Ricardo Meneses Nogueira Urjais Gomes

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Ricardo Meneses Nogueira Urjais Gomes Impacto do R.G.P.D. nos Sistemas de Informação de Organizações do Sector da Economia Social Projeto de Dissertação Mestrado em Sistemas de Informação Trabalho efetuado sob a orientação de Professor Filipe de Sá-Soares Professor Francisco Andrade Janeiro de 2018

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Ricardo Meneses Nogueira Urjais Gomes

Impacto do R.G.P.D. nos Sistemas de

Informação de Organizações do Sector da

Economia Social

Projeto de Dissertação

Mestrado em Sistemas de Informação

Trabalho efetuado sob a orientação de

Professor Filipe de Sá-Soares

Professor Francisco Andrade

Janeiro de 2018

RESUMO

A entrada em vigor do novo Regulamento Europeu de Proteção de Dados (RGPD) vem marcar

um novo paradigma no que respeita à proteção de dados pessoais na Europa. Este novo

Regulamento transporta algumas diferenças face à regulamentação existente, como o

estabelecimento de princípios de privacy-by-design, o fortalecimento das obrigações dos

responsáveis pelo tratamento para com as autoridades de controlo, o reforço da transparência

desse mesmo tratamento e, por fim, a possibilidade de cobrança de coimas em valores sem

precedentes na Europa para as violações de dados pessoais. Não só as organizações que

susbsistem do mercado da venda e aquisição dos dados pessoais estão na obrigação de ser

conformes o RGDP, mas todas aquelas que lidem, dentro de certas condições, com dados

pessoais. Dentro deste grande grupo, encontram-se as organizações da economia social. O

sector da economia social em Portugal abrange entidades como Misericórdias, Fundações,

Cooperativas, Mutualistas e outros. A economia social actua em muitas atividades, de entre as

quais a ação social é aquela que a população em geral reconhece como mais valiosa e de maior

importância, por atuar na protecção dos excluídos, frágeis e desacompanhados.

Tendo em conta o novo RGPD e a atividade das entidades da economia social, surge a questão

de qual terá de ser a preparação destas organizações para atingirem a conformidade com as

novas regras de proteção de dados, sabendo que muitas das suas actividades se relacionam com

indivíduos desprotegidos e desorientados, o que eleva as responsabilidades dessas organizações

quanto à preservação dos dados dessas pessoas.

O presente trabalho visa perceber os processos organizacionais das entidades da economia

social e em que fases deste processo é que existe tratamento de dados pessoais, levantar as

principais provisões do RGPD que possam afectar os processos de negócio e actividades das

instituições da economia social e, por fim, avaliar os actuais procedimentos destas instituições,

perceber se estão em concordância com o RGPD e indicar recomendações de atuação que as

coloquem no patamar de cumprimento com o RGPD. O método de investigação será um estudo

de caso e os dados para investigação serão obtidos a partir de entrevistas e recolha de

documentos. A recomendação de medidas que ajudem as organizações da economia social a

serem conformes ao RGPD poderá ajudar outras organizações que actuem no mesmo sector de

atividade a alcançarem a conformidade com o Regulamento e, eventualmente, criar um

benchmark de provisões para organizações que actuem no mesmo sector.

Palavras-Chave: RGPD, Privacidade, Dados Pessoais, Economia Social

ABSTRACT

The implementation of the new General Data Protection Regulation (GDPR) comes to set a

new paradigm regarding the protection of personal data in Europe. This new regulation carries

significant differences in relation to the existing regulation, such as the establishment of

privacy-by-design principles, the strengthening of obligations from data controlers to the data

protection authorities, the reinforcement of the treatment’s transparency, and finnaly, the

possibility of imposing fines with unprecedent values in Europe for data breaches events. Not

only the organizations which subsist on the market of sale and acquisition of personal data are

requied to comply with GDPR, but all those which, in certain conditions, deal with personal

data. Amoung this great group are social economy organizations. The social economy sector,

in Portugal, covers entities such as Misericórdias, Foundtions, Cooperatives, Mutualists, and

others. The social economy acts in many activities, among which social action is the one which

population generally recognizes as more valuable and of greater importance, for acting in the

protection of those excluded, fragile and unaccompanied.

Considering the new GDPR and the activities performed by social economy organizations, the

question arises as to how these organization should get prepared to comply with new data

protection rules, knowing that many of their activities relate to individuals who are unprotected

and disoriented, which increases the organizations responsibility for the preservation of these

people’s data.

This study aims to understand the organizational processes of social economy entities and in

which of these processes phases is the processing of personal data, gather the main provisions

from the GDPR that may affect the organizational processes and activities of social economy

organizations, and, at last, to evaluate the current procedures of these organizations, to

understand if they are in agreement with the GDPR and to indicate possible recommendations

of actions that makes them GDPR compliant. The research method will be a case study and the

data from research will be obtained from interviews and collection of documents. The

recommendation for measures to assist social economy organizations in complying with the

RGPD could help other organizations operating in the same sector of activity to achieve

compliance with the Regulation and possibly establish a benchmark of provisions for

organizations operating in the same sector.

KEYWORDS: GDPR, Privacy, Personal Data, Social Economy

ÍNDICE

Resumo ....................................................................................................................................... iii

Abstract .......................................................................................................................................v

Lista de Figuras .......................................................................................................................... xi

Lista de Tabelas........................................................................................................................ xiii

Lista de Abreviaturas, Siglas e Acrónimos ............................................................................... xv

1. Introdução ......................................................................................................................... 17

1.1. Contextualização ....................................................................................................... 17

1.2. Objetivos da Investigação.......................................................................................... 18

1.3. Abordagem de Investigação ...................................................................................... 19

1.4. Organização do Documento ...................................................................................... 19

2. Proteção da Privacidade e Dados Pessoais e Desafios Tecnológicos Existentes .............. 20

2.1. Introdução .................................................................................................................. 20

2.2. Privacidade e Dados Pessoais.................................................................................... 20

2.2.1. A Proteção de Dados na Europa no Pós-Guerra ............................................ 22

2.2.2. A Diretiva 95/46/CE....................................................................................... 23

2.2.3. e-Privacy 2002 e 2009 .................................................................................... 26

2.2.4. História da Proteção de Dados em Portugal – da Constituição à atualidade.. 29

2.2.5. A Interpretação de Dados Pessoais para o WP29 .......................................... 31

2.3. Novos Desafios para a Proteção de Dados ................................................................ 33

2.3.1. Redes Sociais.................................................................................................. 34

2.3.2. Cloud Computing ........................................................................................... 36

2.3.3. Marketing Comportamental ........................................................................... 38

2.3.4. Big Data.......................................................................................................... 39

2.3.4.1. SmartTVs ....................................................................................................... 42

2.3.4.2. Aplicações para Smartphone .......................................................................... 43

2.3.5. Inteligência Artificial ..................................................................................... 46

2.3.6. Drones ............................................................................................................ 47

2.4. RGPD ........................................................................................................................ 48

2.4.1. Alterações Introduzidas pelo RGPD face à Diretiva 95/46/CE ..................... 50

2.4.1.1. Âmbito de Aplicação...................................................................................... 50

2.4.1.2. Definições....................................................................................................... 51

2.4.1.3. Princípios Relativos ao Tratamento de Dados Pessoais................................. 52

2.4.1.4. Obrigações Gerais para o Tratamento ............................................................ 55

2.4.1.5. Transferências de Dados Pessoais para Países Terceiros ............................... 56

2.4.1.6. Códigos de Conduta e Certificação ................................................................ 57

2.4.1.7. Autoridade de Controlo .................................................................................. 57

2.4.1.8. Comité Europeu para a Proteção de Dados .................................................... 59

2.4.1.9. Vias de Recurso, Responsabilidades e Sanções ............................................. 59

2.4.1.10. Disposições relativas a Situações Específicas de Tratamento ....................... 60

2.4.1.11. Conclusão ....................................................................................................... 61

2.4.2. Inovações do RGPD face à Diretiva 95/46/CE .............................................. 61

2.4.2.1. Definições....................................................................................................... 62

2.4.2.2. Princípios........................................................................................................ 62

2.4.2.3. Novos Direitos dos Titulares dos Dados ........................................................ 63

2.4.2.4. Segurança e Notificações ............................................................................... 64

2.4.2.5. Avaliações de Impacto do Tratamento dos Dados ......................................... 67

2.4.2.6. Encarregado de Proteção de Dados ................................................................ 68

2.4.2.7. Códigos de Conduta e Certificação ................................................................ 70

2.4.2.8. Transferências de Dados Pessoais para Países Terceiros ............................... 71

2.4.2.9. Entrada em Vigor e Revogação...................................................................... 72

2.4.3. Conclusão ....................................................................................................... 73

3. Economia Social ............................................................................................................... 75

3.1. Introdução .................................................................................................................. 75

3.2. A Evolução da Economia Social ............................................................................... 75

3.3. Economia Social, Terceiro Sector e Economia Solidária.......................................... 80

3.4. O Mercado da Economia Social em Portugal............................................................ 82

3.4.1. Contribuição da Economia Social para o País e Necessidades de Financiamento

82

3.4.2. Peso e Contribuição dos Tipos de Entidade para a Economia Social ............ 85

3.4.3. Razões para a Falta de Financiamento em Portugal....................................... 89

3.5. Respostas Sociais em Portugal .................................................................................. 90

3.6. Conclusão .................................................................................................................. 92

Referências ............................................................................................................................... 94

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Entidades da Economia Social, por Atividade (CASES e I.N.E. [2013]) ............... 84

Figura 2 - Emprego Remunerado na Economia Social (CASES e I.N.E. [2013]) .................. 84

Figura 3 - Recursos, Despesas e Necessidade Líquida de Financiamento da Economia Social (

CASES e I.N.E. [2013]) ........................................................................................................... 85

Figura 4 - Associações e Outras OES, por Atividade (CASES e I.N.E.[ 2013]) ..................... 86

Figura 5 - Representação do Mercado da Economia Social em Portugal (Quintão [2011]) .... 88

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Principais indicadores por grupos de entidades da Economia Social (CASES e I.N.E.

[2013]) ...................................................................................................................................... 86

Tabela 2 - Peso das Contribuições para a Economia Social (Adaptado de Loureiro e Silva

[2017]) ...................................................................................................................................... 88

Tabela 3 - Grupos de Intervenção e Respostas Sociais ............................................................ 91

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

ANIMAR Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local

CASES Cooperativa António Sérgio para a Economia Social

CASES Conta Satélite para a Economia Social (ver onde aparece primeiro)

CCTV Closed-Circuit Television

CDE Conselho da Europa

CE Conselho Europeu

CEDH Convenção Europeia dos Direitos Humanos

CEE Comunidade Económica Europeia

CERCI Cooperativas de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidades

CIRIEC Centre International de Recherches et d'Information sur l'Economie

Publique, Sociale et Coopérative

COE Council of Europe (Conselho da Europa)

CONFECOOP Confederação Cooperativa Portuguesa

CONFRAGI Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas

CNES Conselho Nacional para a Economia Social

CNIS Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade

CNPD Comissão Nacional de Proteção de Dados

CNPDPI Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais Informatizados

CPCCRD Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, recreio e Desporto

CPIRAPPD Convention for the Protection of Individuals with Regard to Automatic

Processing of Personal Data

DPO Data Protection Officer (Encarregado de Proteção de Dados)

DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem

EDPS European Data Protection Supervisor

F3M F3M Information Systems

IoT Internet of Things

INE Instituto Nacional de Estatística

INSCOOP Instituto António Sérgio para o Sector Cooperativo

IPQ Instituto Português da Qualidade

IPSS Instituições Particulares de Solidariedade Social

IVA Imposto de Valor Acrescentado

NSA National Security Agency

OES Organizações da economia social

ONGA Organizações não-governamentais para o ambiente

ONGD Organizações não-governamentais para o desenvolvimento

ONU Organização das Nações Unidas

RFID Radio-Frequency Identification

RGPD Regulamento Geral de Proteção de Dados

SIDA Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

SNS Serviço Nacional de Saúde

TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

UE União Europeia

UMP União das Misericórdias Portuguesas –procurar primeira apariçao

VAB Valor Acrescentado Bruto

VIH Vírus de Imunodeficiência Humana

WP29 Working Party do 29º artigo da Diretiva 95/46/CE

17

1. INTRODUÇÃO

1.1. Contextualização

A privacidade e a proteção de dados pessoais são uma preocupação permanente dos regimes

democráticos. A privacidade de cada um está prevista por lei e faz parte da fundação da

Organização das Nações Unidas(ONU). A constante evolução tecnológica, e o facto de que a

legislação normalmente é subsequente a estas evoluções, torna a privacidade e proteção de

dados pessoais uma preocupação incessante, para a qual não existem soluções definitivas e

irreversíveis.

Na era atual, onde os dados pessoais dos cidadãos fomentam novos mercados, é importante que

os legisladores, por um lado, mantenham o primado da integridade e protecção dos cidadãos

inviolável, nomeadamente no que concerne aos seus dados pessoais, e por outro, que não inibam

o desenvolvimento tecnológico.

A fundação da Comunidade Económica Europeia e a regulamentação europeia, através de

Diretivas comunitárias desencadeou uma série de iniciativas que colocaram os países europeus

alinhados quanto a objetivos comuns. No âmbito da proteção dos dados pessoais, o primeiro

grande feito foi a Diretiva 95/46/CE que veio estabelecer os princípios da proteção de dados,

alguns deles vigorando ainda hoje. No entanto, com o surgimento posterior do mercado digita l,

os dados pessoais passaram a ser informação muito valiosa para as organizações que os detêm,

tornando-se então necessário proteger os cidadãos de eventuais atropelos às suas liberdades e

direitos fundamentais. O RGDP vem atualizar a Diretiva 95/46/CE, por forma a tornar o quadro

de protecção de dados sólido e mais coerente na União Europeia [Parlamento Europeu e

Conselho da União Europeia 2016]. Este novo regulamento entrará em vigor a 25 de maio de

2018.

Apesar deste Regulamento visar no seu considerando 7 a economia digital na Europa, todas as

organizações que processem dados estarão sob obrigação de o cumprir. E não só as

organizações que operam no mercado digital processam dados. As organizações da economia

social lidam com muitos dados pessoais, alguns deles bastante mais sensíveis do que aqueles

tratados por outras organizações. Ao desenvolverem atividade em muitas áreas, e muitas delas

ligadas com cultos e congregações ou ação social, as organizações da economia social lidam

com aspectos muito íntimos da vida das pessoas e deverão atualizar-se, se necessário, para

18

conseguirem cumprir com o RGDP, sem deixarem de ser efetivas nas atividades que

desempenham.

Importa, assim, perceber como é que as organizações do terceiro sector se deverão preparar

para alterarem, se necessário, os seus processos organizacionais, para se encontrarem em

conformidade com o RGPD.

Para conseguir estudar as organizações da economia social é necessário chegar até elas e

estabelecer parcerias para que seja possível conhecer as suas estruturas e processos. Esta

intermediação é concretizada pela empresa F3M, SA. Esta, é líder destacada em Portugal no

fornecimento de software para a área da economia social, tendo uma base de 3000 instituições

clientes, estando também dotada de serviços de consultoria. É no âmbito da prestação de um

serviço em RGDP aos seus clientes da economia social que surge este trabalho.

1.2. Objetivos da Investigação

A finalidade deste estudo é responder à questão “Como é que as organizações do sector da

economia social se devem preparar para o cumprimento do RGPD?”. Para tal, o primeiro

objetivo a atingir será a construção de uma base teórica sólida, tanto no âmbito da privacidade

e protecção de dados pessoais, englobando o RGPD, e a economia social em Portugal. Este

conhecimento transversal e de suporte é importante pois é o que permite o enquadramento

teórico e normativo para o cumprimento dos objetivos seguintes.

O segundo objetivo será conseguir elencar quais os processos organizacionais das entidades da

economia social que lidam com tratamento de dados. Para atingir este objetivo será

necessárioselecionar uma tipologia de organizção da economia social, seja uma IPSS, uma

Misericórdia ou qualquer outra entidade descrita na Lei de Bases da Economia Social e

descrever os seus processos selecionando aqueles que digam respeito ao tratamento de dados

pessoais. Neste ponto poderão ser abordadas diversas clientes da F3M que lidem com diferentes

informações pessoais. Por exemplo, os dados necessários a recolher e tratar para receber uma

criança numa creche serão diferentes daqueles necessários para admitir um idoso num lar ou

para acompanhar pessoas toxicodependentes. Após esta coleção, e mediante o esforço que tal

venha a envolver, serão selecionadas todas ou algumas entidades da economia social que sejam

clientes da F3M.

O terceiro objetivo será, para as entidades selecionadas no objetivo anterior, obter uma

tipificação das principais provisões do RGPD para os processos organizacionais. Após o

19

levantamento dos processos de negócio ser efetuado, com o destaque dado às operações sobre

dados pessoais (recolha, consulta, arquivamento, cedência, etc.), serão levantadas as principa is

provisões do RGPD que irão incidir sobre esses mesmos dados e processos.

Por fim, após conhecer os processos organizacionais e saber quais as provisões levantadas pelo

RGPD nos mesmos, poder-se-á abordar o objetivo final, que é elencar soluções diversas

(organizacionais, contratuais, regulamentares e outras) que respondam às deficiências que

eventualmente se encontrem nos processos de negócio das organizações da economia social e

permitam, em tempo útil, que as organizações se atualizem e entrem em conformidade com o

RGPD.

1.3. Abordagem de Investigação

Por forma a dar resposta à questão de investigação {julgo que deverá ser só uma questão – a de

investigação} e ao cumprimento dos objectivos {não se dá resposta a objectivos – cumprem-se

ou atingem-se} formulados no ponto anterior, é necessário selecionar uma abordagem de

investigação. Dado que a realização desta dissertação ocorre em parceira com a F3M, S.A. e

surge para dar resposta às necessidades específicas desta empresa e dos clientes para com o

RGPD, a metodologia de investigação seguirá uma abordagem qualitativa, particularizada num

estudo de caso.

A escolha por este método é justificada pela atualidade do fenómeno a investigar e pela natureza

das fontes a utilizar na sua compreensão, como entrevistas, observação e recolha de

documentação diversa que permita o estudo da problemática e a consequente elaboração de

soluções.

1.4. Organização do Documento

A organização do presente projeto de dissertação está estruturada da seguinte forma:

No primeiro capítulo é dado um enquadramento da temática a analisar, justificando a

pertinência da mesma como objecto de estudo, enumerando os objectivos que são propostos

cumprir e qual a método de investigação que lhe dará suporte.

No segundo capítulo encontra-se a descrição da temática da privacidade e da protecção dos

dados pessoais, dando-se ênfase particular aos primórdios legais da protecção de dados

pessoais, as tecnologias que espelham a preocupação crescente que a evolução tecnológica

20

coloca face à privacidade e à protecção de dados pessoais, e, por fim, introduz-se o RGPD,

tanto nos seus aspectos que já são herdados de leis anteriores, como nas novas provisões que

introduz.

No terceiro capítulo descreve-se o panorama da economia social em Portugal, abordando as

suas origens e a sua actualidade, focando também as respostas sociais que as instituições deste

setor que atuam na ação social oferecem.

No quarto capítulo é apresentado o método de investigação para fazer face ao problema em

estudo, sendo também apresentadas as técnicas que suportam a recolha de dados.

O quinto capítulo refere-se ao Plano de Trabalhos e ao enquadramento dos objetivos a atingir

na calendarização desta dissertação.

Por fim, as Referências encontram-se no sexto capítulo

2. PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE E DADOS PESSOAIS E

DESAFIOS TECNOLÓGICOS EXISTENTES

2.1. Introdução

O respeito pela privacidade dos cidadãos encontra-se estabelecido praticamente desde a

fundação da ONU. Nos regimes democráticos, a privacidade dos cidadãos é tida como um

garante de liberdade, tomando parte importante dos Estados de direito. De um modo generalista,

poder-se-á dizer que a privacidade se refere a dar ao índividuo o podr discricionário sobre os

eventos da sua vida privada, delegando ou partilhando esse poder se quiser e até onde quiser.

A privacidade pode ter várias interpretações e o próprio conceito foi evoluindo. Uma dessas

evoluções refere-se à privacidade dos dados pessoais, que será o objecto de estudo do presente

capítulo. Neste capítulo são abordados os principais enquadramentos histórios e legais da

privacidade dos dados pessoais, em Portugal e na Europa, sendo ainda abordadas algumas

tecnologias com impactos na protecção dos dados pessoais e que contribuem para a sustentação

da necessidade de uma reformulação e atualização do quadro de protecção de dados na Europa

atualmente em vigor.

2.2. Privacidade e Dados Pessoais

21

O desenvolvimento tecnológico, económico e sócio-politico dos anos mais recentes estão a

esbater as fronteiras do espaço pessoal e a fomentar a recolha e análise automática de dados

pessoais, podendo ameaçar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos [Rouvroy 2008].

Apesar deste tema ter mais ênfasenos anos mais recentes, especialmente após o escândalo das

revelações de vigilância global por parte da NSA em 2013, a privacidade das informações

pessoais é um dos direitos fundamentais dos cidadãos, presente na Declaração Universal dos

Direitos do Homem, no seu artigo n.º 12 [United Nation General Assembly 1948]. No entanto,

ainda antes do início do Século XX, foi documentado o primeiro conceito moderno de

privacidade. Brandeis [1890] traduziu no seu artigo “The Right to Privacy” a primeira

conceptualização moderna do direito à privacidade, advogando que a lei comum, conferindo o

direito aos cidadãos de divulgarem os seus pensamentos, sentimentos e emoções, materializa o

“right to be left alone”, em tradução livre, o direito a ser deixado em paz. A liberdade de

divulgação daquilo que é produção do indivíduo, seja uma carta, uma publicação ou uma

emoção, cabe apenas ao próprio indivíduo e nenhum outro o poderá fazer, sem o seu

consentimento. O autor refere ainda, mesmo divulgando informações da sua vida intima, o

direito comum confere ao indivíduo o controlo da publicidade dessas mesmas informações

[Brandeis 1890].O direito à privacidade é uma garantia de proteção dos valores fundamenta is

de uma sociedade democrática, uma vez que os cidadãos veem protegidos os seus direitos à

autodeterminação, à liberdade de escolha, orientação sexual, comportamento social, etc.

[Rouvroy 2008]. Deriva-se daqui que a privacidade pode ter vários universos de análise, como

o direito a ser deixado em paz [Brandeis 1890], o direito de controlar a própria vida ou o direito

à proteção dos dados pessoais de cada um [Rouvroy 2008].

Privacidade e dados pessoais são então dois conceitos muito próximos. A proteção de dados é,

simultaneamente, mais abrangente e mais específica do que o direito à privacidade [Friedewald

et al. 2010]. A abrangência da proteção de dados resulta não só da proteção da privacidade, mas

também da proteção conferida a outros interesses e direitos dos cidadãos, tais como, liberdade

de expressão, liberdade religiosa e outros [Friedewald et al. 2010]. Esta proteção de privacidade

pode dizer respeito, entre outros, à privacidade comunicacional, informacional, relacional e

emocional [Rouvroy 2008]. Por outro lado, a proteção de dados é mais específica uma vez que

é aplicada cada vez que são processados dados pessoais [Friedewald et al. 2010]. As regras

quanto à proteção de dados não são, por definição, proibitivas, mas sim, limitativas, uma vez

que estas regras servem para controlar o modo como os dados pessoais são processados, tendo

22

em conta a transparência do tratamento e a responsabilização (accountability)1 de quem trata

esses dados [Friedewald et al. 2010].

Torna-se, no entanto, necessário definir concisamente, o que são dados pessoais. Seguidamente,

será apresentada uma historização paralela entre o conceito de privacidade, e a regulamentação

que a marca, e a evolução da definição de dados pessoais.

2.2.1. A Proteção de Dados na Europa no Pós-Guerra

Em 1949, um ano após a apresentação da Declaração Universal dos Direitos do Homem

(DUDH), foi fundado o Conselho da Europa (COE). Este organismo,fundado por alguns dos

países que são atualmente parte da União Europeia (UE), ratificou a DUDH em 1953, criando

o seu próprio documento: a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) [Council of

Europe (COE) 1952]. No seu preâmbulo, o documento já se compromete a dar os primeiro s

passos para uma aplicação abrangente de alguns dos direitos mencionados na DUDH,

vinculando os países subscritores à Convenção. Neste documento, foi então estabelecido no seu

artigo 8º que (1) “ Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do

seu domicílio e da sua correspondência” e em (2) “Não pode haver ingerência da autoridade

pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e

constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança

nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a

prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos

e das liberdades de terceiros.”Apesar de estar lançado o primeiro instrumento legal e

vinculativo na Europa no que concerne à proteção da privacidade dos cidadãos, também é

verdade que a evolução tecnológica foi avançando e os instrumentos de proteção de até então

tornaram-se obsoletos.

