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SENHOR MOSAICO Francisco Gotthilf e o Programa Mosaico na TV Este projeto de preservação da memória contou com o patrocínio de: Família Kryss Samuel Klein e Família e em memória de Antonieta e Leon Feffer Miolo Mosaico2 1 9/10/08 3:51:57 PM

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SENHOR MOSAICO

Francisco Gotthilf e o Programa Mosaico na TV

Este projeto de preservação da memória contou com o patrocínio de:

Família Kryss Samuel Kleine Família

e em memória deAntonieta eLeon Feffer

Miolo Mosaico2 1 9/10/08 3:51:57 PM

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Concepção do ProjetoRenato Sacerdote

Direção do ProjetoAlberto BaumsteinFabio BaumsteinRenato SacerdoteRoney Cytrynowicz

Edição do Livro

Realização Narrativa Um – Projetos e Pesquisas de História

Pesquisa histórica e iconográfica, redação e edição do livroMonica Musatti CytrynowiczRoney Cytrynowicz

Design e editoração eletrônicaRicardo Assis Negrito Produção Editorial

Revisão de textoMariangela Paganini

Vídeo

RealizaçãoVidecom

DireçãoAlberto BaumsteinRenato Sacerdote

RoteiroJorge Basile

EdiçãoRafael A. Costa

ProduçãoLizandra Gatti Gheorghiu

Acervo Audiovisual

Pesquisa, organização e catalogaçãoNarrativa Um – Projetos e Pesquisas de HistóriaCarmen Silvia Natale

Digitalização do acervoVidecomPaulo Eduardo MascarenhasAntônio Monteiro de Souza

Editora Narrativa Um – Projetos e Pesquisas de Histó[email protected]

São Paulo, outubro de 2008

S E N H O R M O S A I C O Projeto de Preservação de Memória

Organização e Catalogação do Acervo AudiovisualDigitalização do Acervo AudiovisualProdução de Documentário em VídeoEdição de Livro

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O mais antigo programa da televisão brasileira, no ar desde 16 de julho de 1961

SENHOR MOSAICO

Francisco Gotthilf e o Programa Mosaico na TV

São Paulo, outubro de 2008

Edição e realização do livro

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Quando o programa Mosaico e Francisco Gotthilf estrearam na tv Excelsior, Canal 9, um domin-go, 16 de julho de 1961, das 14h00 às 14h30, 11

anos após o início da televisão no Brasil, a tv ainda era uma relativa novidade no país e mesmo no mundo. Transmitida ao vivo, sem gravações e videoteipe, em preto e branco, para um número limitado de casas bra-sileiras, com emissoras locais e sem integração em rede nacional, apresentava um conteúdo que ecoava ainda o rádio. A televisão em 1961 estava anos distantes da tv em cores, com uma grade de programação definida, com novelas e telejornais diários, integrada em rede nacional via satélite, com transmissão entre países, com uma concepção mercadológica de programas/produtos e anunciantes lançando campanhas nacio-nais. Uma série de outras transformações e conquistas ainda estavam por acontecer, tornando a televisão um componente central na vida das pessoas, em todo o mundo, o aparelho que ocupa lugar central dentro das casas, um dos alicerces da “aldeia global”.

Na abertura do programa, o apresentador anun-ciou: “A tv Excelsior apresenta: Mosaico na tv – Panorama da Coletividade Israelita na Vida Brasileira”. Em seguida, o apresentador cumprimentou: “Boa Tarde, telespectadores-amigos do Mosaico na tv!” O programa foi produzido no Teatro Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, em São Paulo, ao vivo e com

o “grande público que aqui se encontra”. Anúncios na imprensa judaica publicados alguns dias antes da estréia convidavam os leitores a assistir o programa inicial, retirando gratuitamente ingressos na Livraria Weltman e na Mercearia Jacob, pontos tradicionais no Bom Retiro, ou na loja Rádio União, da família Gotthilf, na Rua da Consolação, em São Paulo.

Os anos 1950 e início da década de 1960 no Brasil, especialmente com a posse do governo Juscelino Kubitschek, a partir de 1956, foi um período não apenas de intenso desenvolvimento econômico e industrial, com o Plano de Metas e o desenvolvimentismo, mas de crença em um futuro promissor ao país, que daria um grande salto seguindo o lema “50 anos em 5”. A conquista da primeira Copa do Mundo em 1958, a inauguração da nova e arrojada capital, Brasília, em 1960 e o sucesso da Bossa Nova atravessando as fronteiras do país são alguns dos marcos que criaram uma atmosfera geral de otimismo. Foram anos de democracia e vitalidade política, ainda distantes da ruptura da democracia em 1964. A tv Excelsior – na qual o Mosaico estreou – foi, sem dúvida, a emissora emblemática desse período e da criação de um projeto cultural de nação voltado à “cultura brasileira”, em seu sentido mais amplo e integrador.

“Estreou festivamente no éter o programa de te-levisão de nosso amigo Francisco Gotthilf, que há 20

“Boa tarde, telespectadores-amigos do Mosaico na TV”

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israelita”, informava ainda o apresentador na estréia, acrescentando: “Nos propomos focalizar pela televisão aspectos da comunidade judaica. Nossa satisfação seria imensa em saber que os amáveis telespectadores resol-vem aos domingos, após o almoço, ligar o canal 9 para aguardar Mosaico na tv”. A equipe inicial do progra-ma produzido e dirigido por Francisco era composta por Ítalo Moretti, como diretor de tv, Hella Moritz e Salomão Júnior como apresentadores, e Nancy Rozen (Rozenchan) na função de assistente.

O ideário e a plataforma de idéias do programa Mosaico na tv desde 1961 podem ser sintetizados em alguns valores e princípios que têm se mantido rigo-rosamente coerentes desde o início no rádio, em 1940, e até hoje, em 2008, passando, claro, pelas transforma-ções da televisão e do próprio formato do programa: promover a integração dos judeus no país, mostrando suas atividades institucionais, culturais, artísticas, econômicas e comerciais, especialmente aquelas que interessem ao público em geral; promover o intercâm-bio entre Israel e Brasil e divulgar notícias de Israel sob um prisma de desenvolvimento cultural e científico; promover uma imagem positiva e liberal do judaísmo e defender o ecumenismo, a convivência entre os povos e as religiões, difundindo ideais de paz.

Este ideário, longe de ser uma afirmação genérica de princípios, tem sido seguido estritamente pelo Mosaico e por Francisco Gotthilf, buscando uma mensagem otimista, a integração no lugar da diferen-ça, o entendimento ao invés do conflito e, sempre, a celebração da cultura e das realizações positivas. Mais do que um empreendimento de comunicações ou um negócio, Francisco e o Mosaico defenderam estas idéias e causas, que são maiores do que a televisão e que têm nela e no rádio o seu veículo. Francisco tem sido muito estrito no cumprimento deste ideário, sem con-cessões, mantendo o programa em um nível cultural

anos vem mantendo, ininterruptamente, sua audição diária de rádio judaico e que se lançou agora no terre-no mais ambicioso da televisão”, registrou a Crônica Israelita em 31 de julho de 1961.

Era, sem dúvida, uma audácia, um passo ousado empreendido por Francisco Gotthilf, que mantinha o “Mosaico”, programa diário de rádio dirigido à comunidade judaica. No rádio, primeiro como “Hora Israelita” e depois como “Mosaico”, o programa havia começado em 1940 e foi logo assumido por Siegfried Gotthilf, pai de Francisco.

A estréia na tv Excelsior era, portanto, “fruto de 20 anos de atividade no rádio e na vida da coletividade

Anúncio publicado em O Estado de S. Paulo no dia de estréia do programa, 16 de julho de 1961.

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elevado, mesmo quando isso significa recusar apelos mais populares, conteúdos mais fáceis e apelativos, que poderiam render mais anunciantes. Isso vale tanto para a Excelsior, Canal 9, em 1961, como para todos os canais por onde passou posteriormente.

“Acho que vamos para o Brasil”

Quando o Mosaico estreou na Excelsior, Francisco Gotthilf tinha completado 38 anos havia apenas uma semana. A ousadia desse empreendimento precisa ser narrada conhecendo a sua trajetória e a sua bio-grafia. Nascido em 25 de julho de 1923, em Breslau, na Alemanha (hoje Wroclaw, na Polônia), Francisco, aliás, Franz Hermann Gotthilf, testemunhou como criança a ascensão do nazismo ao poder em 1933, as leis e perseguições anti-semitas, a fuga com os pais (ele era filho único) para o Brasil – não sem risco e sem a certeza de chegar ao destino – e o reinício no Rio de Janeiro e logo em São Paulo. Transplantados da cultura alemã, que até 1933 estava imersa na densidade inte-lectual e política da República de Weimar e com uma expressiva presença judaica na vida cultural do país, Siegfried, Regina e Francisco Gotthilf refizeram a vida

na capital paulista se filiando à Congregação Israelita Paulista (cip), trabalhando em uma pequena e modesta mercearia em Diadema, depois uma tinturaria, uma oficina de rádio, um programa de rádio, uma loja de eletrodomésticos. E um programa de televisão!

O otimismo de Francisco Gotthilf, a certeza de que era preciso divulgar uma mensagem de integra-ção e pluralismo e a crença no entendimento eram uma forma admirável de seguir em frente, com insu-perável dinamismo, diante de uma trajetória pessoal e familiar marcada pelo anti-semitismo, perseguição, fuga e chegada ao Brasil como refugiado aos 15 anos. Este otimismo estava estampado em seu rosto ao ini-ciar o programa de televisão, alargando as fronteiras dos seus ideais humanos e culturais. De Breslau em 1923 a São Paulo em 1938, do início no rádio, em 1940 com o pai, a produtor e diretor de um programa de televisão em 1961, é preciso narrar esta história a partir do seu início.

Breslau, sua cidade natal, era uma cidade com uma expressiva comunidade judaica e Francisco lembra o dia-a-dia de um jovem de sua idade, até ser interrom-pido pela ascensão do nazismo ao poder: “Fiz meu bar-mitzvá em 1936 quando o governo nazista já estava

Anúncio do programa e logotipo da tv Excelsior, Canal 9.

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no poder. Eu participava de movimentos juvenis, fazia passeios, também viagens com meus pais por toda a Europa. Assim foram os primeiros anos da minha vida. No prédio onde morávamos, viviam outras famílias, judias e não-judias, entre os quais o reitor da univer-sidade de Breslau, que se tornou amigo do meu pai. Mas pouco a pouco a situação política foi se agravando negativamente. Me lembro que, uma vez, fizemos um passeio de bicicleta e lá, lamentavelmente, nos disseram: ‘vocês são judeus, voltem para sua cidade, não têm que ficar passeando’. Tínhamos um relaciona-mento íntimo com os vizinhos, mas o próprio zelador, influenciado pela situação local, chegou a cuspir na mi-nha cara. Isso fez com que a gente começasse a sentir que algo havia mudado, não era normal. Meu pai era sócio do meu avô em uma companhia de transporte, ‘Adolf Imbach e Companhia’, e nessa época se dedicava não só ao transporte de mercadorias e mudanças, mas principalmente à transferência de famílias judias que estavam saindo da Alemanha.”1

A situação começou a agravar-se e “em 1937 nós, os alunos judeus, fomos expulsos dos ginásios alemães e passamos a freqüentar o ginásio israelita, onde apren-di um pouco mais de hebraico e de conhecimentos

judaicos. Claro que esses conhecimentos eu já tinha em parte, porque a comunidade israelita tinha sua si-nagoga e seu curso, que as crianças freqüentavam. Meu pai percebeu que a situação estava se agravando. Em 1936, ele já estivera na Palestina, tivera a idéia de sair do país, mas não sabia como fazer, pois a família da minha mãe não iria deixar a Alemanha. Pouco a pouco, meu pai chegou à conclusão de que não dava mais. Certa vez, cheguei do colégio, era uma sexta-feira, e meu pai disse: ‘Amanhã vamos imigrar, deixar tudo para trás e ir embora’. Realmente foi o que aconteceu. De um dia para o outro, fomos embora da Alemanha.”

Martin Gotthilf, irmão de Siegfried, já tinha dei-xado a Alemanha em 31 de janeiro de 1933 e estava morando no Brasil, conta Francisco: “Ele era advogado de um partido de esquerda e, no dia em que Hitler assumiu, emigrou ao Brasil. Meu pai queria se unir ao irmão. Só que o grande problema na época era como os judeus-alemães podiam conseguir vistos. Fomos de trem de Breslau até Berlim, meu pai tinha comprado passagens de navio até Buenos Aires, ida e volta, saindo de Marselha, mas já com intenção de viajar ao Brasil. Em Berlim, fomos de trem ao aero-porto aonde devíamos pegar o avião. Cada pessoa

Convite para assistir ao vivo a estréia do programa no Teatro Cultura Artística, 1961.

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que queria sair tinha que ter carteira de identidade e passaporte. Com 14 anos, na Alemanha, eu não tinha ainda documentos e meus pais não pediram para as autoridades, porque no momento em que fossem pedir os novos passaportes, os documentos deles teriam a letra ‘J’, de judeu, e não teriam mais possibilidade de sair da Alemanha. Foi quando apareceu um dirigível, um zepelim, uma novidade na Alemanha, e todas as pessoas olharam para cima para acompanhar. Nesse momento, os funcionários deram pouca bola aos pas-sageiros e passamos, foi a minha felicidade. Entramos no avião, o avião saiu para entrar na pista e quando já estava na pista, o capitão avisou: ‘temos que voltar’. Meu pai disse: ‘acho que perceberam que você entrou sem os documentos certos’. Voltamos para o local de embarque, mas tinham apenas esquecido algumas malas e, assim, fomos embora. Foi o primeiro passo da imigração.”

Mas este foi apenas o primeiro passo, continua Francisco: “Em Paris, tínhamos que ir ao consulado brasileiro pedir o visto. Já se sabia que o regime de

Getúlio Vargas não dava visto aos judeus-alemães. Felizmente, na Alemanha, eu tinha um professor particular de matemática que era protestante e antina-zista. Sabendo do nosso problema e se eventualmente precisássemos comprovar, para fugir, que ‘não éramos judeus’, ele conseguiu certidões de nascimento e de re-ligião de que éramos evangélicos. Assim, tínhamos no bolso certidões de batismo. No consulado brasileiro, não-judeus imigrantes que vinham da Europa para o Brasil em 1938 não eram freqüentes. Minha mãe falava francês e foi ao consulado, havia um cônsul chamado Vasconcelos. Ele pediu os documentos, viu as certidões de batismo, riu na cara dela, acho que ele nem acre-ditava, mas deu o visto para o tempo necessário para pegarmos o navio. Nós embarcamos em Marselha em direção ao Rio de Janeiro. Viajar ao Brasil era, para to-dos nós, um ponto de interrogação. Não conhecíamos nada do Brasil a não ser por uma carta ou outra do meu tio. Mas começamos a nos interessar, ler livros, conver-sar com funcionários da companhia de navegação. Na verdade, posso dizer que tudo aconteceu no momento em que pisamos no Rio de Janeiro.

Notícia sobre a estréia do programa na imprensa idish, 1961.

Uma das cartelas que eram colocadas em frente à câmera para abrir o programa durante as transmissões ao vivo do programa, 1961.

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Ao chegar ao Rio de Janeiro, foram recebidos pelo tio e passaram a morar em um hotel: “Quando chega-mos ao Rio de Janeiro, desembarcando do navio, nós tínhamos que enfrentar nova vida, nova gente, mundo novo. Eu estava descobrindo a cada minuto outro mundo, não aquele do qual tinha saído às pressas com as preocupações dos meus pais. Agora com calma, a alegria de ver o ambiente brasileiro, de gente muito simpática, gentil, eu acho que era o jeito brasileiro e sorridente de receber as pessoas naquela época. Desde o primeiro momento sentíamos a gentileza com os estrangeiros, com os visitantes. Eu não falava a língua, tinha estudado, mas pouco. No Rio de Janeiro, pegava o bonde, ia até o final da linha e andava por casas, praia, depois voltava para o centro para me reencontrar com meus pais no hotel. Meu pai e minha mãe me permi-tiram conhecer um pouco mais a cidade enquanto estivéssemos no Rio de Janeiro.”

