Mosaico Escândalos

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MOSAICO #escândalos 4° ano Jornalismo UEL/2011

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Jornal laboratório produzido pelos estudantes do quarto ano do curso de Comunicação Social - habilitação em Jornalismo, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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MOSAICO

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4° anoJornalismo UEL/2011

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MOSAICO

#escândalos

4° anoJornalismo UEL/2011

Londrina respira com ajuda de apare-lhos. Por enquanto, nenhum Houdini ou Dr.House aceitou a tarefa de devol-

ver, a jovem senhora de 76 anos, saúde ple-na. Não é fácil remover tantos parasitas que, como ervas daninhas, se multiplicam a cada golpe do facão.

O município já sofre há algum tempo com denúncias de corrupção contra vereadores, secretários e prefeitos. Hoje, o representan-te máximo do Executivo londrinense recebe investidas por todos os lados. Barbosa Neto é alvo do Ministério Público e da oposição na Câmara; já são três Comissões Especiais de Inquérito aprovadas pelos vereadores contra o prefeito. A de maior repercussão, no en-tanto, é resultado da Operação Antissepsia realizada pelo MP, envolvendo Barbosa Neto e a primeira-dama – Ana Laura Lino – em um esquema de propina junto às Organiza-ções da Sociedade Civil de Interesse Público responsáveis pela prestação dos serviços de saúde na cidade. As denúncias renderam um indiciamento de improbidade administrativa e, ainda, um pedido de investigação do MP ao Tribunal de Justiça quanto à relação do prefeito com o escândalo.

Londrinenses – bons brasileiros como são – acompanham, também, a efervescência política em âmbito nacional. O primeiro escalão da presidenta Dilma Rousseff sofreu duas baixas; Alfre-do Nascimento, ex-ministro dos Transportes e Antônio Palocci, ex-ministro-chefe da Casa Civil. Enriquecimento ilícito ou sim-plesmente visionários da economia?

As maracutaias não vêm de hoje; existem, aliás, desde que o homem se reconhece como tal. Há pouco tempo, as câmeras ocultas escancaravam o esquema criminoso do governo de José Roberto Arruda – conhecido como Mensalão do DEM – e o deses-perado Roberto Jefferson disparava suas acusações contra a cú-pula do PT e os Correios no mais infame “mensalão” (Jefferson, a propósito, deveria cobrar pelos direitos autorais do termo).

Infelizmente, poucos são os fatos positivos que marcam os mandatos de políticos brasileiros e pouquíssimos são aqueles isentos de acusações ou processos jurídicos. O que preocupa é que todos permanecem onde estavam; culpa-se a morosidade da Justiça, mas a verdade é que a grande parcela de culpa é de quem os elege.

Esta edição se propôs a reunir os temas e as questões levanta-das a partir de certos escândalos e perfis políticos. Desde o “rou-ba quem faz”, personificado em Paulo Maluf – lembrado pelos paulistas pelo bordão “Maluf que fez” – , ao queridinho ‘Caçador de Marajás’, ex-presidente – agora senador – Fernando Collor de Mello. Em suma, é um apanhado histórico até onde permi-tem os registros.

Muito ficou de fora.

Política na UTI

Expediente

Felipe Barros

Editorial

Jornal Laboratório produzido pelos estudantes do 4o ano de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina

EDIÇÃO 2011Produto da disciplina 5NIC085 - Edição do Jornal Laboratório

Professor e Jornalista ResponsávelFábio Silveira - Mtb 3361-PR

Projeto Gráfico: Fernanda CavassanaCréditos da capa: Beto Carlomagno

Créditos da contra-capa: Tatiane Hirata

Edição, Pauta, Reportagem e Diagramação

Ana Carolina ContatoCamila Meira

Desirée MolinaFelipe de Souza

Francielly CamiloLetícia Nascimento

Murilo PajollaRafael SanchezTatiane Hirata

Beto CarlomagnoDaniela BrisolaFelipe Barros

Fernanda CavassanaLaura AlmeidaMarcia BoroskiPaulo Araújo

Sara HermógenesThaís Yamanari

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4° anoJornalismo UEL/2011Felipe Barros

“Eu roubo, mas faço!”pg. 10

“O escândalo vende” pg. 4

Escândalos políticos internacionaispg. 6

Quando a imprensa faz o escândalopg. 7

A Antissepsia londrinensepg. 8

Lobby: pode ou não pode?pg. 12

A charge e seu papel nos escândalospg. 16

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“O escândalo vende”Teorias do sociólogo John B. Thompson podem ser aplicadas aos escândalos mídiáticos atuaisCAMILA MEIRA

O último relatório divulgado pela ONG Transparência Internacional, mostra que no ano de 2010 o Brasil ocupou a posição 69 dos países considerados mais corruptos do mundo. Embora seja um bom lugar, se comparado aos anos anteriores, em que chegou a ser classificado na 75ª colocação, ainda há muito a fazer para o Brasil se eq-uiparar a países como Dinamarca e Nova Zelândia, que estão nas primeiras posições no ranking.

A pesquisa de percepção de corrupção avaliou 178 países no ano passado e este panorama pode ser aplicado às teorias de John Thompson abordadas em seu livro “O Escândalo Político: poder e visibili-dade na era da mídia”.

Ao dizer que o escândalo vende, o autor faz uma afirmativa de muito sentido. O avanço dos meios de comunicação, prin-cipalmente a televisão e a internet, permi-tiu uma visibilidade, antes não revelada de acontecimentos envolvendo pessoas públi-cas. A mídia torna-se espaço de interação entre políticos e não políticos, onde rela-ções podem ser construídas ou até mesmo destruídas.

Sobre este assunto o cientista político da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Elve Censi, afirma que em democ-

racias consideradas por ele mais “madu-ras” os escândalos políticos costumam produzir efeitos mais significativos que no Brasil. “No caso brasileiro, geralmente os escândalos não geram efeitos tão expres-sivos. Cito como exemplos desta sobre-vida política, após graves escândalos, os seguintes nomes: Antônio Carlos Magal-hães, Renan Calheiros, José Sarney e Jad-er Barbalho. Há certa tolerância por parte da sociedade mesmo após o escândalo ser noticiado pela mídia.” E completa dizendo que “vivemos uma sociedade que tolera a corrupção em um grau maior por conviver

e até aceitar práticas desta natureza”.

Corrupção Thompson afirma que a exposição

midiática é fundamental para que líderes políticos mantenham-se visíveis, ou seja, a mídia pode ser aliada da figura política, quando esta deseja conquistar capital sim-bólico e adquirir eficiência política, mas ao mesmo tempo, pode ser uma armadilha para sua reputação.

O mais novo escândalo na política lon-drinense veio a público e de um dia para

o outro colocou em cheque a integridade moral do prefeito Barbosa Neto (PDT) e de sua esposa Ana Laura Lino Barbosa. Os dois são acusados de envolvimento no es-quema de corrupção na área da saúde.

Para o jornalista Ayoub Hanna Ayoub os escândalos envolvendo Barbosa Neto desgastaram muito a imagem política do prefeito. “Há chances de que o Barbosa não consiga terminar este mandato e para aqueles que analisam e acompanham o cenário eleitoral o Barbosa tem poucas possibilidades de reeleição. Foram muitos escândalos envolvendo o nome dele, ex-plica.

Rapidamente a reputação do prefeito passou a ser questionada pela sociedade. A exigência por transparência nas questões políticas ganhou mais fôlego, o que fez a mídia se voltar para o assunto.

Ayoub destaca também que no caso do ex-prefeito de Londrina, Antônio Belinati (PP), o capital simbólico também so-freu pelo fato da população cobrar mais transparência nos assuntos políticos. “O Belinati foi atingido e quase chegou a no-caute. Basta ver a eleição que ele disputou o segundo turno e perdeu. Ele também so-freu um desgaste muito grande por causa da divulgação dos escândalos em que es-teve envolvido”, comenta. **Colaboração de Sara Hermógenes.

John B. Thompson em seu livro “O Escândalo Político: poder e visibilidade na era da mídia” traz uma discussão muito atual sobre os escândalos que envolvem o cenário político. O autor faz uma abordagem inicial do conceito de escândalo e dos seus possíveis significados. Segundo Thompson só é considerado escândalo quan-do o acontecimento envolve ações que implicam em transgressões morais, que precisam ser sérias o suficiente para provocar uma rea-ção pública.Em seguida, o autor aborda o

avanço das tecnologias e dos meios de comunicação como fa-tores fundamentais para que o escândalo político se dissemine.

Segundo ele, atividades ocultas dentro do campo político passam a ser conhecidas por todos, quando chegam até a mídia. Isso faz com que a figura do líder político perca um recurso útil, que é o capital simbólico, muito importante para sustentar e legitimar sua confian-ça perante o público. Thompson coloca que sem este recurso não há conquista de poder.Sobre a recorrência de es-

cândalos midiáticos o autor explica que estes são plurais e que cada sociedade possui uma cultura política. Embora os escândalos aconteçam em toda a parte do mundo, cada um se sustenta de acordo com a conduta política do local onde acontece.(CM)

O Escândalo Político: poder e visibilidade na era da mídia

O jornalista Fernando Rodrigues, especialista em análises políticas, mantém em seu blog “Políticos do Brasil” uma lista com os principais escândalos envolvendo o Congresso brasileiro. Segundo informações re-tiradas do blog, até junho deste ano já aconteceram 50 escândalos, o que comprova mais uma teoria de John B. Thompson de que escândalos alimen-tam escândalos. Confira dez deles.

1- Senador Gim Argello (PTB) dá prêmios fantasmas no DF

2-Três deputados faltam com às ses-sões

3-Câmara gasta R$ 5 milhões com “deputados de verão”

4- Gim Argello (PTB-DF) emprega namorada do filho em seu gabinete

5- Argello (PTB-DF) faz emenda de R$ 3 milhões que valoriza terras de seu filho

6-Senadores excedem limite mensal de passagens

7- Congresso gasta R$ 88 milhões com ex-deputados e viúvas

8- Senado só esteve completo para absolver Renan Calheiros (PMDB-AL)

9- Senadores recebem mais que o teto do funcionalismo público

10- Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é relacionado a gastança em Furnas

Escândalos alimentam escândalos

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“A corrupção é intrínseca ao capitalismo”Para cientista política, apesar dos discursos em nome da ética,

o desvio de verbas faz parte da lógica do Estado

FELIPE DE SOUZA

Cada escândalo de corrupção na política gera indignação na sociedade e reforça uma

crença geral: as instituições políticas seriam, em sua origem, órgãos neu-tros, que deveriam ser regidos com a mais alta moral, com o objetivo de ad-ministrar a sociedade contemporânea, sem favoritismo e sem intenções es-cusas. Uma análise mais demorada, entretanto, sugere que a história talvez não seja bem essa.

AlicerceEm entrevista ao MOSAICO,

a cientista política e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Júlia Gomes, deixa clara a sua discordância da opinião popular. Para ela, a corrupção é uma constante e a maioria dos escândalos acontece não quando a “má administração” é mui-to grande, mas sim quando há outro tipo de distúrbio no meio político-par-tidário.

A professora dá como exemplo o caso do Mensalão, ocorrido em 2005, durante o primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva (PT). Na época, uma Comissão Parlamentar de In-quérito (CPI) investigava o paga-mento de propinas a parlamentares, e acabou descobrindo outros esque-mas de corrupção. Foi a maior crise política sofrida por Lula, embora ele não tenha caído. Júlia diz que o baque sofrido pelo governo não se deu pelos esquemas em si, mas “estava relacio-nado à entrada de novos atores na cena política, principalmente no comando do Executivo, que eram as lideranças e os membros do Partido dos Trabal-hadores (PT), e das entidades relacio-nadas ao Partido, a própria base do PT que estava no Congresso e partici-param da gestão pública”, em suma, como ela diz, um novo ator que veio reivindicar “um pedaço do bolo que já estava dividido entre determinadas partes [das classes dominantes].”

Apesar de ser um corpo estranho dentro das instituições estatais, o gov-erno do PT atendeu satisfatoriamente os interesses gerais das classes domi-nantes – mesmo com o alívio social proporcionado à população pobre, quem ganhou mais foi o setor finan-ceiro, a virulência com a qual a grande imprensa tratou Lula e o PT tinha mais a ver com desconfiança e preconceito de classe do que com motivos concre-tos. Essa é a principal explicação de Júlia para os motivos de Lula não ter sofrido impeachment.

XVIII BrumárioA base dos argumentos da profes-

sora está no clássico texto do pensador alemão Karl Marx, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. Nesse ensaio pub-licado em 1852, é feita uma análise das reviravoltas políticas na França, ocorridas entre 1848 e 1851, quando Luís Bonaparte (também conhecido como Napoleão III) executa um gol-pe de estado e se auto proclama Im-

perador, à semelhança de seu tio, Na-poleão Bonaparte. Marx examina os órgãos burgueses, e chega à conclusão de que a corrupção é intrínseca ao es-tado capitalista. A lógica é clara: por meio dos impostos e do comércio, a burguesia consegue acumular apenas uma fração da riqueza produzida so-cialmente, e a corrupção entra como uma via indireta de acumulação para as elites.

“O Estado é um Estado de classes, não é universal”, explica a cientista política. Essa ideia de representação de unidade seria um dos elementos ideológicos do capitalismo. “[O Es-tado] é aberto aparentemente para todas as classes, então qualquer um pode prestar um concurso público e trabalhar para o governo, diferente de outros períodos históricos, como o feudalismo. O Estado feudal não se apresentava como universal, ele trata-va os desiguais como desiguais.”

