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REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NOVAS INSTITUCIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO...

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REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA,NOVAS INSTITUCIONALIDADES

E NEGOCIAÇÃO DA FLEXIBILIDADE

ode parecer um truísmo – dado o volume de pes-quisa empírica de que já se dispõe a respeito –afirmar que as mudanças atuais no mundo do

trabalho têm tido impactos profundos sobre as formas deregulação das relações entre os atores sociais. O que ha-veria por detrás desta aparente trivialidade que desafiariaa nossa capacidade de enunciação do novo? Poder-se-iadizer que, embora tais mudanças tenham sido fartamentedescritas em seus efeitos mais visíveis, muitas vezes es-sas descrições perdem de vista a existência de novas nor-matividades e institucionalidades, ainda embrionariamenteconfiguradas, cuja dinâmica carece ser entendida. Limi-tes e condições de possibilidades, essas novas institucio-nalidades esclarecem, em seu processo de transformação,a natureza dos arranjos societais que as contêm.

Por isso mesmo, pretende-se aqui explorar exatamen-te aquele argumento que se afigura como um truísmo, para,em seguida, buscar enriquecê-lo analiticamente. De fato,as mudanças atuais no mundo do trabalho têm tido im-pactos profundos sobre a forma de regulação das relaçõesentre atores sociais. Estes impactos têm afetado tanto omercado de trabalho (forma de ingresso e relações con-tratuais), quanto as firmas (atingindo, no plano externo,as relações entre as mesmas e, no plano interno, a formade gerenciamento das relações sociais nos chãos-de-em-presa).

Os primeiros sintomas da profundidade dessas transfor-mações vieram à luz através do debate sobre a chamada“desregulação” do trabalho. Com ela, direitos fundado-res da contratualidade que forjou a esfera pública burguesapassaram a estar em questão. Qual o argumento que, nasuperfície, procurava legitimar tal ordem de mudanças?O suposto de que, sendo a produção flexível, também o

P trabalho deveria sê-lo, fosse em suas condições de con-tratação, em seu uso, enfim, nas formas da sua regulação.

O alcance da novidade ultrapassa o mero determinis-mo que o argumento deixa entrever. Ultrapassa, mesmo,a contabilidade empiricista na qual se enredou boa parteda crítica, ingênua, de muitos dos que buscavam rechaçá-la. A novidade – não importa quão efetiva ela seja emtermos de gerar uma nova best practice – se expressanum movimento de superação de um antigo modelo or-denador do imaginário – gerencial, sindical e social. Talmodelo estivera fundado em dois esteios: por um lado,no taylorismo-fordismo enquanto norma de produção, daprodução rígida de massa; por outro lado, no modelo deinstitucionalidade resultante dos princípios de uma “or-dem do bem-estar”, um welfare que tinha seu cerne napresença do Estado-regulador macro das bases sociaisdessa institucionalidade, mas se estendia, plasmando aspróprias políticas de empresa.

Indo diretamente ao ponto do argumento aqui propos-to, poder-se-ia dizer que testemunhamos a remontagemde um novo modelo paradigmático, ou seja, assistimos aconstrução de novas normas e instituições cuja legitima-ção se sustentará em dois movimentos: por um lado, o dareconstrução do imaginário (gerencial, sindical e social)com respeito ao trabalho e seu gerenciamento; por outrolado, o da gestação e generalização de uma nova norma-tividade que presida o relacionamento entre os atores.Entre um e outro desses movimentos não há qualquer re-lação de antecedência temporal, muito embora um e ou-tro sejam condições necessárias à emergência de uma novaordem no trabalho.

Por reconstrução do imaginário pretende-se fazer alu-são à emergência de um novo paradigma a organizar a

NADYA ARAUJO CASTRO

Pesquisadora do Cebrap, Professora Aposentada da Universidade Federal da Bahia

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representação da produção, do trabalho e das relaçõessociais nele estabelecidas. “Produção enxuta”, “modelojaponês”, “especialização flexível”, “sistemofatura” sãoalgumas das denominações correntemente utilizadas parareferir-se a ele. A noção de modelo paradigmático aquiutilizada assume que a legitimidade e a amplitude dedifusão da nova norma não resultam da sua perfeita apli-cabilidade às situações concretas, e nem mesmo da realefetividade de um conjunto de técnicas que dela decor-ram. Ao contrário, é a vigência simbólica de seus prin-cípios que parece constituir-se na mola-mestra da suadifusão.1

Assim entendido, poder-se-ia repensar o truísmo emnovas bases. Não se trata apenas de vaticinar se um novomodelo organizacional preside efetivamente a ordem dotrabalho de modo universal e inelutável; e tampouco deceder ao discurso gratuitamente apologético de que a “pro-dução enxuta” seja hoje o novo equivalente geral em ter-mos das best practices.2 Todavia, não é possível fecharos olhos às evidências de que se assiste a um importanteprocesso de criação de novos rol models, de expectativasde comportamento e de personificações que conformamos atores históricos, criando novas personas para os pro-cessos sociais. Dois exemplos parecem ter sido (ou estarsendo) particularmente eloqüentes: o dos distritos indus-triais italianos ou o das redes japonesas de relações inter-firmas. Um e outro colocam como principal desafio a pos-sibilidade de construção de novas institucionalidades, denovas formas de governança na ordem industrial, funda-das num princípio: o da produção flexível (de massa ouem pequenos lotes sob encomenda, pouca diferença faznesse aspecto).

Sob as institucionalidades ali contidas, podem ser cap-turadas as novas personas exemplares dos processos so-ciais. Competição, sim, mas com base em estratégias deredes de firmas, cuja articulação deve sustentar-se emprincípios de confiança e reciprocidade. Regulação esta-tal, sim, mas num contexto em que a agência (agency) senutre da vitalidade de instâncias de negociação definidasno plano micro: forte presença do poder local e das orga-nizações não-estatais, indutoras de políticas públicas com-prometidas com as condições infra-estruturais da compe-titividade dos clusters de empresas. Sindicatos, sim, masaptos a negociar as condições de contratação e uso do tra-balho dentro do princípio que internaliza e generaliza ocompromisso de todos com o desempenho e a competiti-vidade da firma e de sua rede de parceiros.3

Estas personas – algumas antigas conhecidas, agorarenovadas, outras novas – se constituem nas novas basessociais de efetividade dos modelos paradigmáticos. In-dagando sobre elas, começa-se a percorrer o caminho entrerol models e realidades concretas. Vale dizer, só quando

se questiona sobre a natureza dos agentes sociais que per-sonificam os modelos de comportamento esperado pode-se entender o longo curso que se interpõe entre a realida-de imaginada (como modelo paradigmático) e a construçãosocial das mudanças na ordem do trabalho.

Tome-se como exemplo uma experiência pretérita: ada difusão do taylorismo no Brasil. Vargas (1985) eWeinstein (1996), com quase uma década de hiato entresuas respectivas pesquisas, ilustram, para o caso brasilei-ro, como o sentido propulsor de um modelo – no caso, oque se depreendia dos princípios tayloristas da racionali-zação e da administração científica – pode (e deve) serlido em dois registros. Por um lado, em sua capacidadede re-significar a realidade, nutrindo seus agentes de umestofo normativo que sustenta a construção de novas ins-titucionalidades. Por outro lado, na plasticidade dessemesmo campo normativo, vale dizer, na sua permeabili-dade a se tornar seja o discurso que fundamenta e cons-trói uma face pública para os próprios agentes (na medi-da em que os faz portadores de uma nova retórica sobre aordem social do trabalho); seja o discurso que normatizaos lugares dos agentes e a sua relação social nos cotidia-nos de trabalho.

Assim, os achados de Vargas (1985) documentam aforça da vigência simbólica do paradigma taylorista, ca-paz de nutrir a ação de um grupo social que procuravatranspor para o Brasil a nova norma de produção, mesmoque de forma “temporã”, dado que nos faltavam os doisatores principais: um empresariado e um operariado nati-vos. Por isto mesmo, a racionalização encontrou no apa-relho do Estado o solo por onde buscaria propagar os no-vos rol models; daí porque a máquina administrativa estatalfez as vezes do seu “chão-de-fábrica”.4

Weinstein (1996) vai ainda mais longe. Ela mostracomo o discurso da racionalização e da gestão científica,liderado por alguns dos nossos primeiros industrialistas,tomou de assalto engenheiros, higienistas sociais e edu-cadores na São Paulo das primeiras décadas deste século.Tal discurso, ao lado de aspirar reconstruir o espaço detrabalho e a força de trabalho, dirigia-se, em primeira ins-tância, à própria autoconstrução do empresariado nativo,à construção da sua imagem de classe. A identificaçãocom novas correntes de pensamento que propugnavampela organização racional e pela gestão científica forne-ceu a estes industrialistas, engenheiros e educadores aautoridade profissional e a expertise técnica necessáriasa legitimá-los como os construtores de um Brasil moder-no; e, nisto, eles procuravam distinguir-se das formas“arbitrárias” de autoridade das elites tradicionais (ruraise urbanas) que, a seu ver, punham em risco não apenas osganhos de produtividade, mas a própria possibilidade dealcançar-se a “paz social” (Weinstein, 1996:2).

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Desse modo, o modelo paradigmático que sustentavaa concepção de uma nova ordem na produção era, aomesmo tempo, um passaporte para a modernidade e parao entendimento entre classes, sob a liderança de um gru-po social que representava as chances de inclusão do Brasilnas fronteiras da modernidade. É notável a coincidênciade apelos entre os discursos modernizantes de hoje e deoutrora. Mas é igualmente notável como um paradigmade produção, mais que propugnar um simples cardápiode novidades técnico-organizacionais, encontra sua le-gitimação na capacidade de associar um novo regime fa-bril a novos horizontes para a macropolítica. Foi assimcom a introdução da norma taylorista no Brasil; pareceestar sendo assim agora, quando da sua superação.

Nesse sentido, poder-se-ia voltar ao argumento antesproposto de que a conquista da condição de paradigmapor parte de um novo modelo organizacional teria doissupostos. Por um lado, a reconstrução do imaginário (ge-rencial, sindical, mas também social) em torno de umacultura normativa que re-significa o que se entende portrabalho, seus agentes e as relações entre estes. Por outrolado, a generalização desta nova normatividade, personi-ficada em novos agentes sociais (ou em expectativas re-novadas de comportamento para agentes sociais preexis-tentes).5 Assim sendo, a construção social de um novoparadigma importa sempre um movimento simultâneo dedestituição e de instituição de direitos – da firma, do con-sumidor, do trabalhador.

Uma primeira indagação remeteria a um inventário dosdireitos que se destituem e que se instituem em momen-tos (como o atual) de transição entre modelos de culturanormativa do trabalho. A importância deste tipo de ques-tionamento não é desprezível: os direitos do trabalho, talcomo hoje os concebemos, estão na raiz de um pacto so-cial que sustentou a contratualidade burguesa, dando le-gitimidade à esfera pública ali constituída. E não apenasisto: sua atualização, sob a égide da regulação fordista,esteve na base do mais notável esforço de inclusão socialcapitalista, constituindo um dos esteios do Estado de Bem-Estar. Nesse sentido, indagar sobre que direitos empre-sários, trabalhadores e consumidores perdem ou adqui-rem equivale a indagar sobre as novas bases sociais deuma contratualidade ainda emergente.

Mas, talvez as perguntas mais instigantes do ponto devista sociológico devessem pôr o acento: nos processospelos quais novas institucionalidades substituem as anti-gas, recuperando, desse modo, a preocupação com os ato-res e sua capacidade de determinar o curso desta novacontratualidade em gestação; nos resultados, em termosdas novas institucionalidades que emergem no bojo des-tes processos, resultados estes dependentes não apenas doformato institucional de partida, mas das práticas e re-

cursos dos agentes envolvidos na negociação das novasnormas e instituições.

Que dizer dessas perguntas, se encaradas a partir darecente experiência brasileira? De fato, as análises dispo-níveis, tanto no nível meso dos ramos de produção, quantono nível micro das empresas, parecem sugerir que novasinstituições têm passado a regular as relações entre traba-lhadores e gerências. Qual a natureza dessas instituições?Extremamente variada.

Tome-se em conta, inicialmente, o nível meso de aná-lise. No Brasil dos anos 90, destacou-se a controversaexperiência de constituição das câmaras setoriais. Insti-tutos governamentais de regulação, a concepção de câ-maras setoriais inovava no escopo, na natureza e nos re-sultados (Cardoso e Comin, 1995; Arbix, 1996; Mello eSilva, 1997). No que concerne ao escopo, cada câmaradeveria ter por foco de intervenção um complexo produ-tivo, envolvendo todos os atores responsáveis pela cadeiade produção. Ali tinham assento produtores finais e seusfornecedores, reunidos numa instância de formação con-sensual de diretrizes que os forçava a negociar interes-ses. Se é certo que tal negociação não eliminava os efei-tos de assimetrias existentes na distribuição de poder nacadeia de produtores, ela certamente ampliava franjas paranegociar soluções entre esses desiguais que minimizassemou, quando menos, administrassem essa desigualdade.Mais ainda, o escopo da intervenção regulatória das câ-maras tinha, como grande novidade, a presença dos sin-dicatos de trabalhadores do complexo correspondente.Com isso, entendimentos usualmente bilaterais, até en-tão tecidos nas ante-salas da burocracia governamental,envolvendo Estado e empresas, passavam à esfera públi-ca e nela incluíam representantes dos trabalhadores.

Da novidade de escopo resultou uma definição igual-mente inovadora quanto à própria natureza desse institu-to de regulação setorial. Abandonavam-se as antigas ex-periências dos organismos estatais com representaçãode agentes (tal como fora exercida no âmbito dos órgãosde desenvolvimento regional, ou dos conselhos de políti-ca pública), avançando-se para a definição de um entepúblico de natureza tripartite que, com independência vis-à-vis a burocracia estatal (apenas um dos três agentes),propunha diretrizes setoriais num amplo espectro: políti-ca tecnológica e de investimento, estratégias competiti-vas, políticas de financiamento, estratégias de preços ede distribuição em face de horizontes almejados para operfil da demanda e, finalmente, políticas de emprego, desalários e de negociação dos efeitos do intenso ajuste es-trutural sobre a incorporação e o uso do trabalho.

Finalmente, prescindindo mesmo de qualquer consi-deração quanto aos efeitos reais da atuação das câmaras,a sua mera existência criou novas possibilidades de regu-

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A novidade, por sua substância, se localizaria agorana possibilidade de um jogo em que interesses podem sercontratados. Vale dizer, eles não têm de ser equaciona-dos num modelo de dupla saída, onde apenas se tenha nohorizonte: a possibilidade da subjugação completa do an-tagonista nos moldes de um autoritarismo despótico ga-rantido por um Estado interventor e autoritário (atémesmo na instituição de direitos); ou a necessidade darecusa permanente de qualquer sorte de contratação, quefaz da belicosidade (antiestatal e antipatronal) um ele-mento definidor de cada ação política do trabalho orga-nizado.

Por sua forma, a novidade dos anos 90 estaria na cons-tituição de novas institucionalidades, seja em nível meso(setorial) ou micro (da firma). Tais novidades institucio-nais abrem a possibilidade de um espaço público de cons-trução de uma nova contratualidade no plano das relaçõesindustriais.

No nível meso, a experiência das câmaras setoriaisdocumentou essas novas condições de contratação ondeEstado, trabalhadores e empregadores (tanto quanto dis-tribuidores e consumidores) podem vir a se tornar agen-tes sociais de igual importância vis-à-vis a sociedade eum novo contrato social. O ocaso da experiência de ne-nhum modo retira sua importância para o argumento queaqui se desenvolve: o desmonte de um velho modelo pa-radigmático supõe que a nova concepção normativa dotrabalho se generalize, dando lugar a novas instituiçõesque regulem a relação entre os atores. As câmaras foram,certamente, o mais importante experimento em nível meso(das cadeias produtivas) que se teve oportunidade de em-preender no Brasil dos nossos dias. A sua mera existên-cia documenta que a efetividade de novos modelos para-digmáticos põe em questão agentes sociais, terrenos denegociação e expectativas de conduta antes assentes naregulação das condições de trabalho. Ao fazê-lo, abre ca-minho para novos experimentos de regulação; alguns tãoavançados quanto as câmaras em seu esforço por trazer aregulação para um espaço público da pactuação entreiguais.

Mas, novas institucionalidades parecem também emer-gir no nível micro, das relações sociais nos chãos-de-fá-brica. Novas instituições de contratação, mais ou menosformalizadas, emergem nas diferentes plantas, seja poriniciativa dos trabalhadores (com maior ou menor auto-nomia em face de seus próprios sindicatos), seja por ini-ciativa das empresas (no marco dos chamados “progra-mas de qualidade”). A existência dessas novas instituiçõesparece pôr em cheque um dos princípios que nortearamaté aqui a cultura normativa do trabalho: o de que cabiaao sindicato o monopólio da representação instituciona-lizada de interesses coletivos no âmbito do trabalho.

lação em nível setorial das relações industriais no Brasil.De fato, constituiu-se, pela primeira vez no país, a possi-bilidade de uma esfera pública de negociação das rela-ções de trabalho, em que trabalhadores e empresáriospudessem discutir algo mais que meros instrumentos de-fensivos em face de conjunturas de confisco de saláriospor inflação selvagem, como acontecera até o final dosanos 80. Na pauta dessas negociações passavam a cons-tar as diretrizes de política industrial e do trabalho que,refletindo as novas realidades das relações sociais de tra-balho nos chãos-de-fábrica, a estes retornavam enquantodeterminantes de seus desenvolvimentos futuros.

Essa novidade em âmbito setorial teve lugar num con-texto de grandes transformações também nos microcos-mos das empresas. Por um lado, a abertura comercial emmeio à crise econômica do início dos anos 90 expôs asfirmas brasileiras a novos padrões de competitividade, compressões sobre custos e qualidade, que afetaram suas estra-tégias competitivas, políticas de investimento e modalida-des de gestão do negócio. Seus resultados foram imedia-tos e tiveram efeitos avassaladores seja sobre as políticasde efetivos (com sucessivas ondas de demissões e sub-contratações), seja sobre as relações de trabalho e as práti-cas de negociação das intensas mudanças organizacionais.

O transcurso dessas mudanças e os seus impactos nonível concreto do dia-a-dia do trabalho fabril não estãoinscritos ex ante como parte da natureza mesma do pro-cesso de reestruturação. Nesse sentido, convém assumira necessária distância crítica, seja do ufanismo daquelesque reconhecem uma virtualidade intrínseca à reestrutu-ração, atribuindo-lhe a capacidade de “democratizar” oslocais de trabalho, seja do catastrofismo de outros tantosque vêem nos chamados “ambientes reestruturados” obem-sucedido ardil de um agente social (o capital) que,por fim, subordina inteiramente (ao dominar ideologica-mente) o sujeito trabalhador.

Ao contrário, essas transformações têm sujeitos sociais– plurais e ativos – a sustentá-las. Assim, somente noâmbito da política, vale dizer, da negociação dos distin-tos interesses sociais em torno da reestruturação, inscre-vem-se a possibilidade e o curso das mudanças na con-tratação do trabalho. E quanto a isso, que fatos novossurgem no Brasil dos anos 90? Parece que o principal delesdiz respeito à possibilidade de que a negociação diretaentre empregadores e empregados se expresse de mododistinto que no Brasil sob intervencionismo autoritário doEstado, intervencionismo este que informou a estratégiadesenvolvimentista no longo período de construção in-dustrial substitutiva, seja sob a égide de governos civispopulistas (como os de Vargas), seja bancado por gover-nos militares (como os que se seguiram ao golpe militarde 1964).

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90, passou a conferir substância ao Programa Brasileirode Qualidade e Produtividade. A velocidade com que essediscurso se generaliza e a difusão de seus princípios pas-sam a pressionar por novas instâncias institucionais quegradativamente emergem, a partir dos planos micro, mesoe macro de negociação das relações industriais. Essa pro-gressiva institucionalização da nova cultura normativaparece apontar para um contexto em que se completa odesmonte do velho modelo paradigmático e se tece a re-montagem daquele que lhe sucede.

Para o imaginário acadêmico, uma grande indagaçãoabre-se em momentos como este. Se é certo que esta novacultura normativa do trabalho realiza o desmonte do ve-lho paradigma fordista, qual o novo contrato social quese afigura hoje como passível de tomar o lugar daqueleque deu sentido às democracias burguesas tal como as co-nhecemos hoje, sustentando a forma pela qual se pactua-vam interesses oriundos dos conflitos do trabalho?

NOTAS

Intervenção de abertura da sessão sobre “Destituição de Direitos, Novas Institu-cionalidades e Negociação da Flexibilidade” do GT “Trabalho e Sociedade”, XXEncontro Nacional da Anpocs – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pes-quisa em Ciências Sociais, Caxambu, 1996.

1. .Já F. Taylor havia chamado a nossa atenção para que o decisivo das suasidéias não se resumia a um mero conjunto de técnicas que pudessem ser aplica-das a qualquer contexto organizacional, mas, sim, radicava num conjunto de prin-cípios retores, cuja administração prática se constituía no verdadeiro desafio àinteligência gerencial. Seguindo esse mesmo registro, encontramos em TaiichiOhno (1989) a afirmação de que, a seu ver, o sistema Toyota não foi mais queum esforço por recriar os princípios do fordismo, para ele identificáveis aos prin-cípios da gestão científica, adaptando-os à realidade japonesa.

2. Como ingenuamente sugeriram Womack, Jones e Roos no seu best-seller(1992).

3. A estes compromissos Francisco de Olivera se reportaria, nas discussões tra-vadas no GT “Trabalho e Sociedade”, durante o último Encontro da Anpocs, em1996, com duas idéias de todo provocadoras. Em primeiro lugar, a hipótese deque esses compromissos produzem a opacidade da relação de exploração, pormeio de múltiplos artefatos organizacionais. Em segundo lugar, de que essesartefatos organizacionais operam a destruição de uma ética do trabalho, substi-tuindo-a por uma ética da subordinação, tanto mais eficaz quanto mais travesti-da dos atributos da velha ética do trabalho; individualismo e competitividade sediluem numa sorte de compulsão coletiva, compulsão por um coletivo que, aum só tempo, banaliza e mitifica a nova heteronomia.

4. Num desenvolvimento paradoxal, ao menos se considerarmos a forma como anorma taylorista se propagou em outros países.

5. Rediscute-se, por exemplo, as “novas funções do Estado num contexto de aber-tura e competitividade”, “o novo perfil da gerência nas empresas organizacio-nalmente reestruturadas”, “os novos direitos do consumidor” ou mesmo as “no-vas tarefas de um sindicalismo propositivo”.

6. De resto, aparece também com freqüência cada vez mais significativa a refe-rência à necessidade de revisão da legislação brasileira sobre contratação do tra-balho, de modo a introduzir no campo normativo possibilidades até então ine-xistentes, flexibilizando e desregulamentando condições de recrutamento e re-muneração do trabalhador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARBIX, G. Uma aposta no futuro – os primeiros anos da câmara setorial daindústria automobilística. São Paulo, Scritta, 1996, p.232.

De fato, a transição entre normatividades parece teraberto, também no plano micro, o campo para a experi-mentação e a emergência de novas formas institucionais,mais ou menos duradouras, dotadas de maior ou menorabrangência, mas todas elas formalmente autônomas fren-te aos sindicatos e funcionando como condutos da veicu-lação e negociação de interesses de trabalhadores nos lo-cais de trabalho. Seus nomes podem variar, mas parecemremeter quase sempre às novidades organizacionaisintroduzidas no bojo dos programas de qualidade e dasexperiências de organização de equipes, mais ou menosautônomas.

Numa conjuntura de estabilização monetária – em quea recuperação de poder de compra dos salários já não movepor si só o interesse da ação coletiva – adquirem relevoas pequenas e cotidianas negociações relativas às condi-ções de uso do trabalho; elas qualificam novos atores enovos cenários de negociação. Por outro lado, o contextode maior competitividade com base na busca crescentede produtividade e qualidade leva a que as empresas pas-sem a necessitar do compromisso ativo do trabalhador;isto se torna tanto mais evidente quanto mais radicalmentese assumem os princípios modelados na chamada “pro-dução enxuta”: a ausência de estoques e a organização daprodução em conexão imediatamente comandada pelademanda final vulnerabilizam a gestão do trabalho, tor-nando-a particularmente dependente da eficiência e docompromisso dos coletivos de trabalhadores. Com isto,os cotidianos de trabalho tornam-se um espaço de per-manente disputa por hegemonizar o envolvimento do pro-dutor direto. Esta disputa nutre novas políticas, gerenciaise sindicais, e se expressa em formas institucionalmentenovas de arregimentar e vocalizar opiniões e interesses,moldando este compromisso.

Finalmente, mesmo o nível macro, das formas de re-gulação que emanam do Estado, aponta para esta novatendência a consolidar espaços institucionais alternativosde negociação das novas condições de trabalho. Experiên-cias recentes, como a que resulta da aplicação da legisla-ção de participação nos lucros e resultados, parecem apon-tar para a pressão estatal por credenciar novos terrenos eatores na negociação das relações de trabalho, consoli-dando a ruptura com o princípio tácito de monopólio sin-dical do direito de negociação das condições de uso e re-muneração do trabalho.6

Enfim, estas institucionalidades emergentes no planoda regulação das relações de trabalho no Brasil parecemdocumentar o trânsito em direção a uma nova culturanormativa do trabalho. Tal como nos primórdios dotaylorismo, essa nova cultura emergiu como um discursode um grupo social circunscrito. Transmutou-se rapida-mente em discurso do Estado quando, no início dos anos

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MELLO E SILVA, L.G. A generalização difícil – a vida breve da Câma-ra Setorial do Complexo Químico seguida do estudo de seus impac-tos em duas grandes empresas do ramo em São Paulo. Tese de Dou-torado. Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo,1997, p.201.

OHNO, T. “La verité sur le système Ford”. L’esprit Toyota. Paris, Masson, 1989,cap. VI, p.103-117.

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BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO

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BRASIL E MÉXICOeconomia e emprego

os anos 90, observa-se uma clara convergênciados países latino-americanos na adoção de polí-ticas econômicas centradas em austeridade fis-

cal, abertura econômica externa, âncora monetária exter-na e desregulamentação econômica. A nova política eco-nômica1 vem rompendo com a tradição desenvolvimen-tista presente na região desde o pós-guerra, que relacionaa formação dos mercados nacionais à consolidação de umabase industrial.

Certas distorções criadas pelo processo de desenvol-vimento nacional nestes países têm sido tomadas comojustificativa da nova orientação. A proteção à economianacional é considerada como o principal fator de distor-ção, já que levaria ao acomodamento dos agentes econô-micos aos níveis de produtividade vigentes e estimulariaa disputa entre estes agentes por um excedente econômi-co que passou a crescer lentamente. Argumenta-se aindaque o efeito mais visível deste processo foi a inflaçãoexplosiva, com a deterioração das condições financeirasdo aparelho de Estado. O rompimento desta trajetória depolítica econômica é vista como fundamental para supe-rar um contexto econômico tão adverso.

Como bem sintetizou Huerta (1992:65), “com o obje-tivo de impulsionar um processo de reestruturação da plan-ta produtiva nacional para ter uma inserção eficiente nocontexto internacional, [a nova política entende ser] ne-cessário eliminar o viés antiexportador (que a políticaprotecionista de substituição de importações configurou)e alcançar os níveis de produtividade e competitividadeque requer a nova estratégia de crescimento com estímu-lo às exportações”.

A implementação da nova política econômica tem-serealizado através de abertura comercial, âncora cambial

N no dólar, privatização de empresas e atividades exercidaspelo Estado, austeridade fiscal, desregulamentação (fle-xibilidade) das relações econômica e de trabalho e foca-lização das políticas públicas. Estas mudanças elevaramo grau de exposição dos agentes econômicos à concor-rência interna e externa, sob a argumentação de que estaprovocaria a oxigenação dos diversos mercados, obrigandoos agentes a buscar maior eficiência econômica. Segun-do esta concepção de política, a disputa entre agentes devetransitar da repartição de um excedente existente para acriação de um novo e maior excedente, desativando, porconseqüência, o principal elemento causador de inflaçãoe da perda de eficiência: o conflito distributivo; e tornan-do possível, portanto, solucionar de fato os problemas dainflação e da estagnação econômica. Ademais, esta novapolítica é convergente com os novos ventos da economiamundial, agora mais globalizada, e possibilita a reinser-ção de nossas economias no mercado financeiro interna-cional.

No campo do mercado e das relações de trabalho, elaassocia a indexação dos salários às raízes da inflação e osproblemas de produtividade e o crescimento da informa-lidade ao anacronismo do marco regulatório, considera-do não funcional ao novo modelo de gestão da empresa eaos interesses dos próprios trabalhadores.

A indexação salarial e a sustentação do salário míni-mo são consideradas como combustíveis do conflito dis-tributivo, pois sua presença em um contexto de estagna-ção do excedente produtivo só poderia resultar em maisinflação. Por outro lado, sustenta-se que o paternalismoestatal protegeu certos segmentos de trabalhadores quese aproveitaram das negociações coletivas para imporrecomposições de salário superiores à inflação passada,

CLAUDIO SALVADORI DEDECCA

Professor do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp

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em detrimento dos segmentos de trabalhadores que nãose encontravam cobertos pela regulação pública, como ostrabalhadores informais.

Segundo a nova política econômica, o artificialismodas relações de trabalho fomentou o crescimento dos con-tratos de trabalho estabelecidos à margem da legislaçãopública, expressando o descontentamento das empresas etambém dos trabalhadores em relação ao sistema de re-gulação existente. Assim, a flexibilidade das relações detrabalho contemplaria as duas principais partes interessa-das. Se, por um lado, a flexibilidade atenderia aos inte-resses que organizam o mercado de trabalho, por outro,surgiria como virtuosa para o novo contexto de política eorganização econômicas.

Em suma, tanto os modelos nacionais de crescimentocomo os sistemas de relações de trabalho a eles associa-dos devem ser objeto de reformas, caso o propósito prin-cipal seja a estabilidade de preços, o crescimento econô-mico e a elevação do nível de ocupação.

Neste artigo, pretende-se analisar os impactos da novapolítica econômica sobre os mercados nacionais de tra-balho do Brasil e do México. Na primeira sessão, serãodebatidos o contexto de crise dos anos 80 e a emergênciada nova política econômica. Em seguida, serão analisa-dos seus principais resultados econômicos e seu impactosobre o crescimento. Na terceira sessão, estarão em pautasuas implicações sobre o mercado de trabalho. Na quartasessão, será incorporada a discussão sobre a necessidadede alteração (flexibilidade) dos sistemas de relações detrabalho. Finalmente, discutir-se-á se a racionalizaçãoeconômica e social produzida pela nova política econô-mica sinaliza uma nova fase de crescimento de longo prazoou se conforma um processo de racionalização sem fim,caracterizado por breves surtos de crescimento seguidosde novos períodos de recessão que estabelecem uma ten-dência de queda contínua dos níveis de emprego, com aprogressiva desregulamentação das relações de trabalho.

ABERTURA, ÂNCORA MONETÁRIAE ESTABILIDADE DE PREÇOS

Brasil e México conheceram um período de grandesdificuldades econômicas nos anos 80. A política de reva-lorização da moeda americana, a partir de 1979, explicitoua fragilidade do processo de endividamento externo daAmérica Latina e seu papel na sustentação do crescimen-to econômico. Assim, os primeiros anos da década forammarcados por uma forte recessão econômica em ambosos países, em razão do estancamento dos fluxos de recur-sos externos que haviam irrigado suas economias.

