Rosa Maria nº0
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Rarzena22 anos Bangladeshvive na Mourariahá 3 anos
JUNHO · 2010 · ASSOCIAÇÃO RENOVAR A MOURARIAWWW.RENOVARAMOURARIA.PTDISTRIBUIÇÃO GRATUITA
destaque2 — Rosa Maria Junho de 2010
O Fado nasceu na MourariaA obra mais conhecida e reproduzida do pintor José Malhoa foi feita com pessoas da Mouraria
e inspirada pela vida do bairro. Pintado na Rua do Capelão há 100 anos, O Fado foi reproduzido vezes sem conta, dando origem a filmes, peças de teatro e outras telas. Inspirou também
um fado de Amália. É conhecido como “o mais português dos quadros a óleo”, título muito discutível.
Comprado por José Malhoa a uma vizinha de Adelaide, Emília, que foi assassinada pelo
amante no dia seguinte à compra.
Candeeiro de latão
São, quase todos, os que Malhoa encontrou na casa de Adelaide, na Rua do Capelão: a cómoda com a toalha de ramagem vermelha e o croché
por cima, os santos na parede (Senhor dos Passos e São Lázaro), o manjerico com o cravo
de papel, o toucador com o espelho partido (por um chinelo de Adelaide) e a gaveta aberta,
o pó de arroz e o pente de alisar, o cigarro, a garrafa de vinho sobre a mesa,
entre outros.
Objectos pessoais É a personagem que José Malhoa mais trabalhou
(conhecem-se seis estudos individuais do pintor). Era vendedora de cautelas. O nome ‘artístico’ tem a ver com
uma grande cicatriz que lhe corria no lado esquerdo da cara e, para esconder esse traço, a posição dos dois modelos foi trocada na pintura. Malhoa desejou representá-la despida,
ou quase, da cintura para cima e ela posou para o pintor várias vezes descoberta, o que causou ciúmes a Amâncio. Nos estudos preparatórios do quadro vê-se uma Adelaide
com o peito descoberto, um saiote branco e quase deitada, numa pose mais provocadora. Acabaria
por ser pintada com ambas as alças da camisa para cima e com uma pesada saia vermelha
em vezdo saiote branco.
Adelaide da Facada
textoAna Luísa Rodrigues e António Henriques
Junho de 2010 3 — ايرام ازور
entre burgueses, intelectuais e aristocratas; esta-va a abandonar o meio restrito e marginal de
onde provinha e a tornar-se uma indústria do entretenimento. Ora, Malhoa procurou encontrar essas raízes mais antigas da mar-ginalidade da vida fadista.
O pintor sabia bem o que procurava: uma espécie de ‘verdade’ (os especialistas dirão um certo ‘realismo’) que mostrasse um meio
pobre e violento, vivendo da economia para-lela do roubo, contrabando, jogo e prostituição.
Uma parte da vida urbana que, por certo, dividia Malhoa, porque havia nela simultaneamente um
fascínio e um ‘fado’, como se àquelas pessoas estives-se traçado o destino. E um certo desdém por um ou-tro género de violência, de que Malhoa se queixava em Lisboa: intrigas, invejas e má vontade, um lado urbano que detestava.
A representação das duas figuras, no quadro, era comum na pintura e nada tem de ‘portugalidade’ – há influências da pintura espanhola e latino-americana – nem de fado propriamente dito, a não ser no sentido que lhe damos de ‘destino’. A transformação da pintu-ra numa imagem que representa a essência de um país é, portanto, uma invenção. A pintura tem influências europeias marcadas e beneficiou de uma popularidade muito grande ao longo do século XX.
Sete anos a percorrer o mundoApós a sua conclusão em 1910, o quadro percorreu vários países e foi reconhecido internacionalmente. Em Maio de 1910, ganhou uma medalha de ouro numa exposição de arte na Argentina; em 1915, em São Francisco, Esta-dos Unidos, arrebatou o grande prémio (sob o nome Na-tive Song, que se pode traduzir como “canção nativa”).
Tirando uma pequena aparição numa exposição in-dividual no Porto, em 1912, só em 1917 foi apresentado em Portugal, na 14ª exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa. Porém, a tela não teve um reconhecimento consensual entre a crítica portuguesa, já que muitos não viam com bons olhos a representação dos ambientes “de marginalidade e transgressão aos quais o fado andava associado”.
Por contraste, O Fado foi muito bem recebido pelas classes populares. Aliás, devido à presença no estran-geiro, foram os habitantes da Rua do Capelão os pri-meiros portugueses a ver o quadro. O próprio Malhoa os convidou para o seu estúdio (a actual Casa Malhoa, na Avenida 5 de Outubro), depois da aprovação da pin-tura por Amâncio e Adelaide. Em 1917, O Fado foi rapi-damente comprado pela Câmara Municipal de Lisboa, por quatro contos de réis. Actualmente, o quadro faz parte do acervo do Museu da Cidade, estando exposto desde 2008 no Museu do Fado, em Alfama.
A pintura de Malhoa inspirou outras obras: foi cari-caturada na imprensa logo em 1910 e reproduzida di-versas vezes em jornais; esteve na origem de peças de teatro, “quadros vivos e montras de lojas comerciais”, filmes ou outras pinturas (O Fado Português, de João Vieira, 2005).
Em 1948, o quadro serviu de inspiração para o “Fado Malhoa”. A letra de José Galhardo tornou-se célebre na voz de Amália, que cantava, e contava, como o “pintor consagrado”, “subiu a um quarto/ que viu à luz do pe-tróleo/ e fez o mais português / dos quadros a óleo”.
Cortina Vermelha
Tinha estado em África e no Brasil, antes de Portugal. Sem ocupação certa, Amâncio cabe na figura de ‘fadista’ tal como a procurou Malhoa,
“frequentemente o proxeneta que explora o trabalho de uma ou várias prostitutas” e cuja existência é
envolvida em frequentes brigas. Malhoa pagou-lhe cada sessão realizada (seis vinténs cada) e uma das
contrapartidas foi desenhar-lhe um retrato, que esteve exposto, em 1910, na Sociedade
de Belas-Artes de Lisboa.
Amâncio Augusto Esteves
José Malhoa (1855-1933) vagueou longamente pelos bairros da Mouraria, Alfama e Bairro Alto para en-contrar modelos e sentir o ambiente que lhe permi-tissem pintar O Fado, quadro que completa este ano um século.
“Passou dois meses trabalhando com modelos pro-fissionais no seu atelier, mas que o deixaram muito in-satisfeito com os resultados obtidos”, de acordo com um trabalho do investigador Nuno Saldanha que cita Malhoa: “Esses modelos não me davam nada do que eu sentia e via no natural.”
Foi na Mouraria que encontrou as personagens para a sua obra. Conheceu Amâncio Augusto Esteves, “ru-
fia, fadista e tocador de guitarra” que lhe apresentou a vendedora de cautelas e do corpo Adelaide da Facada. Ao longo de mais de um mês, José Malhoa deslocou-se à casa de Adelaide, na Rua do Capelão, para retratar o mais fielmente possível o ambiente que observava. Na Mouraria, não passava despercebido: ficou com a alcu-nha de ‘pintor fino’ entre prostitutas e moradores; por diversas vezes, teve de se explicar à polícia sobre as ra-zões de estar ali; e passou a frequentar o Governo Civil, para ir buscar os detidos Adelaide e Amâncio e poder continuar a pintura.
Na altura em que Malhoa pintou o quadro, o fado, como expressão musical, começava a popularizar-se
Foi adquirida pelo pintor “em Alfama, pintada suspensa e abrindo-se para a direita, convidando o observador a entrar (na alcova de Adelaide), o que constituía um sistema
tradicional dos grandes mestres da pintura holandesa do século XVII”, escreve o
investigador Nuno Saldanha.
Obras consultadas:António Nuno Saldanha e Quadros Pereira Coelho (2006). José Vital Branco Malhoa (1855-1933). O pintor, o mestre e a obra. Lisboa: Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica [tese de doutoramento]José-Augusto França (2008). O essencial sobre José Malhoa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da MoedaSara Pereira (2008). Museu do Fado 1998-2008. Catálogo do Museu do Fado. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.
D.R.
crónica notícias4 — Rosa Maria Junho de 2010
A zona do Intendente vai contar em breve com um novo inquilino. O Alto- -Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) vai mudar a sua sede para um edifício entre a Rua do Benformoso e o Largo do Intendente (na foto).
Neste momento decorrem negociações para a compra do espaço, que levará ano e meio a ser recuperado. “Têm de ser dados muitos passos e depois há uma aprovação final. Mas a ideia foi já aprovada pela tutela (ministro da Presidência)”, conta Rosário Farmhouse, Alta-Comissária do ACIDI.
Actualmente, o ACIDI e o Centro Nacional de Apoio a Imigrantes (CNAI) funcionam em dois edifícios na zona dos Anjos. Mas com a mudança de instalações, a comissária quer também ajudar a mudar a dinâmica do Intendente.
“Passando para aquela zona podemos fazer uma intervenção mais articulada e inclusive dar uma oportunidade de as pessoas repensarem a sua vida”. E defende que a instalação do ACIDI, com 100 funcionários, e do CNAI, que atende mais de 800 pessoas por dia, vão alterar o quotidiano do local.
“É um sítio central da cidade, embora muito abandonado neste momento. Quase como se não existisse. E nós queremos voltar a dar-lhe vida. Porque é a freguesia mais intercultural do país, com um potencial fantástico. Todo o bairro é lindíssimo e é pena que não tenha uma vida mais aberta a quem passa, a quem quer conhecer a cidade”, entusiasma-se Rosário Farmhouse.
Com o objectivo de trazer novos públicos, a futura sede do ACIDI contará
também com um restaurante étnico, um centro de exposições e uma creche.
