Revista Reformador de Outubro de 2004

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Allan Kardec – Juvanir Borges de Souza 5 Allan Kardec e César – dois gigantes da Humanidade – 8 Vianna de Carvalho Kardec no século XIX – Amaral Ornellas 9 Nos passos de Kardec – Antonio Cesar Perri de Carvalho 10 Uso e abuso – André Luiz 16 Amélie-Gabrielle Boudet 18

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R e v i s t a d e E s p i r i t i s m o C r i s t ã oAno 122 / Outubro, 2004 / No 2.107

Fundada em 21 de janeiro de 1883

Fundador: Augusto Elias da Silva

ISSN 1413-1749Propriedade e orientação daFederação Espírita Brasileira

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Capa: Luis Hu Rivas e Alessandro Figueredo

Tema da Capa: ALLAN KARDEC – o Codificador doEspiritismo – é o tema desta Edição Especial,comemorativa do Bicentenário de Allan Kardec.

EDITORIAL 4A missão e o missionário

ENTREVISTA: LUCIANO KLEIN FILHO 13

Relações entre pioneiros espíritas brasileiros e franceses

PRESENÇA DE CHICO XAVIER 17

Jesus e Kardec – Emmanuel

ESFLORANDO O EVANGELHO 21Espiritismo na fé – Emmanuel

REFORMADOR DE ONTEM 29Allan Kardec – Apóstolo dos tempos modernos –

Hubert Forestier

A FEB E O ESPERANTO 38

Palavra do Presidente da FEB aos esperantistas –

Nestor João Masotti

Allan Kardec – Juvanir Borges de Souza 5Allan Kardec e César – dois gigantes da Humanidade – 8

Vianna de CarvalhoKardec no século XIX – Amaral Ornellas 9Nos passos de Kardec – Antonio Cesar Perri de Carvalho 10Uso e abuso – André Luiz 16Amélie-Gabrielle Boudet 18

O semeador de esperança – M. Ângela Coelho Mirault 22Conselho Espírita Internacional – 24

Reunião Ordinária em Paris

Kardec e sua visão do futuro – José Passini 25

Doutrina Espírita – Allan Kardec 28A Nova Era – Fénelon 31

Allan Kardec e seu Guia Espiritual – Severino Barbosa 32Se semeias – Francisco Malhão 33Na casa da Sra. Plainemaison – Adilton Pugliese 34

Início do Espiritismo em São Paulo – 36

Washington Luiz Nogueira Fernandes

Humanizemos Kardec – Cezar Braga Said 39

4o Congresso Espírita Mundial – Dedicado ao 41

Bicentenário de Allan Kardec

Kardec, obrigado! – Irmão X 42

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Quando o Prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail presenciou, pela primeira vez, em maio de 1855, na ca-sa da Sra. Plainemaison, os fenômenos das mesas girantes e de escrita mediúnica numa ardósia, sentiua seriedade do assunto e, depois, passando a freqüentar as reuniões semanais na residência da família

Baudin, começou a estudá-los com critério científico, aplicando-lhes o método experimental.

“Compreendi, antes de tudo – afirma em suas memórias –, a gravidade da exploração que ia empreen-der; percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do fu-turo da Humanidade, a solução que eu procurava em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revoluçãonas idéias e nas crenças (...).”1

O Prof. Rivail questionou os Espíritos, através da mediunidade das Srtas. Baudin, acerca dos proble-mas relacionados com a Filosofia, a Psicologia e o mundo espiritual, e quando o material reunido “constituíaum todo e ganhava as proporções de uma doutrina”, teve “a idéia de publicar os ensinos recebidos, para instru-ção de toda a gente”.2 Desconhecia, contudo, a dimensão e o significado do trabalho que vinha executando.

Somente em abril de 1856 – cerca de um ano após o início de suas experiências –, quando freqüen-tava, também, as reuniões na casa do Sr. Roustan e da médium sonâmbula Srta. Japhet, foi-lhe feita a primei-ra revelação de sua missão, ratificada, dias depois, pelo Espírito Hahnemann.

O Espírito Verdade confirma-lhe a missão, em 12 de junho de 1856, fala-lhe do seu significado e aler-ta-o sobre os percalços que enfrentará: “(...) a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previ-no-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que tebaste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranqüilamente em casa. Tens que ex-por a tua pessoa.”3

O Prof. Rivail não vacila diante do quadro de dificuldades, perseguições, calúnias, traições, de que seráalvo; aceita sem titubear a missão que lhe é confiada e se entrega humildemente à oração: “Senhor! pois quete dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade! Está nastuas mãos a minha vida; dispõe do teu servo.”4

É assim que o ilustre cidadão e emérito educador Prof. Rivail sai de cena, emergindo a figura notável deAllan Kardec, Codificador da Doutrina Espírita – o Consolador prometido por Jesus.

No Bicentenário de Nascimento de Allan Kardec – discípulo e missionário do Cristo –, Reformador,com esta Edição Especial, associa-se às homenagens que lhe são prestadas em todo o mundo.1KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 34. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2004, p. 268.2Idem, ibidem, p. 270.3Idem, ibidem, p. 282.4Idem, ibidem, p. 283.

EditorialA missão e o missionário

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Nas comemorações do Bicente-nário de Nascimento de Hip-polyte Léon Denizard Rivail,

que se tornou conhecido pelo pseu-dônimo de Allan Kardec, empe-nham-se as organizações e os movi-mentos espiritistas de todo o mun-do.

É natural que, dentro das con-venções humanas de tempo, de da-tas e calendários, sejam relembradosos vultos e personalidades que sedistinguiram por realizações de ex-traordinária importância.

Memorizar Allan Kardec éuma forma de agradecimento, degratidão, a um missionário de ex-cepcional mérito, que se distinguiupela intermediação entre a Espiri-tualidade Superior e a Humanida-de, carente de conhecimentos e deaperfeiçoamento moral.

O gênero humano, como,aliás, toda a criação de Deus, su-bordina-se às leis divinas, entre asquais a do progresso.

A evolução humana se faz pe-las individualidades que pouco apouco se instruem e se moralizam,usando o próprio esforço, vontadee livre-arbítrio.

Mas, examinando-se a históriado homem, verificamos que, detempos em tempos, surgem no seioda Humanidade homens de gênio,verdadeiros missionários do Cristo

de Deus, que lhe impulsionam oprogresso com o conhecimento decoisas novas, parcelas da grandeVerdade.

Allan Kardec é o último dessesgrandes enviados.

Renascendo no inicio do sécu-lo XIX, a 3 de outubro de 1804,podemos hoje perceber, à luz daDoutrina Espírita e de revelaçõesadvindas da Espiritualidade Supe-rior, que a reencarnação do missio-nário obedeceu a um PlanejamentoSuperior, tendo em vista o cumpri-mento da promessa do Cristo deenviar à Terra outro Consolador,explícito no Evangelho de João,14:1-17 e 26.

Mas, outras razões somaram-seàquela, correlacionando a novelDoutrina dos Espíritos com a épo-ca em que foi formulada, para co-nhecimento dos homens, pelo seuCodificador.

Não foi por mero acaso que oEspiritismo, como doutrina abran-gente e esclarecedora, nos campos

da filosofia, da ciência, da religião,da moral, da educação, aparece nosmeados do século XIX.

Esse século se caracterizou pe-lo surgimento de doutrinas mate-rialistas novas e pelo ressurgimentode outras antigas com novas roupa-gens, todas influenciando podero-samente as concepções humanas davida, as instituições, a organizaçãosocial, as ciências, os usos e cos-tumes.

Essas doutrinas – o positivis-mo, de A. Comte, o materialismohistórico-dialético, de Karl Marx, outilitarismo, de Bentam e StuartMill –, não só inspiram e sugeremformas de vida nitidamente mate-rialistas, instigando o prazer a qual-quer custo e a preocupação com o“homem econômico”, mas indu-zem ao esquecimento do Espírito, averdadeira essência imortal, e nãocogitando da vida futura.

As religiões tradicionais, comseus desvios e dogmas impróprios,viram-se impotentes para conter aonda materialista, que se tornoupoderosa a partir dos meados do sé-culo XIX e se estendeu por todo oséculo XX.

Justamente no período em queapareciam e se expandiam as dou-trinas materialistas no mundo é queo Consolador é enviado pelo Cris-to. Torna-se evidente que esse fato,essa coincidência, não se devem asimples acaso.

Se, por um lado, o materialis-mo multifário espalhava-se e en-raizava-se por toda parte, favoreci-

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Allan KardecJuvanir Borges de Souza

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do inclusive pela conquista da liber-dade, a partir dos fins do séculoXVIII, por outro lado, a fenomeno-logia espírita fazia-se presente, naAmérica e na Europa, chamando aatenção para fatos inusitados, insis-tentes, que reclamavam uma expli-cação plausível.

As mesas girantes e falantes,manifestações inicialmente inexpli-cáveis, testemunhadas por milharesde pessoas nos Estados Unidos enos salões de divertimentos da Eu-ropa, foram fenômenos provocadospela Espiritualidade, especialmentepara despertar a atenção dos ho-mens, na primeira metade do sécu-lo XIX, num planejamento perfeitopara demonstrar a existência domundo espiritual e sua presençaconstante no mundo das formas.

No entendimento do povo, afenomenologia espírita foi, inicial-mente, tomada como simples en-tretenimento e distração, para uns;para outros, eram trapaças.

Mas em breve, muitas persona-lidades notáveis, muitos estudiosose homens de ciência, na Europa ena América, voltaram-se para o es-tudo dos fenômenos, chegando aconclusões diversas.

A Espiritualidade Superior, en-tretanto, atingira sua primeira me-ta, qual a de despertar a atenção ge-ral para a existência e presença domundo espiritual, atuando na esfe-ra material da vida neste planeta.

Constatada a causa dos fenô-menos, mesmo por uma minoriada população humana, os Espíritosa serviço da Governança do orbeterrestre iniciaram a segunda etapada planificação: a explicação segu-ra, racional, da fenomenologia espi-ritual, que sempre existiu, mas que,na oportunidade escolhida pelo Al-

to, seria a base para a grande Reve-lação de que carecia a Humanidade.

É dentro dessas circunstânciasque, a partir de 1855, começa a ob-servar a fenomenologia um servidorlúcido e dedicado do Cristo, prati-cante do magnetismo, educadoremérito formado na escola de Pes-talozzi, a mais adiantada da época –H. L. D. Rivail, que ficaria conhe-cido mundialmente pelo pseudôni-mo Allan Kardec.

...

A vida e a obra de Allan Kar-dec já foram objeto de estudosbiográficos diversos, dentre os quaisos de Henri Sausse, André Mo-reil, Anna Blackwell e a meticulosapesquisa biobibliográfica de ZêusWantuil e Francisco Thiesen.

Nosso propósito, pois, de ho-menagear o sistematizador da Dou-trina Espírita, na oportunidade dascomemorações do Bicentenário deseu Nascimento, terá por objeto es-pecialmente o que realizou na se-gunda fase de sua existência na Ter-ra, quando se ocupou da “obra deminha vida”, como ele mesmo a elase referiu.

Se considerarmos, por um la-do, que a Nova Revelação, a Dou-trina dos Espíritos, trouxe à Huma-nidade muitos conhecimentos no-vos a respeito do homem, da vidaatual e futura, das leis de Deus e daGovernança da Terra por Aqueleque é “uno com o Pai” – o Cristo;e ao constatarmos, por outro lado,que essa Doutrina Consoladora re-tifica muitos enganos das religiões,das escolas filosóficas e das ciências,sob a influência de dogmas impró-prios, de superstições e do materia-lismo, chegamos à conclusão lógica

que a Doutrina Espírita, profunda-mente esclarecedora, sobressai-secomo conjunto de princípios queservem de base a um novo processode educação intelecto-moral para aHumanidade.

Educação, em sentido amplo,lato, extensivo, compreende conhe-cimento e moralização.

Por isso o Espírito de Verdaderecomendou sinteticamente: “Espíri-tas! amai-vos, este o primeiro ensina-mento; instruí-vos, este o segundo.”

As Revelações ocuparam-se doAmor como mandamento para to-das as criaturas que se iniciam nocarreiro evolutivo.

Jesus ressalta o amor a Deus,e ao próximo como a si mes-mo, como a primeira regra da LeiMaior.

Todas as normas morais doCristo estão incorporadas na Dou-trina dos Espíritos. Os Evangelhos,entendidos em espírito e verdade,constituem a parte moral do Espi-ritismo.

Já os conhecimentos, de váriasprocedências, também se incorpo-ram à Doutrina, desde que ver-dadeiros. Mas esses conhecimentosnão se limitam ao campo material,como pretendem as ciências mate-rialistas. Também devem ser pes-quisados, admitidos e reunidos nocorpo doutrinário os conhecimen-tos referentes ao espírito, o outroelemento do Universo.

Comprovada a superação dequalquer princípio doutrinário, oEspiritismo, que tem caráter pro-gressivo, aceita o que for correto.Seu compromisso é com a Verdade,que se vai revelando aos homens namedida de sua evolução.

O Cristianismo puro, consti-tuído pelos ensinos morais do Cris-

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to, somado às revelações novas dosEspíritos a serviço do Mestre, cons-tantes do outro Consolador, for-mam um Conjunto EducacionalSuperior, destinado a guiar os ho-mens despertos a trabalharem naconstrução de um Mundo Rege-nerado.

Para nós, espíritas, o renasci-mento de H. L. D. Rivail no iníciodo século XIX, e a sua preparaçãocomo educador emérito, não ocor-reram por acaso.

O missionário da Terceira Re-velação, “um dos mais lúcidosdiscípulos do Cristo”, no entendi-mento de Emmanuel, além de suaconsiderável bagagem adquirida emdiversas reencarnações anteriores,aperfeiçoada na vida espiritual, te-ve o ensejo de dedicar-se inteira-mente aos assuntos educacionais,seja como discípulo do maior edu-cador da época – Pestalozzi – sejacomo educador dedicado, por mui-tos anos.

Assim, o estudioso dos fenôme-nos das mesas girantes, a partir de1855, e das comunicações sérias domundo espiritual através da mediu-nidade, que se fizeram cada vez maispresentes e complexas, não teve di-ficuldades maiores na tarefa ingentede reconhecer a interligação entre osdois mundos – o visível, material, eo invisível, imaterial, espiritual.

Ao contrário das afirmaçõesdas correntes materialistas, as co-municações inteligentes mostravama presença e a atuação de seres inte-ligentes invisíveis, comprovando aexistência do outro elemento doUniverso, além da matéria – o es-pírito.

Em breve o missionário estavade posse de manifestações de teorelevado, moral e intelectualmente,

oriundas de planos superiores, de-monstrando e comprovando, obje-tivamente, a existência dos mundosespirituais.

Ao educador coube a tarefa di-fícil de separar o bom, o bem, o be-lo, o instrutivo, o superior, contidosnas comunicações, do conteúdo in-ferior nelas existentes.

Surgiam, assim, através da sis-tematização e método próprios doeducador, as bases iniciais da novelDoutrina dos Espíritos, com a pu-blicação, em 18 de abril de 1857,da primeira edição de O Livro dosEspíritos.

Estava dado o passo inicial deuma nova doutrina, bela e esclare-cedora, graças à cooperação entre aEspiritualidade Superior, à frenteo Espírito de Verdade, e o planomaterial, representado pelo sistema-tizador, que utilizou o pseudônimoAllan Kardec, nome que recebeuem uma de suas encarnações na an-tiga Gália.

A partir de abril de 1857, mar-co inicial que assinala as fronteiras deuma Nova Era de conhecimentos es-pirituais, com fulcro na realidade dosfatos e nas leis divinas, os homenspassam a conhecer melhor a si mes-mos, dissipa-se o mistério da mortee entende-se, com muito maior pro-fundidade, os ensinos de Jesus emmuitas passagens evangélicas.

Era o Consolador prometidopelo Mestre que chegava, em socor-ro à Humanidade, às religiões, àsciências, colocando em evidênciaaspectos desconhecidos da eternaverdade.

A hora escolhida para o enviodo Consolador era de sombras e detransvios, provocados pelas doutri-nas materialistas. O Espiritismo éseu opositor natural.

Mas, àquele marco inicial se-guir-se-ia um vasto desdobramentoesclarecedor.

A própria obra básica – O Li-vro dos Espíritos, ampliado e desen-volvido pelos Espíritos Superioresem colaboração com o Codificador–, tornou-se definitiva em sua 2a

edição, publicada em março de1860.

Ao livro básico, síntese admirá-vel de uma doutrina extremamenteabrangente, seguir-se-iam outros,desdobramentos de partes de O Li-vro dos Espíritos.

Surgiram, assim, sucessivamen-te: O Livro dos Médiuns, O Evan-gelho segundo o Espiritismo, OCéu e o Inferno e A Gênese.

Mas o Codificador da Doutri-na não se limitava a receber e orde-nar as respostas dos Espíritos às per-guntas formuladas por ele sobre osmais diferentes assuntos. Emitiatambém suas observações e comen-tários em notas explicativas sobre asquestões em foco, numa atitude na-tural de educador seguro e expe-riente.

O resultado do trabalho sério,esclarecedor, oriundo da Espiri-tualidade Maior, conjugado à de-dicação total do discípulo lúcidodo Cristo, reencarnado especial-mente para o desempenho de umamissão extremamente difícil, foipositivo, enriquecedor para umaHumanidade carente de conheci-mentos espirituais e de uma féracional.

A Codificação Espírita, que sedeve ao missionário Allan Kardec,será sempre atual, em suas bases efundamentos, já que nela estão pre-vistos novos conhecimentos e novasrevelações, que lhe serão incorpora-dos, progressivamente.

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Ainda eram tumultuadosaqueles dias para Na-poleão Bonaparte.

Sucediam-se as insur-reições e os planospara tirar-lhe a vida.

Após haver as-sinado com o PapaPio VII a Concor-data com o Vatica-no, em 1801, elereuniu os advoga-dos mais eméritos eos jurisconsultos maisnotáveis do país, a fimde ser elaborado um Códi-go Civil que terminava com osprivilégios no país, fundando o es-tado social dos franceses.

Houvera assinado o tratado depaz de Amiens, em 1802, com a In-glaterra, sendo eleito cônsul por umperíodo de dez anos, o que foi alte-rado para o caráter de perpetuida-de, logo depois, em 1803.

Nada obstante, porque reinas-se a paz no continente europeu pe-la primeira vez desde a Revolução,foi descoberta uma trama dos jaco-binos interessados na sua morte, lo-go desbaratada. Os realistas já ha-viam tentado tirar-lhe a vida em1800, o que se repetiu em 1804,

quando Cadoudal formou um gru-po de sessenta adversários dispostosa roubar-lhe a existência física. Des-coberta a trama sórdida, o PRIMEI-RO-CÔNSUL prendeu alguns ini-

migos, exilou outros e conde-nou à morte o Duque

d’Enghien, que foi fuzi-lado.

