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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2242 RESISTÊNCIA E LUTA DAS MULHERES DO PORTO DO CAPIM EM JOÃO PESSOA: O DIREITO À CIDADE DESDE A PERSPECTIVA DE GÊNERO ARACI FARIAS SILVA 1 Resumo: O presente estudo tem como objetivo principal fazer uma discussão sobre que ótica a cidade é construída, e quais lutas e tensões estão presentes nessas cidades. A ponte dessa discussão é feita a partir da leitura de cidade feita por Lefebve, defendida pela autora do artigo, e sua contraposição, presente na cidade como Mercadoria e empresa, descrita por Vainer. A luta pelo direito a cidade tenta desvelar protagonistas e estratégias utilizadas à busca do seu objetivo. A área do Porto do Capim, no Centro Histórico da cidade de João Pessoa PB é berço de comunidades que heroicamente lutam pela direito a moradia digna, não remoção, e participação efetiva na produção do espaço da cidade, a partir de sua Reprodução e Produção. Tendo as mulheres na qualidade de lideranças. O citado trabalho faz parte da Tese de doutorado da autora, que se encontra no 1º ano. Palavras-chave: Mulheres; Direito a Cidade; Porto do Capim. Abstract: This study aims to make an argument about that perspective the city is built, and what struggles and tensions are present in these cities. The bridge this discussion is made from the city of reading by Lefebve advocated by article's author, and his hand, present in the city as merchandise and company, described by Vainer. The fight for the right to the city tries to unveil protagonists and strategies used to reach your objective. The Port area of grass, in João Pessoa city Historical Center - PB is home to communities that heroically fighting for the right to decent housing, not removal, and effective participation in the production of city space, from its Reproduction and Production . Having women as leaders. The cited work is part of the author's PhD thesis, which is in the 1st year. Key-words: Women; Right to the City; Port grass 1 Introdução No final da década de 1980, a prefeitura de João Pessoa aprovou um Projeto de Revitalização para a área do centro histórico e as tensões na área ocupada pelas comunidades ribeirinhas se iniciaram. Porém, só no final da década de 1990 aprovou-se a remoção dos moradores das áreas ribeirinhas para a construção de uma praça de eventos de 19.500 m². Inicialmente, a proposta da realocação seria para uma área próxima ao rio, no entanto, por questões orçamentárias o projeto não saiu do papel. Em um novo cenário político e com uma nova gestão municipal as tensões entre o poder público e as comunidades são retomadas no ano de 2013. 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba. E-mail de contato: [email protected]

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RESISTÊNCIA E LUTA DAS MULHERES DO PORTO DO CAPIM EM JOÃO PESSOA: O DIREITO À CIDADE DESDE A PERSPECTIVA DE

GÊNERO

ARACI FARIAS SILVA1

Resumo: O presente estudo tem como objetivo principal fazer uma discussão sobre que ótica a

cidade é construída, e quais lutas e tensões estão presentes nessas cidades. A ponte dessa discussão é feita a partir da leitura de cidade feita por Lefebve, defendida pela autora do artigo, e sua contraposição, presente na cidade como Mercadoria e empresa, descrita por Vainer. A luta pelo direito a cidade tenta desvelar protagonistas e estratégias utilizadas à busca do seu objetivo. A área do Porto do Capim, no Centro Histórico da cidade de João Pessoa – PB é berço de comunidades que heroicamente lutam pela direito a moradia digna, não remoção, e participação efetiva na produção do espaço da cidade, a partir de sua Reprodução e Produção. Tendo as mulheres na qualidade de lideranças. O citado trabalho faz parte da Tese de doutorado da autora, que se encontra no 1º ano.

Palavras-chave: Mulheres; Direito a Cidade; Porto do Capim.

Abstract: This study aims to make an argument about that perspective the city is built, and what

struggles and tensions are present in these cities. The bridge this discussion is made from the city of reading by Lefebve advocated by article's author, and his hand, present in the city as merchandise and company, described by Vainer. The fight for the right to the city tries to unveil protagonists and strategies used to reach your objective. The Port area of grass, in João Pessoa city Historical Center - PB is home to communities that heroically fighting for the right to decent housing, not removal, and effective participation in the production of city space, from its Reproduction and Production . Having women as leaders. The cited work is part of the author's PhD thesis, which is in the 1st year.

