SES35 Pactos Para La Igualdade Sintese

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Pactos para a igualdade Rumo a um futuro sustentável Trigésimo quinto período de sessões da CEPAL Lima, 5 a 9 de maio 2014 Síntese

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  • Pactos para a igualdadeRumo a um futuro sustentvel

    Trigsimo quinto perodo de sesses da CEPAL

    Lima, 5 a 9 de maio

    2014

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  • Pactos para a igualdadeRumo a um futuro sustentvel

    Trigsimo quinto perodo de sessesda CEPAL

    Lima, 5 a 9 de maio

    2014

    Snt

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  • Distr.: Geral LC/G.2587(SES.35/4) Abril de 2014 Original: Espaol 2014-213 Naes Unidas Impresso em Santiago, Chile

    Este documento foi coordenado por Alicia Brcena, Secretria Executiva da CEPAL, com a colaborao de Antonio Prado, Secretrio Executivo Adjunto, Martn Hopenhayn, Diretor da Diviso de Desenvolvimento Social, e Vernica Amarante, Diretora do Escritrio da CEPAL em Montevidu.

    No grupo de redao participaram Vernica Amarante, Martn Hopenhayn e Gabriel Porcile, que contaram com os valiosos aportes de Vianka Aliaga, Fernando Filgueira, Juan Alberto Fuentes, Pablo Yanes e Romain Zivy.

  • 3ndice

    I. Introduo ........................................................... 5

    A. O enfoque da CEPAL: a trilogia da igualdade ................................................... 5

    B. A inflexo e a encruzilhada ............................ 8

    II. Igualdade e sustentabilidade face ao futuro na Amrica Latina e no Caribe .......................... 13

    A. Estrutura e instituies: um modelo para armar .................................................... 13

    B. As ameaas sustentabilidade do desenvolvimento com igualdade................... 17

    III. Igualdade e desigualdade na Amrica Latina e no Caribe ........................................................ 21

    A. Igualdade de meios: renda e massa salarial ............................................... 21

    B. Igualdade em capacidades e em qualidade de vida ......................................... 24

    C. Desigualdades reprodutivas .......................... 25

    D. Aspectos relacionais da igualdade ................ 26

    E. Igualdade e reconhecimento recproco: brechas de gnero em autonomia ................. 28

    F. A dimenso subjetiva: percepes sobre desigualdade e conflitividade ....................... 28

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    IV. O mundo do trabalho: chave-mestra para a igualdade ................................................ 31

    A. O copo meio cheio ....................................... 31

    B. O copo meio vazio: as desigualdades de gnero no mundo do trabalho .................. 35

    C. Melhoras recentes e incertezas quanto ao futuro ........................................... 37

    V. Padres de consumo e estilo de desenvolvimento ........................................... 39

    VI. Estilo de desenvolvimento e sustentabilidade ambiental ................................ 47

    VII. Governana dos recursos naturais na perspectiva da mudana estrutural com igualdade ................................................... 55

    A. Os recursos naturais e a dinmica do desenvolvimento ..................................... 57

    B. Propriedade e apropriao da renda dos recursos naturais .................................... 59

    C. A governana que falta ................................. 62

    VII. Pactos para a igualdade, a sustentabilidade e a mudana estrutural ...................................... 65

    A. Pacto para uma fiscalidade com vocao de igualdade ................................................. 66

    B. Pacto para o investimento, a poltica industrial e o financiamento inclusivo........... 67

    C. Pacto para a igualdade no mundo do trabalho ................................................... 68

    D. Pacto para um maior bem-estar social e melhores servios pblicos ........................ 69

    E. Pacto para a sustentabilidade ambiental ........ 70

    F. Pacto para a governana dos recursos naturais ........................................... 71

    G. Um pacto da comunidade internacional pelo desenvolvimento e a cooperao ps-2015 ...................................................... 72

    H. A importncia de pactuar ............................. 73

  • 5I. Introduo

    A. O enfoque da CEPAL: a trilogia da igualdade

    Propor um modelo de desenvolvimento sustentvel no mdio e longo prazo tem sido uma preocupao recorrente da CEPAL ao longo de sua histria. Esta marca cobra renovados brios no ltimo lustro e se expressa no que quisemos denominar trilogia da igualdade, plasmada nos documentos centrais apresentados nos dois ltimos perodos de sesses (Braslia, 2010, e San Salvador, 2012)1, e naquele preparado para o trigsimo quinto perodo de sesses, que ser celebrado em Lima, em maio de 20142. O presente documento constitui a sntese do apresentado em Lima e trata, em diversas esferas, os dois grandes desafios que enfrenta o desenvolvimento na Amrica Latina e no Caribe, que seriam: alcanar maiores graus de igualdade e procurar sustentabilidade na atual inflexo do desenvolvimento e frentes s novas geraes.

    A CEPAL publicou o primeiro documento desta trilogia em 2010, por ocasio do trigsimo terceiro perodo de sesses, com o ttulo A hora da igualdade: brechas por fechar, caminhos por abrir. Neste se prope um desenvolvimento centrado no valor da igualdade com enfoque de direitos. Igualar para crescer e crescer para igualar a mxima que marca o esprito desta proposta. Reiterou-se a a importncia do papel do

    1 Veja CEPAL, La hora da la igualdad: brechas por cerrar, caminos por abrir (LC/G.2432 (SES.33/3)), Santiago do Chile,2010; e Cambio estructural para la igualdad: una visin integrada del desarrollo (LC/G.2524(SES.34/3)), Santiago do Chile, 2012.

    2 CEPAL, Pactos para la igualdad: hacia un futuro sostenible (LC/G.2586(SES.35/3)), Santiago do Chile, abril de 2014.

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    Estado luz da crise dos emprstimos hipotecrios de alto risco, deixando em questionamento o papel do mercado autorregulado, e a necessidade de conjugar o desenvolvimento com a plena titularidade de direitos.

    Em matria macroeconmica, A hora da igualdade props estabilizar e resistir apreciao cambial. Destacou-se a importncia de uma fiscalidade proativa para conciliar equilbrios macros com promoo do dinamismo econmico e reduo da volatilidade da atividade produtiva, sustentando elevados nveis de utilizao da capacidade instalada. Advogou-se, em consonncia com o anterior, por usar controles de capital que regulassem a entrada e a sada dos fluxos externos. Com estas propostas procurou-se um distanciamento da ortodoxia dos anos oitenta e noventa do sculo passado, entendendo que ela impunha uma camisa de fora ao desenvolvimento das capacidades produtivas da regio. As propostas heterodoxas que formulou a CEPAL estavam em sintonias com os novos tempos. No foi casual que ressoassem nas renovadas agendas pblicas e em documentos do Fundo Monetrio Internacional, do Banco Mundial e de outras agncias multilaterais. Hoje, falar de igualdade, reformas fiscais progressivas e de polticas pblicas de Estado mais ativas e com uma viso de longo prazo em mbitos econmicos e produtivos deixou de ser um antema e tais conceitos passaram a fazer parte da linguagem aceita e de uma viso compartilhada.

    Posteriormente, se sugeriu a urgente necessidade de fazer uma mudana estrutural orientada a fechar as brechas tanto externas como internas, cuja dinmica levasse a superar a heterogeneidade da estrutura produtiva. Enfatizou-se que era preciso pr a macroeconomia em sintonia com a mudana estrutural, promovendo o investimento por meio de polticas industriais ativas, o que inclui de maneira destacada o fechamento das brechas em inovao e infraestrutura, um decidido apoio s pequenas e mdias empresas (PME) e o fomento da pesquisa e desenvolvimento.

    No documento A hora da igualdade se revisa trs aspectos fundamentais referentes igualdade e incluso, que seriam: a dimenso territorial, o emprego e a proteo social. Estes aspectos no esto desconectados da esfera produtiva, e por isso a CEPAL tem reiterado que no somente no social se transforma o social . O territrio, o emprego e a proteo social esto estreitamente associados a um padro produtivo que configura a incluso do ponto de vista territorial, determina a gerao de emprego

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    produtivo e, dessa maneira, maior solidez tanto fiscal como contributiva para fortalecer a proteo social e o desenvolvimento de capacidades.

    Por outro lado, a proteo e o investimento social devem estar conectados de forma a promover, de forma combinada, a igualdade e o dinamismo produtivo. O investimento na primeira infncia, a proteo frente a choques externos mediante transferncias bsicas de renda, a criao de sistemas de cuidado que contribuam a este investimento e plena incorporao da mulher ao mercado de trabalho so elementos constitutivos da prpria transformao estrutural, dado que: incrementam capacidades humanas, igualam oportunidades e resultados, trazem coeso sociedade e atacam as causas fundamentais da reproduo intergeracional da excluso.

    Estes pilares do desenvolvimento apresentados em A hora da igualdade foram aprofundados no documento principal do trigsimo quarto perodo de sesses da CEPAL, sob o ttulo de Mudana estrutural para a igualdade: uma viso integrada do desenvolvimento. A perspectiva da mudana estrutural exige um manejo do ciclo econmico que se traduza na maior ocupao possvel da capacidade instalada durante seu transcurso. Ao mesmo tempo necessrio promover, por meio de polticas industriais, a inovao e o investimento para incorporar em forma crescente o conhecimento e construir capacidades endgenas no mbito tecnolgico e produtivo, criando vantagens comparativas dinmicas. Este processo no significa deixar de aproveitar os ciclos de alta de preos dos recursos naturais, mas ter claro que isto no suficiente para construir bases slidas e sustentveis de crescimento.

    A viso retrospectiva mostra que na regio os ciclos expansivos vm acompanhados de apreciao da taxa de cmbio real e, por conseguinte, de gerao de vulnerabilidades no balano de pagamentos. Quando a CEPAL apresentou Mudana estrutural para a igualdade, o ciclo 2003-2011 olhado superficialmente parecia escapar a este problema. No entanto, a viso estratgica do documento j advertia sobre este risco, que hoje se concretiza num crescente dficit da conta corrente.

