Revista Nós nº1

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nós Nº 01 pra se amarrar na cultura e na arte

description

Revista colaborativa lançada em maio de 2010 pelo Programa Rede Cultura Jovem - SECULT ES.

Transcript of Revista Nós nº1

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nósnº 01

pra se amarrar na cultura e na arte

Page 2: Revista Nós nº1

16Cultura e arte jovem de norte a sulReportagem de Carolina Ruas mostra experiências exitosas protagonizada por jovens capixabas

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foto Vinícius Guimarães

A festa e o território Em entrevista, as lutas de um jovem quilombola36

As linhas que unem imagens da rua, o som de uma velha bebida e perucas velozesEnsaios de uma jovem crítica capixaba

Imagens em camadasA manipulação digital na seleção de Filipe Borba

Max Dias escreve artigo sobre a produção cultural dos jovens e as políticas

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Oi Leitor,

Você tem em mãos um verdadeiro “nó” que representa o

emaranhado de idéias, linguagens, estilos, estéticas, experiências

da produção artístico-cultural protagonizada pelas juventudes do

Espírito Santo.

No Guia de Colaboradores, saiba quem são os jovens profis-

sionais que produziram os conteúdos sobre a fervilhante criação

dos jovens capixabas. No Observatório, dê uma espiadinha no

que as redes sociais da internet oferecem. Fique por dentro da

agenda e destaques da cena cultural do Estado no Circuito.

Confira a fartura de jeitos de se fazer arte e cultura por jovens

de diversos municípios do Estado acompanhando as matérias do

Novelo. Veja como a criação literária reverbera numa ilustração

na Costura a Dois.

Faça suas próprias considerações sobre criações de jovens

artistas a partir da Crítica Emaranhada. Acompanhe trechos da

obra de um jovem crítico e literato no Crochê Literário. Entre na

discussão sobre políticas culturais para juventude no Artigo. Na

Entrevista, conheça um jovem guerreiro da festa popular e da

luta por território.

Aprecie as reproduções de obras artísticas na Nossa Galeria.

E, por fim, veja o ensaio fotográfico do Arremate. Recoste-se,

relaxe e aproveite a viagem.

Esta é a revista Nós!

NÓS EDITORIAL4

O Programa Rede Cultura Jovem completa seis meses de

existência e lança o primeiro número da revista Nós destinada a

abrir novos espaços de expressão e de comunicação para a juven-

tude do Espírito Santo.

Sabemos que ao lançar um programa voltado para a juven-

tude estamos contribuindo para a construção de um caminho

sólido em direção ao futuro de nosso Estado e de nosso país.

Significa também contribuir para ampliar o sentido da existên-

cia dessa parcela tão significativa da população, valorizar sua

história e as suas heranças, a sua maneira de ser, de pensar e

de agir, sem ocultar obviamente as suas contradições, que são,

no fundo, a mola propulsora que a impulsiona a transformar e a

recriar os seus valores e o seu universo simbólico.

Uma das ferramentas fundamentais do programa é o Portal

YAH! – www.portalyah.com.br –, uma rede virtual de relaciona-

mento com foco nas artes e na cultura que pretende dar visibili-

dade às criações e às reflexões de seus usuários tornando-se um

ambiente de troca de experiências e de difusão de manifestações

artísticas e culturais dos jovens capixabas.

O desenvolvimento tecnológico não acarreta somente mu-

danças nas esferas científicas e nos modos de produção. Ele atua

diretamente sobre a maneira como nos relacionamos e em todo

e qualquer processo criativo. Influi sobre as formas como nos

organizamos e como utilizamos as linguagens artísticas para nos

expressarmos e nos comunicarmos. Nesse sentido, o Portal YAH!

visa a conectar jovens de todas as origens socioculturais que têm

em comum o interesse pela arte e pela cultura.

A revista Nós materializa e fortalece ainda mais a nossa rede.

Uma boa leitura a todos!

Dayse Maria Oslegher Lemos

Secretária de Estado da Cultura do Espírito Santo

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Page 5: Revista Nós nº1

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Guia de colaboradores

Observatório

Circuito

Novelo

PRCJ

Portal YAH!

Crochê Literário

Costura a dois

Crítica emaranhada

Artigo

Entrevista

Nossa galeria

Arremate

689

102123

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Ítalo Galiza Graduando em Comunicação Social pela Ufes e diretor dos vídeos Teoria do Ralo (2007)

e Eu preferia um perfume (2008). É produtor e apresentador do Programa Vice Verso,

na Rádio Universitária fM 104.7 - que experimenta a relação entre a poesia e a música

popular brasileira.

[email protected]

Joyce Castello Estuda Comunicação Social na Ufes e faz parte do programa Bandejão 104.7, da Rádio

Universitária FM. Foi diretora de fotografia do documentário Frames e venceu o festival de

Vídeos Universitários – Rec, em 2008, com o vídeoarte Angústia é fala entupida.

[email protected]/joycecastello

www.bandejao1047.wordpress.com

Maria Inês Dieuzeideformada em Comunicação Social pela Ufes e mestranda em Imagem e Som

pela Universidade federal de São Carlos. Produziu os vídeos Auto-Vitrato e

Cave Canem, e foi contemplada no Prêmio Incentivo à Produção de Crítica

em Artes da Secult-ES/2009

[email protected]

Raphael AraújoCursa Artes Plásticas na Ufes, onde participou de diversas exposições. Em 2008, fez sua

primeira exposição fora do ambiente acadêmico chamada Deslocamentos. fotografou as obras da 8ª Bienal do Mar (2008) e fez o still do filme Olho de Gato Perdido (2009).

[email protected]/photos/kickinrats

twitter.com/RaphaelG_araujo

Max Dias formado em Comunicação Social e mestre em história pela Ufes. É coordenador

do Centro de Referência da juventude da Prefeitura Municipal de Vitória onde

desenvolve trabalhos voltados para a expressão, participação e autonomia juvenil.

[email protected]

Vinícius Guimarães Designer, artista, fotografo, marceneiro, pedreiro, encanador. Diagramador de revista,

jogador de futebol, ciclista, ilustrador.

[email protected]

twitter/vinivinivini

Orlando Lopes Poeta, professor, ativista cultural e consultor em projetos de responsabilidade social e

cultural. É doutor em Literatura Comparada pela Uerj e colaborador na implementação

do Programa Rede Cultura jovem.

[email protected]

Ivo GodoyArtista plástico, graduado em Artes Plásticas pela Ufes, desenvolve trabalhos na área

de Poéticas Digitais. Participou de diversas exposições coletivas. É membro do grupo

hNArte e webdesign do Programa Rede Cultura jovem.

[email protected]

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Melina Almada Sarnaglia Mestranda em história e Crítica de Arte pela Ufes, busca novas abordagens no olhar para a

crítica de arte e trabalha com as relações do espectador na contemporaneidade. Participou de

exposições coletivas, destaque para a obra Marí[n]timo exposta na 8ª Bienal do Mar (2008).

[email protected] www.marintimomar.blogspot.comwww.hnarte.wordpress.com

Eduardo Ojújovem poeta e compositor. formado em jornalismo. Criou a trilha sonora para o

documentário As Últimas Responsadeiras e colabora com site jornal Barato.

[email protected]

Guido Imbroisi Estudante de Arquitetura e Urbanismo pela Univix - faculdade Brasileira. É colabora-

dor da Revista Prego e da Revista SOMA, de São Paulo. Também fez parte do grupo

de desenvolvimento de projetos para a 8ª Bienal de Arquitetura e Urbanismo de São

Paulo. [email protected]/photos/quadretifero

Sérgio RodrigoGraduado em Comunicação Social e mestrando em Psicologia Social pela Ufes. O jovem é

blogueiro, jornalista, contista e videoasta.

[email protected]/sergiorodrigo12babadocerto.wordpress.com

Alex VieiraArtista plástico, participou de várias exposições coletivas e foi o autor da exposição

individual Lote 64 na Galeria homero Massena. Criador da Revista Prego, colabora com

outros veículos impressos, inclusive com publicações estrangeiras.

revistaprego@gmail.comwww.revistaprego.blogspot.comwww.flickr.com/photos/smart_alex

Syã FonsecaCursou fotografia pelo Senac. Foi fotógrafo do Jornal Online Século Diário. Participou

da cobertura fotográfica do Projeto Pixinguinha. Já expôs seus trabalhos em duas

mostras coletivas, sendo uma em Boston, nos Estados Unidos.

[email protected]

Filipe Alves Borba Artista plástico formando em Artes Plásticas pela Ufes, participou de diversas

exposições coletivas, entre elas, a 1 + 7 Arte Contemporânea no Espírito Santo no

Museu Vale. Atua no coletivo Bolor que busca aproximar o público dos processos de

criação artística.

www.flickr.com/filipeborba bolorarts.blogspot.com

Carolina RuasRepórter do Caderno Atrações do jornal on-line Século Diário e estudante de Co-

municação Social na Ufes. faz parte do Grupo de Estudos Audiovisuais (GRAV), no

qual realiza pesquisas sobre cinema e trabalha na organização de eventos ligados ao

audiovisual.

[email protected]

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Faça sua produção audiovisual acontecer

Se você tem entre 16 e 26 anos, atua em projetos sociais au-

diovisuais e deseja realizar um vídeo, fique atento! O Instituto

Galpão lançou em abril as inscrições para a Oficina de Qualificação

Audiovisual. Os 15 selecionados terão aulas de roteiro, direção,

produção, fotografia, som, edição, mobilização, direitos autorais

e assessoria de comunicação. Ao final do curso, com duração de

105 horas, cada selecionado realizará um vídeo digital de até 15

minutos. Para participar, o jovem deverá escrever uma história real

ou de ficção que deseja transformar em obra audiovisual.

Mais informações:

(27) 3327-2751 e [email protected]

Web TV CECAESO Centro Cultural Caieiras acaba de se lançar em mais uma

empreitada. Está no ar desde março de 2010, a Web TV CECAES,

que veicula os vídeos produzidos pelos jovens integrantes do Nú-

cleo de Memória Audiovisual do Projeto Manguerê – Ponto de

Cultura do Brasil. No site já estão disponíveis os vídeos Rodando na

feira, Entrevista com Seu Bá, MC. Will no Teatro Tom jobim entre

outros. Acesse: tvcecaes.wordpress.com

Pelos muros da cidadeEm homenagem ao Dia Nacional do Graffiti, comemorado no

dia 27 de março, a arte de rua ganhou um evento especial em

Vitória, a Semana do Graffiti. O evento aconteceu entre os dias 23

e 28 de março de 2010 e dezenas de artistas locais marcaram pre-

sença. A programação contou com exposições, pinturas coletivas,

mostra de vídeos e debates, levando o grafite para as ruas, escolas,

shopping e comunidade. A abertura do evento aconteceu no Shop-

ping jardins, em jardim da Penha, com a exposição “+ Tinta”, dos

grafiteiros capixabas Fredone, Ficore, Iran, Ren e Somall. O último

dia do encontro foi marcado por apresentações de rappers, MCs e

Bboys, além de intervenções no bairro jaburu.

A animação da fé jovem

No último dia 27 de março, aconteceu mais uma edição do

Bola fest. Cerca de 150 pessoas participaram do evento na Igreja

Bola de Neve, em Vila Velha. Os presentes puderam conferir os

shows da banda D’K, de Curitiba, da capixaba Família Gam e do

Dj Gegê, além de assistirem a vídeos de surf e darem uma volta

de skate pelo espaço do evento. O grafite e o break completaram

a festa.

6ª MoVA CaparaóA sexta edição da Mostra de Vídeo Ambiental do Caparaó

– MoVA, realizada em setembro de 2009, em Alegre, premiou o

documentário Feliz Lembrança na categoria Mostra Competitiva

Caparaoense. O vídeo foi produzido pelos alunos de Alegre que

participaram das oficinas de roteiro, produção, gravação e edição

oferecidas pela mostra. O vídeo apresenta um lugar onde os jovens

encontram um caminho para continuar vivendo no campo.

8

Circuito

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Nerds somos nozesPara quem curte games, HQ’s, livros, filmes, música, ou seja, arte

e cultura pop. O blog, criado por quatro amigos para compartilhar

suas ideias e críticas sobre o mundo nerd, recebe cerca de seis mil

acessos diários e conta com nove autores fixos e cinco eventuais co-

laboradores. Nos posts, os mais diversos assuntos do universo nerd

www.nerdssomosnozes.com

Pra anotar e ir! Se você curte artes plásticas confira a programação de exposições

da galeria Homero Massena. A galeria fica na rua Pedro Palácios, na

Cidade Alta, Centro de Vitória. A entrada das exposições é gratuita.

01 de junho a 02 de julho - Fotografia e desenho/espaços

urbanos/não lugares, da artista Pamela Reis.

13 de julho a 13 de agosto - Sala 12,

de Erlon Perez Wanderley, Michele Marques, Miriam Vazzoler.

24 de agosto a 24 de setembro - Recordações,

de juliana Bernabé Nunes.

05 de outubro a 05 de novembro - Acervo Vivo,

do hnA - Molécula Multiplicadora de Arte.

16 de novembro a 31 de dezembro - Inapreciável, do

Coletivo Mimosas Pudicas.

Juventude rural na tela

A primeira edição da Mostra Capixaba de Cinema Rural, que

aconteceu em novembro de 2009, atendeu 16 municípios da região

serrana do Espírito Santo. Nas cidades, foram oferecidos três meses

de oficinas que resultaram na produção de documentários que en-

focaram o protagonismo dos jovens no desenvolvimento rural. Os

vencedores da Mostra foram: Ous Land, de Laranja da Terra; Bulling,

de Itaguaçu; Arrependido, de Afonso Cláudio; e Bonzim, Bonzim?,

de Brejetuba.

