Se eu fosse um dia um soldado liberal ou absolutista...

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SE EU FOSSE UM DIA UM SOLDADO LIBERAL OU ABSOLUTISTA… Diários dos soldados dos batalhões: 8A,8B,8C e 8D

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Narrativas históricas e desenhos dos alunos das turmas A, B, C e D, do 8º ano, do Agrupamento de Escolas de Montenegro, Faro, 2013-2014, sobre a guerra civil entre liberais e absolutistas (1832-34).

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SE EU FOSSE UM DIA UM SOLDADO LIBERAL OU

ABSOLUTISTA…

Diários dos soldados dos batalhões: 8A,8B,8C e 8D

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MONTENEGRO, FARO

DIÁRIOS DE SOLDADOS DA GUERRA CIVIL

DESENHO DO SOLDADO DIOGO FERREIRA

NARRATIVAS HISTÓRICAS DE ALUNOS

8ºanos, turmas A, B, C e D

Montenegro, maio de 2014

Professoras Cristina Barcoso Lourenço e Elisa Cardoso

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Índice

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 6

Diários dos soldados do 8ºA .............................................................................................................................. 8

Diário 1 – Afonso Rodrigues........................................................................................................................... 9

Diário 2 – Afonso Talhão ................................................................................................................................ 9

Diário 3 – Ana Santos ................................................................................................................................... 10

Diário 4 – Andrian Bilinskyy ......................................................................................................................... 14

Diário 5 – Catarina Faísca ............................................................................................................................. 15

Diário 6 – Gonçalo Castro ............................................................................................................................ 17

Diário 7 – Inês Ventura ................................................................................................................................ 18

Diário 8 – Laura Paiva................................................................................................................................... 19

Diário 9 – Márcia Sousa ............................................................................................................................... 21

Diário 10 – Pedro Bandarra – Diário de um defensor da igualdade ............................................................ 21

Diário 11 – Rafael Nascimento ..................................................................................................................... 23

Diário 12 – Raquel Santos ............................................................................................................................ 23

Diário 13 – Raquel Travia ............................................................................................................................. 25

Diário 14 – Sabrina Campos ......................................................................................................................... 26

Diários dos Soldados do 8ºB ............................................................................................................................ 27

Diário 15 – Álvaro Costa ............................................................................................................................... 28

Diário 16 – Beatriz Guerreiro ....................................................................................................................... 29

Diário 17 – Bernardo Gago........................................................................................................................... 30

Diário 18 – Carolina Pinho ........................................................................................................................... 30

Diário 19 – Daniel Candé .............................................................................................................................. 31

Diário 20 – Daniel Sousa .............................................................................................................................. 33

Diário 21 – Daniela Santos ........................................................................................................................... 34

Diário 22 – Diogo Cristovão ......................................................................................................................... 36

Diário 23 – Diogo Ferreira ............................................................................................................................ 36

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Diário 24 – Filipe Garcia ............................................................................................................................... 38

Diário 25 – Gabriel Seromenho .................................................................................................................... 40

Diário 26 – Inês Margarido – Um Achado .................................................................................................... 41

Diário 27 – Inês Agostinho ........................................................................................................................... 45

Diário 28 – Janine Pina ................................................................................................................................. 46

Diário 29 – Leonor Mendes .......................................................................................................................... 47

Diário 30 – Magda Lourenço ........................................................................................................................ 52

Diário 31 – Rafael Rocha .............................................................................................................................. 53

Diário 32 – Raquel Ribeiro ........................................................................................................................... 54

Diário 33 – Raquel Oliveira .......................................................................................................................... 55

Diário 34 – Ricardo Viegas ........................................................................................................................... 56

Diário 35 – Rúben Martins ........................................................................................................................... 57

Diário 36 – Rui Fonseca ................................................................................................................................ 58

Diário 37 – Sara Boom ................................................................................................................................. 60

Diário 38 – Selena Ramos ............................................................................................................................ 61

Diário 39 – Sofia Marcos .............................................................................................................................. 62

Diário 40 – Tomás Noivo .............................................................................................................................. 63

Diário 41 – Vasco Pearson ........................................................................................................................... 63

Diários dos Soldados do 8ºC ............................................................................................................................ 65

Diário 42 – Daniel Oliveira ........................................................................................................................... 66

Diário 43 – Alexandre Mestre ...................................................................................................................... 66

Diário 44 – Ana Ameixa ................................................................................................................................ 68

Diário 45 – Rita Dias ..................................................................................................................................... 69

Diário 46 – Pedro Guerreiro ......................................................................................................................... 71

Diário 47 – Pedro Ventura ........................................................................................................................... 71

Diário 48 – Teresa Fernandes ...................................................................................................................... 72

Diário 49 – Tomás Fernandes ...................................................................................................................... 74

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Diário 50 – Tomás Matilde ........................................................................................................................... 75

Diários dos Soldados do 8ºD ............................................................................................................................ 76

Diário 51 – Beatriz Ribeiro ........................................................................................................................... 77

Diário 52 – Diogo Rosário ............................................................................................................................ 78

Diário 53 – Eliana Silva ................................................................................................................................. 80

Diário 54 – Flávio Araújo .............................................................................................................................. 80

Diário 55 – Inês Ramos................................................................................................................................. 81

Diário 56 – Inês Silva .................................................................................................................................... 83

Diário 57 – Margarida Brazona .................................................................................................................... 86

Diário 58 – Margarida Pereira ...................................................................................................................... 87

Diário 59 – Núria Costa ................................................................................................................................ 89

Diário 60 – Rafael Santos ............................................................................................................................. 89

Diário 61 – Tomás Rodrigues ....................................................................................................................... 90

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INTRODUÇÃO

“Para que o ensino de História não seja a «regurgitação do passado», o

professor deve estimular o pensamento crítico de seus estudantes adotando

alguns procedimentos específicos, como investigar as ideias que eles já

possuem, possibilitando que reflitam sobre diferentes hipóteses em História;

exercitar com seus alunos a seleção das diferentes respostas historiográficas

para aquele contexto histórico; estimulá-los a construírem novas hipóteses

investigativas, ou seja, novas questões de investigação.”

BARCA, Isabel (2006). A construção de narrativas históricas: perspectivas de

consciência histórica dos jovens portugueses. IN: Encontro Nacional dos pesquisadores

do ensino de História: novos problemas e novas abordagens, Belo Horizonte.

http://www.ppge.ufpr.br/teses/D09_gevaerd.pdf (acedido a 8/6/2014)

A construção de textos bem estruturados e linguisticamente corretos nos planos da sintaxe, da

pontuação e da ortografia é habitualmente uma tarefa difícil para a maioria dos nossos alunos. Esta tarefa

torna-se ainda mais complicada quando os textos a construir são narrativas históricas, onde os alunos têm

de demonstrar as suas competências históricas, de modo a que seja evidenciado o tratamento da

informação (seleção e crítica das fontes) e a produção de um texto crítico e original que não caia na

tentação de ser uma cópia de um qualquer site (habitualmente da wikipédia). Por isso, o papel do

professor deve passar por fornecer ao aluno um guião de trabalho, com questões-problema que sejam

desafiantes, com subtópicos a desenvolver e um conjunto de fontes diversificadas em diversos suportes.

Entendo ainda que quando o aluno se coloca no papel de ator da História e tenta ver, pensar e agir

de acordo com a mentalidade de outras épocas históricas, desenvolve um conhecimento mais profundo e

duradouro e não se limitará a regurgitar conceitos para um teste escrito que depois esquece por não

encontrar qualquer utilidade.

O tema deste segundo livro digital que editamos este ano letivo com narrativas históricas dos

alunos do 8º ano é a guerra civil portuguesa entre liberais e absolutistas. Esta é objeto de estudo no 6º ano

em História e Geografia de Portugal (1820 e o triunfo dos liberais) e no 8º ano em História (A Revolução

Liberal Portuguesa).

Em contexto de sala de aula eu e a minha colega de grupo, professora Elisa Cardoso, partimos dos

conhecimentos que os alunos já tinham sobre o tema e apresentámos-lhes a tarefa:

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Os trabalhos que publicamos são narrativas históricas e desenhos construídos pelos nossos alunos.

Ao longo deste livro encontramos uma heterogeneidade na qualidade das narrativas históricas e

dos desenhos que evidencia o empenho de cada aluno nas várias fases de realização da tarefa, bem como

os seus conhecimentos históricos. Não quisemos fazer um livro com os “melhores trabalhos”, mas sim

apresentar todos os que foram entregues, independentemente de serem de alunos com necessidades

educativas especiais, de alunos estrangeiros ou de alunos de nível 2 ou 5.

Ao longo das próximas páginas sentiremos a guerra civil em Portugal e em particular na nossa

região, o Algarve. Muitas narrativas dão-nos a conhecer figuras históricas algarvias, como o Remexido e

Tomás Cabreira, e batalhas aqui travadas, como a de Sant’Ana.

Ao lermos este livro deparamos como os nossos alunos “sentem” a guerra, descobrimos algumas

das suas emoções, em particular o medo, e como vão desenvolvendo um pensamento reflexivo e critico

sobre o passado.

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DIÁRIOS DOS SOLDADOS DO 8ºA

DESENHO DO SOLDADO RAQUEL SANTOS

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DIÁRIO 1 – AFONSO RODRIGUES

Data: 12.07.1833

Local: Portugal, algures no Algarve

Querido diário, esta pode ser a última vez que te

escrevo.

Vou para a batalha algures no Barlavento contra os

liberais. Não sei se irei sobreviver. Tenho saudades da minha

família que nunca mais vi desde que começou esta guerra.

Sinto-me fraco pois só tenho comido pão e enlatados.

Na semana passada as forças liberais atacaram-nos

de surpresa e perdemos muitos homens. Sobrevivemos

poucos e eu fui um deles mas temo que na próxima batalha

não tenha tanta sorte.

DIÁRIO 2 – AFONSO TALHÃO

Tavira, 24 de julho de 1833

Querido Diário,

Mais uma vez eu, Afonso Talhão, estou num clima de medo e de grande terror. Estou perante uma

situação desagradável, pois amanhã teremos uma grande batalha contra os absolutistas que contam com o

Remexido, um célebre guerrilheiro algarvio, e com o brigadeiro Tomás Cabreira. Como sabes nós liberais,

defendemos como ideais: a liberdade individual, a não-agressão , a propriedade privada, a supremacia do

indivíduo, a soberania popular e a separação dos poderes.

Assim sendo, defendemos um sistema político, oposto ao absolutismo, onde o monarca tem

o poder absoluto.

Hoje, quando eu estava a tomar a bucha da manhã com os meus companheiros o esperado o toque

de chamada tocou mais cedo. Pensei: “Cá vamos para mais uma batalha “. Bom, já vestido com o meu

DESENHO DO SOLDADO AFONSO RODRIGUES

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uniforme azul e branco e, recolhendo apressadamente pão e água, olhei para o quartel e verifiquei que a

agitação era tanta que parecia o fim do mundo. Peguei na minha arma e apressadamente apresentei-me

ao general de serviço.

Recebi as coordenadas da minha posição e preparei-me rapidamente.

A batalha começou e avistei o guerrilheiro Remexido que fazia parte do exército inimigo. Ao fim de

algum tempo percebi que quem iria “controlar” o Remexido era eu.

Respirei fundo e concentrei-me em derrotar o inimigo.

Seguidamente, observei atentamente o Remexido e percebi quais eram as suas fraquezas,

Remexido tinha uma ligadura no braço esquerdo que o impedia de fazer movimentos rápidos que

prejudicavam a sua defesa. É verdade que era um guerreiro muito ágil, mas eu, “focando-me” no seu braço

esquerdo, consegui derrotá-lo, perpassando a minha espada no seu braço direito. Fiquei a olhar para ele

com cara de assassino. Suplicou-me para que não o matasse e aceitei.

Levei-o para o meu quartel e prendi-o. Foi então que me falou um pouco da sua vida: afinal

chamava-se José Joaquim de Sousa Reis e a alcunha de Remexido deve-se ao facto de ele ter casado à

revelia do seu tutor. Durante a nossa conversa concluímos que a ganância das pessoas, às vezes é

exagerada e que a guerra é desnecessária e prometemos tudo fazer para acabar com ela.

DIÁRIO 3 – ANA SANTOS

Estômbar, 20-04-1839

Vou deixar o meu testemunho nestas páginas de diário para que um dia mais tarde, os meus netos

saibam o que padeci na guerra civil que se travou entre 1832 e 1834, mais concretamente no Porto e de 8

a 21 de Junho de 1833, na batalha de Sant’Ana, que ocorreu a alguns quilómetros a norte de São

Bartolomeu de Messines, num lugar próximo da Ermida de Sant’Ana, no dia 24-04-1834.

Já lá vão cinco anos, mas ainda tenho na memória os momentos de sofrimento e pânico que vivi,

tudo porque os infantes D. Pedro e D. Miguel, ambos filhos de D. João VI se digladiaram na defesa de dois

regimes antagónicos. O liberal, defendido por D. Pedro, e que advogava a soberania da nação, através do

voto popular, a divisão tripartida dos poderes, a igualdade dos cidadãos perante a lei e as liberdades

fundamentais do cidadão. Medidas estas, postas em vigor pela Constituição de 1822. Este regime, ainda

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decretou a extinção da Inquisição, a abolição de certos direito senhoriais, a transformação de bens da

coroa em bens nacionais e a liberdade de imprensa.

O absolutismo, defendido por D. Miguel, e que advogava a autonomia total e absoluta do rei sobre

os seus súbditos e a concentração na sua pessoa de todos os poderes do estado.

Com a morte de D. João VI, em 1826, a sucessão do trono, deveria ser de D. Pedro, o primogénito,

mas como naquela data, ele era imperador do Brasil, abdicou do trono a favor da sua filha D. Maria da

Glória, com apenas sete anos e convidou o seu irmão D. Miguel a governar como regente, desde que

jurasse cumprir a carta constitucional, mais moderada e conservadora que a Constituição de 1822 e

aceitasse casar com a sobrinha, logo que ela atingisse a maioridade. D. Miguel aceitou e regressou a

Portugal em 1828, mas logo que assumiu a regência, rejeitou a Carta Constitucional, nomeou um novo

ministério, dissolveu as Câmaras e convocou as cortes à maneira antiga, onde foi nomeado, pelos três

estados do reino, rei absoluto e imediatamente iniciou uma violenta perseguição aos liberais. Então eu,

João António Santos, natural de Estômbar e seguidor do liberalismo, vi-me obrigado a fugir para a Ilha

Terceira, nos Açores, onde me juntei ao exército liberal com cerca de sete mil e quinhentos homens.

No dia 8 de Junho, sob o comando de D. Pedro, desembarcamos na praia de Pampelido, no

Mindelo, perto do Porto. Na noite de dia 8 para 9 de Julho, marchámos em direção ao Porto, sem dormir e

quase sem comer, entrámos pelo Carvalhido e seguimos para a rua de Cedofeita, onde fomos ovacionados.

Na boca das espingardas trazíamos uma flor com pétalas azuis e brancas, as cores do rei soldado,

que no sul são conhecidas por hortênsias. À medida que o nosso exército, os ‘’Bravos do Mindelo’’ iam

entrando no Porto, os miguelistas fugiram.

Entrámos no Porto sem disparar um só tiro, mas de repente, compreendemos que estávamos

encurralados. Então, D. Pedro percebeu que tínhamos caído numa armadilha e ordenou que saíssemos da

cidade, mas não conseguimos romper as fileiras miguelistas.

A luta prosseguiu, feroz, braço a braço, o calor sufocava. Os canhões troavam continuamente. Os

alimentos começavam a escassear. Em 21 de Junho de 1833, uma expedição com 2500 homens, onde me

incluía, conseguiu sair do Porto, por mar, com destino ao Algarve.

Mais tarde, no Algarve, lutei na batalha de Sant’Ana, em lados opostos contra um grande amigo,

meu conterrâneo, José Joaquim de Sousa Reis, mais conhecido por Remexido.

Em 1818, tínhamos trabalhado juntos, tínhamos as mesmas convicções políticas e éramos grandes

amigos, mas a sua crença religiosa católica, fê-lo repensar e tornar-se absolutista.

Em 1838, tive que assistir à sua condenação à pena capital, pelo Conselho de Guerra, no salão

nobre da Misericórdia de Faro e no dia seguinte ao seu fuzilamento no Campo da Trindade. Tudo isto

marcou-me muito porque apesar de ele ser considerado bandoleiro, assaltante e um perigoso guerrilheiro,

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eu tive sempre muita consideração e admiração por ele, pois conhecia-o bem e sabia que era apenas um

defensor das classes oprimidas e contra as injustiças.

Como eu ia dizer, lutei na batalha de Sant’Ana, onde fomos derrotados.

Em Fevereiro de 1834, sob o comando de Sá da Bandeira fui deslocado para o Algarve, integrado

num batalhão do Regimento de lanceiros, para pormos cobro às investidas absolutistas. O nosso exército

era formado por mil baionetas, oitenta lanceiros e tivemos a ajuda de tropas belgas, irlandesas e inglesas.

Usávamos um uniforme composto por casaca, colete, calças, sobrecasaca até aos joelhos e uma camisa

com gravata.

Primeiro fomos de Faro para Silves e dali

seguimos para São Bartolomeu.

O exército absolutista comandado por

Tomás Cabreira saiu de Alcácer do Sal e dirigiu-

se para S. Marcos, onde se juntou com os

guerrilheiros do Remexido. O seu exército mais

numeroso - era formado por cinco mil soldados

de infantaria, trezentos cavaleiros e sete peças

de canhão.

Os guerrilheiros distinguiam-se bem,

porque usavam uma jaqueta curta, branca,

calças, um cinturão para as munições, pistola,

baioneta, chapéu de palha debruado de fitas

com as cores da bandeira nacional, azul-escuro e

vermelho. Ainda uma longa faca que usavam

ocultada sobre o peito.

Os dois exércitos encontraram-se no dia

24 de Abril de 1834.

Chegámos às duas da manhã a uma

localidade muito acidentada, junto a uma

pequena ermida dedicada a Sant’Ana e às oito, o

inimigo ainda não tinha aparecido. Quando

decidimos regressar ao acampamento,

convencidos que o inimigo tinha desistido, eis que apareceram e começaram logo a abrir fogo. O nosso

exército em minoria resistiu até que pôde. O combate foi violento e longo, lutámos cerca de dez horas.

DESENHO DO SOLDADO ANA SANTOS

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Uma colina considerada importante foi tomada e retomada três vezes. Ao meio dia, o inimigo repassou a

Ribeira do Arado e nós fomos obrigados a deixar o terreno que antes tínhamos ocupado.

Pelas quatro horas da tarde, o inimigo voltou à carga com um forte batalhão, com meio esquadrão.

Então o nosso comandante decidiu enfrentá-los com dois esquadrões de lanceiros, mas fomos obrigados a

retirar. Em seguida, o inimigo atacou o nosso batalhão belga que formava a nossa esquerda. Voltámos à

carga contra o inimigo, fomos bem-sucedidos naquela incursão, mas perdemos alguns oficiais e soldados.

Então o comandante mandou-nos retirar para uma posição mais vantajosa e ali permanecemos algum

tempo até que pelas seis horas da tarde, executámos um movimento de regresso a Silves onde chegámos à

meia-noite.

Na retirada, a cavalaria do inimigo perseguiu-nos e se não fosse o cair da noite tínhamos caído

todos em poder deles.

Perdemos muitos cavalos, quarenta e cinco lanças, muitas munições, algumas macas e,

infelizmente, tivemos cerca de cento e quarenta mortos entre oficiais e soldados e trinta e cinco

prisioneiros.

A luta não parou, um mês depois, a nossa vitória sobre os absolutistas era certa e quando nos

dirigíamos para Alcácer do Sal, pernoitámos em São Bartolomeu de Messines e alguns dos nossos,

queimaram a casa do Remexido e quebraram os sinos da igreja.

Após várias derrotas, as tropas miguelistas depuseram as armas e assinaram a paz pela Convenção

de Évora-Monte. D. Miguel renunciou ao trono e retirou-se para o estrangeiro.

O Remexido tornou-se um ‘’fora da lei’’, mas houve um momento em que ele pensou em entregar-

se às autoridades, ao abrigo da amnistia. Então mandou o seu filho, Manuel da Graça Reis, a São

Bartolomeu de Messines, averiguar se podia regressar sem receios, mas ao contrário do previsto, ele foi

preso e mais tarde assassinado. A sua mulher, Maria Clara, foi presa e em público, no adro da igreja de

Messines, raparam-lhe o cabelo e deram-lhe palmatoadas, por não divulgar o esconderijo do marido.

Então o Remexido, ainda mais revoltado, juntou-se aos seus guerrilheiros que começaram a fazer pilhagens

na serra para matarem a fome, até que no dia 28 de Julho foi capturado na Portela da Corte da Velha e

levado para Faro onde acabou os seus dias, mas sempre de forma serena, íntegra e respeitosa, o que me

impressionou bastante.

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DIÁRIO 4 – ANDRIAN BILINSKYY

Numa manhã de julho de 1833, cheguei ao Algarve para lutar contra o Remexido.

Sou um soldado da infantaria das forças liberais e defendo a soberania popular e a divisão tripartida

dos poderes e luto contra o poder absolutista do rei.