Ante as sucessi-vas ameaças de mor-te, o Senado resol-veu conceder-lheum título heredi-tário, a fim de sal-var o Código Civil

e as Instituições re-publicanas, na mira

dos realistas, procla-mando-o Impe-

rador dos Fran-ceses, na condição

de Napoleão I, em1804. De imedia-to, um plebiscitoconfirmou essadecisão do Sena-do e, no dia 2 dedezembro, dessemesmo ano, na Igre-ja de Notre-Dame,com a presença doPapa Pio VII, que foraespecialmente convidadopara a solenidade, foi consa-grado com o mesmo ritual e pom-pa que foram utilizados em home-nagem a Carlos Magno, no pas-

sado, confirmando-o Imperadordos Franceses.

Portador de temperamento ar-rebatado e rebelde, no momento dacoroação, quebrando o protocolo,Napoleão tomou a coroa das mãosdo Papa, a quem detestava, e au-tocingiu-se, repetindo o gesto emrelação a Josefina, na condição deImperatriz.

Apesar de todas essas conjun-turas, pairava sobre a França umapsicosfera de harmonia e de espe-rança. Isto porque, nessa ocasião,dois meses antes da coroação doImperador, em Lyon, região dasGálias lugdunenses antigas, reen-carnava-se, no dia 3 de outubro domesmo ano de 1804, Hippolyte

Léon Denizard Rivail, oemissário de Jesus, para

a reconstrução da so-ciedade terrestre, ilu-minando-a e liber-tando-a da igno-rância com a men-sagem grandiosado Espiritismo.

Em épocasrecuadas, César e

Kardec estiveram namesma faina ter-

restre. O primeiro, quechegara às Gálias, alarga-

va então os horizontes do mun-do e submeteu-a à governança doImpério Romano, fazendo que alíngua latina adquirisse status de

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Allan Kardec e César – dois gigantes da Humanidade

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universalidade, com vistas à divul-gação futura do Evangelho de Jesus,sem que ele o soubesse... O segun-do, para preservar a crença na imor-talidade da alma, na Justiça Divinaentre os druidas, em cujo grupo re-nascera.

Novamente encontravam-se osdois missionários. César, como Na-poleão, conquistando a Europa, noseu sonho de um só Estado que de-veria ter por capital Paris, difundiua língua francesa, e Allan Kardec,renascido como Denizard Rivail,para expandir o pensamento de Je-sus através dos veículos nobres daCiência, da Filosofia e da ética--moral de conseqüências religiosas.

À medida que Denizard avan-çava na conquista do conhecimen-to, em Yverdon, na Suíça, com oinsigne mestre Pestalozzi, o Corso,fascinado pelo carro da guerra, pros-seguiu desencadeando intérminaslutas, sendo vencido pelos inimigos,mais de uma vez, retornado a Parise outra vez banido para Santa He-lena, onde desencarnou, abandona-do, no dia 5 de maio de 1821.

Enquanto se apagava a estrelado insigne guerreiro, vencido pelaprópria tirania, deixando, porém,imenso campo a joeirar, o Prof. De-nizard Rivail erguia-se como educa-dor emérito, oferecendo à França eaos países francófonos a pedagogialibertadora do seu preclaro educa-dor, preparando-se para a tarefamissionária que realizaria como Al-lan Kardec.

Ambos, Espíritos denodados evalorosos, cada qual em uma áreaespecífica de atividade humana, en-tregaram-se com abnegação ao mi-nistério, para o qual reencarnaram,sendo que um foi vencido pela pai-xão guerreira, enquanto o outro

conseguiu o triunfo como apóstoloda sabedoria e da paz.

Enquanto César trazia a tarefade apaziguar os povos, reunindo-osem uma só família, apesar da utili-zação cruel da guerra, Allan Kardecdesfraldava a bandeira da fraterni-dade para unir todos os homens emulheres sob o postulado FORA DACARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.

Ambos assinalaram uma épocana História da Humanidade, ca-bendo àquele que codificou o Espi-ritismo a gloriosa missão de encer-rar a jornada física, de maneiratriunfante, legando, à posteridade,o incomparável tesouro da Doutri-na Espírita.

Evocando-lhe o berço de luz,há duzentos anos, quando mergu-lhou nas sombras do corpo físico,para tornar-se o mensageiro doConsolador Prometido por Jesus,cumpre-nos, a todos nós, Espíritos--espíritas, agradecer-lhe a grandezamoral e a renúncia de apóstolo, pe-los benefícios de que nos fizemoslegatários, proclamando o nossojúbilo e a nossa gratidão insupe-rável.

Vianna de Carvalho

(Página psicografada pelo médium Dival-

do P. Franco, no Centro Espírita Cami-

nho da Redenção, no dia 8 de julho de

2004, em Salvador, Bahia.)

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Kardec no século XIXChora a Terra infeliz de peito aberto em chaga.A Dúvida, o Terror, a Guerra e a GuilhotinaInda espalham, gritando, a treva que dominaE o suor da aflição que tudo atinge e alaga...

Desvairada na sombra, a Razão desatina,Nega a Filosofia... a Ciência divaga...E a fé perde a visão como luz que se apaga,Entre a maldade humana e a bondade divina.

É a noite que se alonga ao temporal violento,É a loucura, a miséria e a dor do pensamentoE, em toda a parte, o mundo é pávida cratera!...

Mas Kardec é chamado ao torvelinho insanoE, revivendo a luz do Cristo Soberano,Acende no horizonte o Sol da Nova Era!...

Amaral Ornellas

(Alexandrinos recebidos por Francisco Cândido Xavier, na sessão solene realizadana sede da União Espírita Mineira, no dia 18 de abril de 1956, 99o aniversário deO Livro dos Espíritos. Inseridos no livro “Doutrina e Vida”.)

Fonte: CHICO XAVIER – Mandato de Amor. 4. ed., Belo Horizonte (MG): UniãoEspírita Mineira, 1997, p. 158.

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OBicentenário de Nascimentode Allan Kardec remete-nos avariadas reflexões, da natural

análise do significado das Obras Bá-sicas da Doutrina Espírita e de suainfluência sobre a sociedade brasi-leira, às rememorações históricas.

O fato de a capital francesa se-diar o 4o Congresso Espírita Mun-dial neste ano de 2004, como partedas comemorações da referida efe-méride, suscita a curiosidade peloconhecimento de locais relaciona-dos com a vida e a obra do Codifi-cador.

Os principais eventos ligados àatuação do professor Hippolyte

Léon Denizard Rivail nos momen-tos predecessores à Codificação e aoseu trabalho como Allan Kardecpodem ser recompostos em funçãode uma vista de olhos numa se-qüência cronológica pelos locaisconsiderados de valor histórico pa-ra os espíritas.

Torna-se válido o destaque deque nos encontramos na faixa dosesquicentenário de dois episódiossignificativos. No ano de 1854 oProf. Rivail ouviu falar pela primei-ra vez sobre as mesas girantes atra-vés do Sr. Fortier. No mês de maiode 1855, compareceu à residênciada sonâmbula Sra. Roger e, em se-guida, na residência da Sra. Plaine-maison.

O Prof. Rivail presenciou pelaprimeira vez os fenômenos das me-

sas girantes e de escrita mediúnicaem ardósia em reunião de experiên-cias sobre tais manifestações realiza-das na residência da Sra. Plainemai-son, na rue de la Grange-Batelière,18. Naqueles momentos conheceutambém a família Baudin e recebeuconvite para participar de outrasreuniões, quando começou a levarquestões aos Espíritos comunican-tes e teve a idéia de publicar os en-sinos recebidos.

Simultaneamente, durante oano de 1856, começou a freqüentaras reuniões na casa do Sr. Roustan,cuja médium era a senhorita Japhet,na rue Tiquetonne, 32. O Codifi-cador destaca em seu depoimentoem Obras Póstumas (2a Parte, p.270): “(...) Eram sérias essas reu-niões e se realizavam com ordem.”

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Nos passos de KardecAntonio Cesar Perri de Carvalho

Apartamento no 2o andar, fundos(Residência de Kardec) à rue des

Martyrs, 8

Rue de la Grange-Batelière –residência da Sra. Plainemaison

Rue Tiquetonne –residência do Sr. Roustan

e da médium senhorita Japhet

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Nestas reuniões recebeu a primei-ra revelação da missão que teria adesempenhar, pela médium Srta.Japhet. Ali também submeteu osoriginais de O Livro dos Espíritospara uma revisão com a Srta.Japhet. Posteriormente, o Prof. Ri-vail consultou outros médiuns.

A elaboração de O Livro dosEspíritos aconteceu em seu gabine-te de trabalho, em sua residência àrue des Martyrs, 8 (2o andar, fun-dos). O Codificador relata ruídosem seu gabinete, em certa noite, de-pois recebendo o esclarecimento deque a entidade espiritual Verdadechamava-lhe a atenção para umaincorreção no texto que elaborava.Nesta residência passou a recebervisitantes interessados em conhecero autor de O Livro dos Espíritos.No segundo semestre do ano de1857 passou a realizar reuniões àsterças-feiras, contando com a cola-boração da médium Srta. E. Du-faux e com a presença de até 30pessoas interessadas em conhecer anascente Doutrina Espírita.

O lançamento da obra inaugu-ral da Doutrina Espírita ocorreunas dependências do histórico Pa-lais Royal, a uma quadra curta do

Museu do Louvre. O tradicionalprédio foi erigido por partes em trêsséculos, principalmente por inte-grantes da família real Orléans, emárea que pertenceu ao Cardeal Ri-chelieu (vide Reformador, abril de2004, p. 35-36). No interior da his-tórica e portentosa galeria comercialPalais Royal existiu a E. Dentu, Li-braire no no 13 da Galerie d’Or-léans. Neste local Allan Kardec lan-çou O Livro dos Espíritos, numsábado pela manhã, a 18 de abril de1857. Na época, ali havia uma es-trutura de madeira cobrindo a área,com áreas envidraçadas. Nas depen-

dências do Palais Royal Allan Kar-dec fundou o primeiro centro espí-rita do mundo, a Sociedade Pari-siense de Estudos Espíritas, quefuncionava às terças-feiras em salaalugada, entre 1/4/1858 e 1/4/1859na Galeria Valois (lado direito doPalais), e, de 1/4/1859 a 1/4/1860em dependência do restauranteDouix, na Galeria Montpensier (la-do esquerdo do Palais).

A poucas quadras do PalaisRoyal encontra-se a rue SainteAnne. No número 59 desta rua, naPassage Sainte Anne, em aparta-mento no 2o andar, a Sociedade Pa-risiense de Estudos Espíritas passoua funcionar em local próprio a par-tir de 1/4/1860. Este local centrali-zou o trabalho do Codificador.Neste apartamento Kardec desen-carnou subitamente, em face dorompimento de um aneurisma, nodia 31/3/1869. No momento eletrabalhava, atendendo a um funcio-nário de livraria. De imediato foisocorrido por Alexandre Delanne,seu grande amigo e, praticamente,vizinho. A família Delanne residiaa poucos metros dali, na PassageChoiseul, perpendicular e em se-

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Ilustração da época com a cobertura envidraçada da Galerie D’Orléans do Palais Royal

Ilustração da época com Livraria Dentu na Galerie D’Orléans do Palais Royal

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qüência ao final da Passage SainteAnne. No térreo estão as lojas e nassobrelojas e 1o andar estão as resi-dências. Em entrevista a CanutoAbreu, Gabriel Delanne relata quese recorda de, então criança, fre-qüentar o apartamento do Codifi-cador: “Acariciava-me e, duma fei-ta, pondo-me ao joelho e abraçan-do-me pela cintura, profetizou queeu seria um sacerdote do Espiri-tismo. Não fui bem um ‘sacerdote’,mas tenho a presunção que fiz o pos-sível em minhas forças para servirà Doutrina, no setor que me coube.”

Um ano após a desencarnação,o corpo de Allan Kardec foi trans-ladado do Cemitério Montmartrepara o histórico Cimitière du Père--Lachaise, que possui tumbas deinúmeras personalidades destacadase de pioneiros espíritas comoPierre-Gaëtan Leymarie e GabrielDelanne. O dólmen druida foiinaugurado no dia 31/3/1870. Otúmulo está sempre com flores fres-cas e é constantemente visitado.Posteriormente, ali foi sepultada aviúva Amélie-Gabrielle Boudet. Emgeral, por pessoas místicas, de vários

países, que ali levam flores, fazem--se preces e algumas têm o hábitode tocar no ombro esquerdo dobusto de Kardec.

Durante uma visita recente aocitado cemitério, acompanhado deCláudia Bonmartin, conhecemos apessoa que voluntária e diariamen-te cuida dos túmulos de Kardec,Delanne e Leymarie. A Sra. Antoi-nette Bastide comentou que hámais de 20 anos, diariamente, lim-pa e troca as flores dos três túmulos.Conhece os livros de Kardec e cul-tiva este trabalho por gratidão aoconhecimento obtido no Espiritis-mo. Relatou que dá seqüência aidêntico trabalho, feito por uma se-nhora durante quase 30 anos, já de-sencarnada, e que se consideravabeneficiada por uma cura.

As homenagens ao Codificadorocorrem com o desenvolvimentodo programa do 4o Congresso Es-pírita Mundial, nas dependênciasda Maison de la Mutualité, situa-da na rue Saint-Victor, 24, mar-gem esquerda do rio Sena, proximi-dades da Catedral Notre-Dame, daSorbonne e do local onde trabalhouPierre-Gaëtan Leymarie, em sua Li-vraria na rue Saint-Jacques, 42.Leymarie residiu em apartamentoquase em frente à livraria.

Esse roteiro pelos locais consi-derados históricos para os espíritas

não deve ser confundido como cul-to ao passado e aos desencarnados.Trata-se de valorização à memóriado Espiritismo e do reconhecimen-to de que o melhor culto é o “dosesforços que empregais por seguiros bons exemplos que vos deram”(O Livro dos Espíritos, questão206). Daí a oportunidade dos estu-dos e reflexões sobre o tema centraldo Congresso do Bicentenário: “Al-lan Kardec – Edificador de umaNova Era para a Regeneração daHumanidade”.

BIBLIOGRAFIA:

AUDI, E. Vida e obra de Allan Kardec. Niterói:

Lachâtre, 1999.

ABREU, Canuto. “Gabriel Delanne”. Revista

da Sociedade Metapsíquica de São Paulo, v. 1.,

p. 28-31, 1936.

KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro:

Federação Espírita Brasileira, 2004.

Pérouse de Montclos, J. M. Paris. City of Art.

(Trad. A-P-E International). New York: The

Vendome Press, Chapter X, 2003.

WANTUIL, Z.; Thiesen, F. Allan Kardec. Vo-

lumes II e III. Rio de Janeiro: Federação Espí-

rita Brasileira, 1980 e 1988.

12 Reformador/Outubro 2004370

Sede da S. P. E. E. e local dadesencarnação de Kardec

Túmulo de Kardec e da esposa

Túmulo de Pierre-Gaëtan Leymarie

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P. – Como iniciou suas pesqui-sas sobre a história do Espiritismo?

LK – Iniciamos há dez anos,quando encontramos, na Bibliote-ca Pública Menezes Pimentel, deFortaleza, uma série de artigos daautoria do tribuno cearense Viannade Carvalho, escritos quase diaria-mente, nos idos de 1910 e 1911,em periódicos locais. Ficamos imen-samente impressionados com suacoragem e seu acendrado amor àCausa Espírita. Numa sociedade ul-tramontana, conservadora por ex-celência, Vianna não se intimidoue encetou uma campanha para di-vulgar os postulados espíritas atra-vés da palavra falada e escrita. Emconseqüência de seu trabalho profí-cuo foi fundado, em 1910, o Cen-tro Espírita Cearense. Em face daadmiração que passamos a ter pelotribuno conterrâneo, considerado aglória da oratória espírita de suaépoca, escrevemos três livros sobreele. Desde então não mais paramosde pesquisar sobre os fatos e feitosdos grandes baluartes do nosso Mo-vimento, de forma especial aquelesque, infelizmente, ficaram relegadosao esquecimento.

P. – Você dispõe de algumas

informações inéditas sobre o Espi-ritismo no Brasil?

LK – Em seu livro Os Intelec-tuais e o Espiritismo, publicado pe-la Editora Lachâtre, o jornalistaUbiratan Machado revela aspectosimportantes do Movimento Espíri-ta no Brasil do século XIX. Ao des-crever as experiências mediúnicasrealizadas por Manoel de AraújoPorto Alegre, mais tarde Barão deSanto Ângelo, o autor mencionaque, em 1863, Allan Kardec teriaenviado a Porto Alegre um númeroda Revue Spirite. Afirma que Araú-jo Porto Alegre, diplomata, exercen-do o cargo de Cônsul do Brasil na

Prússia e Saxônia, pode ter sidoapresentado a Allan Kardec, atravésde um brasileiro chamado Borja,então residente em Paris, resultan-do daí o interesse do futuro Barãopelo Espiritismo. Ubiratan não en-controu nenhuma informação so-bre esse brasileiro. Divulga, entre-tanto, trecho de uma carta deBorja, datada de 31 de janeiro de1863, dirigida a Gonçalves Dias, ogrande poeta maranhense, na qualcomenta: “(...) Na segunda-feira dasemana passada remeti ao PortoAlegre os livros que me encomen-dou; não sei se já chegaram, bemcomo um número da Revista, queo Allan Kardec informou-me terenviado no princípio deste mês.”

P. – Então você descobriu fa-tos relacionando brasileiros com oCodificador?

LK – Sim, diante dessa curiosacarta a que nos referimos, dispuse-mo-nos a tentar descobrir alguma in-formação sobre esse misterioso per-sonagem, conhecido apenas comoBorja, que tivera o ensejo de conhe-cer o Codificador e privar, quem sa-be, de sua amizade. As dificuldadesforam muitas, pois os dados eram in-suficientes. Mas, recentemente, des-

371

Relações entre pioneiros espíritas brasileiros e franceses

O ano do Bicentenário de Allan Kardec enseja reflexões históricas. O historiador cearenseLuciano Klein Filho dedica-se às pesquisas no Movimento Espírita, tem encontrado dados e fatos

interessantes sobre vultos espíritas brasileiros, e também relações entre pioneiros espíritasbrasileiros e franceses

ENTREVISTA: LUCIANO KLEIN FILHO

Luciano Klein FilhoPalestra na C. R. Nordeste

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14 Reformador/Outubro 2004

vendamos, “acidentalmente”, esseenigma. Pesquisávamos na bibliote-ca do Colégio Militar de Fortaleza,onde lecionamos, sobre a ComissãoCientífica de Exploração do Impérioque esteve no Ceará entre 1859 e oinício da década de sessenta do sécu-lo retrasado. Quando folheávamosum velho livro, coletânea das corres-pondências dirigidas ao Senador To-maz Pompeu, uma das grandes ex-pressões da cultura cearense, encon-tramos cinco cartas remetidas a elepor alguém chamado Borja. EsseBorja esteve no Ceará estudando seuclima e sua geografia, entre 1859 e1860, como membro da aludida Co-missão Científica, tornando-se ami-go do Senador, também cientista.Numa de suas cartas enviada de Pa-ris, esse Borja fala, para nossa estupe-fação, da amizade que nutria porManoel de Araújo Porto Alegre eGonçalves Dias. Descreve, ainda, osencantos de uma das filhas do Diplo-mata, então residente em Dresden, eda ousadia que teve em pedir-lhe amão em casamento. Os detalhes dasdemais missivas eram contundentese suficientes para dirimir qualquerdúvida de que se tratava do brasilei-ro que conheceu Kardec.

