Representações e práticas em saúde bucal entre os Guarani ... · Guarani Mbyá da aldeia Boa...

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MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA Representações e práticas em saúde bucal entre os Guarani Mbyá da aldeia Boa Vista no município de Ubatuba, São Paulo. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Ciências. SÃO PAULO 2006

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MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA

Representações e práticas em saúde bucal entre os Guarani Mbyá da aldeia Boa Vista no município de

Ubatuba, São Paulo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Ciências.

SÃO PAULO 2006

MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA

Representações e práticas em saúde bucal entre os Guarani Mbyá da aldeia Boa Vista no município de

Ubatuba, São Paulo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria do Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Ciências.

Área de Concentração: Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Carlos Botazzo

SÃO PAULO 2006

Aos meus pais, Hélio e Maria, in memoriam

A minha tia Hilda

Pelo incentivo e amor

Agradecimentos Agradecer é lembrar de inúmeras pessoas que nos ajudaram na

realização deste trabalho.

Em primeiro lugar, meus agradecimentos ao meu querido orientador, prof. Carlos Botazzo, só tenho a agradecer sua elegância e respeito a todos que o cercam.

Aos professores Lúcia Helena Rangel, Paulo Capel Narvai e Marcos Virmond , pelas orientações na banca de qualificação.

As minhas amigas, Maria Lígia Salgado, Ilíria Rossi, Sandra Echeverria Lima, Elvira Toledo, Amneris Maroni pelo apoio e incentivo.

A Maria Inês Ladeira, obrigada pela sua amizade, e preocupação para

que eu conhecesse melhor o povo Guarani.

A Luciene Bosco de Oliveira, pela acolhida a minha proposta de

estudo e ter facilitado meu acesso a aldeia Boa Vista, meu muito obrigada.

A Íris Araujo Barbosa e Valdemar Fernandes da Silva, por sua hospitalidade e generosidade ao me receber em sua casa

A Fernando Semoças e Edgar Portes de Souza, que foram de inestimável ajuda durante meu trabalho de campo.

A minha família, Guilherme, Teresa, Paulo, Alexandre, Rafael, Henrique, Fernanda, Júlia e Heitor.

Agradeço especialmente à minha irmã Cristina e ao meu filho Leonardo, pelo apoio em diferentes momentos e de diversas maneiras.

A toda comunidade Guarani da aldeia Boa Vista, ao cacique Altino e todos os Guarani, meu agradecimento com todo meu coração, por permitir minha presença e proporcionar momentos que nunca vou esquecer , meu muito obrigada.

Resumo

Investiga-se como os Guarani Mbyá, residentes em uma aldeia no

município de Ubatuba, no Estado de São Paulo, mantém suas

representações e cuidados bucais. Os guarani têm entre suas formas de

atenção a utilização de rezas e as ‘boas palavras’ onde nesta maneira

discursiva os mais velhos aconselham os mais jovens da comunidade.

Portanto os ‘conselhos’ são entre outros modos, uma maneira de educar

e cuidar de si. Partindo do conhecimento da cosmogonia guarani

procuramos relacionar com os cuidados corporais e, mais

especificamente, bucais. Para efetuar este estudo, o trabalho de campo

diretamente na aldeia, foi realizado através de método etnográfico , com

observação participante, convívio com a comunidade e a realização de

entrevistas semi–estruturadas além do diário de campo. Durante o

período em que as viagens à aldeia foram efetuadas, os discursos,

conversas informais e observação, serviram de subsídio para esta

investigação.

Os resultados obtidos mostram que o povo guarani não separam os

cuidados bucais do corpo. Utilizam a assistência proposta pela

sociedade nacional, mas procuram manter sua visão de mundo. A visão

de mundo que apresentam, a importância que dão à palavra, são dados

que qualquer profissional que pretenda trabalhar e planejar ações de

saúde com eficácia, dirigidas a essas populações, precisa conhecer.

Palavras chave

Saúde bucal; pesquisa qualitativa; índios sul americanos; grupos étnicos;

prestação de cuidados de saúde

Abstract

It is investigated how the Guarani Mbyá, residents of a village in the city of

Ubatuba, keep they representations and buccal cares. Despite this

community being in intense contact with the national society, the Guarani

fight to keep their customs, traditions, their way of being (ñande reko).

The Guarani's language is one way that the oldest use to advise the

youngest of the community. Starting with the knowlodge of Guarani's

cosmology, we try to relate with the corporal cares, specifically, buccal

cares. To effect this study, the field work directly at the village, was made

through participant comment, conviviality with the community and half-

structuralized interviews. During the period that the trips had been

effected, the speeches, informal talks and observation, had served of

subsidy for this inquiry. The gotten results show that the Guarani people

has full conscience of the necessity to keep their traditions to continue

existing as guarani. The world vision that the Guarani show, the

importance that they give their word, their vision of the Guarani world and

the Juruá world (white people) are informations that any professional who

intends to work and plan health actions with effectiveness, directed to

these populations, need to know.

Key words:

Buccal health; qualitativy research; Sulamerican indians; ethnic groups;

care heath services

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIS – Agente de saúde indígena

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

MS – Ministério da Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

UBS – Unidade Básica de Saúde

SPI – Serviço de Proteção ao Índio.

ONG – Organização não governamental

ISA – Instituto sócio ambiental

CDHU - Companhia de Desenvolvimento e Habitação Urbana

DSEI --- Distrito Sanitário Especial Indígena

SUMÁRIO

1. Introdução ................................................................................................09

2. Os povos indígenas,.................................................................................10

2.1 Os Guaranis......................................................................................14

2,2 A Terra sem Mal................................................................................15

2.3 Nosso modo de ser, as belas palavras..............................................17

3. Política de saúde indígena.......................................................................20

3.1 Saúde Indígena .................................................................................27

4. Objetivos..................................................................................................34

5. Metodologia..............................................................................................35

6. Resultados ..............................................................................................38

6.1 O campo ....... ............................................................................38

6.2 Compreendendo os Guarani .................... ..............................45

6.3 Ouvindo os profissionais de saúde.............................................65

7. Discussão................................................................................................67

7.1 Cuidado de si..............................................................................68

7.2 Modo de curas tradicionais.........................................................71

7.3 Os Guarani e a sociedade nacional............................................74

8. Conclusão................................................................................................77

Glossário.....................................................................................................79

Referências Bibliográficas.........................................................................80

Anexos

1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo conhecer os cuidados e

concepções que os Guarani Mbyá têm em relação ao processo saúde e

doença, seus hábitos e representações. Neste contexto, o objeto privilegiado

de pesquisa deste estudo foi a boca e seus cuidados. Com a mudança no

sistema de saúde dos povos indígenas e a transferência da responsabilidade

para o Ministério da Saúde, mais especificamente na Fundação Nacional de

Saúde, e a posterior implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas,

observamos um crescente interesse por parte dos profissionais de saúde e de

entidades que atuam com essas populações em conhecer a diversidade dos

cuidados com a saúde e doença.

Verificamos neste novo momento da política de saúde indígena, que

todas as propostas de ações vem sendo delineadas com sinceros

“respeitando seus costumes e tradições”.

Mas, quais são estes costumes? Será que a frase tornou-se apenas

retórica? Pensando nesta questão é que buscou–se conhecer e ouvir dos

Guarani quais são seus cuidados com a boca. Se optamos por tal objeto é

porque atuamos neste campo, a saúde bucal.

Não se trata de uma proposta de confeccionar “manuais” de como

atuar, ou de conhecer sistemas “exóticos”, mas conhecer um outro sistema de

saúde. No caso dos povos indígenas, tal sistema convive com o nosso,

dialoga com este, mas inúmeras vezes os sistemas de cura destes povos são

desqualificados.

Após vinte anos de experiência de trabalho com povos indígenas,

saber que existem novos profissionais de saúde interessados em conhecer a

diversidade de concepções sobre a saúde e a doença, é um fato

extremamente positivo.

Mas, mais do que conhecer tais concepções, importa pensar em

profissionais de saúde ou instituições que tenham uma nova proposta de

saúde, baseada na troca de conhecimentos e respeito às concepções

diferentes sobre saúde, doença e cuidados.

Langdon (2004), ao discutir a atenção diferenciada, refere-se ao fato

de não existir capacitação para que os profissionais de saúde possam

trabalhar com outras culturas. A autora afirma:

“(...) os profissionais de saúde deveriam ser capazes de descrever e analisar os modos de existência das pessoas que atendem, evidenciando as diversas formas de auto-atenção praticadas na área de abrangência de seus serviços, em que disputam legitimidade com outros prestadores - formais e informais – de cuidados de saúde (p.43)”

O fato da produção científica na área de saúde bucal, com foco nos

povos indígenas, ser predominantemente epidemiológica e a falta de estudos

qualitativos também norteou esta pesquisa.

É uma proposta de estudo em Saúde Coletiva que transita pela

interdisciplinaridade e busca o conhecimento deste assunto no campo das

ciências sociais, principalmente no campo da Antropologia.

O estudo foi realizado em uma comunidade Guarani-Mbyá situada no

município de Ubatuba, estado de São Paulo, na aldeia Boa Vista, no km 30 da

BR 101 (Rio-Santos). As fotografias são de autoria da autora.

2. OS POVOS INDÍGENAS

Existem no Brasil cerca de 215 nações indígenas com população

aproximada de 345.000 pessoas, ou 0,2% da população brasileira, habitando

diversos estados, conforme dados oficiais da Fundação Nacional do índio

(FUNAI). Este dado populacional não inclui um grande número de indivíduos

que moram fora de áreas indígenas, que segundo avaliação da própria FUNAI

está em torno de 100 a 190 mil pessoas. Recentemente, pesquisa publicada

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou diferenças

nestes dados, com um total na população indígena de 734 mil pessoas, no

ano 2000. Houve uma variação de 149,6% de crescimento; só no estado de

São Paulo, 18.692 pessoas auto-declararam-se indígenas. Na ocasião da

divulgação destes dados, analistas do próprio IBGE, da FUNAI e de

organizações não governamentais (ONG), levantaram algumas hipóteses

para esta diferença de dados. Uma delas seria a de que pessoas estariam

vencendo preconceitos, principalmente as que moram em área urbana, e se

declarando indígenas. A FUNAI trabalha com populações aldeadas, não

levando em conta em seus dados estatísticos os índios que vivem em centros

urbanos. Citamos estes dados diferentes por se tratar de aspecto importante,

mas que merece aprofundamento em outro estudo.

Quando dizemos nações isto corresponde ao termo mais apropriado,

pois cada população denominada Guarani, Xavante ou Yanomami forma um

grupo de indivíduos que residem em comunidades onde são faladas línguas

diferentes, têm costumes, mitos e tradições próprios.

Como afirma Cherobim (1986), sociedades indígenas são sociedades

igualitárias, não estratificadas em classes sociais e sem distinções entre

possuidores de meios de produção e da força de trabalho.

O fato é que utilizamos os termos “Integrados” ou “aculturados”

quando nos referimos a grupos étnicos em contato com a sociedade nacional.

Mas, o que significam tais denominações? Integrar uma cultura a outra?

Absorver outra cultura?

A discussão sobre raça, etnia e identidade é tema que há muito vem

sendo objeto das mais diferentes disciplinas. Se é tema de estudo do campo

das ciências sociais, este também tem sido objeto na área da saúde, onde

pesquisadores hoje relacionam etnia e condições de saúde e vida.

Segundo Torres (2001), o termo etnia se refere aos fatores de ordem

cultural e religiosa que permitem visualizar a existência de um povo e, por

vezes, de uma nação.

Lévi-Strauss (1960), ao discutir o tema “Raça e História“ afirma:

“(...) quando falamos (...) de contribuição das raças humanas à civilização, não queremos dizer que as contribuições culturais da Ásia ou da Europa, da África ou da América tenham alguma originalidade pelo fato desses continentes serem totalmente povoados por habitantes de origens raciais diferentes. Se essa originalidade existe – e não há dúvidas quanto a isso – ela se refere a circunstâncias geográficas, históricas e sociológicas, não a aptidões distintas relacionadas com a constituição anatômica ou fisiológica dos negros, amarelos ou brancos.” (p.232).

Mais adiante ele afirma que:

‘’a diversidade das culturas humanas não nos deve convidar a uma observação fragmentada. Ela é menos função do isolamento dos grupos que das relações que as unem.” (p.236)

Este autor, ao discutir a dificuldade que a noção de humanidade tem

ao englobar, sem distinção de raça ou de civilização, nos mostra como em

diferentes sociedades o conceito de ‘humano’ ou ‘homem’ é aplicado apenas

àquela sociedade e o “outro” não é considerado humano. Segundo ele:

“(...) surgem curiosas situações onde dois interlocutores combinam cruelmente a réplica. Nas Grandes Antilhas, alguns anos após o descobrimento da América, enquanto os espanhóis enviavam comissões de investigação para estudar se os índios possuíam ou não uma alma, esses últimos empenhavam-se em afogar prisioneiros brancos a fim de verificar, por uma observação prolongada, se seu cadáver estava ou não sujeito à putrefação. Essa estória, ao mesmo tempo barroca e trágica, ilustra bem o paradoxo do relativismo cultural (...) é na medida mesma em que se pretende estabelecer uma discriminação entre as culturas e os costumes que nos identificamos mais completamente com aquelas que tentamos negar. Ao negar a humanidade aos que aparecem como os mais “selvagens” ou ‘bárbaros’ apenas lhes tomamos uma de suas atitudes típicas. O bárbaro é, em

primeiro lugar, o homem que acredita na barbárie.” (p.237).

Carlos Rodrigues Brandão em seu livro ”Identidade e etnia” (1986),

discute o conceito de ‘pessoa’, ‘etnia’ e ‘identidade’. Na conclusão ele diz:

“(...) considerei o grupo étnico como um tipo organizacional peculiar culturalmente diferenciado de outros. Uma categoria de articulação de tipos de pessoas que, por estarem historicamente unidas por laços próprios de relações realizadas como famílias, redes de parentes, clãs, metades, aldeias e tribos, e por viverem e se reconhecerem vivendo em comum um mesmo modo peculiar de vida e representação da vida social, estabelecem para eles próprios e para os outros as suas fronteiras étnicas, os seus limites de etnia.” ( 1986, p.145)

Para este autor, portanto, um grupo existe como étnico quando

preserva a sua própria identidade constituída com repertórios articulados de

idéias, crenças e valores.

Aculturação segundo Brandão,

“é o processo através do qual culturas intercambiavam ‘traços’ e ‘complexos” culturais, de tal sorte que os de uma delas, mais forte, mais impositiva, envolviam os da outra e do encontro surgia uma nova cultura co-participada por dois grupos sociais diferentes.” (1986)

Os Guarani são entre muitos povos indígenas, dos que têm contato

com os “brancos” desde o descobrimento do continente sul-americano.

Seu fim enquanto povo foi anunciado por diversas vezes, no entanto,

apesar de um olhar desatento considerá-los “integrados” ou “aculturados”

nada mais distante é tal afirmação pois mantêm sua cultura, ou sua etnicidade

por meio da língua, mitos e tradições.

2.1 Os guaranis

O contato dos Guarani com a sociedade ocidental data da época da

conquista do continente americano. Os cronistas de então costumavam

designar aleatoriamente grupos indígenas que falavam a mesma língua e que

encontravam na Costa Atlântica até a região do Paraguai.

Segundo Ladeira (2001) Cabeza de Vaca, quando nomeado

governador da província do Rio da Prata, em 1541, em seus “Comentários”

refere que “essa nação dos guaranis fala uma linguagem que é entendida por

todas as outras castas da província.”

