RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se...

22
24/08/2003 O mapa da juventude Pesquisa inédita desenha as caras dos jovens paulistanos e revela hábitos e preferências ditados pelo contraste entre exclusão e prosperidade Capa - Todas as caras da metrópole A desigualdade mora ao lado ZH1 - Ilha da prosperidade Universo paralelo FRASE ZH2 - Parecida, mas não igual Paixão em tela grande ZH3 - Geografia do ritmo O samba contra a tristeza FRASE ZH4 - Terra de menina mãe Chefe de família na marra FRASE ZH5 - Excluídos por natureza Em busca de um adjetivo FRASE O duro retorno FRASE Música e religião são campeões de grupos GRUPOS - ARTÍSTICOS (35,8%) - O mano da música erudita Do Capão Redondo à Alemanha GRUPOS - RELIGIOSOS (14,4%) - Da lambaeróbica para a fé GRUPOS - LAZER - Em defesa do game GRUPOS - AÇÃO SOCIAL (12,6%) - Eles põem a boca no mundo De empresário para empresário GRUPOS - ESPORTES (7,3%) - Diversão levada a sério

Transcript of RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se...

Page 1: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

24/08/2003

O mapa da juventude Pesquisa inédita desenha as caras dos jovens paulistanos e revela hábitos e preferências ditados pelo contraste entre exclusão e prosperidade

Capa - Todas as caras da metrópole

A desigualdade mora ao lado ZH1 - Ilha da prosperidade Universo paralelo FRASE ZH2 - Parecida, mas não igual Paixão em tela grande ZH3 - Geografia do ritmo O samba contra a tristeza FRASE ZH4 - Terra de menina mãe Chefe de família na marra FRASE ZH5 - Excluídos por natureza Em busca de um adjetivo FRASE O duro retorno FRASE Música e religião são campeões de grupos GRUPOS - ARTÍSTICOS (35,8%) - O mano da música erudita Do Capão Redondo à Alemanha GRUPOS - RELIGIOSOS (14,4%) - Da lambaeróbica para a fé GRUPOS - LAZER - Em defesa do game GRUPOS - AÇÃO SOCIAL (12,6%) - Eles põem a boca no mundo De empresário para empresário GRUPOS - ESPORTES (7,3%) - Diversão levada a sério

Page 2: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

GRUPOS - POLÍTICO/PARTIDÁRIO (6,9%) - Filho de peixe GRUPOS - EDUCAÇÃO (3,1%) - Anarquia com Focault Pelo fim do vestibular GRUPOS - ÉTNICOS (2,1%) - A dança da Dalmácia GRUPOS - SEXUALIDADE (1,3%) - X-Teens une gays GRUPOS - PORTADORES DE DEFICIÊNCIA (0,7%) - Cega coleciona medalhas em 'goalball' GRUPOS - AMBIENTAL (0,3%) - Pela libertação de todos

Estudo mapeia a diversidade da juventude paulistana, do centro à periferia Todas as caras da metrópole por Lulie Macedo e Alessandra Kormann Se fosse um exame, praticamente apenas um terço da "classe" seria aprovada -e mesmo assim, a maioria dos examinados passaria raspando. Em um índice inédito sobre as condições de vida que São Paulo oferece à sua juventude, elaborado pela prefeitura, apenas 36 dos 96 distritos da capital conseguiram obter média acima de 0,5, numa avaliação em que a nota mínima é 0 e a máxima, 1 (veja ao lado). O retrato -uma espécie de versão distrital do IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano criado pela ONU para avaliar a qualidade de vida em todos os países do mundo- faz parte do Mapa da Juventude, uma extensa pesquisa que levantou dados como raça, escolaridade, trabalho, inclusão digital, hábitos de lazer e situação familiar em 5.250 domicílios. O estudo, encomendado pela Coordenadoria da Juventude e desenvolvido pelo Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), entrevistou durante seis meses 2.260 jovens entre 15 e 24 anos, distribuídos em cinco zonas que os pesquisadores chamaram de homogêneas. Essa classificação ignora a divisão geográfica tradicional e constrói novos blocos a partir dos indicadores sociais de cada distrito. Foram levados em conta os percentuais de população jovem, mães adolescentes e viagens por lazer, além de crescimento populacional entre 1991 e 2000, mortalidade por homicídios, escolaridade, índice de mobilidade e rendimento familiar. "Ao estudar a cidade em outras pesquisas, percebemos que muitos distritos distantes possuem padrões semelhantes. Com o agrupamento, foi possível trabalhar com um número menor de pesquisados sem afetar a validade estatística dos resultados", explica Aylene Bousquat, especialista em saúde pública e professora da Universidade Católica de Santos, que coordenou a pesquisa. Essa metodologia aproximou regiões distantes no mapa, mas semelhantes nas condições de vida, como os extremos leste e sul da cidade. Assim, a Mooca, bairro da zona leste, acabou se juntando ao bloco da Zona Homogênea 1, de que fazem parte Jardins, Alto de Pinheiros (ambos na zona oeste) e Moema (zona sul). A tabulação de dados compôs um perfil para cada zona. "Mesmo quando a diferença de um indicador entre uma zona e outra está dentro da margem de erro, de 5%, a estatística pode indicar uma tendência", acredita Aylene. Tendência que, por sua vez, pode funcionar como uma bússola para nortear projetos futuros. "É impossível desenvolver ações públicas sem identificar o comportamento e a diversidade da população. Um dos principais objetivos da elaboração do mapa é descobrir o que o jovem de São Paulo faz, do que ele gosta, pelo que se interessa", diz Alexandre Youssef, titular da Coordenadoria da Juventude. O mapeamento, segundo a coordenadoria, serviria para orientar o lançamento de programas em outras áreas da administração, como lazer e saúde (o conhecimento dos jovens sobre a Aids foi uma das questões investigadas). Um dos maiores investimentos do estudo foi o rastreamento das turmas da cidade, uma tentativa de desvendar os interesses que levam os jovens a se juntar em grupos específicos. Entre os 1.609 identificados, há desde anarquistas vegetarianos radicais a dançarinas evangélicas, passando pelas torcidas organizadas e centenas de bandas e grupos musicais -a formação mais frequente. Surpresas Além de evidenciar o contraste entre exclusão e prosperidade, o estudo revelou ainda facetas paulistanas pouco conhecidas, como a cordialidade típica das cidades pequenas nos

Page 3: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

distritos mais extremos do mapa. Os pesquisadores, cerca de 60 estudantes de ciências sociais da USP e PUC-SP, contam que os moradores chegavam a emprestar seus próprios guarda-chuvas. "No começo da pesquisa, eles tinham pânico de ir para a periferia, ninguém queria. Mas depois foram tão bem recebidos que passou a ocorrer o contrário. Já na ZH1, eles tiveram bastante dificuldade, não eram recebidos, precisavam voltar ao mesmo lugar sete, oito vezes", lembra Aylene. Mas, para não desmentir o cotidiano de violência que vigora nas zonas periféricas, em pelo menos um lugar o medo impediu que o levantamento fosse realizado. "Em um local da Vila Prudente, uma das 350 zonas censitárias sorteadas, eles não puderam entrar porque era uma região controlada pelo tráfico. É um daqueles lugares em que o simples bater na porta embute o risco de não voltar mais." É por coisas assim que a nossa nota é tão baixa.

