REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou...

15
. WWW.CONVIBRA.ORG Business Conference REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO COLÉGIO CENTRAL DA BAHIA APÓS DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: UM ESTUDO HISTÓRICO Marcos Marques Cavalcante Graduando em Gestão Pública e Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Claudiani Waiandt Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Ciags, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia (UFBA) RESUMO A democratização da educação no Brasil (Lei de Diretrizes Bases nº 4.024/61) determinou mudanças profundas nos sistemas organizacionais das organizações de educação. Para compreendê-las, realizou-se esta pesquisa buscando descrever as mudanças organizacionais e pedagógicas do Colégio Central (CC) da Bahia, entre os anos de 1950 e 1970. A pesquisa qualitativa, delineada pelo método histórico, foi realizada por meio de dez entrevistas biográficas com ex-alunos e ex-professores e análise documental (ATAS, Regimentos, Livros de Matrícula, Documentos digitalizados). Com a democratização, o Colégio ampliou o número de vagas, empreendeu uma gestão pedagógica participativa, construiu novas práticas de ensino através das classes experimentais e regulamentou o ingresso dos professores por meio de concurso público. Todas essas mudanças contribuíram para que a organização se configurasse entre uma das melhores organizações de ensino da Bahia nas décadas.

Transcript of REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou...

Page 1: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO COLÉGIO

CENTRAL DA BAHIA APÓS DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:

UM ESTUDO HISTÓRICO

Marcos Marques Cavalcante

Graduando em Gestão Pública e Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Claudiani Waiandt

Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Ciags, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia (UFBA)

RESUMO

A democratização da educação no Brasil (Lei de Diretrizes Bases nº 4.024/61) determinou

mudanças profundas nos sistemas organizacionais das organizações de educação. Para

compreendê-las, realizou-se esta pesquisa buscando descrever as mudanças organizacionais e

pedagógicas do Colégio Central (CC) da Bahia, entre os anos de 1950 e 1970. A pesquisa

qualitativa, delineada pelo método histórico, foi realizada por meio de dez entrevistas

biográficas com ex-alunos e ex-professores e análise documental (ATAS, Regimentos, Livros

de Matrícula, Documentos digitalizados). Com a democratização, o Colégio ampliou o

número de vagas, empreendeu uma gestão pedagógica participativa, construiu novas práticas

de ensino através das classes experimentais e regulamentou o ingresso dos professores por

meio de concurso público. Todas essas mudanças contribuíram para que a organização se

configurasse entre uma das melhores organizações de ensino da Bahia nas décadas.

Page 2: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO COLÉGIO

CENTRAL DA BAHIA APÓS DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:

UM ESTUDO HISTÓRICO

1 INTRODUÇÃO

A reforma do ensino no Brasil começou a ser discutido a partir do movimento da

Escola Nova, nas últimas décadas do século XIX. A proposta era dar um novo rumo para a

educação, mais próxima da realidade da nova sociedade, científica e tecnológica que se

apresentava no final daquele século.

A primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) e o advento da crise de 1929

transformaram a economia brasileira que se baseava no modelo agrário-comercial-exportador

para uma economia baseada no modelo industrial.

No modelo agrário-comercial-exportador, o café era o principal produto brasileiro

no mercado internacional. As consecutivas quedas de preço do produto impactaram na

balança comercial brasileira, resultando em grandes dificuldades fiscais, ocasionando inflação

acelerada. Apesar das dificuldades, a aristocracia rural resistia aos novos processos

econômicos e exercia força econômica e social para permanecer à frente da produção

brasileira.

O aumento das atividades urbano-industriais por causa da dificuldade de

importação brasileira forçou a aristocracia rural a aderir à proposta econômica das políticas

nacional-desenvolvimentista que tinha como eixo a industrialização. A indústria “[...]

florescia espontaneamente no ‘vazio’ deixado pela produção primário-exportadora interna e

pela produção industrial das sociedades capitalistas ‘centrais’” (PEREIRA, 1970, p. 127). A

industrialização exigia força de trabalho capacitada para as atividades nos parques industriais.

Os esforços para inserção do Brasil no eixo da industrialização no início da década de 1930

fortaleciam o processo de democratização do ensino.

Apesar de aderir à proposta econômica das políticas nacional-desenvolvimentista,

as elites se opunham ao processo de democratização da educação, apoiando o modelo de

escolas tradicionais brasileiras, que consistiam em ambientes para formação de filhos das

oligarquias rurais e dos interesses das instituições particulares de ensino.

As oligarquias foram enfraquecidas pela Revolução de 1930. Consequentemente,

as demandas sociais de educação e as pressões pela ampliação do ensino estruturaram-se em

movimentos em prol da reforma da educação.

O principal movimento pela ampliação do ensino foi organizado pela elite

intelectual que se articulava para que houvesse a renovação educacional. O posicionamento

do grupo ficou expresso no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932. O

manifesto questionava a eficácia dos métodos “[...] postos e discutidos numa atmosfera de

horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na

formação meramente literária de nossa cultura.” (DE AZEVEDO, 2006, p. 188).

O processo histórico da democratização da educação culminou na regulamentação

da primeira legislação específica para educação, a Lei de Diretrizes Bases nº 4.024/61, com

mudanças profundas nos sistemas organizacionais das instituições de educação.

Para compreender como este novo cenário impactou nos colégios baianos,

realizou-se uma pesquisa com o objetivo de descrever as mudanças organizacionais e

pedagógicas do Colégio Central (CC) da Bahia, entre os anos de 1950 e 1970.

Para isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa, delineada pelo método histórico

(LE GOFF, 1993), por meio de entrevistas biográficas com ex-alunos e ex-professores da

Page 3: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

instituição e análise documental (Atas, Regimentos, Livros de matrícula, Documentos

digitalizados).