Júlia aproveita para contestar outra ideia de senso comum: a de que a cor-

rupção é exclusivamente brasileira. De acordo com ela, esses esquemas existem em qualquer lugar do mundo, não é uma coisa específica do Brasil, não é uma característica apenas do Terceiro Mundo ou da “frágil democ-racia brasileira”. “O nível de corrup-ção dos Estados Unidos é muito maior que o nosso, é só prestar atenção ness-es grandes escândalos das instituições financeiras. Somos peixe pequeno perto deles.”

O que fazer?E essa ideia de votar, de agir como

‘cidadão’, de se manifestar, isso real-mente resolve alguma coisa? Para essa última pergunta, talvez ainda não haja resposta. Para Júlia, a ideologia capi-talista individualiza as pessoas, que se tornam cidadãos com direitos ditos inalienáveis, inclusive o de voto, mas o Estado, ao “igualar os desiguais”, dá o direito e não dá à imensa maioria da população os meios para que esses di-reitos sejam exercidos – basta lembrar que ainda existem situações literais de trabalho escravo.

“A democracia é o melhor regime para que o Estado consiga transpa-recer essa função de representante geral do povo e da nação, porque todo mundo votou naquele sujeito, ele é democraticamente eleito como repre-sentante da coletividade.” Mesmo as-sim, há alguns motivos para comemo-rar. As classes populares, embora não de forma emancipada, foram incorpo-radas na vida política. “Você as torna [as pessoas pobres] sujeitos políticos que interferem na vida política”, ex-plica Júlia.

Em suma, tudo o que podemos fazer, por enquanto, é usar as brechas do sistema para, através do voto e das manifestações, pressionar os dirigen-tes do país dentro de seu próprio jogo, e tentar forçar algumas mudanças. E historicamente falando, isso não é pouca coisa. Houve um tempo, não tão longínquo, no qual homens morreram pelo direito de voto e manifestação.

O Estado contemporâneo foi consolidado na Revolução Francesa de 1789; com ele, vieram as ilusões da ética e da imparcialidade das instituições

A Liberdade Guiando o Povo - Eugène Delacroix, 1830

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Escândalos políticos internacionais

Capa da revista Time, sobre o caso Clinton-Lewinsky

LAURA ALMEIDA

Não é raro encontrarmos manchetes de jornais trazendo denúncias de corrupção, desvio de verbas e outras escândalos políticos. Mas esta não é uma situação exclusiva brasileira. Irã, EUA, Itália, Inglaterra, todos têm uma trajetória de grandes escândalos ao longo de suas histórias.

Para o cientista político e professor da UEL, Elve Censi, os escândalos políticos, no entanto, são tratados de maneira diferente no Brasil. ”Nas democracias maduras os escândalos costumam produzir efeitos mais significativos, pois normalmente os envolvidos acabam se afastando ou sendo afastados da política. Cito como exemplo um caso alemão dos anos de 1990 do século passado quando o chanceler Helmut Kohl abandonou a vida política após denúncias de doações partidárias ilegais. Neste caso o escândalo custou “o prestígio nacional e o título de presidente de honra do partido (...). Em síntese, vivemos uma sociedade que tolera a corrupção em um grau maior por conviver e até aceitar práticas desta natureza”, opina.

Com maior peso mundial e consequentemente maior visibilidade, os EUA estão envolvidos em diversas situações polêmicas, como afetado ou como agente provocador.

WatergateQuase um clássico, o escândalo

Watergate aconteceu em 1972, quando integrantes do governo do presidente republicano Nixon invadiram o escritório do Partido Democrata no hotel Watergate, em Washington. A intenção era conseguir dados que pudessem revelar estratégias do partido rival e comprometer o adversário político. A partir de então, jornalistas do Whasington Post também começaram a investigar o caso. Em agosto de 1974 várias provas já ligavam os atos de espionagem ao Partido Republicano, levando Nixon a renunciar à presidência, sendo substituído pelo vice Gerald Ford.

Irã-ContrasJá o escândalo “Irã-Contras”, estourado

em 1986 no Senado dos EUA, teve o Coronel conservador Oliver North como um dos protagonistas e fonte de informações. Tudo começa quando estudantes iranianos radicais sequestram a embaixada dos EUA em Teerã e fazem vários reféns americanos por mais de um

ano. A partir deste ocorrido, a Casa Branca corta relações comerciais e diplomáticas com o Irã e coloca o país na lista de inimigos.

Enquanto isso, na Nicarágua, outro aliado americano, Anastácio Somoza, enfrentava um momento de crise em seu país. Sua ditadura foi derrubada pelos sandinistas, guerrilheiros de esquerda, que instauraram, a partir de 1979, um governo esquerdista não alinhado nem aos EUA nem à URSS. Então, com a intenção de solucionar os dois conflitos, a CIA, serviço secreto americano, fez um acordo ilegal de vendas de armas com o Irã. Em troca da venda, os reféns seriam liberados. Após a libertação, a CIA usou o dinheiro das armas para treinar e armar os Contra, guerrilheiros de extrema direita, que sabotaram o governo sandinista.

Esse escândalo colocou em debate não apenas a política americana doméstica, como também o papel real dos Estados

Unidos ao redor do mundo e as atrocidades que praticaram.

GuerrasÉ possível pensar então a relação entre

guerra e a opinião pública. “Nos anos de 1980 a primeira ministra da Grã-Bretanha, Margareth Thatcher, teve sua popularidade aumentada em função da guerra das Malvinas/ Falklands War. O mesmo ocorreu na era Bush”, afirma Censi.

Muito noticiado na imprensa ocidental, o massacre de My Lay, em 1968, foi episódio chave na Guerra do Vietnã. Uma vila vietnamita inteira foi eliminada por soldados americanos e depois comprovou-se que esta era uma prática comum na guerra. Essa descoberta gerou uma crise política para o então presidente Lyndon Johnson e fortaleceu o movimento anti-guerra presente no país naquele momento.

Disputa política

Escândalos políticos podem ser, inclusive, uma forma de disputa política, como explica Censi. “Afinal a sucessão de escândalos pode desgastar quem está no poder e fazer a diferença no momento da eleição. Existe até o momento correto para que o escândalo aconteça, uma vez que não pode ser muito distante ou muito próximo da eleição”, comenta.

Já na Rússia pós-comunista, depois da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS, o governo russo vendeu muitos bens estatais a mafiosos, empresários corruptos, estrangeiros e especuladores. Fato que pesa até hoje no bolso da população do país.

Escândalos sexuaisMais recentemente temos o também

bastante comentado escândalo envolvendo o presidente Bill Clinton e a então estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky. Na época, foi divulgado que o Presidente, casado com Hillary Clinton, teria mantido relações sexuais com Lewinsky. No entanto, o presidente negou todo o caso. Passado um tempo, a estagiária apresentou um vestido com vestígios de sêmen, que depois foi comprovado ser de Clinton. Por ter mentido e manchado sua imagem, o então presidente acabou quase perdendo seu cargo.

Ainda mais recentemente, o Primeiro ministro italiano, Sílvio Berlusconi, tem se envolvido em diversos escândalos sexuais, onde é acusado de uso indevido de recursos púbicos com festas e mulheres. Na mesma linha, Strauss Khan, diretor francês do FMI, foi acusado de tentar abusar exualmente de uma camareira em Nova York.

Mais curioso de todos, o Caso Toblerone estourou na Suécia, em 1995, quando uma parlamentar perdeu o cargo porque usou o cartão corporativo do governo pra comprar duas barras de Toblerone. Este fato em particular, nos leva a uma reflexão sobre os casos brasileiros, onde situações muito piores já foram vistas com total conivência. “No caso brasileiro, geralmente os escândalos não geram efeitos tão expressivos. Cito como exemplos desta sobrevida política após graves escândalos os seguintes nomes: Antônio Carlos Magalhães, Renan Calheiros, José Sarney e Jader Barbalho. Nesta lista merece um destaque especial para o senhor Paulo Maluf. Poderia citar muitos outros. Há certa tolerância por parte da sociedade mesmo após o escândalo ser noticiado pela mídia”, comenta Censi.

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Quando a imprensa faz o escândaloCasos como o “Watergate” suscitam o debate sobre o papel do jornalismo investigativo

17 de junho de 1972, Ed-ifício Watergate, Wash-ington. Estes são local

e data do acontecimento que mudaria os rumos da carreira política de Richard Nixon, en-tão presidente dos Estados Uni-dos da América.

Na madrugada deste dia, cinco homens arrombaram o Comitê Nacional do Partido Democrata com o objetivo de instalar escu-tas telefônicas ilegais para ob-ter informações sobre o partido adversário ao Republicano, co-mandado pelo então presidente norte-americano. O que parecia um furto corriqueiro ganhou no-vas proporções quando os cinco acusados foram condenados e confessaram ao juiz John Sirica que havia certo esforço gover-namental para abafar o caso.

Este foi, sem dúvida, o es-topim para que o Congresso pe-disse o impeachment de Nixon, que pressionado pela opinião pública, liberou transcrições editadas sobre as conversas que teve sobre o Watergate. Sem apoio político e popular, Rich-ard Nixon foi o primeiro presi-dente americano a renunciar ao cargo, em 9 de agosto de 1974.

Figuras-chave do episódio, Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal americano Washing-ton Post, estiveram à frente de todo o processo de investigação que culminaria no afastamento do presidente. Sua fonte secre-ta, que ficou conhecida como “garganta-profunda”, revelou detalhes cruciais tanto para seus

furos de reportagem quanto para o andamento das investigações.

Reverenciados por boa parte dos repórteres investigativos, Woodward e Bernstein trouxer-am à tona um dos maiores con-flitos da imprensa: até onde vai o papel do jornalismo? Para a jornalista e pesquisadora, Flora Neves, a questão deve ser anali-sada com cautela. “À medida que a mídia dá visibilidade a um caso, este pode se tornar um escândalo midiático antes de ser comprovado; além disso, a própria mobilização da opinião pública gera espetáculo”, co-menta.

No Brasil, casos recentes de pré-julgamento por parte da mídia mobilizaram a discussão em torno do tema. “Quem tem o papel de investigar é o investi-gador de polícia. Quando o jor-nalista investiga, ele pode me-ter os pés pelas mãos e acabar condenando os acusados sem as devidas provas, como ocor-reu no Caso Isabella Nardoni”, complementa Neves.

Além do comprometimento ético, a jornalista lembra que, muitas vezes, os interesses do veículo de comunicação podem entrar em conflito com a espe-tacularização de determinadas notícias. “Deve-se lembrar que o jornalismo tem interesses políticos também, por isso esse tipo de investigação é uma faca de dois gumes”, completa.

Jornalista e Pesquisadora da UEL Flora Neves

ANA CAROLINA CONTATO E FRANCIELLY CAMILO

Francielly Camilo

Para entender melhor o Escândalo de Watergate e sua relação com a mídia, o Mosaico sugere:

Livro: “Todos os homens do presidente” – de 1976 (autores: Bob Woodward e Carl Bernstein)

Filme: “Frost X Nixon” – de 2008 (direção: Ron Howard)

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A Antissepsia londrinense

2 milhões mensais. Eles encontraram provas pagamento de propina para que as parcerias fossem realizadas, o que foi apurado na operação Antissepsia.

InícioA Operação Antissepsia foi defla-

grada no dia 10 de maio pelo Gaeco, junto com a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, as polícias Civil, Militar e Federa l , iniciaram a opera-ção, re-sultando na prisão de 15 en-volvidos. Dentre eles Fidélis Canguçu, ex-procurador do município, suspeito de ser um dos principais nomes do es-quema e que segundo o MP, teria rece-bido propina dos institutos. No dia em que foi preso, Canguçu levava R$ 20 mil em dinheiro dentro de seu carro.

Ao deflagrar a operação, os re-sponsáveis pelo caso explicaram que estavam “em investigação há mais de quatro meses”. A averiguação começou após o MP receber denúncias de empresários que emitiam notas fis-cais supostamente frias para justificar o pagamento por serviços não presta-dos pelas Oscips. O promotor Cláudio Esteves afirmou “não há a possibili-

dade de mensurar os valores desviados por meio deste esquema e nem de in-dividualizar os atos praticados” pelos investigados.

Barbosa NetoO impacto do escândalo acabou

atingindo o representante político máximo de Londrina. O prefeito, Barbosa Neto (PDT), foi denunciado

como um dos que teria se beneficia-do do esquema. A esposa dele, Ana Laura Lino, também foi apon-tada como bene-ficiária. Segundo

o MP, as negociações seriam feitas por ela, que teria sido decisiva na contrata-ção do instituto Atlântico, do qual teria recebido propina. O diretor do Atlân-tico, Bruno Valverde, teria entregado R$20 mil, para Fabio Góes (Secretário Planejamento), numa negociação feita na sala de Góes, na presença de Ana Laura.

A promotora Leila Voltarelli expli-cou que o instituto Atlântico procurou Barbosa Neto por intermédio do lo-bista Ruy Nogueira, que trabalhou na campanha do pedetista. O MP entrou com uma ação civil pública contra o prefeito, na qual é pedida a sua conde-nação por improbidade administrativa.