Page 4: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

A desigualdade mora ao lado Fabiano Cerchiari/ Folha Imagem

Da esq. para a dir., Pedro Lopes, Welliton José da Silva, Fabiano de Souza e Leonardo Ferreira Lima, moradores de José Bonifácio

por PAULO SAMPAIO É domingo por volta das 20h e não há ninguém nas ruas de José Bonifácio, bairro vizinho a Guaianases e Itaquera, extremo da zona leste, na Zona Homogênea 5. Os sobrados da colina onde mora Welliton José da Silva, 18, têm quase todos a mesma fachada de cimento aparente, grades com correntes e cadeados e árvores desfolhadas. O distrito com maior percentual relativo de jovens em São Paulo está longe de parecer um playground. "A gente aqui só se diverte quando tem quermesse, uma vez por ano, ou vai ao parque de diversões. Dá até para jogar bola, mas, como a trave do campo foi roubada, usamos uma improvisada com tábuas", diz. Apesar do enorme percentual de jovens na região, Welliton e dois amigos que dão a entrevista dizem que não dá para pensar em grandes turmas de amigos. "Você tem que escolher muito bem para não se envolver com pessoas erradas. O cara começa a usar droga e aparece morto depois de um tempo. Aqui, a gente sabe das coisas, mas tem de se fingir de mudo", diz Leonardo Ferreira Lima, 18, que terminou o ensino médio e, como Welliton, está desempregado. Na definição deles, um sábado "legal" é aquele em que alguma banda toca por perto -"mas é raríssimo". A noção de perto é sempre tomada pela distância feita a pé. "Não temos dinheiro para pegar ônibus, então de vez em quando a gente vai no 'canelóvisk' ao shopping Itaquera (4,5 km) dar uma volta", conta Fabiano de Souza, 19, também desempregado. Em outro extremo -o da região com menor percentual de jovens-, está a Mooca (ZH1), um bairro bem mais antigo, que não chega a ter a exuberância dos Jardins, mas está longe da falta de opções de Jardim Bonifácio. "Não troco a Mooca por nada. Fui criado aqui, gosto da tranquilidade do bairro", diz o estudante Vinicius Buccelli Ribeiro, 19. Apesar do gosto, Vinicius mal pára ali. Ele cursa biologia na Consolação, faz estágio no Butantã e namora uma menina de Interlagos. "Só fico em casa no fim de semana. Mesmo assim, saio à noite, porque aqui não tem lugar de balada", diz ele em um bar no vizinho Tatuapé, com quatro casais e alguns amigos. O sábado deles em geral começa com um jogo de futebol. Ali não há problemas de quadras sem traves, e o time dos rapazes, o Berimball, pode marcar gols sem medo de receber ameaças do adversário. Depois do jogo, ele vai buscar a namorada em Interlagos, com o carro que ganhou do pai. "Haja gasolina", diz, sem reclamar. O discurso dos jovens dos dois bairros deixa claro que tudo fica mais fácil quando faltam opções de lazer, mas não recursos. Mesmo tendo que sair do bairro até para ir ao cinema, os jovens da Mooca o fazem de carro, ou, na pior das hipóteses, têm o dinheiro para o ônibus. "A gente vai muito ao shopping para passear também", diz Rodrigo Coracini, 19, estudante em um curso de

Page 5: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

hardware e office-boy. À noite, a maior parte dos amigos de Vinicius e Rodrigo está acompanhada de namoradas no bar do Tatuapé. Em José Bonifácio, os rapazes dizem que mal dá para "ficar" com as meninas: "Mulher não quer saber de pé-rapado", declara Welliton. A comparação dos jovens da Mooca com os de José Bonifácio é desigual, ainda que os primeiros digam que nem sempre têm dinheiro para sair. Para eles, um programa caro segue outros padrões. "Só dá para ir uma vez por mês nas baladas da Vila Olímpia, onde a entrada custa R$ 70", diz Vinicius. O estudante e seus amigos queixam-se de que as poucas danceterias da Mooca foram invadidas pelo que eles chamam de "estrangeiros". "É um um pessoal que vem da periferia e que não tem nada a ver com a gente", diz Rodrigo. Na tradução, o "estrangeiro" desvalorizado na Mooca é o "privilegiado" de José Bonifácio e arredores, que tem dinheiro para pagar a passagem de ônibus e a consumação na danceteria.

Page 6: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

ZH1 Jardim Paulista - Moema - Pinheiros - Itaim Bibi - Consolação - Alto de - Pinheiros - Lapa - Perdizes - Vila Mariana - Santo Amaro - Tatuapé - Mooca Condições de lazer, estudo e consumo segregam a elite paulistana dos jovens de outras zonas da cidade

Ilha da prosperidade

Eles se parecem mais com os personagens dos seriados da Sony do que com o adolescente médio paulistano. Os jovens da Zona Homogênea 1 são brancos (85,9%), estudam em escola privada (63,4%) e são os que mais praticam atividades culturais de lazer (14,3%). Preferem embalar suas baladas com rock e pop: as zonas 1 e 2 são as únicas em que esses estilos musicais superam o samba na preferência dos jovens (ver quadro na pág. 16). "É a zona em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto no lazer e no consumo", afirma Aylene Bousquat, do Cedec. Também é a região em que o número de jovens que moram com amigos é maior (9%, contra 4,2%, 1,5%, 0,2% e 1,1% das zonas subsequentes), refletindo não só uma situação econômica melhor, como também a frequência de jovens migrantes que vêm para São Paulo estudar e moram em repúblicas. A zona 1 é a mais bem urbanizada, tem o maior número de equipamentos de lazer, como shoppings, parques e cinemas, e por isso é um pólo de atração para os jovens de todas as regiões, que, se não trabalham nos bairros da ZH1, costumam recorrer a ela pelo menos em alguns finais de semana. "Mas os jovens que moram na zona 1 não se misturam", diz Aylene. Normalmente, se não fogem nos finais de semana de verão para o litoral norte, ou para Campos do Jordão no inverno, frequentam clubes mais fechados e fazem baladas caras, que a juventude da periferia não pode pagar. Os jovens da zona 1 prolongam a vida de solteiros: 96,8% dos entrevistados não são casados, um percentual que decresce gradativamente em direção à zona 5. A inserção no mercado de trabalho formal, no entanto, é semelhante em todas as zonas: entre os que trabalham, apenas cerca de 40% têm carteira assinada. "Isso mostra que a precarização do trabalho é igual para todos", afirma Aylene. Para o urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, que assessora várias prefeituras na formulação de políticas públicas, o desemprego está fortemente relacionado ao aumento dos jovens no conjunto da população. "Estamos em plena onda jovem", diz.

Universo paralelo

A saída da turma da manhã do colégio Dante Alighieri, no Jardim Paulista, é um "evento": diariamente o quarteirão é cercado por carros blindados, seguranças com walkie talkies, PMs e picapes da CET, que isolam a área e param o trânsito para que os jovens da região mais rica de São Paulo deixem a escola. "Estou estudando administração de empresas, porque quero ser multimilionário!", brinca Luiz Felipe Pantano, 18, que completou o terceiro ano do ensino médio no colégio e agora cursa Faap. Em visita aos antigos amigos, "Lupe" parece muito popular: fala alto, circula entre os grupinhos na calçada e faz graça para as meninas. No Dante, receber mesada é a norma. Lupe diz que ganha R$ 570. A amiga Thaís Anastácia, 18, que ele chama de "ex-cunhada", R$ 450. "Esse dinheiro é para tudo: roupa, sapato, balada, cinema, lanche no shopping. Mas sempre sobra. Só compro um jeans, por exemplo, quando tenho certeza de que vou usar. Acho um absurdo essas meninas que gastam R$ 7.000 em roupa na Daslu", afirma. Fora o eixo colégio-casa-balada-shopping (Jardins, Vila Nova Conceição, Vila Olímpia, Pinheiros, Itaim) eles dizem que conhecem pouco da cidade. Nem Santana? "Não costumo ir à periferia. Mas, se me colocar no ônibus, eu chego", diz Thaís, que, mesmo andando apenas cinco quadras para ir da escola para casa, já foi assaltada mais de uma vez.