As primeiras impressões foram maravilhosas, conta Francisco: “Depois de tanta pressão e de não saber como seria o amanhã, agora se abria um novo espaço, não só para olhar, mas para a mente. Eu me animei muito porque era liberdade, a gente se sentia

livre. Depois que conseguimos o visto de permanência, mudamos para São Paulo. Nós chegamos a São Paulo de trem e fomos procurar um lugar para morar, que acabou sendo um hotel no Largo Paissandu. São Paulo era muito diferente do Rio de Janeiro, era uma cidade muito mais industrial. Conseguimos encontrar co-nhecidos, amigos, pessoas que eventualmente tinham origens iguais à nossa, ou seja, imigrantes judeus de origem alemã. Foram os primeiros contatos, meu pai foi um dos primeiros diretores da Congregação Israelita Paulista (cip). Tive a sorte de ser um dos primeiros chefes de escoteiros da cip e fizemos tudo para nos integrarmos à vida brasileira. Eu acho que foi o ponto de partida para criar uma nova vida, novo mundo para nós.”

“Na firma do Jacó”...: mercearia, tinturaria e um programa no rádio

Ao empreender o programa na televisão, Francisco Gotthilf inovava e ao mesmo tempo seguia uma tra-dição iniciada por seu pai, Siegfried, que assumira um programa judaico de rádio em São Paulo a partir de

Anúncio dos programas de televisão e de rádio, 1961.

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1940, apenas dois anos após imigrar com a família da Alemanha nazista para o Brasil. “Na Alemanha, ele tra-balhava com produtos agrícolas que vendia em viagens à Polônia e à Tchecoslováquia”, lembra Francisco.

O rádio não foi o primeiro trabalho de Siegfried Gotthilf após imigrar ao Brasil em 1938. Ele primei-ro abriu uma mercearia, em Vila Conceição, hoje Diadema, e pouco depois uma tinturaria, na Rua da Consolação (que manteria junto com o programa de rádio). Depois, rememora Francisco: “Meu pai soube de um programa de rádio que dois argentinos judeus tinham colocado no ar e ele começou vendendo anúncios. Mas não conseguiram pagá-lo, nem manter o programa, e meu pai acabou assumindo. Apesar de judeu-alemão, ele falava razoavelmente idish, que aprendeu nas viagens à Polônia, e, com isso, ele e o pro-grama foram muito bem recebidos no Bom Retiro”, onde ficava o principal núcleo da comunidade judaica, com imigrantes oriundos da Europa Oriental (para os quais o idish era a língua diária) e seus descendentes.

Logo ao chegar da Alemanha, em 1938, aos 15 anos, Francisco começou a trabalhar para uma empresa de material de construção, “abrindo poços”, lembra ele: “Eu cheguei ao Brasil e não freqüentei mais a escola, não tinha possibilidade de continuar estudan-do”. Francisco foi então trabalhar em uma oficina de consertos de rádio, onde teve seu primeiro emprego regular: “Fui a uma oficina chamada Rádio Luz, na Rua São Bento, aprender a consertar rádio, e trabalhei também como office-boy. Tinha dois ou três colegas e ganhávamos muito pouco. Comprávamos o material na Rua Florêncio de Abreu. Eu entregava os rádios, ia pendurado com eles no bonde, mas o dono me pa-gava muito pouco e não me ensinava nada. Eu tinha um colega de origem alemã, que, quando o chefe ia embora, me ensinava a trabalhar. Esse técnico alemão recebia propaganda nazista da Alemanha durante a

guerra. Ele sabia que não era boa coisa, dava de pre-sente para mim, eu levava para casa e mostrava para os meus pais e foi assim que acompanhei a propaganda nazista durante a guerra. Muitas vezes eu corria a pé na ida e na volta do Largo São Bento até a loja e só pegava eventualmente o bonde de volta, se me atra-sasse. Assim, ganhava um extra que era a passagem de bonde, o que para mim era um bom dinheiro. Essa foi a forma como eu comecei. Até que, um dia, o pessoal, que gostava de mim, me recomendou para trabalhar na Philco, que tinha uma fábrica de rádios próxima ao Bom Retiro, onde até encontrei outros jovens judeus imigrantes. Passei a assistente de um técnico e esta se tornou a minha profissão. A Philco fabricava e consertava. Depois, fui o controlador de toda a oficina, fazia o teste final antes de o rádio ser entregue para o cliente. Eu colocava um código sobre o defeito que eventualmente constatava, marcava em uma ficha e enviava para o técnico consertar. Se ele não o fizesse corretamente, eu enviava de volta, e o técnico não podia descobrir como eu sabia que ele não havia consertado direito. Eu era muito respeitado lá

Desenho de Francisco esquematiza o funcionamento de um rádio de válvula, anos 1940.

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e quando saí foi para abrir meu negócio, meu pai me ajudou. Todo mundo tinha rádio, que naquela época era muito popular e se comprava à prestação.”

Com seu conhecimento de rádios, Francisco Gotthilf abriu o “Laboratório de Rádio Francisco”, uma pequena loja e oficina na Rua da Consolação, no mesmo endereço da tinturaria do pai: “Meu pai anunciava pelo rádio os serviços do Laboratório de Rádio Francisco, fazia propaganda e, assim, consegui clientes justamente das proximidades do Bom Retiro, onde moravam nossos patrícios, e de outros lugares. Eu vendia rádios, vitrolas e discos e também conser-tava os rádios. Nós tínhamos uma coisa muito curiosa naquele tempo: os rádios funcionavam com válvulas, mas as válvulas eram importadas e difíceis de conse-guir. A válvula tem filamentos, como uma lâmpada, então se fazia o possível para emendar o filamento, consertando-a. Tinha gente que vendia rádios como se fossem de oito válvulas, mas com três queimadas. Um rádio bom tinha sete a oito válvulas e precisava de pelo menos cinco para funcionar. Em alguns lugares, como a Rua Santa Ifigênia, vendia-se rádios nos quais só cinco funcionavam. A gente tentava emendar os filamentos, dando um choque, e às vezes eles se junta-

vam de novo. Milagres brasileiros... os rádios voltavam a funcionar.”

Ao mesmo tempo, rememora ele, “tive aulas particulares de português e depois ajudei meu pai no programa, já que ele não falava bem português, especialmente quando o locutor contratado tinha que anunciar um sobrenome... ‘compre os seus móveis na firma de Jacó...’, Ele desligava um momento e me perguntava como se pronunciava. Foi assim que entrei na área da comunicação.”

A loja e oficina cresceram e se tornaram a loja “Rádio União”, na Rua da Consolação, n° 2.264, mais estruturada, pai e filho juntos, vendendo e consertando eletrodomésticos, como geladeiras, enceradeiras, fer-ros de passar roupa e liquidificadores, além de rádios, toca-discos e discos e, depois, aparelhos de televisão: “Eu tinha uma seção de discos judaicos. Naquela época não havia em outro lugar. Depois, em 1950 nasceu a televisão no Brasil. Uma das empresas que fabricava os aparelhos de tv distribuiu alguns pela cidade. Na minha loja foi colocado um deles; a frente da nossa loja tinha uma vitrine e dava para ver o que tinha dentro, e assim foi colocado um aparelho de televisão em cima da estante. Eu morava ao lado e, no domingo, quando

Cartão da oficina e loja de Francisco Gotthilf, início da década de 1940.

Cartão de visita da Tinturaria Lux, da família Gotthilf, início dos anos 1940.

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“Nosso Chico Abriu uma Officina”, diz o título de uma carta de divulgação da oficina feita pelos companheiros na Casa de Juventude da Congregação Israelita Paulista, dirigida pelo casal de educadores Wilheim e Anita Speyer. Diz a carta de 1940: “À Rua da Consolação, 2264, pertinho da nossa Casa da Juventude, vocês encontrarão o novo Laboratório de Rádio “Francisco”, que pertence ao nosso velho amigo e colaborador Chico! Quantas idéias associam-se a este nome apreciado e querido por todos nós! Quão diferentes sejam os domínios em que ele colabora – comissão de caixa, clã dos pioneiros, equipe Luis de Torres, música de discos, esporte, palco, preparação de saraus dançantes, relações exteriores, para enumerarmos só alguns – sempre está alerta e sempre cumpre o seu dever e mais do que o seu dever direita e perfeitamente. A sua profunda dedicação e a sua bondade íntima produzem aquela profunda e íntima alegria que encanta a todos nós – alegria esta que só às vezes assume a máscara cômica, mas em todas as formas conquista e liberta corações! Agora que ele, como primeiro de todos os nossos jovens, se tornou patrão de uma própria oficina, nós, em vez de somente desejarmos alguma coisa, vamos afirmar a nossa perfeita convicção de que um sucesso completo recompensará o seu trabalho, fundamentado em excelentes conhecimentos e habilidades profissionais e realizado com a dedicação que caracteriza todas as suas atividades! Mil parabéns!!!”

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tinha jogo de futebol, ligava a televisão na vitrine, para as pessoas saberem o que era televisão, e a população ficava assistindo, até o bonde parava e o pessoal saía para torcer. Os pedestres não tinham televisão em casa e ficavam assistindo o jogo. A televisão era uma coisa completamente nova e era cara. Eu morava em dois quartos atrás da loja, levava o aparelho para casa e um dos grandes eventos era convidar os amigos para assistir televisão em casa, qualquer programa, porque o programa era assistir televisão.”

Após a guerra, na segunda metade dos anos 1940 e ao longo da década de 1950, os eletrodomésticos, principalmente norte-americanos, mas também alemães e de outros países, eram uma novidade de consumo que substituíam as antigas geladeiras com gelo, ferro de passar com carvão, e assim por diante. Foi também o período em que começou o sistema de auto-serviço na cidade, com as primeiras lojas de de-partamentos e depois os supermercados, que exibiam os modernos eletrodomésticos. A loja de Francisco funcionaria até 1964.

Da “Hora Israelita” ao Mosaico

O programa Mosaico no rádio, iniciado em 1940, primeiro no horário do almoço, depois das 7h30 às 8h30, transmitia diariamente notícias, entrevistas, músicas, notas sociais e informações para a comu-nidade judaica. “As notícias dos refugiados, as notas de falecimentos, os ‘Momentos Sociais’ e a música tradicional eram as partes do programa que deixavam as pessoas emocionadas, comovidas, as que elas mais comentavam”, conta Francisco.

Entre as informações estavam falecimentos e enter-ros, que a Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo passava ao programa para anunciar diariamente, bem cedo. Havia também uma modalidade muito popular

de anúncios, que eram os cumprimentos em festivi-dades, chamado “Momento Social Mosaico”. “Íamos a festas, como bodas de prata, casamentos, noivados, cerimônias de bar-mitzva e na recepção nós tínhamos um formulário no qual a pessoa escolhia a frase de saudação, ‘deseja felicidades’, ‘augura um futuro feliz’, assinava o nome e a mensagem era transmitida aos domingos. Às vezes havia mais de cem nomes que saudavam as famílias que tinham a comemoração festiva. Todo domingo havia 20, 30 anúncios, depois gravávamos os anúncios em disco e dávamos à família felicitada”, lembra Francisco.

Ouvir o programa Mosaico no rádio era um ritual diário das famílias da comunidade judaica. As notícias eram muito importantes, particularmente durante a Segunda Guerra Mundial, um período de intensas expectativas e apreensões na comunidade judaica: “Não apenas apresentávamos no programa de rádio notícias que não havia em outro veículo, mas, principalmente, quando começou a guerra, o programa era o meio de comunicação entre pessoas que haviam imigrado. Durante a guerra, eu ouvia rádio de ondas curtas e dávamos o maior número de

Papelaria e autorização de anúncio do “Programa Israelita” na Rádio Piratininga, 1940.

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notícias, tudo o que estava relacionado aos judeus e aos sobreviventes. Nós éramos o vínculo diário com estes acontecimentos. O Joint (American Jewish Joint Distribution Committee, entidade assistencial norte-americana fundada em 1914) enviava pedidos para saber se havia alguma pessoa da família em São Paulo. O ‘Repórter Esso’ transmitia as últimas notícias, era o noticiário do momento. Mas nós dávamos as notícias absolutamente em primeira mão sobre o que aconte-cia no mundo judaico, fosse no Brasil, na Europa, nos eua e, principalmente, depois, em Israel.”

Logo no início o programa mudou o nome de “Hora Israelita” para “Mosaico”, por precaução. “No início, meu pai tocava discos de música idish. Naquela época, o governo Vargas não se incomodava, o que só aconteceu quando o governo brasileiro foi para o outro lado, em 1942”, lembra Francisco. “Ele não tinha discos, não trouxe da Alemanha, então ele emprestava no Bom Retiro, onde havia pessoas que haviam trazi-do discos da Polônia e de outros lugares da Europa. Pouco a pouco, quando podia comprar, ele foi acu-mulando uma coleção. Geralmente era mais música litúrgica do que música popular. O programa era na Rádio Piratininga, que tinha sua sede na Conselheiro Crispiniano, no mesmo prédio onde nasceu a firma de Bernardo Goldfarb, a Lojas Brasileiras. Daí aconteceu o momento em que o governo Getúlio Vargas proi-biu programas étnicos, não podia mais ter programa ‘espanhol’, ‘italiano’ e ‘israelita’. Foi nessa ocasião que um diretor da rádio Tupi nos recomendou: por que vocês não chamam de ‘Mosaico’, que vem de Moisés? Gostamos da idéia, o programa passou a ser ‘Mosaico’”, completa. Mosaico remete também a mosaico, imagem formada por diversas peças que se encaixam perfeitamente.

Apesar do discurso nacionalista do governo Vargas, não existe registro de intervenção oficial

sobre o Mosaico ou mesmo que o programa tenha ficado fora do ar, além da censura em geral que havia durante o Estado-Novo e a guerra, especialmente contra manifestações de cidadãos alemães e japone-ses e imigrantes e descendentes desses países. Eram tocadas músicas judaicas, em hebraico, um pouco em idish, e toda a programação era voltada para temas de interesse da comunidade judaica. “Naturalmente a proibição de tocar em alemão trouxe confusões com o idish. Nós fazíamos o possível para indicar que estávamos falando em uma língua diferente do alemão. Eles não gostaram muito e tive que começar a colocar músicas mais de caráter internacional judaico, talvez mais orquestradas do que cantadas. E como nós fazíamos? Tocávamos música instrumental e alguma coisa em idish. Uma vez meu pai foi chamado porque a censura confundiu com alemão e não permitiu. Então tocávamos música litúrgica em hebraico, he-braico podia. A ignorância das autoridades era muito grande”, conta Francisco.

“No tempo da criação do Estado de Israel, em 1948, tocávamos sempre o hino nacional de Israel,

Trecho do diário pessoal de Francisco Gotthilf no qual ele registra o início do programa de rádio “Programa Israelita” na Rádio Piratininga, 1940: “Abertura da hora judaica da Radio. Programa Israelita Radio Piratininga prh-3 da Empresa Cinematográfica, teatro e Rádio ‘ertef’ (erif) às 10h-10:30. Papai, Adolfo Leicys, Mauricio Rubinfeldt.”

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conhecido como Hatikva (Esperança, em hebraico). Nós ficamos orgulhosos porque conseguimos essa gravação. Outras emissoras até chegaram a nos pedir se podíamos emprestar esses discos. Pouco a pouco, a gente estava tocando músicas mais avançadas, mais modernas. O nosso locutor, que ficou muitos anos, chamava-se Pedro Jorge. Depois dele veio Salomão Júnior, irmão do Salomão Esper, mais conhecido pela Rádio e tv Bandeirantes. O alcance do programa era a capital. Pegava em qualquer lugar da cidade”, conta Francisco. Os primeiros correspondentes da rádio em Israel foram Eviatar Friezel e Emanuel Corinaldi, que permaneceu muitos anos e falava diariamente dois a

três minutos, relembra ele: “Passando a guerra e a cria-ção do Estado de Israel, com uma imigração bastante grande que foi para Israel, eu consegui estabelecer um contato com Israel. Um dos jovens que foi para lá era o Emanuel Corinaldi, filho do Alberto Corinaldi, pre-sidente da cip e da Organização Sionista. Ele foi meu correspondente e da Rádio de Israel em português”.