Os Guarani são estimados em 25.000 pessoas vivendo nos estados

do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro,

Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Habitam também o Paraguai, nordeste

da Argentina e norte do Uruguai.

As diferenças dialetais e nos costumes definiram a referência a três

denominações dos guarani: os ñandeva, os mbyá e os kaiowá, segundo os

etnólogos e antropólogos estudiosos do povo guarani.

Atualmente, no Brasil, os Ñandeva e os Mbyá compõem a maior parte

das aldeias do litoral dos estados do sudeste, e os kaiowá residem no estado

do Mato Grosso do Sul.

Ainda segundo Ladeira, os Ñandeva eram a maioria da população

guarani do litoral de São Paulo nas primeiras décadas do século XX, e os

Mbyá passaram a ser maioria a partir da década de 1960, sendo que em

algumas aldeias a população é composta de descendentes de casamentos

entre Ñandeva e Mbyá. (2001,p.65).

A bibliografia sobre os Guarani é extensa. Os aspectos religiosos,

culturais e sociais desta sociedade foram e são amplamente estudados por

antropólogos e profissionais das Ciências Sociais.

Em 1914, Curt Unkel publica sua obra sobre sua convivência de cinco

anos entre os ñandeva-guarani e embora não tendo formação acadêmica,

viveu intensamente com os guarani, tendo recebido deles o nome

Nimuendaju, nome que adotou e ficou conhecido, Curt Nimuendaju. Este

autor observou que os guarani tinham um nomadismo certo, isto é, tinham um

objetivo em seus deslocamentos: chegar próximo ao mar.

Esta migração em direção ao mar ganhou a expressão Terra sem

Mal, na literatura etnográfica Guarani Yvy marãey.

2.2 A Terra sem Mal A busca da Terra sem Mal é um dos temas mais caros no estudo da

cultura guarani. Como afirma Ferreira Lopes (2001):

“uma vez que é impossível tratarmos do corpo sem entender a concepção de alma e a relação que esta mantém com o mesmo, ressaltaremos o papel central que esta noção desempenha no destino de todo Guarani: o destino da alma guarani é alcançar e viver na Terra sem Mal.”(idem, p.57)

A Terra sem Mal representa um paraíso terrestre que pode ser

alcançado antes da morte, quando a pessoa atinge o estado de aguydjê,

estado de perfeição. Para lá encaminham-se as almas dos mortos. Segundo

diversos autores, a maioria dos relatos indica que a Terra sem Mal fica a

leste. Por isso existia a migração dos guarani em direção ao mar.

Segundo Schaden (1974):

“a concepção fundamental de que deriva a crença no Paraíso é o aguydjê, que se pode traduzir por bem aventurança, perfeição e vitória (...) para o guarani o aguydjê corresponde ao próprio fim e objetivo da existência humana. Neste sentido costuma ser concebido de maneira concreta como felicidade paradisíaca no Além, que, em princípio, todos almejam alcançar sem antes morrer e cuja obtenção depende principalmente do cumprimento de umas tantas prescrições religiosas, “morais” ou simplesmente mágicas. Em sua origem, a representação mítica propriamente dita se reduz a uma espécie de Ilha da Felicidade no meio do longínquo oceano, aonde se chega com o auxílio

de uma grande corda ou de outra forma, e onde não se conhece a morte;” (idem, p.164)

Ladeira (2001), ao discutir o significado da expressão Terra sem Mal,

busca na semântica do termo em Guarani o que Yvy Marãey quer dizer:

“(...) o conteúdo talvez mais significativo de Yvy Marãey, reside, para mim, na condição de eternidade contida na própria semântica da expressão [yvy = terra, marãey = que não acaba, não estraga, não adoece]. (...) Yvy Marãey, a terra onde nada tem fim, é composta por elementos originais que não se esgotam “ (p.147).

Segundo Schaden (1974), esta concepção existe entre os três grupos

Guarani, pois o caráter fundamental é “(...) tratar-se de um lugar de

segurança, cujos moradores estão livres sobretudo das doenças e da morte.”

(p.165).

Nesta obra, o autor afirma que apesar dos outros grupos Guarani

(Kaiowá e Ñandeva) terem esta concepção, os Mbyá é que faziam da busca

deste lugar o objetivo principal de suas vidas, migrando em direção a leste e

construindo suas aldeias em terras próximas ao mar.

O fato dos Mbyá não aceitarem indivíduos mestiços e valorizarem os

usos e costumes dos antepassados, é um dos motivos do mito estar tão

presente para este autor.

Yvy Marãey ou Terra sem Mal, significa para os Guarani uma vida

sem sofrimentos, sem as dificuldades que existem aqui na terra.

Ladeira (2001) cita um depoimento sobre yvy marãey:

“eu não sei como é yvy marãey, mas vou falar um pouco como estou imaginando (...) uma terra boa, yvy porã, com um vento bom (...) eu vejo que Nhanderu retã é um lugar bonito, não há tristezas (....) em yvy marãey, todos se levantam bem e se cumprimentam com alegria (...) lá não existe doença, sempre tudo é sadio, porque tudo é marãey (p.154)

2.3 Nosso modo de ser, as belas palavras

Conforme Schaden (p.115), para os Guarani Mbyá o ser humano é

dividido em txeretê ( meu corpo) e txeñeë (meu espírito, ou segundo o autor,

minha língua, ou fala). Os Guarani Mbyá admitem a existência de três almas,

duas boas e uma ruim. Para o autor, ñeë é parte integrante do indivíduo, e a

sede das almas, é o corpo todo. Não existe para o Guarani o conceito cristão

de alma, que será julgada de acordo com a conduta do indivíduo.

Para o Guarani a alma é repartida em inclinações sociais e anti-

sociais. Quando a pessoa morre a parte boa da alma ingressa no Paraíso e a

parte má fica andando na terra, os anguêry, espécie de assombração.

O modo de ser (ñande reko) constitui uma grande preocupação na

vida guarani, é uma expressão, um ideal a ser atingido.

Ñande pode ser traduzido como “nosso”, no sentido de socialização e

teko pode ser entendido como “modo de ser”, “costume”. Modo de ser que

contém uma série de normas de condutas e valores éticos que rege os

relacionamentos sociais e também o comportamento individual, sendo que

tekoá pode também ser definido como o lugar em que vivem de acordo com

seus costumes (Meliá et al,1976, p.187)

Segundo Meliá, para os guarani alguns comportamentos são

considerados graves. As principais infrações a este código de comportamento

são: a violência e outras infrações da ordem social como, por exemplo, o

adultério e a ofensa.

Quando o autor refere-se à violência, cita principalmente a cólera, ao

estado de raiva, reações que para os guarani têm que ser controladas pois

este desequilíbrio representa o domínio das tendências animais no homem.

Para viver no modo de ser (ñande reko) a pessoa deve escutar o que

dizem os mais velhos, praticar as rezas, ouvir os relatos míticos.

Assim, a grande questão é equilibrar as manifestações e controlar as

tendências que o tornam imperfeito. Uma pessoa colérica, violenta (quente)

se opõe ao modo de ser, deixando, no limite, de ser guarani. O modo de ser

guarani implica ser calmo, não fazer as coisas só para si, saber conduzir-se

como os costumes dos antigos.

Segundo Chamorro (1998) tristeza “(...) é crescer sem escutar

ninguém, sozinho, sem reza e sem os versos dos antigos, é crescer ao vento,

é crescer à toa”, informando assim o que acontece quando a criança cresce

sem aprender o costume guarani. A educação da criança guarani passa,

portanto, pelo poder da palavra, ou da prática em escutar o que dizem os

mais velhos.

As rezas evocam os acontecimentos míticos onde contam a origem

das coisas. São as belas palavras. Conforme Hélene Clastres:

“as belas palavras são as palavras sagradas e verdadeiras que só os profetas sabem proferir, são a linguagem comum a homem e deuses; palavras que o profeta diz aos deuses ou, o que dá no mesmo, que os deuses dirigem a quem sabe ouvi-los. Ayvu porã, a bela linguagem (é assim que os mbyá designam o conjunto das suas tradições sagradas), é com efeito a que falam os deuses, a única também que apreciam ouvir. Sua especificidade é marcada por um vocabulário que lhe é próprio: certo número de termos que encontramos nos ayvu porã e que traduzem noções abstratas (completude, força espiritual e outros) nunca são empregados na linguagem corrente e não possuem equivalente nesta; seu sentido e uso são exclusivamente religiosos. Além disso, para nomear certo número de objetos, a bela linguagem utiliza sempre metáforas e não termos que designam correntemente estes objetos. Assim, a fumaça do tabaco é a “bruma mortal”, “esqueleto da bruma” é o cachimbo, “florzinha do arco”, a flecha, “o que os vossos dedos afloram” é a expressão adotada pelos deuses para o trabalho da plantação. Diferente do registro cotidiano, que

se limita a designar as coisas, só a bela linguagem as nomeia.” (1975:86-7).

Segundo Ferreira (2004) as “belas palavras” são reconhecidas pela

entonação da voz da pessoa que fala, que caminha no ritmo e na cadência da

palavra proferida. São palavras que, inspiradas pelos deuses, têm o poder de

emocionar as pessoas (p.100).

Os cantos têm sempre caráter religioso, todos são chamados de

ñembo’e: incluídos nestes, a palavra, a oração, o canto, a invocação

medicinal. Existe canto (porahêi) para todas as ocasiões. Geralmente são

recebidos em sonhos. As vezes são recebidos na puberdade, outras só na

idade adulta. Schaden relata como os Guarani são ciosos de suas cerimônias,

não permitindo que pessoas estranhas assistam à elas (p.120).

Entre os Guarani não existe o conceito de propriedade em relação às

terras, ao espaço de viver. As terras que abrigam muitas ou mesmo poucas

famílias são consideradas território Guarani (Ladeira, 1988).

As aldeias consistem em casas isoladas, mais ou menos distantes

umas das outras. Não existe um “centro“ da aldeia, a não ser que nesta

condição se possa considerar a “casa de rezas”, a opý, que fica perto da casa

do cacique.

As casas Guarani se distribuem espacialmente de acordo com o

convívio estreito da família nuclear, sendo proporcional ao grau de

parentesco. Geralmente são feitas de pau-a-pique, com o formato de duas

águas, com pequenas janelas. As aldeias mais antigas no litoral de São Paulo são as de Itariri e Rio

Branco. Os Mbyá que vieram do sul em princípio moraram nessas duas

aldeias e depois de algum tempo migraram para o litoral norte e fundaram

suas próprias aldeias. Primeiro a aldeia do Rio Silveira, em São Sebastião. A aldeia Boa

Vista originou-se de uma cisão política entre os guarani residentes no Rio

Silveira, um grupo familiar liderado por uma líder religiosa, mudou-se para o

sertão do rio Promirim, em Ubatuba, onde seus filhos e netos vivem até hoje.

A aldeia fica ao norte da cidade de Ubatuba, no km 30 da estrada que

liga Ubatuba a Paraty. As terras da aldeia estão situadas num vale, e

totalmente compreendidas no Parque Estadual da Serra do Mar. O decreto de

homologação, 94.220/87, reconhece como terra indígena uma área de 920,66

hectares.(Ladeira, 1988).

Atualmente a aldeia Boa Vista é composta por 30 famílias, em um

total de 135 pessoas, que moram em suas casas distribuídas ao longo da

montanha.

Tanto a aldeia de Boa Vista como a do rio Silveira, foram formadas de

modo independente da existência de postos indígenas da FUNAI. O que

importava aos Guarani Mbyá era o lugar escolhido para viver, reconhecido

como território guarani e a proximidade do mar.

Os postos indígenas próximos a estas aldeias foram instituídos em

1987. Na aldeia Boa Vista foi instalada uma enfermaria e atualmente uma

funcionária da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) que é auxiliar de

enfermagem, mora na residência existente ao lado desta.

3. POLÍTICA DE SAÚDE INDÍGENA

Desde o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910,

os povos indígenas do Brasil foram tutelados pelo Estado. O SPI, órgão

federal responsável pela proteção ao índio que era vinculado ao Ministério da

Agricultura, foi extinto em meio a:

“inúmeras denúncias envolvendo escândalos administrativos, com diversos funcionários acusados de facilitar invasões de terras indígenas e expropriação das mesmas.” (Bittencourt et al, 2005).

O novo órgão, denominado Fundação Nacional do Índio (Funai), surgiu

em 1967 no início dos governos militares, inicialmente vinculado ao Ministério

do Interior e depois ao Ministério da Justiça. O Estatuto do Índio, de 1973,

afirmava a tutela do índio pelo Estado e o propósito de integração das

diferentes etnias na sociedade nacional, mantendo assim o ideal “positivista”

e etnocêntrico.

Com a Constituição de 1988, pela primeira vez o Estado reconhece

aos povos indígenas o direito à diferença e o respeito aos seus costumes e às

suas tradições. O artigo 231 afirma:

“são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

O artigo 232, por sua vez, afirma que

“os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”

Com isso a Constituição de 1988 reconheceu a diversidade dos povos

indígenas e estabeleceu novas bases para as comunidades indígenas e

assim ultrapassando a antiga figura jurídica da tutela.

Em relação à saúde indígena, a Funai propôs uma extensa

normatização, onde são previstos proteção à saúde do índio, convênios com

prefeituras e universidades. Esta política, porém, nunca foi de fato implantada.

A assistência sempre ficou na dependência da boa vontade dos profissionais

de saúde, das equipes volantes previstas em cada delegacia regional, e do

acesso que os funcionários da Funai conseguiam em maior ou menor grau

em diversas entidades prestadoras de serviços médicos.

Como bem relata Almeida (1988):

“por parte de governos ou entidades religiosas em diferentes momentos e maneiras foram realizadas iniciativas e programas visando dar atendimento e assistência a saúde das populações indígenas. Via de regra, implantam-se instalações e infra-estruturas nas áreas indígenas para onde são destinados responsáveis, os atendentes ou enfermeiros. Na maioria dos casos estas iniciativas resumem-se a ‘dar remédios’ aos índios (...) essas iniciativas não têm apresentado resultados positivos. Há falta de recursos financeiros, pouco treinamento e acuidade no trabalho dos agentes (...) sem continuidade e sem avaliação de eventuais resultados.” (idem, p.28-9)

A partir das Conferências Nacionais de Proteção à Saúde do Índio, a

primeira em 1986, a segunda em 1993 e a terceira em 2001, a proposta de

mudança da política de saúde para os povos indígenas tomou força, com a

participação de diversas entidades, profissionais de saúde, antropólogos e

lideranças indígenas. Vale ressaltar que a primeira delas deu-se como

desdobramento da Oitava Conferência Nacional de Saúde, que reuniu pela

primeira vez representantes de várias nações indígenas, órgãos públicos e da

sociedade civil que atuavam em apoio da causa indígena.

Para divulgar a importância da Conferência de 1986 e as propostas

resultantes, foi publicado um número especial da revista do Centro Brasileiro

de Estudos de Saúde – CEBES.

