Revista Despertar - Impressão 5 · italiana da cidade de Reggio Emilia, que nos ensina que devemos...

20
MÚSICA COMO POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA NA ESCOLA DESPERTAR Clarice Bourscheid 12 Professora de música da Escola Despertar e Licenciada em música. Importante refletir sobre a origem da palavra Escola, que para os antigos gregos, significava “Tempo Livre”. Fonte: J. MASSCHLEIN E M. SIMONS. Em defesa da escola: uma questão pública. Ano: 2013. 12 Fazer parte de uma escola que quer pensar e compartilhar ideias e práticas pedagógicas com toda a comunidade escolar é um privilégio. Considerei esta uma bela oportunidade de reviver pela escrita experi- ências pedagógico/musicais vividas na Despertar desde 2016. Considerando com Skliar (2001, p.123) que o ensaio tem a ver “con la novedad derivada de una cierta reorganización de aquello que, en cierto modo, ya estaba ahí”, este foi o formato escolhido. O ensaio permite que a própria escrita seja uma forma de orga- nização do pensamento. Estas reflexões e práticas vêm de uma pergunta que venho me fazendo há algum tempo e que se tornou também uma das minhas questões de pesquisa no doutorado que estou desenvolvendo: como promover uma formação musical com professores, que contemple uma formação estética/poética dos adultos e das crianças na escola de Educação Infantil? Defendo, como Richter, que “a criação de realidades pelas produ- ções artísticas é uma possibilidade lúdica da expressão, pois joga com a realidade do mundo, impregnan- do-a com nossa sensibilidade, nossas paixões e imaginação” (RICHTER, 2016, p. 30). 13 13 RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS 37 É importante destacar que, desde o início do meu trabalho na escola, a proposta tem sido a de pensar e viver “a música na escola como favorecedora da escuta, do movimento, do encantamento, da imaginação, da criação, da convivência entre adultos e crianças e entre crianças e crianças.

Transcript of Revista Despertar - Impressão 5 · italiana da cidade de Reggio Emilia, que nos ensina que devemos...

MÚSICA COMO POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA NAESCOLA DESPERTARClarice Bourscheid12

Professora de música da Escola Despertar e Licenciada em música.

Importante re�etir sobre a origem da palavra Escola, que para os antigos gregos, signi�cava “Tempo Livre”. Fonte: J. MASSCHLEIN E M. SIMONS. Em defesa da escola: uma questão pública. Ano: 2013.

12

Fazer parte de uma escola que quer pensar e compartilhar ideias e práticas pedagógicas com toda a comunidade escolar é um privilégio. Considerei esta uma bela oportunidade de reviver pela escrita experi-ências pedagógico/musicais vividas na Despertar desde 2016. Considerando com Skliar (2001, p.123) que o ensaio tem a ver “con la novedad derivada de una cierta reorganización de aquello que, en cierto modo, ya estaba ahí”, este foi o formato escolhido. O ensaio permite que a própria escrita seja uma forma de orga-nização do pensamento.

Estas re�exões e práticas vêm de uma pergunta que venho me fazendo há algum tempo e que se tornou também uma das minhas questões de pesquisa no doutorado que estou desenvolvendo: como promover uma formação musical com professores, que contemple uma formação estética/poética dos adultos e das crianças na escola de Educação Infantil? Defendo, como Richter, que “a criação de realidades pelas produ-ções artísticas é uma possibilidade lúdica da expressão, pois joga com a realidade do mundo, impregnan-do-a com nossa sensibilidade, nossas paixões e imaginação” (RICHTER, 2016, p. 30).

13

13

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS 37

É importante destacar que, desde o início do meu trabalho na escola, a proposta tem sido a de pensar e viver “a música na escola como favorecedora da escuta, do movimento, do encantamento, da imaginação, da criação, da convivência entre adultos e crianças e entre crianças e crianças.

