REGULAMENTO DA UE SOBRE APROVISIONAMENTO … · que o cobalto extraído por crianças trabalhadoras...
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Fevereiro de 2016
REGULAMENTO DA UE SOBRE APROVISIONAMENTO RESPONSÁVEL DE MINERAIS A RESPOSTA DA SOCIEDADE CIVIL AO MANDATO DO CONSELHO APROVADO NO ÂMBITO DO COREPER EM 17 DE DEZEMBRO DE 2015
Os impactos devastadores do comércio de minerais com
ligações a conflitos e violações dos direitos humanos estão
devidamente documentados.1 O problema não
desapareceu. Uma série de relatórios e acontecimentos
recentes põe em destaque a urgência de se fazer frente a
este desafio, bem como os danos reputacionais que as
empresas e os investidores podem sofrer quando não é
feita a verificação prévia (“due diligence”).
• Em 20 de Agosto de 2015, uma empresa belga, a Kardiam,
foi incluída na lista de sanções da ONU por prestar "apoio
a grupos armados na República Centro Africana ... através
da exploração ilícita e comércio de recursos naturais,
incluindo diamantes e ouro"2. A Kardiam negou as
alegações da ONU em comunicado à Global Witness.
• A Declaração de Berna publicou recentemente um
relatório declarando que a maior empresa refinadora de
ouro do mundo, que tem a sua base na Suíça, “compra
ouro extraído por crianças". A Declaração de Berna
declara que a empresa recusou os seus pedidos de
reunião e não respondeu às perguntas enviadas por
email.3
• A Amnistia Internacional e a Afrewatch publicaram
recentemente um relatório que constata que "grandes
empresas de eletrónica, como a Apple, Samsung e Sony,
não estão a fazer as verificações básicas para garantir
que o cobalto extraído por crianças trabalhadoras não é
utilizado nos seus produtos". 4 O anexo do relatório
apresenta em resumo as respostas das empresas às
conclusões daAmnistia.5
O mandato do Conselho não dá uma resposta eficaz por
parte da UE ao problema. O Conselho está a propor um
esquema voluntário de verificação e a ignorar a grande
maioria das empresas que colocam estanho, tântalo,
tungsténio ou ouro (‘3TG’) no mercado da UE - quer em
bruto, quer em produtos como portáteis e motores. Está
também a prejudicar seriamente o quadro internacional
anteriormente apoiado pela UE – o Guia OCDE sobre
Verificação Prévia ("OECD's Due Diligence Guidance”).6
Deste modo, o Conselho está a desagravar o próprio
significado de empresa responsável.
O Guia OCDE sobre Verificação Prévia foi negociado e
aprovado pelo setor, pelos Governos e pela Sociedade
Civil. Já constitui a base de leis noutros países e foi
aprovado por 34 países membros da OCDE, outros 19 países
e pelo Conselho de Segurança da ONU.7 Além disso,
constitui a base das novas normas do setor na China, em
matéria de verificação prévia nas cadeias de fornecimento
de minerais.8 E implementa especificamente nas cadeias de
fornecimento de minerais à escala mundial os Princípios
Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU,
que definem responsabilidade empresarial relativamente
aos direitos humanos.9
As empresas da UE já estão a implementar o quadro de
verificação prévia da OCDE, em grande parte devido à
influência da secção 1502 da Lei Dodd-Frank Act (DFA
1502), dos EUA: a realização de uma verificação prévia em
conformidade com a norma da OCDE é um requisito legal
para as empresas que apresentem relatórios ao abrigo da
lei norte-americana.10
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• A Comissão estima que 40 empresas com dupla cotação
estão diretamente sujeitas aos requisitos da DFA 1502.11
• Até cerca de 17 por cento das empresas da UE que
trabalham com o 3TG são, além disso, afetadas pelos
requisitos da lei dos EUA por fornecerem clientes dos
EUA.12
• Impulsionados pela DFA 1502, há regimes setoriais que
já apoiam as empresas — de formas muito práticas — a
cumprir as normas da OCDE.13
Assim, é extremamente preocupante que o Conselho
tenha proposto a reabertura e o desagravamento desta
norma estabelecida de uma forma que pouco ajuda as
empresas da UE que já estão a implementá-la, e de uma
forma que limita a eficácia da resposta da UE ao comércio
de minerais de conflito.