Em seu editorial, o CEBES afirma:

“A importância da divulgação dos mesmos [textos] reside no fato de que os problemas de Saúde do Índio e a assistência a eles guarda uma grande especificidade. Mais, no momento em que estamos diante da emergência de realização da Reforma Sanitária como instrumento de universalização da assistência à saúde, torna-se imprescindível que o debate sobre o índio não fique restrito apenas aos poucos profissionais que têm dedicado suas vidas à assistência a estas populações. É, portanto, de fundamental importância que este debate seja ampliado e conte com o respaldo de setores da

sociedade brasileira, tais como as escolas de formação de profissionais de saúde, entidades de representação da sociedade civil, e os órgãos do Estado responsáveis pela saúde e sobrevivência física e cultural das 180 nações que ainda sobrevivem no país, em que pese os quase quatro séculos de tentativas de extinção.” (CEBES, 1988 p.3)

Na conclusão da I Conferência, entre outros princípios, afirma- se:

“(...) no caso de saúde indígena, este conceito implica em considerar (...) que o acesso das nações indígenas e ações e serviços de saúde, bem como sua participação na organização, gestão e controle dos mesmos, respeitadas as especificidades etnoculturais e de localização geográfica, é dever do Estado.” (idem, p.60)

A Conferência de 1993, agora denominada Conferência Nacional dos

Povos Indígenas, ampliou e consolidou a discussão com as diferentes

entidades profissionais e representantes de nações indígenas sobre a política

de saúde que lhes cabia. A introdução do relatório final diz que:

“(...) esta II CNS-PI teve como objetivo a definição das diretrizes da Política Nacional de Saúde para os Povos Indígenas e a atualização em novas bases das recomendações da I Conferência, de 1986, em conformidade com o processo de consolidação do SUS, e incorporação no mesmo de um subsistema diferenciado de saúde para os povos indígenas”. (p.1)

A formação de um subsistema de saúde diferenciado para os povos

indígenas foi amplamente debatido e a proposta de criação do Distrito

Sanitário Especial Indígena (DSEI) foi detalhada, em conformidade com o

SUS, tendo características como: base territorial de acordo com critérios

geográficos e étnicos, controle social exercido pelos Conselhos Distritais de

Saúde Indígena, existência de rede de serviços com equipes de saúde.

O governo federal procurou estabelecer regras com base nas

proposições das Conferências. Esta transição de modelo não aconteceu de

maneira tranqüila. Como afirma Moreira (2002):

“(...) esse processo enfrentou graves problemas, principalmente a brutal resistência da FUNAI à transferência. Associada a uma série de outras circunstâncias, essa resistência fez com que, em 1994, a situação fosse revertida por meio do Decreto n.1.141, que tornou a atribuir à FUNAI a responsabilidade pela saúde indígena, em uma divisão de atribuições que piorou sensivelmente os problemas (...) criando-se uma situação de dubiedade, um “jogo de empurra” no qual a Fundação Nacional de Saúde ficou com a responsabilidade sobre algumas ações de prevenção, controle de vetores, vacinas e saneamento; e a FUNAI, sobre a assistência, a mais complicada, pesada e onerosa. Em 1997, o Ministério Público começou a interferir, dando um parecer bastante claro sobre o fato de, do ponto de vista constitucional, a responsabilidade ser do Ministério da Saúde.”(p.102).

Finalmente, com a Lei 9836, de 23 de setembro de 1999, a chamada

“Lei Arouca”, o Subsistema de Atenção a Saúde Indígena foi criado e incluído

no Sistema Único de Saúde (SUS). De modo geral, a instituição deste

Subsistema incorporou as propostas da II CNS-PI de 1993, dentre outras a

criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

A portaria 852 da Fundação Nacional de Saúde de 30 de setembro de

1999, criou a figura jurídica dos DSEIS. Obedecendo os propósitos de

fundação de cada Distrito foram formados 34 Distritos Sanitários Especiais

Indígenas (DSEIS) no país, conforme mostra o mapa. Os Guarani estão

assistidos pelo DSEI Litoral Sul, (17).

Assim, uma importante mudança deu-se na Política de Saúde

Indígena, pois pela primeira vez, desde a criação de órgãos responsáveis,

como SPI e FUNAI, as ações de saúde, vigilância epidemiológica e

assistência, ficou sob a responsabilidade do Ministério da Saúde,

especificamente na Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).

Pellegrini (2000), sobre essa transição dirá que:

“(...) a indefinição de uma política de saúde formulada com base na multiplicidade de fatores envolvidos no processo de adoecer e buscar tratamento das pessoas indígenas, comprometia o acesso dessa população aos serviços de saúde e impedia a implantação de ações de saúde com resultados efetivos. Além de ignorar as diferentes inserções históricas e geográficas na sociedade nacional, línguas e modos próprios de perceber e agir no mundo, a pouca cobertura dos serviços de saúde disponíveis era agravada pela insuficiência

de recursos para execução das ações, especialmente na Funai, órgão do Ministério da Justiça que não dispunha de recursos para assistência a saúde. Enquanto isso, a população era acometida por infecções respiratórias e intestinais, malária, tuberculose, DST e doenças preveníveis por vacinação evidenciando um quadro sanitário caracterizado pela alta ocorrência de agravos que poderiam ser significativamente reduzidos...” (ISA, abril/2000)

Por outro lado, e acerca do mesmo problema, o editorial do Caderno

de Saúde Pública (2001) afirma que:

“(...) a área da saúde indígena está atravessando uma fase singular no Brasil. O momento atual caracteriza-se por alterações profundas que englobam desde aceleradas transformações em perfis epidemiológicos até a reestruturação do sistema de assistência à saúde indígena (...) mesmo que transbordem evidências quanto às condições de marginalização sócio-econômica, com amplos impactos sobre o perfil saúde-doença, muito pouco se conhece sobre a saúde dos povos indígenas no Brasil, ainda mais se considerarmos a enorme diversidade sócio-cultural e de experiências históricas de interação com a sociedade nacional.” (p.258)

A III Conferência Nacional de Saúde Indígena aconteceu em maio de

2001, já sob responsabilidade da Funasa.

No relatório final, nos princípios gerais, diz:

“(...) cada povo indígena tem suas próprias concepções, valores e formas próprias de vivenciar a saúde e a doença. As ações de prevenção, promoção, proteção e recuperação de saúde devem considerar esses aspectos, ressaltando os contextos e o impacto inter-étnico vivida por cada povo. (Brasil, 2001)

Entre outros princípios, como garantia da demarcação de terra,

educação, importância das organizações locais para a implantação do modelo

de atenção à saúde, a III Conferência reforçou este novo modelo de saúde.

Em janeiro de 2004, a Fundação Nacional de Saúde editou a portaria

70 alterando a relação com as entidades parceiras, que prestam assistência

aos diversos povos indígenas nos DSEIS. Segundo a Funasa, a portaria

“transfere de direito e de fato para a Funasa a responsabilidade pelas ações

de saúde indígena” (FUNASA, 2005) e afirma também que reforça a Lei 8080,

(Lei Orgânica da Saúde) e a lei Sérgio Arouca, (Lei 9836), de 1999, que

instituiu o Subsistema de Saúde Indígena.

Além de alterar a relação com as chamadas parceiras, ou

conveniadas, a portaria estabelece metas gerais de indicadores de saúde

para 2004, dentre as quais reduzir a mortalidade infantil em 15%, implantar

serviços de saúde bucal, de saúde da mulher, e fazer o controle e prevenção

de DST/AIDS e da saúde mental em todos os distritos.

Segundo a Funasa, com esta portaria o Subsistema de Saúde

Indígena ficou sintonizado com o Sistema Único de Saúde (SUS). A alteração

fundamental foi em relação à liberação de verbas, antes semestral, e agora

mensal após a prestação de contas e a transferência da responsabilidade de

compras de medicamentos, combustíveis e outros insumos para a Funasa.

3.1 Saúde Indígena

Em relação ao perfil de saúde e doença dos povos indígenas,

encontramos estudos sobre perfis epidemiológicos de doenças que

acometem essa população, como tuberculose, malária e doenças crônicas

como diabetes e hipertensão. Encontramos na área das Ciências Sociais,

particularmente na Antropologia, estudos que buscam compreender as

representações simbólicas sobre cura, processo saúde e doença.

Recentemente verificamos o início de estudos interdisciplinares,

principalmente no campo da Saúde Coletiva, levando em conta a

determinação social da doença, entre outros princípios.

Em relação à saúde bucal, predominam estudos epidemiológicos

sobre cárie dentária e doenças periodontais em diferentes etnias. De fato, não

encontramos nenhum estudo sobre auto percepção em relação à boca ou

cuidados da medicina tradicional entre os diferentes povos, ou mesmo como

determinado grupo indígena cuida de seus problemas bucais.

Fratucci (2000), ao revisar a literatura sobre a situação da saúde

bucal em populações indígenas, relacionou vinte e quatro pesquisas em

diversas etnias, a partir de 1948 até 1992. Encontrou numerosos estudos

isolados ou com metodologias diferenciadas e apresentou um amplo quadro

sobre trabalhos publicados onde predominam dados sobre cárie dentária,

doença periodontal e má oclusão. (p.22-24)

A mesma autora apresenta em sua pesquisa diagnóstico de saúde

bucal em uma população Guarani Mbyá de São Paulo. O estudo foi feito por

meio de levantamento epidemiológico onde a autora pesquisou dados sobre

cárie dentária, doença periodontal, má oclusão e uso e necessidade de

próteses. Em relação a cárie dentária, a autora encontrou índices menores

comparando-se aos índices encontrados em pesquisa semelhante realizada

no estado de São Paulo em 1998. Alerta a autora que, apesar do indicador

encontrado,

“nenhum esforço foi instituído neste sentido. Essas populações, como já observado na revisão da literatura, apresentam tradicionalmente índices mais baixos que a sociedade nacional.” (p.92).

Guimarães (2000), pesquisou a prevalência de cárie dentária em

populações indígenas Fulni-ô. Examinou 30% da população, e aos 5 anos de

idade, encontrou em média 4 dentes atacados por cárie, sendo que apenas

27% dos índios nesta idade apresentavam-se livre de cárie.

Arantes (2001) apresenta pesquisa epidemiológica em saúde bucal,

realizada em 1997 na comunidade Xavante. A comparação dos resultados

com levantamentos realizados em 1962 e 1991 revelou uma tendência de

deterioração das condições de saúde bucal. Os valores de CPO-D

encontrados nos Xavante são considerados baixos, mas os resultados

apontam uma tendência para deterioração da saúde bucal dessa população,

ao contrário do que se tem observado em estudos epidemiológicos em outras

regiões do Brasil.

Arantes também aponta que apesar de não haver uma forma de

higienização bucal sistemática nos Xavante, o Índice Periodontal Comunitário

sugere baixa ocorrência de doença periodontal em estágios avançados,

sendo também pouco expressiva a ocorrência de bolsas periodontais e

mobilidade de dentes mesmo entre os mais idosos. O autor conclui que é

importante implementar programas preventivos visando difundir a prática da

higienização sistemática e o uso de dentifrícios fluoretados.

Coelho (2002) pesquisou a prevalência de lesões traumáticas na

dentição permanente em crianças e adolescentes entre os índios Maxakali e

Krenak. Entre os Krenak, 27,6% apresentaram traumatismo dentário e 6,6%

dos Maxakali apresentaram traumatismo.

Santos (2002) estudou a prevalência de alterações na mucosa bucal

entre os Waimiri-atroari. No total de pessoas examinadas, 61,7%

apresentaram alterações de diferentes tipos.

Segundo Santos, a hiperplasia epitelial focal, lesão característica de

populações indígenas, foi observada em 20,96% desta população, índice

considerado de alta prevalência, sem associação com sexo ou idade.

Galati (2003), realizou inquérito epidemiológico para cárie dentária

entre caiçaras e em um grupo de Guarani habitantes da região da Estação

Ecológica Juréia-Itatins, em Iguape, no estado de São Paulo. Foram

examinados 17 Guarani Mbyá da aldeia Paraíso. A autora justificou o número

reduzido de pessoas participantes da pesquisa, pois se no início do estudo

existiam 51 pessoas residentes na aldeia, ao retornar a pesquisadora

encontrou-se apenas 35, sendo que os outros haviam migrado para outras

aldeias. Destes, apenas 17 aceitaram participar da pesquisa. Pelo fato da

amostra ser pequena, a autora optou em apresentar análise descritiva e

pesquisa sobre acesso a atendimento odontológico. Os resultados

encontrados, foram, dentre outros:

“(...) 70% tinham recebido assistência odontológica, uma vez na vida. Alguns deles relataram ter recebido instrução em higiene bucal. Grande parte continuava a não escovar seus dentes, mesmo com a orientação que lhes foi dada, e com as escovas que lhe foram doadas. Todos os índios apresentavam pelo menos 2 sextantes com tártaro, ou seja, com alterações periodontais, conseqüência de anos sem a prática da escovação dental. Todos apresentaram uma quantidade significativa de cárie dentária” (p.109).

Arantes (2003), ao analisar a saúde bucal nos povos indígenas,

afirma:

”(...) no Brasil estudos com populações indígenas são esporádicos, restringindo-se quase sempre a trabalhos transversais e com amostras pequenas. Desse quadro resulta uma grande escassez de informações quantitativas e qualitativas sobre o estado de saúde bucal das populações indígenas no Brasil” (p.52).

Encontramos trabalhos publicados sobre saúde bucal dos povos

indígenas onde os autores apontavam alguns costumes relacionados à boca.

Guerra (1988), descreve fatos relativos ao povo Ticuna:

“(...) os Ticuna é um povo que no passado dedicava especial atenção aos dentes. Tinham o costume de apontá-los, limando-os, separando-os e aumentando a zona de auto limpeza. Diferenciavam os dentes, dando nomes diferentes para cada grupo de acordo com sua função. Sempre lavavam a boca após a ingestão de alimentos...”. (idem, p. 42)

Selau et al (1988), observam em relação ao contato com a sociedade

nacional:

“(...) não é novidade que quanto mais isolada melhor a dentição de uma população indígena (...) não só a mudança alimentar altera profundamente a saúde dentária, mas também a alteração de outros hábitos culturais. Os Yanomami, além de normalmente terem uma alimentação bem fibrosa e dura, utilizam os dentes como alicate, tesoura, para cortar cipó para confeccionar cestos.” (idem, 52-9)

Diante da literatura encontrada procuramos ampliar os estudos sobre

saúde bucal nestas populações, relacionando outros fatores que são

importantes, como saber de que maneira os índios cuidavam de seus

problemas de saúde. Como afirma Minayo, (1991),

“(...) o termo saúde, é carregado de múltiplos significados e isto conduz necessariamente a uma questão epistemológica crucial – nenhuma disciplina por si só dá conta desse objeto.” (idem, p.70-7)

Ao mencionarmos os cuidados bucais, não somente os cuidados

dentários, baseamo-nos no conceito de bucalidade (Botazzo, 2000) conceito

este que:

“trata das vísceras, essas dispostas em nosso rosto e que estão imediatamente articuladas aos modos como se vive e atua em sociedade (...) trata, então, da boca humana, dos órgãos bucais interligados à linguagem, ao prazer e à subsistência, e essas três esferas compõem o trabalho próprio deles que é, em certo sentido, o consumo do mundo” (p.21).

Com esse objeto de estudo, a boca, e os cuidados relacionados a ela,

e estes relacionados a povos com visões diferentes de mundo, não podemos

deixar de entrar em um campo interdisciplinar.

Sabemos que todo processo de saúde e doença tem forte

componente cultural e social, e não apenas biológico. Zempleni (1985),

citando Young e outros autores, discute as três realidades diferentes que são

qualificadas como disease, illness, sikness. Assim, o meu sofrimento, minha

dor (minha illness) é o sinal do estado de alteração do meu corpo (minha

disease), estado que pode ser verificado pelo profissional de saúde e que o

diagnóstico legitima o meu papel social de “doente” ou da minha sikness,

realidade sócio cultural de minha doença. Entramos, assim, em um campo de

discussão entre a Saúde Coletiva, Antropologia da Doença e as Ciências

Sociais e Saúde.

Segundo Minayo (1991), o campo da Saúde Coletiva tem como objeto

concreto de trabalho a saúde e doença em seu âmbito social, e por isto ela

envolve questões que passam por campos interdisciplinares.