Em 1981 o Conselho Europeu, entretanto ampliado, publica a Convention for the Protection of

Individuals with regard to Automatic Processing of Personal Data (CPIRAPPD) [Council of

Europe (COE) 1981]. Da pesquisa efetuada, é neste documento que surge a primeira definição

explícita ao que podem ser considerados dados pessoais. De acordo com [Council of Europe

(COE) 1981] “dados pessoais” referem-se a qualquer informação relacionada com um

1 Accountability não tem tradução literária para a Língua Portuguesa. A utilização do radical “account” transporta

para significados como “ter em consideração”, “dar conta de”. No “English – Portuguese Cambridge Dictionary”,

accountability é traduzido como “responsabilidade”, “prestação de contas”.

23

indivíduo identificado ou identificável (titular dos dados) e “processamento automático” refere-

se às “seguintes operações se realizadas total ou parcialmente por meios automatizados :

armazenamento de dados, realização de operações lógicas e/ou aritméticas sobre esses dados,

sua alteração, apagamento, recuperação ou disseminação”. Neste documento, é também feita a

primeira referência ao que se irão classificar como categorias especiais de dados. Estes dados

pessoais “especiais” serão aqueles que divulguem informação do titular respeitando à sua

origem racial, opiniões politicas, crenças religiosas, dados sobre a saúde ou vida sexual. Neste

documento, o artigo 5º lança também fundações do que se revelarão as normas e leis de proteção

de dados pessoais. Sob esta convenção, os dados devem ser “obtidos e processados de forma

legal e justa”, “armazenados apenas para propósitos específicos e legítimos” limitando o abuso

dos mesmos, “serem adequados, relevantes e não excessivos em função do uso que lhes será

dado”, “corretos e atualizados” e “preservados de forma que permita a identificação das pessoas

em questão por um período não superior ao requerido para a finalidade para a qual esses dados

são armazenados”. São ainda apresentados os requisitos para permitir o acesso aos dados a

serem tratados (artigo 8º) entre outras regras de cooperação entre estados membro,

transferências de dados entre Estados-Membros, proibições, direitos e salvaguardas dos

titulares dos dados. Deve-se notar que, pelo COE não ter autoridade para criar leis vinculativas,

previu nesta convenção que os estados integrantes deveriam criar leis nacionais que refletissem

o transposto na convenção, tal como se pode observar no artigo 4º. Passados 20 anos, o COE

atualizou a CPIRAPPD com o Additional Protocol to the Convention for the Protection of

Individuals with regard to Automatic Processing of Personal Data regarding Supervisory

Authorities and Transborder Data Flows, do qual saíram as primeiras instruções para que os

estados integrantes criassem autoridades de proteção de dados independentes e com limitações

adicionais no que concerne à exportação de dados pessoais para estados não-membros do COE

[Council of Europe (COE) 2001]. Esta emenda à CPIRAPPD refletia, assim, a preocupação

crescente da altura, em relação ás transferências de dados pessoais.

Contudo, a primeira ferramenta moderna e de ampla adopção, no que concerne à privacidade e

proteção de dados pessoais na Europa foi a Diretiva 95/46/CE.

2.2.2. A Diretiva 95/46/CE

A assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, que fundou a União Europeia como é hoje

conhecida, previu logo no seu preâmbulo que a cooperação entre os Estados-Membros deveria

ultrapassar a mera cooperação económica que era a tónica até então, e focar-se também na

24

cooperação institucional e social [União Europeia 1992]. Consciente das diferenças entre os

Estados-Membros em relação aos seus níveis de proteção da privacidade e da superficialidade

das leis existentes até então [Banisar e Davies 1999], três anos depois a União Europeia aprova

a “Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de Outubro de 1995 relativa

à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre

circulação desses dados”, onde refere expressamente no seu artigo 1º que “os Estados-Membros

assegurarão, em conformidade com a presente diretiva, a proteção das liberdades e dos direitos,

fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente, do direito à vida privada, no que diz

respeito ao tratamento de dados pessoais” [Parlamento Europeu e Conselho Europeu 1995].

Nesta Diretiva tem-se pela primeira vez institucionalizada em larga escala europeia a definição

de dados pessoais e de tratamento de dados pessoas De acordo com o artigo 2º (Definições),

dados pessoais é “qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou

identificável («pessoa em causa»); é considerado identificável todo aquele que possa ser

identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de

identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica,

psíquica, económica, cultural ou social;” e tratamento de dados pessoais ou simplesmente

tratamento, refere-se a “qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados

pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização,

conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por

transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou

interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição”. Ainda relacionado com os

dados pessoais, o considerando 26) refere “… que, para determinar se uma pessoa é

identificável, importa considerar o conjunto dos meios suscetíveis de serem razoavelmente

utilizados (…)”. Este considerando parece transparecer a preocupação do legislador em matéria

de evolução tecnológica. Tal como referido em [WP29 2007], os meios suscetíveis de serem

utilizados hoje, poderão não ser suficientes para identificar o titular dos dados, no entanto, se o

tratamento for previsto para 10 anos, ao nono ano já poderá haver tecnologia que permita a

identificação dos titulares. Nesta Diretiva encontra-se, assim, uma maior pormenorização do

que são dados pessoais e de tratamento de dados pessoais, em relação ao descrito na

CPIRAPPD.

Esta Diretiva vem ainda conceber uma série de princípios para o tratamento, direitos aos

titulares dos dados e impor obrigações aos tratadores que vieram alterar o paradigma do

tratamento de dados na Europa. Entre os direitos dos titulares dos dados podem-se elencar: o

25

direito de acesso, que determina que os titulares dos dados devem ter acesso aos seus dados que

estão a ser tratados, qual a finalidade do tratamento e qual a lógica inerente a esse tratamento ,

e se, caso o tratamento não cumprir as regras da Diretiva, os dados forem inexatos ou

incompletos, retificarem, apagarem ou bloquearem os dados (artigo 12º) e o direito de oposição

da pessoa em causa (artigo 14º) que refere que o titular dos dados se pode opor, em qualquer

momento, ao tratamento dos dados a si respeitantes, salvo disposição em contrário no direito

nacional, assim como o direito de se opor ao tratamento automatizado dos seus dados com vista

a avaliar determinados aspetos da sua personalidade (artigo 15º).

Entre as obrigações e princípios dos tratadores de dados, devem-se referir o princípio do

consentimento (artigo 7º), que determina que a legitimidade do tratamento apenas pode ser

obtida quando é dado consentimento do titular dos dados para esse mesmo tratamento, salvo

exceções de âmbito de autoridades públicas e outras; o princípio da qualidade dos dados (artigo

6º), que determina que os dados são recolhidos para finalidades determinadas, explícitos e

cingidos a essas mesmas finalidades, salvo exceções elencadas no documento e que os dados

são adequados, pertinentes e não excessivos face ao fim que se lhes dará, e que discrimina quais

as categorias específicas de dados que podem ter restrições várias ao tratamento, salvo

consentimento do titular dos mesmos (artigo 8º); o princípio da transparência para com o titula r

aquando da recolha dos dados pessoais (artigos 10º e 11º); a obrigação de confidencialidade e

segurança no tratamento (artigos 16º e 17º); a obrigação de notificação prévia à autoridade de

controlo do(s) processo(s) de tratamento(s) de dados pessoais, e as respetivas isenções

possíveis, de acordo com o artigo 18º.

A Diretiva refere também uma série de derrogações e restrições tanto a direitos dos cidadãos

como nas obrigações dos tratadores (artigo 13º), o âmbito dos recursos contenciosos (artigo

22º), a responsabilidade do tratador (artigo 23º) e as sanções previstas para violação das

disposições da Diretiva (artigo 24º). A Directiva 95/46/CE promove ainda o estabelecimento

de regras que medeiam as transferências de dados pessoais para tratamento em países terceiros

(artigo 25º), assim como as derrogações às mesmas (Artigo 26º). A criação de códigos de

conduta para diferentes associações e sectores empresariais e profissionais também é abordada,

nomeadamente no artigo 27º da Diretiva 95/46/CE. Além disso, a Diretiva 95/46/CE

implementa a obrigatoriedade da criação de uma autoridade de controlo como entidade

independente e fiscalizadora do zelo para com a Diretiva por parte dos tratadores de dados.

No seu artigo 29º a Diretiva 95/46/CE, prevê a criação de uma comissão independente

(futuramente denominada por Working Party 29, ou, Grupo de Trabalho do Artigo 29) que tem

26

como papel ser um órgão consultivo e de apoio independente à Comissão Europeia sobre

matérias que visem a Diretiva ou uma outra qualquer que vise a proteção de dados pessoais e é

composto por um representante da autoridade de controlo de cada Estado-Membro, por um

representante da autoridade criada para as instituições e organismos comunitários (o European

Data Protection Supervisor [EDPS]) e por um representante da Comissão Europeia. {esta

frase é muitíssimo longa – é preciso rever, reorganizando o material em várias frases}.

É possível verificar o acréscimo de alerta das instituições europeias desde a CPIRAPPD, em

1981 até à Diretiva 95/46, em termos de fluxos transfronteiriços dos dados, da própria

magnitude do tratamento dos dados, das tecnologias disponíveis e da própria noção daquilo que

são os dados estritamente respeitantes a cada um.

No entanto, dada a natureza do documento (uma Diretiva), era necessário que os Estados-

Membros aprovassem leis nacionais que visasseem alcançar os objetivos previstos na Diretiva,

dentro de um dado espaço temporal. Uma vez que o instrumento das Diretivas prevê o fim a

atingir pelos Estados-Membros, mas não os meios para o fazer, ainda persiste alguma falta de

harmonização das políticas dos Estados-Membros para fazerem vigorar a Diretiva 95/46 [Dix

2013], o que, além de outros fatores, motivará como se verá mais à frente, a adoção do novo

Regulamento Geral de Proteção de Dados.

2.2.3. e-Privacy 2002 e 2009

A Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao

tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações

eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas), mais conhecida

como e-Privacy Directive foi aprovada sete anos após a Diretiva 95/46 e vem completar a

precedente Diretiva Europeia 97/66/CE, que dizia respeito sobretudo à oferta de serviços de

telecomunicações [Parlamento Europeu e Conselho Europeu 1997], sem, no entanto, a

emendar.

A Diretiva 2002/58/CE é direcionada ao “tratamento de dados pessoais no contexto da

prestação de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis nas redes públicas

de comunicações da Comunidade” [Parlamento Europeu e Conselho Europeu 2002]. Tal como

descrito nos pontos 1 e 2 do seu artigo 1º: “ A presente diretiva harmoniza as disposições dos

Estados-Membros necessárias para garantir um nível equivalente de proteção dos direitos e

liberdades fundamentais, nomeadamente o direito à privacidade, no que respeita ao tratamento

27

de dados pessoais no sector das comunicações eletrónicas, e para garantir a livre circulação

desses dados e de equipamentos e serviços de comunicações eletrónicas na Comunidade.” e

“Para efeitos do n.º 1, as disposições da presente diretiva especificam e complementam a

Diretiva 95/46/CE. Além disso, estas disposições asseguram a proteção dos legítimos interesses

dos assinantes que são pessoas coletivas.” [Parlamento Europeu e Conselho Europeu 2002].

Deverá ser prestada particular atenção ao ponto 3 do artigo 5º desta Diretiva. Pode-se ler no

referido ponto que “os Estados-Membros velarão por que a utilização de redes de comunicações

eletrónicas para a armazenagem de informações ou para obter acesso à informação armazenada

no equipamento terminal de um assinante ou utilizador só seja permitida na condição de serem

fornecidas ao assinante ou ao utilizador em causa informações claras e completas,

nomeadamente sobre os objetivos do processamento, em conformidade com a Diretiva

95/46/CE, e de lhe ter sido dado, pelo controlador dos dados, o direito de recusar esse

processamento. Tal não impedirá qualquer armazenamento técnico ou acesso que tenham como

finalidade exclusiva efetuar ou facilitar a transmissão de uma comunicação através de uma rede

de comunicações eletrónicas, ou que sejam estritamente necessários para fornecer um serviço

no âmbito da sociedade de informação que tenha sido explicitamente solicitado pelo assinante

ou pelo utilizador”. A interpretação deste ponto do artigo 5º remete para o uso dos

identificadores de conexão, mais conhecidos por cookies, por parte dos websites dos termina is

de comunicação (computadores, na altura) dos titulares dos dados. Ao ler o recital 25 desta

Diretiva, obtêm-se mais detalhes acerca da interpretação deste ponto. Refere este recital que,

sempre que as cookies, se destinem, por exemplo, a facilitar a prestação de serviços de

informação, a sua utilização é autorizada, desde que se salvaguarde os princípios e direitos da

Diretiva 95/46/CE. No entanto, atentando ao último parágrafo deste recital, é possível ver que

“O acesso ao conteúdo de um sítio web específico pode ainda depender da aceitação, com

conhecimento de causa, de um testemunho de conexão («cookie») ou dispositivo análogo, caso

seja utilizado para um fim legítimo.” Este último parágrafo, de acordo com o Working Party 29

[WP29 2006] pode ser contraditório com a posição de que os utilizadores poderão recusar o

armazenamento de cookies nos seus terminais, sem que tal impeça o acesso ao serviço prestado.

Em 2009 foi aprovada a emenda à Diretiva E-Privacy de 2002. Com efeito a nova “Diretiva

2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Novembro de 2009 que altera a

Diretiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de

redes e serviços de comunicações eletrónicas, a Diretiva 2002/58/CE relativa ao tratamento de

dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas e o

28

Regulamento(CE) n.º 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais

responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor”, mais conhecida por Cookie

Directive, veio apertar os controlos de segurança presentes no E-Privacy 2002, nomeadamente

no seu artigo 4º criando, entre outras, a obrigação de notificação à autoridade nacional de

proteção de dados de qualquer violação de dados pessoais, e ao titular dos dados ou assinante,

caso essa violação possa afetar negativamente os dados pessoais e alterando o ponto 3 do artigo

5º, que se refere ao armazenamento de cookies [Parlamento Europeu e Conselho Europeu

2009]. Esta alteração da lei das cookies veio forçar o regime opt-in (aquele em que a aceitação

de algo tem de ser dada por aceitação expressa e do silêncio não se pode presumir aceitação)

para o armazenamento de cookies nos terminais dos titulares e utilizadores.

Todavia, são apontadas algumas críticas à Cookie Directive. Papakonstantinou e Hert [2011]

referem que o próprio âmbito da Diretiva é limitado. As Diretivas E-Privacy são direcionadas

para as comunicações eletrónicas e não para os serviços da sociedade da informação, assim,

todas as atividades relacionadas com o comércio eletrónico podem escapar a esta

regulamentação e, por isso, a própria lei procura imiscuir-se no mundo do comércio eletrónico

ao procurar regular atividades da área da Internet, como as cookies ou o spam

[Papakonstantinou e Hert 2011]. De facto, a própria Comissão Europeia reconhece a

insuficiência das Diretivas E-Privacy ao afirmar na comunicação para a Estratégia para o

Mercado Único Digital na Europa [Europeia 2015] que quanto à Diretiva E-Privacy “ poderá

ser necessário reavaliar uma vez acordadas as regras gerais da UE em matéria de proteção de

dados, em particular visto que a maioria dos artigos da atual Diretiva Privacidade e

Comunicações Eletrónicas apenas é aplicável a prestadores de serviços de comunicações

eletrónicas, ou seja, empresas de telecomunicações tradicionais. Por conseguinte, os

prestadores de serviços da sociedade da informação que utilizam a Internet para fornecer

serviços de comunicação não estão, em geral, abrangidos pela diretiva.”.

A 10 de janeiro de 2017, a Comissão Europeia divulgou a sua proposta para o novo E-Privacy

2017, no entanto, desta vez sob a forma de Regulamento, o que, ao contrário das Diretivas, não

carece de transposição nacional e tem uma data específica a partir da qual os Estados-Membros

têm de implementar esse regulamento. Esta proposta já foi revista pelo Working Party 29

29

(WP29 daqui em diante)2, que emitiu o seu parecer sobre o mesmo. Este regulamento E-Privacy

ainda não foi formalizado para implementação e encontra-se por isso em fase de discussão.

2.2.4. História da Proteção de Dados em Portugal – da Constituição à atualidade

A privacidade de informações e a proteção de dados pessoais estão consagradas em Portugal

desde o documento da Constituição Portuguesa de 1976 [Assembleia Constituinte 1976]. No

artigo 33º, a Constituição já previa o direito aos cidadãos da reserva da sua vida privada e

familiar. No artigo 34º encontram-se referências à inviolabilidade do sigilo da correspondência

e outros meios de comunicação. Este artigo parece basear-se no artigo 8º da Convenção

Europeia dos Direitos Humanos. Porém, e antes da publicação da CPIRAPPD, já a Constituição

Portuguesa previa a proteção de dados pessoais informatizados. No seu artigo 35º, a

Constituição também já refere o direito aos cidadãos de terem conhecimento de todos os

registos mecanográficos que lhes digam respeito e qual o fim para os quais essas informações

estão destinadas, podendo exigir a retificação ou a atualização dos dados, e ainda, a proibição

do tratamento de dados respeitantes a convicções políticas, fé religiosa ou vida privada, salvo

quando o fim deste tratamento é o uso estatístico. É interessante verificar como este último

ponto da Constituição Portuguesa é similar, e anterior, ao artigo 6º do CPIRAPPD que define

o conceito de categorias especiais de dados pessoais.

No entanto, apenas em Abril de 1991 surge a primeira lei Portuguesa focada na Proteção de

Dados Pessoais face à Informática [Assembleia da República 1991]. Nesta lei é então

formalizado o significado de dados pessoais e tratamento automatizado. Segundo o artigo 2º

“dados pessoais – quaisquer informações relativas a pessoa singular identificada ou

identificável, considerando-se identificável a pessoa cuja identificação não envolva custos ou

prazos desproporcionados” e “Tratamento Automatizado – as seguintes operações efetuadas,

no todo ou em parte, com a ajuda de processos automatizados: registos de dados, aplicações de

operações lógicas e ou aritméticas a esses dados, bem como a sua modificação, supressão e

extração ou difusão”. Ao longo do mesmo artigo podem-se encontrar outras definições que até

então não estavam definidas na legislação Portuguesa. É também ao abrigo desta lei que é

criado o embrião da atual Comissão Nacional de Proteção de Dados, a Comissão Nacional de

2 O "Grupo de Trabalho do Artigo 29" (neste estudo denominado como WP29) é o nome abreviado do Grupo de

Trabalho de Proteção de Dados estabelecido pelo Artigo 29 da Diretiva 95/46 / CE. Fornece à Comissão Europeia

conselhos independentes sobre questões de protecção de dados e ajuda no desenvolvimento de políticas

harmonizadas de protecção de dados nos Estados -Membros da EU [European Data Protection Supervisor sem

data]

30

Proteção de Dados Pessoais Informatizados (CNPDPI). Também nesta lei (que se deve notar,

é predecessora da Diretiva 95/46/CE) já preconizava procedimentos para o legítimo tratamento

de dados, tais como, o direito ao acesso aos dados por parte dos titulares, a obrigatoriedade de

indicação de qual a finalidade do tratamento dos dados, a indicação do tempo de conservação

dos dados pessoais, as categorias dos dados pessoais que estão restritas a tratamentos, entre

outros. A redação da lei nestes termos, mais evoluída em relação à Constituição de 1976, parece

refletir já bastantes indicações do CPIRAPPD, nomeadamente no que concerne à nomeação da

autoridade pública de proteção de dados, apesar de Portugal não estar integrado no Conselho

Europeu.

Em 1986 Portugal passa a integrar a Comunidade Económica Europeia (CEE). Em 1995, tal

como já referenciado, é aprovada a Diretiva 95/46 CE, a qual Portugal (juntamente com os

restantes Estados-Membros) teria de ratificar para a lei nacional. Esta ratificação acontece com

a promulgação da Lei 67/98 de 26 de Outubro [Assembleia da República 1998], tendo sido

posteriormente atualizada pela Lei nº 103/2015.

A Lei nº 67/98 regula o tratamento de dados pessoais por meios automáticos, semiautomáticos

e não automáticos de dados pessoais. No seu artigo 2º a definição de dados pessoais inclui uma

salvaguarda do artigo 33º da Diretiva 95/46/CE, ao incluir som e imagem, como possíveis dados

pessoais do titular e a frisar a independência do suporte em que os dados se apresentam. As

restantes definições, nomeadamente, de tratamento de dados pessoais, ficheiros de dados

pessoais, subcontratante3, e outras, são as transcrições da Diretiva de 95/46/CE.

A descrição do responsável de tratamento encontra-se alinhada com o espírito da Diretiva

95/46/CE, concretizando a provisão para o Estado Português. No artigo 18º encontra-se

expresso claramente que as transferências de dados pessoais dentro de países membros da UE

são permitidas. No entanto, no artigo 19º é notado que, caso os dados pessoais sejam

transferidos para um país terceiro, esta transferência tem de garantir que o tratamento é

realizado segundo a Lei 67/98, nesse país terceiro. Cabe à CNPD (Comissão Nacional de

Proteção de Dados) decidir se o país terceiro para o qual os dados serão transmitidos oferece o

nível de proteção adequado aos dados pessoais.

3 Na redação da Lei nº 67/98, subcontrante é “a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou

qualquer outro organismo que trate os dados pessoais por conta do responsável pelo tratamento; ”[Assembleia da

República 1998]

31

O responsável do tratamento é ainda obrigado notificar a CNPD antes de proceder ao tratamento

dos dados pessoais (artigo 27º), tendo esta notificação que ser enviada num formulár io

tipificado no artigo 29º da mesma Lei.

No 7º artigo desta Lei é descrita a proibição do tratamento de dados sensíveis. Esta proibição

abrange o “tratamento de dados relacionados com convicções, políticas ou filosóficas, filiação

partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o

tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.” Esta

proibição pode ser derrogada pelos motivos enunciados pelo 3º ponto deste artigo ou mediante

consentimento do titular ou motivo de interesse público.

Na Secção II do Capítulo II estão descritos os direitos dos titulares: direito de informação,

direito de acesso, direito de oposição e direito de recusa a decisões individuais automatizadas.

Relativamente a sanções, tal como previsto no artigo 24º da Diretiva 95/46/CE, a Lei 67/98

prevê coimas de 50.000$ (250€) a 3.000.000$ (15.000€) para organizações que não cumpram

os requisitos de notificação à Autoridade de Controlo e coimas entre 100.000$ (500€) e

1.000.000$ (5000€) quando estiver em causa a qualidade dos dados e legitimidade do seu

tratamento, as condições de legitimidade do tratamento de dados e outras obrigações, sendo que

o não cumprimento de algumas destas pode fazer dobrar o valor.

2.2.5. A Interpretação de Dados Pessoais para o WP29

Tal como foi mencionado acima, o WP29 é um grupo de trabalho criado para aconselhar e

emitir pareceres sobre a Proteção de Dados à luz da Diretiva 95/46/CE. No seu documento

[WP29 2007] o WP29 faz um esclarecimento sobre o entendimento que deve ser dado ao

conceito de dados pessoais. Para o grupo, a interpretação do conceito de dados pessoais, tal

como está descrito na Diretiva 95/46/CE, assenta em quatro pilares principais: “qualquer

informação”, “relativa a”, “identificada ou identificável” e “pessoa singular”. Detalhando a

opinião do WP29 relativa a estes quatro pilares {não escrever na primeira pessoa!} observa-se

que:

• “Qualquer informação”: na opinião do WP29, “qualquer informação”, deve ser

analisada quanto à sua natureza, conteúdo e formato. A natureza diz respeito a

“qualquer informação” objetiva ou subjetiva. Objetiva, segundo o WP29, refere-se a

dados concretos, mensuráveis da pessoa em questão, como por exemplo, ter uma

determinada substância no sangue. Por outro lado, informação subjetiva diz respeito a

32

opiniões e formulação de avaliações quanto ao indivíduo em causa. Esta natureza

subjetiva é particularmente relevante para o tratamento de dados pessoais em sectores

da banca, seguros ou o no emprego [WP29 2007]. A informação, que pode ou não ser

verdadeira, continua a ser uma informação pessoal. Quanto ao conteúdo, a informação

pessoal diz respeito a dados sensíveis, toda a informação que “toca a esfera privada e

familiar da pessoa” e informações que digam respeito a qualquer tipo de atividade da

pessoa, relações de trabalho e comportamento económico e social, independentemente

do seu papel (consumidor, paciente, etc.) Quanto ao formato “o conceito de dados

pessoais inclui informação disponível em qualquer formato, alfabético, numérico,

gráfico, fotográfico ou acústico, por exemplo. Inclui informação em suporte papel, bem

como informação armazenada, por exemplo, na memória de um computador através do

código binário ou numa vídeo cassete.” A opinião menciona também a independênc ia

da estruturação dos dados numa base de dados para que estes sejam considerados dados

pessoais.