É importante destacar que, desde o início do meu trabalho na escola, a proposta tem sido a de pensar e viver “a música na escola como favorecedora da escuta, do movimento, do encantamento, da imaginação, da criação, da convivência entre adultos e crianças e entre crianças e crianças. Ou seja, música como experi-ência estética e poética, como parte de uma educação da sensibilidade”, conforme registrado no pôster apresentado por mim no 27º encontro do EECERA. Com este entendimento, surgiu a necessidade de se pensar a presença da educação musical a partir da escuta e observação das crianças. Um cotidiano que envolvesse música de diferentes formas, e não pensando que a aprendizagem musical se daria somente ou especialmente num formato de aula tradicional. Desta forma, entendemos que viver música na escola é direito das crianças. Para isso, foram necessárias algumas ações e reformulações, objetivando alinhar ideias e práticas ao Projeto Político Pedagógico da escola. A partir daí, chegou-se na seguinte orientação:

A proposta de educação musical na escola Despertar é voltada tanto para a formação dos educadores quanto para a ampliação e quali�cação das experiências das crianças com a música no seu cotidiano. O professor de música organiza sua ação de duas formas: i) promovendo ações pontuais com as crianças; ii) acompanhando, sugerindo e ampliando o repertório dos educadores acerca do trabalho pedagógico de musicalização na infância.” (PPP Despertar, 2016, p.42)

As ações foram, em linhas gerais, as seguintes: (i) envolvimento de toda a equipe neste processo: professo-res e educadores assistentes de cada turma, professora de música, coordenação pedagógica, equipe direti-va e equipe de apoio; (ii) organização de ambientes e situações que promovam a interação das crianças com música, como cuidado com os repertórios que tocam na chegada e saída das crianças e famílias na escola, bem como no que oferecer no ambiente de cada sala; (iii) favorecimento de outras experiências com sons, silêncios e músicas, dando especial atenção à paisagem sonora da escola, ou seja, aos sons e silêncios que compõem este ambiente; (iv) proporcionar às crianças o contato com espetáculos musicais de reconhecida qualidade artística; (v) aquisição de materiais musicais.

Neste sentido, busca-se dar conta do que a�rma a pesquisadora portuguesa Alarcão (2002, p. 218): a escola pode ser entendida como “lugar e tempo de aprendizagem para todos (crianças e jovens, educadores e professores, auxiliares e funcionários)”, sempre lembrando que a educação na escola se dá de forma relacional e no coletivo, não só no que diz respeito às crianças, mas também aos adultos. Assim também com música, trata-se de favorecer momentos de nos relacionarmos com as crianças musicalmente. (BOU-RSCHEID, 2017, p. 10)

A música é parte do cotidiano das crianças e adultos. Ela é parte desse todo que é ao mesmo tempo tão complexo e tão simples. Complexo porque envolve muitas vidas e suas particularidades. Ao mesmo tempo

European Early childhood Education Research Association, que aconteceu em Bolonha/IT 2017, e que construído e apresentado junto a minha orientadora de doutorado, a Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa.

Paisagem sonora conceito cunhado por Murray Schafer para abarcar toda a sonoridade de um determinado ambiente. Para Schafer (2001, p. 24), “uma paisagem sonora consiste em eventos ouvidos e não em objetos vistos”.

14

15

14

15

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS38

almejamos um cotidiano de simplicidade. Hoje percebo que essa simplicidade é sempre complexa, e só é possível, de fato, quando temos uma equipe que conhece sobre crianças e sobre educação. Alguém já a�rmou que “só podemos improvisar sobre um tema que conhecemos muito”. Ninguém cria ou improvisa dentro de uma linguagem ou tema que não lhe é próximo e familiar. Assim, com música não é diferente. Mas como favorecer experiências musicais que possam tornar-se aprendizagens signi�cativas para ambos: crianças e adultos? Parto do pressuposto do que a�rmou Aldo Fortunati em Palestra proferida no SESC, quando explica que “o tempo da experiência é um tempo de entrega, múltiplo e diferente para cada crian-ça”. Nesse sentido, as formas de interação musical têm sido variadas e vividas a partir de diferentes pontos de vista e das diferentes “coleções de exemplos” que cada um constrói ao longo da vida.