    Na base desta relao que bloqueia o desenvolvimento sustentado e sustentvel se encontram vrios fatores: a acelerao cclica dos fluxos de capital e a variao dos termos de troca, a dependncia da exportao de matrias-primas, a ausncia de polticas industriais e tecnolgicas

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    que aproveitem estes ciclos em favor da mudana estrutural, uma viso limitada do ciclo e da estabilidade nominal (que solapa outras metas como o emprego e a distribuio), e a relutncia ao uso de instrumentos de regulao e administrao dos fluxos internacionais de capital.

    Em A Mudana estrutural para a igualdade, a CEPAL props um conjunto de iniciativas para reverter os crculos viciosos que operam em detrimento da sustentabilidade e convert-los em crculos virtuosos da sustentabilidade do desenvolvimento. Trata-se de que a transformao qualitativa da estrutura produtiva impulsione e fortalea setores e atividades mais intensivos em conhecimento e com demanda de rpido crescimento que, ao mesmo tempo, gerem mais e melhores empregos, que so a chave-mestra para a igualdade. Para tal fim, requer-se um enfoque sistmico que articule polticas macroeconmicas e fiscais com polticas industriais e sociais.

    B. A inflexo e a encruzilhada

    A crise de 2008 ps prova a capacidade dos Estados de atenuar os impactos de um choque externo grave e preservar seus equilbrios, mas com clara mobilizao de recursos polticos e financeiros, e com um critrio anticclico, mitigando custos sociais que em crises precedentes se sentiram de maneira brutal. Os pases da regio responderam com sentido de oportunidade, combinando as urgncias sociais com as cautelas econmicas. A resposta revelou uma surpreendente maturidade da ao pblica e de resoluo poltica. Ficou evidente que as receitas ortodoxas j no operam como preceito e a margem de manobra foi ampliada a partir da poltica e das polticas, com um aprofundamento da democracia. A regio conseguiu ampliar seu arsenal e seus objetivos de poltica.

    Com diferentes velocidades e de acordo com a grande heterogeneidade que existe entre os pases, se obtiveram progressos significativos na reduo da pobreza e do desemprego e avanos incipientes na distribuio da renda. Consolidaram-se sistemas democrticos em pases que h alguns anos eram devastados por guerras civis ou submetidos a regimes ditatoriais. Alcanou-se maior estabilidade macroeconmica, se reduziu a dvida pblica e se aplicaram polticas anticclicas para mitigar os impactos das crises externas; melhoraram-se a matrcula e

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    a progresso educacional, a prestao de servios de atendimento da sade e o acesso a redes de proteo social.

    Hoje, a regio da Amrica Latina e do Caribe encontra-se numa encruzilhada. Os avanos esto encontrando limites, seja para sustentar ou expandi-los. Apresentam-se grandes desafios no intuito de manter a rota ascendente no caminho rumo igualdade associada plena titularidade de direitos e para ampli-la aos diversos mbitos em que esta igualdade tem um papel a cumprir. Enfrentam-se, tambm, importantes desafios em matria de sustentabilidade econmica frente a uma fase menos dinmica do ciclo e a atrasos profundos nos padres produtivos. Em matria de sustentabilidade ambiental se conjugam questes globais da mudana climtica com dinmicas de consumo e concentrao urbana cujas acentuadas externalidades ambientais negativas impactam a economia e o bem-estar das pessoas.

    Na Amrica Latina e no Caribe os limites esto dados por uma combinao de restries externas e caractersticas endgenas. Entre as primeiras se destacam a perda de dinamismo do comrcio internacional, a flutuao dos preos das matrias-primas, a volatilidade dos sinais financeiros e a reorganizao da produo em cadeias transnacionais de valor, em que os pases da regio correm o risco, uma vez mais, de perder a oportunidade de inserir-se com menores assimetrias. Entre as segundas as caractersticas endgenas se destacam a estrutura produtiva desarticulada e defasada, os nveis de investimento baixos e com pouca incorporao de progresso tcnico, a alta informalidade no mundo do trabalho, as brechas de bem-estar e de capacidades, a dbil governana dos recursos naturais, os padres de consumo em que se evidenciam fortes carncias de servios pblicos e altas presses ambientais e energticas, e o persistente dficit institucional em matria de regulao, captao de renda e orientao de recursos. Ainda que haja diferenas entre sub-regies, a Amrica Latina e o Caribe devem enfrentar em conjunto o desafio de fechar as brechas que suscitam os altos nveis de desigualdade, a heterogeneidade estrutural e a vulnerabilidade externa.

    O auge de preos dos produtos bsicos e seus impactos sobre a macroeconomia traduziram-se numa propenso a uma maior especializao em torno dos recursos naturais. O investimento pblico no recuperou seu papel dinamizador, apesar das carncias existentes em termos de infraestrutura, nem impulsionou de forma suficiente

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    a participao do setor privado na prestao de servios essenciais, como educao e sade, e se agravou o dficit na proviso de servios de qualidade por parte do Estado. Quanto mais centralidade adquire o consumo privado, mais difcil a convergncia a contratos sociais com vistas a uma proviso de servios pblicos de qualidade e seu uso por parte de distintos grupos socioeconmicos. Num contexto de dbil institucionalidade trabalhista, persistem, tambm, altos nveis de informalidade do emprego e da ocupao e baixos nveis deprodutividade.

    O crescimento, embora mantenha suas taxas positivas, desde 2001 vem minguando e a mudana no ciclo dos recursos naturais, bem como a provvel reduo dos fluxos de capital e da liquidez mundial e o possvel aumento das taxas de juros, nos coloca diante de um cenrio futuro menos favorvel. A reduo da pobreza e da desigualdade mostra indcios de haver entrado em uma senda menos dinmica, ao passo que a indigncia encontra-se estabilizada. Por outro lado, as emergentes classes mdias e os setores vulnerveis que recentemente deixaram atrs a pobreza incrementaram as exigncias ao Estado, do qual reclamam a proviso adequada de servios pblicos e coletivos de qualidade, tais como segurana, transporte, educao e sade.

    Tudo o anteriormente mencionado representa um enorme desafio de avanar em trajetrias de maior igualdade. A complexidade do momento, bem como o futuro de curto e mdio prazo, reclama uma atuao diligente e progressiva no mbito das polticas pblicas e do esforo fiscal com impacto positivo na igualdade. Como consequncia, tal como assinalado mais adiante, faz-se necessrio reformular os equilbrios entre o Estado, o mercado e a sociedade para construir pactos em que participem aqueles atores que deem garantias a acordos polticos de longo alcance quanto a prazos e abrangncia. Apenas a partir de tais pactos seria possvel constituir uma institucionalidade e uma vontade coletiva que criem este espao de polticas; e s por meio dos pactos a sociedade poderia internalizar o sentido e o contedo destas polticas.

    Assim, preciso harmonizar a sustentabilidade econmica, social e ambiental em uma viso estratgica de desenvolvimento, com a igualdade como horizonte, a mudana estrutural como caminho e a poltica como instrumento. Para isto ser preciso privilegiar um maior dinamismo do investimento para assegurar uma relao virtuosa entre

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    crescimento, produtividade e sustentabilidade ambiental por meio da incorporao do conhecimento produo e gerao de um alto valor agregado; dar maior potencial inclusivo ao mundo do trabalho e fazer convergir a poltica fiscal e as polticas sociais na reduo das mltiplas brechas sociais que trazem uma perspectiva multidimensional s desigualdades que enfrenta a regio; orientar a expanso do consumo para harmonizar a oportuna proviso de servios pblicos com o consumo privado, e em consonncia com uma maior incluso social e sustentabilidade ambiental; e avanar resolutamente a uma melhor e maior governana e aproveitamento dos recursos naturais para construir uma economia diversificada, ambientalmente sustentvel e com sinergias no emprego e no bem-estar.

    Trata-se de conjugar a sustentabilidade de mdio e longo prazo de um desenvolvimento dinmico com o avano sistemtico a maiores nveis de igualdade. Tal igualdade no se entende exclusivamente como uma igualdade de meios , ou seja, como uma melhor distribuio da renda. Entende-se, tambm, como maior igualdade em capacidades, que ampliem as margens de atuao, no exerccio da cidadania, e em dignidade e reconhecimento recproco dos atores. Reconhecer os sujeitos como iguais e interdependentes implica implementar polticas tanto para promover sua autonomia como para mitigar suas vulnerabilidades. Incorporar, do ponto de vista de gnero, etnia e meio ambiente, as contribuies realizadas implica, do mesmo modo, conceber polticas de igualdade na distribuio de atribuies (na famlia, no trabalho, na poltica), na relao entre geraes presentes e futuras e na visibilidade e afirmao de identidades coletivas.

    Os pontos-chaves de um projeto de um futuro de igualdade e desenvolvimento, como proposto pela CEPAL nos documentos citados e neste que aqui se apresenta, demandam uma articulao virtuosa entre instituies e estruturas: polticas industriais capazes de articular agentes pblicos e privados para elevar o investimento e modificar a composio setorial em prol de maior produtividade; governana e aproveitamento das vantagens comparativas em recursos naturais para construir uma economia diversificada com forte incorporao de conhecimento, de alto valor agregado e com maior potencial inclusivo no mundo do trabalho; melhor equilbrio entre a proviso de servios pblicos e a dinmica do consumo privado, em consonncia com a sustentabilidade

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    ambiental, e construo de uma fiscalidade tributria e de gasto pblico socialmente sustentvel, para obter um alto impacto na redistribuio de renda e uma expanso do desenvolvimento de capacidades para o conjunto da sociedade. Somente uma dialtica virtuosa entre a mudana institucional e a mudana das estruturas permitir potencializar o desenvolvimento com base na orientao estratgica que se prope nas pginas subsequentes.