O programa diversificou seus quadros, com no-tícias diárias (baseadas em telegramas e jornais que chegavam do exterior), informações sobre saúde e medicina, receitas culinárias, seção de rabinos e seções como “Nós no esporte”, com Marcos Arbaitman. “Havia muitos grupos de teatro idish da Argentina e

Carta confirmando a admissão de Francisco como sócio da Congregação Israelita Paulista, 1943.

Carta confirmando a participação de Francisco em reunião da seção de atletismo no Clube Macabi, 1943.

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dos Estados Unidos que se apresentavam aqui. Eles vinham ao programa e anunciavam as peças. O empre-sário era Lubeltchik. Grandes artistas do teatro idish vieram ao Brasil e meu pai se tornou empresário desses grupos no Brasil, também dos primeiros filmes idish exibidos em São Paulo, incluindo os cinemas no Bom Retiro, na Rua Prates e na Rua da Graça”, conta.

Foi procurando discos de música israelense que Francisco conheceu sua futura esposa, Rachel: “Houve um momento muito feliz para mim, porque houve a primeira exposição de Israel no Brasil, em 1949, cha-mada ‘Israel Ressurge’, na Avenida Ipiranga. Fui lá, perguntei por discos e se eu podia emprestá-los. Entre as pessoas que estavam atendendo como monitoras, havia uma menina muito bonita... voltei quase todos os dias à exposição. Realmente não consegui os discos... mas acabei ficando noivo e três meses depois me casei”. Rachel, nascida na Polônia e que imigrara ao Brasil em 1946, trabalhava como professora de hebraico, após formar-se no Seminário Hebraico de Professores do Renascença.

O eco e a lembrança

O Mosaico diário no rádio passou a fazer parte do dia-a-dia das famílias, rememora o jornalista Boris Casoy, que foi apresentador do Mosaico na tv: “Ouvir o Mosaico no rádio era um hábito da minha família, fazia parte dos rituais diários da família ouvir o pro-grama. Eu acho que quando me dei por gente já fazia parte da hora do almoço, o meu pai fazia questão de ouvir o programa Mosaico e eu que sintonizava o rádio para ele, na Rádio América. Então eu tenho o eco e a lembrança das vozes do programa Mosaico. Nos anos 40, meu pai vinha almoçar em casa e ouvia o programa. O noticiário chegava muito tarde e eram anos muito agitados porque eram anos de guerra e

logo depois da guerra os anos que se sucederam com a criação do Estado de Israel. Lembro dos comentá-rios em casa, do ‘psiu, silêncio, silêncio, vamos ouvir o programa Mosaico’, era importante. A abertura era uma música dos escravos da ópera Nabucodonosor, o prefixo do programa. Na minha casa era importante, muito importante”.2

Nancy Rozenchan, que foi apresentadora do Mosaico na televisão, começou a trabalhar no pro-grama de rádio em 1959. “Havia um anúncio e estavam procurando locutora e alguém que trabalhasse no es-critório. Fui fazer o teste na antiga Rádio América, na esquina das ruas São Luiz com Consolação. Eu fiz um teste lendo em português e teste de microfone lendo em idish. Era aluna de ensino médio, antigo colegial, não tinha acabado de estudar hebraico no Seminário de Professores e dava aulas de piano. No Mosaico, come-cei a trabalhar na contabilidade. Na produção, ajudava a elaborar o roteiro e também era apresentadora. Na época o apresentador era o Salomão Júnior, irmão do Salomão Esper, este último um locutor conhecido. Havia duas pastas pequenas com os textos, eu tinha que pôr os textos que entravam e os que saiam. Não havia evento que não fosse comunicado com maior ou menor intensidade que não aparecesse no Mosaico. Tinham muitos discos, acho que vinham principal-mente dos Estados Unidos e da Argentina, de todos os cantores famosos da época, também de Israel, e tocava também ópera e música religiosa.”3

“Eu já nasci na era do rádio, quando nasci já tinha um grande rádio de olho mágico verde, hoje ninguém sabe o que é olho mágico, mas aquilo era algo que espantava, a gente ficava admirando até o ponto que fechava porque a sintonia estava boa, o olho ficava no ponto certo. Eu acho que todas as casas judaicas que tivessem um rádio e pudessem ouvir, ouviam, e o Mosaico era chamado de ‘programa idish’, o que o

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rádio transmitia era depois passado boca a boca”, conta Nancy Rozenchan.

Siegfried Gotthilf faleceu em 1952 e Francisco dinamizou muito o programa nos anos e décadas se-guintes, passando por emissoras como Santo Amaro, Piratininga, América e Rádio Mulher, e mantendo o Mosaico diário no rádio até o início dos anos 1980.

O Mosaico na TV

E foi assim, a partir do rádio, que Francisco chegou à televisão em 1961. Em sua estréia e primeiros meses, o programa manteve a seguinte estrutura: “Nosso Destaque”, com notícias da comunidade judaica de São Paulo; “Nosso Artista”, um quadro ao vivo, com apre-sentação de músicos, cantores, grupos de coral, música instrumental ou de danças; “Nosso Convidado”, um quadro de entrevista, e “Nossas Notícias”, reportagens sobre Israel, judaísmo mundial e, posteriormente, co-munidade local (incorporando o “Nosso Destaque”).

Neste último quadro, o programa exibia filmes de divulgação produzidos pelo governo ou por insti-tuições israelenses (“O Exército”, “Saúde em Israel”, “O Kibutz”) e slides com locução ao vivo. A divulga-ção dos bem produzidos filmes israelenses (muitos deles de propaganda realizados por ministérios do governo), exibindo uma faceta sempre dinâmica e de progresso, certamente contribuiu para atrair audiên-cia ao programa.4

O perfil estava já bem delineado desde o primeiro programa. Na estréia, compareceram ao Teatro Cultura Artística o presidente da Assembléia Legislativa, Abreu Sodré, o primeiro-secretário, Aluísio Nunes Ferreira, e o segundo-secretário, Jacob Salvador Zveibil; sendo que “o deputado Abreu Sodré teve palavras de grande simpatia ao povo judaico em geral, acentuando seu sentimento de admiração e dor ante a figura da meni-

na-mártir Anne Frank”, conforme noticiou a Crônica Israelita. Na estréia, o Mosaico noticiou também o andamento das obras de construção do Hospital Albert Einstein, “um dos empreendimentos que maior simpatia tem grangeado para o judaísmo no ambiente de nossa cidade”, “majestoso nosocômio, no alto do Morumbi”, como a imprensa judaica destacou.5

O primeiro programa apresentou também Juan Carlos Ortiz, um cantor “não-judaico” que apresentou músicas hebraicas, exibiu um filme sobre o Mar Morto e entrevistou Juca Chaves, “um dos correligionários mais em foco, embora não professe ‘arte judaica’”, conforme reportagem da Crônica Israelita. Esta com-posição de quadros e variedades exibida no primeiro programa foi seguida nos programas posteriores, que mantiveram este perfil.

Nos programas seguintes, entre vários temas, o Mosaico exibiu uma reportagem mostrando a recepção do cônsul de Israel, Leon Feffer, ao cônsul do Chile em São Paulo – que acabara de ser nomeado embaixador de seu país em Israel –, no qual foi “realçado o liame Brasil–Israel”, entrevistou o rabino Fritz Pinkuss, da Congregação Israelita Paulista (“que mencionou seus recentes contatos, na Europa, com os expoentes da teologia judaica moderna”); entrevistou Aidée e Oscar Klabin Segall, viúva e filho do pintor Lasar Segall, e exibiu o conjunto de danças “Dalia”, do movimento juvenil Hashomer Hatzair.

Nancy Rozenchan, que trabalhava no programa Mosaico em sua estréia, lembra: “Eu participei da elaboração do primeiro programa. O primeiro foi muito preparado e elaborado, lembro perfeitamente do Teatro Cultura Artística onde eram produzidos os programas da tv Excelsior, e havia outro estúdio para os comerciais, que eram ao vivo. Não só assisti à estréia, como estava trabalhando, estava por trás do palco fazendo de tudo, só não era câmera e di-

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retora. A gente procurava os temas e não faltavam matérias para serem apresentadas e havia muita gente que queria cantar. Toda semana tinham que ter quatro assuntos diferentes. A garota propaganda não podia esquecer o comercial, eram duas câmeras, uma tinha que girar para cá e outra para lá, imagino que eram pesadas.”

O advogado Abrão Lowenthal, que foi apresenta-dor do programa posteriormente, também se recor-da, como telespectador, da estréia na televisão. “Eu lembro, assisti ao primeiro programa porque foi um marco. Foi um momento importante da comunidade, era o programa de tv que saía do rádio, sem deixar o rádio, mas que ia para a tv. A Excelsior veio para acontecer, tinha uma programação muito densa, mas haviam os horários que podiam ser preenchidos e o Francisco foi para a Excelsior.”6

No ano seguinte à sua estréia na tv, Francisco Gotthilf recebeu, em importante homenagem, a medalha Hipólito José da Costa (patrono da imprensa brasileira), concedida pela Associação Interamericana de Imprensa. Em 1961, a comunidade judaica em São Paulo contava com cerca de 90 mil integrantes. O Brasil elegeu Jânio Quadros presidente da República, governo que durou apenas poucos meses, até que assumiu João Goulart. Foram anos de intensa pola-rização política (interrompida com o golpe militar de 1964).

Passaram pelas telas do Mosaico os principais fatos da comunidade judaica no Brasil, ligados à sua vida institucional, social, política, religiosa e cultural. A marca do programa sempre foi pluralista: fiel a seus princípios, Francisco nunca tomou partido em disputas comunitárias ou políticas e deu voz a todos na comunidade, políticos de vários partidos, dirigentes comunitários em campanha e rabinos os mais diversos, embora, evidentemente, não se deva confundir plura-

Carta de Francisco Gotthilf enviada aos Estados Unidos solicita, para o programa, discos com músicas em idish, entre eles gravações cômicas de filmes em idish e, na grafia original da carta: discos dos “Irmãos Bagelman”, orquestra de Abe Elstein, Moische Oischer (“Belz, mein Staedtele Belz”), Sidor Belarski, Peisachke Burstein, Ludwig Satz, 1942.

lismo e abertura com falta de opinião e de posições – e Francisco as tem, mesmo que não as tenha imposto ao escolher os convidados do programa.

O Mosaico cobriu a primeira visita de um presi-dente de Israel ao Brasil, Zalman Shazar, em 1966, acompanhando seus passos por Brasília e São Paulo. Depois realizou reportagens e entrevistas, muitas delas exclusivas, com os principais líderes de Israel em visita ao Brasil, entre eles David Ben-Gurion, Shimon Peres e Yitzhak Rabin. Também acompanhou a visita ao

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Brasil de algumas das importantes lideranças religio-sas e políticas mundiais, como o Papa João Paulo II e Mikhail Gorbatchov. A todos eles, Francisco nunca se esquecia de pedir que assinassem seu livro de autó-grafos, na frente das câmeras, verdadeiro troféu que ele guarda em seu escritório: o livro assinado pelas personalidades, entrevistados e visitantes do progra-ma. Outra constante do programa são as gravações de Ano-Novo Judaico realizadas por autoridades para saudar a comunidade. Presidentes, governadores e prefeitos gravam estas mensagens desde 1961 e elas se tornaram uma tradição.

Tupi e Excelsior

Quando o Mosaico estreou na tv Excelsior, a pró-pria televisão havia completado pouco mais de uma década no país. Também anunciada como “cinema a domicílio”, começou no Brasil com a tv Tupi Difusora, Canal 3, do grupo “Diários Associados”, de Assis Chateaubriand, em 18 de setembro de 1950, primeira emissora da América do Sul. Mas havia um desafio não resolvido: se a tv não era conhecida e não fazia parte nem do imaginário nem dos hábitos diários da população, quem iria assistir? E, fundamental, onde? Para resolver, a Tupi instalou cerca de 200 aparelhos em bares e lojas e na sede dos “Diários Associados”. No final de 1951, havia mais de sete mil televisores entre Rio de Janeiro e São Paulo.7 Poucos anos depois, em 1956 já eram 250 mil aparelhos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.

Nos primeiros anos da televisão, a relação entre a tv e o rádio era estreita e muitos dos primeiros pro-gramas, artistas, apresentadores e mesmo a concepção e perfil de programação estavam ainda calcados no rádio. Por isso, passar do rádio para a televisão, como fez Francisco, era uma travessia plausível, mesmo sem

experiência prévia no novo meio de comunicação e sem qualquer preparação anterior mais sistemática. Ter um programa de rádio e ser um profissional das comunicações certamente credenciaram Francisco ao novo empreendimento. Com seu jeito dinâmico e simpático, imigrante alemão que fala razoavelmente o idish e, por isso, era próximo à comunidade judaica no Bom Retiro, ele conquistou a televisão para a co-munidade, procurando ser uma vitrine da comunidade para toda a sociedade. Diferentemente do programa de rádio, dirigido ao dia-a-dia da comunidade, o Mosaico

Logotipo do programa Mosaico, ano 60.

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na tv era uma revista semanal de variedades dirigida à comunidade e ao público em geral.

Conforme Álvaro de Moya, diretor artístico da Excelsior em 1961: “A tv começou no tempo da Tupi como uma programação de ‘rádio com imagem’. Tinha o programa humorístico no rádio e se fazia um programa humorístico na tv, tinha o radioteatro e fizeram o teleteatro, tinha o radiojornal e fizeram o telejornal. De certa forma, os primeiros profissionais da tv deram uma imagem a uma programação de rá-dio, porque elas eram emissoras de rádio e as pessoas que vinham trabalhar na tv eram do rádio. Então, eles tinham aquele tique do rádio. Mas algumas pessoas dentro da tv eram ligadas principalmente ao amor pelo cinema”.8

Em seu discurso na primeira transmissão oficial, Assis Chateaubriand, após nomear e agradecer as empresas que tornaram possível a tv, afirmou que “ela produzirá um sinal da mais subversiva máquina de influir na opinião – uma máquina que dará asas à fantasia mais caprichosa e poderá juntar os grupos humanos mais afastados”.9

A tv Excelsior, Canal 9, começara suas transmissões pouco antes da estréia do Mosaico, em 1960, e tinha na época a forte concorrência da Tupi e da Record. O primeiro programa da Excelsior, “Brasil 60”, reunia Grande Otelo, Mazzaroppi, Oscarito, Roberto Freire e Bibi Ferreira, entre outros, gravado no Teatro Cultura Artística. Naquele ano existiam no Brasil cerca de 20 emissoras (de alcance local ou regional) e de 1960 para 1962 o número de aparelhos de televisão aumentou de 598 mil para 1.056.000. Em 1960, o país ainda era majoritariamente rural: 44,7% de habitantes na cidade e 55,3% no campo, de um total de 70 milhões de ha-bitantes (apenas uma década antes, quando a tv teve início, dos quase 52 milhões de habitantes, 36,2% eram moradores urbanos e 63,8% viviam na zona rural).

Em 1960 Richard Nixon e John Kennedy debate-ram nos Estados Unidos ao vivo na disputa eleitoral para presidente. Em 1961 começou a “Discoteca do Chacrinha” no Canal 13 tv Rio. A primeira transmissão ao vivo entre Europa e Estados Unidos, por satélite, foi em 1962. O “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, adaptado por Tatiana Belinky, que fazia também o papel de Emília, e dirigido por Júlio Gouveia, estreou em 1962. No mes-mo ano, as emissoras fizeram um pool e trouxeram do Chile, na Copa do Mundo de 1962, filmes em 16 mm que eram exibidos por todas ao mesmo tempo. O ciclo da telenovela se iniciou com “2-5499 ocupado”, na Excelsior, em 1963. Em 1964, “O Direito de Nascer” se tornou um grande sucesso. A novela com horário fixo diário se tornaria um hábito dentro de uma grade de programação que passou também a ser referencial para o cotidiano das pessoas (“depois da novela”, “antes do jornal” e assim por diante). Em 1965 foi lançado um satélite comercial e a Copa do Mundo da Inglaterra, em 1966, foi transmitida para todo o mundo.10

Um novo horizonte comunitário

Iniciar um programa judaico na televisão, dirigido à comunidade e ao público em geral, em 1961 era, cer-tamente, uma ousadia. E ousadia ainda maior propor e conseguir levá-lo ao ar na tv Excelsior, inaugurada em 1959, com uma proposta de renovar o conceito de televisão, sua programação e seu conteúdo, fazendo uma televisão com alto nível cultural nacional. Na tv Excelsior, Francisco Gotthilf e o Mosaico conviveram com estrelas da cultura nacional naqueles anos, alguns jovens, outros já consagrados, em uma emissora que contribuiu para definir os padrões da televisão no país.

