SUBJETIVIDADE E HISTÓRIA
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SUBJETIVIDADE E HISTÓRIACARTOGRAFIAS DO DESEJO
Produção de subjetividade (nível dos agenciamentos, práticas, sentimentos, desejo...):
é melhor que ideologia (nível das representações/significantes). Produção de
subjetividade não é apenas ideológica, pois constitui as formas de sentir,
perceber, se relacionar, etc. Não há natureza ou essência humana, mas
subjetividade industrial/maquínica = fabricada, modelada, recebida e
consumida.
Nos sistemas tradicionais, é fabricada de maneira mais territorializada (etnia,
casta, corporação profissional). No sistema capitalístico, a produção é industrial
(serializada) e se dá em escola internacional.
Não são os fatos de linguagem/comunicação que a produzem (estruturalistas), é
manufaturada como a energia, o alumínio.
não é apenas um caso de superestrutura, dependente de estrutura pesadas de
produção das relações sociais. Relaciona-se ao que Marx chamou infra-estrutura
produtiva: aspectos semióticos, basais e necessários ao estabelecimento de
qualquer processo.
É mais importante que qualquer outro tipo de produção, pois constitui a matéria-
prima para qualquer produção.
Subjetivação capitalística ocorre pela conexão direta entre as máquinas de
controle social e nossas instâncias psíquicas, que definem maneiras de perceber
o mundo.
Articula-se com a produção econômica e as produções sociais (materiais e
semióticas) como um todo.
Aí se situa a problemática micropolítica.
Ciências humanas: trabalhadores sociais atuam diretamente com a produção de
subjetividade. Encontram-se em uma encruzilhada micropolítica: promover a
reprodução de modelos que excluem processos de singularização ou trabalhar dentro do
possível para a promoção destes processos. Não há neutralidade ou objetividade
alguma neste campo. Quem se considera neutro fez a opção reacionária. Devem se
articular aos agenciamentos de enunciação que assumam sua responsabilidade no plano
micropolítico.
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Sujeito (Freud) X agenciamentos coletivos de enunciação: agenciamentos coletivos de
enunciação não correspondem à entidade individuada ou entidade social
predeterminada.
A subjetividade se produz em agenciamentos coletivos de enunciação – processos
duplamente descentrados:
1. extra-individuais/pessoais (sistemas antropológicos: maquínicos, econômicos, sociais,
icônicos, midiáticos);
2. infra-humanos/psíquicos/pessoais (sistemas de percepção, afetivos, de desejo, de
representação, de produção de valor, corporais, fisiológicos, etc.)
Produção de subjetividade X individualidade: indivíduo é resultado de produção de
massa: serializada, registrada, modelada. Freud foi o primeiro a mostrar o equívoco da
noção de totalidade do ego. Subjetividade: não é passível de totalização. Constitui-se
por múltiplos agenciamentos de subjetivação, fabricados no social. Descartes quis colar
subjetividade consciente e indivíduo. Fundar uma micropolítica de transformação
molecular passa pelo questionamento radical da noção de indivíduo como
referente geral dos processos de subjetivação. Passamos a considerar como casos
particulares os modos de individuação da subjetividade.
O indivíduo pode existir enquanto terminal: consumidor de subjetividade (sistemas
de representação, de sensibilidade, etc.) Há uma economia coletiva, processos coletivos
de enunciação que podem, em certas condições, se individuar. Indivíduo está na
encruzilhada de múltiplos componentes de subjetividade: do corpo, dos grupos
primários (clã, bando), da produção de poder (lei, polícia, gênero) e uma mais ampla (a
subjetividade capitalística. A sociedade não é um somatório de subjetividades
individuais, estas é que resultam do entrecruzamento de determinações coletivas
de várias espécies.
A subjetividade é essencialmente social, assumida e vivida pelos indivíduos em suas
existências particulares, de duas maneiras:
1. relação de alienação/opressão: indivíduo se submete à subjetividade tal como a
recebe;
2. relação de expressão/criação: indivíduo se reapropria dos componentes da
subjetividade, singularizando-os.
É preciso adentrar o campo da economia subjetiva e não mais se restringir à
economia política.
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Modos de produção territorializados X não-territorializados: desde a Revolução
Francesa (e o romantismo), há um movimento geral de desterritorialização das
referências subjetivas. Até então havia modos de produção territorializados: família
ampla, castas, segmentaridade social, que não tornavam a subjetividade operatória em
nível específico do indivíduo. As noções de responsabilidade individuada, erro e
culpabilidade interiorizada são também tardias. Todos se tornaram livres e iguais (não
de fato, mas de direito) e perderam suas aderências territorializadas, passando a
prestar conta a leis transcendentais da sociedade capitalística. Fundou-se outras
relações: com o pensamento (cogito), com a lei moral (numen kantiano), com a
natureza, com o outro (como objeto). Nessa deriva dos modos territorializados de
subjetivação se desenvolveram teorias psicológicas, bem como a reescrita
permanente dos procedimentos de subjetivação.
