, nortearam nossa pretenso em transmitir instrues contnuas de Defesa Pessoal Policial tropa considerada como a mais denunciada por violncia no estado do Par. Tal projeto ter como finalidade verificar os resultados alcanados aps certo perodo de instrues ministradas. A partir da, estes pesquisadores procuraram responder ao problema levantado atravs da seguinte questo: Quais os impactos que o treinamento continuado em defesa pessoal pode causar no atendimento s ocorrncias policiais militares? As questes norteadoras levantadas por estes pesquisadores foram: Que fatores se mostram como determinantes para o grande ndice de ilegalidades no uso da fora por parte dos policiais militares, bem como, qual Zona de Policiamento apresenta-se no topo destas denncias? De que forma seria possvel implementar uma rotina de preparo/treinamento em defesa pessoal policial Zona de Policiamento diagnosticada como objeto de estudo? O treinamento contnuo em defesa pessoal pode auxiliar na reduo do elevado nmero de denncias de agresses e abusos por parte dos policiais militares junto Corregedoria PM? O objetivo geral definido nesta pesquisa acadmica o seguinte: Verificar os impactos que o treinamento continuado em defesa pessoal pode causar no atendimento s ocorrncias policiais militares. A partir da foram elencados os seguintes objetivos especficos:

Identificar os fatores determinantes para o grande ndice de ilegalidades no uso da fora por parte dos policiais da Zona de Policiamento objeto de estudo.

Implementar uma rotina de preparo/treinamento em defesa pessoal policial Zona de Policiamento diagnosticada.

Verificar se o treinamento contnuo em defesa pessoal pode auxiliar na reduo do

elevado nmero de denncias de agresses e abusos por parte dos policiais militares junto Corregedoria PM. Dentre os referenciais tericos utilizados neste estudo, alm das legislaes e alguns autores j citados, nos recorreremos a personalidades renomadas no que tange a temtica em

20 destaque e registros documentais a fim de fundamentar com resultados convincentes os dados desta pesquisa. Como j anunciado, procuramos tambm esclarecer de forma sucinta, a real distino entre defesa pessoal e arte marcial. Diante do exposto, a metodologia adotada nesta pesquisa, alm de realizar levantamentos documentais e bibliogrficos em literaturas referentes s artes marciais, defesa pessoal e ao servio policial, realizamos tambm uma analise de dados de carter qualitativo, mas, com predominncia quantitativa, apresentando-se atravs de uma proposta de interveno. Isto, caso se confirme a hiptese de que o treinamento constante em defesa pessoal possa produzir efeitos positivos nos policiais experimentados, alm de reduzir os respectivos nmeros de denncias. Para que tais explanaes fossem possveis apresentaremos, atravs de grficos, os resultados de questionrios aplicados ao efetivo da Zpol mais denunciada junto Corregedoria PM no perodo assinalado. Alm disso, sero apresentadas anlises sobre as instrues de Defesa Pessoal Policial que foram semanalmente ministradas por estes pesquisadores para os policiais pertencentes Zpol que aqui ser apontada neste estudo intervencionista. As instrues acima relatadas tiveram como objetivo, que sero mostrados nos resultados da pesquisa, verificar o desempenho destes policiais aps receberem instrues sobre a temtica j relatada. Assim, poderemos analisar quantitativamente se os policiais militares passaram a agir de forma mais tcnica, menos violenta e, conseqentemente, se estas instrues auxiliaram ou no em uma efetiva reduo do nmero de denncias contra estes militares junto Corregedoria. Neste mesmo contexto, procuraremos analisar

qualitativamente o grau de confiana e os possveis benefcios que as instrues em defesa pessoal policial tenham trazido a estes profissionais, que serviram como nosso objeto de experimentao. Finalmente, sero apresentadas nas Consideraes Finais desta produo acadmica, as futuras pretenses que so nada mais nada menos, que frutos advindos da pesquisa realizada neste trabalho.

21

2 A POLCIA MILITAR E SUA COMPETNCIA LEGAL

A Polcia Militar uma instituio pblica que est presente em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, e que tem um papel importantssimo, em nossa sociedade, para que haja uma convivncia pacfica entre as pessoas. Possui sua estrutura alicerada com base na hierarquia e disciplina militares. A misso desta nobre instituio, em relao segurana pblica, est expressa no art. 144, pargrafo 5 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, estabelecendo como funo precpua a responsabilidade pela preservao da ordem pblica atravs do policiamento ostensivo fardado. A presente seo buscar analisar alguns conceitos que esto relacionados misso constitucional da Polcia Militar. Esta anlise de fundamental importncia, tendo em vista que o tema em estudo de suma especificidade, pois define o papel das polcias militares no desempenho da polcia ostensiva e da preservao da ordem pblica. Nesta seo, alm de analisar a competncia policial militar estudaremos tambm o poder de polcia, o qual ser melhor detalhado a frente.

2.1 ANALISANDO AS CONSTITUIES DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E DO ESTADO DO PAR

A antiga Constituio da Repblica Federativa do Brasil, a de 1967, definia em seu

22 artigo 13, pargrafo 4, a seguinte funo para as polcias militares: 4 - As polcias militares, institudas para a manuteno da ordem e segurana interna nos Estados, nos Territrios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares so consideradas fora auxiliares, reserva do Exrcito. (grifei).

Entretanto, a nossa mais recente Constituio, promulgada no ano de 1988, em seu Ttulo V, de que trata da Defesa do Estado e das Instituies Democrticas, Captulo III, da Segurana Pblica, atribui este dever ao Estado, mas divide com os cidados a responsabilidade pela segurana, alm disso, distingue outros cinco rgos policiais responsveis pela segurana pblica, como vemos a seguir:Art. 144. A segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio, atravs dos seguintes rgos: I - polcia federal; II - polcia rodoviria federal; III - polcia ferroviria federal; IV - polcias civis; V - polcias militares e corpos de bombeiros militares.

Percebemos assim que, a Polcia Militar, mencionada no artigo art. 144, inciso V, apenas um dos rgos responsveis pela segurana pblica, juntamente com os demais j mencionados, por conseguinte, sua devida competncia, bem como a dos Bombeiros Militares definida no 5 do mesmo artigo: 5 - s polcias militares cabem a polcia ostensiva e a preservao da ordem pblica; aos corpos de bombeiros militares, alm das atribuies definidas em lei, incumbe a execuo de atividades de defesa civil.