• “Relativa a”: na opinião do WP29, este pilar deve ser analisado segundo três prismas :

conteúdo, finalidade e resultado. De acrodo com o WP29, ‘conteúdo’ está presente nos

casos em que (…) se dá informação sobre determinada pessoa, independentemente de

qualquer objetivo por parte do responsável pelo tratamento ou de um terceiro, ou do

impacto dessa informação na pessoa em causa”, por outro lado ‘finalidade’ existe

quando os dados são utilizados, tendo em conta todas as circunstâncias do caso

específico, com a finalidade de avaliar, tratar de determinada forma ou influenciar o

estatuto ou o comportamento de uma pessoa.”. Quanto ao “resultado”, dados cujo uso

“resulte” no impacto para o titular dos mesmos deverão ser considerados dados

pessoais, mesmo que o propósito do tratamento desses dados não seja, objetivamente,

afetar o titular desses dados. Estas três condições não devem ser consideradas

cumulativamente, mas sim alternativamente.

• “Identificada ou Identificável”: O WP29, recorrendo a uma outra recomendação dada

à Comissão, refere “claramente que a medida em que determinados identificadores são

suficientes para obter a identificação é algo que depende do contexto da situação em

causa.” Quando a Diretiva faz referência a pessoas “diretamente” identificáveis, o

WP29 faz referência específica ao uso do nome da pessoa, ainda que este nome tenha

de ser usado em combinação com outros dados (morada, data de nascimento, etc.), para

permitir a identificação indubitável da pessoa. Por outro lado, a referência a pessoas

“indiretamente” identificáveis é feita através de “combinações únicas”. Reporta o

33

WP29 que “Nos casos em que, prima facie, o alcance dos identificadores disponíve is

não permite a ninguém isolar uma determinada pessoa, essa pessoa poderá ainda assim

ser “identificável” porque essa informação combinada com outras informações

(independentemente destas últimas estarem ou não à disposição do responsável pelo

tratamento) permitirá distinguir a pessoa.” O que parece sobressair desta análise do

WP29 é que o único identificador “direto” é o nome da pessoa, pois o nome, para o

cidadão comum e suas relações sociais, é o que o identifica, mais do que o número de

contribuinte ou o de sócio de uma qualquer associação e que, por outro lado, quando,

pela associação de outros dados pessoais, for possível selecionar um indivíduo dentro

de uma determinada amostra, este individuo é indiretamente identificável. Por exemplo,

um professor é indiretamente identificável pelo seu número de calçado quando o

professor está a ser analisado na sala de aula (contando que na sala de aula estão

crianças até aos seis anos de idade).

• Pessoa singular: no entendimento do WP29, a Diretiva 95/46/CE aplica-se unicamente

a pessoas vivas, no entanto, caso o tratamento de dados de pessoas falecidas possa

implicar dados sobre pessoas vivas, o tratamento dos dados destas pessoas falecidas

poderá ser feito de acordo com o estipulado pela Diretiva 95/46/CE. É também debatida

a interação entre dados de pessoas coletivas e nascituros, com dados de pessoas

singulares.

Retira-se, assim, do parecer da WP29 sobre a interpretação dada aos dados pessoais que,

quaisquer dados, objetivos (cuja interpretação do significado ou valor é unânime) ou subjetivos

(uma opinião, avaliação ou consideração da pessoa em causa), sejam eles verdadeiros ou falsos,

se refiram à identidade, características ou comportamento, ou se essas informações forem

utilizadas para determinar a forma como a pessoa é tratada ou avaliada e que identifiquem,

direta ou indiretamente a pessoa em causa, são dados pessoais.

Esta noção de dados pessoais e todo este universo de análise do contexto em que se está a

analisar a “personificação” dos dados será importante para os trabalhos que se seguem neste

estudo.

2.3. Novos Desafios para a Proteção de Dados

Apesar de a Diretiva 95/46/CE ser um marco importante no que toca à privacidade dos dados

pessoais dos cidadãos europeus, também é evidente que os dias de hoje são muito diferentes do

que eram em 1995. O uso da Internet massificou-se, apareceram novos negócios, a literacia

34

eletrónica também aumentou, assim como a quantidade e os tipos de informação guardada nos

computadores e na Internet. De entre tecnologias emergentes e que colocam riscos à proteção

de dados pessoais poder-se-ão elencar: as redes sociais [Weiss 2009] [Acquisti e Gross 2006],

cloud computing [Chen e Zhao 2012] [WP29 2012], marketing compartmental [WP29 2010]

[WP29 2016b], Big Data [WP29 2013b] [Bolognini e Bistolfi 2017], com o caso particular das

smartTVs [Irion e Helberger 2017] e as aplicações móveis para smartphone, como duas

tecnologias muito presentes na vida do cidadão comum [WP29 2013a], Inteligência Artific ia l

[Burden 2017] [Ishii 2017], até mesmo os drones [WP29 2015].

Seguidamente, o funcionamento das tecnologias mencionadas será descrito e serão elencadas

algumas vulnerabilidades que possam eventualmente estar presentes nestas tecnologias, ou na

sua utilização, e que podem colocar riscos à preservação da privacidade dos cidadãos.

2.3.1. Redes Sociais

Quando foram criados os instrumentos de legislação respeitantes à coleção de dados,

nomeadamente a Diretiva 95/46/CE e E-Privacy 2002, a massificação das redes sociais era uma

imagem ainda difícil de prever. Tanto que, apenas em 2009 é que o WP29 se pronunciou pela

primeira vez sobre a proteção de dados nas redes sociais [WP29 2009]. No entanto, com a sua

massificação, também começaram a aparecer os abusos relacionados com a sua utilização, tais

como, exposição indesejável, fraudes de identidades, cyber-bullying ou danos reputacionais, o

que levou os próprios utilizadores dessas redes sociais a exigirem a implementação de controlos

para os salvaguardarem destes danos [Weiss 2009].

No estudo levado a cabo por Weiss [2009], recorrendo a entrevistas a especialistas na área

tecnológica e com conhecimentos profundos em leis de privacidade, segurança e tecnologias

promotoras da segurança e em desenvolvimento de aplicações de redes sociais, o autor indica

que as principais preocupações elencadas foram a falta de transparência sobre a finalidade dada

aos dados pessoais, a falta de controlo para o utilizador sobre o uso e proliferação dos seus

dados pessoais e a utilização não autorizada dos dados pessoais por parte de terceiros.

No mesmo estudo, foram apresentadas como principais soluções aos desafios da privacidade

nas redes sociais um maior foco na transparência por parte dos fornecedores de serviços de

redes sociais sobre a utilização dos dados pessoais, a disposição formalizada de políticas de

privacidade que possam ser comprováveis que estão a ser seguidas de forma automatizada e a

35

utilização de técnicas de comunicação pró-ativa que despertem para os riscos da privacidade

dos dados pessoais [Weiss 2009].

Quando questionados sobre quais os desenvolvimentos tecnológicos que colocariam mais

riscos para a privacidade da informação dos utilizadores, os mesmos entrevistados designaram

a amálgama de aplicações e as interações entre elas, juntamente com os dados a elas subjacentes

e a utilização de tecnologias vulneráveis e imaturas que lhes dão suporte, como os

desenvolvimentos tecnológicos mais arriscados [Weiss 2009].

Em 2006, alguns anos antes da massificação mundial do Facebook (ainda assim, já tinha 10

milhões de utilizadores dos Estados Unidos da América), Acquisti e Gross [2006] realizaram

um estudo num campus universitário, com um grupo de alunos em que a grande maioria já era

membro do Facebook. Neste estudo, os autores tentaram discernir qual a atitude dos

participantes no estudo em relação à privacidade. Assim, aferiram que de facto, para os

participantes, as políticas de privacidade foram sinalizadas pelos entrevistados como sendo

menos importantes para o debate público e para o seu dia a dia pessoal, do que políticas

económicas ou educacionais. No entanto, quando confrontados com uma série de eventos

específicos a acontecer nas suas vidas, as respostas relativas a violações de dados da sua vida

privada (morada, orientação sexual, nome de companheiro/a, filosofias políticas, etc.) foram as

que reuniram maiores preocupações. Ainda assim, 16% dos entrevistados que se mostraram

mais preocupados com os eventos de violações dos dados pessoais, são precisamente aqueles

que disponibilizam a informação que temem que seja violada no Facebook [Acquisti e Gross

2006]. Na senda do mesmo estudo, 30% dos entrevistados que utilizavam o Facebook no estudo

relataram ainda não estarem a par das possibilidades que o Facebook lhes dava para alterarem

as suas definições de privacidade.

Em 2009, tal como referido, o WP29 divulgou o seu parecer em relação ao cumprimento do

regulamento então em vigor (Diretiva 95/46/CE) por parte dos fornecedores de serviços de

redes sociais. Em síntese, não exaustiva, o WP29 sugeriu que os fornecedores de serviços de

redes sociais deviam fornecer aos utilizadores meios para poderem consentir livremente o

acesso ao seu perfil e ao seu conteúdo para além dos contactos por si selecionados, para limita r

o risco de acesso de terceiros [WP29 2009]. Ainda de encontro ao disposto na Diretiva

95/46/CE, os fornecedores de serviços de redes sociais deviam informar os utilizadores das

finalidades do tratamento dos seus dados pessoais, incluído: a utilização dos dados para

marketing direto, a eventual partilha de dados com terceiros, a utilização de dados sensíveis e

um panorama dos perfis criados. O fornecedor devia ainda advertir os utilizadores sobre riscos

36

de privacidade para si e para os outros. O fornecedor de serviços de redes sociais devia também

ponderar se teriam de forçar os utilizadores a utilizarem a sua identidade verdadeira ou um

pseudónimo.

Em síntese, por um lado tem-se que as redes sociais deverão tornar-se mais privacy friendly

para com os seus utilizadores e devem-lhes ser dados mais poderes para controlar a sua

atividade nas redes sociais. Por outro, os utilizadores destas mesmas redes sociais não parecem

estar conscientes da transversalidade da privacidade dos dados e parecem ter atitudes

negligentes quanto às suas preocupações com a privacidade e as efetivas atitudes que tomam

quanto a ela. O WP29 já refletiu algumas destas preocupações ao colocar no seu parecer uma

recomendação explícita dos riscos que os utilizadores correm ao colocarem as suas informações

nas redes sociais e ao colocarem informações de terceiros. Tem-se assim que tanto os

fornecedores destes serviços de redes sociais, como os próprios utilizadores desses serviços,

devem tomar consciência da miríade de precauções que devem tomar, relacionadas com dados

pessoais dos titulares das contas, dados de terceriros, transparência e consciencialização dos

riscos. Dada a vantagem financeira obtida pela utilização dos serviços de redes sociais, os

fornecedores destes serviços deverão revestir-se de uma atitude responsável e pró-ativa de

cumprimento da sua parte quanto ao esforço de consciencializar os seus clientes para os riscos

de utilização das suas plataformas.

2.3.2. Cloud Computing

A computação em nuvem (cloud computing), segundo [WP29 2012], “consiste num conjunto

de tecnologias e modelos de serviços centrados na utilização e fornecimento via Internet de

aplicações informáticas, de capacidade de tratamento e armazenamento e de espaço de

memória.”. Os serviços na cloud podem ser distinguidos entre três tipos de serviços: Cloud

Software as a Service, Cloud Plataform as a Service e Cloud Infrastructure as a Service [Jannati

e Bahrak 2017]. Na perspetiva do cliente, a segurança das informações é uma preocupação que

tem limitado a adoção destes serviços [Chen e Zhao 2012]. De acordo com Chen e Zhao [2012]

os principais riscos para a privacidade dos dados em plataformas cloud prendem-se sobretudo

com a dispersão de infraestrutura física para armazenamento de aplicações e dados, com a

multiplicidade e diversidade de fornecedores de alojamento e a inerente dificuldade em

uniformizar medidas de segurança, com o acesso a múltiplos utilizadores os dados de um

utilizador correm o risco de ser acedidos por outros utilizadores sem acesso para tal, a difíc il

conjugação entre a rapidez de resposta do serviço cloud e o armazenamento cada vez maior de

37

informação e as medidas de segurança para preservar a integridade e a confidencialidade da

informação.

Á luz da Diretiva 95/46/CE, o WP29 [WP29 2012] considera o subscritor de uma plataforma

de cloud computing como o responsável pelo tratamento dos dados, que eventualmente

depositar na plataforma, e o fornecedor de serviços cloud como o subcontratante desse

subscritor e esclarece quais as responsabilidades face à lei para estas duas entidades. O parecer

do WP29 [WP29 2012] relativo às soluções de computação na cloud convergem com a visão

de Chen e Zhao [2012]. Assim, para [WP29 2012] os principais riscos associados à computação

na cloud eram:

• Falta de controlo: o cliente da plataforma perde a “exclusividade” do controlo dos

dados, estando por isso sujeito, entre outros, à eventual falta de integridade do

subcontratado (atendendo à grande quantidade de fontes de dados podem ocorrer

eventuais conflitos de interesse), falta de confidencialidade por parte do subcontratante

(poderão haver interferências ao nível do controlo da legislação aplicada aos dados,

por parte de leis sem validade no contexto da União Europeia, o que viola

imediatamente a legislação europeia) ou falta de capacidade de intervenção do cliente

da plataforma devido à complexidade da cadeia de externalização;

• Falta de transparência sobre o tratamento dos dados: o cliente não ser informado que o

tratamento que o fornecedor da plataforma de cloud computing envolve múltiplos

subcontratantes, os dados pessoais são tratados dentro da UE, mas em países

diferentes, o que pode levar a colisões no direito aplicável em matéria de proteção de

dados, e por fim, os dados podem ser transferidos para países fora da UE, que podem

não garantir a proteção necessária aos dados pessoais, tal como é exigido na Diretiva

95/46/CE.

O WP29 não voltou a emitir nenhum parecer no âmbito da cloud computing, no entanto, os

estudos de Chen, Paxson e Katz [2010] e Savola, Juhola e Uusitalo [2010], que são

relativamente contemporâneos da opinião do WP29, partilham a conclusão de que as questões

relacionadas com a confiança e a transparência são as principais questões a resolver na cloud

computing.

Constanta-se, assim, que o próprio WP29 já estava consciente da massificação do uso da

computação em cloud, como esteve anos antes em relação às redes sociais. De facto, em termos

de cumprimento da legislação europeia a cloud computing é de complexa em termos de

38

responsabilidades, princípios (como a transparência do tratamento e da recolha dos dados) e

delimitação de fronteiras da informação. Ao permitir a disseminação da informação por

múltiplos servidores a informação fica dispersa e difícil de rastrear em termos de cumprimento

da legislação. Por outro lado, a dependência destes serviços de muitas plataformas de

tratamento e o facto de conservarem informações de muitas fontes, pode tornar suscetível o

acesso indevido à informação com fins que podem lesar os titulares dos dados.

2.3.3. Marketing Comportamental

A publicidade comportamental assenta no rastreamento do comportamento dos utilizadores da

Internet e serviços associados a esta utilização, para a criação e inclusão de perfis de

preferências e comportamentos desses mesmos utilizadores [WP29 2010]. Dada a enorme

recolha de dados, muito refinados, por parte dos utilizadores de serviços web, os algoritmos de

machine learning assumem um papel chave nos processos de otimização dos anúncios [Perlich

et al. 2014]. Desde a Diretiva E-Privacy 2009 que os fornecedores de serviços da Internet, tal

como pode ser consultado no artigo 5º dessa Diretiva, podem obter acesso a informação

armazenada no terminal do assinante do serviço (titular dos dados) desde que os titulares dos

dados tenham dado o seu consentimento expresso para este tratamento. Por outro lado, a

utilização de identificadores para a criação de perfis de utilizadores, podem ser considerado s

dados pessoais, ao abrigo da Diretiva 95/46/CE.

O parecer de [WP29 2010] aponta práticas como os mecanismos de “autoexclusão”, por

exemplo, são uma subversão do ónus do consentimento, ao admitirem que, se um utilizador não

aciona a sua autoexclusão junto de um fornecedor de redes de publicidade, é porque daí resulta

o seu consentimento na implantação de cookies no seu terminal de acesso. Outra recomendação

deste organismo é a obrigação por parte dos fornecedores de redes de publicidade de obterem

o consentimento informado dos utilizadores para qualquer tipo de dados recolhidos dos seus

equipamentos, mesmo que não sejam dados pessoais pois tal como indica o considerando 24

da Diretiva 95/46/CE “o equipamento terminal dos utilizadores (...) e todas as informaçõe s

armazenadas nesse equipamento constituem parte integrante da esfera privada dos utilizadores

e devem ser protegidos…”, logo, sendo alvo do artigo 5º dessa mesma Diretiva.

No entanto, em 2016, o WP29 volta a emitir um parecer relacionado com a E-Privacy de 2002,

onde alerta para outros fenómenos que, até então, não ocorriam na recolha das cookies [WP29

2016b]. No novo parecer, o WP29 mantém a opinião de que o consentimento prévio do titula r

dos dados deverá ser requerimento necessário à obtenção de metadados e técnicas de

39

rastreamento [WP29 2016b] e chama a atenção para algumas práticas da indústria das

comunicações eletrónicas, para a instituição de mecanismos que, realmente satisfazem os

requisitos legais de consentimento, mas que não proporcionam aos utilizadores uma efetiva

livre escolha em relação a esse processamento, como é o caso das 4cookie walls ou tracking

walls. Estes mecanismos levam ao veto do acesso ao serviço prestado que não aceitem as

cookies, incluindo as cookies de rastreamento com fins comerciais, e que apresentam altos

riscos para a privacidade dos utilizadores e recomenda uma proibição específica para este tipo

de mecanismos “pegar ou largar” [WP29 2016b]. Este tipo de práticas é, à altura da escrita

deste trabalho, levado a cabo por páginas web de empresas como o Facebook, Hotmail ou o

Gmail. Ainda que o WP29 tenha emitido estes pareceres acerca destes mecanismos, verifica-se

que a proposta para a Diretiva E-Privacy para 2017 não contém qualquer tipo de proibição

explicita a estes mecanismos de cookie walls, facto que o WP29 menciona novamente em

[WP29 2017a] [Borgesius, Kruikemeier e Boerman 2017].

Verifica-se então pelas sucessivas recomendações do WP29 que a utilização de dados pessoais,

e que se referem à utilização privada de um terminal de acesso a serviços da Internet, para os

objetivos de publicidade comportamental acarretam riscos severos para a segurança dos dados

dos utilizadores destes serviços. As políticas adotadas pelos provedores destes serviços

denotam um desejo claro de contornar aquilo que lhes é imposto pela Diretiva 95/46/CE e

particularmente pela Diretiva E-Privacy e suas emendas, alertando assim as próprias entidades

europeias para a vigilância apertada que deve ser feita aos provedores destes serviços, no

sentido de não fazerem uso abusivo dos serviços que prestam aos utilizadores nem de

contornarem as leis de proteção de dados a que estão sujeitos.

2.3.4. Big Data

Big Data refere-se ao aumento exponencial da disponibilidade da informação e no uso

automatizado dessa informação: estas informações estão dispostas em data sets de empresas e

governos e são extensivamente analisados usando algoritmos computacionais, com o fim de

tomar melhores e mais bem informadas decisões [WP29 2013b]. O exemplo escrito em 2.3.3 é

fruto do Big Data uma vez que um dos maiores valores do Big Data resulta da monitorização

4 Tracking walls e cookie walls são termos usados para descrever as barreiras colocadas por alguns websites à

navegação dos mesmos, que só é levantada mediante aceitação da política de cookies desses websites [Borgesius,

Kruikemeier e Boerman 2017]

40

do comportamento humano, coletiva e individualmente, e do seu potencial preditivo [European

Data Protection Supervisor 2016].

Esta capacidade de gerar e recolher informações sobre as pessoas coloca-se como um desafio

aos regulamentos de proteção de dados [Bolognini e Bistolfi 2017], já que o Big Data pode ser

usado para identificar tendências e padrões nos dados analisados, podendo, no entanto, também

ser usado para afetar diretamente as pessoas [WP29 2013b], bem como grupos que partilhem

certas características [Mantelero 2016].

A proliferação da computação ubíqua (RFID’s, wearables, smartphones e outros) fomenta a

recolha de informações, pessoais ou não, de forma constante e automática, potenciando os

esquemas de perfilhação [Rouvroy 2008], uma vez que, dispondo de mais dados sobre as

pessoas, mais fino e circunscrito será esse perfil. . Depois do escândalo de vigilância por parte

da NSA5, surgiram preocupações legítimas dos cidadãos sobre qual a real compensação entre

os riscos para os dados pessoais dos utilizadores e as oportunidades de descobertas da

exploração desses mesmos dados [Bolognini e Bistolfi 2017].

Certos estudos focam também que os sistemas de perfilação cada vez mais presentes com a

computação ubíqua podem imiscuir-se na própria formação do ser humano, podendo mesmo

serem capazes de interferir com crenças, preferências, comportamentos, etc., moldando o ser

individual face áquilo que a perfilação indica [Rouvroy 2008]. Um dos fins perversos do uso

destes mecanismos de perfilação baseados em machine learning e big data é o exemplo do

sistema de marcação em fotos da sua aplicação que marcava automaticamente os indivíduos de

raça negra como “gorilas” [The Economist 2016]. No entanto, é bom frisar que o uso

combinado de grandes volumes de informação pode ser muito benéfico, por exemplo, para a

pesquisas médicas, recorrendo a algoritmos e modelos de data mining [Bolognini e Bistolfi

2017]. Torna-se, assim, necessário encontrar o equilíbrio entre o uso destes datasets para

objetivos de pesquisa histórica, científica e de manutenção da ordem pública, com a privacidade

de cada um [Bolognini e Bistolfi 2017].

5 Em 2013, os jornais Guardian, Washington Post e outros, tiveram acesso a documentação que envolveu a

National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos e a recolha de informações pessoais dos clientes da Verizon,

Facebook, Google, Microsoft, Yahoo, não só nos Estados Unidos, como em outros países do Mundo, para fins de

vigilância governamental [BBC 2014].

41

Tendo em conta o parecer emitido pelo WP29, os principais riscos para a privacidade das

pessoas e a proteção dos seus dados pessoais podem ser elencados na seguinte lista [WP29

2013b]:

• A grande escala de recolha dos dados, o elevado grau de detalhe da recolha, o

rastreamento e a perfilação dos dados e a possibilidade de combinação de dados de

diferentes fontes;

• O atraso dos níveis dos dados, relacionado com a delonga de mecanismos que refreiem,

em relação ao ímpeto do volume com que os dados são recolhidos;

• Transparência, na medida em que as pessoas podem ser sujeitas a decisões que não

controlam ou que não compreendem, se não lhes for fornecida informação suficiente;

• Imprecisões, descriminação, exclusão ou desequilíbrio económico e

• Maiores possibilidades para a vigilância governamental.

De modo a que o tratamento de dados no contexto de Big Data seja tido como legitimo, é

importante assegurar que os dados recolhidos e o tratamento que lhes é destinado sejam tidos

em conta, que o contexto em que os dados são recolhidos e as expectativas razoáveis do titula r

dos dados para o tratamento que lhes vai ser dado sejam coerentes, a natureza dos dados

recolhidos e o impacto que o tratamento dos mesmos poderá ter nos titulares não seja abusivo

e que o tratador dos dados aplique salvaguardas para assegurar um processamento legítimo e

que o acesso aos dados não é feito por ninguém sem autorização para tal [WP29 2013b]. No

fundo, trata-se de assegurar que, mesmo quando os dados recolhidos são massivos, muitas vezes

por sistemas ubíquos, com diversas fontes e de forma sistemática, a transparência dessa recolha

é garantida e o tratamento é licito e o titular dos dados tem o seu consentimento dado para que

esse tratamento ocorra.