“Como o biológico expressa o social? Como o social se realiza no biológico? Como as peculiaridades individuais mediatizam o caráter da reação humana aos estímulos externos?“ (idem, p.70)

Ainda Minayo (1992), ao discutir as diferentes explicações sobre o

processo saúde/doença, relata como o fenômeno, antes exclusivamente

biológico, passou também a buscar explicações nas posições sociais, e de

classes da sociedade para os tipos de doenças em determinadas sociedades.

Nunes assinala que o campo de reflexão da saúde abriu-se a outras

áreas, a partir da década de 70, buscando nas ciências sociais, nutrição,

antropologia, sociologia, educação, outras explicações que o modelo biológico

não contemplava (apud Minayo, 1992, p.79).

Langdon (1988) ao discutir sobre a medicina ocidental e medicina

tradicional indígena ressalva que o fato das comunidades indígenas utilizarem

a medicina ocidental não significa que aceitem sua teoria das causas

científicas. Normalmente eles seguem percebendo e interpretando as

doenças seguindo sua própria cultura.

Albert (1997), ao apresentar o sistema Yanomami de interpretação da

doença afirma:

“(...) a adoção de remédios ocidentais não quer dizer que eles aceitem o sistema de interpretação da doença que fundamenta seu uso, e por isso, não respeitam facilmente as regras associadas ao consumo desses remédios (indicações, posologias, etc).(idem, p.53)

O mesmo autor, comentando a assistência à saúde, diz que esta

desenvolve-se numa “situação intercultural”:

“(...) para amenizar essa situação de “choque cultural” recíproco, existe uma solução: que os profissionais de saúde façam o esforço de adquirir conhecimentos básicos sobre os conceitos e as idéias Yanomami relativos à doença e seu tratamento.” (idem, p.55)

Observamos pois que a noção de saúde está repleta de fatores que

são diferentes de indivíduo para indivíduo, e principalmente de sociedade

para sociedade.

4. OBJETIVOS

Conhecer e descrever as representações e práticas atuais em relação

aos cuidados com a boca entre os Guarani Mbyá, residentes na aldeia Boa

Vista, município de Ubatuba, São Paulo.

5. METODOLOGIA

Esta pesquisa é de tipo qualitativo. O pesquisador pode utilizar de

método quantitativo ou qualitativo para seu estudo. Cada um destes possui

técnicas específicas de investigação, o método quantitativo com

procedimentos de observação extensiva, articulado como linguagem

matemática, e o qualitativo com procedimentos centrados em registro

intensivo e particularizado.

O que o observador vive em sua relação no campo é parte integrante

dos resultados de sua pesquisa. Como afirma Laplantine (2000):

“(...) a perturbação que o etnólogo impõe através de sua presença àquilo que observa e que perturba a ele próprio, longe de ser considerada como um obstáculo que vale a pena neutralizar, é uma fonte infinitamente fecunda de conhecimento.” (p.170)

É no campo da subjetividade e do simbolismo que se afirma a

abordagem qualitativa. O método qualitativo atua por mecanismos de

evocação e perguntas, relatos ou histórias referidas a motivações,

percepções, interações simbólicas, que podem ser extraídas de um discurso.

No campo das Ciências Sociais, um método de pesquisa social

utilizado é a Etnografia que, segundo Lévi-Strauss (1975):

“(...) consiste na observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade (...) e visando à reconstituição, tão fiel quanto possível da vida de cada um deles; ao passo que a etnologia utiliza de modo comparativo (...) os documentos apresentados pelo etnógrafo.” (p.14)

Dalmolin et al (2002), ao discutirem a importância da etnografia como

recurso metodológico na área da saúde, relatam a pouca utilização deste

método nos estudos em saúde. As autoras apresentam a importância da

utilização do método etnográfico, que

“(...) traz novas contribuições, ao privilegiar a compreensão dos padrões culturais, desnaturalizando, assim, as construções sobre a saúde e a doença.” (p.20)

Sobre a etnografia, Laplantine (2000) afirma:

“O etnólogo evita, não apenas por temperamento mas também em conseqüência da especificidade do modo de conhecimento que persegue, uma programação estrita de sua pesquisa, bem como a utilização de protocolos rígidos, de que a sociologia clássica pensou poder tirar tantos benefícios científicos. A busca etnográfica, pelo contrário, tem algo de errante. As tentativas abordadas, os erros cometidos no campo, constituem informações que o pesquisador deve levar em conta. Como também o encontro que surge freqüentemente com o imprevisto, o evento que ocorre quando não esperávamos (p.151).

Utilizamos para esta pesquisa a modalidade de observação

participante, técnica que permite que o observador compreenda e compartilhe

os sentimentos dos sujeitos observados e seu mundo simbólico (Laplantine,

2000).

A pesquisa foi realizada entre os Guarani Mbyá, moradores da aldeia

Boa Vista, no município de Ubatuba.

Os primeiros contatos com o cacique e o Conselho da Aldeia foi

viabilizado pela Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde.

Após uma reunião realizada na aldeia, mais precisamente na opý,

onde explicamos a natureza do estudo e seu método, respondemos as

dúvidas dos membros do Conselho e obtivemos o consentimento esclarecido

(ver anexo).

Como os autores citados afirmam, o método etnográfico é um

processo de troca entre o pesquisador e a comunidade, um diálogo.

Apesar do pesquisador ter o objetivo do estudo definido, quando

utilizamos o método etnográfico é preciso aceitar que o campo não está dado,

e sim que ele vai sendo construído, na medida em que existe a troca, o ouvir,

e as possibilidades dadas da relação entre os dois lados, pesquisador e

sujeito da pesquisa.

Utilizamos como primeira aproximação a observação em campo,

permanecendo na aldeia, falando com crianças, jovens, adultos, conhecendo

e falando de nossa vida, procurando enfim, construir um vínculo com a

comunidade. Nesta aproximação, as pessoas da aldeia sabiam do meu

propósito de estudo, e o convívio e as conversas aconteceram de maneira

espontânea, não existindo um informante específico.

Todas as entrevistas foram abertas, com uso de roteiro semi-

estruturado, ao modo de uma “conversação” informal. Estas se caracterizam

por colocar questões sobre temas específicos, cujas respostas não são

padronizadas ou limitadas, podendo ter flexibilidade na ordem e nos termos

que os temas são apresentados ao entrevistado.

A identificação dos indivíduos foram alteradas por nomes diferentes

procurando assim manter o anonimato das pessoas.

6. RESULTADOS

6.1 O campo

Apesar da experiência anterior com comunidades indígenas, nada se

compara ao início de um estudo onde o pesquisador tem que ser um “intruso”.

A despeito do fato de ter trabalhado e convivido com diferentes povos

indígenas, alguns bastante isolados, a realidade é que na experiência anterior

o papel era bem diferente, pois como profissional de saúde bucal minha

função era definida.

Nesta pesquisa, ao utilizar um método de outro campo de saber, a

Antropologia, sendo uma profissional de saúde coletiva, traz uma “incerteza” e

preocupação de não apresentar uma visão reducionista do objeto de

pesquisa.(Dalmolin et al, 2002).

A dificuldade inicial para entrar em uma comunidade para conhecer

seu modo de viver, sendo esta comunidade diferente, que conversa em

guarani, ou que fica em longo silêncio, traz a sensação de não conseguir

realizar a tarefa proposta. Os profissionais que trabalham diretamente com os

guarani alertam enfaticamente ao “tempo” diferente na aldeia. De fato, quando

chegamos lá aprendemos logo o ritmo, os silêncios e os risos desta

população que vive entre dois mundos.

Não há como deixar de lembrar o texto sobre primeiras dificuldades,

primeiras soluções em “Descer ao campo”, de Winkin (1998), onde o autor

enumera as dificuldades iniciais que surge no trabalho de campo.

De fato, a constatação que o autor comenta: ”mas não estou vendo

nada!” é o pensamento inicial. Assim como a sensação de ser intrusa...

Mas tentando superar todas essas dificuldades é que fui anotando e

construindo um diário de campo. No início, este diário foi construído como os

autores (Laplantine, Wiskin, Geertz) citavam sobre a construção do diário de

campo na etnografia. O fato de, quando trabalhava com os Yanomami em

Roraima, ter realizado um diário de campo, sem pretensões de pesquisa, mas

apenas para registrar os eventos acontecidos em campo, trouxe mais

segurança.

Observando desde o início, verificamos que a construção deste diário

foi sendo modificada ao longo das estadias na aldeia, pois se no começo, a

incerteza, ou a mera descrição de sentimentos e da geografia local foi a

tônica, nas últimas visitas o envolvimento com a comunidade, a preocupação

com as dificuldades e alegria com os seus êxitos, prevaleceu. Assim, antes

de tudo é a pesquisadora que tem que “relaxar” e buscar outro olhar.

Refletindo sobre este inicio de campo podemos citar a percepção de

Fratucci (2000) ao chegar na aldeia Morro da Saudade:

“Depois de um percurso de aproximadamente duas horas, curvas, idéias ainda em desalinho, chega-se a um grande terreiro com casas esparsas, baixas, de pau a pique, crianças correndo pelo barro ou sol (...) o que esperar? Que referências para um povo de tantas transições, de tanta história? Somos recebidos sempre pelas crianças. Laura e Márcia, 5 anos, passaram pelo consultório, agora descontraídas, amigas, tentam conversar em guarani. Impotente, gesticulo, explico, em meu socorro chega a ajuda de um pequeno intérprete; descubro que elas me apontam o céu (...) Nhanderu, pai do céu, Deus, Sol, continua nossa conversa gesticular e descubro que elas querem brincar de roda. (...) Desconcerto-me. Que mundos são esses que se cruzam? Logo vem a ânsia de estabelecer respostas (...) será necessário? Quero saber como adoece a boca que fala guarani, sorri desconfiada e se priva das coisas da terra.”

Aldeia Boa Vista,

Marcamos por telefone a saída para Ubatuba, às 8hs, da sede da

Funasa, em São Paulo. L., (dentista da Funasa), havia informado que a

coordenação tinha pedido uma reunião com os conselheiros locais da aldeia

para apresentação do projeto e sua aceitação ou não.

Fui então com L. e mais dois funcionários da Funasa (...) chegamos a

aldeia às 13hs (...) após subirmos o morro, em um trecho de estrada de terra,

chegamos ao postinho de saúde da aldeia, ao lado da casa que, depois fiquei

sabendo, é onde a auxiliar de enfermagem, Iara, mora. Um pouco à frente

tem a escola em fase de construção.

É uma vista maravilhosa, pois

olhando para frente avistamos o mar.

Descemos pela trilha até a aldeia.

Que maravilha de trilha!

Que saudade do mato!

Verde, sons, rio correndo.

Uma cobra atravessou nosso

caminho!

Chegamos na aldeia com suas casinhas espalhadas, uma recém

construída, de pau-a-pique (barro e madeira), com suas janelinhas pequenas

e quase todas com banheiro fora, todos

pintados de verde, aparentemente de

alvenaria.

Logo que acaba a trilha tem um campo de futebol, mais casinhas e

uma casa grande, com espaço amplo, de chão batido, onde “seu” Álvaro nos

levou, depois de ter sido apresentada a ele pela L. Ela depois explicou que

essa casa é a opy, a casa de reza deles (...)

Entramos, seu Álvaro, sua esposa, algumas crianças, mais dois

guaranis, ambos com nome Mauro, e depois chegou Evaldo, outro

conselheiro local. L. pergunta se vem mais alguém, eles dizem que não. Ela

abre a reunião explicando que irá fazer uma ata, eles concordam.

Ela me apresenta, diz meu nome e que sou dentista de São Paulo,

explica que pretendo estudar como eles se cuidam, como cuidam dos dentes,

da boca. Que o Eduardo (o dentista que atende lá) vai continuar atendendo e

que eu não vou atender, nem ver nada, apenas conversar, fazer algumas

entrevistas. L. enfatiza que ela e P. recomendam que, caso eles concordem

com o trabalho, eu me responsabilizo em apresentar o resultado à Funasa e a

eles, devolvendo o trabalho, pois até hoje ninguém que foi até lá devolveu o

trabalho à comunidade.

Foi importante neste primeiro contato a apresentação feita por L., pois

apesar de bem recebida, com o silêncio de todos minha insegurança

aumentava. Após ter me apresentado, contado um pouco de minha vida

pessoal, minha experiência com comunidades indígenas (Xingú, Yanomamis)

expliquei a proposta de meu estudo. Apesar de mencionar que o propósito da

pesquisa seriam cuidados corporais, incluindo a boca, os guarani associaram

a pesquisa com dor de dente.

“Seu” Álvaro, após eu ter falado, diz que antigamente tinham muitas

“simpatias” para quando o dente doía, e que ele mesmo não sabe o que é

isso pois nunca teve dor de dente, e que ele acha que tudo bem eu ir lá

estudar. Mas Mauro (o mais velho), pergunta por que eu vou lá, se é algo

como prevenção (palavras dele), mas que isso o Eduardo já faz, e que eles já

estavam com bastante contato com os juruá (brancos) e que só os antigos

falavam de simpatia ou tratamento de pagé, que se era para contar como eles

faziam, eles mesmos podiam contar para o Eduardo. Que ele não via o

porquê de eu ir lá.

L. diz que na verdade meu trabalho é bom porque vou deixar escrito

como eles pensam, que isso para os profissionais de saúde novos é muito

bom, pois eles não sabem como lidar com os guarani.

L. explica para o Mauro e os outros do conselho a importância do

trabalho, eu também dou outras explicações. E a dúvida fica: será que vão

concordar? Ela explica também a diferença de pensamentos que têm os

profissionais de saúde e os costumes guarani, e como é importante que eles

conheçam esses costumes. Após muitas explicações, o cacique Álvaro e

Mauro iniciaram uma conversa em guarani...

Álvaro e Mauro conversam em guarani. Depois Mauro fala para mim

que hoje as crianças comem muito doce, que antigamente faziam simpatia (e

penso que eles tomam cuidado ao denominar simpatia seus modos de cura),

ele então diz que tudo bem, eu podia fazer meu trabalho.

Então, após toda esta conversa (e eu pensando em como seria

difícil!), Mauro vira-se e me pergunta como era trabalhar com os yanomamis,

e no Xingú? E esta pergunta me desarmou, fiquei feliz e surpresa, e senti que

para ele agora estava tudo resolvido, e podíamos conversar sobre os outros

“parentes”, como eles se chamam quando encontram índios de outras etnias.

Iniciamos uma conversa e L., após verificar novamente se

concordavam com a pesquisa, redige a ata da reunião que todos assinam,

aprovando, enfim, meu projeto.

Nesse momento, as crianças que já estavam por lá, se juntam com

alguns adolescentes, que entram na casa de reza, um jovem começa a tocar

violão que tem um som diferente e as meninas a dançar e cantar em guarani,

até os pequeninos, os homens batendo e as meninas arrastando os pés.

O cacique Álvaro então me dá a cartilha realizada pela Comissão Pró

Índio-SP na aldeia dele e mostra o CD que foi feito com eles e crianças de

outras aldeias guarani e que, sei, foi um sucesso. Digo que conheço o CD,

que é muito bonito.

A primeira viagem que fiz sozinha ainda foi cheia de incertezas,

pesquisas de horários de ônibus, preço de pousada, ligar para o telefone

comunitário da aldeia, dúvidas sobre como chegar até lá, pois o ônibus pára

na estrada, e o trecho morro acima ou é de carro ou a pé.

Nesta primeira vez, um amigo que mora em Ubatuba me leva até a

aldeia. É verão, a cidade cheia, e encontramos também na aldeia turistas que

vão até lá conhecer os índios.