Key-words: Women; Right to the City; Port grass

1 – Introdução

No final da década de 1980, a prefeitura de João Pessoa aprovou um Projeto

de Revitalização para a área do centro histórico e as tensões na área ocupada pelas

comunidades ribeirinhas se iniciaram. Porém, só no final da década de 1990

aprovou-se a remoção dos moradores das áreas ribeirinhas para a construção de

uma praça de eventos de 19.500 m². Inicialmente, a proposta da realocação seria

para uma área próxima ao rio, no entanto, por questões orçamentárias o projeto não

saiu do papel. Em um novo cenário político e com uma nova gestão municipal as

tensões entre o poder público e as comunidades são retomadas no ano de 2013.

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba.

E-mail de contato: [email protected]

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Com a disponibilização de recursos oriundos do PAC Cidades Históricos, a

partir do projeto de revitalização feito pela prefeitura municipal de João Pessoa,

aliado ao projeto do PAC Sanhauá, que por sua vez teria como objetivo primeiro

atender a preceitos de sustentabilidade ambiental, nelas incluindo a melhoria da

qualidade de vida de comunidades tradicionais existentes na área, no caso do Porto

do Capim às comunidades ribeirinhas, a pressão sobre a comunidade se intensifica.

Na nova proposta da prefeitura a remoção dos moradores para uma área

distante do rio foi à única cogitada, o que fez com que as famílias se organizassem

aumentando a mobilização, criando a associação a partir da Comissão Porto do

Capim em Ação.

A questão em discussão perpassa à busca de pistas que nos levem a

responder questões sobre a cidade e suas problemáticas atuais, em especial quem

tem o direito a Ela, e como se dá a prática desse direito.

Tendo como um dos eixos principal do problema, o discurso do “planejamento

estratégico”, cuja metodologia é transpor a lógica das empresas para a gestão

urbana. A materialização dessa marcha estratégica é o que Castells (1990) define

como competitividade urbana. Por sua vez, Vainer (2002) classifica essa

competitividade de quatro formas distintas2. Tal acepção foi discutida por Bouinot e

Bermils (1995); Borja (1995) e Castells (1990).

A materialização do chamado planejamento estratégico vem a partir do

agenciamento da administração pública para atender a especulação predatória do

capital imobiliário. Resultando na apropriação de espaços com infraestrutura prontos

ao uso. As áreas centrais das cidades, porções conhecidas como centros históricos,

são os principais alvos dessa trama. Mesmo de forma tardia, o discurso da

revitalização vem reforçar no centro histórico de João Pessoa o processo de

gentrificação3.

2 Competir pelo investimento do capital, tecnologia e competência gerencial; Competir na atração de

novas indústrias e negócios; Ser competitivas nos preços e nas qualidades dos serviços e por fim, competir na atração de força de trabalho adequadamente qualifica. 3 Chama-se gentrificação, (do inglês gentrification) o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela

alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.

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Munido da prática de uma política de expropriação das moradias, a prefeitura

insiste em “aplicar uma política antidemocrática e higienista”, como está exposto no

“relatório de violações de direitos humanos no processo de implantação do

PAC Cidades Históricas e PAC Sanhuá, na comunidade Porto do Capim”,

elaborado pelo Centro de Referências de Direitos humanos (CRDH-PB), mês de

Dezembro de 2014.

A luta, a resistência e as tensões ocorridas e correntes na área de estudo tem

nome e sobre nome, e suas lideranças são as mulheres da comunidade da área do

Porto do Capim. Mulheres que buscam no espaço urbano seus direitos, dentre eles

o primeiro necessário à sua reprodução e da sua família, a moradia. A moradia vai

muito além da habitação, está implícito nessa moradia relações: social (vizinhanças)

e com os elementos naturais (rio e mangue).