Os nossos uniformes são azuis e brancos e

usamos uma espécie de cartola preta. A nossa arma de

eleição é a baioneta, que demora muito tempo a

carregar e por isso temos sempre uma faca na ponta da

arma à mão.

A nossa alimentação é muito pobre, sendo à

base de pão e a água.

Ontem, o meu batalhão avançou sobre Silves

e S. Bartolomeu de Messines, numa tentativa de

descobrir o grupo de guerrilheiros do Remexido, mas

sem sucesso.

Aproximámo-nos então de uma serra. O

Remexido cercou-nos no cume, os nossos homens

tentaram usar artilharia pesada mas ficaram feridos.

Muitos morreram nesse momento e ficaram estendidos

no campo de batalha. Eu quase que morri mas tive

muita sorte em estar ao lado de uma gruta onde me

consegui abrigar.

As tropas inimigas trocaram vários tiros e houve muitos feridos e mortos.

O Remexido também matou o capitão Marcelo de lanceiros e aprisionou o tenente Francisco Solano

Portelas.

Os absolutistas conseguiram vencer esta batalha mas ainda nada está acabado, devido à nossa

grande determinação em lutar pela liberdade e pelo fim deste regime absolutista que nos oprime.

DESENHO DO SOLDADO ANDRIAN BILINSKY

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DIÁRIO 5 – CATARINA FAÍSCA

Terça-Feira, 05 de maio de 1834

Querido diário, hoje é terça-feira e encontro-me no Algarve. Lembro-me como se fosse ontem:

obrigado a abandonar meus filhos e minha mulher para ser colocado num exército liberal, obrigado a

abandonar tudo o que me custou a vida, tudo o que me custou obter…

Desculpa não poder ter-te escrito nestes últimos dias. Participei em duas batalhas: Almoster e

Sant’Ana, eu sei… eu sei… nem deves conseguir imaginar a angústia por que tenho passado.

No dia 18 de fevereiro, estávamos acampados a uns quilómetros de Santarém, e o toque da alvorada soou

mais cedo que o habitual. Estranhei, é verdade, mas fiz o que sempre costumava fazer: coloquei o meu

uniforme, constituído por um par de calças cor vermelha, uma camisa azul detalhada por botões cor de

ouro, o meu chapéu, e metei dentro da minha mochila os mantimentos essenciais: pão, água, trigo,

cereais, carne e um desenho da minha família, a minha única fonte de motivação, coragem e força. Após o

uniforme vestido e a mochila a postos, só me restava a arma. A passo apressado fui para o quartel onde se

encontrava o armário das armas, peguei na minha, alcei-a no ombro e pus-me em formação. Naquele

momento tudo parou, foi-nos dito que iríamos batalhar contra a tropa absolutista comandada pelo general

Lemos. Estivemos (eu e os meus camaradas de armas) a ouvir as nossas posições, ditas pelo nosso

comandante marechal Saldanha. Dadas as posições, dirigimo-nos para a região onde iria acontecer a

batalha: Santarém. Primeiramente, juntámos as nossas forças em Rio Maior, eramos pouco menos que

quatro mil e quinhentos. O terreno era complexo, cheio de mato e desfiladeiros, o que nos dificultou o

rumo ao nosso destino. Aproveitando-nos do vasto mato fizemos uma espécie de ratoeira que nos

possibilitou cercá-los e, sem que eles dessem por isso, avançamos. Naquele instante os tiros eram

imparáveis. Corri e refugiei-me atrás de um arbusto. Com a função de fuzileiro fiz o combinado: apenas

disparei em caso de emergência, o meu pânico naquela altura era maior que qualquer canhão que ali

pudesse estar envolvido. De repente fui surpreendido por trás por um soldado miguelista, a minha

primeira reação foi disparar, e fi-lo e num tiro certeiro, matei-o! Naquele momento a angústia subiu-

me o pescoço acima, nunca tinha de forma alguma morto um ser, mas ali estava o meu dever,

cumprir as ordens que me eram dadas. Naquele momento, a única reação que tive, antes de

continuar, foi pegar no desenho com a minha mulher e os meus filhos e rezar para que eles

estivessem bem. Segui o meu caminho, rastejei por trilhos perigosos e devastadores, mas sempre me

mantive perto do que estava a acontecer, pois a minha posição era um pouco nula devido ao facto de

ser um fuzileiro da classe baixa, do género de iniciante. Sentei-me e ingeri alguns mantimentos. Após

a refeição escondi-me atras de um pedregulho e observei dali o que se estava a passar: era grande a

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confusão decorrente naquele momento, soldados mortos por todo o lado, exércitos sendo reduzidos

a cada minuto, era um massacre horrendo. Por fim as coisas acalmaram, consegui juntar-me ao meu

exército novamente para combatermos frontalmente. D. Miguel, acompanhado por Lemos, mantinha-

se à frente do seu exército, eu e o meu por trás do comandante Saldanha e D. Pedro. O conflito

iniciou-se novamente, disparei inúmeras vezes e pode-se dizer que vi grandes colegas meus

estendidos no chão, e vi-me obrigado a passar-lhes por cima para continuar a batalhar em sua honra.

Finalmente, as tropas de D. Miguel bateram em retirada. A partir desse acontecimento

comecei a compreender com mais facilidade quais eram as nossas ideias: enquanto liberais,

defendíamos a soberania popular, a liberdade individual e a divisão dos poderes. Após a batalha

voltamos ao quartel para festejar. Estivemos alguns dias no quartel até que nos foi comunicado de

que teríamos de ir para o Algarve. Andámos durante 3 semanas com frio, fome, vento, sol, chuva e

tudo o que pudesse ser obstáculo. “Após a batalha de Almoster a 18 de fevereiro de 1834, mais uma

batalha? Oh não!” - era a única coisa que me vagueava no pensamento. Cheguei ao Algarve, que para

mim era um novo mundo, e montámos o acampamento.

A 23 de abril fui chamado a comparecer no quartel algarvio das tropas liberais. Nesse dia foi-

nos informado que a batalha seria já no dia seguinte. Nesse momento aquela angústia e aquelas más

recordações voltaram para me aterrorizar. Preparei logo tudo naquela noite, estava com pessoas que

nunca tinha conhecido mas sabia que eram “cá dos meus “. O som da buzina, pouco diferente da do

meu quartel na região do norte, acordou-me logo ao nascer do sol. Procedi aos meus hábitos

rotineiros: vesti o uniforme, preparei a minha mochila, e alcei a minha arma ao ombro. Marchei até

ao ponto de encontro dentro do quartel e de seguida dirigi-me à minha posição no campo de batalha

que se localizava a alguns quilómetros de São Bartolomeu de Messines. Quando me dirigia para a

minha posição deparei-me com um homem robusto, armado, de barbas longas e cabelo curto. Estava

vestido com o mesmo uniforme que os nossos inimigos. Estava tão próximo que fiquei sem reação.

Pedi-lhe, supliquei-lhe que não me fizesse mal... Naquele momento ele armou a arma como se me

fosse matar e sorriu-me. Sentou-se ao meu lado e contou-me a sua história: o seu nome era José

Joaquim de Sousa Reis e tinha ganho a alcunha de Remexido pois rebelou-se contra o seu tutor que o

proibira de se casar. Estivemos durante mais alguns minutos a conversar sobre o quão estúpida era a

ganância das pessoas, quando fomos surpreendidos por outro soldado absolutista. A reação do

Remexido foi fingir que me matava somente para eu não ser morto pelo seu colega. Eu compreendi a

sua ideia e mantive-me estendido no chão até que conseguisse perceber que a batalha já tinha

acabado. O Remexido desapareceu, nunca mais ouvi o seu nome, mas era uma pessoa honesta,

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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corajosa e determinada, algo que me deixou surpreendido e admirado pois nunca pensei que tivesse

um inimigo com o qual pudesse estabelecer qualquer tipo de relação.

Começo a gostar de viver nesta região onde o céu é de um azul tão intenso. Quando a guerra

terminar trago para cá a minha família e irei dedicar-me à pesca da sardinha e do atum.

Espero que o meu diário seja lido pelos meus netos e todos os meus descendentes e que

compreendam que a guerra é o pior que pode acontecer a um homem

Até mais querido diário.

Soldado Faísca.

DIÁRIO 6 – GONÇALO CASTRO

Portimão, 4 de maio de 1834

As batalhas contra os Absolutistas estão cada vez mais duras e difíceis. Aqui em Portimão e noutras

cidades do litoral como Albufeira, Olhão, Faro e Lagos apoiamos as ideias liberais de D. Pedro, que nos diz

que os poderes executivos, judicial e legislativos devem estar separados, e não serem todos controlados

pelo rei, pelo contrário o poder deve residir na Nação. D. Miguel, irmão de D. Pedro, orienta os nossos

adversários. Estes defendem que todos os poderes devem estar concentrado no Rei e que este representa

a Nação. No dia 24 de Abril, tivemos uma grande batalha, perto de Messines. O nosso exército foi

surpreendido pelas

guerrilhas do Remexido,

um lutador bravo e

experiente, que nos tem

causado muitas baixas e

já deu muitas vitórias aos

absolutistas. Além de

lutar, e dar toda a

estratégia nunca pára de

incentivar os seus

companheiros.

Nesta batalha, os Absolutistas eram em número muito superior, mais de 5000 homens com armas

de fogo, 300 cavaleiros e 7 canhões e nós com pouco mais de 1000 baionetas e alguns lanceiros.

DESENHO DO SOLDADO GONÇALO CASTRO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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A maior parte deles eram antigos combatentes e tinham mais armas e mais munições. Depois de mais de

10 horas as nossas munições acabaram e não conseguimos resistir mais tempo, já tínhamos muitas baixas

e fomos obrigados a retirar.

Agora é tempo de recuperar as feridas, juntar mais homens e mais armas para estarmos melhor

preparados na próxima batalha e não deixar os Absolutistas vencer outra vez.

DIÁRIO 7 – INÊS VENTURA

25 de abril de 1834

O meu nome é Inês Ventura e sou um soldado das forças liberais.

Encontro-me em Portimão.

No país, está a decorrer uma constante guerra civil, iniciada em 1832, resultante dos ódios criados

pela divisão dos portugueses no apoio dos dois irmãos, infantes D. Pedro e D. Miguel, ambos filhos de D.

João VI que defendem dois regimes opostos, o liberalismo e o absolutismo.

D. Pedro defende a monarquia liberal ou constitucional. D. Miguel defende a monarquia absoluta.

Eu sou liberal e defendo as eleições livres e justas (democracia), direitos civis, liberdade de

imprensa, liberdade de religião, livre comércio e propriedade privada. Mas agora vou falar do dia de

ontem, 24 de Abril de 1834, um dia muito marcante para mim. Realizou-se a Batalha de Santa Ana. O meu

exército encontrou-se com o exército absolutista junto a uma pequena igreja dedicada a Santa Ana, numa

área bastante acidentada, a alguns quilómetros a Norte de Messines. Eram duas da manhã e estávamos

prontos para atacar. Às oito da manhã, a tropa inimiga ainda não tinha aparecido, pensámos que tinham

adiado o ataque para o dia seguinte. Estávamos a regressar para o acampamento quando fomos

surpreendidos pelo barulho das vedetas que anunciavam o aparecimento da vanguarda miguelista, o que

nos fez retomar rapidamente à posição inicial. Os rostos do exército inimigo eram vários, mas consegui

logo reparar no Remexido, um célebre guerrilheiro algarvio, que se casou em S. Bartolomeu de Messines.

Deve-se, aliás, ao seu casamento, o nome por que ficou conhecido, já que se rebelou (remexeu) contra o

seu tutor, que lhe proibira o casamento. Era um homem de posses, capitão de ordenanças, além de

exercer a função de recebedor do concelho. Vi ainda o brigadeiro Tomás Cabreira que avançou com 5000

homens de infantaria, 300 cavaleiros e sete peças de canhão. Do nosso lado, Sá da Bandeira tinha cerca de

1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça de 3. Ao início só conseguia ver uma nuvem de

guerrilheiros a aproximarem-se de nós, fiquei um bocado em pânico, mas depois pensei que o meu

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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exército tinha tudo sobre controlo. Enganei-me. Estávamos em minoria, eramos menos, e eles tinham mais

peças. Foi uma batalha muito violenta, sangrenta e cansativa. Perdemos a batalha. No final, as nossas

bagagens e os nossos feridos foram deslocados para Silves. A minha divisão chegou à meia-noite de hoje. O

combate foi longo, pois durou 10 horas. As armas que o meu exército utilizou foram armas de fogo,

artilharia, lanças, escudos, espadas, etc.. Lembro-me de comer trigo, cereais, carne e pão antes da batalha

começar. Nas outras guerras que participei, também me lembro que como não tínhamos uniformes de

jeito, tínhamos de roubar os dos inimigos que matávamos. Estão-me a chamar, tenho de ir, se calhar

amanhã escrevo aqui, se acontecer algo de importante ou interessante.

26 de maio de 1834

Hoje foi assinada a Convenção de Évora-Monte, com a rendição de D. Miguel! É um dia muito bom

para o meu exército e especialmente para D. Pedro.

Finalmente poderei dormir em paz!

DIÁRIO 8 – LAURA PAIVA

24 de abril de 1834 – Batalha de Santa Ana

Já eram oito horas da manhã e o inimigo não aparecia, pelo que pensámos que já não vinha.

Julgando que o ataque já não se ia dar, o nosso comandante Bernardo de Sá Nogueira-Visconde de Sá da

Bandeira, liberal de convicção, pois acreditava num regime liberal onde as leis seriam elaboradas e

promulgadas por uma ou mais assembleias, que o poder judicial podia ser entregue aos tribunais e onde o

rei apenas teria o poder executivo, jurou defender D. Pedro e a sua filha D. Maria, decidiu então, mandar

retirar-nos.

Já o nosso batalhão regressava quando nos foi anunciado o aparecimento da vanguarda miguelista,

defensores absolutistas do poder total no rei. Retomámos as nossas posições e foi aberto fogo sobre nós

pelos guerrilheiros de Remexido que tinham vindo apoiar o brigadeiro Tomás Cabreira, defensor de D.

Miguel.

O nosso exército era auxiliado por tropas estrageiras, nomeadamente belgas, irlandeses e ingleses.

Mesmo tendo o auxílio dessas tropas o combate foi violentíssimo onde se via o pelotão da cavalaria

inimiga a executar os nossos com uma vigorosa carga. O nosso tenente-coronel chegou a um dado

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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momento e mandou que 20 homens cessassem fogo das suas baionetas e logo em seguida carregassem

fogo sobre o inimigo e isto salvou-o.

DESENHO DO SOLDADO LAURA PAIVA

Foi uma batalha que durou cerca de dez horas, onde uma colina foi tomada e retomada três vezes.

A meio do dia o inimigo passou a ribeira do Arade, sendo obrigado a deixar o terreno que antes tinha

ocupado.

Mais tarde um batalhão inimigo começou a marchar na planície e nosso comandante ordenou carga

de dois esquadrões de lanceiros, mas estes retiraram-se antes de tempo. O inimigo aproveitou esta nossa

fraqueza para nos atacar em grande força. Foi-nos então ordenada a retirada para uma posição mais

vantajosa, onde demorámos algum tempo, até que, ao fim da tarde, quando vimos que não tínhamos

qualquer hipótese fizemos um movimento de retirada para Silves.

Sei que o inimigo fez alguns de nós prisioneiros. assim como ficou com cavalos, munições de boca,

lanças, entre outras coisas.

Apesar de nos termos retirado para Silves a luta continua e sei que na próxima batalha sairemos

vitoriosos, pois os ideais liberais irão prevalecer sobre o absolutismo.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 9 – MÁRCIA SOUSA

9 de abril de 1833, Faro

Escrevo mais uma vez aqui, mais um dia da minha vida, como não tenho ninguém com quem

desabafar, nada melhor que uma folha de papel. Tem sido horrível! Sou um soldado liberal e o meu

objetivo é defender a liberdade, a divisão tripartida dos poderes, a soberania popular, o direito de

expressão… Neste momento, pertenço ao povo, e sou obrigado a obedecer a todas as ordens que nos são

dadas, e isso não está correto.

Bem, já que aqui estou, vou escrever como tudo começou…

Nós os liberais, fomos a guerra contra os absolutistas. Participei na batalha de Santa Ana que

perdemos mas a guerra continua…

DIÁRIO 10 – PEDRO BANDARRA – DIÁRIO DE UM DEFENSOR DA IGUALDADE

Dia 24 de abril de 1834

Já é noite e estamos de volta ao acampamento, perto de São Bartolomeu de Messines.

Foi um dia negro, sombrio e de pânico. Eu, Pedro Bandarra, soldado raso estou rodeado de guerra,

sangue e cheiro a morte, tudo por apenas uns ideais que podiam ser resolvidos pelo voto de todos.

Eu e o meu pelotão estamos exaustos e com a moral em baixo, devido ao elevado número de baixas

que sofremos hoje. Nós seguidores de D. Pedro e defensores das ideias liberais, lutamos pela igualdade de

todos e temos como máxima o Estado para servir o povo e não o contrário. Por vezes questionamo-nos

“Será que vale a pena tanta alma sacrificada? Será que algum dia conseguiremos impor os nossos ideais?”

De madrugada, perto duma ribeira, tentando atravessá-la, e completamente desorganizados,

demos por nós cercados por uma guerrilha miguelista. Para onde quer que olhasse só via seus uniformes

azuis e suas brilhantes baionetas. E lá do alto um homem gritava vozes de comando, soube mais tarde que

seu nome era Remexido, um valente, destemido e audaz comandante algarvio.

Nós, soldados da infantaria, que fazemos os reconhecimentos dos terrenos e somos sempre a

cabeça da batalha, vimo-nos ali completamente vulneráveis e sem qualquer hipótese de contra-atacar.

A nossa sorte foi que o nosso comandante, que sabia que a sua cavalaria ainda estava muito atrás,

teve a feliz ideia de mandar bater em retirada, nunca o nosso corneteiro havia soprado um toque tão alto.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Começámos a recuar, pois sabíamos que não valeria a pena investir contra tal organização ofensiva.

Vendo-nos desorientados e em número inferior, Remexido mandou avançar sobre nós todas as

suas tropas, foi um massacre, pois muitos de nós não conseguiram retirar.

Fugi sem rumo, tentando esconder-

me dos soldados absolutistas que nos

perseguiam.

Ao longe ouvia gritos, tiros e o

relinchar dos cavalos. Por fim, escondi-me

numa gruta, o frio e a fome tinham-se

apoderado de mim, pois de manhã só tinha

comido um pouco de pão com banha e uma

tigela de sopa. Joguei a mão ao saco e

encontrei duas sardinhas salgadas e um

pouco de pão já duro, nunca na vida tal

petisco me tinha sabido tão bem.

Depois dos sons da batalha se terem

silenciado resolvi ir procurar os meus

companheiros para regressarmos ao

acampamento. Perto da zona de batalha vi

alguns amigos completamente

esquartejados e auxiliei alguns feridos a

regressar.

Ao chegar, confirmou-se o que eu já

sabia, perdemos a batalha, a qual ficou conhecida pela batalha de Sant´Ana.

Mas, os nossos ideais e convicções não foram derrotados e continuaremos a lutar pelos

fundamentos deste regime, o Liberalismo!

DESENHO DO SOLDADO PEDRO BANDARRA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 11 – RAFAEL NASCIMENTO

Faro, 1 de maio de 1834

A Guerra Civil chegou ao Algarve! Em Faro e noutras cidades do litoral como Albufeira, Olhão,

Portimão e Lagos apoiam-se as ideias Liberais de D. Pedro. Segundo estas ideias, os poderes legislativo,

executivo e judicial deviam estar separados, e não serem todos controlados pelo rei, e o poder deve residir

na Nação. Os nossos adversários, orientados por D. Miguel, o outro filho de D. João VI, defendem que

todos os poderes devem estar concentrado no Rei e que este representa a Nação.

Há alguns dias, tivemos uma grande batalha em Messines. O exército de que faço parte foi

surpreendido pelas guerrilhas comandadas pelo Remexido, um bravo lutador, responsável por muitas

vitórias absolutistas. Além de lutar, e dar toda a estratégia, nunca pára de incentivar os seus

companheiros. Eles eram em número muito superior, deviam ser mais de 5000 e nós poucos mais de 1000.

A maior parte deles eram antigos combatentes e tinham mais armas e mais munições. Tinham facas e

armas de fogo, lâminas afiadas e balas de chumbo.

Conseguimos resistir durante muito tempo, mais de 10 horas, mas a falta de munições obrigou-nos

a retirar. Muitos dos meus companheiros acabaram mesmo por morrer.

Podemos ter perdido esta batalha mas ainda vamos ganhar no final.

DIÁRIO 12 – RAQUEL SANTOS

Aqui estou eu, no vigésimo terceiro dia do mês de maio do ano de 1833, no meio da batalha de

Sant` Ana que já dura há vários meses, em S. Bartolomeu de Messines.

Se alguém encontrar este pequeno diário, peço que o leia.