Ao mesmo tempo, é compromisso da escola, enquanto espaço de formação humana de crianças e adultos, promover oportunidades de viver e pensar também sobre música. É isto que temos objetivado promover durante estes dois anos na Despertar. O desa�o da educação, como nos mostra a �lósofa Hannah Arendt, é “apresentar o velho, aquilo que já existe como cultura, e ao mesmo tempo, garantir espaço para que o novo emerja com cada criança que nasce”.

Compartilho algumas imagens que nos convidam a pensar a música como possibilidade de convivência, como possibilidade de encantamento, de expressão de ideias e de sentimentos, como forma de estar no mundo.

Conforme palestra proferida no SESC de Porto Alegre-RS em 06 de agosto de 2013, na qual estive presente. O tema foi o projeto de educação infantil na experiência da cidade de San Miniato, Toscana, Itália. Nesse projeto, a educação das crianças é vista como um compromisso de toda a comunidade, sendo um exemplo importante, hoje estudado em vários outros países, assim como na nossa escola.

Para DeDuve (2009, p. 51), “A palavra ‘arte’ não é, pois, um conceito, é uma coleção de exemplos – diferente para cada um”.

16

17

16

17

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS 39

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS40

Que possamos seguir escutando, dançando, cantando e compondo, junto às crianças, nossas próprias histórias!

Referências

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.

BOURSCHEID, Clarice. Encontros entre música e pedagogia na educação infantil: um olhar a partir da formação de professores em

contexto. Projeto de tese. Doutorado em Educação, 2017. Orientadora: Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa

RICHTER, Sandra. R S. Formação cultural de professores. In: BAPTISTA, Monica Correia et al (Org.). Ser docente na Educação

Infantil:entre o ensinar e o aprender. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2016.

SKLIAR, Carlos. Ensayar. In: LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos (Org.). Lo Dicho, lo escrito, lo ignorado: Ensayos mínimos, entre educaci-

ón, �losofía y literatura. Colección Educación: Otros lenguajes. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2011, p. 121-129.

Projeto Político Pedagógico Escola Despertar, 2016.

Planejamentos e resumos das turmas da Despertar entre 2016 e 2017 feitos pelas equipes de cada turma.

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS 41

PENSAMENTOS DE UMA PROFESSORAJéssica Eufrásio18

Professora da Escola Despertar e graduanda de Pedagogia. 18

Nós, professores, mesmo que tenhamos como hábito planejar as aulas, não fazemos ideia do que nos espera.

Nós, professores, amamos o que fazemos.

Nós, professores, nos dedicamos em tempo integral, seja pensando ou criando algo que possa potencializar os saberes de nossos alunos.

Nós, professores, desenvolvemos diversas linguagens:

...rimos sozinhos quando já em casa lembramo-nos de nossos alunos.

...amamos compartilhar nosso trabalho com todos, todos mesmo.

...importamo-nos quando um aluno falta à aula.

...sentimos falta daqueles que testam nossos limites.

Nós, professores, choramos por dentro quando presenciamos um aluno se machucar.

Nós, professores, pensamos em conjunto, porque pensar sozinho é muito difícil.

Nós, professores, somos nós mesmos.

Quando acordamos pela manhã, logo um questionamento vem à nossa cabeça: o que me espera hoje?

NARRATIVAS POÉTICAS42

RELATOS SOBRE A AUTONOMIA

Eu sou Lilian Postingher Zianni, educadora assis-tente na Escola Despertar. Trabalho há mais de três anos aqui e �co muito feliz em fazer parte desta equipe. 

É bom demais ter a oportunidade de vivenciar e praticar o protagonismo das crianças. Percebo que aqui a criança é o "ator" ou a "atriz" principal. Vários são os momentos em que os pequenos demons-tram suas individualidades: nos momentos das refeições, por exemplo, as crianças escolhem o lugar em que vão sentar à mesa, podendo sentar ao lado de seus melhores amigos e amigas. Além disso, servem sua comida, sua água e conversam muito nesses momentos.

Durante o nosso trabalho na Escola, o protagonis-mo da criança é valorizado o tempo todo. Percebo que garantir que as crianças possam expor seus desejos em todos os momentos do cotidiano

Educadora Asistente da Escola Despertar e graduada em Educação Física.19

auxiliam na construção da autonomia, que só é possível se houver afeto e con�ança.

