Susan J. Blackmore - Experiências Fora Do Corpo

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    Susan J. Blackmore

    EXPERIÊNCIASFORA DO CORPO

    Uma investigação com base em pesquisas realizadas pela

    Society for Psychical Research

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    EXPERIÊNCIAS FORA DO CORPOUma Investigação

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    SUSAN J. BLACKMORE

    EXPERIÊNCIAS FORA DO CORPOUma Investigação

    TraduçãoANÍBAL MARI

    EDITORA PENSAMENTOSão Paulo

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    Título do original: Beyond the Body

     An Investigation of Out-of-the-Body Experiences

    Copyright (c) 1982 Susan J. Blackmore

    Edição1-2-3-4-5-6-7-8-9

    Ano86-87-88-89-90-91-92-93

    Direitos de tradução para a língua portuguesaadquiridos com exclusividade para o Brasil pela

    EDITORA PENSAMENTO LTDA.Rua Dr. Mário Vicente, 374 – 04270 São Paulo - SP – Fone: 63 - 3141

    Impresso em nossas oficinas gráficas.

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    Para Tom

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    Sumário

     Lista das Ilustrações, 8 Agradecimentos, 9Prefácio, 10

    1 Introdução, 152 Como Definir a EFC, 243 A Doutrina da Projeção Astral, 324 Os Viajantes Astrais, 405 Outros Exploradores, 516 Casos de Projeção Astral, 647 Análise de Compilações de Casos, 758 A EFC em Outras Culturas, 919 Pesquisas Sobre a EFC, 10310 Como Induzir uma EFC, 11711 Sonhos Translúcidos, 13112 A Fisiologia da EFC, 147

    13 Visões de Moribundos, 16014 Encontros íntimos com a Morte, 17015 O Duplo na Psicopatologia, 19816 Imagens e Alucinações, 21017 Percepção Extra-sensorial na EFC, 22518 Experimentos Sobre Visão Fora do Corpo, 23819 Aparições, Espíritos e Almas Visíveis, 25120 Experimentos Para Detectar o Duplo, 26521 Reavaliação das Teorias, 27922 Uma Abordagem Psicológica da EFC, 295

    Obras de Referência, 309

     Índice Analítico, 319

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    Lista das Ilustrações

    Entre as páginas 173 e 188

    1 Túnel de árvores, 1732 Ba e a múmia, 1743 O fantasma ligeiramente fora de foco, 1754 O fantasma acima do corpo físico, 1755 O curso tomado pelo fantasma na projeção, 1766 O fantasma projetado na posição ereta, 1767 O retorno do fantasma, 1778 Exteriorização violenta, 1779 Exemplos do EEG da Srta. Z, 17810 Blue Harary preparando-se para uma EFC, 17911 Blue Harary e William Roll, 17912 A partida do corpo astral na morte, 180

    13 Imagens vistas de perspectivas insólitas, 18114 Aspecto do túnel alucinatório, 18215 A luz no centro do túnel, 18316 Treliça em forma de espiral, 18317 Um visitante astral, 18418 Projeção durante um “transe hipnótico”, 18419 O corpo de André no caixão, 18520 A Sra. Baraduc, quinze minutos após sua morte, 18521 A Sra. Baraduc, uma hora após sua morte, 18522 O espectro ampliado de uma rã, 18623 O espectro ampliado de um camundongo, 18624 O espectro ampliado de um gafanhoto, 18625 O Sr. Hopper e sua câmara de nuvens, 18726 O duplo da Sra. Lambert, 18827 A oscilação do corpo astral, 18828 Uma figura ambígua, 188

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    AGRADECIMENTOS

    Mal sei por onde começar a agradecer a todas as pessoas que me ajudaram napesquisa e na redação deste livro, mas devo talvez iniciar por meus inúmeros amigos:Vick, Kevin, Johne tantos outros, que me encorajaram e orientaram nas experiênciasque assinalaram o início do meu interesse pelas EFCs.* Sou grata também a todos osque me fizeram sugestões e críticas úteis, particularmente a John Beloff, que leu umaversão mais antiga deste livro, Richard Hellen, Leslie Price e Eleanor O’Keeffe.

    Gostaria de agradecer à Sociedade Americana para Pesquisas Psíquicas, em NovaIorque, pela permissão para utilizar material de sua exclusiva propriedade; ao MuseuBritânico, de Londres; a Dodd, Mead and Co., de Nova Iorque; a Hutchinson PublishingGroup Ltd., de Londres; a Mockingbird Books Inc., da ilha de St. Simon, Geórgia, e aScientific American Inc. Obrigado ainda a Bill Roll, Blue Harary, John Harris e à

    Sociedade para Pesquisas Psíquicas, que amavelmente me forneceram as fotos, e a TomTroscianko que preparou a maior partes das ilustrações. Gostaria, também, de agradeceràs instituições Blenner-Hassett, de apoio à pesquisa, e Perrott-Warrick, de concessão debolsas de estudo, pela ajuda financeira durante o tempo em que este livro foi escrito.

    Finalmente, quero fazer um agradecimento especial a meus pais e a meu maridoTom, por sua colaboração inestimável.

    * Experiências fora do corpo.

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    PREFÁCIO

    Por volta de 1873, recordaria Frederic Myers em  Human Personality  [ A personalidade humana], um pequeno grupo de amigos da Universidade de Cambridgechegou à conclusão de que nem a religião nem o materialismo haviam fornecidorespostas satisfatórias às questões que os intrigavam:

    Nossos pontos de vista divergiam em alguns aspectos; mas ao menos no que me dizia respeito,eu achava que não se fizera ainda nenhuma tentativa adequada, nem mesmo para determinar se sepoderia ou não aprender alguma coisa a respeito do mundo invisível. Ora, se for possível conheceralgo sobre esse mundo, de tal modo que a ciência possa aceitar e sustentar esse conhecimento,deverá ser ele descoberto não pela análise da tradição ou por manipulação metafísica, mas somentepor experimento e observação – somente pela aplicação correta aos fenômenos que ocorrem dentroe ao redor de nós, dos mesmos métodos de investigação exata, intencional e imparcial que

    formaram nosso conhecimento atual do mundo palpável e visível.

    Juntamente com seus amigos — entre eles, sobretudo, Henry Sidgwick e EdmundGumey — Myers tornou-se um dos membros fundadores da Sociedade para PesquisasPsíquicas, formada em 1882 para pôr em prática estas idéias e cujo centenário estásendo comemorado com a publicação desta série.

    Convencionou-se classificar os fenômenos do “mundo invisível” a que Myers sereferia, em cinco categorias principais e para cada uma delas foi designada umacomissão encarregada de investigá-las: telepatia, hipnotismo, “sensitivos”, aparições e“os diversos fenômenos físicos, comu-

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    mente chamados espíritas”. Ao longo dos anos, o enfoque dado a elas tem sofridoalterações, haja vista que o hipnotismo, rejeitado até então como um truque ilusionista,estava prestes a ser aceito como uma realidade, deixando, assim, de ser consideradocomo um fenômeno mediúnico. Em termos gerais, porém, os fenômenos eminvestigação são os mesmos e os métodos de pesquisa permanecem exatamente comoMyers os planejou.

    A terminologia, no entanto, mudou e tem mudado com certa freqüência, o que geraalguma confusão. O próprio Myers introduziu o termo “telepatia”, já que “leitura dopensamento” era ambíguo: poderia se referir ao modo pelo qual Sherlock Holmesentendia o que se passava na mente de Watson, observando sua expressão. Contudo,“supernormal”, que Myers achava preferível a sobrenatural para descrever a classe defenômenos com os quais a Sociedade estava lidando, foi, a partir de então, substituídopor “paranormal”. Por outro lado, “parapsicologia” vem lentamente tomando o lugar de“pesquisa mediúnica”, embora alguns pesquisadores prefiram restringir seu uso aotrabalho do tipo laboratorial, reservando o vocábulo “mediúnico” para a pesquisa defenômenos espontâneos. “Psi” também entrou em moda como um termo de mil e umautilidades para identificar ou descrever as forças atuantes, no caso, por exemplo, dadistinção entre um fato normal e outro paranormal.

    A explicação, se é que necessária, em favor da “paraciência” — termo que talvez adescreva com maior abrangência, hoje em dia, visto que o enfoque da pesquisa vem, deuns tempos para cá, se deslocando da psicologia para a física — poderia ser encontradana composição da Sociedade, desde os seus primórdios. Poucas organizações atraíramum quadro de sócios tão ilustres. Entre os físicos, estavam Sir William Crookes, SirJohn Joseph Thomson, Sir Oliver Lodge, Sir William Barrett e os dois Lordes Rayleigh— o terceiro e o quarto barões. Entre os filósofos: o próprio Sidgwick, Henri Bergson,Ferdinand Schiller, L. P. Jacks, Hans Driesch e C. D. Broad; entre os psicólogos:William James, William McDougall, Sigmund Freud, Walter Franklin Prince, Carl Junge Gardner Murphy. E, ao lado destes, havia muitas figuras eminentes em vários campos:Charles Richet, um ganhador do prêmio Nobel em fisiologia; o conde de Balfour,primeiro-ministro de 1902 a 1906, e seu irmão Gerald, secretá-rio-executivo para aIrlanda, no período de 1895 a 1896; Andrew Lang, polímata; Gilbert Murray, Professorregius de grego na Universidade de Oxford e relator da primeira Constituição da Ligadas Nações; seu sucessor em Oxford, E. R. Dodds; a Sra. Henry Sidgwick, diretora doColégio Newnhan, de Cambridge; Marie Curie; a Sra. Alfred Lyttleton, represen-

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    tante britânica na Assembléia da Liga das Nações; o astrônomo Camille Flammarion eF. J. M. Stratton, presidente da Associação Astronômica Real; Sir Alister Hardy,professor de zoologia em Oxford.

    Tal relação, como Arthur Koestler assinalou em The Roots of Coincidence  [ Ascausas da coincidência], devia ser suficiente para demonstrar que a pesquisa sobre PES* “não é um parque de diversões para excêntricos supersticiosos”. Pelo contrário, os

    padrões de pesquisa são geralmente rigorosos, muito mais rigorosos que os dapsicologia, como os psicólogos foram forçados a admitir. A razão por que os resultadosnão são aceitos consiste basicamente em que eles não são aceitáveis: percepção extra-sensorial (PES) e psicocinesia (ou função PK) permanecem fora do domínio de ciência,apesar das evidências. E, se bem que o preconceito contra a parapsicologia estejadesaparecendo, ela ainda precisa assentar uma base sólida no mundo universitário, paraser aceita como uma disciplina acadêmica.