O artigo foi estruturado em 8 seções. Após está introdução, a seção 2 registra os

procedimentos metodológicos da pesquisa. As seções 3 a 6 tratam da compreensão das

reformas da política brasileira que impactaram na reestruturação do Colégio Central. A seção

7 descreve as mudanças ocorridas no Colégio e a última seção traz as considerações finais.

2 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

A pesquisa qualitativa realizada a partir do método histórico buscou compreender as

mudanças organizacionais e pedagógicas do Colégio Central nas décadas de 1950 a 1970.

Para Le Goff (2003)

A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o

passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a

memória coletiva sirva para a liberação e não para a servidão dos homens (Le Goff,

2003, p. 471).

Assim, busca-se rememorar o passado para compreender o sistema de educação

atual e prospectar o futuro que está sendo desenhado.

A coleta de informações se deu a partir de análise documental e entrevistas

bibliográficas (Quadro 1) que tiveram o objetivo de gerar informações sobre os sujeitos

pesquisados, sobre suas memórias no Colégio Central e a avaliação que eles realizam sobre o

momento histórico. Desta forma, a história é construída elos seus sujeitos de forma coletiva.

O quadro 1 apresenta o perfil dos entrevistados:

Quadro 1 – Perfil dos entrevistados

ENTREVISTADO PERFIL PROFISSÃO ANOS NO CC

ENTREVISTADO 1 Ex-aluno Dramaturgo 1964 a 1969

ENTREVISTADO 2 Ex-aluno Historiador

ENTREVISTADO 3 Ex-aluno Esotérico

ENTREVISTADO 4 Ex-aluno Economista

ENTREVISTADO 5 Ex-aluno e

professor

Professor / Administrador 1951 a 1953

1954 a 1959

ENTREVISTADO 6 Ex-aluno Economista 1973 a 1975

ENTREVISTADO 7 Professor Professora Universitária 1966 a 1969

ENTREVISTADO 8 Professor Professora

ENTREVISTADO 10 Professor Professora

Fonte: próprios autores.

O quadro 1 apresenta o perfil dos dez entrevistados: seis ex-alunos e quatro

professores por meio de um roteiro semi-estruturado do Colégio Central da Bahia que

estudaram e/ou lecionaram em períodos diferentes compreendidos entre 1950 e 1970.

Paralelamente, foi realizada a pesquisa documental por meio da análise de Atas,

Regimentos e Livros de matrícula. Os documentos foram digitalizados e posteriormente

analisados.

Além das entrevistas, durante a coleta de documentos empreendeu-se a

observação não participante quando o pesquisador realizou 20 visitas à instituição para

observar sua gestão, conhecer a estrutura e coletar informações nos arquivos da escola. Esses

Page 4: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

momentos possibilitaram o diálogo com a secretária da instituição que viveu o período

pesquisado.

3 PRIMEIROS PASSOS PARA A ORGANIZAÇÃO E

DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

A construção do processo histórico que desenvolveu a sistematização organizacional

da educação surgiu a partir da Revolução de 1930 no Brasil. Existia a necessidade de

expansão do acesso à educação, da reformulação de práticas pedagógicas e organizacionais,

para promover qualificação à um número maior de pessoas nos processos industriais. Antes

disso, as instituições de ensino eram constituídas por ambientes preparados para a formação

exclusiva das classes dominantes. Os processos de aceleração da industrialização no Brasil

promoveram as mudanças. As instituições escolares preparariam para a vida industrial e para

a possibilidade de mobilidade social, possibilitando a diminuição das desigualdades sociais.

Com o enfraquecimento das oligarquias regionais, o governo provisório de Getúlio Vargas

iniciou os estudos para a reforma da administração pública. A atuação administrativa do

Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional,

impessoal, específico, hierárquico e meritocrático. O Estado assumiu a liderança no processo

de modernização econômica e social do país intervindo na produção. Com o objetivo de

consolidar seu embasamento político e jurídico na construção de um Estado unificado,

Getúlio Vargas seguiu pela via da conciliação mediando os múltiplos interesses conflituosos.

Para arregimentar a força de trabalho industrial, Vargas propôs a regulamentação da

legislação trabalhista e a legislação sindical.

No âmbito da educação, as discussões se constituíram a partir do movimento da

Escola Nova. O principal objetivo era a renovação dos processos educacionais através da

aplicação de métodos científicos. O movimento surgiu na Europa no século XIX. “Não se

refere a um só tipo de escola, ou sistema didático determinado, mas a tudo um conjunto de

princípios tendentes a rever as formas tradicionais” (FILHO, 1978, P.17).

A Escola Nova procura desenvolver o espírito crítico, através da aplicação do

método científico, baseando o ensino em factos e experiências, na actividade pessoal

da criança e nos seus interesses espontâneos; é desejável uma conjugação entre

actividades de trabalho individual e momentos de trabalho colectivo. (ALVES,

2010, P.169)

O “Movimento Liberal da Educação Nova” se destacou nas discussões, em 1932.

Constituído por um grupo de intelectuais, inclusive com a participação de Anísio Teixeira, um

dos principais nomes do processo de democratização da educação brasileira. O movimento

originou um documento, escrito por Fernando de Azevedo, no mesmo ano, intitulado

“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. O documento constatou, entre outros pontos, a

desorganização do aparelho escolar, a falta de estrutura da educação brasileira, fragmentada,

desarticulada e com aspectos que não conduziam a continuidade. Os principais objetivos eram

a ampliação do acesso à educação, reorganização do aparelho escolar, planejamento

pedagógico e da aplicação de novas práticas de ensino embasadas em métodos científicos.

Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do

que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e

iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da

aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou,

em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos

problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao

estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de

Page 5: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura

universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. (DE AZEVEDO,

2006, p.188)

O manifesto também propôs que o Estado organizasse um plano geral de

educação, defendendo a escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita, modificando

aspectos do sistema até então vigentes. As propostas do manifesto influenciaram a

Constituinte de 1934. No Capítulo II, Art. 149, da Constituição de 1934, fica evidente a

influência do manifesto:

A educação é direito de todos e deve ser ministrado pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros

domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e

econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da

solidariedade humana (BRASIL, 1934)

No sistema organizacional do ensino, a mudança mais expressiva na Constituição

de 1934, se destacou com o estabelecimento nos orçamentos da União, dos estados e

municípios, verbas “destinadas aos alunos aptos para tais estudos e sem recursos para neles se

manterem” (BRASIL, 1934, art. 112 inciso 4º) e “[...]a admissão de um candidato em escola

pública, profissional, secundária ou superior, levar-se-á em conta somente o merecimento,

nada influindo a condição dos pais” (BRASIL, 1934, art. 112 inciso 5º).

[...]a reforma da sociedade se daria pela reforma da educação e do ensino, a

importância da ‘criação’ de cidadãos e de reprodução/modernização das ‘elites’,

acrescidas da consciência cada vez mais explícita acerca da função da educação no

trato da questão ‘social’: a educação rural, para conter a migração do campo para as

cidades e a formação técnico-profissional do trabalhador, visando solucionar o

problema das agitações urbanas (MORAES, 2000, P.132).

4 ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO EXPERIMENTALISTA DE

JOHN DEWEY

A experiência brasileira de Escola Nova estava ligada às concepções do pensador

norte-americano John Dewey. As ideias de Dewey foram seguidas no Brasil principalmente

por Anísio Teixeira que na década de 1920 que recebeu sua orientação nos Estados Unidos.

Na concepção de Dewey, a construção de uma sociedade democrática estava unicamente

ligada à educação e compunha por dois critérios de orientação para a democracia:

O primeiro: mais numerosos e variados pontos de participação no interesse comum, como também maior confiança para reconhecer que os interesses são fatores da

relação e direção social. E o segundo: uma cooperação mais livre entre os grupos

sociais, antes isolados tanto quanto voluntariamente o poderiam ser, e também a

mudança de hábitos sociais e contínua readaptação e ajuste dos grupos às novas

situações criadas pelos intercâmbios. (DEWEY, 1959, P.93).

A sociedade moderna dos processos educacionais o desenvolvimento de

indivíduos com pensamento crítico, conscientes da própria liberdade e da responsabilidade da

construção do coletivo. Antes de tudo, a transformação da escola em uma instituição educativa onde existam

condições reais para as experiências formadoras. A escola somente de informação e

disciplina imposta, como a dos quartéis, pode adestrar e ensinar, mas não educa.

Page 6: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

Nesta escola, a democracia, se houver, será a dos corredores, do recreio, dos

intervalos de aula, desordenada, ruidosa e deformadora. Mas, não basta a

transformação da escola. É necessário que os professores, diretores e toda a

administração escolar aceitem o princípio democrático, que consiste no postulado de

que cada um dos participantes da experiência escolar tem mérito pessoal bastante

para ter voz no capitulo. Ninguém é tão desprovido que possa ser apenas mandado.

Também ele deve saber o que está fazendo, e porque está fazendo. (TEIXEIRA,

1969, p. 218).

Diante do que se expõe acima, nota-se que a proposta pedagógica se baseava nas

experiências. Proporcionar práticas e vivências, que possibilitam a representação da realidade

de outras perspectivas, além das atividades propostas nos princípios formais e referenciais

teóricos discutidos em sala de aula, da prática tradicional de ensino voltada somente para a

transmissão do conhecimento.

Além disso, a democratização deveria passar também pela mudança de Recursos

Humanos. O processo de formação envolvendo corpo administrativo escolar, o corpo docente

e o corpo discente. O pleno envolvimento de todos no processo determinaria o sucesso e/ou

fracasso.

5 A REFORMA CAPANEMA E A HEGEMONIZAÇÃO DA INDÚSTRIA

Mesmo com os primeiros passos dados para a democratização do ensino, a gestão

do ministro Gustavo Capanema evidenciava fortemente o classicismo na educação brasileira,

com características intervencionistas.

A Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei n. 4.244 de 09/04/1942)

definiu que o ensino secundário seria ministrado em dois ciclos. O primeiro corresponde ao

curso ginasial, com duração de 4 anos, destinado a “dar aos adolescentes elementos

fundamentais do ensino secundário” (art. 3º). O segundo ciclo corresponde ao curso colegial

clássico e científico, ambos com duração de 3 anos, que tinha por objetivo consolidar a

educação ministrada no curso ginasial.

Os Quadros 2 mostra as disciplinas lecionadas conforme legislação:

Quadro 2 – Currículo do Curso Ginasial

FONTE: BRASIL (1942).

Percebe-se conforme Quadro 2 um currículo que abrange um conjunto de disciplinas,

distribuídas em três grandes áreas: Línguas (português, latim, francês e inglês); Ciências

(matemática, ciências naturais, história geral, história do Brasil, geografia geral e geografia do

Brasil); Artes (trabalhos manuais, desenho e canto orfeônico) (BRASIL, 1942). O ensino de

práticas manuais pode sinalizar uma preocupação com o desenvolvimento de habilidade para

1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE 4ª SÉRIE

LATIM LATIM LATIM LATIM

PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS

FRANCÊS FRANCÊS FRANCÊS FRANCÊS

INGLÊS INGLÊS INGLÊS

MATEMÁTICA MATEMÁTICA MATEMÁTICA MATEMÁTICA

HIST.GERAL HIST. GERAL C. NATURAL C. NATURAL

GEO GERAL GEO.GERAL GEO. DO BRASIL GEO. DO BRASIL

TRAB. MANUAIS TRAB.MANUAIS HIST. DO BRASIL HIST. DO BRASIL

CANTOS CANTOS CANTOS CANTOS

DESENHO DESENHO DESENHO DESENHO

Page 7: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

o trabalho. Em síntese, o currículo era principalmente baseado no ensino das literaturas

brasileiras, portuguesas e estrangeiras, com suas sistematizações.

