Revista Síntese Direito de Família #63

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Revista SÍNTESE Direito de Família Liliana Vieira Polido Gerente Editorial de Produtos Jurídicos

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Revista SÍNTESEDireito de Família

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Carta do Editor

Um dos direitos mais importantes de crianças e adultos, recepcionados pela Constituição brasileira, em seu art. 227, é o da convivência familiar, direito esse que nem sempre pode ser exercido em decorrência de problemas existen-tes entre os cônjuges ou familiares.

O direito de visita objetiva manter o relacionamento do filho com o ge-nitor não guardião. Trata-se, em realidade, do direito à convivência familiar, direito fundamental da criança e do adolescente, garantido pela Constituição brasileira. Algumas vezes, por várias razões, esse direito do filho de conviver com o genitor não guardião não é respeitado.

A despeito de o poder familiar ser exercido por ambos os pais, muitas vezes os filhos poderão estar sob a guarda compartilhada ou exclusiva a um dos genitores, fato que ensejará o direito de visitas àquele que não esteja com a guarda. Essa premissa encontra fundamento no art. 1.589 do Código Civil: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

Diante desta celeuma, escolhemos como Assunto Especial desta edição o tema “Direito de Visita e Convivência Familiar”, com três relevantes artigos de renomados juristas: Helena de Azeredo Orselli, Renata Malta Vilas-Bôas e Melissa Telles Barufi.

Ainda, na parte do Assunto Especial, a Seção Em Poucas Palavras, com artigo do Juiz Geraldo Claret de Arant.

Na Parte Geral, selecionamos um vasto conteúdo para mantermos a qua-lidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Di-reito: Sérgio Resende de Barros, Sergio Matheus Garcez, Waldyr Grisard Filho, Ênio Santarelli Zuliani, Rodrigo Santos Neves, Taisa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire de Sá.

Não deixe de ver nossa Seção Bibliografia Complementar, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!!!

Liliana Vieira PolidoGerente Editorial de Produtos Jurídicos

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Sumário

Assunto EspecialDIREITO DE VISTA E CONVIVÊNCIA FAMILIAR

DOUTRINAS

1. Reflexões Acerca do Direito Fundamental do Filho à Convivência com o Genitor Que Não Detém Sua GuardaHelena de Azeredo Orselli .........................................................................7

2. A Importância dos Princípios Específicos do Direito das FamíliasRenata Malta Vilas-Bôas ...........................................................................28

3. Nova Lei Protege o Direito de VisitaMelissa Telles Barufi .................................................................................38

JURISPRUDÊNCIA

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ........................................................................... 432. Ementário .................................................................................................58

EM POUCAS PALAVRAS

1. A Criança e o Direito à Convivência Familiar Geraldo Claret de Arantes ........................................................................65

Parte GeralDOUTRINAS

1. Direitos Humanos FamiliaisSérgio Resende de Barros .........................................................................67

2. A Crise da Família e o Surgimento dos Novos Direitos Protetivos da Criança e do AdolescenteSergio Matheus Garcez ...........................................................................79

3. Aspectos Polêmicos da Guarda CompartilhadaWaldyr Grisard Filho ................................................................................92

4. AlimentosÊnio Santarelli Zuliani ..............................................................................96

5. Elementos Acidentais Que Limitam a Eficácia das Disposições TestamentáriasRodrigo Santos Neves ............................................................................127

6. Autonomia Privada e Internação Não ConsentidaTaisa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire de Sá .................152

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JURISPRUDÊNCIA

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

1. Superior Tribunal de Justiça ...................................................................1662. Superior Tribunal de Justiça ...................................................................1733. Tribunal de Justiça de Minas Gerais .......................................................1784. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ......................................................1845. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ...............................................1866. Tribunal de Justiça de São Paulo ............................................................1927. Tribunal de Justiça de Santa Catarina .....................................................194