Estou a escrevê-lo porque não sei se consigo viver muito mais tempo. Neste momento tenho uma

lança espetada na perna direita e uns pequenos arranhões nos braços, cabeça e pernas. Estamos a meio da

guerra civil, em Portugal.

Esta guerra é disputada por nós, os absolutistas, e os malditos dos liberais. Ambos queremos o

poder, mas se tivermos o azar de cair num estado liberal, o país vai cair num pandemónio. Com D. Miguel

no trono, todo o poder, toda a autoridade estará nas mãos dele e assim não correremos o risco de

vivermos num liberalismo irresponsável em que, imagine-se qualquer pessoa do povo terá os mesmos

direitos de um nobre! E se os poderes forem separados, como querem os malditos dos liberais, vai ser

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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uma rebaldaria, o rei irá ser dominado pelos ministros, irá perder o controlo da situação e o seu poder e

reputação serão postos em causa. Jamais a corte portuguesa mostrou tamanha riqueza como no regime

absolutista!

E é por isso que todos nós combatemos. Ainda há dias falei com um parceiro nosso que é conhecido

por Remexido e gabo-lhe a coragem e a força que ele tem revelado contra o inimigo. Logo no início da

batalha, quando Messines foi invadido, o Remexido refugiou-se na serra algarvia e por lá se manteve

escondido. Os liberais nem sonhavam o que ele estava a preparar! Quando menos esperavam, o Remexido

e os serranos, que se tinham juntado, desceram a serra, apanhando o inimigo desprevenido, e derrotaram-

no.

Depois desse episódio, não há ninguém que não tenha ouvido falar do Remexido! Grande homem!

Mas agora já só quero que isto acabe e que consigamos vencer esta guerra. O meu uniforme está

cheio de pó, as minhas calças ensanguentadas, a minha camisa e o meu casaco estão rotos, já não tenho o

meu chapéu e as minhas botas estão cheias de lama.

Estou com saudades da comida da minha casa. Não aguento esta ração a que chamam comida,

quando não nos dão só pão e água.

Sinto-me cada vez mais fraco, já não tenho quase força para escrever...

DESENHO DO SOLDADO RAQUEL SANTOS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 13 – RAQUEL TRAVIA

Messines, 18 de abril de 1834

Eu sou o Miguel, o irmão do conhecido Remexido.

Eu e o meu irmão sempre fomos muito unidos, quando um

de nós precisava de algo, recorríamos sempre ao outro, até

mesmo em situações mais complicadas, incluído as

batalhas, enfim sempre nos ajudámos bastante.

Por falar em batalhas, daqui a pouco tempo haverá mais

uma contra os Liberais, comandados por D. Pedro. Os

defensores do Liberalismo querem que os poderes

executivo, judicial e legislativo sejam divididos e que a

nação deva ser representada pela população, mas nós não

concordamos com nada disto. Todos os poderes devem

estar concentrados no nosso Rei, e deve ser sempre este a

representar a nação.

Existem algumas cidades que apoiam as ideias Liberais, como por exemplo: Faro, Portimão,

Albufeira e Tavira mas nas cidades das zonas mais interiores todos defendemos o Absolutismo.

Messines, 26 de abril de 1834

Já passaram 2 dias desde que a batalha de Sant´Anna aconteceu. Vencemos a batalha e obrigámos

as tropas Liberais a retirarem-se! A batalha não durou muito, a nossa guerrilha era composta por antigos

combatentes, o que reforçou bastante o exército de Tomás Cabreira e por isso ficámos em número muito

superior ao adversário. No total devíamos ser mais de 5000 homens de infantaria, 300 cavaleiros e 7

canhões. Todos nós estávamos com armas de fogo e bastantes munições de chumbo. Eu e o meu irmão

Remexido demos várias indicações aos nossos companheiros, dizíamos quando deviam atacar e em que

lado os opositores estavam. Isso fez com que estivéssemos melhor organizados que eles. No final, assim

que os Liberais ficaram sem munições, foram obrigados a fugir, mas ainda fizemos várias baixas nas suas

tropas. Sabemos que eles se refugiaram na zona da costa, e mais cedo ou mais tarde vamos terminar a

batalha e vencê-los outra vez!

DESENHO DO SOLDADO RAQUEL TRAVIA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 14 – SABRINA CAMPOS

Santarém, 19 de fevereiro de 1834

De muitas batalhas das quais já participei na minha vida, esta última foi a que realmente fez-me

sentir o verdadeiro espirito de guerra.

Lá estávamos nós, para mais uma batalha, Batalha de Almoster, comandada pelo nosso grande

marechal Saldanha.

O motivo da batalha? Impedir a chegada do nosso temido adversário absolutista: o general Lemos e

o seu exército a Lisboa.

Mas esta batalha foi das “melhores” até agora

não só pelo simples facto de termos saído vitoriosos,

mas também por termos conseguido defender as

nossas ideias, nas quais se destacam as seguintes:

divisão tripartida do poder, fim do absolutismo,

soberania popular e igualdade para todos.

As armas de fogo e os canhões foram a nossa

principal defesa. É claro, ainda usamos as nossas

tradicionais espadas, escudos e lanças, como sempre.

Em termos de uniformes, muitas vezes vestimos

roupas desgastadas, até mesmo peças de fardamento

capturadas do inimigo.

O nosso alimento é escasso, e por vezes faz com

que abandonemos as formações. Muitas vezes

roubamos os alimentos uns aos outros, mas tudo isso

para manter as forças e conseguirmos vencer a

batalha. Geralmente, o pouco alimento que nos é fornecido são cereais, azeite, carnes e pão. Apesar de

tudo isto, muitas vezes me questiono sobre a natureza humana.

O que leva alguém a escolher um lado da batalha?

Lembro-me de quando estive no Algarve, mesmo antes do início da guerra, conheci uma grande

figura, o senhor José Joaquim de Sousa Reis, mais conhecido por Remexido. Com ele discuti ideias políticas

e é pena ele ter escolhido ser absolutista e se ter tornado um célebre guerrilheiro miguelista.

Provavelmente irei encontrá-lo numa batalha…

DESENHO DO SOLDADO SABRINA CAMPOS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIOS DOS SOLDADOS DO 8ºB

DESENHO DA ALICE

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 15 – ÁLVARO COSTA

Dia 24 de abril do ano de 1834

Hoje acordei com um calafrio nas pontas dos pés e com gritos de agonia e de estouros de armas,

estava dentro de uma pequena tenda e

a meu lado tinha a minha roupa e uma

Carabina T. Potts.

Vesti-me com a velocidade de

um cavalo e rapidamente sai da tenda

com a minha carabina. Ao sair comecei

a ver os meus colegas a treinar com as

suas armas e percebi que um soldado

tinha sido atingido por uma bala. Fui

treinar durante umas horas e depois

fui a Santa Ana beber um copo, e

encontrei o Remexido. Não consegui

evitar e fui logo falar com ele, queria

que ele me contasse tudo sobre as suas guerrilhas e me explicasse o porquê da sua alcunha ser Remexido.

Depois de uns copos de um bom vinho do Alentejo, ele explicou-me que a sua alcunha tinha sido criada

porque, ele se casara com uma mulher que o seu tutor não que ele casasse, daí a sua alcunha ser

Remexido. Ele também me perguntou porque é que tinha escolhido ser absolutista e não um soldado

liberal, e também quais eram os nossos ideais. Eu expliquei-lhe que os absolutistas defendiam a monarquia

absoluta, que nós somos apoiados pela rainha Carlota Joaquina e pelo seu filho D. Miguel, enquanto se

fosse um soldado liberal eu defenderia a monarquia liberal ou constitucional e a soberania popular.

Já passava das três da tarde e comecei a ouvir uns gritos de raiva, fui logo à janela da taberna ver o

que se passava. Conseguia ver um grande grupo de soldados vestidos de casacos azuis e calças brancas. Só

podiam ser soldados liberais e estavam aqui para começar uma guerrilha em Santa Ana. Quando voltei a

mim, depois daquele momento chocante de que ia participar numa guerra, estava pronto para a batalha.

Parti uma perna na batalha, por isso já não poderia participar mais e por essa razão estou de volta à

tenda em que estava de manhã e a escrever neste diário, pois não sei como será o dia de amanhã, posso

estar cá ou posso ter voado para dentro de um sono sem fim ao encontro de Deus.

DESENHO DO SOLDADO ÁLVARO COSTA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 16 – BEATRIZ GUERREIRO

Algarve, Portugal 1834

Sou um soldado liberal e defendo a monarquia liberal ou constitucional.

Quando D. João VI morreu, D.

Pedro imperador do Brasil e irmão de D.

Miguel tornou-se seu sucessor, mas

antes de abdicar do trono a favor da sua

filha, D. Maria II, aprova a Carta

Constitucional e acorda com o seu irmão,

D. Miguel, o casamento deste com a sua

filha.

Em 1828 D. Miguel regressa a

Portugal e restaura o absolutismo com o

apoio da alta nobreza e alto clero.

Depois da sua chegada D. Miguel,

dissolveu a Câmara dos Deputados e

convocou as Cortes à maneira

tradicional. As cortes cumpriram a

vontade de D. Miguel, coroando Miguel I

de Portugal e anulando a Carta

Constitucional. Em 1831, D. Pedro

abandona o Brasil, vai para os Açores

(Ilha Terceira) e conseguindo apoio

estrangeiro decide pôr em causa o poder

do irmão.

Em 1832 iniciámos uma guerra civil…

… Partimos para a guerra. Desembarcámos entre Pampelido e Mindelo, perto do Porto.

As nossas armas eram as baionetas, canhões e espingardas, sendo nosso uniforme constituído por

umas calças justas, com botas até ao joelho e um casacão onde eu mostrava as medalhas que ganhei pela

minha bravura. Lutámos contra as tropas de D. Miguel durante dois anos e vencemos! Destaco as batalhas

em que participei: Almoster e Asseiceira. A vitória ficou consagrada na Convenção de Évoramonte em

1834. Depois D. Miguel foi para o exílio e esta vitória liberal finalmente permitiu-nos a estabilidade para se

DESENHO DO SOLDADO BEATRIZ GUERREIRO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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fazerem grandes reformas (económicas, sociais, educativas e jurídicas), que tornou Portugal num país mais

moderno, mas D. Pedro não pôde assistir a estas mudanças porque morreu entretanto e agora D. Maria II é

a nossa rainha.

DIÁRIO 17 – BERNARDO GAGO

Eu soldado Gago, pertenço a um exército liberal, porque defendo os ideais de sociedade de D.

Pedro IV que são: a divisão tripartida dos poderes e a soberania popular, onde o poder reside na nação. Eu,

D. Pedro IV e os meus companheiros estamos a ir para a cidade do Porto, em Portugal, para irmos

combater os Miguelistas.

Acabei de desembarcar no Mindelo e estou-me a preparar para tomar a cidade do Porto.

Esta guerra está a ser bastante difícil devido ao cerco que os absolutistas montaram à volta do

Porto. Passamos fome e frio mas o exército Miguelista começou a mostrar fraqueza e muitos dos seus

soldados desertam para o nosso lado.

Nesta guerra há varias armas de fogo, como por exemplo, as baionetas e canhões. Os nossos

uniformes são azuis e vermelhos e temos um chapéu. Os mais ricos pertencem à cavalaria mas eu, que sou

pobre, combato a pé, na infantaria.

Estou cansado de lutar e espero que a guerra termine rapidamente.

DIÁRIO 18 – CAROLINA PINHO

São Bartolomeu de Messines, 26 de abril 1834

Sou o Duarte e sou um soldado liberal pois defendo que todos temos direito à liberdade e

igualdade, independentemente da classe social, e também a separação de poderes, não devendo estes de

estarem concentrados nas mãos do rei.

Os acontecimentos que me levaram a combater pelos liberais remontam a 1820, que foi quando

aconteceu a Revolução Liberal, organizada pelo Sinédrio e comandada pela burguesia. Nesse ano as Cortes

Constituintes prepararam a Constituição e reclamaram o regresso da família real do Brasil, facto que se

deu em 1821. O filho primogénito de D. João VI, D. Pedro, permaneceu no Brasil e em 1822 proclamou a

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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independência desta nossa colónia. A Constituição de 1822 é aprovada mas os absolutistas reagiram e

organizaram duas tentativas de golpe de Estado: a Vilafrancada e a Abrilada. Descobertos os seus

mentores, D. João VI força o seu filho D. Miguel ao exílio Áustria. Com a morte de D. João VI, em 1826, D.

Pedro outorga a Carta Constitucional a Portugal e abdica da sucessão ao trono para a sua filha, D. Maria da

Glória, desde que o seu irmão casasse com ela. Em 1828 D. Miguel regressa a Portugal e é aclamado como

rei absolutista. Deu-se o início das perseguições absolutistas a nós, liberais.

Em 1830 inicia-se a constituição da regência liberal na ilha Terceira nos Açores. D. Pedro abdica do

trono no Brasil para o filho D. Pedro II e regressa à Europa para ajudar a formar o exército liberal.

Em 1832 ocorreu o desembarque liberal em Pampelido, perto do Porto e iniciasse a guerra civil

entre absolutistas e liberais. Desde então tenho combatido no exército liberal.

Há dois dias que estamos no Algarve à espera da batalha contra os absolutistas. Vi o brigadeiro

Tomás Cabreira avançar com 5 mil homens de infantaria, 300 cavaleiros e 7 peças de canhão. Nós,

comandados por Sá da Bandeira, só tínhamos 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça de 3.

Quando o combate começou foi violentíssimo, pois fomos apanhados quase de surpresa pelos

guerrilheiros do Remexido que se tinham unido a Tomás Cabreira. O combate foi muito sangrento e

tivemos de retirar com muita gente ferida, abandonando assim a batalha.

Como tivemos de abandonar o local, a batalha foi ganha pelos absolutistas mas eles que esperem,

pois nos voltaremos para ganhar.

Pois queremos acabar com a monarquia absoluta e as suas injustas.

DIÁRIO 19 – DANIEL CANDÉ

Eu, um bravo soldado da infantaria liberal, hoje 24 de Abril de 1834, encontro-me em São

Bartolomeu de Messines. Combati na Batalha de Sant'Ana, alguns quilómetros a norte da minha

localização atual. Combati sem cessar contra os miguelistas, mas mesmo assim não foi suficiente, as tropas

miguelistas triunfaram. Esta e outras batalhas são denominadas ''A Guerra dos Irmãos'' pois D. Pedro, que

é liberal, e D. Miguel, que é absolutista, defrontam-se para decidir em qual dos regimes habitará a

Monarquia Portuguesa.

Como liberal apoio a divisão dos três poderes, a soberania popular, o fim dos privilégios do clero e

da nobreza, a liberdade…. Simplesmente, quero que a Guerra Civil acabe, eu sinto que a população

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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portuguesa vive num clima de terror, sem saber o que poderá vir a acontecer e quando irá a guerra

acabar...eu rezo todas as noites para que este pesadelo acabe.

Hoje combatemos com um uniforme azul-escuro, vermelho e branco e com um capacete verde. No

meu uniforme tinha algumas medalhas... enquanto o vestia parecia sentir o sangue dos soldados que iriam

morrer nesta batalha e ao mesmo tempo sentia arrepios pois tinha receio de enfrentar o Remexido...

Quando a batalha começou sentia-se no ar um ambiente monótono, triste, fechado, ainda era de

madrugada … sentia-se a tensão das tropas naquela batalha, nessa altura ainda não sabia que os

miguelistas sairiam vitoriosos.

As nossas tropas foram comandadas por Sá da Bandeira e miguelistas Tomás Cabreira. Quando este

conseguiu avançar com 5000 combatentes a

pé, os da infantaria, 300 cavaleiros

e sete peças de canhão, nós, os

liberais, já tínhamos 1000

baionetas e 80 lanceiros.

Nós aguardámos a chegada das tropas miguelistas, que não mostravam sinal de sua presença, até

que, escassas horas depois do nascer do sol, aparecem as tropas miguelistas, que se aproximavam,

lentamente, enquanto os seus atiradores abriam fogo. Reparei logo no Remexido ali no meio das tropas

miguelistas. Ele era um reforço enviado de Lisboa, e é algarvio! Os miguelistas tinham uniformes similares

aos vossos, a diferença era a faixa vermelha que eles tinham e nós não. Remexido e as suas tropas

atacaram-nos rapidamente e levaram-nos até à crista da serra, local onde as forças do Barão de Faro se

sentiam com grande força. As nossas tropas, sentindo-se ameaçadas, tentaram fazer fogo com a peça de

artilharia. O Remexido, atacando com as suas forças, matou o capitão Marcelo dos lanceiros e aprisionou o

tenente Francisco Solano Portelas. De seguida fizemos a nossa retirada, com a cara baixa, derrotados.

Houve mortes e tudo para que as tropas miguelistas saíssem vitoriosas. Afinal, será que este esforço que

as nossas tropas fazem vale a pena? Será que alguma vez esta guerra irá acabar, e Portugal viverá de

acordo com os ideais liberais? Mas pensado bem, os miguelistas apenas ganharam a batalha, não a guerra!

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 20 – DANIEL SOUSA

O dia 24 de Abril de 1834 amanheceu cinzento e ainda me doíam as costas e pernas da longa

caminhada à chuva até São Bartolomeu de Messines. As nossas tropas vieram para esta cidade pois há

algumas semanas um dos meus companheiros de guerra encontrou um relatório onde constatava que no

dia 24 de Abril as tropas Absolutistas se iriam mover para São Bartolomeu de Messines com o objetivo de

seguirem para Silves e apanharem-nos de surpresa. Foi então que quando os nossos comandantes

Bernardo de Sá Nogueira e Visconde de Sá Bandeira leram este relatório e decidiram que quem os iria

apanhar de surpresa éramos nós. E foi assim que viemos para São Bartolomeu de Messines. Temos que os

deter, ou não me chamo Celestino de Morais! Não percebo como o Brigadeiro Cabreira e os seus apoiantes

conseguem seguir o regime Miguelista… para mim, e para os meus companheiros, não faz sentido!

Queremos uma sociedade que tenha como base a Liberdade e a Igualdade, uma ampla gama de pontos de

vista e a divisão dos poderes executivo, legislativo e judicial. E não uma sociedade em que o Monarca

contenha em si todos os poderes decidindo tudo sozinho e sem pedir a opinião de outros indivíduos.

Juntámo-nos próximo da Ermida para cear. Soube-me bem o pão, azeitonas e sardinhas. Depois, nem sei

como tudo começou… estávamos a conferir as nossas armas do 4º regimento de infantaria, e dos 30

lanceiros que a nós se juntaram; as Espingardas Brown Bess de 19,1 mm luziam… Carabinas T. Potts de

19,1 mm, Espingardas Baker de 15,9 mm, Pistolas

Arsenal do Exército de 17,3 mm – tudo pronto! De

repente, fomos avisados da presença próxima de

um grande grupo, uniformes todos iguais: farda

comprida de pano azul, fechada pelo direito, com

duas ordens de oito botões; luvas de pele branca,

calças de mescla azul acinzentado… Eram os

Absolutistas! Mas o primeiro ataque veio de um

flanco, por um organizado grupo, liderado por

alguém que eu reconheci. Era José Joaquim de

Sousa Reis, o Remexido, o célebre guerrilheiro

Algarvio! Percebi que estava muito perto dele

quando avancei para o atacar mas tenho que

reconhecer que ele foi mais forte e mais rápido e

dei por mim a rebolar pela ribanceira após ser ferido por uma baioneta na perna esquerda… O Remexido,

flanqueando com as suas forças, matou o nosso capitão Marcelo, aprisionou o nosso tenente Francisco

DESENHO DO SOLDADO DANIEL SOUSA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Solano Portelas, e alguns dos nossos companheiros lanceiros ficaram estendidos no campo da batalha.

Arrastei-me, com os restantes companheiros em retirada, até Silves. Tive sorte, a minha ferida não foi

muito grave. Ao sétimo dia já consigo andar e escrever no meu diário. Estamos a ganhar forças, não sei

quando atacaremos novamente, mas o país assim não pode continuar…

DIÁRIO 21 – DANIELA SANTOS

25 de abril de 1834

Meu camarada de batalha,

Ontem, dia 24 de abril, não pude escrever pois estava ocupado a batalhar, como de costume, para

que no futuro este país tenha uma monarquia liberal, para que toda gente tenha os mesmos direitos,

todos sejam cidadãos e para que não haja privilégios para ninguém.

O dia de ontem foi dos mais emotivos e dolorosos que já tive. Perdi muitos dos meus companheiros

de guerra eternos, os meus comparsas, naquele campo acidentado, a poucos quilómetros a Norte de

Messines. Nós, os liberais, eramos cerca de 1000 e poucos homens, 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma

peça de 31. O nosso exército comparado, com o dos reles absolutistas, era quase insignificante, eles eram

perto de 5000!

Os soldados, tanto liberais como absolutistas estavam trajados como de costume, com roupas

justas e capacete. Contrariamente à simplicidade dos uniformes dos liberais, os absolutistas tinham

uniformes de cores muito vivas e chapéus de plumas volumosos. Ambos os exércitos empunhavam o

mesmo tipo de armas, a maioria de fogo, como a baioneta.

Apenas os mais importantes estavam montados a cavalo como os comandantes das guerrilhas, e os

soldados iam com os seus próprios pés, em chão firme, com as suas lanças e baionetas.