Francisco Gotthilf tinha, sem dúvida, o necessário arrojo para tal empreendimento, lastreado em uma ex-periência de 20 anos no rádio. Mas, mais do que tudo,

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ele tinha um senso de modernidade, que entendia o lugar do rádio e da televisão na vida das pessoas, fosse em seus programas na tv ou como técnico de rádio, em sua oficina de consertos e na loja de eletrodomésti-cos, onde conviveu com televisores praticamente desde o início das transmissões de tv no país.

Além do clima geral no país de desenvolvimen-tismo e de otimismo, a ousadia de Francisco estava embasada também, pode-se dizer, em uma nova at-mosfera que irradiava da comunidade judaica em São Paulo, no interior da qual ele vivia e para quem dirigia o programa de rádio, sendo sempre um de seus prin-cipais porta-vozes, o homem de comunicação, uma vitrine, um palco e uma tribuna por onde passaram as mais diversas personalidades que se apresentaram da comunidade para a sociedade em geral e vice-versa.

Na década de 1960, a comunidade judaica estava consolidando uma mudança significativa que havia se iniciado na década anterior. Eram anos de otimismo e de sedimentação de um novo patamar de inserção no país, com instituições que não mais tinham como foco o apoio aos imigrantes, mas uma projeção social efetiva na sociedade. Um novo perfil de entidades estava sendo construído, como o clube A Hebraica, inaugurado em 1957, e o início da construção do hospi-tal Albert Einstein, cuja Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein fôra estabelecida em 1955 (no ano de 1958 começaram efetivamente as obras de construção, alguns serviços iniciaram o aten-dimento na década de 1960 e a inauguração oficial do hospital foi em 1971).

A Congregação Israelita Paulista (cip), a casa comu-nitária de Francisco – onde os Gotthilf encontraram seu primeiro apoio ao chegar ao Brasil em 1938 –, vivia uma atmosfera de novos rumos. Em 15 de setembro de 1957, a cip inaugurou a nova sinagoga à Rua Antônio Carlos. Seis meses depois, em 8 de março de 1958, inau-

gurou o Centro Comunal. A decisão de construir uma nova sede, com um arrojado e moderno projeto arqui-tetônico de Henrique Mindlin, estava em consonância com as novas aspirações e com a atmosfera da congre-gação, que já testemunhava uma primeira geração de filhos se tornando adultos no Novo Mundo. A nova sede ampliou muito os horizontes da congregação. A cip deixava de ser uma congregação circunscrita ao judaísmo alemão para se tornar uma instituição central do judaísmo paulista e pólo de atração de centenas de jovens que vinham participar dos movimentos juvenis (Avanhandava e Chazit Hanoar) e das colônias de férias nos Campos de Estudos nos anos 1960.11

Era um pequeno mundo em ebulição e agitação permanente e Francisco viveu intensamente esse am-biente desde a sua chegada ao Brasil em 1938, como escoteiro, como chefe escoteiro (entre 1945 e 1949 ele foi o chefe geral da Avanhandava), como integrante da “Casa da Juventude” e em outros espaços jovens e adultos. Com a nova sede, os sócios da cip deixam de ser imigrantes e refugiados e passam a ser cidadãos estabelecidos. O provisório passou a definitivo. Todos estes eventos são certamente marcos e símbolos de uma nova mentalidade e época.

Foi na década de 1960 também que teve início a migração de parte da comunidade judaica do bairro do Bom Retiro para o de Higienópolis, onde em 1968 seria inaugurada a sede local do colégio Renascença (que em 1966 ganhara novo prédio também no Bom Retiro). Mais do que mero deslocamento geográfico na cidade, representou uma mudança social, Higienópolis significando um novo patamar social e econômico atingido por setores da comunidade, que se muda-vam para um bairro que tinha outro status na cidade, residência e moradia das classes médias ascendentes e dos antigos barões do café, e que se verticalizou com modernos edifícios.

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A fundação do Estado de Israel pouco mais de uma década antes, em 1948, certamente fôra outro fator decisivo na criação inicial dessa atmosfera, embora os anos 1950 (mesmo com a vitória na Guerra do Sinai, em 1956) ainda estivessem longe do otimismo que se disseminou após a fulminante vitória na Guerra dos Seis Dias em 1967 e a unificação de Jerusalém, capital de Israel. Ao mesmo tempo, a comunidade judaica dos anos 1960 já respirava outros ares relativamente distan-tes do período do fim da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto.

Não há dúvida de que esta nova configuração geo-gráfica, institucional, social, cultural e econômica, com a atmosfera de progresso, ascensão social e inserção em um novo patamar no Brasil, de identificação com Israel, foram os fatores – evidentemente aliados ao empreendedorismo e arrojo de Francisco Gotthilf – que provavelmente tornaram concebível e possível a existência de um programa sobre a comunidade judai-ca paulistana em um meio novo e ousado como a tele-visão. E não em qualquer emissora, mas na Excelsior, naquela que representava a modernidade, o progresso e, mais do que tudo, que pretendia levar ao ar as novi-dades da cultura brasileira naquele momento.11

Tratava-se, naquele início dos anos 1960, portanto, de uma comunidade que tinha orgulho em se ver na televisão, espelho público de sua vida, e mais orgulho ainda de exibir para todo o país aspectos de sua vida social, cultural e religiosa e de sua ligação com Israel. A tv marcava, com potência maior do que qualquer outro meio, a inserção e a integração da comunidade à vida brasileira e intensificava isso pela presença da comunidade na tv, expondo-a à projeção pública imensamente ampliada que a televisão propiciava – por meio do programa Mosaico.

O perfil e a “fórmula” do programa foram forjados e definidos por Francisco naqueles primeiros anos da

década de 1960 na tv Excelsior e atravessaram várias décadas e emissoras com um padrão que manteve seus propósitos inabaláveis e seu público cativo. Se o início do programa de rádio atendia às necessidades de uma comunidade de imigrantes, que precisava de notícias e informações durante os anos de guerra, com transmissões em idish e notas de utilidade diária, agora, na televisão, o programa se tornara uma vitrine das realizações desta comunidade, envolvidas em um clima intenso de otimismo e transmitidas para toda a sociedade.

A TV Excelsior, a cultura brasileira e o judaísmo

Como essa nova atmosfera comunitária se encai-xava no perfil de uma emissora afinada com a idéia de promover a cultura brasileira e criar uma programação de bom conteúdo e que, ao mesmo tempo, atingisse a um amplo público (sem ser vulgar)? Justamente reside aí uma das receitas mais bem trabalhadas do Mosaico e de Francisco Gotthilf: os temas da comunidade eram sempre apresentados como parte da cultura, da sociedade brasileira, falando à sociedade como um todo, ao público em geral, mesmo quando fosse uma reportagem sobre um aspecto particular científico ou

Notícias sobre a estréia do Mosaico na tv foram publicadas em vários órgãos de imprensa.

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em parte pela concepção do que queria como progra-mação, recebeu muito bem a proposta. Aficionado de histórias em quadrinhos, ele e um grupo de jovens ha-viam organizado em 1951 a primeira exposição em São Paulo dedicada aos quadrinhos, realizada no Centro Cultura e Progresso, depois Instituto Cultural Israelita Brasileiro, na Rua Três Rios, no Bom Retiro. Moya lembra que, após várias recusas de outras instituições em sediar a exposição, foi aquele centro quem aceitou recebê-la, apoiando o tema inovador, em uma época na qual os quadrinhos ainda eram estigmatizados.

É o próprio Álvaro de Moya quem conta sobre o projeto inicial do Mosaico: “O Francisco veio falar comigo para fazer um programa sobre a comuni-dade judaica e eu era ligado à comunidade judaica, tinha simpatia e admiração pela cultura judaica, a

minha esposa era judia e eu tinha muita ligação com o pessoal do Bom Retiro, desde a exposição de 1951 no Bom Retiro, no Centro Cultura e Progresso, hoje Icib. A comunidade judaica à qual nós nos ligamos era de pessoas ligadas à esquerda, à juventude comunista do bairro. Eu tinha uma simpatia pelo judaísmo e quando Francisco Gotthilf propôs, achei uma ótima idéia. O Mosaico entrou como uma alternativa dentro de uma tv cuja grade ainda não estava completa. O Francisco era um empresário dinâmico, ele atuava tanto na parte de produção como na parte co-mercial; conseguia patrocinadores, atuava na parte cultural também, era uma pessoa que entrava bem dentro do perfil das pessoas que

tecnológico de Israel, que era exibida como um as-pecto que a comunidade judaica local mostrava sobre seus irmãos em Israel, como uma faceta a acrescentar na cultura brasileira.

Em 1961, o diretor artístico da tv Excelsior era Álvaro de Moya e foi ele quem recebeu Francisco Gotthilf levando pela primeira vez a idéia e o projeto de criar um programa na tv, e que as aprovou. Moya estava presente na televisão brasileira desde a sua fundação, em 18 de setembro de 1950. Ele desenhava histórias em quadrinhos e, por isso, foi chamado para fazer os desenhos, apresentados em cartolinas e filma-dos, do show de inauguração da tv Tupi. Depois, em 1955, trabalhou na tv Paulista. Ele conta a sua trajetória na tv, depoimento emblemático da própria trajetória da televisão e da Excelsior naqueles anos: “Pelo meu trabalho feito na tv Paulista, Canal 55, principalmente na área de tele-teatro, fui escolhido pelo governo norte-americano para fazer um estágio na tv daquele país, que tinha começado em 1947”; na volta, “recebi a proposta de trabalhar na tv Excelsior, que planifiquei desde 1959. Eu tinha visto como funcio-nava a tv americana, tinha a noção exata de como uma nova tv deveria trabalhar. Fiz o organograma, o flu-xograma, a grade de horário e ins-titui a contagem regressiva. Minha idéia era fazer uma programação com conteúdo nacional e uma tv profissional”.

Ao receber Francisco Gotthilf, Moya já tinha uma relação pessoal e cultural com a comunidade e com a cultura judaica e, em parte por isso,

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Ao lembrar do início do programa, Francisco conta como era produzir o programa sem muita experiência prévia: “Eu me encantei com essa idéia e comecei na tv Excelsior, que era no Teatro Cultura Artística. Eles me deram a oportunidade e a gente estava mais ou menos assustado na hora que tinha que entrar na frente do público. Não tinha a menor idéia de como funcionava a televisão. Não havia gravação, era ao vivo, o que era um tanto complicado porque você não podia repetir por alguma falha. Anúncios eram em cartazes dese-nhados à mão e slides projetados. Tudo era ao vivo e, por isso, havia incidentes, erros e falhas. Por exemplo: um entrevistado falava uma coisa e mostrávamos uma imagem de outra. Certa vez o projetista mostrou o anúncio errado, em outro programa ele exibiu um filme sobre Ben-Gurion de cabeça para baixo”.

Sobre a viabilização econômica do Mosaico: “O programa na televisão precisava de patrocinadores, mais do que no rádio, porque custava mais caro produ-zir. O primeiro patrocinador foi a Tabacow, do Moises Kaufmann, que disse: ‘começa que vamos dar o apoio de que você precisa por um ano’, depois foi Expresso Ring e outros patrocinadores”, lembra. Álvaro de Moya também lembra outro aspecto: “Eu tenho a impressão de que o Mosaico não pagava o horário, porque o Saulo Ramos, que depois se tornaria ministro da Justiça, que era o diretor comercial, fez uma coisa que as tvs hoje não têm, que foi o minuto industrial. Ele contabilizou o tempo que a emissora ficava no ar, o quanto a gente pagava de luz, telefone, equipe e tal, e fez um custo industrial. Aquele era o custo industrial do minuto da tv. Eu tenho a impressão que o Saulo deve ter cobrado do Francisco apenas o minuto industrial, quer dizer, ele praticamente doou o horário”.

Sobre o programa, recorda Francisco: Naturalmen-te fizemos uma variação de programa aprendendo com outros programas de televisão, além de notícias,

queríamos trabalhando na tv. Ele não era uma pessoa de fora que simplesmente comprava um horário ou que trazia uma produção, o programa estava inserido dentro da idéia e do projeto da Excelsior. E sempre de acordo com a proposta de fazer uma tv alternativa, com espírito nacional, quer dizer, a gente fazia uma tv diferente das outras”.

Moya indicou um profissional de sua confiança, Ítalo Moreli, que era cameraman, para dirigir o pro-grama. “Era a pessoa que cuidaria do programa, faria a direção de tv e traduziria as idéias do programa na linguagem de tv. Eu pensava que, enquanto não tínhamos a grade completa, podíamos fazer progra-mas diferentes de todo mundo. Ninguém tinha um programa que passasse a moda francesa, um programa do judaísmo, de música erudita de vanguarda, com o Ziembinski, com a Magdalena Tagliaferro, com o Ataulfo Alves. Era uma programação que mantinha o nível cultural da Excelsior, o que o Mosaico tinha, porque a comunidade judaica no Brasil, principal-mente em São Paulo, era expressiva, assim como a comunidade italiana e a comunidade árabe. Então, era uma maneira de homenagear uma comunidade que tinha uma participação muito grande dentro do espectro da cidade”.

Francisco Gotthilf rememora seus primeiros passos rumo à televisão: “Eu seguia a orientação que meu pai tinha deixado no programa de rádio. Em toda parte abriam-se programas de televisão de todos os tipos. Eu cheguei à conclusão de que era minha vez de pro-gredir em termos de comunicação, eu também devia fazer televisão e fui parar na tv Excelsior, porque era a televisão mais nova, mais recente. Existiam outras emissoras mais fortes. Eu tentei e felizmente fui rece-bido com simpatia na Excelsior. Na ocasião falei com o Álvaro de Moya, que era o diretor, e contei a ele o que queria fazer”.

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documentários, entrevistas e apresentação de grupos artísticos da comunidade, uma variedade que foi reconhecida pela própria comunidade. Contei com a participação do público, que achava muito curioso ter um programa uma vez por semana e veio também acompanhar. Eu mesmo me assustei quando comecei, porque não podia ceder um segundo para outras coi-sas, tinha que estar com a cabeça no lugar, porque a televisão era coisa muito nova. Claro que tinha o apoio da equipe local da emissora, mas representou para a comunidade uma forma de informação que até aí não se conhecia. Nós começamos a melhorar isso cada vez mais, quando recebíamos documentários do mundo judaico, principalmente de Israel. Nós percebemos que o grande público que assistia ao programa não era apenas o judaico, era um público brasileiro que já tinha televisão em casa e, volta e meia, onde eu ia, em uma loja ou algum evento, era cumprimentado por pessoas que diziam: ‘Vi o senhor na televisão’, ‘é o programa de domingo, o Mosaico’. Isso para mim era uma satis-fação muito grande porque descobri que nosso grande público era maior do que só o da comunidade. Essa tem sido a orientação do Mosaico sempre”.

O substantivo no lugar do adjetivo

O perfil de Francisco como apresentador é lem-brado também por Moya: “O Francisco não tinha o perfil de apresentador de tv daquele tempo. O Francisco, conforme a idéia do que seria uma anti-tv, que buscávamos para a Excelsior, tinha esse perfil que eu achava que funcionava, ou seja, não era galã, como os galãs de novela e de teleteatro daquele período, não era o apresentador comum daquele tempo. Então, ele era diferente e eu achava que isso era bom, também era uma maneira de você fugir do ramerrão da tv daquela época. Seria como se você estivesse abdican-

Francisco Gotthilf recebeu dezenas de cartas e telegramas de congratulações pela estréia, como estes enviados pelo Círculo Israelita de São Paulo e pelo programa “Voz de Israel” de Jerusalém, 1961.