EMENTÁRIO

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................198

Seção EspecialESTUDOS JURÍDICOS

1. Da Sucessão do Companheiro. O Polêmico Artigo 1.790 do Código Civil e Suas Controvérsias PrincipaisFlávio Tartuce ........................................................................................219

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

1. Do Conceito de Grupo Familiar para o Fim de Concessão do Benefício AssistencialJosé Aldízio Pereira Júnior ......................................................................228

Clipping Jurídico ............................................................................................. 235

Resenha Legislativa .......................................................................................... 237

Bibliografia Complementar ................................................................................. 238

Índice Alfabético e Remissivo ............................................................................ 239

Normas Editoriais para Envio de Artigos ................................................................ 243

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Visita e Convivência Familiar

Reflexões Acerca do Direito Fundamental do Filho à Convivência com o Genitor Que Não Detém Sua Guarda*

Reflections on Non-Compliance with the Child’s Fundamental Right to Spend Time with Their Non-Guardian Parent

HELENA DE AZEREDO ORSELLIDoutoranda, com Bolsa de Estudos na Universidade Regional de Blumenau – FURB, Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali, Professora de Direito Civil e Biodireito dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional de Blumenau – FURB, Advogada.

RESUMO: O direito de visita objetiva manter o relacionamento do filho com o genitor não guardião. Trata-se, em realidade, do direito à convivência familiar, direito fundamental da criança e do adoles-cente, garantido pela Constituição brasileira. Algumas vezes, por várias razões, esse direito do filho de conviver com o genitor não guardião não é respeitado. A forma de exercício do direito à convivên-cia com o genitor não guardião é homologada ou determinada judicialmente, portanto é título exe-cutivo judicial, cabendo o estabelecimento de astreintes em caso de descumprimento por qualquer dos pais. A análise das decisões pesquisadas revela que os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a possibilidade de imposição de multa se o guardião impedir o cumprimento do direito de visitas, mas não o fazem no caso de descumprimento por parte do genitor não guardião. Incabível o tratamento diferenciado, pois o direito à convivência familiar é do filho e não do pai ou da mãe. Nesses encontros, o genitor não guardião contribui para a formação da personalidade e para a educação do filho, além de serem im-portantes, para o desenvolvimento do filho, as figuras paterna e materna. O Estado, na pessoa do juiz, deve estimular o cumprimento do direito à convivência familiar, seja por meio de encaminhamento a psicólogos, de mediação ou, se necessário, estabelecendo multa pelo descumprimento do direito primordial dos filhos à convivência com o genitor não guardião e sua família.

PALAVRAS-CHAVE: Direito fundamental; direito à convivência familiar; direito de visita.

ABSTRACT: The right to visitation seeks to preserve the child’s relationship with the parent who does not have custody of the child. In fact, it is the right to spend time with the family, a fundamental right

* O presente artigo foi elaborado para obtenção de nota parcial na disciplina Principiologia e Política Constitucional, ministrada pelos Professores Doutores Alexandre Morais da Rosa e Paulo de Tarso Brandão, do Curso de Doutorado em Ciência Jurídica do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí.

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Visita e Convivência Familiar

A Importância dos Princípios Específicos do Direito das Famílias

RENATA MALTA VILAS-BÔASAdvogada, Professora, Escritora, Mestre em Direito, Membro do IBDFam.

SUMÁRIO: 1 Princípios constitucionais dos direitos das famílias; 1.1 Visão geral constitucional; 1.2 Princípios constitucionais específicos; Conclusão; Referências.

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS DAS FAMÍLIAS Os princípios constitucionais transcendem a esfera constitucional e ser-

vem de embasamento para os diversos ramos jurídicos; assim, não se pode es-tudar o direito de família sem conhecer os princípios constitucionais referentes a ele.

1.1 VISÃO GERAL CONSTITUCIONAL

Em primeiro lugar, devemos analisar o caput do art. 226, que nos traz que: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Esta-do”.