A batalha demorou muito tempo a começar, o exército inimigo hesitava em aparecer. Era ainda de

madrugada e nós lá estávamos, firmes e pacientes. Quando estávamos a dispersar-nos a caminho do

acampamento é-nos anunciada a chegada do batalhão miguelista. Foram eles que começaram a disparar

sobre nós, e até certo momento resistimos. Mas o número de soldados do batalhão liberal começou a

diminuir vertiginosamente. O combate, a cada disparo que ecoava pelas encostas, tornava-se cada vez

mais violento.

No meio de tanta gente a lutar, deparei-me com um dos homens importantes da batalha, o

comandante de uma das guerrilhas absolutistas, o Remexido. Ele investiu sobre mim, montado no seu

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cavalo preto, com a sua arma de fogo… falhou, mas não desistiu, voltou a disparar, e a bala passou-me de

raspão ao lado do ombro. Com a sua voz poderosa e de quem impõe respeito dirigiu-se a mim:

- Não irão restar nenhuns da vossa raça! Podem ter a certeza! Nós iremos matar-vos um a um até

que não reste mais nenhum!

- Isso veremos! Exclamei eu disparando sobre as patas do cavalo fazendo com que este se

assustasse e deixasse cair o Remexido.

A batalha decorreu cada vez mais violenta, com cada vez menos gente, incluindo muitos

companheiros meus. Os feridos eram levados pela estrada de Silves para serem tratados.

A batalha durou perto de dez horas, e para nossa felicidade e espanto, foram os liberais os

vencedores da batalha, apesar de todas as dificuldades, conseguimos derrotá-los com a nossa força e

vontade. Ficámos com muitos cavalos, munições e armas pertencentes ao inimigo.

Foi este o dia de ontem, tão cheio de acontecimentos e sentimentos. Eu já nem imaginava que iria

sair dali vivo. Com tantas razões para sermos os derrotados, afinal fomos os vencedores.

DESENHO DO SOLDADO DANIELA SANTOS

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Bem por hoje é tudo camarada, ficam aqui os meus desabafos, desabafos de um soldado liberal que

sonha que neste país um dia haja justiça e direitos para todos que não os têm.

Até amanhã ou até um dia, pois nunca sei quando não estarei mais aqui.

1Arma semelhante a um canhão.

DIÁRIO 22 – DIOGO CRISTOVÃO

Porto, 9 de maio de 1934

Era uma noite fria e estávamos todos juntos no acampamento para jantar (pensei que seriam papas

outra vez!), quando de imediato fomos atacados pelos absolutistas, e só conseguimos pensar numa coisa;

pegar nas armas e disparar e rezar para que as balas lhes acertassem.

Nessa noite eles retiraram-se pois viram que estavam a perder muitos homens. No entanto acho

que nós estávamos pior, esfomeados, cansados e com muita sede.

O nosso general mandou-nos comer e deitarmo-nos, pois amanhã seria o dia de uma grande

batalha.

Na manhã seguinte, todos madrugaram para estarem prontos a horas e com o uniforme completo,

capacete, botas e a grande arma que nos protegia baynette (baioneta).

Fomos a correr para o território inimigo sem fazer o mínimo de barulho. Começámos aos tiros para

todo o lado e mais uma vez rezámos para que isto acabasse. Passadas 3 horas vimos tudo destruído,

corpos mutilados no chão… era impossível alguém estar vivo, tudo ardia, como se fosse o inferno.

Quando tudo acabou voltamos para junto da nossa família, eu estava feliz por me encontrar vivo.

Uma passagem da minha vida que jamais esquecerei. A vitória dos liberais e o reencontro com a minha

família.

DIÁRIO 23 – DIOGO FERREIRA

Já anoiteceu… estivemos sobre ataque o dia inteiro. Estou a escrever agora do nosso acampamento

e alguns dos nossos homens morreram mas nós também conseguimos matar alguns dos absolutistas.

Apesar de nós estarmos em desvantagem numérica conseguimos infligir alguns danos.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Eles tinham 5000 homens de infantaria, 300 cavaleiros e 7 peças de canhão, obviamente um

exército sólido, enquanto que nós tínhamos apenas 1000 baionetas 80 lanceiros e 3 peças de canhão e

fomos comandados por Sá de Bandeira. Esta é “A Batalha de Sant’ Ana” e decorre junto a uma pequena

ermida dedicada a Santa Ana, numa área bastante acidentada a escassos quilómetros a Norte de Messines.

Estou um pouco enjoado, por causa das baixas e também porque estiveram a servir galinha com duas

onças de arroz, novamente. Começo a pensar que D. Miguel é doido por estar envolvido nesta guerra

contra o seu próprio irmão e por pensar que consegue continuar com o seu absolutismo, onde não existe a

separação dos poderes.

O meu uniforme é azul, com faixas brancas e com um colarinho vermelho. Tem umas calças

castanhas e um chapéu alto, azul e com uma pena à frente. Tenho uma baioneta e uma sacola para as

munições. Tenho este uniforme porque sou um soldado da companhia dos fuzileiros. A batalha de hoje,

que decorreu por 10 horas, começou com um vivo fogo sobre toda a nossa frente. Ficámos expostos a uma

fuzilaria muito nutrida, à qual, por causa do nosso pequeno número, só muito debilmente podíamos

responder. Embora em desvantagem, lutava com tenacidade contra esses adversários. Uma pequena tropa

dos nossos atiradores, destinada a defender a entrada do barranco que separava o cabeço do centro dos

DESENHO DO SOLDADO DIOGO FERREIRA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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cabeços da esquerda, deixou a sua posição para se deslocar para o centro. Ameaçado por novo ataque, o

inimigo penetrou imediatamente nessa garganta, e a nossa esquerda ficou sem comunicação com o

centro. Ao perder a sua posição, a esquerda deixou, naturalmente, o centro exposto ao redobro dos

ataques de frente e de flanco. O fogo tornou-se terrível nesse ponto, e o tenente-coronel, embora

oprimido por fogos cruzados, continuou a defender-se ali e a sua pequena tropa diminuía a olhos vistos.

Um pelotão de cavalaria inimiga executou uma vigorosa carga, subiu o cabeço e chegou ao cimo, a

dez passos do tenente-coronel. Neste momento, este mandou calar as baionetas de uns vinte homens e

carregar. Este movimento, comandado prontamente e com sangue-frio, salvou-o. Os cavaleiros voltaram

rédeas e precipitaram-se para a encosta do cabeço. Foi nessa ocasião que ele achou impossível prolongar a

resistência: cobriu a direita e a esquerda com alguns atiradores e iniciou a retirada a passo ordinário.

Portanto pode-se dizer que perdemos hoje.

No nosso acampamento ouvi falar no guerrilheiro José Joaquim de Sousa Reis, ou o Remexido.

Contaram-me que era ele que liderava a maior parte dos ataques miguelistas feitos no Algarve e que por

isso era um dos maiores inimigos dos liberais. Espero que amanhã nos sintamos melhor, depois desta

batalha. Quando olho para alguns dos meus colegas, consigo ver na cara deles que estão desmoralizados e

sem esperança.

Bem agora vou dormir e esperar que esta guerra acabe depressa para poder voltar para a minha família.

DIÁRIO 24 – FILIPE GARCIA

São Bartolomeu de Messines, 28 de abril de 1834

Por aqui, no Algarve, está tudo bem. Pelo menos por agora.

As últimas duas semanas foram muito difíceis, estava a ver que as batalhas não terminavam.

No dia 24 de abril, travámos uma batalha muito importante, na qual saímos vitoriosos e tudo graças

a um grande bom homem, que aqui na zona é conhecido por Remexido, mas o seu nome é José Joaquim

de Sousa Reis.

A batalha travou-se perto da Ermida de Sant’Ana, mesmo no meio da serra, durante a batalha

recorri muitas vezes a Deus para me dar forças para continuar.

A serra é linda e se não fosse o Remexido nenhum de nós tinha sobrevivido para contar a história.

Ele apresentou-nos esconderijos, que para quem não conhece nem se apercebe da sua existência, além de

nos ter ensinado a obter alimentos, quando a nossa ração acabou. Na serra podemos alimentar-nos de

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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quase tudo, desde de ervas, frutos, raízes a animais. A ajuda no Remexido foi essencial para distinguirmos

o podíamos comer do que não podíamos, além de ensinar as melhores técnicas de caça de animais como o

javali.

Mas continuando, não sabemos como é que os liberais ficaram a saber que nos encontrávamos na

serra. No caminho cruzámo-nos com Tomás António da Guarda Cabreira, comandante de uma divisão

miguelista. Este tinha 5000 homens de infantaria, 300 cavaleiros e sete peças de canhão. Juntos, na serra,

usando como armas pistolas, espingardas e facas pontiagudas, combatemos o batalhão dos liberais, onde

muitos pertenciam a tropas estrangeiras (belgas, irlandesas e inglesas), comandados pelo Visconde de Sá

da Bandeira, que tinha cerca de 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça de 3.

Os primeiros a aparecer e a abrir fogo, fomos nós que estávamos com o Remexido.

Muitos liberais bateram em retirada, pois estavam em menor número e nós tínhamos duas peças

de 6 e um obus, contra a peça de 3 deles.

Mas bom foi quando houve uma deslocação dos atiradores, que defendiam a entrada do barranco

que separava o cabeço do centro do cabeço da esquerda, para o centro onde nós ameaçamos um novo

ataque. Nós estávamos em vantagem e cada vez mais os militares liberais batiam em retirada. O combate

foi violentíssimo.

No fim da batalha, verificou-se que muitos liberais tinham sido abatidos, cerca de cento e quarenta,

entre eles encontrava-se o capitão Marcelo, morto pelo Remexido e alguns prisioneiros, tal como o

tenente Francisco Solano Portelas. Ficaram também em nosso poder muitos cavalos, quarenta a cinquenta

lanças, munições de boca, armamentos, algum cartuchame, e as macas em que conduziam os feridos.

Muitos de nós (miguelistas/absolutistas)

avançámos para Faro. Também já à nossa espera,

com esperança de capturar o Remexido, estava o

Barão de Faro e a sua tropa carregada de artilharia.

No entanto, a coisa correu-lhes mal porque um deles

ficou ferido e tiveram de deslocar a peça, mas

devido ao seu peso esta tornou-se um estorvo. Ao

vermos tal situação, continuamos a atacar as forças

liberais, que pareciam estar a perder as forças. No

entanto tudo passou tão rápido que nem sempre dá

para perceber o que realmente se passou.

Em suma, nós tivemos nove soldados mortos, um oficial, dois soldados inferiores e três soldados

feridos gravemente e dezanove soldados feridos levemente.

DESENHO DO SOLDADO FILIPE GARCIA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Tudo seria mais simples se os idiotas não arranjassem ideias loucas. Onde já se viu, D. Pedro estar

no Brasil e querer governar Portugal, através da sua filha, repartindo os poderes, em que o rei só ficava

com o poder executivo, enquanto o poder legislativo (elaborar e promulgar as leis) ficava entregue a uma

ou mais assembleias e o poder judicial ficava entregue aos tribunais. Nós precisamos de um rei cá e nada

mais justo que ser D. Miguel. Além disso, retirar os poderes ao rei, não é justo, seria bem mais simples e

daria menos trabalho, o rei ter o poder absoluto sem a influência das cortes.

Com tanta guerra e tanta luta, as minhas as calças brancas ficaram acastanhadas, as minhas botas

pretas enlameadas e o meu casaco azul com motivos dourados perdeu alguns botões. No meio da

confusão perdi o meu chapéu azul (não me esquecer de pedir outro ao capitão), e conseguiram estragar o

meu suporte branco, cruzado onde trazia as minhas armas.

Por hoje é tudo, estou cansado de escrever (por acaso eu é que não me recordo de mais nada da

história devido ao cansaço físico e mental desta grande batalha).

DIÁRIO 25 – GABRIEL SEROMENHO

Eu, soldado Seromenho, hoje, dia 24 de agosto

de 1833, faço parte do exército liberal e escrevo esta

página do meu diário para relatar os acontecimentos

importantes que hoje se sucederam.

Eu enquanto soldado liberal defendo ideias tais como:

eliminação da monarquia absolutista e dos privilégios

do clero e da nobreza.

Nas batalhas que travo uso o uniforme já gasto,

que consiste num casaco preto comprido, com botões

de ouro e medalhas, umas calças brancas justas de

seda e umas botas. Eu e o meu pelotão usamos as

seguintes armas: baionetas e espingardas. As minhas

armas, tais como as dos outros, são carregadas com

pólvora, o que demora muito tempo e por vezes, no

meio da batalha não há tempo para o fazer.

DESENHO DO SOLDADO GABRIEL SEROMENHO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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A guerra tem sido muito dura e complicada. A nossa alimentação baseia-se em biscoitos duros e

papas e bebemos água e vinho.

Estou cansado e quero voltar para a minha família.

DIÁRIO 26 – INÊS MARGARIDO – UM ACHADO

A divisão da casa estava escura e cheirava a humidade. Havia muitos anos que ali ninguém entrava.

As memórias da família tinham para ali sido atiradas sem qualquer ordem para além da simples

antiguidade. A Alice esperou um pouco para que os seus olhos se habituassem à escuridão, antes de iniciar

a tarefa de procurar o interruptor que deveria trazer de novo à vida os objetos que já pressentia.

A lâmpada ligou-se com um estalido metálico e iluminou debilmente os objetos que estavam no

sótão. Com um olhar rápido detetou alguns dos brinquedos da sua infância. Viu o seu cavalo de madeira, o

seu carro de lata, o carrocel de lata, o pião colorido. Tudo para ali atirado. Não tinha, no entanto, tempo

para se deliciar com estes objetos. Esta parte da casa tinha de ficar encaixotada até ao fim do dia para a

mudança de casa que a família estava a fazer. Com os máximos cuidados para não estragar nada iniciou a

empreitada que lhe estava destinada. Nas próximas horas, folhas de jornal e caixas de papelão seriam a

sua única companhia.

Os vidros arrumados aqui, os brinquedos ali, os artigos partidos para o lixo, os livros para acolá,…

Quando chegou a um monte de papéis que estava num dos cantos do sótão, houve uma peça em

particular que lhe captou a atenção: um livro antigo escrito à mão que estava já bastante amarelecido pelo

tempo. A avaliar pela sua apresentação deveriam ser receitas antigas da família… Agarrou o livro e

começou a folheá-lo. Tinha-se enganado redondamente. Este não era um livro de receitas. Era um diário

de alguém que nunca tinha ouvido falar. Os episódios que contava deixaram-na surpreendida. Falava sobre

a guerra, sobre coisas que apenas na sua juventude tinha estudado durante o liceu. Estava confusa.

Colocou de lado a sua descoberta e prosseguiu a sua tarefa de arrumação.

No fim do dia, esgotada e sem forças deixou-se cair no sofá que estava ao lado da sua avó.

Lembrou-se, então do livro que tinha encontrado e perguntou à avó se sabia que seria o seu autor. Após

folhear o livro, a avó disse que sabia muito bem o que era aquele livro e que havia muitos anos que não

sabia dele.

- Obrigado, querida, por mo teres trazido. – disse a avó. – Pensava que já o tinha perdido!

- Ainda não me disse de que era. - lembrou a Alice

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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- Era do meu bisavô.

- Nunca me tinha falado nele. Quem era?

- Este meu bisavô era um agricultor na Serra do Caldeirão no Algarve. Antes de se ter tornado agricultor

como os seus pais, pertenceu ao exército e lutou na Guerra Civil Portuguesa

- Mas ele esteve na guerra? – perguntou com entusiasmo a Alice, ao saber que um seu familiar tinha

combatido.

- Sim. Se quiseres conto-te o pouco que sei dele. Queres?

- Quero. Conte-me tudo.

- O meu bisavô – começou a avó- morava no Algarve numa aldeia pequena ao pé de Boliqueime. Era uma

pessoa muito nacionalista e com grande orgulho em Portugal. Os seus pais tinham sido agricultores e

estava habituado a só folgar ao Domingo, quando ia à igreja com os pais. Quando teve idade suficiente

juntou-se ao exército nacional e esteve sempre ao serviço do rei. Viveu durante o reinado de D. João VI e

acompanhou as alterações que nessa altura se deram em Portugal. Como sabes, com a morte de D. João VI

foi nomeado seu sucessor D. Pedro IV. Uma vez que ele era já imperador do Brasil, foi impedido de exercer

o seu reinado em Portugal e abdicou a favor da sua filha, D. Maria da Glória com apenas 7 anos. Até que

ela pudesse exercer e casar com o seu tio D. Miguel, seria este que ficaria regente. Uma vez assumido o

papel, D. Miguel foi nomeado rei e foram declarados nulos todos os atos de D. Pedro IV. Iniciou-se então a

guerra civil portuguesa, entre D. Miguel, pelo lado dos absolutistas, e D. Pedro IV pelos liberais. O meu

bisavô lutou pelos absolutistas… e mais não sei.

- Só isso, Avó?

- Sim. Se quiseres saber mais lê o diário dele que é este livro que me trouxeste.

A Alice tinha ficado muito curiosa acerca deste seu antepassado e prontificou-se a ler o diário do tetravô.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Uns dias depois informou a avó que gostaria de lhe ler uma passagem do diário que tinha gostado e em

que o tetravô tinha participado.

Leu:

“Albufeira, 26 de julho de 1833

Hoje foi um dia importante. Entrámos em Albufeira. Como há vários dias que não escrevo vou

explicar o que aconteceu antes de começar as minhas celebrações com os meus companheiros.

O nosso agrupamento tinha montado um cerco à vila de Albufeira. Dentro da vila estavam os liberais.

Todas as noites tinham disparado as suas armas com receio que nós, ao abrigo da noite, os

invadíssemos. Pressentia-se que eram inexperientes e que não iriam durar muito tempo nos seus postos.

Havia três dias que mantínhamos o cerco e os homens a postos para invadir a vila e libertá-la. Tinham sido

dias difíceis a acompanhar o Remexido, em que nos alimentámos do que a mata e os populares nos davam,

desde verduras, pão, azeitona, peixe seco, batatas, e esporadicamente alguma carne de porco. Desde a

batalha que tínhamos travado e vencido em Boliqueime que os homens andavam nervosos e cansados. A

DESENHO DA ALICE

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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luta tinha sido dura. Lutámos casa a casa e homem a homem com o que tínhamos à mão, desde foices a

espingardas, baionetas e com tudo o que conseguíamos utilizar como arma.

Desde a batalha de Boliqueime tínhamos caminhado pelo mato com as nossas fardas ou o que delas

sobrava. Os chapéus estavam amarrotados. Os nossos casacos azuis com as dragonas brancas estavam já

gastos das batalhas travadas e dos quilómetros percorridos. As nossas calças, que eram mescladas de

castanho, estavam agora sujas de terra e de sangue. Os sapatos estavam completamente gastos e se

algum colega tombava na batalha tratávamos de averiguar que número calçava e como estavam os seus

sapatos. Às costas levávamos uma mochila com os mantimentos individuais desde água a alimentos

sólidos.

De repente vimos uma pessoa a descer por uma escada pendurada na muralha a acenar um lenço

branco. Era a rendição. Passado pouco tempo, o Remexido passou por nós e disse que nos preparássemos

para entrar em Albufeira que eles se tinham rendido. Era um homem imponente e calmo. Ao pé dele todos

sentíamos a certeza que que faríamos grandes feitos. A sua moral era incorruptível e este grande homem

iria entrar na Vila sem disparar um tiro. Com ele as vitórias são garantidas.

Fui dos primeiros a entrar na vila e íamos apreendendo todas as armas que víamos, acima de tudo

espingardas, baionetas e peças de artilharia.

O Remexido entrou pouco depois e na vila e marcou a rendição oficial para a Câmara. E assim

terminou o nosso cerco a Albufeira. D. Miguel já é dono desta vila. Os ataques destes liberais à Santa Igreja

não se vão repetir e tudo irá permanecer como sempre foi desde D. Afonso, o Conquistador. Os dias

gloriosos de Portugal e da sua nobreza vão regressar. Vamos finalmente ter alguém com poder efetivo para

nos governar. Já chega de múltiplos poderes divididos sem que ninguém saiba quem manda, nem ninguém

se entenda.

Os meus colegas de armas já estão a comemorar mas eu quero escrever o meu diário antes de

celebrar e por isso este ponto de onde vejo a cidade e o mar é idílico…

Vi um barco a aproximar-se por terra. Penso que talvez sejam liberais, já não posso escrever mais.

Vou informar o Remexido mas algo me diz que o dia não acabou.”

- Sabes o que aconteceu depois, Avó?

- Sei. Conheço essa batalha. Mas acho que devias ser tu a pesquisar.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 27 – INÊS AGOSTINHO

Querido diário, como escrevo aqui pela primeira vez vou-me apresentar. Chamo-me Miguel tenho

25 anos e sou um soldado liberal.

Decidi escrever um diário para um dia mais tarde rever tudo o que estou a passar neste momento.

Eu defendo as ideias liberais pois elas defendem a igualdade de todos e a separação dos poderes

que o rei tem. O liberalismo pretende pôr fim ao absolutismo que tem vindo a deixar o povo na miséria.

