Revista Agrofloresta n. 01

32
SÍTIO BOM JARDIM NA SERRA DA IBIAPABA: Dona Terezinha e a natureza de mãos dadas para recuperar a vida Fundação CEPEMA e Ministério do Meio Ambiente/PDA contribuindo para o desenvolvimento do Maciço de Baturité Seu Gerardo e Maycon: Lições de vida (Serra da Meruoca) Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco - entrevista com Magnólia Said LAR DA RAINHA: Apicultura e Agrofloresta no Sertão Central Cearense Fundação CEPEMA ano I - Nº 1 - Agosto 2007

Transcript of Revista Agrofloresta n. 01

Page 1: Revista Agrofloresta n. 01

SÍTIO BOM JARDIM NA SERRA

DA IBIAPABA:

Dona Terezinha e a natureza de mãos dadas

para recuperar a vida

Fundação CEPEMA e Ministério do Meio Ambiente/PDA contribuindo para o desenvolvimento do Maciço de Baturité

Seu Gerardo e Maycon: Lições de vida (Serra da Meruoca)

Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco - entrevista com Magnólia Said

LAR DA RAINHA: Apicultura e Agrofl oresta no Sertão Central Cearense

Fundação CEPEMA ano I - Nº 1 - Agosto 2007

Page 2: Revista Agrofloresta n. 01

2

FUNDAÇÃO CEPEMA17 anos de história

Sobral, 1989. Nasce o Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente, CEPEMA, com apoio da orga-nização não-governamental sueca, Fra-mtidsjorden (Terra do Futuro). Dois anos depois, o Centro transforma-se na Fun-dação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente.

Inicia, assim, o caminho em direção da segurança alimentar e da educação

em agricultura orgânica. Reuniões, cur-sos, conversas informais com agricultores e agricultoras começam a despertar uma consciência ecológica em mulheres e ho-mens do campo. A semente para o de-senvolvimento sustentável está, então, lançada.

Com ações que vão de programas de rádio – como o “Natureza de Todos Nós”, produzido entre 1990 e 2000 – a cursos de formação, como os de agen-te de agricultura ecológica, ADAE, reali-zados sistematicamente há 14 anos, a

Fundação CEPEMA firma sua atuação em prol do fortalecimento da agricultura fa-miliar.

Dezessete anos passados, a Fun-dação CEPEMA assume o desafio do desenvolvimento sustentável através da agrofloresta e educação ambiental. Ex-pande suas ações pelo interior cearense – Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra da Ibiapaba e Sertão Central – e em Fortaleza, trabalhando diretamente com agricultores e agricultoras e com a juventude do campo e da cidade.

Mais do que uma re-vista, Agrofl oresta é um registro de histó-rias de vida e de amor ao meio ambiente. É o reencontro da mulher e do homem do campo com a natureza, atra-vés da compreensão da importância da preservação ambiental e da prática ecológica do manejo agrofl o-restal. Relatar o sucesso de experiências de implan-tação de sistemas agrofl orestais pelos olhos e bocas de agricultoras como Dona Terezinha, Dona Noemi e Dona Irene, ou de agricultores como Seu Gerardo, Seu Aroldo e Tadeu foi o impulso que motivou a Fundação CEPEMA a apostar na publicação de uma revista sobre agrofl oresta.

Convidamos você a passear conosco pelo interior do Ceará. Tomar um suco de acerola com Dona Noemi, olhando seu quintal na comunidade Jardim, Mulungu, ou sentar, com um cafezinho da hora, na varanda do sítio de Dona Irene em Guaramiranga, cidades do Maciço de Baturité; saborear o mel do apiário Lar da Rainha em Tapuiará, distrito de Quixadá, Sertão Central ou conversar com o menino Maycon na casa de farinha do sítio do avô, Seu Gerardo, em Alcânta-ras na Serra da Meruoca. E quem sabe acompanhar, junto com Seu Aroldo, o refl orescer das margens do rio Sitiá ou aprender com Dona Terezinha o porquê de investir em agrofl oresta.

E, no meio de tantas histórias de vidas, conhecer o trabalho realizado pela Fundação CEPEMA e seus par-ceiros em defesa do meio ambiente, da agricultura fa-miliar, trilhando um caminho para o desenvolvimento humano, sustentável e solidário. O convite está feito, agora cabe a você aceitá-lo!

Danilo Galvão, presidente da Fundação CEPEMA

Editorial

Danilo Galvão no SAF de Dona No-emi da Rocha, comunidade Jardim - Mulungu/CE.

Índice

Ponto de Vista ............................................................................ 03

Lar da Rainha: apicultura e agrofloresta no Sertão Central do

Ceará ........................................................................................... 04

Agente de Agricultura Ecológica: a terra trabalhada por outros

olhos e mãos ............................................................................... 08

Parcerias em Prol da Agrofloresta ........................................... 12

Geração de Renda e Preservação Ambiental, Agrofloresta às

Margens do Sitiá (Quixadá) ..................................................... 14

(Capa) Sítio Bom Jardim na Serra da Ibiapaba: Dona Terezinha

e a natureza de mãos dadas para recuperar a vida .................. 16

Sempre é Tempo de Aprender ................................................. 20

Estudos com Geoprocessamento no Maciço de Baturiré ....... 23

Maciço de Baturité: duas mulheres, duas histórias de respeito e

amor à natureza .......................................................................... 25

Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a

Transposição do Rio São Francisco (entrevista com Magnólia

Said) ............................................................................................ 28

Page 3: Revista Agrofloresta n. 01

333333

Quando afi rmamos que o roçado é a escola do agricultor, estamos di-zendo que é na pedagogia da vida do trabalho que se vai construindo, mol-dando os conhecimentos adquiridos, ao mesmo tempo em que se produz o alimento. Tais saberes sobre a com-preensão da ecologia do sistema vêm se processando ao longo das gerações com maior ou menor complexidade.

Iniciar uma agrofl oresta sem par-tir desse princípio, ou seja, sem consi-derar essa sabedoria é o primeiro passo para o insucesso dos sistemas agrofl o-restais (SAFs). Portanto, é premissa básica manter não somente o diálogo com a biodiversidade, mas, fundamen-talmente, com quem a maneja. Sair do discurso técnico dos SAFs e mergulhar no humano que é o elemento inter-ventor.

Este é um desafi o recorrente para que se possa desencadear um proces-so de retomada da harmonia entre cultura e vida. Não se trata apenas de decodifi car a funcionalidade do sis-tema, saber interpretá-lo, reconhecer os níveis sucessórios e as espécies que devem entrar ou sair em determinado momento. Trata-se sim de como esse humano se vê no contexto, se parte integrante e interdependente ou total-mente desassociado do ecossistema.

Não podemos negar que sem o humano não há agrofl orestas ou sis-temas agrofl orestais. E, para que esse humano possa interagir de forma po-sitiva, gerando sinergia no ambiente circundante, é necessário desvelar-se e compreender que somente através das próprias indagações sobre si mesmo e sua realidade, na conjuntura a qual se insere, será capaz de suceder a um esta-do crítico e liberto.

Daí, a importância do roçado como instrumento pedagógico. A par-tir das observações no ambiente de tra-balho, das tentativas, erros e acertos,

o indivíduo passa a se apropriar dos conhecimentos gerados com os com-ponentes que o integram. O roçado, portanto, é o início de todo nosso tra-balho de aprendizado enquanto técni-cos educadores/educandos.

Com as problematizações criam-se as condições necessárias para a con-solidação dos SAFs, não pelo interesse puramente econômico, outrossim pela necessidade íntima do humano que, na sua condição natural, é um ser de grande funcionalidade no ecossistema planetário. Esse agora sujeito reconhe-cedor da importância da vida e do tra-balho vivo se ergue livre e consciente de suas funções enquanto parte do todo, fazendo o que chamaremos de biocultura.

Nesse processo vão se materiali-zando novos conceitos, surgem novos valores, ou despertam valores adorme-cidos, de tal modo que não mais será necessário prever recursos ou fazer investimentos, pois tudo acontecerá involuntariamente. Estaremos ecolo-gicamente integrados.

Wilkson GondimTécnico Educador Agrofl orestal

da Fundação CEPEMA

O Roçado é a Escola do AgricultorPonto de Vista

a

a v

Wilkson Gondim (ao centro) - Curso de ADAEem Quixadá 2005

AGRICULTURA AGROFLORESTALFundação CEPEMA

Danillo GalvãoPresidenteHenrique César Paiva BarrosoVice-PresidenteFrancisco José LimaDir. Adm. Financeiro PatrimonialAdalberto Alencar

Coordenador Pedagógico

Escritório de FortalezaRua Crateús, 1250 - Parquelância,

Fortaleza-CearáCep.: 60.455-780 - Fone: 3223-8005

e-mail: [email protected]

Fonte: Ernst Götsch

Page 4: Revista Agrofloresta n. 01

44444

Dos 39 anos de vida, 20 foram dedicados, especial-mente, ao trabalho com abelhas quando conheceu a apicul-tura em um curso que fez em 1986. É assim que resumirí-amos boa parte da vida de Francisco Tadeu Barros Silveira que mora num lote da Fazenda Nova, distrito de Tapuiará em Quixadá, Sertão Central cearense. Caçula de sete irmãos e ainda solteiro, Tadeu fez da apicultura sua principal fonte de renda, mas se orgulha de ser agricultor. “Sou agricultor graças a Deus”, diz sorrindo. “Eu gosto de sertão e prefi ro fi car aqui, mesmo sendo difícil muitas vezes. Mas, eu asso-cio meu bem-estar a estar aqui”, conclui.

Com a qualidade do mel que produz reconhecida e com uma freguesia formada, o Lar da Rainha, nome que Tadeu deu ao seu apiário, tem uma média de 75 caixas povoadas. Só no ano passado, produziu dois mil litros de mel, equivalente a mais ou menos três mil quilos. A situa-ção relativamente estável em que vive hoje nada lembra as difi culdades dos primeiros anos do apiário. “Eu não tinha investimento pra começar, mesmo assim, eu comprei uma caixa. Eu sofri bastante no começo”, lembra Tadeu a falta de incentivo público para o pequeno agricultor e agricultora que quer iniciar uma atividade produtiva.

“Fui, várias vezes, ao banco atrás de empréstimo, mas não conseguia. Além de ser pobre, que já não é bem rece-bido pelo gerente, ainda falava de apicultura... Não tinha a menor possibilidade”. Relembra Tadeu os primeiros anos como apicultor em uma época quando os empréstimos bancários só eram feitos com quantias muito altas. “Você não conseguia um empréstimo pequeno. Eu vim conseguir o primeiro empréstimo no último ano da administração do FHC [Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de

1995 a 2002], mas com os juros ainda de 16% ao ano. Muito alto e muito difícil de pagar. Eu paguei porque eu tenho compromisso de pagar as minhas contas”.

Para Tadeu, os incentivos melhoraram depois do fi m do governo do Fernando Henrique. “Os juros fi caram em torno de 2 a 4 % e, hoje, ainda tem um bônus se você paga em dia. Depois do FHC melhorou e muito”, analisa. “Hoje todo mundo quer trabalhar com abelha. Isso faz com que os bancos queiram essa linha de fi nanciamento”, avalia com base em sua própria região que, segundo ele, há uns cinco anos atrás, tinha 3 ou 4 apicultores e só no ano passado foi formado um grupo com 200 apicultores, através de um convênio com a prefeitura de Quixadá. “Eu não sei o nú-mero, mas, aqui, já deve ter umas 400 pessoas trabalhando com abelha”, diz.

É um pouco dessa experiência que Tadeu compartilha conosco.

Montando um apiário“Mel... eu quero mel Quero mel de toda fl or. Da margarida sempre viva, viva. Gira, gira, girassol. Se te dou mel pode pintar perigo e logo aqui, no meu quintal. Cuidado, pode pintar formiga, viu?”

O primeiro passo para quem deseja criar abelhas é in-vestir em sua própria formação. “Em primeiro lugar, precisa fazer um curso com os kits básicos para que se tenha noção do que está fazendo e para que você não venha ter prejuízo. Eu não aconselho ninguém ir criar abelha sem ter passado por uma formação por pequena que seja.”, diz Tadeu que

CC lid dd d l d hh

APIÁRIO LAR DA RAINHA:

DOCE RECANTO DA NATUREZA“Mel... eu quero mel. Quero mel de toda fl or. Colorido sabor do mel de toda fl or...”

Page 5: Revista Agrofloresta n. 01

5

fez seu primeiro curso sobre apicultura em 1986. O curso é necessário para se aprender a manusear a abelha, considera-da um inseto agressivo. “Ela não é tão agressiva depois que você conhece. Esse espanto que as pessoas têm de abelha é por falta de conhecimento”, completa.

Adquirir caixa padronizada e cera para montar casas que viram verdadeiras iscas para enxames migratórios é o passo seguinte. “A abelha sai pra passear e encontra uma caixa com cheiro de cera que você ajeitou. Se não tem inse-to, aranha, nem barata. Você passou um marmeleiro, uma cidreira pra fi car com cheiro agradável. Então é comum que a abelha volte e vá buscar o enxame”. Para Tadeu essa é a melhor forma de capturar abelhas. “Você pode colocar um ferormônio [substância segregada especialmente por insetos que serve de comunicação entre indivíduos da mesma espécie], mas eu não acredito que precise. Nunca usei e sempre pe-guei enxame na época das migrações”, diz.

A caixa padronizada custa entre 70 e 100 reais e há, também, o custo com a cera. “Para montar uma colméia, a pessoa gasta em torno de 100, 120 reais”, avalia Tadeu. A quantidade de caixas em um apiário para iniciantes deve seguir a capacidade de produção. “Pode ser de 10 até 15 colméias, mas ele tendo local e tempo disponível. Porque o primeiro e segundo ano seria um pouco de colheita, um pouco de mel e muito de aprendizagem”, completa. Outra forma interessante de começar é com uma Casa do Mel co-letiva. “Juntar um grupo que está trabalhando com abelha porque aí o grupo compra a Casa do Mel e cada um pode começar com 10 colméias ou até menos”, diz Tadeu.

A Casa do Mel tem lugar de destaque no apiário por-que é lá que se benefi cia o mel. Os cuidados com a higiene começam na construção. O piso tem que ser fácil de lim-par (há preferência por azulejos); a casa deve ser totalmente forrada para evitar a entrada de insetos como as formigas. “Depois que colhe, tem que centrifugar. Aí vai ter que ter decantador inox e local higiênico para fazer o trabalho”, ex-plica Tadeu que diz ter “uma Casa do Mel pequena, mas com bom piso, forrada e bem cuidada”. O material bási-co para o benefi ciamento é a centrífuga, decantador inox, mesa, garfo, máscaras, luvas e toca. São esses equipamentos que elevam o custo inicial na montagem do apiário.

Conhecer para cuidar “Mel... eu quero mel. Quero mel de toda fl or. Da rosa, rosa, rosa amarela encarnada, branca como cravo, lírio e jasmim. Eu quero mel pra mim”

O manejo de um apiário requer da apicultora e do apicultor um olhar atento e freqüente às colméias. “Eu faço uma visita ao apiário e vejo se a abelha está com difi culdade de voar, se a casa tá limpa. O brilho dela, a rapidez com que ela voa”, diz Tadeu que prefere manter as caixas fechadas e acompanhar a produção, interferindo o mínimo possível no andamento natural da colméia. “Eu tento compreender a abelha. Posso passar um ano sem abrir uma colméia ou abrir mais vezes se eu perceber que a minha interferência vai ajudar”, completa. Manter as caixas lacradas evita a exposi-ção das abelhas a vírus, fungos, lagartixas e outros animais que podem atacar a colméia.