O conceito apresentado no caput desse artigo nos traz uma cláusula geral de inclusão. Dessa forma, é o cotidiano, as necessidades e os avanços sociais que se encarregam da concretização dos tipos. E, uma vez formados os núcleos familiares, merecem, igualmente, proteção legal1.

Para Paulo Luiz Netto Lobo,

não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o lócus indis-pensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana.2

1 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 35.

2 LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus, p. 46.

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Visita e Convivência Familiar

Nova Lei Protege o Direito de Visita

MELISSA TELLES BARUFIAdvogada Familista, Sócia do Escritório de Advocacia Telles e Dala Nora Advogados Associa-dos, Sócia Fundadora da Associação Brasileira Criança Feliz.

Toda pessoa tem o direito de conviver e de manter laços de afeto; entre-tanto, ocorrem situações que rompem esta convivência, impondo a necessidade da regulamentação deste direito.

A convivência familiar é um dos direitos fundamentais assegurados a crianças e adolescentes, tendo sido consagrado pela Constituição Federal de 1988, baseado na Declaração da Organização das Nações Unidas.

Agora, o direito à convivência familiar ganha mais força com a apro-vação de lei que dispõe sobre alienação parental, pois o direito de visita, que é a forma de assegurá-la quando ocorrem situações que a rompem, será mais respeitado.

Infelizmente, é muito normal atendermos mães, pais, avós e até irmãos que buscam uma maneira de poder visitar seus filhos, netos e irmãos para com eles manter os laços de amor.

Sabe-se que no Brasil, até os dias de hoje, existe previsão legal no tocante ao direito de visita somente aos pais1, porém a jurisprudência vem preenchendo esta lacuna, concedendo este direito a outras pessoas, seja por laços sanguíneos ou socioafetivos. Conforme sustenta Sílvio Neves Baptista (2000), “todas as pes-soas têm a faculdade de receber visitas”.

No entanto, existe um grande número de ações de regulamentação de visitas e inúmeras ocorrências policiais, nas quais genitores que não possuem a guarda comunicam que, mesmo com ordem judicial, não conseguiram exercer seu direito.

A realidade não é nada simples: policiais, intimação de Oficial de Jus-tiça, descumprimento de acordos entre as partes, descumprimento de ordens

1 Direito previsto no art. 15 da Lei nº 6.515/1977, que preconiza: “Os pais, em cuja guarda não estiver os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

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Assunto Especial – Em Poucas Palavras

A Criança e o Direito à Convivência Familiar

GERALDO CLARET DE ARANTESJuiz de Direito, Coordenador em Minas Gerais da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude – ABMP.

Uma das garantias mais substanciais da democracia é a garantia do devi-do processo legal, assegurados o contraditório, a ampla defesa e todos os recur-sos judiciais, sem os quais qualquer cidadão pode ser privado de seus direitos.

E um dos direitos mais importantes de crianças e adultos, recepcionados pela Constituição brasileira, em seu art. 227, é o da convivência familiar, origi-nário da doutrina da proteção integral construída sob a égide da Organização das Nações Unidas. Outros direitos incluídos entre os mais relevantes são os da filiação e os da maternidade e paternidade, irrevogáveis, imprescritíveis e, sobretudo, vitalícios. O pai ou a mãe só pode perder o pátrio poder – hoje ele-vados à categoria de poder familiar pelo novo Código Civil – quando for conde-nado por sentença judicial em um dos mais violentos processos judiciais exis-tentes, o da “destituição do pátrio poder”, por cometer o tipificado na lei, como espancamento dos filhos, abandono, arruinação de seus bens, entre outros.