Pensar e fazer comunicação

A Escola Popular de Comunicação e Crítica (Espocc) já começou

suas atividades. A iniciativa oferece oficinas e cursos, como produção

audiovisual nos novos meios digitais. Nas aulas os jovens ainda apren-

dem as diferentes linguagens e conceitos na área da comunicação. A

Escola fica na CEMUCA da Igreja Batista do Romão, em Vitória, e é

um projeto da Prefeitura Municipal de Vitória e do Observatório de

favelas do Rio de janeiro.

Contatos:

27-3222-7306 e [email protected] e [email protected]

Redatoras de MerdaAs publicitárias Elisa Quadros e Valeria Semeraro criaram o site em

2005 com o seguinte conceito: postar textos e crônicas livres para se

desvencilhar da rotina de textos publicitários.

www.redatorasdemerda.blogspot.com

1ª Mostra Capixaba de Audiovisual EtnográficaPrevista para os dias 23 a 26 de junho de 2010, contará com oficinas,

debates e shows. jovens dos municípios de Colatina, Marilândia, Go-

vernador Lindemberg, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha,

Águia Branca, Nova Venécia, Vila Pavão, Barra de São francisco,

Mantenópolis, Alto Rio Novo, Pancas e Baixo Guandu participam de

oficinas de realização para a Mostra que acontecem de abril a junho.

9CIRCUITO

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Que esburrem a arte e a cultura jovem capixaba!

Quando você nasce, as pessoas à sua volta comentam como é

maravilhosa a vida, como os bebês são lindos e trazem felicidade ao

mundo! Passados os anos, o bebê fofinho cresce e é visto ou como

uma criança endiabrada, ou um símbolo da inocência e alegria divina.

Mas é na adolescência que o processo gradativo de digressão da

imagem pública de um ser humano começa. Por volta dos 15 anos

nos dizem sempre que aquela é “pior idade” ou “a mais perigosa”, e

que os pais devem “estar alertas” para nos proteger das tentações do

mundo. É como se a juventude fosse um túnel sombrio cujo percurso

necessita de extrema cautela a fim de chegarmos sãos e salvos até a

suprema maturidade.

Viver essa fase como um “bom menino” não é tarefa fácil. Mas as

pessoas (e aí somos nós, os jovens!) são cravados de muitos detalhes

que marcam a ondulação no gráfico de boas ou más qualidades. Há

uma dificuldade para entender que “juventude” não é (só) um meio,

mas uma mensagem. E ela é bem extensa.

No auge dos meus 22 anos, enfrentei a decadência pré-estabe-

lecida da minha imagem pública de jovem e, como muitos, adquiri a

mesma mentalidade conservadora daqueles que deixam o avanço dos

anos bloquear as manifestações do trabalho criativo típicas da juven-

tude. É preciso exercitar o olhar para si próprio, o que inclui olhar para

os jovens à minha volta, e tentar encontrar as mensagens soltas por aí.

Muitos dizem “Vitória é tão pequena... nada acontece por aqui”.

Isso é papo de quem não abre os olhos para enxergar qualquer coisa,

principalmente o fato de que ser capixaba é algo muito mais amplo

e de que a fome de criar e consumir cultura transborda para além

dos limites da ilha. Várias outras cidades capixabas também merecem

destaque pelas atividades artístico-culturais realizada por seus jovens.

Também é preciso amplificar as vozes daqueles que atuam para

tornar a cena cultural mais apetitosa. Basta a mente aberta para

perceber a crescente produção artístico-cultural, concentrada em mãos

de quem trabalha com afinco, coragem e criatividade. E eis o jovem

capixaba!

Que esburrem a arte e a cultura jovem capixaba!

NOVELO10 CAROLINA RUAS

Carolina Ruas

Page 11: Revista Nós nº1
Page 12: Revista Nós nº1

O dia 29 de junho de 2009 é marcante para o mundo pop musi-

cal. Era tarde quando saíram as primeiras notícias de que o maior ídolo

pop da história, Michael Jackson, sofreu um ataque cardíaco. Michael

bateu as botas e nem fez tanta diferença assim na vida de Ramon

Zagoto (21 anos), Natanael de Souza (25), e Carlos Abelhão (23). Na

hora do acontecido, Ramon provavelmente desvendava os mistérios

de algum programa de edição de vídeo em seu quarto em Campo

Grande, Cariacica. já em Vitória, Natanael devia estar com certeza

vendo algum filme B com seu irmão mais novo em São Benedito en-

quanto no bairro de jaburu, Abelhão se esparramava no sofá da sala

contando os clipes de hip hop que passavam na TV um após o outro

até... ops! Michael Jackson atropelar as histórias dos três!

Até então, os três se conheciam pouco, de encontros e conversas

eventuais pelos corredores do Centro de Referencia da juventude

de Vitória (CRj) e dali partiam cada um para seus mundos. Eles se

conheceram mais e quando menos esperavam estavam construindo

um novo ídolo pop da periferia para as dimensões capixabas: o vídeo

Máicou Diéquison (2009, 8 min. e 51 seg.).

Mesmo sem terem uma grande relação com o falecido, Ramon,

Natanael e Abelhão foram iluminados pela sua figura marcante e pela

indiscutível repercussão que a sua morte teve na mídia internacional.

E como num poema tropicalista, o M. Jackson teve que morrer para

germinar no trio a idéia de fazer um vídeo que retratasse o avesso do

glamuroso mundo da música pop. Máicou Diéquison, realizado por

Ramon e Natanael e protagonizado por Abelhão, conta a saga de

um jovem fã do astro pop batizado com o mesmo nome fonético do

ídolo. Este Máicou é um jovem que, negro, pobre e da periferia, tem

dificuldades para inserir-se no mercado de trabalho, enquanto assiste

ao envolvimento de seus amigos com o tráfico de drogas.

O vídeo participou de quase todos os festivais capixabas de

audiovisual e é o que muitos chamam de “azarão”. Levou para casa

o principal prêmio do festival de jovens Realizadores do Mercosul,

ocorrido em outubro de 2009, da V Mostra Produção Independente -

Cinema em Negro & Negro da ABD Capixaba (foto à direita na página

seguinte), em novembro do mesmo ano. E nem era para ser tudo isso.

Sentados em uma sala do CRj, os três rapazes que editaram o vídeo

Michael Jackson

não morreuO rei do pop partiu antes de conferir essa: o estrelato da consciência sócio-política no premiado vídeo de um trio jovem

NOVELO12 CAROLINA RUAS

Page 13: Revista Nós nº1

se atropelaram na hora de montar todas as cenas que permearam a

construção dessa história.

“Era pra ser um vídeo de três minutos pra concorrer na mostra

de vídeos da Conferencia Nacional de Segurança Pública”, explica

Ramon. Nas palavras do protagonista Abelhão: “não tínhamos a

intenção de ganhar prêmio. A gente pensou o vídeo para abrir dis-

cussões como emprego, juventude, o mundo da música e da cultura”.

Despretensioso, Máicou Diéquison era uma forma para debater

questões sociais e concentrar os meninos em um trabalho audiovisual.

Quando foram aceitos para concorrer no Festival Internacional de

Atibaia, em São Paulo, realizado entre 12 e 17 de janeiro de 2010, foi

que a ficha finalmente caiu.

“Em Atibaia a gente tava concorrendo com uma porrada de

produção massa, gente de Portugal, frança e de todos os cantos

do Brasil”, conta Natanael. E para eles essa foi uma grande vitória

que lhes deu a chance de entrar num circuito antes desconhecido.

Natanael diz que valeu mesmo a experiência de estar no meio de

produtores, diretores, artistas do audiovisual e isso lhes colocava em

um outro patamar.

Melhor ainda foi concluir que três jovens da periferia, anônimos

no eixo cultural capixaba conquistaram o reconhecimento do público e

do circuito audiovisual capixaba. Depois de ser assistido por centenas

de pessoas nos festivais, Máicou Diéquison foi parar no Youtube e

desde então, nas palavras do próprio Ramon, “o vídeo viaja por aí, pra

lugares que a gente nem sabe”.

Abelhão já trabalhava com intercâmbio cultural em periferias,

promovendo oficinas ligadas ao vídeo e à fotografia, além de ter par-

ticipado da produção de um documentário sobre São Benedito. Nesse

mesmo bairro, Natanael também já vinha trabalhando no projeto

Viela filmes, um grupo de produção audiovisual focado em geração

de renda para jovens. E Ramon desempenhava diversas funções em

produções audiovisuais ligadas ao Grupo de Estudo e Produção Audio-

visual da Ufes (Grav).

Apesar dessa produtividade, foi só depois do sucesso de Máicou

Diéquison que eles passaram a ter “crédito” para as outras pessoas.

Até então trampavam diariamente para construir seus projetos sem

grandes investimentos financeiros. Eles concordam que, apesar de

muitas ideias brilhantes aparecerem, apoio é uma coisa que não brota

do nada e encontrar gente para apostar em quem está começando é

praticamente um milagre.

fervilhando de criatividade, Abelhão, Natanael e Ramon são agora

um nicho de produção que germina no CRj, lugar que para Abelhão

é quase uma segunda casa: “chego aqui e encontro gente cheia de

ideias e todo o projeto que a gente propõe o Centro abraça”.

A meta agora é filmar um novo roteiro, escrito por um dos me-

ninos que frequentam o Centro e que entrou em contato com o trio

para realizá-lo. Eles também andam envolvidos com a proposta de um

curta-metragem “maior” e com um roteiro que eles planejam escrever.

“A galera meio que já reconhece a gente por aí, sabe? já ganhei uns

convites aí pra fazer uns vídeos e tal”, diz o ator Abelhão.

A visibilidade conquistada faz com que eles se vejam como um

exemplo de que é possível desenvolver trabalhos de qualidade nas pe-

riferias de Vitória. Mas iniciativas que estimulem esse tipo de produção

ainda são poucas no Estado. “A molecada precisa de incentivo pra

fazer filme, mas às vezes tem que dividir o tempo com um emprego e

aí não consegue levar as duas coisas. Então tem que remunerar o tra-

balho desse cara”, defende Abelhão. O apoio é fundamental de todas

as formas. Muitas vezes, não somente financeiro, mas a orientação de

alguém que direcione a criatividade do jovem, como alguém que seja

referência de produção.

Antes de qualquer coisa, Ramon, Abelhão e Natanael cavaram

seu espaço mostrando ter talento para contar histórias com imagens.

O trio acredita que é preciso levar o audiovisual para o morro e abrir

caminhos para quem está a fim de produzir cultura com seriedade.

Natanael acha que é preciso olhar diferente para o moleque da

periferia e entender que às vezes ele realmente quer produzir arte

sem grandes dramas sociais, talvez fazer filmes de terror, comédia, ro-

mance. Para Abelhão, a diferença é que, no morro, a arte é uma arma

revolucionária e que qualquer obra feita na periferia carrega um rastro

de crítica social. Ramon só quer produzir. Sem bloqueios ou preconcei-

tos, arte para todos os públicos e todos os gostos.

13http://www.youtube.com/watch?v=SZmG6Vnc-o0

foto Katler Dettman foto Lia Carreira

Da esquerda para direita: Ramon, Natanael e Abelhão.

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Distante da Grande Vitória, Cachoeiro de Itapemirim, essa cidade

meio capixaba meio fluminense, passou por processos históricos que a

fez despontar como capital cultural do Estado em outros tempos. Não

é à toa que a cidade sempre se gabou de ter sido o berço de nomes

expressivos da cena artístico-cultural do Espírito Santo.

Atualmente, Cachoeiro abriga uma série de nomes que alcançam

reconhecimento muitas vezes sem passar pela capital do Estado. “É

bom que as coisas não se prendam só em Vitória”, afirma Zé Laurindo

(25 anos), um dos integrantes do Vitrola de 3 (foto na página ao

lado), um projeto experimental de banda que se pauta pela não

definição de um único estilo musical. Também fazem parte da forma-

ção inicial da banda Tózin (23) e Caetano Monteiro (24).

“Começou com três mesmo em 2007, eram alguns amigos que

estavam sempre juntos, fazendo um sonzinho no bar, o negócio

começou a ficar mais sério e todo mundo resolveu levar pra frente”,

conta Zé Laurindo. Com o tempo, a diversão atraiu mais gente para o

grupo e as composições bem elaboradas começaram a intrigar as pes-

soas que passaram a defini-los como uma banda.

Os atuais sete integrantes do Vitrola de 3 são tão íntimos do

palco que parecem ter feito isso a vida toda. Isso resulta do trabalho

feito por diversão e sem medo de arriscar, garante Tózin, ainda que o

projeto esteja sendo levado a sério.

Para Caetano, o diferencial vem do “estrago”. “Nunca quisemos

ser perfeitos e super ‘redondos’. O risco está presente em todos os

shows e isso fica muito claro. Logo, onde não se tem medo de errar,

tudo pode acontecer”, diz. O estilo indefinível, as performances

circenses, o debochado jeito de executar as músicas fazem do Vitrola

de 3 uma experiência bem peculiar de banda, pautada pelo improviso

e pelos desdobramentos do “estrago” feito no palco.

Provocativos, gostam de mesclar tango com axé, samba com

rock, blues e frevo. Tudo é possível e “não há muros para a cria-

ção”, nas palavras de Caetano que termina com um premonitório “a

‘destribalização’ é o futuro da música”. Tanto faz se pra fazer samba

é preciso um pandeiro e um violão. Se der vontade de encaixar alguns

riffs de guitarra em cima de programação eletrônica, não há nada que

os impeça.