Por forma a assegurar a privacidade dos dados pessoais, certos autores, tais como, Stalla-

Bourdillon e Knight [2017], Bolognini e Bistolfi [2017] e Mantelero [2016], apontam a

anonimização dos dados como o próximo passo para garantir a inviolabilidade dos dados

pessoais, ou como forma de se evadirem às regras de proteção de dados atualmente em vigor

[Rouvroy 2008].

Seguidamente, são apresentados dois casos particulares da aplicação das tecnologias de Big

Data em SmartTVs e aplicações para smartphones, por forma a verificar como o papel do

consentimento e a transparência da recolha são basilares ao tratamento licito dos dados

42

2.3.4.1. SmartTVs

Uma das diferenças entre os televisores de hoje em dia e aqueles que marcaram a revolução dos

eletrodomésticos dos anos 50 do século passado, é que os atuais podem estar ligados à Internet.

Ao serem dispositivos ligados à Internet, a possível recolha de informações sobre os hábitos de

consumo televisivo pode ser bastante mais detalhada e personalizada do que no passado. Esta

recolha de informação, tal como observado em 2.3.4, permite a criação de perfis de utilizadores,

que poderão servir para oferta de serviços personalizados e recomendações, mas também para

o marketing comportamental [Irion e Helberger 2017].

A Alemanha e a Holanda são os pioneiros na Europa na aplicação de medidas de proteção de

privacidade dos cidadãos face a SmartTVs6 e serviços de interação televisiva. Um teste levado

acabo na Alemanha por um instituto de testes, descobriu que, quando ligada à Internet, algumas

televisões reportavam dados de consumo para terceiros e alguns fabricantes enviavam anexa a

essa informação o número de identificação do equipamento, o que permitiria destacar os

titulares desses dados recolhidos [Irion e Helberger 2017]. Com efeito, as autoridades de

controlo alemãs divulgaram um relatório onde apontam obrigações das smartTVs, como por

exemplo, anonimizar os dados de consumo, a obrigação de ter o consentimento do utilizado r

para funções de perfilhação de consumo e fornece detalhes sobre a utilização a ser dada aos

dados dos subscritores, informações obrigatórias a prestar e sobre as possibilidades de criação

de dados pseudonomizados7 ao abrigo da lei em vigor. Casos similares podem ser reportados

em deliberações judicias na Holanda.

Os exemplos destes dois países mostram a tensão existente na conjugação entre os aspetos

relacionados com a privacidade e proteção de dados pessoais e as leis dos media audiovisua is.

Irion e Helberger [2017] recomendam que esta separação seja, se não eliminada, pelo menos

diluída, especialmente quando os valores tradicionais e objetivos dos media se cruzam com o

rastreamento e perfilaçãodos utilizadores destes media, isto porque, a interação das pessoas

com os media é um dos meios em que as pessoas formam a sua autonomia, a sua capacidade

de julgamento e opinião, devendo por isso ser minimizados os efeitos “marca de água” que os

mecanismos de perfilhação poderão suscitar na formação e desenvolvimento dos indivíduos.

6 SmarTVs é uma TV que oferece recursos interativos semelhantes aos envolvidos na Internet. Essa ligação à

internet é usada principalmente para transmitir programas de televisão e filmes de vários aplicativos e serviços

[Caleb 2017] 7 A utilização de pseudónimos (pseudonimização) consiste em substituir um atributo de um registo

(normalmente um atributo único) por outro. [WP29 2014a]

43

Além desta recomendação, aqueles autoresapontam soluções práticas como a possibilidade de

assistir televisão em modo anónimo, a obrigação de proteção dos dados de acessos de terceiros,

a garantia de recolha de dados mediante consentimento dos utilizadores e a garantia de que o

tratamento dos dados não resulta na inibição de receber informação destes provedores,

nomeadamente através da perfilhação. Em Fevereiro de 2017, a fabricante de SmarTVs Vizio

pagou 2.2 milhões de dólares para fazer cair as queixas que a acusavam de recolher e vender

dados de consumo das suas SmarTVs sem o consentimento dos utilizadores [Sapna 2017].

Tal como exemplificado pelo artigo acima, as recolhas massivas de dados, por via de

constituição de datasets do âmbito do Big Data, pode ter efeitos perversos para a privacidade

dos utilizadores. O número imenso de entidades que vivem da publicidade, marketing,

visualizações, etc., colocam o mercado das smartTVs sob a pressão de, por um lado, serem o

principal veículo de transmissão de informação da sociedade, por outro, terem um mercado

ultracompetitivo onde a geração de receitas tem de advir de soluções inovadoras. A utilização

da televisão para motivos de perfilhação pode revelar-se socialmente mais pérfida do que os

computadores ou os smartphones, porque a televisão está presente na sociedade das faixas

etárias mais baixas até às mais altas (contrariamente aos computadores que não são tão aceites

nas camadas mais envelhecidas da sociedade) e porque simboliza para muitas pessoas os

momentos de reunião e construção familiar, daí que seja particularmente perversa a recolha de

dados pessoais neste contexto. Tal como abordado em 2.3.3 os princípios que digam respeito

ao consentimento expresso e livre dos titulares dos dados a serem tratados pelas smartTVs, o

tratamento licito desses mesmos dados, a forma como o tratamento desses dados poderá afetar

os direitos e liberdades desses indivíduos e a forma como eles são recolhidos, devem ser

seguidos com rigor, e as próprias operadoras dos media deverão chamar a si a responsabilidade

de não excluir nenhum cidadão do acesso à informação, em resultado de alguma decisão

individual automatizada (perfilhação), tal como previsto no Artigo 15º da Diretiva 95/46/CE.

2.3.4.2. Aplicações para Smartphone

As aplicações para smartphone apresentam-se como um outro meio de emprego do Big Data,

para as quais o WP29 já emitiu o seu parecer relacionado com a proteção de dados pessoais

[WP29 2013a]. Deve-se notar que as denominadas “apps” são aplicações que correm nos

smartphones e que recebem enormes quantidades de dados, que por seu lado são processados

de forma a oferecer novos produtos e serviços ao utilizador. Estas applicações para smartphones

servem múltiplos propósitos como navegação na internet, entretenimento, redes sociais,

44

operações bancárias e serviços baseados na localização. Algumas destas aplicações conseguem

aceder a muitos dos sensores presentes nos smartphones, como bússola, acelerómetro, camaras

fotográficas e microfone, podendo ainda, aceder a informações de geo-localização [WP29

2013a]. Estas aplicações, uma vez instaladas nos smartphones, poderão aceder aos dados dos

contactos, enviar mensagens de correio eletrónico, mensagens escritas, enviar mensagens

instantâneas, alterar conteúdos da memória do smartphone, gravar áudio e aceder a fotografia s,

entre outros [WP29 2013a].

A possível utilização de informações de muitas formas e feitios por parte das apps, torna

essencial que, aquando do processo de tratamento de dados pessoais, os tratadores dos dados

sejam identificados. Por outro lado, mesmo que o país de estabelecimento do controlador esteja

fora da UE, uma vez que as informações tratadas se referem a um terminal que se encontra na

UE, a Diretiva 95/46/CE tem aplicação plena. O artigo 5º da Diretiva E-Privacy de 2009

estabelece claramente que o tratador de dados, que a leitura ou armazenamento de informações

num dispositivo de um titular (sejam dados pessoais ou não), apenas é legítimo caso o titula r

tenha dado o seu consentimento, logo que esse consentimento se baseie na informação clara e

objetiva por parte do tratador de dados sobre as finalidades desse tratamento.

Os principais riscos para a proteção de dados, no âmbito da recolha e tratamento de dados em

aplicações em smartphones e outros dispositivos podem ser elencados no seguinte [WP29

2013a]:

• Falta de transparência do tratamento;

• Falta de consentimento para o tratamento dos dados;

• A maximização (ao invés da minimização) dos dados recolhidos;

• Indefinição da finalidade para os quais os dados são recolhidos;

• Fragmentação do mercado do desenvolvimento de apps: desenvolvedores,

proprietários, app stores e fabricantes dos sistemas operativos e dos dispositivos e

• Terceiros envolvidos na recolha e processamento de dados, como fornecedores de

publicidade.

Estes riscos podem ser materializados, por exemplo, quando uma aplicação necessita de aceder

à geo-localização do dispositivo, é necessário usar os serviços de localização do sistema

operativo. Assim, quando a necessidade desta utilização é desencadeada, o sistema operativo

fornece os dados à aplicação e pode também fazer uso desses dados para melhorar os seus

45

próprios serviços de localização. Neste último propósito, o tratador dos dados é o sistema

operativo [WP29 2013a], no caso de uma aplicação necessitar, por exemplo, de aceder aos

dados de geo-localização para, por exemplo, fornecer uma lista de restaurantes perto do local

onde o utilizador se encontra. A recolha da informação de localização do utilizador deve ter

como único propósito a apresentação dos restaurantes que lhe estão próximos. O consentimento

do utilizador na utilização dos seus dados de geo-localização para este fim não deve estendido

para outros fins, como o da monitorização contínua da posição. Da mesma forma, no caso de

uma aplicação que tenha por missão a comunicação do utilizador com os membros da sua lista

de contactos, deverá caber ao utilizador selecionar os contactos que poderão ser acedidos por

essa aplicação, e não o contrário, ser o utilizador a bloquear os contactos aos quais a aplicação

tem acesso, invertendo o ónus da responsabilidade [WP29 2013a]. Como recomendações finais,

a opinião de [WP29 2013a], entre outras, reporta que:

• Os desenvolvedores de aplicações para smartphone deverão solicitar o consentimento

do utilizador para o tratamento dos dados necessários antes da instalação da própria

aplicação;

• Os desenvolvedores de aplicações para smartphone deverão solicitar o consentimento

granular do utilizador para os diferentes tipos de dados a tratar (lista de contactos,

localização, número de registo do dispositivo, mensagens escritas, correio eletrónico,

etc.;

• Os desenvolvedores de aplicações devem respeitar o princípio da minimização dos

dados e recolher apenas os dados na medida dos necessários para cumprir a função a

que se propõe e

• Os fabricantes de smartphones e sistemas operativos deverão dotar os seus aparelhos

de trigers que, após o utilizador desinstalar uma dada aplicação, seja enviado um aviso

ao desenvolvedor dessa aplicação para apagar todos os dados respeitantes a esse

utilizador.

Como se pode verificar pela opinião emitida em [WP29 2013a], a recolha de dados nos

smartphones envolve muitos atores, que cooperam entre si para tirarem o máximo proveito da

utilização de aplicações em smartphones. Os atores mencionados poderão ter a seu cargo a

responsabilidade do tratamento de dados mediante o contexto em que se encontre esse mesmo

tratamento. O importante a reter é que a quantidade de dados recolhidos, através das

informações guardadas e fornecidas pelo utilizador e através dos sensores dos telemóve is,

46

permite a construção de grandes combinações de dados (Big Data) e, consequentemente, a

perfilhação dos utilizadores e a inferência de outras informações relacionadas com o utilizado r,

que poderão prejudicá-lo em algumas liberdades e garantias. Assim, é necessário garantir ao

utilizador que os seus dados são usados, só e apenas com propósitos que lhe são claramente

transmitidos, ainda antes das aplicações serem instaladas e não se processam os dados para lá

daquilo do que será legitimo e tendo em conta os interesses e respeito pelas liberdades e

garantias do titular.

2.3.5. Inteligência Artificial

A inteligência artificial pode ser deduzida como o passo seguinte à Internet of Things (IoT) e

Big Data, como se verificará mais à frente. Colocado de modo simples e exemplificando, a

diferença entre IoT, Big Data e Inteligência Artificial pode ser caricaturada com o seguinte

exemplo. Imagine-se uma estrada: Iot, seria um conjunto de sensores que permitem contabiliza r

quantos carros, em tempo real, estão na estrada, por outro lado, Big Data seria a capacidade de

analisar se, tendo em conta os valores recolhidos pelos sensores de IoT, se haveria um

engarrafamento de transito ou não, Inteligência Artificial seria a capacidade de um ator,

recebendo os dados da velocidade e direção do veículo, ser capaz de tomar de decisão de

procurar um refúgio para não ser atropelado, recorrendo a algoritmos de Machine Learning,

capaz de o dotarem de tomar decisões.

A relação entre a inteligência artificial e o Big Data é bidirecional: a inteligência artificia l,

através de Machine Learning, precisa de uma grande quantidade de dados para aprender: dados

no domínio do Big Data. Na outra direção, o Big Data usa técnicas de inteligência artificial para

extrair valor de grandes conjuntos de dados. [European Data Protection Supervisor 2016].

Segundo [Ishii 2017], a incorporação de funções sofisticadas entidades dotadas de inteligênc ia

artificiale rápida evolução dos sistemas de inteligência artificial, exacerbada pela lenta evolução

do âmbito das ciências sociais, poderá ter impactos imprevisíveis no universo da privacidade e

da proteção dos dados pessoais As tecnologias indispensáveis à AI, baseadas em Machine

Learning, Deep Learning e outros, são as necessárias para criar perfis digitais (falado atras) e

modelos preditivos. Uma vez que estes perfis são baseados em dados recolhidos, a transparência

do uso dos mesos para com os cidadãos deve ser garantida, sem que o titular dos mesmos seja

sujeito a decisões que afetem a sua vida privada

47

De acordo com [Burden 2017], recolhendo uma série de opiniões junto de uma firma

multinacional de advocacia, as principais inconformidades com a lei, ainda que a lei a que se

refere não seja a Diretiva 95/46/CE mas sim o Regulamento Geral para a Proteção de Dados

(RGPD) que se falará no ponto Erro! A origem da referência não foi encontrada., que se

podem encontrar no desenvolvimento da Inteligência Artificial são: o consentimento informado

e explicito, devido sobretudo à dificuldade de obter consentimento sobre o tratamento de “dados

enriquecidos”, que são dados pessoais e que resultam da combinação de outros dados, para os

quais até haja eventualmente consentimento de serem utilizados; a minimização dos dados

(Artigo 6º da Diretiva 95/46/CE) que por si só vai contra o fundamental em Inteligênc ia

Artificial que consiste numa grande recolha e armazenamento de dados e que não será fácil de

articular com o propósito da recolha dos dados; e com a justificação para a conservação dos

mesmos [Burden 2017], com o disposto no Artigo 14º da Diretiva 95/46/CE que menciona o

direito de oposição ao tratamento. Por outro lado, coloca-se também em questão qual a

capacidade de supervisão de uma autoridade de controlo a organizações que usem

intensivamente machine learning, big data e inteligência artificial [European Data Protection

Supervisor 2016].

Tal como na maior parte das disposições para o Big Data, a Inteligência Artificial sobrevive

graças à recolha de dados pessoais. Para criar uma entidade capaz de ser um assistente de

trânsito policial, por exemplo, será provavelmente necessário que ele recolha dados de humanos

a conduzir, entender os seus padrões, perceber a reação da condução às condições climatéricas,

infirir causas para um condutor estar em incumprimento com os limites de velocidade, correndo

o risco de encontrar padrões que geram discriminação, como por exemplo, julgar todos os

condutores que têm um carro de uma determinada marca ou cilindrada, como propensos a

circular em excesso de velocidade, ou por outro lado, ajam de forma tão inteligente que iniciam

a recolha de dados para lá daquilo que os próprios condutores autorizam, com a justificação de

que a recolha daquele dado será útil para traçar perfis de condução de forma mais fina. Até que

ponto a Inteligência artificial conseguirá contornar estas limitações e continuar a gerar

conhecimento, sem causar dano na privacidade e dados pessoais das pessoas é um ponto que

ainda suscita muitos debates

2.3.6. Drones

Os exemplos mencionados anteriormente focam sobretudo aspetos de recolha de dados através

em formato digital, no entanto, a Diretiva 95/46/CE aplica-se também a outros tipos de

48

tecnologias que podem pôr em risco a segurança dos dados pessoais e a privacidade dos

cidadãos. Uma tecnologia relativamente nova que também levanta muitas questões relativas à

privacidade são os drones. Estes dispositivos aéreos não tripulados são usados civilmente para

fins diversos, como por exemplo, filmagens de eventos festivos e desportivos e engenharia e

mapeamento de território. O facto de serem aeronaves sujeita, em Portugal, a sua utilização ao

regulamento 1093/2016 da Autoridade Nacional de Aviação Civil. Além da sua utilização poder

colocar em causa a segurança aérea, também podem colocar em causa a privacidade de pessoas.

O WP29 emitiu o seu parecer [WP29 2015] em meados de 2015, apontando para os riscos do

processamento de dados pessoais por parte dos drones, como imagens, sons e geo-localização

de pessoas identificadas ou identificáveis. Ao serem equipados com camaras, equipamentos de

deteção ou equipamento de rádio frequência, os drones carregam em si um elevado potencial

para serem uma ameaça à privacidade dos indivíduos. Numa boa parte dos casos, é bastante

provável que os titulares dos dados sobre os quais possa ocorrer alguma violação possam nem

estar cientes que um drone os está a observar, e mesmo sabendo, é difícil saberem que tipo de

informação estão a processar: imagem, som ou outra, e quem é o operador do drone [WP29

2015]. Além disso, o facto de ser um aparelho voador, pequeno e relativamente silencio so,

promove a sua facilidade em invadir o espaço privado. De modo a não infringirem a Diretiva

95/46/CE, o WP29 aconselha os titulares e utilizadores dos drones, como tratadores dos dados

que eventualmente recolham alguma informação pessoal, a certificarem-se da base legal para a

recolha desses dados, seja ela o consentimento do(s) titular(es) dos dados, o cumprimento de

um contrato, uma obrigação legal ou um interesse legítimo e a possibilidade de ter de notifica r

a CNPD (em Portugal) para o processamento que está a efetuar, além de outras recomendações

[WP29 2015].

2.4. RGPD

Até este ponto do projeto de dissertação, o foco tem estado, sobretudo, no levantamento de

políticas de proteção de dados e privacidade na Europa, assim como a apresentação de exemplos

de tecnologias, bastante mais recentes do que a atual Diretiva 95/46/CE e a e-Privacy 2009, que

são alimentadas de informação pessoal, realidade esta que não era tão massiva até à entrada da

presente década.

O Tratado de Lisboa, que vem emendar o Tratado de Maastricht introduz o Tratado sobre o

Funcionamento da União Europeia (TFUE), que por sua vez emenda o Tratado de Roma, e

49

introduz no seu artigo 16º o “direito à proteção dos dados de caracter pessoal que lhes digam

respeito (a todas as pessoas)” [União Europeia 2008]. Em 2010 a Comissão Europeia emitiu

uma comunicação, onde fez uma reflexão sobre novos desafios específicos para a Diretiva então

em vigor e aos quais era necessário dar resposta [Comissão Europeia 2010]. A 25 de Janeiro de

2012, a Comissão Europeia emitiu um comunicado à imprensa [European Comission 2012],

onde revela a sua proposta para reestruturar a Diretiva 95/46/CE de modo a fortalecer a

privacidade online e sustentar a economia digital na Europa. Da leitura desse comunicado

depreendem-se as duas principais razões para esta atualização da Diretiva 95/46/CE: a primeira

prende-se com a globalização e a forma como o progresso tecnológico mudaram a maneira

como os dados são recolhidos, acedidos e usados; a segunda, como já referido, relaciona-se

com as diferentes transposições nacionais feitas pelos vinte e sete estados-membros, levando a

diferenças na execução da lei. Este documento que vem substituir a Diretiva 95/46/CE é o

“Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016,

relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais

e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre

a Proteção de Dados)”, doravante nomeado como “Regulamento Geral de Proteção de Dados”

ou “RGPD”.

Naquele comunicado de imprensa, a Comissão Europeia indicou quais as principais alterações

introduzidas pelo RGDP à questão da privacidade e Proteção de Dados, face à Diretiva

95/46/CE. De modo genérico, as principais diferenças introduzidas pelo novo RGPD, face à

Diretiva 95/46/CE são as seguintes [European Comission 2012]:

• Um único enquadramento de regras, válido para toda a UE. Eliminação da burocracia

de notificações às autoridades de controlo;

• Alteração do ónus do tratamento para os tratadores de dados: com o RGPD é

promovida mais responsabilidade e responsabilização para os tratadores de dados;

• Obrigação de notificações de violações de dados às autoridades de controlo, se

possível, em 24 horas (entretanto, na redacção final do RGPD este prazo foi atualizado

para um máximo de 72 horas, salvo em casos justificados);

• Os titulares terão acesso facilitado aos seus dados e é-lhes dada a possibilidade de

transferirem dados pessoais de um tratador para outro mais facilmente;

50

• O direito a ser esquecido permite aos titulares apagarem os seus dados, desde que não

haja motivos legítimos para os mesmos serem mantidos;

• O regulamento é aplicável a organizações que atuem fora da UE, desde que estejam

ativas na UE e ofereçam bens e serviços na UE e

• Sanções de até 1 milhão de euros ou 2% do volume de negócios de uma empresa

(valores entretanto atualizados).

Após o período de discussão subsequente, o Regulamento foi votado pelo Parlamento Europeu

em Maio de 2016, substituindo a Diretiva 95/46/CE em termos vinculativos a partir de 25 de

Maio de 2018 [Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia 2016]. O WP29 emitiu em

2014 um parecer onde considera que a abordagem baseada no risco à proteção de dados na

Europa está mais presente no RGPD do que o que esteve na Diretiva 95/46/CE, nomeadamente

na forma como são apresentados os artigos 22º, 23º, 28º, 30º, 33º, 38º e 39º [WP29 2014b].

Seguidamente, nesta secção traçar-se-á um comparativo com a Diretiva 95/46/CE, em termos

das suas definições (dados pessoais, tratador e outros). Na subsecção 2.4.1, é importante

salvaguardar que não será feita uma transcrição do RGPD ou da Diretiva 95/46/CE, antes serão

focados aspetos comuns do RGPD e da Diretiva 95/46/CE, sendo salientadas as principa is

provisões do RGPD que são comuns à Diretiva 95/46/CE e os aspetos destes mesmos artigos

que têm alterações no RGPD. No subsecção 2.4.2serão apresentadas, em termos gerais, as

grandes adições do RGPD face à Diretiva 95/46/CE, sem escalpelizar capítulos individuais por

manifesto desajuste do esforço e âmbito de tal procedimento. Para este último passo, seguir-se-

á a estruturação apresentada por Tikkinen-Piri, Rohunen e Markkula [2017].

2.4.1. Alterações Introduzidas pelo RGPD face à Diretiva 95/46/CE

2.4.1.1. Âmbito de Aplicação

O RGPD introduz a perspetiva transnacional da proteção de dados. De acordo com o seu artigo

3º, ponto 2, o Regulamento é aplicável ao tratamento de dados pessoais de titulares residentes

na União, mesmo quando o responsável de tratamento não se encontra na União Europeia, se

estas atividades de tratamento estiverem relacionadas com a oferta de bens e serviços a esses

titulares de dados na União ou com o controlo do seu comportamento. No âmbito do

entendimento puro da Diretiva 95/46/CE, o âmbito de aplicação do Regulamento cingia-se às

51

organizações que tratassem dados nos Estados-Membros da União, independentemente de

quem eram os dados a ser tratados.

2.4.1.2. Definições

Naturalmente, o RGPD encerra mais definições do que aquelas postuladas pela Diretiva

95/46/CE. Todavia, a definição de dados pessoais no RGPD não encerra uma grande mudança

face à Diretiva 95/46/CE. Postula o artigo 4º do RGPD [Parlamento Europeu e Conselho da

União Europeia 2016] “«Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singula r

identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa

singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um

identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização,

identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física,

fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular”. Comparado

com a definição do mesmo conceito da Diretiva 95/46/CE, o RGPD introduz mais elementos

que constituem elementos identificáveis do indivíduo: os dados de localização, os

identificadores por via eletrónica e os elementos genéticos. A inclusão destes elementos traduz

a preocupação com aspectos como endereços de IP, identificadores de dispositivos móveis,

geo-localização, impressões digitais, identificadores de retina ótica, etc., na identificação dos

cidadãos, provavelmente refletindo a preocupação com a quantidade de dados recolhidos e os

avanços tecnológicos reportados em [European Comission 2012]. De resto, os restantes

elementos são os mesmos da Diretiva 95/46/CE, apesar de algumas diferenças (mental vs.

psíquico), mas que não alteram o entendimento dos mesmos.

A definição de tratamento de dados pessoais mantem-se quase igual em relação à Diretiva

95/46/CE, com a alteração de uma palavra e inclusão de uma nova. Em [Parlamento Europeu e

Conselho da União Europeia 2016], tratamento refere-se a “«Tratamento», uma operação ou

um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais,

por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, (…), a

estruturação, (…), a limitação, (…)”. A inclusão de “limitação” parece substituir directamente

a palavra “bloqueio” da Diretiva 95/46/CE, talvez para permitir uma suavização a eventuais

limitações no tratamento dos dados, ao invés de bloquear totalmente o tratamento.