As políticas fortemente restritivas com controles ad-ministrativos do comércio externo, adotadas como res-

posta à situação de crise, visavam reduzir a demanda in-terna e as necessidades de importações, bem como bus-cavam criar algum excedente produtivo que pudesse serexportado e que gerasse divisas necessárias para o paga-mento de compromissos externos que venciam, não po-dendo ser renovados. A violência da crise sobre as eco-nomias nacionais era manifestada pela permanente ameaçade quebra financeira dos Estados, que acabou se concre-tizando em 1982 no México.

Esta situação de estrangulamento foi amenizada poruma renegociação da dívida externa do país – iniciativaacompanhada por outros países da região –, cujos com-promissos somente puderam ser saldados via a combina-ção de cortes nos orçamentos e aumento das exportações,propiciado, em grande medida, pelo padrão de recupera-ção da economia americana, a partir de 1984. A renego-ciação da dívida externa, mesmo que claramente desfa-vorável aos países latino-americanos, e a expansãoamericana foram seguidas de um movimento de recupe-ração das economias da região.

A recomposição da atividade produtiva na economiabrasileira foi significativa até 1986, mantendo-se um in-cremento lento e instável até 1989. A política de controleda demanda interna com desvalorização cambial permi-tiu ao país aproveitar o crescimento da economia interna-cional de tal modo que seu superávit comercial chegou aalcançar a cifra de 20 bilhões de dólares. A criação destesuperávit foi possível graças a uma razoável ociosidadeda capacidade produtiva, que foi rapidamente ocupada em1985-86. No final deste ano, a continuidade da recupera-ção dependia da realização de um conjunto amplo de in-vestimentos que ampliassem a capacidade nacional deprodução. Entretanto, o excedente criado com as expor-tações, que poderia se prestar a essa finalidade, era utili-zado para saldar os compromissos externos, impedindoassim o desenho de qualquer plano de investimentos. Alémdisso, o esgotamento da capacidade produtiva, em umcontexto de graves restrições orçamentárias do setor pú-blico, tornava-se fonte de pressões inflacionárias, refor-çadas pelo esquema de financiamento dos compromissosexternos. As tentativas de estabilização através de con-gelamento de preços, salário e câmbio eram marcadas porum desaquecimento momentâneo do consumo em sua faseinicial, seguido por um rápido aumento – caracterizadopor uma certa antecipação – quando havia sinais de suadesativação. Estes movimentos especulativos em umaeconomia funcionando a plena carga eram o combustíveldo processo inflacionário.

Uma evolução bastante distinta foi observada na eco-nomia mexicana. Após a quebra financeira em 1982, umacordo bancado pelos EUA permitiu o refinanciamentodo débito externo, cujos compromissos eram garantidos

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pelas exportações de petróleo, fortemente favorecidas pelaelevação dos preços do produto na primeira metade dosanos 80. Cortes no gasto público, associados ao aumentodas exportações e à desvalorização cambial, permitiramque o país superasse, ainda que momentaneamente, a si-tuação de crise mais aguda. A proximidade com o merca-do americano era um fator favorável à recuperação eco-nômica, gerando efeitos positivos sobre os níveis internosde produção, em especial do segmento industrial dasmaquillas.

Entretanto, a possibilidade de uma recuperação ficoucomprometida com a queda dos preços do petróleo, emmeados da década, que reduziu bruscamente as receitasobtidas com as exportações. Em um primeiro momento,o governo mexicano lançou mão das facilidades abertaspelo Plano Baker, mas a deterioração contínua da receitaexterna evidenciava as dificuldades do país de superar osentraves financeiros existentes, que eram agravados pelaqueda dos preços dos títulos da dívida mexicana no mer-cado internacional. A proximidade das eleições de 1988induziu o governo a convocar empresários e sindicatospara um processo de negociação, consubstanciado noPacto de Solidariedad Económica – PSE. O acordo tinhacomo metas a contenção dos gastos públicos e a forma-ção de um superávit primário de 8% em relação ao PIB,para permitir a sustentação das reservas existentes, a con-tenção dos salários, em especial do setor público, e a ado-ção de uma taxa de câmbio estável. A estabilização pro-posta pelo pacto foi concluída com a renegociação dadívida externa viabilizada pelo Plano Brady, em 1989, quereconstituiu os fluxos de capitais para a economia mexi-cana. A vinda de novos capitais era garantida pela maiorliberdade de ingresso e de saída destes, pela política deausteridade do setor público, com a privatização do setorprodutivo, e pela estabilidade da taxa de câmbio (Huerta,1992; Romo, 1994) – que se justificavam também peloprojeto de integração regional em discussão entre Méxi-co, Estados Unidos e Canadá. Em 1989, o México aca-bou por adotar a nova política econômica, com a renova-ção do PSE.

Neste mesmo ano, o debate em torno das eleições pre-sidenciais brasileiras se centrava nas alternativas de reor-ganização da economia nacional. A proposta de esquer-da, defendida por Lula, entendia ser necessário resolveros problemas políticos que entravavam a montagem deum sistema de financiamento do desenvolvimento nacio-nal, de modo a se viabilizar o desdobramento da estrutu-ra produtiva existente. A visão conservadora de Collor,em contrapartida, defendia a abertura comercial comoforma de reinserir a economia brasileira no comércio in-ternacional, superando o atraso econômico e tecnológicodo país.

A vitória de Collor legitimou politicamente a adoçãoda nova política econômica e em março de 1990 inicia-va-se um processo de abertura rápida da economia brasi-leira. Políticas de privatização, austeridade fiscal e desin-dexação foram adotadas de maneira complementar,ficando de fora somente a política de câmbio nominal fixo.Iniciava-se, deste modo, a reinserção da economia brasi-leira no comércio internacional, através de uma aberturado mercado nacional de bens e dinheiro, mais compatívelcom a lógica vigente na era da globalização econômica efinanceira.

O estabelecimento da nova política econômica conhe-ceu certos percalços. O desgaste político provocado peloaprisionamento das poupanças individuais, a voracidadena montagem de um mecanismo próprio de corrupção e orecrudescimento rápido da inflação acabaram por fragili-zar o governo Collor, contendo momentaneamente umaimplantação mais agressiva de sua política econômica.Enquanto o governo brasileiro da época enfrentava difi-culdades para viabilizar a nova orientação econômica, ogoverno Salinas ia de vento em popa, com a inflação anualtendendo para um único dígito; no Brasil, mais uma vez,rompia a casa dos três dígitos (Tabela 1).

O êxito do programa de ajuste era considerado umverdadeiro milagre mexicano. Depois de uma década decrise, o país parecia conhecer a prosperidade, o que lhepermitia estabelecer um bloco comercial com os EstadosUnidos e Canadá e propor seu ingresso na Organizaçãopara a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico –OCDE, clube seleto dos países desenvolvidos.

TABELA 1

Variações Anuais do Produto Interno Bruto e dos Preços ao ConsumidorBrasil e México – 1986-95

Em porcentagem

Brasil MéxicoAnos

PIB Preços PIB Preços

1986 7,5 125,0 -3,6 86,2

1987 3,5 233,3 1,8 131,8

1988 -0,1 690,0 1,3 114,2

1989 3,2 1.289,0 3,3 20,0

1990 -4,4 2.937,7 4,5 26,6

1991 0,2 440,9 3,6 22,7

1992 -0,8 1.008,7 2,8 15,5

1993 4,1 2.148,5 0,7 9,7

1994 5,7 2.668,6 4,5 6,9

1995 4,2 84,4 -6,2 35,0

Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi.

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governo brasileiro no primeiro semestre de 1995, não re-presentaram alterações mais profundas na política eco-nômica manejada. A abertura econômica, a valorizaçãodo câmbio, a manutenção de taxas de juros reais eleva-das, os cortes nos gastos públicos com privatização con-tinuaram pautando a política econômica destes países,apesar do agravamento de certos indicadores econômi-cos e sociais.

CRESCIMENTO OU AJUSTE ECONÔMICO

Um aspecto da nova política econômica que deve serressaltado é sua dificuldade em produzir taxas elevadasde crescimento econômico. Os melhores momentos daseconomias mexicana e brasileira não têm se pautado porincrementos estonteantes do Produto Interno Bruto. Comomostram os dados da Tabela 1, as elevações dos PIBs mexi-cano e brasileiro nos períodos entre 1990-94 e 1993-95,respectivamente, mantiveram-se em patamares relativa-mente baixos, comparativamente aos conhecidos por es-tes países nos anos 1950-70 (Romo, 1994; Mattoso eBaltar, 1996). Mesmo assim, produziram déficits eleva-dos nas balanças comerciais.

Ademais, a recuperação limitada não sinalizou que,caso mantida, pudesse gerar um movimento de crescimen-to sustentado no futuro próximo. Como mostram os da-dos sobre a formação bruta de capital fixo de ambos ospaíses, os investimentos permaneceram relativamentebaixos durante os bons momentos econômicos desta dé-cada (Tabela 2), não se podendo vislumbrar, portanto, ummaior potencial produtivo no futuro, que apontasse a pos-sibilidade de superação dos estrangulamentos externos daestrutura econômica.

Considerando-se que a nova política se propunha aresolver os problemas de competitividade destas econo-mias, promovendo a modernização econômica através deuma maior pressão competitiva sobre os agentes, seria dese esperar uma elevação mais expressiva da formaçãobruta de capital fixo. Nota-se, deste modo, que a expan-são promovida inicialmente não levou nem a um cresci-mento mais significativo do produto nacional, nem a umaelevação da taxa de investimentos que sugerisse baseseconômicas mais sólidas para um crescimento futuro.

Dois outros aspectos evidenciam ainda mais as difi-culdades da recuperação assentada na nova política eco-nômica. O primeiro refere-se aos efeitos diferenciados darecuperação sobre os níveis de produção industrial.

Na experiência brasileira, o aumento de 66% da pro-dução de bens duráveis, entre 1993 e 1995, representouuma elevação de 32% na produção de bens de capital,2 de13% na de bens intermediários e de 15% na de bens deconsumo não-duráveis (Tabela 3). A recuperação, em

Já no Brasil, a queda de Collor e a posse de ItamarFranco, no segundo semestre de 1992, não sinalizarammudanças mais significativas na política econômica. Aabertura econômica foi mantida, mas não foram adota-das, em um primeiro momento, medidas mais duras queaprofundassem a orientação imprimida por Collor. Somen-te no segundo semestre de 1993, o governo Itamar, atra-vés de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Car-doso, deu indícios de que formulava uma política paraatacar frontalmente a inflação. Em fevereiro de 1994, ogoverno adotou o Plano Real, que ratificava a abertura eassumia a moeda norte-americana como âncora cambial,passando por um período de transição em que foi promo-vida a desindexação e introduzida a nova moeda – o Real.Em primeiro de agosto daquele ano, a nova política esta-va completamente implantada, e antes do final do ano ainflação caiu drasticamente, estimulada pelo rápido au-mento das importações de bens duráveis e não-duráveis,que se seguiu a uma diminuição abrupta das alíquotas deimportação.

Ao mesmo tempo em que o Brasil adotava por com-pleto a nova política, a economia mexicana mostrava si-nais de esgotamento, que se explicitaram na crise finan-ceira de dezembro de 1994, quando o governo foi obrigadoa promover uma forte desvalorização cambial. A acumu-lação de grandes déficits comerciais nos primeiros anosda década, financiados pela entrada de recursos de curtoprazo, acabou por validar uma onda especulativa contraos títulos mexicanos e a interrupção do fluxo positivo derecursos.

A possibilidade de um “efeito dominó” sobre a econo-mia latino-americana, que provavelmente alcançaria aArgentina em primeiro lugar e o Brasil em seguida, e asconseqüências da quebra financeira sobre a economia e asociedade americanas levaram os Estados Unidos a so-correrem o México com 20 bilhões de dólares, que foramacompanhados de um aporte de 17,8 bilhões de dólaresdo FMI. Como contrapartida, impôs-se ao país a adoçãode um novo programa de cortes públicos e de privatiza-ção da economia. A política restritiva foi acompanhadade uma desvalorização cambial datada no tempo.

Os efeitos da crise mexicana fizeram acender as luzesde alerta na economia brasileira. A rápida passagem deuma posição superavitária para uma posição deficitáriana balança comercial entre 1993 e 1995, em um contextode turbulência financeira nos mercados emergentes, im-pôs ao Brasil uma posição de certa cautela, traduzida noaumento das alíquotas de importação de automóveis e naadoção de uma política cambial orientada por uma bandaestreita de variação.

As medidas adotadas pelo governo mexicano em de-zembro de 1994, assim como aquelas assumidas pelo

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grande medida concentrada na indústria de bens duráveis,mostra uma forte dispersão do grau de recomposição dosprodutos setoriais, o que sugere que parte importante dosresultados da boa performance da indústria de transfor-mação foi drenada para o setor externo.

Os vazamentos dos efeitos da recuperação para o setorexterno são melhor observados na experiência mexicana,na qual a expansão do setor industrial foi significativa-mente mais baixa (Tabela 4). No período 1991-94, o au-mento da produção industrial não foi suficiente para re-compor o nível alcançado em 1990, concentrando-se naindústria de alimentos, bebidas e tabaco (13%). Esta re-cuperação foi ainda mais limitada nos segmentos de me-talurgia básica e minerais não-metálicos. Os setores quí-mico e petroquímico, marcados pela presença importanteda extração de petróleo, assim como o de produtos meta-lúrgicos, maquinaria e equipamentos não conseguiram re-tomar os níveis de produção anteriores. Ao contrário, aszonas de processamento para exportação (maquillas),grandes consumidoras de insumos importados, elevaramem 51% sua produção.

A desproporção na performance intersetorial expressao papel do aumento das importações no crescimento daprodução de bens duráveis no Brasil e nas maquillas noMéxico. Este é o segundo aspecto que caracteriza a recu-peração destas economias. A recomposição do produtogerou um rápido aumento das importações, transforman-do os superávits comerciais em megadéficits. O saldo de16 bilhões de dólares da balança comercial brasileira em1989 transforma-se em um déficit de 3 bilhões de dólaresem 1995, enquanto o equilíbrio da balança comercialmexicana em 1989 resultou em um déficit de 18 bilhõesde dólares em 1994.3

O crescimento rápido das importações deve ser asso-ciado à abertura econômica indiscriminada promovida porambos os países e, em especial, à valorização das moedasnacionais que resultou da política de fixação das taxas decâmbio. A abertura com valorização cambial foi funda-mental para reduzir rapidamente a inflação, em especialna experiência brasileira, pois os produtos locais pas-saram a sofrer uma concorrência acirrada dos produtosimportados. Esta concorrência se fez presente nos mer-cados de bens duráveis – automóveis e eletrônicos emgeral –, mas também nos mercados de bens não-duráveis,como alimentação e vestuário. A competição acabou porconter os preços locais, permitindo, entretanto, que o con-sumo interno passasse a ter uma parcela significativa deprodutos importados, afetando negativamente a recupe-ração da produção industrial.

Diante dos efeitos devastadores do déficit comercialsobre a economia mexicana, que resultaram na insolvên-cia financeira do país em dezembro de 1994, o governo

TABELA 2

Formação Bruta de Capital Fixo em Relaçãoao Produto Interno Bruto

Brasil e México – 1981-1995Em porcentagem

Anos Brasil México

1981 21,6 23,21985 16,4 16,71990 15,5 16,51991 14,6 17,01992 13,6 17,91993 14,0 17,61994 15,0 18,21995 16,6 14,0

Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi.

TABELA 3

Evolução da Produção Industrial, por Categorias de Uso (1)Brasil e México – 1981-1995

Em porcentagem

Indústria Bens de Consumode Bens de Bens Inter-

Anos Transfor- Capital mediários Total Duráveis Não-mação Duráveis

1975-80 86,1 125,5 77,6 80,0 78,4 80,21981-84 90,1 94,4 86,9 85,7 85,2 89,81985-89 107,6 116,0 106,7 103,0 102,5 102,81989 110,4 118,3 109,6 105,9 106,1 105,51990 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,01991 105,5 98,7 97,8 102,3 104,7 101,81992 94,4 91,9 95,4 96,8 91,0 97,91993 97,4 100,8 100,6 106,7 117,5 98,91994 100,6 119,6 107,1 111,3 135,3 101,21995 110,0 120,1 107,5 117,6 151,5 112,7

Fonte: IBGE, Pesquisa Industrial Mensal.(1) Média de 1990 = 100.

TABELA 4

Evolução da Produção Industrial, segundo Gêneros de Atividade (1)México – 1990-95

Em porcentagem

Gêneros de Atividade 1991 1992 1993 1994 1995

Indústria de Transformação (exceto Maquiladoras) 99,4 96,5 91,4 95,4 102,5Minerais Não-Metálicos (exceto Petróleo e Carvão) 108,5 110,8 113,6 117,2 96,3Metalúrgica Básica 82,3 71,7 65,7 70,5 92,8Produtos Metalúrgicos,Maquinaria e Equipamentos 105,5 104,6 96,3 101,0 110,3Química e Petroquímica 95,9 89,8 84,4 89,0 102,5Madeira e Produtos de Madeira 91,5 84,5 79,4 81,2 72,9Papel e Derivados 91,5 84,2 77,1 75,4 91,0Têxtil, Vestuário e Couro 92,0 84,6 75,9 71,6 62,4Alimentos, Bebidas e Tabaco 105,6 108,5 108,3 113,4 110,8Outras Indústrias 106,0 107,2 95,1 99,5 83,2

Maquiladoras 101,1 104,3 109,5 121,1 141,5

Fonte: Inegi.(1) Média de 1990 = 100.

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TABELA 5

Evolução dos Principais Agregados da Balança de PagamentosBrasil e México – 1989-95

Em milhões de dólares

Principais Agregados 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

BrasilContas Correntes 1.002 -3.823 -1.450 6.089 20 -1.153 -18.136Comercial 16.112 10.747 10.578 15.239 14.329 10.861 -3.157Exportações (FOB) 34.375 31.408 31.619 35.793 39.630 44.102 46.506Importações (FOB) 18.263 20.661 21.041 20.554 25.301 33.241 49.663Serviços -2.785 -3.761 -3.891 -3.342 -5.590 -5.346 -7.495Capitais 710 4.594 229 9.974 9.504 8.810 29.609

MéxicoContas Correntes -5.825 -7.451 -14.888 -24.442 -23.400 -28.784 -654Comercial 405 -881 -7.279 -15.934 -13.481 -18.465 7.088Exportações (FOB) 35.171 40.711 42.687 46.196 51.885 60.882 79.542Importações (FOB) 34.766 41.592 49.966 62.130 65.366 79.347 72.453Serviços -672 -2.229 -2.090 -2.684 -2.529 -2.589 1.241Capitais 1.863 9.484 25.320 26.467 32.585 11.555 15.311

Fonte: Banco Mundial.

nalização provoca, no melhor dos casos, uma desindus-trialização parcial, reduzindo as relações intersetoriais einduzindo a uma maior especialização e internacionali-zação da estrutura produtiva local. Ao invés de se produ-zir um novo desdobramento da estrutura industrial, con-solida-se sua redução e desarticulação. Pode-se considerarque estas transformações caracterizam um processo dereestruturação “regressiva” e de “crescente heterogenei-dade estrutural” (Kosacoff, 1993).

A modernização se articula com a destruição de seg-mentos industriais mais defasados tecnologicamente, fa-vorecendo uma elevação rápida da produtividade indus-trial (Gráfico 2). Analisando o caso brasileiro, Feijó eGonzaga (1994) consideram que esta modernização, alémde possuir um caráter defensivo, tende a se realizar demaneira permanente, já que a política de abertura comer-cial induz a um aumento sistemático da produtividadeindustrial, seja pela incorporação de novas tecnologias,seja pela racionalização econômica provocada pela foca-lização adotada pelas empresas em atividades produtivasconsideradas centrais em seus processos de investimen-tos, de escolha de mercados, de terceirização e subcon-tratação e tecnológicos.

A modernização de caráter defensivo parece ser coe-rente com a manutenção da formação bruta de capital emnível relativamente baixo. A taxa de investimento baixapode expressar a introdução seletiva de novos equipamen-tos, concentrada nos segmentos mais modernos da eco-nomia, concomitantemente à destruição de capacidade nossegmentos econômicos mais frágeis (Considera, 1995).Ademais, esta taxa de investimento deve ser predominan-temente sustentada pelo setor privado, em face da desa-

brasileiro, em meados de 1995, adotou medidas restriti-vas para conter o crescimento das importações. Mesmoassim, a balança comercial acabou acumulando um saldonegativo no final do ano.

As medidas implementadas permitiram contornar osproblemas da balança comercial, apesar de terem produ-zido uma nova recessão, com mais uma redução nos ní-veis de emprego formais de ambas as economias.

A NOVA POLÍTICA ECONÔMICAE O MERCADO DE TRABALHO

Uma importante característica da nova política econô-mica é sua incapacidade de recompor o nível de empre-go. Apesar da expansão econômica mexicana em 1991-94 e brasileira em 1993-95, nota-se que a melhoria daprodução industrial não reverteu a tendência de quedapermanente do emprego industrial.

A falta de sintonia entre produção e emprego (Gráfi-co 1) decorre da pressão competitiva imposta pela novapolítica econômica sobre a estrutura industrial local, quefoi obrigada a proceder a um ajuste produtivo para sobre-viver no novo contexto econômico. Entretanto, na faltade uma política industrial, num contexto de rápido suca-teamento dos equipamentos, de elevado custo do dinhei-ro no mercado interno e do processo de internacionaliza-ção dos setores nacionais mais débeis, as empresasindustriais acabaram por adotar posturas defensivas, ra-cionalizando a produção através da redução seletiva deseus mercados, da modernização parcial de suas plantase da terceirização de produção e serviços de apoio. De-senvolve-se uma modernização às avessas, pois a racio-

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GRÁFICO 1

Evolução do Produto Industrial e do Pessoal Ocupado na ProduçãoBrasil e México – 1990-95

MéxicoBrasil

Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi.

GRÁFICO 2

Índices de Produtividade da Indústria de TransformaçãoBrasil e México – 1990-95

MéxicoBrasil

Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi.

celeração quase completa das inversões públicas no sis-tema de infra-estrutura.

Este padrão de aumento da produtividade industrialconhecido no Brasil parece estar-se reproduzindo na eco-nomia mexicana, com maior concentração dos investimen-tos nas maquillas, o que tem provocado uma crescentepolarização entre estas e a base industrial voltada para omercado interno (de la Garza, s/d), evidenciada na des-proporção entre os crescimentos dos dois setores.

O caráter contínuo da modernização defensiva se deveàs pressões permanentes exercidas pela concorrência ex-terna, potencializada pela valorização cambial. A redu-

ção lenta do salário real, garantida pela maior estabilida-de de preços, conjuntamente com a valorização da moe-da nacional, determina uma queda acentuada da relaçãocâmbio/salário, reduzindo os ganhos dos setores commaior inserção internacional.

Além disso, a valorização cambial em um contexto deestabilidade de preços provoca uma queda da relação câm-bio/salários (Gráfico 3), reduzindo a lucratividade dossetores exportadores e reforçando ainda mais a pressãocompetitiva sobre este segmento da indústria local. Estaperda de lucratividade também se manifesta nos segmen-tos industriais voltados exclusivamente para o mercado

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GRÁFICO 3

Relação Câmbio e Salário-Hora da Indústria de TransformaçãoBrasil e México – 1990-95

MéxicoBrasil

Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi.

interno, na medida em que os produtos importados – cujospreços são barateados pela valorização cambial – forçamuma deflação de preços dos produtos locais. Neste senti-do, a possibilidade de uma menor lucratividade deve fo-mentar a tomada de decisões voltadas à modernizaçãoprodutiva (Huerta, 1992).

A modernização assume, pois, um caráter de raciona-lização econômica permanente, definindo uma trajetóriacontínua e decrescente do emprego industrial, mesmo nosmomentos de aumento da produção setorial. Apesar donível significativamente mais baixo do padrão de consu-mo e do menor grau de modernidade da estrutura produ-tiva nos países em análise, o processo de modernizaçãoganha características semelhantes às observadas nos paí-ses desenvolvidos (Dedecca e Montagner, 1993), onde setraduz, principalmente, em racionalização produtiva, coma contração permanente do nível de emprego (Dedecca,1996).

A faceta mais grave deste movimento é que a nova po-lítica econômica não apresentou, até o presente momen-to, sinais de que possa viabilizar um crescimento de lon-go prazo. Após o surto de expansão que se seguiu à adoçãodos planos de estabilização, decorrente em grande medi-da de um superávit comercial anteriormente existente, os mo-vimentos de recuperação passam a ocorrer com uma in-tensidade e com um lapso de tempo menores. Isto porqueo abrandamento da política restritiva, quando acompanha-do de um rápido aumento das importações, acaba exigin-do a retomada da política de austeridade econômica.

Assim, as fases curtas de crescimento lento seguidasde períodos recessivos, em um contexto de permanenteracionalização econômica, são incapazes de reverter atendência de declínio sistemático do nível de emprego

industrial. Neste sentido, torna-se uma constante a dete-rioração do mercado de trabalho industrial, perdendo-se,por outro lado, a perspectiva, ao menos no curto prazo,de estabilização do nível de emprego setorial.

A NOVA POLÍTICA ECONÔMICAE AS RELAÇÕES DE TRABALHO

Alterações nos sistemas nacionais de relações de tra-balho aparecem, também, como uma exigência da novapolítica econômica. Como mostramos anteriormente, asempresas são constantemente pressionadas a aumentarseus níveis de produtividade. As decisões de racionaliza-ção produtiva viabilizam estes ganhos que, no entanto,são comprometidos pela valorização cambial e pela con-corrência desleal de produtos externos no mercado local.Assim, faz-se necessário acelerar ainda mais os ganhosde produtividade com o objetivo de recompor efetivamentea lucratividade das empresas.

Dois podem ser os caminhos para se alcançar esta meta.O primeiro deles se consolidaria via uma elevação dos in-vestimentos (formação bruta de capital fixo) que promo-vesse uma modernização mais acelerada e mais ampla doparque produtivo. Dada a ausência de uma política indus-trial, as empresas são obrigadas a resolver os problemasde financiamento, de rápida depreciação do capital fixodeterminada pelo envelhecimento precoce das novas ge-rações de equipamentos e de expansão de mercado. Mes-mo assim, elas podem ser surpreendidas no meio do pro-cesso por mudanças na política econômica, variações nocusto do endividamento ou entrada agressiva de um novoconcorrente externo em seus mercados locais. Neste sen-tido, a modernização radical torna-se uma estratégia de

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alto risco, que pode comprometer a inserção das empre-sas em seus mercados e mesmo sua condição financeira.

Portanto, as empresas, ao invés de optarem pela traje-tória radical cheia de riscos, procuram articular a intro-dução seletiva de novos equipamentos com mudanças nosistema de organização gerencial da produção. É fato queesta opção pode não maximizar os resultados da moder-nização, mas é, sem dúvida, a alternativa mais segura.Ademais, ela permite diluir no tempo os custos relativosao sucateamento da planta produtiva existente.

Estas mudanças no sistema gerencial, introduzidas nosanos 80, vêm se acelerando na década atual, destacando-se a integração de fornecedores à produção final, a ado-ção de métodos de gestão de estoques, os programas deredução de perdas e mudanças no desenho da base pro-dutiva (células ou módulos de produção) e os círculos decontrole de qualidade. Tudo isto produz mudanças orga-nizacionais que vêm transformando as plantas produtivase exigindo a reconfiguração dos sistemas de relações detrabalho.

Neste contexto, a flexibilidade quantitativa permitidapela facilidade de contratação e demissão de mão-de-obraou pela contratação informal já não é suficiente. Ao con-trário, a queda do nível de emprego tende a reduzir a ro-tatividade da mão-de-obra. Agora a demanda passa a serde flexibilidade funcional e qualitativa. Sob o prisma danova política econômica, faz-se necessário adequar o sis-tema nacional de relações de trabalho aos requerimentosimpostos por uma maior qualidade e competitividade dabase produtiva.

As mudanças no sistema devem abrir campo para umarelação de maior cooperação entre empresa e trabalhado-res, em geral possibilitada pela adoção de estruturas denegociação descentralizadas e, se possível, construídasentre a empresa e seus trabalhadores. O novo sistema devese responsabilizar pelo estabelecimento das principaisnormas e regras que ordenam os contratos de trabalho,como custo de demissão, direito de férias, custo da horaextra, padrão de jornada de trabalho, adicionais de insa-lubridade e periculosidade, forma de remuneração, 13o

salário, trabalho nos finais de semana e noturno, etc. Emsuma, propõe-se o fim de certos direitos públicos do tra-balho, com sua transferência para a esfera da empresa.

Se, por um lado, estas mudanças nos sistemas de rela-ções de trabalho são justificadas pela necessidade de com-patibilizar os custos do trabalho à performance da em-presa, argumenta-se, por outro lado, que esta mudançaromperia o artificialismo das negociações coletivas, ga-rantido pela intervenção do Estado no mercado de traba-lho. Neste sentido, as mudanças são tomadas como ins-trumento para fortalecer as negociações coletivas e dossindicatos.

As alterações propiciadas pelo Acuerdo Nacional parala Elevación de la Productivid e de la Qualidad – ANEPC,firmado entre o Estado mexicano, os empresários e o sindi-catos em 1992, contemplaram este objetivo. Como afirmade la Garza (1994:23), “o ANEPC conforma as idéias maisavançadas da doutrina da qualidade total com a incorpo-ração do papel exercido pelo novo sindicalismo e pela de-mocracia industrial”. O acordo permitiu consolidar os ob-jetivos que, segundo o presidente Salinas, deveriamnortear o novo sindicalismo: descentralização das nego-ciações no âmbito das empresas, manutenção do compro-misso histórico entre as centrais sindicais e o Estado, con-solidação de um espírito cooperativo que promova ganhosde produtividade e uma nova cultura da produtividadeentre os trabalhadores (Salinas de Gortadi apud de laGarza, 1994). A consolidação do acordo se realiza em umcontexto de fragilidade do movimento sindical, decorrentenão só da postura agressiva do presidente Salinas contraas lideranças mais combativas, como da própria especifi-cidade da organização política mexicana. De acordo comNassif (1994:136), Salinas pôs em marcha um processode modernização autoritária que renovou as lideranças po-líticas e sindicais, removeu os obstáculos políticos e des-truiu as forças que a ele se opuseram. O ANEPC consoli-dou este movimento de transformação econômica epolítica iniciado em 1987 com o Pacto de SolidariedEconómica. Assim, uma maior flexibilidade das relaçõesde trabalho torna-se realidade no México depois de 1993.

Mudanças com o objetivo de flexibilizar as relaçõesde trabalho não foram uma característica marcante damodernização econômica no Brasil até o primeiro semestrede 1996. A formação dos níveis mais centralizados deorganização sindical, nos anos 80, estimulou a negocia-ção coletiva entre os segmentos econômicos mais dinâ-micos, mas não quebrou a velha estrutura sindical e a sis-temática de negociação vigentes no país desde os anos30. Já a Constituição Nacional de 1988 ampliou certosdireitos sociais e do trabalho e procurou reduzir, via aelevação do custo da demissão, a elevada rotatividade quehistoricamente caracteriza o mercado de trabalho brasi-leiro. O movimento sindical procurava construir seus ní-veis centralizados de organização e negociação, ao mes-mo tempo em que o Estado ampliava os direitos sociais,reforçando, desta maneira, a regulação pública sobre omercado e as relações trabalho e pondo em marcha ummovimento contrário àquele trafegado pelos países desen-volvidos e por seus vizinhos latino-americanos, nos quaisa desregulação havia se tornado a política comum.