Page 7: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Lupe também. "Todo dia a gente ouve histórias de gente assaltada aqui. Tenho uma amiga que está no terceiro celular", diz ela. Típicos moradores da ZH1, Thaís e Lupe estudam de manhã e dormem ou praticam esportes à tarde: ela, natação no clube Paulistano; ele, futebol de salão, em uma quadra no prédio onde mora, nos Jardins. Nos fins de semana, ambos viajam ou vão à balada na Vila Olímpia. Nas férias, os dois costumam viajar: Lupe conta que já conhece Europa, Canadá, Nova Zelândia e fez intercâmbio cultural nos Estados Unidos. "Tivemos a sorte de nascer com a bunda virada pra lua", reconhece. (Paulo Sampaio)

FRASE Fabiano Cerchiari/ Folha Imagem

"Meu pai é economista, batalhou muito e sempre procurou dar noção das coisas para a gente. Meus primos todos estudam em escola pública, só lá em casa que a gente está numa particular."

Thaís Anastácia, 18, Jardim Paulista, ao lado de Luiz Felipe Pantano, 18

Page 8: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

ZH2 Saúde - Barra Funda - Sé - Campo Belo - Santa Cecília - Morumbi - Butantã - Bela Vista - República - Vila Guilherme - Água Rasa - Santana - Vila Leopoldina - Liberdade - Belém - Pari - Carrão - Tucuruvi - Campo Grande - Ipiranga -Cambuci Zona Homogênea 2 se aproxima da primeira colocada na maioria dos indicadores sociais

Parecida, mas não igual

Os indicadores sociais da Zona Homogênea 2 estão um pouco abaixo dos da ZH1, mas ambas têm mais afinidades do que diferenças. Da zona 2 faz parte o Morumbi, onde está a maior concentração de chefes de família que ganham acima de 20 salários mínimos, mas a área também abriga favelas como Paraisópolis e Real Parque, que puxam os indicadores para baixo. No geral, os hábitos dos moradores das zonas são muito próximos, com uma singularidade: é na zona 2 que está a maioria dos jovens que elegeram o cinema como principal diversão (veja quadro). Fatores como renda e educação são capazes de explicar a diferença entre as áreas mais ricas e as mais pobres, mas não a da frequência cinematográfica entre duas áreas tão próximas. Segundo estimativas da Rede Popular de Cultura, ONG que leva cinema e teatro gratuito a 12 distritos das extremidades da cidade, cerca de 80% a 90% das crianças de até 12 anos da periferia nunca foram ao cinema. Entre os adultos, esse percentual é de cerca de 70%. "Uma das barreiras é a alfabetização precária. Como a maioria dos filmes é legendada, eles não conseguem acompanhar", diz Max Mu, coordenador da ONG. Mas a principal dificuldade é mesmo a falta de equipamentos culturais, como cinemas e teatros. "Nas áreas nobres, além de maior oferta de lazer, também há atividades de qualidade de graça. Para quem mora no Jaraguá, a opção mais próxima é o shopping da Lapa, a 20 km de distância. A única diversão é uma bola e um descampado mesmo", afirma Max. "Os jovens de classe média não têm idéia do que é a periferia. Outro dia um colega do meu filho disse que a Chácara Flora (distrito de Santo Amaro), um bairro privilegiado onde há alguns colégios de elite, fica na periferia porque é muito longe", afirma a coordenadora da pesquisa do Cedec, Aylene Bousquat. Para Max, o jovem das zonas 1 e 2 só vai para a periferia quando resolve praticar algum trabalho voluntário. Mesmo assim, quem começa dificilmente continua. "Primeiro, eles têm muito medo. Depois, acham muito longe e acabam desistindo."

Paixão em tela grande

Com 15 anos, ele começou a ir ao cinema com frequência. "Desde então, não parei mais", conta Fábio Cawano, 24, que assiste a cerca de dez filmes por semana, metade no cinema e metade em DVD. Ele não tem idéia de quantos longas já viu na vida. Vida, aliás, que gira em torno do tema: Fábio trabalha na Cinemateca e neste ano se forma em cinema. Na hora da diversão, porém, cabe alguma variedade: costuma ir a qualquer tipo de show e também a bares da Vila Madalena e Moema. Pelo menos uma vez por semana, sai com os amigos. Gosta de jazz, rock e música eletrônica. Sua rotina se enquadra no perfil de orientais da pesquisa: mora na Saúde, com a família, e quase todo dia acessa a internet em casa. Acorda entre 7h e 8h e vai para o trabalho de carro, um Gol 98 que ganhou dos pais ao fazer 18 anos. Com o dinheiro que ganha, paga as próprias contas. O trabalho de conclusão do curso de cinema, que está fazendo em grupo, é um curta de ficção de aproximadamente sete minutos. Ele é responsável pela montagem do filme. Os personagens da história são um casal de jovens classe média, realidade que ele conhece de perto. Periferia, só viu em cinema e televisão. "Nunca fui. Talvez de passagem, mas nunca parei." Não gostou de "Cidade de Deus", "blockbuster" de Fernando Meirelles e Katia Lund. "Mas não é por causa da violência ou da pobreza, é que não curto a estética de videoclipe. Se ele mostrasse as baladas da Vila Olímpia, não gostaria da mesma forma. Como linguagem cinematográfica, prefiro 'Central do Brasil'", diz, referindo-se ao filme de Walter Salles. Mas os brasileiros não são a sua referência. "Assisto muito filme oriental."

Page 9: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

ZH3 Mandaqui - Penha - Cursino - Brás - Vila Matilde - Bom Retiro - Jaguara - Vila Prudente - Vila Sônia - Vila Formosa - Socorro - Freguesia do Ó - Casa Verde - São Lucas - São Domingos - Limão - Aricanduva - Jaguaré - Pirituba - Jabaquara - Ponte Rasa - Rio Pequeno Jovens da região fazem muito "intercâmbio" com outras zonas e são mais ligados a música e esportes

Geografia do ritmo

"São Paulo não é o túmulo do samba, como se diz. Pelo menos não entre os jovens", afirma Aylene Bousquat, coordenadora da pesquisa feita pelo Cedec. O estilo musical foi o mais citado e, na média geral, aparece como o preferido de 50% dos entrevistados. O percentual é ainda maior nas Zonas Homogêneas 3 e 4: 58% e 55% dos entrevistados apontam o ritmo como o favorito. Na zona 3, a mais musical, a preferência por outros ritmos como pagode, reggae, rap, forró e funk é também mais acentuada (veja quadro abaixo). Existem algumas possibilidades para explicar a diferença. "Desde a década de 80, há uma cultura musical ativa nessas áreas semiperiféricas. Na Vila Formosa tem a histórica danceteria Toco; no Jabaquara, no Rio Pequeno e em todo esse anel há uma concentração de casas de bailes e de grupos com equipamentos para festas", diz o urbanista Kazuo Nakano. Além disso, segundo ele, existe muito intercâmbio na região. "Quem está na zona 3 sai à procura de diversão nas áreas 1 e 2. E quem mora nas zonas 4 e 5 vêm para a 3 em busca de lazer noturno. Por causa desses deslocamentos, o jovem da 3 tem mais acesso à diversidade da cultura musical", acredita. Funk e tecno revelam mais claramente como vai mudando a geografia do ritmo. O gosto pelo funk, ligado à cultura black, é menor na zona 1, mais rica, e quase triplica na zona5, mais pobre. Com o tecno, de influência européia e norte-americana, ocorre justamente o oposto: o interesse diminui do centro para a franjas da cidade. A ZH3 fica no meio, absorvendo as influências das duas pontas. E isso se repete também em relação aos indicadores de raça, escolaridade e trabalho. A zona 3 também se destaca pela maior preferência dada ao esporte, apontado por 52% como a principal atividade de lazer. "A área oferece mais equipamentos esportivos do que as zonas 4 e 5. Já o jovem dos bairros centrais tem mais acesso a outras opções de lazer cultural", afirma a pesquisadora do Cedec.