Diante desta novidade saímosa campo a fim de colher subsídiospara compor sua biografia, que pre-tendemos, em breve, publicar. Po-demos, todavia, adiantar que seunome completo era Agostinho Vic-tor de Borja Castro. Assinava suascartas usando o nome Victor deBorja ou somente Borja. Foi profes-sor da Escola Politécnica do Rio deJaneiro a partir de 1872. Integrou,juntamente com Gonçalves Dias eGiacomo Raja Gabaglia, de quemera adjunto, a Comissão Científicade Exploração. Viajou com Gonçal-

ves Dias a Paris, com o objetivo decomprar instrumentos para equi-par a Comissão. Desencarnou, em1893, na capital francesa.

P. – Poderia detalhar sobre asreuniões mediúnicas que precede-ram ou foram simultâneas à obrade Kardec?

LK – Em nossas pesquisas de-paramo-nos com uma anotação deLeopoldo Machado, constante doseu livro A Caravana da Fraterni-dade, na qual ele faz menção a umregistro de seu xará Leopoldo Cir-ne, ex-presidente da FEB, em queeste afirma ser a terra de Bezerra deMenezes o local onde teria surgidoa primeira organização espírita doBrasil. Confesso, achamos estranhatal informação, visto que, compro-vadamente, o primeiro grupo espí-rita do nosso Estado remonta à úl-tima década do século XIX.

Mas, lembrando o velho dita-do – onde há fumaça há fogo –,questionamos a possibilidade de al-gum fato acontecido por estas pla-gas, em meados do século XIX, terprovocado essa afirmativa. Temposdepois, folheando um opúsculo,Memória Histórica do Espiritismo– alguns dados – publicado pelaFEB em 1904, ao tempo da presi-dência de Leopoldo Cirne, por oca-sião do centenário de nascimentode Allan Kardec –, chegamos à res-posta. Ao estudar a amplitude doMovimento Espírita no Brasil, o or-ganizador da obra colhe informa-ções de confrades dos diversos Esta-dos, para aquele que seria nossoprimeiro censo espírita. Sobre oCeará respondeu o farmacêuticoCatão Mamede, um dos pioneirosna disseminação da Boa Nova Espí-rita em nossa terra. Segundo Catão,concomitante às ocorrências na

França, em Fortaleza, no ano de1853, eram realizadas experiênciascom mesas girantes. As informaçõesde Catão Mamede são confiáveis,sobretudo devido ao fato de seu pai– igualmente farmacêutico – Antô-nio Paes da Cunha Mamede terparticipado daquelas sessões.

Leopoldo Cirne, portanto,referia-se, provavelmente, a essas ex-perimentações. Visto por este ângu-lo, teria certa razão o velho Leopol-do, não obstante a inadequação dapalavra espírita para designar esse ti-po de reunião.

P. – Há mais detalhes sobre es-sas reuniões?

LK – Prosseguindo nas pesqui-sas, identificamos o nome respon-sável pela condução dessas reuniões.Tratava-se do comerciante portu-guês José Smith de Vasconcellos,que em sua residência na Rua For-mosa (hoje Rua Barão do Rio Bran-co) promoveu várias experimen-tações.

O jornal bissemanal O Cea-rense, fundado em 1846, trouxe,por primeira vez, no seu número de15 de julho de 1853, notícia alusi-va ao fenômeno das mesas girantesna França. Na edição de 26 de ju-lho, do mesmo ano, o periódico,sob o título “Mesas dançantes”, re-gistrava: “Não é só na Alemanha,França, Pernambuco, etc., que sefazem experiências elétrico-mag-néticas das tais mesas dançantes. –O Sr. José Smith de Vasconcellosfez, no domingo, uma experiênciaem sua casa, na presença de muitaspessoas, com uma mesa redonda,que depois de alguns minutos rodoupelo meio da sala, até que os expe-rimentadores romperam a cadeia!!Neste momento presenciamos váriasexperiências desta.”

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Noticiando novamente o insó-lito fenômeno, O Cearense, de 2 deagosto de 1853, descreve outrasreuniões similares na residência deJosé Smith de Vasconcellos, na qualse fizeram presentes figuras conspí-cuas da sociedade local.

Em 1854 as experiências fo-ram continuadas e, fato curioso,Smith, ao lado de seus companhei-ros, concluiu que a origem do fenô-meno não se devia apenas ao mag-netismo animal, mas à interferênciade Espíritos, conclusão a que AllanKardec só chegaria no ano seguinte.Comentando as novas experiênciasocorridas na Europa, O Cearense,de 19 de maio de 1854, expõe quetoda a fenomenologia das mesasdançantes e falantes eram simplesexercícios, tímido entreabrir de cor-tinas para horizontes infinitos: “Ho-je, porém, amestradas pela expe-riência, instruídas pelas lições dehábeis professores, e tendo já ascen-dido ao ponto mais culminante daciência, as mesas se põem em rela-ção com os mortos, coligem-lhes ospensamentos e transcrevem-lhes aspalavras. A evocação se faz por in-termédio de um iluminado, a quemse dá o nome de médium.” Ao quetudo indica, nesse artigo a palavramédium foi empregada pela primei-ra vez na imprensa brasileira. Pormotivos que desconhecemos, essassessões não criaram elos de conti-nuidade, mas ficaram como precur-soras do Espiritismo no Brasil.

Conseguimos, posteriormente,elaborar a biografia desse contem-porâneo de Kardec no Ceará. JoséSmith de Vasconcellos recebeu daCoroa portuguesa o título de Barãode Vasconcellos. Falecido em 1903,deixou descendência no Rio de Ja-neiro e em São Paulo.

P. – Há algum dado relacio-nado com Bezerra de Menezes?

LK – Temos desde 1998 reco-lhido diversos documentos de Be-zerra e garimpado novas informa-ções sobre sua vida. Conseguimos,através de dois sobrinhos trinetosdele, residentes em Fortaleza, cincofotografias inéditas. Essas fotos es-tão inseridas em um livro publica-do pela editora Lachâtre. Há, entre-tanto, um fato curioso que somenteagora revelamos. Quatro das fotosnos foram gentilmente cedidas porRenata Blanda Furtado. As fotos fi-caram durante décadas guardadasdentro de um velho baú de cedro,

na serra de Baturité, no Ceará, nacasa onde residiu sua bisavó Ursuli-na, sobrinha de Bezerra. O baú decedro e o clima da serra permitiramque as fotos ficassem em excelenteestado de conservação. A primeirafotografia de Bezerra que vimosdespertou-nos para um detalhecurioso: uma palavra escrita no ver-so. Na foto Bezerra se apresenta comos dois filhos do primeiro casamen-to. Supomos, pela ausência da com-panheira a seu lado, já estivesse viú-vo. Esse retrato é muito semelhantea um outro bastante difundido nomeio espírita, mas que, devido a re-toques, alterou muito suas expres-sões faciais. No verso dessa foto ori-ginal, havia escrita a palavra “Ingra-

to”. Renata não sabia explicar omotivo daquela expressão tão forte.Intuitivamente, opinamos talvez sejustificasse em razão do rompimen-to de Bezerra de Menezes com astradições católicas familiares quan-do aderiu, publicamente, ao Espiri-tismo no dia 16 de agosto de 1886,fato que repercutiu não só na Cor-te, mas em sua terra natal. O irmãode Bezerra, pai de Ursulina, ManoelSoares da Silva Bezerra, que recebeudo papa Pio IX o hábito de SãoGregório Magno, pelos relevantesserviços prestados à Igreja de Roma,foi o mesmo que escreveu uma car-ta ao Médico dos Pobres repro-chando-lhe a conduta por sua con-versão a uma nova fé.

P. – Há algum episódio espíri-ta histórico de que teria esclareci-mentos como fruto de seus estudos?

LK – Entre alguns dos fatosque vimos tentando, momentanea-mente, elucidar, destacamos umainusitada informação obtida atravésda leitura de um trabalho do pes-quisador francês Jacques Lantier. Pa-ra nossa surpresa afirma Lantier quePierre-Gäetan Leymarie, de convic-ções republicanas, foi proscrito apóso golpe de estado que levou Napo-leão III ao poder e veio estabelecer--se no Brasil, onde conheceu a Dou-trina Espírita através de outrofrancês, o professor Casimir Lieu-taud. De volta à França, tornou-seamigo de Kardec, tendo, em 1871,dois anos após o desenlace do Codi-ficador, assumido a direção da Re-vista Espírita. Esta informação nosera totalmente desconhecida. Sabía-mos da perseguição política sofridapelo organizador de Obras Póstu-mas e de sua relação com CasimirLieutaud, mas não tínhamos, comoainda não temos, documentos com-

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Bezerra de

Menezes aderiu,

publicamente, ao

Espiritismo no dia 16

de agosto de 1886

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probatórios desse episódio. SendoLantier compatriota de Leymarie,pode ter lançado mão de fontes apartir das quais nos fez essa reve-lação. Por enquanto investigamos.

Entretanto, de tudo isso fica acerteza do trabalho pioneiro dofrancês Casimir Lieutaud, que con-sidero o legítimo pioneiro do Espi-ritismo na Pátria do Cruzeiro. La-mentavelmente esquecido da maio-ria dos espíritas da atualidade, foilembrado somente pelo grande me-morialista Zêus Wantuil, que escre-veu sua síntese biográfica. Apesar deoficialmente reconhecermos o pio-neirismo de Luís Olímpio Teles deMenezes, fundador do Grupo Fa-miliar do Espiritismo, na Bahia, noano de 1865, Casimir Lieutaud,com a colaboração de outros fran-ceses, entre os quais, Adolphe Hu-

bert, Morin e a médium psicógrafaPerret Collard, foi o verdadeiro in-trodutor das idéias espíritas no Bra-sil, chegando a publicar, em 1860,o livro Os Tempos são Chegados,talvez a primeira obra de temáticaespiritista das Américas. Casimirparticipou da fundação do GrupoConfúcio, integrando sua Direto-ria, e esteve presente na fundaçãoda Federação Espírita Brasileira, em1884, desencarnando cinco anosdepois.

P. – Você está vinculado a algumainstituição espírita voltada à história?

LK – Estamos vinculados aoCentro de Documentação Espíritado Ceará, instituição que fundamosjuntamente com os amigos MarcusV. Monteiro, Ary Bezerra Leite eMilton Borges, em 10 de dezembrode 1997, na data do aniversário na-

talício de Vianna de Carvalho. Aidéia, porém, foi inspirada no tra-balho do confrade Eduardo Carva-lho Monteiro. Eduardo é o respon-sável pelo Centro de Documen-tação Histórica da União das Socie-dades Espíritas do Estado de SãoPaulo, que funciona como um de-partamento daquela entidade fe-derativa. O Centro de Documenta-ção cearense, no entanto, é filiado àFederação Espírita do Estado doCeará, mas funciona como institui-ção autônoma contando, presente-mente, com treze integrantes. Em1999, através da iniciativa do irmãoMarcus V. Monteiro, lançamos ojornal Gazeta Espírita, órgão doCentro de Documentação, de cir-culação bimestral, que passou a di-vulgar os resultados das nossaspesquisas.

16 Reformador/Outubro 2004374

O uso é o bom-senso da vida e o metro da cari-dade.

Vida sem abuso, consciência tranqüila.

*Uso é moderação em tudo.Abuso é desequilíbrio.

*O uso exprime alegria.Do abuso nasce a dor.

*

Existem abusos de tempo, conhecimento eemoção.

Por isso, muitas vezes, o uso chama-se “abs-tenção”.

*O uso cria a reminiscência confortadora.O abuso forja a lembrança infeliz.

*

Saber fazer significa saber usar.Todos os objetos ou aparelhos, atitudes ou cir-

custâncias exigem uso adequado, sem o que surge oerro.

*Doença – abuso da saúde.Vício – abuso do hábito.Supérfluo – abuso do necessário.Egoísmo – abuso do direito.Todos os aspectos menos bons da existência

constituem abusos.*

O uso é a lei que constrói.O abuso é a exorbitância que desgasta.Eis por que progredir é usar bem os emprésti-

mos de Deus.

André Luiz

Fonte: XAVIER, Francisco C. Estude e Viva. 9. ed., Rio deJaneiro: FEB, 2001, p. 53-54.

Uso e abuso

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Reformador/Outubro 2004 17375

Ante a Revelação Divina, asse-vera Jesus:...........................–“Eu não vim destruir a Lei.”

E reafirma Allan Kardec:– “Também o Espiritismo diz:

– não venho destruir a lei cristã,mas dar-lhe execução.”

Perante a grandeza da vida, ex-clama o Divino Mestre:

– “Há muitas moradas na ca-sa de meu Pai.”

E Allan Kardec acentua:– “A casa do Pai é o Universo.

As diferentes moradas são os mun-dos que circulam no espaço infini-to e oferecem aos Espíritos, que ne-les reencarnam, moradas correspon-dentes ao adiantamento que lhes épróprio.”

Exalçando a lei de amor querege o destino de todas as criaturas,advertiu-nos o Senhor:

– “Amai-vos uns aos outros co-mo eu vos amei.”

E Allan Kardec proclama:– “Fora da caridade não há

salvação.”Destacando a necessidade de

progresso para o conhecimento epara a virtude, recomenda o Cristo:

– “Não oculteis a candeia sobo alqueire.”

E Allan Kardec acrescenta:– “Para ser proveitosa, tem a fé

que ser ativa; não deve entorpecer-se.”Encarecendo o imperativo do

esforço próprio, sentencia o Senhor:– “Buscai e achareis.”

E Allan Kardec dispõe:– “Ajuda a ti mesmo que o

Céu te ajudará.”Salientando o impositivo da

educação, disse o Excelso Orienta-dor:

– “Sede perfeitos como é perfei-to o vosso Pai Celestial.”

E Allan Kardec adiciona:– “Reconhece-se o verdadeiro

espírita pela sua transformação mo-ral e pelos esforços que emprega pa-ra domar suas inclinações infelizes.”

Enaltecendo o espírito de ser-viço, notificou o Eterno Amigo:

– “Meu Pai trabalha até hojee eu trabalho também.”

E Allan Kardec confirma:– “Se Deus houvesse isentado o

homem do trabalho corpóreo, seusmembros ter-se-iam atrofiado, e, seo houvesse isentado do trabalho dainteligência, seu espírito teria per-manecido na infância, no estado deinstinto animal.”

Louvando a responsabilidade,ponderou o Senhor:

– “Muito se pedirá a quemmuito recebeu.”

E Allan Kardec conclui:– “Aos espíritas muito será pe-

dido, porque muito hão recebido.”Exaltando a filosofia da evolu-

ção, através das existências numero-sas que nos aperfeiçoam o ser, nareencarnação necessária, esclarece oInstrutor Sublime:

– “Ninguém poderá ver o Rei-no de Deus se não nascer de novo.”

E Allan Kardec conclama:– “Nascer, morrer, renascer

ainda e progredir sempre, tal é alei.”

Consagrando a elevada missãoda verdadeira ciência, avisa o Mes-tre dos mestres:

– “Conhecereis a verdade e averdade vos fará livres.”

E Allan Kardec enuncia:– “Fé inabalável só o é aquela

que pode encarar a razão face aface.”

Tão extremamente identifica-do com o Mestre Divino surge oApóstolo da Codificação, que osaugustos mensageiros, que lhe su-pervisionaram a obra, foram positi-vos nesta síntese que recolhemos daResposta à Pergunta número 627,em O Livro dos Espíritos:

– “Estamos incumbidos de pre-parar o Reino do Bem que Jesusanunciou.”

Eis porque, ante o primeirocentenário das páginas basilares daCodificação, saudamos no Espiritis-mo – Chama da Fé Viva a resplen-der sobre o combustível da Filoso-fia e da Ciência – o CristianismoRestaurado ou a Religião do Amore da Sabedoria, que, partindo doEspírito Excelso de Nosso SenhorJesus-Cristo, encontrou em AllanKardec o seu fiel refletor para a li-bertação e ascensão da Humanida-de inteira.

Emmanuel

(Mensagem recebida pelo médium Fran-cisco Cândido Xavier.)Fonte: Reformador de abril de 1957,p. 10(80).

PRESENÇA DE CHICO XAVIER

Jesus e Kardec

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Aesposa de Denizard Rivaildeu-lhe posteriormente todoo apoio na “Instituição” fun-

dada em 1826. Sua colaboração seestenderia pelos anos afora, e seunome pode figurar ao lado do deMme. Pestalozzi, mulher admiradatanto por suas excelentes qualidadese doçura de caráter, quanto pelaamenidade de suas maneiras e ter-na solicitude para com as crianças,e que secundou o marido por todosos meios, mormente na direção fí-sica e moral dos alunos mais jovens,necessitados de cuidados especiais.Essas duas senhoras pertencem aonúmero daquelas que a História re-gista como dedicadas e fiéis colabo-radoras dos seus maridos, sem asquais talvez eles não levassem a ter-mo as suas missões.

Escreve Henri Sausse que Ma-dame Rivail nasceu em Thiais, co-muna do departamento parisiensede Val-de-Marne (parte SE do anti-go departamento do Sena), aos 2do Frimário do ano IV, segundo oCalendário Republicano então vi-gente na França, e que correspondea 23 de novembro de 1795.

Filha única de Julien-LouisBoudet, proprietário e tabelião,homem portanto bem colocado navida, e de Julie-Louise Seigneatde Lacombe, recebeu na pia batis-mal o nome de Amélie-GabrielleBoudet.

Aliando, desde cedo, grandevivacidade e forte interesse pelos es-tudos, ela não foi problema para ospais, que, a par de fina educaçãomoral, lhe proporcionaram apura-dos dotes intelectuais. Após cursara escola primária, estabeleceu-se emParis com a família, ingressandonuma Escola Normal, de onde saiudiplomada em professora de 1a

classe.Revela-nos o Dr. Canuto Abreu1

– cujas pesquisas espíritas em Paris,principalmente nos anos de 1921 e22, o levaram a uma série de docu-mentos – que a senhorinha Amélietambém fora professora de Letras eBelas-Artes, trazendo de encarnaçõespassadas a tendência inata, por assimdizer, para a poesia e o desenho. Cul-ta e inteligente, chegou a dar à luztrês obras, assim nomeadas: “ContosPrimaveris”, 1825; “Noções de De-senho”, 1826; “O Essencial em Be-las-Artes”, 1828.

Vivendo em Paris, no mundodas letras e do ensino, quis o Desti-no que um dia a Srta. Amélie Bou-det deparasse com o Prof. Hippoly-te Léon Denizard Rivail.