Então vou contar como tudo começou… por volta de 1806, Napoleão decretou aos países europeus

o Bloqueio Continental (consistia em fechar todos os portos de todos os países da Europa ao comércio

Inglês). Portugal não aderiu pois tinha uma velha aliança com Inglaterra, e como tal as tropas Francesas

atacaram-nos.

Com medo das tropas Francesas o príncipe D. João foge com a sua família para o Brasil em 1807. O

príncipe e a sua família ficaram lá mais do que o tempo necessário, o que revoltou a população

Portuguesa. Portugal sofreu três invasões Francesas, mas resistiu sempre à pressão:

1807-1808: Comandada por Junot.

1809: Comandada por Soult.

1810-1811: Comandada por Massena.

Estas invasões trouxeram a Portugal a perda da exclusividade do comércio com o Brasil, o

abandono dos campos, a pobreza e desorganização do reino e a ocupação dos cargos administrativos e

controlo parcial do comércio com o Brasil, prejudicando os comerciantes Portugueses em relação aos

Ingleses.

Em 1820 os conspiradores fizeram explodir uma revolução no Porto, de carácter liberal, onde

participou um número significativo de negociantes e magistrados. Em 1822 é aprovada a Constituição que

tinha como base as ideias liberais: liberdade e igualdade de todos os cidadãos; leis iguais para todos,

independentemente da sua origem, classe social ou riqueza e a escolha dos deputados através de eleições.

Assim a Monarquia Absolutista foi substituída pela Monarquia Constitucional ou Liberal. Contudo,

Portugal ainda teve reações absolutistas, organizadas pela rainha e o seu filho D. Miguel: a Vilafrancada e a

Abrilada. D. Miguel acaba por ser exilado na Áustria.

A morte de D. João VI em 1826 gerou um problema de sucessão, pois D. Pedro tinha sido

aclamando imperador do Brasil e a constituição do Brasil não permitia a governação dos dois reinos ao

mesmo tempo. Assim, abdicou da coroa para a sua filha Maria da Glória, mas como esta ainda não tinha

idade para estar à frente do reino teria ficado acordado que D. Miguel ficaria no comando até Maria da

Glória ter idade suficiente para estar à frente do reino, casando depois com D. Miguel. D. Miguel teria de

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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governar segundo a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro. Contudo, em 1828, D. Miguel regressou a

Portugal, foi aclamado como um rei absolutista e iniciaram-se as perseguições dos absolutistas aos liberais,

das quais eu consegui escapar.

Em Julho de 1832 começou a guerra civil entre liberais e absolutistas, com o desembarque das

tropas liberais de D. Pedro IV no Mindelo, às quais se juntaram outros liberais que conspiravam no país e

no estrangeiro.

Ontem, dia 24 de abril de 1834 as nossas tropas aguardaram a chegada dos batalhões absolutistas

comandados por Tomás Cabreira. Este avançou com as suas tropas: 5000 homens de infantaria, 300

cavaleiros e 7 peças de canhão, e nós só tínhamos 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça de

canhão de 3, a comandar-nos estava Sá de Bandeira.

A batalha foi violenta e muito sangue foi derramado, pois ainda se juntaram a Tomás Cabreira os

guerrilheiros do Remexido.

Devido à superioridade do

inimigo tivemos de abandonar o

local, deixando assim os absolutistas

ganharem esta batalha, mas não vai

acabar aqui, voltaremos com mais

força, garra e dedicação, com mais

pessoas dispostas a combater pela

liberdade…

DIÁRIO 28 – JANINE PINA

5 de julho de 1833

Eu, Bonifácio Delgado, combati hoje contra os absolutistas na batalha do Cabo de São Vicente em

Sagres.

Nós, liberais, defendemos a soberania popular e a separação dos poderes. As ideias liberais não

agradavam a todos principalmente aos da nobreza e do clero. Os absolutistas estavam contra nós, pois os

constituintes tinham renovado algumas regras que iriam prejudicar o clero e a nobreza e revoltaram-se…

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

47

No campo da batalha eram cada vez em maior

número os corpos dos liberais mortos. Tivemos de bater

em retirada com a chegada do Remexido.

Estou vivo, mas não sei por quanto tempo mais…

DIÁRIO 29 – LEONOR MENDES

Silves, 8 de maio de 1815

Amigo diário:

Bem, hoje ao início da tarde resolvi aventurar-me e começar a registar tudo o que vai acontecendo

comigo. Faço anos e o meu amigo Carlos ofereceu-me de presente, este caderno em branco, que agora

passará ser o meu fiel companheiro, onde depositarei, se Deus mo permitir, todas as minhas alegrias e

todas as minhas tristezas (espero que sejam muito poucas!).

Embora o Carlos esteja a passar um mau bocado, ainda conseguiu

lembrar-se do meu aniversário e, com esforço financeiro,

comprou-me esta pequena “relíquia”.

Oh, onde estão as minhas maneiras? Eu chamo-me

Roman, mas a minha nacionalidade é portuguesa. Hoje fiz 7 anos!

Tanto o meu pai como a minha mãe são professores e têm-me

ensinado a escrever. Eles dizem que eu tenho muita sorte por ser

um filho da alta burguesia, mas eu não entendo a razão. Só sei

que consigo escrever, sem dificuldade, pelo que aqui ficarão registadas as minhas memórias que até à data

ainda não são muitas.

DESENHO DO SOLDADO JANINE PINHO

CADERNO QUE O CARLOS ME DEU

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

48

Então voltando atrás, esta tarde

depois de cantarmos os parabéns…

Espera! Já sei, vou desenhar aqui eu e o

Carlos a celebrarmos o meu aniversário!

Continuando, o Carlos pôde ficar

a dormir em minha casa e contou-me

que os seus pais partiram e ele teve de

ficar com os avós. Os pais do meu amigo

são franceses e eles tiveram de

abandonar o país, acho que foi por

razões políticas mas não tenho a certeza.

O Carlos estava extremamente triste, por

isso mudei para um assunto mais

divertido e esquecemos aquele.

É por isso que estou a escrever isto enquanto ele dorme. Espero que ambos estejamos sempre do

mesmo lado e que nos apoiemos um ao outro, com toda a amizade.

Agora tenho de ir dormir.

Um abraço do teu amigo Roman.

Silves, 22 de agosto de 1832

Amigo diário:

Já viste bem quantas folhas estão escritas? Já escrevi mais de metade das folhas brancas que se

estendem à minha frente como praias de areia clara, nas quais o meu pensamento se envolve. Aqui sinto-

me eu, posso dar largas aos meus sentimentos, posso Ser. É o lugar onde transparece genuinamente o

mais íntimo de mim. Estou quase a fazer dezoito anos, mas apesar de ter uma boa vida e de estar

comprometido com uma linda rapariga, de famílias abastadas, sinto-me infinitamente triste.

O Carlos veio-me dizer que amanhã teria de se ir embora, pois o seu avô morrera (isso já eu sabia) e

a sua avó estava já muito doente. Tinha de partir! Escolhera como destino a cidade de Lisboa e o quartel

onde se irá alistar para incorporar o exército.

Ao ouvir esta notícia foi como se me tivessem passado uma rasteira na vida. Não estava mesmo à

espera, eu sempre sonhei tê-lo como amigo e estar por perto durante toda a vida. Fiquei sem palavras…

DESENHO DO SOLDADO ROMAN

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

49

Pronto, tem que ser, vou ter que me habituar a esta ideia triste. Porém, para o próximo ano eu próprio

terei de ingressar no exército e, provavelmente, conseguirei ficar junto do meu grande amigo.

Mudando de assunto, acho que a forma de governação de Portugal tem vindo a melhorar, pois

concordo com a Constituição portuguesa, existe a divisão dos poderes e é estabelecida uma soberania da

Nação. Assim é que tem de ser, uma Monarquia Constitucional. E D. Pedro IV, que pelos meus

conhecimentos encontra-se no Porto (a lutar pelo que acredita), é que tem razão, o seu irmão D. Miguel

está profundamente enganado. D. Miguel só quer que o poder esteja concentrado no rei, que seja de

origem divina, e o mais absurdo é que para ele a Nação é representada pelo rei e pelas cortes, como se diz,

ele tem o rei na barriga. Acabei de me aperceber de que sou totalmente liberal! Lutarei ao lado dos liberais

pelo bem da nação!

Gostaste da minha conclusão, diário?

Um abraço do teu amigo Roman.

Silves, 19 de julho de 1833

Amigo diário:

Já se passou algum tempo desde a última vez que te escrevi. Fui para o exército liberal! Já há muito

tempo que desenho, por isso vou tentar deixar aqui registado o aspeto da minha farda e da minha arma,

que anda sempre comigo.

O Algarve está uma confusão, pois só há absolutistas contra liberais. Foi dito que o “Remexido”,

chama-se José Reis, e é o comandante dos guerrilheiros absolutistas, está a atacar São Bartolomeu de

Messines e a seguir vai dirigir-se para Albufeira. É aí que eu entro. Com o treino que tenho vou para

Albufeira ajudar a combater este tal “Remexido” (mas que raio de nome o homem havia de ter!).

Eu sempre gostei de Albufeira, pois foi sempre uma terra liberal. Acho que o comandante José Reis

é um monstro, pois as histórias que tenho ouvido acerca dele são macabras. Também me disseram que

quando ele ataca, mata indiscriminadamente, sem olhar a quem. Podem ser homens, mulheres ou crianças

indefesas. Também saqueia as terras por onde vai passando, deixando para trás um rasto de destruição e

de terror.

Por hoje é tudo, só gostava de ter o meu amigo para se juntar a mim nesta prevista batalha. Tenho

de me pôr a andar.

Um abraço do teu amigo Roman.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Albufeira, 20 de julho de 1833

Amigo diário:

Já cheguei a Albufeira! As pessoas aqui estão aterrorizadas com o que vem aí. Estou hospedado

numa casa de uma senhora que de facto é bonita. Eu estou pronto para a batalha, para dar tudo o que

tenho, para acabar com estes absolutistas de uma vez por todas. Os meus pais pediram-me para não vir,

pois eu era bastante inteligente e podia ir tirar um curso na Universidade de Lisboa. Mas esse não é o meu

dever! Mais tarde, se sobreviver a tudo isto, quem sabe…

Agora para descrever um pouco a minha alimentação, esta é simples. Baseia-se em pão, vinho,

legumes (alface, cenoura, batata…) e muito raramente um bocado de frango. De momento é a senhora da

casa, a Dona Maria, que trata da minha alimentação, da minha roupa e da higiene do meu quarto. Ficarei a

dever-lhe bastante, é uma boa “alma”.

Vou-me deitar, tenho dias bem difíceis pela frente.

Um abraço do teu amigo Roman.

Albufeira, 23 de julho de 1833

Amigo diário:

A guerra começou hoje! Pelas 8 horas da minha, acho eu,

o toque a rebate soou por toda a vila. E todos nós de defesa,

encontrávamo-nos todos no interior das muralhas velhas do

castelo. Se calhar, visto do céu aquela zona seria igual a um lençol

de fumo e fogo contínuo que se acendeu durante todo o dia.

O Remexido tem muitos soldados, mas ainda não o vi. O

nosso “exército” é constituído por mim, por um grupo de idosos

que já foram soldados e por outro grupo de jovens que nunca

pegaram numa arma. Por meu espanto, vi o Carlos, mas ele

estava do lado dos absolutistas! Eu não sei, mas isto vai ser mais

difícil do que esperava, pois agora tenho um inimigo que não

quero enfrentar.

Eu encontrei-me com ele, às escondidas, e combinamos

que nenhum de nós deixaria a guerra, mas com uma condição, só

mataríamos homens armados que nos oferecessem resistência. DESENHO DO SOLDADO ROMAN

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Infelizmente, matei muitos homens hoje, isto é bastante duro, mas eu preparei-me mentalmente

para esta situação. Tenho um pressentimento que vai ser o Remexido a ganhar, mas não desisto, não me

darei por vencido. Vi casas fora do perímetro das muralhas a serem pilhadas que de seguida eram

incendiadas.

Só se ouviam gritos de desespero, ficou uma destruição completa e um cheiro a morte que não me

sai da pele e da alma.

Só gostava que o Carlos não tivesse ido para o lado dos absolutistas! Queria tanto que o meu

amigo, o meu maior amigo continuasse a meu lado…

As munições não são muitas por isso eu ataco com a parte de cima da baioneta (a parte de cima é

uma lâmina afiada, como se fosse uma faca). A violência é tanta que eu não consigo descrever.

Um abraço do teu amigo Roman.

Albufeira, 24 de julho de 1833

Amigo diário:

A luta continua e os meus colegas diminuíram significativamente. A Câmara, em princípio, vai

render-se ao comandante José Reis, mas eu continuarei a combater. Os absolutistas vão ganhar, já tomei

consciência disso, mas eu não me renderei. As árvores morrem de pé!

Estou triste e não tenho mais nada a dizer.

Um abraço do teu amigo Roman.

Albufeira, 26 de julho de 1833

Amigo diário:

Hoje dei de caras com o Remexido, pois o padre de Ferragudo foi entregar-lhe uma ata da Câmara,

onde se rendia aos absolutistas. E por momentos observei o mar, vi passar um barco, que parecia ser

liberal, mas este deve ter pensado que tudo se encontrava bem, pois continuou o seu rumo para sul. Está

tudo perdido!

Os guerrilheiros começaram a entrar nas casas das pessoas e a executá-las nas ruas. Por isso eu fui

direitinho para a casa da Dona Maria e estou aqui para a defender. Eu tenho-os visto a disparar

diretamente para a cabeça das pessoas, uma cena de tamanha crueldade. Eles têm estado a aproximar-se.

Eu sei que isto não vai acabar assim, pois os liberais irão ganhar e Portugal irá ser comandado por um

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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liberal. Tenho bastantes feridas de cortes, tanto no corpo como na alma. Quero acreditar no futuro, por

isso continuo de cabeça erguida e fiel aos meus ideais.

Calma! Alguém está a tentar entrar! Vou ver quem é pela janela. É um senhor com uma farda

absolutista, é o Car…

DIÁRIO 30 – MAGDA LOURENÇO

Santarém, 21 de fevereiro 1834

Querido Diário

Enquanto liberal devo dizer que defendo várias ideias, como

acreditar que o Estado foi criado para servir ao indivíduo, e não o

contrário, assim como a liberdade de possuir bens (o direito à propriedade

privada) me parece fundamental, já que sem ela o indivíduo encontra-se

permanentemente ao serviço do Estado.

Há mais ou menos um mês atrás, lutando pelos meus objetivos e

ideias liberais estive na Batalha de Almoster, em Santarém, a combater

contra os absolutistas.

Tudo começou a 16 de Janeiro de 1834 quando o meu comandante

Marechal Saldanha estabeleceu o plano, em que sem deixar de manter o

cerco a Santarém, se atacasse, com uma parte das suas tropas, as cidades

de Leiria e Coimbra pretendendo assim isolar os miguelistas, que resistiam

na capital ribatejana. Vendo-se na ameaça de ficar com a retirada cortada,

os absolutistas abandonaram rapidamente o Castelo de Leiria e tentaram

refugiar-se em Coimbra.

Em seguida, nos primeiros dias de Fevereiro, o General Póvoas,

comandante das tropas miguelistas, pôs em execução um plano para nos

atacar, os que nesse momento ocupavam Pernes e os que cercavam

Santarém. Mas o nosso general estava bem preparado e descobriu tudo,

portanto, o comandante dos absolutistas pôs em prática outro plano, desta vez o projecto baseava-se num

ataque à Ponte de Asseca. O objetivo deles era abrir caminho por entre os liberais, acontece que nós

tínhamos a favor, o terreno onde nos encontrávamos, um desfiladeiro estreito, entre colinas cobertas de

DESENHO DO SOLDADO MAGDA

LOURENÇO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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mato denso. No entanto, os miguelistas foram conquistando terreno, mas ao mesmo tempo foram

também perdendo vidas.

A cada passo que os Miguelistas davam, nós limitávamo-nos a segui-los, cada movimento apressado

nós respondíamos. Houve uma altura em que eles avançavam e começavam a atacar, em campo aberto,

foi quando eu vi que se dirigiam para um dos nossos soldados, então tirei a minha baioneta defendi-o,

atacando o inimigo.

A batalha foi muito dura, as condições que dispúnhamos não eram as melhores, a comida

escasseava, perdemos muitos homens… mas depois de muito esforço, suor e sangue derramado,

finalmente derrotámos os Miguelistas.

Esta Batalha significou, para nós liberais, o desmoronar das esperanças do irmão de D. Pedro IV de

reconquistar Lisboa e, possivelmente, de vencer a batalha.

DIÁRIO 31 – RAFAEL ROCHA

9 de julho de 1832

Hoje chegámos à cidade do Porto e estamos a prepararmo-nos para a cercar. Somos no total 12.000

homens extremamente prontos e preparados para lutar pelos nossos direitos. Pegámos nas baionetas e

carregámo-las de pólvora e chumbo, equipámos as nossas vestimentas azuis e brancas e caminhámos para

o barco em direção ao Porto. Acompanhados do nosso Rei D. Pedro, chegámos ao Porto neste preciso

momento e conquistámos a cidade.

10 de julho de 1832

Vejam! Barcos absolutistas estão ripostando contra nós! Mas o nosso Tenente-Coronel achou

melhor ocupar a Serra do Pilar, forçando-os a retirar, o que felizmente resultou.

18 de julho de 1832

Os Absolutistas planearam em atacar-nos, o que foi um fracasso pois nós vencemo-los.

8 de setembro de 1832

As primeiras investidas do exército absolutista foram bastante violentas, mas aguentámo-nos

matando alguns deles mas também tivemos baixas no nosso lado, infelizmente. A batalha foi bastante

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violenta e vimos coisas realmente devastadoras e assustadoras. Foi derramado bastante sangue, foi

traumatizante.

1 de junho de 1833

Ganhámos! Ganhámos! Depois de tanto tempo ganhámos! Foi um ano cansativo mas ganhámos a

batalha e felizmente conseguimos defender os nossos direitos como liberais:

-Cada indivíduo tem o direito de ser livre e de ter livre escolha e arbítrio.

Também defendemos a soberania popular e que todos os homens têm o direito de voto.

Felizmente tudo acabou bem para o nosso lado e é dessa maneira que eu vou acabar o meu diário...

Com uma vitória!

DIÁRIO 32 – RAQUEL RIBEIRO

1833, algures no Algarve

Estamos em 1833 e nós Portugueses e Algarvios estamos a viver um clima de terror, medo e pânico.

Aqui em Portugal está a decorrer a guerra civil, devido a ódios criados pela divisão de Portugueses

no apoio aos Infantes Pedro e D. Miguel, dois

irmãos. E ambos filhos de D. João VI.

Eu apoio o Lado dos Liberais, onde o

poder de elaborar e promulgar leis pertence a

uma ou várias assembleias.

A guerra civil teve início após a morte

de D. João VI, em 1826. A sua sucessão seria

entregue a D. Pedro, o seu filho primogénito.

Contudo, como governava no Brasil, abdicou

desse poder cá em Portugal a favor da sua

filha D. Maria. Em 1828, D. Miguel é coroado

rei absoluto, o que leva D. Pedro a abdicar da

coroa Brasileira e em 1832e retomar a Portugal em defesa da sua filha.

Todos estes acontecimentos levaram o país à guerra civil em que nos encontramos hoje, em 1833.

DESENHO DO SOLDADO RAQUEL RIBEIRO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Agora que já escrevi um pouco sobre porque é que estamos em guerra vou falar sobre o meu batalhão.

Também trazemos comida suficiente para aguentar cerca de 2 meses. Temos tendas montadas a cerca de

3 quilómetros do campo de batalha para que os feridos possam ser observados e para que nos possamos

preparar para uma eventual vinda inesperada dos absolutistas. Preparamos os nossos melhores cavalos

para poderem combater connosco. Mas nem todos têm um cavalo. Só os ricos!

Ouço o grito os meus camaradas de armas o que significa que os absolutistas querem atacar de

surpresa por isso vou escrever a última frase antes de possivelmente morrer numa batalha que adivinho

que será sangrenta. Só espero sair vivo para escrever o que aconteceu.

Depois da batalha cheguei à tenda são e salvo com a minha espada cheia de sangue e eu, apenas com um

corte feio e sangrento no braço. Lembro-me perfeitamente desta luta pois perdemos muitas vidas, houve

muito sangue derramado e a morreram os nossos melhores soldados e cavalos. No entanto, nós, os

liberais, vencemos esta batalha.

DIÁRIO 33 – RAQUEL OLIVEIRA

DESENHO DO SOLDADO RAQUEL OLIVEIRA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 34 – RICARDO VIEGAS

Ao vigésimo quarto dia do mês de abril do ano 1824, encontro-me eu na praça após ter lutado

várias horas a fio na Batalha de Sant Ana, entre liberais e absolutistas.

Enquanto liberal e burguês não tenho condições de vida nenhumas, recebo uma miséria, não

consigo sustentar a minha família e os impostos estão cada vez mais altos… Não aguento isto! Por todos

estes motivos juntei-me a esta guerra, onde hoje saímos derrotados.

Partimos de madrugada para o campo de batalha.