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do do adjetivo e colocando um substantivo diante da câmera. Hoje existem apresentadores que têm esse carisma, não tem o físico de apresentador, são gordos e tal, mas eles têm uma presença e comunicabilidade com o grande público. Eu achava que ele tinha uma simpatia, criava uma maneira que o expectador o via com simpatia, não tinha aquela voz de radio novela que a tv absorveu. Eu gostava dele como apresentador. Naquele tempo, a qualidade da tv não era essa que conhecemos hoje, era em preto e branco e a defini-ção era muito má. Lembro que uma vez o Francisco conseguiu alguns filmes do consulado de Israel e eu o chamei e disse: ‘Ficou tão bom aquilo, quebrou a mo-notonia, você está mostrando imagens que ninguém sabe que existem’. Hoje você sabe o que acontece em Israel não só por causa da guerra, mas também por causa da tv feita por satélite. Mas naquele tempo não se sabia o que acontecia no resto do mundo com tanto conhecimento. Eu falei: ‘Ficou muito bom isso, veja se consegue mais filmes para você colocar, repara como vai enriquecer muito a sua produção’”.

A programação da tv Excelsior era composta de shows humorísticos, musicais, noticiários, entrevis-tas e filmes, programas como Nhô Totico, Circo do Piolim, Arte na tv (apresentado por Maria Bonomi),

Literatura Brasileira (apresentado por Dulce Salles Cunha e Hélio Silveira), Ator na Arena, Arquitetos na tv e Mazzaropiadas com Mazzaroppi, além de desenhos infantis, concertos de música erudita (com o maestro Rogério Duprat), música popular, aulas de interpretação teatral com o diretor Ziembinski, aulas de piano com Magdalena Tagliaferro, Simonetti Show e o Teatro Nove. Havia também o Brasil 60, apre-sentado por Bibi Ferreira, depois Brasil 61, Brasil 62, Brasil 63, até 1967: era um programa de auditório, aos domingos, no Teatro Cultura Artística (que se tornou estúdio da Excelsior), com entrevistas e apresentações de artistas de todo o país, além de seriados, filmes documentários, teleteatro e filme longa-metragem no último horário12.

“A tv Excelsior tinha inovações e criatividade. Ela pegou o que a televisão tinha feito de bom, tv de van-guarda, os filmes de longa-metragem, os musicais, os programas de rádio e tudo o mais, e criou também o futuro da tv, porque ela se profissionalizou e estava procurando fazer uma televisão brasileira, que o povo brasileiro acompanhasse, e tinha uma identificação muito grande, principalmente o Brasil 60, com a Bibi Ferreira, produzido pelo Manuel Carlos. O que eu queria é que aquele projeto que nós fizemos fosse

Anúncio convidando para assistir ao programa de estréia, 1961.

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popular, porém também uma televisão levando ao ar o cinema de Hollywood, a literatura e os quadrinhos”, completa Moya.

Conforme o depoimento de Cyro Del Nero sobre a emissora: “A Excelsior foi um respiradouro para que uma televisão fizesse mais do que se fazia. Profissionais afluíam com ânimo e idéias novas. A Excelsior estava conectada com o mundo do jornalismo alternativo (tivemos uma noite louca com os jovens do Pasquim) e com a cultura trazida pelas mãos do Bento Prado Jr. Literalmente pelas suas mãos tivemos Jean-Paul Sartre no palco da Nestor Pestana” e “nosso teatro para shows ao vivo era o Teatro Cultura Artística e nele produzía-mos toda a programação. Transformamos aquela rua na rua da nova televisão. Não era raro encontrarmos nas mesas do bar da esquina Lamartine Babo, Heitor dos Prazeres, Ataulfo Alves, Cyro Monteiro, Dalva de Oliveira, Silvio Caldas e Orlando Silva. (...) Foram anos cheios de entusiasmo e ainda creio que a tv Excelsior do Álvaro de Moya gerou a televisão moderna brasi-leira”, que produzia a mesma programação para São Paulo e Rio de Janeiro.13

“A inauguração da tv Excelsior é um acontecimen-to que abala a mornidão reinante. A nova emissora é expressa de uma mentalidade diversa, resulta de uma estratégia onde o conceito de programação é apenas o produto mais evidente. Para se impor no mercado, ela precisa formar seu corpo técnico e elenco artístico”, escreve Inimá F. Simões.14 Conforme o depoimento de Wallace Simonsen: “De todos modos, se é que se pode falar em um projeto, no caso da Excelsior, diríamos que ela esteve sempre integrada ao nacio-nalismo presente na política dos anos 60. Waltinho repete a cada instante a intenção, na época, de ‘criar uma televisão brasileira, basicamente brasileira’ e, por aí, justifica a permanência no ar por vários anos do programa ‘Brasil 60’, que se tornou ‘Brasil 61’, e assim sucessivamente. Programa apresentado por Bibi Ferreira, já na inauguração da emissora, a ele eram ‘chamados os cantores brasileiros: era todo um programa de interesse em cima de assuntos da cultura brasileira’”.15

Folheto com tabela de anunciantes da tv Excelsior, com preços para gts, slides, filmes e comerciais ao vivo, fevereiro de 1961.

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Da Excelsior para a Cultura

O Mosaico permaneceu na Excelsior até 27 de janei-ro de 1963. Foram 81 programas, sempre aos domingos, das 14h00 às 14h30 (ou 14h40). Após deixar a Excelsior, o Mosaico foi para a tv Cultura, Canal 2, na qual exibiu 245 programas entre 3 de março de 1963 – sua estréia –, até 10 de dezembro de 1967. “A atualidade palpitante, o espelho da vida da coletividade, o que se passa em São Paulo, em Israel, no mundo judaico. Nossa equipe de cinegrafistas, desenhistas, caricaturistas e fotógrafos está a postos para que o telespectador tenha a atenção voltada semanalmente para Mosaico na tv”, anunciava um álbum comemorativo de quatro anos do progra-ma, de dezembro de 1964, que registrava ainda: “Mais um ano se finda. Renovam-se as esperanças por dias melhores. Mais uma jornada de atividades profícuas acelerando o progresso do Brasil”.

A equipe que trabalhou no Mosaico na época in-clui, como apresentadores: Hella Moritz, Isaac Lew, Pola Civelli, Abrão Lowenthal, Boris Casoy e Annie Dymetman. A assistente era Nancy Rozenchan, que também foi apresentadora. A direção de tv foi de Daniel Kuper, Ricardo Artner, Manoel Bernardo e Romeo Sanches. O programa manteve a mesma es-trutura de quadros: Nosso Artista, Nosso Convidado e Nossas Notícias. Continuavam os programas especiais nas festas (Sucot, Purim, Pessach, Rosh Hashaná, Yom Kipur e Chanuká) com apresentação e explicação dos rituais, muitos deles com a presença de rabinos e de um chazan (cantor litúrgico). Havia também outros quadros, tais como “Você Sabia?” (uma pequena curiosidade judaica apresentada dentro do comercial do Expresso Ring) e “Mosaico em Viagem”. Francisco chegou a manter por um período um segundo progra-ma logo após o Mosaico, “Viagens Maravilhosas”, com duração de 15 minutos.

Eram realizados concursos mensais conjuntos com a Livraria Weltman. O primeiro teve como tema: “Qual é a origem do descanso semanal de nossa reli-gião? Responder que se baseia na Bíblia não é o sufi-ciente. Servem também explicações de outras religiões. A resposta pode vir em português, hebraico ou idish.” Também realizava promoções como uma grande “Gincana do Jubileu”, com saída do clube A Hebraica e chegada na pracinha junto ao estúdio da tv Cultura. A premiação incluía viagem ao Rio de Janeiro, jantar no Bierhalle, pizza na La Gôndola, jaqueta e LPs.

Conforme Álvaro de Moya, explicando as razões pelas quais o programa deixou a Excelsior: “Eu trans-formaria o Mosaico em um programa ainda mais po-pular, mais cultural, mais artístico, para chegar ao nível do Brasil 60, porque a minha idéia era realmente fazer uma tv diferente. Acredito que a idéia do Edson Leite era retirar o programa do ar para colocar um progra-ma humorístico e conseguir levantar o horário, por-que ele estava preocupado com o ibope. Na Excelsior

Anúncio do Mosaico na tv Cultura e, em seguida, do programa “Viagens Maravilhosas”, também dirigido por Francisco Gotthilf, 1963.

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havia muitos artistas e pouco espaço, e eram artistas bastante populares, como o Moacir Franco, e não ca-biam no horário da tv. Por outro lado, começaram as telenovelas e elas ocupavam muito espaço. Eu tenho a impressão que ele tirou o Mosaico da tv porque não era um programa considerado ‘popular’, um tipo de programação que a Excelsior preferiu fazer.”

Em seu início, as reportagens do Mosaico eram fil-madas em 16mm. Em dezembro de 1964 está registrada a primeira referência (em um álbum comemorativo de quatro anos de programa) de que a partir de 1965 “te-remos um videoteipe próprio à nossa disposição”. No mesmo mês se registrava que em dezembro fora feita pela primeira vez uma entrevista, com o embaixador brasileiro em Israel, em “filme sonoro”. O videoteipe foi inventado na década de 1950 nos Estados Unidos e passou a ser utilizado na tv brasileira a partir de 1960 (o videoteipe portátil ou miniteipe surgiu em 1967). Mas o videoteipe conviveu por um período com programas ao vivo até que passou a ser inteiramente gravado (embora, claro, a tv mantenha programas ao vivo). Em 24 de setembro de 1967 aparece a referência em uma anotação à caneta no roteiro do programa: “Não houve programação por falta de energia elétrica – hou-

ve gravação em videoteipe da parte artística (Harri Minfeld) que passará em 30-9”. Até então, quando havia problemas técnicos ou falta de luz simplesmente apareciam anotações de ‘não foi ao ar’. A partir dessa data aparecem anotações como: ‘a entrevista será feita em videoteipe’.

200 Programas

Em 1965 o Mosaico comemorou o seu jubileu, com 25 anos no rádio e 200 programas na tv. Foram anos de efervescência na televisão. Em 1965, a tv Excelsior rea-lizou o primeiro Festival de Música Popular Brasileira, vencido por Edu Lobo, com “Arrastão”, interpretado por Elis Regina. No mesmo ano, a Record estreou a “Jovem Guarda”, com Roberto Carlos, e teve início a novela “O Direito de Nascer”, produzida pela Tupi. A mais longa novela iniciou em 1966, “Redenção”, na Excelsior, com 596 capítulos. O 2º Festival de Música Popular Brasileira foi na Record, em 1966. Em 1967 es-trearam “Família Trapo” e “Praça da Alegria” (Record) e em 1968, a novela “Beto Rockfeller” (Tupi).

Abrão Lowenthal começou a trabalhar como apresentador do programa em 1966: “Eu estudava

Convite para o baile de comemoração de quatro anos do programa e da festa de Simchá Torá, 1965.

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Direito, a irmã de um amigo assistiu o programa e o Francisco fez um anúncio. Como ia acontecer uma Macabíada Pan-Americana em São Paulo, Francisco estava recrutando jovens que se dispusessem a fazer o papel de apresentador da Macabíada. Fez o convite no ar e deixou o endereço do escritório dele para que as pessoas se apresentassem. Na segunda-feira, liguei para o Francisco, fui e me apresentei. Na verdade, não havia uma fila de candidatos e conversei com o Chico. É difícil você não se dar bem com o Chico no primeiro momento, a simpatia, enfim, aquele jeito dele. Ele dis-

se assim: ‘Está bom, domingo você vem aqui porque vamos começar’. Na quinta-feira ele me telefonou, passou o roteiro do programa e no domingo seguinte eu apareci para fazer a cobertura da Macabíada Pan-Americana. A televisão era ao vivo. Não tinha tempo para teste. O teste era o contato com o Francisco, ou ele gostava ou não. Difícil ele não gostar. Ele conse-gue sentir o interesse da pessoa. Quando a pessoa é interessada, ele já dá espaço. Ele sentiu que eu estava interessado. E começou assim, de lá não parei mais, continuei durante quase cinco anos”.

Lowenthal rememora especificamente a cober-tura dos jogos: “Foi muito bacana porque naquela Macabíada teve uma final de futebol entre Brasil e Argentina. Então, tinha aquela rivalidade toda e o Chico teve a brilhante idéia de transmitir a final de futebol pelo programa Mosaico. O locutor era o Boris Casoy, que já tinha tradição, era o locutor esportivo da Pan-Americana. Eu fiz o papel de comentarista e o Chico era uma espécie de Cláudio Carsugui, com comentários gerais, só que não tinha o conhecimento do Carsugui... Infelizmente nós perdemos o jogo. Eu passei alguns anos trabalhando com o Boris e foi uma experiência muito boa porque ele é acima de tudo um grande gozador. O programa era muito agradável, as passagens, os improvisos, não tínhamos videoteipe, o programa era feito ao vivo. Então, as coisas aconteciam e a gente acabava rindo. Essa foi uma das características do Chico, ele fazia aquilo com amor, fazia com uma convicção, por isso que tudo saía certo no final. Por mais que improvisasse, tudo saia certo. O programa ao vivo é muito difícil. Errava, ia para o ar daquele jeito mesmo e acabou. Se o sujeito engasgava na hora de ler o texto não tinha como cortar, era ao vivo. O Chico, que é extremamente dinâmico e agitado, ia para um lado, para o outro, tirava a atenção da gente, mas no fim o resultado sempre era ótimo. Tinha um roteiro,

Folheto de divulgação do programa na tv Cultura e na Rádio Piratininga.

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ele preparava o roteiro e entregava na mão de cada um, ponto final. Só que o inesperado também acontecia, ou a pessoa não vinha, acontecia do convidado não vir, e você tinha que preencher com outra coisa. Então, você tinha que usar um pouco da criatividade e o Chico usava muito a criatividade. De repente ele entrava com alguma coisa porque estava cobrindo alguém que não veio. O curioso é o que acontecia atrás, era uma cor-reria e era difícil ficar atento, não podia se concentrar porque tinha todo um exército atrás. As câmeras eram grandes, com tripé, era difícil movimentá-las. Tinha o caboman que tinha que levar e, às vezes, o caboman caía, todas as coisas que a gente não espera aconte-ciam e no final das contas era muito divertido”. Um requisito importante para trabalhar no programa era o conhecimento que Lowenthal tinha do idish, já que ele apresentava e traduzia os trechos de shows ao vivo de companhias de dança e teatro idish que passavam por São Paulo e se exibiam no programa.

Boris Casoy era locutor de rádio e foi trabalhar no Mosaico como apresentador em 1966: “Eu era locutor da rádio Eldorado e um dia o Francisco me convidou para participar da apresentação do programa e durante um tempo trabalhei como free-lancer e apresentei o programa junto com a Nancy Rozenchan e o Abrão Lowenthal. Comecei a trabalhar em rádio e a primeira aparição em televisão foi no programa Mosaico. Eu tinha 23, 24 anos, profissionalmente me emocionei,

é claro, estava dando um salto profissional, teve um significado forte, foi a minha primeira experiência. O programa era todo escrito, obedecia a um script, tinha que ser respeitado, era ao vivo, mesmo em 1966 a maioria dos programas era ao vivo”.

“O Francisco procurava mostrar para a comuni-dade e para fora algumas pessoas inteligentes, bri-lhantes ou que tinham algo a dizer da comunidade, alguma solenidade relativa à comunidade”, conta Casoy, acrescentando: “Era um formato fixo, um programa que tinha como base variedades dentro da comunidade e ele fazia tão bem feito quanto possível. Havia músicas, um filme sobre algum aspecto cultu-ral ou tecnológico de Israel, um correspondente em Israel, Corinaldi, que falava por telefone e transmitia o noticiário mais recente de Israel, o que já era uma novidade. O objetivo era fazer um programa bem fei-to, dirigido para a comunidade e que era muito visto fora da comunidade. Lembro que ele demonstrou até surpresa com a correspondência que ele recebia de fora da comunidade”.

Um dos aspectos que o público em geral mais apre-ciava no programa era certamente o constante convite a religiosos de várias religiões que vinham dialogar com a comunidade judaica no programa e transmitir sempre uma mensagem de entendimento, conforme conta Lowenthal: “O Chico trazia membros de outras religiões, padres, pastores evangélicos, que vinham com tranqüilidade ao programa. Ele fazia questão de introduzir este pluralismo. O Francisco sempre deixou todo mundo à vontade para poder dizer o que bem entendesse e da forma como quisesse. Então, o programa tinha essa faceta pluralista. A mensagem pluralista é, no final das contas, o segredo para que ele esteja há tanto tempo no ar e de forma contínua, sem interrupções, porque se ele tivesse um programa parcial ou parcializado não ia manter no ar. As pessoas

O programa Mosaico sempre procurou promover a integração entre Brasil e Israel, especialmente nos aspectos cultural, científico e tecnológico.