O samba contra a tristeza

Toda sexta-feira, ela passa um batom, bota a sandália de salto e vai para o samba. Para Liegi da Silva, 19, esse é um dia sagrado. "Para me divertir, é só samba mesmo. É a única coisa que me levanta quando estou meio cabisbaixa", afirma. Pelo samba, atravessa a cidade. Com a irmã e as tias, frequenta casas noturnas da Lapa, de Santana, do centro de São Paulo e de Pirituba, onde mora. Não tem muitos amigos no bairro. "As pessoas com quem cresci acabaram indo para um caminho errado, do roubo, das drogas. Eles me respeitam, mas é cada um para um lado", conta. Liegi quer ser professora. Para isso, acorda todo dia às 5h20 e caminha 40 minutos em jejum até chegar ao colégio estadual onde faz o último ano do magistério. É lá que toma o café da manhã. Depois da aula, anda mais meia hora até a escola de educação infantil onde faz estágio. Não pega ônibus para economizar, já que o sustento vem do salário mínimo (R$ 240) que recebe como estagiária. "Não acho ruim não, vou numa boa. De manhã está fresquinho. Já me acostumei", diz. Quando chega em casa, às 19h, janta, assiste "Mulheres Apaixonadas" e cai na cama. Sua personagem preferida é Lorena (Suzana Vieira), dona do colégio onde estuda o núcleo jovem da novela. "Aquilo é que é escola", suspira. Liegi nunca entrou na internet. "Mas já fiz um curso de informática bem básico", lembra. Nos colégios em que estuda e trabalha, não há computador. "Mas são escolas muito boas, não posso

Page 10: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

reclamar", afirma. Em alguns finais de semana, ela sai todas as noites, de sexta a domingo. Quando isso acontece, acaba faltando à missa. "Depois da gandaia não dá para acordar cedo", confessa. Apesar de se produzir para as baladas, Liegi diz que a intenção não é paquerar. "Vou mais é para curtir mesmo. Se pintar um gatinho, tudo bem, mas só para ficar mesmo. No samba é difícil arrumar namorado sério."

FRASE "As pessoas com quem cresci acabaram indo para um caminho errado, do roubo, das drogas. Eles me respeitam, mas é cada um para um lado."

Liegi da Silva,19, Pirituba

Page 11: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

ZH4 Cangaíba - Sacomã - Artur Alvim - Tremembé - Vila Maria - Vila Andrade - Ermelino Matarazzo - Cidade Líder - Vila Meiros - Itaquera - São Mateus - São Miguel Paulista - Raposo Tavares - Jaçanã - Vila Jacuí - Cidade Dutra - Campo Limpo - Parque do Carmo - José Bonifácio - Jaraguá - Vila Curuçá - Sapopemba - Perus Cerca de um quarto das jovens dessa zona já tem filhos; entre os rapazes, índice cai para 7% Terra de menina mãe

Dos jovens paulistanos, 14% já têm filhos. A porcentagem é ainda maior entre as mulheres, 19%. Na chamada zona 4, que engloba bairros da periferia, a discrepância entre o número de meninas que têm filhos e o de meninos que se dizem pais é enorme: 23% das adolescentes, entre 15 e 24 anos, já são mães. Entre os rapazes, esse número cais para 7,3%. Há duas hipóteses para explicar a diferença: ou eles não assumem as crianças ou elas têm filhos com homens mais velhos. A assistente social Rosa de Lourdes Azevedo dos Santos, que defendeu tese de mestrado na USP sobre a gravidez adolescente em Sapopemba -distrito da zona 4- aposta na segunda. "São os marmanjos que engravidam essas meninas. Os adolescentes normalmente assumem a paternidade", afirma. Existem alguns outros fatores que podem explicar o fenômeno, diz ela. "As meninas dessas regiões começam desde cedo a cuidar dos filhos das amigas que trabalham, como mães sociais. Elas são essencialistas, acreditam que a natureza da mulher é ser mãe, é sofrer, é sentir dor na hora do parto", afirma. O urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, lembra também a falta de acesso às medidas contraceptivas. "Os jovens da periferia têm as informações, conhecem os anticoncepcionais, mas muitas vezes não têm dinheiro para comprá-los. Em alguns locais, também não têm acesso aos serviços de saúde. Por causa da violência, muitos profissionais se recusam a trabalhar em determinados postos de saúde." Outro indicador que chama a atenção na ZH4 é o desemprego: 71% dos jovens não trabalham (veja quadro na pág. 20). O índice é mais alto até do que a zona 5 (68%), onde se observa maior exclusão. Para Aylene Bousquat, coordenadora da pesquisa, uma possibilidade para explicar esse dado é que as regiões mais extremas recebem injeção de verbas de programas sociais, que acabam gerando empregos.

Chefe de família na marra

O enredo é comum na periferia. Aos 21 anos, Patrícia Teixeira Silva engravidou do namorado, na época com 27. Foram morar juntos na casa dos pais dela, em Artur Alvim (zona leste), mas, após idas e vindas, acabaram se separando de vez quando a filha Giovanna, hoje com dois anos, tinha três meses. "Ele dizia que o choro do bebê o incomodava, que precisava dormir para trabalhar no dia seguinte, e queria ficar em casa só no final de semana. Não aceitei", diz. O ex-namorado é um bom pai no aspecto afetivo, diz ela, mas, atualmente desempregado, não paga a pensão de R$ 400 há três meses. "Eu sinto um pouco de raiva por ele me deixar com toda a responsabilidade da grana. Trabalho feito louca e não sobra nada para mim, é tudo para a menina. Agora entrei na Justiça", afirma. A rotina não é das mais fáceis. Patrícia acorda às 6h, deixa a filha na escolinha, trabalha até as 18h no cadastro de uma editora de listas telefônicas e depois vai para outro emprego, onde é digitadora até as 23h30. Chega em casa depois da meia-noite. "Vivo morrendo de sono", afirma. A filha, ela curte apenas no sábado. No domingo, quando o pai pega a garota, aproveita para descansar. "Ontem, quando cheguei em casa, ela estava com febre. Acho que é emocional, ela deve estar sentindo minha falta. Estou até pensando em deixar o trabalho da noite." Passear, só raramente. "Quando dá, saio só na sexta ou no sábado", conta.

Page 12: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Depois da separação, ficou mais exigente em relação a parceiros. "Não precisa ter tudo, mas tem que batalhar. Não gosto de gente acomodada." Chegou a arrumar um namorado, mas não levou em casa para não confundir a cabeça da filha. "Tenho que ser o exemplo, já que sou mãe solteira e ela é mulher", acha. Os estudos foram interrompidos quando ficou grávida. "Eu ia prestar vestibular para psicologia, mas achei melhor nem começar. Agora penso em fazer pedagogia. Se eu desse aula em alguma escola, a Giovanna teria bolsa. E aí eu poderia acompanhá-la de perto", sonha.

FRASE "Ele (o pai) dizia que o choro do bebê o incomodava. Queria ficar lá em casa só no final de semana. Não aceitei."

Patrícia Teixeira Silva, 24, de Artur Alvim, com a filha Giovanna

Page 13: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

ZH5 Jardim São Luís - Marsilac - Anhanguera - Itaim Paulista - São Rafael - Cachoeirinha - Guaianases - Lajeado - Cidade Aemar - Jardim Helena - Capão Redondo - Pedreira - Brasilândia - Iguatemi - Cidade Tiradentes - Jardim Ângela - Grajaú - Parelheiros Violência, falta de oportunidades e menos tempo para lazer e estudo conspiram contra a auto-estima dos jovens da periferia

Excluídos por natureza

A zona 5 é a região de maior exclusão: com os piores indicadores sociais, concentra a maior porcentagem de jovens fora da escola (43%) ou que frequentam aulas no período noturno (53%). É a única área em que as meninas estudam mais do que os meninos. "Nas classes menos favorecidas, há um número cada vez maior de mulheres chefes de família, que estudam, trabalham e carregam toda a responsabilidade pelo sustento e pelo futuro. E isso começa desde cedo", avalia a coordenadora Aylene Bousquat. Reflexo claro da associação entre cor e exclusão, é a zona com menor número de jovens que se identificam como brancos (37%) e com predomínio de pardos e negros (57%). Também é a região com maior percentual de jovens que encontram nos shoppings seu lazer prioritário (veja quadro na pág. 14). Os jovens da zona 5 começam a vida cedo, têm menos tempo para atividades de estudo e lazer e, consequentemente, se casam ou vão morar juntos mais cedo (15%, contra 3% da zona 1). Da mesma forma, se tornam pais e mães antes das outras regiões da cidade (18% têm filhos, contra 3% da ZH1). Outro dado da pesquisa revela o resultado da combinação dessa precocidade com a violência que acomete seus bairros: é a única das cinco zonas em que foram encontradas jovens viúvas. Além das drogas e da violência, a falta de auto-estima é um complicador adicional. "Eles têm pouco reconhecimento na escola. Falta alguém que os faça acreditar que são capazes, que eles conseguem", diz a psicóloga Celina Pereira, coordenadora de um premiado programa de prevenção a drogas em escolas. "Mas eles têm grandes idéias, são cheios de iniciativa. Se tiverem um empurrãozinho, podem ir muito longe."