Londrina sofre com o segundo gol-pe no sistema de saúde em um ano. Em maio do ano passado, o Ministério Pú-blico Federal investigou e denunciou 21 pessoas por suposto envolvimento em desvio milionário de recursos pú-blicos no município.

Na época, o Centro Integrado de Apoio Profisional (Ciap) era responsáv-el por importantes atividades no setor, como o Samu – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – e as Policlínicas.

De acordo com a investigação do MPF, os desvios chegam a R$14,7 milhões só em Londrina. A ação cita três tipos de lavagem de dinheiro: o Ciap transferia dinheiro de suas contas – oriundas dos co-fres públicos – para empresas vinculadas, como pagamentos de serviços prestados sem ter, no entanto, ligação com a presta-ção do serviço público.

A prefeitura de Londrina, no fim do mesmo mês, em 2010, anunciou o rompimento dos contratos com o Ciap – o que só foi concretizado seis meses depois. Foi aí que começou o outro es-cândalo. Em dezembro foram contrata-dos os institutos Atlântico e Gálatas, alvo da Operação Antissepsia. As ir-regularidades foram reveledas, os con-tratos emergenciais venceram e, nova-mente, a população sofre.

É consenso entre os promotores en-volvidos nas duas investigações que a terceirização de tais serviços é inviável. Em entrevista aos estudantes do quarto ano noturno do curso de Jornalismo da UEL, o promotor de Justiça, Cláudio Esteves, duvida da idoneidade da rela-ção entre Oscips e poder público: “Por que alguém criaria uma empresa para prestar um tipo de serviço tão com-plexo? Essas organizações já suscitam este tipo de dúvida e a desconfiança de que vai cometer irregularidades”.

Leila Voltarelli, da promotoria de Defesa do Patrimônio Público, en-dossa a ideia. “Londrina é exemplo de que é inviável este tipo de parceria. Já está na hora de trazer a responsabili-dade do serviço de saúde para o mu-nicípio”. (FB e PA)

Saúde debilitada

Escândalo denunciou irregularidades na

criação de contratos públicos de prestação de serviços na saúde,

mas ainda não foi finalizado

FELIPE BARROS E PAULO ARAUJO

O último escândalo político ocorrido em Londrina foi a crise da saúde que atingiu

assessores, o ex-procurador munici-pal e diretores de prestadoras de ser-viço. Trata-se de denúncias feitas pelo Ministério Público, que alega a existência dos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e estelionato, entre os 23 investigados pelo órgão. As irregularidades estão na formação dos contratos com as Or-ganizações da Sociedade Civil de In-teresse Público (Oscip), que pagariam propinas para obterem vantagens con-tratuais. O estardalhaço deu resultado, e vários envolvidos foram presos. As investigações e processos continuam.

O MP investigou durante quatro meses as duas Oscips, Instituto Gála-tas e Atlântico, contratadas para reali-zar os serviços do SAMU, endemias e programa Saúde da Famíla (PSF) de-ixados pelo Centro Integrado de Apoio Profissional (Ciap), que também foi denunciado na Operação Parceria. O término do contrato com o Ciap deixou a região (pois estes serviços atingiam, também, várias cidades próximas a Londrina) sem a cobertura destas operações a fim de evitar a falta de resguardo destes serviços, a pre-feitura municipal resolveu fazer con-tratos “emergenciais” com institutos desconhecidos.

Com a rápida contratação destes institutos, o Grupo de Atuação Espe-cial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), juntamente com o MP, ini-ciou investigações para apurar a le-galidade dos contratos de mais de R$

“não há a possibilidade de mensurar os valores

desviados por meio deste esquema

Dinheiro encontrado no carro de Fidelis Canguçu no início

da operação Antissepsia

Fábio Silveira

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Dinheiro apreendido no dia da deflagração da Operação

Antissepsia. Parte desse dinheiro (R$ 20 mil) foi apreendido no

carro do ex-procurador do Município, Fidélis Canguçu

Page 9: Mosaico Escândalos

Escândalos na política londrinense. Até quando?

A cassação e a prisão de Antônio Belinatti, em 2000, e os nove vereadores envolvidos com propina e “mensalinho”, em 2008, acabaram configurando a política da cidade

LETÍCIA NASCIMENTO

O atual prefeito com pedido de cas-sação, acusado pelo Ministério Público de possíveis desvios de verba da saúde. Metade dos vereadores processados em um escândalo de propina, em 2008. O prefeito mais popular da história da cidade cassado em 2000 e preso em 2001. Londrina vive, há alguns anos, certo caos velado em sua administração. Eleição após eleição, as promessas de honestidade aparecem, mas sempre contrastam com os escândalos. Ama/Comurb

No dia 22 de junho de 2000, o então prefeito, eleito três vezes para o cargo (1977/1989/1996), teve seu mandato cas-sado por 14 votos. A Câmara acusou Antonio Belinati de infração político ad-ministrativa. Uma das acusações foi de abuso na publicidade da inauguração do PAI (Pronto Atendimento Infantil).

De acordo com o jornalista Fábio Sil-veira, no livro “Imprensa e Política – o caso Belinati”, o pivô do processo que resultou na cassação de Belinati foi o “esquema Ama/Comurb”. Por meio de licitações fraudulentas ou superfaturadas nessas duas autarquias municipais foram desviados milhões de reais dos cofres da Prefeitura de Londrina. O dinheiro teve como destino, segundo o Ministério Pú-blico, o pagamento de despesas da cam-panha eleitoral, tanto do ex-deputado estadual, Antonio Carlos Belinati – fil-ho do ex-prefeito -, quanto de aliados.

Segundo a publicação, o esquema de “fabricação” de licitações fraudulentas na Comurb veio à tona, por acaso, com uma denúncia de superfaturamento numa licitação feita pela Ama para serviços de capina e roçagem. Foi a vereadora Elza Correia quem entregou ao MP uma denún-cia de superfaturamento no contrato feito com a empresa Tâmara, em que avalia-va-se R$80 mil pago a mais à empresa.

A imprensa silenciou, ao ignorar os fa-tos investigados pelo MP, durante a maior parte do processo. “A princípio, a cober-tura foi toda blindada, ou seja, os veículos de comunicação (a maioria deles) estavam

comprometidos com o então prefeito e, portanto, havia muita censura. O material feito pelos repórteres passava pelo crivo dos editores que alteravam as matérias, não informando a população sobre o que real-mente estava sendo investigado”, conta a jornalista, Carina Paccola, que acompan-hou de perto a situação, como presidente do Sindicato dos Jornalistas de Londrina.

Foi a imprensa sindical e alguns sites da internet que começaram a forçar os veícu-los maiores a publicar, como relembrou Paccola: “Surgiu, então, um jornal alter-nativo feito pelas entidades e movimentos sociais que estavam organizados e exi-giam rigor na investigação e pressionavam a Câmara para a instalação da Comissão Processante. O jornal se chamava “ReaJá, Londrina” e era distribuído gratuita-mente no Calçadão, Terminal Urbano”.

De acordo com a jornalista, foi enviado para a Globo Rio um dossiê sobre as inves-tigações e a péssima cobertura dada pelo grupo RPC ao caso. A Globo RIO tomou providências, com a retirada de diretores do jornalismo de Londrina e de Curitiba que estavam envolvidos com o esquema de corrupção e censuravam a cobertura jornalística: “O jornal do Sindicato tam-bém denunciou a cobertura ‘mal feita’,

apontando as distorções feitas pela mídia”.

Vereadores

“Lembro bem, naquele 10 de janeiro de 2008, quando o então chefe de Redação da Folha, Oswaldo Petrin, me ligou, já após o expediente, dizendo que um vereador ha-via sido preso. Qual não foi meu espanto quando, para a minha pergunta, a resposta veio num simples ‘Porque estava pedin-do dinheiro para empresário’”, relembra a jornalista, Janaína Garcia, que cobriu quase metade da atual legislatura da Câ-mara, antes de se mudar, a trabalho, para São Paulo. De acordo com ela, a notícia foi divulgada pela rádio Paiquerê AM, no intervalo de um jogo do Londrina Esporte Clube: “a notícia caía como uma pesada haste em tradicionalismos e, também, em aparentes lendas urbanas ouvidas, vez e outra, nos corredores da Câmara”.

O vereador preso foi Henrique Barros. Foi flagrado, com R$9.800, extorquidos de empresários, em troca de favorecimen-to em projetos de lei na Câmara. Dos 18 parlamentares em ação, na época, outros quatro estavam envolvidos no esquema, segundo os promotores do Grupo de Atu-ação Especial de Combate ao Crime Orga-

nizado (Gaeco). Foram cinco os vereadores denunciados: além de Barros, Orlando Bonilha (PR), Renato Araújo (PP), Flávio Vedoato (PSC) e Osvaldo Bergamim (PMDB), todos acusados de formação de quadrilha e concussão (extorsão prati-cada por funcionário público). Apénas Barros foi preso, sendo solto dias depois.

A denúncia relatou, na época, que os parlamentares teriam estabelecido um sistema para dificultar a tramitação de pro-jetos de lei, principalmente os que visavam obter autorizações para instalação de lote-amentos, doação de terrenos ou alteração do horário de funcionamento de estabelec-imentos comerciais. Em fevereiro de 2008, Barros renunciou ao cargo para não ser cas-sado e acusou Bonilha de comandar outro esquema de corrupção. Foi então, que Bo-nilha denunciou a existência de um “men-salinho” que seria pago há três legislaturas pela Grande Londrina aos vereadores. O gerente-geral do grupo Constantino em Londrina, Gildalmo de Mendonça, foi preso sob acusação de pagar mensalinho aos vereadores. Mais quatro vereadores foram afastados de seus cargos naquele ano, acusados de improbidade administra-tiva, entre eles, o então presidente da Câ-mara, Sidney de Souza (PTB), o correge-dor, Luiz Carlos Tamarozzi (PTB), Jamil Janene (PMDB) e Gláudio de Lima (PT).Segundo Garcia, na eleição de 2008, 70% dos antigos nomes foram descarta-dos, mesmo que pudessem retornar em cargos eletivos: “Foi assim com um pre-feito uma vez e, infelizmente, não se pode subestimar a capacidade de esqueci-mento do eleitor. Ela sempre se renova”.O tratamento da imprensa no escândalo dos vereadores foi primordial, como lem-brou Garcia: “Mais que informar, pura e simples, o esforço era para investigar na medida em que fosse possível e aux-iliar órgãos oficialmente responsáveis por isso na tarefa”. Segundo ela, foi com paciência e pesquisa que muita coisa foi descoberta. “Ligamos e descobrimos assessores-fantasmas com expediente em salão de beleza em tempo integral, ou marceneiro em horário de expedi-ente na Câmara fazendo atividades pou-co afins com a assessoria parlamentar”.

As figuras responsáveis pelos principais escândalos na cidade, O ex-prefeito cassado, Antonio Belinati. À direita e acima, Henrique Barros, abaixo, Orlando Bonilha.

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Page 10: Mosaico Escândalos

“Eu roubo, mas faço!”POR DANIELA BRISOLA

“Rouba mas faz”. Já ouviu falar neste ditado? Ela é atribuída a inúmeros politícos. O mais co-

nhecido na atualidade é Paulo Maluf (PP), ex-governador do estado de São Paulo.

Mas a história do ditado vem muito antes desses políticos. Adhemar de

Barros, político brasileiro entre as décadas de 30 e 60, foi quem “levan-tou” essa bandeira primeiro. Bem fei-tor de grandes obras na capital pau-lista, como o Hospital das Clínicas e as rodovias Anhangüera e Anchieta, também foi responsável por deixar grande déficit nos cofres públicas. O lema “rouba mas faz”, inclusive, che-gou a ser usado em suas campanhas políticas.

Adhemar de BarrosO político paulista é o fundador do

ditato “rouba mas faz”. No estado de São Paulo foi interventor entre os anos de 1938 e 1941 (durante a ditadura do Estado Novo), governador eleito en-tre 1947-1951 e 1963-1966. Ele ainda foi deputado estadual entre 1935-1937 e prefeito de São Paulo entre 1957 e 1958. Somando dá 28 anos de vida pública no mais populoso estado e na maior cidade brasileira.

A história do “rouba mas faz” se ini-cia pela “genialidade” de Adhemar em desenvolver a região onde se localiza o bairro Morumbi. O governo do estado, comandado pelo político, forneceu ao apenas loteado bairro, a infra-estrutura necessária. Para quem não sabe, Adhe-mar era proprietário da Imobiliária Ari-canduva que possuia grandes terrenos na mesma região.

As bem feitorias (e os desvios) vão além do Morumbi. Em seu governo, iniciou a obra de construção do metrô em São Paulo. Também foi responsá-

Políticos brasileiros, desde o início da década de 30, utilizam de grandes obras para esconder a corrupçãovel por criar a Faculdade de Medicina de Campinas que deu origem à Uni-camp. A construção das maiores usinas hidroelétricas paulista, Usina Hidroe-létrica de Ilha Solteira e Usina Hidro-elétrica de Jupiá, também começaram em seu governo. Além do Hospital das Clínicas e das rodovias Anhangüera e Anchieta.

CuriosidadeApós a sua morte, Adhemar de

Barros foi alvo de um escândalo. No dia 18 de junho de 1969, membros do movimento guerrilheiro VAR-Palma-res assaltaram, no Rio de Janeiro, um suposto cofre do político que estaria na casa de sua suposta amante, a ex-secretária Anna Gimel Benchimol Ca-priglione.