Antes da Constituio da Repblica Federativa de Brasil de 1988, vigorava a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1967. Nela a misso da Polcia Militar era descrita como a instituio da manuteno da ordem e segurana interna nos Estados, nos Territrios e no Distrito Federal, esta, conjuntamente com os corpos de bombeiros militares passavam, a partir da, a serem consideradas foras auxiliares e reserva do Exrcito. O ato Complementar nmero 40 (quarenta) de 1968 modificou o 4 desta Constituio, entretanto, o sentido da misso permaneceu inalterado at 1988. possvel perceber, portanto, como notria diferena entre as duas normas, no que diz respeito competncia constitucional das Polcias Militares, a alterao do termo manuteno da ordem sendo substitudo pela preservao da ordem e, alm disso, a incluso do termo polcia ostensiva. Algo que permaneceu inalterado foi o fato da Polcia Militar apresentar-se como fora auxiliar e reserva do exrcito, entretanto agora, a competncia aqui mencionada encontra-se no pargrafo 6 do mesmo artigo. Seguindo a mesma tendncia da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, a Constituio do Estado do Par, em seu Ttulo VI, da Segurana Pblica, Captulo I, tratando

23 das Disposies Gerais nos coloca o seguinte:Art. 193. A segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio, atravs dos seguintes rgos, subordinados ao Governador do Estado: I - Polcia Civil; II - Polcia Militar; III - Corpo de Bombeiros Militar.

Percebe-se que tanto na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 como na Constituio do Estado do Par h referncias Polcia Militar como sendo um dos rgos responsveis pela segurana pblica. Essa previso constitucional legitima o poder que o Estado confere aos agentes destas corporaes encarregados por aplicar a lei.

2.2 ANLISES DE ALGUMAS DOUTRINAS

2.2.1. Polcia Ostensiva Observando o significado doutrinrio atinente terminologia polcia ostensiva podemos, para melhor compreenso, nos recorrer a Moreira Neto (1989, p. 60), o qual nos remete aos ensinamentos do mestre Lazzarini dizendo:A polcia ostensiva, afirmei, uma expresso nova, no s no texto constitucional, como na nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, j aludido, de estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo para marcar a expanso da competncia policial dos policiais militares, alm do policiamento ostensivo. Para bem entender esse segundo aspecto, mister ter presente que o policiamento apenas uma fase da atividade de polcia.

Desta forma, pode-se analisar que, o termo polcia ostensiva apresenta-se como um atributo exclusivo das Polcias Militares, a fim de exercer o poder de polcia que, nada mais , que uma das caractersticas relevantes concedida pelo Estado para o exerccio da atividade policial e que permitem ao cidado identificar o policial, caso necessite deste, por meio de caractersticas prprias da Policia Militar como o fardamento, a viatura, dentre outros.

2.2.2. Poder de Polcia em oposio ao Abuso de Autoridade

O poder de polcia reveste as aes do Estado, sobretudo as policias militares de atributos de legalidade, determinando ou delimitando posturas aos cidados em cumprimento da lei e benefcio da coletividade, porm, quando este poder de polcia exercido de maneira exorbitante ou em desarmonia com os direitos individuais e coletivos das pessoas tais

24 atos podem se configurar em crimes, previstos inclusive em nossa legislao. De acordo com a lei n 9.455 de 1997 o crime de tortura, principal responsvel por ndices de denncias do Ministrio Pblico contra policiais militares, possui pena de recluso de dois a oito anos e caracterizado geralmente como:Art. 1(...): I - constranger algum com emprego de violncia ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico ou mental;(...) 1 Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurana a sofrimento fsico ou mental, por intermdio da prtica de ato no previsto em lei ou no resultante de medida legal.

O crime de tortura inafianvel e a pena para tal crime ainda mais grave quando praticado pelos agentes responsveis pelo cumprimento da lei, ou seja, os policiais, por exemplo, este definido pela mesma lei da seguinte maneira em seu 2, aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evit-las ou apur-las, incorre na pena de deteno de um a quatro anos (grifei). Para retomar a idia sobre poder de polcia e compreend-lo de forma minuciosa nos recorremos a Mukai (1999, p. 89), o qual define este atributo da seguinte maneira:(...) faculdade, inerente Administrao Pblica, que esta detm, para disciplinar e restringir as atividades, o uso e gozo de bens e de direitos, bem como, assim as liberdades dos administrados, em benefcio da coletividade.

O poder de polcia tambm definido por Meirelles (2005, p. 131), como a faculdade de que dispe a administrao pblica para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais em benefcio da coletividade ou do prprio Estado. Pode-se dizer ento que, este poder uma ferramenta utilizada pelo Estado com a finalidade de restringir e conter os abusos dos direitos individuais cometidos por algum cidado (ou pelo menos deveria ser). importante tambm citar o Cdigo Tributrio Nacional de 1966, que tambm, nos concede de forma muito precisa uma definio de poder de polcia em seu artigo 78:Art. 78. Considera-se poder de polcia a atividade da administrao pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ou a absteno de fato, em razo de interesse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou autorizao do Poder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Ainda pelos ensinamentos de Meirelles apud Persson (2007, p. 23) observamos a seguinte afirmao condizente ao uso do poder de polcia por parte dos policiais:O policial pode utilizar-se da fora quando em atitude de oposio do cidado a uma ordem dada pelo agente pblico. No entanto, (...) a fora empregada deve ser proporcional, podendo caracterizar excesso de poder e abuso de autoridade tornando nulo o ato administrativo do agente.

Podemos, portanto, aps analisar o texto acima, observar que as aes e ordens

25 emanadas pelo policial no exerccio de sua funo e, desde que estas ordens sejam legais, possuem atributos conferidos pelo Estado que delimitam e determinam as atitudes dos cidados. Estes atributos denotam nas aes policiais o carter discricionrio - no qual o funcionrio que decide baseado na convenincia e oportunidade do ato - do poder de polcia, porm, a utilizao desse poder de maneira abusiva poder conferir nulidade dos atos do agente, alm de, consequentemente, conferir sanes punitivas para quem tais atos comete. Desta forma, possvel analisar que a Polcia Militar deve exercer a misso constitucional que lhe conferida, isto , o policiamento ostensivo e a preservao da ordem pblica, atravs de aes que atendam de maneira eficiente e eficaz o exerccio do poder de polcia, mas, sem o cometimento de excessos e respeitando as limitaes conferidas pela prpria lei aos seus agentes.

2.2.3. Preservao da Ordem Pblica O termo manuteno da ordem pblica, no qual se baseava a Constituio anterior, de 1967, e que por sinal ainda se faz presente no Regulamento das Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, R-200, (1983, p. 3), representava o exerccio do poder de polcia, executado atravs de aes que visavam prevenir, dissuadir, coibir e reprimir eventos que violem a ordem pblica. Analisando mais a fundo, podemos perceber que o antigo termo "manuteno", o qual foi substitudo por "preservao" na atual Carta Magna, vem a se apresentar de maneira mais ampla e, por isso, pode ser considerado como mais apropriado. Isto porque manuteno se refere a dar continuidade ao que j existe ou se faz presente, enquanto que o termo preservao abrange no s a preveno, que uma misso precpua da Polcia Militar, como tambm a restaurao desta ordem, caso se precise de um controle repressivo da situao. Aps essa distino entre os termos manuteno e preservao, precisamos agora compreender o que significa ordem pblica. Logo, analisando alguns doutrinadores, conseguimos perceber que, de maneira muito precisa e de fcil compreenso, Mirabette (1995, p. 377), nos ensina que o conceito de ordem pblica no se limita a prevenir reproduo de fatos criminosos, mas tambm acautelar o meio social e a prpria credibilidade da justia em face da gravidade do crime e sua repercusso. O prprio R-200, o Regulamento das Polcias Militares e Corpos de Bombeiros