Esses intercâmbios acabam despertando o interesse de vários

públicos e pela internet fazem a musica viajar para bem longe de Ca-

choeiro de Itapemirim. Pessoas de vários países acessam ao MySpace

do grupo. Isso tudo apresentando-se no interior, com uma ou outra

vinda a Vitória. “Se for pra mudar pode se pensar em Rio de janeiro,

Belo horizonte ou São Paulo. Vitória é perto e podemos ir e voltar

no mesmo dia quando tiver show”, considera Tózin. Mas para dar

certo esse modelo de descentralização artística, os meninos acabaram

tornando-se empreendedores da música, Tózin explica: “a banda tem

que ser banda, pensar na música, mas também tem que ser como uma

empresa moderna, digamos”.

Cachoeiro de Itapemirim tornou-se um celeiro para o empreende-

dorismo cultural juvenil. Os jovens artistas de lá têm se organizado

para promover seus próprios shows, firmando parcerias entre os gru-

pos locais e trabalhando sob a forma de coletivos artísticos. Apoiados

pelas potencialidades da internet, criaram o Encuca, um projeto que

reúne artistas e produtores culturais do sul do Estado por meio de um

site.

flávio Marão (30 anos) do grupo Projeto Feijoada foi quem deu

o pontapé inicial no grupo, motivado pela necessidade de conhecer

trabalhos de outros artistas da cidade. Através do Orkut, ele começou

juntando perfis de artistas locais, em seguida, mobilizou essas pessoas

para enviarem seus portifólios e resolveu unir tudo numa só rede.

Diferente do Vitrola de 3, o Projeto feijoada segue uma linha

musical mais homogênea, com influências do samba de botequim. Em

seus shows, o grupo respeita essa ideia: no palco são mantidas mesas

e cadeiras, como em uma roda de samba. Quanto a mudarem para

Vitória em busca de mais oportunidades, os dois grupos pensam da

mesma forma. “A cena cachoeirense está começando a voltar, mas se

falamos em viver da música, acredito que até em Vitória seja difícil”,

conclui Marão. Portanto, os dois grupos acreditam que o trabalho

coletivo do Encuca e a parceria com outros produtores culturais locais

seja a melhor solução para movimentar a região.

O Encuca também foi criado para estimular o surgimento

de novos “atores” na cena cultural do sul capixaba. foi graças à

participação de outros articuladores culturais que o projeto ganhou

força e agora as decisões são tomadas em grupo. “hoje nós somos

um coletivo. No momento estamos organizando um evento de arte

integrada”, diz Marão. Nas palavras de Caetano, do Vitrola de 3, o

coletivo Encuca funciona como um mutirão. “Um ajuda o outro e por

aí vai”. E a ideia é ter mobilização tanto no mundo da música, quanto

em outras áreas artísticas.

O “primeiro filho” do Encuca, foi a publicação do livro Catar-se,

da jovem escritora Milena Paixão (25 anos), vencedora do Prêmio

Omelete Marginal 2009 na categoria Literatura. Milena começou a

usar o site para divulgar seus textos até ser convidada para publicar

poemas em uma revista, e a partir daí foi um crescente de visibilidade

que aumentou com a publicação do livro com recursos da Lei Rubem

Braga. Para flávio Marão “esse foi um momento muito especial, como

um pontapé para o novo momento da cidade e uma certeza de que o

Encuca tem seu grau de importância”.

Tudo junto e misturado em CachoeiroÉ pra ficar encucado O coletivismo da Capital Secreta irá conquistar o mundo

NOVELO14 WWW.MYSPACE.COM/VITROLADE3WWW.MYSPACE.COM/PROjETOfEIjOADA

WWW.ENCUCA.NING.COM

CAROLINA RUAS

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foto Bárbara Bueno

Page 16: Revista Nós nº1

O município capixaba de João Neiva, com cerca de 15 mil

habitantes, causou espanto ao entrar no mapa da música erudita

brasilei-ra. Em 2009, jovens do município ganharam os cinco

primeiros lugares do II Concurso Nacional de Lutheria “Enzo

Bertelli” do Conservatório de Tatuí. O Conservatório, um dos

mais conceituados do País, fica no interior de São Paulo.

Paulo Mouta (27 anos), Cesar Cometti (42), Júlio Cesar Vés-

per (22), Robson Vésper (19) e Ritney Gonçalves (20) foram os

premiados pela habilidade com a técnica da lutheria, a delicada

arte de fabricação de instrumentos musicais, que desenvolveram

no Instituto Preservarte. A instituição trabalha com a educação

musical dos jovens da região, e o bom resultado no Concurso é

fruto desse trabalho aliado ao talento dos jovens que, desde cedo,

buscaram aprimorar-se.

Para a presidente do Instituto, Estela Maris Casara, a vitória

dos alunos foi realmente inesperada, ainda que ela acreditasse

na qualidade dos instrumentos produzidos por eles. “Em 2008, a

gente ficou sabendo que aconteceria esse concurso e resolvemos

testar nossas habilidades”, conta Estela. O aluno do Preservarte

Marcus Vinícius Fachinetti Nascimento (24 anos) passou bem no

teste e levou o primeiro lugar da premiação. No ano seguinte, já

na espera para a chegada do concurso, Estela resolveu inscrever

um número maior de alunos e, dessa vez, arremataram os cinco

primeiros lugares. “Nesse segundo ano, foi até polêmico e houve

questionamento, pois foram muitos alunos do Preservarte que

ganharam”, explica ela.

Porém, contra qualquer acusação de ‘marmelada’, conta o fato

de o Instituto, criado em João Neiva há mais de quinze anos, ser

praticamente uma escola aberta que oferece cursos gratuitos de

iniciação musical em vários níveis. A lutheria tornou-se o carro

chefe da instituição por conta do bom desempenho no concurso,

mas é apenas uma das atividades desenvolvidas. Além da capaci-

tação para o artesanato de violinos, o Instituto oferece aulas de

música e de formação de orquestra. A ideia é fazer a formação

inicial para despertar no aluno a vontade de desenvolver uma

carreira na área musical. O resultado depende da disposição em

Todo o podium para João Neiva

Não foi marmelada! Destaque em premiação nacional é resultado de disciplina para formar artesões tipo exportação

NOVELO16 CAROLINA RUAS WWW.PRESERVARTE.ORG

Page 17: Revista Nós nº1

dar continuidade aos estudos, o que faz muitos dos ex-alunos do

Instituto ingressarem na Faculdade de Música do Espírito Santo

(Fames).

Hoje os luthiers são reconhecidos por um trabalho pouco

divulgado e restrito a um nicho de mercado que os fazem parecer

heróis devido à dedicação a essa arte erudita. As oportunidades,

entretanto, estão fora, no mercado internacional o que chega a

ser utópico para a realidade de muitos. Quando chega a idade

das responsabilidades e das cobranças da família, a tendência é

o aluno desviar o foco para algum outro tipo de trabalho remu-

nerado. Por isso, uma das maiores preocupações do Instituto é

sensibilizar os pais sobre a importância do trabalho de artesão. O

número de desistências ainda é grande, mas aos poucos, com a

ajuda da visibilidade que o Preservarte conseguiu ultimamente, a

conscientização de que existe um mercado em expansão começa

a se firmar.

Para viver da lutheria é preciso tornar o trabalho visível

fora do País, o que é uma tendência perfeitamente natural no

meio. A Europa é o melhor destino para esses meninos e é uma

perspectiva completamente plausível desde que seja encarada

com disciplina. “A ideia de trabalho, remuneração e a existência

de referências é fundamental para o projeto, por isso a gente traz

sempre um professor do exterior que viaja o mundo todo e é bem

remunerado por esse tipo de trabalho”, explica Estela. Bastante

otimista sobre o assunto, ela não hesita em dizer que mesmo no

Brasil há um mercado em franco desenvolvimento e que, ainda

que o Estado não tenha tradição na área, sente-se feliz por ter

plantado essa semente. “Não se resolve isso em poucos anos,

mas a gente levantou a bandeira, saiu na frente, com qualidade e

visibilidade no País inteiro”, afirma.

fotos Vinicius Guimarães e Syã Fonseca

Page 18: Revista Nós nº1

Campus artisticusA despretensão criativa do ninho acadêmico. Amigos universitários fazem muita arte entre a calourada e a formatura

Se acreditamos que os jovens são

barris de ideias e opiniões inconstantes,

a universidade parecer ser o local ideal

para desenvolver a criatividade. E assim,

no intervalo entre uma aula e outra, ou

mesmo durante a aula, os surtos artístico-

culturais acontecem. Em Vitória, muito da

cena cultural jovem tem a Universidade

Federal do Espírito Santo (Ufes) como

palco, pelo simples fato de aquele lugar

agregar muitas cabeças fervilhantes dessa

vontade criativa.

Nesse contexto surge o Expurgação

(foto na página ao lado), não uma banda,

mas um “movimento” cultural tão diverso

quanto interessante para o cenário capixa-

ba, justamente por agregar muitas cabeças

pensantes. Conversando com Fê Paschoal

(25 anos) é possível entender como o

trabalho coletivo é essencial para a esse

tipo de produção cultural. “Dou muito

valor às minhas relações humanas e vejo

uma verdadeira Babilônia ao

nosso redor”, diz ele.

Fê batalha uma carreira de

músico sem pretensões, assim

“por amor”, é íntimo do violão

desde criança, teve varias ban-

das e, desde 2007, faz parte

desse “coletivo multiartístico”

que é o Expurgação. “Eu

comecei a andar com esses

malucos, quando mudei para

uma república de estudantes

do Centro de Artes e conhe-

ci uma galera que fazia um

som. Começamos de bobeira,

fazendo um som em casa

mesmo, deixando os vizinhos

enlouquecidos”, explica Fê.

Até que o apartamento,

ou melhor, os vizinhos, não

suportavam mais tanta gente

fazendo música, desenhando

na parede, fazendo vídeo

performático e muitas outras

atividades. Eles começaram

a tocar nas festas do campus

com um número grande de-

mais de pessoas para serem

uma banda e com atividades

diversas demais para serem

só música. “A turma funciona

num esquema de coletivo artístico mes-

mo”, conta. Os Expurgadores, como eles se

denominam, saíram do apartamento em

Jardim da Penha, Vitória, e alugaram uma

casa em um bairro vizinho. Continuaram

a dividir as contas e a reunir a galera para

fazer arte.

O interessante é que, a partir da jun-

ção anárquica de diferentes talentos, os

Expurgadores perceberam-se capazes de

produzir algo de qualidade. Fê Paschoal

explica: “o pessoal viu que aquilo era mais

do que produções individuais isoladas,

pois um já estava influenciando o outro”.

Hoje em dia, os Expurgadores são mais

ou menos 16 – é que há uma constante

oscilação no número de integrantes do

coletivo. Eles estudam em diversos cursos

da universidade e trabalham de forma

colaborativa em diversas áreas, como na

composição de músicas, na realização de

vídeos e na produção fotográfica.

Tanto o Expurgação quanto o músico

solo Fê Paschoal ganharam notoriedade

na cena capixaba por desenvolverem

trabalhos identificados com uma certa

fluidez e, acima de tudo, por fazerem tudo

simplesmente por prazer, por gostarem

do que fazem e por serem um grupo de

amigos que criam juntos.

Em um outro campus da Ufes começa

a surgir uma experiência orientada por

essa criação coletiva e descomprometida.

Em São Mateus, no norte do Estado, uma

história muito recente de movimentação

cultural já começa a dar pequenos passos

como a banda Mary Blue Anna (foto desta

página) formada pelos estudantes univer-

sitários Gisela Taufner (21 anos), Rodrigo

Araujo (23), Marcelo Vianna (20) e Jean

Furtado (21), que fazem parte da primeira

turma de calouros a estudar no mais novo

NOVELO18 WWW.MYSPACE.COM/MARYBLUEANNACAROLINA RUAS

foto Vinicius Guimarães

Page 19: Revista Nós nº1

campus da cidade. Após descobrirem

afinidades musicais mútuas, os quatro

montaram a banda, cujo primeiro show

oficial foi em 2007, nas dependências da

própria universidade.

Mais específicos que o Expurgação,

Mary Blue Anna limita-se à atividade mu-

sical. O grupo é a primeira iniciativa desse

tipo a surgir no ambiente universitário

local. “Quando a gente começou só rolava

uns ‘axézão’ nas festas, que aqui o pessoal

gosta muito; na verdade, é relativamente

pequeno o número de estudantes mesmo,

principalmente os que curtem um estilo

diferente”, explica a vocalista Gisela.

O “estilo diferente” do Mary Blue

Anna consiste em misturar samba, rock,

reggae, blues e também samba-rock. “No

início a gente tocava de bobeira em casa,

só pra brincar, daí foram surgindo alguns

lugares e a gente foi arriscando e ganhan-

do espaço pouco a pouco”, conta Gisela. O

repertório do grupo inclui muitas versões

de música popular brasileira e, aos pou-

cos, incorporou produções autorais. “Tem

uma galera da faculdade que se amarra.

Outra galera de Guriri também. E a gente

tá tocando em bares, festas fechadas, na

festa da cidade. Já tocamos em Itaúnas e

até na Bahia”, conta a vocalista segurando

o riso.

Mesmo que o mercado musical de

São Mateus esteja crescendo, não neces-

sariamente essa será uma garantia de

estabilidade artístico-profissional para a

turma do Mary Blue Anna. Mudar para

a capital também não é a melhor saída,

pelo menos enquanto todo mundo ainda

é estudante. “A banda é uma coisa que a

gente faz sem muito propósito financeiro.

É por gosto mesmo, satisfação pessoal,

diversão. Quando rola uma graninha é

bom também!”, explica.