Entretanto, nossa secular prática do Direito de Família não tem obser-vado o devido processo legal para decretar a perda do pátrio poder de pais e mães quando há a dissolução do contrato nupcial. Na separação judicial, via de regra, um dos pais pede judicialmente a guarda exclusiva dos filhos e, sem que o outro cônjuge tenha violado qualquer das cláusulas ensejadoras da destitui-ção do pátrio poder e ainda sem a observância do devido processo legal para a espécie, decreta-se subjetivamente a perda ou a suspensão do pátrio poder de um dos pais, concedendo a guarda dos filhos a apenas um dos pais, tolhendo o direito à convivência familiar. A guarda é instituto que contém intrinsecamente a suspensão do pátrio poder, vez que dá ao guardião poderes exclusivos em relação ao guardado, inclusive o de oposição a terceiros e até mesmo aos pais, na letra do art. 33 da Lei nº 8.069/1990.

A solução reclamada pela legalidade e pelo direito constitucional à con-vivência familiar e da filiação é o novo instituto da guarda compartilhada.

No caso de dissolução do contrato de casamento, pela guarda comparti-lhada, mantém-se a guarda dos filhos com ambos os pais, se não existir senten-ça de destituição do pátrio poder de um deles, assegurando, assim, os direitos e os deveres inerentes à maternidade ou paternidade, vitalícios e irrevogáveis, e regulando-se, no caso concreto, o direito de companhia dos filhos com apenas um dos pais, observada a visitação do outro.

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Parte Geral – Doutrina

Direitos Humanos Familiais

SÉRGIO RESENDE DE BARROSMestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Universidade de São Paulo, Professor da Fa-culdade de Direito da Universidade de São Paulo, Professor do Curso de Mestrado em Direi-to da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep, Coordenador Científico de Cursos na Escola Paulista de Direito – EPD, Professor em Curso de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade dos Estudos de Udine/Itália, Professor em Curso de Verão na Universidade Nacional de Educação à Distância – Uned/Espanha, Professor em Curso de Verão da Universi-dade Internacional Menéndez Pelayo/Espanha, Titular da Cadeira nº 44 da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

SUMÁRIO: 1 A sugestão de um nome; 2 A fundamentalidade dos direitos humanos; 3 O momento histórico principial; 4 A finalidade política; 5 A universalidade ideal; 6 A escalada dos direitos huma-nos; 7 A evidência da fundamentalidade; 8 Os momentos históricos consequenciais; 9 Os direitos sociais; 10 Alguns direitos sociais da família; 11 A universalidade real; 12 O contínuo geracional; 13 As políticas públicas; 14 A tipologia das políticas públicas; Conclusão.

1 A SUGESTÃO DE UM NOMEA doutrina não tem correlacionado o Direito de Família com os direitos

humanos, senão escassamente, em um ou outro instituto, por exemplo, nos referidos à sexualidade. Essa escassez dificulta ver como direitos humanos os direitos subjetivos concernentes à família. Cumpre superar esse empecilho. En-tre outros fatores, sustenta-o uma influência negativa da linguagem, pois, ainda quando as palavras fluem apenas no silêncio interior, no íntimo da mente, o pensamento se exprime pela linguagem, que o condiciona. Os problemas rela-tivos à unidade do pensamento com a linguagem não têm menos importância para a ciência do que os relativos à unidade da investigação com a exposição. Nenhuma investigação pode prescindir da expressão que lhe dá forma. Mas, entre o pensamento que investiga e a linguagem que o exprime, processa-se, necessariamente, uma interação dialética mutuamente ativa, reativa, criativa. À medida que elabora novos conteúdos, a investigação exige a criação de no-vas formas que os exprimam adequadamente, no mesmo processo em que as formas de expressão reagem sobre a ação do pensamento, estimulando e fa-cilitando o seu avanço. Não há conteúdo sem forma, nem forma sem conteú-do, interagindo ambos entre si. Ainda que em última instância o pensamento determine a linguagem, no transcorrer das instâncias medianas do processo, o pensamento age sobre a expressão, assim como esta reage sobre aquele. Isso não só na expressão científica. Até mesmo na prosa quotidiana, a expressão reage em retorno sobre o pensamento, estimulando-o e facilitando-o. Pelo que, em qualquer linguagem, melhor se formula e exprime o que nela dispõe de

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Parte Geral – Doutrina

A Crise da Família e o Surgimento dos Novos Direitos Protetivos da Criança e do Adolescente

SERGIO MATHEUS GARCEZ Doutor em Direito Civil pela USP, Professor Adjunto de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás e do Programa de Mestrado em Direito Agrário da mesma IES.