A creche é uma das valências mais acarinhadas pela Alta-Comissária. Para crianças até aos cinco, seis anos, será aberta à população local, “porque sabemos que nesta zona não há muitas respostas para esta faixa etária”. “Será uma espécie de laboratório dos nossos métodos pedagógicos de âmbito intercultural”, projecta Rosário Farmhouse. “Podemos ver até que ponto as crianças que lidam logo desde pequeninas num ambiente intercultural serão mais tolerantes posteriormente, porque estão habituadas às diferenças. Eu acredito profundamente nisso”.
Danças na Achada
A dançarina Paula Petreca está a preparar uma performance — “Co” (de co-autoria) — para o final de Julho, nas Escadinhas da Achada, integrada no Festival Pedras d’água. Desde Janeiro, desloca-se para o local, onde permanece por longos períodos e, com o tempo, tornou-se familiar dos moradores e frequentadores, sendo interpelada por eles ou sendo ela a interpelá-los. É conhecida como a “rapariga da ginástica” ou “mulher da ginástica” e os habitantes elogiam-lhe os movimentos elegantes e a possibilidade de estar ao sol, contemplando. “Acho
Leitura Furiosa
SEIS MEMÓRIAS DO ANTES E DEPOISMário de Carvalho escritor
Circulamos pelo meu velho liceu que é hoje uma nova escola, com novos espaços, alguns bem arrojados, novos mobiliários, novos equipamentos. É um primeiro mundo, claro, asséptico, quase agressivo, dominando aquela extensa cerca, que vem sobrepor-se às minhas memórias de espaços ocupados por jovens fardados de verde, em formatura, braço alçado. Sou conduzido por cinco cicerones amáveis, prontos para me aju-dar a franquear todas as portas, talvez um pouco admirados pela minha estranheza de encontrar um laboratório no sítio, antes ao ar livre, em que se costumava treinar esgrima, e de não descobrir em nenhum lado aquela citação do Mestre que dizia «há-de ser pecado cuspir alguém no mosteiro, quanto mais no ladrilhado».
Na zona da biblioteca, numa sala clara, há uma mesa posta com sandes e bolos, discreta e gentilmente. Dá a impressão de que todos fizeram o possível por que nos sentíssemos con-fortáveis. Sinto-me um pouco num mundo de ficção científica. Digo isso. É, naturalmente, difícil compreenderem aonde quero chegar. Ao conversar com estes jovens só consigo ver o lado solar e aprazível.
Aprecio a tolerância com que eles me ouvem, sorrindo, mesmo quando falo desabaladamente.
O João é muito novo. Ainda não tem um projecto de vida. Gosta mais de ouvir que de falar. Nesse aspecto, é como eu.
A Inês gosta de crianças e quer vir a ser educadora infantil. O Bruno joga futebol numa equipa, fora da escola, tem pro-jectos de carreira. O Tiago conta que pesca no Tejo, safios e corvinas, e entusiasma-se quando fala do campo, da agricul-tura, dos animais. A Diana interessa-se por línguas, considera a possibilidade de aprender alemão, mas também admitiria ser enfermeira militar.
Temos mais em comum do que pensamos: uma certa ban-da desenhada brasileira, a reminiscência de um tal Ulisses que nunca mais conseguia chegar a casa, o pianista de Roman Po-lanski, e a noção dos horrores da guerra, a memória sentida de Anne Frank, e séries como «Os Simpsons» ou o «Dr. House», familiares a quem, em chegando a casa, encontra sempre a televisão – por onde já andaram mãos de netos – ligada no Canal Fox. Trocamos filmes. Falo-lhe de «Ladrões de Bicicle-tas», nesta manhã a minha fita preferida. Não consigo ser in-teressante. Mas eles respondem-me com o filme «Lembra-te de Mim» e «Crónicas de Spiderwick» que não conheço e com o Mr. Bean, a que também acho muita graça.
Resisto à tentação de ser didáctico, quando é mencionado o filme «300» e arrisco uma história a propósito da célebre – e a meu ver abominável – educação espartana. A Grécia não era só arte, filosofia e luz, tinha também o seu lado sinis-tro. Mas os gregos de outros tempos não parecem interessar muito esta geração.
Almoçamos tranquilamente, rodeados de gentileza. Pousa-mos todos para a posteridade numa fotografia amável.
Inês e Diana e Bruno e João e Tiago, quem sabe se nos en-contraremos daqui a uns tempos quando eu seja capaz de re-conhecer melhor os vossos interesses, as vossas aspirações e a vossa perspectiva deste nosso mundo.
Texto gentilmente cedido pelo autor e pela direcção da Casa da Achada
Novos vizinhos para o Intendente
ANA
CATA
RINA
CAL
DEIR
ACR
ISTI
ANO
CHRI
STIL
LIN
Junho de 2010 5 — ايرام ازور
que passo uma imagem de bem-estar”.O espectáculo parte de duas ideias.
A primeira: como se pode habitar um espaço público “de forma não hierárquica”? Ou seja, como nos podemos apropriar de escadas, paredes, chão, corrimãos – sendo que estes elementos têm uma hierarquia desde logo porque uns estão mais abaixo – e dar-lhes um uso menos óbvio? “Como é que o nosso corpo se inscreve no espaço, o espaço se inscreve em nós e, juntos, criam uma terceira inscrição?”
A segunda: perceber a “textura” das pessoas e do local, a sua disponibilidade, a sua intervenção, o que elas têm a dizer do que pensam ou apenas o facto de terem de passar por ali.
Ao sentar-se nos corrimãos das Escadinhas, cinco longos lanços de escadas da Mouraria, Paula foi avisada por um habitante de que não devia pôr o rabo num sítio que é para as mãos. Escreveu-lhe então uma carta a explicar que se trata da preparação de um espectáculo. Noutra ocasião, um guarda de um dos centros de acolhimento de idosos da zona chegou ao pé dela e pediu: “Dança para mim”; uma habitante tornou-se já presença assídua e saúda-a alegremente; turistas passam e param. Paula frequentemente oferece “algumas prendas que a dança pode oferecer: um cumprimento, uma vénia”.
O espectáculo, que deverá ter duas apresentações, será acompanhado de sons quotidianos gravados no local por Sara Pinheiro: um estendal que se abre, pássaros, passos ou outros ruídos, num diálogo dançante com
quem assiste e feito de coreografias preparadas e movimentos em que o corpo se molda às formas do local. Este diálogo trabalhado no espaço público “não existe tanto para entreter mas para viver, em conjunto com as pessoas, uma experiência estética. Estabelecemos relações particulares, mais próximas do que num espectáculo em que existem
artistas, activos, e espectadores, passivos. Aqui as pessoas também são criadoras mesmo que não tenham essa consciência e elas transformam o espaço e intervêm nos meus movimentos”.
Paula Petreca é natural de São Paulo, Brasil, e investigadora do Centro de Estudos em Dança da Universidade Católica daquela cidade. Tem formação em dança contemporânea e fez um mestrado em comunicação e semiótica [estudo dos processos de representação das ideias] sobre as transformações na dança brasileira por influência da companhia Tanztheater Wuppertal, da coreógrafa, dançarina e directora de dança teatral alemã Pina Bausch, falecida em 2009.
http://projectoco.wordpress.com
A Câmara Municipal de Lisboa / Gabine-te Lisboa na Encruzilhada dos Mundos em parceria com a Academia de Produ-tores Culturais assegura a iniciativa que em 2009 levou mais de 12.000 pessoas ao Martim Moniz.
Um ano depois da sua primeira apre-sentação, regressa entre 16 e 19 de Se-tembro de 2010 o TODOS – Caminhada de Culturas. Celebrar a cidade de Lisboa, bairro a bairro, estimulando a convivia-lidade dos seus residentes, trabalhadores e visitantes é o objectivo genérico deste projecto. Porque só conhecendo a Cidade e nos reconhecendo nela podemos todos juntos, e cada um por si, transformá-la diariamente.
O TODOS – Caminhada de Culturas elegeu, em 2009 e em 2010, o território da cidade de Lisboa compreendido en-tre o Largo de São Domingos e o Largo dos Anjos, com base na Praça do Martim Moniz, passagem pelo bairro da Moura-ria, pela Rua do Benformoso e Largo do Intendente - um território central na cidade de Lisboa, um território muitas vezes ignorado por muitos dos lisboetas como se de um “não lugar” se tratasse. E, no entanto, este é um território pleno de História e de histórias, pleno de ten-sões culturais, logo de tensões criativas, riquíssimo para pensar a cidade e nela intervir de dentro para fora e não de fora para dentro. Combater o preconceito e o medo associado, convidar as pessoas de fora do bairro a visitá-lo calmamente, porta a porta, estimular o convívio entre vizinhos de culturas diversas e desconhe-cidas, implicar o poder político a ponde-rar com a comunidade as suas políticas para o bairro, são as nossas principais ambições. Sabemos que o tempo, aqui, tem o seu próprio tempo e as suas pró-prias velocidades; sabemos que nada se fará sem a participação activa das pessoas que vivem e trabalham no território, des-de as pessoas singulares até às entidades públicas e privadas (comerciantes, asso-ciações cívicas e culturais, por exemplo); e por isso a elas, sobretudo à associação Renovar a Mouraria, lançamos o desafio de assumirem, para o ano, a continui-dade deste esforço de qualificação e de dignificação do território, devidamente acompanhadas pelo indispensável apoio político e financeiro da autarquia.
