Resenha Comida Narrativa Social
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MENASCHE, Renata & AMON, Denise. Comida como narrativa da memória social . Sociedade e
Cultura, v.11, n.1, jan/jun. 2008. pg 13 a 21.
RESUMO: A partir do estudo etnográfico de duas receitas tradicionais de uma família judia
sefardi radica no Brasil, as autoras exploram a maneira de como a comida pode nos revelar
tradições culturais assim como a adaptação/transformação a novos tempos e contextos sociais.
RESENHA
Após perceber que as mulheres mais velhas de sua família estavam no final da vida, uma das
autoras resolve ir atrás de uma tia-avó no intuito de preservar as receitas tradicionais de sua família
turco-judaíca. A partir da troca de cartas entre elas, a autora se dá conta que sua rotina em Porto
Alegre não estava ligada as tradições judaica-sefardi pelas festas, cultos religiosos, comemorações
emblemáticas, mas sim pela alimentação que era compartilhada cotidianamente com sua família. Ao
comer a mesma comida que se comia na Turquia podia-se reviver a tradição e as relações que
existem na comunidade judaica. Assim a comida se transforma em objeto etnográfico para
comunicar os sentimentos de identidades demonstrando seu poder de narrativa e revelando uma
história que está subjacente a percepção da comunidade tradicional judia.
Para mediar a relação entre comida e memória as autoras fazem a analogia com um caldo
básico (sopa ou molho), que nesse caso seria a cultura. Preparação, tempo de cozimento,
ingredientes, técnicas e utensílios utilizados na comida revelam escolhas, do mesmo modo que as
concepções do grupo social envolvido. Segundo Da Matta (1987, 1997), é através da cultura que o
alimento se transforma em comida, portanto, escolhas como quando, como e onde se come são
hábitos definidos tanto pelo âmbito social quanto psicológico incluídos na cultura. Quando
comemos nos inserimos (e somos inseridos) na tradição e nos processos construídos socialmente
que estão em torno de determinada receita, ou seja, a materialização da cultura se concretiza no
prato.
É a partir desses pressupostos que Amon e Menasche analisam duas receitas: a primeira,
uma receita mais antiga – de uma senhora da família judia-sefardi – de biscoitos de alcool que não
demonstra nenhum rigor nas medidas, quantidades, tempo de cozimento, desse modo revelando um
caráter bem mais pessoal da escritora com o seu leitor. Trechos simples como “assucar ao paladar”
ou “vai ao forno”, nos demonstra um grau de intimidade entre os participantes dessa cultura. Como
se o gosto e o ponto dos biscoitos já estivesse (e está) pré-concebido pela memória e proximidade
de uma família e é através dela que essas memórias afetivas serão preservadas. A comida nesse caso
é retratada como narrativa capaz de representar valores coletivos.
Já na segunda receita é analisada através do processo de miscigenação que influenciou na
adaptação de antigas receitas utilizadas cotidianamente a novos gostos (otomanos, muçulmanos etc)
assim como um sentimento dialético de distinção e afirmação em um novo contexto social.
Diferentemente das comidas rituais, ou, pratos-tótem - portadores de grande valor simbólico e,
desse modo, marcadores da identidade do grupo (Contreras, 2007) - , é na comida cotidiana que se
permite a troca e o engendramento de diferentes ingredientes, preparos, utensílios que revelam
fronteiras dinâmicas que passam por constantes processos de ressignificação e preservação de uma
memória/lugar distante. Ao descrever a inserção de um ingrediente fruto da modernidade (molho
de tomate Elefante) comparando-se à receitas antigas, temos um indicativo de que existe a vontade
de adaptação a um novo tempo compartilhado com diferentes etnias.
Denise Amon e Renata Menasche mostram com esse artigo a importância do trabalho
etnográfico para o (re)conhecimento do processo de constante adaptação e dinamicidade pelo qual a
cultura vive. Seja na reconstituição da memória ou na afirmação de uma identidade cultural, a
comida e seu universo – através do olhar antropológico – nos revelam estruturas narrativas ricas
para a compreensão de um presente enraizado no passado mas disposto a colher novos frutos no
futuro.