Estava muito nervoso, tinha medo da morte… Fomos chefiados pelo Barão de Sá da Bandeira e

éramos cerca de 1000 soltados com baionetas, 80 lanceiros e 3 canhões. Caminhámos durante longas

horas.

No meu pelotão estávamos vestidos com um chapéu preto que continha um penacho verde (cada

pelotão tinha uma cor), uma farda azul e branca com botões a dourado, as calças eram azuis acinzentadas

e com sapatos pretos.

Estávamos armados de uma espada e baionetas, e noutro pelotão tínhamos canhões.

Passadas algumas horas parámos para comer. Havia homens específicos que levavam a comida.

Todos nós comemos pão e muita água para não ficarmos desidratados.

Qual não foi o meu espanto, quando me encontrava à beira do rio e ouvi um ligeiro agitar dos

arbustos. Por momentos assustei-me mas logo reconheci o tão falado José Rosa Sampaio, mais conhecido

por Remexido. Não sabia o que fazer, pois era meu inimigo e era contra os meus ideais.

Por incrível que pareça por instantes trocamos algumas palavras de forma pacífica onde ele tentou

aliciar-me para fazer parte das suas tropas Absolutistas. Nem quis ouvir absolutamente mais nada, acho

até que já não ouvia nada. Como era possível tentar demover-me dos meus ideais se vivia tão mal quando

o poder apenas estava centrado no rei. E eu, e a minha família, queremos muito mais, é o que nos poderia

dar uma nova esperança! Seria o poder ficar dividido em três: executivo, legislativo e judicial onde o rei só

DESENHO DO SOLDADO RICARDO VIEGAS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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podia aplicar as leis feitas no tribunal! Como da mesma forma que tinha aparecido, desapareceu sem mais

nem menos…

Ao retornar o nervoso, apoderou-se de mim e encontrava-me eu no campo de Batalha. A Batalha

foi tao sangrenta que nem tenho palavra para descrever a carnificina. O horror era tanto e os gritos

avassaladores.

Encontro-me agora a escrever este diário, para nunca mais esquecer os danos que uma guerra pode

provocar. Sei que tudo isto será importante para que todos aqueles que agora nascem possam ter

melhores condições de vida e mais liberdade, embora questione se tantas mortes são necessárias. A guerra

nunca deveria justificar atos de sofrimento. Apenas sobrevivi porque acreditei que faria a diferença.

DIÁRIO 35 – RÚBEN MARTINS

Numa manhã calma, estava eu junto a um colega a tomar a bucha da manhã quando um soldado

entrou no bar a gritar:

“- Todos às vossas posições!! Os soldados liberais preparam-se para atacar!”

Levantei-me. Peguei na minha arma (baioneta), e sem acabar de comer dirigi-me para o meu

batalhão.

Foi quando a meio do caminho comecei a pensar no que me ia eu meter e por que razão iria eu

combater? Então lembrei-me que os liberais queriam que Portugal deixasse de ser uma monarquia

absoluta e passasse a ser uma monarquia constitucional. Eu não podia deixar que isso acontecesse e por

isso tinha de defender Alcácer para tentar atrasar as forças liberais. Enquanto ia marchando, aproximei-me

de Pedro e sussurrando disse-lhe que se eu não saísse dali com vida, para ele dizer à minha mulher e aos

meus filhos que os adorava. Pedro respondeu que iria fazer aquilo e se ele também morresse para eu ter o

mesmo gesto que lhe tinha pedido.

Carreguei a minha baioneta e reparei que lá ao longe já se avistavam as forças liberais, olhei para os

meus colegas e reparei estavam nervosos e com medo do que naquela batalha poderia acontecer. De

repente, os soldados começaram a disparar sobre os soldados liberais “partindo” assim as suas formações

ofensivas. Percebi que aquilo havia de ter sido o sinal de: “Fogo!” e indiquei aos outros para irem passando

a mensagem para começar a disparar. Enquanto passava esta mensagem a Pedro, um tiro passou-me junto

à orelha, agachei-me e comecei a pensar que se eu continuasse ali iria morrer muito provavelmente. Foi

nesse momento que me lembrei do Remexido, e da sua presença na Batalha de Faro, quando lutei a seu

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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lado. Era um soldado muito destemido e um nobre líder, depois do que havia acontecido à sua família

lutava ainda com mais vontade e raiva contra os liberais. Continuei a disparar, a batalha demorou algum

tempo até que finalmente conseguimos sair vitoriosos da batalha. Olhei para o campo da batalha e reparei

na quantidade de corpos de soldados absolutistas que haviam morrido só para defenderem a monarquia

de D. Miguel. Esta foi uma batalha muito difícil, pois perdemos muitos bons soldados para impedirmos que

os liberais chegassem a Lisboa.

Os soldados liberais têm uniformes de cor vermelha e branca, e nós de cor azul e branca. Todos

usamos espadas e armas (como baionetas e outras) e utilizavam canhões.

Saímos vitoriosos desta batalha. Mas até quando conseguiremos somar vitórias?

DIÁRIO 36 – RUI FONSECA

Silves, 25 de abril de 1834

Amigo diário,

O dia de ontem acabou por ser um dos mais atribulados da minha vida e trouxe consequências que

me afetarão tanto física como psicologicamente até ao fim dos meus dias. Por essa mesma razão apenas

agora tenho oportunidade para te por a par do sucedido. Confesso-te que a minha alma está corrompida

pela raiva e pelo ódio que tenho aos absolutistas e a D. Miguel. Defender a concentração de todo o poder

executivo, legislativo e judicial apenas num só homem é algo incrivelmente errado e irresponsável. O Rei

apenas deverá possuir o poder executivo, sendo que o legislativo se adequa a câmaras formadas por

deputados, nobreza e clero, enquanto que o poder judicial deverá ser entregue aos tribunais. Nesta altura,

durante a guerra civil de 1832-34, a Carta Constitucional de 1826 instituiu um novo poder para o rei, o

moderador. Jamais poderei aceitar as teses que os absolutistas defendem, pelo que o meu dever passou

sempre por defender os interesses dos portugueses, juntamente com aqueles que também se propuseram

a fazê-lo.

Como já te tinha confidenciado em páginas anteriores, o meu Barão Sá da Bandeira assim que

soube da eminente investida por parte do exército absolutista no Algarve, ordenou que seguíssemos para

São Bartolomeu de Messines. Liderados por Tomás Cabreira, os miguelistas eram esperados no dia 24,

razão pela qual nos concentrámos por volta das 2 da madrugada junto a uma ermida dedicada a Santa Ana.

O nosso exército contava com cerca de 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça de 3. Às 8

horas ainda não havia sinal do inimigo, o que sugeriu que o ataque teria sido adiado para o dia seguinte. Já

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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quando regressávamos ao acampamento fomos informados acerca do aparecimento do exército

miguelista, o que nos obrigou a retomar a posição anterior. Surgiram prontamente guerrilheiros inimigos

que abriram fogo sobre as nossas tropas. Eram imensos! Estimei que fossem cerca de 4 a 5 mil homens,

além das centenas de cavaleiros e de sete peças de canhão. Tomás Cabreira teria claramente recebido

reforços, nomeadamente a guerrilha do Remexido. Em severa desvantagem numérica, vários soldados

acompanhados pelos capitães procuraram retirar-se, mas sofrendo inúmeras baixas devido à chuva de

disparos a que foram sujeitos. Seguiram-se longas e sangrentas horas de desespero e terror. Assisti à

morte de dezenas de amigos que me acompanharam durante grande parte da minha vida. Por volta das 5

horas da tarde, um pequeno grupo dos nossos soldados que defendia a entrada do barranco que separava

o cabeço do centro dos cabeços da esquerda teve de deixar a sua posição, dirigindo-se para o centro,

ameaçado por novo ataque. O inimigo acabou por penetrar nessa zona, deixando a nossa esquerda sem

comunicação com o centro, onde eu me encontrava. Fomos

por isso perigosamente expostos ao ataque do exército

absolutista. Nessa investida, acabei por ser baleado com

gravidade na perna direita, tendo perfurado uma artéria. A

elevada perda de sangue fez com que perdesse os sentidos.

Apenas me recordo de acordar num posto médico

improvisado onde me encontro neste momento. Tal como

eu, dezenas de soldados feridos foram transportados pela

estrada de Silves, designada como ponto de retirada. O meu

caso, porém, aparenta ser dos mais graves. Os danos na

perna são irreversíveis e a amputação é a única solução. Por

esta razão a minha luta terminou. Não há nada mais que

possa dar à minha amada pátria.

Tem-se relatado por aqui que centenas dos nossos

soldados perderam a vida nesta batalha. Sinto como se este

fosse o último dia da minha vida, o meu triste e melancólico

fim. Mas nunca deixarei de acreditar que Portugal irá

encontrar o seu rumo no futuro. Será derramado mais

sangue. Serão derramadas mais lágrimas. Milhares de mulheres irão ficar sem os seus esposos e milhares

de crianças ficarão sem os seus pais. Contudo, um valor mais alto se levantará. Os homens passam, mas

Portugal é eterno. Aqui me despeço amigo diário, com votos para que tudo se resolva, e com consciência

de que o sangue por mim derramado não terá sido em vão.

DESENHO DO SOLDADO RUI FONSECA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

60

DESENHO DO SOLDADO SARA BOOM

DIÁRIO 37 – SARA BOOM

Foi hoje, perto de uma pequena ermida dedicada a Santa Ana que eu, junto do meu exército

comandado por Sá da Bandeira, confrontámos novamente o exército absolutista comandado por Tomás

Cabreira.

Desta vez, o exército absolutista estava muito forte pois Tomás Cabreira avançou com 5000

homens de infantaria, 300 cavaleiros e 7 peças de canhão, incluindo também toda a guerrilheira do

Remexido. E nós tínhamos cerca de 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça de 3.

A batalha foi muito violenta, e eu tive muita sorte de não ficar gravemente ferido quase à beira da

morte, ou acabar até mesmo por morrer, como muitos dos meus colegas.

Eu e o resto do exército estávamos bem cedo no local onde ocorreu a batalha, tendo o exército

absolutista chegado muito tarde (até chegamos a pensar que o combate teria sido adiado para o dia

seguinte!). Mas quando chegaram, os guerrilheiros começaram a aproximaram-se devagar e aí abriram

fogo.

A situação estava cada vez mais a agravar-se, o fogo já estava muito vivo e o exército absolutista

bombardeava sem parar duas peças de 6 e um obus em direção a nós. Mas a peça de 3 do meu exército

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

61

lutava intensamente contra os nossos adversários, melhorando um pouco a situação em que nos

encontrávamos.

Há medida que o tempo foi passando perdíamos cada vez mais as hipóteses de ganharmos ao

exército absolutista pois fomos ficando sem vários cavaleiros e, para além disso, Tomás Cabreira recebeu

muitos reforços militares, incluindo o Remexido que com toda a sua força nos acabou por derrotar.

Pois é, perdemos a batalha, mas não importa porque um dia iremos ganhar e mostrar como é

importante repartir os três poderes pelas assembleias, tribunais e pelo próprio rei.

DIÁRIO 38 – SELENA RAMOS

Eu sou um soldado liberal. Defendo os princípios da igualdade da liberdade e da divisão dos

poderes e a monarquia constitucional. Não concordo com a

monarquia absoluta. Hoje participei por vontade própria numa

batalha no Algarve contra a guerrilha do Remexido.

Combati com espada a cavalo, mas havia muitos soldados

a combater com baionetas e outros com canhões. Usei um

uniforme diferente do habitual. O de hoje era constituído por

calças brancas e casaca azul com aplicações vermelhas nas

ombreiras. Calcei as minhas botas pretas mais resistentes.

Combatemos com muita garra e matámos aqueles que não

concordavam connosco, cortando-lhes a cabeça.

Durante a batalha senti uma enorme tristeza dentro de

mim, por ver pessoas em guerra. Por fim, nós liberais, acabámos

vitoriosos. No final do dia, Sá da Bandeira distribuiu-nos pão para

recuperarmos forças e ele disse que se tinha acabado o

sofrimento pois os absolutistas estão prestes a render-se. Depois

encorajou-nos, dizendo...”Soldados, se cada um de nós deve à Pátria a salvação, a Nação deve a cada um

de nós a sua segurança e a tranquilidade.”

DESENHO DO SOLDADO SELENA RAMOS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 39 – SOFIA MARCOS

Pernes, 31 de janeiro de 1834

Ontem, nós, os pedristas, forças liberais, saímos vitoriosos do combate de Pernes. Chefiados pelo

nosso grande Marechal Duque de Saldanha impusemos uma derrota aos nossos adversários combatentes,

os absolutistas, que iam sob o controlo do Marechal de Campo Canavarro. Estes perderam 900 homens, a

maioria afogados quando encurralados por nós no rio Alviela, outros alvejados pelas nossas baionetas.

Entretanto vão-se acabando os nossos mantimentos, já quase não temos pão (só deve durar mais

alguns meses). Só espero que esta guerra termine depressa pois não vejo nenhum sentido nela, acho que

eles, absolutistas deviam aceitar o que nós defendemos pois é o melhor para o povo e para o país.

Eu, Artur Vicente, como um verdadeiro liberal que sou, defendo com todas as minhas forças,

mesmo que venha a morrer por esta causa, a liberdade, igualdade e soberania da Nação.

DESENHO DO SOLDADO SOFIA MARCOS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DESENHO DO SOLDADO VASCO PEARSON

DIÁRIO 40 – TOMÁS NOIVO

Hoje, é dia 5 de Fevereiro de 1834 e estou a escrever-te em Estômbar. Durante a tarde, estive a

pensar numa batalha decisiva para abater os absolutistas. Nas minhas memórias desta guerra civil recordo-

me de ter combatido no Porto e aqui no Algarve. Aqui combati contra o Remexido que é um homem de

posses que defende os absolutistas. Nós, os liberais, defendemos a igualdade de todos perante a lei, a

liberdade de imprensa, de religião, de livre comércio e propriedade privada.

DIÁRIO 41 – VASCO PEARSON

Segunda-feira, 24 abril 1834 É um dia nublado,

véspera da grande batalha.

Estamos todos a ganhar forças

para lutar contra os absolutistas.

O primeiro duque da Terceira

invadiu o Algarve, no decurso da

Guerra Civil portuguesa. Agora

irá atacar a cidade de Silves e S.

Bartolomeu de Messines e é

nosso dever defendê-las.

Regressando o general Barão de

Faro a Loulé e tendo chegado um

reforço de Lisboa, foi logo

utilizado contra o Remexido,

avançando as forças sobre Silves

e São Bartolomeu de Messines.

Os absolutistas não podiam

vencer, pois eles defendiam que

o poder absoluto deve residir

numa só pessoa que concentra

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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todos os poderes do estado em suas mãos. Estas ideias estão erradas! O que está certo é o que nós, os

liberais, defendemos: a divisão tripartida dos poderes, a soberania popular, a liberdade e a igualdade de

todos.

Recordo-me da batalha de ontem. Os absolutistas vieram cavalo com o seu chefe cavalgando à

frente de todos. Eram muito rápidos e foi muito difícil derrotá-los. A batalha foi longa e muito dura.

Perdemos muitos homens mas eles também. Eles foram os primeiros a atacar, cavalgaram ao nosso

encontro e foi aí que perdemos muitas vidas. O Remexido estava entre eles. Ele era o guerreiro mais

destemido que matava todos os homens a sangue frio. Durante a batalha, fui ao encontro do Remexido

mas ele era demasiado forte para mim e cortou-me um braço... Tive de sair do campo de batalha e ir para o

nosso acampamento para ser tratado. Foi uma batalha duríssima que acabámos por perder, infelizmente.

Mas não é por perder uma batalha que iremos perder a guerra. Os absolutistas têm de ser parados.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIOS DOS SOLDADOS DO 8ºC

DESENHO DO SOLDADO RITA DIAS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 42 – DANIEL OLIVEIRA

Querido diário!

Eu sou um soldado liberal e defendo a liberdade para todos, eleições, direitos civis, liberdade de

imprensa, divisão tripartida dos poderes, propriedade privada e também participei sempre em todas as

guerras civis para fazer o melhor e defender os meus direitos.

Depois da morte de D. João VI, em 1826, iria acontecer uma disputa real entre D. Miguel e D. Pedro.

No dia 11 de agosto de 1829, com o tempo muito nublado e chuvoso, estava prestes a começar uma

guerra civil entre liberais e absolutistas. Parti para os Açores para proteger o que defendia, Portugal, na

luta contra os absolutistas. D. Pedro deixa o Brasil, regressa à Europa e organiza um exército, ao qual eu

pertencia. Desembarcámos com dificuldade, e a guerra durou dois anos. A paz foi assinada em 1834 na

Convenção de Évora Monte e D. Miguel foi obrigado a ir para o exílio. Foi uma grande vitória da nossa

parte, fiquei muito feliz por ter conseguido este feito, que foi excelente para o liberalismo.

DIÁRIO 43 – ALEXANDRE MESTRE

Évora-Monte, 27 de maio de 1834

Sou um soldado liberal, defendo ideais do liberalismo, ou seja, defendo a liberdade e a igualdade

para todos e também defendo a divisão dos poderes (legislativo, executivo e judicial).

Estou em Évora-Monte para assistir à assinatura da convenção de Évora-Monte que põe fim à

guerra Civil, que tantas vidas levou.

Recordo a Batalha de Sant'Ana em que estive com os meus colegas liberais lutando pela liberdade e

igualdade de todos, ameaçada pelos absolutistas, que defendem que o rei tem todos os poderes e assim

dá privilégios apenas a certos grupos sociais, como o Clero e a Nobreza.

Esta Batalha vem no seguimento de conflitos que já se arrastam por vários anos. Tudo começou

com a revolução liberal no Porto organizado pelo Sinédrio, que era uma organização secreta liderada pela

burguesia.

Esta revolução teve origem no descontentamento existente porque a corte se encontrava no Brasil,

desde as invasões francesas. Nesse ano, as cortes constituintes preparam a constituição. Este

acontecimento leva ao regresso da família real, mas D. Pedro fica no Brasil. No ano de 1822 é proclamada a

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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independência do Brasil e D. Pedro é aclamado Imperador do Brasil, e é feita a primeira Constituição

Portuguesa. A Vilafrancada foi uma revolução ocorrida em Vila Franca de Xira e foi uma tentativa de

restaurar a monarquia absoluta. Em Abril de 1824 os absolutistas reagem novamente e dá-se a Abrilada. D.

Miguel é forçado ao exílio na Áustria. Em 1826 D. João VI morre e D. Pedro IV é aclamado rei de Portugal.

D. Pedro IV regressa e outorga a Carta Constitucional e abdica de Portugal para a filha D. Maria da Glória.

D. Miguel regressa e jura respeitar a carta constitucional e é feito um contrato de casamento com D. Maria

da Glória. Em 1828, D. Miguel é aclamado como sucessor ao trono e torna-se rei absoluto. Em 1830 os

liberais organizaram-se na Ilha Terceira nos Açores e criaram a regência liberal. D. Pedro em 1831 abdica

do Brasil para o seu filho D. Pedro e volta para a Europa, para exercer a sua regência nos Açores.

Com o desembarque dos liberais perto do Porto fica marcado o início da Guerra Civil, entre os liberais e os

absolutistas, em 1832.

Com isto, Mouzinho da Silveira é nomeado ministro da Fazenda e da Justiça e toma várias medidas:

abolição dos morgadios, extinção da dízima, da sisa, dos forais e bens de coroa, reorganização das finanças

públicas, da justiça e da divisão administrativa.

Estamos em 1834, contei-te isto tudo para te situar e perceberes porque vim celebrar esta

convenção.

Voltando à Batalha, estávamos sob o comando de Sá da Bandeira, à espera do inimigo, esperámos

tanto que pensámos que tivessem adiado o confronto para o outro dia. Isso não aconteceu. Tomás de

Cabreira avançava com 5000 homens de infantaria, 300 cavaleiros e sete peças de canhão, enquanto nós

comandados por Sá da Bandeira tínhamos cerca de 1000 baionetas, 80 lanceiros e uma pequena peça três.

Estávamos claramente em desvantagem. A certa altura, os absolutistas bombardearam- nos com duas

peças de seis e um obus. Sentimos a desvantagem em combate. Mesmo com o auxílio dos

Belgas não conseguimos fazer frente aos guerrilheiros do Remexido. Este tinha os seus guerrilheiros muito

bem preparados para nos apanhar. Perdemos muitos homens e tivemos de bater em retirada.

Embora a Batalha de Sant'Ana tenha sido perdida, acabámos por ganhar. O triunfo dos liberais, com

a assinatura da convenção de Évora-Monte, leva à extinção das ordens religiosas e à nacionalização dos

seus bens. Começa o reinado de D. Maria II e D. Miguel é banido de Portugal.

Valeu a pena todo este esforço, sinto-me contente por isto ter acontecido.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 44 – ANA AMEIXA

Meu diário! Aqui estou a escrever-te mais uma vez.

Desembarque liberal em Pompeiro (Mindelo) no Porto

24 de julho de 1834

Lembro-me que desembarcámos há dois anos, seguindo D. Pedro IV que me juntou a muitos outros

liberais, que conspiravam no país e no estrangeiro e isso assinalou o início do confronto armado.