No campus da Ufes de São Mateus,

a banda é pioneira e começa a abrir

caminhos para os próximos estudantes

que quiserem provar do protagonismo

artístico-universitário. A produção

artístico-cultural estudantil começa

assim, na base do improviso e da diversão,

como fizeram e fazem tanto os mateenses

mecanismos de financiamento para seus

trabalhos. Já a Mary Blue Anna deve

continuar usufruindo da posição van-

guardista de primeira banda universitária

de São Mateus e buscar ainda mais espaço

para a produção universitária que floresce

no norte do Estado.

da Mary Blue Anna, quanto o Expurgação,

este último produto de um cenário que

existe há muitos anos na Ufes, campus de

Goiabeiras, em Vitória.

Para os Expurgadores, chega o

momento de aproveitarem a visibilidade

que conquistaram e correrem atrás de

19

foto Tiago Rossmann

WWW.MYSPACE.COM/ExPURGAWWW.ExPURGACAO.WORDPRESS.COM

Page 20: Revista Nós nº1

Uma aposta no poder criativo dos jovens

Quando se pensa em políticas ou ações públicas voltadas para os

jovens, há uma tendência muito forte de tratá-los como objetos que

devem ser controlados ou terem o seu tempo ocupado a fim de mini-

mizar ou por fim a uma determinada problemática sociocultural. Essa

é uma perspectiva que não leva em consideração o potencial criativo

e mobilizador típico desse grupo etário. O Programa Rede Cultura

jovem (PRCj) acredita que não há “uma” juventude, mas diversas

juventudes, e que todas elas podem estabelecer contatos criativos e

emancipadores por meio da arte e da cultura.

Por pensar os jovens sob o viés de uma diversidade positiva, o

PRCj traz a proposta inovadora de estabelecer a conexão entre comu-

nicação, tecnologia, arte, cultura e juventude, com ênfase nas redes

de relacionamento social e na produção colaborativa de conteúdos.

Isso já se encontra materializado no Portal YAH! (veja mais sobre o

Portal YAH! da página 22 à 25), que está em funcionamento desde o

lançamento do Programa.

O PRCj quer, entre outros objetivos, dinamizar, promover e

potencializar os trabalhos de artistas e produtores culturais jovens do

Espírito Santo. O Programa é uma iniciativa da Secretaria de Estado da

Cultura do Espírito Santo, em parceria com o Instituto Sincades e sob a

execução da ONG Universidade Para Todos.

PRCj20 WWW. PORTALYAh.COM.BR

Os primeiros passos Com cerca de seis meses de funciona-

mento, o PRCj iniciou um contínuo trabalho

de mobilização das juventudes capixabas em

sua interface com o campo artístico-cultural.

Nesse período, a equipe do PRCj entrou em

contato com diferentes grupos juvenis do

Estado e mensurou os desafios envolvidos

no processo de constituição da Rede Cultura

jovem.

A partir de agora, será intensificado o

estimulo à movimentação dos jovens para

que eles tornem seus próprios projetos

artístico-culturais viáveis e visíveis. O grande

diferencial do PRCj é ser um gerador de

oportunidades, estimulando as iniciativas dos

próprios jovens, seja de forma individual ou

coletiva, e respeitando sua liberdade criativa

e autonomia.

Ilustração Alex Vieira

Page 21: Revista Nós nº1

O PRCj esteve presente e apoiou a realização de eventos que,

de alguma forma, dialogassem com o público jovem. Com essas

participações foi possível conhecer a movimentação artístico-cul-

tural dos diferentes grupos juvenis do Estado e divulgar as ações

do Programa. As mostras audiovisuais 6ª Mova Caparó e Mostra

Capixaba de Cinema Rural, o II fórum de Mídia Livre e o festi-

val Omelete Marginal (foto) – todos realizados no final de 2009

– foram alguns dos eventos nos quais a equipe do PRCj esteve

presente.

Um grande encontro das juventudes capixabas para pensar a

arte e a cultura, por meio de debates, interação e projeções para

o futuro. Assim, foi o Seminário Rede Cultura jovem – O Espírito

de Um Tempo, evento de lançamento do PRCj ocorrido em

novembro de 2009 que contou com mais de 400 participantes.

Durante o evento, artistas e especialistas das áreas da cultura,

tecnologia e juventude apresentaram temas relevantes e fizeram

a contraposição de argumentos sobre as grandes questões ligadas

ao mundo dos jovens na contemporaneidade.

Ninguém melhor do que os próprios jovens para identificar

e mobilizar as iniciativas artístico-culturais de outros jovens. Essa

perspectiva orienta a formação dos Agentes Cultura jovem, cuja

primeira turma (foto) foi formada no final de 2009 com jovens

de diversos municípios capixabas. Os Agentes Cultura jovem

assistiram a um ciclo de palestras e executaram tarefas orientadas

como forma de preparação para atuarem na articulação cultural

das diversas regiões do Espírito Santo.

Uma ótima chance para os jovens viabilizarem a produção

de sua arte ou o desenvolvimento de seus projetos culturais,

os Editais Cultura jovem fazem parte das ações de fomento do

PRCj e também foram lançados em novembro de 2009. Os

modelos de projeto foram simplificados ao máximo para permitir

que os jovens elaborassem mais facilmente as suas propostas.

Foram também realizadas oficinas em diversas regiões do Estado

nos quais a equipe do PRCJ esteve presente a fim de auxiliar os

interersados na preparação dos projetos para os Editais Cultura

jovem. Na foto, visita da equipe do PRCj em Cachoeiro do

Itapemirim.

21

Page 22: Revista Nós nº1

Em meados dos anos 70, o cantor e com-

positor capixaba Sérgio Sampaio já anunciava

uma explosão que aconteceria cerca de 30

anos depois. Essa premonição perde o seu

caráter místico quando refletimos sobre o

contexto de Sérgio Sampaio, ligado ao início

da era dos computadores. Na década de 70,

Bill Gates e Steve jobs ainda eram estudantes

quando começavam sua disputa contra a

multinacional IBM, criando os primeiros

personal computers e as primeiras interfaces

interativas para computadores. Nessa mesma

época, Sérgio Sampaio implorava para seu

conterrâneo cachoerense, Roberto Carlos,

cantar a música Meu Pobre Blues.

Mas o que têm a ver Sergio Sampaio, Bill

Gates, Steve jobs, Roberto Carlos e IBM com

as redes sociais? Só tudo!

O ambiente da internet e, consequente-

mente, das redes sociais surgiram na década

de 60, no contexto da Guerra fria. O exército

americano, no intuito de proteger suas

informações sigilosas em caso de um ataque

soviético, idealiza um modelo de troca e

compartilhamento de informações de forma

descentralizada. Aos poucos, o governo

americano permitiu o acesso a esse ambiente

informacional para o meio acadêmico. jovens

da contracultura, ideologicamente engaja-

dos ou não com uma utopia de difusão da

informação, contribuíram para a formação da

internet como hoje é conhecida.

Agora vejamos o espelho turvo

dessa situação no Brasil. Enquanto os jovens

brasileiros da contracultura, como Sérgio,

eram taxados de subversivos e persegui-

dos pela ditadura militar, os compositores

mais gravados da década de 60 e 70, como

Roberto Carlos, foram, de certa forma,

“beneficiados” pela limitada circulação de

informação cultural da época – fruto da cen-

sura do governo militar. Não é que Roberto

Carlos – um dos compositores brasileiros

mais famosos da década de 70 – não tivesse

méritos para tal, mas muitos artistas como

Sérgio Sampaio quase caíram no esqueci-

mento devido aos interesses prioritariamente

mercadológicos da indústria fonográfica, que

bombardeava os ouvintes com meia dúzia de

sucessos enquanto o Brasil tava cheio de hip-

pies, caipiras, roqueiros, sambistas sedentos

por um público que também estava sedento

por novidades musicais.

Outro profeta e parceiro de Sérgio Sam-

paio, Raul Seixas cantou um dia: “O proble-

ma é muita estrela pra pouca constelação”. E

o que fazer diante do problema? Criar mais

constelações! Ou seja, criar outros espaços

midiáticos... Para a recém-nascida indústria

da informática vender mais computadores era

preciso gerar mais dados, software, notícias,

entretenimento, era preciso interatividade,

era preciso ser tv, rádio, jornal, agenda, bi-

blioteca em um só lugar, ou seja, era preciso

haver convergência. A internet passou então

a ser o lugar das novas constelações, a aber-

tura para novas opiniões, ideias e expressões,

ampliando-se a cada dia e fornecendo a

solução para a grande problemática proposta

por Raulzito.

A dinâmica da produção cultural vem se

transformando radicalmente, apesar de ainda

Portal YAH!A interface da Rede Cultura Jovem

“Tanta gente se diz dona da luzMas eu não tô nessa, não me seduzFim do século da esperaE da comunicaçãoEu me ligo é numa rede”(Coco verde – Sérgio Sampaio, 1971)

Juntar-ligar-conectar-relacionar nomes como Sérgio Sampaio-Roberto Carlos-Bill Gates-Steve Jobs. No Portal YAH!, esses e outros links-inputs-in-sights são reais e possíveis

PORTAL YAH!22 WWW.PORTALYAh.COM.BRWWW.SECULT.ES.GOV.BR

WWW.MUSICAES.ORG.BR

IVO GODOY

Ivo Godoy

Page 23: Revista Nós nº1

sofrer com massivas intervenções merca-

dológicas e publicitárias. A internet, mais

precisamente a atual web 2.0, é, sem dúvida,

um grande agente dessa virada cultural. A

criatividade nunca foi tão solúvel a um gosto

coletivo como hoje, graças ao ambiente

interativo da internet. Com uma boa com-

binação de ferramentas de mídia, é possível

desenvolver trabalhos antes limitados àqueles

que dispunham de meios técnicos e materiais

considerados pouco acessíveis. Muitos são os

artistas e produtores culturais que utilizam

esses novos meios para promover suas

expressões. Ao mesmo tempo, essas novas

ferramentas se moldam ao perfil de cada

usuário. E todas essas mudanças acontecem a

uma velocidade surpreendente!

É a bordo dessa onda digital que o

Programa Rede Cultura jovem aposta na

efervescência das produções e idéias espa-

lhadas pelas redes sociais do mundo virtual.

Parte considerável dos jovens está antenada

com as novas mídias e é objeto de disputa

das redes de relacionamento. O Portal YAH!

surge no meio desse fogo cruzado com o

objetivo de potencializar e promover as ações

no campo da cultura e da arte desenvolvi-

das pelas juventudes capixabas, para tornar

o mais acessível possível esse conteúdo e

permitir o reconhecimento mútuo entre

essas experiências. O Portal YAH! quer dar

as mesmas condições para Sérgio Sampaio e

Roberto Carlos serem acessíveis ao público,

dependendo apenas do engajamento e da

qualidade das suas obras para caírem nas

telas e na boca do povo.

Além de ser uma rede de relacionamen-

tos, o Portal YAH! também é um espaço para

a veiculação de conteúdos os mais diversos,

mediados e indexados de acordo com a

lógica colaborativa. Essa interface constitui-se

enquanto um ambiente de compartilhamento

no qual os usuários postam seus conteúdos

artístico-culturais; trocam experiências e

interagem com outros usuários; acessam

conteúdos editoriais os mais diversos; além, é

claro, de conhecerem as ações do Programa

Rede Cultura Jovem. O YAH! é a principal

ferramenta para a constituir relacionamentos

na Rede Cultura jovem. Ao mesmo tempo, o

Portal funciona como a cara mais imediata-

Ilustr

ação Alex V

ieira

Page 24: Revista Nós nº1

PORTAL YAH!24

Figura 1 - Home do Portal YAH! Figura 3 – Página de comunidade no Portal YAH!

mente visível dessa Rede, funciona literal-

mente como sua interface.

A home do Portal YAH! (fig 1) é abaste-

cida com conteúdos postados pelos próprios

membros da Rede. Se você quer anunciar um

evento cultural, publicar um artigo, divulgar

um áudio, uma foto ou um vídeo, basta

adicionar esse conteúdo no Portal para que

o seu novo post ganhe destaque na home. É

como se você tivesse duas páginas principais,

uma página com os conteúdos mais recentes

de toda a Rede e outra com os conteúdos

mais recentes dos amigos que você consti-

tui dentro da Rede (fig. 2). Além disso, há

outros usuários que diariamente acessam os

conteúdos do Portal, mas que optam por não

se cadastrar na Rede.

Outra estratégia que não poderia ficar de

fora dessa Rede é a da formação de comu-

nidades. Por meio delas, é possível agrupar

conteúdos e usuários com interesses em

comum. As comunidades também possuem

seções para postagem de conteúdos como

notícias, fotos, vídeos, agenda de eventos,

playlists, provocações, entre outros (fig. 3).

Esses espaços do Portal YAH! podem ser

usados para mobilizações culturais e para

direcionar conteúdos temáticos para um

público específico.

Não bastasse a interatividade, o dina-

mismo e a colaboratividade, o Portal YAH!

também busca a integração com outras redes

de relacionamento e com repositórios de con-

teúdos na internet (como You Tube, Vimeo,

Issuu, Sound Cloud etc) por meio de me-

canismos de incorporação (dados em funções

como a “embed”, ou seja, a “incorporação”).

Você também pode declarar na edição do seu

perfil (Editar Perfil fig. 4), os links dos seus

canais no Orkut, Facebook, You Tube, Flick,

Twitter e outras redes sociais. A integração

também rola com o portal da Secretaria de

IVO GODOY WWW.PORTALYAh.COM.BRWWW.SECULT.ES.GOV.BR

WWW.MUSICAES.ORG.BR

Page 25: Revista Nós nº1

Estado da Cultura do Espírito Santo, por meio

do compartilhamento e veiculação recíproca

de conteúdos de notícia, e com o Portal de

Musica Espírito Santo, por meio da disponibi-

lização de todo o acervo musical de obras de

artistas capixabas, o que possibilita ao usuário

do YAH! criar sua própria playlist (fig. 5).