TODOS traz este ano a mesma dinâmi-ca iluminadora, participativa e festiva do ano passado – é fundamental o reconhe-cimento desse passado recente - e man-tém a mesma equipa de programadores e de colaboradores. Mas traz novos espec-táculos, novos artistas e novas experiên-cias, oferecendo uma qualidade superior, como o território em causa e a suas po-pulações merecem, de modo a convidar, uma vez mais, os milhares de espectado-res que no ano passado participaram na festa, mas também para desafiar outras pessoas que, no ano passado, ainda rece-aram visitar o bairro. Assim, convidamos TODOS a conhecerem o grande circo cigano de Alexander Romanès, o Cirque Romanès, no Largo do Intendente, a acompanharem o fado de Aldina Duarte na Igreja de São Domingos, a assistirem ao espectáculo de teatro OTELO, pela companhia italiana Teatro delle Briciole, no ringue do Grupo Cultural e Desporti-vo da Mouraria, a percorrerem as ruas do bairro com a fanfarra Kocani Orkestar, a participarem no Martim Moniz no con-certo de Gong Linna, Isabel de Noronha e mestre Chainho, numa incursão pela música chinesa e pelo fado, entre outras dezenas de actividades, disponíveis no nosso blogue htpp://caminhadadecul-turas.blogspot.com/
Para lá do que se vê, na festa, há um permanente trabalho invisível, de va-lorização e reconhecimento humano, alicerce da transformação desejada e desejável, mais evidente em 2011 e 2012, nomeadamente a constituição da Or-questra TODOS, que o maestro Mario Tronco já prepara com músicos de várias partes do mundo residentes em Lisboa e com o patrocínio do ACIDI, e a abertu-ra da Loja TODOS, na Rua da Palma, um entreposto permanente do TODOS e de todas as associações culturais e cívicas do território e destas com as restantes gentes da cidade e do mundo. TODOS 2010 testará, ainda, a possibilidade de transformação do Mercado do Forno de Tijolo num mercado multicultural, pro-pício à interculturalidade, um novo es-paço a programar e a viver.
TODOS é um convite à cidadania e à ale-gria. Apareçam! São muito bem-vindos.
Miguel Abreu, Direcção Geral do TODOS
TODOS – Caminhada de Culturas regressa ao Martim Moniz
6 — Rosa Maria Junho de 2010
sabia que…
Por muito longínquas que sejam as suas origens líricas, o fado cantado apareceu na Lisboa da primeira metade do sécu-lo XIX, em tabernas e prostíbulos onde aportavam marinheiros, rufias, aristo-cratas marialvas e artistas variados. Foi nesta alcova que nasceu o fado, passando velozmente do fado batido, dançado, tra-zido do Brasil, ao pungente arrazoado de amores, ciúme e morte, acompanhado à viola, e mais tarde à guitarra portuguesa.
De entre as primeiras estilistas do tri-nado lisboeta a mais famosa foi Maria Se-vera Onofriana. Nascida em 1820, numa barraca no alto dos Anjos, e falecida aos 26 anos no número 35 da Rua Suja (de-pois Rua do Capelão e agora Rua da Se-vera), herdou da mãe a profissão mais velha do mundo e do pai o nome (Severo passou a Severa) e o tempero cigano que tanto seduziu o 13º Conde de Vimioso, distinto Cavaleiro Tauromáquico.
Foi aliás por via deste amor contrasta-
do, símbolo ilusório de fluidez social na sociedade classista da época, que a pros-tituta fadista passou a heroína pela pena de Júlio Dantas, em romance e teatro (1901), opereta (1909) e cinema (1931) — no primeiro filme sonoro português, de Leitão de Barros.
Glórias póstumas para uma vida amar-gurada, mas nada nos fará chorar aqui Maria Severa, que entre “bater o fado liró e ver combater c’um boi só” terá gozado o seu bocado, e agora até vai ser Troféu de um Concurso de Fado (ver página 9).
Já basta o que tem chorado Pedro Morgado, habitante do último andar do prédio setecentista onde Severa viveu. Pela pequenez da casa, o que chove no quarto, a barba feita no alguidar, o taco saltitante, as paredes demasiado finas, “uma miséria” que está para findar quan-do falta pouco para começarem as obras de requalificação que vão transformar o edifício num espaço de tertúlia fadista e
loja de divulgação turística (ver caixa). Aos 51 anos, administrativo aposen-
tado da Câmara Municipal de Lisboa, prepara-se para se mudar com Rosário de Sousa, 43 anos, para uma nova e me-lhor casa da vizinhança, tal como Júlio, 74 anos, e Victor, 58, ambos solteiros e solitários, queixosos da vida mais do que da casa.
Crescidos por conta própria, são ho-mens de muitos ofícios, pensões de má memória, fome, amores impossíveis e outros casos que deixamos entre quatro paredes, que para desabafos há os fados que o Júlio canta com a ajuda de um co-pinho e o livro de poemas que Victor tem algures guardado.
Da Severa, pouco sabem e não inven-tam. Alegram-se de ver surgir no “bairro mais fadista”, na rua onde também nas-ceu Fernando Maurício (“rei do fado sem coroa”), um sítio que dignifica a Moura-ria, e talvez ajude a mudar-lhe o fado.
A casa da SeveraPrédio setecentista deverá ser tertúlia do fado em 2013
“O Sítio do Fado”A casa onde viveu a mãe do
fado será em breve convertida num café-loja, com esplanada no Largo da Severa. O projecto de requalificação desenvolvido no âmbito do Programa QREN, estende-se às ruas adjacentes
e deverá estar pronto em 2012. Espera-se que em 2013 esteja
adjudicado e a funcionar este novo espaço que tem por missão “dar
a conhecer a memória do edifício e a cultura do fado na Mouraria,
abrindo-se à pluralidade do bairro e reforçando o comércio local”,
como explica Estela Gonçalves, da Unidade de Projecto As Cidades
dentro da Cidade.
reportagem
Subimos as escadinhas de São Cristóvão. O olhar prende-se ao palácio dos condes de Vagos. No local existiram os paços de São Cristóvão. Quando foi paço real, recebeu as fes-tas de casamento de D. Leonor; aqui nasceu o príncipe D. Afonso, filho de D. João II e as cortes reuniram-se para aclamarem o rei. O edifício tem um por-tal manuelino, monumento nacional desde Junho de 1910, única reminiscência dos paços de São Cristóvão que o ter-ramoto poupou e que seria a entrada principal do paço. O marquês de Vagos vendeu o palácio em 1864. Do sé-culo XVIII manteve-se a fachada, com as cantarias e ja-nelas joaninas. O salão nobre é a antiga sala de baile do palácio. A zona do piso térreo serviu de capela do Rosário, já retirada do culto. Nuno Franco
* estilo artístico desenvolvido no reinado de D. Manuel I (sec. XV e XVI)
*
texto Oriana Alvesfotografia Carlos Morganho
Junho de 2010 7 — ايرام ازور
mouraria, rua a rua
No coração da Mouraria à Rua das Fari-nhas, caminhemos para riba até desem-bocarmos no Largo da Rosa. Neste “sítio” podemos empreender uma viagem com mais de 700 anos de História ou não se lo-calizasse aqui a Igreja de São Lourenço da-tada do século XIII. Luiz de Nogueira, mé-dico de D. Dinis, foi o primeiro padroeiro da paróquia e morgado de São Lourenço.
Comecemos por esclarecer a origem do topónimo que deu nome ao Largo. No topo da Rua das Farinhas existe um alto e velho muro: no seu extremo observa-mos um cunhal, estilizado em forma de flor - acabamos de chegar ao que resta da cerca conventual que delimitava o convento de Nossa Senhora do Rosário ou da Rosa. Fundado em 1519 por D. Jo-ana Ataíde, foi destruído pelo terramoto de 1755. Na origem deste piedoso acto está um casamento sem descendentes, levando D. Joana a oferecer a Deus o seu
dote de casamento para a construção de um mosteiro de freiras dominicanas em honra de Nossa Senhora do Rosário, de quem era devota. Recolheu-se para sempre na clausura do mosteiro após autorização papal.
O que resta do convento (partes da cerca e portal gótico manuelino da igre-ja) podemos ver “artisticamente” inte-grado no solar e jardim do poeta Afonso Lopes Vieira.
Ao lado do solar ergue-se o palácio seiscentista da Rosa. A sua frontaria bar-
roca ostenta o brasão dos viscondes de Vila Nova de Cerveira depois marqueses de Ponte de Lima. No início do século XX, o sétimo marquês de Castelo Melhor acrescenta dois andares ao palácio e re-cupera a Igreja de São Lourenço. Manda também fazer uma meia-laranja para melhor circulação de carruagens, já que aqui se reunia a fina flor da aristocracia em bailes e festas de salão. O palácio foi propriedade dos marqueses de Castelo Melhor até à segunda metade do século XX. Pedro Santa Rita
O lado aristocrático da Mouraria
O cenário repete-se ano após ano. O ca fé do Grupo Desportivo da Mouraria acolhe calorosamente quem lá chega. O am-biente é diverso, pincelado de orgulho bairrista e de histórias de vida. Os mar-chantes aparecem conscientes das horas de trabalho que têm pela frente. O secre-tismo associado à marcha é evidente e a cumplicidade entre todos os que o parti-lham é ainda maior.
Rui e Rita, pai e filha. Esperam tranqui-lamente pelo início do ensaio. Claras são as semelhanças entre os dois e a admi-ração que nutrem um pelo outro. Rita, 15 anos, já foi mascote um dia, mas este ano está aqui para marchar e ser par de Rui, ourives, antigo morador da Moura-ria, onde se iniciou na marcha em 1996, a convite dos vizinhos. Rita é estudante e uma das melhores da turma, tendo assim permissão paterna para desfilar.
Sobre como é feita a gestão do dia-a- -dia durante os meses de ensaios, res-pondem: “quem quer vir tem de se esfor-çar”. Entre jantares alternados em casa das avós e curtas noites de sono, ainda há tempo para os deveres escolares. O cansaço acumula-se, mas vale a pena.