Singularidade (movimento desejante) X individualidade (tentativa de captura pela
subjetivação dominante): é mais correto falar de processos de singularização (pois se
trata de processos diferenciais) do que em singularidade (estanque). Processos de
singularização, portadores de vetores de desejo, podem encontrar processos de
individuação, quando então ocorrem de processos de responsabilização social, de
culpabilização e de entrada na Lei dominante. A articulação entre singularidade e
individualidade se dá desta forma e não através de uma disjunção absoluta, constituindo
uma espécie de “singularidade pura”. Processos de individuação cotejam diversos
processos de integração e normalização e estão relacionados a categorias nas quais
estamos inevitavelmente incluídos: necessidade de nutrição e sobrevivência, gênero,
pertencimento a determinada classe social, etc. todo o desenvolvimento da psicologia
tentou relacionar subjetividade e identidade individual, considerando conjuntos
familiares e sociais como superestruturas em relação à subjetividade individuada. Esta é
uma visão redutora. Os comportamentos e engajamentos nos sistemas de valor Janis
provêm desta individuação. Ocorre um processo de individuação da subjetividade,
através da reificação social da subjetividade, que desfavorece processos de
singularização infra-pessoal e extra-individual.
Identidade: crítica à noção de que as forças pulsionais permanecem submissas a ego,
superego, identidade, todas as instâncias de controle social. A modelização pelo sistema
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capitalístico é mais relacionada à desordem. Na produção de subjetividade capitalística
ocorre, sobretudo através da mídia, conexão direta entre as máquinas de produção e
controle social e instâncias psíquicas que definam como percebemos o mundo. O mérito
da psicanálise foi perceber a inadequação do termo identidade. No entanto, ela
promoveu uma explosão para dentro, propondo os objetos parciais. Podemos, ao invés
disso, operar uma explosão para fora, para os objetos ligados à produção e à relação
social, objetos transicionais ou institucionais.
Identidade é um conceito que opera a partir da circunscrição da realidade a quadros de
referência, que podem ser imaginários. Isso desemboca tanto no mecanismo de
identificação psicanalítico, quanto nos processos de identificação policiais. Identidade
faz passar a singularidade de diferentes maneiras de existir por um só e mesmo
quadro de referência identificável. Ainda que estejamos imersos em processos de
modelização serializada, sempre fazemos dela uma apropriação singular.
Identidade cultural como conceito reacionário, pois reifica a subjetividade, ignorando
seu caráter composto, fabricado. Desta forma, desconsidera parte da riqueza e
complexidade cultural de um grupo ou etnia. Liga-se ao nível da
territorialização/segmentaridade subjetiva. Implica o par identidade/alteridade. Pelo
contrário, podemos falar em “agenciamento de processos de expressão”, que em nível
molar é antagônico ao modo de subjetivação capitalístico, mas no nível molecular
indiferencia-se de outras produções semióticas (não são movimentos rotulados e
destacados como revolucionários, mas sutis, que mesclam-se a outros movimentos de
subjetivação). Os elementos de um campo cultural não podem ser resgatados pêra uma
prática, mas sempre criativamente inventados, já que inevitavelmente se articulam a
outros feixes semióticos, operando em relações transversais, transmaquínicas, não
constituindo um conteúdo purista.
Há uma dupla descentralização da subjetividade em relação à identidade:
1. é infrapessoal – sentimentos, formas de perceber, fragmentos que possibilitam
nossa constituição através dos agenciamentos de enunciação (identidade é
unidade, limitada, pessoal);
2. é agenciada no nível das concatenações de relações sociais, econômicas,
maquínicas, etc.
No fato de que os processos de subjetivação estão para além do domínio identitário
é que se entrelaçam as problemáticas políticas e as inconscientes (potência dos
componentes infrapessoais e extra-individuais).
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Distinções:
1. Revolução molecular/função de autonomia: atitude ético-analítica-política;
2. Processo de singularização: fato mais objetivo de uma singularidade desprender-
se de estratos de ressonância e fazer ploriferar um processo, o qual poderá ou
não encontrar uma estrutura ou sistema de ressonância intrínsecos.
3. autonomia: novos territórios/ritornelos sociais.
4. alternativas: podem ser micro ou macropolíticas.
5. Minoria: relacionada ao devir (minoritário), que questiona a subjetividade
dominante. Atualmente as minorias são a mola-mestra do questionamento da
subjetividade dominante, desde que seu diálogo não se reduzam a acordos entre
grupos oprimidos.