Em busca de um adjetivo

A tentação de arranjar um adjetivo para classificar o feirante Maximiano Matias Marques de Oliveira, 18, é grande. Mas tudo parece pouco. "Precoce" não diz o suficiente para falar de um jovem que trabalha desde os 13, perdeu a virgindade aos 15, foi pai aos 16 e vai ser de novo daqui a seis meses. "Enquanto tiver braços para trabalhar, vou lutar para dar um futuro bom para os meus filhos", diz Max, como se tivesse 60 anos. Ele explica que não mora com a mãe das crianças porque não "topa" a família dela. Chamar Max de "carente" é banalizar sua situação: ele não tem mãe, nunca se deu com o pai e mesmo assim mora com ele e três irmãos em uma casa de dois quartos no Grajaú, zona sul. "Minha mãe foi quem nos ensinou a trabalhar. Se não fosse ela, a gente seria vagabundo", diz. "Desfavorecido" soa demagógico quando se emprega em relação a um rapaz que acorda às 3h30 todo dia, inclusive domingo, ganha R$ 700 e não tem opção de lazer. "Pobre não se diverte, descansa. A gente deita e dorme", diz. Pela acidez das respostas, muitos pensariam em classificar Max de "revoltado". "Eu conheço gente que mora no barro e frequenta shopping. Eu não vou. Só se for para levar fora das metidas!" Na porta da escola, que fica em uma rua de terra e é cercada por um muro pichado com homenagens a jovens mortos na região, o feirante explica que está no segundo ano do ensino médio e pretende estudar administração. "Mas isso só mais pra frente." (PS)

FRASE

Page 14: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

"A gente passa muita raiva. Ou desconta nas pessoas ou arranja um vício. Eu fumo dois maços de cigarro por dia."

Maximiano Matias Marques de Oliveira, 18, feirante do Grajaú O duro retorno

Meninas são maioria na classe de 3º ano do ensino médio em que estuda Amanda da Silva Santos, 17. "Os meninos param de estudar antes, vão trabalhar", conta. Na escola estadual de Cachoeirinha (zona norte), há sete classes de 1º ano e apenas três de último. Amanda estuda de manhã e, à noite, repõe algumas matérias do 2º ano, porque passou um ano em uma cidadezinha de Minnesota, no norte dos EUA, fazendo intercâmbio. Nesse ponto, ela é exceção na Cachoeirinha: é a única da turma que já viajou para fora. "Lá, as ruas são bem mais bonitas, cada casa tem um jardim na frente, sem muros. Aqui é uma em cima da outra." O intercâmbio foi conseguido através da gráfica internacional em que seu pai trabalha, em parceria com uma ONG. "Eu morava em um lugar muito bonito e longe de tudo. Com os amigos ia a shoppings, cinemas, parques. Lá tem um parque em cada canto", lembra. Na escola pública americana, Amanda tinha computador e uma escrivaninha. Desde que voltou, no mês passado, tenta se adaptar novamente à sua realidade. "Agora a minha cabeça está diferente da dos meus amigos. Eu não aprendi só a língua e a cultura, aprendi sobre a vida." Amanda não costuma sair muito. Sua casa virou o ponto de encontro onde a turma se reúne para assistir vídeos, conversar e jogar baralho. A mãe, Josefa, 44, prefere assim. "Desse jeito posso conhecer bem as amizades dela, sei que não está se envolvendo com gente errada. A turma dela é sossegada, e os lugares aqui por perto são todos bem perigosos", afirma. No ano que vem, Amanda pretende fazer design gráfico no Senac, mas quer arrumar um emprego antes para pagar o curso. "Eu queria fazer faculdade de artes plásticas, mas aí vou morrer de fome", acredita.

FRASE "Apesar do conforto nos EUA, não gostaria de morar lá para sempre. Não concordo com o governo deles e acho que nem há tanta liberdade."

Amanda da Silva Santos, 17, (de vermelho) estudante na Cachoeirinha

Page 15: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Música e religião são campeões de grupos

A fé move os jovens da cidade. Como sempre, a música ainda faz a cabeça da maioria, mas é a religião que aparece em segundo lugar no ranking de atividades que os jovens desenvolvem em turma. Entre os 1.609 grupos identificados pela pesquisa, 14,4% são religiosos. "Esse resultado extrapola a questão da espiritualidade. A igreja é fator de agregação social para o jovem de hoje", diz a antropóloga Regina Novaes, do Iser (Instituto Superior de Estudos Religiosos). Isso acontece especialmente na periferia, onde, segundo ela, a igreja é um espaço de sociabilização preservado pela violência. Os números do Mapa da Juventude combinam com os de uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro no ano passado, que apontou a religião como o principal foco de atividade dos grupos de jovens cariocas, sugerindo, portanto, que o fenômeno não é regional. A antropóloga arrisca uma explicação que envolve as angústias e incertezas provocadas pela crise econômica e pela violência como segundo fator de atração da religiosidade: "Nunca foi tão difícil para o jovem planejar o futuro, e isso atinge todas as classes. Outro aspecto é que essa é uma geração que conhece a morte muito de perto. São os jovens que mais matam e mais morrem", afirma Regina. Classificação O critério utilizado pelos pesquisadores para classificar os grupos em categorias foi a autodefinição. Assim, mais do que a atividade praticada em conjunto, o que define a inserção de um grupo em determinada categoria é a razão pela qual foi criado. Por exemplo: uma banda de música gospel não vai aparecer em manifestações artísticas, mas em religião. Um grupo de hip hop que defina sua formação a partir de intenções sociais entra nessa categoria, não em música. Os pesquisadores justificam a metodologia pelo respeito ao ponto de vista dos pesquisados. "Compreender a formação dos grupos implica apreender as noções de grupo elaboradas pelos próprios jovens", dizem seus organizadores. São poucas, mas algumas turmas não se encaixaram em nenhum dos eixos catalogados (0,9%). Outras recusaram-se a fornecer informações sobre suas atividades (0,7%), algumas por medo de perseguição, caso de fãs da série "Arquivo X". Segundo Aylene Bousquat, o que mais chama atenção nos resultados dos grupos é que "independentemente da atividade, o que move a maioria é a tentativa de melhorar a situação da sociedade".

GRUPOS - ARTÍSTICOS (35,8%) Essa categoria, que reúne a maior parte dos grupos cadastrados, inclui dança, teatro, grafite, folclore, mas nada se compara à atração exercida pela música. Ela é a principal motivação de 27% dos grupos, sendo as maiores fatias os que tocam forró (7%) e hip hop (4%). O contingente masculino predomina.