26 Militares, institudo pela unio, nos fornece o seguinte conceito sobre ordem pblica:(...) conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurdico da Nao, tendo por escopo regular as relaes sociais de todos os nveis, do interesse pblico, estabelecendo um clima de convivncia harmoniosa e pacfica, fiscalizado pelo Poder de Polcia, e constituindo uma situao ou condio que conduza ao bem comum. (1983, p. 3)

O regulamento acima citado (R-200) nos concede tambm uma definio de perturbao da ordem, o que corresponde a atos que podem vir a prejudicar o exerccio dos poderes constitudos, o cumprimento das leis e a manuteno da ordem pblica contra a coletividade, isto , s pessoas e s instituies, sejam elas pblicas ou privadas. de fundamental importncia que os encarregados de aplicar a lei tenham uma viso ampla destes conceitos e saibam diferenci-los, pois na atual conjuntura inadmissvel que este profissional, com tamanha responsabilidade, se preocupe apenas com assuntos relacionados prtica da atividade policial e deixe de lado assuntos to relevantes.

2.2.4. Competncia Residual possvel observar que, os atos inerentes preservao desta ordem pblica so muito abrangentes, o que nos conduz a uma reflexo mais extensiva da competncia policial militar. Desta forma, existem situaes que podem implicar em uma necessria atuao da Polcia Militar sem, no entanto, estarem diretamente expressas como sua competncia. Como exemplo, podemos notar a afirmao conferida pelo Capito PM Sardinha (2007, p. 74), da Polcia Militar da Paraba, em que nos coloca o seguinte:(...) a extensa competncia da Polcia Militar, engloba, inclusive, a competncia exclusiva dos demais rgos policiais ou de Estado, quando da rea do sistema jurdico-policial, no caso de desvirtuamento de atividade por parte destes conforme podemos citar os perodos de greve de agentes penitencirios, onde os Governos Estaduais no hesitam em convocar as suas Corporaes Policiais Militares para assumir efetivamente os estabelecimentos prisionais, em face da iminente quebra da tranqilidade pblica.

A amplitude da atividade policial militar no cumprimento do dever que a lei lhes impe, pode ser vista e denominada como competncia residual na preservao da ordem pblica. Em outras palavras, tudo quilo que venha a perturbar a ordem pblica e no seja de atribuio ou no possa ser exercido por nenhum outro rgo acaba se tornando um servio a mais para a Polcia Militar. Percebe-se tambm que, alm da misso constitucional que cabe a polcia militar, qualquer problema que afete a incolumidade das pessoas e abale a ordem pblica acaba por se tornar atribuio da PM. Esse fato fica muito evidente, principalmente, em locais onde o

27 poder pblico no se faz plenamente presente, ou seja, onde no so atendidos pelos demais rgos pblicos os direitos bsicos de todo cidado como o saneamento, sade, educao e infra-estrutura insurgindo, por esta ausncia estatal, revoltas e manifestaes populares e contribuindo, ainda que indiretamente, com a insegurana e com uma necessidade de interveno policial militar para, pelo menos, intermediar na soluo dos problemas daquela localidade. De certa forma, isso acaba sobrecarregando esses policiais que, muitas vezes, em determinadas situaes cometem atitudes arbitrrias em face desta pesada carga de atribuies. Nesse contexto, fundamental que esses policiais estejam bem preparados para atuarem em situaes crticas, onde se faz necessrio o uso moderado da fora e que, principalmente, conheam de suas reais atribuies.

28

3 O USO DA FORA, NA PTICA DOS DIREITOS HUMANOS, DENTRO DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR

3.1 ATIVIDADE POLICIAL E DIREITOS HUMANOSA partir da criao da Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP, oficializada pelo Decreto n 2.315, de 4 de setembro de 1997, decorrente da transformao que sofreu a antiga Secretaria de Planejamento de Aes Nacionais de Segurana Pblica SEPLANSEG, a segurana pblica alavancou seu rendimento, principalmente, em relao aos Direitos Humanos. Apesar de ser uma expresso relativamente moderna, os "Direitos Humanos", atravs do princpio que a invoca, so to antigos quanto humanidade racional. De acordo com a SENASP, o termo Direitos Humanos expe como ncleo conceitual o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, dignidade esta traduzida num conjunto de valores considerados imprescindveis para a existncia e participao plena da vida de uma pessoa numa determinada sociedade. Nesse sentido, os Direitos Humanos so definidos pela SENASP como sendo o conjunto de condies e de possibilidades adquiridos no processo histrico de civilizao da humanidade, associados capacidade natural de cada pessoa em se organizar socialmente [...] (2007, p. 164). De acordo com o Programa Nacional de Direitos Humanos, institudo a partir do decreto n 1.904, de 13 de maio de 1996, Direitos Humanos so:(...) os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, ndios, idosos, portadores de deficincia, populaes de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianas e adolescentes, policiais, presos, despossudos e os que tm acesso riqueza.

Para reforar e comprovar o que j foi exposto, o Cdigo de Conduta para os Encarregados da Aplicao da Lei (Resoluo de 17 de dezembro de 1979, da Assemblia Geral das Naes Unidas ONU), do qual o Brasil signatrio, em seu artigo 2, traz o seguinte:Art. 2 - No desempenho de suas tarefas, os funcionrios encarregados de fazer cumprir a lei devem respeitar e proteger a dignidade humana e manter e defender os Direitos Humanos de todas as pessoas.

Vianna (2000, p. 28) fazendo uma relao entre Polcia e Direitos Humanos acrescenta que:Focar Direitos Humanos e bom comportamento na polcia importante, no s como fim em si mesmo, mas tambm, como um meio de assegurar uma polcia efetiva. O apoio da comunidade, essencial para uma polcia efetiva na democracia, dependente do respeito da polcia em relao s leis e aos Direitos Humanos dos

29grupos e indivduos dentro dessa comunidade.

Percebe-se, em relao ao exposto acima e tendo como base os ensinamentos de Barsted e Hermann (2001), que de fundamental importncia que os policiais militares, cada vez mais, aprofundem, difundam, bem como orientem suas aes, sobretudo quanto ao uso legal da fora sob a ptica dos instrumentos internacionais de proteo aos Direitos Humanos, tema que a seguir veremos.

3.2 ATIVIDADE POLICIAL E O USO DA FORA

No tocante ao uso da fora na atividade policial, buscando-se uma melhor compreenso do assunto, fundamental saber conceituar legitimidade, bem como esta na atividade policial. Segundo Schroder (2001, p.55), a legitimidade se d da seguinte forma:A legitimidade exterioriza-se pela vontade do povo, ou o que a sociedade espera do detentor do poder. Portanto, toda e qualquer ao legtima ser a resultante consensual do interesse coletivo. Para que o Estado use a fora e tenha sua ao legitimada pelo povo, este deve aprovar sua utilizao.