O contraste entre a posição do Conselho e a retórica da UE
em matéria de cadeias de abastecimento responsáveis não
podia ser mais acentuado. No último outono, a UE apoiou
os compromissos assumidos pelo G7 para fomentar as
cadeias de abastecimento globais sustentáveis.14 Ao abrigo
desta nova estratégia comercial, a Comissão argumenta que
"a gestão responsável das cadeias de abastecimento globais
é essencial para ajustar a política comercial aos valores
europeus”. No contexto dos minerais de conflito,
compromete-se a agir "com base nos trabalhos da
OCDE".15
O Regulamento da UE oferece aos Estados-Membros uma
oportunidade atempada de concretização destes
compromissos. Os Governos desenvolveram esforços no
sentido de tornarem as cadeias de abastecimento mais
responsáveis noutros setores – como os setores da
alimentação, madeira, finanças e serviços financeiros. Mais
recentemente, o Reino Unido mostrou a sua liderança na
questão da escravatura moderna.16 No entanto, tem havido
alguma lentidão por parte dos Governos na promoção da
transparência e responsabilidade comparáveis e tão
necessárias ao longo das cadeias de abastecimento dos
minerais. Dos casos de suborno analisados pela OCDE em
2014, a percentagem mais elevada (19%) foi no setor da
extração.17
De que maneira está o Conselho a prejudicar a norma internacional da OCDE?
O mandato do Conselho não dá uma resposta eficaz ao Guia
OCDE sobre Verificação Prévia em três aspetos importantes.
1. Propõe medidas específicas de verificação prévia que
ficam consideravelmente abaixo da norma da OCDE
(Artigos 4.º e 5.º da proposta de Regulamento da
OCDE). Ao exigir menos de determinadas empresas —
como é o caso dos fabricantes e comerciantes — o
mandato apresenta-os como “responsáveis”, mesmo
que não cumpram a norma da OCDE. Por exemplo:
> O Conselho reduz significativamente a avaliação de
riscos da cadeia de abastecimento que os fabricantes
e comerciantes de metais (“importadores de metais”)
têm de fazer. Limita a informação que estas empresas
devem procurar a uma mera observação das
“inspeções disponíveis”, deixando assim de fora outras
informações disponíveis que estejam na posse de uma
empresa (como, por exemplo, políticas dos
fornecedores e informação sobre os países onde as
fundições se abastecem) ou no domínio público (como
relatórios da ONU e de ONG). Além de não preencher
os requisitos da norma da OCDE, isto também tem
implicações práticas. Uma empresa pode cumprir o
Regulamento e, deste modo, ser considerada
“responsável” se analisar os relatórios de inspeção das
fundições que integram as suas cadeias de
abastecimento, e decidir que, meramente com base
nos relatórios de inspeção, as fundições são entidades
responsáveis. Tem liberdade para ignorar toda a outra
informação, mesmo que saiba que uma fundição teve
um comportamento irresponsável, por exemplo, ao
não verificar devidamente se houve financiamento de
conflitos ou abusos dos direitos humanos na sua
cadeia de abastecimento.
> No caso de não existir um relatório de inspeção sobre
uma determinada fundição, o Conselho exige aos
importadores de metais apenas uma avaliação de
riscos ad hoc. A norma da OCDE especifica claramente
que as empresas deviam instituir processos individuais
contínuos de gestão de riscos para poderem dar
resposta aos riscos sempre que surjam na sua cadeia
de abastecimento.
> O Conselho retira referências ao Guia OCDE enquanto
norma de verificação prévia que os importadores de
metais devem cumprir quando identificam, avaliam
ou mitigam os riscos nas suas cadeias de
abastecimento. Assim sendo, não têm qualquer
obrigação de avaliar ou gerir riscos de acordo com
qualquer norma especial e as autoridades dos Estados-
Membros não dispõem de qualquer norma
significativa relativamente à qual possam avaliar as
suas práticas.
Ao que sabemos, as normas de verificação prévia
reduzidas foram, em parte, impulsionadas por
preocupações relativamente às pequenas e médias
empresas (PME). No entanto, as PME desempenham um
papel importante nas cadeias de abastecimento dos
minerais e têm capacidade para cumprir as normas da
OCDE se dispuserem das ferramentas e orientações
corretas. A verificação prévia foi concebida para dar às
3
PME a flexibilidade de que necessitam – normas
adaptadas à dimensão de uma empresa, à posição na
cadeia de abastecimento e influência relativamente aos
fornecedores. Um estudo recente sobre o setor das
madeiras constatou que a dimensão de uma empresa
“não é necessariamente importante quando se trata de
gerir o risco com as cadeias de abastecimento... as
empresas mais pequenas conseguem implementar um
sistema que resulta para elas".18
2. O mandato não abrange um número significativo de
empresas a jusante, ao ignorar aquelas que são as
primeiras a colocar produtos que contêm 3TG no
mercado da UE.