O episódio ficou conhecido como o “Caso do Cofre do Adhemar”. Par-ticipavam do grupo político que fez o assalto militantes que se tornaram figuras importantes no começo desse século, como a hoje presidente Dil-ma Rousseff e o o ex-ministro, Carlos Minc. Dentro do cofre havia a quanti-dade estimada de R$ 15,4 milhões de dólares.

Paulo MalufCoincidência ou não, a carrei-

ra política de Paulo Maluf começou com sua nomeação para prefeito de São Paulo no dia do falecimento de Adhemar (12 de março de 1969) – na época, sob o regime militar, os gover-nadores e prefeitos das capitais e de algumas cidades eram escolhidos sem eleições.

Considerado o sucessor de Adhemar de Barros, o político paulista também é lembrado quando o lema “rouba mas faz” é citado. Maluf foi responsável por obras de grande porte e que davam vi-sibilidade como o Minhocão, a Rodo-via dos Trabalhadores (renomeada em 1994 como Rodovia Ayrton Senna), a Rodovia Mogi-Bertioga, a Ponte do

Mar Pequeno, o Terminal Rodoviário do Tietê e o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em parceria com Ministério da Aeronáutica.

Maluf já ficou 40 dias preso acusado de intimidar uma testemunha em 2005. Este episódio aconteceu após as graves denúncias de lavagem de dinheiro, for-mação de quadrilha, corrupção e crime contra o sistema financeiro. A Justiça brasileira possui uma série de documen-tos que indicam uma movimentação de US$ 446 milhões em contas no exterior no nome do atual deputado federal.

Londrina

Eleito prefeito de Londrina pela pri-meira vez em 1977, Antonio Belinati re-alizou grandes obras e também responde a mais de 90 processos. Isso faz com que adversários tentem colocá-lo nessa “li-

nhagem” de políticos - rótulo que não é aceito por ele..

Belinati foi responsável pela cons-trução do calçadão de Londrina, pela construção de 20 mil casas populares, dando início aos Cinco Conjuntos, pela ampliação do Serviço de Comunicações Telefônicas, pela construção do Pronto Atendimento Infantil, pela implantação de 2 mil rampas de acesso, entre outras ações.

Em 2000, teve seu mandato cassado pela Câmara Municipal e foi preso duas vezes, ficando um total de 10 dias na cadeia. Segundo o Ministério Público, Belinati formou uma quadrilha agru-pando diversos secretários e assessores. Entre as acusações estão: superfatura-mento de obras públicas, desvio de di-nheiro público, promoção pessoal com dinheiro público, fabricação de licita-ções fraudulentas, peculato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.

Em uma entrevista em que o ob-jetivo era falar sobre o slogan “Rouba mas faz”, a professora

do departamento de Ciência Sociais da Uni-versidade Estadual de Londrina, Maria José Rezende, contextualizou todo o processo de corrupção no Brasil. A seguir, leia alguns trechos da conversa com a professora.

Mosaico: Professora, como começou a história do “Rouba mas Faz”?

R.: Não devemos circunscrever a ques-tão da corrupção na política brasileira a criação do slogan. Dentro de um aborda-gem sociológica e histórica é preciso pen-sarmos um pouco como a questão da cor-rupção se introjeta na política brasileira, se internaliza na política desde a formação do Estado nacional, em 1822. Tem um pensa-dor chamado Silvio Romero, autor do livro “A Oligarquia: o nosso mal maior”, que tem uma passagem bastante interessante em que faz a análise do processo de corrupção nas Assembléias Legislativas dos estados e que diz o seguinte: “o que se tornaram as Assembléias Legislativas dos estados? So-mente ratoeiras para tirar do povo até o últi-mo tostão” e isso ele está dizendo por volta de 1906, 1907.

Esse slogan, com Adhemar de Barros, na segunda metade do século XX, vai ten-tar, na verdade, legitimar a prática da cor-rupção com essa ideia que se rouba mas faz. Faz miséria, faz pobreza, faz a não presta-ção de serviços de saúde, de educação e etc. Porque a história do” rouba mas faz” é como se bastasse a construção de alguns monumentos, estradas, pontes, viadutos, vias que isso dá visibilidade, a população vê que foi feito e esquece de fiscalizar ou não leva em conta a necessidade de fiscali-zar o desvio de recursos.

Mosaico: O slogan do rouba mas faz está ligado à camada mais humilde da po-pulação?

R.: Eu acho que não dá para generalizar dessa maneira. Porque você vai encontrar pessoas dos diversos segmentos sociais que se beneficiam dessa história. Muitos setores da classe média são completamente alheios à vida política e são também porta-dores desse sentimento. Tem até um certo preconceito em relação as chamadas classes populares ao dizer “olha, é a classe popular, são os mais pobres, que legitimam essa prá-tica”. O que não é verdade. Nesses setores populares, tem muitas pesquisas que você escuta que há também muito constrangi-

mento quando vem à tona que aquele candi-dato que eles tinham expectativa de que fosse eleito está praticando procedimentos irregu-lares, envolvido em corrupção.

Não podemos fazer esse tipo de genera-lização porque isso é muito fácil, você joga a responsabilidade pela eleição constante de indivíduos corruptos na política brasileira so-bre um grupo somente. Será que quando o Adhemar de Barros fala esse slogan ele esta-va se referindo mesmo às classes populares? Ou será que ele estava se referindo às outras classes, aos outros grupos que têm interesses imensos em “rouba mas faz”, mas faz o quê? Faz um pontilhão, faz uma estrada, faz um viaduto e têm indivíduos interessados que se-jam feitas essas obras porque são empreitei-ros que pegam o serviço. Não dá para dizer que quando ele disse isso, ele estava dizendo para o pobre.

Como diz Sérgio Buarque de Holanda, o que existe no Brasil são os chamados figuran-tes mudos que são chamados na hora da elei-ção e que depois não há muitos mecanismos de controle do processo de desenvolvimento e do desenrolar da própria governância. Por que ele não tem esse controle? Ele não tem esse controle porque não há no interior da sociedade civil fortes formas de organização e de criar, até mesmo possibilidade de cons-cientização em torno do que é o estado, do que é o dinheiro público, do que é o controle, do que é a cobrança e ele não pode, evidente-mente, de uma hora para outra, sacar formas e obter esse controle, porque esse controle tem que ser criado historicamente, tem que ser criado ao longo de décadas por isso que se nós temos uma situação que leva a eleição de determinados governantes, de determina-dos políticos, nós temos que ver qual é o pen-samento que levou a isso ocorrer.

Mosaico: A senhora acha que nós esta-mos em um atraso político?

R.: Claro que a organização política bra-sileira, do ponto de vista de construir atores e políticos com capacidade de balizar a ação de dirigentes, está muito atrasada. A nossa revolução é construir uma sociedade demo-crática. Mas para construir uma sociedade democrática, nós precisamos ter atores polí-ticos capazes de balizamento das ações dos dirigentes. Nós temos, ao longo do processo político, a instauração de muitos vícios polí-ticos que entram, penentram e interpenetram-se até mesmo nas tentativas de organização da sociedade civil. Muitas vezes, as práticas políticas dentro da organização da sociedade

civil, ou seja, sindicato, associações, organi-zações, representações de classe, movimen-tos sociais são interpenetrados por vícios políticos, como clientelismo, personalismo, formas autoritárias que fazem com que não se avance no processo de desenvolvimento de um procedimento político.

Mosaico: Quais as ações que a popula-ção pode fazer para mudar esse cenário?

R.: Nós não temos como dizer quais ações se deve tomar. A distribuição do po-der e novos equilíbrios de poder é algo mais complexo que nós temos diante de nós. A pergunta que você faz é a seguinte: como construir novos equilíbrios de poder? Novos equilíbrios de poder para balizar as ações do Estado, as ações dos governantes para que tenhamos possibilidade de uma outra práti-ca política não fundada na corrupção moral, material ou política. A distribuição do poder se faz através da construção de agentes capa-zes de colocar na arena política coordenada e formular e pautar a agenda pública. Esse é um processo que depende de uma organi-zação da sociedade civil que passa por um reordenamento das próprias práticas no inte-rior da própria sociedade civil. É preciso que haja uma geração de embates e de processos e procedimentos políticos em que os diversos grupos e organizações para colocar dentro da arena política suas demandas, se enfrentar nas suas diverenças e constituir processos de distribuição de poder. Como fazer isso? Teríamos que ter na sociedade brasileira a possibilidade de reorganização e de novas organizações e novas práticas políticas que emergissem não só horizontalmente, mas também verticalmente. Tem algumas coisas sendo feitas, só que nós não sabemos e, pro-vavelmente, não serão suficientes para con-ter o processo político arragado de produção. Juntamente com a existência de uma lei que estabelece novas ações de Estado, é preciso também que se estabeleçam procedimentos que efetivem a existência da lei, porque a lei por si só não se efetiva. Nós não podemos deixar de levar em conta que temos um histó-rico de contenção e violência contra a própria organização da sociedade civil. Toda as ten-tativas de avanço da sociedade civil sempre foram atingidas por formas violentas. No co-meço do século, Washington Luiz dizia que questão de greve não é questão social é ques-tão de polícia, eu ponho a polícia para bater nos trabalhadores. Depois o Estado Novo extremamente autoritário que na verdade ele vai tutelar qualquer ação dos trabalhadores.

Entre os anos de 46 a 64, tem a possibili-dade de dispertar qualquer forma efetiva, porque tinha organizações no campo não só do trabalho, mas da cultura, política, uma porção de reinvidicações, de greves, de ma-nifestações, de ações de diversas estudan-tes. Tem uma efervecência desse proces-so. Havia uma conjuntura favorável onde estava se criando isso que você pergunta. Naquela conjuntura estava se fazendo. Uma porção de questões, de manifestações esta-vam ocorrendo que poderiam resultar em um Brasil efetivamente com esse caminho, esse percurso com uma outra prática polí-tica. Em 64 vem o golpe militar e parali-sa inteiramente a vida política. A partir daí ninguém podia reinvindicar absolutamente nada, qualquer reinvidicação podia ser en-quadrada dentro da lei de segurança nacio-nal e era punido pela delegacia. A ditadura militar destruiu uma conjuntura extrema-mente importante, que vai refletir ao longo de 100, 200 anos no Brasil o que aconteceu no período de 64 a 84.

Uma questão que tem deixado a popu-lação significativamente desanimada é a de que há o Ministério Público investiga, faz a denúncia, a Polícia Federal faz a investi-gação, prende-se um pouco aqui e ali, um ou outro. De repente, eles estão soltos no-vamente, não conseguem retirar seus patri-mônios e esses indivíduos não têm de fato a punição que a sociedade gostaria de ver e vislumbrar. Na medida que não existe isso, cria uma descrença.

No meu entender existem algumas se-mentes, alguns avanços para um futuro. Sementes essas plantadas dentro do próprio Estado, através das formas de controle que têm tentado estabelecer, a partir da Cons-tituição de 1988. Sementes essas que têm dado fruto na medida que há efetivamente um processo maior de investigação, de estar buscando compreender, buscando até mes-mo a prisão daqueles que estão envolvidos. Há ainda muita coisa a se fazer do ponto de vista da efetividade das ações que levem a uma punição. O mais grave das denúncias é a questão da sensação de impunidade e que acaba por criar desânimo significativo. É preciso, efetivamente, que aquele segmen-to, aqueles setores que são incumbidos de levar a questão da punição sejam capazes de obter os elementos para tomar medidas efetivas, restituir os cofres públicos o que lhes foi tirado e impedir que esses indivídu-os sejam reeleitos.

Adhemar de Barros

Paulo Maluf

Janine Moraes

memoriaviva.com.br

“A população vê que foi feito e esquece de fiscalizar”

ENTREVISTA

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Page 11: Mosaico Escândalos

“Eu roubo, mas faço!”POR DANIELA BRISOLA

“Rouba mas faz”. Já ouviu falar neste ditado? Ela é atribuída a inúmeros politícos. O mais co-

nhecido na atualidade é Paulo Maluf (PP), ex-governador do estado de São Paulo.

Mas a história do ditado vem muito antes desses políticos. Adhemar de

Barros, político brasileiro entre as décadas de 30 e 60, foi quem “levan-tou” essa bandeira primeiro. Bem fei-tor de grandes obras na capital pau-lista, como o Hospital das Clínicas e as rodovias Anhangüera e Anchieta, também foi responsável por deixar grande déficit nos cofres públicas. O lema “rouba mas faz”, inclusive, che-gou a ser usado em suas campanhas políticas.

Adhemar de BarrosO político paulista é o fundador do

ditato “rouba mas faz”. No estado de São Paulo foi interventor entre os anos de 1938 e 1941 (durante a ditadura do Estado Novo), governador eleito en-tre 1947-1951 e 1963-1966. Ele ainda foi deputado estadual entre 1935-1937 e prefeito de São Paulo entre 1957 e 1958. Somando dá 28 anos de vida pública no mais populoso estado e na maior cidade brasileira.

A história do “rouba mas faz” se ini-cia pela “genialidade” de Adhemar em desenvolver a região onde se localiza o bairro Morumbi. O governo do estado, comandado pelo político, forneceu ao apenas loteado bairro, a infra-estrutura necessária. Para quem não sabe, Adhe-mar era proprietário da Imobiliária Ari-canduva que possuia grandes terrenos na mesma região.