A definição de consentimento por parte do titular, apesar de não mudar em substância, é

bastante mais fina e objetiva do que aquela encontrada na Diretiva 95/46/CE, designadamente

pelo reforçar que o consentimento tem de derivar de uma declaração ou de um ato positivo

52

inequívoco [Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia 2016]. Eventualmente, esta

indicação poderá advir do regime de opt-in postulado na cookie Directive (E-Privacy 2009) que

veio forçar a declaração positiva da aceitação como efetivo consentimento.

Além das definições enumeradas acima, o RGPD introduz novas definições, algumas das quais

serão abordadas em pontos posteriores.

2.4.1.3. Princípios Relativos ao Tratamento de Dados Pessoais

Em termos de princípios relativos ao tratamento dos dados pessoais, as provisões no RGPD

mantêm-se praticamente inalteradas. Os únicos reforços dados são à transparência do

tratamento em relação ao titular dos dados, à segurança do tratamento, “incluindo a proteção

contra o seu tratamento não autorizado ou ilícito e contra a sua perda, destruição ou danificação

acidental, adotando as medidas técnicas ou organizativas adequadas («integridade e

confidencialidade»);” e ainda à responsabilização por parte do responsável do tratamento

quanto à licitude do tratamento e a sua obrigação de o demonstrar [Parlamento Europeu e

Conselho da União Europeia 2016], que não estavam expressas na Diretiva 95/46/CE. De resto,

a minimização dos dados, a limitação das finalidades e a limitação da conservação regem-se

pelos mesmos moldes do previsto na Diretiva 95/46/CE.

Quanto à licitude do tratamento, no RGPD é reforçado que, para o tratamento ser lícito, o titula r

dos dados tem de dar o seu consentimento para a(s) finalidade(s) específica(s), ou seja, reforça

o princípio de que, para cada tratamento com diferentes finalidades, cada um desses tratamentos

tem de ter o consentimento do titular desses dados, e não a política de “caixa negra” em que um

consentimento abarca várias finalidades. O consentimento, no entanto, pode ser um requisito

difícil de obter quando respeita a “dados enriquecidos”8 [Burden 2017].

Em termos de tratamento de categorias de dados especiais (dados sensíveis) tal é previsto no

RGPD aproximadamente nos mesmos termos que já era previsto na Diretiva 95/46/CE, à

exceção da inclusão no RGPD dos dados genéticos e biométricos na categoria de dados

sensíveis. Tal como já o era na Diretiva 95/46/CE, o tratamento destes dados é proibido, a não

ser que o titular dos mesmos dê o seu consentimento para tal, o que já levou o WP29 a emitir a

sua opinião quanto à efetiva validade dos consentimentos dados em termos do ambiente laboral,

mesmo para o tratamento de dados sensíveis. Refere o WP29 que, o caso especifico em que as

8 Dados enriquecidos remete para os dados que são gerados a partir da combinação de outros dados recolhidos,

sejam de fontes diferentes ou com propós itos diferentes

53

entidades empregadoras sujeitam os seus funcionários a utilizar wearable devices para

monitorizarem a sua saúde e atividades dificilmente poderá ser tratada com um consentimento

legalmente válido e explicito do funcionário, dada a dependência financeira do empregado para

com o empregador [WP29 2017b]. Outras situações em que o tratamento destes dados é

legítimo são aquelas matérias relacionadas com legislação laboral, proteção social ou segurança

social, para proteger os interesses vitais do titular, ou outros casos específicos.

Relativamente ao acesso aos dados, entende-se que o RGPD, não introduzindo mudanças

drásticas em relação ao praticado na Diretiva 95/46/CE, no entanto, denota uma atenção

redobrada nas responsabilidades dos tratadores para com os titulares dos dados. No artigo 12º

do RGPD são estabelecidas obrigações do tratador para com o titular, tais como, o uso de

linguagem simples e clara na prestação de informações ao titular devidamente fundamentadas

pelos artigos 13º a 22º e 34º, a gratuitidade obrigatória a esta prestação de informações (salvo

pedidos infundados ou excessivos), a facilitação do exercício dos direitos dos titulares previstos

nos artigos 15º a 22º e ainda a obrigação de resposta aos pedidos de exercícios de direitos dos

titulares num prazo máximo de um mês, salvo motivo devidamente justificado, com possível

extensão até dois meses. Estas situações de gratuidade do exercício dos direitos (direito de

acesso, direito de oposição) já estavam previstas na Diretiva 95/46/CE. Aparentemente, e talvez

para fortalecer a aplicação destes direitos, a gratuidade, a obrigação dos tratadores para com os

titulares e o estabelecimento de prazos concisos (ao invés das “demoras injustificadas” da

Diretiva 95/46/CE), tem o seu próprio artigo no RGPD.

Relativamente às informações a facultar ao titular dos dados, quando os dados são recolhidos

junto dele, o RGPD (artigo 13º) vai bastante mais além do que a Diretiva 95/46/CE. As

provisões do artigo 10º da Diretiva 95/46/CE são praticamente transcritas para o RGPD (artigo

14º). No entanto, o RGPD acrescenta a obrigação de ser fornecido ao titular um contacto do

responsável do tratamento e do encarregado de proteção de dados (DPO, como se verá na

secção a seguir), a intenção, se a houver, de transferir os dados pessoais para um país terceiro

e o parecer da Comissão quanto às transferências para esse país terceiro (no cumprimento de

um nível de proteção adequado) ou, caso este parecer não exista, as garantias apropriadas ou

adequadas de que os dados serão alvo nesse país terceiro (artigo 46º do RGPD), o prazo de

conservação dos dados, os direitos que assistem ao titular, particularmente, o direito de

apresentação de reclamação à autoridade de controlo nacional (que não era forçada na Diretiva

95/46/CE), a eventual obrigação legal do titular ceder os seus dados e a existência de decisões

54

automatizadas. Estas disposições serão derrogadas se o titular já tiver obtido conhecimento

destas informações previamente.

Quando os dados que não são recolhidos junto do titular (artigo 14º), as provisões são as

mesmas previstas para o artigo 13º, acrescendo ainda que o tratador tem de informar quais as

categorias de dados que foram recolhidas, dispondo de o prazo de um mês para comunicar as

informações obrigatórias após a recolha dos dados, no primeiro contacto possível, ou

imediatamente antes de enviar esses dados recolhidos a outro destinatário, e qual a origem dos

dados pessoais, qual será o prazo de conservação dos dados, todos os direitos que assistem ao

titular (retificação, limitação, retirada de consentimento e outros), a existência de decisões

individuais automatizadas e a possibilidade de apresentação de reclamação à autoridade de

controlo. A obrigação da prestação de informações aos titulares pode ser derrogada se tal

implicar um esforço desproporcionado, se o tratamento tiver como finalidade processamento

estatístico, investigação científica ou arquivo de interesse púbico. Esta derrogação já estava

prevista na Diretiva 95/46/CE. Cradock, Stalla-Bourdillon e Millard [2017] criticam a escrita

do artigo 14º do RGPD, alegando que não é clara a interpretação do ponto 4, no que se refere

às categorias de dados pessoais que estão a ser tratadas e que não existe no RGPD uma

abordagem coerente e consistente que o permita fazer. A incerteza sobre o que constitui uma

categoria de dados pessoais em relação a esta obrigação de informação pode levar a menos

transparência para com os titulares dos dados e dá o caso específico do endereço de IP como

sintomático desta necessidade de clarificar o que são as categorias de dados pessoais no RGPD

[Cradock, Stalla-Bourdillon e Millard 2017].

Em termos de direitos de acesso, o artigo 15º do RGPD não vai muito mais longe do que vai o

artigo 12 º da Diretiva 95/46/CE. O direito de acesso cobre as informações já prestadas ao titula r

dos dados nos artigos 13º e 14º, quer em providenciar ao titular informações das finalidades do

tratamento dos dados, as categorias dos dados a serem tratados, os destinatários (se os houver),

o prazo de conservação dos dados, os direitos do titular, particularizando o direito de

apresentação de uma reclamação à autoridade nacional de controlo e a comunicação ao titula r

das garantias de segurança providenciadas por uma entidade num país terceiro, para o qual

eventualmente os dados sejam transferidos. Estes dois últimos elementos não estavam previstos

no correspondente artigo 12º da Diretiva 95/46/CE. Por outro lado, no artigo 12º da Diretiva

95/46/CE está previsto o direito à retificação ou apagamento dos dados pessoais que estejam

desatualizados ou inexatos. Tal direito é encontrado no artigo 16º do RGPD, dizendo apenas

respeito à retificação, mas não ao apagamento dos dados. No artigo 18º do RGPD, onde estão

55

descritas as situações em que o titular dos dados pode solicitar a limitação do tratamento dos

seus dados, está incluída a inexatidão dos mesmos. Tanto para as situações previstas no artigo

16º como no artigo 18º, o responsável pelo tratamento de dados está obrigado à notificação dos

titulares, conforme o artigo 19º.

As limitações ao tratamento e à plena aplicação dos direitos dos titulares e obrigações dos

tratadores por imposição do direito da União ou dos Estados membros está regulada no artigo

23º do RGPD e tem termo de comparação com o artigo 13º da Diretiva 95/46/CE, em relação

ao qual não existem diferenças significativas. As motivações para a suspensão de alguns

direitos e obrigações previstos no RGPD justificam-se sobretudo com matérias de segurança

pública (segurança do estado, defesa, investigação de ações penais), os interesses económicos,

a saúde pública, entre outros. Os Estados membros devem dispor de medidas legislativas

explícitas relativas a alguns dos elementos a serem suspensos (por exemplo, as finalidades do

tratamento ou às diferentes categorias de tratamento).

Em relação ao direito de oposição, o mesmo é contemplado no artigo 14º da Diretiva 95/46/CE

e no artigo 21º do RGPD. Pelo RGPD estender o âmbito em que o tratamento de dados pessoais

é legítimo (por exemplo, o interesse legítimo do tratador ou o tratamento com fins compatíve is

aos quais os dados foram recolhidos), naturalmente, o direito à oposição também será mais

abrangente no RGPD do que na Diretiva 95/46/CE. Partilhando a aplicação com a Diretiva

95/46/CE, o RGPD permite o direito à oposição, mediante as condições descritas no articulado.

O RGPD mantém em relação à Diretiva 95/46/CE o direito dado ao titular de não se sujeitar a

decisões individuais automatizadas, e a escrita da lei mantém-se uniforme. No RGPD este

direito é conferido pelo artigo 22º, e apenas é permitida a perfilhação dos titulares dos dados

caso estes tenham dado o seu consentimento expresso, essa perfilhação decorra de uma

obrigação contratual, ou alguma lei nacional o preveja, desde que estejam salvaguardados os

direitos e liberdades individuais. Os dados sensíveis não podem ser usados para perfilhação,

exceto se o motivo se prender com o interesse público ou o titular dos mesmos tenha dado o

seu consentimento.

2.4.1.4. Obrigações Gerais para o Tratamento

O artigo 17º da Diretiva 95/46/CE tem como título a “Segurança do tratamento” e é abordada

nos artigos 24º e 28º do RGPD, apesar de o RGPD ter o seu próprio artigo com título “Segurança

do Tratamento”, como se verá a seguir. Estes artigos focam, sobretudo, o papel do responsável

56

pelo tratamento dos dados, as suas responsabilidades e normas de conduta aplicáveis aos

subcontratados. Define o RGPD no artigo 2º que o responsável pelo tratamento é “a pessoa

singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro organismo que, individualmente

ou em conjunto com outras, determina as finalidades e os meios de tratamento de dados

pessoais…”. A redação do artigo 24º do RGPD difere da encontrada no artigo 17º da Diretiva

95/46/CE, na medida em que o artigo descrito na Diretiva 95/46/CE foca sobretudo que o

responsável pelo tratamento é responsável pela licitude do tratamento dos dados, enquanto no

RGPD este aspeto é focado, mas é também evidenciado que o responsável pelo tratamento tem

de tomar as medidas técnicas e organizativas que provem que o tratamento é realizado em

conformidade com o Regulamento. Para atestar esta conformidade, o responsável poderá

cumprir códigos de conduta ou procedimentos de certificação aprovados pela Comissão

Europeia, Autoridades de Controlo, Estados-Membros ou pelo Comité Europeu de Protecção

de Dados. Por outro lado, o artigo 28º do RGPD é bastante mais completo em termos de

obrigações do subcontratado para com o responsável de tratamento, incumbindo- lhe, entre

outros, a obrigação de notificar o responsável caso exista um outro subcontratante associado, a

obrigação de apagar ou entregar os dados pessoais tratados ao responsável uma vez terminado

o contrato de tratamento, e atuar apenas mediante instruções do responsável do tratamento.

O RGPD prevê no seu artigo 30º que os responsáveis pelo tratamento e subcontratantes (e se

for o caso, os representantes dos mesmos e do encarregado de proteção de dados) mantenham

um registo de todas as atividades de tratamento, se a organização responsável pelo tratamento

tiver mais de 250 trabalhadores ou o tratamento que é realizado seja suscetível de implica r

riscos para os direitos e liberdades dos titulares dos dados. Esta obrigação já estava prevista no

artigo 21º Diretiva 95/46/CE, no entanto, à luz desta diretiva, , seriam as autoridades de controlo

a ter de manter este registo, por outro lado, nos casos em que não fosse necessário notificar à

autoridade de controlo, cabia aos responsáveis pelo tratamento a responsabilidade de manter

esse registo, contendo este registo no entanto, parcas informações. Além disso, no RGPD, as

informações a constar deste registo são as mesmas que já eram previstas no artigo 21º da

Diretiva 95/46/CE, acrescendo apenas a informação relativa aos prazos para apagamento dos

dados.

2.4.1.5. Transferências de Dados Pessoais para Países Terceiros

As transferências de dados pessoais para países terceiros estão reguladas no RGPD nos artigos

44º, 45º e 46º, sendo que apenas as situações previstas nos artigos 44º e 45º encontram

57

similaridade na Diretiva 95/46/CE, nomeadamente, no seu artigo 25º. O artigo 44º do RGPD e

o ponto 1. do artigo 25º da Diretiva, na sua essência, referem-se à mesma situação, ou seja,

qualquer transferência de dados para países terceiros só deverá ocorrer se esse país terceiro

assegurar o cumprimento da lei de proteção de dados pessoais em vigor do país emissor. O

artigo 45º do RGPD encontra semelhanças no artigo 25º da Diretiva 95/46/CE, na medida em

que o primeiro regula as transferências com base numa decisão de adequação do país

destinatário por parte da Comissão, sendo esse o caso geral das permissões de transferênc ias

descritas no artigo 25 da Diretiva 95/46/CE. Por outro lado, na Diretiva 95/46/CE, mesmo sem

o parecer da Comissão quanto à adequação de um dado país terceiro para garantir a proteção

dos dados pessoais dos titulares, o artigo 26º prevê uma série de derrogações possíveis, cuja

responsabilidade recai sobretudo no próprio titular dos dados, o que não se verifica no novo

RGPD.

2.4.1.6. Códigos de Conduta e Certificação

Tal como já se encontrava previsto no artigo 27º da Diretiva 95/46/CE, o RGPD também prevê,

nos seus artigos 40º e 41º, a promoção de códigos de conduta que visam o cumprimento da lei

de proteção de dados. Estes códigos de conduta, elaborados por associações profissionais ou

outros organismos representantes de categorias de responsáveis pelo tratamento de dados, são

aprovados exclusivamente pela autoridade de controlo (artigo 27º da Diretiva 95/46/CE e artigo

40º do RGPD) ou por outra entidade, devidamente acreditada pela autoridade de controlo

(artigo 41º do RGPD).

2.4.1.7. Autoridade de Controlo

O RGPD prevê no seu articulado bastantes mais disposições relativas à Autoridade de Controlo

do que a Diretiva 95/46/CE. No RGPD, a Autoridade de Controlo é(são) a(s) autoridade(s)

pública(s) “independentes (às quais cabe) a responsabilidade pela fiscalização da aplicação do

presente regulamento, a fim de defender os direitos e liberdades fundamentais das pessoas

singulares relativamente ao tratamento e facilitar a livre circulação desses dados na União”.

As mais numerosas disposições no RGPD derivam de que as competências, atribuições,

composição e funcionamento das autoridades de controlo estão previstas pelas respetivas leis

nacionais, como a Lei 67/98, em vez de estarem maioritariamente presentes na Diretiva

95/46/CE. Se forem analisadas as disposições relativas à Comissão Nacional de Proteção de

58

Dados (CNPD), autoridade de controlo em Portugal, à luz da Lei 67/98, verifica-se que a CNPD

tem como principais atribuições o controlo e fiscalização da aplicação da lei, sendo-lhe dado

para isso poderes e investigação, inquérito e autoridade. As suas principais competências

prendem-se com autorizações ao tratamento dos dados e assuntos conexos, garantia de exercício

dos direitos por parte dos titulares dos dados, dar seguimento a pedidos e reclamações relativas

à lei de proteção de dados pessoais, deliberação sobre aplicação de coimas, promover e apreciar

códigos de conduta e promover a divulgação e esclarecimento dos direitos relativos à proteção

de dados. Por outro lado, no RGPD algumas destas atribuições são mantidas (artigo 57º), como

a sensibilização para os termos presentes na lei, aprovação de códigos de conduta,

encaminhamento de reclamações e garante do exercício dos direitos dos titulares outros. No

entanto, é evidente a supressão de responsabilidades de autorizações de tratamento e de

transferências de dados para países terceiros. Estas responsabilidades, tal como já foi

mencionado, passam a estar do lado dos responsáveis do tratamento, e a autoridade de controlo

mantém os poderes de auditoria aos responsáveis e subcontratantes (artigo 58º RGPD),

produção de advertências, emissão de pareceres, etc. Ou seja, em relação à Diretiva 95/46/CE

e, consequentemente, à Lei 67/98, os poderes e responsabilidades da autoridade de controlo são

acrescidas, mas não em termos de terem alguma relação com o tratamento, como por exemplo,

manter o registo de atividades de tratamento (artigo 21º da Directiva 95/46/CE), mas sim de o

investigar, corrigir, consultar e eventualmente punir. Em Portugal, ainda não existe decisão

vinculativa sobre qual o organismo a desempenhar o papel de autoridade de controlo, mas, ao

que tudo indica, manter-se-á a CNPD.

A preparação das autoridades de controlo nacionais para com as tecnologias de informação foi

estudada por Raab e Szekely [2017]. Pode-se verificar nesse estudo que, quando questionadas

as autoridades de controlo sobre os seus conhecimentos na área das tecnologias da informação

(como bases de dados ou internet), as mesmas revelam que têm baixos conhecimentos na área

ou, no melhor dos casos, que os precisam de melhorar. É assim importante que as próprias

autoridades de controlo, como entidades supervisoras, consigam pelo menos acompanhar a

evolução tecnológica para que o seu trabalho de supervisão seja efetivo [Raab e Szekely 2017].

No entanto, de acordo com Barnard-Wills [2017], nem todas as autoridades de controlo

conseguem acompanhar a evolução tecnológica e as suas ameaças para a privacidade dos dados

pessoais, e recomenda, por isso, maior cooperação entre as autoridades de controlo na

prospeção tecnológica.

59

O RGPD prevê ainda uma série de artigos referentes à cooperação entre autoridades de controlo

europeias e o Comité, que é abordado no ponto seguinte, nos artigos 60º a 67º.

2.4.1.8. Comité Europeu para a Proteção de Dados

Os artigos 68º, 69º e 70º estabelecem a criação, estatuto e atribuições do Comité Europeu para

a Proteção de Dados. Este Comité virá substituir o WP29, estabelecido no artigo 29º da Diretiva

95/46/CE, uma vez que, com a revogação da Diretiva 95/46/CE, o WP29 deixa de ter

fundamento legal para existência, sendo que o Comité terá mais poderes do que aqueles

prescritos ao WP29. O WP29 tinha apenas poderes consultivos, ao passo que o Comité deve

assegurar a aplicação coerente do regulamento (sem se substituir às autoridades de controlo

nacionais) através da emissão (por sua iniciativa ou a pedido da Comissão Europeia) de

diretrizes, recomendações, melhores práticas, pareceres e outros instrumentos, relacionados

com a proteção de dados pessoais na União e com todo o articulado do RGPD. Cabe ao Comité,

por exemplo, “definir mais concretamente os critérios e condições aplicáveis às decisões

baseadas na definição de perfis, nos termos do artigo 22º, n. 2;” ou definir “a respeito das

circunstâncias em que as violações de dados pessoais são suscetíveis de resultar num risco

elevado para os direitos e liberdades das pessoas singulares a que se refere o artigo 34º, n. 1”.

Os artigos 71º a 76º completam a definição do Comité.

2.4.1.9. Vias de Recurso, Responsabilidades e Sanções

O RGPD prevê, no seu artigo 77º, o direito de qualquer titular de dados apresentar uma queixa

à autoridade de controlo, sem prejuízo de utilizar qualquer outra via administrativa ou legal, se

o titular dos dados considerar que o tratamento dos seus dados viola o RGPD. Este direito já se

encontrava previsto no artigo 22º da Diretiva 95/46/CE e, em particular, no artigo 33º da Lei

67/98. No entanto, a escrita do artigo no RGPD parece reforçar o papel da autoridade de

controlo como primeiro meio de socorro em caso de contingência, enquanto na Diretiva

95/46/CE e na transposição portuguesa, o meio de contingência salientado são os meios

administrativos e jurisdicionais, designadamente os tribunais. Possivelmente, esta mudança

sintática não reflete a alteração semântica sugerida acima, mas caso refletisse, iria alinhar a

autoridade de controlo mais com o cariz fiscalizador e plataforma de supervisão que é

amplificada no RGPD. A contribuir para esta interpretação encontra-se o facto de, na Lei 67/98,

a única referência explícita à capacidade da CNPD analisar queixas e reclamações encontra-se

60

numa das suas dezassete competências (artigo 23º), enquanto no RGPD lhe é dedicado um

Artigo por inteiro.

O RGPD também prevê nos artigos 78º e 79º a possibilidade de ser intentada uma ação judicia l

contra a autoridade de controlo e contra o responsável pelo tratamento ou subcontratante,

respetivamente. Tais provisões não eram descritas na Diretiva 95/46/CE nem na Lei 67/98.

Nomeadamente, os titulares podem apresentar queixa judicial contra a autoridade de controlo

em caso de discórdia com as decisões juridicamente vinculativas da autoridade de controlo, se

a autoridade de controlo não tratar uma eventual reclamação de um titular de dados pessoais ou

não informar, no prazo de três meses, o titular dos dados sobre o andamento de um processo de

reclamação. Os titulares podem apresentar queixa contra o responsável de tratamento ou o

subcontratante se considerarem ter havido uma violação dos direitos conferidos pelo RGPD.

Já previsto na Diretiva 95/46/CE (artigo 23º) e na Lei n.º 67/98 (artigo 34º), o RGPD mantém

o artigo (artigo 82º) que permite ao titular dos dados receber uma indeminização do responsável

pelo tratamento ou do subcontratante, por danos materiais ou imateriais decorrentes de uma

violação dos seus dados pessoais.

Em termos sancionatórios, a diferença de valores praticada entre a Diretiva 95/46/CE e o

previsto na Lei portuguesa n.º 67/98 é abismal. Tal como foi observado no ponto 2.2.4, no

máximo, os montantes sancionatórios na lei portuguesa iam até aos 10 mil euros, nos casos

mais graves. No RGPD, os montantes sancionatórios a serem pagos, poderão ir, desde 2% do

volume de negócios do ano transato ao da infração (no caso de o responsável ser uma empresa)

ou 10 milhões de euros, dependendo de qual valor é maior, para alguns tipos de infrações, ou

até 4% do volume de negócios do ano transato ao da infração (no caso do responsável ser uma

empresa) ou 20 milhões de euros, dependendo de qual valor é maior, para outros tipos de

infrações. Deverá ser notado que estes são valores máximos. Por outro lado, a Lei 67/98 previa

penas de cadeia para certos tipos de violações de dados, casos que estão aparentemente

excluídos do RGPD, havendo, no entanto, liberdade legislativa dos Estados-Membros para

legislarem sobre este aspeto. Nota-se assim, em termos de sanções, um claro agravamento das

mesmas, em relação ao previsto na Diretiva 95/46/CE e na respetiva Lei Portuguesa 67/98. Tal

postura por parte do Regulamento é um reconhecimento dos perigos a que as violações dos

dados pessoais podem levar e do papel de responsabilidade que os responsáveis pelo tratamento

têm em mãos cada vez que lidam com dados pessoais.