É na terceira viagem que vou sozinha, que tudo está mais acertado...

Cheguei em Ubatuba à meia noite e meia (...) peguei o ônibus às 21

horas, perdi o ônibus das 18h30. Ligo à noite para Iara, ela atende, está na

casa da filha dela, que sorte! Combino para ir com ela e o motorista da

Funasa para a aldeia. Acordo cedo, chove, espero o motorista, são 7h15.

Tomo café, espero, ligo para o motorista, está na caixa postal...

O tempo passa, 8h, 8h30, 9h, consigo falar com o sr. Fábio, já foi à

aldeia e está voltando. Logo ele chega...

Vamos para a aldeia, difícil subir alguns trechos. Se continuar

chovendo vai ficar muito difícil subir com este carro, diz ele.

A partir desta viagem consegui estabelecer uma logística para os

deslocamentos. Os funcionários da Funasa, com sua hospitalidade, foram de

ajuda inestimável.

A insegurança, apesar de ainda persistir, já está mais controlada e

devagar vamos conseguindo estabelecer vínculos com a comunidade.

O campo, como diversos autores enfatizam, é o lugar onde

começamos a ter a dimensão do outro, da diferença, da alteridade.

Estabelecer vínculos é o objetivo, buscando com essa intromissão,

saber como afinal é a realidade desta comunidade.

Com o passar do tempo, tão enfatizado como diferente na aldeia,

vamos procurando estabelecer parcerias.

Nestas viagens procurei com que os Guarani se familiarizassem

comigo, pudessem adquirir confiança. E assim, ficava horas em conversas

informais com algumas mulheres, com Renato, professor guarani da escola

local, e principalmente com os agentes de saúde, que talvez por força de seu

trabalho, me procuravam mais para conversar.

Nos primeiros contatos pude constatar que em poucos meses o

agente indígena de saúde (AIS), foi trocado três vezes. À primeira vista,

parece existir uma dificuldade entre o trabalho na aldeia e o trabalho exigido

pela Funasa.

A distribuição espacial da aldeia é um fator que dificulta um acesso

maior aos moradores, pois como as casas são espalhadas pelo mato, o

contato sempre acaba ocorrendo na opý , a casa de reza, que fica na área

central, próximo à casa do cacique.

De fato, as conversas informais geralmente foram na opý, mas

também no pátio da escola ou no pátio do ‘postinho’ de saúde, que fica

próximo da escola e a casa da auxiliar de enfermagem, Iara.

Conversei mais longamente com cinco homens guarani, e uma mulher

guarani que era agente de saúde na ocasião da primeira entrevista.

6.2 Compreendendo os Guarani

A seguir os resultados das entrevistas :

Júlia

Tem 49 anos (segundo ela) e 7 filhos. Não tem marido.

“quando era criança vivia no mato, brincando junto com os outros na

cachoeira (...) nasci em Rio Silveira, depois morei em Boracéia, e depois

aqui.”

Antes era suplente do Mauro (Mauro M., era AIS), brigou com ele e

saiu.

Voltou para ser agente depois que Mauro saiu.

Diz que não dá para visitar todo mundo em um dia, tem 30 casas,

todas espalhadas no mato.

“é difícil entender o que a Funasa manda. Como suplente eu

explicava para o médico o que o guarani falava, e depois para o guarani.

Antigamente parecia que a saúde das crianças era melhor. Hoje em dia tem

criança que fica doente, internada, tem que voltar sempre para internação,

não sei porquê. Não sei se é a comida. Hoje em dia criança não passa sem

açúcar, arroz, feijão e café. Crianças não se interessam por mais nada. Não

querem trabalhar na roça, só estudo. Mesmo assim os antigos tentam levar os

filhos a se interessarem pela plantação, porque senão, não vai ter mais nada

para comer. Quando eu era criança meu pai trazia às vezes alguma coisa da

cidade. Agora criança não passa sem. Antes plantava milho, batata, abóbora,

mandioca, banana. As crianças se acostumaram com dentista, acho que não

têm mais medo.”

Na outra viagem que fiz à aldeia, foi junto o Eduardo, dentista que

presta assistência aos Guarani .

Quando chegamos à aldeia, as crianças estavam todas no pátio da

escola, assim como alguns adultos, o cacique Álvaro e a esposa, dona

Sandra. Todos comem bolachas e leite oferecidos pela merenda escolar.

Eduardo conversa com “seu” Álvaro, sobre sua permanência ou não

no trabalho na aldeia.

Segundo ele, “o contrato acabou mas eles vão renovar, mas antes

vim falar com o senhor.”

“Por nós da comunidade está tudo bem”, responde “seu” Álvaro.

Eduardo explica para mim que atende em um posto de saúde o mais

próximo da aldeia, pois no posto da aldeia não tem energia elétrica. O

motorista leva os Guarani até o posto de saúde, e ele vai direto para lá

atender. Diz que não vê a hora de poder atender direto no posto da aldeia: “os

índios querem muito, pois assim fica um negócio só deles.”

Conversam ele e “seu” Álvaro sobre o projeto de saneamento da

aldeia, sobre a proposta de construção de casas de alvenaria pela

Companhia de Desenvolvimento e Habitação Urbana (CDHU), “seu” Álvaro

fala para mim que as casas vão ser de alvenaria e as telhas de barro, que vai

ficar muito bonito.

Neste meio tempo o motorista levou duas índias para o posto de

saúde do Poruba para passarem em consulta médica.

Depois levou uma mãe com sua filha e Júlia até a Santa Casa de

Ubatuba.

Quando foi buscar as duas no posto, duas horas mais tarde, ambas

voltaram sem atendimento, pois a médica não foi trabalhar. Também Júlia

volta sem atendimento.

Um mês depois, fui visitar alguns guarani que estavam na Casa do

Índio em São Paulo, pois teriam consulta no Hospital São Paulo.

Antes, ao ligar para o telefone comunitário da aldeia, fiquei sabendo

por Iara que muitos tinham viajado e outros estavam em São Paulo.

Encontrei na Casa do Índio, que era no bairro do Paraíso, Davi,

Guarani da aldeia, que tem 17 anos e é o mais novo AIS. É casado com uma

filha do seu Álvaro. Sua mulher está grávida e, segundo ele, tem mais cinco

mulheres gestantes na aldeia.

Disse para mim que as mulheres fizeram queixa, para o cacique e o

pessoal do Conselho, dos outros agentes de saúde que não tinham paciência.

Como assim?, pergunto.

“As mães arrumavam as crianças para ir ao médico e elas brincavam

e se sujavam enquanto esperavam o carro, e Júlia não queria levar.

Seu Álvaro e os outros aconselharam Júlia, mas ela não ouvia.

Então a comunidade reclamava e ela acabou saindo, eles se reuniram

e indicaram meu nome para ser agente de saúde da aldeia.

É difícil ser agente, tem que ter paciência, às vezes é de noite e

chamam. Mas eles é que me escolheram, não fui eu que pedi.”

Pedro, outro jovem Guarani da aldeia, ficou no Conselho Distrital, e

nesta data em que eu conversava com Davi, estava numa reunião em

Curitiba.

Quando cheguei na aldeia em outra viagem havia tido uma reunião

com o representante da Funasa de São Paulo, que havia estado na aldeia no

dia anterior da minha chegada.

Nesta reunião, segundo os Guarani relataram, a Funasa iria contratar

uma médica e uma enfermeira, para atendimento a aldeia Boa Vista, e a

aldeia Renascer, que fica na estrada que liga Ubatuba a Caraguatatuba.

Davi informa que vão ligar luz na farmácia do postinho, e que ele e

João, que é o agente suplente, vão fazer curso de capacitação para AIS, e

que Alberto, que é auxiliar de dentista, ainda não está previsto a contratação

dele neste ano.

Iara se preocupa, pergunta para eles: ’’qual é o meu papel agora?”

Deixo-os conversando e vou para a opý. Chego lá e “seu” Álvaro e

dona Sandra estão capinando o terreno em volta da casa.

Álvaro

Podemos conversar um pouco?, pergunto.

Dona Sandra sorri, e diz: “espera meu marido chegar”...

Apesar de meus esforços não consegui conversar com ela em

separado, esperamos seu marido chegar com o restante da família.

A entrevista com “seu” Álvaro foi realizada sem gravador, pois ao

perguntar se podia gravar ele recusou. Além deles estavam presentes duas

filhas e algumas crianças. Para vencer o silêncio, inicio perguntando sobre os

principais problemas de saúde da aldeia.

Ele responde que os Guarani sofrem com gripe, pneumonia em

criança e adulto, e gripe, “forte mesmo”.

Ao perguntar se o pajé faz tratamento para essas doenças, responde

que “depende da doença”:

“(...) mas o pajé faz mais cura espiritual, ele sabe dizer se é doença

espiritual ou não.”

Pergunto sobre cuidados corporais e quando percebo já incluí outra

questão sobre cuidados bucais.

“(...) antes banho era na cachoeira, eu mesmo só tomo banho lá, não

uso o chuveiro, nunca preocupei em lavar os dentes. A água do chuveiro vem

da barragem do rio Promirim construída pela Funasa. Vai ter tratamento para

verminose (...) eu não acostumei a lavar a boca, as crianças a professora

ensina escovar, elas escovam lá na escola.”

Em relação aos cuidados com os dentes, seu Álvaro afirma:

“(...) antes a gente tinha erva que tira dor de dente, o pajé faz, e hoje

se precisa faz. Depois tinha Funai, vinha dentista às vezes. Na gente [os mais

velhos] quase nunca dá dor de dente. A gente come mais comida natural,

criança é que tem mais dor de dente, come muito açúcar.”

Pergunto qual é a comida natural. Ele responde:

“milho, mandioca, beiju, bebida natural com milho, o kadjuí, mas é

com milho guarani, que é colorido, tem preto, amarelo, branco.”

A um sinal com os olhos, uma moça traz alguns grãos do milho

guarani para que eu conheça.

Pergunto se têm alguma estória guarani para quando a criança troca

a dentição.

“(...) índio guarani dá muito conselho, fala bastante para criança, para

cuidar do dente, quando ele está crescendo (...) eu mesmo e ela [aponta para

dona Sandra], nunca fui ao dentista, não sei o que é dor de dente.”

Ao indagar sobre se existe alguma restrição alimentar, seu Álvaro

responde que sim, para quando a mulher tem bebê,

“(...) durante quinze dias a mulher não pode comer feijão, carne de

porco, carne de vaca, de frango pode”.

Voltando ao posto e conversando com a auxiliar, fico sabendo que

dias atrás, um homem amanheceu morto, “morreu de tanto beber” diz ela.

Alcoolismo também é um problema sério na aldeia.

Mauro

Mauro passa e começamos a conversar. É agente de saneamento faz

dois anos e, segundo ele, já viu muitos serem AIS e não dar certo.

“Davi e João, na reunião com P., se empolgaram, falaram muito, mas

não é fácil ser AIS.

Vou falar em uma reunião só nossa que eles vão com calma (...) que

tem que primeiro entender o que acontece (...) as vezes as índias reclamam

mas não sabem porquê o profissional fez daquele jeito, tem que saber

primeiro realmente o que aconteceu.”

Ao conversar comigo ele tira do bolso um cachimbo guarani, ele é

feito de um tipo de bambu e é bem largo, pega o facão, corta fumo de corda e

fica fumando seu cachimbo enquanto fala. Combinamos uma entrevista para

o outro dia. Depois pede licença, precisa arrumar uma torneira, pois as

mulheres reclamam quando não têm água.

“(...) quando vão a cidade gostam de tomar banho, usar xampú,

sabonete, e na cachoeira não pode usar xampú pois, você sabe, polui o rio.”

Mauro S. é casado, tem 52 anos. Nasceu em Bertioga e mora na Boa

Vista desde 1974. A entrevista não foi gravada.

Ao perguntar se ele já esteve doente, ele responde que nunca ficou

doente, nem internado.

Sobre se já fez tratamento com o pajé, Mauro responde:

“Uma vez fiz tratamento com o pajé, lá em Boracéia, eu tinha 19 anos,

não me sentia bem (...) tinha dores no corpo (...) dor de garganta (...) ele fez

reza, constatou que era feitiço, fiquei bom e nunca mais precisei passar pelo

pajé.”

Pergunto qual na opinião dele é o principal problema na aldeia. Ele

responde:

”muitas crianças internadas, doenças assim (...) vindo dos lados dos

brancos, né? Pneumonia, bronquite, tudo.”

Continua falando sobre os motivos de existir esses problemas de

saúde na aldeia.

“A gente mudou muito (...) até na alimentação, a causa disto é a

alimentação, salgadinho (...) o sabor é artificial e o organismo foi

enfraquecendo, o organismo era forte com aquela comida natural, era antes

difícil ficar doente. Os velhos duravam mais, 70, 80 anos, as crianças se

acostumaram com a comida dos brancos. Antes não tinha café, açúcar e o

doce era mel, banana madura. Banana madura cozinhava, fazia mingau, era

o café da gente, cortava a cana e chupava quando queria doce.

Na hora do almoço tinha beiju, milho cozido, mandioca assada ou

cozida, batata assada ou cozida, peixe pescado no rio, carne era de caça (...)

tinha naquele tempo já, galinha criada no quintal, ovos (...) antigamente então

era mais resistente. A gente crescia e o organismo era forte.

As próprias mães hoje (...) a alimentação é tudo industrializada, as

crianças já nascem, já estão doentes, já ficam internadas. É muito contato, de

ir toda hora na cidade, antes a gente vivia isolado, o adulto é que ia na

cidade, trazia fósforo, sal para todo mundo. Mulher e criança não ia de jeito

nenhum para a cidade, hoje por estar tão próximo da cidade, tão fácil, vai

mulher, vai criança. Tomava banho no rio, se lavava, ninguém ficava doente.”

Em relação aos dentes, afirma Mauro:

“só algumas crianças tinham dor de dente, quando trocava os dentes,

que passava de criança para adolescente, era aconselhado pelos pais, pelos

antigos, davam conselho para que enquanto o dente nascesse, não podia

chupar cana, tomar mel, e todos obedeciam.”

E para ter os dentes bons, antigamente...

“para o dente não estragar tinha (...) simpatia. Bom, hoje já não pode

fazer isso (...) porque não pode matar animais, diz Mauro, nitidamente

preocupado em falar... Eu o incentivo ... é só para conhecer, digo.

“bem, pegava o morcego, matava, pegava o osso da asa do morcego

na lua nova e passava o ossinho várias vezes nos dentes, para não estragar.

Para cair o dente, fazia bochecho todo dia com chá de semente de

picão. Para o dente ficar forte quando passava de criança para adolescente,

pegava o dente da capivara, moia e com o ´pó, enxaguava a boca. Antes

também alguns afiavam os dentes da frente para não ficar perto um do outro

e não estragar. Para tirar dor de dente, mastigava uma erva que anestesiava

a boca.

Para tirar o pus (...) usava folha de batata para bochecho e também

chá de picão.

Hoje em dia ninguém mais usa isso. A obediência da juventude é

difícil, hoje eles não obedecem. Hoje ninguém [mais velhos], fala com os

jovens.

Eles comem a comida da escola e ficam pesados (...) hoje só alguns

pajés fazem jejum ou tomam só bebidas feito do milho ou comem batata

assada ou chimarrão ou fica sem comer vários dias.

As coisas mudou. Na aldeia hoje a gente observa e os mais velhos

ficam conversando, assustados e se perguntam “o que vai ser futuramente?”

Se continuarem deste jeito, as coisas vão piorando para nossa

cultura, ela vai se modernizando de uma forma quase igual ao do juruá.