A abelha mais comum na região é a mestiça, fruto principalmente do cruzamento da abelha africanizada, que é menor e mais escura, com a abelha italiana que é maior e amarelada. De acordo com Tadeu, a abelha africana é mais agressiva, mas trabalha bastante. Enquanto a italiana é uma abelha mais dócil, mas menos trabalhadeira. “Nós temos o meio termo, nem tão agressivas, nem tão trabalhadoras. Essa abelha mestiça consegue dar uma média de mel na co-lheita muito boa”, diz Tadeu. “Essa regra não é prego batido de ponta virada não. Ela tem exceções, mas numa primei-ra vista há essas diferenças”, diz Tadeu, chamando atenção para a grande diversidade da espécie.

A produção do mel é relativa porque depende dos pe-ríodos de fl orada que nessa região é geralmente entre maio e junho. Mas, com um enxame forte, em tempo de produção, pode-se ter mel em até um mês depois do apiário pronto. “O pico da fl orada que é o pico de produção é um período curto. Como a gente já destruiu quase tudo de natureza, a gente não consegue ter mais produção de mel na época de algumas fl oradas como da aroeira, do juazeiro... A des-truição foi grande demais e você não consegue”, lamenta Tadeu. “Aí sim, a minha interferência pra abelha produzir mais tempo é plantar árvore, é preservar. É não criar boi, ovelha dentro do meu lote pra eu poder ter fl ores”, ensina.

f b l 6

Page 6: Revista Agrofloresta n. 01

66666

“Mel... você quer mel?”A maior parte da produção do apiário Lar da Rainha

é vendida no comércio local, mas há também a venda em eventos promovidos por organizações sociais e a freguesia fi el que compra direto com o produtor. “Eles ligam pra mim e compram até uma caixa”, diz Tadeu. Quando chega às mercearias e supermercados de Quixadá, o mel do api-ário de Tadeu ganha lacre e o rótulo “Lá da Rainha”. Uma jogada publicitária com o nome do apiário. “Eu penso em qualidade, mas eu também penso na segurança e no meu negócio. O que chega pro comércio vai em vasilhame com lacre que é pra, exatamente, não haver nenhum problema”, completa Tadeu.

A preocupação é justifi cada por um passado não mui-to distante quando era comum a prática de adulterar o mel, misturando açúcar e outros produtos para aumentar a quantidade e o peso. “As pessoas enganavam mesmo o cliente com misturas. Mas, eu procuro levar para o meu cliente o melhor de mim. Eu procuro conversar com ele e falar sobre o mel”, diz. O diálogo que Tadeu trava com sua clientela, além de criar laços de confi ança, ajuda a divulgar informações sobre o mel. “A falta de conhecimento do con-sumidor faz com que ele olhe e ache que o mel tem alguma mistura, mesmo com a pessoa vendendo mel de qualidade”, explica ele que também é ADAE, agente de agricultura eco-lógica do CEPEMA.

A informação é importante porque não conhecer o produto pode prejudicar as vendas. Um caso muito simples é a desconfi ança que se tem quando o mel cristaliza. “O mel que cristaliza sempre é um mel de boa qualidade e o consumidor acha que é porque tem açúcar, mas muito pelo contrário. Se houve a cristalização é porque o mel tinha um teor X de açúcar e de glicose, mas das fl ores e foi isso que fez esse mel cristalizar e não porque alguém adicionou alguma

mistura”, ensina Tadeu. “Todo mel cristaliza, vai depender da temperatura e de vários fatores que fazem o mel cristali-zar. E muito consumidor não sabe disso”, enfatiza.

Outra preocupação de Tadeu são os cuidados com a higiene. “Tem que ter as noções básicas de higiene. Cuidar da qualidade, usar tambores só pro mel; ter um decantador inox, trabalhar com luvas, máscaras, toca e num local bas-tante higiênico como deve ser a Casa do Mel. Tudo pra não ter problema com contaminação”, lembra. E para garantir sua autonomia no mercado, Tadeu tem mais uma regra. “Eu não vendo todo o mel pra um só negociante, um atra-vessador. Se eu faço isso eu não vou ter mais meu rótulo no mercantil. Eu vou vendendo à medida que vão querendo”, diz. Segundo ele, o mel se bem conservado, pode durar até dois anos.

Então, “vem me dar um mel que eu quero me lambu-zar. Mel... eu quero mel...”.

APICULTURA:ECOLOGIA E GERAÇÃO DE RENDA

“Mel. Quero mel de toda fl or... Da assussena, violeta, fl or de lis, fl or de lótus, fl or de cactos, fl or do pé de buriti. Dália, papoula, crisântemo. Sonho maneiro, sereno, fulô do mandacaru. Fulô do marmeleiro, fulô de catingueira, fulô de la-ranjeira, fulô de jatobá. Das imburanas, baraú-nas, pé de cana, xiquexique, mel da cana, cana do canavial...”

Tadeu com uma colméia do seu apiário Lar da Rainha.

Tadeu Barros Silveira.

Page 7: Revista Agrofloresta n. 01

7

“Eu vou preservando a natureza e a abelha vai fazen-do a parte dela”. A simplicidade com que Tadeu resume sua lida como apicultor expressa sua compreensão da im-portância do equilíbrio entre o trabalho humano e o meio ambiente, já presente em seu cotidiano. “A gente aprende a viver, a trabalhar a natureza. Com o debate e a experiência, a gente abre a mente e aparecem novos horizontes”. É com esse espírito que Tadeu cuida de um lote, com 12 hecta-res, da Fazenda Nova em Tapuiará, distrito de Quixadá. Na área, herança de família, duas práticas predominam. Api-cultura, a principal fonte de renda de Tadeu e a agrofl oreta, principal fonte de vida de todo o sítio.

Tadeu vem refl orestando os 12 hecta-res do sítio onde mantém seu apiário. Em uma área específi ca, desenvolve a experiência de consorciar, em um sistema agrofl orestal, o plantio de milho, arroz, gergelim, feijão e outras leguminosas, com o de plantas nativas e fruteiras. Essa experiência é acompanhada pela assessoria técnica da Fundação CEPE-MA em visitas periódicas. “A gente trabalha de forma pra não matar... Se for uma cultura de feijão e milho a gente procura pulverizar com um defen-sivo feito naturalmente de nim ou do alho. Pelo menos aqui no meu terreno eu não uso mais inseticida de jeito nenhum e nem queimada”, diz.

“Eu não procuro controlar muito porque eu acredito que a natureza tem seu ciclo. É normal terem pragas no sentido que a gente fala. Esses insetos que a gente chama de praga podam uma planta de um jeito que a gente jamais iria podar... Eu já observo que muitas vezes, depois que os insetos têm feito uma poda muito drástica, elas rebrotam

com mais força. Então, muitas vezes é a natureza se mani-festando pra fazer o trabalho dela e a gente que muitas vezes não compreende, chama de praga e termina interferindo com inseticida. Aí, a gente vai matando tudo que a natureza estava tentando nos dar. Eu nem acho mais que esses insetos sejam praga. Já não faço isso”, conclui Tadeu.

É, nas caminhadas diárias, o momento em que Tadeu faz as podas seletivas. “Eu vou passando e selecionando aquelas árvores. No meu dia-a-dia eu faço muito isso, con-duzo, ajeito uma planta que pendeu”, conta. Uma outra ca-racterística do manejo agrofl orestal é retirar animais de mé-dio e grande porte da área. “A melhor coisa que eu fi z com

relação à recuperação da fl oresta foi ter tirado os animais de certas áreas porque num pro-cesso natural as plantas sobrevivem melhor. Você tira os animais que eliminam as plantas ainda pequenas, ainda bebês, aí elas resistem melhor”. Seguir o ritmo da natureza parece mesmo ser a principal estratégia de quem lida com agrofl oresta.

Para Tadeu, a preocupação com a degra-dação ambiental é o principal motivo que ele tem para de-senvolver esse trabalho. “O homem acha que é dono de si e que tudo que existe na natureza é voltado pra ele. Ele precisa entender que a natureza é um todo e que ele é parte da na-tureza, como os animais que estão ali também são. Mas, ele quer que tudo gire em torno de si. Eu procuro me desligar dessa cultura e tento ser mais um da natureza, trabalhando em harmonia”. Tadeu nos ensina ainda a ter paciência nes-se longo trabalho para recuperar a vida. “Como tudo está muito destruído, eu preciso dar tempo para que essas plan-tas que eu estou replantando possam crescer”, conclui.

“A gente trabalha de forma pra

não matar...”

Cerca viva na área de SAF - lote de Tadeu Barros na Fazenda Nova, distrito de Tapuiará - Quixadá/CE.

Page 8: Revista Agrofloresta n. 01

8

Há quatorze anos, a Fun-dação CEPEMA forma ADAEs em cursos com

duração entre 400, 640 e até 1.200 ho-ras, divididas em módulos que tratam de assuntos como ecologia, agrofl ores-ta, economia e educação popular. “A gente aprende um pouco de tudo. Não só sobre a natureza, mas também com relação aos problemas sociais”, diz Za-carias Rocha Araújo, 23 anos, morador da comunidade Lagoa do Carnaubal em Viçosa do Ceará na Serra da Ibiapaba e participante do curso de ADAE, ministrado no Sindicato dos Trabalhado-res e Trabalhadoras Rurais, STTR de Viçosa do Ceará, no começo de 2007.

Com a média de 30 participantes por turma, a forma-ção tem momentos de aula teórica e de prática nas aulas de campo, feitas geralmente em áreas onde o sistema agrofl o-restal já foi implantado, e estágio de 200 horas supervisio-nado pelo CEPEMA. “A gente sai pra fazer broca, capina seletiva. Numa área de mata vai fazendo as clareiras, mas não desmatando como se faz na agricultura convencional”, explica José Kildary Pimenta do Carmo, 24 anos, morador de Alto Lindo, distrito de Ibiapina na Serra da Ibiapaba, e também participante do curso de ADAE, ministrado no STTR de Viçosa do Ceará.

A participação nos cursos é articulada com o apoio dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e de associações comunitárias de cada região ou nas visitas de assessoria técnica da Fundação CEPEMA. É feita uma se-leção, através de uma entrevista quando a equipe do CEPEMA traça um perfi l dos aspirantes a ADAE, levando em consideração o interesse e o contato com a agricultura dessa moçada. Nesse primeiro momento, os objetivos, metodolo-

gias, carga horária, como também as parcerias para a rea-lização da formação são apresentadas.

O tema prin-cipal da formação de Agentes de Agri-cultura Ecológica, os/as ADAEs, é a agrofl oresta, uma forma de agricultura que tem como princípio o respeito ao meio ambiente. “A importância da agrofl oresta é resgatar o que a gente já des-truiu”, diz Cristiane Sousa, 24 anos, moradora do Sítio do Meio em São Benedito, Serra da Ibiapaba, e participante do curso de ADAE no STTR de Viçosa do Ceará. “Eu aprendi o manejo da terra, como devo cuidar e respeitar as plantas e conviver mais com a natureza”, completa.

“A gente está aqui para aprender como cuidar do meio ambiente. A idéia é refl orestar, colocar outras plantas e evo-luir”. Antônia Marta Paulino da Silva, de Umarizeiro, dis-trito de Cipó dos Anjos em Quixadá, reforça o objetivo do curso de que participa em Quixadá. “A gente discute desde o alimento que a gente planta usando veneno até o lixo que jogamos fora sem reciclar”, diz ela que é também tesoureira

AGENTE DE AGRICULTURA ECOLÓGICA:

A TERRA TRABALHADA POROUTROS OLHOS E MÃOS

gias ccargga horáriaa

grroflflo oresta, umaa forma ddde agagriculturra

A natureza ganhou uma forte aliada em sua defe-sa. Uma juventude nascida no seio da agricultura familiar do interior cearense e que vem se tornando Agentes de Agricultura Ecológica, ADAEs.

Page 9: Revista Agrofloresta n. 01

9

da Associação Comunitária dos Pequenos Agricultores de Umarizeiro.

Motivado pelas discussões, Zacarias é só elogios à for-mação. “O curso é excelente e a participação de todo mun-do é muito boa”. Essa também é a opinião de Sheila Maria Gonçalves da Silva, pedagoga responsável pelos dois mó-dulos sobre educação popular do curso de Quixadá. “Eles chegam com sede de conhecimentos e dispostos a aprender. Estamos aqui trocando conhecimentos porque ao passo que a gente ensina, a gente aprende”, diz Sheila que usa uma metodologia inspirada na concepção pedagógica de Paulo Freire.

Incluir módulos sobre educação nos cursos de ADAE parte da compreensão da Fundação CEPEMA de que para trabalhar o meio ambiente é preciso uma visão universal de todos os aspectos da vida. “A gente não pode pensar a natureza sem o ser humano. Esse homem, essa mulher estão dentro de um contexto. É preciso pensar o meio ambien-te em conjunto com o ser humano”, diz Sheila. No curso, discutir educação popular é importante também por causa da proposta de transformar os ADAEs em multiplicadores da idéia de se trabalhar a agricultura preservando o meio ambiente.

A primeira tentativa em divulgar o que se aprende no curso é em casa. A turma é incentivada a conversar com seus pais sobre a idéia de experimentar o sistema agrofl orestal em alguma área da família. “Eu nasci agricultor, como toda a minha família. Mas, com o curso, eu vou trazer novas formas de traba-lhar a agricultu-ra para inovar a agricultura do meu pai e do meu avô”. É a expectativa de Ângelo de Sou-sa que mora em Dom Maurício, Quixadá no Ser-tão Central, tem 20 anos e parti-cipa do curso de ADAE iniciado este ano em Quixadá.

A idéia é trocar experiências, apresentando na prática um outro modo de fazer agricultura, o manejo agofl orestal, para servir de referência. “Eu espero multiplicar essas idéias com o exemplo que estou fazendo na minha área. Porque o exemplo vale mais que mil palavras, não adianta só falar se não tem modelo pra apresentar”, fala Zacarias. Ele come-çou a trabalhar com sua vizinha, Dona Terezinha, que tem uma pequena área com agrofl oresta na comunidade Lagoa do Carnaubal em Viçosa do Ceará, mas hoje já iniciou seu próprio sistema, plantando milho, feijão e algumas espécies adubadoras.

“Meu contato com a agricultura é desde sempre. Eu já nasci dentro da agricultura. Meu pai é agricultor, a minha mãe e toda a família. Mas, o conhecimento dele [pai] era outro e com esse curso já mudou algumas coisas. A gente tenta fazer essa mudança lá em casa”, completa Inês Maria Sousa do Nascimento, 20 anos, moradora do Sítio Buíra em Viçosa do Ceará e também participante do curso de ADAE no STTR de Viçosa. Ela e a família já trabalham com agrofl oresta. “A gente planta de tudo, de árvores frutí-feras, leguminosas até as plantas do futuro”, diz.

“Eu nasci e me criei e estou trabalhando até hoje na agricultura, sempre acompanhando o trabalho do meu pai. Só que a gente só trabalhava com agricultura convencional, mas agora estamos abrindo essa área da agrofl oresta”, conta Kildary. A forma de a família de Kildary trabalhar a ter-ra (com desmatamento, queimadas, monocultura, uso de agrotóxicos...) não é exceção, na verdade, esse é o modelo mais comum. Essa juventude de ADAE aprende desde cedo que vai enfrentar certa resistência no trabalho de convencer

agricultoras e agri-cultores a conhecer e trabalhar com o sistema agrofl ores-tal.