O quadro 3 apresenta as disciplinas do segundo ciclo Colegial - Curso Clássico e

Científico:

Quadro 3 – Currículo do Curso Colegial

FONTE: BRASIL (1942)

Conforme Quadro 3, os cursos tinham duração de 3 anos e o objetivo de

consolidar a educação ministrada no curso ginasial com uma sólida formação intelectual

através de um maior conhecimento de filosofia e do estudo das letras. O curso científico

proporcionaria um estudo maior das ciências. As disciplinas dos cursos também foram

organizadas de acordo com as áreas do curso ginasial, sendo elas: Línguas (português, latim,

grego, francês, inglês e espanhol); Ciências e Filosofia (matemática, física, química, biologia,

história geral, história do Brasil, geografia geral, geografia do Brasil e filosofia); Artes

(desenho) (BRASIL, 1942).

Conforme Silva (1969, p. 328) a lei apresentou “um currículo sobrecarregado de

matérias que, salvo o suposto valor formativo, apenas têm valor se o seu estudo prossegue até

o fim e com vistas ao ingresso num curso superior”. No caso, o que prevaleceu foram as

disciplinas de caráter humanista, como forte presença das línguas em todas as séries do curso

ginasial.

A educação elitista submetia os estudantes às ideias e aspirações do educador. A

formação evidenciava o caráter social e político com objetivo da manutenção de lideranças

estratégicas. As disciplinas escolares constituam-se a partir das postulações imperativas das

sociedades e as assumiam diante das expectativas das necessidades da época. Eram

significativamente voltadas para o desenvolvimento econômico através da industrialização

que se evidenciaria hegemônico a partir de 1945 e dos interesses da nova burguesia

capitalista, “[...] a articulação do conjunto de relações contraditórias que marcaram o lento

processo de consolidação do capitalismo brasileiro, e que, no curso dos anos, tornou

hegemônica a fração industrial da classe dominante” (MORAES, 2000, P. 65).

6 PROMULGAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DO ENSINO Nº

4.021/61

A Constituição Federal de 1946, nos capítulos referentes à Educação, estabeleceu

aspectos expostos no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932. O objetivo do

manifesto era discutir a situação do ensino vigente, a defesa da escola pública leiga, universal

CURSO CLÁSSICO CURSO CIENTÍFICO

1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE 1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE

PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS

FRANCÊS OU

INGLÊS

FRANCÊS OU

INGLÊS

LATIM FRANCÊS FRANCÊS MATEMÁTICA

LATIM LATIM GREGO INGLÊS INGLÊS FÍSICA

GREGO GREGO MATEMÁTICA ESPANHOL MATEMÁTICA QUÍMICA

ESPANHOL ESPANHOL FÍSICA MATEMÁTICA FÍSICA FÍSICA

MATEMÁTICA MATEMÁTICA QUÍMICA FÍSICA QUÍMICA QUÍMICA

HIST. GERAL HIST. GERAL BIOLOGIA QUÍMICA BIOLOGA BIOLOGIA

GEOGRAFIA

GERAL

GEOGRAFIA

GERAL

GEOGRAFIA

DO BRASIL

HISTÓRIA

GERAL

HISTÓRIA

GERAL

HISTÓRIA DO

BRASIL

FÍSICA HISTÓRIA DO

BRASIL

GEOGRAFIA

GERAL

GEOGRAFIA

GERAL

GEOGRAFIA

DO BRASIL

QUÍMICA FILOSOFIA DESENHO DESENHO

Page 8: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

e democrática. Alguns elementos que integraram a Constituição de 1946 explicitaram a

influência do manifesto, como nos artigos a seguir: artigo 168, inciso VI, a exigência de

concurso de títulos e provas para o exercício do magistério; nos artigos 170 e 171, a

descentralização do ensino; artigo 170, parágrafo único, o caráter supletivo do sistema federal.

O caráter profissionalizante da educação também ficou evidente na Constituição. A

necessidade de estruturação e expansão da escola para formação estruturante era evidente para

os novos processos industriais.

Em 1948, começaram as discussões na Câmara dos Deputados e no Senado

Federal, baseadas no Art. 5º, item XV, letra d, a regulamentação de “diretrizes e bases da

educação nacional”. A tramitação se iniciou a partir da mensagem presidencial nº. 605/48,

que apresentava o anteprojeto ao Poder Legislativo. O documento foi elaborado por uma

comissão de educadores, presidida por Manoel Lourenço Filho, Diretor do Departamento

Nacional de Ensino do Ministério da Educação e Saúde e a relatoria geral ficou sob a

responsabilidade do professor Antônio de Almeida Júnior, da Universidade de São Paulo. Os

debates para a elaboração projeto da LDB, culminou na disputa entre os interesses das

instituições de ensino privado e a defesa do ensino público. As instituições privadas tinham à

frente a Igreja Católica, que defendiam uma educação humanista e religiosa. Em defesa da

educação pública e laica estavam os movimentos progressistas da sociedade, defendendo a

igualdade de direitos à educação para todos os cidadãos brasileiros.

Havia diferenças marcantes no interior de cada grupo, embora o que prevalecesse

fosse a união de todos na defesa dos interesses comuns. Na defesa do ensino privado

enfileiravam-se a Igreja Católica e os proprietários das escolas particulares leigas

que embarcavam na doutrina da Igreja para defender seus interesses, basicamente

financeiros. Na defesa da destinação de verbas públicas exclusivamente para as

escolas públicas, havia diferentes grupos já também caracterizados por Saviani: os

liberais-pragmatistas, os liberais-idealistas e os de tendência socialista.