O mano da música erudita

O trompetista Lino Cleber Araújo Martins, 24, existe para subverter a idéia de que a música erudita está confinada à elite. Morador da Cidade A. E. Carvalho, zona leste, ele é trompetista da Banda Sinfônica Jovem do Estado e da Orquestra de Sopros Brasileira. Três vezes por semana, Lino sai de casa às 4h e segue para a cidade de Tatuí (137 km a oeste de São Paulo), onde ensaia com a Orquestra de Sopros. Chega em casa depois das dez da noite. O pai mecânico e a mãe dona-de-casa torceram muito o nariz, mas apoiaram a escolha do garoto, que já tentou trabalhar como office-boy e estudar mecânica. "Quando digo que sou músico, as pessoas respondem 'tá, mas com o que você trabalha?'. A maioria não leva a sério", diz. Fã de Stravinsky e Mahler, "porque valorizam os metais", Lino foi atraído pela música instrumental aos dez anos, quando aprendeu a tocar flauta doce e sax em uma banda da Assembléia de Deus. Orgulhoso do trabalho nas duas orquestras, para se sentir totalmente feliz, diz que só falta entrar na faculdade de música e se casar com a noiva, que namora há seis anos.

Page 16: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Do Capão Redondo à Alemanha

"Ainda tem muita gente que não vê que hip hop é educação", protesta a cantora e rapper Solange Miranda Souza, 22, mais conhecida como Sol. No começo de setembro, o hip hop vai levar Sol da casa onde mora, no Capão Redondo (zona sul), com a mãe, doméstica aposentada, para a Alemanha, onde participa de um intercâmbio com outros MCs (mestre-de-cerimônia, o rapper), b-boys (break boys), grafiteiros e DJs. Sol é uma das vocalistas da banda Conclusão, que com o grupo de rap A Trupe compõe a "posse" Conceitos de Rua, do Vale das Virtudes, no Capão Redondo. No vocabulário dos manos, "posse" é a união de pessoas que representam os quatro elementos da cultura de rua (break, grafite, MC e DJ). Hoje com 11 integrantes, o Conceitos já teve mais de 60 membros -entre eles o líder dos Racionais MCs, Mano Brown. "Já perdemos cinco amigos assassinados e mais uns oito foram para o tráfico", conta o fundador Kall, 29. A igreja foi o primeiro palco de Sol, que começou cantando em grupos católicos. Quando entrou no movimento hip hop, em 98, levada por um amigo veterano, ainda achava que era coisa de bandido. "Eu só conhecia o rap, e as letras eram muito agressivas. Não sabia que existia muito mais do que isso", conta a rapper, que faz trabalhos educativos no Jardim Ângela e ensina meninas adolescentes a escrever letras de rap.

GRUPOS - RELIGIOSOS (14,4%) O contingente de jovens agrupados pela crença é composto por uma diversidade de religiões, mas é a evangélica quadrangular que concentra o maior número de grupos, somando cerca de 25 mil pessoas. Mais da metade (55%) se ocupa de atividades estritamente religiosas, seguidos pelos que desenvolvem atividades artísticas ligadas à igreja (40%), sobretudo a música, inflada pelo grande número de bandas gospel.

Acampar com Jesus

Há quatro anos, Roberta Digilio, 22 (na foto, com a guitarra), lidera o grupo de adolescentes da Igreja do Evangelho Quadrangular da Vila Ema, na zona leste. Apontada pela pesquisa como a juventude religiosa mais numerosa, a Quadrangular tem templos espalhados por toda a cidade e, embora seja a quarta evangélica em número de fiéis, reúne a maior número de grupos. Baixista da banda de rock gospel CUSM (Cristo Une Sempre Mais), Roberta lembra que no início o grupo tinha apenas seis adolescentes. "Hoje somos 150. Nosso objetivo é falar de Jesus, e para isso fazemos shows, apresentações de dança", diz. O evento mais esperado é o Acampadentro, em que os adolescentes passam um fim de semana acampados na igreja. "Cantamos, dançamos, assistimos a palestras sobre doenças sexualmente trasmissíveis, saúde da mulher. É divertido", conta Roberta, que ressalva: "Mas meninos e meninas dormem separados". Sem namorado por enquanto, ela dá aulas de contrabaixo em uma escola de música e divide o resto do tempo entre o curso de psicologia e o trabalho na igreja. "Não gosto de sair à noite. Também não tenho tempo, viajo muito com minha banda", orgulha-se, com dois CDs gravados pela Gospel Records.

Da lambaeróbica para a fé

Mesmo em grupos menores, a fé é o principal motivo de os jovens se unirem. Todo sábado, 15 adolescentes escolhem uma roupa bonita, ajeitam os cabelos longos e saem de Parelheiros, onde moram, em direção à estrada de Marsilac. Lá, na igreja evangélica Comunidade Cristã Paz e Vida, as integrantes do grupo Novo Amanhecer "dançam para Jesus". "Nosso trabalho é resgatar almas", define a estudante Carolina de Souza Lima, 16, coreógrafa do grupo. "Escuto os CDs de louvores (canções gospel) e, com a inspiração do Espírito Santo de Deus, crio os movimentos." As outras garotas, todas entre 13 e 20 anos, ajudam acrescentando passos

Page 17: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

que ensaiam em casa. A dança é principalmente gestual, como se "dublassem" o que a música diz. "Não há maior manifestação de adoração ao Senhor do que louvar através do corpo", acredita Priscila de Almeida F. Donado, 20, que antes "dançava para o mundo" coreografias de lambaeróbica em academias. Hoje é casada com o pastor da igreja. A secretária Aline de Jesus Santos, 18, define o que elas sentem: "Dançando, esquecemos das dificuldades da vida e das tristezas". Daniele de Souza, 15, "agradece ao Senhor" pela vida do irmão. "Ele era traficante e estava jurado de morte. Mas eu o trouxe à igreja, e ele aceitou Jesus."

GRUPOS - LAZER (13,7%) É o conceito mais amplo, agregando passeios, shows e jogos, como RPG e games em rede. Nessa categoria, aparecem ainda bandas de música e muitas atividades esportivas, associadas a lazer pelos entrevistados

Em defesa do game

"Sou um jogador nato", acredita Paulo Leonardo Fernandes, 24, gerente de marketing da lan house Cibergames, nos Jardins, e líder de quatro grupos de jogos de computador em rede. Formado em jornalismo, ele acabou seguindo a vocação manifestada aos quatro anos, quando começou a detonar os placares de Pitfall, Enduro e River Raid, jogos do antigo Atari. Aos 12, Paulinho, como é conhecido (ele tem 1,68 m), passava em média oito horas por dia na frente da TV. Os pais não encrencavam, garante, porque para ganhar esse tempo livre ele precisava manter o quarto arrumado e as lições de casa em dia. Defensor da extinção do estigma de "nerd" dos jogadores de computador, ele acha que as lan houses surgiram para democratizar esse tipo de lazer e unir fisicamente os competidores. "A antiga imagem do viciado em computador está mudando. Aquele cara gordo, de óculos, fã de pizza e refrigerante quente, que tinha vergonha de aparecer em público, descobriu um lugar onde ele encontra pessoas como ele, convivendo com os jovens descolados, que usam a roupa da moda e fazem fila na porta das lan houses sexta à noite", explica. Rola paquera e nas noites de fim de semana essas casas "viram uma balada". O público, no entanto, ainda é predominantemente masculino ("cerca de 75%", observa), mas o feminino tem aumentado seu score.

GRUPOS - AÇÃO SOCIAL (12,6%) A noção de ação social para a juventude envolve desde o trabalho voluntário até o engajamento nas letras das bandas. Nessa categoria, 29% dos grupos realizam atividades voltadas à comunidade local, 13% têm na música sua principal razão de formação e 9% nas atividades culturais e de lazer. Cerca de 3% são bandas de hip hop e rap, que consideram suas músicas como "ação social".

Eles põem a boca no mundo

"Porque nós também temos o que dizer" é o slogan do Cala a Boca Já Morreu, ONG que reúne 20 jovens entre 7 e 20 anos, que se encontram para discutir os assuntos do dia e transformá-los em informação -mas a partir do seu ponto de vista. "Se a gente souber das coisas, pode encontrar soluções", acredita a estudante Liz Natáli Sória, 16 (no canto superior direito da foto), que entrou no grupo em 98, depois de assistir a uma entrevista de alguns integrantes no extinto programa teen "Turma da Cultura", da TV Cultura. Liz acredita que o trabalho na ONG é uma prestação de serviço à comunidade. "Todo mundo acha que não, mas o jovem se interessa por muita coisa e quer mudar o que não está certo." Nos encontros, o grupo escolhe um tema, pesquisa e depois cada um apresenta o que aprendeu. O passo seguinte é produzir jornais, vídeos e programas para rádios comunitárias. "A informação é o melhor instrumento para mudar."