Mas a real integração que o Portal YAH!

oferece é entre as diferentes expressões e

linguagens artísticas e culturais do Estado.

Trata-se de um espaço onde criadores e

público compartilham, discutem, refletem e

colaboram. O Programa Rede Cultura jovem

desenvolveu o YAH! para ser uma ferra-

menta de mobilização que articula a cultura

de dentro para fora e vice-versa a fim de

fortalecer essa grande Rede de cultura jovem

capixaba. já dizia Sergio Sampaio: “Um livro

de poesia na gaveta não adianta nada, lugar

de poesia é na calçada...”. É preciso ter fluxo

e circulação!

Com esse ambiente de troca, é possível

mobilizar ações virtuais e presenciais, organi-

zar grupos de produção, realizar intercâmbios

culturais pelo Estado. Uma galera muito

competente já está mostrando a cara no Por-

tal, críticos, ilustradores, vídeomakers, fotó-

grafos, jornalistas, poetas, designers, todos

eles estão articulando a cada dia uma rede

de relacionamento artístico-cultural identifi-

cada com a juventude do Espírito Santo. E à

medida que a Rede cresce e se consolida, o

Portal YAH! se transforma e se expande para

abarcar todo esse caldeirão cultural.

Por ser um ambiente em permanente

construção, novas ferramentas são desen-

volvidas e implementadas o tempo todo no

Portal. Essas melhorias buscam ampliar a us-

abilidade a partir das demandas dos próprios

usuários, fazendo com que os membros do

YAH! sejam também seus criadores.

25

Figura 4 – Informações do perfil do usuário

Figura 5.3 – Inclusão de playlist no perfil do usuário

Figura 2 – Perfil do usuário Figura 5.2 – Inclusão de playlist no perfil do usuário

Figura 5.1 – Inclusão de playlist no perfil do usuário

Page 26: Revista Nós nº1

Não são poucas as vezes em que juven-

tude e rede parecem se confundir em nossos

dias. Vistos quase como sinônimos, vamos

nos acostumando mais e mais com a ideia

de que a juventude vive “naturalmente”

em rede. E as redes, é claro, não estariam se

tornando o que já são hoje se não tivessem

sido adotadas pelos jovens.

há redes feitas para jovens, há redes

feitas com jovens, há redes feitas por jovens,

cada tipo com um interesse, um alcance

diferente. há redes para divertir e entreter,

há redes para informar, há redes para unir e

conectar; e em praticamente todas há jovens

descobrindo, provocando, refazendo os mo-

dos de comunicar, de relacionar, de interagir.

Em que redes você circula? Em que redes

deixa sua marca? Que redes deixam sua

marca em você? Artista, ativista, estudante,

esportista, cidadão, pessoa – se você é

jovem, já sabe que a vida em rede é uma

dessas modas que nos mudam, transformam

a forma como vemos o mundo: transformam

a vida num imenso jogo de representações

e de existências, criam novas formas de

vivência.

Só é bom lembrar que plataforma (Or-

kut, Facebook, MySpace, Twitter...) não é,

propriamente, rede: redes são as pessoas que

se encontram e se relacionam, pessoas que

ocupam as plataformas com seus desejos,

suas necessidade e suas vontades.

Conheça algumas redes à nossa volta:

iTEIA O Portal iTEIA tem como missão ser o acervo

da produção multimídia de centros culturais

nacionais e internacionais, integrando e rela-

cionando conteúdos das redes atuais, como

por exemplo, o projeto Pontos de Cultura e o

programa Casa Brasil.

www.iteia.org.br

Cultura Digital BrasileiraA rede social da Cultura Digital Brasileira é

um espaço público e aberto voltado para

a formulação e a construção democrática

de uma política pública de cultura digital,

integrando cidadãos e insituições governa-

mentais, estatais, da sociedade civil e do

mercado.

www.culturadigital.br

Teia-MGA rede TEIA-MG é uma ferramenta para in-

serção dos jovens, micro, pequenos e médios

empresários na economia globalizada. Mas

além disso é uma ponte para o amadureci-

mento da Sociedade do Conhecimento junto

às comunidades locais, neste momento em

que a evolução das tecnologias de comu-

nicações e informação acelera de forma

exponencial este processo.

www.teia.mg.gov.br

Live Mocha A LiveMocha é uma rede social que já conta

com mais de 2 milhões de usuários, consi-

derada o Orkut para quem quer aprender um

novo idioma. Isso porque através dele você

cria sua própria rede de amigos, faz novas

amizades baseadas no interesse e propósito

de aprendizado da língua, tudo em prol de

um interesse comum: por em prática aquela

bendita aula que você teve no seu curso de

inglês ou outro idioma qualquer e começar a

deslanchar de vez.

www.livemocha.com

Erasmusu.comNascida na Espanha, a rede Erasmusu.com

tem abrangência internacional orientada para

estudantes de intercâmbio (Erasmus, ISEP,

Leonardo da Vinci, faro, Argo, entre outros).

Criada ainda em 2009, a Erasmusu tem como

objetivo ser útil para os estudantes que fize-

ram, estão fazendo ou farão um programa

de intercâmbio, permitindo, por exemplo,

colocar em contato estudantes que vão para

a mesma cidade de destino e simultanea-

mente conhecer, antes de chegar, gente que

esteve, está ou estará em qualquer cidade do

mundo. O estudante pode facilmente obter

informações resultantes de experiências sobre

qualquer cidade e universidade.

www.erasmusu.com

Redes sociais na internet

OBSERVATÓRIO26 ORLANDO LOPES

Orlando Lopes

Page 27: Revista Nós nº1

O silêncio fala. Linha. Rompê-lo é um mecanismo da poesia. Corpo.

Marcos Alexandre Ramos começa a experimentar a vida no dia

15 de janeiro de 1988, em Vitória. Inquietação. A leitura foi seu

primeiro contato com a palavra. Paladar. Primeiro sentiu o gosto

da prosa, um pouco depois, olhou mais de perto o que estava no

verso. Inspiração. De Caio fernando Abreu a hilda hilst. De Sérgio

Sant´Anna a Machado de Assis. Como vai, Dom Casmurro? Luz. Sua

mochila literária o leva à graduação em Letras-Português, pela Ufes.

Direção. fez parte do grupo de pesquisa Literatura e outros sistemas

de significação. Sabores lacanianos. Marcos Ramos também cursa

Psicologia pela faculdades Integradas Espírito-Santenses (fAESA).

Arte. Pretende fazer mestrado em teoria psicanalítica. Desejo. A apatia

[o corpo de uma linha] que quer dizer, no verso,

poesia, desejo, poema?

o precipício reincidente

oferece possível solução:

ocupar um corpo vivo

inexato,

um ponto vélico que despedaça

em fragmentos o pulso

sem contratempo.

o corpo de uma linha, em suma,

é pergunta. mas, em exercício,

repete sem possibilidades de não desejar

[música de sobrevivência] não mais o ouvido

cerca o som polifônico da paisagem

embranquecida. o tato anuncia o gozo

antes da próxima nota. ante cada coma

de exatidão.

o fulgor de melodia se anuncia

entre sílabas dispostas em silêncio

num ávido paladar exasperado

a contenção dos dedos

(mínimos)

se desespera em acordes de romper

a fala ausente.

em cada respiração monocórdica

um movimento insiste

em tocar o indizível

sem nunca romper o poema contínuo:

música de sobrevivência

(para Egberto Gismonti)

[o pulso febril] prostrado na apatia

o pulso febril se ausenta

da cidade quase gasosa

inseguro interrompe

a seqüência sutil

a passos de evitar a língua

mas não há margem

a palavra. só insurge o instante

da metáfora

inseguro

o febril pulso

em nenhum instante é silêncio

Ítalo Galiza apresenta Marcos Ramos

o provoca. A superficialidade o inquieta. Música. A sensibilidade dele

passa por uma paisagem sonora. Ramos é pianista e compositor.

Sua poesia ouve Egberto Gismonti, Arvo Pärt e Milton Nascimento.

Ritmo. O corpo de uma linha é o seu livro de estreia, com previsão

de lançamento para o primeiro semestre deste ano. futuro. A

próxima obra de Marcos Ramos já está a caminho, ainda sem data de

finalização: Toda palavra é crueldade (título extraído de um poema de

Orides fontela). Navalha. O jovem escritor quer causar desconforto.

Manter o desconforto para fazer as pessoas sentirem. Língua. há

margem à palavra? O corpo transforma-se em poema e a linha em

verso. Deguste.

Três poemas extraídos do livro O corpo de uma linha, de Marcos Ramos.

27CROChÉ LITERÁRIOÍTALO GALIZAMARCOS RAMOS

ITALOGALIZA@PROGRAMAVICEVERSO.COM.BRWWW.MARCOSARAMOS.BLOGSPOT.COM

Page 28: Revista Nós nº1

COSTURA A DOIS28 EDUARDO OjÚGUIDO IMBROISI

[email protected]@GMAIL.COM

Page 29: Revista Nós nº1

DIABO

Outra pessoa ficava possessa e eram dois Diabos, dois palhaços,

três pessoas tomadas pela alegria, nove meninos pulando nos

jardins, cinco crentes intercedendo pela cidade, quatro casais de

doidos dançando ciranda, sete janelas se fechando para preservar

a família, um velho arrependido de viver para ver aquela vergonha,

outro com o pesar de ser velho para participar da bagunça, dois

garis suspendendo as vassouras. E algumas mulheres – bonitas

demais para demonstrar a vontade de um desejo menor: a alegria

do palhaço.

Então, o segundo a ficar possesso continuou a brincadeira

enquanto o primeiro, cabisbaixo, desvinculava-se da brincadeira,

saia pela lateral, andava como um qualquer um. Mas o Demônio

era o mesmo – em outro corpo, mas o mesmo. E o movimento

continuou, partindo para outras ruas, outras pessoas, meninos,

crentes, doidos, famílias, velhos, garis – e mulheres bonitas para

ignorar o movimento das pessoas. Outras praças, jardins e santos.

Outras risadas e medos.

Acompanhei a procissão, não só de pessoas, mas também de

fantasmas. Porque naquela dança havia a presença de todos e, nas

músicas e arruaças, o carnaval, a festa da cidade, o aniversário

comum, o velório e o casamento, bem como o nascimento e a

alegria do encontro simples. Estava clara e nítida a presença

dessas realidades.

Era como se o planeta e a carne fosse a razão de tudo, o fim de

todas as coisas, um abismo sem fim. Por isso dançávamos a alegria

do fim. A força que vence a História. História: uma força contrária

ao fim.

Mais tarde encontrei o primeiro corpo do Exú. Bebia num

barzinho, sentei perto e ele me explicou aquilo. Lá dentro do bar

víamos o carnaval passar, entrava uma luz boa, não iluminava o

lugar, mas sentíamos iluminados pela contra luz. Até porque ela

passava pelos foliões antes de chegar a nós. As que entravam nos

copos de vidro eram engraçadas, desmerecendo as imagens que

reproduziam.

Ele me disse como havia começado aquilo – havia começado e

desde então não parou nunca.

“Aquele Diabo pertence a essas ruas e as pedras das gerações

pertencem a ele. Não sabemos ao certo de quem se trata, sua iden-

tidade se perdeu gastada e esquecida nas pedras. Mas, pela força

acumulada durante os séculos, a ignorância de mais um povo não

o matou, porque existimos mesmo quando ninguém mais o sabe.”

Texto Eduardo Ojú

Ilustração Guido Imbroisi

29

Page 30: Revista Nós nº1

Para o desenhista, o desafio de ilustrar a partir de um roteiro pré-definido – algo bem diferente da maioria dos seus trabalhos. Para o poeta, a experiência inédita de ver a sua produção como fonte direta de uma criação em outra mídia

Jovem poeta e compositor de São Ma-

teus, Eduardo Ojú é formado em jornalis-

mo. Em seus textos, tematiza o cotidiano e

a memória da cidade onde nasceu e mora

até hoje, a relação com a cultura negra e

com o candomblé. Estudante de arquite-

tura, Guido Imbroisi também é colabora-

dor de publicações como a Revista Prego e

a Revista SOMA, e dedica grande parte de

seu tempo à produção de desenhos.

A ilustração da página 28 resulta da

interação entre esses dois jovens artistas

capixabas. Sem conhecer Eduardo, Guido

recebeu o texto dele e, a partir de sua

interpretação, produziu a ilustração. No

último dia 19 de março, eles encontraram-

se para conhecerem melhor o trabalho um

do outro. O processo de criação, as

referências de cada artista e a interpreta-

ção do texto “O Diabo” foram os assuntos

da conversa. “Chamou a minha atenção

a forma como ele trabalha as palavras.

A interpretação do texto dele não vem

de graça, precisa de tempo para com-

preender o que ele escreveu”, diz Guido.

Após conhecerem melhor um ao

outro, os jovens artistas puderam avaliar

os possíveis sentidos estabelecidos entre

as duas obras. O ponto em comum na in-

terpretação dos dois artistas foi a questão

dos números presentes no texto e o esote-

rismo na construção da ilustração.

“Há uma abordagem bem esotérica

no desenho. O Guido utilizou muito isso

na ilustração, como o diabo que também

é o Exu, uma entidade observadora e que

faz a comunicação entre seres humanos e

orixás”, comenta Eduardo.

Para os dois artistas, a proposta de

uma criação “provocada” foi algo inédito.

“Apesar de pensar meu trabalho em várias

linguagens artísticas eu nunca concre-

tizei um trabalho assim”, afirma Edu-

ardo. “Para mim, a inovação foi fazer um

trabalho a partir de um roteiro (o texto),

pois normalmente costumo ter uma ideia

e passar para o papel, dessa vez tive que

me concentrar na interpretação”, conclui

Guido.