Vejo no dia a dia da escola que as educadoras observam as brincadeiras das crianças a �m de perceber quais ideias e interesses estão aparecen-do. Assim, é possível valorizar os temas com os quais as crianças estão envolvidas, permitindo que criem suas identidades e formas de pensar.

Praticamos a proposta baseada na abordagem italiana da cidade de Reggio Emilia, que nos ensina que devemos oferecer às crianças con�ança, no sentido de reconhecimento de identidade e opor-tunidades na organização do planejamento, dos espaços e do tempo, deixando a criança explorar, diversas vezes, cada objeto e cada espaço. É deste modo que consolidamos, em nosso cotidiano, o olhar atento e respeitoso do educador. Para �nali-zar, resgato o poema de Lóris Malaguzzi,

NARRATIVAS POÉTICAS 43

Lilian P. Zianni19

A criança é feita de CemDe jeito nenhum. As cem estão lá

A criança é feita de cem.A criança tem cem linguagens

e cem mãoscem pensamentos

cem maneiras de pensarde brincar e de falar.

Cem e sempre cem modos de escutarde se maravilhar, de amar

cem alegrias para cantar e compreendercem mundos para descobrircem mundos para inventarcem mundos para sonhar.

A criança tem cem linguagens(mais cem, cem e cem)

mas roubaram-lhe noventa e nove.A escola e a cultura

lhe separam a cabeça do corpo.Dizem à criança:

de pensar sem as mãosde fazer sem a cabeçade escutar e não falar

de compreender sem alegriade amar e maravilhar-sesó na Páscoa e no Natal.

Dizem à criança:de descobrir o mundo que já existe

e de cem roubam-lhe noventa e nove.Dizem à criança:

que o jogo e o trabalho,a realidade e a fantasia,

a ciência e a imaginação,o céu e a terra, 

a razão e o sonho são coisasque não estão juntas.

E assim dizem à criançaque as cem não existem.

A criança diz:De jeito nenhum. As cem existem”.

Loris Malaguzzi

NARRATIVAS POÉTICAS44

ATELIÊ DO SABORVanessa Fonini 20

Nutricionista da Escola Despertar.20

Você já parou para pensar o que te leva a escolher um alimento? A resposta é bastante complexa. O comportamento alimentar de cada pessoa é in�uenciado basicamente por suas referências culturais e sociais, associadas a experiências pessoais e à sua genética. Na infância são forma-dos hábitos que podemos carregar a vida toda, sendo a família a principal responsável por essas escolhas e a escola em segundo lugar. Na verdade, podemos até mudar quando crescemos, mas a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar e algumas formas sociais aprendidas através dele permanecem, talvez para sempre, em nossa consciência.

E quem nunca falou que come motivado por suas emoções? É comum a busca por determinadosalimentos quando queremos comemorar, quando estamos tristes, quando estamos ansiosos, quando precisamos de conforto, etc. É unânime que a comida é uma grande fonte de prazer, um mundo complexo de satisfação �siológica e emo-cional. Existe até um termo para de�nir isso: “com-fort food“. Ele designa toda comida escolhida e consumida com o intuito de proporcionar alívio emocional ou sensação de prazer, sendo associa-da muitas vezes a períodos signi�cativos da vida do indivíduo (como a infância) e/ou à convivência em grupos considerados signi�cativos por ele

NARRATIVAS POÉTICAS 45

da carne assada ao pão recém-saído do forno da Tia Vânia. Sensações que extrapolam os sentidos e tocam a alma.

O local serve de ponto de encontro e, algumas vezes, de desencontros, mas, de qualquer modo, um lugar de convívio. É onde adultos e crianças se encontram para partilhar experiências. Há integração entre diversos setores como equipe diretiva, equipe de psicologia, recepção, secreta-ria, equipe de nutrição e equipe de apoio. Crian-ças chegam e são acolhidas muitas vezes ali, à mesa. Para os maiores é o momento de conversar sobre qualquer tipo de assunto, para os menores é também palco de aprendizado e socialização. Nessa perspectiva, possibilitar interações é tão importante quanto o ato de comer.