(MONARCHA, 2005, P.167)

Organizada em 120 artigos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº

4.021/61 foi promulgada, sendo a primeira legislação brasileira destinada especificamente

para a regulamentação do sistema de ensino. A LDB nº 4.021/61 instituiu os “Conselhos

Estaduais de Educação” (Art. 10) e a formação mínima dos professores (Arts. 62 e 63). O

ensino profissionalizante industrial, agrícola e comercial (Art. 47), inclusão de disciplinas

vocacionais no currículo (Art. 44). Também regulamentou os processos organizacionais da

educação no Brasil, evidenciando a formação preparatória para a formação profissional e

superior. A industrialização hegemônica constituía a oportunidade profissional para os

egressos de formação profissionalizante.

7 IMPACTOS DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO

NO COLÉGIO CENTRAL DA BAHIA (1950-1970)

O Colégio Central da Bahia foi criado em 1836, ainda como Liceu Providencial

da Bahia, pelo então vice-presidente da província da Bahia, o desembargador Joaquim

Marcellino de Brito. O funcionamento só começou no ano seguinte, no dia 07 de setembro de

1837, no Convento dos Frades Agostinianos, no largo da Palma, com cerca de 300 alunos

matriculados, em 18 disciplinas obrigatórias que iam de eloquência e poesia a aritmética

(LIMA, 2003).

Page 9: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

Em 1890, o Liceu passou a se chamar Instituto Oficial de Ensino Secundário.

Posteriormente, em 1895, o através da Lei nº 117, é sancionada a nova organização do ensino

pública da Bahia, e o Colégio passa a se chamar Ginásio da Bahia (LIMA, 2003).

Desde a sua inauguração, em 1837, o Colégio foi palco de grandes movimentos

sociais e políticos com repercussão em nível nacional e teve em seu corpo discente alguns dos

principais políticos e figuras ilustres da Bahia e do Brasil, como Antônio Carlos Magalhães,

Glauber Rocha, Calazans Neto, Elcimar Coutinho, Cid Teixeira e Fernando da Rocha Perez,

dentre outros.

Durante a Reforma Capanema, em 1942, o Ginásio da Bahia (GB) passou a ser

chamado Colégio da Bahia ou Colégio Estadual da Bahia. O ensino secundário se dividiu em

dois ciclos: ginasial, que tinha como objetivo dar os fundamentos do ensino secundário; e o

segundo, que compreendia em dois cursos, clássico e científico, ambos com objetivo

“consolidar a educação ministrada no ensino ginasial e bem assim desenvolvê-la e aprofundá-

la.” (BRASIL, 1942). As disciplinas regulares seguiam a legislação conforme apresentado no

Quadro 2 e 3.

Conforme Lima (2003), as categorias de professores que atuavam no Colégio (Lei

117, de 24 de agosto de 1895) eram: lentes, substitutos e professores, os quais constituirão a

sua congregação. Estes, segundo o art. 49, eram obrigados a trabalhar semanalmente do

mínimo de 12 horas até o máximo de 18 horas, em suas cadeiras ou em outras por designação

do diretor ou resolução do governo. “Em 1940, a designação de catedrático se estende para

todos os que compunham o professorado permanente, sendo estes catedráticos concursados ou

interinos” (LIMA, 2003, p. 64). Os substitutos eram nomeados pelo governo, sob a proposta

da congregação, depois da aprovação em concurso.

Esses catedráticos realizavam concurso público para o ingresso no Colégio.

Conforme Lima (2003), o concurso era realizado em quatro momentos. Primeiro, o candidato

apresentava uma tese original, publicada em três cópias; segundo, realizava uma prova oral

apresentando um ponto sorteado dentre vinte previamente estabelecidos (sob a forma de tese);

terceiro, realizava uma prova prática e, por último, realizava uma prova oral. Participaram

desta banca quinze professores, representantes das diferentes cadeiras do Colégio.

Os concursos eram disputados e se faziam envolver por uma aura de glamour

acadêmico. Fazer parte do corpo docente do GB, enquanto catedrático, significava

uma das mais altas honrarias a que poderia granjear um intelectual em Salvador [...]. O catedrático do Ginásio da Bahia gozava dos mesmos privilégios dos catedráticos

da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Direito (LIMA, 2003, p.63 ).

Ainda conforme Lima (2003, p. 64)

A reputação de alta qualificação do corpo docente sempre esteve associada ao

Ginásio da Bahia. Pela cidade do Salvador eram conhecidos os "Tubarões";

professores catedráticos do Ginásio que também ensinavam nas Faculdades de

Medicina, Direito e Engenharia. Temidos pela rigidez e pela fama de reprovadores, as relações sociais que se estabelecem no ambiente escolar são plasmadas nesta

percepção que os jovens têm de seus mestres.

Com uma carga horária mais reduzida, os professores podiam exercer suas

profissões liberais. Em sua tese, Lima (2003) constatou que 24% dos professores eram

médicos, 21% professores, 20,6% Bacharéis em Direito, 19,9% Engenheiros Civis, 7,4%

Doutores, 3,4 % Religiosos, 2,8% eram formados pelo GB, 2,2% Farmacêuticos, dentre

Page 10: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

outros. É lícito dizer que muitos eram profissionais de prestígio e participavam outros

círculos intelectuais em Salvador.

A partir de 1950, as marcas da reformulação do sistema de ensino ficaram mais

evidentes no Colégio Estadual da Bahia. À frente da Secretaria de Educação e Saúde do

estado, entre 1947 e 1951, Anísio Teixeira promoveu uma série de reformas para a

modernização da educação. A democratização do ensino começou a se consolidar em vários

aspectos. Entre eles, a expansão da rede de ensino e o acesso à educação secundária.

Até então, o Colégio Central (CC),

[...] funcionava sob regime de externato, em três turnos, sendo o primeiro das 8 às

12hs; o segundo das 12 às 16 hs.; o terceiro das 16 às 20 horas. O número máximo

de alunos em cada turno era de 500, dada as condições de capacidade do

Estabelecimento. [...] terminado cada turno, os alunos a ele pertencentes deixavam

imediatamente o Estabelecimento e eram substituídos pelos do turno subsequente.