De estatura baixa, mas bemproporcionada, de olhos pardos eserenos, gentil e graciosa, vivaz nosgestos e na palavra, denunciandopenetração de espírito, Amélie Bou-det, aliando ainda a todos esses pre-dicados um sorriso terno e bondo-so, logo se fez notar pelo circuns-pecto Prof. Rivail, em quem reco-nheceu, de imediato, um homemverdadeiramente superior.

Em 6 de fevereiro de 1832,firmava-se o contrato de casamen-to. Ela tinha nove anos a mais doque ele, mas tal era a sua jovialida-de física e espiritual, que a olhosvistos aparentava a mesma idadedo marido. Jamais essa diferençaconstituiu entrave à felicidade deambos. É curioso lembrar que Pes-talozzi igualmente se consorciaracom uma mulher de boa situaçãofinanceira e sete anos mais idosaque ele. Até nisto o discípulo quisseguir o mestre? ou foi apenascoincidência?

...

A desencarnação de Allan Kar-dec foi uma perda irreparável parao mundo espiritista.

18 Reformador/Outubro 2004376

Amélie-Gabrielle BoudetEsta edição de Reformador, dedicada ao Bicentenário de Nascimento deAllan Kardec, não poderia olvidar sua esposa e devotada colaboradora,

cujos dados biográficos aqui reproduzimos*

1“O Livro dos Espíritos e sua tradição históri-ca e lendária”, in “Unificação”, jornal espíritade S. Paulo, fevereiro de 1954.

*WANTUIL, Zêus e THIESEN, Francisco.

Allan Kardec, vol. I (p. 114-116), vol. III (p.

153-156 e 158-159). Transcrição parcial.

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Amélie Boudet, que partilharacom admirável resignação as desilu-sões e os infortúnios do esposo, su-portaria agora qualquer realidademais dura. Tinha a seu favor os ca-belos nevados pelos seus 74 anos deuma existência bem vivida e a almasublimada pelos ensinos dos Espíri-tos do Senhor. Ante a partida doquerido companheiro para a Espi-ritualidade, portou-se como verda-deira espírita, cheia de fé e estoicis-mo, conquanto, como é natural,abalada no profundo do ser.

Parafraseando o escritor Carly-le, poder-se-ia dizer que Mada-me Allan Kardec, pelo espaço dequase quarenta anos, foi a com-panheira amante e fiel do seumarido, e com seus atos e suaspalavras sempre o ajudou emtudo quanto ele empreendeu dedigno e de bom.

Intrigas, traições, insultos,ingratidões cercaram o ilustreCodificador, mas em todos osmomentos de provas e dificulda-des sempre encontrou, no ternoafeto de sua nobre esposa, ampa-ro e consolação, confirmando-seessas palavras de Simalen: “Amulher é a estrela de bonançanos temporais da vida.”

Na RS de 1865, ao falar deseus sacrifícios em prol do Espi-ritismo, Kardec não se esqueceude lembrar o quanto devia aAmélie Boudet, declarando a pági-nas 164: “(...) minha mulher (...)aderiu plenamente aos meus inten-tos e me secundou na minha labo-riosa tarefa, como o faz ainda, atra-vés de um trabalho freqüentementeacima de suas forças, sacrificando,sem pesar, os prazeres e as distraçõesdo mundo aos quais sua posição defamília havia habituado.”

Dias após o desenlace do seumarido, recebia Madame AllanKardec efusivas e cálidas manifesta-ções de simpatia e encorajamentodos espiritistas de vários países, in-clusive de além-mar, o que lhe re-dobrou as forças no sentido de levaravante a obra do amado esposo.

No desejo de contribuir para arealização do plano de organizaçãodo Espiritismo, que a lúcida previ-são de Kardec tinha preparado epublicado na “Revue Spirite” de de-zembro de 1868, a Sra. Allan Kar-dec, única proprietária legal das

obras kardequianas, da “Revue” eda Livraria, comunicou, na sessãode 16 de abril da Sociedade Espíri-ta de Paris, estas decisões: ela doariaanualmente à Caixa Geral do Espi-ritismo o excedente dos lucros pro-venientes da venda dos livros espí-ritas e das assinaturas da “Revue”,isto é, das operações da Livraria Es-pírita; os artigos a serem publicados

na “Revue Spirite” deveriam ser pri-meiro sancionados por ela e pelaComissão de Redação; a Caixa Ge-ral do Espiritismo seria confiada aum tesoureiro, encarregado de geriros fundos, sob a supervisão da Co-missão diretora2. Esses fundos, aténova resolução, seriam aplicados naaquisição de propriedades, a fim deque se pudessem remediar quais-quer eventualidades futuras. .......................................................

Outras judiciosas decisões fo-ram por ela tomadas no sentido desalvaguardar a propaganda do Espi-

ritismo, sendo, por isso, bastan-te apreciado pelos espíritas detodo o Mundo o seu nobre de-sinteresse e devotamento.

Nos planos futuros de Al-lan Kardec estava a criação deum museu espírita, para o qualjá tinha recebido vários quadrospintados pelo Sr. RaymondAuguste Quinsac Monvoisin(1790-1870), artista de talentoe espírita devotado.

A Sra. Rivail declarou, en-tão, pela “Revue Spirite”, queesses quadros estavam em seupoder, aguardando a compra deum local apropriado para o Mu-seu, e que poderiam ser exami-nados e apreciados por qualquerespírita, em sua residência par-ticular. Como se vê, ela nada es-quecia, pondo os correligioná-

rios a par de tudo que se fazia e sepassava na sua administração.

Se Madame Allan Kardec –conforme se lê na “Revue Spirite”de 1869 – se entregasse aos seusinteresses pessoais, deixando que ascoisas andassem por si mesmas e

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2“Revue Spirite”, 1869, p. 155.

Mme. Allan Kardec em 1882

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sem preocupação de sua parte, elafacilmente poderia assegurar tran-qüilidade e repouso à sua velhice.Mas, colocando-se num ponto devista superior, e guiada, além dis-so, pela certeza de que Allan Kar-dec com ela contava para prosse-guir, no rumo já traçado, a obramoralizadora que lhe fora objetode toda a solicitude, Madame Al-lan Kardec não hesitou um só ins-tante. Profundamente convencidada verdade dos ensinos espíritas,buscou garantir a vitalidade do Es-piritismo no futuro, e, conformeela mesma o disse, melhor nãosaberia aplicar o tempo que ain-da lhe restava na Terra, antes dereunir-se ao esposo.

Na reunião da Sociedade, em3 de julho de 1869 (RS, 1883, p.206), a fim de realizar material emoralmente, na medida do possí-vel, os planos de Allan Kardec, fi-cou constituída a “Société anony-me à parts d’intérêt et à capitalvariable de la caisse générale et cen-trale du Spiritisme”, simplesmenteconhecida por “Société anonymedu Spiritisme”.

O projeto de Allan Kardec fo-ra cuidadosamente estudado porMme. Allan Kardec e vários conse-lheiros, executando-se o que na oca-sião era praticável. Formou-se, as-sim, uma base de associação comer-cial, como o único meio legal pos-sível de se chegar a fundar algumacoisa de durável. Suas operações sefariam com a “Revue Spirite”, coma publicação dos livros de Kardec,aí incluídas as suas obras póstumas,e com todas as demais que tratas-sem de Espiritismo. Em suma: tu-do giraria em torno da Livraria.

A duração da Sociedade foi fi-xada em 99 anos, a datar de sua

constituição definitiva, que ocorreuem agosto de 1869.

Com sede à rua de Lille no 7,era administrada por uma comissãode membros nomeados pela assem-bléia geral dos associados, e escolhi-dos dentre eles.

Kardec consagrara inteiramen-te o produto de suas obras e da“Revue Spirite” às necessidades ma-teriais de instalação do Espiritismo.Não quis, e tinha esse direito, dis-trair parcela alguma para seu pro-veito pessoal. Sua esposa, animadados mesmos sentimentos, dispôsigualmente esse produto a bem doEspiritismo, em prol de sua estabi-lidade legal e do seu desenvolvi-mento. ......................................................

Apesar de sua avançada idade,a Viúva Allan Kardec demonstravaum espírito de trabalho fora do co-mum, fazendo questão de tudo ge-rir pessoalmente, cuidando de as-suntos diversos, que demandariamvárias cabeças. Graças à sua visão,ao seu empenho, ao seu devota-mento sem limites, o Espiritismopôde crescer a passos de gigante,não só na França, que também nomundo todo.

Estafantes eram os afazeres des-sa admirável mulher, cuja idade jálhe exigia repouso físico e sossegode espírito. .....................................................

Muito ainda fez essa extraordi-nária mulher a prol do Espiritismoe de todos quantos lhe pediam umconselho ou uma palavra de conso-lo, até que em 21 de janeiro de1883, às 5 horas da madrugada,docemente, com rara lucidez de es-pírito, com aquele mesmo graciosoe meigo sorriso que sempre lhebrincava nos lábios, desatou-se dos

últimos laços que a prendiam àmatéria.

A querida velhinha tinha então87 anos, e nessa idade, contam osque a conheceram, ainda lia semprecisar de óculos e escrevia ao mes-mo tempo corretamente e com le-tra firme.

Aplicando-lhe as expressões decélebre escritor, pode-se dizer, semnenhum excesso, que “sua existên-cia inteira foi um poema cheio decoragem, perseverança, caridade esabedoria”.

Compreensível, pois, era aconsternação que atingiu a famíliaespírita em todos os quadrantes doGlobo.

De acordo com os seus pró-prios desejos, o enterro de MadameAllan Kardec foi simples e espiriti-camente realizado, saindo o féretrode sua residência, na Avenida e VilaSégur no 39, para o Père-Lachaise,a 12 quilômetros de distância.

Grande multidão, composta depessoas humildes e de destaque,compareceu em 23 de janeiro àsexéquias junto ao dólmen de Kar-dec, no qual os despojos da velhi-nha foram inumados e onde todosos anos, até à sua desencarnação, elacomparecia às solenidades de 31 demarço.

Na coluna que suporta o bustodo Codificador foram depois grava-dos, à esquerda, esses dizeres em le-tras maiúsculas:

AMÉLIE GABRIELLE BOU-DET – VEUVE ALLAN KARDEC –21 NOVEMBRE 1795 – 21 JAN-VIER 18833

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3Cometeu-se, como se vê, um engano, ao sergravado o dia do nascimento, que foi realmen-te em 23. (Ver Henri Sausse, “Biographied’Allan Kardec”, 4me éd., p. 22.)

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Espiritismo na fé“E estes sinais seguirão aos que crerem; em

meu nome expulsarão os demônios;falarão novas línguas.”

– Jesus. (Marcos, 16:17.)

Permanecem as manifestações da vida espiritual em todos os fundamentos daRevelação Divina, nos mais variados círculos da fé.

Espiritismo em si, portanto, deixa de ser novidade, dos tempos que correm,para figurar na raiz de todas as escolas religiosas.

Moisés estabelece contacto com o plano espiritual no Sinai.

Jesus é visto pelos discípulos, no Tabor, ladeado por mortos ilustres.

O colégio apostólico relaciona-se com o Espírito do Mestre, após a mortedEle, e consolida no mundo o Cristianismo redentor.

Os mártires dos circos abandonam a carne flagelada, contemplando visõessublimes.

Maomé inicia a tarefa religiosa, ouvindo um mensageiro invisível.

Francisco de Assis percebe emissários do Céu que o exortam à renovação daIgreja.

Lutero registra a presença de seres de outro mundo.

Teresa d’Ávila recebe a visita de amigos desencarnados e chega a inspecionarregiões purgatoriais, através do fenômeno mediúnico do desdobramento.

Sinais do reino dos Espíritos seguirão os que crerem, afirma o Cristo. Emtodas as instituições da fé, há os que gozam, que aproveitam, que calculam, quecriticam, que fiscalizam... Esses são, ainda, candidatos à iluminação definitiva erenovadora. Os que crêem, contudo, e aceitam as determinações de serviço quefluem do Alto, serão seguidos pelas notas reveladoras da imortalidade, onde es-tiverem. Em nome do Senhor, emitindo vibrações santificantes, expulsarão a trevae a maldade, e serão facilmente conhecidos, entre os homens espantados, porquefalarão sempre na linguagem nova do sacrifício e da paz, da renúncia e do amor.

Fonte: XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso. 24. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2004, cap. 174,

p. 359-360.

ESFLORANDO O EVANGELHOEmmanuel

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Ele não conheceu o telefone (in-ventado em 1876 e implanta-do efetivamente em 1892),

nem desfrutou do conforto propor-cionado pela luz elétrica (1879), se-quer estava aqui quando as primei-ras ondas do rádio (1895) fize-ram-se ouvir, enchendo o ar de no-tícias e música, muito menos co-nheceu o fonógrafo (1877), nãopodendo, portanto, deleitar-se coma música transportada das salas deespetáculos para os ambientes do-mésticos. Decerto, não chegou aconhecer a máquina de escrever(1870) nem os benefícios que, cer-tamente, lhe proporcionaria du-rante a tarefa que tinha a empreen-der. Não conheceu a televisão (umainvenção da década de 1920) e suamagia de teletransportar gente. Nãovivenciou o encurtamento das dis-tâncias e do tempo proporcionadopela invenção do automóvel (1885)e do avião (1906), que dirá o adven-to da internet e mesmo do celular,que nos conectam a tudo e a todos.Não contou com a força da propa-ganda e da imprensa de massa, noentanto, sua figura perpetua-se nahistória da Humanidade, lúcida eatual como poucas, destacando-ocomo um dos maiores divulgadoresde idéias paradigmáticas de todos ostempos.

Sem mesmo dar-se conta daamplitude e repercussão de suas

pesquisas, Hippolyte Léon Deni-zard Rivail (nascido em 3 de outu-bro de 1804) iniciou a gestação deAllan Kardec e da própria Doutri-na Espírita em 1855, ano em quedecidiu dedicar-se com seriedade aoestudo dos fenômenos psíquicos,para os quais fora convidado a par-ticipar como mero observador. Apartir dessa curiosidade não levariamais do que dois anos para lançarsua primeira, das cinco obras quederam luz a uma nova doutrina –Espírita (termo cunhado por ele pa-ra dar conta da nova ciência) –, in-troduzindo também um novo per-sonagem na história do pensamen-to humano. Com sua obra, o emé-rito educador francês, dileto discí-pulo de Pestalozzi, e já consagradoescritor, membro da AcademiaReal d’Arras – autor de inúmeros li-vros de cunho didático – recolher--se-ia para sempre, dando lugar aosurgimento de Allan Kardec1, pseu-dônimo com que passaria a assinarsuas produções espíritas. Ele teriapouco mais de quinze anos paradedicar-se àqueles incompreendi-dos, inexplorados e mesmo detur-pados fenômenos, até então consi-derados sobrenaturais – anterior-mente esposados por Sócrates e Pla-tão, apregoados e vivenciados emtoda sua significativa amplitude porJesus –, realizar seu trabalho e regis-

trar a mensagem de esperança quecom clareza e precisão, ecoando doPlano Espiritual, propugnava umnovo paradigma para a concepçãodo mundo e da própria vida.

Tal como concebido em mea-dos do século XIX, o corpo doutri-nário que Kardec reuniu, organi-zou, interpelou e codificou alcançacom extrema lucidez o homem des-te Terceiro Milênio, tão atual comono passado, reverberando ao longodo tempo uma sólida mensagem deesperança. Concretizada em suces-sivas edições, sua mensagem reveladesde o dia 18 de abril de 1857 –quando foi lançada, em Paris, a pri-meira edição de O Livro dos Espí-ritos – as implicações resultantes desua descoberta sobre a inequívocaexistência e predominância de umarealidade imaterial.

Um novo paradigma

Afirmam alguns estudiosos queum novo paradigma não resulta deum processo linear e acumulativo.Seu surgimento decorre de umevento inusitadamente inesperado,como uma explosão entrópica, quealtera todo o curso anterior do queantes se tinha como verdade, assi-nalando o fim de algo que está sen-do superado e a abertura para novaspossibilidades. Talvez um instantede desvelamento de verdades pre-existentes e apenas ocultas, que derepente se abre à percepção, reorga-nizando o que, antes, aparentemen-

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O semeador de esperançaM. Ângela Coelho Mirault

1Seu nome em anterior encarnação como sa-cerdote druida, segundo revelação dos Espíri-tos.

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te já se achava convencionalmenteorganizado. Mas, é bom que se di-ga: um novo paradigma não se va-lida repentinamente, convencendoseus oponentes, antes é rejeitado, jáque traz em si uma nova forma deconcepção do real. E para que issoocorra, é necessário que o paradig-ma dominante já não satisfaça maisas inquietações subjacentes e queseus postulados, antes inquestioná-veis, estejam sendo colocados agoraem cheque. É nessabrecha que as novasidéias florescem, mas épreciso que se tenhaum espírito livre e ques-tionador do status quoa fim de que se estejapreparado para entre-ver a ruptura, captar amudança e acolher onovo enunciado.

Sob essa perspectiva, a obra doProfessor Hippolyte Léon DenizardRivail, o Allan Kardec, subsidiariaum momento entrópico de mudan-ça paradigmática, pois, é inegávelque, a partir do corpo de conheci-mento doutrinário-filosófico-cien-tífico nela contido pode-se conce-ber (enxergar) uma nova forma deinterpretar uma mesma realidadesob novos decodificadores interpre-tativos que dirão respeito a tudo e atodos, ontem, hoje e amanhã.

Allan Kardec não foi somenteum pesquisador visionário, mas,antes de tudo, foi um autêntico se-meador do Bem, proporcionando àHumanidade uma sólida opçãoalternativa entre duas correntes fi-losófico-religiosas: o ateísmo2 e o

agnosticismo3. Redimensionando aconcepção antropomórfica que setem de Deus, auxiliou, a partir de

então, o próprio homem a tecer fioa fio as vestes da esperança em umfuturo venturoso, conquistado in-dividualmente, palmo a palmo, natrilha da imortalidade.

Organizando, primeiramente,cerca de cinqüenta cadernos que lheforam entregues e cujos conteúdosregistravam cinco anos de relatossobre os fenômenos, até então, con-siderados paranormais, pouco a

pouco, foi-lhes dando forma e, coma complementação trazida pelos Es-píritos, acompanhada de suas eluci-dações, Kardec estrutura toda a ba-se filosófico-científico-religiosa daDoutrina Espírita.

Utilizando-se do método cien-tífico-experimental, cuja disciplinaimpunha a observação dos fenôme-nos, a comparação e a dedução ló-gica, antecedentes a generalizações,Kardec debruçara-se sobre fatos

relegados – por ele,também inicialmentedesconsiderados – aoâmbito do sobrenatu-ral, e, apenas depoisde estar convencidodas deduções daque-las revelações propor-cionadas pelo inter-câmbio comunicacio-nal entre os dois pla-

nos da vida, investiga-os minucio-samente, legando à Humanidadeuma nova doutrina coerentementelógica, racional e consoladora. Apósa divulgação dos resultados do seumeticuloso trabalho de pesquisajunto aos Espíritos imortais, que secomunicavam pela intermediaçãode médiuns, e da lógica de suas de-duções, nem a Filosofia, ou a Ciên-cia, ou, ainda, a Religião seriammais as mesmas. A semente conso-ladora da imortalidade, antes anun-ciada pelo Evangelho de Jesus, esta-ria definitivamente consolidada naalma humana e, com ela, a vitóriada vida sobre a morte estaria deter-minada.