Atravs do que aponta Schroder, percebemos que legitimidade est relacionada vontade e aceitao do povo, assim, pode ir alm do que seja considerado apenas legal. Para somar ao seu conceito, Coelho (1991, p.358) relaciona a legitimidade como sendo:(...) a qualidade tica do direito, a maior ou menor potencialidade para que o direito positivo e os direitos no positivos alcancem um ideal de perfeio. Esse ideal, espao privilegiado da ideologia, pode ser provisoriamente identificado com a justia, ou certos valores que representam conquistas da humanidade, principalmente os direitos humanos.

Partindo para o conceito de atividade policial, segundo a Instruo Modular da Polcia Militar (2002, p.146), entende-se por atividade policial:Toda a prestao de servio, comunidade em geral, voltada segurana pblica, proteo individual, coletiva, do patrimnio pblico e particular, dos valores morais, ticos e de auxlio comunidade, que a instituio policial realiza diretamente ou indiretamente, atravs de seus agentes, dentro dos princpios e fundamentos policiais bsicos e dos limites legais e morais aceitos pela comunidade.

Balestreri (2003), atual Secretrio de Segurana Pblica, direcionando o foco para o uso da fora na atividade policial, d destaque para o policial como sendo um cidado que tem o porte singular e a devida permisso para o uso da fora e de armas, amparado pela lei, estando este policial revestido de autoridade para a construo ou devastao social. De igual forma, Bittner (2003) enfatiza que os policiais tm clara conscincia de que so percebidos como, aqueles que podem e de fato podem intimidar a sociedade. Percebe-se, no decorrer da leitura, que Bittner d bastante nfase a expresso aqueles que podem, como sendo o

30 acesso a meios coercitivos para se chegar a determinado fim aceitvel, seja atravs da simples presena (policiamento ostensivo fardado), atravs da verbalizao ou utilizando, inclusive, o uso da fora fsica. Antes mesmo disso, Bayley (2002) j mencionava que o termo polcia refere-se a indivduos autorizados por um grupo de pessoas para regular as relaes interpessoais, dentro deste grupo, atravs da aplicao de fora fsica. Prosseguindo com a leitura do texto de Bayley, este ainda acrescenta que a polcia se distingue, no pelo uso da fora, mas por possuir autorizao para us-la (2002, p.20). Bittner ainda afirma que ser policial significa estar autorizado, e ser exigido, a agir de modo coercitivo quando a coero for necessria, segundo o determinado pela avaliao do prprio policial das condies do local e do momento (2003, p. 20). Bittner (2003) ainda d nfase a trs subsdios diferentes para realizar a atividade policial, com relao ao emprego da fora. Apesar de propores que podem variar de policial para policial, na prtica, essas maneiras podem se combinar. Segundo o autor, o primeiro subsdio diz respeito ao emprego de tcnicas de negociao, empregadas pelos policias como forma de persuaso, objetivando-se alcanar a submisso do cidado abordado. O segundo consiste em usar os meios coercitivos, de modo antecipado, para obter a submisso. O terceiro est relacionado proeza fsica. Com relao s sugestes contidas na apostila de Uso Legal da Fora (2006, p. 15), o policial, ao fazer uso da fora, deve ter o conhecimento da lei, deve estar preparado tecnicamente, atravs da formao e do treinamento, bem como ter princpios ticos solidificados que possam nortear sua atuao. Entender que a educao policial deve preencher esses trs requisitos saber, saber fazer e querer fazer - de fundamental importncia s academias de formao dos agentes de segurana. Deste modo, destacamos a importncia vital do conhecimento sobre os conceitos apresentados e relacionados ao uso da fora, mostrados nesta seo, para que possamos entender melhor o prximo tpico de nosso trabalho, que tratar do uso escalonado da fora na atividade policial.

3.3 ATIVIDADE POLICIAL E O USO ESCALONADO DA FORA

Na atual conjuntura no mais admissvel o cometimento de abusos por parte de policiais e nem a falta de diretrizes que levem a uma ao pautada nos princpios

31 constitucionais e nos moldes dos direitos humanos, ainda mais aps a promulgao da constituio cidad de 1988. O Estado investe na formao e qualificao do profissional de segurana, aps uma longa seleo realizada atravs de concurso pblico e, ao final desse processo, esse mesmo Estado lhe fornece poder para atuar, cumprir e fazer cumprir a lei. Neste sentido, qualquer ao por parte de um encarregado de aplicao da lei deve estar pautada nos princpios do uso escalonado da fora, como Cunha (2004, p.11) afirma: na atual conjuntura no admitido que uma Fora Policial no possua aes que estejam enquadradas nos preceitos do Uso da Fora (Legalidade, Necessidade e Proporcionalidade). Desta maneira, o policial que, em estado de necessidade, sabe usar moderadamente a fora, sabe aplic-la proporcionalmente e agindo dentro da estrita legalidade estar sempre atuando forma correta e respaldada. O princpio da legalidade a observao das normas legais vigentes no Estado; o princpio da necessidade verifica se o uso da fora foi feito de forma imperiosa e no era razovel exigir conduta diversa; o princpio da proporcionalidade, por sua vez, corresponde utilizao da fora na medida exata exigida para o cumprimento de seu dever e de forma a tica ditar os parmetros morais para a utilizao da fora. importante deixar claro o conceito de fora para que se entenda o verdadeiro significado do uso progressivo desta. De acordo com a apostila da SENAP de Uso Legal da Fora fornecida pelo Ministrio da Justia: fora a interveno compulsria sobre algum ou sobre algumas pessoas a fim de reduzir ou eliminar sua capacidade de auto deciso (2006, p. 2). Dentre as vrias opes do uso de fora, devem ser utilizadas as que mais se enquadram para sanar a ao delituosa imposta pelo agente infrator, sem colocar em risco a vida de terceiros e do prprio agente atuante. Decerto, Moreira e Corra (2002, p.77) deixam claro isso quando dizem que o uso progressivo da fora a seleo adequada de opes de fora pelo policial em resposta ao nvel de submisso do indivduo suspeito ou infrator a ser controlado. Lima (2006) ainda destaca que os estudiosos de Polcia enfatizam a necessidade de se medir a quantidade de fora utilizada pelos policiais e por suspeitos, sendo que para se medir a quantia de fora, torna-se fundamental conhecer os comportamentos especficos dos atos do que se constitui a fora e a quantidade de fora empregada em cada situao. E para que no mais haja dvidas, o mesmo autor continua enfatizando que o objetivo de utilizar a fora neutralizar o indivduo em sua ao que caracterize desrespeito s leis, ou que possa causar mal sociedade em que o indivduo convive (LIMA, 2006, p. 25).