Tanto a direção como o governo estavam vivamente empenhados em que este

número fosse rigorosamente observado, até que as novas instalações, que estavam

em construções fossem inauguradas, possibilitando o aumento a capacidade escolar.

(COSTA, 1971, P. 35)

As novas instalações eram localizadas em outros bairros da cidade, porém, ainda

estavam administrativamente vinculadas ao Colégio. A gestão das unidades ficava à cargo de

vice-diretores nomeados pela Secretaria de Educação (SEC-BA) e subordinados à Direção do

CC. Por este motivo passou a ser reconhecido como Colégio Central.

Em 18 de janeiro de 1948 – A Secretaria de Educação cogita: seção do Colégio da Bahia nos bairros – Descongestionamento do Estabelecimento Oficial [...] já com

matrícula máxima limitada pelo Instituto de Educação do Ministério da Educação,

estabelecer várias secções do curso secundário pelos bairros da capital, ficando o

Colégio da Bahia apenas destinado ao curso de Colégio e Clássico [...] (DA

COSTA, 1971, P. 78)

As novas unidades possibilitaram a ampliação do número de vagas no ensino

secundário no CC, chegando a 2.273 alunos matriculados no ano de 1963, como está descrito

na Tabela 1:

Tabela 1- Alunos Matriculados

1936-1962

ANO ALUNOS ANO ALUNOS ANO ALUNOS ANO ALUNOS

1936 1.094 1941 1.814 1953 1.576 1958 2.041

1937 1.109 1942 1.915 1954 1.752 1959 2.152

1938 1.269 1943 1.920 1955 2.134 1960 2.129

1939 1.470 1944 1.958 1956 2.046 1961 2.071

1940 1.658 1945 2.074 1957 1.955 1962 2.274

Fonte: COSTA (1971 P. 112)

Outro aspecto importante das mudanças se fez na sanção da Lei Estadual nº

2.521/68, que dispunha sobre o “Estatuto do Magistério Público do Estado da Bahia”. A

legislação estabelecia que em cada unidade de ensino médio oficial de currículo não

diversificado tenha um coordenador pedagógico por turno. Esta mudança foi determinante

para a transformação das práticas pedagógicas no Colégio Estadual da Bahia. As

coordenações pedagógicas foram postas em prática a partir de 1969.

Page 11: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

Outra mudança na legislação estabeleceu-se na classificação de cargos, que

dispunha sobre o cargo de professor de ensino médio. Segundo Lima (2003), os membros da

Congregação “eram signatários de respeito perante os demais professores e a eles era

conferida a condição de exemplo de postura intelectual, idoneidade e probidade moral. À

Congregação do Ginásio da Bahia cabiam as decisões mais importantes da instituição, assim

como o chancelamento dos concursos dos catedráticos.” Em virtude das novas disposições, a

Congregação do Colégio foi extinta e “[...] sendo substituída pelo Conselho Docente,

representado pelo corpo administrativo do Colégio e pelos Chefes de Departamento.”

(COSTA, 1971, p. 121).

O sistema administrativo do CC não teve muitas alterações em sua estrutura

organizacional ao longo do processo de democratização do ensino, além da composição do

número de efetivos para atender à ampliação do Colégio e das unidades à ele vinculadas. O

quadro organizacional era estruturado na Figura 1:

Figura 1 – Quadro Organizacional

Fonte: COSTA (1971, p. 53 a 55)

Além das mudanças organizacionais, diante das mudanças regulamentadas em

âmbito Federal, as metodologias de ensino aplicadas ao ensino de ciências foram

reformuladas e priorizadas. Estas mudanças foram frutos de acordos internacionais com os

EUA. “O principal acordo de cooperação feita entre o Brasil e o EUA foi o MEC/USAID

(United States Agency for International Development), em 1966, que definia a formação

técnica profissional como ideal para a educação brasileira.” (PINA, 2008, P.2)

Para gerir os acordos, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com as

Universidades Federais, criou entre 1963 e 1969 seis Centros de Ensino de Ciências (CECIS),

nas maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre e

Belo Horizonte. Os Centros desempenhavam ações para a melhoria do ensino de ciências e

matemática, numa proposta de renovação ampla do ensino secundário, através das práticas

pedagógicas propostas e constituídas a partir da criação dos cursos de licenciatura no Brasil.

Na Bahia, o Centro de Ensino de Ciências, chamado CECIBA, desenvolveu papel importante

em prol da melhoria do ensino secundário. Segundo a entrevistada 3, foram desenvolvidos

projetos e materiais didáticos com professores ainda em formação ou já atuantes, que eram

DIRETORIA

Diretor Geral

Vice-Diretor Matutino

Vice-Diretor Vespertino

Vice-Diretor Noturno

SECRETARIA

Secretários de 1ª e 2ª Classes

Escriturário

Escriturário de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª

classes

Datilógrafa

Auxiliares

Servente

BIBLIOTECA

Bibliotecário

Auxiliar

Arquivista

Auxiliar

Servente

ARQUIVO

Arquivista

Auxiliar

Servente

SEÇÃO DE FISCALIZAÇÃO

FEDERAL

Responsável

Auxiliares

Servente

SERVIÇOS DE DISCIPLINA

Inspetor Chefe

Inspetores de Alunos

Subinspetores

SERVIÇOS GERAIS

Auxiliares

Serventes

Jardineiro

Guarda

Porteiro

Page 12: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

capacitados através de cursos oferecidos em parceria com o Ministério de Educação e Cultura