No fundo, “isto é só para quem gosta”, sublinha o senhor Abel, responsável e or-ganizador da marcha da Mouraria, pre-sente no clube desportivo há cinco anos.
A chegada de um homem àquele café provoca um repetir de cumprimentos e saudações. Depois de tantos “boa noite”
percebemos que se trata de Reinaldo, o ensaiador.
No recinto do grupo desportivo, já é de noite. São as meninas as primeiras a en-saiar. O vaivém repete-se, o passo é difícil e o ritmo também.
Rita consegue acompanhar. “É uma questão de concentração”, explica o pai. Algumas marcham dentro do ritmo, outras não, mas o que importa é o resul-tado final, sublinha com um brilho nos olhos, seguro do jeito da filha.
Hélder aguarda, entusiasmado, a sua vez de ensaiar. Este jovem técnico de ma-nutenção de aparelhos eléctricos e prati-cante de luta greco-romana entrou para a marcha em 2005, por desafio do avô, responsável pela construção dos arcos. Conjugar a vida profissional com a mar-cha nem sempre é fácil. O cansaço que o faz adormecer profundamente após cada ensaio é tão forte como a vontade de fazer da marcha uma forma de descontracção.
A música pára e, por breves instan-tes, as conversas de todos os presentes ganham vida, numa noite serena em que soam palmas em cada repetição. A pe-quena Mara corre e procura a mãe entre os marchantes. Este ano é ela a mascote da marcha.
Para Hélder, a ansiedade está reserva-da para o final dos ensaios, onde o tempo é curto e o receio de que não esteja tudo bem espreita a todo o momento. Mas “no fim compensa tudo”.
Olhos na perfeiçãoGerações em marcha
Rapazes e raparigas juntam-se todas as noites e ensaiam até a perfeição ser atingida. Durante meses terão de con-jugar as vidas pessoais com a marcha e vencer o cansaço. Há quem jante apres-sadamente uma sandes antes de chegar a vez de ensaiar, há quem chegue atrasado e peça desculpa e há quem durma noites mal dormidas para estar aqui, ainda as-sim, com alegria.
texto Ana Filipa Fernandes, Carla Pirezas e Marie-line Darcyfotografia Camilla Watson e Adriana Freire
A organização da marcha da Mouraria é da responsabilidade
do Grupo Desportivo da Mouraria (GDM), fundado em Maio de
1936 e actualmente sediado no antigo Palácio dos Távoras. Em
1937 rea liza o primeiro desfile na Av. da Liberdade, mantendo uma
participação constante, apenas com um interregno de 5 anos após o 25
de Abril de 1974. Este ano desfilaram 24 pares de marchantes. Os ensaios diários tiveram início a 5 de Março, com horário rigoroso, das 21h30 às
23h30. Cada arco pesa 24kg. A primeira apresen tação realizou-se a 5 de Junho no Pavilhão Atlântico. Na Avenida a marcha foi a última a
desfilar, em 20º lugar. Este ano, a Marcha da Mouraria classificou-se em sétimo lugar, com 209 pontos e
ganhou o prémio Melhor Cenografia, distinção partilhada com as marchas
da Bica e Marvila.
8 — Rosa Maria Junho de 2010
Editorial esquisito
Tem o fado e as caravelas e sopra na rua dela o cheiro de es-peciarias. Traz sempre notícias frescas, conta histórias, sabe ouvir, cantarola em várias línguas.
Chama-se Rosa Maria. Nome de mulher, voz de bairro. Ga-zeta de uma Lisboa que não queremos ver morrer.
Veste-se de mil cores e formas, com arrojo e descontracção. Gosta de usar o contemporâneo e o vernáculo para se afirmar.
E é desta forma que se afirma uma verdade que a Mouraria viu nascer, garrida na sua atitude e forte no seu amanhecer.
Nessa cor e no seu contraste, a hipótese de poder ver o bair-ro tal como ele é pelos nossos olhos.
Onde tudo começa e onde nada acaba, é também pelos olhos dos outros que continuamos a voltar.
Vamos e voltamos, sempre pelo caminho. Entendamos que percorrer o caminho é a maior rebelião, é o objectivo maior.
Naquela escrita de livre pensamento, ia percorrendo os al-tos e baixos da bruma, sombra, verdadeira encosta guiada pe-los aromas da rosa.
E Rosa Maria, acompanhada de sempre-vivas de brincos- -de-princesa, seguirá até à coroação imperial de amores-per-feitos lilases.
Em amanheceres perpétuos bêbedos de azul e Tejo, nas-ce a pouco e pouco um sonho imaginado na alva manhã da Mouraria.
A matéria-prima sempre esteve diante de nós! Da realida-de passou-se à ideia de um jornal que falasse da tradição e da história que se encontra nas gentes e casas, de um lugar mul-ticultural e moderno.
Também Rosa Maria se apresenta ao mundo com um olhar inacabado, aberto a uma Mouraria cada vez mais viva e cheia de Graça, com os Anjos, o São Cristóvão e a Santa Justa mais próximos e menos necessitados de Socorro.
E acudir faz lembrar sacudir. Pois se houve mãos que aqui foram cometendo a iniquidade, podemos hoje mostrar, para fora das barreiras invisíveis, os nossos sonhos, as nossas ambi-ções, as nossas cores, as cores dos outros, aquele que é irmão daquela e vizinho do outro que vai à tasca, onde até encontra o cadáver esquisito bebendo o vinho novo.
A dita personagem, até chegar ao derradeiro copo, subiu trinta escadas, escorregou na calçada, sentiu vindo das jane-las o cheiro a caril e bacalhau, bebeu esse vinho, recente da videira mas com a antiguidade dos feitiços, e sentiu-se gente nova, desmanchando-se em riso e música que animaram toda a rua.
E Rosa Maria dá gargalhadas, mas também barafusta. Jornal com nome de flor e espinhos para picar quando é preciso. Uma rosa regada por aqueles que, dentro e fora do bairro, amam a Mouraria e a cidade de Lisboa.
Texto escrito a 30 mãos
está bem!
está mal!
Então agora fecham-nos as ruas? É assim que se resolvem os problemas do bairro?
O Largo dos Trigueiros está a ficar uma categoria.
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FICHA TÉCNICA Direcção: Associação Renovar a Mouraria Direcção gráfica: Armanda Vilar Edição: Ana Luísa Rodrigues, António Henriques, Maria João Amorim e Oriana Alves Revisão de texto: Ana Castro Colaboraram neste número: Adalberto Alves, Adriana Freire, Ana Castro, Ana Filipa Fernandes, Ana Luísa Rodrigues, António Henriques, Appio Sottomayor, Carla Pirezas, Marie-line Darcy, Inês Andrade, João Madeira, Maria João Amorim, Mário de Carvalho, Miguel Abreu, Mourad Ghanem, Nuno Franco, Oriana Alves, Pedro Santa Rita, Sara Figueiredo Costa e Sara Ludovico Fotografia: Adriana Freire, Ana Catarina Caldeira, Brian Astbury, Camilla Watson e Carlos Morganho Ilustração: Antònia Tinture, Hugo Henriques e Nuno Saraiva Agradecimentos: Arquivo Municipal de Lisboa / Arquivo Fotográfico , Eduarda Dionísio (Centro Mário Dionísio - Casa da Achada), IELT - Instituto dos Estudos de Literatura Tradicional e Museu da Cidade Propriedade: Associação Renovar a Mouraria Redacção, Administração e Publicidade: Rua da Mouraria, nº 30, 5º, 1100-364 Lisboa, Telf: 21885203, Telm: 922191892, [email protected] Impressão: MIRANDELA - ARTES GRÁFICAS Distribuição: Associação Renovar a Mouraria Versão digital: www.renovaramouraria.pt Direcção comercial: Associação Renovar a Mouraria Fonte: Leitura gentilmente cedida por DSTYPE Depósito legal: 310085/10 Periodicidade: Trimestral Tiragem: 10000 exemplares Número zero, Junho de 2010 CAPA: Camilla Watson
editorial
Junho de 2010 9 — ايرام ازور
notícias arm
Dois anos a renovar
Foi um grande alvoroço na Rua do Capelão, mas a Albertina perdeu argumentos e foi a Rosa Maria quem levou a melhor. Não foi uma escolha fácil, depois de muitas horas em conversas com as pessoas, nos cafés, tascas e vielas, depois de muitos cartazes procurando um nome para o Jornal da Mouraria, eis que surge o “Rosa Maria”. Presente no nosso imaginário, parece que tem virtude quando vê passar a Senhora da Saúde e cruza-se connosco todos
os dias na rua uma voz feminina como o nome do bairro que a viu nascer.
O senhor Manuel dos Santos escreveu o seu nome no cartaz do café da Rua das Olarias, e pensámos que o jornal poderia ter nome de pessoa, ao invés de nome de rua. Era assim que o sonhávamos, com rosto e com carácter. Mas o jornal deveria ser mais do que uma pessoa, deveria representar muitas pessoas, culturas, línguas.
Já tínhamos centenas de propostas, novas iam chegando, eis quando surge a Adriana com a Rosa Maria, perdigueira irrequieta. De imediato foi sugerido o seu nome. Foi a votos e ganhou: Jornal da Mouraria, de seu nome Rosa Maria. IA
A minha graça é Rosa Maria
Em Março celebrámos o segundo aniver-sário da Associação Renovar a Mouraria (ARM) com uma ronda das tascas, a acção Limpar a Mouraria, teatro de rua, poesia, milongas, a exposição “Sonhando a Mou-raria” e a apresentação dos projectos da ARM, no Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora. Na sessão esteve presente o presidente da Câmara de Lisboa (CML), António Costa, o vice-presidente e vereador dos pelouros do Urbanismo e da Reabilitação Urbana, Manuel Salgado, e a administradora do Museu Colecção Berar-
do, Maria do Carmo Espírito Santo, que apresentou a nova parceria entre os servi-ços educativos do Museu e a ARM.