2.4.1.10. Disposições relativas a Situações Específicas de Tratamento

61

Por fim, o RGPD prevê uma série de situações específicas onde os Estados-Membros terão a

opção de legislar. Situações decorrentes do tratamento e liberdade de expressão e de

informação, tratamento e acesso do público a documentos oficiais, tratamento do número de

identificação natural, tratamento em contexto laboral e outros, são indicadas no RGPD como

sendo da responsabilidade do Estado Membro legislar. Por comparação, na Diretiva 95/46/CE

apenas os tratamentos relativos ao tratamento e liberdade de expressão estavam mencionados

como casos específicos que cabe ao Estado Membro legislar.

2.4.1.11. Conclusão

Através desta comparação entre a Diretiva 95/46/CE e o novo RGPD, torna-se evidente que,

para os aspetos mencionados, o RGPD não vem acrescentar nada de totalmente disruptivo ou

transcendente. É evidente o facto de que há uma mudança de paradigma das autoridades de

controlo para, de uma postura ativa e dotando-se de mais poderes e deveres inspetivos. Também

existem mudanças importantes no âmbito territorial da aplicação da lei, sendo que os cidadãos

europeus estão agora mais protegidos pela lei de proteção de dados do que estavam antes. As

próprias definições de dados pessoais e tratamento foram estendidas a outros elementos.

Todavia, em termos de princípios relativos ao tratamento de dados, tanto em matéria de direitos

como de obrigações, aqueles que transitam da Diretiva 95/46/CE não sofrem alterações

drásticas. A alteração que fará efetivamente com que as organizações se acautelem quanto ao

legítimo tratamento de dados parece ser mesmo o montante das penas em que incorrem caso

ocorra alguma violação.

De relembrar, que neste ponto apenas foram comparadas as provisões que transitaram da

Diretiva 95/46/CE para o RGPD. O RGPD contém outras provisões, completamente novas, que

vão desde novos direitos que assistem aos titulares dos dados, incluindo crianças, até a novas

garantias de segurança que as organizações terão de pôr em prática para se encontrarem em

conformidade com o novo Regulamento. Estas novas provisões são tratadas na subsecção

seguinte.

2.4.2. Inovações do RGPD face à Diretiva 95/46/CE

O novo RGPD, além de mudar alguns aspetos contemplados na Diretiva 95/46/CE, acrescenta

provisões, que atravessam todo o Regulamento. Nestat subsecção procura-se apontar esses

acréscimos do RGPD e o que eles poderão significar.

62

2.4.2.1. Definições

A subsecção anterior sobre as definições incluíu as principais mudanças introduzidas pelo

RGPD relativamente à Diretiva 95/46/CE, no entanto, o RGPD também acrescenta novas

definições. Provavelmente, as novas definições mais importantes que se encontram no RGPD

são aquelas que se referem à pseudonimização e violação de dados pessoais.

À luz do RGPD, pseudonimização refere-se ao “tratamento de dados pessoais de forma que

deixem de poder ser atribuídos a um titular de dados específico sem recorrer a informações

suplementares, desde que essas informações suplementares sejam mantidas separadamente e

sujeitas a medidas técnicas e organizativas para assegurar que os dados pessoais não possam

ser atribuídos a uma pessoa singular identificada ou identificável;”. O âmbito de aplicação da

pseudonimização será discutido mais à frente, no entanto, é percetível que o RGPD, sendo

tecnologicamente neutro (considerando 15)), avança com medidas que poderão ajudar a

cumprir as provisões regulamentares.

Por “violação de dados pessoais” o RGPD entende como sendo “uma violação da segurança

que provoque, de modo acidental ou ilícito, a destruição, a perda, a alteração, a divulgação ou

o acesso, não autorizados, a dados pessoais transmitidos, conservados ou sujeitos a qualquer

outro tipo de tratamento;”. Apesar de parecer um conceito relativamente fácil de consumar, a

sua descrição no Regulamento retira ambiguidades na interpretação, o que permitirá, por um

lado, uma análise mais objetiva das queixas por parte das autoridades de controlo e tribunais e

por outro, permitirá aos responsáveis pelo tratamento dos dados tomar medidas para a mitigação

de riscos.

Além destas novas definições, o RGPD contempla também definições de “dados genéticos”,

“dados biométricos”, “dados relativos à saúde” que também tem impacto no RGPD, mas que

aqui são deixados num plano secundário.

2.4.2.2. Princípios

Já foi reforçado na subsecção 2.4.1.3 a transparência para com o titular dos dados, a segurança

do tratamento e a responsabilização dada ao responsável pelo tratamento. No entanto, o RGPD

também tem novas provisões relativas aos princípios de tratamento. É sabido que o tratamento

só pode ocorrer se o titular tiver dado o seu consentimento, porém, o RGPD prevê no seu artigo

7º que o responsável pelo tratamento tem de conseguir provar que o titular dos dados deu o seu

consentimento, situação que não era tão clara na Diretiva 95/46/CE, o que levanta novamente

63

questões em relação ao tratamento dentro dos legítimos interesses do tratador e aos tratamentos

compatíveis posteriores.

No artigo 89º do RGPD descrevem-se os tratamentos para fins estatísticos e históricos como

interesses compatíveis. Ao abrigo deste direito, o titular pode ainda levantar o seu

consentimento a qualquer momento.

O artigo 8º do RGPD foca pela primeira vez o consentimento quando aplicado ao caso das

crianças. Diversos considerandos (58, 38,65) plasmados no RGPD focam a transparência que

deve ser dada às crianças e a proteção que lhes deve ser dada pela falta de consciência quanto

à importância dos dados pessoais.

O RGPD prevê, ainda, o caso de, se por alguma eventualidade, os dados pessoais deixarem de

ser necessários para os propósitos do tratamento para que foram recolhidos, o responsável pelo

tratamento não é obrigado a manter, obter ou tratar informações suplementares que lhe

permitam identificar o titular dos dados.

2.4.2.3. Novos Direitos dos Titulares dos Dados

O RGPD introduz dois novos direitos explícitos, explanados nos artigos 17º e 20º. O artigo 17º

refere-se ao direito de apagamento dos dados, mais conhecido por “direito a ser esquecido”.

Este novo direito, em parte, vem reforçar o que já está exposto no artigo 5º alínea e): “Os dados

pessoais são conservados (…) apenas durante o período necessário para as finalidades para os

quais são tratados.”, mas também oferece a possibilidade aos titulares de solicitarem o

apagamento dos seus dados desde que não infrinja o exercício da liberdade de expressão e da

informação, por motivos de interesse público, para fins de arquivamento histórico ou estatístico

ou, e principalmente, quando nenhuma obrigação legal imponha ao responsável pelo tratamento

a continuação do tratamento dos dados, ou outros motivos a consultar no Regulamento. Por

exemplo, após emissão de fatura, mesmo que o titular dos dados solicite o direito a ser

esquecido, o emissor não o poderá fazer devido à obrigação de conservar as faturas do IVA

pelo menos durante 10 anos. De resto, o titular pode solicitar o apagamento dos seus dados

desde que os seus dados não sejam mais necessários relativamente aos fins para os quais foram

recolhidos, que não haja interesses legítimos do tratador que prevaleçam sobre este direito do

titular, que não exista fundamento jurídico para o tratamento, se não quiser ser sujeito a

perfilhação, alvo de marketing direto, se os dados foram tratados ilicitamente ou se os dados

pessoais foram recolhidos no contexto de oferta de serviços da sociedade da informação a

64

crianças. Para Mantelero [2013], o direito a ser esquecido nasce da necessidade individual da

autodeterminação, de se desenvolver sem ser estigmatizado por uma qualquer ação decorrida

no passado. A prescrição desde direito no RGPD vem em consequência da decisão do tribuna l

europeu no caso “Alfacs Vacances vs. Google”, onde o primeiro exigiu o apagamento de dados

a si referentes do motor de pesquisa da Google [Mantelero 2013].

O artigo 20º, por outro lado, dá ao titular o direito de solicitar a portabilidade dos seus dados.

De acordo com este direito, o titular pode solicitar ao tratador de dados a receção dos dados que

lhe digam respeito, e que tenha fornecido a um responsável de tratamento num formato

estruturado, de uso corrente e de leitura automática (formato XML, por exemplo), e o posterior

direito de os transmitir a outro responsável pelo tratamento de dados, sem que o primeiro o

possa impedir, desde que o tratamento tenha sido lícito ou o tratamento tenha sido realizado

por meios automatizados. O titular dos dados pode também solicitar a portabilidade direta dos

dados pessoais entre responsáveis, desde que tal seja tecnicamente possível. Este direito não

pode atropelar direitos e liberdades de terceiros.

A portabilidade dos dados tem como vantagens a proteção ao consumidor, assim como para os

fornecedores de serviços on-line, pois pode ajudar a construir uma relação de confiança entre

consumidores e fornecedores [Van der Auwermeulen 2017]. Por outro lado, a portabilidade dos

dados poderá ter efeitos adversos na privacidade dos utilizadores, em particular nas questões

relacionadas com fraude de identidade, e riscos para a propriedade intelectual (de quem são os

dados e até onde é que serão considerados dados pessoais) [Van der Auwermeulen 2017]. Os

objetivos da integração do direito à portabilidade no RGPD são: primeiro, criar confiança no

ambiente online (através da dotação aos titulares dos dados o controlo dos mesmos), segundo,

mitigaros efeitos de lock-in (muito evidentes em serviços cloud ou telecomunicações, por

exemplo) e prevenir efeitos de monopolização do mercado dos dados pessoais [Van der

Auwermeulen 2017]. No entanto, a interpretação do direito de receção dos dados pessoais que

digam respeito ao titular e que o titular tenha fornecido ao responsável pelo tratamento levanta

algumas questões, nomeadamente no que se refere aos dados que resultam da fusão dos dados

fornecidos pelo titular e pelo provedor do serviço estarem ou não cobertos por este direito, algo

que ainda não está clarificado.

2.4.2.4. Segurança e Notificações

O artigo 25º foca mais um aspeto que não foi abordado pela Diretiva 95/46/CE. Em 2.4.1.4 foi

mencionado o artigo 24º do RGPD, tendo-se indicado que cabe ao responsável pelo tratamento

65

a implementação de medidas técnicas e organizativas para garantir a conformidade com o

RGPD, o que é estendido no novo artigo 25º.

O Artigo 25º impõe ao responsável pelo tratamento dos dados a responsabilidade de, “tendo em

conta as técnicas mais avançadas, os custos da sua aplicação, e a natureza, o âmbito, o contexto

e as finalidades do tratamento dos dados, bem como os riscos decorrentes do tratamento para

os direitos e liberdades das pessoas singulares, (…)” aplicar, “tanto no momento de definição

dos meios de tratamento como no momento do próprio tratamento, as medidas técnicas e

organizativas adequadas como a pseudonimização, destinadas a aplicar com eficácia os

princípios da proteção de dados, tais como a minimização, e a incluir as garantias necessárias

no tratamento, ” com vista a cumprir o Regulamento. Ainda no mesmo artigo, cabe ao

responsável pelo tratamento a implementação de medidas técnicas e organizativas que, por

omissão, garantam que os dados só serão tratados para os fins especificados, minimizem os

dados, delimitem a extensão até onde os mesmos são tratados, o prazo de conservação e a

acessibilidade aos mesmos. Ou seja, a privacidade tem de ser por omissão (privacy by default)

e por definição (privacy by design). Este tipo de procedimentos é útil para diminuir o impacto

de ataques informáticos premeditados, como por exemplo, o ramsonware [Green 2017].

De acordo com [Cavoukian 2012], a privacy by design rege-se por sete princípios basilares:

• Proátivo (não reativo);

• Privacidade como configuração padrão;

• Privacidade embebida no design;

• Funcionalidade plena – soma positiva, não soma nula;

• Segurança de ponta a ponta – protecção completa no ciclo de vida;

• Visibilidade e Transparância;

• Respeito pela privacidade do utilizador;

Tem-se assim que a Privacy by Design não é uma originalidade introduzida pelo RGPD. Já em

2013 Balboni e Macenaite [2013] estudaram a implementação de princípios de Privacy by

Design nas Financial Intelligence Units (unidades presentes nos Estados-Membros que visam

combater a lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros que em Portugal está integrada na

Polícia Judiciária) quando estas passaram a usar a tecnologia Ma3tch para trocas de informação

entre entidades. De acordo com os autores, as principais medidas utilizadas são a anonimização

dos dados pessoais que são consultados através de uma função hash, a minimização dos dados

e segurança dos dados, nomeadamente ao nível da utilização de vários filtros disseminados por

66

todas as Financial Intelligence Units e na utilização de arquitecturas de informação

descentralizadas, onde partições da informação são alojadas em diferentes locais.

A maturação dos processos de segurança e privacidade, além de serem obrigatórios face ao

RGPD, também se revelam obrigatórios face aqueles que se querem proteger contra eventuais

violações de dados e interrupções de serviço [Franke 2017]. Ou seja, este novo paradigma de

regulamentação irá introduzir mudanças significativas em todo o mercado circundante e

acessório da segurança de dados pessoais.

A complementar claramente o artigo 25º, surge o artigo 32º, onde são indicadas medidas que

sustentam o privacy by design. Entre as medidas elencadas pode-se destacar a pseudonimização

ou cifragem dos dados.

Relativamente à pseudonimização e cifragem é necessário clarificar alguns pontos. Na opinião

do WP29 sobre técnicas de anonimização [WP29 2014a], é feita uma clara diferença entre os

dados que são pseudonimizados e os dados que são anonimizados. Para [WP29 2014a], a

pseudonimização pode ser materializada através da cifragem do atributo único com uma chave

secreta, com uma função hash ou outras técnicas. Ainda de acordo com [WP29 2014a] e

[Bolognini e Bistolfi 2017], a pseudonimização consiste em substituir um atributo de um registo

(normalmente um atributo único, como o número do Cartão de Cidadão, por exemplo) por

outro, o que, continua a permitir a identificação indireta do titular dos dados, para o emissor e

não deverá permitir para o receptor. Por outras palavras, apesar da pseudonimização reduzir os

riscos de re-identificação dos dados, não os reduz de forma significativa [Stalla-Bourdillon e

Knight 2017] e uma medida organizativa básica para evitar re-identificação dos dados

pseudonimizados será armazenar o sistema criptográfico ou a função hash separadamente dos

dados [Bolognini e Bistolfi 2017]. Os dados anonimizados não entram no âmbito do RGPD

(considerando 26), o que poderá levar muitos tratadores de dados a anonimizarem dados

pessoais que possam ter em arquivo ou que não percam valor comercial depois de

anonimizados, no entanto [Stalla-Bourdillon e Knight 2017] alegam que a exclusão dos dados

anónimos pode ser problemática porque existe uma adoção implícita de uma perspetiva de

anonimização estática, o que não deverá ser a regra pois os dados anonimizados podem tornar-

se pessoais outra vez mediante ligação com outros dados e a finalidade do tratamento [Stalla-

Bourdillon e Knight 2017] e sobretudo com a evolução dos sistemas de re-identificação

[Bolognini e Bistolfi 2017]. As mesmas preocupações sobre a re-identificação de dados

anónimos são levantadas pelo WP29 em [WP29 2014a].

67

O artigo 27º reporta à aplicação territorial do RGPD e segundo este artigo, quando estiver em

causa a oferta de bens e serviços ou o controlo do comportamento de cidadãos estabelecidos na

União Europeia, por um subcontratante ou responsável pelo tratamento estabelecido fora da

União Europeia, o responsável do tratamento ou o subcontratante deve designar na União um

seu representante, a não ser que a Comissão Europeia tenha considerado esse país como

cumpridor de um nível adequado de proteção. De facto, em Hare [2016] é possível verificar a

apreensão de que o mais recente acordo para transferência de dados entre a Europa e os Estados

Unidos (o Privacy-Shield) pudesse cair (o acordo foi entretanto aprovado e está em vigor) e o

trabalho conjunto dos Estados-Membros e instituições europeias para se defenderem contra a

vigilância por parte dos Estados Unidos. Esta “balcanização” de posições demonstra bem como

o novo Regulamento pode provocar tensões de alto nível institucional.

O articulado no artigo 31º (Cooperação com a Autoridade de Controlo) é novo e vem, de certa

forma, substituir o artigo 18º da Diretiva 95/46/CE. Esta afirmação pode ser corroborada pelo

considerando 89, que refere exatamente que a constante notificação do tratamento à Autoridade

de Controlo coloca muita carga administrativa e que por isso deve ser suprimida. Com o artigo

31º, os responsáveis pelo tratamento e subcontratantes têm a obrigação de cooperar com a

autoridade de controlo, a pedido desta. Por fim, e não tendo precedentes na Diretiva 95/46/CE

nem na Lei 67/98, mas presente no artigo 4º da E-Privacy 2002, o RGPD, no seu artigo 33º,

obriga o responsável pelo tratamento a notificar a autoridade de controlo, até 72 horas no

máximo, após ter conhecimento da ocorrência de uma violação de dados, a não ser que essa

violação não coloque em causa os direitos e liberdades fundamentais do titular, sendo que, caso

ocorra algum atraso no envio da notificação, após as 72 horas, a notificação deverá ser

acompanhada por uma justificação para o atraso. O responsável pelo tratamento é obrigado

também, à luz do artigo 34º a comunicar essa violação ao titular dos dados, se da violação

puderem resultar riscos elevados para os direitos e liberdades do titular.

2.4.2.5. Avaliações de Impacto do Tratamento dos Dados

Outra inovação introduzida pelo RGPD é a obrigatoriedade de o responsável pelo tratamento

realizar avaliações de impacto do tratamento dos dados para com o titular dos mesmos. A

obrigatoriedade está descrita no artigo 35º e refere que quando o tipo de tratamento a utiliza r,

especialmente envolvendo novas tecnologias, for suscetível de implicar riscos elevados para os

direitos e liberdades das pessoas, a avaliação de impacto deve ser realizada antes das operações

de tratamento. É referido no ponto 3. desse artigo que os tratamentos que digam respeito a

68

avaliações sistemáticas e completas dos dados pessoais, baseada em tratamentos automatizados,

operações de tratamento de grande escala de dados sensíveis ou de controlo de zonas acessíveis

ao público, têm obrigatoriamente de ter uma avaliação de impacto. A autoridade de controlo

deve criar listas de tratamentos isentos das avaliações de impacto e listas de tratamentos para

os quais é obrigatória a avaliação de impacto. O artigo descreve, ainda, os campos

obrigatoriamente constantes da avaliação de impacto e outras regras. Segundo Van Dijk, Gellert

e Rommetveit [2016], as questões que serão levantadas em termos de proteção de direitos e

violações irão extravasar as questões legais e serão compartilhadas entre atores de equipas

multidisciplinares. Os mesmos autores advogam que as avaliações de impacto do tratamento

dos dados não podem levar em conta apenas os métodos baseados no risco, mas também devem

ter a contribuição de advogados e do próprio público envolvido pela tecnologia.

O artigo 36º também é novo e surge em consequência do artigo 35º. Refere o artigo 36º que,

caso uma avaliação de impacto sobre os dados pessoais levada a cabo pelo responsável pelo

tratamento resultar num elevado risco para o titular dos dados (na ausência de medidas

mitigadoras por parte do responsável), este deve consultar a autoridade de controlo naciona l.

Caberá à autoridade nacional, se detetar irregularidades ou insuficiências na avaliação de

impacto do tratamento dos dados, elaborar recomendações e orientações ao responsável pelo

tratamento e ao subcontratante, se o houver.

2.4.2.6. Encarregado de Proteção de Dados

Os artigos 37º, 38º e 39º do RGPD regulam a obrigatoriedade, a posição e as funções do

Encarregado de Proteção de Dados (EPD)9. É importante notar que a Diretiva 95/46/CE já

previa a nomeação de um encarregado de proteção de dados, nomeadamente no artigo 18º, no

entanto, a sua nomeação não era obrigatória. Na Diretiva 95/46/CE a nomeação do encarregado

de proteção de dados permitia aos tratadores de dados isentarem-se da obrigação de notificação

dos tratamentos efetuados à autoridade nacional, passando as responsabilidades de

cumprimento com a lei para esse encarregado de proteção de dados e assegurar o registo de

tratamentos, que na normalidade dos casos, era responsabilidade da autoridade de controlo.

No entanto, no RGPD muda drasticamente o papel do DPO nas organizações. O artigo 37º vem

impor a obrigatoriedade de nomeação de um DPO por parte do responsável pelo tratamento e

9 Em ingles Data Protection Officer (DPO)

69

do subcontratante sempre que o “tratador” for um organismo público ou autoridade pública

{precisa de introduzir a salvaguarda de não aplicação a tribunais, etc.}, que as atividades

principais de tratamento exijam um controlo regular e sistemático dos titulares dos dados em

grande escala ou se as atividades principais consistem em operações de tratamento em grande

escala de dados sensíveis ou dados relacionados com condenações penais e infrações.

Como se pode observar, o entendimento da obrigatoriedade da nomeação do DPO não é

totalmente claro, pois contém muitas referências ambíguas, como por exemplo “o controlo

regular” ou “em grande escala”. Para clarificar o entendimento, o WP29 emitiu o “Guidelines

for Data Protection Officers (DPO’s)” [WP29 2016a]. Neste documento são dados diversos

exemplos para explicar o entendimento que deve ser dado ao artigo 37º. Por exemplo, por

“atividades principais” entende-se como operações chave e nucleares para atingir os objetivos

do responsável pelo tratamento ou do subcontratante. Outro exemplo refere-se ao

processamento de dados relacionados com a saúde ser uma das principais atividades de um

hospital, logo um hospital terá que nomear um DPO.

Para definir “grande escala”, o WP29 recomenda a análise de quatro fatores decisórios: número

de titulares (seja um número absoluto ou em percentagem da população), volume de dados e/ou

a gama de categorias de dados processados, a duração da atividade e a extensão geográfica da

mesma. Alguns exemplos de processamentos de dados em “larga escala” são: processamento

de dados dos utentes regularmente num hospital, processamento de dados de passageiros de um

sistema de transportes urbanos, processamento de dados de geo-localizaçao por parte de uma

grande cadeia de retalho ou alimentação para efeitos estatísticos e outros [WP29 2016a].

“Controlo regular” diz respeito a: controlo em curso, ou em intervalos de tempo fixos,

recorrente ou repetido em vários horários, ou constantemente ou periodicamente. “Sistemático

dos dados” diz respeito a ocorrer sob um sistema, pré-marcado, organizado ou metódico,

ocorrendo como parte de um todo, ou realizado como integrante de uma estratégia. Atividades

que materializam este “controlo regular e sistemático” são sobretudo a operações de perfilação

e marketing comportamental, mas também a rastreamento de localização, CCTV,10 redes de

telecomunicações, redireccionamento de mensagens de correio eletrónico, etc.

10 CCTV, de acordo com o dicionário de Cambridge, é a abreviação de Closed Circuit Television, que é um sistema

que envia sinais de televisão a um número limitado de monitores, normalmente usado em lojas ou espaços públicos

para prevenção da criminalidade [Cambridge Advanced Learner’s Dictionary & Thesaurus sem data]

70

O artigo 37º refere ainda que a pessoa a designar como DPO deve mostrar competências na

área do direito e das práticas de proteção de dados, podendo ou não fazer parte dos quadros da

organização. Um grupo de empresas pode designar um único DPO, do mesmo modo, os órgãos

ou autoridades públicas podem designar um único DPO para várias entidades, de acordo com

suas estruturas organizacionais. Estas competências transversais requeridas ao DPO serão

essenciais para garantir a segurança dos dados de todo o negócio, em oposição a departamentos

individuais e diferentes [Zerlang 2017].

O artigo 38º define o posicionamento do DPO na organização. Neste sentido, o responsável

pelo tratamento e o subcontratante, se o houver, têm de incluir o DPO em todas as questões

relacionadas com os dados pessoais e têm de dar suporte às atividades do DPO, fornecendo- lhe

os recursos necessários ao desempenho dessas atividades. Além disso, o responsável pelo

tratamento e o subcontratante asseguram que o DPO não recebe instruções que condicionem o

seu papel, não pode ser destituído ou penalizado por exercer as suas funções e, caso exerça

outras funções paralelas na organização, essas funções não podem resultar em conflitos de

interesse com o seu papel como DPO. Tendo o correto suporte do responsável e do

subcontratado, o DPO tem de assumir uma série de funções (Artigo 39º) nomeadamente :

informar e aconselhar o responsável pelo tratamento e o subcontratante das suas obrigações

para com o RGPD, ou seja, pode assumir um papel de coordenação entre as atividades a realizar

e a conformidade com o Regulamento, controlar a conformidade das atividades do responsável

do tratamento e do subcontratante com o RGPD e com as suas próprias politicas de privacidade

de dados, como atribuição de responsabilidades, sensibilização e formação do pessoal e

auditorias relacionadas), prestar aconselhamento no âmbito da realização de avaliações de

impacto (artigo 35º) e cooperar e comunicar com a autoridade de controlo (artigo 36º, por

exemplo).