SUMÁRIO: 1 A origem eminentemente patriarcal da família brasileira; 2 A família ilegítima na acep-ção do Código Civil de 1916; 3 A fragmentação da família nas últimas décadas; 4 Os efeitos da dis-solução judicial do casamento nos filhos; 5 A filiação sem representação jurídica; 6 O novo Direito da Criança e do Adolescente na Lei Federal nº 8.069/1990 como fator regulador da família; 7 O direito à convivência familiar e comunitária apontados no Estatuto da Criança e do Adolescente; Conclusões; Referências.

1 A ORIGEM EMINENTEMENTE PATRIARCAL DA FAMÍLIA BRASILEIRAA mudança dos paradigmas da família, antes marcadamente patriarcal e

altamente centrada na autoridade paterna, teve sua derrocada no final do século passado com a sua desinstitucionalização. A mudança de referência axiológica dos membros da família, por conta das influências socioculturais dos tempos, tornaram a família um grupamento centrado em interesses promotores da per-sonalidade e da sua realização; pende como um metrônomo entre um núcleo hedonístico de realizações puramente pessoais para um núcleo afetivo, em bus-ca do equilíbrio e da dignidade humana, estes bem mais aceitáveis que os pri-meiros. É o que observam os sociólogos e estudiosos de nosso tempo1.

E também a communis opinio, no Direito, observa que a concepção uni-camente moral da família e a tese de sua então perene sustentabilidade econô-mica foram por terra no século que passou, dando lugar ao conceito de família- -sentimento ou família-fator afetivo de equilíbrio, aspectos não tão acentuados na filosofia da sua estruturação jurídica ao tempo do Código Napoleônico ou do Código de 1916, entre nós. E, se antes se esperava do legislador a proteção do grupo familiar, hoje mais se espera na proteção do indivíduo, da pessoa do membro formador de uma família ou pertencente a um grupo familiar2. E mais

1 Conferir a análise das mudanças dos paradigmas culturais ao longo do estágio atual de nosso processo civilizatório – OSÓRIO, Luiz Carlos. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 45; e, ainda, o conceito de famílias informais – “privatização da família”, contrastando com o antigo conceito de famílias fortes – PROST, Antoine. Fronteiras e espaços do privado. In: História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 61.

2 ARNAUD, André-Jean. O direito entre a modernidade e a globalização – Lições de filosofia do direito e do estado. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 87.

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Parte Geral – Doutrina

Aspectos Polêmicos da Guarda Compartilhada

WALDYR GRISARD FILHOMestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Professor da Faculdade de Direito de Curitiba – UniCuritiba, Membro da CEJA/PR, Vice-Presidente do IBDFam/PR, Advogado em Curitiba.

As questões mais difíceis de todo o Direito de Família são, sem dúvida, as questões relativas à guarda de filhos de pais que não convivem. Até recente-mente, de forma percentualmente elevada e sistemática, diria quase mecânica, os filhos de pais separados submetiam-se à guarda exclusiva de um dos pais – em especial à mãe – ou alternadamente conviviam um espaço de tempo, mais ou menos igual, com um e outro dos pais. No primeiro modelo, o pai que não tivesse os filhos em sua companhia e guarda exercia o chamado direito de visitas, hoje convivência, um exercício lateral da autoridade parental. No outro, ao final de cada período, os papéis se invertiam. Em qualquer deles, porém, competia ao pai pagar os alimentos.