Fundamentada em constata-ções indiscutíveis, disponibiliza umcorpo de conhecimentos que trarárespostas aos mais corriqueiros ques-tionamentos, elucidando o grandeenigma existencial humano, ou se-

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2Concepção que se dá a quem não crê emDeus.

3Designação que se dá a quem afirma não serpossível comprovar-se a existência de Deus.

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ja, de onde viemos e para onde va-mos, bem como traçando-nos umasegura metodologia para a escolhade caminhos mais dignos e cons-cientes diante de uma única exis-tência imortal. Ao deparar-se comos fenômenos tidos como paranor-mais constata ele haver entrevisto “achave do problema tão obscuro etão controvertido do passado e dofuturo”, e até a solução do que ha-via “procurado toda a sua vida”,afirma então4.

Allan Kardec formula e regis-tra um novo paradigma científico,tal a grandiosidade da sua enun-ciação. Somos seres únicos e imor-tais, em permanente processo deevolução, destinados à felicidade,responsáveis por nosso passado,nosso presente e nosso futuro.

Com o estabelecimento dosprincípios básicos sobre a imortali-dade, o livre-arbítrio em consonân-cia com a lei de causa e efeito cor-relacionada à tese da reencarnação,a esperança passa a habitar os cora-ções e mentes libertas do medo, dasuperstição e do dogmatismo reli-gioso. Sua obra fértil dirige-se, des-de então, ao homem livre de todosos tempos, destinado, antes de tu-do – mais do que às provações e aosresgates – à felicidade e à per-fectibilidade. A morte, o aniquila-mento, a punição eterna cedem lu-gar à conquista intermitente doEspírito imortal em busca do seupróprio aperfeiçoamento a caminhoda redenção.

Desde o lançamento de suaobra até sua desencarnação, em1869, a par das mais variadas de-duções filosóficas e surpreendentes

descobertas científicas, nenhumadas constatações ali contidas sofreuqualquer correção, mantendo-setão atual e conseqüente quanto àépoca de sua edificação. Semeandoesperança, formulando um novoparadigma filosófico-científico pa-ra a Humanidade, Allan Kardecpermanece vivo em sua magníficaobra, a qual, sucessivamente reedi-tada, mantém-se atual, vibrante eacessível ao espírito empreendedorque, tal como ele, de posse da li-berdade de pensar, busque novosparadigmas decodificadores de umarealidade aparentemente incom-preensível e considere, como fez oCodificador, não haver mais qual-quer possibilidade de manter-seuma fé inabalável, senão pelo esco-po da razão, em todas as épocas daHumanidade.

Ao tomar para si a responsabi-lidade de desmistificar a Religião, aFilosofia e a Ciência, evidenciandoos elos espirituais que amalgamama grande corrente da vida, apresen-tando o encadeamento holísticointrínseco a essas grandes vertentesdo conhecimento, o Professor

Hippolyte Léon Denizard Rivail –Allan Kardec – assume um lugardefinitivo na corrente de pensa-mentos que tem buscado auxiliar ohomem no entendimento da vida,perpetuando-se na história huma-na.

Desde esta sua passagem pelaTerra e sua lúcida contribuição pa-ra a Codificação da Doutrina Con-soladora, a Humanidade passou adispor de um novo paradigma parauma melhor compreensão da reali-dade e do fenômeno da própria Vi-da, em toda sua complexidade eimplicações transcendentais, comocontraponto ao paradigma científi-co-materialista predominante nosdias atuais.

Durante o ano de 2004, osespíritas do mundo inteiro têmreverenciado o Espírito imortaldeste semeador de esperanças,comemorando o Bicentenário desua última reencarnação como olúcido missionário incumbido dapropagação da mensagem reno-vadora cristã, propugnada peloMestre Jesus, há mais de dois milanos.

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4Kardec: Obras Póstumas.

Conselho Espírita InternacionalReunião Ordinária em Paris

O Conselho Espírita Internacional realiza em Paris, nos dias 6 e 7de outubro, após o 4o Congresso Espírita Mundial, sua 10a ReuniãoOrdinária, nas dependências do Hotel Campanille – Porte de Bag-nolet.

Fundado em Madrid (Espanha), no dia 28 de novembro de 1992,por 9 países, durante o Congresso Mundial de Espiritismo (CME/92),o CEI conta hoje, decorridos 12 anos, com 24 países de 4 continentes:Europa, América, Ásia e África. É administrado por uma ComissãoExecutiva e possui as seguintes Coordenadorias: Europa, América doNorte, América Central e Caribe, e América do Sul.

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Ao fazermos uma análise dapersonalidade de Kardec, bus-cando conhecer-lhe a cultura,

aliada à profunda identificação como Evangelho, não devemos ter porobjetivo apenas homenagear-lhe amemória. Devemos vê-lo como al-guém que veio para cumprir umapromessa de Jesus. Devemos ava-liar-lhe a estatura espiritual, não pa-ra que apenas nos encantemos, masa fim de nos conscientizarmos danossa condição de beneficiários dasua obra, desse acervo imenso de es-clarecimentos, que marcaram efeti-vamente uma nova etapa na evolu-ção humana.

É necessário pensarmos emKardec na sua época, a fim de ava-liar-lhe o avanço no tempo em re-lação ao pensamento predominan-te de então. Precisaríamos, todosnós, ter a possibilidade de trans-portar-nos, de caminhar para o pas-sado, a fim de sentirmos a época,com seus costumes e, principal-mente, com suas limitações. Só as-sim poderíamos observar com jus-teza o avanço do pensamento deKardec em relação aos seus contem-porâneos, e até de muitos dosatuais pensadores das searas religio-sas, políticas e sociais.

A Igreja, recém-saída da Inqui-sição – em Portugal terminou, pordecreto da Regência, em 1821 –ainda impunha o seu poder. Nos

países, ditos católicos, não havia se-paração entre o Estado e a Igreja.Para se ter idéia desse poder, é sólembrarmos que em 9 de outubrode 1861, na Espanha, foram quei-madas, em praça pública, 300 obrasespíritas, legalmente importadas daFrança, no assim chamado Auto--de-fé em Barcelona.

Entretanto, apesar da fortepressão dominadora exercida pelaIgreja, no sentido de ser mantida asua versão do Cristianismo, duran-te o século XIX, em algumas partesda Europa ocorria uma libertaçãoquase rebelde de muitos intelec-tuais, em relação às pregações reli-giosas, que já não mais conseguiamconvencê-los. O descompasso entrea religião e a ciência tornava-se ca-da vez mais agudo, ensejando umdesencanto que levou muitos espí-ritos lúcidos à tomada de posiçõeseminentemente materialistas, crian-do o ambiente para o surgimentodo Positivismo, doutrina que visa àsuperação dos estados teológico emetafísico, negando tudo o que nãofosse fisicamente mensurável, e pre-parando o terreno para o materia-lismo do século XX.

No campo social, a mensagemreligiosa servia apenas para coones-tar o egoísmo vivenciado pelos po-derosos, sem que houvesse a míni-ma ação no sentido de amenizar adesumana e angustiosa situação dasclasses trabalhadoras, notadamentedos operários. É dessa época a fa-mosa frase atribuída a Karl Marx:“A religião é o ópio do povo.” E

realmente o era, pois se constatavafacilmente a imensa distância quehavia entre a mensagem simples,fraterna, amorosa e atuante de Je-sus, e aquilo que era oferecido co-mo Cristianismo pela Igreja, total-mente comprometida com o podertemporal.

Kardec não se curva à Igreja,mas não adere ao materialismo se-co e destrutivo, como tantos pensa-dores do seu tempo. Sua visão demissionário permite-lhe discordardaquilo que a Igreja oferecia comoverdade e possibilita-lhe uma pro-posta religiosa a ser experienciadaprincipalmente fora dos templos.Uma religião a ser vivida em climade liberdade, tanto na área do sen-timento, quanto da razão, confor-me os ensinamentos e exemplos deJesus.

Diante da atuação de Kardec,seria difícil enquadrá-lo nas áreas doconhecimento humano. Revela-secomo teólogo ao dialogar com osEspíritos Superiores a respeito deDeus, demonstrando independên-cia e superioridade de pensamentoem relação aos seus contemporâ-neos, quando formula a pergunta:“Que é Deus?”1

Isso dito numa época em quegrandes pensadores estavam aindaatrelados à idéia de um Deus antro-pomórfico, portador de limitaçõeshumanas, quanto à forma e aosatributos. O Codificador demons-tra que sua visão de Deus é cósmi-ca e está em perfeita consonânciacom os avanços da Astronomia,

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Kardec e sua visão do futuroJosé Passini

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que, caminhando à frente das reli-giões, já demonstrara àqueles “quetêm olhos de ver” que o Universoconhecido era maior do que o Deusensinado por elas.

Entretanto, sua concepção cien-tífica da grandeza cósmica de Deusnão o impediu de resgatar a figurado Pai justo, providente, amoroso einfinitamente misericordioso, con-forme os ensinamentos de Jesus,contrapondo-se frontalmente à cria-ção dos teólogos: o Inferno de penaseternas, dentro do contexto cristão.Nesse campo, revela o Codificadora sua condição também de educa-dor e de penólogo, ao examinarcom impecável lucidez temas comoCéu, Purgatório e Inferno, princi-palmente na obra O Céu e o Infer-no. Entretanto, se abriu as portas doInferno, demonstrou que as do Céunão se descerram à custa de ofíciosreligiosos encomendados, de legadospost mortem, mas através do esfor-ço individual, intransferível e cons-ciente de cada Espírito, conformesentenciou Jesus: “Se alguém quiservir após mim, renuncie-se a si mes-mo, tome sobre si a sua cruz e siga--me.”2

A reencarnação, rejeitada e ri-dicularizada àquela época, mereceu--lhe análise clara, profunda e irre-torquível, em tese que o futuro, quevivemos hoje, tem consagrado co-mo vitoriosa, uma vez que até opresente não existe nenhum traba-lho sério que a conteste.

Demonstra com clareza a imor-talidade da alma, não apenas comoartigo de fé, estribada em dogmas,mas no campo da experimentaçãocientífica, através do resgate doexercício da mediunidade, práticaque seria objeto de estudos levadosa efeito na área acadêmica, primei-

ramente sob o nome de Metapsí-quica e, mais tarde, de Parapsico-logia.

Revelou-se sociólogo eminen-temente cristão ao dialogar com osEspíritos sobre questões sociais,pondo em evidência temas que ou-tras religiões só décadas mais tardeviriam discutir.

O trabalho, ensinado no meioreligioso como castigo, é mostradocomo oportunidade enobrecedorade colaboração na obra de Deus.Pela primeira vez o relacionamentoentre capital e trabalho é tratado nomeio religioso, com sérias advertên-cias àqueles que, abusando do po-der de mandar, impõem excessivotrabalho a seus inferiores, pois eramcomuns na Europa as jornadas detrabalho excederem a doze horas.Pela primeira vez, na história doCristianismo, alguém cria ambien-te para que Espíritos Superioresadvirtam o homem, em nome deDeus, a respeito da responsabilida-de no emprego do poder: “(...) To-do aquele que tem o poder de man-dar é responsável pelo excesso detrabalho que imponha a seus infe-riores, porquanto, assim fazendo,

transgride a lei de Deus.”3 Enquan-to as vozes religiosas se calavam,Kardec inquire os Espíritos a respei-to do direito do trabalhador de re-pousar depois de ter dado o vigorde sua juventude em trabalho:“Mas, que há de fazer o velho queprecisa trabalhar para viver e nãopode?” 4 A resposta lapidar, que de-veria servir de epígrafe e inspiraçãopara muitos discursos sociológicose religiosos: “O forte deve trabalharpara o fraco. Não tendo este famí-lia, a sociedade deve fazer as vezesdesta. É a lei de caridade.”4 Só 31anos depois da edição definitiva deO Livro dos Espíritos, a encíclicaRerum Novarum, em l891, revelaalgum despertamento do meio ca-tólico para o tema.

Relativamente à escravidão, ospoderes religiosos também se man-tinham calados até então, impedi-dos de erguer a bandeira abolicio-nista por estarem comprometidoscom aqueles que se beneficiavamcom o trabalho escravo. Contra es-se ignominioso domínio de um serhumano sobre outro, manifesta-ram-se os Espíritos, falando em no-me de Deus, graças às perguntas deKardec, que, com isso, inseriramconceitos de moral religiosa numcampo eminentemente social.

Nove anos antes da publicaçãoda obra Sujeição das Mulheres, deStuart Mill, que é tida como umadas molas propulsoras do movi-mento feminista, Kardec publica odiálogo que manteve com os Espí-ritos Superiores e comentários seus,analisando a igualdade dos direitosdo homem e da mulher, enquantoas demais correntes cristãs manti-nham, e ainda mantêm em seu pró-prio seio, posições altamente discri-minatórias, em que a mulher con-

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“Todo aquele que

tem o poder de

mandar é responsável

pelo excesso de

trabalho que

imponha a seus

inferiores”

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tinua como subalterna, malgrado osexemplos dignificantes de Jesus.

Ao perguntar aos Espíritos:“Será contrário à lei da Natureza ocasamento, isto é, a união perma-nente de dois seres?”5, recebendodos Espíritos a resposta – “É umprogresso na marcha da Humanida-de.” –, o Codificador demonstraconceituar o casamento como atoeminentemente moral, mútuocompromisso assumido no âmbitoda consciência de um homem e deuma mulher, acima de toda e qual-quer bênção sacerdotal ou da assi-natura de um documento civil. Evi-denciada por Kardec há um séculoe meio, essa a visão que se tem ho-je, quando cada vez mais prosperao entendimento de que ninguémcasa ninguém; as criaturas se casam,e só elas são responsáveis pela ma-nutenção do vínculo livremente es-tabelecido. É digna de nota a posi-ção do Codificador, pois se de umlado esclarece, libertando a criaturados grilhões criados por uma bên-ção sacerdotal – pretensamente da-da em nome de Deus –, por outro,chama-lhe a atenção para os com-promissos assumidos perante o al-tar de sua própria consciência. Ovalor que Kardec atribui ao casa-mento está perfeitamente explicita-do no comentário feito ao tratar doassunto: “(...) A abolição do casa-mento seria, pois, regredir à infân-cia da Humanidade e colocaria ohomem abaixo mesmo de certosanimais que lhe dão o exemplo deuniões constantes.”6

Numa época em que as reli-giões não discutiam o papel da fa-mília, por julgá-la estabelecida emfunção de sacramento ministradoem nome de Deus – embora, emalguns casos, até mesmo contra a

vontade de quem o recebia –, Kar-dec, antevendo atitudes e questio-namentos futuros, analisa e discutecom os Espíritos Superiores o papeldo instituto familiar. Obteve res-postas esclarecedoras dos Espíritos,situando a família como núcleo in-substituível da educação humana,núcleo formado não em função deuma evolução social, mas decorren-te de desígnio divino. Por isso, oEspiritismo já tinha resposta ante-cipada às duras contestações que vi-riam décadas mais tarde, quandoregimes totalitários pretenderaminstituir um modelo de educaçãoda criança pelo Estado e, mais tar-de ainda, através das propostas de“vida livre” levadas a efeito pelos

hippies e daqueles que lhes partilha-ram as idéias.

Ao assumir veemente combatecontra a pena de morte – enquantosetores religiosos se mantinham si-lenciosos ou mesmo coniventes –,Kardec tira o “não matarás” de den-tro dos templos, levando-o à discus-são penal e social, antecipando-se,em décadas, a campanhas que sur-giriam bem mais tarde.

O imenso abismo cavado entrea Ciência e a Religião pelos estudosde Copérnico e Galileu alargou-seainda mais com a publicação da

obra Da Origem das Espécies, deCharles Darwin. Coube a Kardec opapel histórico de construir umaponte luminosa, ligando Ciência eReligião. Contestando o Criacionis-mo, põe em evidência a evoluçãodo Espírito, que caminha pari pas-su com a evolução física demonstra-da por Darwin, ao tempo em queresgata diante da consciência huma-na um dos atributos básicos de umSer Perfeito: a Justiça. Tudo proma-na de uma mesma fonte, todos par-timos de um mesmo ponto, dota-dos da mesma potencialidade evo-lutiva, conforme ensinaram os Es-píritos: “(...) É assim que tudo ser-ve, que tudo se encadeia na Natu-reza, desde o átomo primitivo até oarcanjo, que também começou porser átomo. (...)” 7 Por conhecer essaluz divina, imanente em toda aCriação, é que Jesus lançou o desa-fio evolutivo: “Assim resplandeça avossa luz diante dos homens (...)”.8

Não se pretendeu aqui fazeruma análise exaustiva da obra deKardec, nem da sua capacidade co-mo filósofo, educador ou teólogo.Buscou-se enfocar apenas o avançodo seu pensamento, em relação aosseus contemporâneos. Kardec trans-cende sua época, enxergando alémdos interesses, da cultura, do meiosocial e religioso em que convive.

Se o Prof. Hippolyte Léon De-nizard Rivail tivesse publicado suasobras sem revelar os diálogos comos Espíritos e o seu aspecto religio-so, por certo a França o teria in-cluído entre seus filósofos, confor-me já o fizera entre seus grandeseducadores.

No decorrer deste milênio,quando o dogmatismo religioso e oacademicismo enfatuado se fizeremmenos presentes, e quando não mais

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Coube a Kardec o

papel histórico de

construir uma ponte

luminosa, ligando

Ciência e Religião

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estiverem tão distanciados das verda-des do Evangelho puro, Kardec cer-tamente será estudado nas universi-dades, será “descoberto” como umgênio do século XIX, maravilhandoEspíritos que já terão reencarnadopara o estabelecimento de diretrizeseducativas dos tempos novos. Nessaocasião, terão dificuldade em situá--lo numa área do saber humano, emface do domínio revelado por ele nocampo da sociologia, do direito, daeducação, da filosofia e, principal-mente, da teologia.

A marca inquestionável da suacondição de grande missionário é ofato de o seu pensamento não estarpreso ao lugar e à época. Seu pensa-mento vigoroso projeta-se no futuro,numa antevisão terrena dos cami-nhos da Humanidade. Espiritual-mente falando, não é antevisão, ésimplesmente a recordação dos temashumanos que mereceram seu estudo,sua análise minuciosa, no Espaço, an-tes de reencarnar-se. Guardadas as de-vidas proporções, é o mesmo fenô-meno que se deu com Jesus que,transcendendo os conhecimentos, osinteresses, as aspirações – a própriacultura da época – fez abordagens deassuntos incomuns e deixou ensina-mentos e diretrizes evolutivas para osséculos porvindouros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 83.ed., Rio de Janeiro: FEB, 2002, q. 1.2Mateus, 16:24.3KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 83.ed., Rio de Janeiro: FEB, 2002, q. 684.4Idem, ibidem, q. 685a.5Idem, ibidem, q. 695.6Idem, ibidem, q. 696 (Comentário).7Idem, ibidem, q. 540.8Mateus, 5:16.