Inês Andrade, presidente da ARM, apre-sentou os projectos gerais da associação, bem como aqueles que se inscrevem no âm-bito da parceria com a CML “Mouraria: As Cidades Dentro da Cidade”, cujos parceiros são também as diversas Juntas de Freguesia do bairro, a Casa da Achada, a EPUL, o Ins-tituto da Droga e da Toxicodependência e a Associação de Turismo de Lisboa.
António Costa salientou que este pro-grama “não consiste apenas numa opera-ção de reabilitação do edificado, também intervém no espaço público e envolve a po-pulação do bairro”. Com todos estes pro-jectos, a Mouraria apresenta-se como um bairro cheio de oportunidades. ARM
A Associação Renovar a Mouraria (ARM) apresentou no dia 20 de Maio, no Mu-seu do Fado, o concurso “Há Fado na Mouraria”. O evento está integrado nas Festas da Cidade e tem como par-ceiros o Museu do Fado, a EGEAC, o Teatro da Trindade/Inatel, a Rádio Amália, a Fundação Ricardo Espírito Santo, a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto e o bar Anos 60.
“Revitalizar o circuito do fado no bairro que o viu nascer e estimular o aparecimento de novos fadistas e letristas, contribuindo para refres-car o repertório do Fado e o imagi-nário de Lisboa” foram os objecti-vos destacados por Inês Andrade, presidente da ARM. Daí que a única condição para participar no concurso, além da de ser fadista amador e maior de 16 anos, seja a inscrição de, pelo menos, uma letra inédita. “Requisitos que tornam este concurso verdadeiramente original”, sublinhou José
La Feria. Para assegurar que nenhum talento fica de fora, seja o do fadista por falta de poema inédito, seja o do poeta por falta de afinação, a organização do Concur-
so criará um Banco de Letras que funcionará como arquivo de letras para o futuro.
Além dos prémios de 1000€ (primeiro classifica-do), 500€ (segundo) e 250€ (terceiro), os 12 finalistas
apurados para a final de Dezembro gravarão os seus fados num audiolivro a lançar em 2011. Sem es-
quecer o Troféu Maria Severa, que os primei-ros três classificados levarão para casa.
Desenhada por Nuno Saraiva, uma voluptuosa versão da lendária fadis-ta da Mouraria (espécie de “óscar do Fado”) será esculpida em madeira e terá embutida uma voluta de guitar-ra portuguesa. Um aliciante que o ilustrador resumiu na forma de uma pergunta: “Qual é o fadista que não gostaria de agarrar a Severa pela cintura?” Entre os discursos, ouviu-
se fado pela voz de Ruca Fernandes e Andreia Lopes. OA
Há fado na Mouraria
Regulamento e informações em: hafadonamouraria.wordpress.pt
texto Mourad Ghanem | desenho Hugo Henriques
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mouraria, ontem e hoje10 — Rosa Maria Junho de 2010
As décadas passam, mas os edifícios em vários tons de rosa continuam a marcar a traça do largo com o mes-mo nome. Nas duas fotografias acima, separadas por cerca de 40 anos, vemos a Igreja de São Lourenço, contígua ao Palá-cio da Rosa (à esquerda) e o rosa velho do solar de Afonso Lopes Vieira (em frente).No jogo das diferenças entre ontem e hoje há, desde logo, a presença dos automóveis, em maior número e de elevada cilin-drada. Mais discretos, mas nem por isso menos gri-tantes, são os tijolos que entaipam as janelas da Igre-ja de São Lourenço – este é o actual destino de uma
das igrejas mais antigas de Lisboa. Também o muro que delimitava parte do largo e o lavadouro de São Lourenço (à direita) foi demolido, na sequência da
alteração urbanística que “a Rosa” sofreu nos anos 90. Permanece o emblemático lavadouro, com os 37 lugares gravados em pe-dra. Em tempos as suas pedras serviam para as mulheres esfre-garem roupa e trocarem as últi-mas novidades, ao abrigo de te-
lhas vãs. Hoje serve de piscina às crianças no Verão e de palco para os espectáculos das festas populares, agora sob uma moderna cobertura em ferro.
A rubrica Mouraria Ontem e Hoje é feita em colaboração com o Arquivo Municipal de Lisboa /
Fotográfico Arquivo, a quem pertencem as imagens antigas do bairro.
O Arquivo Fotográfico é um dos equipamentos situados na Mouraria (Rua da Palma, nº246).
A sua colecção de 600 mil imagens mostra a evolução da cidade desde 1850. As fotografias podem ser consultadas gratuitamente na sede do Arquivo
ou na internet, através do endereço: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt
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Junho de 2010 11 — ايرام ازور
retratos do quotidiano
ensaio
O primeiro rei de Portugal, cavaleiro templário e ho-mem tolerante, foi o aliado de Ibn Qasî, o mestre dos muçulmanos Muridinos e o defensor dos mouros ven-cidos na rendição de Lisboa.
Não fora ele, e os excessos e desmandos dos Cruzados ter-se-iam saldado na liquidação da população islâmica
da cidade, que aqueles queriam integralmente passada a fio de espada.
Porém, o Conquistador soube interpor-se entre os guerreiros do norte da Europa – alguns que pouco mais eram do que piratas – e os habitantes mouros de Lis-boa, garantindo a vida, quer aos que quisessem partir, quer aos que quisessem ficar. A estes foi destinado um espaço fora das muralhas para recomeçarem a sua vida construindo um novo núcleo urbano.
Nascia a Mouraria espaço físico e administrativo, e também cultural e religioso, tornado réplica em ponto mais pequeno da Lisboa Árabe. Nele existiam em bre-ve, banhos públicos, escolas, mesquitas, tribunais com foro próprio, mercados e até prisão.
Sob o chapéu de chuva protector do foral de Lis-boa, a presença muçulmana prolongar-se-ia, pelo menos, por mais quatro séculos, enriquecendo a nos-sa nascente nacionalidade, graças a uma intercultura de arte e saberes que veio a ter um carácter matricial na portugalidade.
Por outro lado, a Mouraria de Lisboa e a sua Comuna de Mouros foram, por assim dizer, o modelo de todas as outras Mourarias, por ser a maior, a mais rica e a mais influente. Foi mesmo das que mais durou.
Hoje, a Mouraria alfacinha, berço do fado e memó-ria maior da nossa quota de arabidade, prepara-se para renascer das cinzas, graças a algumas brasas de paixão que a não deixaram morrer lutando contra a intolerân-cia, o abandono e a indiferença.
Nas malhas do destino que a História tece emerge esta Mouraria que persegue um sonho de moderniza-ção e progresso mas que sabe que o seu maior tesouro secreto é a sua Memória que a todo o custo deve ser preservada.
Como que por acaso – mas o acaso existe ? – voltou ao bairro a presença do Oriente que o fez nascer.
A multiculturalidade, apanágio da cidade e da nossa presença no mundo, é hoje uma emblemática realidade da Mouraria e muitos são os muçulmanos que nela vol-taram a habitar.
Possa ela ser no futuro, como todos desejam, um pólo de diálogo e de abertura ao Outro, dessa forma se tornando um incontornável pólo de “atracção” para os amantes da paz e do “diferente”.
Adalberto Alves
Mourariauma filha da tolerânciaSem D. Afonso Henriques, este lugar nunca teria nascido.
Quando se entra na pequena mercea-ria do Largo do Terreirinho somos de imediato contagiados pela simpatia do casal Davinder e Poonam.
A família Singh chegou a Lisboa, vin-da da região rural de Sangrur no Pun-jab, Índia, em Junho de 2007. Na sua terra natal, tinham uma livraria que vendia sobretudo livros de estudo.
Viviam com os pais de Davinder que ainda lá habitam, na quinta da família, onde cultivam arroz e criam búfalos.
Contam que, mal chegaram, se sen-tiram bem em Portugal, quer pela simpatia das pessoas quer pelo clima ameno. Vieram com o seu único filho, Amiteshwar, que tem 17 anos e fre-quenta a escola Gil Vicente na Graça.
Franky, nome pelo qual gosta de ser tratado, fala várias línguas e quer ser engenheiro informático.Os seus me-lhores amigos são portugueses porque na escola não há nenhum indiano com a sua idade.
Adalberto Alves é escritor e advogado.Reconhecido arabista, tem dedicado
muita da sua obra ao estudo e divulgação da cultura árabe.
Em 2008 foi distinguido pela UNESCO com o Prémio Sarjah para a Cultura Árabe.
É director do Centro de Estudos Luso-Árabes, em Silves.
Entre vários livros publicados, da poesia ao ensaio, é autor de O meu coração é árabe
e Em busca da Lisboa Árabe. ALR
texto e fotografia Adriana Freire
A família SinghDo Punjab para a Mouraria
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14 — Rosa Maria Junho de 2010
beco do imaginário
Cláudia Fonseca nasceu em 1965 no Brasil, Rio de Janeiro, e vive em
Portugal desde 1992. Licenciada em Economia (por engano) e Psicologia
(por vocação), reparte o tempo entre a clínica e a narração. Começou a contar histórias na Biblioteca
Municipal de Oeiras há cinco anos, no âmbito do projecto “Histórias de Ida e Volta”. Lá encontrou os
seus parceiros nos contos, e criaram juntos a Contabandistas
de Estórias Associação Cultural (http://contabandistas.no.sapo.
pt/). Colabora com o IELT e prepara doutoramento em literatura
tradicional e oral, fazendo uma ponte entre a psicanálise e a narração.