    Para alcanar uma dinmica virtuosa entre melhores instituies e estruturas mais propcias para o desenvolvimento sustentvel e a igualdade social, se requerem contratos ou pactos sociais em distintas esferas. S as polticas consagradas em pactos podem oferecer um marco mais robusto e duradouro para formular orientaes de mdio e longo prazo: um pacto pelo investimento e a mudana estrutural; um pacto fiscal por um melhor equilbrio entre bens privados e servios pblicos na arquitetura do bem-estar; um pacto de governana dos recursos naturais e preservao do meio ambiente, com nfase na solidariedade com as geraes futuras e uma matriz produtiva mais diversificada e verde , e um pacto social e trabalhista, para potencializar a capacidade de redistribuio do Estado em distintos mbitos da desigualdade e para que a institucionalidade laboral acompanhe a mudana estrutural a fim de reduzir brechas de gnero, de produtividade, de emprego de qualidade e de apropriao entre capital e trabalho.

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    II. Igualdade e sustentabilidade face ao futuro na Amrica Latina e no Caribe

    Na Amrica Latina e no Caribe, a conjuno de estruturas pouco diversificadas e de baixa intensidade em conhecimentos, com instituies pouco eficientes e muitas vezes capturadas pelos agentes de maior poder econmico e poltico, conduz a uma distribuio primria de recursos aquela que surge do mercado altamente desigual, que por sua vez s corrigida marginalmente pela fiscalidade e pelas polticas sociais. Os resultados (com grandes diferenas entre pases) so economias de baixa produtividade e alta segmentao, bem como sociedades com grandes brechas de renda, capacidades, redes de relaes e reconhecimento como sujeitos plenos de direitos.

    A. Estrutura e instituies: um modelo para armar

    1. Estrutura produtiva e desigualdade

    Uma estrutura produtiva se torna mais complexa quando se diversifica com uma participao crescente de atividades intensivas em conhecimentos. Isto favorece a igualdade de pelo menos trs maneiras. Primeiro, permite que a economia seja capaz de elevar sua produtividade e competitividade e, dessa forma, sustentar o crescimento e expandir o emprego de qualidade. Segundo, uma economia mais complexa gera estratos intermedirios de produtividade que esto ausentes nas economias mais simples, onde grande parte do emprego se concentra em setores de baixa produtividade, muitas vezes informais, que tm um impacto negativo sobre a igualdade. Finalmente, a desigualdade se

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    associa distribuio da educao e das capacidades entre os agentes econmicos. Esta distribuio no ocorre no vazio, seno no contexto de certos processos produtivos. As estruturas mais complexas requerem mais trabalhadores qualificados, sem o que a oferta destes no encontraria sua demanda e os estmulos educao cairiam rapidamente.

    2. Desigualdade e instituies

    As instituies atuam sobre as estruturas sociais, e especificamente sobre a igualdade, em diversas instncias. Em primeiro lugar, a distribuio da renda resultante do mercado j est afetada pela interveno estatal (ou por sua ausncia) mediante o estabelecimento de pisos salariais, a negociao entre trabalhadores e empresas, e a regulao dos graus de concentrao nos mercados de bens e servios, entre outros fatores. Todos eles tm consequncias diretas sobre a desigualdade da renda primria. Em segundo lugar, as intervenes pblicas redefinem a distribuio gerada pelo mercado via instrumentos como impostos e transferncias. Esses so mecanismos que afetam diretamente a distribuio da renda disponvel dos domiclios. Por ltimo, uma parte muito importante da ao do Estado em termos de redistribuio opera por meio de mecanismos que podem ser considerados indiretos, como o gasto pblico em educao e sade, que no afetam a renda disponvel atual dos domiclios, mas tm um impacto muito relevante, diferido no tempo, na medida em que promovem as capacidades humanas e facilitam a insero futura no mercado de trabalho.

    Enquanto nos pases da OCDE, em mdia, por meio de impostos e de transferncias se alcana uma reduo de 35% no ndice de Gini, que reflete como a renda se distribui nos domiclios, na Amrica Latina e no Caribe a reduo mdia obtida de apenas 6%. Muitos pases da regio tm nveis de desigualdade na renda de mercado similares aos que apresentam diversos pases com maior grau de desenvolvimento (Estados Unidos, Israel, Itlia, Frana, Espanha, Grcia, Portugal, Reino Unido e Irlanda), porm, ao no corrigirem essas assimetrias o resultado final uma desigualdade muito mais elevada na regio. Em grande medida isto se deve a que os mercados de trabalho na Amrica Latina e no Caribe registram altos nveis de informalidade que, no longo prazo, se traduzem num limitado acesso a penses. A capacidade redistributiva das demais transferncias tambm menor na regio, devido aos montantes envolvidos.

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    3. Dinmicas sustentveis entre produtividade e igualdade

    As estruturas produtivas e instituies em prol da igualdade podem combinar-se de distintas formas e gerar diferentes dinmicas. No grfico1 utilizam-se os nveis de produtividade do trabalho (eixo das ordenadas) como uma aproximao da intensidade de conhecimentos presente na estrutura produtiva, j que eles resultam das capacidades tecnolgicas difundidas no tecido produtivo. O gasto pblico social como porcentagem do PIB (eixo das abscissas) se apresenta como uma aproximao do esforo das instituies em corrigir desigualdades e proteger os setores vulnerveis. A desigualdade se representa por meio do tamanho dos crculos, que correspondem aos ndices de Gini (crculos maiores indicando maior desigualdade). Da se depreende as seguintes evidncias.

    Grfico 1Produtividade do trabalho e gasto social como porcentagem do PIB,

    ao redor de 1990 e 2010, e desigualdade, ao redor de 2010 a

    (Em dlares constantes de 2005 e porcentagens)

    Estados Unidos 38

    Austrlia 33,4

    Canad 32

    Dinamarca 25,2

    Finlndia 26

    Irlanda 33,1

    Nova Zelndia 31,7

    Sucia 26,9

    Rep. da Coreia 31,1

    Cingapura 44,8

    Hong Kong (RAE da China) 43,1

    Argentina 44,5

    Brasil 54,7

    Chile 50,1

    Colmbia 55,9 Costa Rica 50,7Equador 49,3

    Mxico 47,2

    Peru 48,1

    Uruguai 45,3

    Venezuela (Rep. Bol. da) 44,8

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    Gasto social como porcentagem do PIB

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em Standardized World Income Inequality Database, verso 4.0, setembro de 2013 [on-line] http://myweb.uiowa.edu/fsolt/swiid/swiid.html; Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), STAN Structural Analysis Database [on-line] http://www.oecd.org/industry/ind/stanstructuralanalysisdatabase.htm; e Banco Mundial, World Development Indicators.

    a As linhas indicam a evoluo da produtividade do trabalho e o gasto social entre os dois anos considerados (ao redor de 1990 e 2010). A desigualdade est representada pelo tamanho dos crculos, que correspondem aos ndices de Gini (os crculos maiores indicam maior nvel de desigualdade).

    Em primeiro lugar, no se deve renunciar igualdade para ser mais eficiente. Os pases mais igualitrios so aqueles que apresentam maior produtividade e os que mais investem em corrigir as desigualdades

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    derivadas do processo competitivo (segundo o refletido no gasto social como porcentagem do PIB). Seu ncleo (na parte superior do quadrante nordeste) est composto principalmente pelos pases escandinavos, que combinam uma estrutura produtiva complexa com uma institucionalidade que limita os efeitos concentradores do mercado e que, em grande medida, redefine seus resultados.

    Segundo, as instituies cumprem um papel-chave na distribuio. H um grupo de pases (Austrlia, Canad, Estados Unidos, Irlanda) que tm estruturas produtivas complexas como as dos pases escandinavos, porm menos igualdade. A diferena est nos nveis mais altos de gasto social dos escandinavos. A institucionalidade existente e as decises da sociedade acerca de o quanto de desigualdade est disposta a tolerar, importam e deixam um rastro claro nos padres de desigualdade, mesmo em pases de similar complexidade produtiva. Isto vlido tambm para os pases asiticos. Muitos deles puderam avanar rapidamente na reduo da desigualdade por meio da mudana estrutural e da criao contnua ao longo de muitas dcadas de empregos de produtividade crescente. Mas para mover-se em direo ao quadrante nordeste no basta a produtividade nem o emprego; preciso que estes pases tambm elevem seu gasto social. Em muitos deles o aumento do gasto social j um tema importante dentro da agenda de polticas.

    Terceiro, o gasto social no suficiente para alcanar os estgios mais elevados da igualdade. A poltica de produtividade deve ir acompanhada da poltica de distribuio. Muitos pases latino-americanos elevaram seu gasto social nos anos 2000 e puderam reduzir a desigualdade, apesar das deficincias quanto composio do gasto social. Mas a continuidade da reduo da desigualdade requer a mudana estrutural e a diminuio da informalidade; sem o que, surgem desequilbrios que limitam a gerao de empregos. Estes desequilbrios podem aparecer na conta corrente do balano de pagamentos (um aumento desproporcional das importaes em relao s exportaes), no campo fiscal (dficit pblico) ou no comportamento dos preos (presses inflacionrias). Para isto contribui o fato de que o aumento da produtividade na Amrica Latina e no Caribe tem sido muito mais fraco que em outras regies. Na regio, a linha de evoluo da produtividade entre 1990 e 2010 quase horizontal, ao passo que a de outros pases da amostra mostra uma tendncia claramente positiva.

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    B. As ameaas sustentabilidade do desenvolvimento com igualdade

    Na ltima dcada, a regio mostra uma importante reduo da pobreza, do desemprego e da desigualdade de renda; melhoras na cobertura educacional e da proteo social e um aprofundamento da democracia e uma consolidao da estabilidade econmica. No entanto, como j mencionado, no que diz respeito margem para sustentar e expandir estes avanos no futuro, hoje se est perante uma encruzilhada. No marco do padro de desenvolvimento vigente e das atuais relaes entre estruturas e instituies, at onde a regio pode avanar substancialmente no sentido de alcanar maior igualdade e de ampli-la em suas distintas dimenses? A pergunta quanto ao futuro do desenvolvimento , tambm, a pergunta a respeito da sua sustentabilidade em distintos mbitos: econmico, social e ambiental.

