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  • Notas sobre o surgimento daSociologia Poltica em So Paulo 1

    Brasilio Sallum Jr. (USP)

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    O tema desta reunio acadmica, a publicao prxima de umarevista que pretende abrir espao para trabalhos de Socio-logia Poltica e a simpatia do convite fizeram-me aceitar comsatisfao a sugesto de falar sobre o surgimento da disciplinana Universidade de So Paulo. No serei, porm, totalmente fielao pedido pois, de um lado, a Sociologia das idias no minhaespecialidade e, de outro, desejo fazer referncia a alguns as-pectos cognitivos dos trabalhos que marcaram a Sociologia Po-ltica surgida na USP.

    preciso lembrar, de incio, que na poca em que a Socio-logia Poltica surgiu em So Paulo, ela no se distinguia, comohoje, da Cincia Poltica. Pelo menos at o incio dos anos 80, asduas disciplinas se confundiam. Isso fica evidente quando se lum nmero especial da Revista Dados, organizado no incio dadcada, para discutir a formao da Cincia Poltica no Brasil 2 . Deuma maneira geral, os autores dos artigos l publicados no tmpreocupao de distingui-la da Sociologia, a no ser pela especifi-cidade dos fenmenos estudados. Da que a denominem, em v-rias ocasies, de Sociologia Poltica. Bolvar Lamounier chegamesmo a salientar, em artigo daquele nmero especial, que esta-vam ocorrendo mudanas no exerccio da disciplina que indica-

    1 Palestra proferida na abertura do workshop "Sociologia Poltica: trajetrias eperspectivas", realizada na UFSC, Florianpolis, em 4 de abril de 2002. Agradeoas observaes de Elisa Reis, Fbio Wanderley Reis, Cludio Vouga e EduardoKugelmas, que me permitiram melhorar o texto original.

    2 Refiro-me a Dados Revista de Cincias Sociais, vol. 23, n. 1, Rio de Janeiro, 1980.

  • vam, segundo ele, uma convergncia futura dos diferentes es-quemas conceptuais usados na anlise poltica 3 . Infelizmente,como se sabe, ocorreu o contrrio. As diferenas entre uma e ou-tra disciplina acentuaram-se cada vez mais.

    De qualquer modo, em So Paulo, no mbito da USP, a So-ciologia Poltica surgiu de forma bastante tardia e como ramopouco diferenciado da Sociologia. Ela foi tardia tanto em termospaulistas como nacionais. Embora no mundo acadmico paulistaj se fizesse Sociologia de alta qualidade desde os anos 40, at ofinal da dcada de 1950 eram muito incipientes as anlises soci-olgicas da poltica4 . Alm disso, em So Paulo comea-se a fazerSociologia Poltica mais tarde que em outras partes do pas. Re-corde-se que no Rio de Janeiro, j no final dos anos 40, VtorNunes Leal apresentava como tese na Universidade do Brasil oseu clssico Coronelismo, Enxada e Voto. E j nos anos 1950 ostrabalhos do ISEB fizeram da poltica e do Estado o centro desuas preocupaes. No pretendo discutir aqui tais diferenas tem-porais no surgimento da disciplina nas diversas regies do pas,embora elas possam ser relevantes para a reconstruo de suahistria no Brasil. Vou me ater ao contexto paulista.

    Neste mbito, no h dvida que a Sociologia Poltica ga-nhou fora pela ao dos docentes que, na USP, vinculavam-se cadeira de Sociologia I, dirigida por Florestan Fernandes desde19545 . Creio que a gnese do padro de Sociologia Poltica queacabou predominado na USP esteve vinculada, basicamente, adois processos de mudana. Um deles teve como epicentro as

    3 Bolivar Lamounier, "Pensamento Poltico, Institucionalizao Acadmica e Re-lao de Dependncia no Brasil", Dados Revista de Cincias Sociais, vol. 23,n2 1, 1980, p. 29-57.