Percebe-se, assim, que para o RGPD, e seguindo aquilo que já foi versado, a obrigatoriedade

da nomeação do DPO é mais um passo para a construção de entidades dentro das empresas

focadas sobretudo na segurança do tratamento dos dados e para a clara definição de papéis no

âmbito deste tratamentosendo este ator uma das entidades mais importantes no que respeita à

privacidade e proteção dos dados pessoais no RGPD.

2.4.2.7. Códigos de Conduta e Certificação

Em 2.4.1.6, já foi abordada a continua da existência de códigos de conduta para o cumprimento

das exigências de segurança do tratamento de dados, tal como a Diretiva 95/46/CE já previa.

71

No entanto, o RGPD prevê um novo instrumento de reconhecimento de conformidade ,

designadamente, a certificação. No artigo 42º é referido que os Estados-Membros têm como

responsabilidade a criação de procedimentos de certificação em matéria de proteção de dados,

assim como selos e marcas. Este é um instrumento novo e voluntário. É provável que estes tipos

de certificados sejam similares às trustmarks e selos fornecidos por empresas líderes no

mercado da certificação em segurança como a Symantec ou a TRUSTe. À luz do RGPD, as

certificações serão válidas por três anos, no máximo, e serão renováveis. Se a certificação for

aprovada pelo Comité, dado o caracter transnacional deste organismo, a certificação pode ser

válida no espaço da União Europeia pode dar direito a ostentar o Selo Europeu de Proteção de

Dados. A certificação só pode ser passada por organismos de certificação (artigo 43º), que por

sua vez só podem acreditados pelas autoridades nacionais de controlo ou pelos organismos

nacionais de creditação e estes organismos só podem ser creditados se tiverem demonstrado

independência e conhecimentos necessários em relação ao objeto de certificação, se tiverem

comprometido a respeitar os critérios de certificação e se tiverem procedimentos para emitir,

rever periodicamente e retirar certificações, selos e marcas de proteção de dados, além de outras

obrigações. A acreditação para emitir certificados é válida por cinco anos, renováveis. Para

[Rodrigues et al. 2016], é necessário, contudo, ter atenção à ambiguidade do papel das

Autoridades de Controlo na certificação e esta relação com o seu papel na execução do

Regulamento. [Lachaud 2016] também levanta reservas relativamente ao disposto no artigo 43º

do RGPD de tanto as Autoridades de Controlo como os Organismos Nacionais de Certificação

(IPQ em Portugal) poderem emitir certificação e os critérios para a legalidade dessa emissão

diferirem entre os Organismos Nacionais de Certificação e as Autoridades de Controlo. Ainda

segundo [Rodrigues et al. 2016], de modo a que os mecanismos de certificação sejam eficazes,

será necessária a existência de critérios partilhados e mecanismos de certificação transversais

às autoridades de controlo nacionais, alertando aqueles autores para o facto de que o Selo

Europeu de Proteção de Dados parecer uma opção atraente para a uniformização de critérios,

mas que requererá a coordenação e cooperação substanciais entre os Estados-Membros, sendo

necessário decidir se este selo serviria apenas o mercado da União ou se seria um selo

meramente exportável para países terceiros que desejariam certificar-se como conformes com

o RGPD. Por seu lado [Lachaud 2016] mantém reservas quanto ao real beneficio operacional

para as organizações obterem certificação no RGPD.

2.4.2.8. Transferências de Dados Pessoais para Países Terceiros

72

Já foi abordado em 2.4.1.5 as similaridades entre os artigos 44º e 45º do RGPD e o artigo 25º

da Diretiva 95/46/CE. Como notado, a responsabilidade primeira das transferências à luz da

Diretiva 95/46/CE recai sobre os Estados-Membros e na Comissão Europeia e, no caso das

derrogações, no titular. O artigo 46º do RGPD vem mudar esta assunção. O artigo 45º regula as

transferências para países terceiros com similitudes relativamente ao artigo 25º da Diretiva

95/46/CE, mas o artigo 6º vem acrescentar a possibilidade de os responsáveis pelo tratamento

ou subcontratantes transferirem os dados pessoais para um país terceiro mesmo sem uma

decisão da Comissão Europeia quanto ao nível de adequação do país terceiro em termos de

proteção de dados. Esta é mais uma decisão da abordagem de risco assumida por este

Regulamento e mais uma evidência da passagem do ónus da responsabilidade para os

tratadores. No entanto, para esta transferência à luz do artigo 46º, o responsável ou o

subcontratante terão de promover salvaguardas apropriadas. Estas salvaguardas poderão ser

obtidas por duas formas: salvaguardas que não necessitam da autorização da autoridade de

controlo e salvaguardas sob reserva de autorização da autoridade de controlo. As primeiras

sistematizam-se em: cláusulas padrão de proteção de dados adotadas pela Comissão Europeia,

cláusulas padrão de proteção de dados adotadas por uma autoridade de supervisão, regras

vinculativas para grupos multinacionais, códigos de conduta ou procedimentos de certificação

aprovados pela Comissão desde que estejam acompanhados por compromissos vinculativos

assumidos pelos responsáveis de tratamento ou subcontratantes. O segundo caso acontece se a

transferência se basear em cláusulas contratuais entre os responsáveis pelo tratamento ou

subcontratantes contratantes e os responsáveis pelo tratamento ou subcontratantes contratados.

O artigo 49º clarifica as derrogações aos dispostos entre os Artigos 44º e 48º, sendo que algumas

são herdadas da Diretiva 95/46/CE, mas outras são novas disposições como por exemplo, a

transferência para países terceiros poder ser realizada mediante os interesses legítimos do

responsável pelo tratamento ou subcontratante.

Fica assim evidente que no âmbito do RGPD a atribuição de responsabilidades visa mais agora

os responsáveis pelo tratamento, tornando a lei mais liberal ao não contrair exclusivamente para

as Autoridades de Controlo e Estados-Membros a responsabilidade das transferências de dados.

Esta medida, por certa forma, até pode ser benéfica para o mercado das transferências de dados

já que agora será mais ágil a organizações acordarem as suas transferências de dados, desde de

que façam cumprir a lei para não se predisporem a sanções.

2.4.2.9. Entrada em Vigor e Revogação

73

O artigo 94º descreve a relação do RGPD com a Diretiva 95/46/CE. Segundo este artigo, as

disposições do Regulamento revogam as disposições da Diretiva 95/46/CE, e o WP29 será

substituído pelo Comité Europeu para a Proteção de Dados. O artigo 99º regulamenta a entrada

em vigor do RGPD, estipulando a data para 25 de maio de 2018.

2.4.3. Conclusão

Analisando as mudanças e os novos princípios presentes no RGPD, são claramente evidentes

dois aspetos: o primeiro, é que agora os responsáveis pelo tratamento enfrentam menos

burocracia junto da CNPD para inicializarem o tratamento, mas por outro lado, têm mais

obrigações de demonstração junto da CNPD e dos titulares, em como estão a agir em

conformidade com o RGPD. A inclusão explícita de informações aquando da recolha dos dados

que até agora estavam ausentes das normas, como por exemplo, o prazo de conservação previsto

dos dados ou a intenção de transferência dos dados pessoais para terceiros, aumenta as

implicações de transparência dos responsáveis pelo tratamento para com o titular.

A dotação neste Regulamento de mais direitos ao titular também obriga os responsáveis a

trilharem caminhos mais estreitos no que concerne às suas intenções para com os dados dos

titulares. Por outro lado, a transferência de responsabilidades, nomeadamente ao nível da

demonstração de cumprimento para com o Regulamento, o privacy-by-design e as novas regras

nas transferências de dados para terceiros, colocam os responsáveis sob mais obrigações

também para com as autoridades de controlo.

Por fim, os encargos sancionatórios elevados a que se sujeitam os responsáveis pelo tratamento,

obriga a que o tratamento dos dados pessoais seja efetivamente regrado e ponderado.

Todas estas novas provisões, responsabilidades e direitos, não visam limitar o tratamento dos

dados pessoais, mas sim, fomentar e regulamentar a economia digital, tal como é exposto no

considerando 7 do RGPD: “Esta evolução exige um quadro de proteção de dados sólido e mais

coerente na União, apoiado por uma aplicação rigorosa das regras, pois é importante gerar a

confiança necessária ao desenvolvimento da economia digital no conjunto do mercado

interno.”. A conformidade para com o RGPD resumidamente, tem que ver com o dever de ser

responsável e transparente sobre como os dados pessoais são usados, quem são os titulares,

quem tem acesso aos dados, como se transferem através das fronteiras e ser capaz de

documentar todas estas informações [Data, Regulation e America 2018]. A construção de

corporate branding associado a políticas responsáveis de tratamento de dados poderão ser

74

efetivamente percecionadas como uma oportunidade de negócio e um potenciador de negócios

[Ashford 2017]. No entanto, alega [Zerlang 2017] que o cumprimento do Regulamento no

sector público pode ser comprometido pelas restrições impostas pelos orçamentos fixos para

estas organizações [Zerlang 2017].

Encerra-se este capítulo notando-se que a análise efetuada ao RGPD não abordou certos artigos

devido à pouca vantagem obtida em face do esforço e da extensão a que chegaria esta análise,

nebulando as alterações e novidades mais predominantes do novo Regulamento.

75

3. ECONOMIA SOCIAL

3.1. Introdução

A economia social é muitas vezes associada ao papel que entidades privadas desempenham, na

substituição do Estado, naqueles que são os seus deveres de proteção e cuidado dos mais

vulneráveis e excluídos. Contudo, a economia social não é somente representada por estas

organizações de caridade, mas também por muitas outras que desenvolvem atividade no âmbito

do desporto, cultos ou congregações e até na área do ensino e invstigação. Apesar de não ser

um setor cujo objetivo é a distribuição de lucros pelos detentores do capital, a economia social

tem vindo a ganhar representatividade na economia de Portugal, tendo inclusive estado em

contra-ciclo com a economia social na crise de 2008-2013.

O presente capítulo pretende, primeiramente, descrever o setor da economia social, desde as

suas origens até aos tempos atuais. Seguidamente será feito um enquadramento do mercado da

economia social em Portugal, lendo alguns indicadores económicos do memo, e por fim, serão

elencadas as principais respostas sociais dadas pelas organizações deste setor que atuam na

Ação Social.

3.2. A Evolução da Economia Social

A economia social em Portugal, assim como noutras regiões da Europa, existe desde há muitos

séculos. As primeiras iniciativas de economia social em Portugal, surgiram pela primeira

misericórdia, a de Lisboa, fundada pela Rainha D. Leonor, viúva de D. João II [União das

Misericórdias Portuguesas sem data]. Uma vez chegada a democracia à Europa, no século XIX,

as primeiras associações cívicas e políticas começaram a emergir [Evers e Laville 2004]. Esta

génese mais organizada da economia social baseia-se nos ideais da Revolução Francesa da

liberdade, fraternidade e igualdade [Caeiro 2008]. No final do século XIX, o desenvolvimento

de enquadramentos legais e formas de integração económica fomentaram a divisão entre estes

movimentos cívicos dentro de um terceiro sector que atuava nos domínios da caridade,

solidariedade e altruísmo: cooperativas, mutualistas e associações [Evers e Laville

2004;Parente e Quintão 2014]. Também em Portugal, por esta altura, são constituídas as

primeiras associações de socorros-mútuos, como a Associação dos Artistas Lisbonenses (1807),

76

a Caixa Económica Montepio Geral (1844) [da Costa 1991] ou a cooperativa Fraternal dos

Fabricantes de Tecidos e Artes Correlativistas (1844) [Fernandes et al. 2016].

No caso específico de Portugal, a proteção social fundou-se na diferenciação das formas de

apoio social segundo as populações a que se dirigia: os grupos que partilhavam de alguns

critérios (socioeconómicos ou ético-religiosos) e os restantes sectores que lhes eram estranhos,

a população pobre ou aqueles que necessitavam de apoio para viver. De entre as organizações

mencionadas acima, as Misericórdias assumiam o papel da assistência caritiva e as

Mutualidades o papel da previdência [Hespanha et al. 2000]. Em 1900, haveria cerca de 17

cooperativas em Portugal, passando para mais de 338 organizações cooperativas na década de

20 [Fernandes et al. 2016].

Durante o Estado Novo, entre 1933 e 1974, marcou uma outra fase da Economia Social em

Portugal. A liberdade de associação foi suprimida e a atividade corporativa absorveu os

movimentos de cooperativismo e mutualismo [Fernandes et al. 2016]. Este centralismo de

Estado restringiu a ação da previdência ao assistencialismo corporativista, diminuiu a

assistência a um assistencialismo caridoso concedido na base de critérios ético-religiosos e

isentou-se de compromissos políticos ou financeiros para com a proteção social da população

[Hespanha et al. 2000].

Na década de 60, no entanto, ocorreu a reforma da previdência social [Presidência da República

1962], onde o estado instituiu as primeirascategorias de instituições de previdência social

(caixas de previdência, casas do povo, casas de pescadores, associações de socorros mútuos

(mutualistas), e outras) e o lançamento das bases da política de saúde e assistência [Presidência

da República 1963], a partir da qual o Estado passou a partilhar alguns serviços generalizados

de proteção e serviço social com entidades particulares (Instituições Particulares de

Assistência) e onde a Igreja Católica teve um papel relevante e foi privilegiada, reforçando a

sua intervenção na área da saúde, ao nível das Misericórdias, e atividades de assistência social,

de onde nasceram entretanto muitas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)

[Fernandes et al. 2016]. As mutualidades, no entanto, perderam representatividade social,

enquanto as cooperativas aumentaram de número face à década de 1920 [Fernandes et al. 2016].

Nesta década de 60, o sistema de previdência propõe-se a constituir-se de novas competências,

designadas de Ação Social, ações assistenciais orientadas para a assistência e defesa da família

ou concessão de apoios originários exclusivamente das contribuições retiradas dos rendimentos

do trabalho, e exclusivas para a população inserida no mercado de trabalho [Hespanha et al.

2000]. A dicotomia das práticas deste período (componente assistencial e componente

77

providencial derivada de regimes contributivos do trabalho), mesmo passados mais de 50 anos,

ainda prevalecem hoje em dia [Parente e Quintão 2014].

A partir de 1974, foram introduzidas grandes alterações no panorama da economia social em

Portugal. Logo na própria Constituição da República Portuguesa de 1976 [Assembleia

Constituinte 1976] passa a ser reconhecido o sector social e cooperativo e o termo Instituição

Privada de Solidariedade Social (IPSS) aparece cunhado pela primeira vez no artigo 63º,

atualizando assim o termo Instituições Particulares de Assistência [Quintão 2011], que estavam

instituídas em 1944 [Ministério do Interior 1944]. Contudo, muitos dos serviços continuavam

a depender das atividades da Igreja Católica e sistemas de previdência social, como se notava

na década de 60 [Fernandes et al. 2016].

Para o desenvolvimento do sector cooperativo, o Estado decidiu fundar o instituto público

“Instituto António Sérgio para o Sector Cooperativo” (INSCOOP), que até final dos anos 90

viu nascerem muitas associações cooperativistas [Parente e Quintão 2014]. Após o 25 de Abril,

os cidadãos passaram a pressionar muito mais o Estado, no sentido de satisfazer as suas

obrigações para com eles, no respeitante aos padrões mínimos sociais de proteção [Hespanha

et al. 2000]. Como tal, o Estado criou mecanismos e medidas que, por um lado, visavam a

eliminação da pobreza extrema (como o salário mínimo nacional, subsídio de desemprego e

pensões de reforma) e por outro, visavam subir paulatinamente o nível de bem estar social

[Hespanha et al. 2000]. Em termos de política de fundo para o sustento deste bem estar social,

são lançadas as bases para a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da Segurança Social

[Hespanha et al. 2000]. Neste processo de criação do Serviço Nacional de Saúde os hospitais,

que eram maioritariamente geridos pelas Misericórdias, foram nacionalizados, levando as

Misericórdias a perderem preponderância na prestação de cuidados de saúde à população, como

até então acontecia [Parente e Quintão 2014]. A partir da instituição do I Governo

Constitucional, o Estado passa a impor padrões de legalidade duais no que concerne à proteção

social [Hespanha et al. 2000]. Esta dualidade assenta em dois fatores específicos: a necessidade

do Estado gerir o seu orçamento, e daí, procurar parceiros a quem confiar a delegação das suas

competências, e a própria imaturidade democrática do Estado e da população, que levaram o

Estado a ser conservador nas suas opções e a preferir delegar, em democracia, o mesmo papel

que alguns agentes já tinham na área da proteção social em ditadura [Hespanha et al. 2000].

Face a esta primazia patrocinada pelo Estado, as Misericórdias tornam-se as primeiras

instituições a se organizarem corporativamente, através da criação da União das Misericórdias

Portuguesas, em 1976, juntando-se à INSCOOP [Hespanha et al. 2000]. Mais tarde, em 1979,

78

foi a vez de criar a União das Instituições de Solidariedade Social e em 1984 fundou-se a União

das Mutualidades Portuguesas.

Em 1983, o Ministério dos Assuntos Sociais publica o Decreto-Lei 119/83 [Ministério dos

Assuntos Sociais - Secretaria de Estado da Segurança Social 1983] que vem criar o estatuto

específico das IPSS. Na introdução ao diploma citado, fundamenta-se a necessidade de mitiga r

os inconvenientes levantados pela excessiva delimitação do objetivo específico destas

instituições. De acordo com o artigo 2º, os objetivos visados por estas IPSS seriam: o apoio a

crianças e jovens, apoio à família, apoio à integração social e comunitária, a proteção dos

cidadãos na velhice e invalidez e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de

subsistência ou de capacidade para o trabalho, promoção e proteção da saúde, nomeadamente,

através da prestação de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, educação

e formação profissional dos cidadãos e resolução dos problemas habitacionais das populações

[Ministério dos Assuntos Sociais - Secretaria de Estado da Segurança Social 1983]. A descrição

destes objetivos foi entretanto mudada, e tem na quinta alteração do Decreto-Lei 119/83

[Ministério da Solidariedade Emprego e Segurança Social 2014] o seu estado mais recente, sem

no entanto introduzir alterações de fundo aos objetivos a serem perseguidos por estas

instituições. Nesta última alteração foram também modificadas as formas e agrupamento das

instituições para: Associações de Solidariedade Social, Associações Mutualistas ou de Socorros

Mútuos, Fundações de Solidariedade Social, Irmandades da Misericórdia e outras que, nos

termos da Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa em 18 de maio de

2004, assumam a forma de Institutos de Organizações ou Instituições da Igreja Católica,

designadamente Centros Sociais Paroquiais e Caritas Diocesanas e Paroquiais. As instituições

podem agrupar-se em Uniões, Federações e Confederações.

Com a entrada na UE, inicia-se em Portugal um período de estabilidade e de integração

económica, social e política que aproxima Portugal dos restantes países europeus, no que

concerne ao terceiro sector [Quintão 2011]. Em linha com o contexto europeu, verificou-se um

forte crescimento do número de organizações (associações e cooperativas). O cariz das

associações passou também a abranger novas áreas como o direito do ambiente, os direitos das

mulheres e outras formas mais tradicionais como associações desportivas e recreativas e

bombeiros voluntários. As fundações também aumentaram a sua presença no território

português, fundando em 1993 o Centro Português de Fundações [Fernandes et al. 2016]. Por

outro lado, as cooperativas foram crescendo até meados dos anos 80, seguindo um caminho de

regressão já nos anos 90, assim como as mutualidades que foram perdendo membros em

79

Portugal e na Europa [Quintão 2011]. Não contando com estatuto jurídico próprio, as

Associações de Desenvolvimento Local começam a proliferar, e em 1993 organizaram-se na

rede ANIMAR [Parente e Quintão 2014]. Também nos anos 90, foram criadas novas formas de

enquadramento jurídico, como as Cooperativas de Educação e Reabilitação de Cidadãos com

Incapacidades (CERCI) e as empresas de inserção [Quintão 2011], apesar de a primeira CERCI

(em Lisboa) ter sido fundada em 1975. A abertura ao exterior permitiu que em Portugal se

implantassem organizações do terceiro sector com intervenção internacional, como associações

de cooperação internacional, ajuda humanitária ou comércio justo [Quintão 2011]. Em 1998, o

Estado Português cria um estatuto específico para as Organizações não-governamentais para o

desenvolvimento (ONGD) e para o ambiente (ONGA) [Parente e Quintão 2014].

A partir dos anos 2000 testemunhou-se um novo crescimento significativo do sector da

economia social em Portugal, com muitas iniciativas e organizações a emergir. Em 2001 é

fundada a CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) [Fernandes et al.

2016] e a até então INSCOOP é convertida em Cooperativa António Sérgio para a Economia

Social (CASES), em 2009. Esta plataforma passa a representar as entidades do sector social em

Portugal, contando atualmente, como membros, com a UMP, ANIMAR, CONFECOOP

(Confederação Cooperativa Portuguesa), CONFRAGI e o CNIS [CASES sem data b] e que tem

como objetivo “promover o fortalecimento do setor da economia social, aprofundando a

cooperação entre o Estado e as organizações que o integram, tendo em vista estimular o seu

potencial ao serviço do desenvolvimento socioeconómico do País, bem como a prossecução de

políticas na área do voluntariado” [CASES sem data a].

Em 2011, é criado o CNES (Conselho Nacional para a Economia Social) que é composto por

membros do governo (Primeiro-Ministro, membro do governo responsável pela economia

social, um representante do governo autónomo da Madeira e dos Açores), poder autárquico (um

representante da associação nacional dos municípios portugueses e da associação nacional das

freguesias), IPSS (representantes da ANIMAR, CONFRAGI, CONFECOOP, CNIS,

UMP[misericórdias], UMP[mutualidades], CPCCRD, e o presidente da CASES) e ainda cinco

personalidades a indicar pelo governo com reconhecida experiência e mérito na área social

[CNES sem data].

O CNES tem como função ser um órgão consultivo de avaliação e acompanhamento ao nível

das estratégias e das propostas políticas [Parente e Quintão 2014]. Em 2013, é publicada a

primeira conta satélite da economia social, elaborada pelo INE em colaboração com a CASES

[Fernandes et al. 2016] e é publicada a Lei de Bases da Economia Social [Assembleia da

80

República 2013], que estabelece as bases gerais do regime jurídico da economia social, bem

como medidas de incentivo à atividade em função dos princípios e dos fins que lhe são próprios.

Em 2014, Portugal foi pioneiro na aplicação de fundos comunitários para a catalisação de um

ecossistema de inovação social, que coincidiu com a quinta alteração à Lei de Bases das IPSS.

Em 2015 é publicado o Decreto-Lei nº120/2015, que estabelece os princípios orientadores e o

enquadramento a que deve obedecer a cooperação entre o Estado e as entidades do sector social

e solidário [Ministério da Solidariedade Emprego e Segurança Social 2015].

Segundo [Fernandes et al. 2016], “ O país tem vindo a demonstrar empenho e dinamismo no

desenvolvimento de um setor da economia social vivo, inovador, ao serviço do seu principa l

objetivo: a produção de um impacto social positivo e crescente.”

É assim neste contexto que se pode enquadrar a economia social em Portugal. Antes do 25 de

Abril, profundamente enraizada na iniciativa privada, das Misericórdias sobretudo, e após esta

data, ainda enraizada nos privados, contando no entanto, com mais participação estatal nas

respostas sociais a dar. Deve-se atentar que, no levantamento da primeira conta satélite da

economia social, contando com dados de 2013, em plena crise financeira nacional, este sector

revelou um comportamento em contraciclo com a economia nacional, registando o crescimento

de 10.6% no numero de entidades, face a 2010, e subindo o seu peso no emprego total da

população de 5.2% para 6%. Não se poderá descurar o facto de, numa época mais complicada

para as famílias, o fervor solidário possa ter sido efetivamente um instigador deste crescimento.