COSTURA A DOIS30 WWW.OYUOBA.WORDPRESS.COM www.FLICkR.COM/PHOTOS/QUADRETIFERO

EDUARDO OjÚGUIDO IMBROISI

fotos Raphael Araújo Da esquerda para direita, Eduardo Ojú e Guido Imbroisi

Page 31: Revista Nós nº1

Das linhas que nos cruzam todos

31CRÍTICA [email protected] MELINA ALMADA SARNAGLIA

Melina Almada Sarnaglia

Contemporâneo. Aqueles que compartilham um mesmo tempo. Dita assim, essa definição coloca-se em caráter

de substantivo, contudo, a partir da década de 1960, o campo das artes passará a utilizá-la também como categoria

artística. Deste modo, dizer que um trabalho de arte é contemporâneo é afirmar que ele faz parte de um conjunto

de características e determinações estéticas, mas principalmente de elaborações conceituais tão diversas, que nos

impede de tentar traçar limitações para dar conta de toda sua extensão, pois esta reinventa-se a todo instante.

Trazer os questionamentos de outra palavra que se relaciona também com o tempo, Jovem me aparece

conectado ao contemporâneo, ao novo e ao espírito de experimentação que o contemporâneo persegue. Assim, a

linha da palavra é capaz de UNIR conceitos antes distantes.

Pensar a produção do jovem em arte contemporânea no Espírito Santo é uma tarefa que começa na década

de 1960, quando, o ainda jovem, Attílio Gomes [ainda Nenna] se atracava com as espessas amarras que regiam a

Escola de Belas Artes. Conhecedor das propostas que se faziam efetivas em terras longínquas – estrangeiras ou

simplesmente em outra unidade da federação – Nenna via-se inconformado, mas de uma inconformidade fértil!

Produziu na década de 1970 obras de impacto: Estilingue. E Inscrição I, Inscrição II e Amor [um tríptico] onde

baseado nos preceitos dadaístas/conceituais inscreve a própria ficha de inscrição como o trabalho no I Salão de

Alunos e Ex-alunos do Centro de Artes. A irreverência presente em Nenna é a linha que começa a ligar juventude e

conhecimento em arte contemporânea no Espírito Santo.

Assim, temos um início. O meio é assunto para outro texto e, de volta à última década, a mais jovem década,

cruzam as linhas da arte contemporânea alguns novos nomes. Alguns outros trabalhos. Nos últimos anos, os raros

espaços disponíveis aos jovens artistas receberam diversos tipos de propostas de residências e ocupações; trabalhos

que puderam dialogar com a especificidade do lugar onde se colocaram, que puderam afirmar o lugar de onde

falaram. Trabalhos que puderam garantir um discurso, outros que só o delinearam, alguns que nem mesmo o

esboçaram. Contudo, transitam com propriedade diante das mais diversas mídias e conceitos, detalhe pertinente,

mais um dos possíveis direcionamentos da tal ... arte contemporânea. Desde a pintura, passando pela fotografia e

vídeo, objeto ou só pela imaterialidade do discurso essa nova geração não tem nada de nova. É filha de conceitos

e postulados do início do Século XX, que só foram compreendidos décadas mais tarde. Teríamos um velho jovem

conceito?

Diante de que estamos então? De trabalhos que têm consigo a potência de também tornarem-se referência.

Na Galeria Vírginia Tamanini uma tênue linha – um dreadlock – uniu dois pavimentos de um prédio histórico, uniu

dois espaços, dois vazios. Gabriel Borém e Gabriel Sampaio cindiram o chão de um, o teto de outro. Uniram-se.

Alinhavaram com grossas linhas a pureza do vazio e o pertencimento da presença. Alinhavaram-nos em 2007.

Perseguidos pelo vazio do não, Victor Monteiro e Raphael Araújo despiram a Galeria Homero Massena.

Desvelaram as linhas de suas vontades e afirmaram a força que pode ter a anulação. Dois jovens, por coincidência,

amigos; por consciência, artistas. Conjugam, em conjunto, um verbo único: poder. Aprendem há duras penas os

deslocamentos do Sistema, a dura-linha que o protege. Proteção salutar, afinal, é pelo esforço do embate intelectual

que a arte se faz mais potente. É no construir pontos abrir brechas para o encontro, para o desconhecido, para

além do vazio, para quem sabe, o sim. Afinal, quando apago a linha é que deixo sua marca mais visível.

Quando abro um espaço raro ao convívio e experimentação de todos. Quando compartilho a ideia, a noção do

que seja arte com o outro. Sim, o Outro é também uma linha. O Outro passa por nós, nos encara e aponta o dedo,

mas é também a linha do laço. Assim a proposta do Atelier de Pintura em 2008-2009, contemplado pela Secult-ES

para uma residência na Galeria Homero Massena. Neste caso, quem sabe já não é melhor unir as linhas e torná-las

encontros. Encontros positivos e frutíferos. Novos moldes.

Novas linhas diante de um horizonte. Ou de onde vai o mar? Ou da onde ia o mar? Da linha da história, de onde

podemos ser tomados. Questionados. Posso ouvir a linha azul me sussurrando: - “Você vai atravessar, ou não?”.

Perante a coragem que me falta para atravessar a já esgarçada linha azul de Piatan Lube – selecionado pelo Salão do

Mar em 2008 e pelo Edital Arte e Patrimônio, organizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (IPHAN)

e Ministério da Cultura em 2009 – a juventude do tempo diz que há ainda muito que fazer. Espaços a construir e

desconstruir. Aterros para descobrir. Fronteiras a erguer. Quem sabe já não se possa antever um futuro, nessa linha

ainda disforme que é a arte contemporânea [jovem] capixaba | [jovem] arte contemporânea capixaba | arte contemporânea capixaba [jovem].

Page 32: Revista Nós nº1

Do tédio ao toddyHá pouco mais de um ano, a banda Velho Scotch fazia seus primeiros ensaios na casa do baterista

Kabelo, em Vila Velha. É aí que começa, mais uma vez, a história de um grupo de amigos que se reúne para,

despretensiosamente, fazer música. Hoje, eles já participaram de festivais, têm um cd virtual lançado – e ainda

ensaiam na casa do Kabelo. Mas não faz mal. Nesse caso, expectativas boas ventilam para todos os lados.

No álbum de estreia, O Parto, a sonoridade rock lembra a das bandas nacionais do final dos anos oitenta/início

dos noventa. Isso prova que a tendência vintage avança ligeira e bate à porta de um passado ainda bem recente. Na

contramão dos modismos hype com ruídos eletrônicos e barulhinhos improváveis, a Velho Scotch firma território

em um estilo que há pouco voltou a ter algum prestígio junto à crítica e aos consumidores de música.

A faixa-título é a única despojada dos arranjos de baixo, guitarras e bateria. O duo de voz e piano abre alas

para que progressivamente surjam as melodias mais metálicas, recheadas por momentos instrumentais. Na música

seguinte, Filho Ingrato – um rock ainda suave, com som bem limpo – é possível flagrar as deixas para que cada

instrumento ganhe seu lugar com muita facilidade. O vocalista Anderson Bardot, que também é o letrista da banda,

se destaca com sua voz forte em uma das melhores faixas do disco.

O som fica mais sujo diante da promessa cantada de fazer tudo que for “samba virar rock marginal”. A

organização do álbum parece um pouco conservadora justamente por esse movimento muito claro das canções mais

leves às mais pesadas. Uma seleção menos uniforme deixaria uma impressão mais orgânica, capaz de surpreender

na sucessão de músicas. É o que acontece quando os primeiros acordes de Meus Vinte Anos começam a tocar, já

no final do cd. Ao falar de [des]ilusões, a música leva o volume dos instrumentos para um tom mais baixo: eis que

surge a balada do disco, com suas batidinhas características e as guitarras dedilhadas.

O Parto – nome sugestivo para uma estreia – reúne dez faixas oficiais e uma bônus. Todas as músicas,

disponíveis para download, foram gravadas de modo independente – leia-se: sem grana! –, quando Bardot,

Kabelo, Tonhão (baixo), João “Panda” e Doug Bragio (guitarras) somavam pouquíssimos meses de banda. O cd

físico, prometido para este ano, deve pontuar um ganho de maturidade musical evidente. Afinal, é no dia a dia

de ensaios e shows que as eternas questões de arranjos, volume e repertório podem ser repensadas e aparadas.

Mas falar da Velho Scotch sem lembrar suas apresentações ao vivo é cometer falta grave. Os shows são

peculiares. Bardot, exibido e performático, assume sua posição de frontman com propriedade, atraindo para si

todos os olhares. Há nele um quê de Cazuza e sua verve rockeira poética impregnando os mínimos gestos.

A banda esbanja entrosamento e preparo. Cuida de ensaiar e passar todos os detalhes para realizar um show

pra valer, não um grande ensaio aberto ao público – coisa que algumas bandas novas insistem em fazer por aí.

Toda essa “rasgação de seda” não é gratuita: eu, autora do texto que supostamente me abstive até agora, conheci

a banda por meio de um show.

A possibilidade tão contemporânea de ouvir de tudo um pouco graças aos infinitos downloads pela internet é

formidável, mas a experiência de ir a shows e a festivais de música é totalmente imprescindível. A universidade,

por seu papel sociocultural, tem que voltar a receber bandas e festivais; os coletivos precisam se organizar e

promover eventos; e os espaços públicos tem que ser contemplados com mais e mais apresentações.

É dessa maneira que trabalhos como o da Velho Scotch conseguirão, cada vez mais, reverberar e dar sentido

a uma cena musical forte e organizada, capaz de privilegiar a diversidade para além da velha teimosia nos ritmos

genuinamente locais. Pouco importa se uma banda opta por samba, rock, eletrônica, calipso ou cha-cha-chá. A

diversidade abre caminhos para que novas alternativas se tornem visíveis, e não faltam bandas a serem achadas

por aí.

CRIÍTICA EMARANhADA32 [email protected] CASTELLO

Joyce Castello

Page 33: Revista Nós nº1

A arte do bate-cabelo

Algumas ressalvas devem ser feitas para melhor definir o que vem a ser drag queens, já que muitos as confundem

com travesti e transexuais. A “montagem” (ou seja, o ato de tornar-se como uma drag) é uma prática de caráter mais

artístico-performático do que identitária, ou seja, enquanto travestis e transexuais se relacionam em seu cotidiano

com o mundo como se fossem mulheres (moldando o corpo com formas femininas e socialmente exercendo esse

papel), as drags são homens (gays ou não) donos de uma identidade masculina que em determinadas ocasiões

caracterizam-se como mulher para fins artísticos. Vale ressaltar ainda que as drags reproduzem a figura feminina de

maneira exagerada e, na maioria das vezes, cômica - expressa em suas perucas enormes, maquiagem carregadas,

roupas extravagantes e glamurosas. A inspiração, quase sempre, não são as mulheres comuns, mas as grandes divas

do cinema e da música.

É difícil precisar o início da prática de se caracterizar de forma exagerada do gênero oposto, porém, possivelmente

chegou à forma como conhecemos hoje com a popularidade do filme australiano Priscila, a Rainha do Deserto, que

espalhou e estabeleceu a cultura drag pelo mundo ainda no início dos anos 1990. No Espírito Santo, o berço da

prática da montagem começou provavelmente com o surgimento das primeiras boates gays nos anos 1980.

Nesse período era comum que não só elas, como os donos das boates e membros da chamada comunidade

LGBT (lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e transgênero) em geral fossem presos injustamente pela polícia por

vadiagem e prostituição, sendo logo depois soltos numa visível demonstração de repressão gratuita e preconceito,

como contam as heroínas que já se montavam na época. Uma delas – definitivamente a figura gay mais popular

do Espírito Santo texto – é Chica Chiclete, que com certeza é a mãe de muitas drags do Estado. Incentivadora

e entusiasta da montagem, segundo ela, a primeira boate LGBT do Espírito Santo, surgida em 1986, chamava-se

Querelle e localizava-se no Centro da capital. Ainda nos anos de 1980, foram criadas também a Eros - que funcionou

por mais de 20 anos, também no Centro de Vitória, e a Star Gueist, na Praia do Canto.

O boom das drag queens capixabas aconteceu nos anos de 1990. Precisamente em 92, aconteciam nas boates

Eros e Queens os primeiros shows do gênero. A euforia com a montagem estimulava que cada vez mais pessoas

se dedicassem à prática, fazendo com que na referida década acontecessem muitas apresentações que prezavam

pela surpresa e criatividade no uso de roupas feitas de materiais alternativos, efeitos especiais, coreografias incríveis

e músicas exóticas. Era sempre um choque por show que, de maneira geral, apontava para o humor. Depois dessa

febre, as apresentações decaíram. Na passagem para os anos 2000, as perfomances foram marginalizadas e, de certo

modo, ignoradas pelo próprio público LGBT. Entrou em crise, mas não morreu.

Em 2002, a drag paulista Verônika trouxe para o Estado uma nova proposta de show criado por ela que é hoje

quase unanimidade entre as drags mais glamourosas: o bate-cabelo. O bate-cabelo consiste num movimento de

dança que existe nos atuais shows de drag. Ocorre quando a música eletrônica (geralmente remixes dos estilos tribal

ou house music) atinge seu auge de velocidade e o artista gira sua cabeça (e muitas vezes o corpo) em um movimento

centrífugo – como se fosse uma hélice – fazendo com que a peruca gire rapidamente criando um efeito de transe-

-apoteótico. Entretanto, o sucesso da dança foi aos poucos pasteurizando os shows.