    4 Embora fossem poucos os estudos, devem ser ressaltados os trabalhos de AzizSimo e Oliveiros Ferreira sobre o voto operrio em So Paulo realizados nosanos 50. Consultar sobre o assunto Pereira de Queirs, Maria Isaura, "Contri-buio para o Estudo da Sociologia Poltica no Brasil", in O Mandonismo local nayida poltica brasileira e outros ensaios, Editora Alfa-Omega, 1976 e Quirino,Celia, "Departamento de Cincia Poltica", in Estudos Avanados, vol. 8, n 22,set/dez., So Paulo, 1994.

    5 Embora a Cadeira de Poltica tenha desenvolvido desde o incio dos anos 50pesquisa de Sociologia eleitoral, o foco principal da Cadeira era histria do pen-samento poltico e histria das instituies polticas brasileiras.

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    relaes acadmicas vigentes no interior da cadeira de SociologiaI daqueles tempos6 . O outro, embora afetando a vida acadmica,tinha seu ncleo na poltica nacional. Mais especificamente, vin-culava-se s polarizaes polticas geradas pela crise do regimepoltico de democracia restrita, populista e de orientao nacio-nal-desenvolvimentista vigente antes do golpe de 1964. Em suma,creio que houve uma associao entre estes dois processos, umcentrado na vida acadmica e outro na poltica nacional, e a emer-gncia da Sociologia Poltica em So Paulo.

    No mbito acadmico, o processo de mudana foi impulsi-onado por tenses que se manifestaram j ao final dos anos 50entre Florestan Fernandes, regente da Cadeira de Sociologia I, eos seus principais assistentes Fernando Henrique Cardoso, Ot-vio lanni e alguns outros que orbitavam em torno deles. Quetenses eram essas? Naquele grupo de docentes e investigadoresaltamente qualificados e competitivos formado por FlorestanFernandes, as tenses derivaram, como seria de esperar, da buscada autonomia dos assistentes em relao ao catedrtico que, nocaso, no era apenas regente oficial da Cadeira mas tambm seulder intelectual 7 . Embora o carter hierrquico daquela organi-zao da vida acadmica estivesse no cerne das tenses mencio-nadas, estas no se manifestaram diretamente como oposio aocatedrtico ou ctedra. Primeiro, porque o prprio Florestanopunha-se organizao da universidade em ctedras. Segundo,porque os principais assistentes compartilhavam em parte o po-der do catedrtico. Alm do mais, no havia espao poltico-institucional para uma disputa frontal deste tipo, pois a Ctedraera um arranjo de poder muito autocrtico. Isso pode soar exage-rado hoje, quando este tipo de hierarquia acadmica desapare-ceu. Mas, de fato, no estou carregando nas tintas. Como regente

    6 O estudo mais completo sobre essas relaes acadmicas encontra-se em Arruda,Maria Arminda do Nascimento, "A Sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a"escola paulista", in Miceli, Srgio (org.), Histria das Cincias Sociais no Brasil,vol. 2, So Paulo, Editora Sumar, 1995.

    7 Sobre o impacto de Florestan Fernandes sobre seus discpulos e sua lideranaintelectual, consultar Cardoso, Fernando Henrique, "A paixo pelo saber", inD'Incao, Maria Angela (org.), O Saber Militante Ensaios sobre FlorestanFernandes, Rio de Janeiro, Paz e Terra/Editora da UNESP, 1987.

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  • da Cadeira, Florestan, como todo catedrtico, dirigia, mandava,contratava e podia demitir seus assistentes. Como todos os cate-drticos, podia "fazer chover".

    A disputa acabou se manifestando no plano intelectual ena mobilizao de recursos para o exerccio e a expanso daatividade acadmica. Do ponto de vista intelectual, a primeiramanifestao dessa falta de sintonia entre catedrtico e assis-tentes surgiu, ao que parece, com a criao pelos professoresassistentes de um seminrio de estudos de O Capital e de al-guns autores marxistas da poca, como Lukcs, Sartre eGoldman. Faziam parte deste grupo no s os principais assis-tentes da Cadeira de Sociologia I, mas tambm assistentes deoutros departamentos como o de Filosofia, como Jos ArthurGianotti e Bento Prado Jr., de Histria como Fernando Novais, eoutros jovens professores e alunos "maduros", como RobertoSchwarz8 . O ponto-chave aqui que Florestan no foi convida-do a fazer parte do grupo. Este confessou, mais tarde, ter-sesentido marginalizado pelos discpulos: estes montaram umseminrio de mbito multidisciplinar, agregando gente de vri-as ctedras, sem pedir-lhe autorizao ou orientao 9 .