“Eu vim contar histórias para vocês”, apresentou-se a contadora. “Histórias com personagens?”, quiseram saber. “Com muitos personagens”, confirmou ela, e logo um alvoroço participativo to-mou conta dos meninos do Espaço IN-TERVIR, na Rua das Farinhas: “eu vou ser... um mocho”, disse um; “eu vou ser .... ai, eu não sei quem vou ser...”, afligiu-se outro, ao que uma colega ia propor “tu vais ser...”.
Mas Cláudia Fonseca resolveu: “eu vou ser a contadora e vocês vão ser os ouvidores”. Desânimo. “Ah, fogo...”. Cláudia insistiu: “Ah fogo! E onde é que vão aparecer os personagens?” “Aqui
dentro”, apontou ela. “Dentro do ca-belo?”, pinguepongueou outro, para a risota geral. “Dentro da cabeça. Porque as histórias são assim: a gente escuta as histórias, depois guardamos as histórias na cabeça e depois vamos contar a outras pessoas. Eu vou fazer isso aqui com vo-cês e vocês depois podem fazer isso nou-tro lugar”. A audiência serenava-se.
“Agora eu queria saber que histó-rias vocês gostam mais de ouvir, se são histórias de bichos... nem vou pergun-tar se gostam de histórias de terror...
Contabandista e Ieltsadora
Ana Margarida Ana Raquel
Ana, 10 anos Catarina, 7 anos
se gostam de histórias de amor...” Alguns sins e nãos alternados, con-forme o género e as idades (entre 7 e 14 anos), bastaram para Cláudia deci-dir. O “jogo do búzio” trouxe o silên-cio que faltava – e consiste em esticar os braços para baixo, sacudir muito muito muito as mãos e depois pô--las em concha nos ouvidos para escutar as ondas do mar. Cláudia pôde então começar o Conto da Macieira, escrito pelo italiano Stefano Benni e que cos-tuma ser contado por Antonella Gilar-
di, outra Contabandista (ver caixa).É a história de um menino que ia a
andar no campo quando de repente viu uma macieira. E, num dos galhos da macieira, uma maçã redonda, verme-lha, sumarenta, e que cheirava bem. O menino foi ao pé da macieira e esticou o braço e esticou, mas era impossível agar-rar a maçã, estava muito alta. “Ia buscar um escadote”, remata logo um ouvidor. Cláudia continua a contar. E para deses-pero da audiência a história repete-se: aliciado pela árvore, o menino regressa
todos os anos, mas por mais que cresça nunca consegue apanhar a maçã. ““Ia buscar ajuda”, sugere uma menina; “ia a outra macieira”, opina o colega.
Até que um ano o menino se põe a brincar com as formigas. A macieira, para provocar o menino, aproxima o ga-lho cada vez mais, mas ele “nem te ligo”, sempre de costas, até que de repente se vira para trás e zás, agarra a maçã. Risos. “Sabes o que é?”, responde o menino quando a árvore o chama de batoteiro, “é que este ano, ó macieira, eu não cresci só no tamanho, eu cresci na esperteza”, e vai-se embora comendo a maçã, que estava mesmo uma delícia. Finalmente: “estão vendo o que é que dá a gente cres-cer aqui dentro?”
E foi esta a história que quase todos escolheram para ilustrar. Não só por ser mais fácil desenhar a macieira e o meni-no do que as histórias que se seguiram: a divertida saga do anja anja catibiribanja serramatutanja da firififanja e a história de piratas subaquática contada em gru-po e com sonoplastia também colecti-va. É porque todos concordam que não é a altura que conta. O importante é ter ideias debaixo do cabelo, mais precisa-mente, na cabeça.
texto Oriana Alves
fotografia Camilla Watson
Esta rubrica tem o apoio do IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - UNL · www.ielt.org
Junho de 2010 15 — ايرام ازور
A cabeça é de pano, a auréola é um CD, o tronco uma caixa forrada em papel crepe,
os braços são tricotados e as pernasdois frasquinhos de vidro.
O trono de Santo António é cem por cento reciclado mas a construção
é original e da autoria de cinco artistas da Mouraria, devidamente assessorados
por Euprémio Scarpa. Esta é a terceira representação do santo
casamenteiro, que no fim das festas juninas se juntará às suas
antecessoras na colecção da Associação Renovar a Mouraria.
fotografia Carlos Morganho
16 — Rosa Maria Junho de 2010
Saúde, senhora! Virgem, dá-nos vida! Era com estas preces que o povo de Lisboa acompanhava com devo-ção a procissão da Nossa Senhora da Saúde. Estava-se no século XVI e a peste ceifava muitas vidas na populo-sa e suja capital do Império. Quando a peste foi erradi-cada, e correspondendo ao desejo do povo, ordenou D. Sebastião que se fizesse uma solene procissão em honra da virgem, sob invocação de Senhora da Saúde.
A primeira procissão realizou-se numa quinta-feira a 20 de Abril de 1570, e se retirarmos um curto período de tempo republicano, pós 1910, a procissão mantém- -se no essencial até aos dias de hoje, como uma das mais antigas expressões de religiosidade popular da ci-dade de Lisboa.
A procissão realizava-se com grande pompa, nela tomando parte, além da nobreza e do povo, todas as irmandades e ordens religiosas da capital, clero, pre-lado, cabido da Sé e Senado da Câmara Municipal. Os anjinhos abundavam, assim como as bandas de música e tropa que atraía lisboetas e saloios. Todos os anos nos mês de Maio os andores saem à rua, transportando pri-meiro Santa Bárbara, depois Santo António, São Sebas-tião e por fim a Senhora da Saúde (orago), ao ritmo da cadência musical das bandas filarmónicas e das flores atiradas à virgem.
O percurso inicia-se na Igreja da Nossa Senhora da Saúde e percorre as ruas da Mouraria e do Benformoso, Largo do Intendente, Rua dos Anjos, Avenida Almiran-te Reis, Rua da Palma, Rua D. Duarte, Praça da Figueira (pelo lado oriental), Rua dos Condes de Monsanto, Poço do Borratém e, finalmente, Rua do Arco do Marquês do Alegrete.
histórias com imagens
texto Pedro Santa Ritafotografia Adriana Freire, Brian Astbury e Camilla Watson
NOSSA SENHORA DA SAÚDE
Junho de 2010 17 — ايرام ازور
Poema Gabriel de OliveiraMúsica Alfredo Marceneiro
Há festa na Mouraria,É dia da procissãoDa Senhora da Saúde.Até a Rosa Maria,Da Rua do Capelão,Parece que tem virtude.
Naquele bairro fadista,Calaram-se as guitarradas.Não se canta nesse dia;Velha tradição bairrista:Vibram no ar badaladasHá festa na Mouraria.
Colchas ricas nas janelas,Pétalas soltas no chão,Almas crentes, povo rude.Anda a fé pelas vielas,É dia da procissãoDa Senhora da Saúde.
Após um curto rumor,Profundo silêncio pesa,Por sobre o Largo da Guia.Passa a Virgem no andor,Tudo se ajoelha e reza,Até a Rosa Maria.
Como que petrificada,Em fervorosa oração,É tal a sua atitude,Que a rosa já desfolhada,Da Rua do Capelão,Parece que tem virtude.
Há festa na Mouraria
18 — Rosa Maria Junho de 2010
Este Arraial é Mundial!Largo da Rosa
JunhoSEX 18 — 20h-02h—Lançamento do Rosa Maria - Jornal da Mouraria
Concerto Maracatu Dubairro
23h30 - Concerto Ensemble Jer
SAB 19 — 20h-02h—Lançamento
do audiolivro Memórias de um Craque (BOCA)
22h30 - Concerto Andersenmolière
DJ LXPTO.COM
SEX 25 — 20h-02h —22h30 - Concerto Gonçalo Gonçalves + Artur Garcia
DJs Dupla Perspectiva SAB 26 — 20h-02h —22h30 - Concerto King Mokadi
Galeria ColoridaRua Costa do Castelo, 63
Junho / Julho /Agosto / Setembro19 Jun a 2 Jul—Socorro Garcia PinturaMéxico
3 a 16 Jul—Liza Tancredi FotografiaBrasil
17 a 30 Jul—Ziva Zitnik PinturaEslovénia
31 Jul a 13 Ago—Ljubomir Simonovski Pintura Macedónia
14 a 27 Ago—John Weerong Bartoo PinturaAustrália
Helena Victorino AguarelaPortugal
28 Ago a 10 Set—Nora Lizard PinturaHungria
Teatro da GaragemRua Costa do Castelo, 75
Junho19 e 20 Jun—11h - O teatro no jardimBrincadeiras e Teatrices
Oficinas e actividades para toda a família
16h -Teatro Teen Espectáculo do Clube de Teatro Jovem
21h30 - Camino Real (teatro)
Julho16 a 19 Jul—21h30 -Notações para Aristófanes e Kleist (gratuito)
Público geral: 10€Estudantes, menores de 25 anos, grupos de 10 pessoas e residentes: 5€Reservas: 218854190
Casa da AchadaLargo da Achada
Junho / Julho / Agosto—Itinerários19 Jun, 16h - À conversa com Claúdio Torres—
mouraria nas artes
agenda cultural
Perante o desafio do Rosa Maria, havia a hipótese documentalista e as outras todas. A hipótese documentalista acon-selhava o levantamento exaustivo (tanto quanto possível) de todas as referências literárias à bela Mouraria, assim uma es-pécie de ‘ora tomem lá, que apesar de sermos um bairro menos falado do que o Restelo em certos meios, temos uma quota de presenças na literatura que não lembra a ninguém’. Para além de traba-lhosa, era uma hipótese condenada ao aborrecimento. E seria tarefa para um olisipógrafo dedicado e não para uma es-criba com mais dedicação pelo deambu-lar desordenado por ruas e livros do que
pelos elencos arrumados dos catálogos temáticos. De qualquer modo, outras oportunidades haverá para referir litera-turas várias onde as ruelas ascendentes e seus habitantes foram marcando pre-sença. Não vale a pena esgotar tudo no entusiasmo do primeiro número.