As bem feitorias (e os desvios) vão além do Morumbi. Em seu governo, iniciou a obra de construção do metrô em São Paulo. Também foi responsá-

Políticos brasileiros, desde o início da década de 30, utilizam de grandes obras para esconder a corrupçãovel por criar a Faculdade de Medicina de Campinas que deu origem à Uni-camp. A construção das maiores usinas hidroelétricas paulista, Usina Hidroe-létrica de Ilha Solteira e Usina Hidro-elétrica de Jupiá, também começaram em seu governo. Além do Hospital das Clínicas e das rodovias Anhangüera e Anchieta.

CuriosidadeApós a sua morte, Adhemar de

Barros foi alvo de um escândalo. No dia 18 de junho de 1969, membros do movimento guerrilheiro VAR-Palma-res assaltaram, no Rio de Janeiro, um suposto cofre do político que estaria na casa de sua suposta amante, a ex-secretária Anna Gimel Benchimol Ca-priglione.

O episódio ficou conhecido como o “Caso do Cofre do Adhemar”. Par-ticipavam do grupo político que fez o assalto militantes que se tornaram figuras importantes no começo desse século, como a hoje presidente Dil-ma Rousseff e o o ex-ministro, Carlos Minc. Dentro do cofre havia a quanti-dade estimada de R$ 15,4 milhões de dólares.

Paulo MalufCoincidência ou não, a carrei-

ra política de Paulo Maluf começou com sua nomeação para prefeito de São Paulo no dia do falecimento de Adhemar (12 de março de 1969) – na época, sob o regime militar, os gover-nadores e prefeitos das capitais e de algumas cidades eram escolhidos sem eleições.

Considerado o sucessor de Adhemar de Barros, o político paulista também é lembrado quando o lema “rouba mas faz” é citado. Maluf foi responsável por obras de grande porte e que davam vi-sibilidade como o Minhocão, a Rodo-via dos Trabalhadores (renomeada em 1994 como Rodovia Ayrton Senna), a Rodovia Mogi-Bertioga, a Ponte do

Mar Pequeno, o Terminal Rodoviário do Tietê e o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em parceria com Ministério da Aeronáutica.

Maluf já ficou 40 dias preso acusado de intimidar uma testemunha em 2005. Este episódio aconteceu após as graves denúncias de lavagem de dinheiro, for-mação de quadrilha, corrupção e crime contra o sistema financeiro. A Justiça brasileira possui uma série de documen-tos que indicam uma movimentação de US$ 446 milhões em contas no exterior no nome do atual deputado federal.

Londrina

Eleito prefeito de Londrina pela pri-meira vez em 1977, Antonio Belinati re-alizou grandes obras e também responde a mais de 90 processos. Isso faz com que adversários tentem colocá-lo nessa “li-

nhagem” de políticos - rótulo que não é aceito por ele..

Belinati foi responsável pela cons-trução do calçadão de Londrina, pela construção de 20 mil casas populares, dando início aos Cinco Conjuntos, pela ampliação do Serviço de Comunicações Telefônicas, pela construção do Pronto Atendimento Infantil, pela implantação de 2 mil rampas de acesso, entre outras ações.

Em 2000, teve seu mandato cassado pela Câmara Municipal e foi preso duas vezes, ficando um total de 10 dias na cadeia. Segundo o Ministério Público, Belinati formou uma quadrilha agru-pando diversos secretários e assessores. Entre as acusações estão: superfatura-mento de obras públicas, desvio de di-nheiro público, promoção pessoal com dinheiro público, fabricação de licita-ções fraudulentas, peculato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.

Em uma entrevista em que o ob-jetivo era falar sobre o slogan “Rouba mas faz”, a professora

do departamento de Ciência Sociais da Uni-versidade Estadual de Londrina, Maria José Rezende, contextualizou todo o processo de corrupção no Brasil. A seguir, leia alguns trechos da conversa com a professora.

Mosaico: Professora, como começou a história do “Rouba mas Faz”?

R.: Não devemos circunscrever a ques-tão da corrupção na política brasileira a criação do slogan. Dentro de um aborda-gem sociológica e histórica é preciso pen-sarmos um pouco como a questão da cor-rupção se introjeta na política brasileira, se internaliza na política desde a formação do Estado nacional, em 1822. Tem um pensa-dor chamado Silvio Romero, autor do livro “A Oligarquia: o nosso mal maior”, que tem uma passagem bastante interessante em que faz a análise do processo de corrupção nas Assembléias Legislativas dos estados e que diz o seguinte: “o que se tornaram as Assembléias Legislativas dos estados? So-mente ratoeiras para tirar do povo até o últi-mo tostão” e isso ele está dizendo por volta de 1906, 1907.

Esse slogan, com Adhemar de Barros, na segunda metade do século XX, vai ten-tar, na verdade, legitimar a prática da cor-rupção com essa ideia que se rouba mas faz. Faz miséria, faz pobreza, faz a não presta-ção de serviços de saúde, de educação e etc. Porque a história do” rouba mas faz” é como se bastasse a construção de alguns monumentos, estradas, pontes, viadutos, vias que isso dá visibilidade, a população vê que foi feito e esquece de fiscalizar ou não leva em conta a necessidade de fiscali-zar o desvio de recursos.

Mosaico: O slogan do rouba mas faz está ligado à camada mais humilde da po-pulação?

R.: Eu acho que não dá para generalizar dessa maneira. Porque você vai encontrar pessoas dos diversos segmentos sociais que se beneficiam dessa história. Muitos setores da classe média são completamente alheios à vida política e são também porta-dores desse sentimento. Tem até um certo preconceito em relação as chamadas classes populares ao dizer “olha, é a classe popular, são os mais pobres, que legitimam essa prá-tica”. O que não é verdade. Nesses setores populares, tem muitas pesquisas que você escuta que há também muito constrangi-

mento quando vem à tona que aquele candi-dato que eles tinham expectativa de que fosse eleito está praticando procedimentos irregu-lares, envolvido em corrupção.

Não podemos fazer esse tipo de genera-lização porque isso é muito fácil, você joga a responsabilidade pela eleição constante de indivíduos corruptos na política brasileira so-bre um grupo somente. Será que quando o Adhemar de Barros fala esse slogan ele esta-va se referindo mesmo às classes populares? Ou será que ele estava se referindo às outras classes, aos outros grupos que têm interesses imensos em “rouba mas faz”, mas faz o quê? Faz um pontilhão, faz uma estrada, faz um viaduto e têm indivíduos interessados que se-jam feitas essas obras porque são empreitei-ros que pegam o serviço. Não dá para dizer que quando ele disse isso, ele estava dizendo para o pobre.

Como diz Sérgio Buarque de Holanda, o que existe no Brasil são os chamados figuran-tes mudos que são chamados na hora da elei-ção e que depois não há muitos mecanismos de controle do processo de desenvolvimento e do desenrolar da própria governância. Por que ele não tem esse controle? Ele não tem esse controle porque não há no interior da sociedade civil fortes formas de organização e de criar, até mesmo possibilidade de cons-cientização em torno do que é o estado, do que é o dinheiro público, do que é o controle, do que é a cobrança e ele não pode, evidente-mente, de uma hora para outra, sacar formas e obter esse controle, porque esse controle tem que ser criado historicamente, tem que ser criado ao longo de décadas por isso que se nós temos uma situação que leva a eleição de determinados governantes, de determina-dos políticos, nós temos que ver qual é o pen-samento que levou a isso ocorrer.

Mosaico: A senhora acha que nós esta-mos em um atraso político?

R.: Claro que a organização política bra-sileira, do ponto de vista de construir atores e políticos com capacidade de balizar a ação de dirigentes, está muito atrasada. A nossa revolução é construir uma sociedade demo-crática. Mas para construir uma sociedade democrática, nós precisamos ter atores polí-ticos capazes de balizamento das ações dos dirigentes. Nós temos, ao longo do processo político, a instauração de muitos vícios polí-ticos que entram, penentram e interpenetram-se até mesmo nas tentativas de organização da sociedade civil. Muitas vezes, as práticas políticas dentro da organização da sociedade

civil, ou seja, sindicato, associações, organi-zações, representações de classe, movimen-tos sociais são interpenetrados por vícios políticos, como clientelismo, personalismo, formas autoritárias que fazem com que não se avance no processo de desenvolvimento de um procedimento político.

Mosaico: Quais as ações que a popula-ção pode fazer para mudar esse cenário?

R.: Nós não temos como dizer quais ações se deve tomar. A distribuição do po-der e novos equilíbrios de poder é algo mais complexo que nós temos diante de nós. A pergunta que você faz é a seguinte: como construir novos equilíbrios de poder? Novos equilíbrios de poder para balizar as ações do Estado, as ações dos governantes para que tenhamos possibilidade de uma outra práti-ca política não fundada na corrupção moral, material ou política. A distribuição do poder se faz através da construção de agentes capa-zes de colocar na arena política coordenada e formular e pautar a agenda pública. Esse é um processo que depende de uma organi-zação da sociedade civil que passa por um reordenamento das próprias práticas no inte-rior da própria sociedade civil. É preciso que haja uma geração de embates e de processos e procedimentos políticos em que os diversos grupos e organizações para colocar dentro da arena política suas demandas, se enfrentar nas suas diverenças e constituir processos de distribuição de poder. Como fazer isso? Teríamos que ter na sociedade brasileira a possibilidade de reorganização e de novas organizações e novas práticas políticas que emergissem não só horizontalmente, mas também verticalmente. Tem algumas coisas sendo feitas, só que nós não sabemos e, pro-vavelmente, não serão suficientes para con-ter o processo político arragado de produção. Juntamente com a existência de uma lei que estabelece novas ações de Estado, é preciso também que se estabeleçam procedimentos que efetivem a existência da lei, porque a lei por si só não se efetiva. Nós não podemos deixar de levar em conta que temos um histó-rico de contenção e violência contra a própria organização da sociedade civil. Toda as ten-tativas de avanço da sociedade civil sempre foram atingidas por formas violentas. No co-meço do século, Washington Luiz dizia que questão de greve não é questão social é ques-tão de polícia, eu ponho a polícia para bater nos trabalhadores. Depois o Estado Novo extremamente autoritário que na verdade ele vai tutelar qualquer ação dos trabalhadores.

Entre os anos de 46 a 64, tem a possibili-dade de dispertar qualquer forma efetiva, porque tinha organizações no campo não só do trabalho, mas da cultura, política, uma porção de reinvidicações, de greves, de ma-nifestações, de ações de diversas estudan-tes. Tem uma efervecência desse proces-so. Havia uma conjuntura favorável onde estava se criando isso que você pergunta. Naquela conjuntura estava se fazendo. Uma porção de questões, de manifestações esta-vam ocorrendo que poderiam resultar em um Brasil efetivamente com esse caminho, esse percurso com uma outra prática polí-tica. Em 64 vem o golpe militar e parali-sa inteiramente a vida política. A partir daí ninguém podia reinvindicar absolutamente nada, qualquer reinvidicação podia ser en-quadrada dentro da lei de segurança nacio-nal e era punido pela delegacia. A ditadura militar destruiu uma conjuntura extrema-mente importante, que vai refletir ao longo de 100, 200 anos no Brasil o que aconteceu no período de 64 a 84.

Uma questão que tem deixado a popu-lação significativamente desanimada é a de que há o Ministério Público investiga, faz a denúncia, a Polícia Federal faz a investi-gação, prende-se um pouco aqui e ali, um ou outro. De repente, eles estão soltos no-vamente, não conseguem retirar seus patri-mônios e esses indivíduos não têm de fato a punição que a sociedade gostaria de ver e vislumbrar. Na medida que não existe isso, cria uma descrença.

No meu entender existem algumas se-mentes, alguns avanços para um futuro. Sementes essas plantadas dentro do próprio Estado, através das formas de controle que têm tentado estabelecer, a partir da Cons-tituição de 1988. Sementes essas que têm dado fruto na medida que há efetivamente um processo maior de investigação, de estar buscando compreender, buscando até mes-mo a prisão daqueles que estão envolvidos. Há ainda muita coisa a se fazer do ponto de vista da efetividade das ações que levem a uma punição. O mais grave das denúncias é a questão da sensação de impunidade e que acaba por criar desânimo significativo. É preciso, efetivamente, que aquele segmen-to, aqueles setores que são incumbidos de levar a questão da punição sejam capazes de obter os elementos para tomar medidas efetivas, restituir os cofres públicos o que lhes foi tirado e impedir que esses indivídu-os sejam reeleitos.

Adhemar de Barros

Paulo Maluf

Janine Moraes

memoriaviva.com.br

“A população vê que foi feito e esquece de fiscalizar”

ENTREVISTA

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Page 12: Mosaico Escândalos

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“Lobby” é uma palavra da língua inglesa que significa ante-sala ou corredor, lugares onde políticos e lobistas se reuniriam extra-oficialmente para negociar alguma decisão pública

Charton Heston foi um ator americano famoso por inter-pretar personagens heróicos

em filmes como Ben Hur e Planeta dos Macacos. Heston morreu de-fendendo o livre comércio de armas de fogo. “Eu te darei minhas armas quando tirarem-nas das minhas mãos frias e mortas”, disse uma vez. Foi presidente da Associação Nacional do Rifle (NRA em inglês) americana, en-tidade que defende o direito às armas de fogo junto ao governo americano. Nos EUA, grupos com um interesse em comum são livres para pagar re-presentantes que pressionam mem-bros dos poderes executivo e legisla-tivo em favor dessas causas. Essa é a função do lobista americano, que, diferente do brasileiro tem carteira de trabalho assinada e age dentro da le-galidade.

