Resenha

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Resenha: BONANATE, Luigi. A Guerra. Trad. Maria Teresa Buonafina; Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Estação Liberdade. 2001. por: Newton Neves Alves 1 . A guerra, fenômeno extremamente comum na história da humanidade, é um alvo comum para os diversos debates teóricos e intelectuais, meros frutos da atividade de pensamento humana. Desta forma, a caracterização daquele fenômeno descrito é subjetiva em diversas esferas, com alto grau de variação entre os seus pensadores. Variações estas que põem em dúvida o próprio ethos da guerra enquanto importante agente social para as sociedades, pois pode ser interpretada até mesmo como motor da História ( ao menos a violência nela embutida, assim como as razões as quais o conflito se iniciou ) ou como pura e simples catástrofe natural e irremediável. Tendo em vista o parágrafo anterior, este breve texto se dedicará a debater algumas questões gnosiológicas sobre o nosso assunto principal. Para uma melhor abordagem, será feito um recorte em torno de um autor em especial, Luigi Bonanate, devido a sua capacidade de discorrer sobre o tema de forma primorosa através de sua obra “A Guerra”. Primeiramente, sobre o livro citado, é preciso que algumas pequenas observações sejam devidamente consideradas. Luigi Bonanate, em seu texto, buscou primordialmente encontrar algo muito além da simples face ontológica da guerra ( se este fosse o seu objetivo, o livro jamais precisaria ter sido escrito ), pois busca terminantemente a existência em si do fenômeno ( “raison d''etre” ), sua natureza enquanto ele mesmo. É importante frisar também que a forma esquemática utilizada por Bonanate é de simples estrutura, já que se apresenta enquanto perguntas sobre a própria guerra, como “o que é?”, “qual o seu significado?”, “como fazê-la?” e “por que é feita?”. Deve ser dito que embora essas curtas questões sejam aparentemente simples, não demandariam em hipótese alguma respostas com fraco conteúdo reflexivo. E desta forma aprofundada que Bonanate tenta responder as suas próprias dúvidas. Na fase inicial de seu texto, o autor buscou demonstrar e explicar o que vem ser a guerra. Para alcançar tal realização, Bonanate se compromete em utilizar pesquisas historiográficas, assim como utilizações de política, filosofia e estratégia para tal objetivo. Com efeito, a sua caracterização consiste em relações básicas dos indivíduos, sendo fundamental na história da humanidade. Isto é dito, pois o autor afirma que nada consegue ser tão impactante para a vida dos homens do que a constante incerteza, o grande sofrimento e a destruição material sem tamanho ocasionada pelos conflitos militares, independente do sexo e da idade dos seres afetados. Como o Bonanate se comprometeu a discursar sobre tal assunto de colossal complexidade, não é de se surpreender que busque ressaltar o pensamento daquele que considera o maior teórico da guerra, o general prussiano Carl von Clausewitz ( 1790-1831 ). A interpretação que o autor adquiriu ao ler “Da Guerra” é simples, consistindo em três características principais atribuídas ao fenômeno: a sempre