    Alm da dissociao manifesta na ausncia de convite, ogrupo do seminrio foi construindo paulatinamente, no mbitoda Sociologia, uma divergncia de orientao intelectual com ocatedrtico. Como se sabe, Florestan concebia a Sociologia comocincia emprica diferenciada em subdisciplinas, dependentes danatureza dos problemas a investigar, cada diviso enfocando osfenmenos sociais de certo ngulo, com um mtodo apropriadopara interpret-los. Nesse ponto inspirava-se em Karl Mannheim,que para diferenciar a Sociologia punha em evidncia as possibi-lidades metodolgicas de observar e interpretar os fenmenossociais. A identificao das regularidades universais da vida socialficava atribuda a uma diviso especial da Sociologia que ele seguindo Mannheim chamava de Sistemtica. Esta disciplina

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    8 Cf. Schwarz, Roberto,"Um seminrioPaulo, Cia das Letras, 1999.

    9 Cf. Fernandes, Florestan, A Sociologia

    8 (Em busca de uma Sociologia crtica

    de Marx", in Seqncias Brasileiras So

    no Brasil Petrpolis-RJ, Vozes, 1980, cap.e militante).

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  • Notas sobre o surgimento da Sociologia Poltico em So PauloBrasillo Sallum Jr.

    deveria definir os conceitos sociolgicos bsicos, prprios paraidentificar os padres universais da vida social, e teria encontra-do na obra de Max Weber a metodologia mais apropriada parasuas investigaes. De forma similar, caso o problema fosse ex-plicar a perpetuao e mudana dos fenmenos sociais em ter-mos supra-histricos, isto , referindo-os aos padres estruturaisafins de sistemas sociais globais da mesma espcie a tipos desociedades, portanto haveria que faz-lo no mbito da Sociolo-gia Comparada, cujas dificuldades de construo teriam sido re-solvidas por mile Durkheim. Quando no se tratasse de compa-rar distintos tipos de sociedades sociedade de classes e socie-dade estamental, por exemplo nem distintas sociedades domesmo tipo, mas de estudar a organizao interna e as perspec-tivas de desenvolvimento ou desapario dos sistemas sociaisglobais, caberia Sociologia Diferencial faz-lo. Para Florestan, omarxismo oferecia o tipo de mtodo particularmente adequadopara pensar este tipo de problema, quer dizer, a ordem social emsua historicidade. Alm dessas modalidades de Sociologia,Florestan considerava serem legtimas trs outras modalidadesda disciplina, a Sociologia Descritiva, a Terica e a Aplicada. Assubdisciplinas da Sociologia analisavam, assim, a ordem socialde pontos de vista distintos, complementares e irredutveis unsaos outros. O importante que, para Florestan, nenhuma dasmodalidades de Sociologia tinha, intrinsecamente, superiorida-de cognitiva sobre as demais. Simplesmente, destinavam-se a li-dar com distintos problemas e produziam conhecimentos distin-tos, embora complementares 1 . Ora, justamente isso que o gru-po do Seminrio de Marx veio a contestar.

    De fato, pelo menos parte dos jovens assistentes que partici-pavam do Seminrio de Marx passaram a ver as concepes queFlorestan Fernandes tinha da Sociologia e de seu desenvolvimentocomo demasiado cientificistas e a considerar que havia sim umahierarquia, do ponto de vista cognitivo, entre os vrios mtodosde interpretao sociolgica. Embora tendessem a reconhecer a

    10 As concepes iniciais de cincia de Florestan Fernandes constam dos livrosFundamentos Empricos da Explicaco Sociolgica e Ensaios de SociologiaGeral e Aplicada.