No Brasil a palavra “Lobby” tem relação histórica com escândalos po-líticos. A linha que separa a negocia-ção política saudável aos interesses coletivos da corrupção egoísta pode ser tênue, principalmente num país onde a falta de regulamentação faz com que os lobistas fiquem livres para atuar à margem da lei. Essa é a opinião do coordenador do curso de Direito da Faculdade Pitágoras, Fábio Benfatti. O especialista diz que regu-lamentar o lobismo é um dos cami-nhos para diminuir a corrupção. “Na administração pública não pode haver nenhum tipo de segredo”, diz. Para ele, a regulamentação deve servir para diferenciar aqueles que agem com má fé daqueles que bri-gam por direitos que genuinamente repre-sentam uma coleti-vidade. “Temos gru-pos organizados que fazem lobby pelo direito das minorias, por exemplo. Isso é perfeitamente legítimo”, diz.

Lobby: pode ou não pode?

Por esse motivo, o advogado tra-balhista César Bessa também é a favor da liberação de alguns tipos de lobby. Para ele, a proibição da

prática pode ser classificada como a negação de um direito político. “É claro que um con-luio de pessoas que querem se apro-priar de dinheiro público é crime, já tem a lei de im-

probidade administrativa [enrique-cimento ilícito de agentes públicos]

para isso”. Mesmo a favor de alguns tipo de lobby, Bessa não é a favor da regulamentação por lei. “Claro que não estou defendendo corruptos, mas legalizar isso é desnecessário porque podemos cair numa sociedade onde tudo precisar ser re-gulamentado, até o jogo político normal e saudável.”

Basta uma olha-da no noticiário para chegarmos à con-clusão de que o lobby está presente tanto na política, como nos esportes. Segundo Bessa, um olhar atento ao

cotidiano do cidadão comum revela que todos os que praticam aquelas pe-quenas barganhas diárias para burlar uma regra são lobistas em potencial. “A corrupção na política é o reflexo da desmoralização da sociedade. Não

é só na política: o rico é corrupto, mas o pobre é corrupto também”, afirma. Benfatti completa: “Quando as pessoas buscam vantagens

no dia-a-dia, sonegando um pequeno tributo, por exemplo, elas estão co-metendo um ato de improbidade”.

“Na administração pública não pode haver nenhum tipo de segredo”, diz especialista

Folha.com

“Governo fará lobby pela banda larga”

10/05/2011

“Presidente do Corinthians faz 'lobby' na Câmara e pede incentivos ao Itaquerão”

O Estado de S. Paulo21/06/2011

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POR MURILO PAJOLLA

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Page 13: Mosaico Escândalos

O desvio de dinheiro público não afeta somente os cofres, mas também a própria dinâmica da concorrência e da oferta de ser-viços. Os professores André Car-raro (UFPEL), Adelar Fochezatto (PUCRS) Ronald Otto Hillbrech (UFRGS) escreveram um artigo publicado em um encontro da As-sociação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia no

Por exemplo, só os investimentos do PAC, em Londrina, previam cerca de R$ 6 milhões para a execução de três obras, duas na área de saneamen-to e uma de habitação: cinco vezes menor que o montante desviado.

Cada casa do programa Minha Casa, Minha Vida, conforme valor divulgado pela Reuters, custa em média R$ 55,2 mil reais. Como valor desviado no escândalo, seria possível construir mais de 550 casas. Isso sem a população colocar a mão no bolso.

A verba desviada no escândalo Ama/Comurb seria o suficiente para custear as despesas com obras e insta-lações que a Prefeitura teve em 2010. Outros gastos fixos como a merenda escolar giram em torno de 100 mil mensais, conforme informações da Prefeitura. Com o dinheiro desviado, seria possível abastecer o lanche nas escolas por mais de dois anos.

Recursos desviados dos cofres públicos poderiam representar a melhora dos serviços públicos, além de na dinâmica econômica

Quanto a corrupção é nociva à economia?

Ludicamente é possível compreen-der a nocividade da corrupção, com-parada aos gastos públicos fixos. E os exemplos são muitos: saúde pública, saneamento básico, infraestrutura, se-

gurança, etc.A corrupção e a má administração

do dinheiro público são fatores que geram insatisfação quase que homo-gênea.

uando mudei para Londrina, em 2008, minha mãe sempre me perguntava sobre o Belinati e

das consequências de seu mandato. Lá de Campo mourão ela acompanhou o escândalo do ex-prefeito e o sentimen-to de revolta permaneceu; mesmo não sendo londrinense, mesmo ele sendo deposto do cargo. Minha mãe costu-mava dizer que Londrina era uma ci-dade boa, mas que tinha o Belinati.

Carmas à parte, já se passaram 11 anos desde que o “Tio Bila” deixou a prefeitura londrinense mas, mesmo assim, seu fantasma ainda vaga pela cidade. Postos de Saúde e escolas cria-dos nas gestões de Antônio Belinati são os resquícios daquela época. A questão que fica no ar é o que pode-ria ter sido feito com a quantia que foi desviada.

O escândalo Ama/Comurb atingiu bem mais que o norte pioneiro e foi parar até no Fantástico. Durante a dis-cussão, cassação e todos os outros in-cidentes, o jornal O Estado de S. Pau-lo divulgou que o valor desviado pela corrupção chegava a R$ 200 milhões. Entretanto, os trâmites legais traba-lham com o valor de R$ 14 milhões.

Belinati é réu em mais de 90 ações cíveis ou criminais. Estes R$ 14 mi-lhões é o que Antônio Belinati deveria devolver – junto com outros acusados – aos cofres públicos caso seja conde-nado.

O economista e professor da UEL, Sinival Pitaguari, ajudou nossa repor-tagem e atualizou o valor devido, caso a cobrança fosse efetuada hoje. “A dívida deve ser atualizada conforme valores das taxas anuais de inflação medida pelo IPCA (índice oficial de inflação utilizado pelo governo fede-ral). Hoje, os R$ 14 milhões estariam corrigidos, conforme esse índice, para R$ 31,823 milhões.

A quantia elevada abalou os cofres públicos. A administração dessa verba poderia fazer muitas obras e mesmo abastecer os gastos mensais da cidade.

QPOR MARCIA BOROSKI

A conversão

A verba desviada no escândalo Ama/Comurb seria suficiente para construir mais de 550 casa populares

Corrupção x Economiaqual discutem estes impactos eco-nômicos ocasionados pela corrup-ção. Um trecho do artigo fala que “A corrupção é afetada negativamente pela possibilidade de concorrência na oferta do bem público e, segundo, corrupção é afetada positivamente pelo potencial de lucro que o produ-to ou serviço desejado gera”.

No nosso modelo econômico, a li-berdade do mercado é essencial para

incentivar a expansão econômica e o lucro da indústria nacional. Ou seja, o desvio de verba públi-ca afeta indiretamente as políticas industriais, comerciais e até de comércio exterior. Os efeitos do desvio de recursos públicos co-metidos por políticos, como An-tonio Belinati, vão além de obras necessárias, mas que não saíram do papel.

Diariamente, são servidas 60 mil refeições na rede municipal de ensino. O dinheiro desviado seria capaz de sustentar essa despesa por mais de dois anos

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Page 14: Mosaico Escândalos

TATIANE HIRATA

Fernando Collor de Mello, o primei-ro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar, não

acabou o seu mandato. Diversos setores da população exigiam, a saída do charmoso “ca-çador de marajás” alagoano que abrira as por-tas do mercado brasileiro para a concorrência estrangeira.

O tiro único de Collor contra a inflação fal-hou. Depois de efêmeros meses de eficácia, o malogrado plano econômico arquitetado pela ministra Zélia Cardoso de Mello gerava não mais que insatisfação popular. A inflação per-manecia sempre superior a 20% e uma pro-

funda crise de legitimidade atingia o governo, alvo de denúncias de corrupção que envol-viam vários ministros e assessores do presi-dente, além da primeira dama, Rosane Collor.

A deflagraçãoO pior estava por vir. Em maio daquele

ano, a revista Veja publicava a histórica re-portagem de capa com Pedro Collor, irmão do presidente Fernando, a quem um desen-tendimento familiar levaria a denunciar um extenso esquema de corrupção existente no governo, comandado por Paulo César Farias, tesoureiro da campanha presidencial. PC Far-ias foi acusado de enriquecimento ilícito, ob-tenção de vantagens do governo e, principal-

mente, profundas ligações comerciais com o presidente.

Pressionado, no mês seguinte, o Con-gresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a fim de investigar as denúncias, enquanto no-vas evidências de corrupção vinham a público pela ação da imprensa.

O resultado foi a abertura do pro-cesso de impeachment, aprovado pelo Congresso Nacional em 29 de setembro de 1992. Para evitá-lo, Fernando Collor renunciou em 30 de dezembro, dia em que seria jul-gado pelo Senado.

À época dos escândalos envolvendo o governo de Fernando Collor de Mello, várias frentes de organizações sociais pas-saram a atuar para dar uma resposta àquilo que vinha acontecendo no cenário político, como explica o jornalista e professor uni-versitário Rozinaldo Miani, que residia em São Paulo e estava envolvido nessas inter-venções populares. De acordo com o profes-sor, a frente de maior visibilidade foi a de deputados, que se mobilizaram, na tentativa de fazer uma negociação com vistas a di-minuir o impacto das denúncias dentro da institucionalidade.

Mas a sociedade civil também estava se organizando para dar sua resposta. “De uma forma pontual, dois setores da socie-dade se mobilizaram de maneira mais efe-tiva: os estudantes, que ficaram conhecidos pelo movimento dos caras-pintadas, tentan-do, pela própria vitalidade da juventude, manifestar-se diante daquilo. Tomaram as

ruas, protagonizaram os movimentos mais massivos de que se teve notícia, mas houve outra frente de organizações que também passou a fazer a sua manifestação contra a permanência do Collor na presidência, que foi o movimento sindical”, afirma.

Nesse período, Miani tinha uma vincu-lação política com o movimento sindical. Atuava na esfera de influência CUT (Cen-tral Única dos Trabalhadores), que debatia duas propostas: “uma delas derivada de um setor do movimento sindical que estava mais suscetível a aceitar esse movimento in-stitucionalizado de impeachment do Collor. Exigia a saída do presidente, mas através daquilo que o impeachment estabelecia, que era a saída do presidente e a posse do vice, Itamar Franco”, conta.

O setor do movimento sindical ao qual Miani estava vinculado, entretanto, defen-dia outra posição: as eleições gerais. “De-fendíamos que toda aquela articulação que

levou à vitória do Collor estivesse, de alguma forma, desqualificada de dar continuidade ao governo; que o impeachment incidisse não apenas sobre o Collor, mas sobre todo aquele contexto que resultou na vitória dele. Teríamos eleições novamente para presidente e também para o parlamento”.

De acordo com Miani, a justificativa para que não houvesse novas eleições gerais permeava o discurso pela necessidade de garantir a estabilidade política em um mo-mento de restabelecimento da democracia, em nome da ‘constitucionalidade’.

“Nós vínhamos de um momento bastan-te tumultuado da história brasileira, que foi o período da Nova República, um momento de transição de uma ditadura para uma so-ciedade supostamente democrática, e ha-via uma insegurança de que a democracia poderia não resistir se não fossem garanti-dos os preceitos constitucionais”. (TH)

Oito anos antes, a população saía às ruas para brigar pelo voto direto que ele-geu Fernando Collor de Mello, o mesmo que agora protagonizava os escândalos de corrupção que impulsionaram outro movimento popular: o “Fora Collor”.

Para o jornalista e professor univer-sitário Rozinaldo Miani, embora alguns personagens tenham sido recorrentes nos dois movimentos, o cenário político já ha-via mudado bastante. “É preciso não criar um mito em torno da mobilização pelo im-peachment. A saída do Collor não carac-terizou uma queda popular, foi apenas a opinião manifestada nas ruas sendo cap-tada pelo parlamento”.

O movimento das Diretas Já tinha outro contexto, o de luta contra a ditadu-ra: “houve uma mobilização que envolveu diversos setores da sociedade e diria até que foi mais espontâneo. Aquilo represen-tava de fato o interesse daquelas pessoas que participaram efetivamente daquele movimento. Queriam as eleições, queriam a passagem da sociedade brasileira para uma democracia”. No caso do impeach-ment, para o jornalista, muitos acabaram votando por força da condição em que es-tavam. (TH)

Com direito a barraco em família, governo de Collor foi marcado por crise de legitimidade e sucessivas acusações de corrupção

Escândalo na Casa da Dinda

Mobilização popular impulsionou cassação “A saída do Collor não caracterizou

uma queda popular”

Das “Diretas Já” ao “Fora Collor”

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Page 15: Mosaico Escândalos

Corrupção em efeito dominó

POR FERNANDA CAVASSANA

Quando um prefeito tem seu mandato cassado, o vice-prefeito assume seu cargo e a cidade continua com sua vida política. Mas o que esperar de uma cidade que teve o prefeito, o vice, e 9 dos 12 vereadores presos?