Mas, como diz Cristiane, eles estão se preparando pra isso. “Quando eu começar a divulgar o que eu aprendi, essas técnicas que eu achava que eram

novas, mas que, na verdade, são antigas, muita gente não vai aceitar e vai demorar um pouco. Mas, mesmo sabendo disso eu estou querendo fazer isso com certeza”, diz ela. Para Ângelo, a melhor forma de divulgar a agrofl oresta é o diálogo para a troca de saberes. “Essa troca de conhecimento pode acontecer numa roda de conversa, na roça mesmo com a gente trabalhando e conversando. E, claro, eu come-çando a minha experiência pra mostrar na prática como

seria...”, diz.

Mais do que ser exemplo, ter seu próprio sistema agro-fl orestal dá a cada ADAE a noção das difi culdades que pos-sam vir. “Quando eu comecei, a terra estava desgastada e não teve muita chuva, aí nasceu, mas não se desenvolveu”, lembra Zacarias os primeiros problemas que teve. “Mas, não vou desanimar. Tem outra área que eu quero fazer uma broca seletiva e continuar o trabalho. O modelo de agro-fl oresta é isso. No primeiro ano não dá muito certo porque a terra tá muito degradada. A partir do segundo, aquela matéria começa a se decompor e no próximo ano começa a dar e prosperar”, ensina ele.

agcue ssita

MMCCseiscoo eseseuCurso de ADAE em Quixadá/2007.

vvedequma a ac

Cristiane Sousa, 24 anos, aluna do curso de ADAE, turma de Viçosa do Ceará/2007.

Page 10: Revista Agrofloresta n. 01

10

Há 17 anos a Fundação CEPEMA trabalha em prol do desenvolvimento sustentável, com base no fortalecimen-to da agricultura familiar e na preocupação com a preserva-ção ambiental. Para isso, apostou na prática da agrofl oresta como estratégia de desenvolvimento. O trabalho realizado por agentes de agricultura ecológica, ADAE, é peça cha-ve nesse processo de divulgação e implantação de sistemas agrofl orestais junto a agricultores e agricultoras cearenses.

Hoje, no quadro técnico da Fundação, é constante a pre-sença de ADAEs (hoje, 13 trabalham na Fundação) que, co-ordenados por um agrônomo responsável, prestam acom-panhamento técnico a pequenos produtores e produtoras

das regiões do Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra da Ibiapaba e Sertão Central. Dentre as atividades de asses-soria estão: realização de reuniões, cursos de manejo agro-fl orestal, dias de campo e visitas às áreas onde estão sendo implantados sistemas agrofl orestais.

As podas de condução, capina seletiva, coleta de se-mentes e plantio são algumas das técnicas trabalhadas no manejo agrofl orestal. O contato com elas acontece tanto nos cursos, nas visitas de acompanhamento, como nos dias de campo. “No dia de campo, primeiro há os informes onde é dito o que cada um tá fazendo e o que se pensa em fazer durante o ano. Depois, vamos na área de algum deles e lá fazemos uma atividade prática de manejo agrofl orestal”, explica Marcos Arruda, ADAE da Fundação CEPEMA.

Socializar o que está sendo feito é importante para in-tegrar o grupo que desenvolve, de forma individual, experi-ências de agrofl oresta. “Eles vêem que por mais espalhados que estejam, existe a possibilidade de estar unido. Aí come-çam a pensar: ah, rapaz tem gente fazendo coisa parecida. A gente não diz, eles que começam a perceber e isso é im-portante. Essa unidade é um avanço”, diz Marcos. A parte prática é uma forma de o grupo trocar conhecimentos e se motivar a fazer o mesmo em suas áreas.

Formado na primeira turma de ADAE de Guarami-ranga, Maciço de Baturité, em 1996, Marcos trabalha com agrofl oresta desde então. Ao longo dos anos, prestou serviço ao CEPEMA e a outras instituições, chegando a ser secre-

AGENTE DE AGRICULTURA ECOLÓGICA:

UMA IDÉIA QUE DEU CERTO

Como a maioria vem da agricultura convencional, são respeitadas as dinâmicas de cada família. O tamanho da área, as plantas cultivadas e o manejo seguem ritmos de acordo com as realidades e demandas de cada local. “A gente está procurando culturas que usem menos adubos químicos”, Kildary fala de sua estratégia para implantar aos poucos o sistema em casa. “Pra mudar em casa vem todo um históri-co de vida... Então daqui pra frente eu vou procurar fazer o que venho aprendendo. Não é mudar de uma vez, é mudar aos poucos, usando menos defensivos agrícolas, procurando outros cultivos, pensando no futuro”, diz.

Mas, uma coisa é certa. Essa moçada já percebeu que a agricultura convencional não é a melhor maneira de traba-lhar a terra. “O curso é bom porque está abrindo novos ho-rizontes pra gente. A agricultura convencional já está dando muito prejuízo. A gente vai ter que mudar. Ela não com-pensa mais e a gente tá vendo que o caminho é a volta para agrofl oresta”, diz. Esse curso vem gerando mesmo muitas

expectativas. “Eu espero que eu saia daqui com mais infor-mações que eu possa repassar pra mais pessoas que eu possa levar tudo que eu aprendi aqui e que eu possa ajudar as pes-soas a mudar o pensamento sobre o que é agricultura”.

Outra vantagem do curso de ADAE é o certifi cado para quem o conclui, pois a maioria são jovens que termi-naram o ensino médio e que não continuaram os estudos. “É muito difícil pra gente que não tem uma renda mais alta estudar depois do ensino médio”, avalia Inês. “O curso ajuda a abrir nossa mente sobre o meio ambiente. Além disso, o certifi cado pode abrir outras portas de trabalho”, diz Maria de Fátima de Lima Costa, da comunidade de Va-lença I em Banabuiú, agricultora de 27 anos, casada e mãe de três fi lhos, que terminou o ensino médio e participa do curso este ano em Quixadá. Fátima tem razão, o curso de ADAE habilita esses jovens a acessar as linhas de crédito do PRONAF que exige formação e acompanhamento para os projetos do PRONAF-JOVEM.

Messias e Fábio ADAEs do CEPEMA em visita ao SAF de Dona Tere-zinha - Lagoa do Carnaubal/Viçosa do Ceará.

Page 11: Revista Agrofloresta n. 01

11

tário de agricultura de Mulungu, outra cidade do Maciço, entre 2002 e 2004. Desde 2005, trabalha pelo CEPEMA no acompanhamento de famílias de pequenos agricultores de Mulungu, Baturité, Guaramiranga, Pacoti, Palmácia, Aratu-ba e Redenção, todas na região do Maciço de Baturité.

“Quem faz o curso nunca mais é o mesmo porque o entendimento sobre a natureza muda. Você percebe que está tudo errado na forma da agricultura tradicional”. Essa é a principal lição que Marcos guardou de sua formação como ADAE. Outro veterano é o Francisco Messias Teodócio de Sousa, também da turma de 1996. Membro da equipe do CEPEMA, sua atuação é na Serra da Ibiapaba nos municí-pios de Viçosa do Ceará, Tianguá, Ibiapina, São Benedito e Ubajara e também em Meruoca, Massapê e Alcântaras na Serra de Meruoca.

“Esse curso mudou minha vida, porque eu tive aces-so às informações e às tecnologias de manejo agrofl orestal e hoje trabalho com isso. É bom poder colocar no campo tudo aquilo que a gente aprendeu, sem falar que tem essa troca de experiência entre ADAEs e agricultores”, diz Mes-sias. Dentre as atividades que acompanha, estão as visitas técnicas, articulação de novos cursos de ADAEs e assessoria na elaboração de projetos para o acesso às linhas de crédito do PRONAF.

Formado em 2005, José Ivan Praciano é um dos ADAEs que acompanha as famílias na Serra da Meruoca. Ivan diz que o curso de ADAE trouxe noções diferentes de como trabalhar a terra, respeitando o meio ambiente. Essa é a grande diferença entre a agrofl oresta e agricultura convencional usada pela maioria dos pequenos agricultores e agricultoras. Por serem manejos muito distintos, a abor-dagem para divulgar o sistema agrofl orestal precisa de certa atenção.

“A gente vai na casa do agricultor, apresenta o CEPEMA e marca reuniões. Nas reuniões, a gente apresenta a proposta pros agricultores e os que se interessam a gente visita uma segunda vez, depois faz o cadastro e a partir daí ele entra no projeto e começa a receber as visitas periódi-

cas”, explica Francisco Fábio Costa Martins, ADAE desde 1996 e que atua nas regiões da Ibiapaba e Meruoca. “É um namoro, uma conquista desses agricultores que só vêm tra-balhando tradicionalmente”, completa Marcos.

“Nossa relação é muito boa e a gente fala praticamente os mesmos termos aí não tem difi culdade”, diz Ivan sobre a metodologia do CEPEMA que procura falar no linguajar do agricultor. Essas preocupações são discutidas nas formações de ADAEs, mas é no dia-a-dia de assessoria técnica que elas se concretizam. “Sair do manejo monocultivo, de culturas anuais e introduzir a agrofl oresta é uma radicalização que o agricultor faz. Mas, com as experiências que a gente tem é uma coisa muito boa”, diz Fábio.

Apesar das difi culdades, há uma convicção, entre os ADAEs, de estarem no caminho certo. “Tenho certeza que o manejo agrofl orestal será a agricultura do futuro porque a agricultura convencional, de monocultura, não está dan-do mais certo. Hoje não se produz mais como se produzia antes. O manejo agrofl orestal é diferente, porque além de produzir, gerar economia dentro da família contribui para a biodiversidade da fauna e da fl ora”, conclui Messias.

Dona Irene recebe Danilo e Marcos (CEPEMA) na sua área de SAF - Sítio Monte Rei/Guaramiranga.

Escritório de FortalezaRua Crateús, 1250 - ParquelânciaFortaleza-CearáCep.: 60.455-780 - Fone: [email protected]

Pólo do Sertão Central Rua Basílio Pinto, 362, CentroQuixadá-CearáCep.: [email protected]

Pólo do Maciço de BaturitéRua: Padre Benedito 316, AP 316 A Centro Mulungu-CearáCep.: [email protected]

Pólo da Serra de Ibiapaba Rua: Salustiano de Pinho, s/n, CentroViçosa do Ceará-CECep.: [email protected]

Os Programas da Fundação CEPEMA são finan-ciados por: Governo Federal - Ministério do Meio Ambiente/Fundo Nacional do Meio Ambiente/PDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério

da Educação e Ministério da Cultura;e Terra do Futuro/UBV - Suécia.

Pra falar com a gente

Page 12: Revista Agrofloresta n. 01

12

Viçosa do CearáA formação de Agente de Agricultura Ecológica,

ADAE, promovida pela Fundação CEPEMA na região da Ibiapaba conta com o apoio do Sindicato dos Trabalhado-res e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará. O STTR, além de ajudar na mobilização e articulação da juventude, empresta sua sede para a realização das aulas.

Para Regilene Maria Costa Silva, 24 anos, secretária geral do Sindicato, o curso de ADAE é importante porque ajudará na mobilização. “Não vai ser só o sindicato falando que agrofl oresta dá certo, mas todo um conjunto de pesso-as, principalmente a juventude que vai acreditar e realizar essa nova forma de agricultura”.

Regilene diz ainda que o sistema agrofl orestal é uma idéia nova, mas que já vem sendo experimentada. “A agro-fl oresta é uma agricultura nova porque todos os agricultores estão adaptados à agricultura convencional de desmatar e queimar. Aqui no sindicato, temos três membros da direto-ria já experimentando a agrofl oresta”, completa. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará - Rua Lamartini

Nogueira, 393 - Viçosa do Ceará, Cep. 62.300-000

Ao longo de sua caminhada a Fundação CEPEMA encontrou importantes parceiros no trabalho de fortalecer a agricultura familiar, através da prática do manejo agrofl o-restal. Dentre as parcerias, os sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais são apoios fundamentais na articulação e mobilização da agricultora e do agricultor para conhece-rem e participarem dos cursos e projetos da Fundação em prol da agrofl oresta.

Por todas as regiões onde trabalha o CEPEMA en-controu nessa face do movimento sindical um braço direi-

to. São nossos parceiros: os STTRs de Aratuba, Baturité, Guaramiranga, Mulungu, Pacoti, Palmácia e Redenção na região do Maciço de Baturité; os STTRs de Ibiapina, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará na Serra da Ibiapaba; os STTRs de Alcântaras, Coreaú, Massapê e Me-ruoca na região da Serra da Meruoca; e os STTRs de Bana-buiú, Canindé, Choró, Ibaretama, Irauçuba e Quixadá no Sertão Central cearense.

Nosso muito obrigado!

PARCERIAS EM PROL DA

AGROFLORESTAPoder Público

Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

Em Quixadá, o trabalho com sistemas agrofl orestais para o desenvolvimento da agricultura familiar conta com um aliado importante: o poder público municipal. Prefei-tura, Secretaria de Agricultura e a Câmara dos Vereadores assumiram a responsabilidade de ser parceiras da Fundação CEPEMA na divulgação da agrofl oresta.

Atualmente, a Prefeitura de Quixadá faz parte da Rede de Discussão do projeto “Assistência Técnica e Consórcio Agroecológico da Cadeia Produtiva do Caju para Agricul-tores e Agricultoras Familiares do Sertão Central-Ceará”, fi nanciado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e

desenvolvido pelo CEPEMA. Além de contribuir na mobi-lização, a Prefeitura apóia alguns aspectos da infraestrutura (como a sede do projeto cujo espaço foi cedido).

Essa parceria é o exemplo de que sociedade civil e go-verno podem sim andar juntas, trilhando o mesmo cami-nho em prol de um desenvolvimento sustentável, humano e solidário.

Prefeitura Municipal de Quixadá: Rua Tabelião Enéas, 649 - Centro - Quixadá/CECep.: 63.900-000 - Fone: (88)3412.3864E-mail: [email protected] - www.quixada.ce.gov.br

Antônio José Sousa de Moraes, 28 anos, vice-presi-dente do STTR, trabalha com agrofl oresta. Ele diz que a expectativa de bons resultados no curso e na parceria com a Fundação CEPEMA é boa. “Começamos o namoro com o CEPEMA e hoje a gente realiza o primeiro curso de ADAE no sindicato e já estamos pensando no próximo”, diz.

Além de despertar a consciência, essa juventude de ADAEs terá mais condições para acessar as linhas de cré-dito do governo. “Esse jovem participando, tendo uma conscientização do que é agrofl oresta e agroecologia pode-rá também acessar o PRONAFJOVEM que hoje poucos acessam”, espera Regilene.

O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará, fundado em 29 de setembro de 1969, tem atualmente, cerca de seis mil fi liados. Sua diretoria é formada por 20 pessoas e o sindicato é fi liado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará, FETRAECE, e à Central Única dos Trabalhadores, CUT.