Esse sistema sofreu críticas, enquanto baseado na culpa de um dos cônju-ges pelo rompimento do vínculo matrimonial. O culpado era privado do exercí-cio da guarda, tornando-se incapaz do exercício da paternidade. Hoje, porém, o contexto social evoluiu e provocou mudanças comportamentais de vulto. O divórcio, hoje, é uma etapa comum do ciclo vital do casal, aceito por todos com naturalidade. A culpa deixou de ser o elemento sancionador das desuniões e as separações não mais são requisitos à dissolução do vínculo matrimonial. A par e acima disso, a igualdade entre os cônjuges criou uma simetria de papéis, tornando impossível negar sua redistribuição. As mudanças de comportamento exigiram o estabelecimento de novos padrões de guarda, que assegurassem a igualdade dos pais no exercício da parentalidade e aos filhos o direito de serem criados e educados por ambos os pais em convivência familiar, ou seja, desen-volvida no interesse superior destes.

Assim, ao lado dos modelos tradicionais de guarda, surgiu o da guar-da compartilhada, que cumpre esses objetivos. Primeiramente, por inferência da doutrina e da jurisprudência e, recentemente, há pouco mais de dois anos, por determinação legal: a Lei nº 11.698/2008, na consagração dos princípios constitucionais da igualdade dos cônjuges ou companheiros em direitos e deve-res no exercício conjunto da autoridade parental, da paternidade responsável, do planejamento familiar, da convivência familiar e comunitária, sobretudo do melhor interesse da criança e do adolescente. Novidade que já foi distante da cultura nacional, mais vivenciada no presente, cobra dos operadores do Direito

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Parte Geral – Doutrina

Alimentos

ÊNIO SANTARELLI ZULIANIDesembargador da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

SUMÁRIO: 1 Introdução: conceito e espécies; 2 Renúncia (artigo 1.707 do CC); 3 Transmissibilidade; 4 Alimentos ao nascituro; 5 Cessação do dever de prestar alimentos por comportamento indigno do alimentado; 6 Alimentos que são pleiteados dos avós; 7 Os alimentos e o dever de prestar contas; 8 A compensação é possível?; 9 A tutela antecipada aos alimentos provisórios na investigação de paternidade; Referências.

1 INTRODUÇÃO: CONCEITO E ESPÉCIESAdriano de Cupis afirmou que o direito alimentar serve para a conserva-

ção da vida1. A Constituição Federal fez constar do art. 229: “Os pais têm o de-ver de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Soa ilógica a regulamentação jurídica para que, entre parentes ou consortes, seja prestada assistência material aos indigentes incapazes de obterem a autonomia financei-ra, porque o ideal seria que essa obrigação fosse cumprida espontaneamente, por estímulo da solidariedade e da fraternidade entre os homens. No entanto, por insensibilidade ou sovinice daqueles que são provedores por decisão do destino, a lei se viu obrigada a impor regras, inclusive sancionar o devedor que não paga com prisão civil (art. 5º, LXVII, da CF e art. 733, § 1º, do CPC), a fim de evitar que se concretize a degradação moral da miséria humana. O prestar alimentos, sinal concreto do amor, transforma-se, em milhares de famílias, no salva-vidas disputado na Justiça.

Na linguagem jurídica, há um conceito próprio de alimentos, o qual não informa, obviamente, algo comestível que se consome para acalmar a fome e fortalecer o organismo para os momentos seguintes. A expressão “alimentos”, na literatura forense, consiste em um universo de valores que qualificam uma prestação entre credor e devedor, cifrando uma total necessidade de provisão humana, a qual se encaixa no âmbito da possibilidade econômica do prestador (art. 1.694, § 1º, do Código Civil). Na clássica definição de Edgar de Moura Bittencourt2, seria a “relação que obriga uma pessoa a prestar a outra o neces-sário para sua manutenção e, quando o credor for menor, também o necessário

1 Os direitos da personalidade, p. 67.

2 Alimentos, p. 9.

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Parte Geral – Doutrina

Elementos Acidentais Que Limitam a Eficácia das Disposições Testamentárias

RODRIGO SANTOS NEVESMestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes, Professor da UVV/ES, Professor da Escola Superior da Advocacia do Espírito Santo, Advogado no Espírito Santo.