Aconteceu em algumas aldeias, que perdeu língua, costume (...)

agora é que o guarani está (...) evoluindo (...) é como se diz?

E o maior medo é que o guarani esqueça (...) antigamente respeitava

muito pai, mãe, era educado pela cultura da gente. A gente fazia o que o pai

da gente falava. A escola hoje é boa, é para educar mas hoje as crianças não

obedecem (...) educação é isto? Tem que respeitar os outros, o que os outros

dizem (...) sabe, eu já tive dor de dente, é muito ruim, tive que tirar 3 dentes,

um foi no posto de saúde, e outra vez foi aqui, veio um dentista da Funai, que

trabalhava na floresta, o B. (...)”

(...) as vezes lavo a boca (...) na escola eles aprendem a escovar e

usam flúor também, mas sai da escola e acho que eles não fazem [escovar]

porque eles esquecem.”

Mauro interrompe e diz que precisa ir até Ubatumirim ... agradeço a

conversa.

Pedro

A outra entrevista foi realizada com Pedro, casado, tem 21 anos e é

representante do Conselho Distrital do DSEI Litoral Sul. Pergunto a ele sobre

gravar a entrevista e ele autorizou a gravação.

Pergunto a Pedro quais as doenças que mais afetam a aldeia, ele

afirma:

“olha pelo que eu vejo que tem mais (...) esse ano as crianças tem

problema sobre (...) sobre como é (...) esqueci (...) pneumonia (...) tão

sofrendo mais, porque não era pra pegá todo mundo, só que a mãe das

crianças que demora pra levá no hospital, as vezes começa gripe assim aí, a

mãe dela nem falou com agente de saúde, então agente de saúde também

não sabe, porque sempre vai visitando e pergunta, de manhã tem visita, a

tarde última visita porque aí pergunta, o que tá sentindo? Será que ela tá

bem? Aí a mãe das crianças não fala, né, que a maioria das mulheres índias

não quer ir no hospital , não quer ficar no hospital, 2, 3 dias, não gosta de

ficar, aí não fala depois de 3, 4 dias demora, aí fica doente e aí pega.”

Pergunto para ele porque será que elas não querem ir ao hospital,

Pedro responde: “olha eu mesmo vejo assim, não gosta de ficar é porque é

costume de nós mesmos, é costume (...) elas não gostam de ficar longe

daqui”.

Pergunto para Pedro se, quando tem alguma doença, tratam em

conjunto com o pajé. Como costumam fazer? ele responde:

“então, isso tem (...) como fala (...) porque nós índios temos dois

sistemas de saúde, né?

Doença espiritual que a gente tem também porque doença que a

gente causa, e o doutor, o branco, não consegue descobrir qual doença que a

gente tem. Tem que encaminhar pro pajé, aí o pajé é que vai saber qual

doença que tem.”

E como é esta doença, procuro saber...

“a pessoa sente dor, só que tira tudo (...) tira raio x, mas não acha

nada (...) então as vezes quando vai pro mato, pro rio, cachoeira aí porque

muita (...) pra nós existe muitas coisas assim, espírito mau todas árvores,

pedra, tem espírito, então, isso daí a gente sabe que quando passa perto da

pedra grande, aí passa perto dela, aí as vezes o espírito não gostou, aí ele

faz com o poder dele, aí a pessoa fica doente, não é só isso, tem outras

coisas mais.”

E é difícil o pajé curar?, pergunto.

“Ele faz reza, o pajé tem que ter cachimbo, a noite também tem que

rezar e primeiro tem que se concentrar para curar aquela pessoa doente (...)

as vezes pega pedra bem pequenininha, porque se o mal tá nas costas ou na

cintura e fica doendo, o pajé pega com inspiração, né?”

Pergunto a Pedro como os Guarani tratavam dores de dentes

antigamente. A resposta:

“Antigamente eu mesmo não sei (...) só que minha avó fala (...) eu

mesmo sei o que todo mundo fala (...) eu falo, alguns fala conhece capim que

ele usa e ele passa nos dentes para não estragar, só que não fica bem

branquinho, fica meio amarelado, só que fica 40, 50 anos e mesmo assim e

não cai, dente não estraga, e outra coisa tem também, eu vi meu pai pegando

aquele pedaço do morcego, morcego na lua nova, pega a noite e quebra

aquele (...) qual é o nome? Aquela coisa que ele tem no braço igual talo (...)

osso, pega tem que ficar uma semana secando e depois passa nas crianças,

no meu irmão mais novo (...) que tem dente que cai, passa tudo e não vai

estragar nada.”

Quero saber então quais eram os cuidados com a boca quando era

pequeno.

“Quando eu tinha 8, 9 anos nem sei, não escovava o dente, a gente

morava longe da cidade, era difícil comprar pasta, escovinha de dente, só que

(...) eu morava no Rio Grande do Sul, é difícil encontrar pasta (...) a gente

lavava boca com água, depois tinha 12, 13 anos, a gente muda mais pra cá,

mais perto da cidade, aí tinha escola, aí comecei a estudar, aí professora

ajuda os alunos pra escovar o dente, aí primeiro não acostumei também pra

escovar porque tem muito forte aquela pasta, o sabor, forte mesmo, aí

acostumei agora a escovar o dente.”

Pergunto a ele sobre o tratamento dentário, o que ele acha.

“tô vendo que sobre o dentista é bom, porque nós hoje em dia, os

mais velhos sabem mas não mais é todo mundo, o pessoal não sabe mais,

tem que perguntar, conversar com mais velho, quem sabe aí a gente sabe, só

que agora maioria vai para o dentista obturar, né, é que fala? Obturar e se

está doendo bastante, tá inchado tem que ir arrancar, né?”

E vocês têm remédio para não doer?

“tem mas não sei do que é feito (...) em guarani é tay raxi poá (...) tay

dente raxi doendo poã remédio.”

Também pergunto ao Pedro se existe alguma comida que os Guarani

não comem.

“Não, as crianças de hoje já comem comida dos brancos que já é as

vezes, tem muito tempero, sal, doce, já acostumou. Só a maioria dos mais

velhos que já não tem costume de comer, até como as índias mais velhas que

não gosta de ficar, de andar de ônibus, viajar de ônibus, né? Então tudo isto

tem, só que as crianças de hoje já tem costume de comer comida que vem da

cidade.”

E as crianças comem também comida mais natural, do costume

guarani, pergunto.

“Comem, só que hoje em dia quase não planta por causa da terra

também, aí as crianças já começa assim (...) às vezes a gente faz o kaguij’y,

aquela sopa de milho, então as crianças quando começa a vê, ‘o que é isso?’,

já não sabem mais, e a gente explica de novo, é o kaguij’y é, antigamente

isso era café, a gente explica para as crianças (...) mas seu Álvaro falou vai

ter culinária indígena, estamos começando porque tem muita gente que fala,

os juruá falam ‘ah! índio já esquece tudo dos costumes deles, tradição’ mas

não é por aí não, porque a gente sabemos que acrescenta mais, acrescenta

mais, né? Porque a gente tem nossa cultura, tradição, aí entra também o

costume do juruá, a gente pega também, não tem como, também se a gente

não estudar, então como a gente vai conversar com você? O cacique Álvaro,

ele quer que a gente converse entre nós em guarani, por isso que às vezes a

gente tem dificuldade com o português, então, tem que entender também,

então aí vai ter a gente, a Funai tá fazendo projeto sobre culinária, vai fazer

em todas as aldeias de São Paulo, cada aldeia vai plantar, produzir, para as

crianças, para elas gostar, né? Gostar mais.”

Quando retornei à aldeia, a Funasa já tinha a equipe de saúde

atuando. Estavam presentes duas enfermeiras e uma médica, também estava

Luzia, uma jovem Guarani, que é AIS (suplente de Davi, me explicam).

A luz foi instalada no posto de saúde. Luzia é falante, conta que ela é

guarani mas que seu pai é Kaiowá.

Vou em direção à aldeia e encontro algumas mulheres com crianças

subindo em direção ao posto, vão em consulta com a médica.

Vou procurar o seu .Álvaro, pois como em qualquer comunidade

indígena, a regra, ou diria, a etiqueta, é primeiro procurar o cacique,

apresentar-se, conversar um pouco, explicar como está indo o trabalho.

Chegando lá fiquei sabendo que ele estava em São Paulo

acompanhando sua esposa que faz tratamento no Hospital São Paulo.

Observo que a opý está em reforma, sem telhado, só com a estrutura

lateral, encontro João, que mora próximo a casa do cacique, ele está indo

buscar cipó imbé, que, segundo me informa, é utilizado para confeccionar

artesanatos.

Pergunto se podemos conversar um pouco, ele concorda, sentamos

próximo da opý em uma grande pedra..

João

Tem 19 anos, é casado, 1 filho.

Para você o que estraga os dentes?

“Eu acho que é como os juruá falam, que é a alimentação, pois

antes... [eu pergunto antes quando?... ele diz, no tempo do meu pai, dos

meus avós] não comiam arroz, extrato de tomate e os dentes eram bons. Eu

acho que é mesmo como o branco diz, que comer doces estraga.

Você conhece algum costume dos Guarani em relação a cuidados

com a boca? Ele fica em silêncio, depois diz :” não sei responder.”

E em relação a pasta de dente e escova, pergunto, vocês usam?

Ganham da Funasa ou da prefeitura?

“As crianças ganham na escola. A gente compra. Só os mais novos

usam, os mais velhos não usam. A primeira vez que usei a pasta achei

horrível, o sabor horrível, agora já acostumei.”

E o cachimbo, todos usam?

“Sim, todos usam, mulher, homem, usa mais a noite. E a fumaça é

para espantar maus espíritos, aikudjê, ele está em todo lugar.”

João diz que precisa ir para o mato pegar o cipó. Agradeço a

conversa e nos despedimos.

Volto para o posto encontro Mauro, ele me cumprimenta,

“tudo bem?”

“tudo bem”, ele responde.

Explico para ele sobre meu trabalho, como está, e pergunto se

podemos conversar mais um pouco. Ele concorda, e me chama para sentar

na casa de Iara nesta ocasião ela estava viajando, encontrando-se apenas

seu marido. Mauro cumprimenta o marido de Iara, puxa uma cadeira, me

convida a sentar, e eu fico a pensar sobre a intimidade que ele tem com o

casal... e penso também na dificuldade que é de entrar em alguma casa dos

Guarani, pois até agora não consegui entrar em nenhuma. Está certo que me

propus a só entrar quando for convidada, mas me pergunto se não estou

sendo por demais educada, mas quando observo a reserva deles, creio que é

a melhor forma de criar vínculos, o respeito.

Assim ,devidamente instalados, pergunto a Mauro:

“Quando Nhanderú criou o homem existiam as doenças?”

“No começo Nhanderú indicava o que podia comer e o que não podia,

e não tinha doença. Então os homens começaram a fazer o que queriam. E

por causa da desobediência é que surgiram as doenças. Nhanderú já fez as

pessoas com dentes mas fez só com dois, se um estragar só tem mais um,

tem que tomar cuidado, por isso é que damos conselhos quando trocam os

dentes. Para não comer doces, não comer coisas muito quentes.”

Porque não comer coisas muito quentes?

“É para não trincar o dente. Antes o pajé também fazia remédio para o

dente ficar forte. Pó com ossos de animais, morcego, capivara, jacaré...”

Porque o pajé escolhia estes animais?

“Porque ele sabia que os dentes destes animais eram resistentes.

Esse é um costume Mbyá, diz.”

É o modo de ser do Guarani?

“O Guarani gosta do silêncio, antigamente mulheres e mesmo jovens

só falava quando tinha certeza.”

Qual o sabor de alimento que vocês acham mais estranho?

“A pimenta que é muito forte, o sabor”.

Comento que entre os brancos, gostamos de abraços e beijos.

“Nós não temos costume de beijar, abraçar”.

O que um profissional que vai trabalhar com os Guarani deve saber

para não cometer uma gafe, ser mal educado?

“Tem que respeitar a cultura, nossa língua. Respeitar as crianças, dar

atenção às crianças e também aos adultos. E principalmente não se

incomodar quando os guarani falam entre si em guarani. Porque as vezes tem

alguns brancos que se incomodam e acham ruim quando a gente fala em

guarani. Para nós a coisa mais rica que temos é a nossa língua.

As crianças só falam em guarani, só vão falar em português depois

dos 10,12 anos, apesar de entender, só falam depois dos 10.

As palavras sagradas, os pajés usam no momento de cura, no

momento certo.”

Para Mauro a equipe médica e o Eduardo precisam aprender um

pouco do guarani para conversar e entender mais quando estão atendendo.

Ele se despede, também vai buscar cipó.

Fico conversando com Pedro, ele é simpático, mais conversador. Saiu

do Conselho Distrital para poder estudar, são ao todo sete estudando à noite,

ensino médio em Ubatuba.

Comenta que acha muito difícil a aula de inglês, e que chegam muito

tarde da noite, mas que quer estudar.

Renato, Mara e mais um Guarani estão estudando na Faculdade de

Educação da USP, ficam uma vez por mês em São Paulo no período de uma

semana, Mara é esposa de Pedro, tiveram outro neném, que está com três

meses, ele me convida para o batizado que costuma ser no fim de janeiro,

quando as crianças recebem o nome guarani.

No dia seguinte o dentista segue para a Unidade de Saúde do

Poruba, onde atende à comunidade Guarani, enquanto o consultório do posto

da aldeia não entra em funcionamento.

O motorista, depois de deixá-lo, volta à aldeia para buscar os

pacientes.

Três crianças vão tratar dos dentes, dois filhos do Renato e mais um

pequeno, Davi pega os prontuários e vai acompanhá-los. Observo que apesar

de serem pequenos nem a mãe nem o pai vão juntos, significando, na minha

opinião, a confiança que têm em Davi e também no dentista.

Durante o tratamento na Unidade de Saúde, as crianças ficam

tranqüilas, enquanto um senta na cadeira, os outros observam atentamente, e

fazem comentários em guarani, depois sentam no chão e ficam brincando

com bolinhas de gude com Davi. O dentista observa que Davi é muito

carinhoso com as crianças e acha que é por isso que ele está dando certo

como AIS.

Ao conversamos sobre comida, Davi relata que os guarani gostam de

comer carne de galinha, urú, e de peixe de rio, do que carne de vaca ou

porco. Não pescam no mar, segundo ele, o mar para eles é sagrado.

Enquanto as crianças são atendidas, observo que Davi tem uma

perfuração abaixo do lábio, um orifício com um pequeno bambú.

Lembro de ter lido sobre o adorno labial dos Guarani, e atualmente

estar em desuso.

Pergunto então se é um adorno que ele está usando, ele fica meio

sem jeito mas concorda, diz que é um adorno, mas que também é para que

aprendam a fazer silêncio, a não falar à toa, a comer pouco.

“Quando furei fiquei uns três dias sem poder falar direito e comer.”

“ eu não furei com o espinho do ouriço, mas o Rodrigo sim, e dói

muito.”

Ao terminar o atendimento, Eduardo precisa da ajuda de Davi para

explicar à pequena Joci os cuidados, pois está anestesiada. Davi explica em

guarani, ela concorda com o olhar. Noto que Davi tirou o adorno ... será que

ficou com vergonha?, penso eu.

Ao me despedir deles nesta viagem deixo meu telefone com Pedro, e

digo a ele que quando sua mulher estiver em São Paulo é para telefonar, para

conhecer minha casa. Comento então que da próxima vez quero conhecer a

casa dele, ao que ele responde:

“primeiro vou conhecer a sua casa, depois você conhece a minha.”