Estou-me refugiando dentro dos muros da cidade Invicta, já se passou tanto tempo desde que

chegámos ao Porto e a situação é extremamente crítica e só a coragem e energia do nosso imperador, a

bravura e decisão dos nossos generais, todo o nosso esforço vão poder mudar o que estamos a passar.

Nós, exército liberal temos uma visão do mundo fundada sobre ideais que pretendem ser os da

liberdade e da igualdade. Nós defendemos uma ampla gama de pontos de vista, dependendo da

compreensão desses princípios, mas geralmente, apoiamos ideias como eleições democráticas, direitos

civis, liberdade de imprensa, liberdade de religião, livre comércio e propriedade privada.

O Inverno já se fecha há muito tempo, já sentimos fome, os assaltos dos sitiantes são cada vez mais

frequentes.

Nós já estamos cansados. Muitos de nós aproveitam as ocasiões de combate para se passarem para

as hostes de D. Miguel, pois convencem-se de que se forem para o outro lado, acabarão todos os seus

sofrimentos. Eu não, eu sou fiel às minhas escolhas. Mas já vejo que as tropas miguelistas não estão no seu

melhor, cansadas de esperar por uma vitória que nunca vai chegar.

O nosso uniforme azul é um pouco desconfortável. As nossas armas, como por exemplo, as

espingardas já começam a falhar ao disparar. Tentamos fazer o nosso melhor com as poucas condições que

temos.

D. Miguel, neste momento acaba de fazer mais uma troca dos seus soldados, pensando que assim

vão ser mais fortes do que nós. Ele está tentando negociar com França, recorrendo a empréstimos, mas a

sua situação financeira está péssima.

Eles tentam prender-nos, perseguir-nos, mas não percebem que isso só nos dá mais força para

lutar.

Finalmente tudo acabou!

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 45 – RITA DIAS

Porto

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 46 – PEDRO GUERREIRO

Segunda-Feira, 24 de agosto de 1834

Encontro-me na cidade de Faro e está um dia muito calorento. Eu, como libera que defende a

liberdade, a igualdade e a fraternidade, sinto-me na obrigação de me juntar aos meus compatriotas nesta

batalha no Algarve. E com ela levo a minha espingarda para defesa do meu país e dos meus ideais contra

esses senhores que se designam absolutistas e que tudo o que querem é controlo. Eu com este uniforme

azul com uns bonitos punhos vermelhos, espero trazer orgulho ao meu país que tanto amo.

Tive um breve e fugidio encontro com aquele grande bandido, o Remexido, que ao ser cercado por

liberais não teve outra hipótese senão fugir. Mais tarde, soube que ele se tinha rendido. Para nós liberais

foi uma grande conquista.

DIÁRIO 47 – PEDRO VENTURA

Olá, cá estou de volta, diário.

Hoje é dia 1 de Fevereiro de 1835 e escrevo-te de Faro.

Sou um soldado liberal, e combati na guerra civil contra os absolutistas há 1 ano atrás. Portugal

esteve em guerra devido à discussão sobre a sucessão real, e isto tudo porque há 7 anos a Corte decidiu

que D. Miguel I era o novo rei de Portugal.

Nós os liberais éramos comerciantes, proprietários, juízes, médicos, advogados, etc. e os

absolutistas eram os membros da nobreza e do clero, que ainda por cima, eram apoiados pela rainha D.

Carlota e pelo seu filho D. Miguel.

Nós liberais defendíamos a propriedade privada, a liberdade económica, a igualdade da lei, a

liberdade da imprensa, a liberdade da religião, resumindo, defendíamos a liberdade e a igualdade.

Hoje venho falar-te dessa mesma guerra civil. Esta guerra travou-se entre D. Pedro (liberal) e D.

Miguel (absolutista). Durou cerca de 2 anos, mas, o motivo por ela ter acontecido tem a sua origem em

1828.

Os absolutistas defendiam que o poder estava concentrado no rei e nós liberais defendíamos a

divisão do poder, como por exemplo, os reis deixarem de fazer julgamentos, para fazer os juízes.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Nesta guerra os nossos cavaleiros iam equipados com uma pistola, um cavalo e um uniforme.

Alimentávamo-nos muito à base de carne de vaca e pão.

A guerra começou quando em Junho de 1832, nós liberais desembarcámos no Mindelo e fomos em

direção à cidade do Porto. Conquistámos a cidade do Porto, e apanhámos de surpresa o exército

absolutista. Quando chegámos ao Porto refugiámo-nos dentro da cidade. A partir de Junho de 1832, os

absolutistas atacaram-nos e cercaram o porto da cidade. Em Agosto de 1833 acabaram por abandonar a

cidade do Porto, devido à nossa resistência.

A guerra em 1833 foi-se dirigindo lentamente para o Alentejo. Esse ano foi um ano difícil para os

dois lados, devido às intensas lutas. O exército Miguelista começou a revelar fraqueza e dúvida quanto à

vitória. Também foi difícil, porque houve traições de alguns soldados (soldados absolutistas e liberais que

mudaram para o exército inimigo), devido a dificuldades económicas de ambas as partes.

A guerra terminou em 1834, quando se assinou a Convenção de Évora Monte.

D. Miguel foi expulso de Portugal. O mais importante foi que conseguimos o nosso objetivo de

instalar o liberalismo constitucional em Portugal.

Adeus diário e até um dia destes.

DIÁRIO 48 – TERESA FERNANDES

Baía da Praia da Vitória, 12 de agosto de 1829

Estou a escrever esta página como uma maneira de me sentir vivo, uma vez que não sei o dia de

amanhã. Estou a combater pelas tropas liberais na batalha da Praia da Vitória, um combate naval contra o

exército absolutista.

Aqui a vida é horrível devido à falta de higiene, as doenças espalham-se rapidamente, matando

milhares de nós. Nesta guerra os vivos sofrem com os piolhos e com as pulgas, enquanto os ratos se

alimentam dos cadáveres. Nesta guerra passamos de soldados a carne para canhão. Para viver nestas

condições mais vale estar morto. Cada dia que passa estou mais fraco, não como há dias, o meu corpo já

não se aguenta em pé, o meu aspeto já não é de um homem que em tempos fora elegante e com bom

sentido de humor. Agora simplesmente me vejo no reflexo de sangue dos meus amigos que morreram. Um

homem sem esperança e sem vontade de viver, sujo e com a barba por fazer. Os nossos uniformes em

tempos eram elegantes, as calças justas brancas com um cinto vermelho e os corpetes azul-escuro com os

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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botões em dourado e uma faixa branca que vinha do ombro à cintura e agora após estes dias de

sobrevivência são autênticos farrapos.

Esta guerra foi devastadora e triste tendo morrido várias pessoas entre elas amigos e o meu próprio

irmão. A guerra é

incerta e hoje

apesar de estar

em segurança,

ontem estava no

campo de

batalha a temer

pela minha vida.

Acordei e o

tempo estava

desagradável,

com nevoeiro,

pancadas

de chuva e

rajadas de vento,

quando no mar, se apresentou uma esquadra composta por cerca de vinte embarcações absolutistas, com

cerca de 4.000 homens. A batalha iniciou-se com a clássica abertura de pesado fogo da artilharia dos

navios da esquadra sobre os fortes, tendo o bombardeamento se estendido por quatro horas. Foram

disparados, pelos navios, cerca de 5.000 tiros, a que os fortes resistiram como puderam.

Os absolutistas intentaram um primeiro desembarque junto ao Forte do Espírito Santo seguido por um

segundo, mais para dentro do areal e próximo à Vila da Praia e ambas as tentativas foram repelidas pelos

defensores em terra.

Ao fim do dia de luta os absolutistas levantaram ferro, deixando nas nossas mãos, centenas de

mortos e prisioneiros.

Apesar da minha tristeza e sofrimento sei que o meu irmão morreu por um bem maior, o

liberalismo, pois devido à nossa vitória conquistámos o direito de igualdade e liberdade, direitos

civis, liberdade de imprensa, liberdade de religião, livre comércio e propriedade privada, tudo aquilo que

sempre defendi.

Após o fim deste conflito, a soberana concederia à vila o título de Praia da Vitória.

DESENHO DO SOLDADO TERESA FERNANDES

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 49 – TOMÁS FERNANDES

24 de agosto de 1836

Meu querido diário,

Aqui estou passados dois anos do fim da guerra civil, a falar-te de uma época difícil da minha vida,

senão a mais difícil.

Esta guerra foi originada a partir de 1806 quando houve o Bloqueio Continental. De seguida, em

1807, Portugal é invadido pelos franceses, o príncipe regente D. João e a rainha D. Maria I vão para o Brasil

e o país fica governado por uma Junta de Regência. Depois em 1809, dá-se a 2º invasão e em 1810 a 3º

invasão Francesa.

Em 1817 os liberais tentaram implementar as suas ideias em Portugal e acabar com a Monarquia

Absoluta.

Em 1820 o povo começou a ficar descontente, o que originou a 1º revolução liberal, onde o meu pai

foi o comandante dos liberais.

Em 1831, D. Pedro, liberal assumido, vem para Portugal e inicia a

guerra civil ente nós e os malditos dos absolutistas que pensam que

mandam em tudo. Nós defendíamos a igualdade entre todos os

cidadãos, separação de poderes e liberdade de expressão e aqueles

egoístas dos absolutistas não nos ouviram, portanto tivemos que

fazer esta guerra.

Nesta guerra civil, eu segui as pegadas do meu pai e

comandei as tropas liberais, na batalha de Sant’ Ana em

Messines. E lá fui eu, todo janota, vestido como um Francês

(casaco azul, boné azul, calças brancas e botas pretas).

A batalha foi dura, onde utilizei muitas das minhas

armas (espingardas, pistolas e espadas), mas nem o Remexido

nem os outros camponeses nos impediram de ganhar a guerra

civil.

No dia seguinte, ao acordar, pensava que íamos fazer um banquete, por termos ganho a guerra e

com muita desilusão fomos comer aquela maldita comida, ervilhas com ovos, o que comíamos todos os

dias.

Graças à nossa vitória, contra os absolutistas, agora já podemos votar e ter liberdade.

Viva os liberais!

DESENHO DO SOLDADO TOMÁS FERNANDES

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 50 – TOMÁS MATILDE

Eu sou o Tomás, um soldado liberal. É dia 18 de Fevereiro de 1834 e encontro-me em Santarém.

Estou a escrever esta página no meu diário, no dia em que os liberais combateram contra os absolutistas, e

saímos vitoriosos na Batalha de Almoster.

Em primeiro lugar vou explicar porque decidi ser um soldado do exército liberal. No exército liberal

todos podem falar, todos têm a sua palavra, enquanto no exército absolutista, a Nobreza, o Clero e o Rei

são os que têm o poder de decisão.

Por isso quis ser um soldado do exército liberal, e lutarei contra os absolutistas e defenderei as

ideias dos liberais.

Na Batalha de Almoster as tropas liberais foram comandadas pelo Marechal Saldanha e as tropas

absolutistas pelo General Lemos.

Nessa Batalha havia menos de quatro mil e quinhentos soldados nas tropas liberais, e entre quatro

mil e quinhentos e cinco mil soldados das tropas absolutistas. A derrota dos absolutistas foi total, e as

perdas excederam um milhar de homens. As armas usadas foram os canhões mas as armas mais utlizadas

eram as espingardas mais conhecidas como fusis. Os mantimentos chegavam em ciclos regulares ou eram

obtidos localmente. Os uniformes vinham de Inglaterra, de formato justo, calças brancas, jaqueta azul, e

era utlizado um chapéu alto.

O Remexido é um célebre guerrilheiro algarvio, que nasceu no Algarve em 1797, em Estômbar. O

Remexido é um homem a favor dos absolutistas.

No meio da batalha de Almoster encontrei o Remexido e disse-lhe, que o que estava a fazer não era

justo, estava a tentar matar os soldados liberais, e ele respondeu-me dizendo que se todos pudessem ter a

sua opinião ia tonar-se uma confusão.

Nesse momento estava desarmado, mas tinha um soldado ao meu lado, que também não tinha

armas, disse-lhe para não deixar fugir o Remexido, enquanto eu ia buscar armas. Quando voltei o

Remexido tinha fugido, provavelmente para o Algarve!!!

E assim acaba mais uma página do meu diário.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIOS DOS SOLDADOS DO 8ºD

DESENHO DO SOLDADO DIOGO ROSÁRIO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 51 – BEATRIZ RIBEIRO

Faro 03.08.1834

Eu, Miguel José Reis preciso contar o que me vai na alma. São 02:00 horas da manhã e não consigo

fechar os olhos desde ontem.

Não compreendo como é que nós que somos primos nos tornámos inimigos e lutamos em campos

opostos. Ainda estou impressionado com a presença de espírito, a forma serena, integra e respeitosa com

que o meu primo, José Joaquim De Sousa Reis, mais conhecido por Remexido, recebeu a condenação à

pena capital, pelo conselho de guerra, no salão nobre da Misericórdia de Faro e no dia seguinte se dirigiu

para o campo da Trindade onde foi fuzilado, e de imediato sepultado no cemitério da Misericórdia.

Tudo isto aconteceu porque ele, crente na superioridade da fé católica e defensor dos oprimidos

contra a injustiça, lutou de armas da mão, ao lado dos absolutistas, regime defendido por D. Miguel. Eu

sou seguidor do liberalismo, ou seja de uma monarquia contitucional, onde a soberania da nação é

consagrada através do voto popular para a eleição dos deputados, da divisão tripartida dos poderes, da

igualdade dos cidadaõs perante a lei e as liberdades fundamentais do cidadão, ou seja, do regime

defendido por D. Pedro.

Foi assim que me vi envolvido numa guerra civil resultante dos ódios dos dois irmãos, filhos de D. João VI.

D. Pedro ainda tentou conciliar os liberais e os absolutistas, abdicando do trono de Portugal a favor da sua

filha D. Maria Da Glória e substituindo a Contituição de 1822 por uma Carta Constituicional onde o rei

passou a dispor do direito de veto absoluto sobre as leis e acrescentou ao seu poder executivo o poder

moderador, mas como a filha era menor, convidou o irmão D. Miguel, que se encontrava em Viana de

Áustri,a a governar como regente, desde que aceitasse casar com a sobrinha Maria da Glória quando ela

antigisse a maioridade e jurasse cumprir a carta.

D. Miguel aceitou, mas logo que assumiu a regência rejeitou a Carta Constituicional e proclamou-se

Rei absoluto e logo começou a perseguir os liberais. Uns foram presos e mortos e outros fugiram para a

Ilha Terceira nos Açores, como foi o meu caso. Ali formamos um exército, eu e os meus companheiros

recebemos uma farda composta por calças, colete e uma casaca, uma espada e uma espingarda.

D. Pedro em 1831 abdicou da coroa Brasileira e veio juntar-se a nós. Em Julho de 1832 desembarcamos na

praia dos ladrões, no Porto onde permanecemos cerca de 1 ano, entricheirados dentro dos muros da

cidade cercados pelas tropas miguelistas. Comandados por Sá da Bandeira conseguimos furar o bloqueio

naval da barra do Douro e fazer-nos ao mar até ao Algarve, onde desembarcámos perto de Tavira.

Começamos as incursões terrestres por Faro, Silves e São Marcos da Serra.

No dia 24 de Abril travou-se uma batalha junto a uma pequena ermida, dedicada a Santa Ana. De

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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um lado o nosso exército, comandado por Sá da Bandeira, e o do inimigo por Tomás Cabreira, onde estava

o meu primo conheceido por Remexido. O nosso exército era composto por cerca de 1000 bainetas, 80

lanceiros, onde me incluía, e uma pequena peça de três. O outro tinha cerca de 5000 homens de infântaria,

300 cavaleiros e 7 peças de canhão.

O combate foi violentíssimo e, apesar de estarmos em desvantagem, lutámos perto de 10 horas

seguidas. Ainda conseguimos tomar algumas localidades que perdemos em seguida. Nesta batalha

morreram alguns oficiais e soldados perdemos algum armamento como lanças, munições de boca,

cartoches, mocas e alguns cavalos mas tivemos de recuar em direção a Silves perseguidos por um batalhão

inimigo de cavalaria. O que nos salvou foi o cair da noite. Foram momentos de grande sofrimento e tristeza

por ver cair ao meu lado companheiros. Psicologicamente fiquei muito afetado mas fisicamente estive

sempre bem porque nunca nos faltou alimentação. Esta era variada e sempre abundante.

Um mês depois a nossa vitória sobre os absolutistas estava garantida e quando nos dirigimos para

Alcácer do Sal pernoitámos em São Bartolomeu de Messines a terra natal do Remexido e a minha.Aqui

alguns dos nossos queimaram a casa do Remexido ao som de aclamações do povo, mais tarde a mulher

Maria Clara foi aprisionada e açoitada publicamente e o filho Manuel da Graça Reis de 14 anos

assassinado.

Em 26 de maio de 1834 foi assinada a paz na convenção de Évora-Monte e terminou a Guerra Civil.

D. Miguel rendeu-se ao meu comandante Sá da Bandeira que se tornou um destacado militar e político.

Tomás Cabreira foi preso. O Remexido continuou a sua ação de guerrilha ainda durante vários anos,

revoltado contra a crueldade de que os seus foram vítimas. Mas acabou por ser preso e morto.

DIÁRIO 52 – DIOGO ROSÁRIO

Hoje foi um dia muito intenso. Travámos uma luta sangrenta e sem glória contra os Absolutistas em

Faro. Sou um soldado liberal e defendo que os poderes judicial, legislativo e executivo devem ser divididos

por várias pessoas e não serem concentrados numa só pessoa (o rei).

Tudo começou de manhã cedo. O batalhão a que eu pertenço estava preparado para a batalha até

à morte. Eu usava farda azul, calças brancas e um grande chapéu preto, transportava um mosquete, várias

munições e uma mochila com suprimentos.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

79

De repente, quando estávamos prontos para atacar ouvimos disparos vindos de todos os lados,

colegas meus caíam a meus pés, alguns feridos mortalmente outros feridos gravemente, a confusão

instalou-se… O exército absolutista apareceu com um enorme número de homens que se espalharam pela

cidade e disparavam sobre tudo o que se mexesse. Quem fosse capturado era logo fuzilado. O confronto

entre os dois exércitos foi duro. Tentei com todas as forças sobreviver, a minha única arma era a minha

garra para derrotar o adversário e o desejo de sair dali com vida.

A certa altura chegou “Remexido” e o seu batalhão e acabámos por recuar e perder o terreno já

tomado. O desenrolar dos acontecimentos foi rápido, a posse de Faro não foi conseguida, o coronel José

de Mendonça de Almeida Corte Real e seu irmão foram capturados e presos pelos absolutistas. Sem

ninguém para nos comandar tivemos que nos retirar. Para não ser fuzilado ou capturado escondi-me num

barracão abandonado, meio destruído e aguardei. Fez-se noite. A única coisa que ainda tinha para comer

era um pouco de pão e alguns frutos, não era muito mas era o que havia… O meu uniforme estava sujo e

roto e já tinha poucas munições. O meu braço sangrava e os pés doíam-me, estava um trapo humano.

Esperei… os soldados absolutistas continuavam à nossa procura, mas assim que surgiu

oportunidade fugi do meu esconderijo e consegui juntar-me aos meus colegas.

Quando recuperasse voltaria de novo a combater e a defender os meus ideais.

DESENHO DO SOLDADO DIOGO ROSÁRIO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

80

DIÁRIO 53 – ELIANA SILVA

Querido Diário :

O meu nome é Mateus e sou um soldado liberal, luto pela justiça e a liberdade de todos nós

portugueses.

Vou-vos contar a minha aventura que durou

6 anos e envolveu muitas guerras, mortes, derrotas,

vitórias e tristezas.

Tudo começou no ano de 1828 quando D.

Miguel se tornou rei absoluto. Bem a guerra surgiu

devido ao facto de os liberais defenderem a

liberdade das pessoas e os absolutistas a sociedade

dividida em ordens com privilegiados, e como não

se entendiam entrámos em guerra. Chamo a esta

guerra a dos dois irmãos.

O meu primeiro combate ocorreu no dia 4

de outubro de 1833. Foi curto mesmo assim

morreram muitos soldados, tanto como liberais

como absolutistas, mas nós ganhámos devido ao

nosso esforço e dedicação. Contudo, a nossa missão ainda não tinha acabado … sabíamos que este não iria

ser o nosso último combate portanto continuávamos a treinar.

Outras batalhas se seguiram até ter sido assinada a paz em Évora Monte com a nossa vitória.

DIÁRIO 54 – FLÁVIO ARAÚJO

Faro, 12 de julho de 1839

Olá, sou um soldado liberal e participei na Guerra Civil Portuguesa.

Enquanto liberal defendo direitos e deveres iguais para todos os cidadãos e a separação dos

poderes.

Vou-vos falar um pouco sobre a minha participação na guerra.

DESENHO DO SOLDADO ELIANA SILVA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Em 1832 desembarcámos no Mindelo perto do Porto. Depois de termos conquistado a cidade, as

tropas Miguelistas cercaram-nos durante 1 ano. A única maneira que encontrámos para não morrermos à

fome foi sair por mar. Este plano correu bem e desenbarcámos em Tavira, despistando os absolutistas.