RESUMO: O presente artigo é fruto da investigação relativa aos elementos acidentais do negócio jurí-dico e sua aplicação nos testamentos. Questões como a possibilidade ou não da utilização de condição resolutiva em testamento e seus eventuais efeitos, bem como a aplicação da teoria da retroatividade ou não sobre os efeitos das condições, além do estudo da utilização do encargo e a possibilidade da revogação da cláusula testamentária em caso de sua inexecução, foram objeto este estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Testamento; condição; termo; encargo.

ABSTRACT: This article is the result of research on accidental elements of the juristic act and its ap-plication in the will. Issues such as whether or not the use of condition subsequent in a will and its possible effects, and the application of the theory of retroactivity or not on the effects of conditions beyond the study of the use of burden and the possibility of revocation of testamentary clause in case were the object of his failure to perform this study.

KEYWORDS: Will; condition; term; burden.

SUMÁRIO: 1 Colocação do tema; 2 Condição; 2.1 Noção; 2.2 Classificação das condições; 2.3 Via-bilidade da instituição de herdeiros sob condição; 2.4 Efeitos da condição no testamento; 2.5 A administração dos bens sujeitos à condição suspensiva; 2.6 Condições lícitas e ilícitas; 3 Termo; 3.1 Noção; 3.2 Utilização do termo em testamento; 4 Encargo; 4.1 Noção e distinção com outras figuras; 4.2 A (im)possibilidade de revogação por descumprimento do encargo; 4.3 Encargos ilícitos ou impossíveis; Considerações finais; Referências.

1 COLOCAÇÃO DO TEMAOs negócios jurídicos, em geral, desde concluídos, produzem seus efei-

tos jurídicos a partir de sua celebração, ao menos em regra. No entanto, podem ser inseridas algumas cláusulas no referido negócio, que limitam a eficácia, ou seja, a produção de efeitos do negócio jurídico. Como o testamento é um ne-gócio jurídico, ele está sujeito às mesmas cláusulas limitativas de eficácias, as quais são a condição, o encargo e o termo.

O presente trabalho aborda esses elementos acidentais do negócio jurídi-co aplicados ao testamento, declaração de última vontade, que somente produz efeitos após a morte do declarante.

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Parte Geral – Doutrina

Autonomia Privada e Internação Não Consentida*

TAISA MARIA MACENA DE LIMADoutora e Mestra em Direito Civil pela UFMG, Professora dos Programas de Graduação e Pós- -Graduação Stricto Sensu em Direito na PUC-Minas, Juíza do Trabalho, Ex-bolsista do DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico.

MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁDoutora em Direito pela UFMG e Mestra em Direito pela PUC-Minas, Professora dos Progra-mas de Graduação e Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu em Direito na PUC-Minas, Coordena-dora do Curso de Especialização em Direito Civil do IEC, Pesquisadora do CEBID.

SUMÁRIO: 1 Panorama geral: ontem e hoje; 2 Internação em casos de doenças contagiosas; 3 Inter-nação em casos de transtornos mentais; Notas conclusivas; Referências.

INTERNAÇÃO

Ele entrava em surto

E o pai o levava de

carro para

a clínica

ali no Humaitá numa

tarde atravessada

de brisas e falou

(depois de meses

trancado no

fundo escuro de

sua alma)

pai,

o vento no rosto

é sonho, sabia? (Ferreira Gullar)

1 PANORAMA GERAL: ONTEM E HOJEEste artigo será dividido em duas abordagens distintas. A primeira delas

tratará das repercussões jurídicas em relação à internação compulsória em ca-sos de doenças contagiosas. Na segunda parte, nossa atenção se voltará para os casos de internação de pacientes com transtornos mentais.