Sabemos que não existe experiência prazerosa sem qualidade, e nela se incluem, entre outros elementos, espaços e materiais adequados. Desta forma o refeitório foi planejado para atender a demanda dos alunos. A bancada na altura das crianças possibilita que elas mesmas possam organizar a sua mesa. Os utensílios utilizados foram pensados na necessidade e segurança de

(como a família). Dessa forma busca-se nos alimen-tos conforto e bem estar por causarem efeitos físicos, psicológicos e emocionais naqueles que os consomem.

E qual nossa primeira experiência com a nutrição? Para muitos o seio materno. E existe exemplo melhor de comida que conforta? Na ausência desse, mamadeira, colo e muito amor podem ser ótimos substitutos. Ligar emoções aos alimentos é inato ao ser humano, e quando vivemos experiên-cias positivas relacionadas aos alimentos, criamos memórias positivas em nossas lembranças.

A partir dessas premissas temos o compromisso de estabelecer um vínculo positivo com o alimento, despertando o prazer no consumo de uma refeição saudável dentro da Escola. Para isso o Ateliê do Sabor (como identi�camos nossa cozinha e refeitó-rio) foi pensado e estruturado no coração da Despertar.

É um local visível, transparente, aberto e direta-mente conectado a toda a Escola. Logo na entrada somos convidados a sentir os diferentes aromas -

NARRATIVAS POÉTICAS46

cada faixa etária. Por exemplo, as crianças de nível/bilíngue 1 utilizam copos com tampa, pratos de inox e colher. Mas com o desenvolvi-mento das habilidades motoras vamos retiran-do a tampa do copo e no nível/bilíngue 4 já estão usando pratos e copos de vidro. Esse processo respeita o tempo de cada um e demonstra a importância de se alimentar porque o espaço e cada detalhe estão prepara-dos com muito cuidado.

O cardápio é elaborado levando em conta saúde, bem-estar e satisfação das crianças, com base nas principais diretrizes de alimentação do Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Pediatria. Priorizamos alimentos simples, natu-rais, integrais, frutas e hortaliças da estação, leguminosas, peixes, buscando adaptar prepa-rações saudáveis ao gosto das crianças e, sempre que possível, acolhendo suas sugestões e de suas famílias.

A refeição é preparada com rigoroso padrão técnico de controle higiênico-sanitário. Entre-tanto a estética é algo igualmente importante, por isso a preocupação com a apresentação das preparações, que devem ser agradáveis a todos os sentidos.

A �loso�a da escola transcende as salas de aula e se aplica também no refeitório. Nesse local a criança é acolhida, observada, ouvida, respeita-da e tratada como indivíduo único, que possui suas próprias vontades, que poderão ser atendi-das, até certos limites. Tarefas que estimulam a autonomia comoarrumar a mesa, servir o próprio alimento, retirar a louça fortalecem a autoestima e criam oportunidades importantes de aprender a controlar fome e saciedade, a espera, a colaboração com os colegas, entre outras. Está nas orientações do Manual de Orientação do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria: “a criança deve

ser encorajada a comer sozinha, mas sempre com supervisão, para evitar engasgos. É importante deixá-la comer com as mãos e não cobrar limpeza no momento da refeição”.

Tratamos com muito respeito a alimentação na educação infantil. Consideramos que o ato de comer não é apenas nutrir o corpo com comida, mas nutrir o ser humano com afeto e carinho. Como cita Sérgio Spaggiari em As Linguagens da Comida: “...é justo permitir às crianças que descu-bram a riqueza incomensurável que um bom prato consumido em boa companhia pode dar porque, também na escola, a mesa quer dizer saúde, prazer e convivência.”

NARRATIVAS POÉTICAS 47

O DESAFIO DE SER EDUCADOR FRENTE À PROPOSTA ITALIANATatiana Oliveira Veleda 21

Educadora Assistente da Escola Despertar e formada em Magistério.21

Segundo Piaget (apud Wadsworth, 1996) o desenvolvimento da inteligência ocorre por meio de desa�os interativos constantes que vão sendo aperfeiçoados em cada ação dos sujeitos. Essas ações podem ser potencializadas através de intervenções cada vez mais complexas. Piaget a�rma que as crianças são ativas e agentes no seu desenvolvimento, construindo, progressivamente, seus conhecimentos e suas próprias descobertas. Neste sentido o educador tem papel fundamental no desenvolvimento das crianças e no trabalho pedagógico de uma instituição infantil.