Oprincípio inteligente inde-pende da matéria. A alma in-dividual preexiste e sobrevive

ao corpo. O ponto de partida ou deorigem é o mesmo para todas as al-mas, sem exceção; todas são criadassimples e ignorantes e sujeitas aprogresso indefinido. Nada de cria-turas privilegiadas e mais favoreci-das do que outras. Os anjos são se-res que chegaram à perfeição, de-pois de haverem passado, como to-das as outras criaturas, por todos osgraus da inferioridade. As almas ouEspíritos progridem mais ou menosrapidamente, mediante o uso dolivre-arbítrio, pelo trabalho e pelaboa vontade.

A vida espiritual é a vida nor-mal; a vida corpórea é uma fasetemporária da vida do Espírito, quedurante ela se reveste de um envol-tório material, de que se despe porocasião da morte.

O Espírito progride no estadocorporal e no estado espiritual. Oestado corpóreo é necessário ao Es-pírito, até que haja galgado um cer-to grau de perfeição. Ele aí se de-senvolve pelo trabalho a que ésubmetido pelas suas próprias ne-cessidades e adquire conhecimentospráticos especiais. Sendo insuficien-te uma só existência corporal paraque adquira todas as perfeições, re-toma um corpo tantas vezes quan-tas lhe forem necessárias e de cadavez encarna com o progresso quehaja realizado em suas existênciasprecedentes e na vida espiritual.Quando, num mundo, alcança tu-

do o que aí pode obter, deixa-o pa-ra ir a outros mundos, intelectual emoralmente mais adiantados, cadavez menos materiais, e assim pordiante, até à perfeição de que é sus-cetível a criatura.

O estado ditoso ou inditosodos Espíritos é inerente ao adianta-mento moral deles; a punição quesofrem é conseqüência do seu en-durecimento no mal, de sorte que,com o perseverarem no mal, eles sepunem a si mesmos; mas, a portado arrependimento nunca se lhesfecha e eles podem, desde que oqueiram, volver ao caminho dobem e efetuar, com o tempo, todosos progressos.

As crianças que morrem emtenra idade podem ser Espíritosmais ou menos adiantados, porquan-to já tiveram outras existências emque ou praticaram o bem ou come-teram ações más. A morte não os li-vra das provas que hajam de sofrer e,em tempo oportuno, eles voltam auma nova existência na Terra, ou emmundos superiores, conforme o graude elevação que tenham atingido.

A alma dos cretinos e dos idio-tas é da mesma natureza que a dequalquer outro encarnado; possuem,muitas vezes, grande inteligência; so-frem pela deficiência dos meios deque dispõem para entrar em relaçãocom os seus companheiros de exis-tência, como os mudos sofrem pornão poderem falar. É que abusaramda inteligência em existências preté-ritas e aceitaram voluntariamente asituação de impotência para usar de-la, a fim de expiarem o mal que pra-ticaram, etc., etc.

Allan KardecFonte: Obras Póstumas. 34. ed., Rio deJaneiro: FEB, 2004, “As cinco alternati-vas da Humanidade”, § 5o , p. 199-200.

Doutrina Espírita

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AFrança, que teve a glória de contar entre seus fi-lhos aquele que, nascido em Lião, a 3 de outu-bro de 1804, viria a ser Allan Kardec, iniciou as

comemorações do tricinqüentenário de nascimentodesse Apóstolo [1954] jus-tamente na data que assina-lava o 85o aniversário de sualibertação terrestre, verifica-da aos 31 de março de 1869.

Com efeito, no am-biente harmonioso da Casados Espíritas, em Paris, cria-da em 1923 por JeanMeyer, um dos fervorososdiscípulos de Kardec, LaRevue Spirite patrocinou,em 28 de março último,uma belíssima e brilhantemanifestação de saudade aoMestre inesquecível.

Ao ensejo dessa ocasião solene, foi-me confiada acomovente missão de recordar a obra e o pensamentodo fundador da Doutrina Espírita, suas alegrias e seuspesares, pois, não obstante a dignidade e a simplicida-de generosa de sua vida, não foi ele poupado nem pe-la incompreensão, nem pela provança. Teve o méritode, em qualquer eventualidade, ser sempre o mesmo:corajoso diante da adversidade, indulgente diante dainjúria. É verdade que nas horas graves ou dolorosasjamais lhe faltou a ajuda e o sustentáculo de sua ad-

mirável companheira, Mme. Allan Kardec, bem co-mo de seus guias espirituais sempre tão amorosamen-te atentos. Contava Mme. Allan Kardec 74 anos porocasião do decesso do Mestre, sobrevivendo-lhe até 21

de janeiro de 1883, quandoentão, depois de prestar rele-vantes serviços ao Espiritis-mo, deixou por sua vez onosso mundo, com a idadede 89 anos.

Allan Kardec figura en-tre os primeiros de nossoscontemporâneos que se de-votaram a procurar, à luz daobservação experimental, aresposta à inquietude huma-na diante do problema da vi-da e da morte.

Como homem de ciên-cia e filósofo, Allan Kardec

era em sua época o indicado, pela sua formação, parafazer a sondagem no vasto domínio do Desconheci-do, de onde, desde 1848, procediam singulares ape-los. Esses fenômenos, cientificamente inexplicáveis,produziam-se – convém relembrar – em maior ou me-nor intensidade tanto na América como na Europa.Vários testemunhos dessas manifestações admiráveisafirmavam serem elas oriundas de inteligências in-visíveis. Abandonando o misterioso Olimpo, as almasdos mortos vinham, como se acreditava, visitar os vi-vos e afirmar sua imortalidade.

Aluno do célebre pedagogo zuriquense Pestaloz-zi, de quem foi um dos discípulos mais distintos, epropagador de seu sistema de educação, Allan Kardec,professor de Química, de Física, de Anatomia Com-parada, de Astronomia e de Fisiologia, lingüista emé-

REFORMADOR DE ONTEM

Allan KardecApóstolo dos tempos modernos

Hubert Forestier*

Hubert Forestier

*N.R. Desencarnado em 18/9/1971. Diretor de La Revue Spirite de1931 a 1971, da qual foi redator-chefe desde 1925; diretor da Maisondes Spirites (Fundação Jean Meyer); antigo secretário-geral da UnionSpirite Française; antigo vice-presidente da Fédération Spirite Interna-tionale; cavaleiro da Légion d’Honneur; oficial das Palmes Académiques.

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rito, tomou profundo interesse por essas manifesta-ções supranormais, e isto após tê-las considerado des-tituídas de qualquer valor.

Uma vez, porém, convencido, submeteu-se à re-gra a que se impôs no decurso de sua vida de notáveisatividades: investigou minuciosamente os efeitos a fimde apurar a causa.

Ele não podia prever a que conseqüências leva-riam as suas pesquisas na segunda metade do séculoXIX. Jamais, também, poderia pressentir a notorieda-de mundial que seu nome iria alcançar.

Pacientemente, com rigor e método, Allan Kar-dec procedeu a observações numerosas, chegando, porsua vez, na companhia de seus ami-gos: René Taillandier, da Academiadas Ciências, Victorien Sardou, o jácélebre autor, e seu pai LeandroSardou, lexicógrafo e escritor, Di-dier, o editor que gozava de justareputação de pesquisador, a essacerteza que seria de grande e capi-tal importância, isto é, que os fenô-menos dos ruídos, dos transportes,dos deslocamentos de objetos, daescrita, que tivera oportunidade deobservar, eram na verdade devidosà intervenção de Entidades inteli-gentes, independentes do concursoterrestre, e cujas personalidades serevelavam nas sessões de estudos àsquais ele se entregava com pacien-te objetividade.

No prosseguimento de seu atraente trabalho,Allan Kardec entreviu logo o mecanismo das leis queregem as relações do mundo terreno com o mundo in-visível, mas, antes de consignar e dar a público o re-sultado de suas próprias pesquisas, julgou prudentefossem elas renovadas por outros. Graças ao concursode pesquisadores independentes, atraídos, como ele,pela questão da sobrevivência da alma humana, suasexperiências foram ensaiadas e confirmadas, ao mes-mo tempo, em diferentes pontos do mundo.

Foi então que ele se dispôs a escrever, na ordemque se conhece, as cinco obras que nos legou, as quaisem menos de um século já se tornaram clássicas, demaneira que todo novo adepto deve lê-las e sobre elasmeditar. Estamos certos de que essas obras serão sem-

pre consultadas com proveito, apesar do progresso quevem alcançando o Espiritismo, progresso aliás de acor-do com o pensamento do seu fundador, e não obstan-te as ciências que dele nasceram, como a metapsíqui-ca e a parapsicologia.

É notável a obra de Allan Kardec inserta em seuslivros e em La Revue Spirite, por ele fundada em1858, revista essa que tenho a honra de dirigir desdea libertação de meu mestre Jean Meyer, em 13 de abrilde 1931. Considero Kardec como um precursor, umapóstolo dos tempos modernos, um dos filhos do Es-pírito Universal que vislumbrou, através de porfiadolabor, certos aspectos das leis de harmonia e de evo-

lução, cuja difusão empreendeu,cheio de fé, com o fito de levar so-corro e luz à Humanidade.

Por sua doutrina lógica e racio-nal, baseada em fatos indiscutíveis,Allan Kardec é, para todos os ho-mens de pensamento livre, um guiaadmirável e prudente, cujos ensinosnos conduzem à solução do enigmade nossas origens e de nosso porvir;e sentimo-nos maravilhados ao ver-mos patentear-se, através de suaCodificação, a estrada que devemosseguir para que nos tornemos maisdignos, mais conscientes do papelque todos fomos chamados a de-sempenhar aqui em baixo.

A obra de Allan Kardec, escla-recendo o homem a respeito de si

mesmo, auxilia-lhe a evolução; mostra-lhe suas res-ponsabilidades, seus deveres, e bem assim as alegriasque pode desfrutar desde que obedeça à inspiração docoração e da consciência. Do espiritualismo experi-mental do autor de O Livro dos Espíritos deflui purae alta moral capaz de ajudar o levantamento dos indi-víduos e dos povos. Eis por que essa filosofia merecedifundida e melhor conhecida: não há, com efeito,causa mais santa do que a que se esforça por tornar aHumanidade melhor e mais digna de si mesma.

Durante a cerimônia de saudade, a 28 de março,na Casa dos Espíritas, com a incumbência de transmi-tir o reconhecimento de todos os que devemos aAllan Kardec o esclarecimento e as consolações queusufruímos, e associando mais particularmente o Bra-

Por sua doutrina

lógica e racional,

baseada em fatos

indiscutíveis, Allan

Kardec é, para todos

os homens de

pensamento livre,

um guia admirável

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sil espírita à França espírita, meu pensamento se ele-vou até à Morada de Paz, de onde ele despede raios deluz, participando de nossos trabalhos, de nossos esfor-ços pela difusão de sua doutrina de amor e de frater-nidade.

Possa sua brilhante inteligência inspirar-nos nolabor de cada dia, para que prospere, de acordo comos progressos da ciência, esse espiritualismo experi-mental que ele facultou aos homens, e que depois foiespalhado por seus fiéis continuadores, Léon Denis eGabriel Delanne, que tão magistralmente o desenvol-veram, seja pela palavra, seja pela escrita. Eis o votoque formulo neste tricinqüentenário de seu nascimen-to e, mais ainda, que todos se sintam fraternalmente

encorajados, militantes ou modestos simpatizantes dacausa espírita, a fim de prosseguirem, alegres e con-fiantes, na tarefa de propagar e de ensinar o que lhesfoi dado adquirir.

Felizes aqueles que, a exemplo do mestre AllanKardec, experimentam, ao deixarem as plagas terre-nas, a certeza de haverem tocado outras almas peloexemplo e pela palavra escrita ou falada; felizes os que,como ele, têm consciência, diante da insensatez ma-terialista de nossa época, de terem encaminhado cria-turas ofuscadas pelos fumos do mundo, para o esplen-dor do ideal tão necessário à nossa salvação.

Fonte: Reformador de outubro de 1954, p. 10(222)-12(224).

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Um dia, Deus, em sua inesgotável caridade,permitiu que o homem visse a verdade vararas trevas. Esse dia foi o do advento do Cristo.

Depois da luz viva, voltaram as trevas. Após alter-nativas de verdade e obscuridade, o mundo nova-mente se perdia. Então, semelhantemente aos pro-fetas do Antigo Testamento, os Espíritos se puse-ram a falar e a vos advertir. O mundo está abaladoem seus fundamentos; reboará o trovão. Sede fir-mes!

O Espiritismo é de ordem divina, pois que seassenta nas próprias leis da Natureza, e estai certosde que tudo o que é de ordem divina tem grande eútil objetivo. O vosso mundo se perdia; a Ciência,desenvolvida à custa do que é de ordem moral, masconduzindo-vos ao bem-estar material, redundavaem proveito do espírito das trevas. Como sabeis,cristãos, o coração e o amor têm de caminhar uni-dos à Ciência. O reino do Cristo, ah! passados quesão dezoito séculos e apesar do sangue de tantosmártires, ainda não veio. Cristãos, voltai para o Mes-tre, que vos quer salvar. Tudo é fácil àquele que crêe ama; o amor o enche de inefável alegria. Sim,

meus filhos, o mundo está abalado; os bons Espíri-tos vo-lo dizem sobejamente; dobrai-vos à rajadaque anuncia a tempestade, a fim de não serdes der-ribados, isto é, preparai-vos e não imiteis as virgensloucas, que foram apanhadas desprevenidas à che-gada do esposo.

A revolução que se apresta é antes moral do quematerial. Os grandes Espíritos, mensageiros divinos,sopram a fé, para que todos vós, obreiros esclareci-dos e ardorosos, façais ouvir a vossa voz humilde,porquanto sois o grão de areia; mas, sem grãos deareia, não existiriam as montanhas. Assim, pois, queestas palavras – “Somos pequenos” – careçam paravós de significação. A cada um a sua missão, a cadaum o seu trabalho. Não constrói a formiga o edifíciode sua república e imperceptíveis animálculos nãoelevam continentes? Começou a nova cruzada. Após-tolos da paz universal, que não de uma guerra, mo-dernos São Bernardos, olhai e marchai para frente; alei dos mundos é a do progresso.

Fénelon

Fonte: KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo.2. ed. especial, Rio de Janeiro: FEB, 2004, cap. I , “Instruçõesdos Espíritos”, item 10, p. 68-69.

A Nova Era

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“Venho, como outrora aos trans-viados filhos de Israel (...). O Es-piritismo, como o fez antigamen-te a minha palavra, tem de lem-brar aos incrédulos que acimadeles reina a imutável verdade: oDeus bom, o Deus grande, quefaz germinem as plantas e se le-vantem as ondas (...).”

O Espírito de Verdade. (O Evan-gelho segundo o Espiritismo,cap. VI, item 5.)

Por natural curiosidade, todosnós desejamos saber quem énosso guia espiritual, mas pa-

ra isso precisamos ter uma certaprudência para não sermos vítimasde Espíritos enganadores.

O lembrete é do próprio Codi-ficador do Espiritismo.

Há muitos Espíritos que se co-municam e podem afirmar ser nos-sos guias espirituais, mentores, an-jos guardiães, mas que não passamde entidades mal-intencionadas.

Esses Espíritos, que certamen-te conhecem o que se passa em nos-so íntimo, sabem que muitas vezes,por trás da nossa curiosidade, tam-bém existe um pouco de vaidade.Desse modo e explorando esse sen-timento, tentam ludibriar-nos, di-zendo terem sido, aqui na Terra,personagens ilustres. Há casos ver-

dadeiros, não resta a menor dúvida,mas há outros que não merecemcrédito. Não obstante, devemos es-tar sempre atentos aos critérios deKardec, conforme o ensino de Eras-to: “(...) Melhor é repelir dez verda-des do que admitir uma única falsi-dade, uma só teoria errônea (...).”(O Livro dos Médiuns, cap. XX, p.292, 72. ed., FEB.)

Contudo, de uma forma ou deoutra, por isso ou por aquilo, nãonos devem interessar muito os no-mes dos Espíritos que se comuni-cam, mas sim a mensagem quetransmitem e se suas idéias são deboa ou de má qualidade. Nesse ca-so, não se leva tanto em conta a for-ma, ou seja, um palavreado pom-poso, frases bem construídas, pon-tuação impecável, etc. Considera--se, acima de tudo, o conteúdo, aidéia, o conjunto de conselhos sópara o bem. Eis aí, pois, os frutosque denunciam as qualidades da ár-vore, como ensina o Evangelho.

Allan Kardec também quis sa-ber quem era o seu guia espiritual.Mas o seu desejo não era fruto deuma curiosidade vaidosa. Mesmoassim, o Espírito levou bom tempopara revelar-lhe seu nome – A Ver-dade.

Vejamos o que ocorreu em ses-são mediúnica realizada na residên-cia da família Baudin, em Paris, nanoite do mês de março do ano1855, ano em que o mestre Allan

Kardec trabalhava incessantemente,fazendo as anotações para em abrilde 1857 fazer o lançamento da pri-meira edição de O Livro dos Es-píritos.

Foi precisamente nessa memo-rável reunião, que Kardec conver-sou diretamente com o seu guia es-piritual, agradeceu-lhe a presença eperguntou: “(...) Consentirás emdizer-me quem és?” – “Para ti,chamar-me-ei A Verdade e todos osmeses, aqui, durante um quarto dehora, estarei à tua disposição.”

Depois de receber mais instru-ções do Espírito, Allan Kardec in-sistiu em saber se a entidade espiri-tual teria sido algum personagemconhecido aqui na Terra. A respos-ta não se fez esperar: – “Já te disseque, para ti, sou a Verdade; isto,para ti, quer dizer discrição; nadamais saberás a respeito.” (ObrasPóstumas, 2a parte, p. 274-275,34. ed., FEB.)

Como vemos, a resposta foienérgica, não dando margem a ou-tras indagações acerca do mesmoassunto. Porém, a presença desseEspírito era tão constante na vidado Codificador do Espiritismo, queo mestre aprendeu a confiar nele eamá-lo.

Em outras comunicações, omesmo Espírito encorajava Kardecao estudo e ao trabalho; que umamissão muito importante a Espiri-tualidade lhe havia reservado, mas

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Allan Kardec e seu Guia Espiritual

Severino Barbosa

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que, se ele, Kardec, quisesse se de-sincumbir bem, teria que ter “mui-ta discrição”.

Disse mais: “(...) Tomarás maistarde conhecimento de coisas quete explicarão o que ora te sur-preende. Não esqueças que podestriunfar, como podes falir. Neste úl-timo caso, outro te substituiria,porquanto os desígnios de Deusnão assentam na cabeça de umhomem. Nunca, pois, fales da tuamissão; seria a maneira de a fazeresmalograr-se. Ela somente pode jus-tificar-se pela obra realizada e tuainda nada fizeste. Se a cumprires,os homens saberão reconhecê-lo,cedo ou tarde, visto que pelos fru-

tos é que se verifica a qualidade daárvore.” (Obras Póstumas, 2a parte,p. 282, 34. ed., FEB.)