Page 13: Revista Agrofloresta n. 01

13

QuixadáOutro parceiro importante na

articulação para a formação das turmas de ADAE é o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Quixadá, STTR. A gen-te conversa com Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá e ADAE, formado pelo CEPEMA. O STTR de Quixadá foi fundado em 3 de agosto de 1963. Hoje são cer-ca de 6,5 mil fi liados. A diretoria é formada por oito pessoas e mais seis do conselho fi scal. Há ainda 36 co-ordenações sindicais que atuam em diversas localidades do município.

CEPEMA: Quais as principais linhas de ação do Sindicato de Quixadá?

Eronilton: Nós nos preocupamos em deixar o sindicato mais voltado para a agricultura familiar para desenvolver um modelo de produção. Nós enten-demos que o sindicato precisa desen-volver políticas de segurança alimen-tar que vai da produção ao mercado. Se preocupar com o desenvolvimento auto-sustentável para que as famílias tenham condições de sobreviver do campo. Nossa linha de atuação está basicamente direcionada para isso. Claro que prestamos também as outras políticas de assistência, como a previ-dência social que é importante porque o agricultor precisa desse recurso, mas é uma política de assistência. A linha do sindicato está focada na agricultura familiar.

CEPEMA: Quais são as principais par-cerias do Sindicato?

Eronilton: Nós trabalha-mos com o Esplar desde 2003, discutindo e im-plementando viveiro de consórcio agroecológico – algodão, milho, feijão, gergelim e demais culturas que possam ser plantadas todas juntas. E trabalha-mos com a Fundação CEPEMA de-senvolvendo um trabalho muito mais

na recuperação de solos, de preservação ambiental, de conscientização do traba-lhador para uma agricultu-ra muito mais sustentável. São as duas parceiras que nós temos nesse campo da agricultura familiar.

CEPEMA: Como é a parce-ria com a Fundação CEPEMA?

Eronilton: A parceria com o CEPEMA começou em 2004 quando fi zemos um planejamento e começamos a executar em 2005. Esse planejamento foi fei-to com Quixadá, Banabuiú, Choró, Ibaretama e Canindé, numa atuação muito mais regional que visa toda uma sensibilização dessa região para a dis-cussão mais qualifi cada do modelo de produção agrícola. O sindicato é res-ponsável por organizar, politizar os tra-balhadores para as atividades e eventos e o CEPEMA é responsável para repas-sar os conteúdos dessa sensibilização.

CEPEMA: Um dos carros chefes da Fundação CEPEMA é o trabalho com agrofl oresta. Como você avalia a im-plantação de sistemas agrofl orestais no Sertão Central?

Eronilton: O modelo de produção tido nessa região é de uma forma muito agres-siva; se faz qualquer coisa para seguir a produtividade, mas sem se preocupar com o impacto disso. Trabalhar a agrofl oresta, dentro dessa

concepção é uma coisa muito difi culto-sa. Você vai ter que, inclusive na maio-

ria das vezes, transformar as pessoas porque elas já estão aclimatadas a um mode-lo velho e muito perverso. Você chegar pro agricultor que costuma passar o trator na terra, destruir todas as árvores que estão dentro da sua área, deixar limpa como

se fosse um terreiro e dizer que agora ele vai ter que replantar sua área, en-cher de plantas junto com isso você vai ter que plantar tuas culturas, aí não vai dar pra passar o trator, o cultivador... Você chegar pro agricultor e dizer isso, muitas vezes, você causa um confl ito. É como se fosse um embate que você está tendo com ele.

CEPEMA: E vale a pena insistir com a agrofl oresta?

Eronilton: Trabalhar agrofl oresta no semi-árido é um desafi o muito alto, no entanto não é impossível. É um desa-fi o porque você precisa transformar as pessoas, mas vamos chegando a um es-tágio que as pessoas não têm mais pra onde correr. Em Quixadá, por exem-plo, o uso inadequado das matas nos últimos 15 anos tem causado uma alta degradação ambiental. As terras não estão mais produzindo nem sequer 50% do que elas produziam. Antes era assim, se a minha área não estava mais produzindo então eu aumentava a minha área aí a produtividade au-mentava, mas não porque a produção tenha melhorado, mas sim por ter au-mentado o tamanho da área plantada. Todo ano o agricultor ia aumentando a sua área, só que nós chegamos num estágio que quanto mais se aumenta a área, maior é a despesa e agora tam-bém é menor a produtividade porque o solo não está mais agüentando. Aí não tem mais como discutir produção e agricultura familiar sem estar ligado à conscientização. Falar de agrofl ores-ta no semi-árido é um grande desafi o, mas temos um fator que nos ajuda que é o grande prejuízo, o grande desgaste ambiental que já está inclusive fazendo o agricultor repensar suas ações.

Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá.

“Trabalhar agrofl oresta no

semi-árido é um desafi o muito alto, no entanto não é

impossível.”

aaa

VVVV

“O sindicato pre-cisa desenvolver políticas de segu-rança alimentar

que vai da produ-ção ao mercado.”

Page 14: Revista Agrofloresta n. 01

14

Sítio Santa Clotilde na comuni-dade Cedro Novo, município de Quixadá, Ceará. Um dos cami-nhos por onde passa o rio Sitiá e onde moram José Aroldo Martins e sua família...

Na pequena propriedade, Seu Aroldo iniciou esse ano um sistema agrofl orestal (SAF), introduzindo es-pécies agrícolas e de recuperação de solo, consorciadas com espécies nati-vas já existentes. A recuperação do solo é feita juntamente com a introdução de espécies agrícolas que servirão para a economia da família e outras que vão recuperar o solo, como adição de ma-téria orgânica, fi xação e reciclagem de nutrientes.

Tudo começou depois de um En-contro de Avaliação da Fundação CEPEMA. Em parceria com o Instituto de Convivência com o Semi-Árido e com a consultoria do Agrônomo Jor-ge Luiz Vivan, estudioso dos sistemas agrofolorestais, a Fundação aplicou os Indicadores de Sustentabilidade em Sistemas Agrofl orestais e iniciou um plantio consorciado denso no meio

de uma área com plantio de mudas. A idéia era provar que se pode recuperar uma área de mata ciliar, garantindo a produção de espécies, como feijão, milho, mamona, girassol, gergelim e plantas que vão fazer o trabalho de re-cuperação do solo, como feijão guan-du e a mucuna, e também de plantas nativas.

A experiência vem dando certo.

Seu Aroldo sentiu a primeira diferença ao ver como os efeitos da estiagem do começo do ano foram menores no seu sistema agrofl orestal do que nas áreas de alguns vizinhos. De acordo com ele, os vizinhos plantaram na mesma épo-ca, mas não conseguiram obter suces-so, porque as plantas não resistiram à falta de chuva. Por estar protegida pela biodiversidade, o sistema agrofl orestal fi ca mais resistente às intempéries da região. Para Seu Aroldo, outra van-tagem do SAF é poder consumir ali-mentos produzidos por ele e que antes eram comprados.

Seu Aroldo aponta como primei-ros resultados a ótima produção de fei-jão. Ele já colheu mais de dez quilos da leguminosa e espera produzir ainda duas sacas de feijão de corda. A vagem, que não sofreu grandes ataques de in-setos ao contrário do que aconteceu em terrenos vizinhos ao seu, desenvolveu-se bem e Seu Aroldo já está colhendo feijão maduro. Ele também obteve uma boa colheita de milho, quatro sacas. Segundo Seu Aroldo, o plantio

GERAÇÃO DE RENDA E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL, AGROFLORESTA ÀS MARGENS DO SITIÁ

Page 15: Revista Agrofloresta n. 01

15

PRONAF-FLORESTA:

NOVOS INCENTIVOS AOS SISTEMAS AGROFLORESTAISA Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do

Desenvolvimento Agrário, MDA, abre linha de crédito no PRONAF, chamada PRONAFFLORESTA. A Linha de Crédito de Investimento para Silvicultura e Sistemas Agro-fl orestais (PRONAFFLORESTA) ampara investimentos em projetos de silvicultura e sistemas agrofl orestais, incluin-do os custos relativos à implantação e manutenção do em-preendimento.

Com juros de 4% ao ano a serem pagos em até 12 anos, o PRONAFFLORESTA oferece ainda bônus de adimplên-cia de 25% na taxa de juros, para cada parcela paga até o vencimento. Os fi nanciamentos variam de 4 até 6 mil reais, independentes dos limites defi nidos para outros investimen-tos do PRONAF. O PRONAF é um programa do MDA que apóia o desenvolvimento rural, fortalecendo a agricul-tura familiar.

O PRONAF atende, de forma individual ou coletiva, agricultores familiares, pescadores, aqüicultores e extrativis-tas ou organizações que se enquadram em seus critérios. Para acessar o crédito não é necessário ser dono da terra. Possei-ros, arrendatários, parceiros ou meeiros também estão inclu-ídos no programa. Mas, é necessário ter uma declaração de aptidão.

A declaração de aptidão comprova a condição de agricul-tor familiar, pescador, aqüicultor ou extrativista. Ela é forneci-da pela entidade de extensão rural pública estadual e por um sindicato, credenciados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. No Ceará, ela é dada pela EMATERCE (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará) e pelos sindi-catos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, STTRs.

Para Francisco Fábio Costa Martins, agente de agricul-tura ecológica, ADAE, da Fundação CEPEMA, é necessário ter uma boa interação entre os vários órgãos e entidades en-volvidas no processo. “É preciso uma parceria mais fi rme, por exemplo, com a EMATERCE, sindicatos e BNB que estão envolvidos diretamente para agilizar a elaboração dos projetos do PRONAF e nós da Fundação estamos conse-guindo”, diz.

É ainda obrigatório apresentar um projeto técnico para fi nanciamento de investimento e receber assistência técnica para sua implantação. Além disso, as propriedades não po-dem ultrapassar os quatro módulos fi scais e a atividade agro-pecuária e não-agropecuária do benefi ciário deve ser respon-sável por, no mínimo, 80% da renda bruta familiar anual.

Mesmo com essas exigências, o PRONAF é uma linha de crédito com menos burocracia se comparada a outras for-mas de fi nanciamento. “O PRONAF é uma política muito interessante para a agricultura familiar porque ele desburo-cratiza o acesso ao crédito e não tem aqueles juros muito altos, como se tinha anteriormente”, diz Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá.

Para Eronilton, é preciso manter constante a discussão sobre as linhas de crédito do programa, com vistas no desen-volvimento de uma agricultura familiar contextualizada. “É preciso avançar no questionamento não só sobre o agricultor, mas sobre as linhas que estão ligadas ao programa, para se ter uma contingência de fi nanciamento que entre em contexto com a região”, diz.

chama muita atenção e por ser próximo à rodovia que vai para o açude Cedro atraiu a atenção de ladrões que levaram duas das sacas de milho colhidas.

Na área, foram também plantados, em consórcio, o ger-gelim, girassol, feijão guandu, mucuna, mamona, mandioca, melancia, jerimum e pepino, além do cajá. Junto com esses cultivos, estão crescendo espécies na-tivas, como angico, cedro e sabiá. Na área, podemos encontrar ainda: plan-tas arbóreas, como aroeira, juazeiro, arapiraca, carnaúba, jucá, canafístula, mofumbo; arbustivas, como velame,

barba de bode, anil; plantas trepadei-ras: cipós, viúva alegre, mata fome, fei-jão brabo, malícia, ritirana; e herbáce-as, como o bamburral, mariana, malva e beldroega.

Por estar localizado na beira do rio Sitiá, o sítio é legalmente conside-

rado uma APP, Área de Proteção Permanente, e o SAF de Seu Aroldo está tornando a proteção uma realidade. É a Fundação CEPEMA que presta acompa-nhamento técnico na área, com o agrônomo Luis Eduardo e com recursos para o plantio de mu-das e diárias de agricultor para a implantação do SAF. Com 45 anos de vida, casado e pai de seis fi lhos, Seu Aroldo nasceu e se

criou na agricultura e considera que o lugar dele é mesmo no campo. Apesar disso, passou 17 anos longe da agricul-tura e somente há cinco anos retomou seu trabalho como agricultor. A natu-reza agradece esse retorno.

a

PRONAF - SAF/[email protected] - www.pronaf.gov.br

Page 16: Revista Agrofloresta n. 01

16

SÍTIO BOM JARDIM:

DONA TEREZINHA E A NATUREZA DE MÃOS DADAS PARA RECUPERAR A VIDA

“Minha mãe ia capinar e como não tinha com quem me deixar, ela me levava. Armava uma rede na roça e me botava lá, deitadinha. Aí eu fi cava lá e ela ia capinando...”, relem-bra Dona Terezinha os seus primeiros contatos com a terra. Como na maioria das famílias do interior cearense, ela come-çou a trabalhar com agricultura ainda criança, ajudando seus pais. “Na agricultura convencional eu comecei desde criança. Aqui no interior a gente trabalha com os pais da gente e des-de muito cedo eu participo da agricultura”, diz.

Filha de uma família com oito irmãos, dos sete ainda vivos, apenas ela permanece como agricultora. Hoje, cui-da da herança familiar – um sítio com cerca de 90 hec-tares – dedicando-se ao hectare que elegeu para implantar o sistema agrofl orestal. Iniciada em novembro de 2005, a

área de agrofl oresta é trabalhada por Dona Terezinha, com as ajudas esporádicas do genro e do marido. “Eu me sinto na obrigação de resgatar e preservar a natureza. Reconstruir aquilo que eu ajudei a destruir, sem consciência, junto com meu pai”, diz, explicando porque optou pelo manejo agro-fl orestal.

O primeiro contato com a agrofl oresta foi em 2004 no início do trabalho da Fundação CEPEMA em Viçosa do Ceará. “Eu sempre tive tendência pra preservar a natureza, não queimar, não desmatar. Mas, a questão da agrofl oresta eu não sabia de fato como fazer”, diz. A difi culdade de co-municação em Lagoa do Carnaubal levou Dona Terezinha a participar somente na terceira reunião promovida pelo CEPEMA. Foi por isso que fi cou de fora do grupo que tra-

Os arredores de Viçosa do Ceará, ci-dade localizada na Serra da Ibiapaba

no noroeste do estado cearense, abrigam uma localidade chamada Lagoa do Carnaubal que se destoa do imaginário popular da paisagem verde de uma re-gião serrana. Uma terra seca e arenosa, popularmente conhecida como carrasco. São 36 quilômetros que separam a sede do município da comunidade e do Sítio Jardim, onde mora dona Terezinha Cân-dida de Sousa Araújo. Com 56 anos, ca-sada, mãe e avó, Dona Terezinha abre

as portas da sua casa para falar sobre sua vida e a experiência com o manejo

agrofl orestal.Terezinha Cândida de Sousa Araújo.

Page 17: Revista Agrofloresta n. 01

17

balharia a agrofl oresta, com assessoria técnica da Fundação. “Mas aí eu pele-jei, procurei até que eu consegui entrar no grupo”, conta ela.

Já no grupo, Dona Terezinha foi a todas as reuniões para discutir assuntos ligados ao meio ambiente, como os da-nos causados pelo desmatamento e pela degradação ambiental e a importância do manejo agrofl orestal e também as-suntos relacionados aos problemas so-ciais. Até que, em 2005, participa de um curso sobre agrofl oresta, realizado com alguns agricultores e agricultoras da região. “Com esse curso, eu come-cei a abrir a mente e já vim pra prática. Quando eu cheguei do curso eu já vim pra cá e já comecei a fazer”, relembra.