    1. Sustentabilidade econmica: entre os desequilbrios macroeconmicos e a mudana estrutural

    Aps o choque negativo da crise internacional de 2008 e 2009, o binio 2010-2011 mostrou um considervel crescimento da atividade econmica e do emprego, porm, posteriormente os pases da regio perderam o mpeto inicial dessa recuperao e suas economias se desaceleraram em 2012 e 2013. Embora no haja riscos de crises graves como as ocorridas nos anos oitenta, fim dos anos noventa e no princpio da dcada de 2000, a desacelerao parece anunciar cenrios futuros de menor crescimento. Isto implica que o mercado de trabalho tambm ser menos dinmico e poderia deixar de contribuir para a reduo da desigualdade. Assim, em 2013 freou-se a queda do desemprego, que se observava desde fins de 2010.

    Um contexto de lento crescimento mundial poderia acentuar a vulnerabilidade das economias da regio aos desequilbrios em conta corrente do balano de pagamentos, que tem se mostrado crescentemente deficitria. Muitas destas economias j atravessam cenrios em que predominam os dficits gmeos dficits em conta corrente e dficits fiscais. Isto supe a necessidade de futuros ajustes, que podem redundar em taxas mais baixas de crescimento e de emprego. A esta vulnerabilidade se agrega outra com implicaes muito significativas para a sustentabilidade do crescimento. Trata-se do baixo dinamismo mostrado pelo investimento, dado que nos ltimos anos o crescimento veio sendo liderado pelo consumo (veja o grfico 2).

  • 18

    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    Grfico 2Amrica Latina: taxa de variao do PIB e contribuio ao crescimento

    dos componentes da demanda agregada, 1980-2013 (Em porcentagens do PIB)

    -10

    -5

    0

    5

    10

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    a

    Exportaes de bens e servios ConsumoFormao bruta de capital fixo Importaes de bens e servios

    PIB

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.

    a Cifras estimadas.

    Sem uma recuperao do investimento no possvel pensar em taxas mais elevadas de progresso tcnico nem em infraestrutura que contribua para reduzir a brecha de produtividade existente em relao s economias avanadas. Assim, por exemplo, a produtividade da maioria dos pases da regio tem decado de forma contnua em relao dos Estados Unidos. Em um mundo em que a fronteira tecnolgica se move com grande velocidade, esta queda do investimento supe problemas mais agudos de competitividade e de crescimento no futuro.

    2. Igualdade e sustentabilidade no mbito social

    Nos ltimos anos, a conjuntura favorvel do mercado de trabalho o principal fator na diminuio da pobreza e da desigualdade na maioria dos pases da Amrica Latina e do Caribe. A regio mostra hoje os indicadores mais favorveis dos ltimos 20 anos em matria de emprego, desemprego e participao, e o crescimento do emprego significou tambm uma relativa melhora de sua qualidade, j que aumentou a importncia dos assalariados. Na ltima dcada, ademais, se reduziu moderadamente o peso do emprego em setores de baixa produtividade e aumentaram tanto os salrios reais como os salrios mnimos. As mudanas ocorridas neste instrumento (polticas de salrio mnimo)

  • CEPAL 2014

    19

    foram, em alguns pases, um impulso relevante para a reduo da pobreza e da desigualdade. No entanto, o atual risco de desacelerao do crescimento poderia solapar esta tendncia positiva, sobretudo em uma estrutura produtiva que no foi diversificada e nem se tornou o suficientemente complexa para resistir melhor a choques.

    O resultado direto dos aumentos do emprego e da renda laboral na regio foi a queda da pobreza, cuja taxa na Amrica Latina em 2013 chegou a 27,9% da populao, enquanto a indigncia se reduzia a 11,5%. Desta maneira, desde 2002, a queda acumulada da pobreza alcana 16 pontos percentuais e a da extrema pobreza, 8 pontos percentuais.

    A este copo meio cheio se contrape outro meio vazio. Uma alta proporo da populao permanece em condies de vulnerabilidade porque sua renda encontra-se prxima da linha de pobreza. A pobreza costuma concentrar-se em crianas e mulheres. Em desenvolvimento de capacidades, embora a regio registre avanos em matria de cobertura, acesso e progresso dos distintos ciclos educativos, se observa uma forte estratificao de aprendizagens e de resultados dentro dos sistemas educativos. Na estrutura do gasto social, o investimento pblico orientado infncia muito baixo, o que prejudica o desenvolvimento de capacidades das novas geraes, e mais ainda ao considerar as maiores exigncias de produtividade e a transio demogrfica a sociedades com nveis mais altos de dependncia devido ao envelhecimento da populao.

    3. A sustentabilidade ambiental

    O estilo de desenvolvimento dos pases da regio embasou-se em uma estrutura produtiva de vantagens comparativas estticas, derivadas da abundncia e da explorao de recursos naturais. Em termos gerais, os investimentos, a inovao e o desenvolvimento tecnolgico se orientaram a esta estrutura tradicional e este vis se sustenta nos incentivos de preos relativos, estruturas de gasto, subsdios, proviso fiscal de infraestrutura e acesso ao financiamento, entre outros fatores. Este padro, que fomentou a expanso da fronteira agropecuria, a extrao crescente de recursos minerais, florestais e pesqueiros, e uma intensificao das emisses de poluentes, tem gerado externalidades negativas para o meio ambiente.

    Com efeito, as presses sobre o meio ambiente vieram se exacerbando por efeito desta especializao produtiva, do padro e da expanso do consumo e de um aumento populacional cada vez

  • 20

    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    mais assentado em megacidades. A regio composta pela Amrica Latina e o Caribe, alm disso, a mais urbanizada do mundo, j que 8 de cada 10 pessoas vivem em cidades. As consequncias disso so mltiplas: crescente degradao da qualidade da gua, do ar, do solo e dos ecossistemas, com seus impactos negativos na produtividade, na sade humana e na qualidade de vida, com os consequentes conflitos socioambientais, entre outros aspectos. Tudo isso ameaa uma importante riqueza que distingue a regio, a sua biodiversidade e abundncia de recursos naturais.

    As evidncias inequvocas quanto s consequncias da deteriorao do meio ambiente, local e mundial, obrigam a dar prioridade sustentabilidade ambiental na transformao da matriz produtiva e no perfil de consumo. Dito de outro modo, o que a CEPAL denominou mudana estrutural requer, de maneira impostergvel, buscar as sinergias entre aumentos de produtividade, incluso social e economia verde, em escala local e mundial.

  • 21

    III. Igualdade e desigualdade na Amrica Latina e no Caribe

    Ante o horizonte crtico da sustentabilidade do desenvolvimento descrito nas pginas precedentes, a CEPAL reafirma que a igualdade deve constituir o valor fundamental e o fim ltimo para a reorientao deste desenvolvimento. Neste terceiro documento da trilogia da igualdade, se retoma a importncia da igualdade de meios e oportunidades, mas ademais considera a igualdade em sua vinculao com o desenvolvimento de capacidades, o pertencimento a redes de relaes e o reconhecimento de sujeitos plenos de direitos. Isto supe um contexto relacional , de socializao, autonomia e reconhecimento, que inclui tambm as percepes dos cidados sobre os nveis de igualdade e desigualdade.

    Tal como se busca ilustrar mais adiante, esta viso complexa da igualdade reivindica uma perspectiva multidimensional, que necessitar ser traduzida em um enfoque integrado de polticas que permita potencializar sinergias e mitigar crculos viciosos entre distintas dimenses da igualdade.

    A. Igualdade de meios: renda e massa salarial

    Desde comeos da dcada passada, os pases da Amrica Latina vieram revertendo a tendncia anterior de aumento da desigualdade e registrando melhoras nos ndices de Gini, ainda que a regio continue sendo a mais desigual do mundo. Tal inflexo distributiva obedece, sobretudo, evoluo da renda per capita e, especificamente, da renda proveniente do mercado de trabalho3.

    3 No se inclui o Caribe, por falta de dados suficientes e comparveis.

  • 22

    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    A reduo da brecha salarial entre trabalhadores qualificados e de baixa qualificao ao longo da ltima dcada tem diversas interpretaes. Pode entender-se como efeito do crescimento da oferta de trabalhadores qualificados; no obstante, tambm se atribui desacelerao da demanda relativa de trabalho qualificado nesse perodo. O ltimo estaria relacionado com o auge dos preos dos produtos bsicos, que teria favorecido a demanda de mo de obra no qualificada e levado baixa o diferencial salarial por educao.

    Sendo isto correto, a composio setorial, altamente condicionada em economias centradas em recursos naturais, estaria gerando uma maior demanda relativa de trabalhadores de baixa qualificao, com o que se reduz a brecha por retornos educao. Mas, em vez de representar uma convergncia do desenvolvimento e da igualdade, estaria revelando uma estagnao da produtividade que, junto com o padro de especializao predominante, no estimula a progresso em educao nem o desenvolvimento de capacidades. Embora a evidncia ainda no seja conclusiva, o debate est aberto e primordial para compreender a dinmica distributiva.

    Por outro lado, a queda da desigualdade da renda a partir de 2002-2003 no esteve acompanhada de uma maior participao da massa salarial no PIB total (veja o grfico 3). As melhoras distributivas nos domiclios, em geral, no significaram uma repartio mais igualitria do ponto de vista da apropriao do capital e do trabalho. Deste modo, a apropriao dos frutos do crescimento e do aumento da produtividade por parte dos distintos agentes produtivos no vem contribuindo para a reduo de brechas, o que suscita desafios de polticas para avanar neste componente estrutural da igualdade.