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Resenha: BONANATE, Luigi. A Guerra. Trad. Maria Teresa Buonafina; Afonso Teixeira Filho. So Paulo: Estao Liberdade. 2001.por: Newton Neves Alves1.A guerra, fenmeno extremamente comum na histria da humanidade, um alvo comum para os diversos debates tericos e intelectuais, meros frutos da atividade de pensamento humana. Desta forma, a caracterizao daquele fenmeno descrito subjetiva em diversas esferas, com alto grau de variao entre os seus pensadores. Variaes estas que pem em dvida o prprio ethos da guerra enquanto importante agente social para as sociedades, pois pode ser interpretada at mesmo como motor da Histria ( ao menos a violncia nela embutida, assim como as razes as quais o conflito se iniciou ) ou como pura e simples catstrofe natural e irremedivel.Tendo em vista o pargrafo anterior, este breve texto se dedicar a debater algumas questes gnosiolgicas sobre o nosso assunto principal. Para uma melhor abordagem, ser feito um recorte em torno de um autor em especial, Luigi Bonanate, devido a sua capacidade de discorrer sobre o tema de forma primorosa atravs de sua obra A Guerra.Primeiramente, sobre o livro citado, preciso que algumas pequenas observaes sejam devidamente consideradas. Luigi Bonanate, em seu texto, buscou primordialmente encontrar algo muito alm da simples face ontolgica da guerra ( se este fosse o seu objetivo, o livro jamais precisaria ter sido escrito ), pois busca terminantemente a existncia em si do fenmeno ( raison d''etre ), sua natureza enquanto ele mesmo. importante frisar tambm que a forma esquemtica utilizada por Bonanate de simples estrutura, j que se apresenta enquanto perguntas sobre a prpria guerra, como o que ?, qual o seu significado?, como faz-la? e por que feita?. Deve ser dito que embora essas curtas questes sejam aparentemente simples, no demandariam em hiptese alguma respostas com fraco contedo reflexivo. E desta forma aprofundada que Bonanate tenta responder as suas prprias dvidas.Na fase inicial de seu texto, o autor buscou demonstrar e explicar o que vem ser a guerra. Para alcanar tal realizao, Bonanate se compromete em utilizar pesquisas historiogrficas, assim como utilizaes de poltica, filosofia e estratgia para tal objetivo. Com efeito, a sua caracterizao consiste em relaes bsicas dos indivduos, sendo fundamental na histria da humanidade. Isto dito, pois o autor afirma que nada consegue ser to impactante para a vida dos homens do que a constante incerteza, o grande sofrimento e a destruio material sem tamanho ocasionada pelos conflitos militares, independente do sexo e da idade dos seres afetados.Como o Bonanate se comprometeu a discursar sobre tal assunto de colossal complexidade, no de se surpreender que busque ressaltar o pensamento daquele que considera o maior terico da guerra, o general prussiano Carl von Clausewitz ( 1790-1831 ). A interpretao que o autor adquiriu ao ler Da Guerra simples, consistindo em trs caractersticas principais atribudas ao fenmeno: a sempre presente violncia; a utilizao de uma viso calculista e racional por parte dos comandantes militares; o desfecho imprevisvel ao fim do conflito. Entretanto, Bonanate nos lembra com sucesso de que a guerra, para Clausewitz, no deixava de ser uma mera e simples alternativa ao mtodo convencional da poltica, com o diferencial de que a fora de choque aplicada sem limites entre os dois extremos que realizam o conflito blico, at que a submisso seja a nica sada para um dos dois lados.Todavia, Bonanate deixa claro que o tipo de guerra descrito por Clausewitz no o nico ao longo da nossa histria, utilizando-se de duas exemplificaes posteriores ao terico prussiano: a guerra total ( isto , o redirecionamento de todos os recursos da nao para a indstria blica, visando exclusivamente a sobrevivncia da nao contra os seus adversrios ), como ocorreu com o terceiro Reich durante a Segunda Guerra Mundial; a guerra nuclear, nunca travada, de acordo com o autor.Com o desenvolvimento da histria das guerras no horizonte, o autor desloca o fio da sua argumentao para este tpico. Sendo sinttico, o autor se limita a especificar algumas situaes que permitiram a mutao da guerra dos homens, com alguns destaques. Com relao Antiguidade, Bonanate afirma que a guerra comea a possuir um carter cultural ( j que as constantes locomoes geogrficas abriram caminho para tanto, misturando e integrando diferentes costumes ) e poltico, mas sem perder completamente o carter sagrado e religioso. Na Idade Mdia, as grandes batalhas se iniciavam, a defesa se mostrava superior ao ataque ( como Clausewitz confirmaria, afirma Bonanate ) e a posse dos exrcitos seria atribuda Aristocracia. No incio dos adventos dos diversos Estados Modernos, a cincia seria a responsvel pelo aprimoramento da guerra. Na Idade Contempornea, as guerras comearam a ser feitas por razes de fato inovadoras, gerando guerras de carter nacional e at mesmo ideolgico ( indo alm da esfera religiosa ). Os numerosos e pertinentes exemplos do autor se expandem ao longo de todo o livro, mas no so importantes o bastante para serem alvos de uma maior abordagem neste texto.Um outro aspecto de demasiada importncia na obra de Luigi Bonanate a questo da forma de realizao das guerras. O como se fazer das guerras, de acordo com ele, diretamente influenciado pela estratgia utilizada para a concretizao. A estratgia de guerra o tipo de planejamento ttico e calculista que utilizada com um propsito em especial ( pode ser a vitria, a derrota proposital, retirada estratgica, derrota momentnea para levar o inimigo a uma armadilha, um levante moral nas suas tropas, regulao do abastecimento, a expanso da prpria sobrevivncia etc. ) em meio situao que envolva conflitos diretos ou indiretos contra um ou mais adversrios, que mesmo podendo ser extremamente variveis em uma grande escala, o que alimenta a guerra enquanto violncia.