A vitória da proposta conservadora em 1989 ampliouo espaço do discurso pela flexibilidade do mercado e dasrelações de trabalho, enquanto a nova política econômicaforçou sua legitimação. Entretanto, somente a partir do

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Plano Real o debate sobre a flexibilidade vem se intensi-ficando. A maior velocidade da modernização econômi-ca, depois de 1994, aponta para a necessidade de se mo-dificar o sistema nacional de relações de trabalho nosentido de ampliar a capacidade de resposta das empre-sas ao processo de concorrência.

Como mostramos anteriormente, ganhos mais signifi-cativos de produtividade dependem de um maior investi-mento ou de mudanças na organização do trabalho. Diantedos elevados riscos inerentes à primeira opção, a segun-da vertente aparece como a mais segura. O governoFernando Henrique sinaliza seu propósito de permitir quealguns dos direitos inscritos no artigo 7o da ConstituiçãoNacional4 sejam objeto de negociação coletiva,5 além depromover uma redução dos encargos sociais e de permi-tir melhores condições para contratação de mão-de-obraem regime temporário com encargos sociais reduzidos porum período superior a três meses. A justificativa destaproposta é a existência de um elevado custo do trabalho(custo Brasil) que penaliza a capacidade competitiva dasempresas com produção local. Por outro lado, faz partedesta proposta a adoção do Contrato Coletivo de Traba-lho com pluralidade sindical.

Segundo o governo e certos analistas, o atual sistemade relações de trabalho estaria engessando as relações entreempregadores e empregados, comprometendo um melhorrendimento e crescimento das empresas e, por conseqüên-cia, impedindo aumentos salariais e a melhoria do nívelde emprego. Além disso, os custos de um sistema de rela-ções de trabalho considerado anacrônico estariam estimu-lando os trabalhadores a aceitarem contratos de trabalhosnão protegidos por permitirem ganhos relativamente maiselevados, já que as empresas transferem para os saláriosparte dos custos impostos pela contratação legal de mão-de-obra. Assim, as mudanças propostas pelo governo aten-deriam tanto empresários como trabalhadores. O contra-to coletivo e a liberdade sindical romperiam as amarrasimpostas aos sindicatos mais combativos pela legislaçãopública existente. A proposta governamental se revela uminstrumento eficaz, tanto do ponto de vista econômicocomo político e social.

Tanto o acordo firmado no México como a propostado governo brasileiro sugerem que a flexibilidade dasrelações de trabalho permite recompor a eficiência eco-nômica com resultados positivos no campo social; e quetais resultados emergem prontamente, resolvendo os pro-blemas de competitividade, fiscal e de emprego que gra-vam estas economias no curto prazo.

As reformas adotadas pelo México entre 1987 e 1992não validam a existência de tal virtuosismo. Os proble-mas de competitividade se recolocam permanentemente,assim como se agravam os de emprego e renda e pioram

as condições de financiamento do setor público piorado.A crise de dezembro de 1994 foi enfrentada com novasmedidas de austeridade na suposição de um futuro me-lhor, que até o presente momento não se delineia no hori-zonte da nação.

A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA:UM PROCESSO DE AJUSTES SEM FIM?

Como bem afirmou Comparato (1996), “dos objetivosde política econômica que constituem o chamado ‘qua-drilátero mágico’ estabilidade monetária, o equilíbriocambial, o crescimento econômico constante e o plenoemprego –, ...[ela] só conseguiu realizar plenamente osdois primeiros”. A nova política econômica adotada peloBrasil e México tem se mostrado eficaz no combate aoprocesso inflacionário. Entretanto, o crescimento, o em-prego e a renda continuam sendo questões sem solução acurto prazo. Já a estabilidade dos preços vem sendo obti-da graças a um processo de racionalização econômicapermanente, determinado pela abertura comercial e pelavalorização cambial, que cria breves surtos de expansãoseguidos de períodos de recessão econômica. Neste mo-vimento perverso da economia, vai se reduzindo a dimen-são ocupacional dos mercados nacionais de trabalho, apartir da contração rápida e da maior precarização doemprego industrial e do desemprego da população eco-nomicamente ativa.

A desregulamentação econômica e social progride acada fase recessiva destas economias, impondo custossociais crescentes sem resultados concretos mais canden-tes. Este processo tem-se reproduzido, com timings dife-rentes, nos países desenvolvidos. A desregulamentaçãotambém tem sido a marca de uma política econômica cen-trada na estabilização de preços com apreciação da moe-da nacional (Dedecca, 1996).

Recentemente, nas sociedades desenvolvidas, “...temocorrido uma mudança significativa na preferência entreinflação e desemprego. Antes o desemprego era o medodominante; o pleno emprego era o principal teste do de-sempenho econômico... Mas a realidade mais profunda éque a inflação é agora considerada, pela parte mais afluenteda sociedade moderna organizada, a ameaça central aobom desempenho econômico; preços estáveis são o obje-tivo dominante. O desemprego, nessa visão, tornou-se uminstrumento da estabilização de preços. Isso reflete umanova realidade, que não costuma ser tão rudemente des-crita, mas visivelmente, até intrometidamente, presente”(Galbraith, 1996:51).

Os efeitos desta política sobre o emprego e a renda têmsido claramente negativos. Apesar da desregulamentaçãodos mercados de bens, serviços e trabalho ocorrida nos

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últimos 20 anos, e com intensidades diferenciadas, nospaíses desenvolvidos, os defensores da nova política eco-nômica continuam associando os problemas do mercadode trabalho a uma suposta rigidez imposta pela regulaçãopública.

Nossa inserção atrasada e periférica no desenvolvimen-to econômico também se manifesta no campo das idéias.Enquanto a crítica à nova política econômica ganha cor-po naqueles países, nossos governos e parte dos estudio-sos alardeiam efusivamente as benesses da desregulamen-tação e da flexibilidade das relações econômicas, sociaise de trabalho,6 apesar de a adoção da nova política noMéxico e no Brasil não estar produzido os virtuosos eesperados efeitos.7

Para seus defensores, pouco importa que esta novapolítica produza um processo de racionalização econô-mica permanente. Para eles, seus efeitos destrutivos so-bre a estrutura produtiva e o encolhimento permanentedos níveis de emprego do setor industrial têm pouco sen-tido, apesar de suas conseqüências sobre o desemprego ea precarização dos mercados de trabalho nacionais. O queinteressa é estar no rumo certo, na direção da modernida-de prometida pela economia globalizada do final do sé-culo XX. Afinal, já no fim do século passado se sabia queo capitalismo, em sua fase mais desenvolvida, não gera-ria empregos para todos. Neste sentido, os defensores danova política se dobram aos ventos inevitáveis e irrever-síveis da história, mesmo que as experiências nacionaisde política econômica de sustentação da demanda agre-gada (keynesiana) possam ter permitido a superação dostraumas criados pelas crises econômicas e políticas do pós-30 até os anos 70, contrariando os desígnios da lógica ca-pitalista.

A aceitação passiva da lógica da globalização dosmercados desloca o debate para o desenho de políticasindustrial, fiscal e de rendas. Como nas primeiras déca-das do século, as mudanças técnicas e o processo de fi-nanceirização em um contexto de crise também sinaliza-vam que a liberdade dos mercados abriria caminho para anova fase de prosperidade (Hobsbawn, 1994). Após ocrescimento das economias desenvolvidas nos meados dadécada de 20, o livre jogo dos mercados levou a maioriadestes países à bancarrota, obrigando-os a refazer os me-canismos de regulação econômica e social, em face dosaltos custos sociais e econômicos.

Quando analisamos as experiências da nova políticaeconômica no Brasil e no México, notamos que o rompi-mento com a política desenvolvimentista tem se traduzi-do em ampliação dos problemas de emprego nestes paí-ses. O agravamento destes problemas está associado àvoracidade destrutiva desta política e à sua incapacidadede criar novas estruturas econômicas.

Os defensores da nova política argumentam que seuscríticos exageram ao analisar este poder destruidor, poisna era da globalização os problemas de emprego já nãosão resolvidos a partir da lógica industrial. Para eles, obaixo desemprego aberto encontrado nos países latino-americanos comprova a capacidade da nova configura-ção econômica de sustentar os mercados nacionais de tra-balho. Consideram ainda que a precariedade destesmercados decorre da ausência de mudanças mais signifi-cativas nos sistemas de relações de trabalho, que permi-tam às economias nacionais aproveitar as virtudes da novaorganização econômica flexível e globalizada, melhorandoassim as condições de empregabilidade da populaçãoeconomicamente ativa, considerado o real problema deemprego. Por outro lado, entendem que programas sociaiscompensatórios permanentes se tornam necessários já quea nova ordem produtiva não pode incorporar boa parte damão-de-obra formada durante o período desenvolvimen-tista. Ampliam e desfiguram, deste modo, o escopo deimportantes programas sociais, como o da renda mínima,tornando-os instrumentos de legitimação da exclusãosocial.

Esta clareza meridiana do discurso dos defensores danova política econômica decorre, em primeiro lugar, deuma visão que desconsidera problemas econômicos e so-ciais que perpassam o período desenvolvimentista. Assoluções autoritárias (Brasil) ou os arranjos políticos po-pulistas (México), legitimados pela política externa ame-ricana, impediram que o desenvolvimento econômico searticulasse à implantação de uma democracia industrial.Os frutos do desenvolvimento foram distribuídos, siste-maticamente, de maneira desigual, impondo-se um pro-cesso de exclusão social de boa parte da população, quese traduziu na falta de emprego ou em empregos precá-rios, baixa renda e reduzido nível educacional.

O crescimento econômico com ampliação da desigual-dade permitiu que pequenos segmentos afluentes da so-ciedade participassem efetivamente do padrão de consu-mo moderno. Deste modo, a crise do processo deindustrialização ocorreu sem que se verificasse o esgota-mento dos mercados de consumo, sinalizando, portanto,que os aumentos de renda, caso ocorressem e fossemmelhor distribuídos, continuariam sendo alocados na com-pra de bens materiais básicos, e não de serviços, não ex-pressando um padrão de consumo superior ou desenvol-vido.

Assim, os problemas em nossas economias não são derenovação de um mercado saturado que impede a amplia-ção do excedente e provoca um acirramento da disputapor sua repartição, mas de ampliação deste mercado a serviabilizado pela montagem de um sistema de financiamen-to adequado, que exige mudanças na forma de distribui-

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ção do excedente existente. Estas mudanças só podem serealizar com o avanço da democracia industrial.

A solução não passa pela destruição de direitos sociaisexistentes, mas pela ampliação destes, em especial peloestabelecimento de mecanismos que facilitem o acesso aum emprego formal, a uma renda adequada, a moradia, atransporte público, a educação... A efetividade destes di-reitos não se associa, portanto, à flexibilidade do merca-do e das relações de trabalho, por ser um elemento dedestruição dos parcos direitos existentes e do nível deemprego prevalecente.

Ao contrário do que propugna a nova política econô-mica, a democracia industrial depende da definição depolíticas setoriais que permitam construir acordos entresegmentos sociais, com o intuito de administrar os con-flitos existentes e de estabelecer politicamente os ganhose perdas de cada um deles. Estas políticas devem regulartanto as relações econômicas e sociais no espaço nacio-nal, como aquelas que se realizam com o resto do mundo.

É indubitável que o contexto internacional joga contraa adoção de uma política fundada em instrumentos de con-trole das relações externas e de defesa da base produtivanacional. É verdade, também, que a adoção deste tipo depolítica, em um contexto tão desfavorável, afetaria nega-tivamente o fluxo atual de capitais que pernoitam em nos-sas economias. Sem dúvida, não seriam pequenas as difi-culdades externas que se apresentariam para esta opçãode política econômica. Entretanto, o debate sobre as pers-pectivas para nossas economias não deve se submeter àlógica do caminho de menor resistência – ou da inevita-bilidade, como recorrentemente afirmam os defensores danova política econômica –, em razão desta jogar necessa-riamente para um segundo plano a discussão dos proble-mas sociais que crescentemente gravam nossos países,expressos em maior desemprego, pobreza e violência.

Assim, o equacionamento da questão social e tambémda questão econômica passa pelo conhecimento e peloenfrentamento das dificuldades de uma política econômicaque promova seletivamente uma abertura associada a umapolítica industrial que alavanque a base produtiva nacio-nal. A defesa temporária de certos segmentos produtivos,adotada junto com programas de financiamento e de de-senvolvimento tecnológico, poderá ordenar o processo dereorganização produtiva, bem como os seus efeitos ne-fastos sobre o emprego.

Por outro lado, o fortalecimento das negociações cole-tivas, com a manutenção da base atual de direitos, e a im-plementação efetiva da Resolução 158 da OIT protege-rão o emprego e favorecerão o aumento da produtividadee da qualidade. É óbvio que esta opção requer o avançoda democracia, via o estabelecimento de mecanismos tri-partites de negociação e gestão das políticas públicas.

A existência de mecanismos tripartites trará, sem dú-vida, para a discussão temas como da justiça fiscal, dadistribuição de renda e da questão agrária, em razão desua importância para a recuperação da capacidade doEstado de conduzir as políticas econômica e social. Areorganização do Estado, lastreada em instituiçõessociopolíticas representativas, é fundamental para se pen-sar uma reinserção não passiva do país no cenário inter-nacional, permitindo relacionar a política externa ao de-senvolvimento socioeconômico nacional (Cesit, 1996:73-79).

Como citado anteriormente, o “quadrilátero mágico”da atual política econômica tem garantido uma baixainflação sem criar um movimento de crescimento e de-senvolvimento de longo prazo. A adoção desta políticaeconômica é observada tanto entre os países em desen-volvimento como nos países desenvolvidos – excetuan-do-se o Japão e certos países do sudeste asiático. As ex-periências nacionais dos países desenvolvidos mostramque os efeitos da nova política tendem a ser mais deleté-rios onde sua adoção se deu mais decididamente (Streeck,1996). Apesar disto, observa-se uma incapacidade daque-las economias, em conjunto, de iniciar um movimento decrescimento de longo prazo nos anos 90.

A necessidade de abandono da nova política não de-corre, portanto, da qualidade do fruto que ela poderia pro-duzir – isto é, um crescimento desigual – mas do fato denão produzi-lo. A necessidade de uma alternativa de po-lítica econômica justifica-se pelos próprios resultadoscriados pela atual, que parece ser capaz somente de re-produzir um movimento de estagnação do capitalismo(Thurow, 1996: 325; Fitoussi, 1996), que se manifesta demaneira muito mais perversa em sua periferia, como bemmostram as experiências brasileira e mexicana.

NOTAS

1. Em geral, a nova política econômica é denominada de neoliberal. Esta identi-dade é correta para a América Latina, mas não necessariamente para outros con-tinentes, como a Europa. Nesta região, muitos países adotaram a política semrelacioná-la a um projeto neoliberal. As experiências sueca e holandesa são exem-plos desta situação. Neste sentido, utilizaremos o termo nova política econômi-ca como uma expressão mais abrangente para designar a opção dominante dereorganização econômica no capitalismo atual, que na experiência latino-ameri-cana se associa a projetos claramente neoliberais.

2. Os dados relativos à elevação da produção de bens de capital devem ser toma-dos com o devido cuidado, em razão da recuperação ter-se realizado a partir deum nível muito baixo de produção. A dimensão limitada da recuperação setorialé reafirmada pela recomposição lenta da taxa de investimento.

3. Como afirma a Eurostat (1996), “o déficit de 11 bilhões de dólares da Comu-nidade Européia com a América do Sul em 1990 praticamente desapareceu em1995. Desde 1990, as importações da Comunidade têm crescido a uma taxa anualde 2,4%, bastante inferior à taxa de 19% observada nas exportações... A eleva-ção decorre inteiramente do comércio com os países do Mercosul...Brasil e Ar-gentina foram os mais importantes parceiros comerciais da Comunidade Euro-péia, respondendo, respectivamente, por 44% e 15% das importações e por 46%e 18% das exportações de 1995.

4. Os principais direitos inscritos no artigo 7o da Constituição são: indenização

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compensatória e proteção contra a demissão involuntária (multa de 40% do Fun-do de Garantia por Tempo de Serviço a que tem direito o trabalhador demitido);repouso semanal remunerado; pagamento adicional de um terço do salário no-minal como adicional de férias; remuneração do trabalho noturno superior aodiurno; licença gestante de 120 dias; aviso prévio proporcional; adicional de re-muneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, etc.

5. Ver entrevista com o Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, publicada na GazetaMercantil (1995).

6. Neste sentido, são exemplares as palavras do Secretário de Seguridade Socialdo Ministério do Trabalho e da Seguridade Social argentino, expressas em arti-go assinado: “...o crescimento econômico, por si só, não resolve o problema dodesemprego... A estratégia do governo para fazer frente ao problema da desocu-pação gira em torno de dois eixos principais: consolidação do crescimento e amodernização [flexibilidade] trabalhista” (Torres, 1996).

7. A própria OIT (1996) reconhece que há poucas evidências de que a legislaçãodo trabalho seja excessivamente rígida ou que tenha influenciado a capacidadecompetitiva externa dos países em desenvolvimento.

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FIRMAS, FLEXIBILIDADESE DIREITOS NO BRASIL

para onde vamos?

LIANA MARIA DA FROTA CARLEIAL

Professora de Desenvolvimento Econômico na UFPR, Pesquisadora do CNPq

este final de século, entende-se que se vive nummundo globalizado, flexível e mais competitivoem decorrência das mudanças que têm ocorrido

nas firmas, na produção, no trabalho, enfim, nas socie-dades. Do ponto de vista econômico, assiste-se a umareorganização da firma que envolve sua reestruturaçãointerna e externa. O primeiro nível se faz através daincorporação de novas máquinas, mudanças em estruturashierárquicas, novos requerimentos de qualificação dostrabalhadores, novas técnicas organizacionais, associadasa uma estratégia de maior integração entre concepção eexecução da produção, e estratégias que permitam maiorenvolvimento dos trabalhadores e compromisso com osinteresses específicos dos clientes e, portanto, da empresa.O outro nível dessa mudança se dá no seu relacionamentoexterno com as demais empresas, fornecedores, sub-contratados, clientes, instituições de pesquisa, univer-sidades, governo, etc., juntamente com a constituição deuma prática voltada para a inovação que fundamenta abusca permanente por vantagens competitivas.

Emerge daí uma firma cujas fronteiras são menos níti-das, que se desverticaliza, externaliza produção e servi-ços, é mais dependente de outras firmas e tende a ser maiscooperativa. A capacidade de geração de postos de traba-lho da grande firma é fortemente abalada pelos procedi-mentos inovadores, notadamente pela prática da externa-lização/terceirização, que estabelece uma “migração”dessa capacidade para médias e pequenas firmas e esti-mula a proliferação de trabalhadores autônomos, sem vín-culo empregatício, e de trabalhadores em domicílio(Carleial, 1996).

Esse comportamento geral se diferencia, porém, entreempresas, em decorrência das especificidades de suas

estruturas de mercado e estratégias competitivas. Outrocondicionante é estabelecido pela localização da empre-sa em razão das potencialidades, desempenho anterior eposição em relação à fronteira tecnológica da região oupaís (Dosi, 1988). Logo, as formas concretas de manifes-tação desse “modelo” diferenciam-se entre países, regiões,setores e empresas, até mesmo de um mesmo setor. O fatoé que o padrão da firma, que se consolidou submetida aoparadigma fordista de produção, vem se alterando na di-reção de maior flexibilidade e agilidade.

Do lado político, muitas mudanças também se fizeram.A argumentação social-democrata, que se instituiu comos ganhos obtidos no período fordista – permitindo a cons-trução de um aparato voltado à sustentação de um certopadrão de vida para a classe trabalhadora, bem como àconsolidação da estrutura de seguridade social nos paísesdesenvolvidos –, dá lugar a proposições de cunho neoli-beral. Tais mudanças se viabilizaram mais facilmente emdecorrência da fragilização das condições de mercado detrabalho e da redução do poder sindical. Assim, o grandepalco é o mercado e advoga-se a redução do papel e daação do Estado. Escolhem-se, então, duas palavras-cha-ve, qualidade e produtividade, as quais simbolizam a pos-sibilidade de obtenção da competitividade e da tão sonhadainserção internacional num mundo globalizado.

Estas duas linhas de alterações esboçadas impõem umasérie de mudanças na sociedade, mas a mediação funda-mental se faz através dos mercados de trabalho. Isto por-que permanece a característica central do capitalismo – ade exigência de uma mediação salarial para a sobrevivên-cia, ou da posse de dinheiro obtido através do desempe-nho de alguma ocupação/atividade, como passaporte paraos diferentes mercados. E é exatamente através das mo-

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dificações do mercado de trabalho que a sociedade mudasua condição de consumidor e cidadão. Por outro lado, asustentação social que deu base à constituição das socie-dades no mundo desenvolvido, expressa num compromis-so com o pleno emprego e nos gastos sociais, tambémameaça se desvanecer, corroendo a própria condição decidadania do mundo contemporâneo.

A transposição desse quadro do mundo desenvolvidopara o Brasil exige uma série de cuidados, pois, como ésabido, não tivemos no passado recente um padrão dedesenvolvimento social, salarial e de cidadania que nospermita comparações imediatas. No entanto, as transfor-mações produtivas avançam.

No caso brasileiro, a produção acadêmica que discutetais mudanças tem sido ampla e de excelente qualidade.O objetivo deste trabalho é fazer uso dos resultados deum conjunto de artigos recentes sobre esta temática paracompreender melhor os impactos sobre o mercado de tra-balho e a sociedade brasileira. Inicialmente, discute-se ocenário mundial do mercado de trabalho sob a égide daflexibilidade e da globalização; em seguida, traça-se ocenário geral do Brasil nesta década; na terceira parte,analisam-se alguns resultados disponíveis sobre a rees-truturação produtiva no Brasil e avalia-se em que medidaestes auxiliam a entender os efeitos sobre o mercado detrabalho, bem como os aspectos sobre os quais não se dis-põe de informações suficientes; finalmente, reflete-sesobre os rumos das mudanças institucionais necessáriaspara o fortalecimento do mercado de trabalho e da socie-dade brasileira.

GLOBALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃOPRODUTIVA E MERCADO DE TRABALHO

Para Singer (1996:7), “a globalização é um processode reorganização da divisão internacional de trabalho,acionado em parte pelas diferenças de produtividade e decustos de produção entre países” e que “se realiza semsolução de continuidade já há mais de 50 anos”. Mesmoentendendo a globalização como desenvolvimento da in-ternacionalização da economia, ela é absolutamente com-patível com diferenciações.

O período do pós-2a Guerra Mundial (chamado de in-ternacionalização das economias) teve como marca cen-tral a presença das multinacionais; já o da globalização(mesmo que ainda não de todo conhecido) privilegia de-terminados espaços como centrais na lógica da acumula-ção, como as cidades globais, intensifica o comércio demercadorias, aproxima os mercados, aumenta os fluxosfinanceiros entre os países, etc.

A globalização, por sua natureza, também tem clarosefeitos sobre o mercado de trabalho, na medida em que des-

loca empresas entre países e regiões, substitui produçãointerna por produção externa e cria postos de trabalho nascomunicações, transportes e setores financeiros. Alémdisso, impõe às firmas a rápida adoção de procedimentosinovadores, dadas as exigências de maior competitivida-de e de busca incessante por inserção internacional.

Esse movimento, aliado à reestruturação produtiva,vem, portanto, alterando o padrão localizacional da in-dústria multinacional no mundo, com clara tendência deconcentração dos pontos de geração de tecnologia nospaíses de capitalismo avançado e de espraiamento das fasesde montagem nos países com vantagens competitivas es-púrias, ou seja, com baixo custo de força de trabalho. Asindústrias automobilística, de confecções e de calçadossão bons exemplos. Ao lado disto, fortalecem-se tambémpaíses, regiões e locais que, fazendo uso de vantagenscompetitivas construídas mediante o aprendizado tecno-lógico, se inserem em “nichos” e “brechas” de mercadosem indústrias altamente competitivas.

Assim, parece ser pela mudança de base técnica queesses dois movimentos mais fortemente atingem os mer-cados de trabalho, em decorrência da busca de maior fle-xibilidade pelas firmas.

Segundo Perez (1985), as transformações de base téc-nica ou as inovações à la Schumpeter quando acontecemacabam por exigir mudanças institucionais profundas. Oautor entende que as dificuldades vividas hoje pelas dife-rentes sociedades decorrem essencialmente da inexistên-cia de um aparato institucional adequado a essa nova basetécnica. Assim, todo o aparato institucional instituído nopós-2a Guerra Mundial estaria “enguiçado” e a exigir no-vos formatos.

Mesmo que ainda estejamos longe de uma mudançatão ampla como indica Perez, é evidente que a globaliza-ção e a reestruturação se fazem numa ambiência que esti-mula a desregulamentação dos mercados e a privatizaçãoe, fundamentalmente, sugere que os Estados nacionaisestejam livres de planejar, de intervir, enfim, de agir comotal, pois “tudo é determinado de fora, pela competitivida-de internacional”.

Além dessa relação entre mudança de base técnica enecessidade de mudança institucional sugerida por Perez,o que claramente se visualiza é que todas as alteraçõesque ocorrem no mercado de trabalho têm uma única ori-gem: são as mudanças no núcleo central da economia, nasgrandes firmas, que se flexibilizam, se desverticalizam,se movem entre países e regiões, desencadeando todas asdemais mudanças, entre as quais incluem-se desde o de-semprego até as formas eventuais de trabalho, o não-tra-balho, etc.

Estas mudanças repercutem nos mercados de trabalho,como veremos:

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- de modo geral, pode-se apontar a ampliação das taxasde desemprego aberto. Na década de 90, na Europa, es-sas taxas ultrapassam 10% da força de trabalho, chegan-do a mais de 20% na Espanha. Nos Estados Unidos, a pro-porção é menor, atingindo 5,5% no primeiro trimestre de1995 (Ferreira, 1996:22), mas claramente superior à taxapoliticamente aceita de 4% da força de trabalho. O Japãoainda é exceção, com 3% em 1996, segundo a mesmafonte. O fato, porém, é que essas taxas são as mais altasdo pós-2a Guerra Mundial, num quadro que se aproximadaquele do período da Grande Depressão dos anos 30;

- nesta década, também se evidencia a dificuldade de ocrescimento do produto vir acompanhado, como seria dese esperar, de maior demanda por mão-de-obra (Carleial,1994; Dedecca, 1996a; e Pochman, 1996);

- observa-se também que o perfil do desemprego naque-les países se altera, à medida que cresce o desempregode longa duração (mais de 12 meses) e entre jovens e mu-lheres. Desse modo, há maior dificuldade de reabsorçãodos trabalhadores desempregados e se estabelecem dife-renças por meros atributos pessoais;

- o comportamento da taxa de desemprego aberto no mun-do desenvolvido não é suficiente para evidenciar a com-plexidade da situação. Dedecca (1996a:14) mostra que,segundo a OCDE – Organização para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômico –, “de cada 100 empregossuprimidos, somente 49 pessoas ingressam na condiçãode desempregados no Japão, 62 na Itália, 66 nos EstadosUnidos, 73 na Inglaterra, 77 na ex-Alemanha Ocidental e88 na França”, significando que há um retorno para acondição de inatividade;

- finalmente, é sabido que se tem um núcleo cada vezmenor de trabalhadores em tempo integral, com seguran-ça, perspectivas de promoção e estabilidade. A partir destenúcleo, aglutinam-se formas permanentes menos seguras,diferentes formatos de trabalho eventual, temporário,menos especializado e, fundamentalmente, mais flexível(Harvey, 1993).

Para alguns autores, porém, a “pista” para solucionartais questões está no grau de flexibilidade do mercado detrabalho e nas mudanças institucionais que regem essemercado. A base desse argumento é vista na diferença dastaxas de desemprego no mundo citada no primeiro item.

A Europa é visualizada como o espaço de menor fle-xibilidade em decorrência de uma política de bem-estarsocial mais sólida, alicerçada em um movimento sindicalmais atuante. Mas veja-se o caso da Espanha: esse paísera tido como possuidor de um mercado de trabalho ex-tremamente rígido e, de acordo com Franks (1995), “des-de 1982, a taxa de desemprego não cai abaixo de 15%,mesmo durante períodos de forte crescimento econômi-

co, como aquele alavancado pelo ingresso da Espanha naComunidade Européia em 1986”. Assim, promoveu mu-danças buscando reduzir o desemprego e obter a flexibi-lidade salarial e do mercado de trabalho. Entretanto, noprimeiro semestre de 1995, a taxa de desemprego abertoera de 23,5%, nível nunca atingido nos últimos cinco anosanteriores.

Os Estados Unidos possuem um mercado de trabalhoflexível, tendo criado, mesmo nestes momentos difíceis,milhares de postos de trabalho. Já no caso do Japão, háuma política de emprego claramente sustentada no retar-damento da entrada de jovens no mercado de trabalhomediante a ampliação dos anos de freqüência à escola, narígida divisão sexual do trabalho e nos contratos de tra-balho vitalícios – o que ajuda a entender o baixo índicede desemprego.

Ferreira (1996:25), após uma detalhada análise destesdiferentes modelos, conclui que em todos eles o que háem comum é a ampliação da exclusão social, ou seja, “aexclusão de parcelas crescentes da população dos frutosdo desenvolvimento econômico”. Se para os EstadosUnidos a taxa de desemprego é menor, várias são as for-mas de deterioração das condições de trabalho (criaçãode postos de trabalho de baixa qualidade, aumento donúmero de trabalhadores temporários, redução dos salá-rios reais, etc.).

Para Cacciamali e Pires (1996:29), os países europeuse o Japão “têm apresentado desempenhos econômicos esociais de longo prazo mais favoráveis que os EstadosUnidos, medidos por um menor índice de desigualdadena distribuição de renda, taxas de crescimento da produ-tividade de longo prazo mais estáveis e altas, menoresconflitos sociais e melhor qualidade de vida”. Que for-mato tais tendências assumem nos países em desenvolvi-mento?

O CENÁRIO DO MERCADO DE TRABALHO

Os mercados de trabalho em países latino-americanostêm dificuldades estruturais, tais como baixos salários,reduzidas taxas de desemprego aberto ao lado de ocupa-ções de baixa produtividade e baixos salários, frágil es-trutura ocupacional e ausência de mercados internos detrabalho – tudo isto associado a uma relação capital-trabalho autoritária e coercitiva.

Nos países ditos em desenvolvimento, a questão dosmercados de trabalho é de difícil apreensão. Talvez suamarca estrutural possa ser sintetizada na afirmação feitapor Humprey (1992) de que as taxas de desemprego abertonestes países nada significam, pois ter uma ocupação nãocorresponde a não ter um problema de emprego. Esta é aessência da natureza do mercado de trabalho no Brasil.

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Mesmo no período 1950-80, de consolidação da indús-tria nacional e, por conseguinte, do assalariamento e dacriação de milhares de postos de trabalho, a heterogenei-dade desse mercado era visível: ele comportava desde tra-balhadores assalariados com registro em carteira, de gran-des empresas ou empresas estatais, até uma gama deocupados, subempregados e trabalhadores informais, si-nalizando a necessidade de políticas ativas de emprego.

Toda esta marca se encarrega de nos lembrar do cará-ter da industrialização brasileira, concentrada espacial-mente, dependente tecnologicamente dos países centrais,com forte presença de multinacionais e com limitado de-senvolvimento da produção de bens de capital.

As instituições que regem o mercado de trabalho sãofrágeis, muito marcadas pela legislação outorgada e nãoconquistada, pelo excedente populacional que vai gerar“flexibilidade”1 na contratação e dispensa dos trabalha-dores, alta rotatividade, descompromisso no treinamentoe qualificação do trabalhador, bem como baixos salários(Baltar e Proni, 1996).