Sendo desta forma as protagonistas na luta pela permanência no lugar em

que vivem a mais de cinco gerações. La se encontra toda sua história, seu legado

impresso na cidade, moldado por suas ações cotidianas, suas relações de

pertencimento, geradora de territórios e territorialidades.

2 – Desenvolvimento

A comunidade do Porto do Capim ocupa o local onde começou a ser

edificada, em 1585, a cidade de Nossa Senhora das Neves (atualmente João

Pessoa), ponto escolhido pelos portugueses por sua localização estratégica para

controle da foz do Rio Paraíba, então em disputa com outros povos europeus, a

exemplo de franceses e de holandeses, mas principalmente, com os povos

Potiguaras que eram, até então, os senhores da terra (GONÇALVES, 2007). Essa

área, conhecida como Porto do Capim, situa-se às margens do Rio Sanhauá,

afluente da margem direita do Rio Paraíba e ocupa a parte baixa do bairro do

Varadouro, incrustrado no centro histórico.

Ao longo dos séculos, o Porto do Capim foi se consolidando como um

importante polo comercial, voltado principalmente para o escoamento da produção

local, situação essa que perdurou até a segunda metade do século XIX quando, em

decorrência do processo de assoreamento dos rios Paraíba e Sanhauá, provocado

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pela expansão descontrolada da atividade canavieira e pelo crescimento das

cidades às suas margens, a função portuária foi transferida para o município de

Cabedelo.

Em decorrência disso, e também devido à expansão do comércio em direção

à cidade alta, onde novos equipamentos públicos e bancários foram se instalando, a

partir da década de 1940, a região do Porto do Capim perdeu sua condição de

centro mercantil e entrou em franca decadência. A partir desse processo de

abandono e de desvalorização imobiliária, a área e as instalações desativadas

passaram a ser ocupadas basicamente por famílias de pescadores ribeirinhos e

pelos ex-trabalhadores do porto que se viram desempregados com o encerramento

das suas atividades e com a decadência da atividade comercial e de serviços que

delas derivava. A esses primeiros ocupantes, na mesma medida em que suas

famílias cresciam e se multiplicaram, foram sendo agregados, ao longo do tempo,

familiares e conhecidos que vieram de outros municípios do estado, especialmente

das áreas rurais, em busca de melhores condições de vida.

A existência da oferta de transporte público que atravessa todo o centro da

cidade, do Parque Solon de Lucena até a linha ferroviária que corre, neste trecho,

paralelamente ao Rio Sanhauá, e sua proximidade com o centro comercial e

administrativo da cidade fizeram com que, ao longo das ultimas décadas, a

comunidade se consolidasse e se enraizasse, mantendo um forte vínculo com o rio e

com o mangue, seja por meio das atividades de pesca e de lazer, seja perpetuando

os rituais religiosos e festivos que acontecem no local.

Apesar de boa parte de suas habitações se encontrarem em área de risco,

escondidas atrás dos armazéns e da antiga Alfândega, à beira dos manguezais,

quase esquecidas pelo resto da cidade ( Figura 1), a comunidade do Porto do Capim

ali permanece, até os dias de hoje, viva e pulsante.

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Figura 1 - Localização da área do Porto do Capim, no contexto do Bairro do Varadouro.

A escassez de investimentos pela Prefeitura Municipal de João Pessoa

sempre foi baseada, ao nível do discurso, no fato da comunidade estar localizada

em área de domínio da União. No entanto, o poder público que não reconhece

aquela população como parte da sociedade é o mesmo que viabiliza a cobrança de

taxas de abastecimento d'água e de energia elétrica, ou seja, quando se trata do

pagamento de impostos e tributos ela é reconhecida como parte da cidade, caso

contrário, quando se trata dos direitos de cidadania e das obrigações do poder

público, não. Tal situação é descrita por Scocuglia:

Assentada em área de patrimônio da União a favela Porto do Capim é caracterizada como uma invasão, ou seja, ocupação ilegal e irregular. Apesar desta situação todos os entrevistados em nossas pesquisas reclamaram o direito de propriedade de seus imóveis, segundo eles, construídos à custa de muitos sacrifícios. São, na maioria, imóveis próprios inseridos na área próxima ao mangue, alguns ocupando um trecho já parcialmente urbanizado com arruamento e coleta de lixo, construídos em alvenaria, com água encanada e energia elétrica, alguns com linha telefônica, porém sem esgotamento sanitário. (2010, p. 80).