Quando retornei à aldeia, Iara estava de volta das férias, cedinho já

está fazendo faxina no posto. As nove horas chegam seu Álvaro e dona

Sandra, estão indo para São Paulo, dona Sandra vai realizar uma cirurgia no

nariz. Enquanto seu Álvaro conversa com Iara fico conversando com dona

Sandra, ela está mais receptiva, me abraçou, e diz, como se estivesse

confessando: “não gosto de ficar em São Paulo, muito barulho.”

Na parte da manhã as mães vêm para o posto, junto com as crianças,

ficam conversando, brincando com os bebês. Mexem nos cabelos deles...

fiquei sentada junto delas, elas conversando em guarani e eu só ouvindo.

A certa hora uma vira-se e fala;

“Você é de onde?”

“ De São Paulo, respondo.

“Eu nunca te vi aqui.”

“Eu também, nunca te vi aqui, respondo.”

Elas caem na risada.

“Meu nome é M., eu moro aqui .”

“Eu já vim aqui algumas vezes e nunca nos encontramos, respondo.”

Elas riem de novo.

Onde você nasceu?

“Eu nasci no Rio Grande do Sul, depois morei em Santa Catarina,

depois em Paranaguá, e depois aqui. Minha mãe morreu aqui, agora só ficou

eu e cinco filhos.”

Fico sentada com elas, chega outra mulher com a filha no colo, que

deve ter um ano e meio. Ela pergunta meu nome, eu respondo, pergunto o

dela.

Então ela conta que sua filha não anda nem senta direito.

“Desde bebezinha, ela é assim.” A menina é linda, outra menina de

cinco anos, brinca com ela, a menina sorri, e acompanha bem a brincadeira,

mas não firma o pescoço.

Sua mãe relata que ela faz fisioterapia uma vez por semana em

Ubatuba.

Chega Mara, já voltaram de São Paulo, ela também não gosta de lá,

“faz muito barulho!”

Observo que nenhuma criança usa chupeta, pergunto a Mara, e ela

diz que é verdade, os Guarani não dão chupeta para os bebês. Costumam

mamar no peito até a idade de dois e as vezes até os três anos

Enquanto conversava com as mulheres, alguns homens estavam em

reunião em uma sala da escola.

No dia seguinte o carro da Funasa trouxe vinte cestas básicas para

serem distribuídas a famílias que tem crianças até cinco anos de idade.

Aos poucos as pessoas vão chegando para buscarem suas cestas,

que já está com o nome de cada um na caixa.

Davi procura entre as crianças quem quer ir ao dentista, que já está

esperando no Poruba, ninguém quer ir hoje. O motorista vai buscar o dentista

para uma reunião com a equipe de saúde.

Noto que Luzia, que era AIS suplente na minha última viagem, não

apareceu no posto. Pergunto por ela, Davi conta que ela desistiu de ser

agente indígena de saúde e que foi embora para a terra de parentes no Mato

Grosso. Penso comigo que ela ficou pouco tempo.

À tarde choveu bastante, Rodrigo chegou da reunião com a prefeitura,

Funasa e representantes das aldeias Renascer e Boa Vista, e ficou

conversando conosco, eu e Iara.

Comecei perguntando como eles se chamavam entre si. A seguir

transcrevo toda nossa conversa, em uma tarde chuvosa, com muitos raios e

que foi muito linda. Ouvindo Rodrigo, transportei-me em toda criação do

mundo Guarani. Não gravei, nem escrevi, apenas ouvi e depois transcrevi. É

importante ressaltar que Rodrigo expressou-se em português, portanto, se

existir alguma transcrição diferente, deve-se à minha dificuldade e à dele com

a língua portuguesa, é claro que se ele fizesse o relato em guarani, seria

muito mais rico, mas teria que ter um intérprete, e na hora, devido à magia do

momento, não me ocorreu tal atitude.

“Pra nós, Mbyá quer dizer “estranho”, igual eu te vejo na primeira vez

(...) eu não te conheço, você é estranha (...) Guarani não chama o outro de

Mbyá, chama de Nhandeva que quer dizer “nós mesmos” ou chama índio de

outra etnia de Nhandeva. Guarani chama de Mbyá uma pessoa que ele nunca

viu, que é estranho. Não chamamos nós mesmos de Mbyá.

Nhanderú Nhamandú é o que fez tudo, que ilumina tudo. Os primeiros

filhos dele são os Guarani, que são os Guarani Nhandeva, os Guarani Irari e

os Guarani Yvyra’ity, estes são os primeiros filhos de Nhanderú Nhamandú na

terra.

Nhanderú Nhamandú tem quatro filhos:

Tem Nhamandú Mirim que é Kuaraý, o sol que ilumina tudo.

Nhanderú Tupã que tem os raios e afasta o mal dos Guarani, protege

os Guarani.

Nhanderú Jakairá que controla o tempo.

Nhanderú karaí que rega a natureza, no primeiro horário da manhã,

ele rega toda a natureza.

Nhanderú também criou o mal, se o Guarani age errado ele vai para o

lado Aña que é o mal.

O líder religioso, se sabe antes de casar, se ele tem contato com

espírito, e torna-se líder religioso, ele não pode casar.

Se já é casado, ele não pode ter uma vida sexual muito forte, tem que

ser mais (...) só amigo da mulher, não pode ser agressivo, nem sair muito (...)

ter uma vida mais isolada (...) ele escuta em sonho o que o espírito quer dizer.

Quando o espírito fala através dele é difícil de entender (...) só outro

pajé que está junto é que entende, é como discurso de político, são palavras

difíceis de entender, o outro pajé entende e depois explica.

O Guarani acredita que em todo lugar tem seus espíritos, se entra no

mar, numa cachoeira, ele pede licença, ele conversa com o espírito,

rezando...

Se a criança pega uma pedrinha da cachoeira, os mais velhos

ensinam a devolver e a conversar com o espírito primeiro.

Eu mesmo agora sou rezador, e ajudo Felipe [outro pajé] (...) quando

vim morar aqui eu só via raio nos meus olhos. Felipe disse que mudar

dependia de mim e que eu tinha ainda me salvado porque o espírito das

crianças que são meus filhos tinham intercedido por mim a Nhamandú Mirim,

se não já tinha ido para o lado de Achý.

Por isso é que as crianças são tão importantes, comento.

É, diz Rodrigo, seus espíritos intercedem por seus pais. A gente reza

por todos os Guarani, os que estão aqui, no sul, no Paraguai, no mundo...

Por isso para nós é bom ter saúde para viver, para ter futuro, não

interessa pra nós ter saúde para filho ser empregado ou trabalhar pros outros.

Ter saúde é bom para viver como Guarani, para continuarmos (...)

não como T., que quer empregar parentes ou ter dinheiro, pra nós não é

assim.”

Rodrigo olha o tempo, diminuiu a chuva, está escurecendo... “vou

indo...”

Passamos uma tarde maravilhosa ouvindo suas explicações sobre a

criação e filosofia Guarani de viver. Agradeci a oportunidade de ouvir.

Rodrigo diz então que são poucos juruá (branco) que gostam de ouvir

as explicações de origem, mas que ele gosta de contar.

6.3 Ouvindo os profissionais de saúde...

O fato de importantes mudanças, já mencionadas, na política de

saúde indígena acontecer em tão pouco tempo, traz nova perspectiva de

atuação não só do órgão responsável como dos profissionais que atuam junto

a estes povos.

Durante a pesquisa de campo, observar a movimentação e a troca de

profissionais foi inevitável. Assim, esta abordagem é apenas uma observação

preliminar. Por ficar tão próxima, tive a oportunidade de conversar com alguns

profissionais sobre o trabalho na aldeia e a relação com a comunidade

Guarani.

Segundo estes, o trabalho melhorou depois que a Funasa passou a

ser responsável, pois tem mais recursos; como disse um deles, “saúde com

saúde e justiça com justiça.”

Os Guarani, na opinião destes profissionais, são muito religiosos,

afetivos, e calmos, não toleram nada imposto “(...) impor uma coisa você não

pode, tem que conversar primeiro sem impor.”

Para estes profissionais para ter sucesso qualquer trabalho com os

Guarani, não pode mentir ou não cumprir promessas. São capazes de

esperar anos pois “não te cobram mas se você não cumprir eles rasgam o

trato. Eles falam sorrindo: ’estou esperando’”...

As doenças mais freqüentes na aldeia são diarréia, verminose,

pneumonia, algumas pessoas com tuberculose e alcoolismo. As doenças

bucais mais freqüentes são a cárie dentária, doenças periodontais, má

oclusão e citam também grande presença de dentes extra-numerários.

Ao perguntar para eles o que o profissional de saúde precisa saber

para não cometer gafes com a comunidade, um deles respondeu:

“O profissional tem que ser comedido como eles são. Esquecer que

ele é o doutor, não impor, ouvir a comunidade. Tem que ter tato (...) pode ser

um cara capacitadíssimo, passou no concurso (...) se não for humilde (...) eles

não entram em rota de colisão (...) simplesmente eles não procuram mais (...)

procuram outro jeito de resolver, outros caminhos.”

Em relação às dificuldades no trabalho, ele relata:

“a dificuldade é a adesão a novos costumes. É difícil, por mais que se

faça sensibilização, por exemplo, a usar a escova de dentes. Porque isso vai

interferir no modo de vida deles. Eles são um todo, não posso

compartimentalizar a boca.”

Para outro profissional, para trabalhar com índio não pode trabalhar

com horário marcado, “com eles você tem hora para chegar e não tem para

sair.”

7. DISCUSSÃO Segundo Minayo (1992), a análise do material obtido em trabalho de

campo na pesquisa qualitativa pode ser análise de conteúdo, análise de

discurso, e uma forma que a autora chama de hermenêutica–dialética.

Conforme cita a autora:

”(...) hermenêutica consiste (...) na explicação e interpretação de um pensamento (...) a hermenêutica-dialética não determina técnicas de tratamento de dados e sim a sua auto-compreensão. É nesse espírito que a tomamos aqui, isto é, como ‘caminho do pensamento’ (idem, p.219)

Baseando-se nesta proposta é que iniciamos a reflexão sobre o

material colhido na pesquisa de campo.

Cabe ressaltar que a pesquisadora está incluída na área da Saúde

Coletiva, não tendo domínio da análise utilizada na Antropologia. Mesmo com

estas dificuldades procuramos analisar o material obtido utilizando o método

etnográfico e o conceito de bucalidade, procurando “buscar o invisível, aquilo

que o clínico mais minucioso não veria e nem pretende: A subjetividade

humana, localizada na boca” (Kovaleski,2004). Bucalidade, que como foi

citado:

“se realiza [na] manducação, [na] linguagem e [no] erotismo articulados diretamente à cultura, ao trabalho e à comunicação humana.”(Botazzo, 2000)

Os Guarani da aldeia Boa Vista (Tekoa Jaexa Porã) moram a 30 km

da cidade de Ubatuba, município turístico do litoral norte de São Paulo. A

aldeia fica relativamente afastada da estrada Rio-Santos, (1,5km mata

adentro, em estrada de terra), no entanto a comunidade mantém

relacionamento com a cidade, moradores próximos e grupos escolares que

visitam a aldeia. Alguns homens trabalham esporadicamente em algumas

residências de verão, turistas costumam visitar a aldeia principalmente em

alta temporada, onde compram artesanatos, enfim, o contexto onde vivem os

Guarani é de contato e troca com a sociedade local, mas também uma luta

para se manterem no modo de ser e viver como Guaranis.

Para análise dos dados obtidos relacionaremos algumas categorias

segundo o material coletado.

1. podemos relacionar o cuidado de si dos mais antigos em oposição

ao cuidado dos mais jovens e crianças.

2. Os modos de cura tradicionais .

3. A relação guarani e sociedade nacional

7.1 Cuidado de si

É muito contundente toda fala dos mais velhos no que se refere às

diferenças no modo de ser dos mais velhos em relação aos mais jovens.

Júlia e Mauro enfatizam a diferença de cuidados dos mais antigos

com os mais novos. Ainda mais, relacionam as mudanças em relação à saúde

e doença com novos hábitos, particularmente alimentares.

No dizer de Júlia,

”antigamente parecia que a saúde das crianças era melhor. Hoje em

dia tem criança que fica doente, internada, tem que voltar sempre pra

internação. Não sei se é a comida. Hoje em dia criança não passa sem

açúcar, arroz, feijão, café.”

Já o relato de Mauro é o mais contundente, primeiro ele relaciona as

doenças que mais acometem as crianças como...”vindo do lado dos brancos”.

Ao ser perguntado também sobre qual o problema principal na aldeia,

Mauro afirma “(...) muitas crianças internadas, doenças assim (...) vindo dos

brancos, né? Pneumonia, bronquite, tudo.”

Tanto Mauro, como Júlia e Álvaro fazem a oposição alimento natural, o

alimento que os Guarani costumavam consumir, com alimento industrializado,

ou dos brancos que os jovens e crianças consomem atualmente, e relacionam

esta mudança à piora da saúde das crianças.

Como afirma Mauro, “a gente mudou muito (...) até na alimentação, a

causa disto tudo é a alimentação (...) o organismo foi enfraquecendo, o

organismo era forte com aquela comida natural, era antes difícil ficar doente.”

Seu relato de como era a alimentação antigamente é significativo,

uma lembrança saudosa do viver na aldeia... “antes não tinha café, açúcar e o

doce era mel, banana madura...”, algo como parte de um imaginário que por

vezes encontramos também com nossos idosos:

Quando, entretanto, indagamos a Pedro, guarani de uma geração

mais nova (tem 21 anos) em comparação com os outros entrevistados (média

50 anos), por quê as crianças adoecem mais, sua percepção é outra: ”esse

ano as crianças têm problemas sobre (...) pneumonia....(...) só que as mães

das crianças que demora pra levá no hospital...”

Tanto quanto a vida antiga, falam sobre e valorizam a comida natural,

uma valorização da comida natural sempre relacionada à boa saúde, e que

ecoa também na saúde da boca.

Segundo Álvaro, “a gente come mais comida natural, criança é que

tem mais dor de dente, come muito açúcar...“

Também João, ao explicar que seus antepassados tinham os dentes

melhores, relacionou com a alimentação natural, fazendo o contraponto com a

alimentação atual ou industrializada. E mais, concordou com o discurso

odontológico sobre a causa da doença dos dentes:

“eu acho que é como os juruá falam, que é a alimentação (...) pois

antes (...) não comiam arroz, extrato de tomate e os dentes eram bons. Eu

acho que é mesmo como o branco diz, que comer doces estraga.”

Segundo Ladeira (2001), ”juruá quer dizer, literalmente, ‘boca com

cabelo’, uma referência à barba e ao bigode dos europeus portugueses e

espanhóis conquistadores” (p.77).

Esta relação, por demais repetida na clínica odontológica, da relação

do açúcar com dor de dente, também é mencionada por Álvaro. No início da

pesquisa, ao explicar sobre o propósito de conhecer os cuidados bucais

relativos à higiene e como resolviam seus problemas relativos à boca, este

simplesmente relacionou a dor de dente.

Em relação aos cuidados corporais, Álvaro e também Mauro contam

como cuidam de si.

Segundo Álvaro: ”antes banho era na cachoeira, eu mesmo só tomo

banho lá, não uso o chuveiro, nunca preocupei em lavar os dentes.”

As pessoas mais velhas com que conversei relataram que continuam

com o banho na cachoeira, também contaram de modo tranqüilo que lavam

os dentes lá, usando a mesma expressão que se usa para limpar o corpo, não

existindo a separação dos cuidados de limpeza do corpo. Lava-se o corpo,

lava-se a boca. Os mais jovens também relatam que quando eram pequenos

lavavam a boca.