A associação destes problemas de desenvolvimentotardio com a regulação truncada do Estado brasileiro (Oli-veira, 1988) resulta em vários mercados de trabalho comdiferentes segmentações, quer regionais, salariais, jurídi-cas (posse ou não de carteira assinada) ou de qualifica-ção, com o agravante de que, segundo Humprey (1982),nem na indústria automobilística (à época e hoje tida comopalco das mais importantes transformações na relaçãocapital/trabalho, como é o caso das Câmaras Setoriais)poder-se-ia afirmar a existência de um mercado interno,evidência clara no mundo desenvolvido.

Considerando a especificidade desta economia e de seusmercados de trabalho, Coutinho (1984) afirma a impos-sibilidade de se trabalhar com estruturas ocupacionais,dadas as enormes diferenças entre regiões, setores, ramose empresas. O autor mostra a precariedade do critério,comum entre nós, de se avaliar ocupações por critériode renda, pondo-se sob o mesmo rótulo trabalhadorescom qualificações e práticas de trabalho absolutamen-te distintas.

A dificuldade de interpretação dos mercados de traba-lho no Brasil também pode ser constatada no trabalho doMTb/UFRJ (1987), segundo o qual nosso mercado ten-deria – tanto nos espaços rurais como urbanos – a umaintegração medida pela ampliação do número de traba-lhadores com carteira assinada. Em Carleial (1989), mui-tos desses problemas de interpretação são apontados, umavez que não se pode aquilatar a integração produtiva porum indicador jurídico, a carteira assinada, que trata ape-nas do grau de regulação que o Estado consegue estabe-lecer sobre tal mercado. Já no final da década de 80, essaargumentação mostrava-se acertada, uma vez que o com-

ponente do mercado de trabalho que mais cresceu emparticipação foi o trabalhador sem carteira assinada. Defato, em todas as regiões metropolitanas brasileiras perdeforça a posição na ocupação do empregado com carteirade trabalho assinada (Baltar e Proni, 1996; Cacciamali,1995).

Finalmente, no que se refere ao quadro da sindicaliza-ção no Brasil, a situação também é diferenciada. Enquantono mundo desenvolvido há uma persistente queda da taxade sindicalização, durante a década de 80, no Brasil oquadro é outro. Há um fortalecimento do sindicalismoentre funcionários públicos e afirma-se como um resulta-do extremamente positivo a ação das Câmaras Setoriais,com destaque para o caso da indústria automotiva. A pes-quisa sindical do IBGE revela que em 1989 chegava a 17milhões, ou 28% da população ocupada, o número de as-sociados a sindicatos – que não pode ser considerado baixoem termos internacionais (Medeiros e Salm, 1994:60).

A DÉCADA DE 90

O que há de especial a partir da década de 90 no paíspode se configurar em dois elementos centrais aos quaisjá nos referimos anteriormente, próximos entre si e quese reforçam mutuamente: a globalização e a reestrutura-ção produtiva.

A face da globalização se revela sob o signo da aber-tura comercial, incentivada pela necessidade de melho-rar “as carroças” aqui produzidas – alusão feita pelo ex-presidente Collor ao patamar tecnológico da indústriaautomobilística nacional. Esse processo se inicia lenta-mente em 1988, acentuando-se com a queda da tarifamédia de 130%, em 1987, para menos de 15%, em 1994(Barros et alii, 1996). Como vimos anteriormente, a trocade produção doméstica por produção externa produz im-pactos sobre o mercado de trabalho.

O Brasil passa também por um lento e inconteste mo-vimento de relocalização industrial, capitaneado pelasdesvantagens de aglomeração, cujo exemplo claro é aRegião Metropolitana de São Paulo. Esse “motivo” é for-temente auxiliado por razões menos nobres: fuga dos ca-pitais de espaços produtivos com alta densidade sindical,atração de investimentos mediante a briga fiscal entreestados (especialmente Minas Gerais, Paraná e Ceará) e,finalmente, força de trabalho mais barata.

Esse tipo de interpretação, associado ao quadro estru-tural do mercado de trabalho, cria a expectativa de quesua “flexibilidade” resolverá o problema, seja através dainformalização ou da redução salarial. Aqui não cabemuito espaço para pensar políticas ativas de emprego, oua retomada conseqüente do crescimento com a amplia-ção dos investimentos e, menos ainda, para “planejar” o

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futuro, incorporando questões regionais e sociais, porexemplo.

Por fim, a implantação do Plano Real, que se propu-nha a estabilizar a inflação e a propiciar uma inserçãocompetitiva da economia brasileira na economia mundial,reforça esse quadro. Na realidade, a pedra angular dessainterpretação foi considerar possível que a esperada subs-tituição de atividades internas por atividades externas fosseneutra em relação ao mercado de trabalho. Assim, a subs-tituição das atividades de baixa produtividade por aque-las de alta produtividade (voltadas para o mercado exter-no), sem quaisquer políticas compensatórias internas, sópromoveria a inserção desejada sem maiores custos, ouseja, sem desemprego.

É inegável que o aprofundamento da abertura comer-cial dos anos 90 reforça o incentivo à incorporação deprocedimentos inovadores já em curso no país, gerandouma reação em cadeia sobre o mercado de trabalho. As-sim sendo, que resultados sobre o mercado de trabalhopodem ser apontados?

Utilizando em primeiro lugar dados secundários obser-vamos que:- a produtividade industrial cresceu 7,35% ao ano no pe-ríodo 1991-95, representando mais que todo o ganho dasduas últimas décadas (Bonelli, 1996:38);2

- esse crescimento de produtividade se fez acompanharpela redução do nível de emprego industrial, enquanto ashoras pagas na indústria caíram em torno de 25% no mes-mo período;

- a composição da ocupação por posição nas seis regiõesmetropolitanas da PME/IBGE (São Paulo, Porto Alegre,Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Salvador) se al-tera, retratando entre 1991 e 1995 a intensificação da par-ticipação dos trabalhadores sem carteira de trabalho assi-nada, que passa de 22,27% para 25,40%, enquanto o deempregados com carteira cai de 52,86% para 47,71% e ode trabalhadores por conta própria, que tinham uma par-ticipação de 19,73% no final do período, atinge 21,61%.Esta é uma tendência nova do mercado de trabalho brasi-leiro, já que mesmo durante a década de 80, no auge dacrise recessiva, sua participação entre os ocupados per-maneceu estável (Fuentes, 1996);

- já o desemprego aberto medido pela PME/IBGE nas re-giões metropolitanas brasileiras, no mesmo período de1991 a 1995, revela uma certa estabilidade quando seconsideram os dois pontos, mesmo que em 1992 e 1993,para todas elas, haja uma tendência significativa de cres-cimento. Já a comparação com a década de 80 mostra cla-ramente que o desemprego se encontra num patamar maiselevado; no entanto, nas regiões metropolitanas que me-dem o desemprego pela metodologia da PED/Seade-

Dieese, esse quadro se altera significativamente. Toman-do como exemplo a Região Metropolitana de São Paulo,constata-se que o desemprego aberto no período 1990-95passa de 7,2% para 8,9%; já o desemprego total, incluin-do o desemprego oculto por trabalho precário e por desa-lento, passa de 10% para 13,2%. Dedecca (1996b:483)analisa as diferenças entre as duas pesquisas, trabalhan-do as informações quanto à PEA – População Economi-camente Ativa, PO – População Ocupada, etc., e constataque a tendência de queda da taxa de participação na PME,por conta de uma flutuação convergente da taxa de parti-cipação, não provocou a elevação da taxa de desempre-go. Já no caso da PED, a tendência à queda da taxa deocupação não é acompanhada por uma redução da taxade participação e sim do aumento da taxa de desempre-go. Isto significa que ambas as pesquisas indicam umaredução da capacidade ocupacional das regiões metropo-litanas, mas uma o faz via inatividade (PME) e a outravia taxa de desemprego (PED);

- o perfil do desemprego no país também se altera, poisse identifica um aumento da duração do desemprego e daparticipação dos mais escolarizados, dos mais velhos,notadamente na faixa de 25 a 39 anos, e dos jovens.Corseuil (et alii 1996) chega a estas conclusões trabalhan-do dados da PME para as regiões metropolitanas; e Fuentes(1996) e Montagner e Brandão (1996) da PED/Seade-Dieese para São Paulo. Já Portugal (1996), com base naPME, argumenta que a relativa estabilidade destas taxasna década de 90, em um patamar mais elevado que nadécada de 80, pode significar um problema estrutural daeconomia brasileira;

- pode-se dizer que, na década de 90, as transformaçõesem curso ampliam não só o informal (aumento da participa-ção dos trabalhadores autônomos e dos trabalhadores semcarteira assinada) como também o desemprego. O setor in-formal é então incapaz de dar conta sozinho do impactosofrido pelo núcleo central da economia (Fuentes, 1996);

- Alves e Soares (1996:30), trabalhando com informaçõesda PED/Seade-Dieese sobre a RMSP no período 1988-95, constatam que há uma forte redução do número deocupados com baixa escolaridade. Nesse período, amplia-se de 11,7% para 16,3% a participação dos que possuem2o grau completo e de 8,6% para 12,3% dos que possuem3o grau completo. Ao mesmo tempo, cai um ponto per-centual a participação dos analfabetos e oito pontos per-centuais dos que tinham só até a 4a série. Surpreendente-mente, o rendimento real médio dos ocupados com 25 anose mais caiu sistematicamente no período, chegando-se auma perda real de aproximadamente 27%. Mais impor-tante é observar que para se atingir o rendimento médioexige-se mais escolaridade: enquanto em 1988, para re-

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ceber o equivalente ao rendimento médio, o trabalhadordeveria ter o 1o grau completo, em 1995 era preciso o 2o

grau completo;

- considerando esse conjunto de informações, temos queos movimentos de globalização e reestruturação produti-va em curso na economia brasileira reduzem postos detrabalho, desempregam trabalhadores do núcleo organi-zado da economia e os transformam em trabalhadores porconta própria, trabalhadores sem carteira assinada, desem-pregados abertos, desempregados ocultos por trabalhoprecário e desalento e inativos. Na RMSP, para os quecontinuam ocupados, as exigências de qualificação for-mal são maiores e, em geral, o rendimento real diminui.

O quadro constituído pelas pesquisas mais voltadas paraa reestruturação produtiva evidencia que poucas são asque ultrapassam a dimensão de estudos de casos. Uma dasexceções recentes é aquela desenvolvida pelo BNDES/CNI/Sebrae em 1996 em 16 estados brasileiros (54,4%no Sudeste e 29,9% no Sul), em 1.356 empresas (entre33,8% de microempresas com cinco a 19 empregados e15,6% de grandes empresas com 500 ou mais trabalha-dores).

Destacam-se entre seus resultados: quanto às estraté-gias competitivas das empresas, estas são diversificadase privilegiam aumentar o atendimento às necessidades dosclientes, adequar a produção às especificações técnicas emelhorar a qualidade dos insumos; quanto aos métodos etécnicas de gestão para melhoria da qualidade e produti-vidade, os dois setores industriais que se destacam sãomaterial elétrico e de comunicações.

A pesquisa avaliou a utilização de 24 programas emétodos e constatou que ainda são pouco disseminados:12 dos programas não são aplicados e poucas indústriasos utilizam amplamente; porém, entre 1992 e 1995 ex-pandiu-se bastante o uso de tais técnicas. Os programasmais utilizados são os de gestão pela qualidade total,planejamento das necessidades materiais, planejamentoestratégico, aquisição de equipamentos automatizados, ter-ceirização, implementação de trabalho em grupo e multi-funcionalidade.

Leite (1994:563) propõe uma periodização para o pro-cesso de reestruturação no país segundo a qual a primeirafase se caracteriza pela difusão dos CCQs – Círculos deControle da Qualidade –, do final dos anos 70 ao iníciodos anos 80. Vários pesquisadores avaliaram esse perío-do e constataram seu caráter parcial em decorrência daparticipação restrita dos trabalhadores, pequena abrangên-cia das questões tratadas associada à pressão sindical eresistência empresarial a implantar procedimentos maisabrangentes que atingissem as formas de organizar o tra-balho e gerir a força de trabalho.

A segunda fase, ainda segundo Leite, inicia-se em 1984-85 e prossegue até o final da década e sua característica éa rápida difusão de equipamentos. O número de unidadesinstaladas de máquinas-ferramentas de controle numéri-co – MFCN cresce de 241 em 1981 para 4.822 em 1989;os robôs, de 26 em 1985 para 106 em 1989. A avaliaçãodesse período vai mostrar que as mudanças implementa-das pelos empresários não incorporavam inovações or-ganizacionais, diferenciavam-se fortemente entre ramosindustriais e eram puxadas por empresas exportadoras,refletindo claramente a importância da exposição à con-corrência internacional.

A terceira fase, então, inicia-se nesta década, na qualas empresas, além de incorporarem equipamentos, estãotambém introduzindo mudanças organizacionais e de ges-tão da força de trabalho.

Os estudos de casos são majoritariamente muito cen-trados nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Gran-de do Sul e Bahia. Há informações, também, em menorprofusão, para Curitiba, Fortaleza, Minas Gerais e Pará.As indústrias mais analisadas são metal-mecânica, eletro-eletrônica, de confecções, de calçados, petroquímica esiderúrgica.

Talvez o marco comum entre eles seja que a reestrutu-ração produtiva se faz mediante um ritual de uniformida-de, seletividade e exclusão. A uniformidade é dada pelabusca de flexibilidade que é comum, em geral, às firmaspesquisadas. Já a seletividade e a exclusão podem ser iden-tificadas sob vários formatos.

Essa uniformidade expõe naturezas distintas doprocesso, o que seria esperado dada a profunda dife-renciação regional presente nos mercados de trabalhobrasileiros. Assim, a busca por flexibilidade pode ser re-tratada, por exemplo, na introdução de equipamentosnovos associados à incorporação do trabalho assalariadonuma grande empresa da agroindústria da cana em Ala-goas, a qual acaba de implantar, pela primeira vez na suahistória, uma gerência constituída por um profissionalegresso da universidade e fora dos quadros familiares. Istovai propiciar a emergência de uma modalidade de con-trole da força de trabalho rural que se diferencia dos pa-drões passados de dominação (Padrão, 1996). Mas a fle-xibilidade também pode ser vista na incorporação de grupossemi-autônomos em indústrias de ponta como o faz Marx(1996), que é o que há de mais avançado em projeto em-presarial para a obtenção de ganhos de produtividade eflexibilidade. Entre um ponto e outro situam-se as váriasformas de flexibilização na economia brasileira.

Já a seletividade e a exclusão expressam-se de váriasformas. A seletividade emerge como diferenciação entresetores, indústrias e entre empresas de um mesmo setor(Ruas,1993). Do ponto de vista dos trabalhadores, emer-

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- não sabemos com clareza o que tem acontecido com osnossos mercados informais de trabalho. O desenvolvimen-to das pesquisas sobre este tema sempre foi permeado poracalorados debates. O aporte teórico fornecido pelo mar-xismo, no qual se via o informal como uma forma de orga-nização não capitalista e, portanto, não centrado no tra-balho assalariado, parece ter sido o que melhor acolheuaquela discussão, estimulando muitos trabalhos (Souza,1980; Cacciamali, 1983; e Carleial, 1986). Porém, a ope-racionalização do conceito de informal continuou enfren-tando muitas dificuldades. Neste momento, como revisi-tar esse conceito?;

- finalmente, sabe-se muito pouco sobre o contingente detrabalhadores que hoje, nas empresas, nos institutos depesquisa e nas universidades são trabalhadores para a ciên-cia. Portanto, sabe-se pouco das mudanças que sofrem asnossas estruturas ocupacionais.

EMPREGOS E DIREITOS: ONDE VAMOS?

A organização da sociedade capitalista no mundo de-senvolvido estruturou-se centrada no trabalho. Essa or-ganização moldou um sistema de solidariedade entreemprego e desemprego retratado no Estado-Providênciae permitiu que os trabalhadores participassem dos exce-dentes por eles gerados e assim vivessem a condição detrabalhadores, consumidores e cidadãos.

A ambiência institucional na qual se vive a globaliza-ção da economia e as práticas de reestruturação é forte-mente marcada pela quebra do compromisso de plenoemprego do período anterior e pela fragilização das con-dições dos trabalhadores em todo o mundo. Nos paísesdesenvolvidos, isto tem gerado a precarização dos mer-cados de trabalho e a proliferação de ocupações e não deempregos, propiciando um certo arrefecimento da rela-ção assalariada como marca central e quebrando a espi-nha dorsal da relação trabalhador-consumidor-cidadão.

Essa condição nunca foi vivida pelos trabalhadoresno Brasil. Hoje, a situação se agrava, pois as práticascompatíveis com a reestruturação e a abertura comercialdominam o cenário, sem deixar espaços para uma pro-posta de mais longo prazo que incorpore as especificida-des da economia brasileira. Por outro lado, há um climaextremamente favorável a mudanças na legislação traba-lhista que facilitem a dispensa e contratação dos traba-lhadores e que definam o prazo contratual entre trabalha-dor e empregador, até mesmo de exclusão dos direitos dostrabalhadores. O Brasil, conhecido pela “flexibilidade”estrutural de seu mercado de trabalho, precisaria incor-porar a flexibilidade contemporânea – a jurídica. Essa éuma proposta que paira sobre a sociedade sem maioresdiscussões.

ge como dispensa, maiores exigências de qualificação ediferenças entre as formas de participação por atributospessoais, como gênero e idade (Posthuma,1996). Já o ca-ráter de exclusão é dado majoritariamente pela evidênciade ampliação do desemprego e de precarização do mer-cado de trabalho.

Sabe-se que quanto à prática da externalização/tercei-rização, ela se faz, prioritariamente, em serviços, sendo omovimento de terceirização produtiva mais lento, poréminconteste ( Ruas et alii, 1994; Mello, 1995; Carleial, 1996;entre outros).

Por outro lado, sabe-se pouco de aspectos que são cru-ciais para uma melhor compreensão dos mercados de tra-balho no país, tais como:- como está se dando o processo de difusão da grande paraa pequena empresa das práticas de flexibilização;

- a dimensão regional: não se conhecem estudos com umamesma metodologia que dê conta dos efeitos da reestru-turação industrial, bem como dos impactos inter-regio-nais da política de abertura comercial. Não se conhecemtambém os impactos sobre a estrutura regional do empre-go do processo de relocalização industrial no país, como,por exemplo, da transferência de indústrias de calçados etêxteis para o Nordeste, etc.;

- inúmeros aspectos ligados à prática da desverticaliza-ção produtiva: sua dimensão nacional, regional e setorial;em que medida a desverticalização produtiva é responsá-vel pela ampliação do número de trabalhadores autôno-mos e de trabalhadores em domicílio; em que medida adesverticalização/terceirização está influenciando os ní-veis de produtividade das grandes empresas; e ainda, quala mobilidade setorial que ela está impondo;

- as possibilidades de reaproveitamento dos trabalhado-res do núcleo organizado da economia que foram dispen-sados. Seria a política de reconversão profissional (Carusoe Pero:1996) uma possibilidade efetiva ou meramente maisum rótulo para nos aproximar das práticas globalizantes?Ou ainda, onde seria mais eficiente a aplicação dessesrecursos, como reconversão profissional ou qualificaçãodos que ingressam no mercado de trabalho associadas apolíticas de renda mínima que dessem conta também dodesemprego tecnológico?;

- a importância dos estudos de casos recoloca a dificul-dade de se lidar com os dados secundários sobre o mer-cado de trabalho hoje no país. Esses estudos não permi-tem generalizações, mas são muito ricos em detalhes paraa compreensão das mudanças em curso, e acabam por ex-por os limites das estatísticas disponíveis sobre mercadode trabalho. Por exemplo, qual a capacidade explicativada informação referente à posição na ocupação num mo-mento de intensa reestruturação?;

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FIRMAS, FLEXIBILIDADES E DIREITOS NO BRASIL: PARA ONDE VAMOS?

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A PNAD/IBGE para o ano de 1995 revela que o paístem 69.628.608 pessoas acima de 10 anos na condição deocupados. Dentre elas, 51% são empregadas; porém,apenas 28% possuem carteira assinada. Se incluirmos osmilitares, essa participação passa para 34%. A posse dacarteira é uma condição que vem perdendo força sis-tematicamente no país desde a década passada; porém,ela de fato faz a diferença. O trabalhador com carteiraassinada tem direito a férias remuneradas acrescidas deabono de 30% pagos antecipadamente, repouso semanale feriados remunerados, indenização pela perda imotivadado vínculo através do FGTS, 13o salário e o pagamentodo INSS é feito pelo patrão. Além destes direitos, otrabalhador com carteira assinada está livre de ser tomadocomo vagabundo e preso nas cidades brasileiras. Aqui, aposse de carteira sempre foi um salvo-conduto.

Por outro lado, mesmo a posse da carteira de trabalhonão é garantia de benefícios iguais para todos os traba-lhadores, pois há profundas diferenças entre regiões,empresas, notadamente por porte, etc. No entanto, as per-das de benefícios e a ampliação das diferenças entre ostrabalhadores com carteira de trabalho assinada parecemestar se acentuando, apesar de mantida a legislação.Braglia (1996:49) evidencia, a partir dos dados da PED/Seade-Dieese para 1994, sobre a Região Metropolitanade São Paulo, que “entre os assalariados com carteira as-sinada, 63,7% recebiam benefícios de alimentação, 53,7%de transporte e 51,9% tinham convênio de assistência àsaúde pago pelas empresas, enquanto, em média, somen-te um quinto dos assalariados sem carteira de trabalhodispunham de algum tipo de benefício”.

Ruas (et alii 1994), Mello (1995) e Carleial (1996), porexemplo, evidenciam que a passagem da grande para apequena empresa nas práticas de subcontratação, mesmomantida a carteira de trabalho assinada, representa umasignificativa perda de benefícios para os trabalhadores,associada à perda efetiva de salário.

A relação entre eliminação de direitos, redução doscustos de trabalho e geração de postos de trabalho nãoencontra evidência empírica significativa e sua prática estáassociada ao mero aproveitamento da fragilização dos tra-balhadores em geral. Ademais, o argumento do custo tra-balhista, o famoso “custo Brasil”, também não encontraapoio nas evidências. De acordo com a Morgan StanleyResearch, o custo horário da mão-de-obra no setor ma-nufatureiro no Brasil é um dos mais baixos: em 1993 foide 2,68 dólares, enquanto na Alemanha, no Japão e nosEstados Unidos foi, respectivamente, de 24,87, 16,91 e16,40 dólares (Santos, 1996:236). Ademais, consideran-do a variação real entre os anos de 1990 e 1993, o custounitário do trabalho na indústria de transformação caiuum ponto percentual no Brasil e cresceu 14,5% no Japão

e 11,4% nos NIC’s asiáticos (Van Damme, apud Santos ePochman, 1996:207), sugerindo claramente que este nãoconstitui um elemento impeditivo à inserção competi-tiva. Ao contrário, sugere que são as vantagens com-petitivas construídas a partir do aprendizado e da ca-pacitação tecnológica que contribuem favoravelmentepara isso.

Nestes últimos 15 anos de ajustes e profundas mudan-ças na organização da produção e do trabalho, consolida-se também a ampliação das desigualdades no mundo.Segundo o Relatório do Programa das Nações Unidas parao Desenvolvimento – PNUD/1996, dos 23 trilhões dedólares da riqueza mundial produzida em 1993, apenas 5trilhões tiveram origem nos países em desenvolvimento– que detêm 80% da população mundial. Nos últimos 30anos, a fatia dos 20% mais pobres na riqueza mundialdiminuiu de 2,3% para 1,4%; já a dos 20% mais ricosaumentou de 70% para 85%. A globalização, portanto,não só redistribuiu renda em nível mundial como concen-trou a riqueza em detrimento dos países pobres. O Brasilé o campeão da desigualdade de renda no mundo. Aquios 20% mais ricos detêm uma fatia de renda 32 vezessuperior à dos 20% mais pobres. Estabelecendo-se umacomparação, tem-se que a renda per capita dos 20% maispobres no Japão e nos Estados Unidos é, respectivamen-te, 16 e 10 vezes maior que a dos 20% mais pobres nonosso país (Gazeta Mercantil, 17/07/96).

Esse é um quadro extremamente claro das diferençasde renda, mas não das diferenças sociais e de condição devida entre os países. Se se quiser ter uma dimensão maisefetiva das diferenças, tem-se que adicionar informaçõesquanto ao acesso a infra-estrutura econômica e social,equipamentos públicos e serviços públicos, entendidosprincipalmente como saúde e educação. Sem qualquerexagero, essa comparação nos levaria a questionar: comoconsegue sobreviver grande parte dos brasileiros hoje emseu país?

Esse quadro sinaliza muito bem a incapacidade do ca-pitalismo vigente abaixo da linha do equador de fazer aquio que fez no mundo desenvolvido. A resultante é umasociedade extremamente desigual em que os canais departicipação política estão fortemente obstruídos, os sin-dicatos acuados, os partidos políticos de oposição fragi-lizados e a sociedade civil incapacitada de esboçar rea-ções. O contrato temporário de trabalho foi aprovado emprimeira instância e não se assistiu a qualquer reação.

A eliminação ou redução dos direitos dos trabalhado-res no país só teria uma implicação imediata, a ampliaçãoda exclusão social, entendida aqui como acesso às garan-tias mínimas de saúde, educação, velhice digna e, comcerteza, não resolveria os nossos problemas de mercadode trabalho, como não resolveu em nenhum país.

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O que parece crucial é que essas mudanças se fazemnum ambiente cujos únicos motes oficiais são a aberturacomercial e a imposição da busca por maior competitivi-dade. O que se defende aqui é que há uma necessidadeurgente de se incorporar as especificidades da economiabrasileira. Na realidade, mesmo diante de todas as restri-ções colocadas pelas transformações tecnológicas em cur-so e de todos os seus impactos conhecidos e ainda desco-nhecidos sobre o emprego, o Brasil talvez seja um dosúnicos países do mundo que poderá vir a ter um excelen-te desempenho na geração de novos postos de trabalho.As razões são sobejamente conhecidas. Há tudo por serfeito.

O país tem pela frente uma agenda que está mais pró-xima da agenda mundial do século passado do que do ter-ceiro milênio. Possui gargalos importantes e nunca en-frentados, entre os quais se destaca, de forma inequívoca,a questão da terra. O movimento dos sem-terra no paísrepresenta o que há de mais velho, quanto à natureza dareivindicação, e também de mais novo, no que se refereainda às possibilidades de participação política da socie-dade brasileira.

Não há uma estratégia clara e conseqüente que procu-re conferir dinanismo à base industrial. Não se tem umapolítica de desenvolvimento industrial associada a umapolítica científica e tecnológica que defina um mínimode programação e de possibilidades futuras. Alardeia-sea sociedade do frango e do iogurte e não se move umapalha para mudar o quadro educacional e de saúde do país.Minimiza-se a urgência das questões ligadas ao cresci-mento econômico, à retomada dos investimentos, enfim,à necessidade de criação de postos de trabalho.

É interessante observar que nos países que mais cria-ram empregos nos últimos tempos – China e países asiá-ticos em geral –, isto se obteve com a participação efeti-va do Estado. Mas a sedução que a idéia de aniquilamentodos Estados nacionais exerceu sobre os dirigentes no casobrasileiro é muito forte como estratégia, porém, extrema-mente frágil como possibilidade. Proliferam-se os exem-plos de que “deixadas ao mercado”, até mesmo as ques-tões regionais estariam se resolvendo, haja vista amigração de empresas no país e o novo mapa da indústriaque se delineia beneficiando estados nordestinos, porexemplo.

Em Carleial (1997), colocam-se os resultados de umapesquisa direta realizada em grandes empresas, na qualse discute o padrão localizacional e se evidencia que emFortaleza, por exemplo, as vantagens competitivas ine-rentes ao paradigma anterior continuam sendo absoluta-mente importantes na instalação do novo parque têxtilcearense. Juntamente com a inovação tecnológica, os di-retores industriais apontam a isenção fiscal, a mão-de-obra

barata e a baixa densidade sindical como razões do su-cesso. É importante salientar que, mesmo no auge da açãoda Sudene, nas duas pesquisas de campo realizadas, ao seavaliar as razões da instalação das empresas em 1977 e1988, a variável mão-de-obra barata não foi consideradaimportante como razão de localização industrial.

Essa mesma empresa, cujo faturamento é de 500 mildólares/dia e que está totalmente inserida na economiamundial, emprega 3.500 trabalhadores, com um salário-base de 112 reais e um salário médio de 170 reais. O queocorrerá nesta empresa se a mania de regionalizar o salá-rio mínimo vingar, dados os vultosos excedentes popula-cionais existentes na região?

O olhar otimista sobre este momento é capaz de privi-legiar os “empregos” criados no Ceará, por uma empresaque não garante os direitos trabalhistas e que contrata tra-balhadores através de uma cooperativa pagando saláriomínimo. Isto é melhor do que nada, dizem alguns. É atépossível que sim, mas então vamos nos entender melhor:são empregos? São ocupações? Do que se trata aqui? Emsegundo lugar, qual a sociedade que emerge a partir des-ses ocupados? Qual a diferença entre estas ocupações eas históricas frentes de emergência nordestinas em épo-cas de secas? Isto é moderno? Se ainda não se têm res-postas para tantas perguntas, pode-se pelo menos apren-der que a globalização e a reestruturação produtiva sãoabsolutamente compatíveis com profundas e nítidas dife-renças entre países e regiões; e mais, tira proveito de to-das essas diferenças, principalmente naqueles países cu-jos governantes abriram mão de dirigir seus própriosdestinos por se negarem a definir claramente “o que é e oque não é” do interesse do país numa economia global.

Talvez ainda se possa construir um projeto nacionalno qual todos nós, em algum momento de nossas vidas,acalentamos viver, no qual se indague o que se pretendepara a sociedade brasileira. Nem mesmo a mais eficientepolítica ativa de emprego será capaz de dar conta das di-ferenças crescentes na sociedade brasileira, do setor in-formal que cresce abrangendo um sem número de ocupa-dos, do desemprego sob diferentes formatos que se alastranas regiões metropolitanas, das diferenças inter-regionaisque se acentuaram na última década, etc. (Lavinas etalii:1997). Além de políticas ativas de emprego, serãonecessárias políticas de ampliação de seguridade social ede redistribuição de renda, tais como existem hoje emvários municípios brasileiros: os programas de renda mí-nima e de bolsa-escola, na perspectiva de construir mini-mamente nosso futuro. A questão, para nós, como disseWerner Baer ao ser titulado pela Universidade Federal doCeará, é que “é preciso desprivatizar o Estado no Brasil”.

O que nos anima é observar que as práticas neolibe-rais têm encontrado algumas reações importantes, como

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as greves dos funcionários públicos na França no final de1995, as recentes greves dos caminhoneiros com apoioexplícito da população e o esboço de uma forte reaçãocontra a aprovação da nova lei de imigração francesa, etambém as reações na Coréia do Norte. Ainda bem queaqui haverá uma marcha de São Paulo a Brasília, mos-trando que é preciso lutar pelo que se quer.

NOTAS

1. A palavra “ flexibilidade” está entre aspas por referir-se à condição estruturaldo mercado de trabalho brasileiro e não à flexibilidade compatível com os novosparadigmas produtivos.

2. Há um acalorado debate sobre o comportamento da produtividade no país.Veja-se, por exemplo, Feijó e Carvalho (1994), Quadros e Bernardes (1996) eSalm et alii (1996).

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DIREITO DO TRABALHO E FLEXIBILIZAÇÃO NO BRASIL

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DIREITO DO TRABALHOE FLEXIBILIZAÇÃO NO BRASIL

JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO

Advogado, Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho,Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Unicamp

ssunto relegado aos países de democracia traba-lhista consolidada na década de 80, a modifica-ção global ou parcial dos institutos e do próprio

direito do trabalho passa a integrar também a pauta dedebates relevantes no Brasil dos anos 90.