Atuar na Escola Despertar tem sido uma experiência de muito crescimento, aprendemos a escutar as crian-ças, através da observação, do exercício da sensibilidade, da atenção, do cuidado, compreendendo as diferentes linguagens e modos de expressão das crianças, respeitando a criança como ser humano, capaz e protagonista de sua história.

No começo muitas perguntas surgiram, perguntas importantes que me ajudaram a buscar modos diferen-ciados de responder e de nortear o fazer com as crianças, inserindo, cotidianamente, a escuta como elemento constituinte do respeito ao tempo de cada criança. A Escola Despertar investe na formação permanente de seus educadores, acredita que as competências educativas nascem na interação com a prática educativa e com o envolvimento e sintonia com as crianças.

Neste percurso formativo tomei como referência as práticas docentes de três professoras que serviram de exemplo e que me ajudaram a dar sentido ao conceito de criança capaz, plural e diversa, bem como, de prática pedagógica con�ante, segura e respeitosa.

Conhecer a abordagem de Reggio Emília e San Miniato me fez repensar na minha prática pedagógica, isto é, propiciou questionamento, me tirou de uma “zona de conforto” fazendo com que eu me transformasse. Foram três anos de pesquisa, estudo, adaptação buscando o conhecimento e o aperfeiçoamento contínuo nesta abordagem. De tantas leituras e estudos, destaco o livro Tornando Visível a aprendizagem- crianças que aprendem individualmente e em grupo. Trata-se de uma coletânea de textos com os especialistas de Reggio Children e nesta coletânea a autora Carla Rinaldi escreve um texto intitulado: A mão justa que para mim foi bastante inspirador e esclarecedor.( professora A)

NARRATIVAS POÉTICAS48

Acredito que um dos desa�os do professor é fazer do ambiente um espaço atrativo, que aguce a curiosida-de das crianças para que possam criar novos repertórios de brincadeiras e assim desenvolverem as suas experiências. O professor precisa estar em sintonia com as crianças, saber quando deve somente observar e quando pode participar da brincadeira, deve também produzir estratégias que favoreçam as descobertas das crianças. (professora B)

Essas são algumas frases que aos poucos foram orientando a minha formação dentro da escola, propician-do a descoberta de textos e autores que eu não conhecia, contribuindo com re�exões e análises novas e viabilizando uma prática com as crianças mais engajada, alegre e comprometida.

Na proposta de Reggio Emília é fundamental para a criança adquirir uma memória de alegrias e felicidade. É através do brincar que as crianças têm contato com a realidade, fantasia e imaginação, resolve con�itos, adquire valores, limites e responsabilidades. É preciso que o educador esteja aberto a ideias novas, estabe-lecendo uma rotina que seja pautada pela beleza e pelo encantamento com a vida. Tenho o privilégio de fazer parte da escola Despertar e estar próxima a pessoas sensíveis, que amam cuidar do próximo e que, como eu, acreditam na educação.

Referências

WADSWORTH, Barry. Inteligência e Afetividade da Criança. 4. Ed. São Paulo:Enio Matheus Guazzelli, 1996.

NARRATIVAS POÉTICAS 49

A EXPERIÊNCIA NO INSTITUTO EMMI PIKLER EM BUDAPESTE E A TRAJETÓRIA DE UM GRUPO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: GRUPO PALAVRA

Juliana Abulé Prudencio 22

Psicóloga da Escola Despertar. 22

Uma memória que bate à porta!! Bate e insiste em �car. E �cou... Hoje, ao me encontrar com as crianças me encontro diferente!

Muito mais do que compreender a �loso�a de Emmi Pikler, conhecer os seus detalhes e aplicabilidade prática, no Instituto Pikler, foi possível, essencialmente, viver uma experiência e acumular “Memórias”. Memórias de um espaço permeado de simplicidade, de um silêncio carregado de histórias, de um tempo sobrecarregado de infância.