Já Álvaro, relata nunca ter se preocupado em lavar os dentes e que

ele e sua esposa nunca tiveram dor de dente, contando este fato com orgulho

e diria que até com uma certa ironia.

Mauro no seu relato afirma que as vezes lava a boca, e conta que as

crianças aprendem a escovar os dentes na escola, onde também é utilizado o

flúor. Mas, no seu dizer, “na escola eles aprendem a escovar e usam flúor

também, mas sai da escola, acho que eles não fazem [escovar] porque eles

esquecem.”

O lugar de primeiro contato com a escova e pasta dental é na escola.

Pedro também afirma “quando eu tinha 8, 9 anos não escovava o

dente, a gente morava longe da cidade, era difícil comprar pasta, escovinha

de dente (...) aí comecei a estudar, aí professora ajuda os alunos pra escovar

o dente....”

Ressalto a observação deles quanto ao gosto da pasta dental quando

usaram pela primeira vez: ”aí primeiro não acostumei também pra escovar

porque tem muito forte aquele pasta, o sabor, forte mesmo...”

João também relata sobre o uso da escova e pasta, e sua impressão

sobre o gosto: “(...) só os mais novos usam, os mais velhos não usam. A

primeira vez que usei a pasta achei horrível, o sabor horrível, agora já

acostumei.”

Ao questioná-los tentando obter mais detalhes sobre o horrível,

limitaram-se a sorrir e dizer era forte, diferente.

7.2 Modos de cura tradicionais Na verdade, modos de cura tradicionais envolvem muito mais que o

simples relato de cuidados diferentes para determinadas doenças.

É preciso reconhecer que estes modos de curas estão incluídos em

uma visão de mundo imbricados em uma rede simbólica que contém aspectos

sociais, religiosos e culturais de um determinado povo.

Como conversamos em português, era nítido o cuidado que tinham ao

fazerem seus relatos, utilizando palavras como “simpatia” ou “conselho”,

talvez por ter ouvido com diferentes interlocutores esses termos.

Quando mencionam as “simpatias”, Mauro, por exemplo, revela receio

de contar, porque, conforme diz, “não pode matar animais”, ou talvez por

saber que para a sociedade nacional isto é considerado exótico.

Ao descrever a utilização de dentes ou ossos de animais para

fortalecer os dentes, os Guarani associam a animais que têm os “dentes

fortes”. No dizer de Mauro, “antes o pajé fazia remédio para o dente ficar

forte. Pó com ossos de animais (morcego, capivara, jacaré).” Ao ser

perguntado por quê utilizavam esses animais ele responde: “porque ele sabia

que os dentes destes animais eram resistentes.”

E reforça no seu relato que este é um costume Mbyá.

Tanto Mauro como Pedro relatam a utilização de osso da asa do

morcego na lua nova, para fortalecer os dentes, como conta Pedro: “eu vi

meu pai pegando morcego na lua nova (...) pega osso tem que ficar uma

semana secando e depois passa nas crianças (...) que tem dente que cai,

passa tudo e não vai estragar nada.”

Mauro, ao descrever os cuidados para diferentes problemas bucais,

explica que quando necessário utilizam as ervas mencionadas. Segundo ele,

os mais velhos, tanto homem como mulher, sabem utilizar as ervas

medicinais, mas enfatiza que “hoje em dia ninguém mais usa isso.”

Também Mauro descreve cuidados e restrições alimentares quando a

criança passava para adolescente, ocasião que existe a troca da dentição.

Cuidados estes que eram “aconselhados” pelos pais: “quando trocava

os dentes (...).era aconselhado pelos pais, pelos antigos, davam conselho

para que enquanto o dente nascesse, não podia chupar cana, tomar mel e

todos obedeciam.” Em entrevista realizada em outra ocasião, quanto a não

comer coisas quentes ele acrescentava: ”para não trincar os dentes.”

Em relação a este costume, o guarani Manoel Lima, na ocasião vice

presidente do Conselho Distrital do Litoral Sul, relata:

“(...) nas aldeias não costumamos comer coisa gelada, comemos alimentos quentes, mornos, que é também para conservar os dentes. Aí, então, se coloca uma comida fervendo na mesa e toma um refrigerante gelado por cima, que trinca os dentes (2004, p.74).

Álvaro também afirma: “(...) índio guarani dá muito conselho, fala

bastante pra criança cuidar do dente, quando ele está crescendo...”.

A compreensão da importância dos “conselhos” deu-se após

conhecer o universo Guarani e o valor que a palavra tem nele.

Por isso Ferreira (2004), ao relatar uma proposta de trabalho com os

Guarani Mbyá no Rio Grande do Sul, enfatiza a utilização da palavra como

“(...) uma das formas de auto-atenção de saúde existentes entre os Mbyá-Guarani: a instituição do aconselhamento por meio das “boas palavras” (p.90) .

Para o Guarani vida, saúde e doença estão inseridas em uma

concepção que inclui normas e prescrição de condutas, o modo de ser (ñande

reko). Conforme a bibliografia sobre os Guarani (Schaden, Clastres, Meliá) é

muito importante e fundamental a palavra, a fala.

Quando Mauro relata a doença que teve e precisou da intervenção do

pajé, é na garganta que está o mal. No dizer dele:

“Uma vez fiz tratamento com o pajé, não me sentia bem, tinha dores

no corpo, dor de garganta, ele fez reza, constatou que era feitiço.”

Lopes (2001), ao comentar sobre a sede da alma – a palavra, para os

Guarani - aponta que para autores como Meliá e os Grünberg

“ñe’ë tem assento na garganta e por isso dor ou enfermidade na garganta são consideradas perigosas” (p.99).

Pedro, ao explicar como reconhecem as doenças espirituais, relata a

diferença do diagnóstico da doença segundo o sistema guarani: “o doutor, o

branco não consegue descobrir qual doença que a gente tem. A pessoa sente

dor, só que tira tudo, tira raio x mas não acha nada.”

Mauro, finalmente, ao referir o que um profissional deve saber para

trabalhar com os Guarani, reitera a importância desse elemento estruturante

pois novamente aponta para a língua, a fala guarani. Para ele, respeitar a

língua e a cultura é o destaque a ser dado para qualquer pessoa que vá

trabalhar com os Guarani.

7.3 Os Guarani e a sociedade nacional

Este povo mantêm contato tão intenso com a sociedade nacional, e

isto desde as primeiras incursões portuguesas e espanholas, que por isso

mesmo foi em numerosas ocasiões considerado como ‘integrado”. Continua,

no entanto, vivo enquanto povo, com uma relação dinâmica com a sociedade

nacional.

Por ter experiência anterior em trabalho na década de 80 e 90 com

povos isolados, como os Yanomami, e presenciar suas dificuldades frente a

contatos traumáticos com “o branco”, encontrar uma comunidade Guarani em

uma cidade do Estado de São Paulo, turística, com um contato intenso, e esta

comunidade mostrar suas concepções de mundo, sua língua, enfim seu viver

enquanto grupo, é motivo de esperança em relação aos diversos povos

indígenas.

Problemas existem. Falta de terra para que possam viver de acordo

com seus costumes e preconceitos, com doenças relacionadas ao contato

traumático com a sociedade nacional, como alcoolismo e doenças

sexualmente transmissíveis (DST), a desnutrição, a violência, são fatores que

precisam ser levados em conta em qualquer política para este povos.

Além do mais, a sociedade nacional deve compreender que as

sociedades indígenas são dinâmicas e que continuam existindo como tal,

mesmo quando têm contato permanente com esta sociedade.

Para os mais velhos entre os Guarani existe uma preocupação em se

manter enquanto povo, observamos nos relatos esta preocupação em não

esquecer os costumes e a língua, ou mesmo na dificuldade dos mais velhos

com algumas relações com a sociedade nacional, coisas cotidianas ou

prosaicas para nós como andar de ônibus... (“as índias não gostam de andar

de ônibus”), ou ficar no hospital; para Mauro “hoje ninguém [mais velhos] fala

com os jovens.”

Ele relata a diferença de alguns hábitos: ”eles comem a comida da

escola e ficam pesados. Hoje só alguns pajés fazem jejum, ou comem batata

assada, ou tomam bebida feito de milho.”

A preocupação é com o futuro enquanto povo. Segundo Mauro, “na

aldeia hoje a gente observa e os mais velhos ficam conversando assustados

e se perguntam ‘o que vai ser futuramente’?”

Pedro também a certa altura da entrevista afirma: ”hoje em dia os

mais velhos sabem mas não mais é todo mundo, o pessoal não sabe mais,

tem que perguntar, conversar com mais velho.”

No entanto, os mais jovens entendem esta preocupação e

demonstram compreender a dinâmica em que estão inseridos. No dizer de

Pedro:

“porque tem muita gente que fala, os juruá falam ‘ah! Índio já esquece

tudo dos costumes deles, tradição’, mas não é por aí não, porque a gente

sabemos que acrescenta mais, né? Porque a gente tem nossa cultura,

tradição, aí entra também o costume do juruá, a gente pega também, não tem

como. O cacique, ele quer que a gente converse entre nós em guarani, por

isso que as vezes a gente tem dificuldade com o português.”

Ou Rodrigo, no final do seu relato sobre o mundo segundo os

Guarani: ”por isso para nós é bom ter saúde para viver, para ter futuro, não

interessa pra nós ter saúde para filho ser empregado ou trabalhar pros outros.

Ter saúde é bom para viver como guarani, para continuarmos.”

Para os Guarani, utilizar os modos de cura da sociedade nacional é

mais uma possibilidade, e não a única, isto incluindo os cuidados com a boca.

Mais importante que a instituição de um subsistema de saúde

indígena é a formação dos profissionais que irão atuar junto a este povos.

A cultura e os rituais destes povos não podem ser encarados como

exóticos, ou mesmo que atrapalhem as ações de saúde.

Como afirma Pacheco de Oliveira (2004):

“Só em ocasiões muito esporádicas, quando confrontados por manifestações fortemente contrárias, é que os agentes de saúde aqui incluídos (planejadores, médicos, enfermeiras, etc), tomam ciência da existência de outros cânones, logo rejeitados como ‘exóticos’, não científicos e inadequados. Dependendo do grau de tolerância com que operam tais agentes não indígenas, essas manifestações podem ser proibidas e perseguidas, ridicularizadas, ignoradas ou ainda encerradas em uma vitrine étnica, destinada a um consumo meramente identitário e emblemático (p.28)”

No caso da odontologia, a falta de discussão ou de proposta em

conhecer a percepção das pessoas, ou povos, com que trabalham, fazem

com que boa parte dos profissionais coloquem propostas de promoção de

saúde sem ao menos discutir ou conhecer como determinado povo ou grupo

de indivíduos cuidam de si.

8. CONCLUSÃO

Observamos que, quando buscava conhecer as representações sobre

a boca e o processo saúde-doença e cuidados, o quanto para o Guarani é

difícil pensar sobre estes aspectos separadamente do corpo como um todo

pois, para os Guarani a boca e os cuidados bucais não existem separados do

corpo.

Para eles, a boca adoecer, assim como qualquer outra parte do

corpo, está incluída em uma concepção mais ampla, que envolve a maneira

como vêem o mundo. Concepção esta, onde tudo está interligado, a natureza,

a alma, a pessoa.

Como afirma Clastres (1995):

“(...) o mundo ao redor não é, para os índios, um puro espaço neutro, mas o prolongamento vivo do universo humano: o que se produz neste afeta sempre aquele.” (p.20)

Para os Guarani a fala é sagrada e, portanto, valorizam o silêncio, a

falar só quando se tem certeza. Utilizam as rezas e cantos, as “boas palavras”

onde aconselham e curam quando necessário.

Ao ter a oportunidade de conhecer um pouco de seus pensamentos

sobre Nhanderú, no relato de um homem Guarani, pude mergulhar em uma

maneira de viver onde todos os seres da natureza estão entrelaçados.

Meu interlocutor encerrou a conversa dizendo: ”são poucos os juruá

que gostam de ouvir, mas eu gosto de contar.”

Conhecer os sistemas de cura das populações indígenas e trabalhar

em conjunto com estes povos é perfeitamente possível na busca de um

trabalho mais eficiente a longo prazo.

Ferreira (2004), ao apresentar uma proposta de atuação conjunta com

os Guarani-Mbyá do Rio Grande do Sul acerca do alcoolismo, mostra um

caminho interessante pois, ao envolver os karaí (mensageiros dos deuses) e

a utilização do modo guarani de cura, que é o uso das boas palavras, propõe

o envolvimento da comunidade a partir do seu próprio pensamento, e não o

contrário, constituindo um modelo participativo efetivo.

Como afirma a autora:

“O caminho de intervenção adotado sobre o uso abusivo de bebidas alcoólicas buscou aproveitar as práticas tradicionais de auto-atenção à saúde e de organização política Mbyá Guarani já existentes (...) com o objetivo de realizar um trabalho de cunho comunitário (...) as reuniões gerais (...) foram ações experimentais que emergiram (...) e que potencializaram uma das formas de auto atenção de saúde existentes entre os Mbyá Guarani: a instituição do aconselhamento por meio das ‘boas palavras’. Essas ações se constituíram em eventos discursivos, nos quais o processo de fala foi organizado com base no sistema de regras tradicionais de interação cerimonial do grupo indígena” (p.90).

Sem dúvida, também a promoção da saúde bucal deveria se pautar por

ações conjuntas com as comunidades indígenas, valorizando o conhecimento

dos mais velhos e propondo ações a longo prazo, enfatizando a troca de

conhecimentos. Não se trata de conhecer seus modos de cura como algo

exótico, mas realizar propostas de ações a partir desta troca.

Este tipo de trabalho requer um tempo maior, pois os povos indígenas

desconfiam com razão dos profissionais da saúde ou das propostas por eles

implementadas, que surgem da sociedade nacional. Geralmente eles vêm e

vão ao sabor do vento, somem. Para que confiem é preciso vínculo com a

comunidade, presença e respeito genuíno. Não é à toa que os Guarani

demoram a confiar e, mesmo assim, com todo direito, não contam todo seu

conhecimento.

Os profissionais que têm o propósito de trabalhar com comunidades

indígenas devem ter em primeiro lugar o objetivo de conhecer a dinâmica

social destas comunidades, superar o “choque cultural” e procurar entender

como cuidam de si. Todavia, alguns profissionais chegam nestas

comunidades com a pretensão de ditar regras e “arrumar o caos” sem

questionar quais são os determinantes sociais e culturais destes povos.

O contato entre diversas sociedades altera geralmente a minoritária,

mas tais sociedades são dinâmicas, e os Guarani, a despeito do contato de

quinhentos anos com a sociedade nacional mostram que existem e querem

continuar existindo como Guaranis.

Este contato trouxe, em geral, a destruição de muitos grupos

indígenas e mesmo os Guarani lutam para manter suas terras, suas crianças

vivas e que sejam respeitados pelos Juruá. O profissional de saúde deve ser

o primeiro a respeitar e conhecer seu modo de ser.

Glossário Nhanderú Deus , Nosso Pai

Xejurú boca

Xeampekun língua

Txanaýxery dentes

Xeretë corpo

Xenëe alma

Awakue homem

Cunhãgue mulher

Mitãi bebê

Emokanou mamar

Xeboeny nome guarani

Axý garganta

Xeavu fala

Kuaraý sol

Kaguijý sopa de milho Opy casa de reza

Porä bonito, beleza

Yvy mara ey Terra sem Mal

Juruá boca com cabelo, homem branco

Aguyje perfeição, bem aventurança

Tupã deus do trovão e raios

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