    Os céticos fizeram o possível para difundir a noção de que os pesquisadores dosfenômenos paranormais acreditam em PES, PK, aparições e coisas do gênero, porqueanseiam ou precisam acreditar nisso. Ora, qualquer um que estude as  Revistas e Atas daSociedade ou assista às suas reuniões, comprovará que esse conceito é falso e ridículo:muitos dos mais assíduos e experimentados pesquisadores foram, no início, movidos

    pela descrença — por um desejo, digamos, de desmascarar um médium como impostor.Deve-se lembrar, também, que muitos, talvez a grande maioria, dos membrosdesejavam e ainda desejam mostrar que as manifestações paranormais são naturais epodem ser explicadas cientificamente — mas, como se sabe, não nos termos restritos daciência materialista, que, aliás, os físicos nucleares provaram ser duvidosa.

    Não: até onde seja possível afirmar que uma Sociedade, que inclui um conjunto tãodiverso de pessoas, possui uma identidade como grupo, quase se poderia descrevê-lacomo cética; sem dúvida alguma, como racional, como esta série mostrará. Não, porém,como racionalista. Infelizmente os racionalistas na sua ânsia de expurgar a Sociedadedos excessos religiosos e ocultistas, falharam repetidas vezes ao estabelecer umadistinção entre as superstições e os fenômenos observados que as produziram, o que oslevou a cometerem erros, recusando-se, por exemplo, a aceitar a existência demeteoritos, por causa da sua associação com os raios e trovões de Júpiter. E, até hoje,não hesitam em tropeçar em falso, quando

    * Percepção extra-sensorial.

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    defendem dogmas tão rígidos e tão infundados quanto os de qualquer instituiçãoreligiosa. Ainda que não sirva para mais nada, esta série pelo menos terá tido o méritode mostrar o nível de racionalidade — usando-se este termo no seu sentido próprio —com que os autores examinam e apresentam as provas.

    A experiência de abandonar nossos corpos e fazer uma visita a um lugar distante nosé familiar; é o que fazemos incessantemente em sonhos e em fantasias. Mas algumas

    pessoas casualmente, outras com bastante freqüência, têm a impressão verdadeira deque deixam seus corpos, podendo até se lembrar de algum fato que parece confirmarque estiveram realmente “fora do corpo”.

    A crença neste fenômeno existe há muito tempo. Em comunidades tribais,acreditava-se que o xamã, feiticeiro ou curandeiro, era capaz de viajar dessa forma: suacapacidade para fazê-lo era, de fato, uma das qualificações básicas exigidas para afunção, já que a tribo poderia precisar dele para inspecionar a localidade à procura decaça (ou de inimigos) ou para visitar os deuses da floresta a fim de descobrir seustesouros ocultos. Era freqüente ouvir exploradores que voltavam à civilização contarcomo um xamã entrara num transe temporário e, depois, ao sair dele, descrevera o quetinha visto num outro acampamento: às vezes sua descrição correspondia à realidade, talcomo o explorador confirmaria mais tarde.

    Na tradição popular e na história, há também muitos relatos dessa natureza. Quandoo rei da Síria descobriu que seus planos estavam sendo passados para os israelitas esuspeitou que eles tinham um espião escondido em sua corte, um servo lhe contou que oespião era, na verdade, o profeta Elisha, que apesar de estar em Israel era capaz de ouviras conversas na câmara do rei e comunicá-las a seus chefes.

    Supunha-se, geralmente, que a alma, ou espírito, deixa o corpo para ir ao seu destino,seja onde for. Casualmente, porém, alguns indivíduos têm sido vistos em dois lugaresao mesmo tempo — “bilocação”. Talvez o mais célebre exemplo seja o episódio em queAlfonso Liguori, fundador da Ordem Redentorista, caiu em transe quando celebrava amissa em Amalfi; ao voltar ao estado normal, contou à congregação de fiéis que estiverano leito de morte do papa Clemente XIV. Não deram muita importância ao fato, até que,alguns dias mais tarde, pessoas que haviam estado com o papa informaram que Luguoriestivera lá e conduzira as orações pelo moribundo.

    Durante o século XIX, os pesquisadores do estado de transe hipnótico encontraramcasualmente sujeitos que, enquanto estavam sob suges-

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    tão, pareciam ser capazes de ir aonde quer que o hipnotizador sugerisse e descrever oque viam ali. Muitos casos do que passou a ser descrito como “clarividência à distância”foram relatados e alguns realmente comprovados. Mas tais pessoas viajavam deverdade? Seria a explicação um caso de simples clarividência, ou poderiam osdepoimentos ser atribuídos a uma imaginação excessivamente empolgada? Com aexpansão do ceticismo e do materialismo, cientistas ortodoxos empenharam-se em

    rejeitar as evidências como se baseadas em equívoco, por vezes associado à fraude. Atémesmo os próprios pesquisadores de fenômenos mediúnicos da incipiente SPP* encaravam a clarividência à distância — na verdade, qualquer tipo de clarividência,diferente da telepatia — com desconfiança.

    No entanto, continuava-se a ter informação de casos individuais do que se tornou,desde então, conhecido como experiências fora do corpo ou EFCs. Recentemente, elastêm sido submetidas a exame mais compreensivo, mas também mais rigoroso. Parecemser comuns — mais comuns do que geralmente se pensava. E tão numerosos são osregistros de casos de EFCs, que sua existência não pode mais ser seriamente contestada.Ficam, porém, as indagações: é possível explicá-las nos termos da psicologiaconvencional e incluí-las em categorias como a dos sonhos, por exemplo, ou a dasalucinações? Ou deve-se recorrer à parapsicologia?

    Existe uma tendência para se considerar as EFCs como paranormais em si mesmas;mas o fato de que algumas pessoas que as tenham experimentado viram algo que estavaacontecendo num outro lugar, simplesmente não classifica as EFCs como paranormais,assim como o fato de algumas pessoas terem sonhado com eventos futuros não colocaos sonhos na categoria paranormal. Susan Blackmore examinou com imparcialidade asprincipais fontes de informação e tirou suas próprias conclusões. Alguns membros daSPP não concordarão com elas; mas estou certo de que reconhecerão que, pela ênfase daautora na pesquisa objetiva e na cuidadosa seleção das provas, este seu livro segue atradição iniciada e desenvolvida pelos fundadores da SPP.

     Brian Inglis

    * Sociedade para Pesquisas Psíquicas.

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    1 INTRODUÇÃO

    Uma experiência fora do corpo (EFC) pode ser inicialmente definida como umaexperiência em que uma pessoa tem a impressão de perceber o mundo de uma posiçãofora de seu corpo físico. A definição parece bastante simples até que seja mais bemexaminada. Temos, normalmente, a impressão de perceber o mundo do interior donosso corpo e, nesse caso, então, temos uma experiência dentro do corpo? Quandoimaginamos uma cena distante ou sonhamos estar sobrevoando lugares longínquos, issoé considerado como uma EFC? Talvez não se trate de perceber “o mundo”, mas algummundo imaginário; porém, onde se situa o limite entre a imaginação e a percepção?Levantarei inúmeras questões do gênero neste livro; na verdade, mais perguntas do querespostas; mas talvez o melhor ponto de partida seja a própria experiência.

    Tive a intenção de começar o livro com um exemplo fictício de EFC, escolhendo

    provavelmente algum que apresentasse aquelas características que eu queria ilustrarcom toda a clareza. Diverti-me com várias idéias, com vontade de que a história fosseinstrutiva, mas não insólita, até que finalmente decidi que seria melhor começar, comocomecei, pela minha própria experiência. Afinal de contas, essa foi a primeira coisa queme obrigou a levantar todas essas perguntas de que trata o presente livro. Portanto,pedindo desculpas pelo egocentrismo, vou descrever minha primeira EFC.

    Aconteceu há uns dez anos, no meu primeiro período letivo na universidade. Eu jáestava interessada na pesquisa sobre fenômenos para-

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    normais e tentara entrar para a Sociedade de Pesquisas Psíquicas da Universidade deOxford. Contudo, logo descobri que dela restava apenas um único membro; porconseguinte, com a ajuda dele, eu a restabeleci e pesquisei durante os três anosseguintes. No primeiro período letivo, comecei a aprender teosofia, espiritismo, taro ecabala pela primeira vez, e li um pouco sobre a teoria da “projeção astral”.

    Certa noite, com um pequeno grupo de amigos, fizemos uma sessão mediúnica com a

    ouija*

      na sala de aula da faculdade. Éramos um grupo de quatro ou cinco pessoassentadas em volta da mesa, com os dedos colocados sobre um copo emborcado, nocentro de um círculo formado de letras: uma atividade que eu não recomendaria aninguém. Ficar com o braço estendido durante três horas, tentando se comunicar com“entidades” ignorantes ou barulhentas e sentindo-se responsável pelos outros, numaatmosfera bastante carregada e tensa, é uma coisa estafante. Por volta das 22:30, eutinha muito mais vontade de dormir do que ir ao quarto de uma amiga para fumar. Mas

     já havia prometido ir, prevendo o prazer de fumar um cigarro de haxixe e encerrar anoite de uma maneira agradável. Decidi ir e ficar só meia hora e, assim, na companhiade Kevin subi para o quarto de Vicki.

    Tanto quanto consigo me lembrar, não houve nada de extraordinário, a não ser queeu estava terrivelmente cansada. Vicki pôs um disco na vitrola e foi fazer um café,

    enquanto fiquei sentada no chão, com as pernas cruzadas. Desliguei-me um pouco daconversa, sentindo-me sonolenta e me indagando se teria forças para voltar ao meuquarto e dormir. Fumei um pouco do cigano de haxixe que me ofereceram, muito menosdo que costumava, e por não me sentir muito bem, recusei fumar mais.

    Enquanto estava sentada ouvindo música, as vozes de meus amigos pareciamdistantes. Quando pensava no meu próprio corpo, tinha a sensação de que ele sedespregara do soalho e parecia flutuar um tanto vagamente, como se estivesse cercadopor uma névoa de algodão. Sob o efeito do cansaço, minha mente acompanhava amúsica, como se estivesse entrando numa alameda arborizada, ao longo da qual memovia num tropel como que dirigindo uma carruagem puxada por vários cavalos, só queeu estava muito rente do solo. Embaixo e bem perto de mim, havia folhas caídas dasárvores outonais, turbilhonadas pelas rodas e cascos. Em cima e realmente ao redor,havia folhas matizadas, imóveis nos galhos. A visão

    * Marca comercial de uma tábua com alfabeto para comunicações mediúnicas (N. do T.).