De empresário para empresário

Page 18: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Eles são os defensores do, palavra feia, empreendedorismo. Quem ajudam? Jovens empresários em início de carreira. "Quando você sai da faculdade e vai abrir um negócio, não tem a quem recorrer, pedir conselhos, tirar dúvidas", conta Alessandra Selhorst, 25, formada em administração pelo Mackenzie e presidente do Conselho Estadual de Jovens Empreendedores da Associação Comercial de SP. O grupo faz reuniões, promove palestras de empresários de sucesso e discute questões como impostos e planos de marketing. "Na faculdade aprendemos a teoria, aqui debatemos os problemas com pessoas parecidas com a gente", diz. Com 390 membros, o Fórum de Jovens Empreendedores surgiu em 84, para atrair os jovens à Associação Comercial. "A diferença de idade e de ideologia atrapalhava", explica Alessandra.

GRUPOS - ESPORTES (7,3%) Menos numerosos, mas mais populosos, os grupos esportivos concentram 56% do total de participantes, principalmente por causa das torcidas organizadas. Além do futebol, skate está no topo.

Diversão levada a sério

"Olha o tamanho do 'hómi' andando de skate!" é o comentário que mais ouve Tiago Garcia, 23, quando está sobre seu "carrinho". "Como sou alto e tenho barba, as pessoas acham estranho. Mas isso acontece porque ninguém leva a prática do skate a sério, acham que é coisa de moleque", desabafa o skatista profissional. De brinquedo de Natal aos 11 anos a ganha-pão na juventude, o skate lhe rendeu três fraturas e muita perseverança. "É um esporte que exige criatividade. E vicia: enquanto você não acerta uma manobra, fica quebrando a cabeça e treinando até conseguir", conta. Sem contar a relação entre o "carrinho" e a cidade. "O skate é uma coisa totalmente urbana, apesar de ter sido criado por surfistas em tempos sem ondas." Na modalidade street, a que Tiago pratica, os obstáculos são parte do cenário de concreto, e dá-lhe descer corrimãos, escadas e sobrevoar banquinhos de praça. A modalidade é individual, mas skatistas estão sempre em bando. "Todo mundo se conhece", diz Tiago. Faça chuva ou sol, é sagrado: todos os dias ele encontra os camaradas para uma "session". "É bom andar com outras pessoas. Quando você não entende por que uma manobra não está dando certo, seu colega acaba mostrando o que você não consegue ver."

GRUPOS - POLÍTICO/PARTIDÁRIO (6,9%) Diretórios acadêmicos, grêmios estudantis e juventudes partidárias são maioria nessa categoria -salpicada por alguns grupos de punk rock e rap que definem suas atividades como políticas.

Filho de peixe

Ele é um dos 30 mil membros da juventude partidária do PMDB, a mais numerosa da cidade. Pedro Campos, 23, nasceu em berço político -o pai é assessor da CUT e a mãe é presidente da Confederação das Mulheres do Brasil-, mas faz questão de explicar que foi uma decisão pessoal se filiar ao partido aos 14 anos. "Aos 12 participei das passeatas pró-impeachment. Em seguida entrei para o movimento estudantil, onde estou até hoje", conta o diretor de escolas públicas da UNE. Fã de samba e MPB, Pedro divide o tempo entre o 1º ano de história na USP, os eventos do partido e a UNE. Nas folgas, sai à noite com os amigos "da militância". "O cara que milita faz tudo o que um jovem 'normal' faz, só que ele tem acesso a um outro mundo, viaja muito, conhece pessoas e realidades diferentes." Ele acredita que sua geração sofre muita pressão "para que não tenha ideologia e não seja engajada". "Fala-se muito em alienação, mas a TV é a primeira a emburrecer. Só que a juventude está conseguindo resistir e quando se aproxima da política o envolvimento é muito profundo". Sair

Page 19: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

candidato a algum cargo público, no entanto, não está nos planos. "Se eu for um bom professor de história, já está ótimo. Mas pretendo não deixar a militância jamais."

GRUPOS - EDUCAÇÃO (3,1%) Os grupos de estudo são maioria nessa categoria. Questionados sobre o motivo de sua formação, 18% assinalaram a resposta "oferecer ou viabilizar cursos", revelando a tentativa de preencher lacunas do ensino tradicional e de se aprofundar em assuntos que extrapolam o currículo escolar. A maior parte desses grupos (44%) foi formada há mais de cinco anos.

Anarquia com Fo cault

"Todo governo é uma forma de opressão", acredita o estudante de sociologia Fernando Oliveira da Costa, 22, que se autodenomina anarquista. Foi a ideologia libertária que o aproximou da obra do filósofo francês Michel Focault (1926-84), quando ainda cursava a 7ª série do colégio particular Elevação, na Cidade Dutra (zona sul). "Meu professor de história me apresentou ao pensamento de Focault. Eu me interessava pela matéria, comecei a estudar mais e com 15, 16 anos, conheci alguns grupos anarquistas, fui me identificando com a militância e cheguei a participar de um coletivo chamado Vermelho e Negro", que coordenava ações sobre as quais ele prefere não falar. Quando entrou na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, no ano passado, Fernando recebeu a dica de outra professora que, percebendo seu interesse pelas as questões sobre poder (discutidas na obra do filósofo), sugeriu que ele procurasse o Grupo de Estudos e Discussões Focaultianas. O grupo tem cerca de 15 membros. "Fazemos uma leitura prévia de um determinado ponto. No encontro, uma pessoa do grupo dá o mote da discussão e cada um mostra sua impressão sobre o assunto. Numa das últimas reuniões falamos sobre criminalidade e violência a partir da análise de Focault." Fernando reconhece que já foi mais idealista. "Hoje tenho dúvidas sobre uma mudança radical na sociedade." Mas ele ainda bota fé em lutas locais, "como a dos zapatistas".

Pelo fim do vestibular

O nome foi inspirado no MST. "Assim como os sem-terra se organizam para ocupar terras, a juventude na cidade tem que se mobilizar para ocupar as universidades públicas", insurge o líder do Movimento dos Sem-Educação, Dimitri Silveira, 25, estudante de geografia da USP. O MSE luta pelo fim do vestibular e pela garantia de acesso às universidades públicas. Enquanto o movimento não triunfa, os cerca de 40 integrantes promovem, por exemplo, "ocupações simbólicas", acampando em frente à reitoria da USP, e campanhas contra as taxas de inscrição para o vestibular. "É um absurdo a Fuvest cobrar R$ 83 (R$ 75 mais R$ 8 do manual) para o estudante fazer uma prova. Isso está completamente fora da realidade da juventude brasileira! Já financiamos as universidades públicas pagando impostos, isso é o mesmo que pagar duas vezes pelo serviço", reclama. Eles consideram a isenção do pagamento da taxa para estudantes de baixa renda uma conquista, mas não a vitória. "Este ano ofereceram 20 mil isenções, mas 28 mil candidatos se enquadravam no perfil necessário. Ou seja, 8.000 não tiveram direito de fazer a prova porque não podiam pagar. Isso é critério de seleção por renda", afirma Dimitri.

GRUPOS - ÉTNICOS (2,1%) Esses grupos existem para afirmar, divulgar e preservar costumes e valores ancestrais, como música, teatro e dança.