Mouraria, literatura, Mouraria, litera-tura... O que me vem à cabeça é o crime da Mouraria, motivo de discussão acesa no jantar no Hotel Central que Eça de Queirós registou como ficção, mas que obviamente se regista no imaginário de quem leu Os Maias como momento ve-rídico incontestável (aliás, à semelhança de todo o livro). Uma rapariga morta à
navalhada por uma amiga em plena viela – “uma sarrabulhada”, como o classifica a personagem de Cohen, enquanto be-berica o seu tinto com a sobranceria de quem comenta as navalhadas dos bairros do alto dos banquetes refinados – traz logo os ecos de histórias que se querem ‘very tipical’, mas o que verdadeiramen-te interessa nesta referência queirosia-na é a discussão que se segue, opondo românticos e naturalistas numa acesa troca de ideias que é todo um programa literário. Mas antes, cite-se a passagem, que as oportunidades de conviver com a prosa do mestre nunca são demasiadas: “Falou-se logo do crime da Mouraria,
ilustração Hugo Henriques
Sara Figueiredo Costa, crítica literáriacadeiraovoltaire.wordpress.com
Uma ‘sarrabulhada’
Jules et Jim, de François Truffaut
Flores de Papel, de Guru Dutt
Citizen Kane, de Orson Welles
Junho de 2010 19 — ايرام ازور
drama fadista que impressionava Lis-boa, uma rapariga com o ventre ras-gado à navalha por uma companheira, vindo a morrer na rua em camisa, dois faias esfaqueando-se, toda uma viela em sangue – uma ‘sarrabulhada’, como disse o Cohen, sorrindo e provando o Bucelas” (capítulo VI).
Quando Carlos da Maia refere o in-teresse que poderia haver no facto de a literatura se debruçar sobre o crime da Mouraria com mão analítica, Alen-car responde, exaltado, pedindo “que não se mencionasse o ‘excremento’”, exclamação a que se seguirá um debate aceso sobre os benefícios de cada uma
O Arraial do Largo da Rosa, organizado pela Associação Renovar a Mouraria, apresenta-se este ano com o título “Este Arraial é Mundial”. Evocamos assim não só a diversidade cultural, étnica e gastronómica do bairro, como a (nossa) febre futebolística. Popular e alternativo, este arraial junta aos motivos tradicionais dos santos lisboetas uma programação eclética e exigente, que inclui concertos, DJs, o lançamento do concurso “Há Fado na Mouraria”, apresentações de livros, uma competição de quadras, ateliês para crianças e projecção dos jogos do Mundial. E ainda o grandioso lançamento do número zero deste nosso Rosa Maria, Jornal da Mouraria.
das abordagens literárias; de um lado a defesa do mergulho analíti-
co e descritivo na realidade, do ou-tro a importância dos modelos, dos
ideais, das formas trabalhadas à luz de um código onde a superioridade e
a beleza imperavam, de um lado o es-critor Émile Zola, do outro a ‘catedral romântica’. O episódio é curto, e rapi-damente dá lugar a outras conversas do mítico jantar, mas é ilustrativo do modo como o ângulo do olhar define aquilo que se vê. E isso é uma coisa a ter em conta para quase tudo, até para o bairro da Mouraria.
20 Jun, 15h30 Oficina de Fotografia orientada por Catarina Alves e Vera Correia
21 Jun a 2 Jul Oficina de Video orientada por Saguenail
Ciclo A Paleta e o Mundo (segundas às 18h30)26 Jun, 15h - sessão coordenada por Pedro Rodrigues
Ciclo Filmes Proibidos antes do 25 de Abril21 Jun, 21h30 - Jules et Jim, de François Truffaut28 Jun, 21h30 - Flores de Papel, de Guru Dutt
3 Jul, 15h30 - 19h Pequeno é bom (encontros da edição independente)
50 anos de pintura e desenho (1943 - 1993) pinturas e desenhos de Mário Dionísio e de artistas seus amigos que lhe foram oferecidas Exposição 10 Jul, 16h - visita guiada
10 Jul, 10h - 19h II Feira da Achada
Cinema ao ar livre Ciclo Assim Começaram 13 Grandes Realizadores5 Jul, 21h30 - Citizen Kane, de Orson Welles12 Jul, 21h30 - Aniki Bobó, de Manoel de Oliveira
Concurso de quadras de Santo António 2010
1º Lugar Mouraria é de LisboaMas todo o mundo está cáÉ por isso que afeiçoaQuem vem viver para cá. José Miranda—
2º Lugar Mouraria é de LisboaMas todo o mundo está cáEnquanto o fado se entoaA Rosa não murchará. Paula Costa —
3º Lugar Mouraria é de LisboaMas todo o mundo está cáAndam pela rua à toaCantam o fado de lá. Malubarni
A BOCA reforça o seu plantel audiolivresco
com as crónicas futebolísticas de Fernando Assis Pacheco e a colecção HOT - Histórias Oralmente Transmissíveis
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passatempos20 — Rosa Maria Junho de 2010
7 DiferençasAs duas imagens parecem iguais, mas na verdade contêm 7 diferenças entre si. Descubra-as.
Sopa de letrasAche no diagrama os 10 nomes de ruas pertencentes ao bairro da Mouraria que se indicam na lista em baixo. As palavras podem encontrar-se na horizontal, diagonal ou vertical e em ambos os sentidos.
SOLUÇÕES
Cachorro quente+cães:1 - Posição da maçaneta da porta da casa da direita, 2 - Falta uma portada na janela da parte de cima do lado esquerdo, 3 -Boca do homem de trás, 4 - Cor do número da porta da casa da esquerda, 5 - Falta a dobradiça do suporte do chapéu, 6 - Posição da cauda do cão do lado direito, 7 - Cor de uma das partes do chapéu
BenformosoCapelãoCavaleirosFarinhasGuia
LagaresMourariaOlariasRegedorTerreirinho
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organização: parceiros:
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Junho de 2010 21 — ايرام ازور
salmoura22 — Rosa Maria Junho de 2010
Nascido em Goa, resolveu vir para Por-tugal quando tinha 15 anos. Começou por ajudar o tio Sebastião no já então conceituado restaurante Cantinho da Paz. Não falava uma palavra de portu-guês. Dois anos depois conheceu Maria, do restaurante Tentações de Goa que frequentava como cliente. Pouco depois aproveitou uma oportunidade e aí ficou como empregado de mesa: “Além de cozinhar, adoro servir à mesa. Convi-ver com as pessoas é uma das coisas que maior prazer me dá, foi assim que aprendi a língua portuguesa.”
Aprender a língua do país que escolheu para viver foi um desafio: “No início tinha sempre um livrinho e uma caneta no bolso e apontava todas as palavras difíceis. Depois ia à procura delas no dicionário. Hoje falo fluentemente o português sem qualquer sotaque e, por isso, muita gente não acredita que eu não tenha nascido cá.”
O caso de Jesus é quase excepção:
“A maioria dos indianos dão-se apenas entre si e não convivem com os portugueses, é por isso que não aprendem a falar português.”
Quando trabalhava no Tentações de Goa, a cozinheira, que era goesa, adoeceu. Foi assim que Jesus Lee começou a cozinhar: “Liguei para a minha mãe em Goa, perguntei-lhe como se fazia o caril. Hoje cozinho todos os pratos da cozinha goesa. Mas já tinha algumas bases, sempre adorei cozinhar e, como era o filho mais velho, era sempre eu quem ajudava a minha mãe. Vivo na Mouraria há cinco anos. Andava à procura de casa e calhou encontrar uma mesmo ao lado do trabalho. Tenho alguns amigos que moram aqui no bairro e entretanto também fui ganhando amizade com os vizinhos. Gosto muito de aqui viver. Dos bairros onde morei, este é o que eu gosto mais, faz-me lembrar um bairro típico de Goa - o bairro das Fontainhas.”
Cozinheiro do restaurante Tentações de Goa
JesusLee
texto e fotografia Adriana Freire
Caril de camarão com quiabos
2 cebolas4 dentes de alho3 cm de gengibre frescoóleo2 colheres de chá de piri-piri em pó2 colheres de chá de açafrão2 colheres de chá de coentros em pó5 colheres de coloraumalagueta verde1 barra de coco ou leite de cococamarões, peixe ou frango
Bojés
2 cebolasmalagueta verde1 colher de café de cominhos em grãocoentros frescos100 g de farinha de grãosalóleo para fritar
Refogar, num pouco de óleo, a cebola picada com o alho também picado e o gengibre ralado. Juntar as especiarias e adicionar a barra de coco e a água necessária ou, se preferir, leite de coco e deixar apurar um pouco. Se gostar de picante, pode ainda acrescentar malagueta verde cortada às tirinhas. Deitar o camarão descascado, o peixe ou o frango. Cozer os quiabos à parte e, no fim, juntar ao caril. Servir com arroz branco.
Picar a cebola grosseiramente, deitar por cima um pouco de sal grosso e deixar descansar até ganhar um pouco de água. Cortar a malagueta verde em pequenas rodelas. Misturar a farinha com a cebola, juntar a malagueta verde, os cominhos e os coentros picados. Deve ficar uma massa consistente. Fritam-se em óleo quente.