Quem estuda o Espiritismo sa-be muito bem que os Espíritos queassistiram Allan Kardec na missãode codificar a Doutrina Espírita nãoforam entidades vulgares ou falsossábios do Além-Túmulo. Que ocomprovem as respostas contidasem O Livro dos Espíritos, obra bá-sica da Codificação, bem como asmensagens inseridas em O Evange-lho segundo o Espiritismo e em OLivro dos Médiuns.

Pelo estudo sério dessas obras,constata-se que Kardec foi assesso-rado por uma plêiade de entidades

luminosas, Espíritos de grande ele-vação espiritual.

E assim, conforme se verifica,principalmente, em “Prolegôme-nos”, de O Livro dos Espíritos,sem falar nas demais obras, um lu-minoso elenco de apóstolos, teó-logos, filósofos, literatos, cientis-tas, poetas, dramaturgos, evange-listas, reis, rainhas, antigos douto-res da Igreja Católica, como San-to Agostinho e outros, todos esti-veram empenhados, sob a orien-tação do Espírito de Verdade, narealização da Mega Obra do Espi-ritismo, que é, sem dúvida, a ter-ceira Revelação de Deus à Huma-nidade.

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Se semeias

Se semeias com amor, não te espante a terra eri-çada de espinhos... .Que seria da lavoura sem o arado firme e pres-

timoso, que opera a renovação? Que seria da vida,sem a persistência da boa vontade?

Ergue-te cedo, cada dia, e espalha os grãos doentendimento e do serviço.

Provavelmente, surgirão, cada hora, mil sur-presas inquietantes.

As ruínas conseqüentes do temporal, o bote daserpe oculta, os seixos pontiagudos da estrada, a so-turna visão do pântano, a guerra sem tréguas con-tra os animálculos daninhos, os calos dolorosos dasmãos e dos pés, a expectativa torturante, são o quevive em sua luta diária o semeador que se decide atrabalhar...

Recompensas? Não aguardes a remuneraçãoda Terra.

O mundo está repleto de bocas famintas quedevoram o pão, sem cogitar dos sacrifícios ou daslágrimas que lhe deram origem.

Enquanto peregrinares entre os homens, o teu

prêmio virá do perfume das flores, da luminosavestidura da paisagem ou do caricioso beijo dovento.

Se semeias com amor, não indagues de causas.Consagra-te ao esforço do bem, para que o so-

lo se renove e produza.Compadece-te da terra sem água.Não desampares o deserto.Não te irrite o charco.Ajuda sempre.A felicidade vem do amor, o progresso vem da

cooperação.A lavoura do espírito é semelhante ao amanho

do campo.Auxilia sem cessar...Se semeias com amor, jamais desanimes, por-

que se é teu o trabalho do plantio, a semente, ocrescimento e a frutificação pertencem ao DivinoSemeador, que nunca se cansa de semear.

Francisco Malhão

Fonte: XAVIER, Francisco C. Falando à Terra. 5. ed., Rio deJaneiro: FEB, 1991, p. 153-154.

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Tudo começaria há 149 anos,naquela noite, naquela terça--feira do mês de maio de 1855.Na casa da Sra. Plainemaison,

à Rua Grange-Battelière, 18, Paris,a sessão mediúnica, naquela noite,receberia uma visita que mudaria osrumos dos acontecimentos em tor-no dos fenômenos das mesas giran-tes que movimentavam os salõesparisienses.

Convidado pelo Sr. Pâtier, fun-cionário público, com quem estive-ra, naquele mês, na residência damédium sonâmbula Sra. Roger, oProfessor Hippolyte Léon DenizardRivail presenciaria, naquela reunião,ensaios, embora “muitos imperfei-tos”, de escrita mediúnica numaardósia, com o auxílio de uma ces-ta. Observador cuidadoso, pruden-te, meticuloso, o Professor Rivail,diferentemente do numeroso públi-co que freqüentava as reuniões, eque fazia daqueles fenômenos umpassatempo, “entrevia, naquelasaparentes futilidades, (...) a revela-ção de uma nova lei”1, e se revolvepor estudá-los.

Aos cinqüenta anos completos,porquanto nascera em 3 de outubrode 1804, o Professor, renomado pe-dagogo em Paris, com cerca de 22obras didáticas lançadas, e vasta cul-tura acumulada desde suas expe-riências como aluno no famoso Ins-

tituto de Pestalozzi, em Yverdon, naSuíça, é recebido com entusiasmopelos grupos nascentes, sobretudopelo Grupo da família Baudin,cujas reuniões passa a freqüentar,tornando-se “desde logo muito as-síduo”.

O mundo doméstico e profis-sional do célebre pedagogista, queassinara suas obras, até ali, comoH. L. D. Rivail, nunca mais seria omesmo. Casado, sem filhos, coma Sra. Amélie-Gabrielle Boudet(1795-1883), também professorade Belas-Artes, escritora com trêsobras publicadas, ambos assumi-riam, ele como titular e líder, ela co-mo fiel assessora e conselheira, umadas maiores missões jamais confia-das a um casal na Terra: recepcionara Terceira Revelação das Leis deDeus, vários séculos após Moisés,no deserto, ter lançado, inspirada-mente, as bases do Código Divinoe, posteriormente, o próprio Cristovir à Terra e consolidar o Código doAmor, iniciando revelações sobre averdadeira natureza e destino dohomem, informações que seriamconcretizadas dezoito séculos maistarde, graças à promessa por Eleformulada, num momento de gran-de emoção, nos primeiros dias docomeço da Era Cristã. João Evange-lista, o discípulo amado, testemu-nha pessoal da declaração proferidae projetada para o futuro, a assina-laria, no seu Evangelho, anos de-pois: Se me amais, guardai os meusmandamentos; e eu rogarei a meu

Pai e ele vos enviará outro Conso-lador, a fim de que fique eterna-mente convosco: – O Espírito deVerdade, que o mundo não podereceber, porque não o vê e absolu-tamente não o conhece. Mas, quan-to a vós, conhecê-lo-eis, porque fica-rá convosco e estará em vós.2

Graças ao seu caráter diamanti-no, à sua reputação de homem sé-rio e que amava a Humanidade,preocupando-se com o seu futuro, omestre das letras francesas assume aliderança do Grupo, dando início,ele mesmo, a “estudos sérios de Es-piritismo”, vendo-o como uma no-va ciência que surgia, aplicando-lhe,então, o “método experimental”, queele conhecia e praticava desde a ida-de de 15 anos. “(...) observava cuida-dosamente, comparava, deduzia con-seqüências; dos efeitos procurava re-montar às causas, por dedução e porencadeamento lógico dos fatos, nãoadmitindo por válida uma explica-ção, senão quando resolvia todas asdificuldades da questão (...).”3

Todo o seu ser dizia-lhe queuma formidável “revolução nasidéias e nas crenças” se realizaria apartir dali, embora, somente maistarde, em 30 de abril de 1856, éque tomaria conhecimento preli-minar de sua missão, na casa doSr. Roustan, onde realizava reuniõesíntimas para, ouvindo os Espíritos,revisar a futura obra basilar daDoutrina – O Livro dos Espíritos –,revelação essa que se confirmariaem 7 de maio do mesmo ano, atra-

Na casa da Sra. PlainemaisonAdilton Pugliese

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vés do Espírito Hahnemann, namesma residência, através da mé-dium Srta. Japhet.

Durante quase dois anos, apartir de maio de 1855 até abril de1857, quando lança em Paris O Li-vro dos Espíritos, o Professor Rivailirá desenvolver inúmeras atividades(veja-se Obras Póstumas, páginas269 a 271 e 277 a 278):a) Até o final de 1855 freqüenta

as reuniões da família Baudin,à Rua Rochechouart. Trava re-lação com o Espírito Zéfiro.Presencia, nas reuniões, comu-nicações contínuas e respos-tas a questões formuladas e, al-gumas vezes, até a perguntasmentais;

b) Inicia, nesse período, seus es-tudos sérios de Espiritismo.Nessa fase as sessões nenhumfim determinado tinham tido.Nelas, o Professor tentava “ob-ter a resolução de problemasque me interessavam, do pon-to de vista da Filosofia, da Psi-cologia e da natureza do mun-do invisível”;

c) Em 1856, freqüentava tambémas reuniões espíritas à Rua Ti-quetonne, em casa do Sr. Rous-tan e Srta. Japhet, médium so-nâmbula. Nesse momento de1856 ele já havia concluídoO Livro dos Espíritos e iniciasua meticulosa revisão, fazendoquestão, porém, “de subme-tê-lo ao exame de outros Espí-ritos, com o auxílio de diferen-tes médiuns”. Os Espíritos Re-veladores do Espiritismo, con-tudo, recomendam uma análi-se de forma mais íntima, e oProfesseur Rivail passa, então,a utilizar as faculdades da Srta.Japhet para esse fim. Rigoroso,

contudo, o sábio instrumentodas Forças Divinas não se satis-faz com essa verificação. Sem-pre que as circunstâncias o co-locavam em relação com ou-tros médiuns, ele aproveitavapara “propor algumas das ques-tões que pareciam mais espi-nhosas”. E foi assim, declara,“que mais de dez médiuns pres-taram concurso a esse trabalho.Da comparação e da fusão detodas as respostas, coordena-das, classificadas e muitas vezesretocadas no silêncio da medi-tação, foi que elaborei a pri-meira edição de O Livro dosEspíritos, entregue à publicida-de em 18 de abril de 1857”.Em uma de suas obras, o Pro-

fessor Canuto Abreu (1892-1980),utilizando especial recurso literário,faz interessantes digressões históri-cas em torno da recepção ocorridana Rua des Martyres no 8, em Paris,preparada pelo casal Rivail em tor-no do lançamento da Obra Básicado Espiritismo. Dentre os váriosdiálogos entre os convidados desta-camos os comentários da médiumCaroline Baudin, a respeito do Se-nhor Rivail, dirigindo-se à médiumErmance Dufaux: “– Falava comhumildade, polidamente, sem arro-gância, discutindo, tentando con-vencer ou ficar convencido. Quan-do, após uma discussão magistral,julgava lógica a contenda dos Espí-ritos, dizia-lhes, rendendo as armas:– É racional. Aceito. Quando a res-posta lhe parecia obscura e a trépli-ca a sustentava sem maior esclareci-mento, falava: – Vou meditar sobreeste ponto. Voltaremos a ele nou-tra oportunidade. Ou, quando lheparecia inaceitável, seja em virtudede contradição, seja por demasiado

opinativa, aconselhava: – Vamosponderar algum tempo a respeito.Ouvirei outros Espíritos. Debate-remos a dificuldade. Se, porém, oensino, por este ou aquele motivode ordem moral, não lhe pareciaplausível, afirmava sem ofender: –Esta lição parece-me inviável. Edesta forma aceitava ou recusava ouremovia os ensinamentos.” (Desta-ques do original.)

Recordando esses fatos históri-cos que fazem parte da vida dessegrande homem, que foi Allan Kar-dec, refletimos – porque não dizer– sobre o privilégio, dos espíritas,por ter sido essa personalidade sin-gular que estava presente nas pio-neiras reuniões da primeira fase dahistória do Espiritismo, que Deo-lindo Amorim (1906-1984) deno-minou de “Fase dos Fenômenos”,sendo a segunda a “Fase da Doutri-na”5. Quão importante foi, para osespíritas, ter sido Allan Kardec querecepcionou o Espírito Verdade, na-quela noite de maio de 1856, na ca-sa da Sra. Plainemaison, no limiarda porta do mundo espiritual quese abria através da mediunidade,cumprindo-se, assim, a milenar pro-messa da vinda do Consolador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 34. ed., Rio

de Janeiro: FEB, 2004, p. 267.

2Evangelho de João, 14:15-17 e 26.

3KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 34. ed., Rio

de Janeiro: FEB, 2004, p. 268.

4ABREU, Canuto. O Livro dos Espíritos e suas

tradições histórica e lendária. Ed. LFU, p. 114.

5AMORIM, Deolindo. Doutrina Espírita. Ed.

Círculo Espírita da Oração, p. 30.

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Para resgatar e descobrirnomes de grupos e pio-neiros do Espiritismo em

toda a parte tem sido necessá-rio muita pesquisa, pesquisan-do jornais antigos (espíritas enão espíritas). Por isso desde1991 temos reunido materiale feito anotações diversas. De-cidimos recuperar informaçõesconstantes em jornais espíritasantigos e, em 1995, começa-mos a fazer pessoalmente pes-quisas na Biblioteca Nacional,no Rio de Janeiro, para levan-tar todos os livros e jornais es-píritas (séculos XIX e XX) queconstavam em seu acervo(pensamos igualmente numaEnciclopédia Internacional doEspiritismo – pelo menos 15vols., 21x27cm –, quem sabepara 2007, a depender da aju-da dos amigos...).

Procuramos a Diretora do De-partamento de Divisão de Informa-ção Documental da Biblioteca, Sra.Eliane Perez, para pedir colaboraçãoe ela gentilmente se dispôs a auxi-

liar, constituindo uma Comissão decinco bibliotecárias que lá traba-lham para providenciar o levanta-mento. Em alguns meses apronta-ram um catálogo impresso e em

disquete de tudo o que foipossível levantar de literaturaespírita do acervo (somente al-guns títulos foram erronea-mente incluídos na lista comoespíritas). Este catálogo estádisponível gratuitamente naBiblioteca Nacional via Web,para qualquer interessado. Narelação há muitos jornais espí-ritas do século XIX, verdadei-ras jóias históricas raras. Porserem muito antigos e temen-do que eles se desfizessem como tempo, providenciamos aospoucos a microfilmagem detodos eles para assegurar suasubsistência. Tivemos oportu-nidade de fazer pesquisas emoutras cidades porque, sempreque por determinado motivonos deslocávamos de São Pau-lo para alguma viagem, procu-rávamos as Bibliotecas, o Ar-quivo Público e o InstitutoHistórico e Geográfico da ci-dade, a fim de tentar identifi-

car algum material espírita antigo.Além da Capital de São Paulo, fize-mos buscas em Salvador (BA), Re-cife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Bra-sília (DF), Aracaju (SE), Cuiabá

394

Início do Espiritismo em São Paulo

Livro de Allan Kardec traduzido em 1866, e um livro sobre Sessões Mediúnicas de 1867

Washington Luiz Nogueira Fernandes

Foto: cópia do frontispício da tradução deO Espiritismo Reduzido a sua mais Simples

Expressão, 1866

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(MT), Goiânia (GO) e outras cida-des do interior dos Estados.

Quando encontrávamos algo,conseguíamos copiar jornais espíri-tas antigos. No Instituto His-tórico e Geográfico de SãoPaulo, por exemplo, há váriosexemplares dos jornais espíri-tas criados por Batuíra e Aná-lia Franco (1856-1919) e, co-mo lá não era permitidocopiar nem microfilmar omaterial, procuramos umaprofissional para fotografá-los,e depois tiramos xerox e am-pliamos as fotos, assegurandoque não se perdesse este patri-mônio da História do Es-piritismo. Tudo isso foi reali-zado muito vagarosamente, aolongo dos anos, e se mais nãofoi possível fazer até agora foipor causa dos impeditivos decustos. Em 1997 foi fundadopelo Dr. Paulo Toledo Macha-do e Elza Mazonneto Macha-do o admirável Museu Espíri-ta de São Paulo, na Lapa, eaproveitamos para doar todoo material que conseguimospara seu acervo, e o catálogo im-presso doamos à FEB.

Anotamos todas as informa-ções históricas dos jornais espíritas,referentes ao Espiritismo nas cida-des de todo o Brasil (e Exterior) ecompramos até uma pequena leito-ra de microfilme para visualizá-los,anotando todas as informações his-tóricas constantes neles. Por essemotivo foi possível resgatar muitasinformações sobre a Doutrina Espí-rita em São Paulo, como tambémem outros lugares.

Nada existe nesse sentido, poisnão há uma publicação em que is-to esteja especificamente registrado,

ainda que um ou outro autor tenhaesboçado algumas informações, quesempre acabam valendo comoauxílio.

Com relação a São Paulo, oprincipal destaque do Espiritismoda primeira hora é, sem dúvida,Batuíra (1839-1909). O início ti-nha que ser por um trabalhador de-dicado e valoroso, comprometidocom a cidade, que pudesse doar suacota de idealismo para a nova Dou-trina, que tem a tarefa de transfor-mar o mundo, abrindo caminhosde uma Nova Era. Batuíra criouum Centro Espírita e um jornalque se espalhou pelo Brasil.

Pesquisando o material espíri-ta existente na Biblioteca Nacional,identificamos dois importantes re-

gistros de publicações em São Pau-lo, um de 1866 e outro de 1867,que se constituem sem dúvida emverdadeiros achados históricos:

– Kardec, Allan. O Espi-ritismo reduzido a sua maissimples expressão. São Pau-lo: Typ. Literária, 1866.36 p.

– Uma Sessão de Es-piritismo. São Paulo: J. R. deAzevedo Marques, 1867.27 p.

O autor J. R. de AzevedoMarques escreveu sobre as ses-sões espíritas, assunto que erasensação no mundo, onde umgrupo de pessoas se reunia pa-ra conversar com as almas dosmortos. Ele demonstrou queestava informado disso, nummomento em que ainda sevivia na fase imperial. Outraprova disso é que antes mesmodo Sr. J. R. de Azevedo Mar-ques escrever o livro, em 1867,um ano antes (1866) houveuma tradução de uma obra de

Allan Kardec, com impressão naTyp. Literária, seguramente umadas primeiras publicadas no Brasil.Estas publicações, que estão na Bi-blioteca Nacional, são uma provairrefutável de que a Doutrina Espí-rita, a exemplo do que ocorria emvários Estados do Brasil e outrospaíses do mundo, tinha virado ma-nia, e muitos tentavam a oportuni-dade de conversar com as almas dosque já tinham morrido...

A pesquisa acerca do grupo doSr. J. R. de Azevedo Marques, co-mo de outros na Capital, ainda pre-cisam ser feitas, aguardando-se no-vas descobertas...

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Foto: cópia do frontispício do livroUma Sessão de Espiritismo, 1867

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Estimados Irmãos, participantesda Reunião entre as Religiões,no programa do 89o Congres-

so Universal de Esperanto, em Pe-quim, China.

Paz, em nome de Jesus-Cristo!Na qualidade de Presidente da

Federação Espírita Brasileira, quedesde o ano de 1884 divulga osideais cristãos do Espiritismo, nósvos saudamos de todo o coração ecalorosamente nos congratulamospelo prosseguimento de uma inicia-tiva tão bela como a reunião de es-perantistas de diversas religiões.

Com efeito, onde encontraría-mos lugar mais oportuno para queas diversas comunidades religiosasse confraternizem, do que o neutro“território esperantista”, cuja leimaior se inspira nos princípios pro-postos pelo Dr. Zamenhof em seuHomaranismo?