A dança da Dalmácia

Page 20: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Sabe onde fica a Dalmácia? Pois é dessa região litorânea da Croácia, no leste europeu, que vieram os pais e avós dos 15 jovens que integram o grupo de dança folclórica da Sociedade Amigos da Dalmácia. Todos os domingos, eles se reúnem na sede da associação, na Mooca, para ensaiar os passos de dança de seus ancestrais junto com pais e avós. "Sou apaixonada pela minha avó, que é croata. Vim para o grupo para manter viva a cultura dela, não deixar a tradição da minha família desaparecer", conta a estudante de publicidade Tatiana Barcot, 24. "Os jovens andam muito desligados dos valores familiares", acha o auxiliar de vendas Fábio Gavranich Camargo, 23, neto de croatas, que dedica parte do fim de semana a atividades da associação, que também oferece aulas de croata e promove festas e apresentações de dança em outros Estados. "As pessoas da nossa idade perderam o elo com os mais velhos, se esquecem que dá para aprender muito com os veteranos", acredita Fábio.

GRUPOS - SEXUALIDADE (1,3%) A sexualidade na juventude é discutida por garotas feministas, grupos de punk rock e de gays adolescentes.

X-Teens une gays

"Você não sabe o que é olhar em volta e se sentir um E.T. Todos os seus amigos de 11 e 12 anos começam a levar a 'Playboy' para a escola, mas você não consegue se enturmar. Eu ficava muito mal imaginando o que havia de errado comigo. E o pior é que não podia me abrir com ninguém", lembra Nicky*, 20. Foi com a intenção de criar uma rede de amigos com quem pudessem desabafar que um adolescente resolveu criar, em 95, o site Pagla (Programa de Apoio a Gays e Lésbicas Adolescentes). Quando o site parou de funcionar, alguns integrantes resolveram fundar o grupo X-Teens. "Em uma cena do filme X-Men 2, o Homem de Gelo revela para os pais que é mutante. Se você trocar a palavra "mutante" por "gay", os diálogos se encaixam perfeitamente", conta Joey*, um dos fundadores do X-Teens. Atualmente com cerca de 300 membros, o X-Teens tem como objetivo oferecer apoio "de amigo a quem passa pelos mesmos problemas e sente as mesmas coisas que a gente", define Nicky. Juntos, frequentam cinema, lanchonetes e, principalmente, conversam. "Parece que as pessoas preferem não reconhecer que a homossexualidade existe na adolescência. Será que a gente deveria 'congelar' tudo até ser adulto? Se não fosse o grupo, eu não teria com quem contar", diz Joey.

• Nomes trocados a pedido dos entrevistados.

GRUPOS - PORTADORES DE DEFICIÊNCIA (0,7%) A categoria abrange reuniões de pessoas envolvidas ematividades esportivas e artísticas, como dança e música. Cerca de 67% desses grupos são recentes, foram criados há menos de dois anos.

Cega coleciona medalhas em 'goalball'

Evelyne Ribeiro Catanhêde nasceu cega. Vinte anos depois, coleciona medalhas por sua participação na seleção brasileira de "goalball", um dos únicos esportes praticados apenas por portadores de necessidades especiais. "Goalball" é como uma mistura de handebol e futebol. Joga-se agachado, com um joelho no chão e a outra perna esticada. Os jogadores sabem onde a bola está por causa do som emitido pelo guizo que ela contém. No começo do mês, a seleção de Evelyne levou a medalha de prata em um campeonato no Canadá, que garantiu a vaga nas Paraolimpíadas de Atenas em 2004. Evelyne mora em Sapopemba, zona leste, e vai sozinha de ônibus para os treinos no Centro de Emancipação Social Esportiva de Cegos, na Vila Prudente, três vezes por semana.

Page 21: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

"Com 12 anos comecei a estudar no Instituto de Cegos Padre Chico. Aprendi a ler em braile, mas não sou muito fã de livros. Prefiro ir ao cinema, adorei 'Carandiru'. A filme em inglês eu não vou, não entendo e nunca encontrei alguém que tivesse paciência de ficar lendo para mim", conta, bem-humorada, a atleta, que adora Sandy & Júnior e namora um nadador carioca, também cego.

GRUPOS - AMBIENTAL (0,3%) É o eixo com menor número de grupos, porque só foram considerados aqueles fundados e liderados por jovens com até 24 anos.

Pela libertação de todos

"Nossa visão de trabalho ambiental é bem diferente de ficar abraçando árvore", explica Luanda Francine, 22, uma das líderes do Movimento Ambientalista Revolucionário. Os 20 membros do grupo se auto declaram anarquistas e "vegans" -vegetarianos radicais, que rejeitam não apenas carne, ovos e derivados de leite, mas qualquer produto que exija algum sacrifício animal, o que inclui mel e blusas de lã. Luanda começou a se interessar pela questão ambiental aos 13 anos. "Sempre convivi e me preocupei com os animais, mas a internet me deu um bom empurrão. Ampliei minha percepção do assunto e hoje lutamos pela libertação animal, humana e da terra", afirma. O grupo tem uma sede, uma casa alugada em Santana, mantida pelos próprios integrantes. Lá organizam debates, oficinas e palestras. Montaram também uma livraria, que vende títulos "relacionados à causa". No 2º ano de nutrição na São Camilo, Luanda ganha dinheiro fazendo e vendendo comida vegetariana para restaurantes. "No início meus pais não apoiavam muito a idéia do grupo. As pessoas geralmente têm uma opinião desestimulante sobre a dedicação integral a uma causa como a nossa, eles acham que não vamos mudar o mundo. Mas eu acredito que vamos", diz.

Page 22: RevistaFolha-Mapa da Juventudeservicos.guarulhos.sp.gov.br/destaques/programa... · em que se observa a maior influência das culturas norte-americana e européia, com forte impacto

Amigos muy amigos

[por Fernando Bonassi] Sou uma adolescente comum, que está se descobrindo no mundo. Quando estou interessada em algum cara, demonstro, gosto de jogar de igual para igual, acredito em relacionamento aberto. Há tempos ouvi de um amigo: "Você é bonita e gente boa, só que os homens não te levam a sério". Isso não me abalava tanto, até que recentemente uma amiga íntima e que eu prezo muito me disse que eu não me dou o valor necessário. O que é isso? Por quê? Lívia Saiba que muita gente infeliz tem mesmo prazer em ficar amarrada a comportamentos que ouviram dizer serem os mais adequados. Mulheres e homens ainda criam muitas dificuldades para se aproximar de quem amam e se afastar de quem não querem mais. Lidamos com nossos casos de amor como se fossem obrigações e não escolhas conscientes, o que de fato são, por mais esquisitas que pareçam. Não é por ser adolescente que você sabe menos que os mais velhos. Aliás, a experiência do coração não tem a ver com tempo, mas com a qualidade das entregas que você soube fazer. Não importa que não duraram. Importa que aconteceram, e você pode saboreá-las à sua maneira. Digo isso porque discordo veementemente dos seus amigos. Eu entendo que a procura da felicidade amorosa tem que ser clara e verdadeira. Acredito que você faz bem quando afirma demonstrar sem vergonha o que sente, "jogando de igual para igual". É assim que se faz. Por que devemos ficar nesses joguinhos de sedução em que ambas as partes tratam de adiar seu encontro por força de moderninhas ou antiguinhas convenções sociais para os relacionamentos?! Não é assim. Eu, por exemplo, levo muito a sério pessoas como você. A idéia de que mentir, falsear o interesse ou evitar ao máximo o contato asseguraria mais respeito ao nosso interesse é uma grande balela. Pobres dos que partilham disso, porque estarão sempre atrasados nos impulsos do coração. O que lhe dá valor, no meu ponto de vista, é justamente aquilo que os seus amigos desvalorizam. Penso que nós podemos e devemos tentar sempre exercer os nossos quereres. É claro que isso não evita que quebremos a cara. De todo modo, nossa cara foi posta bem em cima e à altura dos olhos para mostrar mesmo, para dá-la para bater. Só assim é que a gente deixa de lado a parte chata da adolescência e conquista os prazeres da vida adulta. Seu caminho tá certíssimo. Eu admiro. Seja feliz! e-mail: [email protected]