Assim como nos países estrangeiros, as discussõesnacionais são impulsionadas por idéias de natureza pre-ponderantemente econômica. Neste contexto, a necessi-dade de consagrar-se um ordenamento jurídico que sejaflexível é constantemente enfatizada. A justificativa fun-damental da flexibilidade das normas trabalhistas – se-gundo seus adeptos – é a imperiosa e inexorável adapta-ção do país aos padrões da concorrência internacionaltravada em uma realidade de economia globalizada. Nes-sas circunstâncias, o direito do trabalho brasileiro é defi-nido como excessivamente rígido, estimulador de confli-tos e inibidor da produtividade, caracterizado pelointervencionismo exacerbado do Estado e, portanto,insuscetível de viabilizar uma regulamentação do traba-lho capaz de atender à rapidez e à dinâmica desse admi-rável mundo novo.

A solução freqüentemente oferecida para superar essaimaginada rigidez do direito e do mercado de trabalho é aredução dos direitos trabalhistas, combinada com o in-centivo das negociações coletivas de trabalho exclusiva-mente por empresas, voltadas para o estabelecimento da“flexibilização” de direitos ou simplesmente a desconsti-tuição de direitos indisponíveis.

A síntese da proposição é a seguinte: diminuição dosdireitos legais dos trabalhadores combinada com a am-pla regulamentação do direito do trabalho através danegociação coletiva por empresa, sendo estas desenvol-vidas com algumas restrições à ação coletiva dos traba-

lhadores (por exemplo: inexistência de mecanismos for-mais e permanentes de representação dos trabalhadoresnos locais de trabalho, limites ao direito de greve, quórunsrígidos de deliberação grevistas e direito de substituiçãodos grevistas).

As idéias que estimulam o debate nacional sobre a fle-xibilização do direito do trabalho são as mesmas queembalaram o sonho das teses neoliberais no estrangeiro.De fato, a confusão sobre o tema instala-se quando ospropaladores desta nova “onda nacional”, afoitamente,universalizam diagnósticos sobre assuntos que dependemde particularização nacional (características da inserçãobrasileira na concorrência internacional, estrutura do di-reito do trabalho), vulgarizam o conceito de rigidez dodireito e do mercado de trabalho através de vaticínio su-perficial e banalizam a negociação coletiva do trabalho edo papel do Estado nas relações de trabalho.

Como se depreende da simples enunciação do debate,a flexibilização das leis do trabalho é um assunto quecomporta necessariamente uma abordagem interdiscipli-nar, posto que suas variáveis, conseqüências e efeitos de-correm da articulação (ou não) de políticas econômica,industrial e trabalhista.

Em relação às políticas que se situam fora do âmbitodo direito do trabalho, ressalta-se neste artigo, apenas atítulo de exemplificação da complexidade do assunto, oproblema da inserção brasileira na decantada zona de con-corrência internacional.

Invariavelmente este assunto é apresentado como se ainserção na área indicada dependesse apenas da simplesvontade política dos povos, emanada de uma crença in-quebrantável nos valores superiores do mercado que con-sagram a globalização econômica e, conseqüentemente,

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demonstram o anacronismo da proteção do trabalho parao desenvolvimento econômico dos países. Não parece,todavia, que o assunto seja tão simples assim.

Na verdade, o ponto nuclear deste problema não foiainda convenientemente destacado, qual seja: em queposição e circunstâncias, e em relação a quais produtos oBrasil vai, ou deve, se inserir na concorrência internacio-nal? Esta resposta, de natureza tipicamente política e eco-nômica, mesmo a perspectiva de um operador jurídicopreocupado com a reestruturação do ordenamento jurídi-co trabalhista, é fundamental. Isto porque no limite destadefinição decorre necessariamente o conjunto de políti-cas destinadas a organizar as relações econômicas inter-nas e externas e as relações trabalhistas.

Dessa forma, sendo a concorrência internacional oponto de partida da reestruturação das leis do trabalho noBrasil, a resposta à pergunta apresentada é crucial e de-terminante a qualquer proposta de modificação parcial ouglobal do ordenamento jurídico.

Não obstante, não se pretende, com as presentes con-siderações, imiscuir-se indevidamente em outras áreas doconhecimento fora do campo jurídico, mas apenas de-monstrar, com o exemplo indicado, a complexidade doassunto e a importância no tratamento da questão dasmúltiplas variantes a ela inerentes.

No específico âmbito jurídico, porém, que é o objetodo presente artigo, o assunto também comporta, indepen-dentemente do recente assédio neoliberal, aspectos degrande relevância. Isto porque, a identificação da falên-cia da forma de regulamentação do direito do trabalho noBrasil não foi percebida apenas pelos defensores das te-ses neoliberais (Siqueira Neto, 1991:180-209).

O intervencionismo estatal exacerbado nas relações detrabalho, a repressão renitente das ações sindicais dos tra-balhadores, o patrocínio estatal de sindicatos artificiais, ainexistência da negociação coletiva nos seus moldes clás-sicos e a ampla liberdade de rompimento unilateral doscontratos de trabalho são, de fato, características bemmarcantes do sistema brasileiro de relações de trabalho(Siqueira Neto, 1991:160-179 e Oliveira, 1994:209-231).

Entretanto, aludidas condições geraram, inegavelmen-te, relações de trabalho marcadas pelo autoritarismo pa-tronal, pela unilateralidade das decisões, pela desconfiançamútua, pelo estímulo dos conflitos judiciais de naturezaindividual, pela forte atuação de intermediários (advoga-dos, juízes, inspetores do trabalho, policiais) em substi-tuição às funções inerentes aos atores sociais (trabalha-dores, sindicatos e empregadores), pela existência desindicatos com representação de fato mas ainda juridica-mente tratados como “ilegais”, pelo estrangulamento dosespaços e das condições da negociação coletiva, pelonúmero exagerado de greves “ilegais” ou “abusivas” e pelo

contingente significativo do mercado de trabalho infor-mal.

Mediante as características jurídicas apontadas, paraque se possa entender a discussão sobre flexibilização edireito do trabalho no Brasil, torna-se imprescindível con-textualizar o debate que foi importado com a nossa reali-dade jurídica.

Interessa aqui demonstrar quais são os aspectos ver-dadeiramente rígidos e flexíveis do direito do trabalhobrasileiro. Referida averiguação é relevante porquedesmistifica a questão concernente à rigidez das leis dotrabalho no Brasil e, ao mesmo tempo, possibilita apurar-se o diagnóstico do sistema brasileiro de relações de tra-balho como um todo, enfatizando os aspectos realmentepertinentes em um processo de eventual mudança globaldo padrão de regulamentação jurídica.

Para alcançar o objetivo proposto, será feita uma bre-ve referência à estruturação dos sistemas de relações detrabalho consolidados no segundo pós-guerra nos paísesindustrializados de maior projeção, que deram origem àinsurreição flexibilizadora. Depois, serão indicados osfundamentos das idéias centrais sobre flexibilização. Naparte seguinte, conceitua-se flexibilização, indicando osseus principais tipos de realização e suas diferenças dadesregulamentação. A seguir, abordam-se as principaiscaracterísticas do direito do trabalho brasileiro, seus as-pectos flexibilizadores e o recente projeto de lei sobre fle-xibilização trabalhista. Por fim, são apresentadas conclu-sões sobre flexibilidade e direito do trabalho no Brasil, àluz das peculiaridades nacionais e a perspectiva da con-sagração de um sistema democrático de relações de tra-balho.

A ORIGEM DA FLEXIBILIZAÇÃO

O período compreendido entre o segundo pós-guerrae o início da década de 70, nos países industrializados demaior projeção, representa a Época de Ouro do capitalismo.

Com a combinação de crescimento econômico e plenoemprego, sustentada por diversificadas políticas decor-rentes da intervenção estatal ou da contratação coletivasobre as relações e o mercado de trabalho, obtiveram-seelevados níveis de produtividade e efetiva distribuição derenda.

Neste período, transcorreram-se anos de extraordiná-rio crescimento econômico e transformação social, queprovavelmente mudaram de maneira mais profunda a so-ciedade humana que qualquer outro período de brevida-de comparável (Hobsbawm, 1995:15).

No âmbito das relações e do direito do trabalho, comintensidades e características variadas, as mesmas forambasicamente pautadas pela articulação das políticas pú-

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blicas com a atuação dos sindicatos, associações empre-sariais e empresas por intermédio da contratação coletivade trabalho.

Porém, a essência do sistema apontado viabilizou-se,sobretudo na Europa Ocidental, com a consagração daampla liberdade de contratação coletiva assegurada pe-los respectivos ordenamentos jurídicos (Däubler, 1994:18-21), devidamente sustentada por legislações de garantiada liberdade sindical e da representação dos trabalhado-res nos locais de trabalho, do amplo processo de negocia-ção setorial e por empresas e dos conflitos coletivos.

Essa efetiva disposição política e institucional, favo-rável à contratação coletiva como instrumento preferen-cial de regulação do trabalho, permitiu o desenvolvimen-to da mesma em todos os níveis (setoriais, intersetoriais,nacionais, regionais e por empresa) na Europa, e porempresas nos Estados Unidos e no Japão.

O resultado concreto deste direcionamento foi – noâmbito específico de configuração – o aumento da parti-cipação e do controle dos trabalhadores sobre as relaçõesde trabalho, principalmente no que se refere ao processode admissão de novos trabalhadores, determinação dajornada de trabalho, fixação de padrões salariais gradati-vamente mais uniformes, introdução de novas tecnolo-gias, alteração do processo produtivo e efetivação de de-missões.

Aludidos efeitos manifestaram-se mais fortemente naEuropa, onde foram viabilizados por meio da sincroniza-ção das leis do trabalho com a contratação coletiva e daextensão dos efeitos dos contratos coletivos por parte dopoder público às realidades sem instrumentos normativospróprios.

No Japão, as relações de trabalho lastrearam-se basi-camente sobre três aspectos: emprego vitalício; saláriose outros benefícios de acordo com a antigüidade; e pre-dominância de sindicatos por empresa (Däubler, 1994:34).Além dessas peculiaridades trabalhistas, o Japão, tambémpor meio de eficaz política desenvolvida, articulada e co-ordenada pelo Ministério da Indústria e Comércio, asse-gurou baixa rotatividade de mão-de-obra e uma estruturasalarial relativamente igualitária, institucionalizou formasde cooperação e garantiu, por conseguinte, um sistemacom baixíssimo percentual de conflitos trabalhistas.

Nos Estados Unidos, o referencial das relações de tra-balho foi o conflitivo, sem as garantias das políticas pú-blicas sobre o mercado, as relações de trabalho e a liber-dade sindical. O sistema norte-americano não possuimecanismos de representação genérica dos trabalhadorespor local de trabalho, o processo de negociação é buro-crático, lento e ineficaz e o direito de greve, desde o finaldos anos 30, sofre restrições do Poder Judiciário (como odireito de substituir os grevistas mesmo após o término

do conflito) (Däubler, 1994:29). Os Estados Unidos nãoratificaram as Convenções n. 87 e 98 da OIT sobre Liber-dade Sindical e Negociação Coletiva.

Portanto, dentre as formatações dos sistemas de rela-ções de trabalho dos países industrializados de maior pro-jeção, o europeu apresentou-se estruturado e articuladocom políticas públicas relativas ao trabalho e integradopor um amplo e complexo processo de contratação cole-tiva realizada em todos os níveis. O sistema japonês al-cançou um alto grau de cooperação entre os atores so-ciais, sem contudo promover a institucionalização dosprocedimentos, sobretudo por intermédio da negociaçãoefetiva de contratos coletivos setoriais fora do âmbito dasempresas. Já o sistema norte-americano não consumou onível de articulação de compromisso do padrão europeue tampouco conseguiu a cooperação do sistema japonês.Nestas circunstâncias, inegavelmente, o direito do traba-lho europeu foi fortalecido.

É sobre esta realidade que as mudanças estruturais pro-cessadas nas últimas décadas causaram impacto. Aindigitada reestruturação capitalista rompeu não apenascom o paradigma produtivo e tecnológico anterior, mastambém com os mecanismos de gestão e regulação do tra-balho então consolidados.

O direito do trabalho assistiu a uma imponente rees-truturação capitalista que redesenhou a geografia das ati-vidades produtivas e, conjuntamente, a tipologia das for-mas do emprego da mão-de-obra; terciarizou a economiae convulsionou o mercado de trabalho, mundializou osmercados e produtos e modificou, por efeito das novastecnologias, também os trabalhos tradicionais (Romagnoli,1992:14).

Neste contexto, enfatiza-se a competitividade dasempresas no mercado globalizado, investindo-se contratoda forma de regulamentação estatal e contratual forados limites da empresa que possa restringir a autonomiaempresarial e aumentar de qualquer maneira os custos dotrabalho. Rediscute-se, assim, o caráter de que a normatrabalhista deve revestir-se neste novo panorama mun-dial. Fortalecem-se, então, nesta perspectiva, as tesesneoliberais que propugnam a flexibilização do direito dotrabalho.

FUNDAMENTOS DA FLEXIBILIZAÇÃO

A flexibilização, na forma aqui apresentada, correspon-de integralmente ao pensamento neoliberal que seconsubstancia no forte apoio da flexibilização, propug-nando inclusive a eliminação de grande parte das normastrabalhistas, por entender que tais instrumentos e circuns-tâncias comportam o necessário ajuste à competitividadee ao crescimento, premissas para o desenvolvimento da

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economia e da elevação do nível de vida (Potobsky,1995:11).

As teses dos neoliberais de hoje nascem para contra-porem-se ao sistema e ao mercado de trabalho estrutura-do (através de políticas públicas ou das negociações co-letivas realizadas fora do âmbito exclusivo das empresas),sendo incorporadas atualmente até mesmo pelos chama-dos “organismos de Bretton Woods” (Potobsky, 1995:13).

Neste sentido, a flexibilização teria, então, por fun-damento o aumento da produtividade e da competitivi-dade das empresas e das economias nacionais (Pastore,1994:7-40). A proposta flexibilizadora consiste em afrou-xar, eliminar ou adaptar, de acordo com os casos, a pro-teção trabalhista clássica, para aumentar o emprego, ainversão ou a competitividade internacional (ErmidaUriarte, 1992:33).

Porém, não obstante a ênfase na rigidez das leis traba-lhistas, a experiência de mercado globalizado tem demons-trado dois importantes aspectos: de um lado, a importân-cia da inovação produtiva, da agilidade empresarial e docompromisso com os trabalhadores para que as empresasobtenham qualidade e preços nos seus produtos para in-serirem-se efetivamente na concorrência internacional; e,de outro, a importância do papel do Estado na gestão daspolíticas industrial e trabalhista. A simples comparaçãodos efeitos das políticas neoliberais radicalmente aplica-das por Margaret Thatcher e Ronald Reagan na Inglater-ra e nos Estados Unidos (sistemas pouco regulamentados,com amplos espaços de negociação coletiva por empre-sa), com as políticas mais articuladas e negociadas com eentre os atores sociais no Japão (sistema com negociaçõescoletivas descentralizadas e destacadas políticas estataisde sustentação, preponderantemente, econômica) e naAlemanha (sistema com negociações nacionais e por em-presa, com legislação trabalhista em número razoável epolíticas estatais de sustentação trabalhista e econômica)confirmam a procedência do alegado (Potobsky, 1995:21).

Desta forma, a discussão acerca da flexibilização dodireito do trabalho exige do analista a contextualizaçãomínima dos ambientes políticos, econômicos e trabalhis-tas enfocados, sob pena de, desconectando-se da realida-de, consagrar como verdadeiras generalidades fantasiosas.

CONCEITO DE FLEXIBILIZAÇÃO

O conceito de flexibilização está intimamente ligadoao de desregulamentação. Como as próprias expressõesindicam, para desregulamentar e flexibilizar um dado sis-tema de relações de trabalho pressupõe-se a existência deuma regulamentação inflexível.

A desregulamentação dos direitos trabalhistas é o pro-cesso pelo qual os mesmos são derrogados, perdendo a

regulamentação. A desregulamentação, na verdade, é umtipo de flexibilização promovida pela legislação.

Mesmo particularizando a experiência européia, é opor-tuna a lembrança do diagnóstico (Romagnoli, 1992:18),perfeitamente suscetível de generalização, quando, acer-tadamente, diz que desregulamentação é um léxico abre-viado para indicar resumidamente como as orientaçõeslegislativas de todos os países europeus convergem, alémdas técnicas utilizadas, para um fim determinado: ajudaras empresas a sair do atoleiro mais competitivas que an-tes e do túnel das crises econômicas recorrentes, com novasmargens de gestão flexível de mão-de-obra que eram eli-minadas pelo direito do trabalho anterior.

A flexibilização do direito do trabalho é o conjunto demedidas destinadas a afrouxar, adaptar ou eliminar direi-tos trabalhistas de acordo com a realidade econômica eprodutiva. Ao menos em tese, não necessariamente todotipo de flexibilização demanda uma desregulamentação.Porém, o receituário neoliberal insiste em vincular a fle-xibilização à desregulamentação. Não obstante o aspectofuncional da flexibilização indicado, muitos outros sig-nificados atribuem-se ao assunto.

A flexibilização do direito do trabalho é também en-tendida como um instrumento da adaptação rápida do mer-cado de trabalho. Neste sentido, é concebida como a par-te integrante do processo maior de flexibilização domercado de trabalho, consistente no conjunto de medidasdestinadas a dotar o direito laboral de novos mecanismoscapazes de compatibilizá-los com as mutações decorren-tes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou denatureza diversa exigentes de pronto ajustamento (Nassar,1991:20). De acordo com esta concepção, entretanto, éconveniente ressaltar que, evidentemente, o pressupostofundamental é a existência de um mercado de trabalhorígido, sem o qual torna-se inócuo referir-se ao propala-do “processo maior de flexibilização do mercado de tra-balho”.

A flexibilização do direito do trabalho é definida, ain-da, com inquestionável intuito propagandístico, como oinstrumento de política social caracterizado pela adapta-ção constante das normas jurídicas à realidade econômi-ca, social e institucional, mediante intensa participaçãodos trabalhadores e empresários, para eficaz regulação domercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvol-vimento econômico e o progresso social (Robortella,1994:97).

A flexibilização trabalhista é também concebida comoa possibilidade de a empresa contar com mecanismos ju-rídicos que permitam ajustar sua produção, emprego econdições de trabalho ante as flutuações rápidas e contí-nuas do sistema econômico (demanda efetiva e diversifi-cação da mesma, taxa de câmbio, interesses bancários,

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competência internacional), as inovações tecnológicas eoutros fatores que demandam ajustes com rapidez(Numhauser-Henning, 1993:76).

Tipos de Flexibilização

Apesar da variedade de classificações, entende-se tam-bém que a flexibilidade pode variar de acordo com os fins,objeto e forma (Ermida Uriarte, 1992:35-37).

Quanto aos fins, a flexibilidade pode ser de proteção(adaptável em benefício do trabalhador), de adaptação(adequação das normas legais rígidas a novas circunstân-cias através da negociação coletiva mediante uma valo-ração global do que é mais conveniente ao trabalhador) ede desregulamentação (derrogação de benefícios traba-lhistas).

No que se refere ao objeto, a flexibilidade pode serinterna (modifica aspectos de uma relação preexistenteque subsiste, como é o caso do horário, jornada, condi-ções de trabalho, remuneração, etc.) e externa (relacio-nada ao ingresso e à saída do mercado de trabalho).

Quanto à forma, a flexibilidade pode ser imposta (peloempregador e por ato unilateral do Estado) e negociada.

A desregulamentação (dependente basicamente de ini-ciativas legislativas), portanto, ganha relevância nos sis-temas de relações de trabalho estruturados e avançadosno tocante aos limites do poder do empregador quanto aoingresso e ao término da relação trabalhista (do tipo ex-terna), posto que a negociação coletiva de trabalho tratade forma satisfatória os aspectos relacionados à flexibili-dade interna, de proteção ou de adaptação. Neste sentidoe contexto, a desregulamentação constitui-se no conjun-to de instrumentos destinados à flexibilização na entradae na saída do mercado de trabalho, de caráter interno eexterno à empresa. Significa, igualmente, dependendo dasespecificidades, a erosão do aspecto típico (pode-se di-zer, clássico) do contrato de trabalho.

A flexibilidade na entrada do mercado de trabalhomanifesta-se pelas medidas legislativas que incentivam otrabalho part-time, pelos ingressos diferenciados aotrabalho para os jovens, pela multiplicação de possi-bilidades de emprego precário e temporário, pela redu-ção de tutela do direito do trabalho das categorias so-ciais subprotegidas e pela deliberação das lógicas priva-tistas na oferta e na demanda de trabalho (Romagnoli,1992:18).

A flexibilidade na saída do mercado de trabalho estáassegurada pela legislação sobre a limitação do campo deaplicação e o rigor da tutela contra a despedida indivi-dual e por nova legitimação das reduções de pessoal.

Pode haver também a flexibilidade desregulamentadorado tipo interna em relação ao seu objeto, ou seja, concer-

nente a aspectos atinentes ao desenvolvimento das rela-ções de trabalho cotidianas, circunscrita a temas que nãoenvolvam a entrada ou a saída do mercado de trabalho,mas sim as condições de trabalho, remuneração e demaisdireitos estabelecidos em lei.

Dependendo das autorizações específicas de cada sis-tema de relações de trabalho – caso raro –, o processopode viabilizar-se também por intermédio da negociaçãocoletiva.

É por esta razão que os defensores da tese de desre-gulamentação geral e irrestrita insistem na desconstitui-ção dos direitos trabalhistas legais mínimos (tutelares ouindisponíveis), deixando sua regulamentação para a ne-gociação coletiva descentralizada (a partir das empresas)direta entre as partes.

Como se pode depreender com facilidade destabrevíssima incursão sobre o tema, a flexibilização do di-reito do trabalho enseja problemas jurídicos de enverga-dura – cujo tratamento foge aos objetivos deste artigo –,como a questão da renúncia dos direitos trabalhistas, doalcance da reformatio in pejus na negociação coletiva notocante aos direitos individuais e da relação da lei com osinstrumentos normativos coletivos quando a flexibiliza-ção negociada circunscrever-se aos mínimos fixados nalei (Ermida Uriarte, 1992:34).

O tratamento destes aspectos não foi resolvido defi-nitiva ou uniformemente pelos países industrializadosde maior projeção, fator que realça ainda mais a im-portância da contextualização da situação brasileira nes-te processo de discussão sobre o futuro das relações detrabalho.

CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DODIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

O Direito do Trabalho no Brasil foi consolidado emmeados da década de 40, ratificando as bases corporati-vas lançadas no início da década de 30. Por força destesfatores determinantes do perfil institucional e dos funda-mentos do direito do trabalho brasileiro, os efeitos danegociação coletiva de trabalho não se processaram, pos-to que a mesma inexiste nos seus padrões clássicos (re-sultante da ampla liberdade sindical).

Assim, a característica básica do direito do trabalhobrasileiro é a prevalência da heteronomia, da preponde-rância da regulamentação do direito individual do traba-lho sobre o direito sindical, da intervenção do Estado (queo transforma em protagonista exclusivo das relações detrabalho) sobre a autonomia privada coletiva, da repres-são à ação coletiva sobre a regulamentação democráticada atuação dos sindicatos, do número de leis do trabalhosobre a qualidade das mesmas, do unilateralismo do em-

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pregador sobre a participação dos trabalhadores, da au-sência de mecanismos de controle da entrada e da saídado mercado de trabalho sobre os mecanismos legais econtratuais de limitação e da conflitualidade sobre a inte-gração participativa.

Nem mesmo os anos de efetivo crescimento econômi-co foram suficientes para reverter a lógica corporativistado sistema brasileiro de relações de trabalho e oferecer,minimamente, garantias de limitação ao poder dos em-pregadores no tocante ao ingresso e à saída do mercadode trabalho.

Ao contrário, as elevadas taxas de crescimento econô-mico do final dos anos 60 dinamizaram a criação de em-pregos, mas com baixos salários. Desta forma, a base dasociedade passou a depender do aumento do número detrabalhadores por família para garantir seu precário pa-drão de consumo. O perfil da distribuição de renda pas-sou a ser um dos mais injustos do mundo (Oliveira,1994:216).

Devido às características apontadas, as relações de tra-balho no Brasil sempre transcorreram em um ambienteantidemocrático e repressivo. Por força do corporativis-mo, no que tange ao direito sindical, os sindicatos foramfragilizados e controlados pelo Estado em todos os seusaspectos, as representações dos trabalhadores por localde trabalho – permitidas via negociação coletiva – nãoforam regulamentadas em lei, as negociações coletivas –além de naturalmente restringidas em decorrência da de-bilidade sindical – foram aniquiladas em função da estru-tura do processo de negociação e da solução jurisdicionalobrigatória dos conflitos coletivos de trabalho e o direitode greve foi regulado de forma restritiva.

A legislação sobre o mercado de trabalho nunca exis-tiu, posto que quando os efeitos em grande escala da es-tabilidade no emprego poderiam se consumar, a Lei n.5.105, de 13 de setembro de 1966, instituiu o Fundo de Ga-rantia por Tempo de Serviço (FGTS) e liquidou com o pou-co que havia de restrição ao poder dos empregadores paradesconstituir as relações de trabalho sem justo motivo.

Mais tarde, mesmo sem determinação expressa e comfinalidade diversa, o ingresso ao mercado de trabalho foidefinitivamente flexibilizado por intermédio da Lei n.6.019, de 3 de janeiro de 1974, que regulou o trabalhotemporário.

Deve-se ressaltar, ainda, igualmente em relação àspolíticas flexibilizadoras sobre o acesso e a saída domercado de trabalho, o fato de os baixos salários teremestimulado as empresas a valerem-se da solicitação dashoras extraordinárias para complementar a defasagemde pessoal. Também agrava sobremaneira as circunstân-cias a pouca eficiência das políticas estatais relativas àformação profissional, principalmente quanto à reciclagem.

A ausência de liberdade sindical e de efetiva negocia-ção coletiva, agregada ao fato de o mercado de trabalhoser totalmente desregulado e de o direito individual dotrabalho gozar de espaço privilegiado no ordenamentojurídico brasileiro, realça outra característica: o númeroexcessivo de reclamações trabalhistas. Isto, porém, deve-se basicamente a três fatores:- poucos trabalhadores mostram-se dispostos a acionarjudicialmente o empregador na vigência do contrato detrabalho por receio (mais que justificado) de perder oemprego;

- a ausência de mecanismos efetivos de participação econtrole das relações e do mercado de trabalho por partedos trabalhadores;

- longo tempo de resolução das demandas trabalhistas (leisprocessuais excessivamente burocráticas e com demasia-das instâncias e recursos atrasando a prestação jurisdicio-nal em curto espaço de tempo), estimulando boa parte dosempregadores a descumprirem as leis do trabalho.

As conseqüências deste cenário institucional, entretan-to, não foram amenizadas com a Constituição de 1988 que,a rigor, não alterou nenhum dos elementos estruturais donosso sistema de relações de trabalho.

Não obstante, as idéias flexibilizadoras ganham forçano país. Comprovam tal afirmação a denúncia do governobrasileiro da Convenção 158 da OIT (que trata da termi-nação da relação de trabalho por iniciativa do emprega-dor) e o projeto de lei n. 1.724-E, de iniciativa do PoderExecutivo.

A Denúncia da Convenção 158 da OIT

No âmbito das iniciativas governamentais ou dos ato-res sociais a respeito da temática “flexibilidade e direitodo trabalho”, merece especial destaque o fato de o gover-no brasileiro ter denunciado a Convenção 158 da OIT,que trata da terminação da relação de trabalho por ini-ciativa do empregador. Este instrumento normativo in-ternacional, apesar de não cumprido efetivamente nasua plenitude, estava em vigor no Brasil desde janeirode 1996.

A Convenção 158 da OIT prescreve normas destina-das a limitar o poder discricionário do empregador dedesconstituir sem qualquer motivo a relação de trabalho.Por força de seus dispositivos, tanto a despedida indivi-dual como a coletiva (de vários trabalhadores) precisapreencher determinados requisitos procedimentais (direitode defesa, tentativa de reversão das dispensas coletivas,envolvimento das autoridades locais na tentativa de re-versão total ou parcial das despedidas coletivas) para al-cançar a regularidade jurídica.

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dos ou das atividades da empresa, generalizando o em-prego da forma diferenciada de contratação, inclusive notempo e no espaço.

Está claro que a alternativa apresentada não se destinaa gerar novas oportunidades de trabalho e de treinamentopara um segmento do mercado de trabalho específico, massim generalizar a forma de contratação por prazo deter-minado. Daqui por diante, se aprovado o projeto de lei emtela, a regra será a contratação por prazo determinado.

Outro aspecto do projeto merecedor de destaque refe-re-se às conseqüências práticas da medida preconizada.Apesar de justificar-se socialmente através de uma supostageração de empregos, a única certeza que a alternativa ofe-rece é a diminuição dos custos de demissão. Todos os de-mais fatores são meras declarações e devaneios de sensi-bilidade social sem qualquer concretização na realidade.

Um artigo prescreve a redução por 18 meses das alí-quotas das contribuições sociais incidentes sobre a folhade pagamento, concernentes ao chamado sistema “S” (Sesi,Sesc, Senai, Senac, Senat, Sest, Sebrae), ao Incra, ao Sa-lário-Educação e ao Seguro de Acidente de Trabalho. Opercentual dos depósitos do FGTS também é reduzido a2%, facultando-se aos respectivos instrumentos normati-vos o estabelecimento de previsão em favor do emprega-do de depósitos mensais vinculados junto a estabeleci-mentos bancários, com periodicidade determinada de saque.

O número de empregados contratados nos termos danova lei observará o limite estabelecido em convençãoou acordo coletivo, não podendo ultrapassar 50%, 35% e20% do número de trabalhadores quando a parcela forinferior a 50, entre 50 e 199 e acima de 200 empregados,respectivamente.

As empresas que admitirem pessoal nos termos da leigozarão de um tratamento especial em relação aos recur-sos dos programas executados pelos estabelecimentosfederais de crédito, especialmente junto ao Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social.

Por fim, um artigo altera o artigo 59 da CLT, no intui-to de viabilizar o estabelecimento de módulo quadrimestralde trabalho sem pagamento de horas extras, desde que oexcesso de horas de um dia seja compensado pela corres-pondente diminuição em outro dia, de maneira que nãoexceda, no período de 120 dias, a soma das “jornadas”semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado olimite máximo de dez horas diárias.

CONCLUSÕES

Entende-se que a discussão concernente à desregula-mentação do direito do trabalho no Brasil deve subordi-nar-se ao marco regulatório existente. Neste sentido, osistema brasileiro é extremamente desregulado no que se

A ratificação brasileira da Convenção 158 da OIT sus-citou uma série de discussões acerca da constitucionali-dade da mesma, posto que o artigo 7, I da ConstituiçãoFederal trata da despedida imotivada e exige para sua re-gulamentação a elaboração de uma lei complementar, hie-rarquicamente superior aos tratados internacionais ratifi-cados que equivalem a lei federal.

Entretanto, os aspectos formais não comprometem acompatibilidade da Convenção 158 com a ConstituiçãoFederal, apenas exige uma formalização específica paraa entrada em vigor dos dispositivos concernentes à des-pedida individual. No que tange às despedidas coletivas,nenhum óbice existe quanto à sua vigência nacional ime-diata.

A rigor, as regras da Convenção 158 da OIT não ino-vam em absolutamente nada no tratamento dado pelospaíses de industrialização de maior projeção e de relaçõesde trabalho democráticas à desconstituição da relação detrabalho por parte dos empregadores.

Porém, para a realidade nacional, no entender do go-verno federal e da maioria das entidades dos empregado-res, a Convenção 158 é demasiada. Em razão desta con-vicção, foi apresentada a denúncia da Convenção 158perante a Organização Internacional do Trabalho em Ge-nebra, no dia 20 de novembro de 1996.