Contudo, essa comunidade, que há mais de setenta anos mantêm vivas a

cultura e as tradições ribeirinhas, está atualmente sujeita ao risco de remoção,

devido ao projeto da Prefeitura Municipal de João Pessoa que pretende criar, em

seu lugar, uma enorme esplanada para eventos, justificando seu planejamento

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estratégico. Além da construção dessa esplanada, a requalificação abarcaria outras

áreas do Porto do Capim, como a restauração de edifícios abandonados, a exemplo

dos armazéns e prédio públicos (da antiga Alfândega e do Thesouro Provincial)

construídos no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, transformando-os

em museus.

Segundo Vainer (2002), o Planejamento Estratégico enfatiza o olhar à cidade

em três aspectos: Cidade Mercadoria; Cidade Empresa; Cidade Pátria. Formula-se

então um projeto de cidade que esteja de acordo com interesses empresariais, onde

a ação política dos cidadãos é reduzida pela eliminação do conflito e das condições

de exercício de cidadania, assim como a miséria é redefinida como problema

paisagístico. Nesse cenário, o Estado passa a estabelecer parcerias público-

privadas. Tais parcerias, ao atenderem a interesses particulares ou de grupos

empresariais, obrigam o cidadão a assumir os interesses privados como se fossem

interesses públicos. “A sociedade, em sua diversidade, contradições e conflitos, dá

lugar a uma nova sociedade: a do empreendedorismo do consenso. A política é

banida da cidade competitiva e pacificada?” (VAINER, 2002, p. 95).

Com essa intenção, todos os moradores do Porto do Capim, como também

da Vila Nassau, seriam relocados a princípio para três áreas situadas depois dos

trilhos do trem. Em Dezembro de 2014 a prefeitura criou uma Zona Especial de

Interesse Social (ZEIS), na área do Curtume, dentro da área do Porto do Capim. As

áreas anteriormente destinadas à relocação não são consideradas adequadas pela

comunidade, pois interfeririam nas relações sociais já existentes entre os moradores,

fragmentando a sua experiência coletiva. Além disso, duas delas são passíveis de

alagamento, pois recebem a drenagem vinda da Lagoa do Parque Sólon de Lucena

e, portanto, não são desejáveis para a construção de moradias.

Além da questão dos terrenos, o projeto das futuras habitações também não

atende às necessidades dos moradores, por não levar em consideração o tamanho

das famílias ao propor tipologias com a mesma área e mesmo programa de

necessidades; por não prever espaços para ampliações futuras para que as famílias

os adequem às suas demandas e, finalmente, por ser constituído de unidades

verticalizadas, sem levar em conta que muitos moradores atualmente praticam

atividades de subsistência no terreno de suas residências, e que, para isso,

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necessitam de um contato com o solo, enquanto outros têm uma relação direta com

o rio e o mangue como pescadores, marisqueiros, catadores de caranguejos e

barqueiros.

Além disso, o projeto como um todo se encontra defasado, por ter sido

elaborado há mais de dez anos e não levar em conta o respeito às questões

ambientais e as pré-existências culturais e sociais da população que está ali

assentada há mais de sete décadas. Diga-se, de passagem, que a comunidade vive

em "estado de suspensão" desde 1997, quando as primeiras notícias sobre a

remoção começaram a ser veiculadas pelo poder público. Isso significa que seus

projetos para reforma das habitações, para compra de mobília e até mesmo para ter

filhos tem sido ao longo desse tempo, assombrados pela possibilidade de não se

realizarem ou de serem interrompidos.