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    geral se assemelhava a um túnel arborizado, por onde eu passava com estrondo. Tenteiretratar esta cena na Ilustração 1.

    Eu teria esquecido este fragmento de devaneio, não fosse pelo fato de que vez ououtra um trecho da cena me vem à memória com impressionante nitidez. A cena pareciatão real, não, mais real do que pareceria se eu tivesse olhado para ela com os olhosabertos. Esses relances duravam pouco, mas eram muito surpreendentes.

    Ao mesmo tempo em que passava por esta experiência, eu estava consciente de ouvirVicki perguntar se eu queria café. Kevin respondeu, mas eu não: observava o fato comose não me dissesse respeito. Vicki passou pertinho de mim e foi para a cozinha. Coube aKevin o mérito de me ter introduzido e ajudado no estágio seguinte. Muitoinesperadamente, nem sei por que motivo, ele me perguntou: “Onde está você, Sue?”Esta simples pergunta me deixou desconcertada. Refleti, fazendo esforço pararesponder; vi o caminho e as folhas, tentei divisar meu próprio corpo e, então, foi que ovi realmente. Ele estava embaixo de mim. As palavras saíram num grito: “Estou noteto.” Um tanto surpresa, olhei para baixo e vi a boca — a minha boca — abrir e fechar;fiquei impressionada com o seu autocontrole.

    Kevin não demonstrou o menor espanto diante dessa afirmação e continuou mecrivando de perguntas: Como é que era lá em cima? O que eu podia ver? Quem era

    “eu”? Consumi toda a minha energia e concentração tentando responder às suasperguntas. Não havia tempo para sentir medo, nem tampouco para pensar no insólitoestado em que me encontrava. Desconfio que foi por isso e por causa do meu extremocansaço que não fiquei alarmada na hora e nem “retornei”.

    Enquanto elaborava respostas, a boca embaixo respondia. Parecia ter toda acompetência para dizer o que eu queria que ela dissesse, de modo que logo a deixei agirpor conta própria, procurando me concentrar na experiência. Do teto, eu podia ter umavisão bastante nítida do quarto. Enxerguei tudo: a mesa, as cadeiras, a janela, meusamigos e eu mesma, lá de cima. Em seguida, vi um fio ou cordão prateado, de brilhotênue e movimento suave, estendendo-se do pescoço do meu corpo lá embaixo até maisou menos à altura do umbigo do corpo duplicado em cima. Achei que seria divertidofazer com que ele se mexesse. Estendi a mão e, nesse exato momento, aprendi minhaprimeira lição: não precisava usar a mão para movimentar o cordão; bastava apenaspensar para que ele se movesse. Além do mais, podia escolher ter ou não quantas mãosquisesse. Foi assim que aprendi um pouco sobre como agir neste mundo de reaçõesmentais.

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    Só muito depois é que fiquei sabendo que não precisava do cordão nem do corpoduplicado e, quando compreendi este fato, ambos se evaporaram.

    Animada, deixei o quarto e, atravessando as paredes, eu e meu cordão passamos peloandar superior e chegamos ao teto com facilidade. Notei claramente que os tetos tinhamcor vermelha e divisei uma fila de chaminés, antes de voar para lugares mais distantes.Agora, o que acho particularmente interessante é que constatei, na manhã seguinte, que

    não havia chaminés naquele lugar e que devo ter-me enganado a respeito de ondeestivera, pois passei através de um outro andar.Os detalhes de minha viagem são menos interessantes. Visitei Paris e Nova York e

    sobrevoei a América do Sul. Todos esses lugares eram como eu poderia tê-losimaginado, e nem eu nem os outros tivemos a idéia de indagar sobre detalhes queprovavelmente eu não conhecia ou sequer adivinhava. Seja como for, deve-se destacaralguns fatos interessantes. No Mediterrâneo, visitei “uma ilha em forma de estrela, com100 árvores”. Achei na ocasião, e ainda acho, que essa ilha se parecia muito mais com aidéia que alguém faz de uma ilha, do que com a visão real que dela tem um observadornormal. Diverti-me mergulhando na escuridão das árvores e, depois, subindo no arcomo um grande disco achatado. Boiei no mar, balançando com o movimentodesconfortável das ondas, e fiz um esforço inútil para escalar um penhasco que

    desmoronava. Durante todo o tempo o “eu” físico ficou descrevendo estes fatos, numexcitado e rápido monólogo, interrompido por ocasionais perguntas de meus doisamigos.

    Voltei duas vezes ao quarto. A primeira vez abri os olhos para saber que horas erame verificar se tudo estava bem, mas isso exigiu de mim um grande esforço e prefericontinuar minhas viagens. A segunda vez retornei ao quarto sem dificuldade, mas agoratoda a aparência de normalidade, tão clara no início, tinha desaparecido. Meu corposentou-se no mesmo soa-lho, mas estava sem cabeça. No entanto, não fiquei com medoe, sem perder tempo, comecei pelo pescoço adentro a explorar o corpo vazio. Era umacoisa estranha, pois meus conhecimentos de anatomia me levaram a esperar por algodiferente de uma concha oca. A exploração dessa fascinante interioridade me fez chegara um tipo de experiência completamente diferente. Percebi que eu era muito pequenapara caber dentro do meu próprio corpo, de modo que tentei me imaginar maior. Essatentativa ultrapassou os limites esperados e me vi crescendo sem parar, como na históriade Alice no país das maravilhas. Com dificuldade cada vez maior, abarquei o prédio dafaculdade, a terra embaixo e o céu em cima,

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    o planeta inteiro, todo o sistema solar e, finalmente, o que deduzi ser o universo, oumelhor, aquilo que meu limitado conhecimento de cosmologia entendia por universo —embora eu pudesse estar enganada.

    Não vou descrever esta experiência detalhadamente; direi apenas que, tendo atingidoaquele tamanho, fiz um extremo esforço com a ajuda e o estímulo de Kevin e vi que atémesmo aqui, no limite desse universo, havia muito mais. Tive o relance de um outro

    lugar. Prefiro descrever este estágio final como uma experiência religiosa, e não comouma experiência fora do corpo. Daquele lugar meus esforços insignificantes estavamsendo observados com benevolência e graça, enquanto eu continuava repetindo paramim mesma que “por mais longe que se chegue, há sempre algo além”.

    Fui obrigada, porém, a retornar. Eu já sentia cansaço quando começara e agora,depois de duas horas, estava exausta. Tive não só que me encolher para voltar aotamanho normal, mas também que me readaptar ao fato de ter um corpo físico. Forcei-me a permanecer num só ponto, a olhar de um único ângulo e a levar esse corpo pesado

     junto comigo aonde quer que eu fosse. O processo não era apenas lento, como tambémum tanto desanimador. Não obstante, foi finalmente concluído. Senti-me mais ou menosajustada ao meu corpo. Pude abrir os olhos de novo e ver o mundo assim sem muitotranstorno, além de ser capaz de mover meu corpo. A essa altura, já passava de uma

    hora da manhã. A experiência toda durara quase três horas e fora testemunhada — pelomenos, foi o que me disseram — por duas pessoas. Passei a noite em claro, mas depoisde dois dias me sentindo evidentemente insegura, voltei ao normal.

    É desnecessário dizer que essa experiência me causou uma profunda impressão. Omais importante de tudo foi que me forçou a fazer muitas perguntas que pareciam nãoter respostas fáceis. De fato, após dez anos de pesquisas, essas perguntas continuam anão obter uma resposta fácil. Todavia, é para elas que este livro está voltado.

    Pois bem, que perguntas são essas? As que me ocorreram naquela época são muitodiferentes das que faço agora. A exemplo de tantas outras pessoas que tiveram EFCs,também tirei conclusões precipitadas na ocasião. Pensei logo: “Isto demonstra que ‘eu’posso agir sem meu corpo físico e ver sem o auxílio de meus olhos. É óbvio, então, queposso sobreviver à morte desse corpo. Possuo um outro corpo imortal; a morte nãoexiste; não sinto mais medo de morrer.” São comuns afirmações deste tipo após EFCsespontâneas, mas é possível que se baseiem mais na emoção do que na razão.

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    Alguns dias depois de minha experiência, assim que me senti capaz, sentei-me paraescrever um relato do que acontecera para não esquecer. O pensamento lógico começoua prevalecer e me pus a reavaliar aquelas conclusões apressadas. Em primeiro lugar, eunão estava agindo sem o meu corpo físico. Parecia que eu estava num lugar diferente docorpo, mas não há dúvida de que ele estava funcionando perfeitamente. Podia ser queestivesse cansado, mas não estava morto. Ele se sentava, movia e conversava. Portanto,

    não há motivo para concluir que uma experiência desse tipo pudesse ocorrer sem umcorpo em funcionamento. Mais adiante, discutirei casos de EFCs em que o corpo físicose encontrava ou à beira da morte ou em estado grave; outra questão interessante é saberse uma EFC pode acontecer quando há pouca ou nenhuma atividade cerebral. Porém, nomeu caso particular, assim como na maioria dos outros, é claro que tanto o corpo quantoo cérebro estavam perfeitamente aptos para realizar qualquer atividade normal.Quaisquer conclusões que se tire a respeito do funcionamento autônomo da “mente” oua respeito da sobrevivência após a morte física parecem, por conseguinte,completamente injustificadas.

    O mesmo se diga em relação à hipótese de que temos um segundo corpo. Logo noinício de minha experiência, o corpo duplicado parecia muito real, mas suastransformações subseqüentes me levaram a concluir que ele não passava de um fruto da

    minha própria imaginação. Sinto-me muito feliz por ter tido uma experiência tão longa erica assim, que me permitiu descobrir estas coisas empiricamente. Mas, seja lá comofor, encarando a questão com objetividade, é evidente que, por mais “real” queparecessem ser o corpo, o fio de prata e todo o resto, existe sempre a possibilidade deque tenham sido imaginados, e nem mesmo o acúmulo de tais experiências constituiprova de que temos um segundo corpo.

    Quanto à capacidade de ver sem os olhos, talvez aqui surja a questão mais intrigantee difícil. Em que sentido estava eu “vendo” durante esta EFC? Será que “vi” realmenteas chaminés que imaginara haver no telhado? Se eu tivesse visto algo cuja existênciadesconhecia e, posteriormente, verificado que o que vi existia de fato, minhasconclusões poderiam ter sido diferentes. Tratarei detalhadamente desses casos nodecorrer deste livro. Mas, no que diz respeito à minha experiência pessoal, não obtiveindício algum de que podia “ver” alguma coisa sem a ajuda dos meus olhos.