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    relevncia das vrias modalidades de Sociologia, consideravam queo mtodo de interpretao sugerido por Marx tinha maior valorcognitivo que os demais. As demais perspectivas sociolgicas, pois,deveriam ser subordinadas ao marxismo. Com isso, colocavam re-almente em xeque as concepes de Sociologia e cincia deFlorestan. Os sinais dessas divergncias dos assistentes em relaos concepes do mestre aparecem em dois textos: a Introduode Fernando Henrique ao seu livro Capitalismo e Escravido noBrasil Meridional (que sua tese de Doutorado); e o posfcio deOtvio lanni ao seu Estado e Capitalismo, publicado em 1964.

    Embora a reorientao intelectual a que nos referimos sejao elemento central para caracterizar o tipo de Sociologia Polticaque predominaria na USP, h outras mudanas que ocorrem navida acadmica que manifestam as tenses que a atravessavam.Tratava-se de uma competio cada vez mais bem-sucedida dosassistentes, especialmente Fernando Henrique Cardoso, em rela-o ao regente da Cadeira. De fato, embora sempre agisse emsintonia com Florestan, Fernando Henrique foi se tornando cadavez mais influente pela capacidade de mobilizar recursos polti-cos e materiais de fora para a Cadeira. Isso culminou na fundaopor ele, em 1962, do CESIT (Centro de Sociologia Industrial e doTrabalho) junto Cadeira de Sociologia, o que permitia contratarpessoal e obter recursos fora do oramento da Universidade. Noseria possvel a criao deste Centro, cujo projeto inicial era estu-dar a empresa industrial em So Paulo, sem os contatos polticosde Fernando Henrique, seja no Conselho Universitrio, onde re-presentava os assistentes e acabou ganhando proeminncia, sejana Federaes das Indstrias do Estado de So Paulo, de ondevieram os seus primeiros recursos, e em outros mbitos".

    Frente a tais circunstncias, em que uma parte dos mem-bros da Cadeira se inclinava para o marxismo claro est que setratava de um marxismo renovado, no dogmtico e ganhava

    11 Sobre tais contatos consulte-se Cardoso, Fernando Henrique, "Memrias daMaria Antnia" in Loschiavo dos Santos (org.), Maria Antnia: uma rua na con-tramo So Paulo, Nobel, 1988 e Pereira da Silva, Luiz H ildebrando, "O profes-sor Ceccone e a revoluo paulista", Pesquisa Fapesp, junho 2002, EdioEspecial Fapesp 40 anos.

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    influncia poltica no meio acadmico, Florestan Fernandes rea-giu competitivamente: ao invs de bloquear o movimento, pro-curou assumir sua liderana. Como ele fez isso? Alm de apoiar acriao do CESIT ele elaborou um projeto de investigao socio-lgica, denominado Economia e Sociedade no Brasil (1963), quepermitia incluir boa parte das atividades de pesquisa da cadeiraSociologia I. Ao fazer isso, propondo um projeto desse tipo, eleatenua bastante as tenses com os assistentes e tenta retomar aliderana intelectual plena da cadeira. Como o projeto se situavano plano do que Florestan denominava Sociologia Diferencial ouHistrica, as tenses de ordem intelectual entre assistentes ecatedrtico tendiam a desaparecer; neste plano, o mtodo de in-terpretao que ele considerava mais adequado era o desenvol-vido por Karl Marx. Com o projeto Florestan aprofunda a inflexoj ocorrida com a pesquisa sobre a empresa industrial em SoPaulo: faz do desenvolvimento e no mais das relaes raciais o fulcro das preocupaes e investigaes da Cadeira de Socio-logia I. Sublinhe-se, porm, que o prprio Florestan, embora te-nha contribudo decisivamente para incorporar a temtica dodesenvolvimento s investigaes da Cadeira de Sociologia, noabandonou suas concepes anteriores de Sociologia pelo me-nos na primeira metade dos anos 60. O modo como o desenvol-vimento era entendido no interior de sua orientao intelectualpode ser examinado na sua Introduo primeira edio do livroMudanas Sociais no Brasil, datada de 1960. Na distino que ase faz entre os conceitos sociolgicos de "mudana social", "evo-luo" e "desenvolvimento" identifica-se claramente a concep-o de Sociologia que defendia desde o incio da dcada de 50.