(MEC), Secretária de Educação da Bahia (SEC-BA) e com o apoio da Universidade Federal

da Bahia (UFBA). Os cursos de capacitação (treinamento e aperfeiçoamento) dos professores

eram diversas áreas. Na matemática, destacamos o de Introdução à Teoria dos Conjuntos,

ministrado por Martha Dantas, em meados de 1960. O Colégio Central da Bahia recebeu

novas estruturas físicas para aplicação das novas práticas de ensino, principalmente da física,

química, história natural e matemática. Em 1966, começaram a desenvolver experiências com classes-piloto de

matemática no Colégio Central da Bahia. As experiências tinham a resistência inicial da

direção do Colégio, representada por Walter Reuther. Os alunos escolhidos para

experimentação pedagógica eram selecionados entre os melhores da instituição, o que tornava

a ação dos professores melhor sucedida. De certa forma, estabeleceu-se um grupo seleto de

alunos para difundir o ideal de renovação do ensino. Segundo a entrevistada 3, Coordenadora

do projeto, as classes-piloto foram fruto de um convênio tríplice entre a Secretaria de

Educação da Bahia, a UFBA e o Ministério da Educação. O objetivo principal das classes-

piloto no CC era a demonstração dos métodos que eram desenvolvidos dentro para a escola

pública. Os currículos das classes-piloto relacionavam os mais recentes avanços da produção

matemática, ciências biológicas, física e química, com atividades extracurriculares. O

desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia se tornavam relevantes para se considerar um

cidadão como bem instruído na sociedade da época. As classes-piloto tiveram um bom

resultado, mas devido a descontinuação do projeto e o baixo índice de adesão do corpo

docente do CC, não foi possível mensurar seus resultados.

[...] havia três disciplinas - química, física e história natural - que tinham dois tipos

de aulas obrigatórias: aulas teóricas e aulas práticas. Isto é, você tinha um

laboratório de química, laboratório de física e uma sala de história natural, com

professores que davam aulas práticas. Fazer reação química com professor Farias era

atividade, você pegava no projeto, misturava e tal. A de física, a mesma coisa, as de

história natural a mesma coisa. Então além da teoria, essas três disciplinas tinham

aulas práticas. (ENTREVISTADO 2)

O Colégio Central relacionava com a construção coletiva do saber, com interação

entre docentes e discentes, através de atividades extracurriculares. Algumas atividades foram

muito importantes e se destacaram para além do espaço do Colégio. Entre elas, as jogralescas,

encenadas em meados da década de 1950. Segundo o pesquisador Antônio Albino Canelas

Rubim, as jogralescas foram manifestações culturais estruturadas que consistiam em

espetáculos de poesia teatralizada, com o objetivo de divulgar entre a juventude, a moderna

poesia brasileira, a literatura contemporânea e de despertar o interesse pelo teatro. Um dos

nomes influentes das jogralescas, o cineasta Glauber Rocha surgiu do movimento. As

jogralescas também suscitaram polêmicas, quando Annecy Rocha, irmã de Glauber,

declamou o poema Blasfémia, de Cecília Meireles. A Congregação do Colégio censurou o

espetáculo.

A ação da Congregação repercutiu nacionalmente, a ponto de o Teatro de Arena

de São Paulo, através dos seus representantes, enviou uma carta de repúdio ao Colégio,

solidarizando-se com os jovens baianos. O grupo criador da jogralesca também fundou a

revista Mapa, cujo nome foi inspirado em poema de Murilo Mendes. Lançada em 1957, a

revista, apesar de ter durado apenas um ano, teve grande repercussão no meio intelectual da

época. A revista foi patrocinada pela Associação Baiana dos Estudantes Secundaristas,

dirigida por Fernando Peres e Glauber Rocha, e tinha, entre seus colaboradores, o artista

plástico Calazans Neto, os escritores Carlos Anísio Melhor, Sônia Coutinho, João Ubaldo

Page 13: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

Ribeiro, João Carlos Teixeira Gomes e, mais tarde, Florisvaldo Mattos e Myriam Fraga.

Outra atividade que marcou a história do Colégio foi a montagem da peça

“Aventuras e desventuras de um estudante”, de Carlos Sarno, pelo GATEB, Grupo Amador

de Teatro Estudantil da Bahia. A peça foi inspirada na literatura de cordel e abordava alguns

problemas da educação brasileira através da trajetória de um estudante que veio do interior e

enfrentava dificuldades para estudar na capital, desde a matrícula, complicada pela falta de

vagas, até a política, que conclamava a participação do estudante a partir da compreensão dos

próprios direitos de cidadão, o que se confundia, geralmente, com a defesa do regime

democrático e despertava a reação do governo. “Nos primeiros dias em Salvador o estudante

inicia uma saga para conseguir matricular-se no Colégio da Bahia. Logo percebe que na

prática, a educação não é um direito de todos” (CARNEIRO, 2011, P.59).

A peça foi censurada pela direção do Colégio, desencadeando na greve dos

estudantes do Colégio Central, importante por ser o primeiro grande movimento estudantil da

Bahia contra o governo. A greve incentivou semelhantes paralisações, inclusive no interior do

estado. O movimento desencadeou na exoneração do então Diretor Geral do Colégio.

[...] o ato subsequente, exonerou-se o dinâmico Prof. REUTER da Direção do

Colégio, em virtude de não querer a realização de uma pequena peça teatral de

autoria de alunos que o Grêmio queria levar no Auditório do Colégio; peça esta que

criticava a direção e os professores do Estabelecimento, provocando assim um

atentado aos fôros da tradição honrosa desta Casa e a dignidade do Magistério. Os

estudantes, isto é, um Grupo de estudantes extremistas, que insistia nos seus

propósitos, buscou o auxílio dos Universitários, a fim de que a peça fosse levada ao

palco, tendo contado também, com o apoio de alguns professores também mal

orientados. O Prof. Reuter, objetivando a Paz e a Tranquilidade do Colégio da

Bahia, preferiu, estribado em suas justas razões, exonerar-se do Cargo de Diretor. (DA COSTA, 1971, p.117)