Outro problema apontado foi em relação ao projeto do PAC, justifica-se pelo

fato de não ter havido uma participação popular na sua elaboração o que,

consequentemente, gerou um profundo sentimento de insatisfação em relação ao

mesmo. Como reação, a comunidade criou, no ano de 2011, uma comissão de

moradores intitulada "Porto do Capim em Ação" que, entre outros objetivos, passou

a reivindicar o diálogo com o poder público em busca de esclarecimentos e melhores

soluções para o caso, tendo em vista que muitas famílias precisam ser removidas

por viverem em condições de risco, enquanto outras poderiam se integrar

plenamente em projetos de geração de renda e desenvolvimento de atividades

econômicas, a exemplo do turismo de base comunitária, nessa área do Porto do

Capim.

3 – Resultados

A "Comissão Porto do Capim em Ação", ao longo de sua existência, tem

procurado organizar a comunidade para o entendimento do processo, além de

buscar estabelecer o diálogo necessário com os representantes do poder público e,

nessa trajetória tem contado com uma série de aliados, a exemplo dos grupos e

coletivos culturais situados no Bairro do Varadouro, reunidos no Movimento

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Varadouro Cultural, docentes e discentes de instituições de ensino superior, a

exemplo da UFPB, e outros agentes e cidadãos da cidade de João Pessoa.

Novo passo na organização política da comunidade foi à fundação, no final de

2013, da "Associação de Mulheres do Porto do Capim" (ver Foto 2) que brotou do

seio da "Comissão Porto do Capim em Ação4" e que tem demandado uma presença

ainda mais efetiva dos agentes culturais e intelectuais que tem apoiado a luta dos

moradores em seu direito ao diálogo qualificado com o poder público em defesa de

sua identidade, de seu modo de vida e de suas propostas.

Figura 2- Foto das Representantes da Associação Mulheres do Porto do Capim

No caso específico desta proposta, o seu público-alvo e, ao mesmo tempo, o

seu protagonista, é a população das comunidades do Porto do Capim, da Vila

Nassau, Frei Vital, Praça XV de Novembro, Curtume e Trapiche, genericamente

conhecidas como Comunidade do Porto do Capim (ver figura 3). Tal população está

sendo atingida e, brevemente o será com maior intensidade, pelas ações do PAC

(Programa de Aceleração do Crescimento) – Rio Sanhauá, que prevê a sua

remoção da área ocupada há pelo menos três gerações, e do PAC - Cidades

Históricas, que pretende transformar aquele espaço em área para o

4 O grupo se formou no ano de 2011, logo após as mobilizações ocorridas nos meses de novembro e dezembro

do mesmo ano. Recebeu a denominação de Porto de Capim em Ação, grupo formado por moradoras da

comunidade Porto do Capim (Rozeane da Silva Mendes, agente de saúde, 49 anos; Maria da Penha do

Nascimento Costa, 64 anos, do lar; Adriana de Lima, 39 anos, comerciante; (Presidente da Comissão) Rossana

Marlene de Holanda, 22 anos, trabalha com decoração; Veronica Lima de Carvalho, 41anos, assistente de

dentista; Maria Aparecida de França Lima, comerciante; Maria da Penha da Silva, comerciante; Claudenice da

Silva Santos, 25 anos, do lar; Wilma do Nascimento Costa, 40 anos, serviços gerais), que se reuniam todas as

terças-feiras, às 19h30, na Escola Padre João Felix.

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desenvolvimento do turismo de mercado, leia-se, de massas, controlado pelo grande

capital. Ambos os PAC’s estão em processo de discussão interna e em fase inicial

de implementação pela Prefeitura Municipal, com recursos oriundos do Governo

Federal.

Figura 3 – Mapa de Localização das áreas que compõem a comunidade do Porto do Capim.

Tal projeto tem gerado uma série de conflitos e desacordos com os anseios

da população que habita a área. A comunidade hoje conta com o apoio na luta e em

ações propositivas para construção e implantação dos projetos urbanístico e

habitacional, tal apoio vem de forma técnica com a participação de vários parceiros,

em especial de forma mais contundente a do Programa de REQUALIFICAÇÃO

URBANA, AMBIENTAL E PATRIMONIAL DO PORTO DO CAPIM – Referente ao

Programa de Extensão Universitária (PROEXT) - UFPB. Cuja proposta comunga

com o desejo da comunidade de persistir no local, obviamente que dotada de toda a

estrutura necessária ao seu desenvolvimento, assim como pela melhoria

habitacional da maioria das residências que se encontra em situação precária e pela

defesa de sua identidade comunitária lastreada não apenas por relações de

parentesco, mas também por um rico patrimônio histórico-cultural (material e

imaterial) constituído ao longo da sua existência.