    Mencionamos antes que existiram certos vnculos entre aSociologia Poltica que se expandiu em So Paulo nos anos 60 ea crise do regime de democracia restrita e de orientaopopulista-desenvolvimentista. Que vnculos eram esses? Emboraa hiptese seja boa, creio que s uma pesquisa bem conduzidapoder estabelecer, com alguma segurana, uma conexo entrea guinada marxista dos docentes que orbitavam ao redor daCadeira de Sociologia I (e de outros participantes do Seminriode Marx) e a intensificao do debate poltico nacional ocorrido

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    no final do governo Juscelino Kubischeck e depois 12 . Entretan-to, me parece bem mais factvel vincular as polarizaes polti-cas que acompanharam a crise da Repblica populista e do seupadro de desenvolvimento mudana no foco de investigaoda Cadeira de Sociologia I.

    Acho que h boas razes para dizer que bastante prov-vel que as tenses polticas derivadas das incertezas e da luta emtorno da mudana do padro vigente de desenvolvimento tenhamsido importantes na inflexo temtica da Cadeira de Sociologia,da anlise das relaes raciais para a investigao sociolgica dodesenvolvimento. No se trata, porm, de vincular abstratamen-te poltica nacional e vida acadmica. Recorde-se que o tema dasalternativas de desenvolvimento era estratgico para o PartidoComunista e para a CEPAL, organizaes que direta ou indireta-mente dominavam o debate pblico e tinham predomnio inte-lectual sobre as foras de esquerda de ento. No entanto, emboratais organizaes tenham tido importncia na incorporao daquesto do desenvolvimento vida acadmica, as concepesnelas dominantes foram em parte rejeitadas.

    Em suma, o projeto de investigao sobre a industrializa-o de So Paulo e, mais ainda, o subseqente sobre Economia eSociedade no Desenvolvimento do Brasil, no s contribuiu paraajustar as atividades de investigao da Cadeira de Sociologia I inflexo marxista que ela experimentava, mas tambm colocou-aem sintonia com processo poltico nacional.

    fundamental entender, ademais, que se tratava de abor-dar o desenvolvimento de um ngulo sociolgico. Isto significa-va investigar no apenas seus diversos efeitos sobre a sociedadenacional como a participao das vrias foras sociais na sua con-formao como processo societrio. Isso significa que, entendidosociologicamente, o desenvolvimento tambm pode ser entendi-do como resultado de relaes polticas entre foras sociais.

    Esta converso anlise das questes polticas envolvidasno processo de desenvolvimento ocorreu com os principais assis-tentes da Cadeira de Sociologia I, Fernando Henrique Cardoso e

    12 Este possvel vinculo foi sugerido por Roberto Schwarz no texto j citado.

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    Otvio lanni, e com alguns dos docentes que orbitavam ao seuredor. Fernando Henrique publica Empresrio Industrial e o De-senvolvimento Econmico no Brasil,

    sua tese de livre-docncia,em que tenta responder a uma questo poltica crucial: o empre-sariado industrial brasileiro tinha ou no condies de se conver-ter ao papel de burguesia nacional que a teoria da revoluo doPartido Comunista atribua a ele? Ou seja, estava certo o PartidoComunista ao projetar uma estratgia poltica para as foras po-pulares que pressupunha que o empresariado brasileiro podiaassumir a condio poltica de burguesia nacional, liderando po-liticamente um processo de desenvolvimento nacional e demo-crtico, em aliana com o proletariado e contra as foras oligr-quicas aliadas do capitalismo internacional? Era essa a teoriada revoluo do PCB. O livro de Fernando Henrique lida, basica-mente, com essa questo de fundo. Sua resposta, como se sabe, negativa. O empresariado brasileiro, simplesmente, tenderiaa se articular com a indstria estrangeira (que estava no Brasilh muito tempo, mas principalmente a partir do governo Jusce-lino) e estas articulaes tenderiam a inviabilizar qualquer tipode ruptura com o capital estrangeiro e com os grupos sociaisligados agricultura. No caso de lanni, a vinculao com a pol-tica mais bvia ainda. Ele publica Estado e Capitalismo, suatese de livre-docncia, onde discute as condies sociais daemergncia do Estado como agente do desenvolvimento entre1930 e o momento em que escreve (1964).