    O que estava vendo, então? Em que consiste o mundo da EFC? É possível que algunsleitores estejam ficando impacientes com esse questionamento todo e insistam para queeu aceite este fato evidente por si mesmo: que possuímos um segundo corpo, capaz deviajar fora de nossos

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    corpos físicos. Para eles, no entanto, a questão de saber aonde ele vai se toma a maispremente de todas. Não é fácil responder. Será que viajei pelo mundo concreto e real?Se assim for, esse mundo parecia estranhamente distorcido e até mesmo imperfeito. Ouserá que estive viajando dentro de um mundo criado pelo pensamento, como aquela ilhaem forma de estrela, com cem árvores, poderia sugerir: uma espécie de mundo deassociações mentais? Algumas teorias esotéricas implicam tal conceito. Ou podia ser

    que minha imaginação tivesse criado toda a experiência? Certas teorias psicológicassobre a EFC preferem esta versão; mas, nesse caso, o que fazer diante das numerosasreclamações de pessoas que afirmam terem obtido informações, durante EFCs, que nãosão possíveis de conseguir normalmente? De que forma podem ser explicadas?

    Outra questão em que estou pessoalmente empenhada em responder consiste emsaber  por quê, afinal, a coisa aconteceu. Terá sido, de alguma forma, planejada pormim, como me pareceu então, ou foi apenas conseqüência do cansaço, entremeado como uso de tábua ouija ou com os efeitos da droga? Eu já tinha fumado muita maconhaantes daquela experiência e usado outros tipos de droga, sem jamais sentir qualquercoisa remotamente comparável. Parece improvável, portanto, que, por si só, a drogapudesse ser responsabilizada, apesar de achar que possa ter contribuído para prolongar aexperiência e evitar que eu tivesse medo. O que, então, a desencadeou? Aliás, o que

    geralmente desencadeia tais experiências? Pode-se aprender a tê-las por vontadeprópria? Enfim, por que a experiência tomou aquela forma? Por que o cordão prateado?Foi só porque eu havia lido um texto sobre projeção astral? Ou há alguma outra razãopara estas peculiaridades? Farei o melhor possível para resolver todos estes enigmas nodecurso deste livro.

    Um exame crítico das minhas conclusões iniciais levou-me, como se pode ver, arejeitar a maior parte delas por falta de comprovação e a substituí-las por uma série deperguntas. Contudo, houve uma transformação: perdi o medo da morte. Conforme severá, existe indício de que este tipo de experiência, às vezes, precede a morte. Se eutivesse morrido no decorrer dela, se a morte significa ou não destruição total, acho quenão me importaria nem um pouco. Já que o temor é uma coisa subjetiva, posso afirmarcom segurança que a experiência reduziu meu medo da morte.

    De mais a mais, conclusões apressadas não são confiáveis. Assim, o que se podeaprender, tendo em vista este ou qualquer outro caso de EFC? Meu primeiro impulso éperguntar: “O que aconteceu? E o que significa tudo isso?” Receio, porém, não serpossível que estas indagações

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    tragam respostas satisfatórias, de modo que pretendo formular perguntas mais claras, nomeu entender, para as quais existe chance de se obter respostas.

    Para maior clareza, elas podem ser divididas em duas categorias. A primeira dizrespeito aos fatos da EFC; a segunda, às explicações e às teorias. Eis a primeira:

    1. Tiveram outras pessoas experiências análogas? Em caso afirmativo, como eram?2. Até que ponto são comuns essas experiências?3. Que pessoas afirmam tê-las e em que circunstâncias?4. Podem tais experiências serem induzidas por vontade própria e controladas?5. Possuem as EFCs semelhança com outros tipos de experiência, como os sonhos e as

    alucinações?6. Há indícios de que as pessoas podem ver coisas que não conhecem (isto é, podem usar PES)

    durante as EFCs?7. Há provas da existência de algum “duplo”?

    É óbvio que cada um destes itens inclui uma porção de outros; mas tenho certeza deque se conseguíssemos achar respostas, ainda que parciais, para alguns deles, estaríamosnuma posição mais confortável para começar a responder o segundo, e maiscomplicado, tipo de questões:

    1. Que teorias foram propostas para elucidar a EFC e quais são as mais adequadas?2. Qual a melhor explicação para a EFC?

    Embora tenha dividido questões como essas em empíricas e teóricas, é evidente queos dois tipos não têm uma distinção nítida. Só se pode agrupar fatos dentro do contextode teorias; os depoimentos de pessoas comuns podem estar seriamente comprometidospelas crenças vigentes ou pelas suas concepções religiosas ou filosóficas. Por outrolado, só se podem testar e desenvolver teorias em relação aos fatos e de acordo com avisão que se tem deles na época. Por conseguinte, cada questão terá, necessariamente,de ser discutida em relação às outras.

    Não obstante, existe algum valor nesta distinção. Depois de ter reunido todas asinformações disponíveis, posso então fazer a mais difícil das perguntas. Há algum meiosatisfatório de esclarecer a EFC? Pessoalmente, meu objetivo é poder compreender oque aconteceu naquelas poucas horas, há dez anos. Espero, contudo, que minhasdescobertas possam ser úteis para os outros. Muitas pessoas passaram por experiênciasanálogas.

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    Algumas estão preocupadas ou confusas e querem compartilhar suas experiências oudescobrir mais a respeito delas. Com este intuito, muitos recorrem à Sociedade paraPesquisas Psíquicas em busca de ajuda. A SPP está investigando essas e outrosexperiências, há 100 anos e deve, a esta altura, estar capacitada para fornecer algumasdas respostas. Neste livro darei uma visão geral do que a SPP e outros aprenderamnestes 100 anos.

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    2 COMO DEFINIR A EFC

    Uma questão é fácil de responder: eu estava sozinha em minha experiência. Muitasoutras pessoas passaram por experiências semelhantes e parece que as EFCs podemocorrer com qualquer um em quase todas as circunstâncias. Eis um exemplo muitosimples, colhido por mim mesma:

    Atravessei a estrada e entrei numa floresta bastante iluminada. Minha visão começou a ficarturva e, cinco ou dez segundos depois, só conseguia enxergar a uma distância bem pequena; oresto era “névoa”.

    De repente minha vista clareou: eu estava olhando para as minhas costas e pés, de uma posiçãorecuada dois metros e meio ou três metros e meio do meu próprio corpo, e a cerca de trinta e cincocentímetros acima dele. Meu corpo físico não possuía visão nem os outros sentidos; eraexatamente como se eu estivesse andando atrás de alguém, só que esse alguém era eu mesma...

    Afirmo ser esta uma EFC porque se ajusta à minha definição precedente, mas antesde examinar mais a fundo essa definição e suas implicações, gostaria de consideraralguns outros fenômenos que não chamaria de EFCs. Existem, por exemplo, narrativaspopulares de bilocação e tradições de duplos. E existem, também, experiências místicase religiosas, e visões ou “viagens” provocadas por drogas. Serão essas experiências dotipo das EFCs? Nesse caso, como podemos ter certeza? Definindo a EFC como umaexperiência em que alguém tem a impressão de perceber o mundo de um ponto fora docorpo físico. Conseqüentemente, se não ocorrer essa experiência, então o fenômeno nãoé uma EFC. Esta distinção, porém, é apropriada e pode ser aplicada em qualquerocasião?

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    Para tentar responder a algumas dessas questões vamos dar uma olhada nosfenômenos narrados. Grande parte deles envolve vários tipos de duplos. A idéia de quenós todos temos um duplo, aparentemente se origina de uma EFC. Se você tem aimpressão de estar saindo de seu corpo físico e observando coisas do lado de fora dele,então é natural supor que, pelo menos temporariamente, você possui um duplo.Também parece óbvio que esse duplo possa ver, ouvir, pensar e se mover.

    Esta idéia não é, necessariamente, verdadeira. Como Palmer (110b) assinalou commuita exatidão, a experiência de estar fora do corpo não corresponde ao  fato de estarfora dele. Analogamente, a experiência de possuir um duplo não corresponde ao fato deexistir um duplo que vê, pensa e se move. Entretanto, a idéia toda do duplo estáintimamente ligada à EFC e uma das mais importantes questões que tentarei responder ésaber se algum tipo de duplo abandona o corpo numa EFC.

    A noção de um duplo humano tem uma longa e pitoresca história. Platão nos dá umaversão primitiva da idéia. Assim como muitos, antes e depois dele, Platão acreditavaque o que vemos nesta vida é apenas um vago reflexo daquilo que o espírito poderia verse fosse libertado do suporte físico. Aprisionado dentro de um grosseiro corpo físico, oespírito é limitado; separado desse corpo, seria capaz de se comunicar diretamente comos espíritos dos mortos e ver as coisas com mais clareza. Na verdadeira Terra, antes no

    aither do que no ar, tudo é mais claro e transparente, mais saudável e feliz. Neste meiomais puro, aqueles que se libertaram de seus corpos vivem em estado de graça e vêemcom a verdadeira visão. Apesar de esta idéia estar em desacordo com tudo o quesabemos acerca da psicologia da visão, é provável que haja muitos que preferem pensarassim hoje em dia.

    Outra idéia que pode derivar dos gregos é a de que temos um segundo corpo. Mead(90), um estudioso dos clássicos, reconstituiu, em seu texto de 1919, “a doutrina docorpo sutil” que percorre a tradição ocidental. Outros corpos manifestam-se sob muitasformas diferentes e há versões que falam da existência de até sete ou mais corposdiferentes. Se não é o corpo físico, mas o espírito ou algum corpo sutil que vê, conclui-se, então, que o espírito seria capaz de ver melhor sem seu corpo. Aristóteles ensinavaque o espírito podia abandonar o corpo e era capaz de se comunicar com outrosespíritos, enquanto Plotino sustentava a idéia de que todas as almas eram separáveis deseus corpos físicos.

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    Talvez a idéia mais difundida a respeito de outros corpos seja a de que na mortedeixamos nosso corpo físico e assumimos uma forma mais sutil ou mais elevada. Esteconceito está enraizado não só no pensamento grego e em grande parte da filosofiaposterior, mas também em muitos ensinamentos religiosos. Os antigos egípciosdescreviam vários outros corpos, entre eles o ba, ou alma, e o Ka, que se assemelhavaao corpo físico e ficava perto dele na morte (ver Ilustração 2).