O trabalho com agrofl oresta cau-sou e ainda causa estranheza entre a vi-zinhança, acostumada com as queima-das e desmatamentos para a prática da agricultura. Dona Terezinha fala, com um sorriso nos lábios, sobre a reação dos vizinhos. “Tem uns que pergun-tam se eu estou doida, porque no lugar de eu tá plantando só o milho e o fei-jão eu fi co plantando pé de pau. Ficam perguntando pra que eu quero”. Mas ela insiste com o novo modelo de agri-cultura e já inspira a juventude, como é o caso de João Filho, seu vizinho, que recentemente começou a trabalhar o sistema agrofl orestal.

Dos métodos da agricultura con-vencional, apenas a capina com a enxa-da é utilizada por Dona Terezinha. “A matéria orgânica ainda tá pouca por isso eu capino, mas na questão de queima-das, de veneno aí não existe mais não. É tudo só o natural”, diz. A produção dos primeiros anos foi basicamente para o consumo da família, mas a diversidade de culturas, na área, garante diferentes níveis de produção. “Ano passado, eu tirei milho e feijão, aí fi cou a maniva que eu vou colher este ano pra fazer a farinha e vender a mandioca. Mas, fi ca ainda a sabiá que daqui a 5 ou 6 anos eu estou colhendo a estaca”.

A biodiversidade do sistema agro-fl orestal que pode gerar várias fontes de renda é sentida em um rápido passeio pela área de Dona Terezinha. Entre as culturas, sorgo, soja, gergelim, milho, mandioca, feijão guandu e o de porco e leguminosas em geral; fruteiras como as de caju, melancia, serigüela, azeito-na preta, pitomba, melão, acerola, je-rimum; e árvores madeireiras e nativas como sabiá, carnaúba, aroeira, morin-ga, sucupira, catingueira, leucena, mo-roró, marmeleiro, ingazeira, guabiraba, grão-de-bode, paraíba, gonçalo alves, pau d’arco e sucupira...

Percebida a olho nu, a variedade de culturas é a primeira diferença que Dona Terezinha destaca entre a agrofl o-resta e a agricultura convencional. “Na convencional, a gente planta milho, feijão e maniva; é só isso que a gente planta. E nessa área, tem maniva, feijão e milho, mas tem também as plantas do futuro”. Ela se refere a madeireiras como o sabiá, o pau d’arco e a aroeira que ela replantou e cuja produção será entre seis e dez anos. “E nessa diversida-de, quando a gente tira o de curto pra-zo, o de médio prazo fi ca e o de longo também. É bom porque a gente tem sempre uma renda”, fi naliza.

Outra diferença entre agricultura convencional e agrofl oresta é como se

Nos SAFs, o cultivo de culturas como milho é feito em conjunto com plantas madeireiras e arbustivas.

Page 18: Revista Agrofloresta n. 01

18

planta. A primeira abusa do machado e do fogo para desmatar e queimar e usa agrotóxico no controle dos insetos. No sistema agrofl orestal, a interação equilibrada com a natureza é o objeti-vo. “A gente vai tirando as plantas aos poucos, classifi cando e deixando algu-mas pra fl orir e as abelhas vir fazer o mel”. Dona Terezinha fala da poda de condução e da capina seletiva, técnicas do manejo agrofl orestal. “A gente deixa essas plantas também pra que o inseto, no lugar de ir pra nossa cultura, ir pra essas outras plantas”, ensina.

Mas, é ao falar do bem que o manejo agrofl orestal faz à nature-za que Dona Terezinha se anima. “A grande diferença e que é o bom dessa agricultura é que a gente não agride a natureza”, diz orgulhosa. Com a inte-ligência da mulher do campo, ela fala de um dos temas em pauta no mun-do: o aquecimento global. “Tem o aquecimento global que tá acabando com tudo. Nossas criancinhas, daqui mais um tempo, podem nem resistir à quentura. Infelizmente, são poucos que estão entendendo que o desmata-

mento prejudica a saúde da humani-dade, a saúde dos seres vivos como um todo”, avalia.

A preocupação com o meio am-biente motivou Dona Terezinha a ini-ciar um trabalho de recuperação da mata ciliar do riacho que corta seu ter-reno. Com o apoio da assessoria técnica da Fundação CEPEMA e com a doação de mudas feita pelo IBAMA (Institu-to Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), através da Área de Proteção Ambiental, APA de Ibiapaba, Dona Terezinha plantou 900 mudas em torno do riacho. “O objetivo é ver se resgata essa questão do meio ambiente. Preservar pra no futuro a gente ter uma vida mais dig-na, uma saúde melhor”, explica.

Enquanto Dona Terezinha tra-balha com a natureza sem agredi-la, a natureza retribui fazendo seu trabalho, recuperando o solo e toda a área em questão. E a terra, tão chamada de car-rasco, mostra que se preservada pode ser uma terra fértil e cheia de vida. “A terra conserva mais o molhado. Na área que meu esposo planta, ninguém

encontra mais molhado porque está com muitos dias que não chove. Aqui, a gente ainda encontra, porque tem uma camada de proteção”, ela compa-ra seu sistema agrofl orestal com a área do marido que ainda trabalha com a agricultura convencional.

Essa proteção que Dona Terezi-nha fala são os restos de plantas que fi cam no chão, cobrindo a terra e que normalmente são associados a lixo, a sujo e a desleixo. Mas, é exatamente essa matéria orgânica que protege o solo e deixa a terra mais fértil e pro-pícia para o plantio. “Na agricultura convencional, é queimado tudo e fi ca só o solo limpo, sem nada. Aí, ele fi ca descoberto e seca mais rápido. É ruim de plantar. Já no meu terreno, como não é mais queimada, a matéria orgâ-nica fi ca no chão e protege a terra”, en-sina Dona Terezinha.

Na caminhada pelo terreno de Dona Terezinha e pelas cercanias, é fá-cil notar a diferença que “o molhado” já provoca, apesar do pouco tempo de implantação do sistema agrofl orestal, menos de dois anos. Enquanto na ter-

A diversidade de culturas no SAF de Dona Terezinha garante diferentes níveis de produção, aumento e diversifi cação da geração de renda.

Page 19: Revista Agrofloresta n. 01

19

ra vizinha, o solo parece sem vida e as poucas plantas que resistem estão cha-muscadas, no hectare de agrofl oresta, há sombras e plantas crescendo mes-mo com a chuva escassa. Um visitante mais curioso perguntaria se não seria lógico que todo mundo adotasse o sis-tema agrofl orestal. E é essa a pergunta lançada para Dona Terezinha.

Sem culpar ninguém, nem mes-mo o pai que a introduziu na agricul-tura convencional, “porque ninguém tinha orientação”, Dona Terezinha analisa o motivo de a maioria ainda não querer trabalhar com o manejo agrofl orestal. “É porque primeiramen-te não têm consciência do que estão fazendo. E é difícil ter consciência. Eu também já participei fazendo esse tipo de trabalho junto com meu pai, sem nenhuma consciência”, diz. “Ninguém se preocupa em plantar, mas sim em devorar, em desmatar, em queimar e o

plantio tá sendo muito pouco”, completa pre-ocupada.

Ela aponta ainda dois outros aspectos que difi cultam a acei-tação da agricultura ecológica. O trabalho que, no início, parece maior no sistema de agrofl oresta. “Ora, se roçou e botou fogo fi ca tudo limpo, o trabalho é menor. Já aqui não”, diz. O segundo ponto é que na agricultura convencional a produção é mais rápida. “Quem quer um lucro imediato vai pra agricultura convencional que chega mais rápido. O da agrofl oresta é mais demorado”, dix . Mas, Dona Terezinha fala que se tem que pensar no futuro também e ensina a ter paciência.

“No primeiro ano, a agrofl oresta não dá muito boa, mas ninguém pode desanimar. Tem que ter paciência. Porque, no segundo ano, já tem uma matéria orgânica mais equilibrada que fortalece o solo e aí já dá uma produção melhor e assim por diante”, diz Dona Terezinha, pensando no seu futuro e no futuro do Planeta Terra.

UM GOSTO POPULAR DE CAJUÍNACajuína Natural. É assim que se chama a cajuína feita por

Dona Terezinha e mais onze pessoas, entre mulheres e jovens, da comunidade de Lagoa do Carnaubal. Com o caju colhido da quinta de Dona Terezinha, o grupo divide o trabalho e os resultados da produção realizada durante a safra.

A Unidade de Cajuína Popular fi ca na sede da Associa-ção Comunitária Lagoa do Carnaubal, fundada em 1982, e é uma das vitórias da associação. “A gente começou com as roças comunitárias, aí depois conseguimos uma casa de farinha e depois essa unidade de cajuína”, conta Dona Terezinha, sócia-fundadora.

Com equipamentos básicos – motor a diesel, despopa-deira de madeira e caldeirão para o banho-maria das garrafas – a produção ainda é pequena, embora organizada. “A gente faz uma avaliação das nossas diárias pra poder receber. O que sobra fi ca na fábrica pra comprar o material pro ano que vem”, explica Dona Terezinha.

A comercialização também é feita pelo grupo que vende para famílias de Viçosa do Ceará e na Bodega do Povo, coope-rativa de Tianguá, cidade vizinha. A cajuína já é conhecida e bem aceita no mercado local. “Este ano foi mais fácil porque ela já está mais conhecida e o estoque que fi cou foi bem pou-quinho”, diz Dona Terezinha.

O trabalho coletivo de mulheres e jovens é o diferencial da Unidade que enfrenta difi culdades com a maioria da comu-nidade que prefere criticar a contribuir. “Como é difícil. Um grupo bem pequenininho fi ca lutando pra conquistar alguma

coisa pro bem da própria comunidade e a maioria fi ca de fora, criticando”, fala Dona Terezinha.

Mesmo com difi culdades, a Unidade de Cajuína Popular é importante para que essas mulheres e jovens possam con-quistar seu espaço. “A gente já fi cou muito atrás e os homens na frente. Hoje, a gente tem que crescer junto com eles, andar ombro a ombro, de braços dados pra que essa luta continue e que a gente seja vencedora”.

Dona Terezi-nha fala com a au-toridade de quem é a atual Secretá-ria de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Ru-rais de Viçosa do Ceará. “Meu marido me apóia, se ele não me apoiasse eu jamais conseguiria”, completa, reconhecendo a importância do apoio do companheiro.

jjj ppp

Dona Terezinha com estoque e equipamentos da Unidade de Cajuína Popular.

Plantas madureiras e arbustivas dividem o mesmo espaço com fruteiras e leguminosas.

Page 20: Revista Agrofloresta n. 01

20

“Há poucos dias, o pessoal fi cou dizendo: não vai mais chover não. Mas eu sabia que ia chover aí eu fui plantar meu roçado com tranqüilidade. Comecei numa segunda-feira, cavando no seco. Segunda, terça, quarta e quinta eu terminei. E o povo me chamando de maluco, de doido. Quando foi sábado, choveu.”, Seu Gerardo sorri me con-tando essa história. “Ah! O feijão brabo, a cajá e o juá, estão tudo preparado pra cair agora esse mês [abril] e é quando vai chover mesmo”, ele completa, respondendo à minha pergunta sobre como sabia que ia chover.

O agricultor Gerardo Pedro Marques, morador do Sí-tio Espírito Santo em Alcântaras município localizado na Serra da Meruoca, Noroeste do Ceará, fala sobre os sinais da chegada de chuva com a autoridade dos seus 67 anos de convívio com a natureza. Observar os avisos que a na-tureza deixa para anunciar a chuva, Seu Gerardo aprendeu com a avó que morreu aos 102 anos. “Ela me dizia e eu fui prestar atenção e vi que isso é uma verdade. Pode fi car na certeza que vai chover”, relembra como aprendeu a prever a chuva.

São muitos os sinais que Seu Gerardo me ensina. A fl ora do feijão brabo. A cebola braba cuja coroa ao nascer indica proximidade da chuva. O canto da cigarra. “A boeira quando vem cantar nas árvores e em todo lugar dessa re-gião, pode botar o pote na goteira que vai chover”, diz. Ele explica ainda que o milho-de-cobra – planta semelhante ao milho que nasce junto às pedras – avisa se o milharal vai vingar. “Assim que chove ele nasce. Se a espiga tiver caroço, ela tá indicando que o milho vai segurar, se não tiver, com certeza não vai segurar a espiga de milho também”, fala.

Se foi a avó que lhe ensinou a conhecer as artimanhas da natureza, foi com o pai que deu seus primeiros passos na agricultura. “Eu nasci dentro da agricultura. Assim que eu pude com a enxada, eu já estava treinando. Hoje, quan-

do eu cheguei esse meninozinho aí tava capinando com a enxada. Nós somos assim, sem dúvida nenhuma”. Seu Gerardo lembra sua infância e o início precoce na roça e se refere ao neto de cinco anos, Maycon. “Com a continuação do tempo, a gente cria idéia e vai fazer o roçado. Arruma força no cisqueiro e começa”, fi naliza.

Mesmo tirando o sustento da terra, durante muitos anos, Seu Gerardo – seguindo a agricultura convencional aprendida na família – tratou o meio ambiente de forma severa. “Eu estraguei muito. Eu fi z muito fogo no mundo”, diz com a consciência de que nunca é tarde para mudar. “E vem essa questão de destruir a natureza, o que o homem faz. Aí eu já fi quei me tocando que eu ajudava a fazer isso. Queimada? Eu não gosto mais nem de ver”. Apesar de, no passado, trabalhar a terra de forma predatória, Seu Gerardo já sentia que devia agir diferente.

“Tem um mato aqui de nome babão, a marianinha, que quanto mais a gente arranca, mais ele acha bom tá arrancado; é mato que atrapalha o legume. Eu via um agri-cultor, até de grande porte, rico; ele capinava o legume, a roça. Era muitas pessoa capinando, arrancando de en-xada, tirando, balançando a raiz pra matar aquele mato e outros juntando e jogando numa grota onde passava água pra carregar o mato. Eu via aquela arrumação e dizia: se eu possuísse terra eu não jogava aquele mato fora...”, relembra como resolveu plantar diferente ao se tornar dono de um pedaço de chão.

“Não vá conversar muito comigo, senão você não vai embora nunca. História de mata eu sei; e muita”. Foi o aviso que Seu Gerardo me deu. Confesso que eu teria ficado o dia inteiro em sua varanda, ouvindo suas histórias... Foi com a avó que Seu Gerardo apren-deu a observar a natureza. Com o pai, aprendeu as primeiras lidas na terra. Mais velho, nas reuniões, começou a compreender o porquê de preservar o meio ambiente. Depois dos 60, resolveu aprender a ler e a escrever; hoje cursa a quarta série. E é escutando o neto de cinco anos que Seu Gerardo aprende também. Aprende e ensina. Nossa conver-sa foi um grande aprendizado que eu retrato aqui.

SEMPRE É TEMPO DE APRENDERpor Klycia Fontenele

Gerardo Pedro Marques e o neto Maycon.

Page 21: Revista Agrofloresta n. 01

21

Antes de começar a experiência com agrofl oresta, Seu Gerardo já deixava o solo coberto por folhas, prática co-mum no manejo agrofl orestal. “Eu fazia porque achava bo-nito. Não sei quem me ensinou, foi bem coisa da natureza”. Mas foi nas reuniões e encontros dos quais participou que Seu Gerardo entendeu que ele não estava apenas deixando bonito o lugar, mas estava preservando o meio ambiente. “Eu não sabia pra que danado servia aquilo. E lá estava eu fazendo uma coisa muito importante que era fazer o meu solo fi car coberto”, diz.