32 Explicando-se enfim, a cada comportamento do agente infrator ou suspeito corresponde uma ao por parte do policial, estas aes por parte dos encarregados de aplicao da lei esto divididas em nveis de fora, esses nveis so bem explorados por Moreira e Corra (2002, p.66) quando notam que o nvel de uso da fora entendido desde a simples presena policial em uma interveno at a utilizao da arma de fogo, em seu uso extremo (uso letal).

3.3.1 Modelos de Uso Progressivo da Fora Existem vrios modelos de uso progressivo da fora que so utilizados para direcionar a atuao policial em vrios pases, inclusive no Brasil. O objetivo fundamental proposto delimitar em graduaes o uso progressivo da fora para orientar as atuaes policiais. Normalmente os modelos criados recebem o nome daqueles que os criaram. O Ministrio da Justia (2006) tem uma lista de alguns destes modelos, bem como suas origens: Modelo Flect: aplicado pelo Centro de Treinamento da Polcia Federal de Glynco, na Gergia, Estados Unidos da Amrica; Modelo Gillespie: presente no livro "Police Use of Force Aline officers guide", 1988; Modelo Remsberg: presente no livro "The Tactical Edge Surviving High Risk Patrol", 1999; Modelo Canadense: utilizado pela Polcia do Canad; Modelo Nashville: utilizado pela Polcia Metropolitana de Nashville, EUA; Modelo Phoenix: utilizado pelo Departamento de Polcia de Phoenix, EUA. Dentre os modelos citados acima existem trs que, por apresentarem contedo bastante completo e reproduzirem a realidade operacional praticada no Brasil, podem ser alicerces para a nossa polcia, so eles: Flect, Gillespie e Canadense.

3.3.1.1 Modelo Flect

Segundo Barbosa e ngelo (2001) o modelo Flect abrange os elementos essenciais da utilizao da fora na atividade policial, apresentando uma configurao simples, composta de uma estrutura a cores, compreendendo trs faces ou painis e cinco camadas ou nveis.

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FIGURA 1: Modelo Flect de uso progressivo da fora. FONTE: Apostila de Uso legal da Fora, 2006. Neste modelo temos basicamente trs painis. No painel da esquerda est a percepo do policial em relao atitude do suspeito. Representando a percepo do risco para o policial atravs de nmeros em algarismos romanos temos o painel do centro. O painel da direita oferece as respostas (reao) de fora possveis em relao atitude dos suspeitos e percepo de riscos. Podemos perceber nos painis das extremidades da estrutura deste modelo a descrio, o processo de avaliao e a seleo das alternativas a serem escolhidas pelo policial durante sua atuao (setas duplas duais), isto indicando a natureza dinmica do processamento das informaes por parte do policial durante um confronto, podendo aumentar, estabilizar e diminuir a fora aplicada. O modelo em estudo toma como base a premissa de que a seleo adequada de opes de fora pelo policial deve ser uma resposta ao nvel de submisso do indivduo a ser controlado, sendo preventiva quando baseada na experincia do policial; ativa, dentro dos limites da segurana e da eficcia e por ltimo; reativa, visando prevenir aes futuras por parte do transgressor. Ainda conforme os ensinamentos de Barbosa e ngelo a cor uma das partes essenciais do modelo (2001, p.125). A cor azul relaciona-se a percepo profissional, representando o fundamento do processo perceptivo. Este nvel de percepo abrange as atividades policiais do dia-a-dia, bem como as exigncias cruciais do ambiente. Um nvel acima, cor verde, temos a percepo ttica. Neste nvel o policial percebe um aumento da

34 ameaa no cenrio do confronto e coloca em prtica estratgias especficas de segurana. Na seqncia, representado pela cor amarela, observa-se o terceiro nvel do modelo Flect que est relacionado s ameaas. Representa o aumento do estado de alerta percepo da ameaa e ao perigo detectado. O quarto nvel do modelo, representado pela cor laranja, relaciona-se a percepo da ameaa danosa, denotando a constatao acelerada do perigo para o policial, que deve agora apontar suas energias e tticas na direo da defesa. (Barbosa e ngelo, 2001). Chegando ao pice do modelo Flect temos o ltimo nvel que representado pela cor vermelha, referindo-se percepo de ameaa mortal, devendo o policial manter o mais alto nvel de avaliao de risco, empregando suas mximas habilidades de sobrevivncia para garantir sua auto-preservao, podendo com isso, valer-se da fora letal. Conforme Barbosa e ngelo (2001, p. 127) medida que as opes de fora aumentam de intensidade, cada nvel seguinte identifica e incorpora os nveis inferiores de fora. A nica ressalva a se fazer da anlise do modelo Flect que o referido modelo no considera a presena policial como um nvel de fora, vinculando o primeiro nvel com comandos verbais, diferente dos que veremos ao analisarmos outros modelos.

3.3.1.2 Modelo Gillespie

O modelo Gillespie contm cinco colunas, de cores diferentes, que representam nveis de comportamento do agente, sendo que para cada nvel de comportamento h uma aoresposta por parte do policial, em conformidade com todos os outros. Diferencia-se pelo fato de apresentar cinco colunas e seis linhas bsicas e se apresenta em forma de tabela.

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FIGURA 2 Modelo Giliespie de Uso Progressivo da Fora. FONTE: GILIESPIE et al. (1998) A atitude do suspeito est dividida em quatro colunas que so subdivididas respectivamente em situaes diferentes sobre a percepo do policial em relao a ele. A progresso de fora possui cinco nveis, com subdivises crescentes de respostas pelo policial, que interagem entre si. Este modelo faz uma correlao da atitude do suspeito com a avaliao de risco, condio mental do policial e resposta de fora a ser utilizada. Um fator a ser destacado neste modelo a verbalizao como graduao de fora que interage com os outros nveis, iniciando a partir do segundo nvel, prosseguindo at o penltimo, antes do uso da fora letal. Apresenta-se como um modelo complexo, contudo bem completo em suas opes de ao e reao policial. De acordo com o Ministrio da Justia, se houver o devido treinamento, este modelo pode ser adaptado para o uso na foras policiais brasileiras. O policial bem treinado neste modelo compreender sua dinmica, e estar capacitado a utilizao correta do uso legal da fora.

3.3.1.3 Modelo Canadense

O modelo em estudo foi criado pela Polcia Canadense, sendo composto por crculos

36 sobrepostos e subdivididos em nveis diferentes. Conforme a apostila Uso legal da Fora (2006) o crculo interno refere-se ao comportamento do suspeito e o externo ao de resposta do policial.