O Guia OCDE torna claro que a verificação prévia foi
concebida com o intuito de envolver uma proporção
muito maior do setor a jusante do que a dos
importadores de metais abrangidos pelo mandato do
Conselho. Ao fazê-lo, cria cadeias de abastecimento mais
transparentes e resilientes em que as empresas podem
trabalhar em conjunto para partilharem informações,
pressionar em conjunto os fornecedores (incluindo os
que sejam de fora da UE) e elaborar regimes e boas-
práticas para todo o setor. As empresas a jusante
desempenham uma função única – podem ser algumas
das empresas mais poderosas e lucrativas do mundo, ter
uma influência significativa sobre os fornecedores a
montante e ser os grandes impulsionadores das
iniciativas do setor. Ao concentrarem a sua ação em 300-
400 importadores, os Estados-Membros estão assim a
falhar uma oportunidade importante de utilizarem uma
influência muito maior em termos comerciais.
3. O mandato não reflete a natureza progressiva e flexível
da verificação prévia conforme estabelecida no Guia
OCDE sobre Verificação Prévia (ver o Considerando 9(a)
e o Art. 1.º, 2(b) e (d) da posição do PE).
> A verificação prévia é proporcional – não é uma
abordagem de ‘tamanho único’. Dá às empresas a
flexibilidade de que necessitam para adaptar a
verificação prévia às suas próprias circunstâncias,
como a sua capacidade, dimensão e posição na cadeia
de abastecimento.
> A verificação prévia não é um exercício de
conformidade esporádico. Exorta as empresas a
envolverem-se proativamente e de forma contínua e
individual na identificação e gestão de riscos nas suas
cadeias de abastecimento, e a mostrarem os
progressos ao longo do tempo.
Estes princípios de base foram refletidos nas leis
existentes da UE e nacionais. Espera-se das entidades
que tomem medidas "adequadas" para identificar,
avaliar e gerir o risco de branqueamento de capitais e de
financiamento do terrorismo "proporcionadas à
natureza e à dimensão das entidades obrigada".19 A Lei
Anti-Suborno do Reino Unido (UK Bribery Act) exige que
as organizações instituam procedimentos que evitem o
suborno que sejam proporcionais aos riscos com que se
confrontam na prática, e à natureza, escala e
complexidade das atividades individuais da organização.
As empresas devem monitorizar e introduzir melhorias a
estes procedimentos.20
A nossa coligação de mais de 80 Organizações da Sociedade
Civil espera que os Estados-Membros aproveitem esta
oportunidade para mostrar a sua liderança e se lancem num
diálogo construtivo que torne bem claro às empresas,
investidores, consumidores e a quem é afetado pelo
comércio de minerais de conflitos, que a UE está firme na
sua aposta em cadeias de abastecimento mais
transparentes e responsáveis. Isto significa mostrar um
compromisso genuíno em agir com base nos progressos,
lentos demais para as vítimas deste comércio fatal, em vez
de procurar atalhos que se traduzem apenas em
retrocessos.
Recomendamos aos Estados-Membros uma reavaliação das suas posições e deverão:
1. Mostrar liderança nesta questão, apoiando os requisitos obrigatórios de verificação prévia (“due diligence”) para as empresas abrangidas;
2. Apoiar um Regulamento que esteja alinhado com o Guia OCDE sobre Verificação Prévia, devendo para tal:
> Garantir que todas as obrigações de verificação prévia estejam em conformidade com a norma da OCDE
> Vincular as empresas a jusante dos importadores de metais, designadamente as empresas que coloquem no mercado da UE produtos que contenham os minerais abrangidos
> Incluir uma linguagem que reflita a natureza flexível e progressiva da verificação prévia
4
NOTAS FINAIS (conforme original)
1 For example, see previous brief-ings by members of our coalition: https://www.globalwitness.org/ documents/18087/NGO_Coalition_ Briefing_-_EU_Regulation_on_Re-sponsible_Mineral_Sourcing.pdf and https://www.globalwitness.org/docu-ments/18059/Breaking_the_Links_-_ Joint_NGO_Position_Paper_ENG.pdf. See also http://business-humanrights. org/en/background-conflict-miner-als-eu-responsible-mineral-sourc-ing-regulation
2 See https://www.un.org/sc/suborg/ en/sanctions/2127/materials/summa-ries/entity/bureau-d%27achat-de-dia-mant-en-centrafrique/kardiam
3 Berne Declaration, 10 September 2015, 'Largest Swiss refinery purchases gold extracted by children', https://www.bernedeclaration.ch/ media/press-release/largest_swiss_ refinery_purchases_gold_extract-ed_by_children/