As reuniões realizadas foram articuladas pela Fundação CEPEMA com parcerias como a do Sindicato dos Traba-lhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântaras. “Eles foram entrando devagarzim, devagarzim, dando informação. A gente foi se reunindo, o sindicato indicando quem era agri-cultor. Eu fui conhecendo outras pessoas que trabalhavam com agrofl oresta...”. Seu Gerardo relata a maneira como a equipe do CEPEMA iniciou o trabalho na região e a preo-cupação em respeitar as dinâmicas de vida de cada um.

O contato de Seu Gerardo com o CEPEMA lançou-lhe um desafi o: experimentar o sistema agrofl orestal. Há cinco anos ele topou a idéia em um hectare de sua proprie-dade. A terra escolhida vinha em processo de degradação, mesmo sendo menos desmatada e queimada se comparada com sítios vizinhos. Era preciso extinguir de vez as quei-madas e o desmatamento e foi o que ele fez. “Eu queimava os espinho pra não entrar no pé da gente. Depois que eu aprendi, nem os espinhos eu queimo mais. Eu separo eles pra acolá e a gente não pisa mais, a gente pisa nos vazios da capoeira”.

Uma das primeiras ações no manejo agrofl orestal é o replantio de plantas nativas. “A idéia é que a gente deve formar a fl oresta, deixando aquelas árvores crescer”, expli-ca Seu Gerardo. Mesmo incentivando o refl orestamento, o sistema agrofl orestal não pretende reconstruir a mata ori-ginal porque inclui plantas de interesse econômico, permi-tindo colheitas sucessivas de produtos diferentes ao longo do tempo, através do que chamamos de sucessão ecológica. Respeitando o ciclo natural das espécies, o agricultor e a agricultora manejam o sistema e dele tiram sua produção.

A assessoria técnica do CEPEMA estimulou Seu Ge-rardo a práticas de manejo distintas para serem comparadas. “Os meninos me arrumaram bastante saquinho pra eu fazer muda de café e eu fi z um teste. Fiz um cercadim com as mudas que eu aguava e plantei outras debaixo dos cajuei-ros. Não escapou dez mudas eu aguando, mas as mudinhas, embaixo das frieiras dos cajueiros, enterrada no meio das folhas, escapou”, relata Seu Gerardo. Comparar culturas e formas de manejo permite que o agricultor e a agricultora tirem suas próprias conclusões sobre a melhor maneira de lidar com a terra.

O milagre das mudas que “sobreviveram sem água” tem explicação na própria natureza e é Seu Gerardo quem explica. “Lá na minha área, não escorre água porque é tudo coberto de folha e quando chove, a água fi ca. Eu não uso irrigação não”. Quanto mais o sistema de agrofl oresta se desenvolve, menos ele depende das técnicas de irrigação, pois o solo fi ca úmido com a água que é retida pela maté-

ria orgânica acumulada. Além disso, a sombra dos cajueiros protegeu as mudas de café das fortes agressões do sol e do vento tão comuns no clima cearense.

Além do replantio e da manutenção do que já está plantado, evitando o desmatamento e recuperando a mata nativa, existem outras técnicas utilizadas no manejo da agro-fl oresta. Estimular a criação de matéria orgânica – feita com os restos de plantas antes queimadas – para fertilizar o solo; não usar agrotóxico e procurar alternativas naturais para evi-tar “a praga” na lavoura; primar pela diversidade de culturas que ajuda na diversidade de produção e de fontes de renda. Seu Gerardo ao apresentar o sistema agrofl orestal foi nos ensinando como é sua lida diária.

“Hoje, eu não queimo minhas fo-lhas e nem queimo o bagulho que eu tiro de cima. Eu deixo aqueles ma-tos, eu roço e atu-lho e lá fi ca e vai decompondo. O do ano passado vai pegando chuva esse ano e aí vai virando material orgânico e outros que haverá de vir vai fi cando ali. Meu chão é for-rado”, Seu Gerardo explica como faz para cobrir o solo. Na sua área, são encontrados milho, feijão, mandioca, jerimum; além de fruteiras: bananei-ra, mangueira, ca-jueiro, mamoeiro e serigüela; e plantas nativas: camunzé, frei-jorge, jatobá, milho-de-cobra, quebra-pedra, sabiá, jurubeba branca e vermelha e outras.

A diversidade no hectare de agrofl ores-ta não é só da fl ora, a fauna também é bem rica. “Tem as cobras que eu quero lembrar porque se alguém ver uma cobra é pra saber que é cobra. E eu aviso porque lá tem toda espécie de coisa que imaginar”, diz Seu Gerardo antes de entrarmos em seu terreno. Ele fala ainda com orgu-lho de como o manejo agrofl orestal mudou sua terra. “Você sabe que a terra criou mais sustança. Falta fazer muita coisa, mas já tá bonito lá. Tá bem encorpadinho, a terra coberta, formado aquele baô...”, diz abrindo a porteira.

Ele nos conta ainda como combate os insetos que co-mem a plantação. “Às vezes aparece uma lagarta, mas não é todo ano. A gente tem difi culdade mesmo é com o fungo do caju. Dá uma lêndea na maturi [caju antes de amadu-

Seu Gerardo no hectare de agrofl oresta, diversi-dade de culturas e a casa de farinha do SAF.

Page 22: Revista Agrofloresta n. 01

recer] que fi ca pregada na castanha. Eu uso a mani-pueira porque eu fi z um teste com ela”. A mani-pueira é a água que fi ca da lavagem da mandioca para fazer farinha. “Nós não usa veneno. Vai fazer farinha, então quando impren-sa a mandioca e lava e sai aquela água, a gente apara. Aquilo ali mata tudo, mata piluca, lagarta, mata tudo”, completa.

A maior parte da produção é para o consumo fami-liar, mas Seu Gerardo já comercializa alguns produtos. “Nós vende castanha, deixa só um pouquinho pra assar quando dá vontade. Nós vende o milho. Quando tem muito, nós vende o feijão...”. Mas, Seu Gerardo quer falar mesmo é da difi culdade em vender ele próprio sua produção. Ele, como a maioria, vende para um atravessador que compra mais barato que o preço de mercado. “Nós produz uma coisa e o valor é pouco pra nós. Nós gasta mais do que apura. É porque a gente vende pro atravessador”.

A feira mais próxima é em Coreaú onde se pode apurar um pouco melhor do que com os atravessadores. Mas, para ir a Coreaú, surge um outro problema que é o transporte da produção até a cidade. “Aí tem o transporte que come o dinheiro e fi ca na mesma coisa. Nós sofre com essa difi cul-dade”, desabafa. Mas, as difi culdades em sobreviver com a agricultura não são novidades para Seu Gerardo. “Eu passa-va de 5 meses na cidade. Mandava o dinheiro e ela empelei-

tava pra quebrar o milho, apanhar o feijão. Essa é a comandante da situação”. É assim que seu Gerardo apresenta a mulher, com-panheira de longas datas, enquanto nos conta sobre os anos difíceis para criar os fi lhos.

Casado com Dona Maria do Socorro Mar-

ques, 65 anos, Seu Gerardo teve onze fi lhos, dos quais nove estão vivos, mas nenhum seguiu o caminho da agricultura. “Quando eles moravam aqui, eles eram agricultor, faziam as mesmas coisas que eu. Só que eles cresceram e saíram pra cidade”, diz ele. “Eu conhecia como é que era lá, a difi culdade de moradia e de lutar com menino pequeno. Aí eu não me interessei. Talvez tivesse melhor de vida, ou não. Mas, eu me sinto tão bem sentindo o cheiro desse mato aí”, avalia sua antiga decisão de continuar no campo e não morar na cidade.

Diante das difi culdades e das vitórias que a vida de agricultor lhe trouxe, pergunto ao Seu Gerardo sobre o fu-turo e ele me diz. “Pro futuro eu penso que eu já tenho essa idade que eu posso morrer. Eu não sei como vai ser. Tenho muita saúde ainda graças a Deus, mas eu não sei. Eu queria que as coisas fosse pra frente”. Se a princípio, fala olhando apenas para sua propriedade, em seguida Seu Gerardo am-plia sua visão. “Tem que se educar os pequenos. Hoje têm que fazer, cada vez mais, que os conhecimentos vá até as pessoas. Aí as coisas melhoram”, conclui.

Essa história continua...A caminho do hectare onde Seu

Gerardo desenvolve o sistema agrofl o-restal – uma área a poucos metros de sua casa – fui conversando com o Maycon que me explicou como ele ia pra escola todos os dias. “Tem vez que é a mamãe que me leva, tem vez que é o papai. Tem um carro dos alunos que passa aqui, é um caminhão. Um carro grande e o pes-soal vão em cima”, diz.

Francisco Maycon Marques Freire tem cinco anos e já sabe escrever “sozi-nho” o seu nome. E faz questão de dizer, realçando o “sozinho”. Mas, seu aprendi-zado extrapola os muros da escola. Mais nova geração de uma família que vive da agricultura há várias décadas é no con-tato diário com a natureza que Maycon aprende, talvez, a sua maior lição de vida: respeitar o meio ambiente.

Já na área do avô, Gerardo Pedro Marques, Maycon e eu fi camos con-versando na casa de farinha. Lá, ele me

explicou como a mandioca é prensada, lavada e secada. A simplicidade com que ensinava me fez imaginar aquela casa em funcionamento. Foi lá também que me falou de suas brincadeiras e de alguns animais que conhecia e foi ainda na casa de farinha que ele me protegeu ‘dos pe-rigos da mata’.

“Você já fi cou em cima de uma pe-dra no açude? Eu já”, pergunta Maycon fazendo uma pausa na história sobre um dos passeios que fez com seu pai e me fazendo lembrar que o mais próximo que eu cheguei de um açude foi da sua margem. “Eu brinco de carro também. E no dia que não tem escola eu vou lá pra minha avó”, diz deixando, aos pou-cos, a timidez de lado.

“A lacraia tem um ferrão que pa-rece uma uninha. Tem a jubinha que é um calanguinho... Gavião, você já viu? E o cavalo-do-cão? Ele é preto. Feio! Aqui tem”, pergunta para logo em seguida me contar uma história sobre o bem-te-vi, “Você sabe qual é o bem-te-vi, num

sabe?”. Antes de eu responder, Maycon já imita o pássaro e fala “se você faz algo errado, o bem-te-vi canta: eu te vi, eu te vi, eu te vi”, diz sorrindo.

Enquanto eu tentava acompanhar tantos relatos e perguntas, Maycon aponta pro alto e me mostra “um ni-nho de marimbondo”. Minha reação de gente da cidade foi ter medo e recuar, mas meu protetor foi logo falando. “Ele sabe quem mexeu com ele. Aí, eles fi cam com raiva e vão atrás. Se a gente não fi zer nada, ele não faz nada com a gente”. E de repente, eu me vi protegida e apren-dendo com uma criança de cinco anos.

Maycon e a familiaridade com a natureza que demonstrava em tão terna idade fi zeram-me pensar sobre o futuro e as preocupações de Seu Gerardo sobre educar os pequenos... Mas, vendo aque-le menino, voltei para casa com uma es-perança. Talvez, aquela criança continue essa história e de alguma forma faça seu caminho seguindo a trilha iniciada por seu avô.

22

SAF de Seu Gerardo em Alcântaras - - Serra da Meruoca.

Page 23: Revista Agrofloresta n. 01

23

FUNDAÇÃO CEPEMA REALIZA ESTUDOS COM GEOPROCESSAMENTO NO MACIÇO DE BATURITÉ

A Fundação CEPEMA mapeia comunidades rurais e microbacias hidrográfi cas de Aratuba, Baturité, Mulungu, Pacoti, Guaramiranga, Palmácia e Redenção no Maciço de Baturité, Ceará. Usando o geoprocessamento, o objetivo foi realizar um estudo integrado do ambiente e monitorar as transformações espaço-temporais decorrentes da dinâ-mica da natureza e de sua relação com a ação humana. “O geoprocessamento é uma importante ferramenta de análise ambiental, porque subsidia a tomada de decisão e planejamento de áreas urbanas e rurais, uso dos solos, recursos hídricos, dentre outros”, diz Luana Cândida Ma-cêdo de Araújo, geógrafa responsável pelo estudo.

O diagnóstico dos recursos ambientais disponíveis nas comunidades, principalmente do potencial hídrico, da situação da cobertura vegetal e dos solos, ajudará no pla-nejamento das atividades que a Fundação desenvolve com pequenos agricultores e agricultoras da região. “Esse estudo representa um passo importantíssimo para o planejamento dos recursos hídricos da área e o uso do geoprocessamen-to possibilita uma visão integrada de todos os elementos que atuam no ambiente e ainda permite o monitoramento desses estudos”, diz Luana. O estudo gerou informações di-gitais para banco de dados temporais e análise das modifi ca-ções nos elementos componentes da paisagem.

Ter a tecnologia como aliada do desenvolvimento da agricultura familiar já é uma prática do CEPEMA. Na Fun-dação, a coleta de dados para o geoprocessamento é feita pelos agentes de agricultura ecológica, ADAEs (supervisio-nados por Luana e já familiarizados com câmeras digitais, GPS, planílhas de Excel, Internet e Skype).

A base cartográfi ca utilizada foi a produzida, em 1990, pelo IDACE (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará). A digitalização das ortofotocartas (curvas de nível, estradas e rede hidrográfi ca) de Aratuba, Mulungu, Pacoti e Guaramiranga foi concluída. Já as de Palmácia, Redenção e Baturité estão sendo fi nalizadas. Também foram localizadas e digitalizadas as propriedades das agricultoras e agriculto-res envolvidos nas atividades do CEPEMA. “O mais inte-ressante disso é que esse trabalho está sendo realizado em uma escala grande (1:10.000), ou seja, uma escala local que refl ete bem a necessidade dos agricultores”, explica Luana.

A fase atual do trabalho são os estudos, em campo, para verifi car os componentes geoambientais. O objetivo dessa etapa é reconhecer as áreas para comparação com o mapeamento já realizado. “Cruzar esses dados permitirá fa-zer uma análise geoambiental da área, ou seja, uma análise do tipo de solo, cobertura vegetal, relevo, declividade e tipo de uso do solo que ocorre em cada área e fazer um diagnós-

Mapa da comunidade Jardim, município de Mulungu, mostrando a digitalização das curvas de nível do relevo, com eqüidistância de 10 metros, a rede de drenagem ou hidrográfi ca, as estradas, as cotas (altitude do relevo) e a localização das propriedades dos agricultores envolvidos no Projeto.

Arqu

ivo

Fund

ação

CEP

EMA

Page 24: Revista Agrofloresta n. 01

24

Ortofotocarta utilizada como base cartográfi ca para a produção do mapa da comunidade Couros, município de Aratuba.

tico ambiental para ajudar no planejamento do uso das propriedades pelos agricultores”, diz Luana. Coletados os resultados do mapeamento e reconhecimento de campo, a pesquisa continuará com o monitoramento das áreas.

O mapeamento já registra mudanças percebidas na agricultura ainda responsável por 88% da economia, mas que vem cedendo lugar ao turismo. O café, a banana, cana-de-açúcar, árvores frutíferas e hortaliças são as cul-turas mais desenvolvidas; com a banana substituindo os cafezais, antes a principal atividade agrícola. Foram ainda identifi cados problemas como o desmatamento indiscri-minado que altera a biomassa e acelera os processos ero-sivos, intensifi cando o assoreamento dos fundos dos vales e o desaparecimento de fontes perenes e sazonais. “Isso compromete a capacidade produtiva e a sobrevivência das comunidades rurais na região”, diz Luana.