Monumento do Colono (mão do bráz) principal marco da cidade sulmatogrossense que teve o maior escândalo político no estado nos últimos anos. O monumento é

uma homenagem aos colonos e trabalhadores de Dourados

Ex-prefeito Ari Artuzi negou envolvimento mesmo depois de ser preso e filmado

pagando propinas a vereadores

O episódio ocorreu no mu-nicípio de Dourados, inte-rior de Mato Grosso do Sul

(MS), em setembro do ano passado na Operação Uragano, deflagrada pela Polícia Federal (PF).

Além do prefeito Ari Artuzzi (PDT); do vice Carlos Roberto Ber-nardes; e dos nove vereadores; tam-bém foram presos a primeira dama, secretários municipais e funcioná-rios. Todos envolvidos no esquema de corrupção que ligava o executivo, o legislativo e empresários da cidade.

Segundo o delegado da PF em Dourados, Braulio César Galloni, em entrevista ao jornal da cidade “O Progresso”, as licitações da cidade eram direcionadas por meio de cor-rupção de servidores públicos e agen-tes políticos. As empresas cúmplices do esquema ganhavam as licitações e devolviam até 50% do valor para o prefeito. Esse dinheiro ainda era usado para a prefeitura pagar propina aos vereadores, além da compra de bens de uso particular pelo prefeito. A negociação com os vereadores era para que não houvesse oposição aos projetos do Executivo.

As investigações da Uragano co-meçaram em maio, com a denúncia do ex-assessor do prefeito Ari Artu-zzi, o jornalista Eleandro Passaia. Ao sair da secretária de Comunica-ção e mudar de cargo, Passaia des-cobriu que longe de ser uma asses-soria de imprensa, sua nova função como secretário de Governo envol-via o acerto com as empresas e o pa-gamento dos vereadores. Segundo o informante, ele chegou a receber a proposta de pagamento de até R$ 100 mil para participar do esquema. Assim que foi informado, Eleandro Passaia procurou a PF.

A partir da denúncia, a Polícia Federal abriu investigação e contou com o apoio do secretário e assessor do prefeito, que gravou o pagamen-to de propinas aos vereadores, es-quemas de licitações e outras frau-des na prefeitura.

Vacância O modelo constitucional brasi-

leiro impõe que nos casos de cargos não preenchidos ou em caso de im-pedimento, a linha de substituição contemple, impreterivelmente, de-tentores de cargos próprios aos Po-deres da República: Executivo, Le-gislativo e Judiciário. Além disso, mesmo no caso de uma substituição regular, exige que sejam feitas elei-ções rapidamente no caso de vacân-cia; isso ocorre para que se evite ao máximo o exercício ilegítimo do po-der político pelo agente substituto.

Caso o prefeito deixe o cargo quem assume é o vice-prefeito, se o vice-prefeito não assumir, quem as-sume é o presidente da Câmara dos Vereadores. Como nesse episódio, todos os ocupantes dos três cargos citados acima, foram presos, o juiz Eduardo Machado Rocha, diretor do Fórum, foi nomeado prefeito interi-no acatando o pedido do Ministério Público Estadual (MP-MS).

A medida requerida pelo MP-MS foi adotada tendo em vista a falta de Lei orgânica em Dourados. De acordo com a doutora em Direito do Estado pela UFPR, Eneida Desiree Salgado, a lei orgânica do município deve especificar como será a suces-são e a substituição, em caso de im-pedimento temporário, do prefeito e do vice-prefeito. A estipulação dos eventuais substitutos ou sucessores não pode, no entanto, afastar-se, no

que for possível, dos dispositivos da Constituição Federal e da Constitui-ção Estadual.

Deve-se dar preferência à reali-zação de uma nova eleição, para que o modelo consticional democrático brasileiro seja respeitado.

Nova eleiçãoEm 1º de dezembro de 2010, após

estarem 93 dias presos, o prefeito Ari Artuzzi e o vice Carlos Roberto

renunciaram a seus cargos. Assim, no dia 6 de fevereiro de 2011, os eleitores de Dourados puderam vol-tar às urnas, em eleições suplemen-tares, para eleger o novo prefeito da cidade.

*Retirado do artigo “A Competência Le-gislativa Municipal para a Inovação da linha substitutiva em caso de Impedimen-to ou Vacãncia do Prefeito Municipal” de Eneida Salgado e Emerson Gabardo

Ao sul so estado, Dourados é a segunda maior e mais importante

cidade de MS, com 182 mil habitantes

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Page 16: Mosaico Escândalos

A charge e seu papel nos escândalosRAFAEL SANCHEZ

Quando acontece um escândalo po-lítico, econômico ou social a im-prensa se mobiliza a fazer uma co-bertura completa e séria, abordando todas as suas vertentes possíveis.

A charge, assim como qualquer outro gênero de produção jornalística, tam-bém tem o papel de apresentar infor-mações sobre esses episódios e, pela própria natureza da produção chárgica, estabelecer uma perspectiva crítica, de opinião a respeito desses episódios. É o que afirma Rozinaldo Miani, professor do departamento de Comunicação da UEL e coordenador de um projeto de extensão para discutir a implantação do neoliberalismo no Brasil na primeira me-tade da década de 90 a partir das charges.

Para ele a charge tem o poder de fa-zer a crítica ser um pouco mais incisiva, indo além do aprofundamento jornalísti-co dado normalmente. “Muitas vezes a preocupação jornalística com certa im-parcialidade, objetividade em relação a algumas informações faz com que o tra-tamento dado a esses episódios às vezes não abordem questões que mereçam al-gum tipo de aprofundamento e de crítica um pouco mais ácida para fazer com que o leitor e a população de maneira geral possam compreender melhor os moti-vos e as implicações desses escândalos.”

Sassá, chargista do Jornal de Londri-

na, afirma que os escândalos facilitam a vida dos cartunistas, já que podem tra-balhar com uma sequência de charges durante uma semana, por exemplo. E esses profissionais têm um pouco mais de liberdade, mas não podem se des-preocupar com possíveis processos ju-rídicos. “Nós podemos ser processados quando cometemos injúria, calúnia ou difamação. Por isso as charges devem sempre seguir as notícias publicadas, os fatos. Além disso, toda charge dá mar-

gem a mais de uma interpretação, dei-xando as questões para o leitor decifrar ao invés de solucioná-las”, explica Sassá.

Segundo Miani, assim como qualquer outra atividade que possa infringir a lei de imprensa, o chargista pode ser acionado juridicamente para responder sobre o que desenhou, mas é um processo com o qual muitos não sabem lidar. “No plano do jor-nalismo e da ética jornalística a gente tem uma certa imprecisão de como lidar com esse tipo de material para efeito de impe-

trar qualquer tipo de denúncia, então aca-ba que a própria condição humorística e lúdica da charge faz com que muitas vezes a possibilidade da pessoa reivindicar uma retratação daquilo que está sendo apresen-tado seria um pouco mais complicado”.

Porém os chargistas sofrem censura sim, inclusive dentro da própria redação, para que não se excedam, e então os próprios chargistas acabam se manifestando como isso se dá dentro das redações, como con-ta o docente. “Às vezes são alteradas, às vezes não são aceitas, mas é um espaço em que surgem muitas críticas e opiniões que acabam não aparecendo no texto a respeito desses episódios”. Miani ainda completa que o chargista tem que lidar com informações, então. Por mais que a charge exagere ao retratar o noticiário, ainda assim tem que estar respaldada em elementos da própria realidade, dos fatos.

Sempre há as charges marcantes. Para Sassá, a sequência de charges que foi mais aceita e é lembrada até hoje pelos leitores, é uma que retrata o ex-prefeito Antonio Belinati. Já para o professor da UEL, as melhores charges envolve-ram o impeachment do presidente Fer-nando Collor de Mello, em 1992. “Não só chargistas ligados a organizações de trabalhadores, sindicato, movimentos populares, mas a grande imprensa. Foi um momento bastante rico desse tipo de charge, e acho que é um exemplo bastante significativo disso”, completa.

Imprensa como partido políticoSARA HERMÓGENES

Perseu Abramo, em seu livro Padrões de manipulação na Grande Imprensa, que se tornou uma bíblia para estudantes e profis-sionais de Jornalismo, dedica um subcapítu-lo a explicar o poder político da imprensa: “(...) os órgãos de comunicação se transfor-maram em novos órgãos de poder, em órgãos político-partidários, e é por isso que eles pre-cisam recriar a realidade onde exercer esse poder, e para recriar a realidade precisam manipular as informações”. Para melhor exemplificar sua teoria, Perseu recorre a 10 analogias que provam similaridades entre par-tidos e imprensa, como a representatividade.

Ayoub Hanna Ayoub, professor de Jor-nalismo, defende que este comportamen-to não é tipicamente brasileiro: “É uma

segundo, reuniu os barões da imprensa e ordenou que parassem de mostrar dados negativos de seu governo; caso contrário, renunciaria e, por conseguinte, estes do-nos das mídias perderiam seus privilégios.

Ao final de seu texto, Perseu Abramo se mostra otimista em relação ao comporta-mento do público: “(...) passarão a tratar os órgãos como eles se apresentam e se com-portam, isto é, como entes político-partidá-rios, e não como instituições de informação e conhecimento, acima do Bem e do Mal...”. Ou seja, conforme chegar ao conhecimento do público as artimanhas da grande impren-sa em busca de interesses privados, e tam-bém com o aumento da educação adquirida pelo povo, a mídia será forçada a mudar seu comportamento. Caso contrário, será tratada como partido, mas sem ganhar a disputa.

Mas não foi somente na Ditadura Militar que a imprensa usou seu poder de mani-pulação para mudar os rumos do país. Nas campanhas de 1989, 1994 e 1998, a grande imprensa uniu forças para impedir a vitória do Partido dos Trabalhadores, manipulando debates, retratando o então candidato do PT à presidência Lula como uma pessoa mal instruída, sem conhecimento e, portanto, sem competência para governar um país. Por outro lado, os candidatos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Car-doso tinham um espaço muito maior na TV, em especial na Rede Globo, e nos jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, com uma imagem sempre positiva. Em um artigo de Bernardo Kucinski, ele revela um episódio em que FHC, no meio de seu primeiro mandato e almejando o

mania de todos os donos da imprensa. Há muitos anos a imprensa manipula in-formação em função do interesse especi-fico empresarial e de opção partidária”.

Ele explica que isso torna-se um agravante a partir da declaração da presidente da Asso-ciação Nacional de Jornais, Judith Brito, que certa vez em uma palestra afirmou com to-das as letras que a oposição no Brasil é muito fraca, não desempenha o seu papel de oposi-ção, por isso cabe à imprensa desempenhar. Ou seja, os próprios representantes das em-presas de comunicação afirmam que agem como partidos políticos. “Quando eles são a favor do governo, agem como partido polí-tico de sustentação. Contra, de oposição. À época da implantação da ditadura militar no Brasil, a postura da imprensa brasileira foi não só de partido, mas uma postura golpista”.

Charge do impeachment deCollor, um dos escãndalos mais marcantes do Brasil

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Page 17: Mosaico Escândalos

A sétima arte e a políticaCinema e política sempre tiveram uma ligação muito forte. Essa edição do Mosaico traz um

guia para você conhecer o que há de melhor dessa vertente cinematográfica

O cinema sempre teve uma ligação muito próxima com a política. Seja como um veículo para a defesa de ideais ou apenas como um retrato histórico de fatos, a sétima arte já criou obras de destaque e relevância envolvendo o assunto aber-

tamente ou implicitamente. Dentre as muitas obras temos a reprodução de momentos importantes da história como o caso Watergate, temos biografias de figuras importan-tes da política como Nixon, John Kennedy e até mesmo Harvey Milk e também filmes

que a uma primeira olhada não passam de entretenimento, mas que podem muito bem ser analisados por seu viés político, como garante o crítico de cinema Carlos Eduardo Lourenço Jorge: “O conceito de filme político se esparrama. Até dramas pessoais, mais intimistas, podem contar com um componente político importante”.

Para quem gosta do gênero, quer conhecer ou está a fim de entender melhor, segue abaixo um roteiro com importantes obras e diretores indicados por Carlos Eduardo junto com sua visão dessa vertente do cinema.

““O viés hollywoodiano é tratar de assuntos sérios com uma roupagem de entre-tenimento. Fazer filmes para serem vistos. Normalmente contam com grandes astros que, mesmo fazendo papéis diferentes do esperado, fazem as pessoas irem ao cinema para vê-los. É preciso que haja um apelo para que os filmes circulem. Quando não há apelo, esses filmes ficam reclusos, em um gueto de cinéfilos. Nesse momento esses filmes perdem um pouco o foco. Entre os prin-cipais exemplos do cinema norte americano temos filmes politicamente osten-sivos como ‘Todos os Homens do Presidente’, ‘Nixon’, ‘O Candidato’. Todos são filmes que tratam da política mais visível, partidária, os grandes embates entre os partidos e as ideologias que se confrontam”.

““O cinema americano, quando trata de política, trata a par-tir de um ponto de vista muito liberal. É o chamado libera-lismo democrático, ligeiramente à esquerda, especialmente ligado às cabeças pensantes dos anos 70, como Warren Be-atty, John Frankenheimer e Arthur Penn. Eles faziam fil-mes muito interessantes que tratavam de política sem ser necessariamente partidária. Um dos filmes políticos dessa época que é muito bom é ‘Sob o Domínio do Mal’, que é extremamente político, excelente e ainda conta com uma roupagem de suspense”.