    Desta forma, os dois discpulos principais de FlorestanFernandes passam a fazer Sociologia Poltica. Tratava-se de umaSociologia Poltica dominada por uma verso no-dogmtica domarxismo, que tinha flexibilidade suficiente para incorporar ele-mentos da Sociologia de Max Weber. Infelizmente, no posso dis-cutir aqui o modo como este ltimo era incorporado. O mais im-portante que se tratava de uma Sociologia Poltica de um tipoespecial, cujo problema era explicar a dinmica do desenvolvi-mento. Era, pois, uma Sociologia Poltica do Desenvolvimento.

    O golpe militar de 64 afetou drasticamente a vida universi-tria e exacerbou as tendncias anteriores: o foco na "poltica" setornou muito mais importante do que antes. Em funo da crise

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  • que levou ao golpe surgiu um conjunto de livros de avaliao cr-tica do processo de "revoluo social" vivido pelo pas, do regimepoltico derrubado e do novo que se implantava. Tais trabalhosmarcaram um estilo de fazer Sociologia Poltica que, algo injusta-mente, foi identificado com o modo da USP fazer Sociologia. Digoinjustamente porque, antes disso e paralelamente, produzia-se naUSP tima Sociologia que no era poltica e que seguia outro esti-lo. Seja como for, contam-se entre os trabalhos de Sociologia Pol-tica uma coletnea de artigos organizada por Octavio lanni, Polti-ca e Revoluo Social no Brasil, publicada em 1965, com trabalhosdele mesmo, de Paul Singer e Gabriel Cohn, analisando a atuaodas classes dominantes e das esquerdas, e de Francisco Weffort,esboando uma primeira anlise do populismo (Weffort, apesar deser da Cadeira de Poltica, era muito vinculado a FernandoHenrique). Ainda em 1965 Weffort publica na Revista da Civiliza-o Brasileira n 7 um artigo de grande impacto: "Estado e Massasno Brasil". Em 1967 aparece, em nmero especial sobre o Brasil darevista Les Temps Modernes, organizado por Celso Furtado, o im-portante artigo "Hegemonia Burguesa e Independncia Econmi-ca: Razes Estruturais da Crise Brasileira", de Fernando Henrique,trabalho depois republicado na Revista da Civilizao Brasileira n 917. Um ano depois, publica-se a coletnea de Florestan denomina-da Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento, reunindo artigosescritos depois do golpe militar, e o livro de Otvio lanni O Colap-so de Populismo 13 . Finalmente, em 1969, vem a pblico, em ln-gua espanhola, Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Lati-na, de Cardoso e Enzo Faletto.

    Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina foi arealizao mxima do estilo de Sociologia Poltica que surgiu doncleo de produo intelectual que se desenvolveu ao redor deFlorestan Fernandes e at em competio com ele. Seria injus-to, porm, consider-la seu fruto exclusivo. Talvez o livro tenha

    13 Esta inflexo da Cadeira de Sociologia I em direo poltica conviveu com muitasinvestigaes em que, a despeito de focalizarem o processo de desenvolvimen-to, no focalizavam propriamente para a poltica, estudando padres de organiza-o empresarial, experincia operria, sindicalismo etc. Alm disso, a outra Ca-deira de Sociologia existente na Faculdade, a II, orientava-se para outros temas.