Esses princípios estabelecemcomo base para as boas relações en-tre os homens, para a sua convivên-cia no espírito de paz e fraternida-de, a regra áurea – Tudo quanto,pois, quereis que os homens vos fa-çam, assim fazei-o vós também a

eles. É o mesmo que dizer: sede be-névolos, indulgentes, perdoadores,uns para com os outros; não permi-tais que vos dividam, como inimi-gos, as diferentes maneiras pelasquais vós exprimis vossa adoraçãoao nosso Criador, a nosso Pai Celes-tial, uma vez que a melhor maneirade prestar-se culto ao Eterno, a nos-so Pai Comum, é fazer o bem e evi-tar o mal, em outras palavras, ob-servar Sua lei, a qual se resume naprática do amor ao próximo.

A consciência a respeito dessaverdade espiritual básica, isto é, a deque Deus é o Pai comum de todosos homens, deve tocar nossas men-tes e corações como uma constanteexortação a que aceitemos plena-mente a idéia de que Deus olha etrata Seus filhos com total igual-dade.

Consolidemos, assim, em nós

a crença de que a essência de nossoCriador é amor, amor em sua maispura expressão. E o amor apenasprescreve que trabalhemos, com ab-negação e devotamento, em favordo bem e da felicidade de nossos ir-mãos em humanidade.

Essa verdade de alta expressãoespiritual também brilha na essên-cia do Esperantismo, pelo que a suasincera prática nos círculos religio-sos sempre agirá como um podero-so antídoto contra o veneno letaldo sectarismo, cujos frutos são adesconfiança recíproca e o ódio.

Que nós, portanto, os esperan-tistas-religiosos, apresentemos aomundo, como o mais belo fruto denosso fervoroso amor a nossos cre-dos particulares e ao nosso comumideal esperantista, o exemplo deuma convivência sinceramente fra-ternal, amando-nos reciprocamen-te como filhos muito queridos doúnico Criador, isto é, como irmãosque pertencem a uma única família.

Exprimindo-vos o desejo deque vossos trabalhos se desenvol-vam no espírito do amor e da con-córdia, uma vez mais e de todo ocoração vos saudamos.

Nestor João Masotti

A FEB E O ESPERANTO

Palavra do Presidente da FEB aos esperantistas

Mensagem enviada à Reunião entre Religiões, realizada no 89o Congresso Universal de Esperanto, em Pequim,

de 24 a 31 de julho de 2004

A essência de nosso

Criador é amor,

amor em sua mais

pura expressão

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Seria muito importante que to-dos os que nos dizemos espí-ritas conhecêssemos um pou-

co mais sobre a vida de AllanKardec, principalmente sua vidapessoal. Isso é possível mediante aleitura das biografias que já foramescritas a seu respeito, os relatos queele próprio fez na Revista Espírita etambém por meio do que declara-ram os seus contemporâneos, aque-les que o conheceram de perto.

Esse conhecimento do homemnos facultaria maior entendimentodo Codificador, pois foram as suascaracterísticas como ser humano,adquiridas ao longo de inúmerasreencarnações, que o credenciarama tornar-se o grande e nobre mis-sionário que tanto admiramos.

Quando tomamos contato comalgumas destas informações, senti-mos Allan Kardec como um com-panheiro muito próximo, amigo,atento, sensível à dor alheia e aosproblemas dos que estavam à suavolta. Acrescentamos doçura, afabi-lidade, sentimento caritativo, bomhumor mesmo ao vulto sério e per-quiridor, cognominado por Camil-le Flammarion como “o bom sensoencarnado”.

Segundo Léon Denis1, AllanKardec tinha ido passar alguns diasem casa de amigos na cidade deTouraine e estes haviam alugadouma sala para ouvir o mestre disser-tar sobre o Espiritismo. Pediram

autorização junto à Prefeitura paraa realização da reunião, pois uma leido Império francês impedia qual-quer concentração com mais devinte pessoas. Como o pedido nãofoi deferido, a reunião foi transferi-da para o jardim da casa do Sr. Re-bondin e o próprio Léon Denis,ainda jovem, ficou encarregado deprevenir os convidados, indicando--lhes o local correto.

Mas o que marca neste episó-dio é a forma como Denis descreveo jeito de Allan Kardec responder àsperguntas. Segundo ele, o Codifica-dor as respondia com fisionomiasorridente.

No dia seguinte, quando Denisretorna ao local para visitar o mes-tre, encontra-o sobre um pequenobanco, junto a uma grande cerejei-ra, colhendo, descontraidamente,frutos que jogava para sua esposa,Amélie-Gabrielle Boudet.

Não param por aí as singularese humanas facetas de Allan Kardec.Quando este desencarna, quatropessoas discursam no enterro doseu corpo. Inicialmente, o Vice-Pre-sidente da Sociedade Parisiense deEstudos Espíritas, Sr. Levent; emseguida, Camille Flammarion (dis-curso que ficou mais conhecido),depois Alexandre Delanne e, porfim, o Sr. E. Muller. Todos elesmencionam alguns traços do cará-ter do homem Kardec. O Sr. E.Muller, falando em nome da viúva,diz que ao longo dos trinta e seteanos de felicidade que Amélie Bou-det desfrutou ao lado do marido,

pôde constatar a sua pureza de cos-tumes, sua honestidade absoluta e seusublime desinteresse.2

Noutra ocasião, numa reuniãorealizada em 9 de abril de 1869, ojá citado Sr. Levent refere-se a Kar-dec como alguém que possuía zeloinfatigável em seus trabalhos, de-sinteresse absoluto, pela total abne-gação de si mesmo, junto a umaconstante perseverança na direçãoda sociedade que presidiu até a de-sencarnação.3

Mas são as falas de AnnaBlackwell, tradutora de algumasobras de Kardec para a língua ingle-sa, e de Pierre-Gaëtan Leymarieque fornecem o tom que desejamosimprimir a este artigo. Tanto Ley-marie quanto Anna Blackwell co-nheceram de perto o Codificador epuderam, como poucos, destacarseus principais traços. Vamos en-contrá-los na bela obra de ZêusWantuil e Francisco Thiesen, publi-cada em três volumes pela Federa-ção Espírita Brasileira4. Anna afir-ma que pelas feições Allan Kardec“mais parecia alemão que francês.Era ativo e tenaz, mas de tempera-mento calmo, precavido e realistaaté quase à frieza, céptico por na-tureza e por educação, argumenta-dor lógico e preciso, e eminente-mente prático em suas idéias eações, distanciado assim do misti-cismo que do entusiasmo... Ponde-rado, lento no falar, sem afetação,com inegável dignidade, resultanteda seriedade e da honestidade, tra-ços distintivos do seu caráter. (...)

Humanizemos KardecCezar Braga Said

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recebia amavelmente os numerososvisitantes que acorriam de todas aspartes do mundo, para conversarcom ele (...) com os quais falavafranca e animadamente. Em algu-mas ocasiões apresentava fisiono-mia radiante, com um sorriso agra-dável e prazenteiro (...).”

O depoimento de Leymarie éainda mais intimista, pois recebiaKardec em sua casa, bem como ovisitava em sua residência. Afirmaque o mestre freqüentemente vinhavê-lo e “se distraía a contar anedo-tas de alto nível, às quais não fal-tavam ditos gauleses.” 4

Conta ainda Leymarie que,“nos últimos dias de sua vida, con-vidava amigos para jantar em suaVila Ségur” e “depois de haver de-batido os pontos mais difíceis emais controvertidos da Doutrina,esforçava-se por entreter os convi-dados. Mostrava-se expansivo, espa-lhando bom humor em todas asoportunidades”.4

Alguns espíritas vão estranharAllan Kardec contando anedotas,mas este estranhamento é muitosaudável, pois nos leva a pensar queo nosso é um movimento de vivos,como preconizava o grande espíri-ta brasileiro Leopoldo Machado.Quem encontra um tesouro se feli-cita com seu achado. A questão éque trazemos os atavismos das reli-giões por onde perambulamos, e ri-so, alegria, bom humor, eram sinô-nimos de vulgaridade e até de coisasdiabólicas.

Vez por outra ouvimos algu-mas exposições doutrinárias ondesão narradas anedotas agradáveis,reflexivas, algumas, até mesmo con-tadas por Chico Xavier. É um gran-de erro associarmos o riso sincero,descontraído, mesmo na intimida-

de do Centro Espírita, a algo de na-tureza vulgar e obsessiva. Não nosreferimos ao deboche, ao sarcasmo,à depreciação de quem quer queseja.

Entendemos que há momen-tos e reuniões que pedem um pou-co mais de recolhimento e silêncio,mas precisamos tomar cuidado comos exageros, pois se a disciplina énecessária, em excesso ela não edu-ca, antes violenta.

Sem alegria natural e espontâ-nea nosso Movimento acabará repe-tindo o formalismo das religiõestradicionais. Nem a criança nem ojovem encontram prazer num am-biente que seja permanentementesilencioso e contemplativo.

Ao que nos parece, Allan Kar-dec era sério no sentido mais amploe profundo da palavra, por isso mes-mo tinha uma permanente joviali-dade.

A seriedade malcompreendidaconduz-nos a um envelhecimentoprecoce, tornando-nos permanen-temente insatisfeitos, e o que épior, implicantes, querendo quetodos se moldem ao nosso jeito deser.

Quando os restos mortais deAllan Kardec são transferidos doCemitério Montmartre para o Ce-mitério do Père-Lachaise, Alexan-dre Delanne, que fora seu amigoíntimo, recebe o convite para dis-cursar e impossibilitado por motivode doença, envia uma carta para serlida na ocasião. Nesta carta ele reve-la o caráter diamantino e principal-mente o grande coração, o homembenevolente que fora Kardec. Nar-ra ele que indo com um amigo atéa casa de Kardec, este companheiropassou a contar para ambos o sofri-mento de um ancião que, vivendo

sob dificeis provações, não tinharoupas adequadas para o frio e aga-salhava seus pés em tamancos demadeira rudemente trabalhados.Mas este homem, longe de lamen-tar-se e com vergonha de pedir algoa alguém, resignava-se lendo umlivro espírita que lhe infundia gran-de consolo e resignação, trazendo--lhe esperanças de um futuro me-lhor. Delanne cita que neste instanteviu rolar dos olhos de Allan Kardecuma lágrima de compaixão e, con-fiando ao companheiro algumasmoedas de ouro, pediu que este aslevasse para prover as necessidadesdo ancião. Não satisfeito, solicitou--lhe voltar no dia seguinte, pois sen-do o ancião espírita, Kardec prome-tia providenciar algumas obras quepudessem facilitar sua instrução, jáque o mesmo não dispunha de re-cursos para adquiri-las.

Nesta mesma carta, Delannenarra também o episódio em queuma família fora despejada e con-duzida à extrema miséria. Sabendodo ocorrido, Kardec, mesmo semconhecê-los, sem cogitar se eram es-píritas ou não, forneceu os recursospara tirá-los da miséria, evitando,inclusive, o suicídio de um pai defamília.

Citando, ainda, outros fatosque revelam a alma bondosa destehomem notável, retiramos um tre-cho que, não sendo o desfecho dacarta, ao menos resume bem o teorde tudo o que Alexandre Delannequis narrar:

“Não mais pararia eu de falar,se tivesse necessidade de vos lembraros milhares de fatos desse gênero,conhecidos tão-somente por aquelesque Allan Kardec socorreu; nãoamparava apenas a miséria, levan-tava, também, com palavras con-

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fortadoras, o moral abatido. Ja-mais, porém, sua mão esquerdasoube o que dava a direita.” 5

Divaldo Franco6, citando An-na Blackwell, comenta que para ela,o Codificador tinha sua ponta devaidade, como a pêra que usavajunto com o bigode, a fim de es-conder uma verruga.

Vale a pena pensarmos na di-mensão humana de Allan Kardec,repensando, por extensão, a manei-ra como nos relacionamos com mé-diuns, expositores, escritores e diri-gentes espíritas.

Humanizar Kardec significaperceber seus sentimentos, sua di-mensão humana, sua sensibilidade.É admirar sua racionalidade, masentender que esta estava a servi-ço de sua generosidade, a serviço deJesus.

Portanto, trabalhemos e tra-balhemo-nos, modificando nossasidéias, ampliando nossos conheci-mentos, sem perder de vista a qua-lidade das nossas relações, o teordos nossos sentimentos, tal comonos ensinou em sua grandiosa sim-plicidade o mestre Allan Kardec.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1LUCE, Gaston. Léon Denis o Apóstolo do Es-

piritismo. Rio de Janeiro: CELD, 1989, p. 26

e 27.

2WANTUIL, Zêus e THIESEN Francisco.

Allan Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 1988,

vol. III, p. 126.

3Idem, ibidem. p. 129.

4Idem, ibidem. p. 130-131.

5Idem, ibidem. p. 138.

6FRANCO, Divaldo. Diálogo com dirigentes e

trabalhadores espíritas. São Paulo: USE, 1995,

p. 151.

O Conselho Espírita Interna-cional promove em Paris, de 2 a 5de outubro corrente, o 4o Congres-so Espírita Mundial, na Maison dela Mutualité (Rue St. Victor, 24 –região central), sendo realizado pelaUnião Espírita Francesa e Fran-cofônica e executado pela Asso-ciação Allan Kardec. O evento, como tema central Allan Kardec – oEdificador de uma Nova Era paraa Regeneração da Humanidade,insere-se no contexto das comemo-rações do Bicentenário de Nasci-mento do Codificador do Espiri-tismo, como seu ponto culminante.

As palestras de abertura e deencerramento do Congresso serãoproferidas, respectivamente, porJosé Raul Teixeira e Divaldo Pe-reira Franco. No desenvolvimentodo programa haverá mesas-redon-das sobre as obras básicas da Co-dificação – O Livro dos Espíritos,O Livro dos Médiuns, O Evange-lho segundo o Espiritismo, O Céu eo Inferno e A Gênese –, a “Evo-lução do Movimento Espírita” e a“Difusão da Doutrina Espírita”, pe-los seguintes expositores: Argenti-na: Juan Antonio Durante; Bélgica:Jean-Paul Evrard; Brasil: AlbertoAlmeida, Alexandre Sech, AltivoFerreira, Antonio Cesar Perri deCarvalho, César Soares dos Reis,Décio Iandoli Júnior, EduardoCarvalho Monteiro, Marlene Ros-si Severino Nobre, Nestor João Ma-sotti, Sérgio Felipe de Oliveira; Ca-

nadá: Leo Gaudet; Colômbia: Fá-bio Villarraga Benavides; Espanha:Salvador Martin; Estados Unidos:Sônia de Quateli Dói, Vanessa An-seloni; França: Charles Kempf, Jé-rémie Philippe, Joel Ury, KarineNguema, Michel Buffet, MichelPonsardin, Roger Perez; Guatema-la: Edwin Bravo Marroquin; Itália:Domenico Romagnolo; Panamá:Maria da Graça Simões de Ender;Portugal: Arnaldo Costeira, Porfí-rio Mário C. Lago.

O evento conta com traduçõessimultâneas para o francês, portu-guês, espanhol, inglês e esperanto.Foi programada uma Exposição so-bre a Vida e a Obra de Allan Kar-dec, Exposição sobre o MovimentoEspírita no Mundo e também umalivraria espírita internacional.

4o Congresso EspíritaMundial

Dedicado ao Bicentenário de Allan Kardec

Maison de la Mutualité vista de frente

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Kardec, enquanto recebes as ho-menagens do mundo, pedi-mos vênia para associar nosso

preito singelo de amor aos cânticosde reconhecimento que te exalçama obra gigantesca nos domínios dalibertação espiritual.

Não nos referimos aqui ao pro-fessor emérito que foste, mas ao dis-cípulo de Jesus que possibilitou olevantamento das bases do Espiri-tismo Cristão, cuja estrutura desa-fia a passagem do tempo.

Falem outros dos títulos decultura que te exornavam a perso-nalidade, do prestígio que desfruta-vas na esfera da inteligência, do bri-lho de tua presença nos fastossociais, da glória que te ilustrava onome, de vez que todas as referên-cias à tua dignidade pessoal nuncadirão integralmente o exato valor deteus créditos humanos.

Reportar-nos-emos ao amigofiel do Cristo e da Humanidade,em agradecimento pela coragem eabnegação com que te esquecestepara entregar ao mundo a mensa-gem da Espiritualidade Superior. E,rememorando o clima de inquieta-ções e dificuldades, em que, a fimde reacender a luz do Evangelho,superaste injúria e sarcasmo, perse-guição e calúnia, desejamos expres-sar-te o carinho e a gratidão de quan-tos edificaste para a fé na imor-talidade e na sabedoria da vida.

O Senhor te engrandeça portodos aqueles que emancipaste dastrevas e te faça bendito pelos que serenovaram perante o destino à for-ça de teu verbo e de teu exemplo!...

Diante de ti, enfileiram-se, agra-decidos e reverentes, os que arreba-taste à loucura e ao suicídio com ofacho da esperança; os que arrancas-te ao labirinto da obsessão com oesclarecimento salvador; os pais des-ditosos que se viram atormentadospor filhos insensíveis e delinqüen-tes, e os filhos agoniados que se en-contraram na vala da frustração edo abandono pela irresponsabilida-de dos pais em desequilíbrio e queforam reajustados por teus ensina-mentos, em torno da reencarnação;os que renasceram em dolorososconflitos da alma e se reconhece-ram, por isso, esmagados de angús-tia nas brenhas da provação, e osquais livraste da demência, apon-tando-lhes as vidas sucessivas; os

que se acharam arrasados de pran-to, tateando a lousa na procura dosentes queridos que a morte lhes fur-tou dos braços ansiosos, e aos quaisabriste os horizontes da sobrevivên-cia, insuflando-lhes renovação epaz, na contemplação do futuro; osque soergueste do chão pantanosodo tédio e do desalento, conferin-do-lhes, de novo, o anseio de traba-lhar e a alegria de viver; os queaprenderam contigo o perdão dasofensas e abençoaram, em prece,aqueles mesmos companheiros deHumanidade que lhes apunhalaramo espírito, a golpes de insulto e deingratidão; os que te ouviram a pa-lavra fraterna e aceitaram com hu-mildade a injúria e a dor por instru-mentos de redenção; e os que de-sencarnaram incompreendidos ouacusados sem crime, abraçando-teas páginas consoladoras que molha-ram com as próprias lágrimas...

Todos nós, os que levantastedo pó da inutilidade ou do fel dodesencanto para as bênçãos da vida,estamos também diante de ti!... E,identificando-nos na condição dosteus mais apagados admiradores ecomo os últimos dos teus mais po-bres amigos, comovidamente, emtua festa, nós te rogamos permissãopara dizer: Kardec, obrigado!...Muito obrigado!...

Irmão X

(Mensagem recebida pelo médium Fran-cisco Cândido Xavier.)Fonte: Reformador de março de 1969,p. 7(51).

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Kardec, obrigado!

Todos nós, os que

levantaste do pó da

inutilidade ou do fel

do desencanto para

as bênçãos da vida,

estamos também

diante de ti

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