    Algumas religiões orientais incluem uma doutrina específica sobre as formas ehabilidades dos outros corpos e sobre a natureza dos outros mundos, ao passo que nocristianismo há referências a um corpo espiritual. Algumas obras religiosas podem servistas como uma preparação da alma para a sua transição na morte, como por exemplo o

     Bardo Thodol, O livro tibetano dos mortos  (37), ou o  Ars Moriendi, sobre a arte outécnica de morrer (23). Rogo (124a) descreve relevantes ensinamentos no budismotibetano, outros consideram conceitos relativos com mais profundidade, mas terei de merestringir às idéias que concernem mais diretamente à EFC.

    Uma dessas deriva dos ensinamentos da teosofia. Dentro de um esquema queenvolve vários planos e vários corpos, a EFC é interpretada como uma projeção do“corpo astral” a partir do corpo físico. Devido ao fato de que essa idéia tem exercidotanta influência, discuti-la-ei detalhadamente no capítulo seguinte. Por enquanto, devo

    apenas assinalar que, como todos os esquemas que incluem duplos, este é apenas umdos meios de interpretar a EFC.

    A idéia de que temos um duplo também aparece na mitologia popular. Os contosnoruegueses falam do vardf Øer , a reprodução de uma pessoa que pode chegar ao seudestino antes dela. O tàslach escocês é também uma espécie de aviso da aproximaçãodo viajante e pode chegar a uma casa, bater à porta e entrar muito antes que a versãoreal tenha chegado lá. Em Cumberland, tais aparições de pessoas vivas eram chamadasde swarths e representavam um outro eu que acompanha cada pessoa, mas só pode servisto por aqueles que possuem uma “segunda visão “. Nesse caso estão os antigos  fetch ingleses e os  Doppelgünger   alemães, ambos duplos ou aparições de pessoas vivas. Éfreqüente terem esses duplos implicações maléficas ou estarem associados ao ladosombrio do homem, lado este retratado tão brilhantemente nas histórias do Dr. Jekyll edo Sr. Hyde, ou de Dorian Gray. Costuma-se, porém, crer que sejam totalmenteinofensivos.

    Ao que parece, esses fenômenos têm relação com a EFC à medida que envolvem umduplo, mas a semelhança acaba aí. Nos contos tradicionais de aparições e espectros, oduplo costuma ser uma espécie de auto-

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    mato inconsciente, cujo “dono” nem precisa saber que ele foi visto. Por exemplo: semeu fantasma tivesse de chegar ao bar antes de mim, eu não estaria consciente do fato.Eu poderia aparecer mais tarde e descobrir que ele já pedira uma caneca de cerveja euma porção de salgadinhos e que o garçom estava esperando que ele pagasse a conta.Certamente, não se trata aqui de uma EFC, comparável de algum modo àquelas que jádescrevemos. Nas EFCs, a característica decisiva é a experiência em que se tem a

    impressão de deixar o corpo e na qual o duplo se toma o mais real dos dois. Emcontrapartida, o espectro ou aparição não passa de uma concha vazia.Encontra-se a mesma diferenciação na experiência de autoscopia. Aristóteles contou

    a história de um homem chamado Antiferon que um dia estava dando um passeio,quando se viu frente a frente com um reflexo de si mesmo, vindo em sua direção.Dostoievski escreve, em O sósia, sobre um homem que certo dia encontrou seu próprioduplo sentado e trabalhando em sua escrivaninha. O fato de que quase todo mundo écapaz de perceber o terror de uma tal experiência indica o vigor da história. Mas elatoca numa verdade profunda e pouco compreendida, de que temos um duplo, ou refleteum temor muito real, que não se baseia, porém, numa dualidade correspondente? Essasexperiências, de ver o próprio duplo, são chamadas de “autoscopia” ou alucinaçõesautoscópicas. Voltaremos a encontrá-las relacionadas com a psicopatologia (ver

    Capítulo 15), mas ainda aqui o duplo não é a pessoa “real” ou consciente. É visto comoum outro eu, porém o eu original continua a parecer o mais real. Na EFC é o “outro”que parece ser o mais vivo.

    Conta-se que, na quinta-feira santa do ano de 1226, Santo Antônio de Páduaajoelhou-se para rezar na igreja de St. Pierre du Queyrrix, em Limoges, cobriu a cabeçacom o capuz e, no mesmo instante, ele apareceu do outro lado da cidade, em outracerimônia religiosa (8a). Outra célebre lenda é a de Alfonso Liguori, que perdeu aconsciência quando se preparava para celebrar uma missa em 1774. Ao recobrar ossentidos, disse aos presentes que estivera no leito de morte do papa Clemente XIV, emRoma, que ficava a quatro dias de viagem. Posteriormente, chegaram notícias não só deque o papa havia morrido, como também de que os que o assistiam em seu leito demorte tinham visto e conversado com o santo e participado das orações que eleconduzira (97b).

    Existem, também, histórias mais modernas de bilocação. Na década de 1840, umaprofessora chamada Mile. Emile Sagée, de 32 anos de idade, foi demitida de seu décimonono emprego. As alunas na escola

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    viram duas Mlle. Sagée lado a lado, no quadro-negro, duas na hora do jantar e outrasduas realizando atividades totalmente distintas em volta da escola. Quando os paiscomeçaram a retirar suas filhas da escola, a diretoria decidiu despedir Mile. Sagée(135).

    Ainda mais recentemente, Osis e Haraldsson (104a) viajaram para a India a fim deinvestigar rumores de que os swamis Satya Sai Baba e Dadaji tinham aparecido em dois

    lugares diferentes ao mesmo tempo. Num dos casos, Dadaji estava sozinho numa salade orações, enquanto seus adeptos cantavam numa outra sala. Quando saiu, Dadajipediu a uma das mulheres ali presentes que perguntasse à nora dela em Calcutá se eletinha sido visto lá. Naquela hora, toda a família Mukherjee havia visto Dadaji. Eleaparecera no estúdio deles e indicara silenciosamente que queria chá, tendo-lhe a filhada casa trazido chá com biscoitos. Depois, ele sumiu da casa, deixando a comida e abebida pela metade, além de um cigarro ainda aceso. É claro que a história foi contadaalgum tempo depois de ter acontecido e, assim como as lendas anteriores, pode serquestionada. É interessante, porém, fazer uma comparação com EFCs. Podia ser que oswami tivesse tido uma visão alucinatória ou que ela tivesse sido causada por PES; elepodia tê-la “encenado” para sua própria reputação, ou a sua experiência podia coincidircom uma EFC. Osis e Haraldsson preferem esta última interpretação. Mas, conforme

    veremos, são raras as ações materiais em EFCs e nenhuma pessoa “fora do corpo” jamais afirmou ter bebido sequer uma xícara de chá.

    Também relacionados com EFCs estão os fenômenos de clarividência à distância, deprojeção de PES e o de “visão remota”, mais recente. O termo “clarividência àdistância”, mais antigo, era usado para descrever uma forma de clarividência na qual ummédium ou sensitivo parecia perceber um lugar distante. Vários videntes famosos foramtestados nesta habilidade durante o século passado, coletando-se uma considerávelquantidade de provas a respeito da exatidão do que viram (ver como exemplo o item 42da Bibliografia). A nosso ver, o problema aí é que a “clarividência à distância” incluíatanto EFCs como experiências em que o vidente “percebia” a cena distante (ou mesmouma cena que se passava num outro tempo), mas sem abandonar o corpo. Na“clarividência à distância” e na “projeção de PES”, pressupõe-se a ocorrência de PES,mas não a experiência de deixar o corpo. Uma vez que estou interessada nesta última,evitei usar esses termos, sempre que possível.

    Visão remota é uma expressão muito mais recente e mais bem-definida; descreveuma técnica desenvolvida por dois cientistas, Russel Targ e

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    Harold Puthoff, no Instituto de Pesquisas de Stanford, da Califórnia (145). Suacaracterística consiste em o paciente descrever ou desenhar as impressões de um lugar,enquanto um “experimentador itinerante” visita um dos vários locais distantes,selecionados aleatoriamente. Posteriormente, as descrições e os locais são confrontados,ou pelo paciente ou por um árbitro imparcial. Tem-se afirmado que as descrições sãoextremamente precisas algumas vezes e que, em muitos estudos, a maioria dos locais foi

    corretamente comparada com as descrições, embora tenha havido muita controvérsiasobre alguns dos resultados (87). Menciono visão remota, pois ela tem sidofreqüentemente comparada com EFCs. De vez em quando, utilizam-se pacientes quepodem ter EFCs. Ingo Swann, de quem ouviremos falar muito nos capítulos seguintes,foi um dos primeiros a serem testados na pesquisa sobre visão remota. Na maior partedas vezes, porém, os pacientes não possuem nenhuma experiência provável de estar forado corpo. Devido ao fato de ter definido a EFC como uma experiência, a visão remotanão se enquadraria na minha definição; conseqüentemente, não tratarei dela commaiores detalhes.

    Até agora conseguimos determinar o que constitui uma EFC pelo confronto com adefinição, mas a dificuldade aumenta no caso de outras experiências subjetivas, comopor exemplo os sonhos. Muitas pessoas argumentam que a própria EFC é algum tipo de

    sonho e que envolve apenas um duplo imaginário. Todavia, o virtual abandono do corpoe o processo consciente de percepção das coisas no momento em que estão acontecendonão são aspectos importantes de um sonho comum. Mesmo se você sonha estar emalgum lugar distante, normalmente só se lembrará disto ao despertar e, então, deimediato compreenderá que foi um sonho. Mas, e quanto aos sonhos translúcidos? Sãoaqueles em que o sonhador percebe, no ato, que está sonhando. Ele pode ficarperfeitamente consciente no sonho e, nesse caso então, a experiência se parece muitocom uma EFC. Talvez seja a mesma coisa. (Discutirei esta questão no Capítulo 11.)

    Argumenta-se que a EFC é uma alucinação e que qualquer outro corpo ou duplo é,igualmente, alucinatório. De fato, há muitas semelhanças entre alguns tipos dealucinação e algumas EFCs e, mais adiante, discutirei esse relacionamento.

    Existe uma variedade de experiências religiosas e transcendentais, entre outras, quese torna difícil separar das EFCs. Nesse tipo de experiências, as pessoas podem ter asensação de que aumentaram ou diminuíram de tamanho, tornando-se unas com ouniverso ou com Deus. Tudo é visto numa perspectiva nova, dando a impressão de ser“real”

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    pela primeira vez. É difícil estabelecer uma divisão entre uma experiência religiosa euma EFC, e qualquer divisão pode parecer artificial ou arbitrária. Uma experiência podebrotar da outra e é comum encontrar-se EFCs em inúmeras experiências religiosas (vero item 5 da Bibliografia). Mas geralmente, com a utilização da definição dada, épossível determinar se uma pessoa esteve virtualmente fora do corpo ou não. Osignificado exato da relação entre estas experiências distintas será assunto para um

    capítulo posterior.Como se pode ver, a definição da EFC como uma experiência permite que seexcluam muitos fenômenos desde o início. Talvez não seja uma definição perfeita, maspreferi usá-la neste livro como um todo. Uma de suas principais vantagens, e a razãobásica pela qual a adotei, é que não dá margem a qualquer interpretação da EFC. Podeser que haja ou não um duplo, pode ser que algo deixe ou não o corpo: a definição nãoimplica nenhuma dessas possibilidades.