F IGURA 3: Modelo Canadense de uso progressivo da fora. FONTE: Ministrio da Justia. Apostila de Uso legal da Fora, 2006. Analisando-se em mincias o modelo, percebe-se que no crculo interior h cinco subdivises, cada qual correspondendo a possveis aes adotadas pelo suspeito. Utiliza-se uma graduao de tonalidades de cor compreendidas entre a cor branca e a cor preta, correspondendo ao de menor e maior ameaa do suspeito, respectivamente. Os sete nveis diferentes, representados pelo crculo externo, esto dispostos em forma de graduao indicando a ao de resposta do policial. Cada nvel est diretamente conectado com o outro por meio da mudana de cores. A alterao no algo fixo, e quer dizer que onde termina um nvel de fora, outros ainda esto disponveis. Empregam-se sete cores para cada uma das graduaes de fora. Neste modelo verifica-se que como ltima ao do policial, representada atravs da cor vermelha, a utilizao da arma letal (fora letal), constituindo uma medida extraordinria e extrema. 3.3.1.4 Modelo Bsico proposto pela SENASP

O modelo bsico de uso progressivo da fora proposto pelo Ministrio da Justia,

37 atravs da SENASP Secretaria Nacional de Segurana Pblica, em sua apostila eletrnica sobre o Uso Legal da Fora, assemelha-se ao modelo Flect, sendo representado por uma figura geomtrica em forma de trapzio com degraus em seis nveis, cada qual pintado por uma cor diferente.

FIGURA 4 Modelo SENASP de uso progressivo da fora. FONTE: (BRASIL. Ministrio da Justia, 2006).

Do lado esquerdo, est a percepo do policial em relao atitude do suspeito. No lado direito esto os nveis de respostas, ou seja, as reaes de fora possveis em relao atitude do suspeito. Temos ainda uma seta dupla ao centro do trapzio, que descreve o processo de avaliao e seleo de alternativas. Conforme o desenvolvimento de atitudes por parte do suspeito haver uma reao do policial em mesma proporo. Fazendo algumas anlises a respeito do modelo bsico proposto pela SENASP, percebe-se que da base para o topo, cada nvel representa um aumento na intensidade da fora. Ento, sustentam Moreira e Corra (2002, p.84) a escala se move daquelas opes que so mais reversveis para aquelas que so menos reversveis, daquelas que oferecem menor certeza de controle para aquelas que oferecem maior certeza. Assim como nos outros modelos de uso progressivo da fora adotados na apostila Uso Legal da Fora (2006), observa-se que o emprego da fora letal (arma de fogo) por parte do policial aparece como recurso extremo, expresso no pice da pirmide por meio da cor vermelha, podendo ser utilizada em situaes em que houver agresso por parte do suspeito,

38 que possam configurar-se como letais. Devemos ainda fazer uma ressalva, quando tratamos das tticas defensivas no letais (cor laranja deste modelo), quelas utilizadas para combater uma agresso no letal, como por exemplo, o gs de pimenta, o tiro de elastmero (borracha) dentre outros. Estas tticas so nomeadas pela doutrina atual como tticas menos letais, ao contrrio da nomenclatura adotada pela SENASP, isto porque estes recursos, se no utilizados na distncia e condies sugeridas pelos fabricantes, podero levar a pessoas que estejam sendo contidas a bito, ainda que de forma involuntria. Aps todas essas explanaes a cerca do uso progressivo da fora policial, gostaramos de salientar que o domnio destes conhecimentos propicia ao agente uma enorme segurana na hora de tomar uma deciso. Naturalmente que, em muitos casos, no haver tempo suficiente para grandes conjecturas no calor das ocorrncias, portanto, papel das instituies policiais padronizarem e aprimorarem em seus centros de estudos a relao entre teoria e prtica dos mtodos, tcnicas e tticas aplicveis, para que haja eficcia na atuao. Sabemos, no entanto, que no h nenhuma receita de bolo para todas as situaes vividas no policiamento ordinrio. Nada obstam, porm, tentarmos traar algumas diretrizes que facilitem a tomada de deciso num momento de vida ou morte cujo policial moderno freqentemente se depare durante o servio. Em resumo, estudos como ora produzimos so a chave para o surgimento de uma polcia mais tcnica e humana.

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4 LEGISLAO INFRACONSTITUCIONAL SOBRE O USO DA FORA NA ATIVIDADE POLICIAL MILITARA legislao brasileira procurou, atravs da Constituio Federal de 1988 e demais leis subordinadas, disciplinar o uso da fora, passando pela simples presena policial no local crtico at o limite mximo do escalonamento da fora, a utilizao da fora letal atravs da arma de fogo. O presente captulo abranger a responsabilidade legal qual esto sujeitos os agentes de segurana pblica, em especial dos policiais militares, responsveis pela manuteno da ordem pblica e aplicao da lei, principalmente quando se utilizam da fora no exerccio de suas funes.

4.1 ANALISANDO A CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 POR OUTRO NGULO

Segundo Pinto e Valrio (2002), a Constituio Federal do Brasil foca como prioridades: o respeito integridade fsica, moral e psicolgica dos seus cidados, bem como, s liberdades individuais e coletivas; sendo, desta maneira, a vida em suas diversas formas considerada o maior bem tutelado pelo Estado. Eles afirmam ainda a necessidade imperiosa de no se contrariar tais dispositivos legais, tendo em vista a possibilidade de responsabilizaes por inobservncias de tais direitos consagrados em nossa Carta Magna. Em se tratando de Constituio Federal encontramos, tambm, alguns princpios que esto especificados logo nos seus primeiros artigos (Ttulo I: Dos Princpios Fundamentais, Ttulo I: Dos Direitos e Garantias Fundamentais e Captulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), so eles: justia, liberdade e igualdade. Vejamos:Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrtico de direito e tem como fundamentos: II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao. Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

40I - homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio; II - ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei; III - ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Alm de compreender os artigos acima, de fundamental importncia que saibamos conceituar tais princpios. Conforme Beauchamp e Childress apud Goldim (1998, p.1), o princpio da justia a representao da justia distributiva, como se observa a seguir:Entende-se justia distributiva como sendo a distribuio justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperao social. Uma situao de justia, de acordo com esta perspectiva, estar presente sempre que uma pessoa receber benefcios ou encargos devidos s suas propriedades ou circunstncias particulares.

Ainda segundo Goldim (1998, p. 1) que, emprestando as famosas idias de Aristteles sobre o que seja justia formal, traz as seguintes contribuies: os iguais devem ser tratados de forma igual e os diferentes devem ser tratados de forma diferente. Da Silva (2007, p. 214), em relao ao princpio da igualdade, conceitua como sendo o signo fundamental da democracia. Assim, Da Silva assegura que este princpio no admite privilgios nem to pouco distines e que as constituies afirmam a todos os cidados a igualdade perante a lei. Significa que a Constituio Federal do Brasil, alm de buscar a reduo das desigualdades sociais e regionais, repulsa a discriminao; ela assegura a igualdade social, garante sade e acesso a educao, visando concretizar a igualdade material. Finalizando, analisamos o conceito de liberdade, no qual Da Silva (2007, p. 236) afirma ser a possibilidade de coordenao consciente dos meios necessrios realizao da felicidade pessoal. Encontramos outro princpio muito interessante para ns, no art. 1, inciso III da CF, que se enquadra perfeitamente no uso da fora, refere-se ao princpio da dignidade da pessoa humana. Para Da Silva (2007) este princpio serve de alicerce para os demais direitos fundamentais. Sarlet (2001, p. 89) define muito bem o princpio constitucional da dignidade humana quando diz que:A dignidade da pessoa humana engloba necessariamente respeito e proteo da integridade fsica e emocional (psquica) em geral da pessoa, do que decorrem, por exemplo, a proibio da pena de morte, da tortura e da aplicao de penas corporais bem como a utilizao da pessoa para experincias cientficas.