* Agradecimento especial ao Dr. Fábio Lopes Rocha.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Da Sucessão do Companheiro. O Polêmico Artigo 1.790 do Código Civil e Suas Controvérsias Principais*

FLÁVIO TARTUCEDoutorando em Direito Civil pela USP, Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP, Profes-sor da EPD e do Curso FMB, Advogado, Consultor Jurídico em São Paulo.

Um dos dispositivos mais criticados e comentados da atual codificação privada é o relativo à sucessão do companheiro, merecendo destaque especial para os devidos aprofundamentos:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas con-dições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Já de início, a norma está mal colocada, introduzida entre as disposições gerais do direito das sucessões. Isso se deu pelo fato de o tratamento relativo à união estável ter sido incluído no CC/2002 nos últimos momentos de sua elaboração. Pelo mesmo fato, o companheiro não consta da ordem de vocação hereditária, sendo tratado como um herdeiro especial.

Pois bem, como primeira premissa para o reconhecimento do direito su-cessório do companheiro ou companheira, o caput do comando enuncia que somente haverá direitos em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a união. Desse modo, comunicam-se os bens havidos pelo trabalho de um ou de ambos durante a existência da união estável, excluindo-se bens recebidos a título gratuito, por doação ou sucessão. Deve ficar claro que a norma não está tratando de meação, mas de sucessão ou herança, independentemente do re-gime de bens adotado. Por isso, em regra, pode-se afirmar que o companheiro é meeiro e herdeiro, eis que, no silêncio da partes, vale para a união estável o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC).

* À Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Pela titularidade.

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Seção Especial – Com a Palavra, o Procurador

Do Conceito de Grupo Familiar para o Fim de Concessão do Benefício Assistencial

JOSÉ ALDÍZIO PEREIRA JÚNIORProcurador Federal do INSS, Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário e Finanças Públicas.

RESUMO: O benefício assistencial constitui importante instrumento de distribuição de renda e jus-tiça social em nosso País, servindo para garantir, ainda que rasteiramente, a dignidade da pessoa humana, consoante a vontade da Constituição Federal. Entretanto, a concessão indiscriminada desse amparo, ou seja, fora dos limites legais e regulamentares, sem dúvida, compromete a sobrevivência e a higidez de todo sistema previdenciário, ainda que essa assistência não tenha natureza securitária, uma vez que os seus beneficiários não são contribuintes do Regime Geral de Previdência. Assim, na rotina forense, não é raro nos defrontarmos com decisões do Poder Judiciário nas quais o Magistrado amplia indevidamente a concessão do amparo, apelidado de “LOAS”, não se atendo rigorosamente aos requisitos legais de regência. No presente trabalho, examinar-se-á um detalhe que, ainda que absolutamente relevante, parece, muitas vezes, passar despercebido pelo julgador quando da análise dos requisitos legais: o conceito do grupo familiar, previsto no art. 20 da Lei nº 8.742.

PALAVRAS-CHAVE: Loas; grupo familiar; conceito.

CONCEITO DE GRUPO FAMILIAR NO BENEFÍCIO ASSISTENCIALO benefício assistencial previsto no inciso V do art. 203 da Constituição

Federal é dirigido à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso que com-provar não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

Com efeito, para a concessão de tal benefício assistencial, é necessário que o interessado, cumulativamente, comprove as seguintes condições: a) ser portador de deficiência física ou mental que o incapacite para a vida indepen-dente e para o trabalho, ou idade avançada (65 anos); e b) renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário-mínimo.

De imediato, percebe-se que a renda é um dos requisitos indispensáveis à concessão do benefício em comento, afinal, trata-se de assistência social, que se destina a manter, minimamente, a dignidade humana dos seus destinatários. Ou seja, para fins de atendimento das exigências legais, a renda per capita do grupo familiar, este composto nos termos do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, não pode ser superior a ¼ do salário mínimo. Vale dizer, o critério legal é objetivo, ou seja, uma vez constatada a percepção de renda inferior a ¼ do salário-míni-

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