  • CEPAL 2014

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    Grfico 3Amrica Latina (13 pases): variao da participao da massa

    salarial no PIB e ndice de Gini, 2002-2009a

    Argentina

    Bolvia (Est. Plur. da)

    Brasil

    Chile

    Colmbia

    Costa Rica

    Honduras

    Mxico

    Panam

    Paraguai

    Peru

    Uruguai

    Venezuela (Rep. Bol. da)

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    55

    60

    20 30 40 50 60

    2009

    2002

    A. Participao da massa salarial (em porcentagens)

    B. ndice de Gini

    Argentina Bolvia (Est. Plur. da)

    Brasil

    Chile

    Colmbia

    Costa Rica

    Honduras

    Mxico

    Nicargua

    Panam

    Paraguai

    Peru

    Uruguai Venezuela (Rep. Bol. da) 0,40

    0,45

    0,50

    0,55

    0,60

    0,65

    0,70

    0,4 0,5 0,5 0,6 0,6 0,7 0,7

    2009

    2002

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informao da CEPALSTAT, Instituto Nacional de Estatstica e Censos (INDEC) da Argentina, e dos bancos centrais da Costa Rica, Guatemala e Uruguai.

    a No inclui a Guatemala porque o ltimo dado disponvel sobre o ndice de Gini corresponde a 2006.

  • 24

    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    B. Igualdade em capacidades e em qualidade de vida

    Em termos de capacidades, ao longo da dcada passada em todos os pases da regio houve avanos na mdia da escolaridade alcanada em todos os quintis da populao adulta (entre 25 e 65 anos), mas as diferenas existentes tanto entre pases como entre grupos socioeconmicos ao interior dos pases continuam marcantes. A evoluo destas brechas entre 2002 e 2011 mostra um panorama variado. Ao analisar a distribuio da escolaridade independentemente da renda, se observa que, de acordo com a experincia internacional, os pases com maiores resultados educativos so tambm aqueles que, em mdia, apresentam menores nveis de desigualdade.

    Tambm em matria de conectividade Internet, cuja importncia hoje decisiva no desenvolvimento de capacidades, os pases da regio mostram avanos importantes em cobertura, mas brechas ainda muito grandes entre grupos socioeconmicos em matria de acesso e uso. Em mdia, para um conjunto de nove pases que dispem de informao, os segmentos de maior renda apresentam uma taxa de uso de Internet de 64,9%, enquanto no segmento de baixa renda esta taxa alcana 24,6%. Tambm muito significativa a brecha de acesso entre zonas urbanas e rurais (veja o grfico4), em clara desvantagem dos domiclios das zonas rurais.

    Outro aspecto primordial em matria de qualidade de vida e desenvolvimento de capacidades a nutrio. Nos ltimos anos, se registraram quedas da desnutrio crnica e severa nos pases analisados4 e as diferenas tenderam a reduzir-se na maioria dos pases, salvo na Bolvia (Estado Plurinacional da) e no Peru. No entanto, em quase todos os pases se observam nveis crescentes de obesidade e problemas conexos. Em outras dimenses relevantes para o bem-estar material dos domiclios, como a superlotao do domiclio e o acesso a bens durveis, se evidencia na ltima dcada uma melhora, em mdia e, por sua vez em termos gerais e com algumas excees, uma tendncia mais igualitria em sua distribuio. Pode-se concluir que a regio tem avanado na direo de maiores nveis de igualdade nas condies de habitabilidade e no acesso a bens durveis.

    4 A anlise se baseia em pesquisas de demografia e sade (DHS) da Bolvia (Estado Plurinacional da) (2003 e 2008), Brasil (1996 e 2006), Colmbia (2005 e 2010), Haiti (2006 e 2012), Honduras (2005 e 2011), Peru (2007 e 2012) e Repblica Dominicana (2002 e 2007).

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    Grfico 4Amrica Latina (11 pases): domiclios com acesso Internet em reas

    urbanas e rurais, em nvel nacional, ao redor de 2010 (Em porcentagens)

    34,7

    28,625,6 24,0

    20,1 19,3 19,3

    13,812,0

    8,2 8,06,8

    4,0

    10,9

    1,6 2,4 0,3 1,1 0,9

    31,929,6

    31,7

    24,421,3

    17,9

    15,5

    11,8

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    Uruguai2010

    Chile2009

    Brasil2009

    Costa Rica2010

    Mxico2010

    Venezuela(Rep. Bol. da)

    2010

    Colmbia2010

    Paraguai 2010

    Peru2010

    Honduras2010

    El Salvador2010

    Total reas rurais reas urbanas

    Fonte: Observatrio para a Sociedade da Informao na Amrica Latina e no Caribe (OSILAC), com base em informao das pesquisas de domiclios e dos institutos nacionais de estatsticas dos respectivos pases.

    C. Desigualdades reprodutivas

    Com relao s desigualdades reprodutivas, o nmero de filhos por mulher na regio caiu de maneira acentuada e ao longo de toda a sociedade, de modo que se reduziram as brechas relacionadas com os nveis de fecundidade. No entanto, o calendrio reprodutivo, em particular do primeiro filho, continua mostrando um incio relativamente precoce, sobretudo em adolescentes dos setores de menores nveis de renda e escolaridade. Isto resulta inquietante devido s adversidades inerentes maternidade na adolescncia, especialmente quando uma alta porcentagem reflete uma gravidez indesejada. A probabilidade de ser me na adolescncia, medida pela porcentagem de mes entre as mulheres de 19 a 20 anos, apresenta grandes diferenas segundo os quintis de renda. Como exemplo, na Repblica Dominicana esta probabilidade prxima a 70% nos domiclios do primeiro quintil nas zonas rurais, e na Repblica Bolivariana da Venezuela alcana 60%, ao passo que no quintil superior urbano esta probabilidade cai para 15,7e 10,8%, respectivamente. No espao de tempo transcorrido entre dois censos demogrficos geralmente se reduz a probabilidade de ser me adolescente em ambos os quintis (com raras excees), mas na maioria dos pases as brechas entre ambos os quintis aumentam.

  • 26

    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    D. Aspectos relacionais da igualdade

    Quando se consideram os aspectos relacionais da igualdade, os resultados no so positivos. Por exemplo, em mdia, o grau de segregao escolar no sistema primrio e secundrio na Amrica Latina aumentou nas duas ltimas dcadas. No grfico 5 mostra-se o valor mdio (no ponderado por populao) do ndice de dissimilitude5, tomando o quintil mais pobre da populao como potencial minoria segregada. Quanto maior o ndice, maior a segregao observada. Este ndice de segregao escolar aumentou, em mdia, de 0,151 no comeo dos anos noventa a 0,162na virada do sculo e a 0,167 no comeo da dcada de 2010. Dos 14 pases includos na amostra, em 10 se registraram aumentos do ndice de dissimilitude, isto , de segregao educativa dos setores de menor renda.

    Grfico 5 Amrica Latina (14 pases): segregao escolar entre a rede

    pblica e a rede privada, segundo as mdias do ndice de dissimilitude, 1992, 2000 e 2011

    0,151

    0,162

    0,167

    0,12

    0,13

    0,14

    0,15

    0,16

    0,17

    0,18

    1992 2000 2011

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em microdados das pesquisas de domiclios.

    5 Este ndice de dissimilitude ou ndice de Duncan reflete a proporo de estudantes do grupo minoritrio (primeiro quintil ou mais pobre) que deveriam transferir-se de tipo de centro escolar para que existisse uma distribuio homognea entre os distintos estabelecimentos. Seus valores variam entre 0 e 1, em que 0 representa segregao nula e 1 representa a mxima segregao.

  • CEPAL 2014

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    Em nenhum pas se registrou redues significativas em vrios dos indicadores de segregao escolar que foram analisados para a dcada de 2000, perodo no qual todos os pases reduzem a desigualdade de renda e melhoram em outras dimenses do bem-estar. Esta assimetria preocupante ao pensar na dinmica distributiva e de incluso social com vistas ao futuro. Deve-se considerar que a segregao educativa estratifica por partida dobrada ou em dois tempos: em primeiro lugar, durante o processo educativo, pela socializao entre pares, diferenas de qualidade da oferta e pelo clima educacional diferenciado segundo as escolas e as zonas onde se localizam. Em segundo lugar, a segregao discrimina posteriormente no aproveitamento dos resultados educativos para a insero no mundo do trabalho, tanto pelas brechas quanto pelas redes de relaes adquiridas na comunidade escolar e sua extenso s famlias, como pela diferenciao no reconhecimento simblico e as brechas de prestgio segundo o lugar em que se estuda.

    Outro mbito de segregao o residencial, e implica que os diferentes grupos socioeconmicos de uma cidade ou metrpole vivem de maneira separada, com escassa convivncia. A anlise baseada no ndice de dissimilitude de Duncan, calculado segundo os censos de 2000 e 2010, evidencia que i) o ndice de dissimilitude do decil mais pobre inferior ao do decil mais rico, embora a diferena tenha se reduzido no perodo de referncia6; ii) o ndice de dissimilitude caiu para ambos os grupos, e em comparando os resultados de 2010 com os de 2000, tanto o decil mais pobre como o mais rico se distribuem territorialmente na cidade de uma forma mais parecida com os demais decis; iii) esta reduo do ndice de dissimilitude tanto no decil 1 como no decil 10 deve-se em grande medida a que, no perodo intercensitrio, este ndice diminui mais no Brasil, pas com um alto peso relativo na populao urbana total da regio e no total de cidades includas na medio realizada, e iv) em termos gerais, nos demais pases analisados tambm predominam quedas, sobretudo no decil de maior nvel socioeconmico, pois no caso do decil correspondente ao menor nvel socioeconmico, vrias cidades registram um aumento da segregao.

    6 Isto significa que o grupo mais rico (dcimo decil) tem vivido mais encapsulado do que o mais pobre (primeiro decil), ou seja, teve menos interao em sua zona de residncia com membros de outros grupos sociais. Este fato responde essencialmente a um fenmeno de autossegregao dos setores altos.