As atividades extracurriculares no Colégio Central impactaram diretamente na

aprendizagem dos estudantes na medida em que criavam valores. Nestes espaços, os

estudantes exercitavam no dia a dia seus direitos e responsabilidades, tinham uma vivência

política. Aprendiam a ser cidadãos e vislumbravam a liberdade. Conforme entrevistado 1 (ex-

aluno)

Minha passagem por ele é fundamental porque no Colégio Central eu entendi o

significado absoluto da palavra liberdade. La no Colégio Central você podia

realmente escolher a sua vida. Você pensava e você era cercado de liberdade, os

professores, os alunos, as pessoas que estavam ao seu redor, as nossas saídas, eu

acho que as coisas ... ser livre eu aprendi no Colégio Central. (ENTREVISTADO 1)

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise aqui compreendida do processo de reestruturação organizacional e

pedagógica do Colégio Central (CC) mostrou importantes aspectos históricos que designaram

mudanças organizacionais e pedagógicas da educação no Brasil. Estes aspectos resultaram

num caminhar mais democratizante da educação brasileira.

O processo se situou no momento histórico de reforma do Estado e da

estruturação da indústria brasileira. Os embates e discussões. Os entre interesses públicos e

privados. O campo das discussões era composto por três representações, que articularam suas

posições: O Estado, profissionalização do trabalho; Escolas privadas, educação tradicional e

religiosa; manifestantes em prol da renovação da educação, defesa da escola única, pública,

Page 14: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

laica, obrigatória e gratuita.

A promulgação da LDB Nº 4.021/61 definiu princípios da educação brasileira.

Além disso, regulamentou a formação específica de professores, entre outros pontos

importantes. A ênfase da pesquisa esteve na aplicação das mudanças no Colégio Central da

Bahia entre os anos de 1950 e 1970.

As atividades extracurriculares no Colégio Central também constituíram

importantes instrumentos de aprendizagem. A participação dos estudantes, através de

atividades do Grêmio estudantil, também desempenhou muita influência nos processos

desenvolvidos nos Colégio. Enfim, além do desenvolvimento cognitivo construído da prática

pedagógica, as atividades extra classes também repercutiram na formação crítica e intelectual

dos egressos do Colégio. Os resultados estão expostos nos milhares de egressos do Colégio

Central da Bahia que representam importantes lideranças da sociedade baiana para o Brasil e

para o mundo.

As práticas pedagógicas geraram novas possibilidades de aprendizagem num

processo gradual e contínuo. As discussões para reformulação da educação, O reforço das

experimentações vivenciadas nas classes-piloto do ensino das ciências (matemática, física,

química e biologia) no Colégio Central da Bahia, frutos da formação específica, de egressos

das Faculdades de Filosofia e Educação da Universidade Federal da Bahia, transformaram as

técnicas de ensino.

REFERÊNCIAS

ALVES, Alberto Marques Alves. República e Educação: dos princípios da educação ao

manifesto da educação. Porto: Revista da Faculdade de Letras – HISTÓRIA, III Série, vol.

11, - 2010, pp. 165-180.

ARRUDA, J.J. de A. História moderna e contemporânea. São Paulo: Cortez, 1984.

BASBAUM, Leôncio. História da República: de 1930 a 1960. 3.ed. São Paulo: Alfa-Ômega,

s.d. (a), 252p.

BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acesso: 21/07/2015

10:53

BRASIL, Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso: 21/07/2015

10:59

BRASIL, Decreto-lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário.

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4244-9-abril-1942-414155-

publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso: 21/07/2016 8:41

BRASIL, Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lEIS/L4024compilado.htm. Acesso:

21/04/2015 15:14

CARNEIRO, Cesar Oliveira. Aventuras e desventuras: a peça proibida e a greve de

estudantes que desafiou a ditadura em 1966. Repertório: Salvador, p. 135-149, 2011.

COSTA, Irene; PRESTES, Relcinéia; VALE, Antonio. Brasil, 1930-1961: Escola Nova, LDB

e disputa entre escola pública e escola privada. Revista HISTEDBR On-line, Campinas,

n.22, p.131-149, jun. 2006

Page 15: REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO … · A atuação administrativa do Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional, ... a

.

WWW.CONVIBRA.ORG

Business Conference

COSTA, Weldon Americano da. Et. Al. Memórias do Colégio Estadual da Bahia: 1937-

1971. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1971.

DE AZEVEDO, Fernando: Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Revista HISTEDBR

On-line, Campinas, n. especial, p.188–204, ago. 2006.

DEWEY, Jonh. Democracia e Educação: Introdução à Filosofia da Educação. 3.ed. Trad.

RANGEL, Godofredo, TEIXEIRA, Anísio. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

HORTA, José Silvério Baía. Liberalismo, tecnocracia e planejamento educacional no

Brasil. São Paulo, Cortez, 1982.

LIMA, Déborah Kelman de. "O Banquete Espiritual da Instrução": O Ginásio da Bahia,

Salvador: 1895-1942. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal da Bahia, 2003.

MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada: a

experiência de Francisco Campos – anos vinte e trinta. Florianópolis: UFSC, 2000.

PINA, Fabiana. Acordo MEC/USAID: ações e reações (1966-1968). In Anais do XIX

Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo,

2008.

RAMOS, Mariana Moraes Lobo Pinheiro. Aspectos históricos sobre o ensino de

matemática na Bahia: contribuições do SMSG e do CECIBA. Dissertação de Mestrado –

Universidade Federal da Bahia, Instituto de Física. Universidade Estadual de Feira de

Santana, 2012.

RUBIM, Antonio Albino Canelas, ALCANTARA, Paulo Henrique, COUTINHO, Simone.

Salvador nos anos 50 e 60: encontros e desencontros com a cultura. Revista de Urbanismo e

Arquitetura, Salvador, V. 3 n. 1, 1990.

TEIXEIRA, A. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Rev. bras. Est. Pedag., Rio de Janeiro,

v. 31, n. 73, p. 78–84, jan.-mar. 1959.