4 Amnesty International, 19 January 2016, 'This is what we die for: Human rights abuses in the Demo-cratic Republic of the Congo power the global trade in cobalt', https:// www.amnesty.org/en/documents/ afr62/3183/2016/en/
5 The responses of the companies can be found in the annex to the English language report from Page 75 onwards, available at: https://www. amnesty.org/download/Documents/
AFR6231832016ENGLISH.PDF
6 Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD), 2013, 'OECD Due Diligence Guidance for Responsible Supply Chains of Minerals from Conflict-Affected and High-Risk Areas', available at: http://www.oecd. org/fr/daf/inv/mne/mining.htm
7 The OECD Guidance has been endorsed by 34 OECD member countries, plus Romania, Lithuania, Latvia, Brazil, Argentina, Peru, Morocco, the twelve member states of the International Conference of the
Great Lakes Region (ICGLR) and the UN
Security Council. Nine non-Members, namely Argentina, Brazil, Colombia, Costa Rica, Latvia, Lithuania, Morocco, Peru and Romania, who are all Adherents to the Declaration on International Investment and Multinational Enterprises, have adhered to the OECD Council Recommendation, available at: http://webnet.oecd.org/OECDACTS/ Instruments/ShowInstrumentView. aspx?InstrumentID=268&Instrument- PID=302&Lang=en&Book=False
8 Global Witness, 2 December 2015, 'Global Witness welcomes progressive new Chinese mineral supply chain guidelines', https:// www.globalwitness.org/en/press-releases/global-witness-welcomes-progressive-new-chinese-mineral-supply-chain-guidelines/
9 UN Office of the High Commissioner for Human Rights, 2011, 'Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations "Protect, Respect and Remedy" Framework' UN Doc HR/ PUB/11/04, available at www. ohchr.org/Documents/Publications/ GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf
10 For example, Vodafone recently admitted to Amnesty International that they only do OECD level due diligence for tin, tantalum, tungsten and gold because it is legally required under DFA 1502. Vodafone stated that: "it is important to note that cobalt is not one of the minerals included in the [legally required] Conflict Minerals report and therefore [not] subject to the same level of due diligence as the other minerals noted above [tantalum, tin, tungsten or gold]." See Amnesty International, 19 January 2016, 'This is what we die for: Human rights abuses in the Democratic Republic of the Congo power the global trade in cobalt', Annex, p.81, available at https:// www.amnesty.org/en/documents/
afr62/3183/2016/en/
11 European Commission, 5 March 2014, Impact Assessment, p.23, http:// trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2014/ march/tradoc_152229.pdf
12 European Commission, 5 March 2014, Impact Assessment, p.13, p.19, p.23, and p.36.
13 For example, see http://www.lbma. org.uk/responsible-gold and http:// www.gold.org/sites/default/files/doc-uments/Conflict_Free_Gold_Stand-ard_English.pdf
14 European Commission, 12
October 2015, 'EU announces plans to improve workplace safety and labour practices in producing countries', http://europa. eu/rapid/press-release_IP-15-5823_ en.htm
15 European Commission, October 2015, 'Trade for all: Towards a more responsible trade and investment policy', p. 7, p.24 and p.25, http://trade.ec.eu-ropa.eu/doclib/docs/2015/october/
tradoc_153846.pdf
16 UK Modern Slavery Act 2015, available at: http://www.legislation.gov.uk/ ukpga/2015/30/contents
17 OECD, 2 December 2014, 'OECD Foreign Bribery Report', available at: http://www.oecd.org/newsroom/ scale-of-international-bribery-laid-bare-by-new-oecd-report.htm
18 Global Timber Forum, 22 July 2015,'Survey on due diligence finds SMEs to be performing well', available at: http://gtf-info.com/content/news/ market-legality-requirements/gtf-survey-on-due-diligence-finds-smes-to-be-performing-well-979. See also the Timber Trade Federation website: http://www.ttf.co.uk/sustainability/ eutr.aspx
19 EU Anti-Money Laundering Directive, Article 8, paragraphs 1 and 3.
20 UK Ministry of Justice, March 2011, 'Guidance about procedures which relevant commercial organisations can put into place to prevent persons associated with them from bribing (section 9 of the Bribery Act 2010)', Principles 1 and 6, p. 21 and p.31, available at: http://www.justice.gov. uk/downloads/legislation/bribery-act-2010-guidance.pdf
5
http://gtf-info.com/content/news/mar-ket-legality-requirements/gtf-sur-vey-on-due-diligence-finds-smes-to-be-performing-well-979