4.2 ANLISE DOS CDIGOS PENAL E DE PROCESSO PENAL

Aps essa breve anlise de alguns artigos da constituio, passaremos para o Cdigo Penal Brasileiro (Decreto Lei n 2.848, de 07 de dezembro de 1940), onde trataremos dos

41 artigos 23, 24 e 25. Estes, buscam definir as excludentes de criminalidade, ou melhor, segundo Pinto e Valrio (2002, p. 57) as causas de justificao que tornam um ato antijurdico excluso de ilicitude, tornando nulo o prprio delito.Art. 23. No h crime quando o agente pratica o fato: I em estado de necessidade; II em legtima defesa (prpria ou de terceiros); III - em estrito cumprimento do dever legal ou no exerccio regular do direito. Pargrafo nico: O agente, em qualquer das hipteses deste artigo, responder pelo excesso doloso ou culposo. (CDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

Para tratar do estado de necessidade temos o artigo 24 e para tratar sobre legtima defesa temos o artigo 25, todos do Cdigo Penal. Vejamos tais artigos:Art. 24.Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que no provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito prprio ou alheio, cujo sacrifcio, ou circunstncias, no era razovel exigirse[...] 1No pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. 2 Embora seja razovel exigir-se o sacrifcio, do direito ameaado, a pena poder ser reduzida de um a dois teros. (CDIGO PENAL, BRASIL, 1940) Art. 25. Entende-se em legtima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessrios, repele injusta agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (CDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

Para Pinto e Valrio (2002), o estado de necessidade representa uma agresso atual ou iminente e injusta, contra a qual haver uma reao, enquanto a legtima defesa representa uma situao de perigo que ameaa direito do agente ou de terceiro, que tem de ser atual e inevitvel, alm da inexigibilidade de sacrifcio do bem ameaado, consideradas as circunstncias. Buscando detalhar os referidos conceitos, Fhrer (1999, p.69) faz uma anlise sobre estado de necessidade e legtima defesa, respectivamente:Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que no provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito prprio ou alheio, cujo sacrifcio, nas circunstncias, no era razovel exigir-se. Entende-se em legtima defesa, quem, usando moderadamente dos meios necessrios, repele injusta agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Capez (2004, p. 256) tambm traz suas contribuies quando diz que o estado de necessidade causa de excluso de ilicitude da conduta, quando o agente no tem o dever legal de enfrentar a situao de perigo, alm de no a t-la provocado, e acaba por sacrificar um bem jurdico ameaado por este perigo, para salvar outro. Segundo o autor, em relao ao estado de necessidade, existem dois ou mais bens jurdicos em perigo, sendo que o resguardo de um est sujeito ao extermnio do outro. E finaliza afirmando que o Cdigo Penal adota a teoria unitria sobre estado de necessidade, onde esta sempre considerada causa e excluso de ilicitude, quando eivada de razoabilidade.

42 Nota-se, ento, que existem requisitos relacionados para a ocorrncia do estado de necessidade, so eles: o perigo deve ser atual, deve ameaar direito prprio ou alheio, no pode ter sido causado pelo agente e deve haver inexistncia do dever legal de abarbar o perigo por parte de quem alega. O comportamento do agente, quando se fala de conduta lesiva, deve ser inevitvel, o sacrifcio deve ser razovel e este agente deve estar ciente da situao justificante. Com relao legtima defesa, conceito que deve ser totalmente conhecido dos agentes de segurana, Capez (2004) nos ensina que haver uma excludente de ilicitude quando o agente repele injusta agresso, atual e iminente, a direito prprio ou alheio, usando os meios necessrios de maneira moderada. Logo, relacionamos como requisitos: agresso injusta, atual e iminente, contra direito prprio ou alheio, repulsa com meios necessrios e uso moderado, alm do conhecimento da situao justificante. Outra excludente de ilicitude o estrito cumprimento do dever legal, tambm extremamente relevante a atividade de polcia, em que Capez (2004, p. 273) afirma ser uma causa de excluso da ilicitude que consiste na realizao de um fato tpico, por fora do desempenho de uma obrigao imposta por lei. Conforme o autor, o estrito cumprimento do dever legal deve derivar direta ou indiretamente da lei, e ser cumprida estritamente dentro dos limites legais. J segundo Pinto e Valrio (2002, p. 59), o estrito cumprimento do dever legal, definido pela existncia de um dever funcional imposto pelo direito objetivo oriundo do poder pblico com carter mais geral. Caso o agente cometa excessos, com relao aos poderes que o Estado lhe conferiu, este estar cometendo abuso de autoridade. Importantssima considerao faz Alvarenga (2007) quando fala de uma situao onde um policial militar, utilizando-se moderadamente de tcnica de artes marciais, contra agente que resiste a priso aps efetuar roubo, causando-lhe leses, justificado pela legtima defesa e no pelo estrito cumprimento do dever legal. Dependendo do ponto de vista analisado, o policial militar poder utilizar moderadamente a fora necessria, para repelir agresso injusta, contra si ou contra terceiro, e caso culmine em leses contra o agressor, poder recorrer s excludentes de criminalidade. Porm, o pargrafo nico do artigo 23 do Cdigo Penal Brasileiro, conforme esclarecem Pinto e Valrio (2002) refere-se possibilidade de responsabilizao do executor

43 (agente pblico) quando age, mesmo sob as circunstncias da excludente de criminalidade, com excesso doloso ou culposo. Por esse motivo, h a necessidade do policial possuir conhecimentos tcnicos sobre todos os nveis da aplicao da fora e que, ao mesmo tempo, estejam constantemente condicionados a aplicar tcnicas policiais. Para Pinto e Valrio, a ao desproporcional e imotivada, dentre outros aspectos causada pela falta de confiana na eficcia de suas tcnicas de conteno e de defesa pessoal, ou mesmo, pelo desconhecimento por parte do agente pblico dos efeitos que tais golpes e tcnicas, podem ocasionar. De acordo com os autores, isto ocorre pela falta de treinamento/preparo dos policiais, bem como pelo insuficiente controle emocional e racionalidade, em conjunto com a falta de preparo psicomotor que lhes proporcionem aes fsicas oportunas e comedidas (2002, p. 62). Aps uma breve anlise acerca do cdigo penal, passaremos para o cdigo de processo penal (CPP), onde o Ministrio da Justia (2006) faz-lhe referncia, em especial aos artigos 284 e 293, que tratam do emprego da fora pelos policiais no exerccio profissional.Art. 284 No ser permitido o emprego de fora, salvo a indispensvel, no caso de resistncia ou tentativa de fuga de preso. [...]. Art 293 Se o executor do mandado verificar, com segurana, que o ru entrou ou se encontra em alguma casa, o morador ser intimado a entrega-lo, vista da ordem de priso. Se no for obedecido imediatamente, o executor convocar duas testemunhas e, sendo dia, entrar a fora na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimao ao morador, se no for atendido, far guardar todas as sadas, tornando a casa incomunicvel, e logo que amanhea, arrombar as portas e efetuar a priso. (CDIGO DE PREOCESSO PENAL, 2007)