    As conseqüências deste fato são importantes. Em primeiro lugar, já que a EFC é umaexperiência, se alguém disser que teve uma EFC, temos então de acreditar em suapalavra. Não se exige prova alguma de que algo deixou o corpo. Se uma pessoaexperimentar estar fora do corpo, então, por definição, ela tem sua EFC. É concebívelque possamos, no futuro, descobrir meios de medir a EFC, ou estabelecer critérios

    exteriores para a sua avaliação, mas, por enquanto, só nos é lícito acreditar nodepoimento do indivíduo.

    Uma outra conseqüência que podemos inferir é que a EFC não se enquadra emnenhum tipo de fenômeno psíquico. Como Palmer explicou (usando uma definição umtanto diferente), “a EFC não é, virtual ou efetivamente, um fenômeno psíquico” (110b,p. 19). Esta sua afirmação tem sido, com freqüência, mal-entendida, mas o que ele diz éconseqüência natural de uma definição empírica. Uma experiência pessoal pode tomar aforma que se queira. Pode ser incrivelmente estranha, mas não é, obrigatoriamente,paranormal ou psíquica: pode não ser nada disso. Somente em relação a outrascircunstâncias externas é que uma experiência se toma psíquica, assim como quando umsonho “se concretiza”. Esta distinção é muito importante para a pesquisa sobre EFC,pois não constitui um entrave o fato de lidarmos com algo definido como “paranormal”,ou não explicável em termos normais. Estamos, isto sim; lidando com uma experiência,que tanto pode vir a ser associada à PES ou a eventos paranormais, como não. Esta éapenas uma das questões que espero esclarecer

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    no curso deste livro; e acho que começar com a definição dada aqui é começar passandoa limpo este assunto.

    Agora espero ter deixado claro o que entendo exatamente por EFC e que este livroabordará as múltiplas formas desse tipo de experiência e as tentativas para compreendê-la. Irei, então, me lançar diretamente numa das mais conhecidas tentativas de explicaçãoda EFC: a doutrina da projeção astral. Tantas experiências foram descritas dentro desta

    concepção que, para entendê-las, precisamos saber o que é “projeção astral”.

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    3 A DOUTRINA DA PROJEÇÃO ASTRAL

    Vimos que a idéia do duplo humano tem uma longa história e está intimamenteligada à EFC. Parece uma explicação superficial dizer que todos nós possuímos umduplo que pode, de quando em quando, sair do corpo físico. No entanto, assim que seadota esta idéia, aparecem os problemas e é forçoso que o sistema se torne maiscomplexo para lidar com eles. Um dos mais intrincados e, certamente, o mais influentedesses sistemas, é a teoria da projeção astral, baseada nos conceitos teosóficos. Voudescrever detalhadamente essa teoria, não porque ache que seja perfeita e útil, masporque tem sido freqüentemente usada para interpretar as EFCs.

    Em 1875, Madame Blavatsky fundou a Sociedade Teosófica em Nova York com oobjetivo de estudar a sabedoria e as religiões orientais. A partir de seus ensinamentos,

    recolhidos em viagens à Índia e a outras partes do Oriente, desenvolveu-se um sistemacomplexo que inclui descrições de outros planos de existência e de outros corpos, alémdo físico. Segundo os teosofistas, o ser humano não é apenas o resultado de seu corpofísico, mas sim uma criatura mais complexa que consiste em muitos corpos, cada qualmais perfeito e mais sutil que o outro “abaixo” dele na escala. Como ressaltava AnnieBesant (6), um dos principais expoentes da teosofia, o ser consciente ou individual deveser distinguido dos corpos que de tempos em tempos habita. Deve-se considerar oscorpos como um traje exterior que pode ser descartado para revelar o verdadeiro serinterior.

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    Embora haja variações nos detalhes, é comum afirmar que existem sele- grandesplanos e sete corpos ou veículos correspondentes. O corpo físico, material, familiar atodos nós, é o mais grosseiro de todos, mas acredita-se que haja um outro corpo,também descrito como físico, que seria o duplo etérico. Alguns textos fazem confusãoentre o corpo astral e o duplo etérico, mas na doutrina teosófica eles são claramentedistintos. A substância etérica é vista como uma extensão do físico. O corpo físico

    inferior consiste de sólidos, líquidos e gases; além disso, há quatro graus de matériaetérica. São estes que formam o duplo etérico, ou veículo de força vital, que funcionacomo uma espécie de transmissor de energia, mantendo o corpo físico comum emcontato com os corpos superiores. Esse duplo etérico está unido firmemente ao corpofísico, sendo apenas ligeiramente maior e interpenetrando-o. Afirma-se que os doisraramente se separam, só em caso de doença, por exemplo, ou na iminência de morte e,depois dela, o duplo etérico toma-se supérfluo e desaparece para sempre. Não é raroouvir dizer que a alma penada vista em cemitérios nada mais é do que o duplo etéricoabandonando o seu corpo.

    Quando a teosofia estava em crescimento ativo, no final do século passado, haviaaparentemente alguma base “científica” para esta idéia do mundo etérico. Annie Besantnos diz que onde há eletricidade deve haver o éter. Mais tarde, em 1931, um livro

    chamado On the Edge of the Etheric  [ À margem do etérico] alcançou enormepopularidade (38). Nele, Arthur Findlay defendia a idéia de que os mundos etéricosocupavam as regiões do espectro eletromagnético que não eram conhecidas nemdetectadas pela ciência da época. Com o abandono da noção do éter e com o crescenteconhecimento do eletromagnetismo, o mundo etérico acabou perdendo esses nichos.Todavia, os teosofístas continuam a discuti-lo e a afirmar que ele é visível com apenasum ligeiro aumento da visão normal.

    É provável que o seguinte na escala ascendente seja o mundo astral e seucorrespondente corpo astral. São mais puros que seus equivalentes Itéricoi e,proporcionalmente, mais difíceis de se ver. O mundo astral liste de matéria astral, emsete graus, e todos os átomos físicos possuem invólucros astrais, de forma que todos osobjetos físicos possuem uma réplica no astral. Portanto, existe uma cópia completa detudo no mundo astral; além disso, porém, há coisas no astral que não encontramequivalentes no mundo físico. Existem formas mentais criadas pelo pensamentohumano, de cor e aspecto variados. Há elementais, modelados pela mente humana eanimados por uma multidão de desejos e emoções, e outros como a legião mais ínfimade mortos que não progrediram desde

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    que deixaram o mundo físico (ver item 78 da Bibliografia). Todas essas entidades emuitas outras são utilizadas em rituais de magia (ver item 24 da Bibliografia), podendo-se criar formas mentais especialmente para realizar tarefas tais como as relacionadascom a cura, o envio de mensagens ou a obtenção de informações.

    Os teosofistas acreditam que o corpo astral seja o centro de todos esses sentidos, asede das paixões e desejos carnais e um veículo de consciência. A psicologia atual julga

    que os sentidos são sistemas físicos que levam informação para o cérebro que a processae interpreta. Não há necessidade de nenhum outro corpo sensível. Mas, de acordo comos teosofistas, o físico não produz sensibilidade alguma; ele apenas transmite a energiapara os planos superiores conscientes. Também afirmam que o astral reflete quaisquerpensamentos que incidam nele, sejam os da própria pessoa sejam os de uma outra,tornando possível a telepatia no astral.

    Neste esquema, supõe-se que os que possuem essa capacidade sejam capazes de vera natureza dos pensamentos de uma pessoa por meio de mudanças na cor e na forma docorpo astral. Envolvendo totalmente o físico, podem-se ver as cores brilhantes eintensas que compõem a aura do corpo astral, maior que o físico. Numa pessoa poucodesenvolvida, essa aura é pequena, com um contorno definido. Na pessoaespiritualizada ou com alto grau de desenvolvimento, é maior e mais definida. Dizem

    que a aura de Buda ou de Cristo podia preencher o mundo inteiro. As cores daespiritualidade são azuis-claras; as do desenvolvimento intelectual tem os matizes doamarelo; enquanto o orgulho se apresenta como vermelho-claro, o egoísmo e adepressão em tons variados de marrom e a maldade como o preto (67). É provável quetodas essas cores sejam visíveis na aura astral, indicando dessa forma ao sensitivo quetipo de pessoa ele está vendo.

    Tudo isto tem relevância especial aqui, devido ao fato de que o corpo astralprovavelmente seja capaz de se separar do físico e viajar sem ele. Visto que o astral é oveículo de consciência, é este corpo, e não o físico, que se mantém alerta, embora nemsempre transmita para o cérebro físico as reminiscências de suas viagens. Segundoconsta, durante o sono o corpo astral retira-se do corpo adormecido. Na pessoa menosevoluída, pouca coisa fica retida na memória, o corpo astral é indefinido e suas viagenslimitadas e sem objetivo; por outro lado, na pessoa treinada, o astral pode sercontrolado, percorrer grandes distâncias durante o sono e, até mesmo, ser projetado docorpo físico à vontade. É a isso que chamam de projeção astral.

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    Na projeção astral, a consciência pode viajar quase sem restrição, mas somente pelomundo astral. Portanto, ela não distingue os objetos físicos, mas sim, seus equivalentesno astral, assim como os seres que vivem no campo astral. Por causa do efeito da mentesobre o mundo astral, ele é conhecido como o “mundo da ilusão”, ou mundo dospensamentos. O viajante incauto pode acabar sendo confundido pelo poder da suaprópria imaginação. Neste estado, ele pode surgir, na forma de uma aparição, para

    qualquer pessoa que tenha a “visão astral”. Evidentemente, existe a possibilidade deaparição para outras pessoas também, mas isso já acarreta o envolvimento de matériainferior, de matéria etérica, por exemplo, como no ectoplasma.

    Um aspecto da viagem astral que ganhou importância em textos mais recentes,embora pouco apareça na teosofia original, é o cordão prateado. Afirma-se que em vidao corpo astral está ligado ao seu corpo físico por um cordão infinitamente flexível, masresistente, de uma fluida e delicada cor prateada. Em experiências espontâneas deprojeção astral, o viajante algumas vezes vê esse cordão alongando-se até o seu corpo.