““Gosto muito do cinema estadunidense, hollywoodiano, prenunciando o indie, que tratava da interferência do estado através da CIA e de outros organismos relacionados ao país. Teve um determinado momento, nos anos 70, década que mais gosto do cinema feito em Hollywood, exatamente por causa dessa ousadia e atrevimento. Eles usavam recursos da indústria e buscavam clarear certas nebulosidades do poder político e civil paralelo que caminha junto com o oficial. Tem um filme recente com o Sean Penn e a Naomi Watts chamado ‘Jogo de Poder’ que é muito interessante ao tratar da desmoralização da teoria da existência das armas de destruição em massa no Iraque por uma agente da própria CIA. Há essa coisa de ficar revirando, revolvendo e buscando aquilo que é podre dentro da nação e colocar isso no cinema”.

“Destaco também, nos anos 70, filmes do diretor Alan J. Pakula (responsável por ‘Todos os Homens do Pre-sidente’ e com um currículo voltado para o cinema político com obras como ‘O Dossiê Pelicano’ e ‘Inimigo Íntimo’), um diretor ótimo. Dentre seus filmes, um dos melhores é ‘A Trama’, que trata sobre o poder parale-lo desenvolvido nos EUA. É um filme kafkiano que trata da questão da privacidade, sem deixar claro de onde vem e para onde vai. Outro destaque das produções do gênero é um filme do Francis Ford Coppola chamado ‘A Conversação’. É um filme que, além de ser um monumento em relação à construção, tem um suspense ótimo e com uma atuação destruidora do Gene Hackman. Ele é a síntese de uma época, metafórico sobre como está o país, como as pessoas estariam se sentido e vulneráveis a um processo maior e desconhecido. Já no começo dos anos 80, Brian de Palma lançou um filme chamado ‘Um Tiro na Noite’, estrelado pelo John Travolta que é extremamente político, inclusive tratando de um atentado”.

““Fora do cinemão americano, um filme que vale a pena é um do Michelangelo Antonioni chamado ‘Blow-Up’, coprodução entre Itália e Reino Unido, que trata especi-ficamente dos anos 60, mas que você pode perfeitamente puxar e ver o filme como uma análise de fatos políticos”. Carlos Eduardo ainda destacou o Cinema Novo Alemão dos anos 70 e 80 como uma excelente fonte de obras do gênero.

““Costa-Gravas é um diretor com grandes filmes políticos e bons como ‘Z’, ‘Estádio de Sítio’ e ‘A Confissão’. Ele é um dos cine-astas mais políticos, mas muito à esquerda, nesse tipo de filme a ideologia pesa mais e busca se dirigir a um público que já espera aquela visão. Esses filmes ficam reclusos àquele público. Se con-tam com a simpatia de boa parte da crítica, não contam com a adesão do grande público. Temos também o checo Milos Forman, que fez filmes sobre a primavera de praga. Se formos pesquisar, encontraremos grandes cineastas europeus com uma excelente produção ligando o cinema com a política”. “Barbet Schröder fez um documentário chamado ‘O Advogado do Terror’, que trata da relação cliente-advogado e da ética ao relatar a vida de um ad-vogado de grandes criminosos da mídia que fazia de tudo para provar a inocência de seus clientes que eram reconhecidamente culpados”.

““No Brasil, o Cinema Novo foi marcada e ideologicamente político, mas com um di-vórcio quase que total com o grande público. As obras eram pouco vistas, basicamente os cineastas se viam. Não tinham resposta do público porque eram filmes muito críti-cos, fechados, monolíticos. A culpa é também ligada à aridez do tema e ao momento político, quando a censura estava mais forte. Os filmes que existem são um retrato daquela época, são cultuados e os cineastas responsáveis se tornaram extremamente conhecidos, como Cacá Diegues, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e Nelson Pereira dos Santos. Esse cinema foi revolucionariamente estéril, as discussões eram fortes, mas estéreis porque a linguagem tinha que ser cifrada e tinha que ser esteticamente bastante complexo. Os escândalos eram os filmes, eles não trata-vam de escândalos da política, eles procuravam soluções, saídas para aquela situação política. Além disso, esses filmes sofriam com uma vaidade muito forte, porque esses cineastas se projetaram no exterior, faturaram muitos festivais, tornaram o cinema bra-sileiro o mais premiado da época, mas o menos visto”.

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BETO CARLOMAGNO

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THAÍS YAMANARI

Foi na cidade de Belo Horizonte que os irmãos Anderson e Jefferson Birman fundaram a fábrica de calçados da Arezzo. O nome foi escolhido aleatoriamente no mapa da Itália e após dois anos de existência, em 1974, começaram a se dedicar à produção de calçados femininos. Após investimentos e lojas instaladas em pontos estratégicos de venda, em 2005, a marca recebeu o título de melhor franquia do Brasil, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas.

A marca mineira não parou de crescer e atualmente, tem seus produtos em 30 países do mundo em mais de 280 lojas. Em 2010, a Arezzo faturou R$ 43 milhões e as vendas não param de crescer.

PelemaniaA marca lança em média nove

coleções por ano, uma delas, foi a Pelemania, que continha bolsas, sapatos e acessórios com peles verdadeiras de coelho e raposa na sua composição. Não demorou muito e o assunto se tornou polêmico nas redes sociais. Manifestantes e clientes explodiram contra a marca e até as garotas propagandas viraram alvo das críticas.

A movimentação começou no twitter no mês de abril, mas, para provar que a memória não é curta, continuam a protestar. Em sua página do twitter, Glória Pires explicou novamente, no dia 8 de junho “Eu não participei da campanha @arezzo_ de produtos com peles animais. A campanha com pele é outra. #malentendido”.

Andressa Pacheco ironiza a apresentadora Sabrina Sato, que esteve recentemente em mais um lançamento da marca e é garota propaganda da marca “@SabrinaSatoReal acha legal falar que estava na Arezzo! Logo Arezzo,que usa pele verdadeira de animais em bolsas,sapatos etc.Muito bom,hein!”.

ReaçãoOs tweets cheios de indignação

viraram o assunto mais comentado do

Xingando muito no twitterProtestos e manifestações que, às vezes, ficam só na internet

twitter e a Arezzo teve de se pronunciar e decidiu retirar das lojas todos os produtos com peles verdadeiras. Em cerca de 24 horas, todos os produtos pararam de ser vendidos nas lojas da rede. Em pronunciamento no Facebook, a marca explica que por respeito aos consumidores, retiraria os produtos das lojas e dos estoques e se mostrou aberta às críticas e reclamações.

Embora as peles estejam dentro dos padrões da lei, tendo sido “devidamente regulamentadas” como alegou a Arezzo, elas não foram aceitas pelos consumidores. Hoje, as redes sociais permitem aos clientes uma maior proximidade com o fabricante, o que torna o diálogo e as operações muito mais eficientes. Além disso, antes desses canais de comunicação, haviam menos protestos e as marcas não tinham esse feedback quase que instantâneo.

Mesmo que a marca já consolidada tenha sido associada à polêmicas negativas, a professora Doroteia Baduy Pires, especialista em estudos do design de moda, vê toda essa situação de forma diferente. “É um pouco hipócrita, digamos, já que muitas dessas pessoas continuam utilizando o couro. A pele tem um apelo mais grotesco, carrega um semblante de feiúra, mas é tão ruim quanto usar o couro. Eles fazem todos esses protestos e usam roupas de algodão, achando que é sustentável e mais correto, mas o que poucos sabem é que a produção de algodão é prejudicial ao homem e muitas famílias já morreram produzindo algodão. A meu ver, a saúde do homem é mais importante que a do bicho e ninguém se manifesta”, explica.

Sem sucessoMesmo depois desse episódio

ocasionado pelas redes sociais, a marca bateu recorde de vendas no primeiro trimestre de 2011. A empresa registrou lucro líquido de R$ 14,7 milhões, ou seja, 42% a mais que no mesmo período do ano anterior. Aparentemente, o boicote que aliciou mais de 7 mil seguidores no Facebook, teve impacto apenas na internet.

Produtos com pele de coelho e raposa foram retirados das lojas após reclamações e manifestos nas redes sociais

Montagens incentivaram o boicote à marca

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DESIRÉE MOLINA

Marcha da maconha, Marcha da liberdade, Marcha das vadias, Marcha dos “bons drink”. As

marchas estão em voga e esses eventos es-tão gerando outras manifestações e protes-tos em relação à política, à economia. Em Londrina, recentemente, foram realiza-dos vários protestos: em relação ao preço dos combustíveis, contra a corrupção que parece assolar a prefeitura e também a edição local da Marcha da Liberdade. O Mosaico Londrina esteve lá e conversou com alguns dos presentes. Muito se falava sobre o protesto do dia anterior, contra a corrupção, que reuniu poucas pessoas. Ana Catarina esteve nos dois e acredita que a diferença esteja na pluralidade que envolve a Marcha da Liberdade. “Em uma cidade universitária como Londrina, acho que a causa aqui é mais interessante para as pessoas. E também os horários dos eventos, muita gente estava trabalhando durante a outra manifestação”. Ana ficou sabendo das manifestações pela internet, como a maioria dos que lá estavam. Havia também, claro, mendigos, crianças... Os cartazes levantados pelos que marchavam pela liberdade eram os mais diversos pos-síveis. Contra a palmada; mais bicicletas; passe livre; não à corrupção; pela liber-dade.

EntrevistaGabriel Oliveira, estudante de Ciência da Computação na Universidade Estadual de Londrina (UEL), é um dos organizadores da Marcha da Liberdade em Londrina. Ele falou ao Mosaico sobre a importância dos sites de redes sociais para as mobilizações, tomando como exemplo a própria Marcha:Mosaico - Gabriel, de modo geral, como você acha que a divulgação na internet ajudou no movimento? E qual foi o meio que você considerou que mais deu certo, por exemplo, criar o evento no Facebook, convidar as pessoas?R: Foi fundamental. Toda a mobilização começou pelo Facebook, inclusive a mo-bilização nacional, daí que surgiu a ideia

de criar uma em Londrina, se não tivesse acho que seria difícil acontecer com tanta facilidade. A gente distribuiu flyers (peque-nos panfletos) só sexta e sábado, o resto foi tudo pelo Facebook.Mosaico - E, imagino que você ficou sa-bendo, mas teve outra manifestação em Londrina no dia anterior à marcha, e ape-sar dos dois terem quase o mesmo tanto de presenças confirmadas nos eventos no Facebook, a Marcha da Liberdade atraiu muito mais gente. Você acha que isso se deve a talvez um público alvo distinto, ou mais às diferenças entre as manifestações em si e suas reivindicações?R: Fiquei sabendo que teve muito menos gente, acho que principalmente porque essa marcha tem uma abrangência maior, ela agrega um leque de ideias muito maior. E também o fato dela ser nacional, ajuda as pessoas a assimilar um propósito maior para ela. Outro fator, acho que os convites se espalharam mais pelo email universi-tário, onde as pessoas são mais engajadas com esses tipos de causas .Mosaico - E, uma coisa que se ouvia

muito na Marcha, pelo menos no começo, quando ainda tinha pouca gente, foi a comparação: “Mas nossa, tinha 400 pes-soas no Facebook e aqui não tem nada”. Você acha que uma pessoa que confirma a presença e não vai configura o tal “revolu-cionário de sofá” ou ainda assim é válido, como divulgação ou até dando um pouco mais de força para o movimento?R: É relativo. Com certeza muitas das pes-soas que confirmaram acabaram não indo, acho que a maioria acaba fazendo isso, e acho que isso deve-se em parte porque alguns são realmente revolucionários de sofá. Uma mera confirmação não adianta nada. Se não tiver como ir e divulgar para os amigos acho válido, mas caso contrário, acho que é só um pseudo-engajamento, tá na moda o “bom mocismo”. Mas há outra parte que confirmou e não foi, creio que seja por impossibilidade mesmo, por exemplo vários amigos meus que iam, acabaram não podendo comparecer por di-versos motivos.Mosaico - Na sua opinião os revolu-cionários de sofá sempre existiram como

Redes Sociais confirmam presença em manifestações

Os movimentos sociais encontram em redes como o Facebook, lugar para divulgar seus eventos

hoje ou, agora, com uma maior divulga-ção do que acontece - na mídia e conse-quentemente nas redes sociais - fez crescer o número desses pseudo-engajados? E o que é pior neles?R: Acho que sempre existiram aqueles que mantém um discurso mas não tomam nenhuma atitude. Só acho que agora com a Internet, ficou mais fácil pra eles absor-verem discursos alheios, e, também, eles se tornaram mais evidentes. Não acho que há algo de pior, eles só não tem contri-buição social, são conformistas com dis-cursos de inconformados, são “as pessoas na sala de jantar”, apenas dizem não ser. Acho que essas mobilizações no Brasil são muito atrasadas, a Marcha em São Paulo teve só 2.500 pessoas, a de Lon-drina, apesar de ter sido melhor do que esperado, ainda foi pequena. Acho que o brasileiro é muito conformado. Se com-pararmos com o Oriente Médio ou a Eu-ropa, onde as manifestações surtem efei-to, pois tem apoio de uma imensa parte da população, dá pra ver como estamos distantes deles. Falta atitude no Brasil.

Os mais variados cartazes compunham a Marcha da Liberdade, levantados por todo tipo de pessoa

Desirée Molina

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