Desta forma, apesar das resistências jurídicas sindicais(representação do governo brasileiro junto à OIT eajuizamento de medidas judiciais no STF), a única legis-lação do país restritiva ao poder absoluto do empregadorde desconstituir a relação de emprego – além de nuncater sido aplicada efetivamente – não atingiu nem mesmoa um ano de vigência formal.

A denúncia da Convenção 158 da OIT, muito emborafundamentada nos pilares do discurso flexibilizador (ri-gidez, engessamento), significa uma desregulamentação.

O Projeto de Lei nº 1.724-E de 1996

O projeto de lei n. 1.724/96 sobre o contrato de traba-lho por prazo determinado cuida também da duração nor-mal do trabalho. O projeto admite o contrato por prazodeterminado quando, previsto em convenção ou acordocoletivo, assegure o acréscimo do número de emprega-dos da empresa ou do estabelecimento.

O referido projeto, incorporando integralmente o di-agnóstico daqueles que enxergam na “rigidez” do di-reito do trabalho a grande causa do desemprego noBrasil, cuidou de “flexibilizar” as condições para o em-prego indiscriminado do contrato de trabalho por prazodeterminado.

A essência do projeto está em desvincular o contratopor prazo determinado da natureza dos serviços presta-

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refere aos limites do empregador quanto à constituição eà desconstituição da relação de emprego, figurando-seassim o discurso da desregulamentação, neste aspecto,como fora de lugar.

A flexibilidade interna está parcialmente comprome-tida, porque poucos são os sindicatos brasileiros que con-seguem impulsionar o processo de negociação coletivacompatível com a complexidade do tema.

É justamente por esta razão que os defensores da fle-xibilidade interna no contexto das teses neoliberais, per-cebendo a impossibilidade de realização da mesma sem aparticipação dos trabalhadores, propugnam a descentra-lização das negociações coletivas no nível exclusivo daempresa para responder a essa necessidade (esclareça-se,de antemão, que mesmo neste âmbito de negociação, muitoembora o peso da realidade empresarial seja decisivo, osníveis superiores de negociação desenvolvem um papelfundamental no delineamento das orientações gerais doramo de atividade).

De outra parte, é conveniente lembrar que o desem-prego não tem nas instituições jurídicas sua base de solu-ção. Há necessidade, portanto, de medidas econômicas desuporte à geração de emprego. De nada adianta, por exem-plo, reduzirem-se drasticamente as garantias trabalhistasse o setor produtivo destinatário dos benefícios de flexi-bilização estiver condenado a desaparecer em função daconcorrência externa ou de qualquer outra medida decor-rente da política econômica adotada.

A experiência internacional demonstra que a sim-ples redução de direitos trabalhistas e a ampliação de for-mas flexíveis de contratação em nada contribuem pa-rareduzir o número de desempregados. Um exemplo é o casoespanhol: não obstante possuir o maior número de tiposde contratos flexíveis de trabalho e o menor custo de mão-de-obra da Europa, a Espanha não conseguiu se livrar damaior taxa de desemprego dentre os países da CCEE.

No Brasil, até mesmo os defensores (Pastore, 1996)ardorosos e ferrenhos da redução dos “encargos sociais”como forma de gerar novos empregos atualmente já semanifestam de forma mais cautelosa, admitindo expres-samente que os novos e os bons empregos dependem,dentre vários fatores, sobretudo de pesados investimen-tos nos setores público e privado.

O desemprego, de fato, constitui-se sem qualquer som-bra de dúvida no maior desafio deste fim de milênio. NoBrasil, contudo, tal situação é agravada em função dasnossas condições estruturais de pobreza, de desestrutura-ção do mercado de trabalho e de desigualdade na distri-buição de renda.

Não obstante, nosso mercado de trabalho é caracte-rizado pelo alto grau de instabilidade, pela eliminaçãoconstante de postos de trabalho, pelos elevados níveis

de acidentes de trabalho, pela utilização massiva de ho-ras extraordinárias e pela rotatividade absurda da mão-de-obra, fatores esses que redundam no desmedidonúmero de conflitos trabalhistas e no estrangulamentodos serviços concernentes ao setor administrativo dotrabalho.

Na verdade, os defensores da desregulamentação e daflexibilidade do direito do trabalho no Brasil confun-dem, no primeiro caso, o país averiguado e, no segundo,rigidez da norma trabalhista com excesso de leis. De qual-quer forma, o importante a destacar é que o sistema bra-sileiro está ultrapassado e esgotado, necessitando urgen-temente de iniciativas legislativas capazes de resgatá-loenquanto conjunto de medidas que efetivamente regulemo mundo do trabalho em atenção à democracia e à dinâ-mica da economia, sem todavia descartar o papel do Es-tado enquanto articulador de políticas macroeconômica,industrial e trabalhista, cuja execução e detalhamento cabeconjuntamente aos atores sociais.

Por tais motivos é que o essencial no Brasil é a repac-tuação, a regulamentação do direito do trabalho nos mar-cos democráticos, com a presença das nossas especifici-dades. Desregulamentação do mercado do trabalho é oque já temos. A simples constatação da inexistência dequalquer restrição aos empregadores fora do mercadoformal de trabalho confirmam a desregulamentação in-trínseca do modelo nacional.

Os cinqüenta e tantos anos de desregulamentação,ao contrário do que se apregoa, não resolveram o proble-ma do mercado de trabalho informal, da falta de com-petitividade das empresas ou da excessiva conflituali-dade das relações entre empregados e empregadores. Pelocontrário.

Por outro lado, é inegável que a flexibilidade internaimpulsionada pela negociação coletiva pode transformar-se em relevante instrumento de vitalidade econômica. Isto,porém, somente será viabilizado por intermédio da nego-ciação coletiva de trabalho desenvolvida em todos os ní-veis, partindo-se, evidentemente, das diretrizes básicas es-tabelecidas pelo nível superior (ramo de atividade) emdireção ao particular (empresa).

A inversão da situação adversa passa inexoravelmentepela reforma das leis do trabalho na perspectiva aponta-da, redimensionando definitivamente nosso sistema aosprimados das políticas articuladas e integradas coordena-das pelo Estado, com efetiva, necessária, permanente eindispensável participação dos atores sociais, consagran-do-se dentre tantos institutos e aspectos, principalmente:- a liberdade sindical nos moldes consagrados pela OIT;- a representação dos trabalhadores por local de trabalho;- a tutela da ação sindical em todos os níveis;- o efetivo direito de greve;

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DIREITO DO TRABALHO E FLEXIBILIZAÇÃO NO BRASIL

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- a negociação coletiva de trabalho em todos os níveis;

- o monitoramento das negociações coletivas e o direitode extensão por parte do Poder Executivo dos efeitos dosinstrumentos normativos às realidades que, injustificada-mente, resistirem à negociação;

- o desenvolvimento de políticas e a edição de legislaçãode fomento ao emprego;

- a desburocratização da lei processual do trabalho paradiminuir o tempo da prestação jurisdicional;

- a reforma e atualização das leis de proteção do trabalho(identificação profissional, trabalho da mulher e nacio-nalização do trabalho);

- a reforma das leis individuais e a modificação da técni-ca legislativa, priorizando leis teleológicas com possibi-lidade de regulamentação por intermédio da negociaçãosetorial ou de empresa;

- a edição de legislação compatibilizando-se a admi-nistração do trabalho (Ministério do Trabalho) aos no-vos padrões, especialmente em relação à inspeção dotrabalho.

O problema do sistema brasileiro, repita-se, não é oexcesso de leis, mas sim a qualidade das mesmas. Regu-lamentar com a perspectiva sinteticamente indicada, en-tretanto, não se constitui em tarefa de tranqüilo cumpri-mento. Não se trata de fazer apologia do engessamentodas relações de trabalho, mas sim de introduzir o fatortrabalho enquanto ator social relevante. É evidente queessa impulsão promoveria – ao menos inicialmente – umaumento considerável do nível de polêmica no tratamen-to das questões, porém aos desafios das sociedades de-mocrático-pluralistas é que não podemos nos furtar.

Tal exercício, entretanto, exigirá por certo da socieda-de e do governo ampla capacidade de negociação e tole-rância. Isto porque é muito mais fácil destruir do que cons-

truir, ainda mais sobre propostas decorrentes do debatedemocrático. As dificuldades são imensas, os inimigos daproposta estruturante são inúmeros e poderosos; porém,diante das especificidades nacionais, não há outra alter-nativa.

Portanto, contextualizar o debate da desregulamenta-ção e da flexibilização do direito do trabalho no Brasil,assim como reavaliar o sistema de relações de trabalho, éimperioso. O resultado deste processo em muito vai di-mensionar o estágio da nossa democracia, bem como aforma e a posição de inserção do Brasil no decantadomercado globalizado.

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GESTÃO DO TRABALHO, QUALIDADETOTAL E COMPROMETIMENTO NOCENÁRIO DA REESTRUTURAÇÃO

ambiente da reestruturação nos anos 90 tem-secaracterizado por uma intensificação das condi-ções de concorrência com importantes impactos

sobre o trabalho industrial, tanto no âmbito do mercadode trabalho quanto do perfil do trabalhador e das relaçõesde trabalho. Em conseqüência, as formas de gestão do tra-balho têm apresentado algumas mudanças importantes emtermos de estratégias e procedimentos. Uma das corren-tes emergentes prega a necessidade de envolver, incenti-var e motivar a participação dos trabalhadores, compro-metendo-os com os objetivos organizacionais e com seupróprio trabalho. É justamente aí que a abordagem daadministração de recursos humanos para a qualidade sedesenvolve, propondo bases distintas das praticadas atéentão, na busca da constituição de uma força de trabalhoflexível e cooperativa.

Pretendemos trazer à discussão os seguintes temas: ascaracterísticas das novas tendências de gestão do traba-lho praticadas no cenário da reestruturação; o debate acer-ca das principais políticas e práticas de gestão do traba-lho voltadas ao comprometimento com a Gestão daQualidade Total – GQT; algumas tendências observadasnas políticas e práticas de comprometimento aplicadas empaíses desenvolvidos (EUA e Inglaterra); a estratégia eas práticas de comprometimento na indústria brasileira,sobretudo do Rio Grande do Sul, a partir de uma amostracomposta por 120 empresas.

NOVAS TENDÊNCIAS DEGESTÃO DO TRABALHO?

Estamos vivendo um momento bastante paradoxal ecomplexo no mundo do trabalho. Em busca de competiti-

vidade e lucratividade, as estratégias de gestão do traba-lho estão sendo revistas. Essa revisão tem provocado si-tuações ambíguas. Por um lado, percebe-se uma certamelhoria nas condições de trabalho, nas relações internase na qualidade do trabalho exigido. Por outro, os núme-ros mostram uma forte queda na oferta de empregos e aspesquisas, em geral, têm apontado para uma intensifica-ção e precarização do trabalho. Esse movimento parado-xal, que caracteriza as relações nos anos 90, pode ser sin-tetizado no binômio seletividade e exclusão.

Uma das principais configurações desse movimento éa terceirização. As empresas praticantes dessa alternativaobtêm redução de custos e aumento de competitividade,além de multiplicarem o número de subempregados, detrabalhadores temporários, de prestadores de serviços queatuam em seus próprios domicílios ou mesmo de desem-pregados. Essas “novas” formas de trabalho nos levam aquestionar boa parte do que tem sido estudado e divulga-do em termos de gestão inovadora do trabalho.

Entretanto, o eixo do presente trabalho não está cen-trado nos impactos das mudanças sobre o trabalho, massim nas estratégias e práticas das empresas que têm de-sencadeado esse movimento. Nesse sentido, estamos exa-minando novos conceitos e práticas que estão sendo bas-tante difundidos na literatura sob o termo Administraçãode Recursos Humanos – ARH. Mais especificamente, tra-tamos da questão do comprometimento dos trabalhado-res nesse novo contexto do trabalho e de gestão. Essedebate nos remete à literatura anglo-saxônica, iniciada nosanos 80, quando então aparece a denominação modelo decomprometimento (commitment model).1

Essa proposta de gestão surge como resposta à amea-ça japonesa em razão do aumento da competitividade e

O

ROBERTO RUAS

Economista, Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRGS

ELAINE ANTUNES

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRGS

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da globalização dos mercados e também devido à “crisee recessão dos Estados Unidos e Grã-Bretanha” (Roesch,1996:43). A tendência da gestão voltada ao comprometi-mento vem ao encontro das novas demandas dos proces-sos e relações de trabalho, visando criar laços de lealda-de, cooperação, integração e aprendizagem entre osempregados e a empresa. Pretende também tornar a em-presa e sua força de trabalho mais flexíveis para encararos novos desafios.

De modo geral, a gestão dirigida à obtenção do com-prometimento dos trabalhadores caracteriza-se pela utili-zação de políticas de RH atreladas ao planejamento glo-bal da organização e relacionadas a uma visão deinovações, de melhorias e a uma linguagem comum entretodos. Vários conceitos recentes e bem peculiares vêmsendo construídos e somados nesse sentido, contribuindopara formatar essa nova tendência de gestão. O que pare-ce estar por trás desses conceitos é, fundamentalmente, anecessidade de melhorar cada vez mais o desempenhopessoal e organizacional, talvez ameaçando até o próprioposto de trabalho daquele que, em alguma medida, con-tribui para a inovação na organização em que trabalha. Épertinente, portanto, resgatar alguns desses conceitos:- employeeship: significa o empenho pessoal realizadopara a sobrevivência e desenvolvimento da empresa, so-bretudo “orientado para as metas nas três áreas de suces-so da empresa”, ou seja, nas relações, na produtividade ena qualidade. Esse conceito resgata elementos que retra-tam o “bom funcionário”, comparando-o com o “bomamigo” e com o “bom cidadão”, uma vez que em todosesses papéis sociais, demonstrações do tipo responsabili-dade, lealdade e iniciativa são importantes (Moller,1996:22). Do comportamento individual com essas qua-lidades origina-se a cultura de employeeship, envolven-do a todos sem precedentes, inclusive conciliando inte-resses interdepartamentais.

- empowerment (“empoderamento” das pessoas): parte daconcepção de que as pessoas são dotadas de poder. O poderpessoal reside especialmente nos conhecimentos e na au-tomotivação. Segundo essa formulação, é necessário “per-mitir que o poder aflore” (Blanchard, Carlos e Randolph,1996:29). Isto é provocado inicialmente pela alta hierar-quia, que assume um novo papel no sentido de orientar,facilitar e servir (ao invés de ser servida) ao pessoal ope-rativo.

- employee involvement: as políticas de envolvimento dosempregados caracterizam-se por traços como:

- estão mais dirigidas ao indivíduo, para incrementar seusesforços e para assegurar maior comprometimento e iden-tificação com a organização do que orientadas à repre-sentação coletiva;

- têm sido patrocinadas pela gerência, sem grande pres-são e/ou iniciativa dos trabalhadores e de seus sindicatos;

- oferecem um maior volume de informações através dagerência, o que requer maior disposição para comunicare em alguns casos proporciona certa influência aos traba-lhadores;

- contrastam com a noção de democracia industrial emface de não pretender afetar a estrutura de poder e de to-mada de decisões organizacionais;

- permitem maior reconhecimento da contribuição dostrabalhadores para com a empresa (Marchington et alii,1992).

A operacionalização desses conceitos e de outros si-milares, como energização e sensibilização, pressupõeuma mudança da função de pessoal, na qual o antigomodelo burocrático conhecido como Administração dePessoal é suprimido, dando lugar à abordagem de Admi-nistração de Recursos Humanos – ARH. Nessa última, sãofeitos investimentos voltados ao desenvolvimento huma-no, tais como programas de treinamento e sistemas debenefícios.

Estaria, então, o ambiente empresarial que desenvol-ve ações da Gestão da Qualidade Total – GQT implan-tando, de fato, o modelo de ARH? O que se percebe emtermos de processos produtivos é que a lógica da espe-cialização intensiva do trabalho, típica da chamada pro-dução em massa (estilo fordista) vem também sendo rom-pida, desenvolvendo novas relações sociais do trabalho apartir de atividades em pequenos grupos.

Atitudes participativas dos trabalhadores no controleda qualidade por toda a empresa, responsabilidade pelaqualidade das operações e postura de cliente interno frenteaos processos realizados pelo seu antecessor nas relaçõesprodutivas ou de serviços internos na empresa passam aser bem-vindas. Isto significa que se exige do trabalha-dor mais conhecimento, mais capacitação e, especialmen-te, disponibilidade e iniciativa para agir. Alteram-se oscritérios de performance, seleção e avaliação do traba-lhador, incluindo requisitos como responsabilidade sobrequalidade e produtividade, multifuncionalidade e poli-valência.

Em contrapartida, a empresa deve desenvolver umapolítica de gestão da mão-de-obra capaz de envolver ecomprometer o trabalhador e induzi-lo a assumir esse novopapel. É aí que ocorre a necessidade de integração entrepolíticas e práticas de ARH com os princípios da GQT.Surge, então, uma série de propostas com o intuito dereduzir os níveis de conflitos entre capital e trabalho ecomprometer os trabalhadores com os propósitos emetas das empresas, instituindo uma visão (neo)unitáriade gestão.

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Entretanto, a consolidação da estratégia de envolvimen-to e comprometimento dos trabalhadores não é uma tare-fa fácil. Ao considerar as propostas da GQT sob a ten-dência de gestão do comprometimento é preciso distinguir,por exemplo, as condições socioculturais nas quais essaestratégia se desenvolve.

Kanungo e Mendonça (1994) afirmam que os paísesem desenvolvimento copiam de países desenvolvidos cer-tas estratégias e técnicas motivacionais, que podem agircomo barreiras para a efetividade organizacional. O quese percebe hoje é que as empresas brasileiras mais inova-doras têm tentado transferir parte do modelo de Gestãode Recursos Humanos baseado no comprometimento,muitas vezes sem considerar as desigualdades em termosde necessidades e expectativas dos trabalhadores e docontexto que os cerca. Refletindo acerca das estratégias epráticas de comprometimento mencionadas pelos gurusda qualidade total e por estudiosos de RH, passamos asistematizar algumas delas.

ESTRATÉGIAS DE COMPROMETIMENTO NOÂMBITO DA QUALIDADE TOTAL

No que se refere aos princípios de gestão que contri-buem para sustentar a estratégia de envolvimento e com-prometimento dos empregados na gestão da qualidade, háuma certa unanimidade entre eles. Estabilidade, retribui-ção (remuneração direta e indireta), desenvolvimentopessoal e profissional, reconhecimento dos esforços e dodesempenho dos empregados na empresa, comunicaçãoem todos os níveis e nos dois sentidos (top down e bottomup), e acompanhamento do ambiente/clima de trabalhosegundo a expressão dos trabalhadores constituem as di-retrizes da ARH para a qualidade total.

É evidente que são muitos os sistemas e práticas asso-ciados à implantação de uma estratégia de ARH, o quetorna essa seleção uma tarefa complexa. Por essa razão,optamos por tratar de identificar as principais, quais se-jam: programas de benefícios extra-salariais, planos deformação e treinamento, sistemas de reconhecimento eincentivo, procedimentos regulares de comunicação in-terna e sistemas e práticas de acompanhamento do am-biente interno (ou de satisfação dos empregados).

Os programas de benefícios extra-salariais oferecemformas complementares de remuneração extra-salário,como vale-refeição, vale-transporte, assistência médica eodontológica, auxílio-educação, etc. Embora algumas ve-zes possam confundir-se com práticas paternalistas, essasiniciativas constituem, em geral, um fator de envolvi-mento dos empregados e, em certos casos, dos mem-bros da família na medida em que também são benefi-ciários.

Em países como o Brasil, que possuem uma estruturade benefícios sociais deficiente (saúde, educação, trans-porte, etc.), existe um espaço muito grande para esse tipode iniciativa, em geral muito bem recebida pelos traba-lhadores enquanto um fator incentivador. Em pesquisaanterior, caracterizamos essa relação como um processodo tipo “recuperação social” (Ruas, Antunes e Roese:1993).2

Os planos de formação e treinamento são um dos maisefetivos fatores de comprometimento dos trabalhadores,especialmente quando contemplam não apenas o treina-mento para o trabalho, mas também o desenvolvimentopessoal e funcional. Esse aspecto tem unanimidade entretodas as correntes estratégicas da qualidade (Deming,1990; Juran, 1990 e Crosby, 1979) ao ser consideradocomo uma iniciativa indispensável ao envolvimento dostrabalhadores.

Simmons, Shadur e Preston (1995) mostram a impor-tância do desenvolvimento dos recursos humanos parasuprir certas habilidades de trabalhadores e gerentes, vi-sando a implantação da GQT. Os defensores da GQT afir-mam que sua introdução aumentaria o papel e a responsa-bilidade dos trabalhadores de chão-de-fábrica, tornando-ossolucionadores de problemas e tomadores de decisões.Desta forma, o investimento em treinamento permite acapacitação e a participação dos trabalhadores nos pro-cessos de melhorias, no trabalho em equipe e na integra-ção funcional.

Também no que se refere às novas demandas dos su-pervisores e da gerência intermediária, verifica-se umpapel emergente, o de facilitador e treinador (Shadur eBamber, 1994), que os leva a participar de programas dedesenvolvimento gerencial.

Os sistemas de reconhecimento e incentivo colocam-se no contexto daquele “algo mais” que transcende os li-mites dos benefícios diretos e indiretos. Trata-se do reco-nhecimento pelo desempenho acima da média ou pelocomprometimento com os projetos da empresa, sob a for-ma de gratificação material ou moral. No âmbito dos pro-gramas da qualidade, aparecem como uma iniciativa tam-bém relacionada à valorização social, especialmente paracolegas de trabalho e familiares. Essa valorização social,quando explorada pelos canais de comunicação internos,transforma-se num importante fator de motivação e com-prometimento. Tais sistemas servem para reter e motivarempregados qualificados, especialmente em mercadoscompetitivos.

Há controvérsia na literatura relativa ao pagamento porresultados. Alguns teóricos, sobretudo os da GQT, afir-mam que esse incentivo pode não determinar o compro-metimento do empregado para com a qualidade. Juran(1990) defende a importância de demonstrar reconheci-mento junto aos empregados. Crosby (1979) considera

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necessário reconhecer quem participa. Deming (1986)opõe-se ao incentivo financeiro, afirmando que o reco-nhecimento simbólico é mais importante que a recompen-sa. Outros têm questionado a posição de Deming, suge-rindo que o pagamento e a avaliação de desempenhopodem ser parte imprescindível da implantação da GQT(Bowen e Lawler, 1992:47) para construir a cultura daqualidade. Desenvolvimento tanto quanto incentivos ba-seados no desempenho grupal encorajam o trabalho daequipe. E pagamento baseado na qualificação estimula oindivíduo a alargar suas habilidades. Essas formas apre-sentam-se consistentes com a GQT e podem substituir in-centivos mais tradicionais (Bowen e Lawler, 1992).

A comunicação interna, que é “um processo que im-plica troca de informação e compreensão do contexto”(Bittencourt, 1996:37), na medida em que transcende amera circulação de informações no sentido top down, apro-xima-se mais da “compreensão recíproca dos aconteci-mentos organizacionais” (Zarifian apud Fleury, 1994:255).

Com isso, transforma-se em instrumento de envolvi-mento dos empregados, através da melhoria do clima in-terno. O sentido da comunicação feita por Deming (1990)enfatiza o papel da gerência como estimuladora da parti-cipação dos trabalhadores através da livre expressão deidéias, sugestões e críticas e, portanto, da eliminação domedo de errar, de questionar, etc. Já Juran (1990) defen-de num dos seus princípios a relevância de comunicar atodos os avanços obtidos. Crosby (1979) ressalta a co-municação bottom up a fim de localizar obstáculos e difi-culdades. Em suma, além do conteúdo da mensagem, aanálise da eficácia de um sistema de comunicação comoinstrumento de envolvimento dos empregados está tam-bém associada às vias de informação utilizadas. Por isso,os instrumentos de comunicação no sentido bottom up te-rão também um papel importante nesse processo.

Os sistemas e práticas de acompanhamento do ambienteinterno (ou de satisfação dos empregados) são fundamen-tais para identificar periodicamente o estado de motiva-ção dos empregados, identificar necessidades não satis-feitas no que concerne às relações dos trabalhadores coma empresa, identificar os vetores de gestão que podemampliar ou diminuir o envolvimento dos trabalhadoresatravés das análise de suas expectativas, etc. Esses siste-mas podem sustentar-se em pesquisas de climas ou noemprego sistemático de indicadores internos, tais comorotatividade, absenteísmo, licença-saúde, demissões vo-luntárias, etc.

A seguir, são tratadas as aplicações das políticas deenvolvimento que constroem a tendência de ARH combase no comprometimento organizacional, conformeresultados de pesquisas efetuadas em países desenvol-vidos.

A GESTÃO DO COMPROMETIMENTONO PRIMEIRO MUNDO

A literatura sobre administração de RH, originada nospaíses anglo-saxões, de maneira geral defende a idéia daglobalização da economia, tratando também das crescen-tes exigências dos clientes e, por conseqüência, da neces-sidade de flexibilizar as organizações em termos tecno-lógicos e humano, o que requer o comprometimento dosempregados (Guest apud Snape et alii, 1995:42-51). Pes-quisas empíricas comprovam esta diretriz na gestão dotrabalho.

Para o caso dos EUA, Mohrman, Tenkasi, Lawler III eLedford Jr. (1995:26-41) apresentam o resultado de umsurvey em 1.000 companhias americanas (500 empresasde serviços e 500 indústrias) sobre o uso e o impacto daspolíticas de envolvimento e comprometimento dos traba-lhadores orientadas para iniciativas de melhorias organi-zacionais. As políticas investigadas envolvem transferên-cia de poder, informação, conhecimento e habilidades,desempenho orientado por recompensas para toda a or-ganização a fim de aumentar o envolvimento dos empre-gados com o sucesso da organização, assim como criarcondições em que os trabalhadores são vistos como par-ceiros empowered. Por fim, os pesquisadores afirmam quea adoção do GQT parece ser uma proposição de ganha-ganha para todos. Trabalhadores estariam se benefician-do em conseqüência de seu maior envolvimento e em fun-ção da implantação de processos de trabalho que dão maiscontrole sobre o desempenho. Infelizmente, os autores nãose referem aos impactos mais gerais dessas mudançassobre as relações de trabalho, nem tampouco tratam daopinião dos trabalhadores sobre essas questões.

Na Inglaterra, resultados de pesquisa empírica de Woode Albanese (1995) mostram que as práticas vinculadas àestratégia de comprometimento, no âmbito da adminis-tração estratégica de RH, cresceram entre 1986 e 1990, oque também foi verificado na pesquisa de Storey (1992).Tais práticas têm sido centradas na seleção para treina-mento e comprometimento, trabalho em equipe, gruposde solução de problemas, autocontrole da qualidade pro-duzida e descrição flexível dos cargos.

Através de estudo exploratório sobre o uso do modelode comprometimento destinado aos trabalhadores da pro-dução, Wood e Albanese (1995) investigaram uma amostrade 135 fábricas na Grã-Bretanha. Eles mostram que aAdministração de Recursos Humanos – ARH tem sidodiscutida sob diferentes perspectivas relativas à estraté-gia de comprometimento e buscam validar estatisticamenteessas perspectivas através de análise de regressão múlti-pla. Das contribuições mais importantes, cabe destacar aidéia do “imperativo de maximização do comprometimen-

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to da força de trabalho” nas empresas britânicas, que secaracteriza por quatro dimensões, conforme proposta deSisson (apud Wood et alii, 1995), no caso:- a abordagem estratégica de recursos humanos e as po-líticas e práticas de pessoal são integradas com toda aestratégia de negócio da organização;

- ênfase no comprometimento e no exercício da iniciativa;

- gerentes de linha, e não gerentes de pessoal (especia-listas), estão sendo responsáveis por problemas de recur-sos humanos;

- abordagem individualista, possivelmente não sindical,para as relações industriais.

Essa estratégia de comprometimento na chamadaAdministração de Recursos Humanos – ARH passa a serprivilegiada tendo em vista que as formas de controle esubmissão típicas do padrão taylorista-fordista seriam ina-propriadas em face dos requerimentos atuais de flexibili-dade e qualidade dos serviços e produtos (Walton,1985).Entretanto, seria essa uma estratégia adaptável à manufa-tura tradicional ou seria especialmente aplicável aos no-vos processos industriais? Walton defende que o padrãode controle fordista/produção em massa pode permane-cer apropriado para o ramo mais tradicional de manufa-tura, mas que “os benefícios econômicos e humanos docomprometimento do trabalhador se estenderiam não so-mente à indústria de processo contínuo mas à manufaturatradicional” (Walton, 1985).

Enquanto Walton atribui um valor considerável aosfatores internos (por exemplo, estrutura hierárquica, sis-temas de trabalho e de recompensa) da organização parao uso da gestão do comprometimento, outros teóricos daARH, como Beer (et alii,1984), valorizam também fato-res de ordem situacional, a saber: interesse dos acionis-tas, filosofia gerencial, mercado de trabalho e estruturado sindicato. O mesmo debate é também enfocado porSnape, Wilkinson, Marchington e Redman (1995:42-51).Nesse sentido, o aspecto contingencial da ARH é vistocomo uma estratégia apropriada tendo em vista a varia-ção de alguns fatores gerados pela interação da empresacom o ambiente, como por exemplo a demanda do mer-cado de consumidores, as relações do mercado de traba-lho, o estágio do ciclo de vida do produto nesse mercado,as relações sindicais, as flutuações nos segmentos demercado, a estrutura dos custos, a estrutura da organiza-ção, etc.

Wood e Peccei (1995:52) investigaram uma fábrica dealimentos de médio porte, no norte da Inglaterra, a qualtinha implantado a GQT no início dos anos 90. A empre-sa possuía os seguintes programas: introdução de novosmétodos de comunicação (comunicação cascata, briefings),cursos de treinamento novos, avaliação individual e es-

quema de sugestões. Os pesquisadores ouviram as opi-niões de 75% dos trabalhadores da empresa (trabalhado-res, gerentes e supervisores). A conclusão do estudo é quenem todos os elementos do programa na fábrica de ali-mentos tinham o mesmo impacto nas atitudes dos empre-gados. Briefings de comunicação e esquemas de avalia-ção foram considerados mais importantes do que outroselementos no reforço para a conscientização da qualida-de (Wood e Peccei, 1995:61). Esquemas de sugestões tam-bém tiveram impacto destacável, ainda que em segundoplano.

Enfim, a análise de pesquisas desenvolvidas na Ingla-terra indica que a estratégia de comprometimento não éacompanhada por um sistema particular de pagamento(pagamento por mérito/desempenho individual ou distri-buição dos lucros), concluindo, inclusive, que não há rela-ção entre o tamanho da organização (medida pelo númerode empregados) e as diferentes formas de implementaçãoda estratégia de ARH (Wood e Albanese, 1995). Também,ao testar os elementos que compõem as teorias de admi-nistração de recursos humanos, verificou-se que os fa-tores internos constituem os principais fundamentos donível de comprometimento obtido, o que reforça o uni-versalismo de Walton mais que o argumento contingen-cial dos teóricos da competição (que tratam dos fatoresexternos como mudanças no mercado dos produtos e ino-vações tecnológicas).

As observações acerca das experiências americana einglesa nos remetem a uma questão importante: quais ascondições de adaptação dessa estratégia em países do ter-ceiro mundo, onde as condições socioeconômicas dos tra-balhadores são mais precárias? Será que também nes-ses países os fatores internos pesam mais que os externos?