    Segundo a tradição, o cordão deve permanecer conectado ou a morte sobrevirá.Normalmente, quando alguém se aproxima da morte, o corpo astral vai-se desprendendopouco a pouco, eleva-se acima do físico e então o cordão se rompe, permitindo que oscorpos superiores saiam. A morte é vista, assim, como uma forma permanente de

    projeção astral, na qual a essência do ser humano sobrevive e passa para planos maiselevados.

    Além do astral, a teosofia distingue outros cinco níveis, a saber: o mundo mental oudevânico, o búdico, o nirvânico e outros dois, tão distantes de nossa compreensão queraramente são descritos. O dever de um verdadeiro discípulo de teosofia é passar portodas estas etapas de evolução. Acredita-se, realmente, que seja o dever de todo serhumano consegui-lo, através de muitas encarnações. Mas aqui estamos interessadosexclusivamente no astral, que fornece um meio de interpretar a EFC, que tem exercidoenorme influência.

    Algumas pessoas descobriram referências à projeção astral na Bíblia. Alegam, porexemplo, que a conversão de Paulo no caminho para Damasco é uma prova de que Jesusera capaz de projetar-se voluntariamente. Martin Israel sugeriu que Ezequiel tinhafreqüentes EFCs, nas quais se transportava da Babilônia a Jerusalém (67), e Leonhardtinterpretou a história da visão de Jacó, na qual havia uma escada para o céu, por ondeanjos desciam e subiam, como uma EFC (81). Talvez a ascensão de Cristo ao céu e ahistória de sua ressurreição seja uma interpretação mais comum, nesse

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    sentido; mas entre os exemplos bíblicos mais freqüentemente citados, estão a alusão dePaulo a um corpo espiritual (I Coríntios, 15.35-58) e esta breve passagem do Eclesiastes(12.6):

    [...] antes que se rompa o fio prateado, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto àfonte, e se desfaça a roda junto ao poço.

    Foi esta referência ao fio prateado que levou tantos estudiosos a concluir que ocristianismo apóia a idéia da projeção astral, mas é bem provável que estejamenganados. Michael Perry, arcebispo de Durham (114), argumenta que o autor doEclesiastes estava simplesmente usando metáforas poéticas. O copo seria a cabeça, e ofio, a espinha dorsal, ou então ambos poderiam fazer parte da lâmpada decorativa, umsímbolo da morte. Em todo o caso, parece igualmente provável que ele representassequalquer uma dessas coisas, assim como a idéia implícita no “cordão astral”. Não hámais alusões a esse fio prateado em outras partes da Bíblia. Na minha opinião, não seacrescenta nada às histórias bíblicas, distorcendo-as a fim de que se amoldem à estruturada projeção astral.

    Se a doutrina da projeção não tem nenhum valor específico para a compreensão da

    Bíblia, por outro lado, revela-se útil na compreensão de experiências estranhas.Aspectos de algumas EFCs que parecem insólitos ao experimentador, se tornamcompreensíveis se ele conhece projeção astral, e este fato tem contribuído para osucesso delas. Há vários casos que se ajustam bem a esta característica, nos arquivos daSPP.

    Desde que foi fundada, as pessoas têm mandado para a Sociedade relatos deexperiências que consideram “mediúnicas” ou, simplesmente, que possuem algumaligação com a pesquisa de fenômenos paranormais. Estes depoimentos incluem históriasde aparições e fantasmas, telepatia e clarividência, premonições e sonhos premonitóriose, naturalmente, EFCs. Todos estes casos são cuidadosamente classificados, arquivadose catalogados e se encontram à disposição dos sócios para consulta. Na seção intitulada“Projeção Astral”, há muitos relatos de EFCs, espontâneas e intencionais. Eis a seguir

    um exemplo que não se acha expresso em termos teosóficos, revelando-se, ao contrário,como uma projeção astral clássica. O paciente, a quem chamaremos de Sr. K, ressaltouque jamais tinha visto, lido ou ouvido falar de alguém que tivesse uma “experiência forado corpo”, antes de ter tido a sua própria. E só decidiu comunicá-la porque leu, na

     Revista da SPP, um relato de experiência desse tipo.O Sr. K mostrava-se preocupado com a sua esposa, que estava doente. Afirma não se

    recordar de que maneira acabou se enfiando na cama da mulher, pois um instante antesestava sentado à sua cabeceira:

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    [...] lembrei-me de que estava ali deitado, ornando para cima. Tive a impressão de que tanto o tetocomo o telhado desapareceram, e vi nitidamente uma i in li. ou algo que o valha. Aí (permitam-mecontar o que aconteceu, com minhas próprias palavras), recebi visão mediúnica, pois meu espíritosaiu do meu corpo, que vi deitado na cama, ao lado de minha esposa. Eu me assemelhava a umachama com um comprido fio prateado ligado ao meu corpo físico. Era como se eu estivessefruindo da paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento.

    O Sr. K continua então, contando que lhe foi assegurado que sua esposa serestabeleceria prontamente, e que, por fim, ele voltou ao seu estado normal, constatandoque o fio prateado, antes tão comprido, acabara ficando muito curto. Teve plena certezade que não devia rompê-lo. No dia seguinte, sua esposa melhorou e ele lhe contou tudoo que acontecera. Mas só se sentiu disposto a conversar com estranhos a respeito dissoquando soube que outras pessoas também haviam passado por esta experiência.

    A aura astral é muitas vezes comparada a uma chama maior do que o corpo físico,podendo assumir várias formas: ovóide, cilíndrica ou vagamente semelhante à formafísica. Porém, assim como uma chama, ela se move, parece viva e brilha com luz suave.No caso do Sr. K, a chama poderia ser a sua aura ou corpo astral. O fio tambémencontra lugar neste esquema: a descrição que dele faz o Sr. K, o fato de que eraprateado e que se alongava à medida que ia se afastando cada vez mais, tudo se encaixa.

    Esse tipo de relato confirma, então, a realidade da projeção astral?Muitos investigadores acham que sim. Entre os mais conhecidos estão Muldoon e

    Carrington, e Crookall. Sylvan Muldoon era capaz de se projetar espontaneamente edescreveu suas experiências em The Projection of the Astral Body [ A projeção do corpoastral] (97a), escrito em colaboração com o pesquisador de fenômenos mediúnicos,Hereward Carrington (ver Capítulo 4). Juntos, os dois coletaram muitos casos de EFCsespontâneas, que serviram de suporte para demonstrar a realidade da projeção astral.Muitos anos mais tarde, Robert Crookall fez o mesmo, de uma forma mais sistemática.Às vezes, entretanto, essa abordagem pode obscurecer, em vez de iluminar a questão.Os traços da experiência original podem acabar se perdendo num caos de interpretações.E essas interpretações não são, necessariamente, as únicas nem as melhores.

    Sem dúvida alguma, é essencial separar os detalhes de experiência real, das diversasinterpretações que podem ser aplicadas a eles. Mas não são apenas os investigadoresque tornam difícil este procedimento. Mui-

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    tas pessoas que comunicaram EFCs acham proveitosa a noção da projeção astral edescrevem suas experiências nestes termos. Aqui está um exemplo encontrado nosarquivos da SPP. A Sra. F, como a denominaremos, teve muitas projeções e, a seguir,transcrevemos uma ocorrida quando ela tentava visitar um amigo hospitalizado:

    Deixei meu corpo assim que adormeci (ou melhor: cochilei). Deve ter sido entre 11:30 e 12horas. Estava completamente lúcida quando deixei a casa e atravessei Londres. Viajei a baixaaltitude, pois acho que o trajeto foi muito mais curto do que normalmente tenho de fazer, e, em vezde flutuar no plano mental, percorri o caminho todo no astral que é mais lento, e tão baixo queatravessei todas as casas, em vez de passar por cima delas...

    Essa narradora recebeu o dom de viajar e explicou o vôo rasante nesses termos. Éclaro que ela pode muito bem ter escolhido um atalho convincente. Talvez se viajeassim no astral, e muito mais alto no plano mental. Mas é difícil separar o esboço daexperiência, da interpretação que lhe é feita, neste e em muitos outros relatos. Isso tomamuito difícil descobrir a verdadeira aparência da experiência.

    A teoria da projeção astral apresenta vários problemas graves. Voltarei a falar desuas dificuldades teóricas oportunamente, mas quero mencionar aqui dois problemasmais prementes. O primeiro é que muitas EFCs simplesmente não se enquadram bem na

    estrutura da projeção astral. Célia Green (49c) reuniu muitos casos em que a pessoa nãodescreve nenhum corpo astral, na verdade, nenhum outro corpo sequer. Alguns falam deuma bolha ou de um ponto de luz, enquanto outros não mencionam absolutamente nada,dizendo apenas que têm a impressão de estar vendo de fora do corpo. Ademais,pouquíssimas pessoas se referiram realmente a algum fio, muito menos ao tradicionalcordão prateado.

    É claro que se pode contornar a dificuldade de enquadramento deste tipo deexperiência afirmando-se que a visão astral dessas pessoas estava turva ou que o fio erafino demais para ser visto, mas essas explicações começam por enfraquecer a teoria. Edizem respeito também ao seu segundo problema, à “elasticidade”. A teoria é tãocomplicada e flexível que quase tudo pode ser distorcido para caber no seu molde. Sevocê não percebe os traços que deveria perceber, é porque sua visão não está bastanteclara, ou porque a informação não foi passada para níveis mais altos. Se você nãoconsegue se fazer visível para outra pessoa, é porque não havia suficiente matériaetérica em jogo e coisas semelhantes. Dessa forma, a “teoria” corre o risco de explicartudo e nada ao mesmo tempo.

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    Tendo em mente esses problemas e conhecendo algo sobre o que é a projeção astral,podemos agora continuar a examinar os fatos. Há relatos de habituais “viajantesastrais”, EFCs espontâneas, cosmovisões e experimentos. Só quando tivermosexaminado todos esses itens é que será possível determinar com alguma precisão se adoutrina do projeção astral é um método útil e válido para interpretar a EFC, ou umaficção que gera mais confusão do que clareza.

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    4 OS VIAJANTES ASTRAIS

    Nossa primeira pergunta já foi parcialmente respondida: outras pessoas passaram,sem dúvida alguma, por experiências análogas. Conseqüentemente, podemos agoraperguntar qual o aspecto dessas experiências. São todas exatamente iguais, ou há grandevariação entre elas?