Colabora comigo!Envia-me notícias, histórias do bairro, contos, fotografias novas e antigas, desenhos, receitas de culinária, anúncios e publicidade.Diz-me o que está mal, o assim-assim e o que vai [email protected]: 922 191 892
vox mourisco na dobra das palavras Junho de 2010 23 — ايرام ازور
aranja (palavra do ára-be narandja que, por sua vez, foi colhida da língua persa que, por sua vez, a trazia já do sânscrito) chegou ao português por volta do século XVI. Mas a viagem do fruto e do nome que o designa
não se fica por aqui: hoje, em muitas línguas (grego, alba-nês, romeno, turco, dialectos do italiano e, imagine-se, árabe!), laranja diz-se, sem mais nem menos, portugal, por ter sido este o país a partir de onde esta planta vin-da do Oriente se difundiu por toda a Europa. Por exten-são, laranja deu ainda nome à sua cor, a cor-de-laranja. E eis como a nossa laranja se torna então uma palavra com dois sentidos, transportando em si a história das suas longas viagens.
“Vir ver a minha Capelinha da Senhora da Saúde e a procissão, que é no dia em que a gente diz que “Há festa na Mouraria”. A gente vive isto com muito amor. Aos meus amigos que venham de fora, e já vieram
muitos, o que eu mostro sempre, primeiro do que nada, é a capela. Depois também a nossa guitarra, o Largo da Severa e a Marcha da Mouraria.”Áurea Maurício, 59 anos, doméstica
“Eu mostro tudo, com muito gosto! Desde a rua da Amendoeira lá em cima, dar a volta ao Largo do Terreirinho, ir pela Rua do Capelão abaixo e ir à rua da Mouraria. As pessoas que vêm de fora gostam de tirar
retratos à guitarra. As janelas típicas, a tradição de serem pequeninas. Antigamente é que as Severas e as mulheres (prostitutas) se metiam nestas casinhas pequeninas. Eu era miúda nessa altura mas lembro-me de que havia as meias portas. Elas respeitavam a gente e a gente respeitava elas.” América Mendonça, 78 anos, reformada
“Para já mostrava a guitarra que é o simbolo da tradição do bairro. Depois mostrava a casa onde morou a Severa, que é uma casa histórica e também marca a história do bairro. Depois mostrava as ruas, que significam
muito para as pessoas. Com as ruas estreitas as pessoas
sentem-se muito perto umas das outras e isso cria um espírito de união. Esse espírito ainda existe, principalmente na altura das marchas. As pessoas ficam mais alegres, o bairro fica enfeitado.” André Pereira, 20 anos, estudante
“Mostraria o Grupo Desportivo da Mouraria que é o sítio do bairro onde eu mais gosto de estar. Tem o campo de futebol. De resto… tem as tascas, mas isso não é bem para a nossa idade.”Tiago Gomes, 15 anos, estudante
“Mostrava a Severa, a rainha do fado. Aqui as tasquinhas são acolhedoras, é barato. Aquelas tabernas muito antigas, que ainda têm aqueles copos grossos.Tem muita coisa boa para mostrar e também há coisas ruins, mas
essas não convém mostrar.”Vitor (Guigui), 47 anos, empregado da Junta Freguesia do Socorro
“Aqui no bairro há pouco para mostrar. Mostrava a Igreja e a rua de São Cristovão que antigamen-te era cheia de gente e agora tem pouca gente. Ah, temos também agora a Casa da Achada que con-tribui para dar vida ao bairro, para
a malta lá ir se quiser ver os filmes, ler os livros. Há cá pouca coisa para ver… mas olhe, há cá boa gente!”Jorge Lopes, 68 anos, reformado
O que recomendaria na Mouraria a um amigo seu que não conheça o bairro?
fotografia Carlos Morganho
texto Ana Castro e Sara Ludovicoilustração Antònia Tinture
Uma língua é uma espécie de rio: move-se, troca de águas, flui, es-tende-se em grandes lagos ou demora-se em vastas zonas pantanosas. Estes movimentos podem ser testemunhados pelas palavras que uma língua recebe e oferece. Para inaugurar esta rubrica do Rosa Maria, de-dicada às viagens feitas pelas palavras dentro e fora da língua portugue-sa, começaremos por lembrar um legado linguístico do árabe.
purtugalle (abruzzese – dialecto italiano)
(grego)
portokall (albanês)
portakal (turco)
(árabe)
(romeno)
(mandarim)
(russo)
(ucraniano)
ÁrabeNúmero de falantes no mundo: 221 milhõesVariedades: Cerca de 30 variedades orais, nem todas compreensíveis entre si nem com versão escrita; o árabe moderno padrão, baseado no árabe clássico, é a “versão” unificadora (oral e escrita) que funciona como língua da religião islâmica, e é também usada no ensino, na admi nistração pública e nos meios de comunicação social.Família*: Afro-asiática, Semítica Central do Sul – o árabe é “primo” do hebraico.Geografia: Língua oficial de cerca de 27 países do Norte de África e Médio Oriente (Egipto, Israel, Marrocos, Palestina, Tunísia, entre outros); língua nacional de alguns países de África (Mali e Senegal); e língua também falada por comunidades emigradas em países de todo o mundo.Sistema de escrita: Alfabeto árabeRanking: 4ª língua mais falada no mundo
*As línguas, como as pessoas e as espécies de animais e plantas, têm família (e apelidos!): pais, irmãos, tios, primos mais próximos e mais afastados, avós, bisavós e tetravós... todos descendendo de um antepassado comum e com diversos ramos (sub-famílias).
Fontes: www.ethnologue.com e Wikipedia
B.I.
A IELTsar, escutamos de perto as falas da terra, do céu e do mar, os nossos cantos, contos e que mais, as relações entre tradição e modernidade. A IELTsar, olhamos de longe, com olhos transdisciplinares, o que visto de perto parece banal nas nossas práticas culturais. Recontando, publicando e praticando, andamos de trás para diante, do avesso e às avessas no complexo e vasto mundo da literatura tradicional.
banda desenhada de Nuno Saraiva
entrevista de Ana Luísa Rodrigues
24 — Rosa Maria Junho de 2010
Defende a diversidade de culturas como riqueza. Porquê?Rosário Farmhouse: Quem tem compe-tências interculturais tem competências para ir mais longe. Porque tem curiosida-de e capacidade de aceitar o que não está previsto. Quando a nossa experiência é mais fechada, acontece darmos tudo por adquirido. Temos medo do desconhecido e tendência para dizer que não gostamos do que não conhecemos. Quando temos aquela riqueza – que não é fácil nem na-tural e temos de desenvolver – somos muito mais completos e preparados para mais desafios.Qual é a diferença entre uma zona como esta e as áreas suburbanas, como a Ama-
dora ou Queluz, com grande percenta-gem de imigrantes?RF: Talvez não tenham tanta varie-da de de nacionalidades. Têm comu-ni dades mais antigas e portanto já
há segundas, terceiras, às ve-zes quartas gerações. O que
acontece aqui é que existem várias co mu nidades, salte-
adas pela malha do bairro.É uma manta de
retalhos.RF: Exacto, e de comuni-
dades que não estão cá há muitos
a n o s .
Nesta zona da cidade os imigrantes es-tão por menos tempo do que as comu-nidades de outras zonas. Há uma maior mobilidade, seja para o país de origem ou para outro país europeu.Quais as áreas em que os imigrantes mais precisam de ajuda?RF: Para além da língua, na regulariza-ção dos documentos, porque não enten-dem bem o que é preciso. Na habitação a maior parte é descriminada. Quando o proprietário percebe que não é uma fa-mília portuguesa, dificilmente aluga ou pede um fiador que seja português e te-nha um comércio, o que é quase impos-sível. O que faz com que os proprietários peçam três ou quatro rendas de avanço.A situação da habitação é visível. Por isso agrupam-se em zonas onde as ca-sas estão bastante degradadas.RF: Sem dúvida. Com a casa degradada, o proprietário dispõe-se a alugar, inde-pendentemente dos seus preconceitos. Explora os inquilinos. A requalifica-ção da Mouraria pode vir a trazer novas oportunidades.Nesta zona da cidade há uma justaposi-ção e não tanto uma interacção entre as várias comunidades…RF: Noutros países vemos também ado-lescentes portugueses num grupinho, por defesa, por uma questão de língua, ou porque os seus pais são amigos e aca-bam por estar mais próximos geográfica
e culturalmente. Também tem a ver com o facto de estarem lá há mais ou menos tempo. Numa altura de começo estão todos fechados, estão todos assustados. Temos aqui muita gente que veio porque sonhou ser possível uma vida melhor para si e para os filhos e quer lutar por isso.A diversidade cultural da Mouraria é uma imagem de marca?RF: Ainda não o suficiente. Tem de ser passada de forma mais positiva. Quando digo que vou mudar para o Largo do In-tendente [a sede do ACIDI] toda a gente leva as mãos à cabeça. É uma zona de-safiante, começa a ser conhecida pela diversidade do comércio e a ser procu-rada por isso. Do ponto de vista social e cultural, deverá ser uma zona agradável para se estar.Mas quando se associa tanto a Moura-ria à multiculturalidade, não se corre o risco de a população portuguesa que aqui vive se sentir excluída?RF: De todo. Quando falamos da multi-culturalidade, falamos dela também. A futura sede do ACIDI no Intendente vai ser um centro diferente do actual, por-que vai ter uma grande vertente de so-ciedade portuguesa. Queremos aprovei-tar, por exemplo a riqueza das pessoas mais idosas, porque têm uma memória e uma história que faz parte da cidade. Fa-lamos da integração de todos, portanto.
“Há UM POTENCIAL FANTáSTICO NA MOURARIA”
Rosário Farmhouse é a Alta-comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural desde Fevereiro de 2008. A imigração é um tema que conhece bem, com muito trabalho no terreno.
ANA
CATA
RINA
CAL
DEIR
A