Marginalizados: conceito mais sociológico, que denota passividade. Populações
normalmente vigiadas, controladas e utilizadas em processos de coação à
conformação a uma subjetividade dominante (relacionado ao uso que se faz dos
pobres/não-consumidores, delinqüentes, etc)
Pode ocorrer de uma minoria ser tratada como marginalizada, ou um grupo
marginalizado querer operar como função minoritária e aí ambos se articulam.
Subjetividade dominante trata as questões dos grupos
minoritários/marginalizados como particulares, demandando soluções
particulares que não comprometam o status quo social.
Formas de repressão no CMI (Capitalismo Mundial Integrado): 1. repressão
direta:através de coerção material externa e sugestão de conteúdos de significação; 2.
atuação na produção de subjetividade, como máquina produtiva nivelada em escoal
mundial, formando a base de formação das força coletiva de trabalho e de controle
social. Processos maquínicos: as máquinas ganham importância cada vez maior nos
processos de produção, influenciando fortemente relações de inteligência, controle e
organização social.
Características da subjetivação capitalística:
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1. Deriva geral dos modos territorializados de subjetivação: tendência a igualar
tudo através de grandes categorias unificadoras e redutoras (capital, trabalho,
cultura, informação...), que desfavorecem os processos de singularização.
2. Culpabilização: as pessoas são convocadas a se definir e posicionar tendo
determinadas imagens ideais universais como referência. Estas referências não
são necessariamente impostas por coação, mas interiorizadas por nós e
reproduzidas por instância de superego e de inibição. Não se trata de uma
espécie de masoquismo (Eros/Thanatos) que seria tratável psicanaliticamente,
mas pela instalação de procedimentos micropolíticos que dissolvam estes
mecanismos de culpabilização.
3. Segregação (vinculada à culpabilização): ambas trabalham com quadros de
referência imaginários: sistemas de hierarquia inconsciente, escalas de valor e
disciplinarização. Investe-se contra todas as formas de valorização das
singularidades.
4. Infantilização: coação a encaixar-se no instituído e não criar, instituir. Os
modelos e prescrições de comportamento são repassados prontos, determinados
universalmente. Marca importante deste processo é a forte dependência do
Estado, que marca os processos de produção capitalística. Equipamento de
saúde, educação, cultura e mídia ganham importância desmedida, representando
o Estado em sua função ampliada.
5. Modos de temporalização/espacialização: impõem um tempo/espaço de
equivalências, como é o caso do assalariamento, através do qual se valoriza
diferentes atividades de produção. Oferece a base para o controle social e da
força produtiva de trabalho.
6. Produção tanto dentre os opressores quanto oprimidos: se distingue dos
sistemas de classes sociais ou castas. Isso traz imensas possibilidades de desvio
e reapropriação, desde que entendamos que a luta não é mais apenas econômica,
mas também subjetiva. O inimigo não está apenas nos imperialismos
dominantes, mas em nós mesmos.
4 condições para a industrialização do espírito (Hans Magnus Enzensberger):
1. racionalismo (pré-requisito filosófico);
2. Direitos Humanos, sobretudo igualdade e liberdade (pré-requisito político);
3. acumulação de capital (pré-requisito econômico);
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4. industrialização (pré-requisito tecnológico).
O chamado “trabalhador livre” constrói-se através de um processo simultâneo de
despersonalização/proposta de modelos universais abstratos que possa adotar
(importância da mídia nesse processo).
Atitudes do todo social diante dos agenciamentos coletivos de enunciação:
1. normalizadora: ignorar e invalidar estes agenciamentos, para resgatá-los e
integrá-los.
2. reconhecedora: reconhece estes agenciamentos em sua especificidade,
possibilitando sua articualção.
Ou seja: um ponto de singularidade pode ser anulado completamente ou entrar
em uma micropolítica que fará dele um processo de singularização. Nisso
reside a importância das problemáticas inconscientes. Os processos de
singularização são frágeis em função da constante iminência de captura a que estão
expostos, seja pela institucionalização, seja pelo devir-grupelho, como nos guetos.
Revoluções moleculares: fatores de resistência que não se contentam apenas com a
oposição às formas de subjetivação dominante, mas anseiam por produzir modos de
subjetivação originais e singulares. Refere-se sincronicamente aos níveis: infra-pessoais
(sonho, criação, etc), pessoais (relações de auto-dominação superegóicas), interpessoais
(vida doméstica, amorosa, profissional, etc). Revoluções moleculares são Viruá
contaminando o corpo social, criando mutações conscientes e inconscientes nos
indivíduos e grupos sociais. O traço comum entre os diferentes processos de
singularização é um devir diferencial que recusa a subjetivação capitalística.