É claro que há exceções. Uma delas é a caricata Angela Jackson que a cada show reinventa-se criando suas

próprias músicas e seus figurinos. Angela já possui dois CDs lançados e foi ovacionada pela sua participação no

Festival de Música Livre, ocorrido na Ufes, no ano passado. Outro trabalho que merece ser mencionado é o da

drag Draken. Ela venceu o concurso Top Drag 2009 por realizar uma apresentação bem diferente da convencional,

investindo numa estética mais andrógena. Há ainda o admirável trabalho de Elétrika, com seus shows quase

acrobáticos. No estilo bate-cabelo há aquelas que transvaloraram os conceitos de drag e transformista, misturando-

-os. Nessa linha, vale destacar os trabalhos de Lara Face, Raysla Tempestade e Christinny Walker.

Cada vez mais, as drags queens são reconhecidas pelos seus trabalhos e ganham espaço na mídia. As drags

capixabas, especialmente as jovens, têm a seu favor uma tradição na arte performática graças ao empenho de

veteranas que ainda estão em cena. Cabe a cada novo artista desse meio construir uma performance original,

aqueles que se destacam apresentam trabalhos que prezam pela renovação e por criarem um efeito surpresa junto

ao público. E que venham novas performances para mantermos viva a cultura drag queen capixaba. Abusem, bonitas!

33CRÍTICA [email protected] SÉRGIO RODRIGO

Sérgio Rodrigo

Page 34: Revista Nós nº1

A rua, o muro, a tela: os documentários e as possibilidades da imagem

Sair de casa e ocupar os espaços da cidade – essa parece ser a vontade de muita gente. Mas não só para usar,

de maneira convencional, aquilo que ela já oferece como espaço de circulação ou convivência – calçadas, ruas,

praças, muros, meio-fios. A ideia é, criativamente, transformar os espaços, atribuindo novos usos, novas “caras”,

novas experiências àqueles que transitam pela cidade.

Dois documentários capixabas recentes tratam, de maneiras diversas, dessa mesma inquietação. Airmetica

Suprasubstancial (2009, 60 min.) é um vídeo de Dalmo Rogério e Gustavo Senna, que imerge no universo do

skate. Já Ponto de Vista (2009, 14 min.) é uma produção dos alunos do Centro Estadual de Educação Técnica Vasco

Coutinho, dirigido por Thiago Rocha, e faz um debate sobre o grafite, a arte das ruas.

Em Airmetica Suprasubstancial, logo se nota a familiaridade e a paixão dos diretores pelo skate. Eles também

fazem parte daquele mundo e o vídeo vai nascendo dali de dentro, num contato muito próximo. E logo se nota

também o deslumbramento com as possibilidades de criação de imagens que um olhar sobre o skate é capaz de

produzir e é isso que é explorado. Aliás, não há nenhuma preocupação em esconder os dispositivos de filmagem:

a equipe e os equipamentos muitas vezes aparecem no quadro, o que vai desvendando as maneiras como as

imagens foram captadas – muitas vezes com o próprio cinegrafista sobre o skate. Os planos são experimentações

de composições, cores, grafismos, e o movimento dos skatistas é a matéria-prima para isso.

Às vezes as relações quase se invertem, e não sabemos se o documentário é sobre o esporte ou sobre a

própria imagem. O skate está ali só como objeto para a criação do cinegrafista, que usa lentes diferentes, vários

movimentos e ângulos. Mas no final o que fica é essa troca bem dosada: forma e objeto tratados com o mesmo

cuidado e a mesma paixão (paixão talvez seja a melhor palavra para descrever esse documentário). O apego pelos

planos é tal que às vezes parece que nada foi descartado. Cada plano parece ter sido um desafio ao skatista – não

apenas as grandes manobras, mas como se cada tentativa, cada tombo, cada repetição merecesse ser trabalhado

e ficar registrado como parte do processo – o que torna o documentário muito longo.

O cuidado e a experimentação com a imagem não se restringem ao momento da captação: o tratamento

digital também foi muito explorado, e é bom ver que as possibilidades tecnológicas foram todas usadas a favor do

documentário. A estética do vídeo contribui para a construção do discurso, que é totalmente calcado na imagem.

Não há nenhum depoimento, apenas os skatistas em ação, os espaços que eles ocupam, as músicas e algumas

animações intercalando as sequências. Na montagem, houve a preocupação de caracterizar os personagens,

identificando-os e conectando-os aos seus ambientes, mas talvez isso nem fosse necessário. Só com a exploração

dos recursos visuais, todo o discurso fica explícito: a relação do skate com a cidade, a experiência dos espaços, as

formas de criação e apropriação dos ambientes. O resultado é uma feliz combinação do objeto sobre o qual se fala

com as possibilidades de fala do documentário, forma e conteúdo bem casados, complementando-se, dialogando,

pertencentes ao mesmo universo.

Ponto de Vista toma como base, como o próprio nome já diz, as diferentes visões sobre o grafite. Visto

como arte ou como sujeira, ele pode ser contraditório, mas não passa despercebido. Para levantar esse debate,

o documentário é sustentado pelas entrevistas e depoimentos de grafiteiros, artistas plásticos e pessoas que

transitam pela rua, escolhidas ao acaso.

Se tecnicamente o vídeo não deixa a desejar, faltou ousadia na concepção – ousadia que se esboça em

algumas tomadas, mas que não chega a se concretizar. A própria tentativa de mostrar as diferentes visões sobre o

grafite não é de todo explorada nas entrevistas de rua, que acabam ficando superficiais e não se sustentam bem.

Por outro lado, as falas dos grafiteiros e artistas são editadas de tal modo que o vídeo acaba ficando muito didático

– uma aula sobre o grafite.

Talvez o que pode ser interessante é ir esquecendo as visões tradicionais e padronizadas sobre o documentário,

e se deixar contaminar pelo próprio objeto. Imergir de fato no universo caótico e barulhento da cidade, deixar

que o mundo penetre na linguagem do documentário, construir relações entre sons, imagens, falas, pesquisar

possibilidades que vão além daquele documentário que já caiu no lugar comum. Perceber a multiplicidade de

modos do fazer audiovisual, especialmente no campo documental. E não deixar que um pensamento solidificado,

um olhar viciado engessem as possibilidades que uma câmera na mão proporciona.

CRIÍTICA EMARANhADA34 [email protected] INêS DIEUZEIDE

Maria Inês Dieuzeide

Page 35: Revista Nós nº1

Arte e cultura: um direito juvenil,

um dever do Estado

A figura do jovem como sujeito diferente da criança e do

adulto é relativamente nova. Meus avós, por exemplo,

casaram-se muito novos, quase adolescentes. Dos 15

aos 29 anos eles fizeram tudo que um adulto faz. O trabalho,

em especial, foi preponderante para demarcar uma mudança

significativa no modo de vida deles. Pode-se afirmar que eles

não tiveram juventude. O papel social que eles passaram a

desempenhar impediu que suas vidas fossem outras. Nesse tempo

o modelo disciplinar era aplicado de forma explícita e direta, a

mulher estava totalmente submetida ao homem e a juventude à

sociedade adulta.

É nesse sentido que a produção cultural juvenil assume um

caráter extremamente rico e audacioso nas décadas de 1960 e 1970.

A produção do período assinala a insatisfação de uma parcela da

população que se cansa de esperar um futuro promissor e um

mundo mais igual advindo da sociedade adulta. A juventude passa

a fazer conforme os seus próprios desejos e conceitos. Do rock de

protesto às bandas efêmeras de videoclipe, do rap de periferia ao

“proibidão” dos bailes urbanos, os produtos dos jovens tornam-se

conceituais e lucrativos e, ao mesmo tempo, alvo de protestos e

preconceitos.

O constante processo de redemocratização, aliado à intensa

pressão exercida pelos muitos movimentos juvenis organizados

e “desorganizados” espalhados pelo país, abriu os olhos das

autoridades para uma ação mais positiva para a juventude, que

não envolvesse apenas polícia e escola. Assim, passa a surgir uma

série de projetos a fim de potencializar ações juvenis. Os editais

de cultura tornam-se a grande vedete de boa parte da juventude

que busca fazer sua ideia acontecer. Chama a atenção uma ação

específica promovida no município de São Paulo: o Programa de

Valorização de Iniciativas Culturais (VAI)*.

O VAI é um mecanismo de incentivo financeiro à juventude de

baixa renda. O jovem apresenta um projeto e, se for selecionado,

sua iniciativa receberá um financiamento capaz de auxiliá-lo na

execução da proposta. Isso parece simples, mas em se tratando de

uma política pública de Estado, e não de governo, é um grande

avanço. E por quê? Porque o jovem não precisa de um tutor

nem de um intermediário. Ele abre uma conta corrente em seu

nome, concorre como pessoa física, presta conta de seus gastos,

comercializa seu produto final e pronto. Sem burocracias e sem

muitos protocolos. Todavia, acreditar no jovem de maneira

irrestrita não é das tarefas mais fáceis para o poder público. As

perguntas nas repartições são sempre as mesmas: esses jovens não

vão pegar o dinheiro? Não é muito arriscado? Isso vai dar certo?

Quando se deposita credibilidade no jovem a certeza é uma só: vai

dar certo. Muitos projetos erram por não levar em consideração

a responsabilidade e a autonomia concernentes à juventude.

Pensam o jovem apenas sob a perspectiva do problema, ou sob os

conceitos caquéticos da sociedade adulta. E é nesse ponto que a

lei VAI inova.

O pleno desenvolvimento cultural e artístico da juventude

de periferia depende muito da ação do poder público, sendo

as políticas sócio-culturais garantidoras do crescimento das

expressões juvenis. É fato: se o Estado continuar omisso na

promoção da juventude, ela continuará fazendo parte das

estatísticas mais horrendas da nossa sociedade, permanecerá um

alvo de preconceitos e discriminações, continuará tendo cor, sexo

e faixa etária para a justificativa das ações policiais.

Enfim, alguns aspectos da lei VAI estão presentes também

no Programa Rede Cultura Jovem e logo será possível perceber

quão importante ele é para a promoção cultural e artística do

jovem capixaba. E que essa onda não pare por aí. Que avancemos

para ações ainda mais ousadas e benéficas para essa parcela da

população. Que o jovem músico seja valorizado recebendo um

cachê condizente com seu esforço e talento; que o jovem ator possa

ter a mesma estrutura para suas apresentações que os artistas

globais que vêm à nossa terra; que casas de shows, teatros, cinemas,

TVs, rádios e estúdios públicos pipoquem por estas cidades de tal

modo que a juventude se sinta partícipe e representada na figura

de seus políticos. Isso seria um avanço e tanto para a solidificação

da recente democracia brasileira.

* O VAI foi instituído no âmbito da Secretaria Municipal de

Cultura de São Paulo por meio da Lei Municipal nº 13.540, de 24

de março de 2003. Para saber mais acesse: www.prefeitura.sp.gov.

br/cidade/secretarias/cultura/vai

[email protected] MAx DIAS

Max Dias

Page 36: Revista Nós nº1

Um jovem guerreiro de uma velha tradição

nização da festa do Alardo, que acontece

nos dias 19 e 20 de janeiro, em frente à

igreja católica da vila de Itaúnas. Nessa

festividade popular encena-se a épica

luta entre cristãos e mouros. Durante as

comemorações, dois grupos separados por

indumentárias nas cores azul (cristãos)

e vermelho (mouros) estabelecem seu

fronte de guerra; seguem um rigoroso

ritual de diplomacia onde cada exército

busca mostrar sua superioridade militar e

religiosa com fins de conversão; declaram

guerra mútua e travam uma batalha

homem a homem; ao final, espoliam a

imagem de São Sebastião e o inimigo (os

mouros) é batizado na fé cristã.

Atualmente, os protagonistas do

Alardo são jovens, e isso traz questiona-

mentos por parte de pessoas mais velhas

envolvidas com manifestações popula-

res da região. Em jogo, as concepções a

respeito da cultura popular: para aqueles

que possuem uma visão romanceada ou

enxergam um “purismo” nesse tipo de

manifestação, o Alardo encenado pelos

jovens liderados por Terezino é um exem-

plo de que a cultura popular se renova a

partir de elementos trazidos e incorpo-

rados pelos sujeitos que a materializam.

Tais expressões se recriam e se mantêm

atuais, pois aqueles que as protagonizam

estão estabelecidos no presente, mesmo

vinculados a uma tradição tão ancestral.

Ele foi a última criança a nascer pelas

mãos de sua avó materna, que era parteira

e foi responsável pelo parto de todas as

filhas. “Foi como que o encerramento

da carreira dela”, diz Terezino Trindade

Alves (24 anos), o nosso entrevistado

desta edição. A conversa aconteceu numa

tarde de sábado, no quintal da casa de

seus pais, em Angelim I, comunidade

quilombola que fica a poucos quilôme-

tros da vila de Itaúnas, em Conceição da

Barra, no norte do Estado. A entrevista

aconteceu debaixo de um pé de seriguela

carregado de frutos, em frente à casa

de farinha da família. É de lá que sai a

matéria-prima para o beiju feito por sua

mãe, Dona Claudentina, ou simplesmente

Dentina, como é mais conhecida. Aliás,

foi graças à especialidade culinária que,

em 2009, Dona Dentina recebeu o título

de “Mestre da Cultura Popular do Estado

do Espírito Santo”, por meio do prêmio

“Mestre Armojo do Folclore Capixaba”,

concedido pela Secult-ES.

Caçula de uma família de sete irmãos,

Terezino é casado com Patricia Almeida,

com quem tem um filho recém-nascido.

“Eu nasci em casa, aqui mesmo em An-

gelim, numa casa aqui dentro deste sítio.

E me criei, passei toda a minha infância

aqui mesmo. Comendo as frutas, jogando

bola e tomando banho de rio”. Com ensino

médio completo, desde cedo trabalhou

no campo – atividade com a qual espera

garantir seu sustento, hoje e amanhã. Mas

para isso, é preciso ter terra. Angelim I,

a exemplo de várias outras comunidades

quilombolas do Norte do Estado, não tem

acesso ao seu próprio território.