Sem dúvida, “Um lugar para crescer lentamente”. São detalhes, como gestos, falas, olhares que se tradu-zem em “atos de con�abilidade humana”, na presença de um adulto que se oferece como cúmplice das experiências acumuladas pelas crianças nas suas relações com o mundo e nas suas ações repetidas cotidianamente.

No encontro com os educadores, com as crianças e com os espaços vive-se um tempo de infância em suas diversas narrativas, onde o enredo principal é a con�ança. No , tempo e con�ança encontram seu valor e interdependência. A teoria testemunhada na prática gera uma escuta contínua em nós visitantes. A escuta atenta se faz presente sem que se atente a isso:

Os espaços comunicam - as salas, a disposição dos objetos re�ete um saber, um ambiente provocador, seguro, que oferece plena condição para o bebê empreender as suas pequisas.

NARRATIVAS POÉTICAS50

Os relatos da equipe e suas atitudes, mobilizam, envolvem um signi�cado cheio de respeito, profundida-de e preocupação: “Uma cuidadora passa três meses em treinamento apenas observando antes de tocar uma criança”.

O tempo é o tempo privilegiado da infância, o óbvio solicita investimento: Os momentos de trocas, de alimentação é uma grande oportunidade de relação, con�ança e aprendizagens.

Diante disso: escutas in�ndáveis surgem não apenas de fora, mas também de dentro e não se �ndam, tornam-se memória, memória que rememora, que �ca....

Dessa vivência dá vida para a criação de uma formação continuada com educadores de nível 1 e 2 deno-minado “Grupo Palavra” que se debruça cada dia mais nos estudos da Filoso�a Pikleriana, porém com a certeza de que passamos do contemplar, ao olhar e do olhar ao observar. Observar aspectos do desen-volvimento infantil, amparados por bases teóricas que se ampliam, resigni�cam, reconstroem sobretudo no diálogo constante com a nossa escuta e experiência.

Os encontros formativos deste grupo têm como objetivo sensibilizar a equipe de educadores para a re�e-xão sobre o cotidiano de crianças de 1 e 2 anos, nas suas relações com o adulto e entre elas, tendo como base epistemológica os princípios da abordagem Pikleriana.

As estratégias metodológicas organizam-se a partir da proposição de leitura de textos, vídeos e da discus-são de materiais produzidos pela equipe de educadores. Estes materiais são analisados durante os encon-tros formativos que ocorrem semanalmente, com duração de duas horas, durante o horário de trabalho. Os dados produzidos durante o processo são apresentados a partir de uma coletânea de diferentes instru-mentos de registros organizados durante os três anos de formação.

NARRATIVAS POÉTICAS 51

Aponta-se como principais resultados deste projeto a discussão e aproximação com os pressupostos Pikle-rianos (primeiro ano de formação); produção de materiais e discussão acerca do cotidiano da própria escola (segundo ano de formação); e, para além dessas discussões, a utilização e organização desses materiais em uma matriz de formação para educadores, famílias e toda comunidade escolar (terceiro ano de formação). Destacam-se como principais aprendizagens dos participantes do grupo a instrumentação para a observa-ção da criança e a quali�cação dos registros e re�exões do cotidiano. Além disso, a experiência deste grupo, tem provocado uma mobilização dos educadores que trabalham com faixas-etárias de crianças maiores na escola, para questões relacionadas ao vínculo, à observação e à re�exão sobre a ação pedagógica. Por �m, observa-se que o material produzido, composto por relatos escritos, �lmagens, fotogra�as e histórias do cotidiano, passam a constituir memórias e uma identidade de trabalho dos pro�ssionais e desta escola.

Em abril de 2018, o grupo palavra terá participação no Pre-Simposio Internacional “Pikler en las múltiples facetas del espejo de Nuestra América” Budapest com a apresentação do pôster: A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÂO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DE CONSTITUIÇÂO DE MEMÓRIAS E IDENTIDADE.