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assistiam, ouviam e viam, e saíam satisfeitas. Eu acho que esse é o grande segredo do Francisco”.

O último programa do Mosaico na tv Cultura foi em 10 de dezembro de 1967. O apresentador não avisou que era o último, mas informou que logo haveria novidades que seriam comunicadas pelo Programa Mosaico na Rádio América, diariamente das 7h30 às 8h00, um dado que mostra que o público do Mosaico acompanhava o programa tanto na tv como no rádio.

TV Tupi Canal 4 e TV Gazeta Canal 11

Em 17 de dezembro de 1967, o programa estreou na tv Tupi, permanecendo até 16 de maio de 1971. Foram 174 programas, aos domingos, com pequenas variações de horário de início, mas sempre próximo ao horário do almoço: 11h30, 12h45 e 13h30. Nesse período, os apre-sentadores foram Abrão Lowenthal, Boris Casoy, Nurit Nussim e Annie Dymetman (também assistente). A direção de tv esteve a cargo de Fernando Constantino, mas por significativos períodos o próprio Francisco dirigiu o programa. Embora a estrutura dos progra-mas continuasse basicamente mantida, não havia mais seções delimitadas do tipo “Nosso Convidado”; a única que continuou neste formato foi o “Você Sabia?”, apresentado até 5 de janeiro de 1969. Em 23 de maio de 1971, o Mosaico passou a ser apresentado na tv Gazeta, Canal 11, onde permaneceu até 1998, em diferentes horários, entre eles 11h30 e 19h00, depois passou para o Canal 21 e, em outubro de 2008, transferiu-se para a cnt canal uhf 26 e net Digital 12.

Pouco depois de passar para a Gazeta, começariam, em 1972, as transmissões em cores no país. Alguns dos apresentadores até 1998 foram: Nurit Nussim, Raul Meyer, Nessim Hamoui, Almerinda Rudis Rabinovitch, Jaime Barcellos, Ravit Ironi, Mona Dorf e Mauro

Zukerman. Na direção de tv estiveram Pierre Lagudis e Wilson Silva por um breve período.

As mudanças de emissora se devem, claro, a mu-danças na própria programação e direção da televisão, porém o que impressiona é o tempo longo em que o programa permaneceu, por exemplo, na tv Gazeta. Mas, por outro lado, o programa foi provavelmente penalizado pelo próprio sucesso e audiência que con-quistava e mantinha. Ao valorizar um determinado horário no qual permanecia, com sua audiência e anunciadores cativos ao longo de vários anos, o pro-grama despertava, na direção comercial da emissora, as possibilidades de rentabilidade daquele horário. E isso encarecia seguidamente o horário e dificultava as renovações de contrato do próprio Mosaico, mesmo que os anunciantes e a audiência fossem uma conquista do Mosaico.

“O programa criava o horário importante, dava uma certa audiência e a emissora subia o preço, quer dizer, era castigado por ter boa audiência porque a emissora queria subir o preço que o Francisco pagava e o programa dele corria o risco de se tornar inviável. Mas lá ia ele, e era um bom negociador, persistente, estóico, ativo”, afirma Boris Casoy, complementando:

Anúncio do programa na imprensa em idish, 1970.

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“O Francisco não é um homem de ficar deitado espe-rando, ele é daqueles seres da humanidade que faz acontecer, o verbo dele é fazer, é um homem inquieto, um vulcão, e do vulcão sai fogo, sai pedra, saem idéias, muita criatividade”.

“Tem uma característica que não dá para não sa-lientarmos: o Chico sempre trabalhou com recursos próprios. Eu sou testemunha disso, da dificuldade que ele tinha para vender os anúncios, sem nunca receber subsídio de ninguém”, conta Abrão Lowenthal, acres-centando: “Ninguém nunca o patrocinou, nenhuma entidade da comunidade judaica. Ele nunca recebeu subsídio, pedia aqui ou ali para a cobertura de algu-ma situação especial porque tinha custos, para pagar alguns custos. Mas os recursos eram muito difíceis. O Chico sofria muito, ele não tinha um departamento comercial, o departamento comercial era ele. Se uma instituição vinha e pedia a divulgação de alguma situ-ação que ia ocupar um determinado tempo do progra-ma, isso tinha um custo e o custo era bancado por ele,

mas ele não tinha obrigação porque não tinha ninguém subsidiando. O Chico nunca disse não para ninguém, de um jeito ou de outro ele acomodava as coisas, in-seria um texto para divulgar. Esse é um lado curioso, o Chico sempre se autofinanciou. Ele negociava com o setor comercial das emissoras com muita convicção, com muito amor, tratava com o diretor comercial, voltava e resolvia, não tinha problema nenhum. Ele tinha dois problemas: um era levar o programa ao ar e o outro, era como ele ia pagar aquele programa”.

No final dos anos 1960 e início da década de 1970 a televisão já está transformada com o processo de consolidação de uma série de características que lhe deram o caráter atual: o conceito de grade de progra-mação (com perfil de programas definidos e regulares) já implantado, o uso do satélite para transmissões (quem não se lembra da Conquista da Lua, transmitida ao vivo em 1969?) e o conceito de rede nacional (com Tupi e Globo), publicidade em escala industrial, pro-gramação pensada também como produto comercial, tv em cores em 1972 e uso do videoteipe (utilizado regularmente a partir de 1962). A introdução do vide-oteipe alterou significativamente a tv, e depois viria o satélite, transmitindo imagens simultâneas para todo o país. Segundo Inimá F. Simões: “O fato inegável é que o vt muda a lógica operacional da televisão, multiplicando a sua rentabilidade e tornando-a apta a disputar novos mercados publicitários. Trata-se de um novo tempo em que não há mais lugar para a gafe cometida pela garota-propaganda, porque passa a vigorar (e a inauguração da tv Excelsior é decisiva nesse sentido) um padrão de acabamento formal e de organização técnica que diminui o imponderável ao seu grau mínimo. Com o vt é possível levar as imagens a pontos diferentes do país quase simultaneamente”.16 O quase dependia ainda do tempo do deslocamento físico que foi superado com o satélite.

O tema do intercâmbio e da cooperação técnica entre Brasil e Israel tem sido uma constante.

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“Aprovado pelo serviço de censura”

Nos roteiros escritos do Mosaico consta, entre junho e dezembro de 1971: “Aprovado pelo serviço de censura de Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal”. Nos programas entre 9 de janeiro de 1972 e 5 de junho de 1983, antes do slide de aber-tura, aparece um slide da censura com o seguinte áudio: “Este programa foi censurado e aprovado pelo Departamento de Polícia Federal e liberado para ser apresentado ao vivo neste horário”. Lembrando a censura, Francisco Gotthilf conta: “Durante o governo militar havia censura, o que é bastante complicado. Às quartas-feiras eu tinha que apresentar o roteiro e os textos e o programa era gravado na sexta. Em uma ocasião, recebemos um filme documentário de 16 mm sobre o exército feminino de Israel. Então avisamos a censura que íamos mandar para eles assistirem. A resposta foi que não tinham aparelho de projeção e

que iriam enviar um funcionário. Ele chegou, pediu para ver o filme e viu o jovem exército feminino, moças de mais ou menos 18 anos, de saias curtas, modernas, bonitas e tal. O filme durou 2 minutos e 46 segundos. O que disse o homem da censura? Olhou para mim: ‘Me diga, é só isso que estão mostrando? Obrigado’. Isso era a censura. Em outra oportunidade apresen-tamos a peça baseada em “O Diário de Anne Frank”, realizamos o ensaio no Círculo Israelita, na Avenida Angélica, e tínhamos que avisar a censura que iríamos apresentar a peça. Quem chegou foi um jovem de 17 anos, universitário, contratado pela censura para examinar o que havia naquele programa. Fizemos um ensaio dias antes com artistas e ele assistiu. Resultado da apresentação: ele me perguntou aonde iria ser apresentada a peça: ‘Na Globo?’ ‘Não, na Gazeta’, respondi, e ele disse: ‘Mas como pode, devia mostrar para o país inteiro’”.

Pouco antes, em 1974, “Mosaico na tv é hoje um jovem bar-mitzvá, brasileiro, de origem, raízes e tradi-ções judaicas. Mosaico na tv é um veterano no cumpri-mento de seu sublime dever e de sua honrosa missão”. A partir dessa data é criado um personagem, Motek, “jovem, de boa índole, que não conhece malícia”, que ouve muito, entende tudo e não fala. Crítico, observa-dor dos acontecimentos, mostrará por mímica o que pensa. Nos programas aparecem vinhetas “Motek

Temas atuais e polêmicos sempre na pauta do programa Mosaico, 1969.

Visitas a Israel e uma concepção ecumênica sempre presentes, 1969.

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triste” ou “Motek alegre” e os apresentadores se re-ferem a ele: Motek está triste com o acontecimento tal... Motek é usado junto com a vinheta de abertura nos anos de 1974 e 1975.

Também houve o episódio do voto anti-sionista, lembra Gotthilf: “Quando houve o voto anti-sionista na onu em 1977, o governo brasileiro votou a favor e depois houve uma manifestação da comunidade judai-ca no Anhembi. Exibimos no Mosaico a manifestação da comunidade confrontando o governo”.

O ato de perguntar

Um dos quadros mais populares e duradouros do programa é o “Pergunte ao Rabino”, com o ra-bino Henry Sobel, que estreou em 8 de outubro de 1978. Além do quadro em si e de sua repercussão, o “Pergunte ao Rabino” é também, de certa forma, emblemático das posições e valores do Mosaico e de Francisco Gotthilf: uma visão liberal e aberta do judaísmo e da religião, a apresentação franca de várias posições no interior do judaísmo e da comunidade e o diálogo com outras religiões e o respeito ao público em geral como um princípio central do programa.

A primeira pergunta, elaborada pela própria produ-ção em outubro de 1978, foi: “O que significa o toque do Shofar?”. No segundo programa, em 22 de outubro, o rabino respondeu às perguntas enviadas pelos teles-

pectadores. Foram nove as questões selecionadas, entre elas: “Por que os israelitas não aceitam Jesus como Messias?”. Também havia perguntas sobre casamentos mistos, conversão, paz e fronteiras. Logo o quadro ganharia uma periodicidade fixa: o terceiro domingo de cada mês. “Se você tem alguma pergunta, ligue para 257-5466 para que o rabino Sobel possa responder em seu próximo programa”, dizia a chamada.

Ao convidar o rabino Sobel, chegado havia pouco ao Brasil, Francisco Gotthilf conta que percebeu nele um potencial comunicativo especial, com capacidade de se apresentar na televisão: “Eu achava e acho que o rabino Sobel tem um carisma, uma forma mais avan-çada, mais aberta para o público. Ele é um homem que fala para o grande público e fala com conteúdo social no melhor sentido da palavra; quem assiste quer ouvi-lo, leva algo mais do que simplesmente algumas palavras de religião”.

Conforme o relato de Henry Sobel: “No início, a idéia era fazer uma experiência. Ele me convidou e eu aceitei; fiz um programa, Francisco gostou, eu gostei, muitos gostaram e resolvemos repetir a expe-riência. Antes daquela experiência no Mosaico, eu não tinha o costume de aparecer na televisão, a não ser esporadicamente, quando surgia algum assunto de impacto nacional. Mas como rabino, como professor, por assim dizer, o Mosaico foi a minha primeira ex-periência, e aí descobri um potencial meu: eu estava

Papelaria e logotipo da tv Gazeta, onde o programa permaneceu entre 1971 e 1998.

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trabalhando com o judaísmo, minha paixão, estava trabalhando com televisão como um meio eficaz, es-tava trabalhando com uma porção de pessoas, porque o judaísmo tem de ser divulgado. Se o judaísmo é bom para nós, também serve para os nossos irmãos não-ju-deus. Enxerguei a televisão e o programa Mosaico em particular como um veículo poderoso para divulgar pedagogicamente os valores do judaísmo, judaísmo tradicional e contemporâneo”.15

As perguntas enviadas pelos telespectadores sem-pre foram essenciais ao quadro, conforme lembra Sobel: “De fato, nós recebemos constantemente per-guntas de telespectadores, eu diria cerca de metade de judeus e metade de não-judeus, perguntas visando conhecer a nossa cultura, sobre o passado e o futuro do judaísmo. E, para mim, era tão importante respon-der às perguntas dos não-judeus quanto responder às perguntas dos judeus. O ato de perguntar é um ato profundamente humano, os computadores fornecem respostas mais precisas e rápidas do que o cérebro humano, mas somente um ser humano pode formular uma pergunta. Na tradição judaica, nós estudamos formulando perguntas, por isso é um exercício judaico profundamente humano falar sobre a religião através de uma pergunta, a pergunta como um gancho, um ponto de partida.”

Ao falar sobre o seu quadro, Sobel evidencia valores centrais do próprio Mosaico: “Nós judeus fazemos parte de dois mundos, o particular e o universal; atua-mos na frente interna e atuamos na frente externa, por mais importante que seja a frente interna, o judaísmo, a educação judaica e os valores judaicos, igualmente importante é projetar uma imagem positiva, digna do judeu, de dentro para fora. Um programa como o Mosaico consegue juntar os dois aspectos, a frente interna e a frente externa e fortalecer a imagem da comunidade e do judaísmo em ambos os contextos”.

“Quando eu recebo uma pergunta até hoje sem-pre procuro dar pelo menos duas respostas”, afirma Sobel: “Ressaltando a posição liberal e ressaltando a posição ortodoxa, afinal de contas o pluralismo é a essência do judaísmo e não existe um monopólio. Eu sempre procuro dar opções para que o telespectador possa escolher com liberdade a prática religiosa da sua preferência, mas a liberdade de escolha pressupõe

Anúncio do programa de rádio informando que a voz do Mosaico podia ser captada em Israel, 1971.

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conhecer a tradição, então sempre tento explicar, dar duas interpretações e deixar a última palavra com o telespectador.”

Francisco Gotthilf lembra: “O quadro ‘Pergunte ao Rabino’ é uma fórmula em que o rabino pode responder às perguntas do público, público que não é judaico, com bastante espírito aberto, aproximar e dar conhecimentos necessários a quem faz as perguntas. Isso tem funcionado muito bem e quem conhece o rabino Sobel sabe que ele tem uma abertura muito grande. Nós o acompanhamos e o promovemos com muito orgulho. Para nós, é importante ter opinião como ele tem”. Conforme ainda ressalta Francisco: “Temos muitos rabinos em São Paulo e no Brasil e temos dado a todos eles a oportunidade de aparecer no Mosaico. Assim, nós convidamos com certa regu-laridade rabinos de todas as orientações”.

Um capítulo chamado “Francisco Gotthilf”

Francisco, que f icou conhecido como o Sr. Mosaico, recebeu muitas homenagens, entre elas a de Cidadão Paulistano, a eleição para a Academia Paulista de Jornalismo, na cadeira que pertenceu a Casper Líbero, e a inclusão do programa no Guiness, o Livro dos Recordes, como o mais antigo programa no ar, sem interrupção, da televisão brasileira. Além disso, é membro da Associação dos Pioneiros e Veteranos da tv e do Rádio, exemplos do reconheci-mento que ele tem tido como um pioneiro dos meios de comunicação no país.