Nesta região do Algarve travámos uma batalha decisiva para o nosso sucesso. Verifiquei que as

cidades litorais do Algarve (Faro,Olhão,Portimão ou Lagos) mostravam simpatia pelas nossas ideias ao

contrário das cidades interiores do Algarve que defendiam um rei absoluto. Aqui há uma figura que pela

sua bravura faz a diferença militar,

infelizmente para o lado dos

absolutistas. Refiro-me ao

Remexido, de nome José Joaquim

de Sousa. É algarvio, de Estômbar, e

tem permitido a vitória dos

asbsolutistas em muitas batalhas.

Quando o duque de Terceira tomou

conta do Algarve, o o escondeu-se

nas serras algarvias, sendo mais

tarde capturado e fuzilado.

O meu uniforme era

composto pela barretina de

formato e vaqueta, larga com tampo de couro e na frente tinha uma chapa de ouro. Usava um chapéu

armado feito de feltro azul com respetivos penachos (cada cor representa uma companhia: nos fuzileiros a

cor é o branco, nos granadeiros é encarnado e nos atiradores é verde).

Amanhã continuo a escrever...

DIÁRIO 55 – INÊS RAMOS

Albufeira, 27 de julho de 1833

Aqui estou eu, o soldado Manuel da Silva, escondido no fundo de uma cisterna na companhia do

meu comandante da praça, Francisco Cabrita, à espera de uma oportunidade para fugirmos desta pobre

vila de Albufeira.

DESENHO DO SOLDADO FLÁVIO ARAÚJO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Sou liberal, fiel a D. Pedro IV e defendo a constituição vintista que estabelece a soberania da Nação

portuguesa e a divisão tripartida dos poderes (legislativo, executivo e judicial). Não concordo que o rei

concentre os três poderes na sua pessoa. Acho que é mais correto que fique só com o poder executivo e

que a elaboração e promulgação das leis seja entregue a uma ou várias assembleias, eleitas por sufrágio. O

poder judicial deve ser entregue aos tribunais, mas os Miguelistas, em especial os do clero e os nobres,

querem o absolutismo para manterem os seus interesses em vez dos direitos e deveres dos cidadãos.

Quem havia de dizer que em Lisboa, há dois dias, os liberais já foram considerados os vencedores

desta guerra civil e aqui nós em Albufeira, que foi a primeira povoação algarvia a apoiar o liberalismo,

haveríamos de nos encontrar nesta triste situação? Tudo por causa do José Joaquim da Silva Sousa Reis,

mais conhecido por Remexido, que tem um ódio de morte aos liberais.

Quando na semana passada soubemos que invadiu S. Bartolomeu de Messines e prometeu fazer o

mesmo em Albufeira, organizámo-nos como pudemos, tínhamos alguns lanceiros e baionetas. Mas temos

poucos militares, a maioria dos combatentes eram velhos e jovens sem experiência e os guerrilheiros

miguelistas estão bem armados e treinados, têm infantaria, cavaleiros e canhões. No dia 23, mal os vimos a

rondar a vila começámos logo a

disparar. Acabámos por desperdiçar

as munições e tivemos que nos render

no dia 26. Vimos a nossa vila a ser

roubada e incendiada e os nossos

inimigos a embebedarem-se e a

apoderarem-se dos nossos pertences.

Mas o pior foi quando um barco de

guerra enviado de Faro para nos

ajudar e que trazia a bandeira

miguelista para ver se enganava os

guerrilheiros, foi descoberto. Aí é que

eles se sentiram enganados.

Enraiveceram-se e viraram-se contra

nós com toda a fúria. Destruíram tudo

o que apanhavam, casas e pessoas, nada escapou. Foi uma chacina!

Eu ainda tentei fugir para a praia mas ao chegar perto da areia, só vi cadáveres e dei de caras com o

malvado Remexido. Alto lá – disse ele. Rendo-me – disse eu e dei-lhe a minha baioneta – Poupe-me a vida,

pela saúde dos meus filhinhos. Pensei que ia matar-me mas ele disse-me: “desaparece liberal desgraçado

DESENHO DO SOLDADO INÊS RAMOS

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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ou a minha gente mata-te” e eu fugi. Pelo caminho encontrei o meu comandante Francisco Cabrita que

vinha desvairado com a carnificina que viu fazerem na Câmara. Os dois entrámos no quintal da tia

Joaquina. A velhota apontou-nos a cisterna e nós nem pensámos duas vezes e para aqui estamos já há um

dia com a água pelos joelhos. O que vale é que é verão e a pobre velhota passa despercebida aos

guerrilheiros. Tem trazido pão, peixe seco, figos e azeitonas e à socapa dá-nos as notícias.

Não vai ser fácil fugir daqui, em especial eu que tenho o uniforme de soldado liberal: vê-se logo a

jaqueta azul com vivos vermelhos e a calça branca. O meu chapéu alto perdi-o logo, a arma ficou o

Remexido com ela quando me rendi, por isso vou ter que ficar aqui, esperar e rezar a Deus que me salve.

Tenho esperança já que até o Remexido me poupou a vida.

DIÁRIO 56 – INÊS SILVA

Sant’Ana, Ermida, quinta-feira, 24 de abril de 1834

Mais uma vez recorro a vós, meu diário, como um amigo fiel, onde posso desabafar as minhas

aventuras e desaventuras, sem que me julgueis ou condeneis.

Creio que, pelo desenho, percebeis o que aconteceu hoje… Como estava pensado, travámos mais

uma batalha, entre os dois irmãos, liberais e miguelistas, mas desta vez, não correu muito bem para o

nosso lado, e só graças a Deus, me encontro aqui a escrever estas linhas. Os miguelistas, com a ajuda do

Remexido, vão em direção a Faro, vitoriosos, ter com o resto das tropas.

Eu vou-vos contar tudo…

Como já sabeis, com a morte do rei D. João VI, sucedeu-lhe o seu filho mais velho, D. Pedro, que era

imperador do Brasil; se subisse ao trono, os dois reinos voltariam a ficar unidos, o que não agradava a

ninguém, além de que, a bom saber, a constituição brasileira de 1824 impedia que governasse ambos os

países. Então D. Pedro abdicou do trono português a favor da filha, D. Maria da Glória, que apenas tinha

sete anos, com a condição de casar com o seu tio, D. Miguel, quando tivesse idade. E até lá, seria este a

governar Portugal, como regente.

Mas D. Pedro, liberal constitucionalista convicto, outorgou a Carta Constitucional para D. Miguel

cumprir. Mas este pensava de forma muito diferente do seu irmão! E, espertalhão como é, em 1828,

pouco tempo depois de voltar a Portugal, de mais um exilio, fez-se aclamar rei absoluto, querendo ao

contrário do seu irmão que defende um regime democrático, regressar à velha ordem absolutista,

confinando todos os poderes em si. E teve o apoio essencialmente do clero e de alguns latifundiários que o

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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veem como legítimo sucessor ao trono. Afinal, D. Miguel é um príncipe português que havia decidido voltar

para Portugal enquanto D. Pedro fora um príncipe que havia decidido tornar uma ex-colónia independente

e por lá quis ficar!

E cá estamos, D. Miguel, dissolveu as cortes e iniciou um período de perseguições a nós, liberais.

Muitos dos meus irmãos e que creem como eu, nas políticas de D. Pedro, e na sua democracia, partiram

para o exílio, outros foram presos e condenados à morte. E nós não desistiremos e lutaremos pelas nossas

crenças até à morte.

As nossas crenças baseiam-se na soberania passar a residir no Rei e na Nação, na divisão dos

poderes, na liberdade de religião… Enquanto os miguelistas defendem o oposto.

Vivemos uma grande crise mas se, no início, havia quem acreditasse que os miguelistas eram os

grandes vencedores, desenganem-se.

Desde a chegada de D. Pedro, no dia 7 de abril de 1831, após abdicar da coroa do Brasil para o filho

Pedro, para lutar contra seu irmão absolutista que, pouco a pouco, muitas vezes com muito sangue

derramado, vamos conquistando as batalhas que travamos.

Começámos nos Açores, depois fomos para o Porto, onde demos muita luta, seguimos até aqui,

onde me encontro novamente, no Algarve. Os meus companheiros de luta, lutaram em Coimbra, e por

todo o Ribatejo.

E hoje travámos mais uma dura batalha, contra os miguelistas, na Ermida de Sant'Ana na região da

serra algarvia, a norte de uma terra linda, de seu nome, São Bartolomeu de Messines.

Partimos dos nossos postos, de madrugada, comemos pão com azeitonas e um copo de vinho a

acompanhar. Vestimos as nossas calças azuis, já muito debotadas, presas por suspensórios, as polainas,

com a camisa que já nem se reconhece a cor, de tanto uso, e os mais abonados ainda vestiram o colete

azul.

Na primeira linha, marchavam as minhas tropas, únicos que somos pagos, na segunda as tropas

milícias ou auxiliares e na terceira linha, as companhias de ordenanças que era comandada por um dos

nossos capitães, constituída por um alferes que era quem trazia a bandeira, um sargento, um meirinho ou

tenente, e os soldados.

Levávamos muitas armas tais como: mosquetes, serpentinas, coronhas, arcabuz. Os nossos

cavaleiros usavam as pistolas. Levávamos também espingardas, armas com baioneta que eram como uma

espada agarrada há espingarda…

Vindos de Lisboa, recebemos mais companheiros, de infantaria e lanceiros comandados pelo

grande Visconde de Sá da Bandeira e lá fomos, com garra e vontade de vencer.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Quando lá chegámos pressentimos muitos miguelistas, escondidos pela Serra. Estavam armados até

ao ”pescoço”, sob o comandado do capitão de ordenanças, conhecido por Remexido, homem da terra que

para além de exercer a função de recebedor do concelho, era um acérrimo seguidor de D. Miguel.

Com a ajuda do brigadeiro Cabreira, foi obrigando as nossas tropas a marcharem até à crista da serra, onde

estavam as suas grandes forças. Estas sem dó nem piedade atacaram-nos. Ainda montamos a nossa

artilharia mas eles foram mais fortes. Não conseguimos! Muitos dos meus irmãos ficaram mortos naquela

Serra. E, o malvado Remexido matou o nosso capitão Marcelo e aprisionou o nosso tenente Francisco

Solano Portelas.

Fomos derrotados e graças a Deus que estou a salvo. Caminhamos agora para Silves e podeis não

acreditar, apesar do cansaço e dos ferimentos, juro que lutarei com todas as minhas forças, e venceremos

aqueles absolutistas.

Apenas perdemos hoje uma batalha mas não esta guerra.

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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DIÁRIO 57 – MARGARIDA BRAZONA

Estamos no ano 1834, em abril, no dia 23.

Sou comandado pelo Marechal Sá da Bandeira e as nossas tropas têm cerca de 80 lanceiros, 1000

baionetas e 1 peça de 3 canhões.

Há muito que sirvo os ideais liberais (liberdade e igualdade para todos) mas nunca fiz parte de uma

tropa tão completa. Sou apenas um soldado de Faro e tenho muito orgulho em registar que a minha cidade

sempre resistiu às tropas absolutistas. Mas a batalha de hoje será diferente, eu sinto-o! Porque combato ao

lado das tropas enviadas diretamente por D. Pedro (apoiado por tropas Belgas, Irlandesas e Inglesas).

Estamos instalados a norte de Messines, aguardando as tropas absolutistas, lideradas pelo Brigadeiro

Tomás Cabreira, que dizem os rumores que traz mais de 4000 homens de infantaria, cavaleiros e 7 peças de

canhão!!!!

Nada temo! Somos audazes e corajosos.

Mariano

Estamos no ano 1834, em abril, no dia 26.

Vitória, ganhámos esta batalha!

O combate foi muito violento, desde

madrugada que estivemos em armas, o inimigo

nunca mais aparecia, até que fomos surpreendidos,

primeiro por guerrilheiros e logo depois pelos

atiradores. Foi uma fuzilaria a pé firme, um vivo fogo

sobre a minha frente. Todo o batalhão Belga não

resistiu à cavalaria inimiga e marchou em retirada,

enquanto eu lutava com persistência contra as tropas

Miguelistas.

Apesar do nosso pequeno número, os nossos

canhões e obus não se calaram e provocaram muitas

baixas nos inimigos.

Que medo senti! Havia fogos cruzados e gente morta ou quase morta por todo o lado.

Mariano

Estamos no ano 1834, em abril, no dia 30.

DESENHO DO SOLDADO MARIANO

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Depois das feridas saradas, foi necessário cuidar dos uniformes: tínhamos duas pilhas de roupa, do

lado esquerdo tínhamos os nossos uniformes (as casacas azuis, calças brancas e muitas botas sem par), do

outro lado, os uniformes vermelhos dos mortos absolutistas de onde tirámos os botões, os forros e o resto

queimámos.

Hoje jantámos javali, batatas, tomates, laranjas e licor de medronho, e devo salientar que, pelas

condições naturais destes bosques e serras, nunca nos faltarão meios de subsistência!

Mariano

DIÁRIO 58 – MARGARIDA PEREIRA

Albufeira, 28 de julho de 1833

Só hoje consegui pegar na caneta para escrever, pois ainda estou em estado de choque face aos

acontecimentos dos últimos dias. O clima que se vive na vila é pesado e negro mas é o que nós já

estaríamos à espera, pois já tínhamos tomado conhecimento que S. Bartolomeu de Messines tinha sido

atacado a 19 de Julho de 1833 pelo exército absolutista liderado por José Joaquim de Sousa Reis, mais

conhecido pelo Remexido.

Tinham também chegado rumores de que os guerrilheiros iriam avançar para Albufeira para

aniquilar todos os seus habitantes.

Eu luto pelos liberais e defendo a monarquia liberal ou constitucional. Sou muito jovem e espero vir

um dia a ser médico, mas não sei se isso algum dia será possível, nem se esta guerra chegará ao fim ou se

conseguirei ao menos sobreviver. Depois da tragédia dos últimos dias acredito que sim.

Penso que esta tragédia se deve ao facto de Albufeira ter aclamado uma vez mais D. Pedro como

líder Liberalista aquando da passagem dos liberais em direção a Lisboa.

Já no dia 22 de Julho de 1833 tinham sido avistados alguns guerrilheiros na periferia da vila e

recebemos ordens para reforçarmos os piquetes de vigilância.

Eram oito horas da manhã do dia 23 de Julho de 1833 e fiz soar na vila o toque de rebate para que

toda a nossa defesa se concentrasse no interior das muralhas do castelo.

Disparámos armas de fogo durante todo o dia, a vila estava envolta numa cortina de fogo e em meu

entender acho que houve um gasto enorme de munições que ainda nos poderão vir a fazer falta. Mas nada

disto afetava o cerco que os guerrilheiros tinham posto a Albufeira.

Page 88: Se eu fosse um dia um soldado liberal ou absolutista...

Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Eu, apesar de jovem e destemido, apercebi-me de que não tínhamos muitas hipóteses de sair

vitoriosos, pois o nosso exército era composto na sua maioria por idosos, ou por jovens que, como eu, era

a 1ª vez que pegavam numa arma.

Os guerrilheiros, liderados pelo Remexido,

saqueavam as casas, uma após outra, usavam

picaretas para abrir buracos e assim criarem

passagem de umas casas para as outras. Depois de

roubadas as casas incendiavam-nas. Toda a vila

estava em chamas.

O tiroteio durou a noite toda e os roubos

também. Eu e os meus companheiros acreditávamos

que era possível conter o assalto.

Na manhã do dia 26 de Julho de 1833 é feita

uma ata de rendição para ser entregue ao Remexido.

Albufeira foi então tomada pelos absolutistas,

mas os guerrilheiros com medo que os liberais se

amotinassem pedem a Remexido que mate alguns.

O Remexido permitiu que alguns dos liberais

fossem levados para fora da vila e, alegando

tentativa de fuga, aí foram abatidos. Por sorte não fui um dos escolhidos, senão hoje não me seria possível

escrever acerca destes fatídicos dias.

Entretanto, avistámos um barco de guerra enviado de Faro pelos liberais e o Remexido com medo

de uma reviravolta deu início à grande chacina.

Foram assassinadas pessoas em quase todas as ruas, nas igrejas e até mesmo no Largo de S.

Sebastião. Usavam balas, pedras, baionetas, davam coronhadas, deixando um rasto de sangue por toda a

vila. Ao todo morreram 74 pessoas.

Na manhã do dia 27 de Julho de 1833 foi ordenada a remoção dos cadáveres, pois o cheiro já era

insuportável, mas não nos foi permitido enterrá-los no cemitério, pelo que foram abertas valas comuns nas

Portas da Praça e na praia.

Acho que a partir de hoje Albufeira ficará a ser conhecida como Vila Negra face a todo este cenário.

Alguns meses depois…

Esta será provavelmente uma das últimas vezes que escrevo neste diário.

DESENHO DO SOLDADO JOÃO MARIA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Apesar da vitória dos absolutistas sobre a vila de Albufeira, não foi este o resultado desta guerra

civil.

Finalmente foi consagrada a vitória Liberal na Convenção de Évora Monte.

D. Miguel foi derrotado e exilado.

Esta vitória liberal irá finalmente permitir a estabilidade para se poderem fazer grandes reformas

(económicas, sociais, educativas e jurídicas) e tornar Portugal num país mais moderno.

Este sempre foi o meu grande sonho e foi por ele que lutei…

João Maria - Soldado Liberal

DIÁRIO 59 – NÚRIA COSTA

Hoje foi o dia em que nós, os liberais, conseguimos derrotar os

absolutistas. Foi um dia de muitas mortes.

Defendo os liberais, pois acredito que todos temos de ser tratados por

igual, sem exceção e ninguém deve ser tratado como escravo.

Estava eu a vestir o meu uniforme, composto por calças brancas, casaco

azul claro com preto e chapéu preto, quando vi pessoas a correr e ouvi tiros.

Comecei a correr e já estava mesmo a adivinhar que eram os absolutistas. Em

seguida fui buscar a minha arma. Fomos ganhando território, mas levou muito

tempo até o conseguirmos, muita gente morreu.

No final da batalha veio o banquete, nada de especial, pois os tempos são

de fome.

DIÁRIO 60 – RAFAEL SANTOS

18 de fevereiro de 1834 em Santarém

Esta guerra civil opõe dois irmãos com ideologias diferentes: D. Pedro, liberal, e D. Miguel,

absolutista. Sou um soldado liberal e o meu comandante é o general Marechal Saldanha enquanto que o

dos absolutistas é o general Lemos.

DESENHO DO SOLDADO

NÚRIA COSTA

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Diários de soldados da guerra civil entre liberais e absolutistas

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Nós, liberais, defendemos que todos devem ter os mesmos direitos e serem iguais, enquanto que

os absolutistas só querem saber deles e dos

ricos.

Participei na batalha de Almoster. O

nosso plano foi cercar Santarém, e com

algumas tropas ir atacar Leiria e Coimbra.

Atacámos com muitos cavalos e batalhões de

caçadores. Nós fomos muito bem preparados

para aquela batalha, éramos um pouco mais

de 4500 forças, e eles um pouco menos de

4500 forças e vencemos.

Essa vitória foi muito importante para

nós e deu-nos alento para a vitória final.

DIÁRIO 61 – TOMÁS RODRIGUES

Diário de Guerra, abril de 1831

Hoje eu, Tomás Rodrigues, liberal, vou entrar no navio de guerra de El- rei D. Pedro IV que foi

obrigado a abdicar da coroa brasileira para o seu filho D. Pedro para lutar contra seu irmão D. Miguel.

Diário de Guerra, junho 1831

Desembarcámos nos Açores e tomámos diversas ilhas que serviram como base de operações.

Diário de Guerra, julho de 1832

Saímos de Angra, uma base naval dos Açores com uma armada e desembarcámos na praia dos

ladrões no Porto. Fomos surpreendidos pelas tropas absolutistas mas que fizeram um cerco à cidade.

Estamos sem saída possível apesar de termos conquistado o Porto.

DESENHO DO SOLDADO RAFAEL SANTOS

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Diário de Guerra, outubro de 1832

Estamos no Porto há mais de três meses e sem sinais de

levantamento do cerco mas sempre com os habitantes desta cidade a

apoiar-nos.

Diário de Guerra, maio de 1833

Já passou um ano desde que chegamos ao Porto e

continuamos cercados. Correm por aí uns rumores que metade das

tropas irá embarcar para o Algarve.

Diário de Guerra, junho de 1833

Desembarcámos no Algarve, em Tavira, rompendo o cerco ao

Porto.

Diário de Guerra, julho de 1833

Após vitoriosas batalhas no Algarve outras, o meu uniforme

azul está todo sujo avermelhado por causa do sangue absolutista, as minhas calças brancas estão a ficar

negras, os meus sapatos precisam de ser engraxados, a minha espada ficou sem brilho e os soldados estão

cansados. Não sei qual irá ser o nosso destino.

Diário de Guerra, agosto de 1833

Estou na minha tenda em plena serra.

O que foi isto?

Ouvi um barulho lá de fora. Deve ter ser um animal. Os meus colegas foram ver o que se passou

mas parece que ainda não voltaram. O que é que está a acontecer?

REMEXIDO

DESENHO DO SOLDADO TOMÁS

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FIM