23

23

NARRATIVAS POÉTICAS52

23

NARRATIVAS POÉTICAS 53

POR UMA IDEIA DE CRIANÇAPara �nalizar essa primeira edição, gostaríamos de convida-los a se encantar com essa linda poesia escrita pelo autor e pesquisador da infância Aldo Fortunati.

Aldo, que é Especialista em desenvolvimento infan-til e políticas para a infância, inspira nossas pesqui-sas e estudos sobre a infância, com um olhar sensí-vel nos mostra aspectos fundamentais para uma educação de respeito e qualidade. Autor de nume-rosos volumes e artigos sobre a infância, algumas de suas publicações mais recentes, “A educação infantil como um projeto da comunidade”, “A abor-dagem de San Miniato para a educação infantil” e “Por um currículo aberto ao possível” foram tradu-zidos em inglês, espanhol e português.

Fortunati ainda é diretor das áreas educatica, social e cultural do Instituto dos Inocentes em Florença e presidente da La Bottega di Geppetto - Agência Internacional de Pesquisa e Documentação sobre a Infância Gloria Tognetti.

A Despertar colabora como parceira deste renoma-do centro de pesquisa desde 2010, apoiando a tradução e edição dos últimos livros. Em 2017, nossa diretora Paula Baggio foi convidada para fazer parte do comitê técnico-cientí�co da La Bottega di Geppetto, representando a America Latina em diversos encontros.

Sintam-se a vontade para maravilhar-se neste encontro, entre poesia, estudo, desejo e realidade.

Por uma idéia de criançaAldo Fortunati (2009) Por uma ideia de criança rica,na encruzilhada do possível,que está presentee que transforma o presente em futuro. Por uma ideia de criança ativa,guiada, na experiência,por uma extraordinária espécie de curiosidadeque se veste de desejo e de prazer. Por uma ideia de criança forte,que rejeita que sua identidade sejaconfundida com a do adulto, mas que a oferecea ele nas brincadeiras de cooperação. Por uma ideia de criança sociável,capaz de se encontrar e se confrontarcom outras criançaspara construir novos pontos de vista e conhecimentos. Por uma ideia de criança competente,artesã da própria experiênciae do próprio saberperto e com o adulto. Por uma ideia de criança curiosa,que aprende a conhecer e a entendernão porque renuncie, mas porque nunca deixade se abrir ao senso do espanto e da maravilha.

DESPERTAR PELO MUNDOA Escola Despertar se orgulha de compartilhar algumas fotos de Congressos e formações que nossos pro�ssionais participaram nos últimos meses.

GALERIA DE FOTOS54

San Miniato, Itália. Nossa diretora Paula Baggio no Seminário Interna-cional “Children and the revolution of diversity”. Paula abordou a temática “Can education keep together diversities?” através de um vídeo mostrando as experiências vividas pelas crianças no cotidiano da Escola, consolidando os princípios de nossa proposta pedagógica.

Budapeste, Hungria. Pré-Simposio Internacional “Pikler en las múltiples facetas del espejo de Nuestra Améri-

ca”, Juliana Abulé apresentou um pôster referente ao Grupo Palavra,

que atua na formação de educadores de nível 1 e 2 na Despertar.

Budapeste, Hungria. Pikler International Symposium 2018: “Observing, Understanding, Responding”. Pôster: L'importance de l'observation piklerienne dans les institutions d'enfants aban-donnés à porto alegre – brésil.

Brasília, Brasil. X Semana de valoriza-ção da primeira infância e cultura da

paz. Trabalho intitulado “Mindfulness e Educação Socioemocional na

Educação Infantil”, Luanna Taborda apresentando o projeto realizado na escola Despertar com os níveis 4 e 5.

GALERIA DE FOTOS 55

Bologna, Itália. Nossa professora de música, Clarice Bourscheid, apresentou um painel no EECERA “European Early Childhood Education Research Association” sobre Música na Educação Infantil.

Berlim, Alemanha – Paula Baggio no grupo de estudos sobre infância.

Porto Alegre – Brasil – Formação para equipe de educadores Despertar

N 1 | Ano 1 | Abril de 2018

Rua Armando Pereira Camara, 110

Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil

Fone: (51) 3388-4238 | 3024-6266

[email protected]

www.escoladespertar.com.br

Desde 2001