“O Francisco vive o programa, o dia-a-dia dele é o Mosaico. Sua trajetória é um capítulo muito impor-tante da história da comunidade judaica brasileira, ele é responsável por uma parte muito importante da vida da comunidade judaica. Ele foi pioneiro em fazer esse tipo de programa no Brasil”, afirma

Abrão Lowenthal, acrescentando: “Em outros es-tados se tentou fazer outros programas, mas nada comparável àquilo que o Francisco conseguiu. Ele é e foi o pioneiro. O programa tinha um bordão que dizia ‘porta-voz da comunidade judaica’ e é verdade. Na época do programa de rádio, a forma de você se ligar aos seus iguais, à sua comunidade, era através de um programa de rádio e, depois, pelo programa de tv. Ele sempre conduziu o programa de forma equilibrada e deu oportunidade a todos. Lembro de candidatos políticos da comunidade que utilizavam o programa como uma tribuna para a sua mensagem política. Muitas pessoas que hoje estão brilhando na vida política, comunitária, usaram o programa Mosaico como uma forma de se apresentar. Então, se alguém for escrever algum dia a história dos judeus em São Paulo e no Brasil, nesse livro, para ser justo, tem que ter um capítulo com o nome de Francisco Gotthilf. É um elemento de vital importância e teve seu momento valioso dentro da história da comu-nidade judaica, uma contribuição única. Eu mesmo testemunhei, autoridades brasileiras, governadores de Estado, ministros, nós fomos para Brasília algumas vezes juntos, as pessoas identificavam o Francisco Gotthilf com uma facilidade impressionante, era o ‘Chico do Mosaico’. Isso não foi conseguido à custa de pouca coisa, ele se dedicou e acreditou. E ele tem uma família maravilhosa, especialmente a esposa, que é uma retaguarda excepcional para ele”.

“Não foi fácil para ele manter esse programa esses anos todos, quer dizer, a idéia de que a comunidade apoiaria em todos os sentidos, até econômico; nós sa-bemos que foi uma luta dele para manter o programa. Nunca foi alguma coisa que ele recebeu, apesar da im-portância do programa. Sabemos que foi muito difícil, quantas vezes ele se abriu comigo compartilhando as preocupações no sentido de achar patrocinadores. Não

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sei justificar e nem explicar a falta de apoio”, conta o rabino Henry Sobel.

“Eu fiz uma analogia do programa Mosaico uma vez em que o homenageei no aniversário do programa: eu disse que o Francisco dirigia um programa que não morre, como o povo judeu, é um programa que não morre, dirigido a um povo que não morre”, afirma Boris Casoy: “O Francisco teve altos e baixos, as pes-soas achavam que o programa ia ser abatido por uma vicissitude, por falta de patrocinadores nos momentos difíceis do país. Isso refletia muito no programa, mas lá estava ele, o Francisco resistente. Então ele é o diretor de um programa que não morre, dirigido para um povo que não morre.”

“Existiu ou existe ainda na Seleções do Reader’s Digest um capítulo destinado ao ‘meu tipo inesque-cível’, na qual em cada número alguém descrevia um tipo inesquecível”, comenta Boris Casoy, acrescentan-do: “Um dos meus tipos inesquecíveis é o Francisco, até porque o Francisco é uma pessoa muito caracterís-tica, com sua energia interna, seu extraordinário bom humor, ele é uma figura muito peculiar, preciosa, um ser humano de caráter, de princípios rígidos, dos quais ele não abre mão, família, os compromissos com a comunidade, ele é um ser humano diferenciado, uma pessoa para admirar. A alma dele é destinada para o bem e para o intercâmbio positivo com as pessoas. Ele é perfeccionista, às vezes irritantemente perfec-cionista, agitado, as pessoas gostam dele, ele não faz o personagem bonzinho; ele é exigente em tudo e tem uma característica muito interessante no trabalho: é justo, sabe distribuir as tarefas, sabe o que é impor-tante, é muito interessante, e ele sabe se relacionar com as pessoas. Francisco Gotthilf é uma linhagem de comunicação”.

“Ser o programa mais antigo da televisão brasi-leira é mérito do Chico. Ele tem o mérito de, sempre

Anúncio informa que o Programa Mosaico passou a ter uma hora de duração na tv Gazeta Canal 11.

que está em dificuldade com uma emissora, passar para outra emissora e dar continuidade, e consegue das emissoras nas quais ele trabalhou e trabalha que mantenham a mesma liberdade que tem de expressão, fazendo o mesmo tipo de programa”, pondera Álvaro de Moya, para quem “são emissoras bem diferentes, como a Excelsior, a Cultura e a Gazeta, que têm dife-renças enormes, e mesmo assim ele conseguiu manter

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a unidade. É que o programa tem alguma coisa de comunicabilidade não só com o espectador de origem judaica, mas com todo espectador, que vê um tipo de colocação simpática. Eu acho isso um fenômeno mundial. A televisão brasileira realmente é muito boa, uma das melhores do mundo, com altos e baixos, e ele se insere dentro disso. O fato de ele produzir o programa mais antigo existente na televisão brasileira é mérito dele, eu apenas dei chance a ele, apenas vi que ele tinha alguma coisa que podia dar certo. Às vezes dá certo e às vezes não. Ele soube se inserir em um momento em que havia possibilidade de a televisão realizar aquele tipo de programa e mostrar que até hoje é um programa que tem uma longevidade e uma identidade para o espectador”.

Em outubro de 2008 o Mosaico na tv se transferiu para a cnt canal uhf 26 e net Digital 12. Após a saída da Gazeta, o Mosaico acompanhou a diversificação de canais com a entrada da televisão por assinatura. Já no período final da Gazeta, o programa era uma produ-ção independente, ou seja, era realizado em estúdios alugados fora da emissora onde o programa era levado ao ar. Inicialmente, Francisco utilizou os estúdios e a

estrutura dos Estúdios e Teatro Záccaro, pertencente à Augustinho Záccaro (1948-2003), que criou e dirigiu o Programa Italianíssimo, que ficou no ar de 1978 a 2003. Em seguida, acompanhando a própria evolução dos recursos tecnológicos à disposição, o Mosaico passou a ser gravado e editado digitalmente, confirmando não apenas seu caráter de produção independente, mas também adaptado aos novos tempos da produção para televisão.

Um Mosaico da comunidade

O próprio Francisco Gotthilf define o seu progra-ma: “Nós estamos preocupados em mostrar ao público o que é a comunidade israelita, o que é a religião ju-daica, o que é Israel. Não fazemos política; damos in-formação, damos elementos de cultura, temos muitos convidados. Somos orgulhosos de termos apresentado para o grande público personalidades do mundo intei-ro. Na nossa querida terra do Brasil, a partir dos presi-dentes, governadores, prefeitos e outras personalidades que são interessantes, que têm algum assunto ligado à comunidade judaica, ou a Israel, ou são de origem judaica e têm algo a comunicar, seja trabalho, seja pro-duto, sejam livros, tudo o que possa interessar ao gran-de público. Mesmo nas estatísticas dos jornais anos atrás, chegamos a ter uma porcentagem importante; não quero falar dos grandes programas de televisão, mas estávamos na lista dos programas bem assistidos. Eu posso dizer que a repercussão do Mosaico cresceu cada vez mais. Por quê? Tenho orgulho de dizer que o programa tem mais ou menos 2/3 de público não-judaico e 1/3 de judaico. Não posso comprovar, mas é uma idéia que vem pela repercussão, por exemplo, o retorno de telefonemas nos lançamentos de livros. É um dos motivos pelos quais o programa continua hoje, porque sempre temos alguma coisa a mostrar e há inte-

Folheto de Ano-Novo Judaico produzido pelo Mosaico, 1984.

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que estava em preparação naquela semana, ou na próxima. Ele marcava as conversas e os depoimentos em horários que não interferissem em seu trabalho diário, na preparação, por exemplo, da pauta e do texto de locução que ele digitava regularmente em sua máquina de escrever. Ele conversava enquanto pensava o programa, enquanto escrevia os textos e o roteiro. Produzir o próximo programa é sempre o mais importante. Em um trecho no qual lembrou do início do programa em 1961, Francisco Gotthilf concluiu assim a frase, mirando o presente e o futuro: “Aliás, queria aproveitar para agradecer os que nos assistem, continuem conosco!”.

E assim deve terminar esta narrativa histórica sobre Francisco Gotthilf e o programa Mosaico. Este é o ponto (não-)final do Sr. Mosaico, respeitando a vontade deste pioneiro do rádio e da televisão no Brasil, se diri-gindo aos telespectadores: “Continuem conosco!”

resse do grande público. Nós também podemos dizer que recebemos programas de Israel, documentários de outros países, viajamos gravando competições, como as Macabíadas. O Mosaico reflete a vida judaica não só do Brasil como do mundo inteiro. Estamos sempre em dia com o momento que vai acontecer, chamamos a atenção e apresentamos essas coisas, pode ser uma visita de personalidade, um show, teatro, pode ser até cozinha judaica. Tudo nós exibimos porque somos um reflexo, um mosaico da comunidade”.

* * *Em suas sessões de depoimentos históricos e conversas descontraídas, durante a organização e catalogação do acervo, a pesquisa para este livro e para o documentá-rio, Francisco Gotthilf tinha sempre um carinho espe-cial, e seriedade, ao rememorar o passado – mas queria sempre, sobretudo, falar do presente e do programa

Notas

1. Depoimento de Francisco Gotthilf a este projeto, idem para os próximos trechos do entrevistado entre aspas.

2. Depoimento de Boris Casoy a este livro, idem para os próximos trechos do entrevistado entre aspas.

3. Depoimento de Nancy Rozenchan a este livro, idem para os próxi-mos trechos do entrevistado entre aspas.

4. Livro com roteiros dos programas / Acervo Mosaico.5. Crônica Israelita, 31-7-1961 e Al Hamishmar, 1ª quinzena de agosto.

Coleção de recortes de jornal / Acervo Mosaico.6. Depoimento de Abrão Lowenthal a este livro, idem para os próxi-

mos trechos do entrevistado entre aspas.7. Mattos, Sérgio Augusto Soares. História da Televisão Brasileira.

Uma visão econômica, social e política. São Paulo, Vozes, 2002, 2ª ed.8. Depoimento de Álvaro de Moya a este projeto, idem para os pró-

ximos trechos do entrevistado entre aspas.9. Simões, Inimá F. “tv à Chateaubriand”. In: Um País no Ar. História

da TV brasileira em 3 canais. Brasiliense/Funarte, 1986.10. Mattos, Sérgio Augusto Soares, op.cit.

11. Cytrynowicz, Roney e Cytrynowicz, Monica Musatti. A Congregação Israelita dos Pequenos. História do Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista – 65 anos. São Paulo, Narrativa Um, 2002 e Cytrynowicz, Roney e Zuquim, Judith. A Construção de um Projeto para a Juventude. Uma história do Grupo Escoteiro e Distrito Bandeirante Avanhandava. São Paulo, cip, 1998.

12. Moya, Álvaro de. Glória in Excelsior. Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Successo da Televisão Brasileira. São Paulo, Imprensa Oficial, 2004.

13. Del Nero, Cyro. “A tv Excelsior da Rua Nestor Pestana: Anos 60”. In: Moya, Álvaro de, op. cit., p. 111 a 114.

14. Simões, Inimá F., “Os anos 60”. In: Um País no Ar. História da TV brasileira em 3 canais. Brasiliense/Funarte, 1986, p. 66.

15. Wallace Cochrane Simonsen, entrevista à Funarte, em 1981. In: Um País no Ar. História da TV brasileira em 3 canais. Brasiliense/Funarte, 1986, p. 157.

16. Simões, Inimá F., “Os anos 60”. In: Um País no Ar. História da TV brasileira em 3 canais. Brasiliense/Funarte, 1986, p. 50.

17. Depoimento de Henry Sobel a este projeto.

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Refugiados da Alemanha nazista, os Gotthilf chegam ao Brasil em 1938

O casal Gotthilf junto com o filho Francisco emigrou da Alemanha nazista em 1938,

fugindo das leis oficiais e do anti-semitismo que tornaram impossível aos judeus perma-

necer no país, particularmente após a “Noite dos Cristais”, com a perseguição aberta e

a destruição de dezenas de sinagogas. Inicialmente, os Gotthilf imigraram para o Rio

de Janeiro, onde já vivia um irmão de Siegfried Gotthilf, cidade na qual passaram as

primeiras semanas. Logo em seguida foram viver em São Paulo, onde se associaram à

Congregação Israelita Paulista (cip), na qual a família participou ativamente. Francisco,

que interrompera seus estudos e não mais os retomaria no Brasil devido à necessidade

de trabalhar, foi escoteiro do grupo Avanhandava e freqüentador da Casa da Juventude

da cip. Para sobreviver no Novo Mundo, os Gotthilf abriram uma mercearia e depois

uma tinturaria, junto com o início do programa de rádio em 1940.

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Francisco Gotthilf na escola em Breslau; ele é o terceiro em pé, no alto da foto, da dir. para a esq., 1932.

Francisco e os pais escolhendo discos e ouvindo rádio em sua casa na Vila Conceição em São Paulo, início dos anos 1940.

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Documentos pessoais de Francisco Gotthilf: documento escolar alemão, de 1936, carteirinha da Federação Paulista de Escoteiros de Terra e uma licença dos Correios para manter um aparelho de rádio, ambos de 1944.

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O casal Rachel e Francisco no início dos anos 1950. Abaixo, casamento de Francisco e Rachel Gotthilf, 1950.

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Uma vida entre personalidades: Francisco Gotthilf e Hella Moritz entrevistam a primeira-ministra de Israel, Golda Meir, 1959; com o primeiro-ministro David Ben-Gurion; e Francisco e Rachel Gotthilf com o presidente de Israel, Zalman Shazar em 1966.

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“Laboratório de Rádio Francisco” e “Rádio União Discos”

O primeiro emprego de Francisco Gotthilf em São Paulo, aos 16 anos, foi em uma oficina

de consertos de rádio, depois foi técnico de rádio na Philco, até abrir uma pequena ofi-

cina própria, a “Laboratório de Rádio Francisco”, que funcionou junto à tinturaria da

família. Ao mesmo tempo, Francisco passou a ajudar o pai no programa diário de rádio

criado em 1940. Em seguida, os Gotthilf abriram uma loja de rádios, discos e eletrodo-

mésticos na Rua da Consolação, a “Rádio União”, que o pai manteve em paralelo ao

programa de rádio. A loja, que foi uma das primeiras a vender televisores na cidade em

1950, se manteve até 1964. Trabalhando com rádio, televisão e outros aparelhos elétricos

e colaborando com o pai no programa diário, Francisco adquiriu um raro sentido de

modernidade, compreendendo o lugar cada vez mais importante do rádio e da televisão

na sociedade contemporânea.

No início da década de 1940, os Gotthilf abriram a loja “Rádio União”, na Rua da Consolação, no 2.264. Da esq. para a dir.: Elisa, se-cretária do Programa Mosaico no rádio; d. Regina, mãe de Francisco; o segundo depois da geladeira é Manuel, vendedor de discos; e, na ponta, Francisco e Siegfried Gotthilf. Na porta do bazar está Nabi, o vizinho imigrante libanês.

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A “Rádio União” funcionou no mesmo endereço onde funcionavam a oficina e loja de Francisco, “Laboratório de Rádio Francisco”, e a tinturaria “Luz” dos pais; a nova loja vendia e consertava eletrodomésticos, tais como geladeiras, enceradeiras, ferros de passar roupa e liquidificadores, além de rádios, toca-discos e discos, incluindo uma seção de discos judaicos.

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Ao chegar a São Paulo, depois de emigrar da Alemanha em 1938 e de uma passagem pelo Rio de Janeiro, Francisco Gotthilf foi trabalhar em uma oficina de rádios e depois na Philco, onde aprendeu o ofício de consertar rádios a válvula; nas fotografias, entrega de um refrigerador na “Rádio União” e detalhe do interior da loja.

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“Mosaico” no rádio: ritual diário na comunidade judaica a partir de 1940

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“Mosaico” no rádio: ritual diário na comunidade judaica a partir de 1940

Ouvir o programa Mosaico, que estreou como “Hora Israelita” na Rádio Piratininga em

1940, se tornou um ritual diário para a comunidade judaica, e também para o público

em geral que o programa conquistou aos poucos. Durante a Segunda Guerra Mundial,

o programa foi uma referência de informações da guerra e do destino da população ju-

daica na Europa. O Mosaico transmitia notícias, entrevistas e músicas, além de notas

de falecimento e dos “Momentos Sociais”, cumprimentos às famílias por ocasião de

nascimentos, cerimônias de bar-mitzva, casamentos, bodas de casamento e outras oca-

siões festivas. Às vezes havia em um único programa mais de 100 nomes que saudavam

as famílias que tinham a comemoração festiva. Como Siegfried Gotthilf falava idish,

pelas viagens profissionais que fizera à Polônia, isto facilitou a audiência e integração

do programa no bairro do Bom Retiro, principal núcleo da comunidade judaica.