Tourinho Filho (1997, p. 459-460), nos trs o seguinte comentrio a respeito do artigo 284:Quando da realizao da priso, no podem seus executores fazer uso da fora, a no ser nas duas hipteses enunciadas no artigo em exame. Quanto resistncia, distingui-se em passiva e ativa. A primeira consiste num simples gesto instintivo de autodefesa, sem inteno de ofender [...]. J a ativa, sim. Em qualquer uma dessas espcies de resistncia, pode ser usada a fora, dentro dos limites indispensveis para venc-la. Assim por exemplo, se o capturando deita-se ao cho, evidente que o executor seria penalmente responsabilizado se, por acaso, fizesse uso do cassetete.

4.3 ANLISE DOS CDIGOS PENAL MILITAR E DE PROCESSO PENAL MILITAR

Realizada uma sucinta anlise dos cdigos penal e processual penal, trataremos do Cdigo Penal Militar, que tambm mencionado na apostila Uso Legal da Fora, do

44 Ministrio da Justia (2006). Neste cdigo, temos o artigo 42 referente excluso de crime, onde percebemos que o referido artigo bem semelhante ao do Cdigo Penal comum.Art 42 No h crime quando o agente pratica o fato: I em estado de necessidade; II em legtima defesa; III em estrito cumprimento do dever legal IV em exerccio regular de direito

A apostila do Ministrio da Justia, tambm faz referncia aos artigos 231, 232 e 234 do Cdigo de Processo Penal Militar, onde os mesmos esto relacionados com o emprego da fora na atividade policial:Art 234-O emprego da fora s permitido quando indispensvel, no caso de desobedincia, resistncia ou tentativa de fuga. Se houver resistncia da parte de terceiros podero ser usados os meios necessrios para venc-la ou para defesa do executor e seus auxiliares, inclusive a priso do defensor. De tudo se lavrar auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas. (CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, 1969)

Segundo Pinto e Valrio (2002), na legislao em questo no existe tratamento diferenciado para os praticantes de artes marciais, sendo a lei genrica. O fato de o agente ser graduado, qualificado em artes marciais no determina agravamento na anlise dos resultados produzidos. O que ser avaliado efetivamente a inteno de causar dano, a proporcionalidade da reao e sua motivao (2002, p. 47). Corroborando com os autores acima, Costa (2006) fala sobre a inexistncia de discriminao quanto aos artistas marciais. Porm, tambm diz que durante um processo criminal, o fato de um artista marcial em defesa contra agresso impor graves danos no agressor, ter um peso diferente, se comparado com uma vtima sem conhecimento algum. Logo, um artista marcial, um atleta de halterofilismo ou um levantador profissional de pesos no devem ter o mesmo tratamento que um cidado qualquer num julgamento de proporcionalidade de legitima defesa, por exemplo, claro, em funo de suas valncias fsicas os tornarem diferentes. Assim, tambm deve ser levado em considerao o treinamento policial. Exigir do policial condutas que seriam as ideais diante de uma situao de risco, nem sempre possuem congruncia com o treinamento recebido por este em seu curso de formao. Por isso, procuraremos, na seo seguinte, relatar o contexto do ensino e instruo nas polcias militares brasileiras e particularmente a do Par.

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5 O CONTEXTO DO ENSINO E INSTRUO NAS POLCIAS BRASILEIRASAntes de adentrarmos no contedo proposto por esta seo, fundamental ressaltar que o processo educacional um dos fatores de maior relevncia na formao de qualquer sociedade. Tal observao , neste sentido, reforada por Freire (1980, p.20) quando nos afirma que a educao vem a ser o processo de sustentao dos indivduos para uma sociedade (...), harmoniosa, democrtica, por sua vez controlada, planejada, mantida (...) Atravs da assertiva acima, possvel perceber que alm de contribuir para a formao de uma sociedade, a educao pode tambm ser reflexo de diretrizes estatais e at dominada por instituies do Estado. Podem-se ligar tais convices ao contexto poltico e social brasileiro vivenciado poca da ditadura militar, onde a comunicao, as liberdades sociais e at o sistema educacional, eram controlados em seu processo de ensino-aprendizagem com a finalidade de atender aos interesses governamentais. As anlises observadas so asseveradas por Comparato (2003, p.46), quando nos diz que a questo educacional influenciada no s pelas idias dominantes, mas, tambm, pelo regime poltico. Neste sentido, possvel perceber a preocupao do governo, poca, em dar nfase a uma formao educacional e profissional pautada em um modelo patritico e nacionalista, manipulando em alguns momentos a realidade nacional sem dar aos jovens e adolescentes brasileiros o conhecimento da verdade vivenciada em nosso pas, como observa Nascimento (2007, p.48):(...) sem uma viso crtica da realidade brasileira, mas extremamente impregnados da viso de que eram os responsveis pela defesa da ptria contra inimigos internos e externos que, poderiam, em nome da democracia ameaar o progresso que o pas se fazia experimentar.

Desta forma, o processo de formao das foras policiais civis e militares no ocorria de maneira distinta, muito pelo contrrio, a doutrina de Segurana Nacional passaria ento a estar muito mais incutida e presente entre esta classe de profissionais do que em qualquer outra. Porm, como j dito anteriormente, pelo momento histrico vivenciado, as foras policiais movidas pelo esprito patritico de defesa da ptria, pouco se preocupavam, durante suas aes, com quesitos como os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, como nos mostra Nascimento (2007, p.50): As violaes dos direitos humanos pelas foras policiais na Amrica Latina, deve ser tambm entendida como reflexos ideolgicos do contexto histrico em que as instituies foram fundadas..

46 As alteraes na formulao dos currculos para ingresso nas corporaes policiais, assim como no processo de ensino-aprendizagem de maneira geral em todo o pas s vieram a existir a partir da promulgao a Constituio Federal de 1988, a qual, alm de marcar significativamente mudanas nos estilos de instrues outrora perpassadas, solidificaram tambm alteraes em todo o contexto poltico e social brasileiro. Na atual conjuntura, a formao dos profissionais de segurana pblica procura pautar-se na dignidade da pessoa humana, no respeito aos direitos humanos e na promoo da paz social atravs de uma real aproximao da comunidade com as atividades de segurana, como previa desde sua publicao o caput do artigo 144 da CF, quando esta foi promulgada