Desde 2005, Terezino lidera a orga-

“Ó Deus, dai-me confiança nas minhas armas e meus soldados, pra fazer desaparecer toda essa ignorância. Volta, diga a teu ousado rei que no campo de batalha, no punho de

vossas armas, queremos ver quem sairá vitorioso. Retira-te grande ousado, com palavras impossíveis, da frente do meu exército.”

Trecho da última resposta do Capitão Cristão ao Embaixador Mouro na festa do Alardo

ENTREVISTA36 PAULO GOIS BASTOS

Paulo Gois Bastos

Page 37: Revista Nós nº1

fotografias Syã Fonseca

A luta pelo território

Uma das lideranças políticas mais

atuantes na região, especialmente entre

os jovens quilombolas, Terezino tem a

clara consciência de que a conquista de

uma vida digna para a sua comunidade

depende de luta pelo território. “Uma

das grandes dificuldades hoje aqui é o

acesso ao crédito, porque não tem título,

não tem escritura. Essa terra aqui, por

exemplo, tem escritura mas tá em nome

de sete irmãos. São 23 hectares divididos

para sete irmãos e cada um já tem mais

de sete filhos. Você imagina o que dá aqui

nessa comunidade pra cada um se for

dividir hoje. Dá um lote pra cada um. Se

você morar no campo com um lote desse

tamanho, você vai fazer uma favela, vai

virar uma favela na roça”.

Em 2004, Angelim I foi reconhe-

cida como comunidade remanescente

de quilombo pela Fundação Cultural

Palmares, e, no ano seguinte, foi criada a

Comissão Quilombola do Sapê do Norte

- resutado da articulação e da mobiliza-

ção dos moradores das comunidades em

torno da luta pelo território. “Tudo devido

a essa grande questão que era também a

da nossa sobrevivência: a disputa do ter-

ritório, a escassez do território. Sabíamos

que já não tínhamos o domínio do ter-

ritório que antigamente nos pertencia. Aí

as comunidades começaram a se organi-

zar, para enfrentar o problema”.

O mesmo ano é também significativo

para a história pessoal de Terezino, pois

nessa data ele começou a frequentar a

escola de formação política da recém-cri-

ada Comissão. Cerca de três anos depois,

a comunidade de Angelim I o indicou

como seu representante naquele fórum

político. Na manhã do dia da entrevista,

Terezino havia participado da reunião

mensal da Comissão, que aconteceu em

São Domingos, comunidade quilombola

próxima, situada às margens da BR 101.

Ele explicou que esses encontros servem

para “levar as demandas da comunidade,

debater e trazer as demandas das outras

comunidades de forma que todos tenham

conhecimento do que está acontecendo

dentro do território”.

A luta pela festaAlém da luta pelo território, Terezino

tem outros engajamentos culturais. Ele

é um dos protagonistas do Alardo e suas

memórias de infância são carregadas com

as marcas da festividade: “Eu lembro que

minha mãe trabalhava, fazia beiju e todo

mundo só falava nessa festa de janeiro,

que acontece em Itaúnas. Todo o povo das

comunidades rurais ia pra Itaúnas, uns

desciam de canoa pelo Rio de Itaúnas,

outros iam montados a cavalo e outros a

pé. Todos para festejar São Benedito e São

Sebastião. Eu lembro dessa preparação

que minha mãe tinha para a gente ficar

na casa de uns parentes, dormir por lá.

Page 38: Revista Nós nº1

O Alardo era um dos destaques da festa

e nós víamos a apresentação no meio da

rua, a luta de espadas, era a maior cor-

reria dos meninos. Eu ficava imaginando

de onde vinha tudo aquilo, as pessoas

vestidas de vermelho e azul, dois times

lutando”.

Mas a participação de Terezino em

manifestações culturais deu-se primeiro

com o Ticumbi, aos 17 anos, para pagar

uma promessa da mãe. “Brinquei três

anos com os congos velhos. Aí fui chama-

do pra apresentar o Alardo. Eu tinha 19

anos quando participei dos ensaios e

comecei a apresentar e brincar do Alardo.

Entrei como soldado, o último soldadinho

da ponta. Depois disso, eu fui buscando

participar da organização do grupo”. Hoje

ele é Capitão, que é o chefe máximo na

hierarquia de cada um dos exércitos da

festa.

Entre as figuras do Alardo, o Embai-

xador é uma das mais importantes. É ele

quem faz as “Embaixadas”. Tratam-se de

visitas diplomáticas ao fronte inimigo, nas

quais os Embaixadores declamam versos

para persuadir o adversário à rendição

militar e religiosa. Tal atuação exige que

o Embaixador tenha o texto prontamente

decorado. O posto de Embaixador foi o

único que Terezino ainda não ocupou. “É

o mais difícil, pois faz todo esse ritual e se

destaca mais. Mas eu não daria conta de

decorar o texto”, admite.

Nos últimos anos, Terezino e os

demais jovens que brincam o Alardo

de Itaúnas foram os responsáveis pelo

seu resgate e manutenção. “Assim como

qualquer grupo folclórico, acho que o

Alardo não tem dono. A gente empresta

um pouco do nosso tempo pelo compro-

misso que temos com o santo, com a

comunidade”. Ele diz isso em resposta a

uma tentativa de apropriação da festa para

fins eleitoreiros, o que comprometeria o

seu caráter comunitário e sua representa-

tividade.

Em 2005, Terezino e os outros jovens

assumiram a realização do Alardo, após

o quase abandono por parte dos antigos

organizadores. “A gente começou a se or-

ganizar faltando uns três dias para a festa.

Foi muita correria, no dia da apresenta-

ção conseguimos um carro pra ir à Barra

buscar todas as roupas e todo o material.

Aí a gente pegou e começou a organizar, a

tomar conta mesmo e a trazer os meninos

que estavam meio desanimados”.

Nos anos seguintes, o grupo buscou

parcerias e apoio para viabilizar a

festa, foram recebidas algumas doações,

especialmente para a montagem das

indumentárias. “Ficamos um tempo bem

pendengando. Fomos nos apresentar

em um festival de folclore na Barra, uns

tinham tênis, outros não ou tinham a meia

rasgada, mas fomos assim mesmo. Como o

Alardo ficou adormecido um tempo, o cui-

dado com a indumentária da manifestação

perdeu essa questão da tradição, de cada

um cuidar da sua roupa”. Tradição que

foi recuperada por Terezino e sua turma:

“Não temos cem por cento do vestuário

nosso novo, mas a gente tem uns noventa

por cento. E cada um toma conta de sua

roupa”.

Um jovem mestre

A faixa etária dos integrantes dos

jovens envolvidos com o Alardo vai dos

15 aos 26 anos. Era tradição que o filho

sucedesse o pai na manifestação, o que

não acontece mais. “A gente lamenta

muito essa tradição ter ficado um pouco

esquecida na história. Os mais velhos são

os que conhecem melhor os detalhes e a

tradição da festa. Mas o diálogo com eles

é difícil. Às vezes, ao invés de termos o

repasse desse conhecimento, que ajudaria

o grupo a crescer e se organizar, a gente é

criticado”.

Terezino diz que o fato de um grupo

de jovens liderados por um outro jovem

protagonizar a festa é motivo de ques-

tionamento, mas para além das críticas

ele aponta a importância de investir nas

gerações mais novas para que o Alardo

continue a ser encenado. “Tem um monte

de guri pedindo pra se apresentar no Alar-

do. Infelizmente não estamos investindo

nessa vontade, que é a de trabalhar com

as crianças, e, por exemplo, formar um

grupo de Alardo mirim. Precisamos

resolver outros problemas do grupo, para

depois construir um projeto com as crian-

ças que seja permanente”.

Terezino foi o responsável por

encontrar e reproduzir os textos com as

embaixadas do Alardo para os demais.

Esse roteiro de falas, escrito num registro

semi-culto, tem uma autoria coletiva que

atravessa a história do Alardo. Em épocas

diferentes, cada grupo desenvolve e

adapta o seu texto. Assim, as embaixadas

podem sempre ser atualizadas. Terezino

espera incorporar nas falas da festa ele-

mentos que remetam à questão territorial

das comunidades quilombolas. “Acho que

a gente tem condições, tem capacidade

de fazer isso. Colocar um pouco da nossa

realidade de hoje, de todo o conflito pela

terra, para as pessoas que assistirem a

festa começarem a ligar uma coisa com a

outra”.

* Contribuíram com concepção, produção e edição desta entrevista Fernanda de Castro, histo-riadora e integrante da equipe do PRCJ, e Sandro Silva, antropólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufes.

ENTREVISTA38 PAULO GOIS BASTOS

Page 39: Revista Nós nº1

Inspiração digital criativaFilipe Borba

Viva! Existe o scanner, o computador, a máquina fotográfica

digital. A manipulação de imagens bidimensionais por meio

da tecnologia digital nunca foi tão fácil e acessível. Aliada

à possibilidade de impressão e veiculação em massa deste

material, a imagem ganha horizontes ainda mais amplos. Seja

circulando na internet ou em uma revista. É a maximização

daquilo que o pensador Walter Benjamin apontou no ensaio

A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica.

Os artistas aqui selecionados lidam diretamente com o meio

digital. Há os que preferem discutir a autoria do trabalho digital

ao invés de apreciar o uso criativo dessas novas ferramentas

tecnológicas. Por acaso, é possível estabelecer a originalidade

dessas imagens? Talvez sim, mas enquanto a discussão não

chega a um consenso, apreciemos essas criações. Nos trabalhos

selecionados há a manipulação digital de imagens. Algumas

produzidas pelos próprios artistas em processos manuais e

depois digitalizadas, outras já totalmente produzidas por meios

digitais, outras extraídas da internet, ou de um recorte de revista.

Independente da fonte de inspiração, é impossível negar o toque

pessoal de cada artista.

39NOSSA GALERIAfILIPE [email protected]

Page 40: Revista Nós nº1

NOSSA GALERIA40 fLICkR.COM/PhOTOS/hUEMERSONLEALhUEMERSON LEALRINO

Page 41: Revista Nós nº1

41fLICkR.COM/PhOTOS/fILIPEMECENAS fILIPE MECENAS ÁRVORE MÁGICA

NOSSA GALERIA

Page 42: Revista Nós nº1

NOSSA GALERIA42 fLICkR.COM/PhOTOS/MICASUGUIMICA SUGUISEM TÍTULO

Page 43: Revista Nós nº1

43fLICkR.COM/PhOTOS/kICkINRATS RAPhAEL ARAÚjO GENUÍNO SEM TÍTULO

NOSSA GALERIA

Page 44: Revista Nós nº1

NOSSA GALERIA44 WWW.MASSIVEDRAWATTACk.BLOGSPOT.COMCASSIANO PINhEIRO MACIEL DA SILVALYSERGIQ: VOYAGE

Page 45: Revista Nós nº1

45ExPEDIENTE

Governo do Estado do Espírito SantoPaulo César Hartung Gomes – Governador

Ricardo Rezende Ferraço – Vice-governador

Secretaria de Estado da Cultura do Espírito SantoDayse Maria Oslegher Lemos – Secretária

Subsecretaria de Estado da Cultura do Espírito SantoErlon José Paschoal – Subsecretário

Instituto SincadesIdalberto Luiz Moro – Presidente

Dorval Uliana – Gerente Executivo

ONG Universidade Para TodosRicardo Trazzi – Presidente

Programa Rede Cultura JovemVânia Tardin de Castro – Plataforma de Projetos

Marcelo Maia – Plataforma Digital

Roberto Alves Santos - Administrativo-financeiro

Equipe Técnica

Fernanda de Castro Barbosa

Filipe Alves Borba

Ivo Godoy

Kênia Lyra

Maira Rocha Moreira

Paulo Gois Bastos

Estagiários

Gustavo Basílio Medrado Fernandes

Samara Amorim Monteiro

Revista Nós – Edição nº 1Jornalista Responsável – Paulo Gois Bastos MTB/ES 2530

Projeto Editorial – Orlando Lopes e Paulo Gois Bastos

Projeto Gráfico – Alex Vieira e Vinícius Guimarães

Diagramação - Vinícius Guimarães

Ilustração – Alex Vieira e Guido Imbroisi

Reportagem – Carolina Ruas, Paulo Gois Bastos e Samara Amorim

Monteiro

Fotos – Bárbara Bueno, Katler Dettman, Lia Carreira, Raphael

Araújo, Syã Fonseca, Tiago Rossmann e Vinícius Guimarães

Capa – Alex Vieira e Guido Imbroisi

Edição – Paulo Gois Bastos

Revisão – Orlando Lopes

Conselho Editorial da Revista NósCarolina Ruas Palomares, Eduardo Ojú, Ítalo Galiza,

Karina Moura, Orlando Lopes, Pablo Marques e Vitor Lopes.

Especificações gráficasTipografia - Emona, Sintax LT, LT Finnegan.

Papéis - Offset, Pólen Soft e Couchê.

Impressão – Grafitusa

Tiragem – 5 mil exemplares

A revista Nós é uma publicação do Programa Rede Cultura Jovem.

Rua José Alexandre Buaiz, n° 160 - sala 703 /705 - Ed. London

Office Tower - Enseada do Suá - Vitória-ES CEP: 29.050-545

(27)3026-2507

www.portalyah.com.br

[email protected]

Vitória-ES

Maio de 2010

Page 46: Revista Nós nº1

ARREMATE46 SYÃ fONSECA

A cultura hip hop e funk dão o seu recado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Santo Antônio, em São Mateus.

Em cena, os grupos de dança Samba Break e Vulcão de Rua (página 47) e os MCs Guina (17 anos) e Morcegão (15) (página 46).

VIDEO - GAROTOS DO fUNk

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Page 48: Revista Nós nº1

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