    Os relatos de pessoas que as vivenciaram classificam-se,grosso modo, em duascategorias. Existem pessoas bastante comuns às quais uma EFC ocorreu uma única vezou poucas vezes, e que fizeram um relato da experiência; e há um reduzido número depessoas que alegam serem capazes de projetar-se à vontade, e que narraram umainfinidade de EFCs. Duas delas, Oliver Fox e Sylvan Muldoon, descreveram suasexperiências basicamente em termos de projeção astral, e estudarei suas históriasprimeiro.

    OLIVER FOX

    Oliver Fox (44c) nasceu em 1885 e passou a infância na zona nordeste de Londres,evoluindo, como ele próprio diz, “de doença em doença” e sentindo um pavor freqüentede pegar no sono por causa dos pesadelos que este poderia trazer. Ele via tantoaparições terríveis como agradáveis e havia momentos em que temia que, quandoestivesse envolvido em alguma atividade rotineira, as coisas saíssem “errado”,deixando-o temporariamente paralisado e com a impressão de que tudo à sua voltacontinha e ampliava cada pedaço seu. Seus sonhos iniciais são importantes, pois foiatravés deles que aprendeu, pela primeira vez, a se

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    projetar espontaneamente. Seu primeiro domínio sobre os sonhos aconteceu ainda empequeno, quando costumava ver pequenos círculos vibratórios, de cor azul ou malva,como uma desova de rãs. Ou apareciam rostos sorridentes, pressagiando um pesadelo,ou então surgiam pequenos tinteiros, que o protegiam de um pesadelo, de modo queaprendeu a apelar para os tinteiros a fim de evitar o terror de um sonho ruim.

    Uma noite, no princípio do verão de 1902, quando Fox começara a estudar ciências

    em Southampton, sonhou que estava parado, em pé, na calçada em frente à sua casa.Mas notou que havia algo errado com o passeio; as pedrinhas retangulares que oformavam, pareciam ter mudado de lugar durante a noite e estavam agora alinhadasdiante do meio-fio. O mistério se desfez quando, num lampejo de consciência, percebeuque, apesar da manhã ensolarada parecer tão real quanto qualquer coisa, ele estavasonhando. No instante em que percebeu que era um sonho, a qualidade de tudo mudou:a casa, as árvores, o mar e o céu, tudo se tornou claro e cheio de vida, e o sonhador sesentiu forte e livre; essa sensação durou apenas um momento antes de ele acordar. Aeste tipo de sonho, que teria muitas outras vezes, Fox deu o nome de “sonho deconhecimento”, pois a gente sabe que está sonhando. Outros chamaram-no de “sonhotranslúcido”. Depois dessa sua primeira e divertida façanha, Fox continuou seexercitando e descobriu como era difícil saber quando se está sonhando, até que acabou

    aprendendo a executar esta façanha com certa regularidade.Foi num desses sonhos que Fox se viu caminhando por uma praia numa manhã

    ensolarada e, ao mesmo tempo, consciente de estar deitado na cama. Esforçou-se parapermanecer na praia, perdeu a “consciência dual”, mas ganhou uma terrível dor decabeça. Continuou lutando contra a dor, até que venceu a parada. Teve um “estalo” nacabeça, e a dor passou. Encontrou pessoas na praia, mas elas pareciam não perceber suapresença. Começou, então, a ficar assustado. Que horas seriam, há quanto tempo estavaali e como faria para voltar? Será que estava morto? O temor de ser enterrado antes dotempo apossou-se dele. Decidiu acordar, sentiu aquele estado de novo e voltou. Masestava paralisado, o que ainda era melhor do que estar fora do corpo. Levou, porém,algum tempo antes de conseguir, após um desesperado esforço, mexer um só dedo,interrompendo, assim, o transe e recuperando os movimentos normais.

    Apesar desta terrível experiência, Fox foi rapidamente vencido pela curiosidade eprosseguiu com suas experiências, aprendendo a afastar com facilidade o estadocataléptico, pegando novamente no sono e deixando-o

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    passar naturalmente. Descobriu que qualquer tipo de envolvimento emocionalperturbaria o sonho de conhecimento e constatou a dificuldade que era ler durante umsonho. Apesar de tudo, parece ter tido êxito em reconhecer duas questões do exame quefaria no dia seguinte, mas não desejou repetir esta atividade um tanto desonesta.Prosseguindo com seus experimentos, logo vivenciou um novo fenômeno, o “falsodespertar”. Certa noite acordou e percebeu que seu quarto estava às escuras, no entanto,

    um clarão esverdeado parecia “filtrar” a atmosfera, vindo de um pequeno armário, aolado da cama. Só então despertou “realmente” e compreendeu que apenas sonhara queestava acordado. Mais tarde é que soube que no falso despertar basta apenas tentar semover para se projetar efetivamente.

    Fox também tentou fazer alguns experimentos com outras pessoas. Tinha doisamigos no colégio que compartilhavam de seu interesse por teosofia e astrologia, e ostrês decidiram que tentariam se encontrar na Câmara dos Comuns durante um sonho.Dois deles fizeram a experiência e sonharam que se encontravam e que o terceiro amigonão estava presente. Parece que o teste foi bem-sucedido, mas é impossível verificar sehouve alguma suposta razão para que o terceiro não conseguisse realizá-lo.

    Noutra ocasião, um desses amigos resolveu visitar Fox uma noite. Fox acordou e viuo amigo aparecer numa nuvem ovalada, de cor branca-azulada, por fora, e com reflexos

    de outras cores, no lado de dentro. Ao que parece, isso também foi um sucesso, com aressalva, apenas, de que o amigo não se lembrou de ter tido uma experiênciasemelhante. Fox concluiu que vira uma “forma mental”, projetada pelo amigo. Querseja ou não uma explicação satisfatória, o fato é que este tipo de experiência se repetiumuitas outras vezes. Sabe-se, por exemplo, que, muito tempo depois, Fox viu ou faloumuitas vezes com a própria esposa em suas projeções, embora na manhã seguinte elanão se recordasse absolutamente do encontro.

    Houve, no entanto, um acontecimento diferente. Uma das namoradas de Fox, Elsie,reprovava seus experimentos e ficou com mais raiva ainda quando ele insinuou que ela“não passava de uma ignorantezinha, de mentalidade estreita”. Ela decidiu, portanto, sepôr à prova, visitando-o uma noite. Fox não levou nem um pouco a sério a ameaça damoça, mas o certo é que aquela noite ele viu uma grande nuvem ovalada, no meio daqual Elsie apareceu com o cabelo desarrumado e vestindo uma camisola de dormir.Notou que ela passou os dedos pela borda da escrivaninha do quarto mas, quando achamou pelo nome, a moça desapareceu. No dia seguinte, ela foi capaz de contar adisposição dos móveis do

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    quarto de Fox e até deu detalhes de objetos que havia nele, sem nunca ter estado láantes. Chegou mesmo a descrever um filete dourado nos cantos da escrivaninha, detalheque nem o próprio Fox imaginara existir. Esse incidente foi importante para Fox, poissentiu que era uma das poucas ocorrências que indicavam algo que não fossecompletamente subjetivo em suas peripécias fora do corpo.

    Todavia, a maior parte de suas descobertas era puramente subjetiva, e Fox tinha

    consciência de que, por esse motivo, eram rejeitadas pelos críticos. Questionarei maisadiante a importância dessa distinção. Creio que a totalidade das descobertas sobreEFCs feitas por Fox e outros seja puramente subjetiva, no sentido de que elas sãoparticulares, envolvendo exclusivamente uma experiência pessoal; mas, a meu ver, issonão diminui o seu interesse. Fox, porém, tinha plena consciência do fato de que estavatentando convencer um público renitente sobre a realidade da projeção astral. Por isso,qualquer prova de que a experiência podia ser compartilhada ou qualquer informaçãoque esclarecesse a questão era decisiva para ele.

    Muitos anos depois, Fox iria fazer outra descoberta importante. Ele havia admitidoque um sonho de conhecimento era essencial para a projeção, e que o estado de transeseguia-se à projeção; mas um dia, quando estava deitado num sofá, à tarde, descobriuque podia ver com os olhos fechados. Entrou em estado de transe, embora não tivesse

    chegado a adormecer. Deixou seu corpo e se viu numa bonita região rural e, depois,passou rapidamente por um cavalo e um furgão em movimento, na volta. Depois disso,Fox percebeu que podia se projetar mesmo em estado de vigília, continuando, daí pordiante, a fazer a experiência sempre que tinha oportunidade de ficar deitado, sozinho eem paz. Desta forma, ele aprendeu a utilizar o método de projeção, a que chamou de“passagem pineal” (44a).

    Um aspecto interessante, mencionado por Fox, é que ele nunca conseguia ver seucorpo físico quando se projetava. É um fato estranho, pois o aspecto mais comum deEFCs espontâneas é que a pessoa vê o próprio corpo como se estivesse de fora. Mas Foxtinha uma explicação lógica para isso: argumentava que. se estava tendo uma visão domundo astral durante a projeção, então era natural que visse os equivalentes astrais dosobjetos físicos, e não seus aspectos físicos ou etéricos. Uma vez que seu próprio corpoastral era projetado, não esperava vê-lo sem usar algum poder especial. Afinal decontas, ele estava viajando em seu corpo astral.

    Levando em conta este fato, parece estranho que outros escritores não tenham usadoo mesmo argumento. Posso dizer com segurança que

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    não encontrei outros viajantes que não fossem capazes de ver seus próprios corposfísicos. Haverá, então, algo errado com a tradicional teoria da projeção astral? Ou serápossível que se consiga ver ambos, o astral e o físico, ao mesmo tempo? Penso que não,pois muitas vezes as coisas parecem ligeiramente diferentes, ou até completamentediferentes, quando vistas “fora do corpo”, e a causa deve ser porque o que se vê é oastral, não o físico. Não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. A mim me

    parece que este argumento apresenta um problema interessante para os defensores dateoria tradicional.Certa vez Fox decidiu experimentar os efeitos do clorofórmio, mas esse teste

    demonstrou ser desagradável. Fox teve a sensação de estar sendo projetado até asestrelas e que um fio prateado brilhante ligava seu “eu celestial” ao corpo. Manteve essaconsciência dual do começo ao fim da experiência, quando verbalizava, as palavraspareciam deslizar pelo fio abaixo e eram expressas pelo seu corpo; mas, de acordo comseus companheiros, tudo o que ele disse não passou de um mero discurso. Fox nãotentou esse método de novo. A alusão ao fio, no entanto, foi uma das raras vezes em queFox mencionou algo qu