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    tido a dimenso intelectual e poltica que teve justamente por-que refletia no s o universo intelectual da USP mas a ampliaode horizontes resultante dos novos contatos, informaes e inda-gaes propiciados pela estada de Fernando Henrique no Chilecomo funcionrio da Comisso Econmica para a Amrica Latina(CEPAL). Ainda assim, creio que algumas de suas caractersticasprincipais permitem caracterizar o estilo de Sociologia Polticaque se praticou na USP na dcada de 60.

    Como se sabe, Dependncia e Desenvolvimento trata demostrar que a dependncia externa, que era julgada essencial naconformao do subdesenvolvimento latino-americano, s o afe-ta realmente quando absorvida no interior das sociedades nacio-nais, quando passa a ter uma expresso na sua estrutura social.Converte-se, ento, em dependncia estrutural. A tese central dolivro que a dependncia estrutural no impede o desenvolvi-mento. Apenas lhe d uma forma especial. Como as situaes dedependncia so diversas, quer dizer, vrias so as formas da de-pendncia estrutural, diferentes so os padres de desenvolvi-mento. Na dcada de 50/60, por exemplo, quando as empresasmultinacionais passam a instalar-se nos pases de industrializa-o mais avanada da Amrica Latina, produzindo para os seusmercados internos, inaugura-se a fase do que chamavam "desen-volvimento dependente associado".

    Isso constitui, ao mesmo tempo, ataque frontal idia,muito difundida na poca, de que o "imperialismo" bloqueavao desenvolvimento e teoria da modernizao, que concebia odesenvolvimento como processo linear de mudana. Afirmava-se, pelo contrrio, reiterando as concepes da Cepal, que mes-mo fazendo parte do sistema capitalista internacional, as socie-dades latino-americanas seguiriam ritmos e padres diversosde desenvolvimento.

    Alm disso, o livro refora um intercmbio que j existiaentre marxismo e pensamento cepalino. Dependncia e Desen-volvimento "atualiza" o marxismo, na medida em que efetuandouma anlise de orientao nitidamente marxista absorve a con-cepo da CEPAL, inexistente em Marx, de que o sistema capita-lista se conforma no espao internacional polarizando-se em

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    pases centrais e perifricos. Isso significa que perde sentido ana-ltico estudar as sociedades nacionais como se fossem autno-mas. No entanto, embora compreenda as sociedades latino-ame-ricanas como parte de um sistema em expanso e tenha semprepresentes os impulsos e restries derivadas do seu centro, o li-vro mantm o seu foco no plano nacional.

    Isto se vincula ao modo como se analisa sociologicamenteo processo de desenvolvimento. Explico-me. Embora aceite aperiodizao cepalina do processo de desenvolvimento volta-do para fora e orientado para dentro o livro injeta marxismo naanlise do processo. Um marxismo no declarado, mas percept-vel pelo modo como os processos sociais so analisados. Certa-mente no se trata de um marxismo dogmtico. Trata-se de ummarxismo enriquecido pelas discusses do Seminrio de Marx.Um marxismo entendido luz do Sartre da Questo do Mtodo,no objetivista, que pensa a histria enquanto prxis transfor-madora, onde os atores coletivos so capazes de intervir criativa-mente. De fato, metodologicamente, a tese central do livro quea anlise econmica do desenvolvimento insuficiente para ex-plicar seus resultados. Seria necessrio analis-lo tambm politi-camente, o que significa para os autores investigar como osEstados nacionais, e os grupos que participam do seu controle,ajudam a conformar o processo de desenvolvimento.

    De fato, ainda que o ponto de partida da Sociologia Polti-ca presente em Dependncia e Desenvolvimento seja sempre es-tudar a estrutura scio-econmica de cada sociedade a dinmi-ca de acumulao do capital e o processo de diferenciao social o centro da anlise ocupado pela luta em torno da distribui-o e pelo controle poltico da distribuio do excedente econ-mico. Da que o ncleo do livro esteja nas lutas das classes e dossegmentos sociais em torno da diviso do excedente econmico.E j que no Estado que esto as alavancas que permitem con-trolar os fluxos econmicos, tornam-se relevantes as disputas emtorno das polticas cambial, tarifria, de juros, salarial etc. NestaSociologia Poltica do desenvolvimento, portanto, o foco centralda investigao so as relaes entre classes e outros grupos e oEstado a propsito da gesto da economia.