Os entes públicos, Prefeitura municipal de João Pessoa, com o aval do

Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN-PB), elaboraram e

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aprovaram o projeto para área. A comunidade não teve acesso à participação nem o

conhecimento prévio do projeto. Seguido da geração de dificuldades de acesso ao

projeto público, não respeitando a lei da transparência pública.

Só com a presença e apoio profissional do Centro de Referência em Direitos

Humanos (CRDH da UFPB), à Associação de Mulheres do Porto do Capim, por

meio da elaboração do “relatório de Violação aos Direitos Humanos no processo

de implantação do PAC cidades Históricas e PAC Sanhauá na comunidade do

Porto do Capim”, entregue no inicio de 2015 ao Ministério Público Federal. Após a

entrega o procurador do MPF chamou as partes interessadas em uma audiência

pública e a prefeitura teve que mostrar seus projetos para área. Segue dados sobre

o projeto no formato de maquete eletrônica disponibilizado pela PMJP.

A presente proposta para o Porto do Capim e Vila Nassau foi elaborada pela

Prefeitura Municipal de João Pessoa, com verbas do Programa de Aceleração de

Crescimento – PAC. Ela integra o Projeto de Revitalização do Centro Histórico e

prevê, para a área em questão, a implantação de uma explanada para eventos, que

implica necessariamente na remoção integral das famílias residentes nas áreas

ribeirinhas (ver figura 4). Esta iniciativa pretende devolver ao local uma configuração

espacial compatível com o lugar, com a intenção de devolver à população de João

Pessoa a visibilidade para o Rio Sanhauá, integrando-o novamente à cidade. Em

dados parciais temos um número de famílias residentes na área: 307 em torno de

2.400 pessoas, número de famílias conviventes: 91; valor da Obra: R$ 8.640.536,8;

valor do projeto de regularização fundiária: R$19.459,20 e o prazo de obras dado

pela prefeitura é de 18 meses.

A Proposta apresentada pela Secretaria Municipal de Habitação (SEMHAB)

implica na remoção das famílias que hoje habitam as comunidades Porto do Capim

e Vila Nassau, que serão relocadas para uma área próxima, em edifícios

multifamiliares dentro dos padrões aprovados pela CAIXA para famílias de 0 a 3

salários mínimos.

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Figura 5: vista geral da maquete eletrônica da revitalização do Varadouro e antigo Porto do Capim. Fonte: Secretaria Municipal de Habitação - SEMHAB

Figura 6 e 7: proposta de Zoneamento para a locação das habitações no terreno da Proserv e Área

1. Fonte: Secretaria Municipal de Habitação - SEMHAB

4- Conclusões

Diante dessa breve contextualização fica clara a importância da discussão

desse tema. Tendo em vista as necessidades da comunidade que é emblemática

por possuir valores simbólicos bastante enraizados, o que faz com que a população

desenvolva o sentido de pertencimento do lugar, considerando as relações sociais e

pessoais que se desenvolvem naquele espaço e também por enfrentar, atualmente,

a proposta de investimentos públicos que acabaram por constituir zona de conflito

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entre os anseios dos moradores e os projetos apresentados pela Prefeitura

Municipal de João Pessoa.

A prefeitura demostra em suas ações que sua linha de gestão da cidade

perpassa pelo planejamento estratégico urbano, na qual a cidade é uma mercadoria

e empresa. Dependendo do projeto de cidade que o gestor eleja, resultará na

territorialização de capital empresarial, muitas vezes globalizados. Esse projeto de

cidade implica a direta e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais

globalizados e depende, em grande medida, do banimento da política, da eliminação

do conflito e das condições de exercício da cidadania.

Referências Bibliográficas

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