O COMPROMETIMENTO NAREALIDADE BRASILEIRA:A INDÚSTRIA DO RIO GRANDE DO SUL

Aspectos Estruturais do Empregona Indústria Brasileira

Em pesquisa realizada em 16 estados do Brasil, com1.356 empresas representantes de todos os setores indus-triais (BNDES, CNI e Sebrae, 1996), sobre temas refe-rentes a qualidade e produtividade, certos dados relevan-tes acerca da gestão do trabalho e dos trabalhadores naindústria brasileira podem ser daí extraídos.

Os indicadores de RH apresentados nessa pesquisamostram que alguns segmentos reduziram significativa-mente seus quadros, justamente os principais segmentosem termos de mudanças organizacionais (papel-papelão,borracha, material de transporte, química e minerais não-

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GESTÃO DO TRABALHO, QUALIDADE TOTAL E COMPROMETIMENTO...

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metálicos). Os segmentos de alimentos e bebidas, maté-ria plástica e mecânica apresentaram, ao contrário, umcrescimento na demanda de trabalhadores.

O índice de rotatividade (média 23% ao ano) foi maisbaixo nas grandes empresas (16%) do que nas médias epequenas. Também foi mais elevado dentre as empresasde setores tradicionais (cerca de 30%) se comparado como dos segmentos mais dinâmicos (20%). A prática da ro-tatividade é, em alguns casos, elemento importante daspolíticas de concorrência de empresas que atuam em seg-mentos de produtos de baixo preço, na medida em que asempresas pressionam seus custos variáveis para baixoatravés de uma prática periódica de rotatividade de pes-soal a fim de reduzir os salários.

A pesquisa mostra que existe uma grande heterogenei-dade no grau de escolaridade dos trabalhadores. Os seto-res mais avançados como química, material elétrico e decomunicações e borracha apresentam uma força de tra-balho com maior escolaridade se comparados com os se-tores tradicionais (madeira, mobiliário e vestuário, cal-çados e artefatos de tecido), que contam com poucosempregados com nível superior de escolaridade. A maio-ria dos empregados das empresas da amostra (79%) seencontra num estrato de escolaridade que compreende oquarto ano do 1o grau ao 2o grau completo.

O treinamento nas pequenas e microempresas é basi-camente on the job: 78% do total da amostra pesquisadao pratica. Já as médias e grandes empresas, além de dedi-carem mais horas ao treinamento que as pequenas, tam-bém utilizam recursos de instituições especializadas eapoio de consultores. Um quarto da amostra realiza trei-namento fora da empresa. Contudo, poucas empresas ava-liam os conhecimentos e habilidades necessários para odesempenho das tarefas quando treinam seus emprega-dos. Segundo os responsáveis pela pesquisa, nos setorestradicionais há menor incidência de treinamento e o nívelde escolaridade é inferior. Isto cria um círculo vicioso quedificulta a elevação do nível de competitividade e man-tém essas empresas, geralmente, num ambiente de con-corrência por preço.

No que se refere aos benefícios e incentivos, os maiscomuns são: vale-transporte (85% das empresas pesqui-sadas), auxílio-refeição (61%) e planos de saúde (54%).3

Já previdência privada e participação nos lucros são me-nos usuais, sendo oferecidos principalmente pelas empre-sas de grande porte e dos setores mais avançados. Tam-bém é restrita a difusão de incentivos para a participaçãoem sugestões, isto é, para solução de problemas. O setorque mais se destaca nesse aspecto é o de material de trans-porte, justamente onde se encontram as montadoras daindústria automobilística e uma grande parte de seus for-necedores, sabidamente um dos segmentos em que as

novas formas de gestão têm sido mais difundidas, e comelas os princípios do comprometimento.

Por outro lado, são as grandes empresas que mais utili-zam estas práticas. Surpreendentemente, somente 5% dasempresas não oferecem qualquer tipo de benefício aos tra-balhadores. As grandes empresas destacam-se também porconcederem seguro de vida e creche para os filhos dos em-pregados. Os setores tradicionais apresentam os maioresíndices de oferta de premiação por produtividade, o que,na interpretação dos pesquisadores, talvez tenha sido con-fundido pelos entrevistados com o pagamento por peça.

Os Trabalhadores na Indústria doRio Grande do Sul

Com base nas políticas e práticas relacionadas ante-riormente, analisamos, a seguir, as iniciativas referentesàs estratégias de comprometimento, a partir do estudo deuma amostra de empresas industriais do Rio Grande doSul.4 Nosso pressuposto é que a maior difusão das políti-cas e práticas já apresentadas vão implicar, em princípio,maior predisposição para estratégias de comprometimento.

Programas de Benefícios Extra-Salariais – O ofereci-mento de benefícios sociais e individuais pode auxiliarna obtenção do envolvimento dos empregados, repercu-tindo no aumento do esforço e desempenho de cada um edo coletivo para a conquista de resultados mais competi-tivos. A Tabela 1 demonstra o uso dos benefícios nas em-presas pesquisadas – os principais são assistência médi-

TABELA 1

Serviços e Benefícios Oferecidos aos Empregados nas IndústriasRio Grande do Sul – 1994

Benefícios Quantidade FreqüênciaCitada (%)

Total 120 -Assistência Médico-Odontológica 107 89Vale-Transporte 105 88Refeições Subsidiadas 98 82Prevenção de Doenças Profissionais 63 53Atividades Recreativas ou Culturais 56 47Programas de Conscientização Anti-Fumo,Aids, Recuperação de Drogas e Alcoolismo 52 43Educação Não Relacionada com o Trabalho 47 39Transporte Especial 45 38Creche 43 36Horário Flexível 29 24Licença Especial 19 16Segurança Fora do Trabalho 13 11Outros 60 50

Fonte: Ruas et alii, 1995.

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TABELA 3

Planos de Treinamento nas Indústrias, por Tempo do Uso de Ações Sistemáticas de QualidadeRio Grande do Sul – 1994

Em porcentagem

Tempo do Uso de Ações SistemáticasPlanos deTreinamento

Não Emprega Menos de 1 Ano Entre 1 e 3 Anos Entre 3 e 5 Anos Mais de 5 Anos Total

Total 25,0 21,7 26,7 10,8 15,8 100,0

Não-Resposta 0,0 0,0 0,8 0,0 0,0 0,8

Sim 5,0 5,8 12,5 5,8 12,5 41,7

Não 15,8 5,8 6,7 1,7 0,8 30,8

Em Implantação 4,2 10,0 6,7 3,3 2,5 26,7

Não é Relevante 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Fonte: Ruas et alii, 1995.

co-odontológica, vale-transporte e refeições subsidiadas(com intervalo de confiança de 95% em cada modalida-de). Esses benefícios estão relacionados às necessidadesprimárias dos trabalhadores e são exigências legais, po-dendo ser deduzidos dos impostos. Embora possam serempregados como recurso de envolvimento dos trabalha-dores, nas relações históricas entre capital e trabalho noBrasil, estão mais próximas de políticas paternalistas doque das estratégias de comprometimento.

Planos de Formação e Treinamento – Considerando queo desenvolvimento de recursos humanos é uma condiçãosine qua non para realizar as mudanças nas formas degestão em direção à GQT, uma série de atributos relati-vos à administração de RH podem confirmar ou refutaressa premissa. No caso, a institucionalização de planosde treinamento poderia ser parte ou até mesmo decorrên-cia do processo de modernização empresarial para a qua-lidade. Nos resultados da pesquisa, com exceção de umadas 120 empresas investigadas, foi possível verificar quea maioria (69%) já possui ou está implantando planos detreinamento (Tabela 2), o que representa uma perspecti-va bastante favorável para o mercado de trabalho inseri-do nesse contexto, sobretudo se considerarmos que a con-dição de ser empregável hoje depende significativamenteda capacitação profissional.

O segmento das empresas que possuem plano de trei-namento é menor do que o número de discursos e frasesde efeito sobre necessidades de educação e de qualifica-ção nos novos horizontes de competitividade. Entretan-to, na relação com portes, a variável uso de planos de trei-namento assume uma situação mais consistente, na medidaem que se constata que a maior parte das empresas quenão apresentam esse tipo de planos são de pequeno porte(50% da amostra). As empresas de médio porte encontram-se num estágio intermediário (50% possuem planos e 40%

os estão implantando), enquanto que a maioria das gran-des empresas já adota esse tipo de iniciativa (Tabela 2).

Correlação semelhante pode ser feita no que se refereao cruzamento entre planos de treinamento e tempo deimplantação de ações sistemáticas de qualidade, pois ve-rifica-se que aquelas empresas que estão há mais tempopercorrendo o caminho da qualidade são as que predomi-nantemente possuem planos de treinamento. O amadure-cimento dos programas de qualidade passa pela necessi-dade de treinar e desenvolver recursos humanos, como sepode verificar na Tabela 3.

A análise multivariada mostra que as grandes empre-sas são as que mais planejaram a administração de RH etambém investiram o maior número de horas em treina-mento.

Sistemas de Reconhecimento e Incentivo – A baseconceitual aqui adotada entende que as formas dereconhecimentos não se restringem somente ao incentivosalarial, mas englobam também aspectos subjetivos comofeedback do trabalho produzido/recompensas simbólicas,menor distância social entre as pessoas, etc. Entre asempresas pesquisadas, as formas de reconhecimento

TABELA 2

Planos de Treinamento nas Indústrias, segundo PorteRio Grande do Sul – 1994

Sim Em Implantação NãoPorte

Nº Abs. % Nº Abs. % Nº Abs. %

Total 50 42 32 27 37 31Grande 19 63 7 23 4 13Média 15 50 12 40 2 7Pequena 16 27 13 22 31 52

Fonte: Ruas et alii, 1995.

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Empresas de Empresas de Empresas deGrande Porte Médio Porte Pequeno Porte

Têm Planos de Em Fase de Implantação Não têm PlanosdeTreinamento dos Planos de Treinamento de Treinamento

Maior Ênfase nas Ações Menor Ênfase nas AçõesVoltadas à Qualidade Voltadas à Qualidade

FIGURA 1

Correlações entre Planos de Treinamento, Porte e Ações para a Qualidade

TABELA 4

Formas de Reconhecimento Utilizadas pelas Indústrias(Tabulação Simples Combinada)

Rio Grande do Sul – 1994

Formas deReconhecimento Não-Resposta Individual Coletiva Total

Dinheiro 93 17 11 121

Distribuição de Ações 119 1 0 120

Bônus 103 5 12 120

Viagens 106 5 9 120

Brindes 99 5 16 120

Confraternização 79 1 40 120

Certificados 104 9 7 120

Fonte: Ruas et alii, 1995.

financeiro são muito pouco utilizadas; somente 14% dasempresas da amostra gratificam com dinheiro seusempregados (individualmente). O que mais se destaca sãorecompensas de caráter simbólico do tipo confraternizaçãocoletiva (33%). Em plano secundário, são oferecidosbrindes e bônus.

Conforme a análise por porte, as pequenas empresastêm optado pela recompensa em dinheiro (18% oferecemrecompensa individual e 8% coletiva) e confraternização(28%). As médias empresas destacam-se em termos deconfraternização (37%) e certificados (20% individual e7% coletiva). E as grandes empresas preferem confrater-nização (43%) e viagens (10% individual e 27% coleti-va). De fato, o reconhecimento das contribuições dos em-pregados parece algo muito pouco considerado peloempresariado gaúcho (Tabela 4).

Nesse ponto cabe destacar o seguinte paradoxo: en-quanto os princípios das novas formas de gestão pregama importância das atividades em grupo, tanto operacio-nais quanto em termos de sugestões de melhorias, a maior

parte das empresas que empregam esse tipo de práticaadota um sistema de incentivos de caráter individual.

Comunicação Interna – Conforme se observa na Tabe-la 5, os canais de comunicação mais usados pelas empre-sas gaúchas denotam ainda a preferência por mecanismosformais de comunicação, típicos da administração de pes-soal (modelo burocrático de controle) e distantes da pro-posta “comunicacional” da gestão da qualidade total e datendência de ARH (abordagem do comprometimento).Percebe-se que a maior influência dos canais de comuni-cação privilegia a circulação de informações dadas pelagerência para a base (comunicação vertical) ao invés dacomunicação de dupla via.

De fato, os canais de comunicação diferem segundo otempo de implantação das ações da qualidade, o porte e oramo de atividades das empresas. Nesse sentido, obser-vamos que:- a disseminação de informação top down (por meio dequadro de avisos, circulares/memorandos e reuniões sis-temáticas) é mais freqüente nas empresas pouco desen-volvidas em gestão da qualidade. Neste segmento, encon-tram-se desde aquelas empresas que não empregam açõesda qualidade até as que implantaram há três anos;

- as empresas que empregam ações da qualidade entre operíodo de 3 a 5 anos destacam-se pela pouca utilizaçãoda comunicação hierarquizada (em cascata pelos níveishierárquicos);

- esquemas de comunicação que envolvem toda a corpo-ração, tais como jornal da companhia e seminário inter-no, não são explorados pelas empresas que não empre-gam ações da qualidade. Verificou-se também um desvionas empresas mais avançadas (de 3 a 5 anos) devido àfraca utilização de seminários, mas isso é justificado pelofato de que poucas estão nessa fase;

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Daí pode-se depreender que a informação passa a sermais difundida na organização na medida em que a GQTvai se consolidando. Os mecanismos de comunicação ten-dem a ser mais socializados, buscando não somente o re-passe de informações mas, sobretudo, a troca delas entreempresa e empregados, o que pode contribuir para a so-lução de conflitos.

Cerca de 38% das empresas da amostra empregammetodologias de análise e solução de problemas. No en-tanto, este segmento pode crescer em breve, porque ou-tras empresas pesquisadas (18%) já estão em fase de im-plantação deste método. Dentre os métodos de soluçãode problemas mais usados na indústria gaúcha, destacam-se favoravelmente as reuniões entre supervisores/subor-dinados, reuniões sistemáticas e grupos de melhorias. Oscírculos de controle da qualidade destacam-se por suabaixa difusão.

As empresas que consideram indispensável a integra-ção e o envolvimento dos empregados são as que maisrecorrem às metodologias de solução de problemas. Asempresas que não utilizam tais metodologias são espe-cialmente as que não empregam programas de qualidade.As que se encontram em fase de implantação dessas me-todologias são aquelas que, em particular, iniciaram oprograma da qualidade há menos de 3 anos.

Na análise segundo o porte, vê-se a mesma relaçãoapontada anteriormente, isto é, as empresas de médio egrande portes encontram-se proporcionalmente em situ-ação mais avançada em relação às de pequeno porte. Porramo de atividade, igualmente destacam-se:

TABELA 5

Mecanismos/Procedimentos de Comunicação Interna nas IndústriasRio Grande do Sul – 1994

Comunicação Interna Quantidade Citada Freqüência (%)

Total 120 -

Quadro de Avisos 108 90

Reuniões Sistemáticas 91 76

Circulares, Memorandos 90 75

Comunicação em Cascatapara Níveis Hierárquicos 71 59

Seminários Internos 31 26

Jornal da Companhia 29 24

Caixas de Sugestões 25 21

Outros 13 11

Distribuição do RelatórioFinanceiro aos Empregados 12 10

Fonte: Ruas et alii, 1995.

- as oportunidades de consulta dos trabalhadores (atra-vés de reuniões sistemáticas e caixas de sugestões) sãosignificativas para as empresas que já iniciaram a gestãoda qualidade (menos de 1 a 3 anos);

- quanto à distribuição do relatório financeiro aos traba-lhadores, o destaque foi para as empresas que utilizamações da qualidade de 1 a 3 anos.

Com relação ao porte das empresas, nota-se que:- as empresas de pequeno porte são mais tradicionais parase comunicarem com seus trabalhadores (quadro de avi-sos, circulares, comunicação em cascata pelo nível hie-rárquico e reuniões sistemáticas);

- as de médio porte preferem esquemas participativos(caixas de sugestões, socialização de informações finan-ceiras);

- as grandes empresas optam por sistemas mais institu-cionais (jornais da companhia, seminários internos e, emsegundo plano, comunicação em cascata).

Os canais de comunicação mais importantes, segundoramo de atividades, são:- minerais não-metálicos: reuniões sistemáticas e quadrode avisos;

- material de transporte, papel/papelão, químico e fumo:quadro de avisos e circulares/memorandos;

- vestuário e calçadista: quadro de avisos, reuniões sis-temáticas e comunicação em cascata pelos níveis hierár-quicos;

- metalúrgico, mecânico, bebidas e produtos alimentares:quadro de avisos, circulares/memorandos e reuniões sis-temáticas.

TABELA 6

Métodos de Solução de ProblemasRio Grande do Sul – 1994

Assinala Método Quantidade Citada Freqüência (%)

Total 120 -

Não-Resposta 35 29

Grupos de Melhoria 41 34

CCQs 19 16

Caixas de Sugestões 30 25

Reuniões Sistemáticas 52 43

Levantamento de Atitudes

sobre o Trabalho 31 26

Cliente Interno 30 25

Reuniões entre Supervisores/

Subordinados 58 48

Outros 9 8

Fonte: Ruas et alii, 1995.

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- os setores que já utilizam ou estão implantando essasmetodologias são: mecânico, de produtos alimentares, me-talúrgico e químico;

- os que não utilizam: de produtos alimentares, de ves-tuário e calçados e químico.

Como se pode observar, os setores de alimentos e devestuário e calçados possuem dois patamares distintos:um bastante desenvolvido e outro mais atrasado, o queestá atrelado ao porte das empresas. Já no setor químico,a identificação de problemas é predominantemente reali-zada através de sistemas informatizados. Ao operador cabeestabelecer as medidas de correção, na grande maioria doscasos previstas através de sistemas de padronização.

Somando as empresas que estão implantando sistemasde sugestões para a melhoria da qualidade (23%) às quejá os utilizam (45%), verifica-se que a maioria (68%) estámais próxima de um gerenciamento participativo do con-trole de processos e da solução de seus problemas.

A correlação das empresas que adotam sistema de su-gestões com a variável práticas de planejamento de RH(plano de RH, plano de treinamento, plano de cargos esalários, sistema de informações em RH) é positiva.

Sistemas e Práticas de Acompanhamento do Ambien-te Interno – A pesquisa de atitudes é um meio seguro deidentificação das necessidades e expectativas dos traba-lhadores, possível de ser explorada pelas empresas. Apesquisa de satisfação dos empregados é pouco usada (so-mente 42 das 120 empresas pesquisadas a realizam). Ou-tras 13 empresas estão implantando essa sistemática. Ana-lisando o percentual conforme o porte, as grandes e médiasempresas são, proporcionalmente, as que mais investemnisso. Os setores mecânico, químico e de produtos ali-mentares estão mais preocupados com a opinião relativaao grau de satisfação dos seus empregados.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Os resultados mostram uma relação entre a difusão deprincípios da gestão da qualidade e as iniciativas de revi-são das formas de gestão do trabalho, visando um maiorcomprometimento dos trabalhadores em face das deman-das requeridas no cenário da reestruturação. De fato, osinvestimentos em políticas de envolvimento passam aadquirir maior significado e aparecem como uma tendên-cia recente no contexto empresarial brasileiro.

Observou-se na pesquisa sobre a indústria do Rio Gran-de do Sul, uma correlação positiva entre as iniciativasestratégicas de RH quando cruzadas pela variável “tem-po de uso de ações sistemáticas da qualidade” (por exem-plo: mecanismos de comunicação). Contudo, na síntesedas pesquisas apresentadas (Ruas et alii, 1995; BNDES,CNI e Sebrae, 1996) constata-se que as políticas e práti-cas de RH dirigidas ao comprometimento dos emprega-dos são ainda pouco exploradas, se se considera o poten-cial de uso destas.

Diferentemente da realidade dos países anglo-saxões,pode-se supor, com base nos dados relacionados à indús-tria brasileira, e em particular à do Rio Grande do Sul,que as novas tendências de gestão do trabalho estão asso-ciadas ao porte das empresas e a alguns segmentos indus-triais mais dinâmicos. Assim, a abordagem de adminis-tração de RH, aquela que busca o comprometimento,exigindo employeeship, fornecendo empowerment e en-volvimento dos empregados através do uso estratégico dagestão do trabalho e das políticas de RH, apresenta maiordifusão entre as grandes empresas e entre aquelas perten-centes aos setores mais dinâmicos.

No entanto, muitas das empresas que utilizam essasnovas tendências de gestão empregam, ao mesmo tempo,o recurso da subcontratação e/ou da terceirização, espe-cialmente de empresas de pequeno porte e de ramos tra-dicionais, no caso aquelas em que, com maior freqüên-cia, encontramos uma abordagem de gestão que seaproxima mais da administração de pessoal. Nesses últi-mos segmentos, encontram-se as condições mais precá-rias de trabalho e algumas situações que podem conduzirà exclusão da força produtiva do mercado primário detrabalho.

Conforme se observa pelos resultados das pesquisasapresentadas, são essas as empresas que, em âmbito na-cional, pouco investem em treinamento, recrutam os tra-balhadores com menor escolaridade, possuem maior ro-tatividade de pessoal e oferecem preferencialmente osbenefícios previstos em lei. E apesar de muitos pensaremno estado do Rio Grande do Sul como uma realidade àparte da brasileira, tais traços nacionais também são evi-denciáveis no sul do país. As empresas gaúchas de pe-

TABELA 7

Realização de Pesquisa de Satisfação dos Empregados,por Porte da Empresa

Rio de Grande do Sul – 1994

Porte da EmpresaPesquisa de Satisfação

Pequeno Médio Grande Total

Total 60 30 30 120

Não-Resposta 1 1 1 3

Sim 13 12 17 42

Não 38 14 8 60

Em Implantação 6 3 4 13

Não é Relevante 2 0 0 2

Fonte: Ruas et alii, 1995.

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queno porte, além de fazerem pouco uso das ações e fer-ramentas da qualidade total, são também as que não têmplanos de treinamento, utilizam-se das formas comunica-cionais mais tradicionais, fazem pouco uso dos métodosde solução de problemas e investem de forma insignifi-cante, se comparadas com as grandes e médias empresas,em sistemas de acompanhamentos do ambiente interno.

Esse ambiente que predomina nas pequenas empresasremete a um outro nível de questão, no que se refere aodesenvolvimento de uma estratégia de comprometimen-to: terão as pequenas empresas condições de se instru-mentalizarem para acompanhar o avanço das grandes emédias? Observe-se que 39,2% das empresas pesquisa-das não usam indicador de rotatividade anual, destacan-do-se dentre elas as de pequeno porte. Mais da metade daamostra (60%) teve uma rotatividade de até 33% de seuquadro de pessoal durante o ano de 1993. A maior inci-dência de demissões (45%), em 1993, ocorreu nesse seg-mento. Embora as dispensas de trabalhadores nas empre-sas de pequeno porte tenham sido acompanhadas deadmissões, atingindo uma renovação de cerca da metadedo quadro de pessoal, esse ambiente dificulta iniciativasde mudanças atreladas aos programas de qualidade, bemcomo as iniciativas de comprometimento.

Já nas grandes empresas (aquelas que mais têm desen-volvido ações da gestão da qualidade), verificou-se umasituação contrária. Quanto maior o porte das empresas,menor é o movimento de demissão/admissão de empre-gados. E são exatamente essas empresas que, em maiornúmero e com maior consistência, têm adotado políticasmais seletivas de gerenciamento do trabalho e dos traba-lhadores, sobretudo nos segmentos mais dinâmicos daindústria gaúcha.

As principais barreiras internas relacionadas à imple-mentação da gestão da qualidade têm sido colocadas noâmbito da falta de capacitação/treinamento (consideradamuito significativa para 53% da amostra), do comprome-timento da alta direção (muito significativa para 34% dosentrevistados), do comprometimento dos gerentes (mui-to significativa para 31%) e, finalmente, da resistência dostrabalhadores (muito significativa para 25%).

Como pode-se constatar, à parte a questão das neces-sidades de capacitação,5 os principais impasses para odesenvolvimento dos princípios de gestão da qualidade(e, por extensão, da política de comprometimento) estãomais atrelados à resistência dos níveis gerenciais supe-riores e intermediários do que àquela observada entre tra-balhadores e sindicatos. Aliás, os resultados da pesquisarealizada no Rio Grande do Sul mostram que esses pro-gramas têm sido patrocinados pela gerência, sem grandepressão e/ou iniciativa dos empregados e de seus sindica-tos. De fato, na lista de dificuldades para implantação da

GQT, a resistência dos trabalhadores e representantes sin-dicais da empresa é um dos fatores que menos pesa.

Enfim, a mudança das formas de gestão do trabalhono sentido de buscar um maior comprometimento dos tra-balhadores exigirá, no caso brasileiro e do Rio Grande doSul, uma longa trajetória que ainda se encontra num está-gio inicial. Esse percurso deverá deparar-se ainda comprofundas dificuldades. Uma delas é de caráter histórico,caracterizada pelas relações do tipo paternalista entreempresas e trabalhadores (muitas vezes também susten-tadas pelos sindicatos). E a outra é de caráter estrutural,referente ao desemprego introduzido pelas mudanças tec-nológicas, organizacionais, pela intensificação da concor-rência internacional e pelas políticas neoliberais.

NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (As-sociação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais), Caxambu, out.1996.

1. Na abordagem baseada no comprometimento da força de trabalho, os cargossão mais abrangentes, associando planejamento, implementação e esforços paraa qualidade. As responsabilidades individuais são alteradas e o trabalho em gru-po é valorizado visando o melhor desempenho individual e coletivo. Outras ca-racterísticas que configuram o modelo de comprometimento são: estrutura hie-rárquica achatada, minimização das diferenças de status, coordenação lateral,controle relacionado às metas propostas e perícia em detrimento da posição for-mal de poder (Walton, 1985).

2. Em pesquisa realizada no início dos anos 90, observou-se que programas debenefícios extra-salariais estavam funcionando como instrumentos de envolvi-mento e participação de trabalhadores, servindo, inclusive, para colocá-los à dis-tância de seus sindicatos, especialmente aqueles mais combativos. Considera-mos à época que esse tipo de benefício podia ser visto como uma forma de recu-peração social, já que ele tratava de recompor lacunas que a própria estruturasocial e institucional não era capaz de prover, tais como educação, saúde, trans-porte, complemento alimentar e, em alguns casos, até mesmo habitação (Ruas etalii, 1993).

3. Infelizmente os resultados da pesquisa aqui analisada não permitem a avalia-ção do papel da estratégia de recuperação social como um eixo da política decomprometimento.

4. Esta amostra foi construída para a Pesquisa Indicadores da Qualidade e Pro-dutividade, que pretendia avaliar o estado de desenvolvimento dos programasde competitividade na indústria do Rio Grande do Sul, promovida pela Federa-ção das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), pelo Sebrae/RS epelo PPGA/UFRGS, cujos resultados principais estão contidos em Ruas et alii(1995). Os critérios de representatividade para a seleção das 120 empresas daamostra foram: representação proporcional à participação no Valor da ProduçãoIndustrial do Rio Grande do Sul; representação proporcional relativamente aosprincipais centros de concentração industrial no estado; e representação por por-te, sendo 50% pequenas empresas, 25% médias e 25% grandes.

5. Demanda essa que tem sido genericamente apregoada por representantes em-presariais e questionada por vários pesquisadores, tendo em vista a baixa difu-são de iniciativas empresariais consistentes na área de educação e treinamento.

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OCUPAÇÃO E ESCOLARIDADEmodernização produtiva na

Região Metropolitana de São Paulo

desemprego está sendo considerado como omaior problema a ser enfrentado pelos países nospróximos anos. No Fórum Econômico de Davos,

realizado no mês de fevereiro de 1996 na Suíça, estimou-se que 600 milhões de pessoas estão desempregadas nomundo.

Boa parte do problema do desemprego é atribuída adois processos econômicos simultâneos e associados: oda modernização produtiva e o da globalização. Há, con-tudo, uma grande controvérsia sobre os efeitos líquidosda modernização tecnológica sobre o emprego. Econo-mistas, sociólogos, homens públicos e jornalistas têm seocupado dessa temática com freqüência. Dentre inúme-ras divergências, uma conclusão comum parece definiti-va: a oferta de empregos mudou de qualidade, pelo me-nos nos setores mais modernos e dinâmico. Exige-se agoraque o trabalhador tenha determinadas habilidades que so-mente a educação de caráter geral é capaz de preencher.

O processo de modernização produtiva se dá tanto pelasinovações tecnológicas, lideradas pelas áreas de informa-ção e microeletrônica, quanto pelos novos processos or-ganizativos e gerenciais. O ritmo de expansão horizontaldas inovações tecnológicas desses setores para outros ra-mos industriais e de serviços tem sido intenso. A pers-pectiva é que cada vez mais empresas adotarão processosmodernos de produção e, portanto, a qualificação profis-sional do trabalhador poderá constituir-se em nó críticopara a expansão desses processos (Alves e Vieira, 1995).

Com as inovações tecnológicas e organizacionais,ampliou-se o consenso em torno da idéia de que níveiseducacionais mais elevados tornaram-se pré-requisitospara que os trabalhadores estejam aptos a lidar com essesnovos processos. As empresas inovadoras têm encoraja-

O

EDGARD LUIZ GUTIERREZ ALVES

Economista. Coordenador de Emprego e Relações de Trabalho do IPEA

FÁBIO VERAS SOARES

Economista da Coordenação de Emprego e Relações de Trabalho do IPEA

do maior participação do trabalhador no processo produ-tivo e decisório mas, para essa nova tarefa, é necessárioque os mesmos tenham maior conhecimento e capacita-ção. Trabalhadores com maior nível de escolaridade e maisbem qualificados constituem-se na principal fonte dinâ-mica e permanente de ganhos de produtividade e na con-dição necessária para a democratização das relações detrabalho no interior da empresa. Essa visão estrutural dopapel da educação dos trabalhadores para o aumento dacompetitividade internacional contrasta com a ótica par-cial de solucionar o problema dos baixos níveis de pro-dutividade do trabalho pela simples redução dos direitose encargos trabalhistas, cujo efeito sobre a produtividadeé temporário e inconsistente ao longo do tempo.

Se não fora por argumentos puramente econômicos,é imperioso lembrar que nos países onde o processo demodernização produtiva ganhou maturidade, este tam-bém foi acompanhado de modernização nas relaçõesde trabalho, através de ampla negociação entre as par-tes envolvidas, ensejando relações capital-trabalho maisdemocráticas.

No Brasil, o comportamento histórico do mercado detrabalho e do setor serviços, mais recentemente, tem pos-tergado discussões mais profundas sobre essa temática.De maneira geral, somente agora os atores sociais toma-ram consciência da gravidade desse problema. Contudo,as iniciativas de políticas de criação de empregos, e mes-mo de educação e qualificação do trabalhador, são aindatímidas e dependem do comportamento dos agregadosmacroeconômicos.

O conhecimento acumulado sobre o grau de profundi-dade das transformações que a chamada reestruturaçãoprodutiva tem provocado sobre o mercado de trabalho

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brasileiro é ainda insuficiente. Este estudo pretende res-gatar o estágio da discussão sobre a questão da qualifica-ção da mão-de-obra e do papel do ensino fundamentalcomo alavancas para o desenvolvimento econômico dopaís, e condição necessária para ganhos contínuos de pro-dutividade.

Este artigo compõe-se, além desta introdução, de qua-tro partes. Na primeira, discute-se o papel da educação eda qualificação profissional na explicação dos diferenci-ais de rendimento a partir de diferentes matrizes teóricas;na segunda parte, analisam-se os efeitos do processo deglobalização sobre o mercado de trabalho; na terceiraparte, resume-se um pouco da discussão da literatura bra-sileira sobre a importância da educação e da qualificaçãoprofissional no mercado de trabalho brasileiro e os im-pactos da modernização produtiva sobre os mesmos; e aquarta parte, ao analisar as alterações ocorridas no mer-cado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulono período 1988-95, procura apresentar uma amostraqualificada das relações entre grau de escolaridade do tra-balhador; para tal, utilizaram-se dados da Pesquisa deEmprego e Desemprego, realizada pela Fundação Seade– Sistema Estadual de Análise de Dados e pelo Dieese –Departamento Intersindical de Estatísticas e EstudosSócio-Econômicos. Esta análise concentra-se nas relaçõesentre grau de escolaridade do trabalhador e setor de ativi-dade, idade e remuneração.