  • 28

    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    E. Igualdade e reconhecimento recproco: brechas de gnero em autonomia

    O indicador relativo populao sem renda prpria segundo o sexo tem como objetivo refletir a falta de autonomia econmica com perspectiva de gnero e mostra grandes diferenas em detrimentos das mulheres. Na regio, a proporo de mulheres sem renda prpria caiu de 42% em 2002 a 32% em 2011, enquanto a proporo de homens na mesma situao se reduzia de 15% a 13% (veja o grfico 6)7. No entanto, a tera parte das mulheres no consegue gerar renda e economicamente dependente, o que afeta severamente a sua autonomia neste mbito e, por extenso, suas possibilidades de superao da pobreza. Dez pases apresentam uma queda na proporo de mulheres sem renda prpria: Argentina, Brasil, Chile, Colmbia, El Salvador, Honduras, Mxico, Panam, Repblica Dominicana e Uruguai. Nos demais pases, a queda do indicador se explica unicamente pelo aumento do nmero de mulheres de 15 anos ou mais que no estudam. Persistem operando barreiras estruturais que impedem as mulheres de ingressarem ao mercado de trabalho, entre as quais se destaca a ausncia de sistemas integrais de cuidado.

    F. A dimenso subjetiva: percepes sobre desigualdade e conflitividade

    As pesquisas demoscpicas ilustram a respeito das percepes crticas dos latino-americanos em relao igualdade, confiana e ao conflito8. Em 2011, 79% dos participantes das pesquisas consideravam que a distribuio de renda era injusta ou muito injusta, e 77% expressaram desconfiana em relao a outras pessoas. Alm disso, quase 80% dos pesquisados assinalavam que o nvel de conflitividade social era elevado ou muito elevado. Estas cifras deveriam induzir a realizao de esforos adicionais visando criar espaos de maior comunicao e coeso social. Provavelmente, a segregao educativa e territorial, bem como a

    7 O indicador se define como a proporo da populao (feminina e masculina) de 15 ou mais anos de idade que no tem renda monetria individual nem estuda (segundo a sua condio de atividade), em relao com o total da populao (feminina e masculina) de 15ou mais anos de idade que no estuda. O resultado se expressa em porcentagens.

    8 Estas cifras se baseiam em pesquisa Latinobarmetro, aplicada em 2011e populao de 18 anos ou mais de 18 pases de Amrica Latina.

  • CEPAL 2014

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    persistncia de importantes brechas em diversas dimenses, pouco ajuda a promover a confiana entre os cidados e melhorar a percepo sobre as dinmicas distributivas.

    Grfico 6Amrica Latina (16 pases): mulheres no estudantes de 15 anos

    ou mais sem renda prpria, por rea de residncia, 2011(Em porcentagens)

    42

    15

    24

    38 39 3942 42

    45

    31

    44 46

    38

    4842

    49

    39

    64

    44

    32

    1215

    2327

    30 30 31 3132 34 34 35 35 36

    38 3841 41

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    Mul

    here

    s a

    Hom

    ens a

    Uru

    guai

    Arg

    entin

    a

    Chi

    le

    Bra

    sil

    Per

    u

    Rep

    . Dom

    inic

    ana

    Col

    mbi

    a

    Pan

    am

    Mx

    ico

    Cos

    ta R

    ica

    Equ

    ador

    El S

    alva

    dor

    Vene

    zuel

    a(R

    ep. B

    ol. d

    a)

    Bol

    via

    (Est

    . Plu

    r. da

    )

    Par

    agua

    i

    Hon

    dura

    s

    Gua

    tem

    ala

    2002 2011

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em tabulaes especiais das pesquisas de domiclios.

    a Mdia da Amrica Latina.

  • 31

    IV. O mundo do trabalho: chave-mestra para a igualdade

    Entre os mbitos da sociedade que produzem, exacerbam ou mitigam desigualdades, o mais decisivo o mundo do trabalho. Ali onde se gera a maior parte da renda dos domiclios da regio e das desigualdades inerentes a sua distribuio. Mas tambm, a est a origem de outras desigualdades igualmente relevantes quanto participao e acesso s diferentes ocupaes e postos de trabalho, dimenses em que as brechas de gnero e etnia so muito significativas. Por outro lado, o mundo do trabalho um ponto-chave na concepo de igualdade da CEPAL, que prioriza as relaes sociais e o reconhecimento recproco.

    A. O copo meio cheio

    Para a regio, a ltima dcada caracterizou-se por um crescimento sustentado do PIB per capita (exceto 2009), que reflete uma evoluo bem favorvel dos principais indicadores do mercado de trabalho. A taxa de desemprego nos pases da regio baixou de 11,2% para 6,3% entre 2002 e 2013 (veja o grfico 7), ao passo que a taxa global de ocupao nesse mesmo perodo passou de 52% para 57%. O crescimento do emprego na regio traduziu-se num aumento da participao dos trabalhadores assalariados e de empregadores na composio total do emprego e, em contrapartida, numa queda da participao dos trabalhadores autnomos.

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    Grfico 7Amrica Latina e Caribe: evoluo do desemprego e do PIB, 2002-2012

    (Em porcentagens)

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    Variao do PIB Taxa de desemprego

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), base de dados CEPALSTAT.

    a Dados preliminares.

    A produtividade aparente do trabalho (PIB por ocupado) tambm mostra uma evoluo favorvel na regio: crescimento de 1,6% por ano entre 2002 e 2012, cifra levemente superior do perodo 1990-2002 (-0,1% por ano). Entretanto, o avano regional no ltimo decnio foi menor, sobretudo ao comparar com o dos pases asiticos (veja o grfico8). Tampouco se fechou a brecha em relao Amrica do Norte (Canad e Estados Unidos), o que significou uma queda da produtividade de trabalho relativa da regio, em comparao com a mdia mundial.

    A regio apresenta uma alta diferenciao em termos de produtividade por setor de atividade, embora na ltima dcada se observe uma tendncia convergncia setorial. O produto por ocupado do setor de alta produtividade equivalia, em 2002, a 6,4 vezes o do setor de baixa produtividade, mas em 2011 a brecha diminuiu para 5,8 vezes. Ao comparar o produto por ocupado do setor de alta produtividade e o do setor de produtividade mdia, entre 2002 e 2011 a proporo passa de 2,8 para 3,1 vezes. Finalmente, a relao entre o produto por ocupado do setor mdio e o do setor de baixa produtividade passou de 2,3 em 2002 para cerca de 2,0 vezes em 20119.

    9 O setor de baixa produtividade agrupa a agricultura, o comrcio e os servios; o setor de produtividade mdia abarca a construo, a manufatura e o transporte, e o setor de alta produtividade inclui a atividade financeira, a eletricidade e a minerao.

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    Grfico 8Amrica Latina e Caribe e outras regies: PIB por ocupado,

    por regio, 1991-2012 a

    (Em dlares constantes de 2000)

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    Mundo Amrica Latina e Caribe Norte da fricafrica subsaariana

    Sudeste asitico e Pacfico Leste asitico Economias desenvolvidase Unio Europeia

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados do Banco Mundial e Organizao Internacional do Trabalho (OIT), Key Indicators of the Labour Market (KILM).

    a As cifras no eixo direito correspondem a economias desenvolvidas e Unio Europeia e as do eixo esquerdo correspondem a todas as demais.

    Em termos de gerao do PIB e de emprego, o setor de baixa produtividade contribua com 40% do PIB em 2002 e concentrava 69% do emprego, ao passo que em 2011 sua participao no PIB e no emprego cresceu para 41% e 65%, respectivamente. Estas estruturas so bem similares s que se evidenciavam em 2002. No outro extremo, o setor de alta produtividade contribui com 28% do PIB e concentra apenas 7% do emprego. Ainda que, em nvel de ramos de atividade, as diferenas em termos de produtividade tenham diminudo levemente, no fim do perodo o grau de heterogeneidade da economia continuava sendo alto.

    Este dinamismo do mercado de trabalho na ltima dcada ocorreu conjuntamente com uma tendncia de igualao da renda, que contribuiu de maneira fundamental para a queda da desigualdade da renda dos domiclios. Em alguns dos pases da regio, o salrio mnimo parece haver infludo nesta queda da desigualdade. Com efeito, em vrios pases houve incrementos significativos no valor real do salrio mnimo, fazendo com que este voltasse a ser uma instituio relevante para o

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    mercado de trabalho. Em particular, na Argentina, Brasil e Uruguai a recuperao deste instrumento foi notria, porm no Chile o crescimento foi menos intenso (veja o grfico 9)10.

    Grfico 9 Amrica Latina (pases selecionados): evoluo do salrio

    mnimo real, 2000-2012(Em moeda de cada pas, a preos da poca da ltima observao)

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    2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

    Argentina Brasil Chile Uruguai

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL) e Organizao Internacional do Trabalho (OIT), com base em informao oficial dos salrios mnimos e do ndice de preos ao consumidor (IPC) dos pases.

    Nestes quatro pases, o incremento do salrio mnimo implicou um aumento do salrio mdio entre 1% e 4%, segundo o pas. Nestes pases se evidencia tambm um efeito igualador do salrio mnimo, embora, no caso do Chile, este efeito no tenha sido significativo. Na Argentina, Brasil e Uruguai, a reduo da desigualdade deve-se fundamentalmente a compresses na parte inferior da distribuio, que podem ser atribudas ao aumento do salrio mnimo. No caso do Chile, as leves redues que se observam em todos os indicadores de desigualdade no foram estatisticamente significativas, indicando que o salrio mnimo no teve um efeito igualador na renda do trabalho.

    As explicaes recentes para a queda da desigualdade na regio se centraram nos fatores que impulsionam a oferta e demanda de trabalhadores de distintos nveis de qualificao. Os resultados anteriores

    10 Esta variao real se calcula utilizando uma ponderao dos ndices de preos das diversas reas geogrficas.

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    sugerem a importncia de considerar tambm o papel das instituies trabalhistas nas melhoras distributivas observadas em alguns pases da regio. De fato, a reduo dos diferenciais salariais poderia, por sua vez, ser consequncia do fortalecimento do salrio mnimo e de outras instituies como, por exemplo, das negociaes coletivas. Cabe destacar que o fortalecimento do salrio mnimo nos casos estudados verificou-se num perodo de crescimento do emprego e, em particular, na Argentina, Brasil e Uruguai, em um contexto de forte formalizao do trabalho.