“Esses produtos cartográfi cos representam uma base para outros estudos que envolvam mapeamento da co-bertura vegetal, uso do solo, relevo, classes de solos etc”, diz Luana. “O geoprocessamento permite o cruzamen-to de variáveis ambientais, possibilitando diagnósticos presentes, monitoramento e até modelos previsionais”, completa ela. Esses mapas, importantes na análise am-biental, serão utilizados em campo pela equipe técnica da Fundação CEPEMA nos trabalhos de monitoramento nas áreas de agricultura familiar. Participam também do estudo Leiliane Azevedo e Íris Pereira Gomes, alunas do Curso de Mestrado em Geologia da Universidade Federal do Ceará, UFC.

Mapa da comunidade de Jardim dos Meninos - município de Guaramiranga/CE.

Arqu

ivo

Fund

ação

CEP

EMA

Arqu

ivo

Fund

ação

CEP

EMA

Page 25: Revista Agrofloresta n. 01

25

MACIÇO DE BATURITÉ:DUAS MULHERES, DUAS HISTÓRIAS DE RESPEITO E AMOR À NATUREZA

As curvas do Maciço de Baturité abrigam vestígios de uma Mata Atlântica que ainda resiste à ação preda-tória do ser humano que, em nome do “progresso”,

desmatou, queimou e destruiu indiscriminadamente a mata da região. Nessa resistência silenciosa, a natureza tem aliados que, como ela, trabalham silenciosamente. Dona Noemi e Dona Irene são exemplos de quem optou por tirar o susten-to da terra, respeitando e conservando o meio ambiente.

Comunidade Jardim, cidade de Mulungu. Na quebra-da da serra, estão a casa de Dona Maria Noemi da Rocha dos Santos e o seu quintal: um hectare dedicado à agrofl o-resta, sistema que resolveu implantar a quatro anos atrás. “Eu comecei a plantar os pés de caju, mangueira, acerola,

goiabeira, abacate, maracujá, urucum, milho, feijão de cor-da e a fava, feijão mulatinho, mamona, sabiá, ingazeira... até uva tem plantado! De um tudo eu tenho aí”. É assim que Dona Noemi descreve o seu quintal. Numa rápida olhada, um pé de acerola apinhado e um de sabiá ainda crescendo confi rmam o que ela diz.

Em uma família de seis irmãos, Dona Noemi tinha oito anos quando começou sua peleja com a agricultura. Hoje, aos 62 anos, viúva, avó e dona da terra onde mora e trabalha – uma parte herança de família e outra parte que comprou dos irmãos – ela ainda encontra prazer na lida com a terra. “Eu acho bom demais. Eu não paro aqui em casa não. Saio de manhã, já deixo o meu comer pronto e chego na hora do almoço. Aí descanso um pedacim, depois começo de novo e só paro 4 horas. Chego, tomo banho me arrumo e vou pra aula. Minha vida é assim”, diz com a tranqüilidade de quem fez a escolha certa.

Em Guaramiranga no sítio Monte Rei, moram Maria Irene Mendonça, 64 anos, e seu marido, José Maria Ro-cha, 74. Lá, o cheiro de fl oresta é bem presente por causa do cinturão de Mata Atlântica conservado que cerca a casa. “Aqui não se queima nada, as casca de frutas e os talos a gente bota num canto e deixa pra virar adubo. Quando a gente quer plantar vai lá e tira. Não se tem queimada, não se joga vidro quebrado, nem lixo no sítio, não”, Dona Irene fala com orgulho do trabalho, iniciado em 1978 quando se mudou com a família, de Fortaleza, para morar no Maciço de Baturité.

Page 26: Revista Agrofloresta n. 01

26

Todo esse cuidado resultou em uma área rica em biodiversidade. São cerca de quatro hectares com várias culturas: açaí, jambo, goiaba, murici, limão, serigüela, coco, uva, café, jaca, carambola, abacate, manga, banana, acerola, tangerina, jabuticaba, jeni-papo, laranja, caju; canela, ingazeira, pau-d’arco, bálsamo, cedro, nim, gua-

biraba, sabiá, frei-jorge, maçaranduba, papiro; favinha, cereja, erva-doce, ca-pim cheiroso; papoula, espada-de-são-jorge, cravo, dedal-de-dama, orquí-dea... Flores, frutas, arbustos e árvores que embelezam e dão vida ao lugar.

Tanto Dona Noemi como Dona Irene trabalham com o sistema agrofl o-restal e são acompanhadas pela Funda-ção CEPEMA que, em visitas regulares, presta assessoria técnica. Nesses mo-mentos, a troca de saberes é a base para as conversas de acompanhamento. Das técnicas, como cobertura orgânica para o solo, uso de defensivos naturais, poda seletiva, até as variedades de sementes e mudas de plantas nativas e de valor comercial; das discussões sobre o meio ambiente a formas de comercialização dos produtos agrícolas; tudo é motivo de intercâmbio nas visitas e reuniões.

“O que eu fazia antes eu descobri, com os menino, que já era agrofl oresta.

Aí fui melhorando. Cada reunião que a gente vai, explicam alguma coisa e eu vou descobrindo, plantando mais... Eu converso muito com esse menino”, diz Dona Noemi, apontado para Marcos Arruda, agente de agricultura ecoló-gica, ADAE do CEPEMA e um dos responsáveis pela assessoria técnica às famílias no Maciço de Baturité. Foi nessa troca que Dona Noemi começou a fazer a cobertura do solo. “Sempre teve muito capim, mas eu arrancava e jogava fora, agora, eu deixo e a terra fi ca molhada”, diz.

“Foi uma amiga, que fez um cur-so do CEPEMA, que me apresentou os meninos; daí eles foram me visitar.

Eles vinham conversando, trazendo mudas e depois eu comecei a acom-panhar as feira”, Dona Irene conta como foi sua aproximação da Funda-ção CEPEMA. “Mas, foi ele [o mari-do] quem nunca deixou queimar, nem desmatar. O que a gente encontrou de fl oresta tá preservada e onde há café é

porque já era café. Dentro do café a gente plantou bananeira, mas nada de desmatar”, diz Dona Irene sobre o tra-balho com o marido. “A gente deixa a natureza fazer seu trabalho”, completa Seu José Maria.

A troca de conhecimentos só en-riqueceu a sabedoria dessas mulheres. “Meu pai dizia que era melhor deixar o terreno limpo. Mas, eu perguntava por que ele não deixava o bascuio no terreno...”, lembra Dona Noemi que desde cedo pensava em uma agricultu-ra longe de queimadas e desmatamen-tos. “Eu não boto mais fogo de jeito nenhum. Deixo tudo aqui, não tiro nada. No canto que a gente tem aque-la forrajona nem mato cria, só sobra o legume. Eu faço isso todos os anos”, ela explica como trabalha a terra desde que começou a receber as visitas técni-cas da Fundação CEPEMA.

Um dos quereres de Dona Irene é o orquidário que montou há oito anos atrás. “Meu fi lho me deu uma fl or e perguntou por que eu não produzia. Aí eu comecei e hoje eu já tenho orquídea de várias cores”, relembra. Feito com casca de coco e sabiá velho que segu-ram as mudas, o orquidário é cuidado com técnicas naturais. O adubo vem da matéria orgânica do próprio sítio e, no controle dos insetos, Dona Irene

usa defensivos feitos à base de fumo e nim. “Não boto veneno. Eu uso fumo e quando elas estão com a cochonilha, eu passo uma escova e vou limpando as orquídeas”, diz.

O cuidado com a natureza além de preservar o meio ambiente traz um benefício importante para essas agricultoras: uma produção variada e culturas mais resistentes às intempéries da região. “Aqui dá mais café que no dos outros porque tem mais mata. E daqui a pouco, eu vou é colher laranja na minha varanda”, sorri Dona Irene, apontando para a laranjeira carregada

Page 27: Revista Agrofloresta n. 01

27

de fl ores. “Meu milho, mesmo com pouca chuva, tá bonecando. Coisa que não tá acontecendo em terreno aqui vizinho”, diz Dona Noemi.

Se na produção muita coisa Dona Noemi já fez, ainda não se pode dizer o mesmo sobre o benefi ciamento e a comercialização do que ela produz. “Todos os anos eu tenho produção de alguma coisa. Uma parte do milho eu vendo, já o feijão eu guardo pra quan-do não for o inverno, eu não ter que comprar feijão. Mas, aqui estraga muita fruta porque não tem como fazer doce e não tem onde vender. Eu até faço e tomo suco da acerola, da goiaba, mas é muita fruta pra uma família só”, diz Dona Noemi cuja única fi lha mora com o marido numa casa ao lado da sua.

Dona Irene, ao contrário de Dona Noemi, benefi cia boa parte de sua pro-dução e já comercializa muitos produ-tos. Da banana, vêm a mariola, o doce cristalizado, a banana passa; tem tam-bém rapaduras de jaca e de abacaxi. Ela vende ainda cachaça, vinagre; mo-lho de pimenta; castanha de caju, doce de leite, além do café que tem uma boa produção. Mas, o carro-chefe das vendas são os licores de vários sabores. Para o benefi ciamento e venda ela con-ta com a ajuda do fi lho caçula, Danilo

Emanuel, que também mora, com a esposa e os fi lhos, no sítio e segue os passos da mãe e do pai.

São duas mulheres, com histórias e ritmos de vida diferentes, mas que estão unidas pelo amor à terra e por tirar da agricultura seu susten-to, sem maltratar a na-tureza. Ambas utilizam técnicas de manejo da agrofl oresta e produzem de acordo com o estágio em que se encontra o sistema agrofl orestal em suas áreas. “Cada uma es-colhe o que vai plantar e o jeito que quer plantar. A gente não interfere nis-so, a gente vai só discutir de que forma se pode melhorar o sistema em que se está trabalhando. Então o avanço se dá a partir desses pequenos momentos”, explica Marcos, ADAE do CEPEMA.

Da mesma forma que a nature-za, tão degradada, precisa de tempo e ajuda para se recuperar e produzir, a agricultura familiar precisa de apoio e tempo para se fortalecer e prosperar. O fi m das queimadas, dos desmatamen-tos e do uso de agrotóxicos em prol de

um manejo em harmonia com o meio ambiente, primando pela biodiversida-de. A divulgação de tecnologias sociais e de técnicas de benefi ciamento das produções e ainda o apoio fi nanceiro às comunidades rurais. Tudo isso pode fazer a diferença e mudar os rumos de nossas vidas em direção a um desen-volvimento humano e sustentável.

No Maciço de Baturité, esse ca-minho vem sendo traçado e alguns passos foram dados. Mas, há muito que fazer. Fica, então, o desafi o de uma caminhada, que mesmo longa, é tam-bém muito bonita.

“Quem passou a vida

trabalhando/E no trabalho esgotou-

se e nada fez/Quem não sentiu o ven-

to da bonanza/Quem na vida nunca

teve altivez/Foi uma mula de carga,

um jumento/Uma égua castanha ou

pedrez”.

(Samuel Queiroz Fariasagricultor, 1911 - 2004)

O jazz e o blues que invadem, há vários anos, os carnavais da pacata cidade de Guaramiranga no Maciço de Baturité ganharam novas companhias no último carnaval. A I Feira de Agri - Cultura Eco-lógica do Maciço de Baturité, realizada de 17 a 20 de fevereiro no campo de futebol da cidade. Sob uma lona de circo, artis-

tas das letras, das músicas e da agricultura trocaram suas experiências e saberes.

Com a idéia de associar trabalho, natureza, economia e cultura, a progra-mação contou com apresentações artís-ticas de poetas populares e repentistas; grupos de fl auta e de tambores; banda de música; corais infantil e infanto-juvenil, peças teatrais, além de muita música po-pular brasileira ao som de sax e violão e do forró de pé de serra. No meio de tudo isso, foram distribuídas mudas e monta-da a feira de agricultura ecológica.

Durante os quatro dias, foram mi-nistradas ainda ofi cinas de pintura para crianças; de hip hop; de grafi te, produ-ção musical e DJ; e de trançados afri-

canos e estética negra. Como também, ofi cinas sobre relações de gênero, ecolo-gia e sexualidade. Na feira, também foi prestada homenagem póstuma ao poeta, agricultor e ecologista, Samuel Queiroz Farias, fi lho de Mulungu, falecido em dezembro de 2004, aos 93 anos.

A I Feira de Agri - Cultura do Ma-ciço de Baturité foi organizada pela Fun-dação CEPEMA e Central Única das Fa-velas (CUFA). A iniciativa contou com o apoio do Banco do Nordeste, SEBRAE, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, Ministério do Meio Ambiente - Projetos Demonstrativos (PDA) e as prefeituras municipais de Guaramiranga, Baturité, Mulungu, Aratuba e Pacoti.

GUARAMIRANGA, UM CARNAVAL DE AGRI - CULTURA

Page 28: Revista Agrofloresta n. 01

28

CEPEMA: O que é a Frente Cearense por Uma Nova Cultura de Águas e Con-tra a Transposição do Rio São Francisco?

Magnólia: A Frente nasceu em 2003, é um movimento que tem a função de trazer para o estado a discussão sobre uma nova cultura de águas, usando a obra da transposição do rio São Fran-cisco como mote para o debate.

CEPEMA: O governo diz que a trans-posição levará água para estados do Nordeste ca-rentes de recursos hídricos, qual o problema nisso?

Magnólia: Primeiro se a gente observar, inclusive com estudos técnicos, vamos ver que essa re-gião tem água. A ques-tão é a forma como essa água é distribuída. O debate sobre a transposição é maior do que trazer ou não água para dois mi-lhões de pessoas. Porque esse projeto está vinculado a uma política de distri-buição de águas que, historicamente, tem benefi ciado um setor do Nordeste e do país vinculados ao agronegócio, à carcinicultura, e à fruticultura irrigada para exportação. Uma política vincu-lada a grandes empreendimentos em detrimento da agricultura familiar e das populações que de fato precisam de água. A rota da transposição não é a rota de quem de fato precisa de água. Ela vai passar por onde estão localiza-dos os grandes empreendimentos de carcinicultura, de fruticultura irriga-da, os grandes projetos de irrigação. Ela vem atender à siderúrgica que vem sendo negociada pelo governo do esta-do e vem benefi ciar a produção que vai passar pelo Porto do Pecém.

CEPEMA: Mas, próximos a essas gran-des áreas de produção há sempre famílias

carentes. Essas famílias não serão bene-fi ciadas?

Magnólia: A água aqui ainda é vincula-da à indústria da seca, aos carros pipa, à venda de água... Nós temos o Canal da Integração, o Castanhão. Esses ca-nais têm água e no entorno deles habi-tam famílias de pequenos agricultores e agricultoras, mas essas famílias não têm acesso à água porque ela é cercada.

É proibido o acesso des-sas populações. Então, o fato de passar próximo ou nas imediações não signifi ca que aquelas po-pulações vão ter água. A gente constatou, duran-te o trabalho da Frente, que essas populações são impedidas de ter acesso à água. Elas continuam comprando água mes-

mo com uma barragem, um rio ou um açude perto.

CEPEMA: Então, qual o propósito de o governo investir em um projeto assim?