Pouco tempo depois de começar a trabalhar vendendo anúncios para o programa de rádio “Hora Israelita”, Siegfried Gotthilf assumiu o programa, iniciado em 1940 por dois imigrantes argentinos; o programa, que logo mudaria o nome para “Mosaico”, era transmitido primeiro no horário do almoço e, depois, das 7h30 às 8h30, com notícias, entrevistas, músicas, notas sociais e informações em geral dirigi-das à comunidade judaica; passando por várias emissoras, o programa seguiu diariamente até 1980. Na abertura do capítulo, Francisco Gotthilf, Leon Feffer, Nancy Rozenchan e Maurício Weltman no lançamento de um disco, 1960.

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O microfone móvel de Francisco durante entrevista em 1957.

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Gincanas culturais e a participação de crianças e jovens no programa de rádio eram uma constante; no detalhe, o cartão do programa na Rádio América, com o logotipo da “Organização Francisco Gotthilf ”: uma torre de transmissão de ondas de rádio e a Estrela-de-David.

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Imagens de Francisco Gotthilf e do programa de rádio Mosaico: notícias locais e internacionais, entrevistas, debates, “Momentos Sociais”, cumprimentos às famílias por ocasião de festas, notas de falecimentos na comunidade em São Paulo e música judaica em idish e hebraico estavam entre os quadros de maior audiência do programa; durante a Segunda Guerra Mundial, o Mosaico informava a comunidade judaica as notícias dos refugiados judeus e da guerra na Europa.

PÁ G I N A A N T E R I O R Em cima: Amália Davidovitch, Mario Martius e Salomão Júnior, que trabalhavam no programa; embaixo à esq.: Francisco entrevista Ben Yehuda, ministro de Israel, 1958; à dir.: imagem de 1954, com Francisco Gotthilf, Graça Mello, Sérgio Cardoso e Moisés Galperin.

E S TA PÁ G I N A Em cima: Francisco entrevista Nahum Goldman, 1957. Abaixo, criança responde a uma gincana do programa.

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Mosaico na Excelsior, a televisão da “cultura brasileira”, em 1961

“Boa tarde, telespectadores-amigos do Mosaico na tv.” Quando o programa Mosaico

estreou na tv Excelsior em um domingo, 16 de julho de 1961, transmitido do Teatro

Cultura Artística das 14h00 às 14h30, a televisão ainda era uma novidade no país e no

mundo, com pouco mais de uma década de atividade no Brasil. Na estréia do Mosaico,

o apresentador anunciou: “A tv Excelsior apresenta: Mosaico na tv – Panorama da

Coletividade Israelita na Vida Brasileira”. O Mosaico permaneceu na Excelsior, Canal

9, até 27 de janeiro de 1963, totalizando 81 programas, em uma emissora que começara

suas transmissões pouco antes da estréia do Mosaico, em 1960, concorrente da Tupi e da

Record, e que tinha a intenção de inovar a programação e a forma de se fazer televisão,

abrindo espaço à cultura brasileira e procurando fixar uma grade de programação – o

que contribuiu para definir os parâmetros da televisão no Brasil.

O apresentador Salomão Junior e os convidados do programa, Juca Chaves, Jaime e Marília Freidenson, em 23 de setembro de 1961.

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“Boa Tarde, telespectadores-amigos do Mosaico na tv!” O programa Mosaico estreou na tv Excelsior, Canal 9, em 16 de julho de 1961, das 14h00 às 14h30. Anúncios na imprensa judaica publicados alguns dias antes da estréia convidavam os leitores a assistir o programa inicial, retirando ingressos na Livraria Weltman e na Mercearia Jacob, pontos tradicionais no Bom Retiro, ou na loja Rádio União. Nesta página, Francisco Gotthilf, com um cenário que reproduz uma sinagoga, fala à câmara da tv Excelsior, Canal 9, durante programa de celebração do Ano-Novo Judaico em 1961, transmitido ao vivo do Teatro Cultura Artística.

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Esta é provavelmente a fotografia mais antiga do Mosaico na televisão, retratando o programa de estréia exibido ao vivo no Teatro Cultura Artística, à Rua Rangel Pestana, em São Paulo, em 16 de julho de 1961. Quando o Mosaico estreou em 1961, a tv ainda era uma relativa novidade no Brasil: transmitida ao vivo, sem gravações e videoteipe, em preto e branco, para um número limitado de casas brasileiras, com emissoras locais e sem integração em rede nacional; a televisão ainda estava distante das inovações da tv em cores, com uma grade de programação definida, com novelas e telejornais diários, integrada em rede nacional via satélite, e outras transformações que tornaram a televisão central na vida das pessoas, um dos alicerces da “aldeia global”.

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Cantor litúrgico Eugenio Transki em frente ao cenário de sinagoga durante o Ano-Novo Judaico em 1961 na tv Excelsior; o Mosaico na tv sempre divulgou a cultura e tradição judaica para o grande público, tendo como ideais a promoção da integração dos judeus no país, mostrando suas atividades institucionais, culturais, artísticas, econômicas e comerciais, especialmente aquelas que interessam ao público em geral, além de promover também o intercâmbio entre Israel e Brasil e divulgar notícias de Israel sob um prisma de desenvolvimento cultural e científico.

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A apresentadora Hella Moritz com convidados em setembro de 1961: rabino Menachem Diesendruck, prefeito Prestes Maia, Yossef Tekoah, Leon Feffer e Salomão Becker; a capacidade de Francisco e do Mosaico de unir diferentes pessoas, partidos e linhas de pensamento, ao mesmo tempo dentro e fora da comunidade judaica, tem sido um dos segredos de permanência do programa.

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Encenação ao vivo de uma peça de teatro judaica, baseada em um conto do escritor Scholem Aleichem.

Apresentadora entrevista o deputado Jacob Salvador Zveibil; apresentações artísticas, entrevistas e debates culturais e políticos têm sido uma constante do programa.

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A tv Excelsior Canal 9 começara suas transmissões pouco antes da estréia do Mosaico, em 1960, e tinha na época a forte concorrência da Tupi e da Record; a Excelsior foi lançada com a intenção de inovar a programação e a forma de se fazer televisão, abrindo espaço à cultura brasileira e procurando fixar uma grade diária de programação. Mantinha shows humorísticos, musicais, noticiários, entrevistas, filmes, teleteatros, programas de arte, concertos de música clássica, de literatura e o programa “Brasil 60”, apresentado por Bibi Ferreira. Na foto abaixo, Issac Lew, Hella Moritz, Salomão Junior, Maria da Penha e Francisco Gotthilf, outubro de 1962.

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Equipe do Mosaico e funcionários da tv Excelsior comemoram o primeiro aniversário do programa Mosaico na tv; o Mosaico permaneceu na Excelsior até 27 de janeiro de 1963, ao longo de 81 programas sempre aos domingos.

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Programa Mosaico comemora seu jubileu na TV Cultura

O programa Mosaico se transferiu para a tv Cultura, Canal 2, na qual exibiu 245 pro-

gramas entre 3 de março de 1963 e 10 de dezembro de 1967. Em 1965, o Mosaico comemo-

rou o seu jubileu, contando 25 anos de atividade no rádio e 200 programas na tv. No

ano seguinte, o Mosaico cobriu a primeira visita de um presidente de Israel ao Brasil,

Zalman Shazar, em 1966, que passou por Brasília e São Paulo. Depois realizaria repor-

tagens e entrevistas, muitas delas exclusivas, com os principais líderes de Israel em visita

ao Brasil, entre eles David Ben-Gurion, Shimon Peres e Yitzhak Rabin. Nesta fase, o

programa começou a ser gravado em videoteipe. Foram anos de grande efervescência na

produção da televisão. Em 1965, a tv Excelsior realizou o primeiro Festival de Música

Popular Brasileira, vencido por Edu Lobo, com “Arrastão”, interpretado por Elis Regina.

No mesmo ano a Record estreou o programa “Jovem Guarda”, apresentado por Roberto

Carlos, e teve início, na Tupi, a novela “O Direito de Nascer”.

Apresentação do coral de 23 irmãs da Congregação Nossa Senhora de Sion, cantando inclusive músicas em hebraico, agosto de 1964.

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Após deixar a Excelsior, o Mosaico foi para a tv Cultura, Canal 2, na qual exibiu 245 programas entre 3 de março de 1963, dia de sua estréia, até 10 de dezembro de 1967. À esq., entrevista com o sociólogo Henrique Rattner e a psicóloga Margarida Windholz, diretores do Ciam. Acima, a mensagem de Ano-Novo Judaico lida pelo Coronel Ramiro Bentes, “representando a feliz fusão das características do judeu brasileiro”, conforme o programa na época, 1964.

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Comemoração do jubileu do programa Mosaico no rádio e na televisão, 1965.

No jubileu do Mosaico, Rachel Gotthilf, esposa de Francisco e apoio sempre essencial na trajetória do Mosaico.

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Os apresentadores Salomão Junior e Nancy Rozenchan entrevistam Elias Blankenfeld e Bension Smaletz.

Os anúncios, inclusive com crianças e de moda infantil, eram ao vivo; na imagem, Marcos Smaletz, Nancy Rozenchan e Xenia, 1965.

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Apresentação ao vivo da peça “Cada um de nós”, de Jairo Arco e Flexa, agosto de 1965. Abaixo: programa sobre cultura e língua idish, com Waldemar Lerner e esposa, Meir Kutchinski e Jacob Waidegorn.

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Cantores, como Schlomo Carlebach, corais e grupos de música locais e de Israel, participam do Mosaico, que sempre apresenta um número musical ou artístico. Abaixo: concurso de miss Hebraica, com Marcos Plonka, e coral de crianças da Escola Israelita do Cambuci.

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Comemoração do 11° aniversário do programa, com Nancy Rozenchan e Boris Casoy, entre outros, 1972.

Apresentação do coral da cip, com Abrão Oberman e Harry Neufeld, 1965. No período militar, o programa tinha que submeter previamente à censura os roteiros e alguns dos documentários exibidos.

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Mosaico passa na TV Tupi na mesma época de “Beto Rockfeller”

Em 17 de dezembro de 1967, o programa estreou na tv Tupi, permanecendo até 16 de

maio de 1971. Foram 174 programas, aos domingos, com pequenas variações do horário

de início: 11h30, 12h45 e 13h30. Em 1967 estrearam “Família Trapo” e “Praça da Alegria”

na Record e, em 1968, a novela “Beto Rockfeller”, na Tupi. No final dos anos 1960 e iní-

cio da década de 1970 a televisão já está transformada com o processo de implantação

de uma série de características que lhe deram o caráter atual: o conceito de grade de

programação, o uso do satélite para transmissões (quem não se lembra da Conquista da

Lua, transmitida ao vivo em 1969?), o conceito de rede nacional, a publicidade em escala

industrial e a programação concebida também como produto.

Francisco Gotthilf na tv Tupi, com um painel de fundo que mostra uma imagem da metrópole paulistana.

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Em 17 de dezembro de 1967, o programa estreou na tv Tupi, permanecendo até 16 de maio de 1971; foram 174 programas, aos domingos, com pequenas variações de horário de início: 11h30, 12h45 e 13h30. Francisco e a apresentadora Nurit Nussim com convidados que participam de debate no programa.

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Francisco e Rachel Gotthilf com o jornalista Oscar Nimitz.

Premiação final do concurso sobre a “Declaração dos Direitos da Criança”, em 1970.

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A segunda metade dos anos 1960 foi um período de grande efervescência na produção da televisão: orquestras e corais ao vivo, grandes produções no Mosaico e comerciais ao vivo com esmerada produção. Em 1965, a tv Excelsior realizou o primeiro Festival de Música Popular Brasileira; no mesmo ano a Record estreou “Jovem Guarda”, apresentado por Roberto Carlos, e a Tupi lançou a novela “O Direito de Nascer”.

E S TA PÁ G I N A Acima à esq., Francisco durante gincana infantil, à dir. a apresentadora Nurit Nussim com Miri Soriano, 1970; abaixo, o engenheiro e secretário de Obras José Meiches, na gestão do prefeito Faria Lima, com o apresentador Abrão Lowenthal e Francisco Gotthilf, 1968.

PÁ G I N A S E G U I N T E Acima, Boris Casoy e Francisco com orquestra; abaixo, Sidor Belarski e coral de A Hebraica e apresentação de comercial ao vivo.

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Da TV Gazeta, em 1971, à CNT, canal UHF 26, a partir de 2008

Em 23 de maio de 1971, o Mosaico passou a ser apresentado na tv Gazeta, Canal 11,

onde permaneceu até 1998. Foram quase três décadas que consolidaram uma sólida

audiência e um público cativo. Pouco depois, em 1972, começariam as transmissões em

cores no país. Um dos quadros mais populares e duradouros do programa foi o “Pergunte

ao Rabino”, com o rabino Henry Sobel, que estreou em 8 de outubro de 1978. Além do

quadro em si e de sua repercussão, o “Pergunte ao Rabino” é também, de certa forma,

emblemático das posições e valores do Mosaico e de Francisco Gotthilf: uma visão liberal

e aberta do judaísmo e da religião, a apresentação franca de várias posições no interior

do judaísmo e da comunidade, o diálogo com outras religiões e o respeito ao público em

geral como um princípio central do programa. Em 1998, o Mosaico se transferiu para o

Canal 21, da Rede Bandeirantes, e, em outubro de 2008, passou para a cnt, Canal uhf

26, e net Digital 12.

O rabino Henry Sobel no quadro “Pergunte ao Rabino”, um dos mais conhecidos e de maior audiência no programa. “Se você tem algu-ma pergunta, ligue para 257-5466 para que o Rabino Sobel possa responder em seu próximo programa”, dizia a chamada do Mosaico ao estrear o quadro em 1978.

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Em 23 de maio de 1971, o Mosaico passou a ser apresentado na tv Gazeta, Canal 11, onde permaneceu até 1998, em diferentes horários, entre eles às 11h30 e às 19h00. Foi a emissora na qual o programa permaneceu mais tempo e período no qual Francisco Gotthilf se conso-lidou como o “Senhor Mosaico”. Em 1972 começaram as transmissões em cores no país; nas fotos destas páginas, pode-se ver a estética e o colorido do cenário e das produções da época. Na página 88, acima, apresentadora Almerinda Rabinovich; abaixo, Francisco e equipe, entre eles Ravit Irony (2a da esq. para dir.), Mirian Ebel e Mauro Zukerman, desejam um Feliz Ano-Novo Judaico.

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O Mosaico participou ativamente da vida da comunidade judaica e de todas as suas instituições; as reportagens propiciavam repercussão e amplificavam os eventos do dia a dia e os acontecimentos especiais na comunidade; ao mesmo tempo, o programa estava sempre sensível e atento às grandes questões e temas nacionais, como a questão indígena, como mostra a foto ao lado, com um representante da Funai e grupo de índios que foram ao programa.

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Acima, Francisco na tv Gazeta; abaixo com os apresentadores Ravit Irony e Mauro Zukerman, 1984.

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O Mosaico teve os mais variados cenários; na fotografia abaixo, Francisco Gotthilf comemora na tv Gazeta os 14 anos do programa no ar, 1975.

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Cenas memoráveis do Mosaico na tv na década de 1990. Em cima, à esq., o Papa João Paulo ii entrevistado por Francisco Gotthilf. Em cima, à dir., Francisco com o secretário-geral da onu, Koffi Anan. Em baixo, à esq., o rei Pelé no programa Mosaico na tv. Em baixo, à dir., o Dalai Lama e o rabino Henry Sobel em um encontro inter-religioso exibido pelo Mosaico.

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Um Mosaico de imagens em 47 anos

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S479Senhor Mosaico: Francisco Gotthilf e o Programa Mosaico na tv: o mais antigo programa da televisão brasileira no ar desde 16 de julho de 1961 / coordenação Roney Cytrynowicz. – São Paulo: Narrativa Um, 2008.Ils., retrs.

isbn 978-85-88065-20-8

1. Gotthilf, Francisco, 1923-. 2. Mosaico na tv (Programa de televisão). 3. Mosaico (Programa de rádio). 4. Televisão – Brasil – História i. Cytrynowicz, Roney, 1964-. ii. Título: Francisco Gotthilf e o Programa Mosaico na tv.

08-3857 cdd-791.4572 cdu-654.172

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