    B. O copo meio vazio: as desigualdades de gnero no mundo do trabalho

    As desigualdades de gnero que se observam no mundo do trabalho abarcam distintos mbitos, desde as decises de participao no mercado de trabalho at perfis de ocupao, desocupao e contribuies seguridade social. Com relao participao, embora as taxas femininas aumentassem de maneira sustentada nas ltimas dcadas, em todos os pases da regio so consideravelmente inferiores s masculinas. No entanto, a taxa de atividade dos homens mostrou queda em 19 dos 27 pases considerados, ao passo que, em sentido contrrio, a taxa de participao feminina cresceu em 22 deles. Esta evoluo diferencial determina que, na maior parte dos pases, as brechas por sexo se reduziram e que entre 2002 e 2011 as taxas de participao femininas se aproximaram das masculinas. As maiores brechas se encontram em pases da Amrica Central. No caso da taxa de emprego, o incremento da taxa feminina foi consideravelmente superior ao da masculina, pelo que, no que concerne a este indicador, a lacuna por sexo tambm diminuiu.

    Em termos de segregao ocupacional por gnero, a evoluo tambm varivel segundo o pas considerado e, de modo geral, no se detecta uma tendncia geral de diminuio. Em relao renda do trabalho, os homens auferem 28% mais que as mulheres (mdia simples para todos os pases em 2011, renda mensal). A comparao entre 2002 e 2011 indica que a diferena entre a mdia da renda do trabalho de homens e de mulheres se reduziu na maior parte dos pases. Mas, se em vez de comparar a renda mensal comparssemos a renda por hora de trabalho, encontraramos menores diferenas, pois as mulheres trabalham em mdia menos horas.

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    O tempo dedicado ao trabalho no remunerado difere significativamente entre homens e mulheres, e implica uma carga total de trabalho superior para estas. No caso das mulheres, o tempo dedicado ao trabalho no remunerado varia de acordo com a categoria ocupacional (as trabalhadoras autnomas dedicam a estas atividades o dobro do tempo dedicado pelas assalariadas), segundo o estado civil (mulheres casadas ou divorciadas dedicam mais tempo que vivas ou solteiras), segundo a faixa etria e nvel educativo (quanto mais escolaridade, menos tempo consagrado a este trabalho), ao passo que no caso dos homens nenhuma destas categorias parece incidir no tempo que eles dedicam ao trabalho no remunerado.

    Embora na maioria dos pases haja mais assalariados do que assalariadas contribuindo para a seguridade social, naqueles onde h maiores diferenas nas taxas de emprego por gnero (proporo muito maior de assalariados homens) se observam menores diferenas nas taxas de participao na seguridade social ou, inclusive, maior participao das mulheres. Isto indica que as mulheres que conseguem inserir-se no mercado de trabalho, em contextos em que a taxa de mulheres empregadas muito inferior de homens empregados, tm altas probabilidades de contriburem para a seguridade social, o que sugere um importante processo de seleo no mercado de trabalho. Considerando que naqueles pases onde a participao das mulheres no mercado de trabalho est mais restringida; as de maior escolaridade so aquelas que mais participam do emprego e, portanto, tm maiores probabilidades de contriburem para a seguridade social.

    Embora tenha havido uma reduo das brechas de contribuio entre assalariados e assalariadas, na maioria dos pases da Amrica Latina na ltima dcada, ainda persistem grandes diferenas por sexo entre pessoas de 65 anos ou mais que recebem penses. Assim, em 16 pases que dispem de informao, a populao de 65 anos ou mais que contava com penses passou, entre 2002 e 2010, de 42,4% para 46,2% no caso dos homens e de 32,4 para 38,1% no das mulheres. Por outro lado, o montante das penses dos homens sistematicamente superior, dado que nas trajetrias laborais das mulheres a descontinuidade da contribuio muito maior, devido maternidade, s atividades do cuidado e a sua insero mais precria no emprego.

    Estas diferenas de gnero no mercado de trabalho e na economia do cuidado implicam importantes perdas potenciais de produtividade e

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    de renda para os domiclios. No entanto, no se trata apenas de reduzir as brechas de renda dos domiclios com maiores aportes das mulheres, seno que tambm muito importante diminuir as brechas do emprego para avanar na igualdade em outras esferas, como no pleno exerccio da autonomia, no desenvolvimento de capacidades e potencialidades das pessoas, no acesso proteo social contributiva e na sociabilidade que extrapola o mbito familiar.

    Desperta uma preocupao especial o caso dos povos indgenas e das populaes afrodescendentes, pois so estes os grupos mais afetados negativamente pelas desigualdades no mundo do trabalho, e que se exacerbam ainda mais no caso das mulheres pertencentes a estes grupos, ao suportarem tanto a discriminao de gnero como a de etnia. A se cruzam desigualdades de meios, de capacidades e de reconhecimento que, entre si, se reforam.

    C. Melhoras recentes e incertezas quanto ao futuro

    A informao disponvel remete tica do copo meio cheio ou meio vazio. Na ltima dcada em termos favorveis se destacam as tendncias positivas nos principais indicadores do mercado de trabalho: aumento do emprego, queda do desemprego e incremento da produtividade do trabalho e da formalizao; alm da melhora da renda dos trabalhadores e menor disperso desta renda, o que, ao menos em alguns pases da regio, se vincula ao fortalecimento da instituio do salrio mnimo. Do ponto de vista do gnero, se observa uma reduo da brecha na taxa de participao de mulheres e homens, bem como no emprego e no acesso seguridade social.

    No obstante, os ltimos dados disponveis mostram um menor dinamismo nos indicadores do mercado de trabalho. Isto obriga a inquirir sobre a sustentabilidade e a progresso dos avanos mencionados; sobretudo ao considerar que as caractersticas mais estruturais dos mercados de trabalho da regio se mantiveram basicamente inalteradas. Persiste a alta heterogeneidade produtiva que, junto com a debilidade das instituies trabalhistas, deriva em alta heterogeneidade salarial. As brechas de gnero continuam sendo amplas e a segregao ocupacional em detrimento das mulheres no se modificou significativamente, e no parece haver uma reverso da condio especialmente desvantajosa dos

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    povos indgenas e das populaes afrodescendentes no que se refere insero no mercado de trabalho.

    Neste quadro de desigualdades cruzadas no mercado de trabalho, a interveno estatal deve estabelecer-se com firmeza no campo produtivo, na regulao e institucionalidade laboral, em polticas do mercado de trabalho e de redistribuio das tarefas do cuidado. Devem fortalecer-se as instituies trabalhistas para avanar rumo a uma maior formalizao do emprego, fechar brechas de implementao da legislao trabalhista, distribuir mais equitativamente a apropriao de benefcios e potencializar a autonomia na organizao do trabalho. Deve-se apontar para uma estrutura produtiva distinta, intensiva em atividades que promovam capacidades no mundo do trabalho e reduzam brechas de produtividade. Mediante polticas transversais que abarquem desde a legislao at a fiscalizao e a comunicao social, deve-se reverter a discriminao por gnero e etnia em matria de acessos, retribuies, trajetrias e de determinao do papel atribudo a cada gnero. So todos desafios de longo prazo, mas a transformao em todos estes mbitos impostergvel quando se visa construir sociedades mais igualitrias e cuja progresso em termos de igualdade seja sustentvel no futuro. Trata-se de mover em forma coordenada a estrutura e as instituies em busca de crculos virtuosos, em prol da igualdade e da sustentabilidade. Para isso, a sociedade deve pactuar uma maior criao de capacidades, aprendizagens e conhecimentos, junto com o aumento do investimento produtivo.

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    V. Padres de consumo e estilo de desenvolvimento

    Se o mundo do trabalho o mbito primordial para gerar ou para reverter brechas de renda, no mundo do consumo que estas brechas se refletem e se manifestam como desigualdades no acesso ao bem-estar e na qualidade de vida. Por outro lado, se o trabalho essencial para a igualdade, o consumo o para a sustentabilidade. No caso da Amrica Latina e do Caribe, bem como no da prpria CEPAL, as preocupaes a respeito do consumo imitativo e consumo de vitrine tm estado presentes h vrias dcadas, e se relacionam com a sustentabilidade econmica, dada a relao existente entre padro produtivo (e investimento produtivo), padro exportador e expanso do consumo, que se concentra em bens e servios importados. Tambm se vinculam com a igualdade, em termos da distribuio mais justa do acesso aos meios para alcanar o bem-estar; e com a sustentabilidade do meio ambiente com vistas a sua preservao para as geraes vindouras, devido aos impactos negativos que a dinmica do consumo pode ter em aspectos como poluio, gasto energtico e acumulao de resduos.

    A expanso do consumo foi notria nos ltimos anos. Em mdia para os pases da Amrica Latina, o consumo privado per capita, expresso em dlares constantes de 2005, cresceu entre 1990 e 2012 a uma taxa acumulada equivalente a 2,4% ao ano, superior ao crescimento do PIB per capita (veja o quadro 1). De fato, nos ltimos anos o consumo foi um dos componentes mais dinmicos da demanda agregada, embora recentemente tenha apresentado uma desacelerao11. Em termos gerais,

    11 No primeiro trimestre de 2013, o crescimento do consumo privado mostrou uma desacelerao em comparao com igual perodo do ano anterior.

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    a mdia das taxas de consumo privado na regio quase triplica a mdia dos pases de renda mdia, mas no chega a ser a quinta parte da mdia apresentada pelos pases da OCDE.