Ocorre em 3 níveis: infra-pessoal, maneira como se vive as relações sociais, presença
das relações de força política.
Função de autonomização em um grupo: capacidade de operar seu próprio trabalho de
semiotização, inserir-se nas redes de força local, fazer e desfazer alianças. Processo de
singularização ou grupo sujeito é automodelador, capaz de captar elementos da situação
e construir seus próprios referenciais práticos e teóricos, sem ficar em permanente
dependência do poder/referencial global.
A partir da Revolução Burguesa, ocorreram transformações paralelas nos campos
econômico e das relações sociais. Não é isso que ocorre na crise atual. O movimento
mundial das revoluções moleculares está mais adaptado às transformações produtivas e
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informáticas atuais, à revolução das relações científicas e estéticas, do que estruturas
esclerosadas das universidades e organismos oficiais. Não se trata de resgatar uma
subjetividade passada, mas de criar condições para a produção de uma nova
subjetividade que se singulariza, encontrando suas vias de especificação.
Micropolítica: forma de agenciar as coisas para que os devires não sejam reificados em
formas individuais, recuperados como entidades molares.
Linhas de fuga: nos campos artístico e científico os sistemas de centralização jamais
controlam totalmente os processo criativos. Há sempre multicentragem de pontos de
singularização no processo de criação. Não há como programar uma revolução,
mesmo que cultural. Ela é sempre dissidente, transindividual, transcultural.
Rizoma: agenciamentos rizomáticos – causar questionamentos moleculares que se
propaguem e confrontem referenciais dominantes, a partir de perspectivas minoritárias,
de maneira imanente, entrelaçada com práticas sociais estabelecidas, formando alianças
baseadas na transversalidade.
Devir das minorias: devir-mulher/negro/homossexual, na atualidade, não buscam
apenas reconhecimento de uma identidade, mas a integração de seu devir na
sociedade, pondo em questão vários níveis de relações. Não é mais uma questão
setorial. Arcaísmos e traços que são retomados nesses processos moleculares o são na
articulação de um processo criador e não como resgate. Toda vez que uma problemática
de identidade ou reconhecimento aparece, estamos diante da ameaça de paralisação do
processo. Estes elementos de devir compõem a dimensão molecular do inconsciente.
A segregação das minorias é um mecanismo necessário à produção de subjetividade
capitalística. Se respondemos a partir dos devires diversos (e não das reivindicações
identitárias), atuamos desmontando este mecanismo de subjetivação segregacionista.
Mal-estar com as instituições: processo que se inicia na década de 60. “Libido
burocrática” caracteriza o deslumbramento com a instituição. Tanto o elogio quanto a
contestação radicais às instituições cometem o mesmo engano: ter o instituído como
parâmetro único da constituição de sai mesmo e de sua relação com os outros.
Ambos funcionam do ponto de vista molar, considerando apenas o instituído. A
negação total da instituição opera supondo um mundo alternativo paralelo, que é irreal.
Para transformar as instituições, devemos primeiro aceitar que elas existem.
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Não há contradição entre institucionalização e capacidade criadora. O que é decisivo
não são as leis votadas ou os projetos de grandes empresas, mas que estes possam ser
constantemente confrontados com a vitalidade do movimento em todos os seus
componentes. Todas as ações desviantes prestam-se à recuperação pelos meios
dominantes.
Brasil: conjugam-se freqüentemente formas super-modernas e grandes arcaísmos.
Exemplo: há o mundo das pessoas, das relações personalizadas e acima da lei. Há
também o mundo dos indivíduos, impessoal, regido pela lei igualitária e
universalizante. Roberto da Matta: a Lei só se aplica aos indivíduos e nunca às
pessoas.
Para enfrentar o problema da dominação, há de se atuar em duas frentes:
1. crítica ao indivíduo, trabalhador livre, despersonalizado/repersonalizado.
2. Desinvestir os códigos de relações pessoais, hierarquizante e autoritário (“Vc
sabe com quem está falando?)”.
Quebra-quebra de 1983: constitui processos de singularização, mas também promessas
sedutoras e perigos. Questionou-se toda uma forma de controle social e da força de
produção através de saques e invasões. No entanto, o desmanche passou a ser
finalidade ao invés de meio necessário à construção. (perigo que Guattari chama de
microfascismo) No entanto, o pânico social se deu em função do próprio desmanchar,
do ataque às principais engrenagens sociais. Apenas mudanças molares são bem
aceitas. As transformações moleculares são vivenciadas como portadoras do caos e
da violência. Uma maneira de evitar o microfascismo não é operando sistemas de
controle e sobrecodificação, mas instaurando dispositivos que articulem modos de
expressão dissidentes aos dominantes, criando modos de conexão e articulação
rizomática.
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