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    Entretanto, mesmo que a poltica esteja no centro de De-pendncia e Desenvolvimento, ela entendida de maneira bas-tante limitada. Primeiro, o Estado concebido no apenas comoexpresso mas tambm como articulao e organizao das rela-es de domnio entre classes e outros grupos enraizados naeconomia. Ainda que o Estado aparea como organizador de clas-ses, a autonomia que isso lhe confere em relao s classes norecebe qualquer justificativa terica. Simplesmente atribuda adeterminadas "circunstncias" histricas. Alm disso, mal somencionadas no livro as regras e clivagens poltico-institucionaisque conformam a participao dos diferentes segmentos sociaisna luta poltica. verdade que, no momento da confeco dolivro, no mbito do marxismo ainda no se dispunha de traba-lhos que incorporassem essa questo ao seu padro de anlisepoltica. A tentativa de articular a esfera poltico-institucional,objeto central dos estudos acadmicos da poltica, anlise mar-xista s veio a pblico em 1969, com o livro Poder Poltico eClasses Sociais, de Nicos Poulantzas. Seja como for, o trabalho deCardoso e Faletto claramente limitado quanto a esse aspecto.No se pode deixar de mencionar, ademais, uma outra limitaoimportante de Dependncia e Desenvolvimento: muito insufi-ciente e assistemtica a anlise que se faz a das formas simbli-cas que "soldam" cada sistema de alianas ou, mesmo, que ori-entam a luta dos atores coletivos. Essas formas simblicas apa-recem na anlise de forma ad hoc, como ltimo recurso explicativoquando os demais mostram-se insuficientes. Assim, por exem-plo, quando fica difcil explicar em termos de interesses socio-econmicos divergentes as distines partidrias que faziam parteessencial dos mecanismos de funcionamento poltico da Colm-bia, recorre-se divergncia ideolgica, que de fato existia, en-tre os partidos liberal e conservador.

    Apesar das limitaes apontadas, Dependncia e Desenvol-vimento foi um marco, um grande evento poltico-intelectual.Seu sucesso internacional e especialmente na Amrica Latina constitui exceo no mundo acadmico. muito raro que doislatino-americanos teorizem com repercusso internacional sobrea Amrica Latina. O que corriqueiro, especialmente na atualida-

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    de, que os intelectuais latino-americanos colham os dados e,quando muito, interpretem seus pases, deixando a teorizaoda Amrica Latina para os intelectuais dos pases centrais.

    Dependncia e Desenvolvimento e os trabalhos de Socio-logia Poltica produzidos por investigadores ligados Cadeira deSociologia 1 da USP, ou que orbitavam em torno dela, produzirammuito conhecimento novo sobre as conexes entre capitalismo,Estado, classes sociais, no Brasil e na Amrica Latina. Ainda as-sim, a Sociologia Poltica que se fez naqueles anos era estreita,orientava-se principalmente para a anlise do desenvolvimento econcebia a vida poltica de uma forma teoricamente limitada: ten-dia a empobrecer a esfera dos smbolos e atribuir pouca eficciaprpria s instituies polticas.

    Tais limitaes deram alguma justificativa para que, poroposio, mas tambm por assimilao dos impulsos vindos dosEUA, a Cincia Poltica se voltasse cada vez mais para a anliseinstitucional. No creio, porm, que haja razes teoricamenteconsistentes para substituir um tipo de anlise por outro, tal comose observa crescentemente na Cincia Poltica. A obsesso pelaanlise endgena das instituies polticas, embora tenha produ-zido conhecimentos inestimveis, faz perder de vista as articula-es entre poltica e sociedade. Talvez caiba aos socilogos amisso intelectual de desenvolver uma Sociologia Poltica que,ao invs de substituir a que se fazia nos anos 60 e 70, possarenovar aquele tipo de trabalho, introduzindo sistematicamenteas dimenses institucionais e simblicas na reconstruo das re-laes de dominao e das lutas polticas.

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