    Quadro 1Amrica Latina: taxa de crescimento anual do PIB per capita

    e do consumo privado per capita, mdia, 1990-2012(Em porcentagens, com base em dlares constantes de 2005)

    1990-2012 1990-2000 2000-2012

    PIB per capita mdio 2,0 1,5 2,5

    Consumo privado per capita mdio 2,4 1,9 2,6

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), base de dados CEPALSTAT.

    Quadro 2Amrica Latina, pases da OCDE e pases de renda mdia:

    mdia do consumo privado per capita, 1990-2012 (Em dlares constantes de 2005)

    1990-2012 1990-1995 1995-2000 2000-2005 2005-2012

    Amrica Latina 3 003 2 519 2 788 2 972 3 595

    Pases da OCDE 16 853 14 404 16 117 17 941 19 009

    Pases de renda mdia 987 748 862 986 1 281

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados do Banco Mundial, World Development Indicators (WDI).

    Quanto s diferenas existentes entre os pases em termos de nveis de gasto e consumo per capita, estas so muito significativas: no extremo dos nveis superiores de consumo encontram-se Panam, Chile e Brasil, ao passo que os menores nveis de gasto correspondem a Honduras, Guatemala e Nicargua (veja o grfico 10). O quociente entre o maior (Panam) e o menor (Nicargua) gasto per capita 5,8, ao passo que em termos de consumo esta relao 5,0 e em temos de renda, 4,0.

    Esta expanso do consumo acarreta efeitos positivos, pois parte deste incremento se traduz em uma melhora do bem-estar de setores que tradicionalmente estavam privados de bens e servios que contribuem para melhores condies de vida, propiciam um melhor uso do tempo e possibilitam tambm um maior desenvolvimento de capacidades. Isto ocorre, por exemplo, com a difuso do acesso a eletrodomsticos e computadores, educao e sade e, onde o transporte pblico deficiente, a automveis.

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    Grfico 10Amrica Latina (16 pases): renda, gasto e consumo per capita

    dos domiclios, mdias, ao redor de 2006(Em dlares de 2005 em paridade de poder aquisitivo)

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    Renda mdia Gasto mdio Consumo mdio

    Fonte: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), com base em processamento de pesquisas de gasto e renda dos respectivos pases.

    Apesar da expanso do consumo, os alimentos continuam a representar uma parte majoritria do gasto (em mdia, 40% do gasto total dos pases da regio, em contraste com 25% na Unio Europeia). A alta desigualdade existente na regio em termos de renda se constata tambm ao considerar o gasto. Com efeito, a distribuio do gasto per capita dos domiclios segundo o quintil de renda mostra notrias disparidades: o quintil de maior renda gasta de quatro a oito vezes mais do que o primeiro quintil. Por outro lado, a desigualdade em termos de renda maior ainda do que a desigualdade em gasto e em consumo.

    Embora a situao atual seja distinta do contexto histrico no qual a CEPAL baseou sua reflexo sobre o consumo em dcadas passadas, h riscos recorrentes que no podem ser evadidos. Um sinal de alerta a composio da demanda regional, onde o consumo privado ocupa um lugar importante na composio desta demanda, com um peso relativo claramente maior que a mdia dos pases da OCDE. Tambm se destaca que, em vrios pases da Amrica Latina e do Caribe, a volatilidade do consumo maior do que a do PIB. Na regio, o consumo extremamente pr-cclico, fazendo com que as economias fiquem claramente expostas a problemas de vulnerabilidade (com impacto negativo sobre o bem-estar) que poderiam levar a uma situao de recesso, pela queda de preos dos recursos naturais (na Amrica do Sul), reduo das remessas (na Amrica Central) ou perda de dinamismo econmico, no caso de estruturas produtivas pouco complexas.

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    A estreita relao que existe na regio entre um padro de consumo expansivo que tem um elevado componente importado e o fluxo de recursos centrado na exportao de produtos bsicos constitui uma equao cuja sustentabilidade , pelo menos, incerta. Embora nos ltimos anos os pases tenham conseguido estabilizar sua trajetria de consumo e diminuir a volatilidade do produto, a volatilidade relativa entre estes dois agregados persiste como um trao distintivo da regio no contexto internacional. Isto suscita incertezas quanto sustentabilidade do incremento do consumo, pois a combinao de alta volatilidade e preponderncia do consumo privado deixa flancos de vulnerabilidade mais expostos a diversos choques externos.

    Quanto ao acesso a financiamento para consumo, o crescimento do crdito positivo, uma vez que isto d a mais famlias uma oportunidade de realocao intertemporal de seu consumo, para faz-lo mais compatvel com as suas necessidades. Mas, por outro lado, os consumidores so suscetveis de cair em ardis de sobreendividamento, ao mesmo tempo em que altas taxas de penetrao do crdito podem vir a exacerbar o efeito de choques adversos. Isto d margem a um problema de sustentabilidade da expanso do crdito, ao que est mais exposta a populao endividada e que dispe de menos ativos. Em termos de igualdade, devido s assimetrias de informao e de acesso ao crdito em geral, os custos do financiamento so mais altos para os setores de menor renda. Ademais, a utilizao do crdito est desigualmente distribuda por decis, inclusive em termos relativos ao gasto ou renda de cada estrato. O uso de crdito tende a ser mnimo nos decis inferiores e mximo no tero superior da distribuio de renda.

    Outra fonte de inquietao que os estratos superiores, favorecidos pela concentrao de riqueza, tendem a encapsular-se em um consumo muito dinmico de servios privados de alto custo para o prprio bolso e de bens de luxo, com um alto componente de importaes. Deteriora-se assim a qualidade da sociedade, dado que se restringem as relaes grupais a seus nveis diferenciais de consumo. Exacerbam-se as brechas de bem-estar entre consumidores de bens e servios privados de maior nvel e consumidores de servios pblicos de nveis inferiores. Com efeito, os dados mostram que o gasto dos decis superiores, em termos proporcionais, maior em itens como transporte, educao e sade, precisamente aqueles onde h um claro dficit na proviso de servios pblicos (veja o quadro 3).

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    Pactos para a igualdade: rumo a um futuro sustentvel - Sntese

    Embora a expanso do consumo deva entender-se em parte como uma potencial expanso do bem-estar, a forte nfase no consumo privado de bens importados, com alta intensidade de gasto energtico e de poluio atmosfrica, acende vrios sinais de alerta. O primeiro que o vis favorvel ao consumo privado, mais estratificado segundo a renda, atua em detrimento da prestao de servios pblicos de qualidade. Isto no contribui para a igualdade, pois esta, como valor compartilhado, tem mais fora quando o bem-estar da sociedade se aborda de maneira conjunta e se plasma em pactos fiscais que logo se traduzem em prestao de servios e bens pblicos que todos usam e consomem. Por outro lado, a fuga em direo ao consumo privado, sobretudo em itens como transporte, sade e educao, no fertiliza o terreno nem para a coeso social nem para alcanar um pacto fiscal com vis redistributivo. Inversamente, quando o Estado consegue prover bons servios com alcance universal em matria de sade, educao, transporte, segurana, servios bsicos e de meio ambiente, a coeso social e o bem-estar redundam em maior predisposio aos compromissos recprocos e reduzem a tendncia a retrair-se deles.

    O segundo sinal de alerta se refere sustentabilidade econmica e transformao produtiva, na medida em que se consolida um padro de produo intensivo em matrias-primas e um padro de consumo intensivo em bens elaborados importados. Este fenmeno no novo na regio, mas hoje adquire uma fora redobrada.

    O terceiro sinal de alerta o do impacto sobre o meio ambiente. Em contraste com uma inclinao a favor do consumo por via privada, uma soluo pblica, concertada, com nfase em alternativas compartilhadas, gerar menor emisso de gases e consumir menos energia no renovvel, propiciando, ao mesmo tempo, maior disposio dos atores para estabelecer pactos em torno de matrizes energticas mais amigveis e sustentveis do ponto de vista ambiental.

    Orientar as dinmicas do consumo em prol de maior igualdade e sustentabilidade (econmica, social e ambiental), requer avanar em vrios mbitos. Um primeiro mbito o pacto fiscal com suas duas caras, a saber, a reforma tributaria e a proviso de servios pblicos para possibilitar consumos estreitamente vinculados ao bem-estar. Para melhorar esta proviso se necessitam mais recursos, que se captam via impostos; para que a equao exera um efeito positivo sobre a igualdade

  • CEPAL 2014

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    devem-se aplicar impostos progressivos, ao mesmo tempo em que se devem prover servios ampliando o acesso aos setores mais carentes. Um pacto social em torno desta moeda de duas caras , simultaneamente, meio e fim de uma maior coeso social, ou de uma melhor qualidade da sociedade.

    Um segundo mbito o das orientaes estratgicas para equilibrar a expanso do consumo com o investimento produtivo. Uma sociedade de alto consumo, mas pouco diversificada em sua produo e altamente dependente do valor de suas matrias-primas uma sociedade pouco sustentvel. Financiar o consumo com a alta dos preos dos produtos bsicos tem seus limites. necessrio um acordo no sentido de que a expanso do consumo em favor de um maior bem-estar geral venha acompanhada do investimento requerido para constituir uma estrutura produtiva que, por meio do emprego, promova uma maior incluso social e, por efeito de sua diversificao, proveja maior resilincia frente aos choques externos. O equilbrio entre o consumo e a produo, bem como a dinmica de ambos, tambm essencial para sustentar o equilbrio da conta corrente no longo prazo.

    Em outras palavras, devem conjugar-se as mudanas no padro de consumo com o esforo por elevar a taxa de investimento e por modificar sua composio. muito difcil modificar os padres de demanda se no se modificam os padres de oferta. Baixas taxas de investimento, dirigido a setores de bens no transveis ou a setores produtores de recursos naturais sujeitos chamada loteria dos produtos bsicos, pouco contribuiro para reduzir a volatilidade do consumo ou a reorient-lo a processos e produtos menos poluentes. Uma expanso da oferta apreos mais baixos de bens e servios que tenham sido processados respeitando o meio ambiente deve acompanhar o esforo por educar o consumidor e por reduzir desiguald