Prosseguindo com a linha argumentativa, as estratgias se derivam em diversos tipos, indo alm de qualquer definio. Os exemplos de Maquiavel e Sun Tzu, por vezes de acordo, por vezes discordando gravemente, so os exemplos perfeitos disso.No obstante, h dois tipos de fazer estratgico da guerra que devem ser ressaltados. A estratgia indireta se representa atravs de duas palavras de maior grandeza: dissuaso; ameaa. Esta se apresenta enquanto um puro e simples ato que tem como objetivo fazer com que um agente receptor se convena a realizar uma vontade do agente transmissor, enquanto a primeira simplesmente o mesmo percurso dos agentes, mas com a finalidade de desencadear uma no-realizao ou no-cumprimento de determinada ordem. A outra forma de estratgia a direta, possuindo o ataque e a defesa como termos-chave. Alm da auto-explicao sobre ambas, Bonanate demonstra como at mesmo Maquiavel se encontrou em dvida sobre qual das estratgias diretas era superior, chegando a ficar revesando entre o ataque e a defesa, dependendo da situao em que o prncipe em questo se encontrava. Bonanate chega a apresentar a vertente de Clausewitz, onde a defesa seria muito mais fcil em sua execuo do que a posio ofensiva, j que este necessitaria de vantagem no terreno, vantagem de ataque por diversos lados e o imprevisvel e decisivo efeito surpresa. De certa forma, a Guerra de Trincheiras da Primeira Guerra Mundial provou como a defesa pode ser melhor praticvel do que uma ofensiva desvantajosa.A dificuldade em elaborar um acordo cuja escritura seria a idealizao da estratgia perfeita, tambm se encontra presente no momento de justificar as guerras da humanidade ou, pelo menos, explic-las. Para a sede intelectual de Luigi Bonanate, a narrao, a tentativa de explicao de cada guerra em individual, a profunda descrio e a justificao referente aos desencadeamentos de conflitos, so incapazes de devidamente torn-la satisfeita. Bonanate escreve que o historiador s possui um recurso: o de efetivamente estudar os antecedentes do fato histrico estudado ( importante frisar que fato histrico aqui compreendido como qualquer acontecimento ou ato usado de forma exemplificativa por qualquer autor, independente de ser verdadeiro ou no ). Naturalmente, o autor se posiciona contra a nica alternativa que conseguiu visualizar, pois definiu como decepcionante (de fato, o ) a montona explicao dos pressupostos que sempre so perfeitamente capazes de iluminar as suas futuras consequncias, sem dificuldades aparentes. O aspecto terico fator fundamental para este estudante da guerra. Isto se deve, na medida que as teorias so as reais fontes explicativas dos fatos. O contrrio jamais deveria ocorrer.Sobre as suas prprias concluses sobre a razo para o destrinchamento de guerras, Bonanate, se encontra cercado por quase infinitas vertentes. As discordncias apresentadas so de diferentes situaes: o argumento liberal diz em que a renda gerada pela guerra superior ao seu custo direto e agregado, o que justificaria a sua efetivao, em contraste com a argumentao de Lnin, defensor da ideia inversa; a antroploga Margareth Mead se posiciona a favor da tese de que a guerra no e jamais foi uma necessidade biolgica ( nada alm de uma inveno construda pelos homens ), enquanto Tucdides acreditara que o medo, a necessidade e a glria transformavam a guerra em algo imprescindvel para o ser humano; Freud desenvolveu a complexa concepo de que a guerra um tipo de hibridismo decorrente de dois impulsos, ertico e mortal ( Eros e Tnatos ), pois representariam o desejo de proteger a prpria vida contra a vida de outrem e tambm o impulso destrutivo quando voltado para o seu exterior, respectivamente. Contudo, Bonanate considera que as suas prprias informaes no so necessariamente relevantes para definir um fenmeno ao longo de toda a histria da humanidade, com diversas variaes espaciais e temporais que contribuiriam para tornar tal definio cada vez mais complicada.Em um ltimo ponto, gostaria de destacar o debate que se situa em volta do significado existencial da guerra. A partir disso, Bonanate novamente consta a grande incerteza de uma questo referente guerra, porque em sntese: Plato considera a guerra uma manifestao de inutilidade; para de Maistre ela divina; Hegel a julga uma necessidade histrica; Nietzsche exalta-lhe a beleza; Voltaire demonstra-lhe a estupidez; e La Bruyre limita-se a admitir que ela inevitvel ( BONANATE, 2001, p. 141 ).Para uma melhor abordagem da particularidade do sentido existencial da guerra, Bonanate traa um paralelo entre o tpico acima acentuado e a percepo da guerra com os Estados. O sentido disto est justamente em como o Estado v a guerra que pode ou no se originar dentro de sua prpria esfera poltica ou territorial. O escritor apresenta a conceitualizao kantiana de que a ditadura e a democracia so extremamente distintas sobre a relao com a guerra, j que como ocorreu no sculo XX, as democracias no comearam nenhuma das guerras mundiais. Por outro lado, as ditaduras eram relativamente mais belicosas do que os Estados democrticos. Em uma forma geral, Luigi Bonanate apresenta o raciocnio de que a democracia violenta em uma escala inferior do que a dos Estados ditatoriais.Em sntese, o autor procuroudefinir, atravs de diversos autores, as funcionalidades que a guerra apresentaria em torno dela mesma. Passando por questes como o por qu ou o como, Bonanate nos mostra sua plausvel anlise de queno se trata do mero desejo de desencadear a prpria e arraigada violncia, de desencadear a prpria e arraigada violncia, de dar vazo s foras reprimidas em cada um de ns; mas do empenho total, e at mesmo totalitrio, de impor a prpria concepo da ordem futura das coisas a qualquer possibilidade de disputa. ( BONANATE, 2001, p. 165-166 ).

Isto sim a ferramenta mecnica essencial para a poltica exterior; a guerra em seu sentido gnosiolgico e completo.

Bibliografia:BONANATE, Luigi. A Guerra. Trad. Maria Teresa Buonafina; Afonso Teixeira Filho. So Paulo: Estao Liberdade. 2001.CLAUSEWITZ, C. Von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. So Paulo: Martins Fontes. 1996.Notas:1. Newton Neves Alves graduando em Histria ( bacharelado ) pela Universidade Federal do Rio de janeiro.