Magnólia: O governo diz que a obra do São Francisco vai resolver o proble-ma da água, mas o próprio governo, através da Agência Nacional de Águas, ANA, fala da possibilidade de realizar 530 obras descentralizadas a um cus-to menor que o custo da transposição que é de R$ 6,6 bilhões, enquanto o das pequenas obras é R$ 3,3 bilhões de reais. A obra da transposição vai benefi ciar supostamente, segundo o Tribunal de Contas da União, sete mi-lhões de pessoas e, segundo o governo, 12 milhões de pessoas. Objetivamen-te, as obras da ANA vão benefi ciar 34 milhões de pessoas. A obra do São Francisco benefi ciaria em tese quatro estados, as propostas pela ANA nove estados e mais o norte do rio São Fran-cisco. As obras da ANA benefi ciariam

À SOMBRA DE UM CAJUEIRO ENTREVISTA

Magnólia Said, advoga-da e diretora da ONG cea-rense, Esplar, Centro de Pes-quisa e Assessoria, é uma das fundadoras da Frente Cea-rense por Uma Nova Cultura de Águas e Contra a Trans-posição do Rio São Francisco. A Frente nasceu em 2003, a partir da luta contra o proje-to de transposição do rio São Francisco. Hoje, ela está pre-sente nos espaços de debate so-bre os impactos dos empreen-dimentos que afetam o meio ambiente no Ceará, como a questão da carcinicultura na zona Costeira, os grandes empreendimentos na Chapa-da do Apodi e a proteção do manguezal do rio Cocó.

EsplarRua Princesa Isabel, 1968 - Benfi ca Fortaleza-CearáCep.: 60.015-061E-mail: [email protected]: 85-3252.2410

“A rota da transposição não é a rota de quem de fato precisa de água.”

Page 29: Revista Agrofloresta n. 01

29

1.356 municípios, enquanto a do São Francisco 391 municípios... Só isso já dá pra gente ter uma dimensão de qual é o signifi cado e que interesses orien-tam a construção da obra de transposi-ção do rio São Francisco.

CEPEMA: E que interesses seriam es-ses?

Magnólia: São os mesmos interesses que orientam, por exemplo, a cons-trução de uma outra mega-obra que se chama Complexo do rio Madeira. Pois são, praticamente, as mesmas empreiteiras e os valores da obra do São Francisco e do rio Madeira são os maiores recursos para projetos de infra-estrutura que estão no PAC, Pro-grama de Aceleração do Crescimento. Esse programa ao invés de acelerar o crescimento, vai acelerar as desigualda-des sociais.

CEPEMA: Como está essa discussão com o governo?

Magnólia: O governo iniciou o diálogo com as organizações, só que o diálogo se encerrou no próprio diálogo. Ele não foi para além, no sentido de escutar, reconhecer a fala dos movimentos e or-ganizações e operar mudanças ou sus-pender o projeto que é o que nós que-ríamos. Ele rompe o diálogo na medida em que coloca como responsável para falar sobre as obras da transposição uma pessoa como a ministra Dilma, [Dilma Rousseff , ministra da Casa Civil] que não negocia os projetos já defi nidos pelo gover-no. Quando ele coloca a ministra, ele se abstém e se afasta da possibilida-de do diálogo. Ela não está aí à toa. Ela está aí para não dialogar com os movimentos contra a transposição ou contra as obras do rio Madei-ra, nem para dialogar com os outros movimentos que estão criticando esses tipos de obras de infra-estrutura. O diálogo hoje foi rompido.

CEPEMA:: Quem são os aliados da Frente nesse processo?

Magnólia: Existem movimentos com os mais diversos nomes contrários à obra da transposição do rio São Fran-cisco nos estados do semi-árido. Hoje nós temos um aliado fundamental nes-se debate que é o ministério público desses estados, principalmente o do estado da Bahia e de Minas.

CEPEMA: Por que a Frente dá tanta atenção ao projeto de transposição do rio São Francisco?

Magnólia: O elemento aglutinador da Frente foi a transposição por-que ela exigia uma ação local, mas que mostras-se que a transposição é uma questão nacional. Hoje, a questão do rio São Francisco é nacional. Ela está na agenda do Fórum Social Nordestino, no PAD (Processo de Articulação e Di-álogo) que é um grupo internacional de igrejas ecumênicas. É também pon-to de pauta do encontro binacional de Guajará Mirim em Rondônia que tem como foco a discussão sobre o rio Ma-deira, mas que dentro dessa discussão está incluído o debate sobre o rio São Francisco. Isso foi uma conquista da Frente.

CEPEMA: Qual seria, então, a solu-ção para democratizar o acesso à água para que a população carente tivesse realmente acesso?

Magnólia: São várias as soluções. Primeiro uma política que redefi na a gestão e o acesso a essas águas, aí tem que ser uma decisão política.Os governos deveriam considerar quem de

fato precisa de água pra beber, pra agri-cultura familiar, quem precisa de água para o trato de animais, pra cuidar da

subsistência, da sobrevivência da uni-dade familiar... Existem vários movi-mentos sociais e ONGs em torno de uma rede que se chama Articulação no Semi-Árido Brasileiro que é a ASA. A ASA já vem discutindo e executando várias propostas de convivência com o semi-árido e uma dessas propostas está vinculada ao acesso à água. Por outro lado, o governo insiste em desconhe-cer essas propostas e investe apenas em

uma única proposta que são as cisternas, a utilização da água da chuva. As propostas da ASA já resolveriam o problema daquelas famílias que não têm acesso à água. Mas, precisa ter investimen-to e destinação orça-mentária.

CEPEMA: Para uma decisão política, os comitês de bacias são espaços onde poderia haver essa discus-são?

Magnólia: Seria um sujeito no debate sobre uma nova cultura de águas ou sobre uma outra gestão de águas. Os comitês de bacias são espaços paritá-rios de diálogo ou de discussão sobre a questão da água entre sociedade e go-verno. Mas, eles têm, digamos, vários vícios em função da relação de poder nas regiões onde eles são formados. E quanto maior a relação de poder entre governo e sociedade civil, mais desvan-tajoso é o desequilíbrio do processo de discussão e decisão nesses comitês. Então, precisaria haver um envolvi-mento maior das organizações e movi-mentos sociais. Primeiro, dos afetados por essas obras, segundo, apoiadores e pensadores dessa política de gestão de água. Essas pessoas que deveriam ter a possibilidade de infl uenciar na discus-são sobre uma nova política de águas porque são essas pessoas que vão ser direta ou indiretamente afetadas.

CEPEMA: Onde é que a cultura entra nessa discussão? O que se quer dizer com

“Queremos o reverso de um

modelo orientado hoje para um cres-cimento que desor-dena o meio am-

biente e fragmenta a sociabilidade.”

“Existem movi-mentos com os mais diversos nomes con-

trários à obra da transposição do rio São Francisco nos estados do semi-

árido.”

Page 30: Revista Agrofloresta n. 01

30303

uma nova cultura de águas?

Magnólia: Como diz o nosso mani-festo, é a expressão de valores éticos que orientam ou que orientaram uma discussão sobre a água; a expressão da igualdade entre as pessoas, da aceita-riedade, da justiça social, da sustenta-bilidade ambiental e da gestão demo-crática. Nós queremos o reverso de um modelo orientado hoje para um crescimento que desordena o meio ambiente e fragmenta a sociabilidade. Um modelo orientado para benefi ciar empreiteiros, consultores de realização de obras, políticos, toda uma elite que é fundamentalmente branca e hierár-quica.

CEPEMA: Em que momento a Frente pensa no envolvimento de pessoas que não estão nem nessa elite nem envolvidas diretamente nos movimentos sociais?

Magnólia: Esse é o desafi o da Frente. A Frente pegou a questão da obra de transposição do rio São Francisco e está fazendo rodas de conversas não apenas com as pessoas que estariam afetadas por essas obras. Nós compreendemos que se não houver o en-volvimento das popula-ções urbanas, das pesso-as que estão em espaços de discussão política, das populações que em tese não teriam nada a ver com essa questão nós nunca poderemos esta-belecer um outro pata-mar de entendimento do que a gente está cha-mando de uma nova cul-tura. Entendimento de valores, de educação no sentido mais amplo, de educação para a vida, no sentido de direitos humanos. Porque a questão da água também passa pelos direitos humanos e de justiça, no sen-tido amplo, de justiça ambiental, jus-tiça econômica, justiça social e justiça cultural. Discutir uma nova cultura de águas também pressupõe um debate na

sociedade sobre a cultura, aliás, sobre a multiculturalidade.

CEPEMA: Como a Fren-te vem sendo recebida pela população cearense?

Magnólia: Nós estamos conseguindo, apesar das limitações de pessoas de-dicadas a isso e de limi-tações fi nanceiras, des-pertar nas pessoas de um modo geral a sensação de que tem alguma coi-sa errada com esse tipo de obra e com o proces-so decisório que temos de desenvolvimento do semi-árido. Nós estamos conseguindo construir uma consciên-cia crítica com relação ao modelo de desenvolvimento que nos leva a uma cultura estabelecida na sociedade que é fragmentadora, desconhecedora dos processos sociais e extremamente mi-diática e espetacularizada.

CEPEMA: Que mecanismos vocês usam para levar essa discussão?

Magnólia: Nós estamos fazendo seminários, par-ticipando de programas de rádio. Estamos pro-duzindo material para os sites das organizações e para a imprensa. Nós fi zemos um documentá-rio sobre a transposição que, por sinal, é a única peça comprobatória do estado da obra da trans-posição que foi apensada à ação que está no Su-premo Tribunal Federal. Nós vamos agora passar para uma fase de estudos

específi cos sobre os problemas decor-rentes da transposição e a partir desse estudo nós vamos continuar o debate sobre uma nova cultura de águas.

CEPEMA: Que documentário foi esse?

Magnólia: Nós fi zemos um vídeo que

ajuda no processo de construir essa consciência crítica. Quando você vê

um depoimento de um agricultor contando o que acontece no real e compara com o que você viu na televisão que é to-talmente diferente. En-tão, você ouvir essas pes-soas, desperta de alguma forma o sentimento de que tem alguma coisa errada. Porque as pessoas têm uma idéia de como isso acontece, mas elas nunca ouvem de quem é afetado, de quem é impactado. Aí quando

ouve, percebe que o contexto que está colocado hoje não é um contexto real.

CEPEMA: O que mudaria no cotidia-no das pessoas se essa cultura que envolve a relação com as águas mudasse e se re-almente fosse criada uma nova cultura de águas?

Magnólia: As mudanças só ocorrem se houver articulação e pressão. Pra eu me mobilizar e pressionar, eu tenho que ter conhecimento e informação. Um governo que queira as pessoas como cidadãs, que as pessoas sejam parte – independente da cor, da condição social – do processo democrático na sociedade e, portanto, sejam partes do desenvolvimento, ele tem que investir na educação. A educação passa por vá-rias questões, como ambiental, social, econômica, passa por todas as dimen-sões do desenvolvimento. Então, se eu tenho informação e conhecimento e tenho educação eu vou reivindicar participação. Não aquela participação consentida, mas uma participação no campo do real onde eu possa de fato expressar o que eu penso, ser escutada e participar do processo de decisão. Aí nós poderíamos ter uma outra cultura de água no estado do Ceará e no país.

“As mudanças só ocorrem se

houver articu-lação e pressão.

Pra eu me mobilizar e

pressionar, eu tenho que ter

conhecimento e informação.”

“Discutir uma nova cultura de águas tam-bém pressupõe um debate na sociedade so-bre a cultura, aliás, sobre a

multiculturali-dade.”

Page 31: Revista Agrofloresta n. 01

Rede Brasileira Agrofl orestalUM MANUAL ESCRITO A VÁRIAS MÃOS

é uma revista publicada pela Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente - CEPEMA

Entrevistas e reportagens: Klycia Fontenele (jornalista responsável - Reg. 1978-CE)Capa: Foto de D. Terezinha no SAF - Lagoa do Carnaubal/Viçosa do Ceará (Eduardo Magalhães)Fotografi as: Eduardo Magalhães e arquivos do CEPEMA e Esplar.Mapas: Arquivo CEPEMA.Projeto Gráfi co e Diagramação: Adimilson de Andrade.Edição e Impressão: Expressão Gráfi ca Ltda.Tiragem: 2.000 (papel reciclato).

Fortaleza, ano1 nº 1 - agosto de 2007.

Conselho DiretorDanillo Galvão Peixoto FilhoPresidenteHenrique César Paiva BarrosoVice-PresidenteFco. José de LimaDir. Adm. Financeiro PatrimonialAdalberto AlencarCoordenador Pedagógico

Colaboradoras e Colaboradores

Antônio Eronilton Pereira BuritiAntônio Eurismar C. de OliveiraAurinete Santos de OliveiraAuristela de Oliveira LemosEduardo Lima MagalhãesElianísia Alves Mendes

Francisca da Conceição de SousaFrancisco Edson da SilvaFrancisco Fábio Costa MartinsFrancisco Messias TeodósioFrancisco Tadeu SilveiraJosé Weldmar de OliveiraLúcia AlencarLuis Carlos dos SantosLuis Eduardo Sobral FernandesMarcos José Arruda GarciaMaria Betânia Soares FerreiraMaria Deusilane F. SilvaMaria Erivânia BuritiMaria Helenilda A. da Silva Alves Maria Heleni Lima RochaMaria Zelma de Araújo MadeiraValgeane Marreiro Silva Wilkson W. Gondim

Expediente

organizações não-governamentais brasileiras que trabalham com a visão

agroecológica e de sistemas agrofl orestais toparam o desafi o de elaborar o Manual Agrofl orestal para Mata Atlântica. O desafi o começou em dezembro de 2006 e o conteúdo do manual vem surgindo a partir de discussões interativas e participativas, promovidas pela REBRAF, Rede Brasileira Agro-fl orestal, que aglutina as dezoito ONGs.

Do Ceará ao Rio Grande do Sul, capacita-ções técnicas com produtores rurais e técnicos das regiões estão sendo realizadas. O trabalho é apoia-do pelo projeto de “Capacitação Participativa de Agricultores Familiares e Formação de Agentes de Desenvolvimento Agrofl orestal para Difusão de Experiências com Práticas Agrofl orestais no Bio-ma da Mata Atlântica”, fi nanciado pelo MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário.

O primeiro encontro ocorreu de 28 a 30 de março de 2007, em Nazaré Paulista/SP, no Cen-tro Brasileiro de Biologia da Conservação, CBBC, da entidade parceira IPÊ. Na ocasião, foi feita ca-pacitação com os técnicos representantes de cada entidade. No próximo mês de outubro, será rea-lizado um encontro fi nal com o lançamento dos produtos fi nais das ofi cinas regionais, em versão de CD/ROM e WEB.

A Fundação CEPEMA é uma das ONGs envolvidas na elaboração do manual. Após parti-cipar do encontro de março, o CEPEMA realizou ofi cina de capacitação com agricultoras, agricul-tores e parceiros do Ceará. Foram dois dias, 21 e 22 de junho, estudando quatro manuais sobre agrofl oresta que serviram de base no encontro de março. A ofi cina aconteceu em Viçosa do Ceará, com a participação de 20 pessoas.

18

Missão da Rede Brasileira Agrofl orestal - REBRAF

“Promover a difusão de sistemas agrofl orestais no território brasileiro ou ainda a recuperação de terras degradadas.”

Contato: www.rebraf.org.Br / [email protected]

FUNDAÇÃO CEPEMA

Page 32: Revista Agrofloresta n. 01