Em consequência, também não se pode menosprezar o facto de, no período mais crítico do

Século XXI no país, tenham sido os sectores atuantes da economia social daqueles que mais

iniciativa tiveram e pela qual mais procura houve, o que poderá traduzir fielmente a importânc ia

de base para a manutenção da coesão social e o valor de socorro e auxílio que a população lhe

reconhece.

3.3. Economia Social, Terceiro Sector e Economia Solidária

A Constituição da República Portuguesa de 1976 previu no seu 89º artigo, a coexistência de

três sectores proprietários dos meios de produção: público, cooperativo e privado [Assembleia

Constituinte 1976].

A economia social e a economia capitalista são ambas de natureza privada [Fernandes et al.

2016]. A economia capitalista assenta no princípio de que o valor produzido é detido pela

organização ou indivíduo que gere esses meios e essa apropriação é concretizada através de

81

processos de decisão assentes nas partes de capital detidos por essas organizações ou

indivíduos. Distintamente, na economia social, os processos de decisão não assentam nas partes

que cada um representa, mas sim em decisões igualitárias onde todos os indivíduos têm o

mesmo peso decisório. A apropriação da riqueza, no contexto da economia social, é

absolutamente coletiva, ou seja, o valor produzido não é detido por ninguém individualmente,

mas sim pela coletividade [Fernandes et al. 2016]. De acordo com Evers e Laville [2004], o

estatuto legal das associações da economia social (definidas em [Assembleia da República

2013] em Portugal como sendo as cooperativas, associações mutualistas, Misericórdias,

fundações, IPSS e outras) para as quais o fator determinante não é a não-obtenção de lucros,

mas sim as restrições colocadas à manipulação do mesmo. Tendo isto em perspetiva, a

demarcação não é feita entre sector lucrativo e não-lucrativo, mas sim entre organizações

capitalistas e socioeconómicas, onde estas últimas procuram a riqueza comum em vez do

benefício individual [Evers e Laville 2004].

A definição do Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social

e Cooperativa para economia social é a seguinte: “conjunto de empresas privadas organizadas

formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, criadas para servir as

necessidades dos seus associados através do mercado, fornecendo bens e serviços, incluindo

seguros e financiamentos, e em que a distribuição pelos sócios de eventuais lucros ou

excedentes realizados, assim como a tomada de decisões, não estão diretamente ligadas ao

capital ou às cotizações dos seus associados, correspondendo um voto a cada um deles. A

economia socialtambém inclui empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de

decisão e liberdade de filiação, que prestam serviços de ‘não mercado’ a agregados familiares

e cujos eventuais excedentes realizados não podem ser apropriados pelos agentes económicos

que as criam, controlam ou financiam” [Soares et al. 2012].

Outro universo a clarificar prende-se com as áreas de atuação da economia social pois a

economia privada e a economia pública têm espaços de intervenção precisos e muito

delimitados, sendo que a economia social acaba por se situar num espaço intermédio entre estas

duas [Quintão 2011]. A visão europeia da economia social tende a traduzir-se com uma

demarcação vincada entre a esfera estatal, mercados e comunidades e economias informais,

situando-se o terceiro sector dentro destas três forças. A especificidade da economia social pode

assim ser interpretado como conjugação hibrida das três forças (Estado, Comunidade e

Mercados), existindo sobre tensão destas três estruturas [Evers e Laville 2004]

82

Por fim, é necessário clarificar a utilização da palavra “terceiro sector” no âmbito da economia

social. A constituição da República Portuguesa não define qual dos sectores da economia é o

primeiro, segundo ou terceiro sector, o que deveria inibir a hierarquização dos mesmos

[Fernandes et al. 2016]. De facto, nas comunicações oficiais da União Europeia o termo é

praticamente ausente [Fernandes et al. 2016]. A denominação da economia social como

“terceiro sector” poderá ainda comportar algumas limitações, devido principalmente à confusão

que pode causar com o sector terciário das atividades económicas (o sector dos serviços)

[Quintão 2011].

O termo “terceiro sector” deve ser dividido nas suas parcelas para se entender melhor a

limitação e a má interpretação que o termo pode ter. “Terceiro” reporta-se aos dois sectores

económicos predominantes (Estado e Mercados), subestimando o polo da esfera doméstica

(tornando assim, este “terceiro sector”, na realidade, o “quarto sector”) [Quintão 2011]. Já

“Sector” notabiliza o plano económico, relegando para segundo plano as vertentes sociais e

políticas das associações civis [Quintão 2011]. Esta utilização da terminologia “terceiro sector”

é sobretudo influenciado pela literatura anglo-saxónica, onde não existe uma tradição de

“Estado Social” [Soares et al. 2012].

Um outro termo associado à economia social que tem sido usado é a economia solidária. Este

conceito desenvolveu-se nos anos 80 do século passado em França e apareceu publicada pela

primeira vez em 1993 [Caeiro 2008]. Resumidamente, a economia solidária distingue-se da

economia social, na sua preleção pela atuação junto de grupos excluídos [Soares et al. 2012],

atuando de forma mais interventiva junto destes.

No entanto, Soares et al. [2012], reportando a um estudo do CIRIEC (Centre International de

Recherches et d'Information sur l'Economie Publique, Sociale et Coopérative), referem que a

grande heterogeneidade conceptual em Portugal, que deriva das características específicas da

natureza do Estado-Providência Português, permite a utilização das designações “terceiro

setor”, “economia social” e “economia solidária”.

3.4. O Mercado da Economia Social em Portugal

3.4.1. Contribuição da Economia Social para o País e Necessidades de

Financiamento

83

Por forma a ser possível uma análise mais extensiva ao funcionamento do mercado da

Economia Social, serão aqui analisados os resultados da Conta Satélite da Economia Social de

2013, que reporta a dados de 2010, por ser um documento mais extensivo do que o mais recente

disponibilizado, em 2016, e que respeita a dados de 2013. Amiúde, serão feitas as comparações

possíveis com os dados mais recentes.

Em 2010, o sector da economia social contribuiu com 2.8% do Valor Acrescentado Bruto11

(VAB) para a economia nacional e com 5.5% do emprego nacional. Nesse ano, o sector era

constituído por 55.383 unidades, com a maior parcela das mesmas a desenvolverem atividade

na área do desporto, recreio e cultura, cultos e congregações e ação social. A restante

distribuição de atividades pode ser consultada na Figura 1. No entanto, a distribuição da

empregabilidade remunerada no sector da Economia Social não segue a proporcionalidade da

Figura 1. Analisando a Figura 2, percebe-se que a Ação Social, os Cultos e Congregações e o

Ensino e Investigação são os sectores que empregam mais população12.

Em 2013, a contribuição do sector para o VAB nacional foi igual à de 2010, mas aumentou

para 6% a percentagem de emprego remunerado. O sector aumentou o número de entidades

para cerca de 61.000, as atividades relacionadas com cultura, desporto e recreio continuavam a

ser as mais representados, surgindo a ação social em segundo lugar, alterando a sua posição

com as associações de cultos e congregações [I.N.E. 2016].

11 VAB - Corresponde ao saldo da conta de produção, a qual inclui em recursos, a produção, e em empregos, o

consumo intermédio, antes da dedução do consumo de capital fixo. Tem significado económico tanto para os

setores institucionais como para os ramos de atividade [INE 2015] 12 Outros dados relativos às remunerações ou aos parciais do Valor Acrescentado Bruto (VAB) poderão ser

consultados em [CASES e I.N.E. 2013].

84

Figura 1 - Entidades da Economia Social, por Atividade (CASES e I.N.E. [2013])

Figura 2 - Emprego Remunerado na Economia Social (CASES e I.N.E. [2013])

Em 2010, o sector registou uma necessidade líquida de financiamento de 570,7 milhões de

euros. Ou seja, o sector careceu de 570,7 milhões de euros em 2010 para fazer face às suas

despesas. Em termos de recursos, o sector totalizou 14.177,9 milhões de euros, onde grande

parte do valor (≈ 9.000 milhões de euros) se deveu à Produção, seguida de Transferências e

subsídios (≈ 3.000 milhões de euros) e Rendimentos de Propriedade (contribuindo com ≈ 1.500

milhões de euros) e o restante vindo de outros recursos. Em termos de despesas, o sector

totalizou 14.748,6 milhões de euros, onde o Consumo intermédio (31.4%), as Remunerações

(26.8%) e as Transferências Sociais (24.3%) foram os maiores contribuidores para esta despesa.

A Figura 3 resume esta informação.

85

Figura 3 - Recursos, Despesas e Necessidade Líquida de Financiamento da Economia Social ( CASES e I.N.E. [2013])

Em 2013, o total de recursos diminuiu para 13.896,7 milhões de euros, assim como o total das

despesas também baixou para 14.308,6 milhões de euros, saldando-se a necessidade de

financiamento em 412 milhões de euros [I.N.E. 2016]

3.4.2. Peso e Contribuição dos Tipos de Entidade para a Economia Social

No documento elaborado para a Conta Satélite para a Economia Social (CASES), as entidades

descritas na Lei de Bases da Economia Social foram agrupadas em: (i) cooperativas, (ii)

mutualidades, (iii) misericórdias, (iv) fundações e (v) associações e outras organizações da

economia social (OES), onde se incluem IPSS que não se incluam em nenhuma das entidades

anteriores, entidades altruísticas de âmbito cultural, recreativo e desportivo, entidades dos

subsectores comunitários e autogestionário e outras entidades (associações juvenis, defesa do

consumidor, ambiente, etc.).

Das cerca de 55 mil entidades atuantes no sector da Economia Social, as associações (onde se

incluem as IPSS) representavam 94% das entidades, seguidas das cooperativas (4,1%) e das

fundações (1%) [CASES e I.N.E. 2013]. Consultando a Figura 4, é possível verificar que as

associações, por terem bastante mais peso do que as restantes entidades, também são aquelas

que “ditam” o panorama nacional ilustrado no Erro! A origem da referência não foi

encontrada.. O peso significativo das associações também transparece no peso relativo para a

criação de emprego remunerado e contribuição do VAB, conforme se apresenta na Tabela 1.

86

Figura 4 - Associações e Outras OES, por Atividade (CASES e I.N.E.[ 2013])

Tabela 1 - Principais indicadores por grupos de entidades da Economia Social (CASES e I.N.E. [2013])

No que concerne à necessidade ou capacidade líquida de financiamento, é curioso constatar que

as cooperativas, mutualidades e fundações apresentaram capacidade de financiamento, ou seja,

os seus recursos superam as suas despesas, enquanto as associações e Misericórdias apresentam

necessidades de financiamento [CASES e I.N.E. 2013]. Uma vez que as associações

representam quase a totalidade das entidades da economia social em Portugal, naturalmente, o

saldo estrutural do sector é negativo nos 570 milhões de euros mencionados anteriormente.

Analisando os dados de cada uma das entidades, as cooperativas têm áreas de atividade muito

diversificadas (Comércio, Consultoria e Serviços; Desenvolvimento, Habitação e Ambiente ;

Atividades de Transformação); as mutualidades têm 89% da sua atividade concentrada na ação

social, mas grande parte do seu VAB advém da atividade financeira; as Misericórdias têm

94.2% da sua atividade na ação social e advém daí também a sua maior fatia do VAB; a maior

parte das fundações tem a sua atividade na Ação Social e, juntamente com as cooperativas, são

aquelas cujo VAB tem alguma dependência do Ensino e Investigação. Por fim, nas restantes

associações, a maior parte delas foca a sua atividade na cultura, desporto e lazer, cultos e

87

congregações e ação social, sendo que a sua diversidade se traduz nas contribuições para o

VAB, que também advém de atividades muito diversas [CASES e I.N.E. 2013].

No documento disponibilizado em 2013, o agrupamento por entidades não segue a mesma

lógica do documento de 2010. Enquanto em 2010, as “associações” eram a conjugação de IPSS

que não se encaixassem em nenhuma outra entidade, entidades altruísticas com fins

desportivos, culturais ou recreativos, entidades dos subsectores comunitários e autogestionár io

e outras entidades, em 2013, as entidades dos subsectores comunitários e autogestionários estão

separadas das restantes. Ainda assim, as associações continuam a representar a grande maioria

das entidades da economia social em Portugal, perdendo uma representatividade residual e

descendo para os 93,4% do total de entidades [I.N.E. 2016]. Se a estas se juntarem as entidades

dos subsetores comunitário e autogestionário, a representatividade sobe para os 94.8%, ainda

maior do que em 2010.

Se for comparado o sector da economia social com outros ramos da atividade económica em

Portugal constata-se que, em 2010, o peso do VAB (2,8%) foi superior a atividades como a

eletricidade, gás, vapor e ar frio, agricultura, silvicultura e pesca e ainda agroindústr ia ,

telecomunicações, industria têxtil e madeira, pasta e papel. A remuneração média dos

empregados no sector da economia social representou 83.1% da média nacional [CASES e

I.N.E. 2013]. Em 2013, a posição da economia social manteve-se à frente das mesmas indústr ia s

que em 2010, no entanto, a média de remunerações face à economia nacional subiu para 86.4%,

em contraciclo com quase todos os restantes sectores institucionais [I.N.E. 2016].

Por fim, importa esclarecer quais os mecanismos de financiamento da economia social em

Portugal. A identificação e sistematização dos recursos admitidos na economia social, permite

identificar três tipos genéricos de financiamento: i) modelo de beneficência, ii) modelo de

Estado e bem-estar e iii) modelo de cidadania [Loureiro e Silva 2017].

O modelo de beneficência promove o exercício da filantropia e doação através de incentivos

fiscais. No modelo de bem-estar cabe aos governos a proliferação das organizações da

economia social através da contratualização do fornecimento de bens e serviços produzidos por

essas instituições. No modelo de cidadania, o financiamento da economia social provém

sobretudo de fundos públicos que são providenciados pelo Estado [Loureiro e Silva 2017].

Estes três modelos não coexistem em exclusividade e estão presentes no modelo de economia

social portuguesa, como se pode observar na

Tabela 2.

88

Tabela 2 - Peso das Contribuições para a Economia Social (Adaptado de Loureiro e Silva [2017])

Recursos Portugal Média de 12 Países

Taxas 31% 43%

Contributos do Estado 41% 32%

Filantropia 10% 23%

Outras fontes 19% 2%

Nas definições da

Tabela 2, “taxas” incluem valores de pagamentos dos utentes às organizações da economia

social, como contrapartida pelos serviços prestados; “contributos do Estado” integra as quantias

pagas pelo estado às instituições em virtude dos serviços prestados; “filantropia” reporta-se a

importâncias contribuídas por entidades privadas e cidadãos a titulo voluntário e “outras fontes”

remete para fontes de financiamento alternativas, características a cada sector. Os doze países

com a qual é feita a comparação dos recursos são: Quirguizistão, Nova Zelândia, Japão, Brasil,

Austrália, Canadá, Israel, Portugal, Tailândia, Bélgica, República Checa e Moçambique

[Loureiro e Silva 2017].

De forma a fornecer uma perspetiva visual da distribuição das entidades da economia social,

pode-se atentar na Figura 5.

Figura 5 - Representação do Mercado da Economia Social em Portugal (Quintão [2011])

89

Como se pode observar a grande maioria das organizações da economia social em Portugal são

repreentadas maioritariamente pelas associações desportivas e associações culturais e

recreativas. Tal como referido pelo autor [Quintão 2011], a representatividade do número de

instituições é indicativa, sendo o principal propósito da Figura 5 a demonstração do panorama

geral da economia social.

3.4.3. Razões para a Falta de Financiamento em Portugal

Reconhecido pelo Laboratório de Investimento Social na sua Nota de Investigação n.º 2:

Fundamentos do Investimento Social “existe um problema comum no setor (da economia

social): faltam recursos financeiros adequados às necessidades específicas do setor social”

[Laboratório de Investimento Social 2014], como evidenciam os resultados da necessidade de

financiamento demonstrados na subsecção 3.4.1. De acordo com Fernandes et al. [2016], poder-

se-ão apontar essencialmente três fatores para a falta de financiamento da economia social em

Portugal: falta de aptidão das iniciativas sociais para receber esse financiamento, falta de um

ecossistema próprio para o desenvolvimento de um mercado de financiamento da economia

social e a existência de um sector público muito centralizador das atividades respeitantes à

economia social.

No que se refere à falta de aptidão das iniciativas sociais para receber financiamento, ,

Fernandes et al. [2016] destacam aspetos mais particulares, tais como, organizações pouco

informadas quanto aos meios de financiamento existentes; meios de atração do investimento

muito pouco desenvolvidos; falta de capacitação, profissionalização e capacidade de gestão que

comprometem o seu sucesso operacional; candidaturas a fundos com necessidade de melhoria

na sua qualidade e sustentação; medição de impacto ainda muito limitada e que compromete a

disponibilização e informação para os investidores e a pouca cultura de estabelecimento de

parcerias quer no desenvolvimento de atividades, quer na procura de financiamento, o que

condiciona o sucesso e o volume de financiamento, como alguns dos fatores que limitam a

aptidão do mercado da economia social.

Relativamente à falta de um ecossistema próprio para o desenvolvimento de um mercado de

financiamento da economia social, Fernandes et al. [2016] elencam, entre outros: um

financiamento ainda muito baseado em meios ou métodos tradicionais (doações, subsídios ou

contratualizações), falta de enquadramento legal e de construção da infraestrutura de mercado

(por exemplo, a impossibilidade de investimento via participações de capital nas entidades

tradicionais da economia social) e falta de cultura de investimento socialmente responsável.

90

Por último, no que concerne ao sector público muito centralizador, tal com notado em 3.2, os

sucessivos governos de Portugal não conseguiram abandonar as suas parcerias nos campos da

prestação de serviços e cuidados aos outros desde a ditadura. Traduzindo este facto, Fernandes

et al. [2016] apontam, por um lado, a cultura comodista e com falta de aptidão para inovar das

entidades da economia social e por outro, pela falta de orientação correta das práticas de

financiamento por parte do Estado. Apesar de tudo, o governo de Portugal está lentamente a

mudar de paradigma e a promover o empreendedorismo social [Parente e Quintão 2014], com

destaque para a Missão Portugal Inovação Social ou a previsão de aplicação de fundos nesta

área no âmbito do programa Portugal 2020 [Fernandes et al. 2016].

3.5. Respostas Sociais em Portugal

A ação social é a segunda maior atividade representada nas organizações da economia social,

sendo também a que mais contribui para o VAB da economia social. A ação social desenvolvida

por associações é a atividade para a qual a população em geral mais reconhece utilidade. Em

[Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social 2007] encontra-se descrito o regime de

licenciamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social. No artigo 3º do mesmo

descrevem-se os diferentes objetivos de ação social a que os estabelecimentos se devem propor

cumprir para serem considerados estabelecimentos de apoio social, designadamente:

a) A prevenção e reparação de situações de carência e desigualdade socioeconómica, de

dependência e de disfunção, exclusão ou vulnerabilidade sociais;

b) A integração e promoção comunitárias das pessoas e o desenvolvimento das respetivas

capacidades e

c) A especial proteção aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, jovens, pessoas

com deficiência e idosos.

As respostas sociais que visam satisfazer os serviços mencionadas também se encontram

descritas em [Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social 2007]. No entanto, em diversa

documentação ([Fernandes et al. 2016], [Soares et al. 2012], [República Portuguesa et al.

2017], mais atual do que [Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social 2007], são

elencadas mais respostas sociais do que aquelas que estão estritamente descritas na lei. É

curioso indicar que toda esta documentação ([Fernandes et al. 2016], [Soares et al. 2012],

[República Portuguesa et al. 2017]) utiliza nas suas descrições de respostas sociais as sugestões

dadas por [Direção Geral da Segurança Social da Família e da Criança et al. 2006], que é um

91

documento predecessor da lei que descreve as próprias respostas sociais [Ministério do

Trabalho e da Solidariedade Social 2007].

No âmbito desta dissertação serão expostas as respostas sociais previstas em [Direção Geral da

Segurança Social da Família e da Criança et al. 2006], já que parecem ser aquelas usadas em

toda a documentação oficial da Segurança Social. Assim, as respostas sociais podem dividir-se

em três grandes grupos de orientação: Infância e Juventude, População Adulta, Família e

Comunidade e Grupo Fechado de Respostas Pontuais.

Na Tabela 3, encontram-se divididos cada um destes grupos de orientação e apresentadas as

respostas sociais previstas para cada um deles.

Tabela 3 - Grupos de Intervenção e Respostas Sociais

Grupos de Intervenção Respostas Sociais

Infância e Juventude

Crianças e Jovens Amas, Creches, Estabelecimento de Educação Pré-escolar,

Centro de Atividades de Tempos Livres

Crianças e Jovens com

Deficiência

Intervenção Precoce, Lar de Apoio, Transporte de Pessoas com

Deficiência

Crianças e Jovens em

Situação de Perigo

Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, Equipas

de Rua de Apoio a Crianças e Jovens, Acolhimento Familiar

para Crianças e Jovens, Centros de Acolhimento Temporário,

Lares de Infância e Juventude, Apartamentos de Autonomização

População Adulta

Pessoas Idosas Serviço de Apoio Domiciliar, Centros de Convívio, Centros de

dia, Centros de noite, Acolhimento Familiar para Pessoas

Idosas, Residência, Lar de Idosos

Pessoas Adultas com

Deficiência

Centros de Atendimento/Acompanhamento e Animação para

Pessoas com Deficiência, Serviço de Apoio Domiciliário,

Centro de Atividades Ocupacionais, Acolhimentos Familiares

para Pessoas Adultas com Deficiência, Lares Residenciais,

Transporte de Pessoas Adultas com Deficiência

92

Pessoas em Situação de

Dependência

Serviços de Apoio Domiciliário, Apoio Domiciliar Integrado,

Unidades de Apoio Integrado

Pessoas com Doenças

do Foro Mental ou

Psiquiátrico

Fórum Sócio Ocupacional, Unidade de Vida Protegida, Unidade

de Vida Autónoma, Unidade de Vida Apoiada

Pessoas Sem-Abrigo Equipa de Rua para Pessoas sem Abrigo, Atelier Ocupacional

Família e Comunidade

Família e Comunidade

em Geral

Atendimento/ Acompanhamento Social, Grupo de Autoajuda,

Centro Comunitário, Centro de Férias e Lazer, Refeitórios/

Cantinas Sociais, Centros de apoio à Vida, Comunidade de

Inserção, Centro de Alojamento Temporário, Ajuda Alimentar

Pessoas com

VIH/SIDA e as suas

famílias

Centro de Atendimento/ Acompanhamento Psicossocial,

Serviço de Apoio Domiciliário, Residência para Pessoas

Infetadas com HIV/SIDA

Pessoas

Toxicodependentes

Equipa de Intervenção Direta, Apartamento de Reinserção

Social

Vítimas de Violência

Doméstica

Centros de Atendimento, Casas de Abrigo

Grupo Fechado de Respostas Pontuais

Grupo Fechado de

Respostas Pontuais

Apoio Domiciliário para a Guarda de Crianças, Apoio em

Regime Ambulatório, Imprensa Braille, Escola de cães-guia

3.6. Conclusão

O funcionamento da economia social em Portugal foi marcado por dois períodos distintos em

termos do grau do apoio do Estado neste sector. Apesar de, tal como já antes do 25 de Abril, a

maior parte da atividade da economia social ser movida por agentes privados, após esta data o

Estado passou a assumir um maior compromisso com a proteção social dos cidadãos. Em

ditadura, a lógica de funcionamento do governo era servir de “suplemento” à ação dos

particulares. Todavia, deve ser salvaguardado que, consultando a lei [Presidência da República

1963], o Estado já faz uma menção clara e explícita no capítulo V das responsabilidades de

93

financiamento do Estado para com os estabelecimentos de saúde e assistência. Depois do 25 de

abril de 1974, e mais particularmente depois da entrada de Portugal na CEE, a economia social

tem vindo a estabelecer a sua importância na economia nacional e na perceção de qualidade de

vida dos cidadãos. Talvez o impacto mais visível das atividades das entidades do terceiro sector

seja aquela que diz respeito à proteção dos outros: a ação social. Como se pode observar pelos

quadros apresentados em 3.5, as respostas sociais dadas pelas entidades desta área de atividade

são sobretudo orientadas à orientação de crianças e jovens e suprimento de carências aos

excluídos (idosos, dependentes e outros).

A proteção aos cidadãos mais suscetíveis implica que as instituições do terceiro sector levantem

as devidas salvaguardas para que os mesmos não sejam, em alguns casos, mais marginalizados

e excluídos, mais fragilizados e desprotegidos, ou que sofram qualquer estigma ou

consequência direta ou indireta futura, eles próprios ou as pessoas das suas relações, em razão

da divulgação inadvertida de dados pessoais que lhes digam respeito.

94

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