EDUCAÇÃO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONALNA TEORIA ECONÔMICA

O Capital Humano

A teoria do capital humano busca explicar, nos mar-cos do arcabouço neoclássico convencional, a existênciade diferenciações salariais. A idéia básica é que da mes-ma forma como é possível investir nas ações de uma em-presa, ou realizar um empreendimento produtivo a fimde se auferir rendas maiores no futuro, seria razoável,dentro de determinadas condições, que o indivíduo (a uni-dade familiar) e/ou a firma onde ele trabalha decidisseminvestir em sua formação, através da educação formal e/ou cursos de qualificação, para obter rendimentos maio-res no futuro.

No âmbito da educação formal é importante observarque a decisão de investir ou não em capital humano re-cai, basicamente, sobre o indivíduo ou a unidade familiara qual ele pertence, uma vez que essa decisão, em geral, étomada antes de ele entrar no mercado de trabalho, ou,em termos menos restritivos, quando ele ainda é jovem,e, portanto, largamente dependente do financiamento fa-miliar ou da provisão de bens públicos. No caso da acu-

mulação de capital humano através de treinamento no in-terior da firma, a discussão centra-se, basicamente, nomodo como o mesmo será financiado. Tal processo podelevar ao estabelecimento de acordos implícitos ou explí-citos entre a empresa e o empregado na divisão dos cus-tos e dos benefícios do treinamento, a partir das caracte-rísticas básicas do mesmo: se específico ou geral (Becker,1962).

A decisão de investir em educação formal é tomadapelo indivíduo (ou pela unidade familiar) através da ava-liação subjetiva dos custos em que ele incorrerá ao nãotrabalhar hoje e financiar seus estudos e dos benefíciosque ele auferirá no futuro, graças ao acúmulo de capitalhumano durante seu período de estudo. Deste modo, oindivíduo decidirá investir em educação se o valor pre-sente dos benefícios for no mínimo igual aos custos.

Na teoria do capital humano, a falta de motivação paraas pessoas mais pobres investirem em sua própria quali-ficação profissional seria explicada pelas restrições im-postas pelo funcionamento imperfeito do mercado de capi-tais. A dificuldade em se conseguir fundos de empréstimopara financiar investimentos em capital humano via edu-cação formal levaria os indivíduos a buscarem financia-mento interno, o que significa que as famílias mais ricas– que podem mais facilmente reduzir o seu nível de con-sumo – tenderiam a investir mais em capital humano doque as famílias mais pobres.

Nesse sentido, a ação do Estado seria justificada den-tro desse arcabouço teórico por três motivos básicos: ovalor do investimento em capital humano para a socieda-de pode exceder o valor que o mesmo tem para as unida-des familiares; para que prevaleça a igualdade de oportu-nidades, o desenvolvimento educacional da criança deveser independente dos recursos de sua família (Mendonça,1994), pois, caso contrário, gera-se um círculo vicioso depobreza; para que o maior incentivo para os jovens in-vestirem em capital humano não provoque subinvestimen-to em capital humano na população adulta trabalhadora.

No caso da qualificação profissional, o problema dofinanciamento apresenta contornos mais delicados, poisnem trabalhadores nem empregadores estão seguros deque poderão se apropriar integralmente do retorno dosinvestimentos realizados. Se o investimento for realiza-do em formação geral, uma firma pode gerar externalida-des para outras, que se apropriam sem custos do investi-mento realizado pela primeira. Se for em formaçãoespecífica, quem fica em situação delicada é o trabalha-dor, posto que no caso de ser demitido, aquele conheci-mento adquirido poderá ter pouca utilidade na procura porum novo posto de trabalho.

Desse modo, dada a dinâmica das relações de trabalhoe a estrutura de mercado na qual se encontra a firma, os

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custos relacionados à acumulação de capital humano po-dem gerar desde uma atitude descompromissada com aformação profissional de seus empregados por parte dafirma, até o surgimento de acordos e práticas que visam adivisão dos custos do treinamento entre trabalhadores eempregadores. A questão da rotatividade da mão-de-obraganha aqui um papel de destaque; em geral, setores queapresentam alta rotatividade são exatamente aqueles emque as firmas e os trabalhadores tendem a subinvestir emcapital humano (Amadeo et alii, 1993).

Apesar deste quadro extremamente negativo, a açãogovernamental no mercado de qualificação profissionalsó seria justificada, nesse arcabouço teórico, se houvesseimperfeições de mercado, como informação incompletae falhas no mercado de crédito, ou ainda, se o governotiver objetivos outros que não somente a eficiência eco-nômica, como, por exemplo, a possibilidade de contur-bações sociais devido a elevados índices de desemprego.Essa posição, que encontra respaldo nos textos do BancoMundial (World Bank 1995), implica a centralização daação governamental na educação básica de modo a privi-legiar a adequação do perfil da oferta potencial (futura)de trabalho, e não leva em conta a possibilidade de de-senvolvimento de políticas públicas que visem ao traba-lhador já inserido no processo produtivo.

Teorias da Segmentação

As teorias dos Mercados Internos de Trabalho – MITbuscam explicar as diferenças salariais para indivíduoscom o mesmo grau de qualificação, mas inseridos em uni-dades administrativas com diferentes padrões de compor-tamento, seja por regras administrativas oriundas de prá-ticas consuetudinárias, pela existência e interferência deinstituições, como sindicatos e governo, ou ainda, pelaracionalidade maximizadora de lucro dentro de certasrestrições tecnológicas, ou por especificidades da funçãode produção da firma.

Nesse sentido, a desigualdade dos rendimentos do tra-balho seria provocada, em última instância, pela possibi-lidade da divisão do mercado de trabalho em primário esecundário, sendo o primeiro constituído por “bons em-pregos”, que apresentam estabilidade e boas possibilida-des de ascensão profissional, e que permitem por parteda unidade administrativa e do empregado investimentosem capital humano; e o último constituído por “mausempregos”, sem estabilidade, sem perspectivas de ascen-são e com baixo interesse no investimento em capitalhumano por parte da unidade administrativa e dos em-pregados.

No contexto de uma economia competitiva, a forma-ção de mercados internos seria causada por três fatores,

além da hipótese de minimização dos custos salariais: ovalor que os trabalhadores atribuem aos benefícios gera-dos pelos MIT (estabilidade), o custo de turnover para oempregador, pois a alta rotatividade aumenta os custosquase-fixos; custos relacionados à seleção adversa (Freitas,1992). Estas características, algumas delas também pre-sentes nos modelos de salário-eficiência, dariam racio-nalidade tanto à firma quanto aos trabalhadores no senti-do de cooperarem para a formação dos MIT, sendo que opapel relevante na determinação do grau de mobilidade eda diferenciação salarial seria da demanda, em contrapo-sição à teoria do capital humano, que destaca o papel daoferta na determinação dos diferenciais salariais.

Cabe observar que a inclusão do investimento em ca-pital humano neste referencial teórico tende a gerar dife-renciações salariais ainda maiores, na medida em que tra-balhadores com o mesmo nível de qualificação, ao seinserirem em mercados de trabalho diferentes, tendem ainvestir de maneira diferenciada em capital humano.

Para inserir essa discussão dentro dos marcos do cres-cimento econômico a médio e longo prazos, é precisoconsiderar que a simples criação de novos postos de tra-balho, a uma taxa superior a do crescimento da PEA, nãoteria como conseqüência direta a minimização da desi-gualdade na distribuição dos rendimentos. Se essa desi-gualdade for conseqüência da existência de mercados in-ternos e da segmentação do mercado de trabalho emprimário e secundário, deve-se levar em conta não ape-nas o ritmo do crescimento, mas também o seu padrão:quais setores estão alavancando o processo, e em que seg-mento do mercado de trabalho – “bons” ou “maus” em-pregos – eles se inserem, ou seja, que mudanças o padrãode crescimento impõe (ou não) à demanda e à oferta detrabalho, e como as mesmas respondem àquela sinaliza-ção. Também as políticas públicas exercem influênciatanto sobre a oferta quanto sobre a demanda por trabalhono sentido de amenizar possíveis desequilíbrios estrutu-rais. Assim, é fundamental compreender as recentes trans-formações que o processo de globalização engendrou nomundo do trabalho.

FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHOE AS POLÍTICAS PÚBLICAS

A principal relação que pode ser estabelecida entre oprocesso de globalização das economias nacionais e omundo do trabalho diz respeito aos efeitos que a base tec-nológica, que possibilitou aquele fenômeno, tem sobre omercado de trabalho. A incorporação da microeletrônicaaos processos produtivos e gerenciais permitiu, de umlado, a retomada dos antigos patamares de lucratividade,e de outro, uma verdadeira revolução nas formas organi-

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zacionais das empresas e do aparelho do Estado. Valedestacar que estes dois efeitos apresentam um forte com-ponente retroalimentador, cuja principal conseqüência éa flexibilização do trabalho e do processo decisório, e setraduz numa gigantesca economia de tempo e ampliaçãode espaços, implicando, assim, uma sensível diminuiçãode custos.

Neste contexto, pode-se destacar dois fenômenos bá-sicos que se diferenciam na forma de manifestação, masque estão intrinsecamente relacionados: o crescimento semaumento proporcional do emprego, do ponto de vista quan-titativo; a polarização dos postos de trabalho em “bons”e “maus” empregos, do ponto de vista qualitativo.

O primeiro aspecto se apresenta como conseqüênciadas inovações de processo que atuaram no sentido de ra-cionalizar o investimento, e surge como resposta ao es-gotamento do modelo de acumulação e de regulaçãotaylorista/fordista e do círculo virtuoso do crescimentoinstitucionalmente regulado. Naquele modelo, o aumen-to da produtividade do trabalho e o aumento dos salárioseram ajustados de tal forma a não permitir o surgimentode crises de subconsumo, posto que a produção em mas-sa exige, em contrapartida, consumo em massa, gerando,assim, uma demanda crescente por novos produtos e ser-viços que promovia novas oportunidades de emprego einvestimento, de modo a eliminar o provável aumento dodesemprego provocado pelos ganhos de produtividade.1

Nesse sentido, as mudanças estruturais no modelo de acu-mulação tiveram como efeito o desatrelamento do cresci-mento com a geração de emprego, como mostra a sensí-vel redução da elasticidade, produto do emprego namaioria dos países da Organização para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômico – OCDE.

O segundo aspecto reflete-se em um processo dual noqual a reestruturação das bases organizacionais das em-presas, por um lado, requer qualificação técnica cada vezmaior dos seus funcionários situados no topo da cadeiaorganizacional, e, por outro, destrói postos de trabalhointermediários que perdem sua razão de ser em funçãodos avanços tecnológicos (intensivos em capital) e dosprocessos de terceirização e desverticalização (racionali-zação do processo produtivo e gerencial).

Sob este ângulo, os principais perdedores são aquelestrabalhadores com muito capital humano específico epouco capital humano geral, que sofrem com a deteriora-ção da qualidade e do rendimento do trabalho, causadapela depreciação acelerada e, em alguns casos, irreversí-vel, do seu capital humano, dificultando, assim, a proba-bilidade e/ou a qualidade da reinserção do trabalhador nomercado de trabalho. Nesse sentido, observa-se uma de-terioração das condições do mercado de trabalho que podese manifestar de três modos: aumento do emprego no se-

tor de serviços, não acompanhado por aumento de pro-dutividade, o que reduz o rendimento do trabalho; aumentodo número de trabalhadores por conta própria, que tam-bém pode reduzir o nível médio de rendimento, se nãofor acompanhado de um aumento da atividade econômi-ca; aumento da taxa de desemprego aberto, que pode sercaracterizada como desemprego estrutural (Cacciamali,1991).

Todavia, a dualidade refletida pelo processo de des-truição e geração de postos de trabalho, neste contexto, étratada de maneira diversa na literatura; de um lado, háuma corrente que procura mostrar os efeitos benéficos queas inovações tecnoprodutivas, induzidas pela dissemina-ção da microeletrônica em todos os setores da atividadeeconômica, têm sobre o trabalho humano. Nesse enfoque,busca-se destacar a tendência à geração de empregos maisinteressantes do ponto de vista do trabalhador, no qualeste assumiria funções mais abstratas e intelectuais (Ianni,1994).

Por outro lado, há outra corrente que busca destacar acrescente terciarização da economia combinada com a“informalização do trabalho”, ou seja, um aumento ex-pressivo do setor de prestação de serviços, com relaçãoao primeiro aspecto; e do retrocesso do emprego de tem-po integral, concomitantemente ao surgimento de “for-mas de emprego atípicas”, no que se refere ao segundoaspecto. Cabe destacar que tal processo dá-se não apenascom trabalhadores pouco qualificados, mas também comtrabalhadores com grande acúmulo de capital humano –os analistas simbólicos na terminologia de Reich –, quese encaixam nos trabalhos criativos cuja produção e re-muneração não estão associadas ao tempo de trabalho.2

Todavia, neste caso, os próprios trabalhadores se torna-ram flexíveis, uma vez que os mesmos não têm dificulda-des de adaptar-se a diferentes tipos de trabalho, o que re-duz o impacto daquelas transformações sobre o fluxo e onível do seu rendimento.

Desse modo, pode-se concluir, seguindo Reich (1991),que o processo de globalização tende a levar a uma cisãocada vez maior entre os indivíduos com diferentes níveisde capital humano, aumentando de forma crescente a con-centração da renda do trabalho, uma vez que as transfor-mações têm um impacto diferenciado sobre os trabalha-dores com tipos e quantidades diferentes de capitalhumano.

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E AQUALIFICAÇÃO DO TRABALHADOR

No contexto da discussão acerca do processo de mo-dernização produtiva em que a economia brasileira viu-se lançada a partir da abertura comercial, iniciada nos

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primeiros anos da década de 90, e sua relação com a qua-lificação do trabalhador, destacam-se alguns pontos po-lêmicos: as conseqüências da dicotomia entre ensino ge-ral e ensino técnico diante dos novos conhecimentos quepassam a ser demandados; o papel das políticas públicasno sentido de conectar os programas de treinamento e for-mação profissional com os programas de seguro-desem-prego, de colocação, de geração de emprego e renda, ouseja, na articulação de um sistema público de emprego.

Sob o primeiro aspecto, destacam-se as posições quebuscam enfatizar a importância fundamental do ensinobásico para a consecução e a consolidação das aptidõesnecessárias às novas exigências tecnológicas e organiza-cionais, como por exemplo: capacidade de expressãoverbal – seja oral ou escrita –, capacidade de abstração eassociação, raciocínio lógico, iniciativa para a resoluçãode problemas, habilidade e capacidade para aprender no-vas qualificações (Salm e Fogaça, 1995). Tais caracterís-ticas assumem um papel determinante no novo perfil dedemanda, que privilegia um trabalhador polivalente, ca-paz de operar as novas técnicas de automação e de adap-tar-se às novas técnicas organizacionais, em contraposi-ção ao ensino técnico, que apenas adestraria o trabalhadorpara a execução de uma tarefa específica. Todavia, cum-pre destacar que o aumento da demanda por mão-de-obracom maior nível de escolaridade formal pode relacionar-se ao aumento da oferta de indivíduos mais educados, demodo que as empresas possam vir a valorizar aquele atri-buto como um critério de seleção, e não necessariamentecomo uma exigência do processo de modernização pro-dutiva (Cacciamali e Pires, 1995).

De todo modo, a separação entre educação geral e téc-nica tem gerado profundas distorções no conteúdo e noacesso à formação e à qualificação profissional para o tra-balhador brasileiro. Essa dicotomia foi viabilizada pelabase técnica empregada no processo de industrializaçãono Brasil, baseada na automação rígida, na qual o aumentoda competitividade implicava a redução de custos atra-vés de crescentes economias de escala com o uso intensi-vo de máquinas “especializadas”. Para operar essas má-quinas exigia-se operários com baixos requisitos dequalificação, que logo se adaptavam ao regime tayloristade produção. O trabalho qualificado restringia-se a umaminoria de trabalhadores com conhecimentos e habilida-des mais complexas adquiridos em treinamentos especí-ficos ou com longa experiência profissional, e aos traba-lhadores situados fora do processo produtivo propriamentedito, ligados basicamente a tarefas de gestão. Nesse sen-tido, podemos afirmar que o perfil educacional não seapresentava como um entrave ao desenvolvimento, postoque ele se mostrava adequado às necessidades da estrutu-ra produtiva (Fogaça e Silva, 1993).

A principal conseqüência desse processo para o con-teúdo pedagógico foi a dicotomia entre educação para otrabalho e educação para a cidadania. Contudo, o surgi-mento do novo padrão tecnológico, baseado na automa-ção flexível, exige a consolidação do conceito de produ-tividade sistêmica, onde o trabalhador, como produtor econsumidor simultaneamente, passa a desempenhar umpapel fundamental que exige uma sólida base educativa,de modo a tornar o processo de aprendizagem dentro dotrabalho um processo contínuo. Essa transformação é fun-damental para preservar o capital humano geral e especí-fico do trabalhador da acelerada taxa de depreciação quecaracteriza as transformações possibilitadas pela micro-eletrônica e discutidas na seção anterior.

A provisão do ensino técnico no Brasil encontra-sedividida entre as esferas governamentais e entre estas, osetor privado e as entidades de classe, levando a uma dis-persão gerencial com sérios impactos qualitativos ealocativos sobre as diversas áreas atendidas nos três seto-res de atividade econômica. No setor primário, predomi-nam as escolas técnicas federais e, mais recentemente, oSenar; no secundário, destaca-se o sistema Senai, adminis-trado pelos empresários industriais; e no setor terciário, osistema Senac, também com administração empresarial.

Entre os problemas gerados pela dispersão dos progra-mas de ensino técnico, destacam-se a desvinculação doensino técnico do ensino formal, o predomínio de cursosde curta duração e de cursos de formação específica, emdetrimento dos cursos de formação geral e de aprendiza-gem, e a ausência de programas direcionados à requalifi-cação dos desempregados.

Estas dificuldades só poderão ser sanadas mediante areestruturação do sistema de ensino técnico de forma co-ordenada com a criação de um sistema público de empre-go que integre e coordene as atividades do seguro-desem-prego, de recolocação do desempregado no mercado detrabalho, de qualificação e requalificação do trabalhadore de geração de emprego e renda, associada também à ca-pacitação gerencial dos pequenos empresários e autôno-mos ligados àqueles programas. Tal tarefa, entretanto, sópode dar-se no contexto de uma ampla negociação queenvolva o governo, os empresários e os trabalhadores, afim de evitar a consolidação de privilégios e o transbor-damento de recursos públicos para atividades de caráterprivado.

A DINÂMICA DA FORÇADE TRABALHO OCUPADA

A análise do perfil educacional da força de trabalhoocupada na RMSP requer o cruzamento das informaçõesreferentes ao grau de escolaridade da população ocupada

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por setor de atividade com sua distribuição etária e seurendimento médio real. Este conjunto de informações,aliado a outras evidências disponíveis na literatura, per-mite inferir algumas tendências no mercado de trabalhona região no período 1988-95, principalmente no que serefere à importância que o atributo escolaridade vem as-sumindo no período mais recente.

Os diversos atributos analisados foram agrupados demodo a garantir algum grau de homogeneidade, com oobjetivo de extrair dos dados o maior conjunto possívelde informações. Deste modo, os trabalhadores ocupadosforam dividodos em seis grupos segundo a faixa etária:trabalhadores infantis (10 a 14 anos), trabalhadores ado-lescentes (15 a 17 anos), jovens trabalhadores (18 a 24anos), trabalhadores adultos (25 a 39 anos), trabalhado-res adultos maduros (40 a 59 anos) e trabalhadores ido-sos (60 anos e mais).

No que concerne ao grau de escolaridade, a classi-ficação realizada foi a seguinte: trabalhadores analfa-betos, trabalhadores com nível primário (até a 4a sé-rie), trabalhadores com 1o grau incompleto e completo,trabalhadores com 2o grau incompleto e completo e tra-balhadores com 3o grau incompleto e completo.

Os setores de atividade, por sua vez, foram classifica-dos3 em indústria, subdividida em moderna e tradicional;construção civil; comércio de mercadorias; serviços, sub-dividido em serviços produtivos, serviços sociais, gover-no e serviços pessoais, e outros. A subdivisão dos setoresindustriais e de serviços permite observar as heterogenei-dades intra-setor, fenômeno marcante no caso de servi-ços, onde irá se observar um diferencial na qualidade dosempregos gerados, polarizados entre serviços produtivos,em geral constituídos por empregos de alta qualidade –com carteira de trabalho assinada e rendimento acima damédia –, e serviços pessoais, caracterizados basicamentepor empregos de baixa qualidade.

A partir da análise das informações referidas anterior-mente, buscar-se-á compreender parte da dinâmica domercado de trabalho na RMSP e os desafios que o novoperfil de demanda e de oferta da mão-de-obra, que aospoucos se desenha, impõem às políticas públicas, no sen-tido de amenizar o custo do ajuste, seja este conjunturale/ou estrutural, imposto às empresas e aos trabalhadores,de modo a tornar o aumento de produtividade uma metaconsistente com a elevação do nível do bem-estar da po-pulação.

Características Gerais do Mercado deTrabalho e dos Ocupados

O número de ocupados na RMSP cresceu cerca de13,5% entre 1988 e 1995. Todavia, esse crescimento foi

insuficiente para absorver a oferta anual de trabalhadoresque ingressam no mercado de trabalho e para compen-sar a redução de postos de trabalho. Deste modo, a taxade desemprego, que nos últimos anos da década de 80 si-tuava-se, em geral, abaixo dos 10%, passa a situar-se, nadécada de 90, continuamente acima daquele patamar. Con-comitantemente a este processo, uma série de transfor-mações ocorreram na estrutura ocupacional, entre as quaisdestacam-se:1. A redução da taxa de participação dos jovens com até24 anos de idade no total de ocupados, passando de 30%em 1988 para 26% em 1995.

2. O aumento do grau de escolaridade dos ocupados comuma forte redução dos que possuem até o 1o grau incom-pleto e uma acentuada elevação do percentual dos quepossuem pelo menos o 2o grau completo.

Os movimentos mais marcantes, neste sentido, ocor-reram entre os trabalhadores que possuíam o 2o graucompleto, cuja participação saltou de 11,7% para 16,3%,e entre aqueles com 3o grau completo, cuja participaçãoaumentou de 8,6% para 12,3%. Na outra ponta, o com-portamento foi oposto: a porcentagem de analfabetos re-duziu-se em 1 ponto percentual e daqueles com escolari-dade até a 4a série primária caiu 8 pontos percentuais,passando de 35,04% para 27,26% durante o período emanálise.

Resta saber, entretanto, se tal alteração deveu-se àmudança no perfil da oferta ou da demanda por mão-de-obra. Todavia, o fato da mudança se dar notadamente nasfaixas etárias mais elevadas – entre 25 e 39 anos e 40 e 59anos –, quando a maioria absoluta dos ocupados já encer-rou seus estudos e num curto intervalo de tempo, de 1988a 1995, sugere que foi o aumento da demanda por traba-lhadores melhores qualificados que comandou a altera-ção do perfil educacional dos ocupados.

Esta hipótese é corroborada por estudo recente da Fun-dação Seade, que compara o grau de escolaridade da Po-pulação em Idade Ativa – PIA com o da População Eco-nomicamente Ativa – PEA. Deste modo, é possívelverificar, ainda que parcialmente, se o aumento do graude escolaridade verificada na PEA reflete uma mudançana composição da demanda pela força de trabalho, privi-legiando trabalhadores com um maior grau de escolari-dade, ou simplesmente revela uma alteração do nível deinstrução da população potencialmente ingressante nomercado de trabalho. A análise da distribuição de escola-ridade dos dois conjuntos “possibilita a percepção de que,apesar da tendência à ampliação do nível de instrução dapopulação em idade de trabalhar, há sinais importantesde constrangimento à inserção produtiva dos segmentosde mais baixa escolaridade” (Ferreira e Costa, 1995).

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15,67% em 1988 e 20,85% em 1995. Este comportamen-to é explicado pelos serviços sociais, serviços produtivose governo que empregaram, respectivamente, 42,35%,27,35% e 34,83% de pessoas com nível superior em 1995,enquanto nos serviços pessoais esta categoria respondiapor apenas 4,13% do total de ocupados.

Apesar de sua pequena participação no total dos ocu-pados, os trabalhadores com nível superior do setor deserviços pessoais tiveram um aumento intenso no que serefere às suas participações relativa, 112,4%, e absoluta,72,1%, no período analisado. Tal alteração pode estar re-lacionada ao processo de terceirização de atividades ex-tremamente especializadas através da contratação de con-sultores externos às empresas, principalmente se levarmosem conta que houve uma redução em termos absolutos(-26,13%) dos postos de trabalho industriais destinadosaos trabalhadores com nível superior, apesar do aumentode sua participação relativa de cerca de 28,70%.

7. Queda do rendimento médio real dos ocupados.Utilizando-se como deflator o Índice de Custo de Vida

do Dieese, verifica-se que o rendimento médio real vemapresentando uma redução sistemática: 1.210 reais em1988; 1.130 reais em 1990; 906 reais em 1994; e 890reais em 1995.

8. Aumento do grau de escolaridade associado à médiados rendimentos reais dos ocupados.

Em 1988, para receber o equivalente ao rendimentomédio era necessário que o trabalhador tivesse o 1o graucompleto. Em 1990, esta equivalência ocorria entre ostrabalhadores com o 2o grau incompleto. Em 1995, o ren-dimento médio só é auferido pelos trabalhadores que es-tejam próximos do 2o grau completo.

A redução do rendimento médio real dos ocupadospoderia ter sido muito mais intensa, se concomitantementeà perda de poder aquisitivo não tivesse ocorrido a eleva-ção do perfil de escolaridade dos ocupados. Cabe obser-var, entretanto, que o fato de ter um maior grau de esco-laridade não garantiu uma perda menor no rendimentomédio durante o período. Os analfabetos, por exemplo,tiveram uma perda de 26%, enquanto os ocupados comnível superior tiveram uma perda de 31% no seu rendi-mento médio real no período observado.

9. Redução do diferencial de rendimento, com maior in-tensidade para os níveis mais baixos de escolaridade.

O diferencial de rendimento para cada grau de escola-ridade é indicativo de quanto o mercado valoriza grausadicionais de escolaridade. É claro que outros fatores tam-bém têm influência sobre esse diferencial: a experiência,o cargo ocupado, as características específicas do merca-

Em resumo, os dados dos itens acima indicam umatendência do mercado de trabalho no sentido de privile-giar os atributos experiência – na medida em que ocorrea elevação da idade média dos ocupados – e escolarida-de, movimento este que está relacionado aos diferentesestágios do processo de reestruturação tecnológica e or-ganizacional, nos diversos setores estratificados.

3. A redução do nível de ocupação na indústria, princi-palmente do subsetor moderno, e o aumento da participa-ção do comércio de mercadorias e do setor serviços, co-mandado pelo subsetor de serviços pessoais.

Em 1988, o setor industrial era responsável por 32,1%do total dos ocupados, proporção que cai para 24,9% em1995. Em compensação, o setor de serviços amplia suaparticipação de 44,41% para 50,18% dos ocupados e ocomércio de 14,16% para 16,88% no mesmo período. Aperda de postos de trabalho na indústria foi maior no setorindustrial moderno, cuja participação cai de 18,5% para13,6% no período analisado. O subsetor serviços pesso-ais, por sua vez, observou um aumento de 19,5% para22,5%.

4. Redução mais intensa do nível de ocupação na indús-tria para a faixa etária até 24 anos.

Entre os trabalhadores jovens, de 18 a 24 anos, a quedada participação não se deu de forma homogênea. Essemovimento fez-se sentir de modo mais significativo naindústria e na construção civil, permanecendo estável no setorde serviços, e aumentando no comércio de mercadorias.

A maior participação relativa de jovens trabalhadoresacontece na indústria e no subsetor comércio de merca-dorias; entretanto, no setor industrial, o peso dessa faixaetária vem caindo ao longo do tempo. Em 1988, cerca de25% dos trabalhadores da indústria pertenciam a essa faixaetária; já em 1995, este total cai para 21,62%. Esta redu-ção também pode ser observada em termos absolutos: em1988, 35,72% dos jovens ocupados trabalhavam na in-dústria; em 1995 este número cai para 27,54%.

5. Aumento da participação dos ocupados com menos de25 anos que freqüentam a escola.

Em 1988, cerca de 32% dos ocupados com menos de25 anos ainda estudavam. Este número passa para 40%em 1995.

6. Forte aumento da participação relativa dos ocupadoscom nível superior no subsetor de serviços pessoais, ape-sar de sua pequena representatividade no conjunto dosocupados.

Em termos relativos, o setor de serviços responde pelamaior participação dos ocupados com nível superior:

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do de trabalho, etc. Porém, a hipótese assumida é que essesfatores influem mais sobre a distribuição intragraus deescolaridade do que entre graus de escolaridade.

De maneira geral, no período de tempo considerado,observa-se que os saltos de rendimento são mais acentu-ados para os trabalhadores que concluíram seu curso.Pode-se notar também que houve uma mudança no pa-drão do diferencial de rendimento entre o períodos 1988-90 e 1994-95. No primeiro período, via de regra, o tra-balhador recebia 300 reais a mais, caso concluísse o 1o ouo 2o grau e 900 reais se concluísse o 3o grau. No períodomais recente (1994-95) os diferenciais caem para todosos graus de escolaridade. Evidentemente, as reduções derendimento são diferenciadas para os diversos graus deescolaridade: de analfabeto para a 4a série, por exemplo,o patamar caiu para 200 reais, o que representa uma re-dução de 38% do diferencial. Da 4a série para o 1o grauincompleto, a redução foi de 43%; do 1o grau incompletopara o 1o grau completo, de 55%; e do 1o grau completopara o 2o grau incompleto, de 36%. Do 2o grau incomple-to ao 2o grau completo observa-se a menor redução, cer-ca de 20%; do 2o grau incompleto para o 3o grau incom-pleto a redução é de 30%; e do 3o grau incompleto para ocompleto, de 23,35%.

É interessante notar que a redução foi mais intensa nosdiferenciais de rendimento relativos aos trabalhadores commenores graus de escolaridade. De qualquer forma, pode-se afirmar que, em geral, o estímulo salarial constitui-senum forte incentivo para que os trabalhadores sejam con-vencidos a participar de programas de educação e quali-ficação profissional, posto que, em média, o rendimentodos trabalhadores com 3o grau completo é sete vezes maiordo que o rendimento dos trabalhadores analfabetos, apro-ximadamente quatro vezes o rendimento dos que possu-em o 1o grau completo e 2,5 vezes os do 2o completo.

10. Os subsetores produtivos, a indústria moderna e o go-verno pagaram sistematicamente acima do rendimentomédio real dos ocupados entre 1988 e 1995, e a indústriafoi o subsetor que observou a maior redução do rendi-mento médio real dos seus ocupados vis-à-vis a média dorendimento do total dos ocupados.

Analisando o nível do rendimento médio real dos ocu-pados com 25 anos e mais por setores e subsetores de ati-vidade econômica, observa-se que os serviços produtivos,a indústria moderna e o governo, em ordem decrescente,são os subsetores nos quais o rendimento médio dos seustrabalhadores situa-se acima do rendimento médio do to-tal dos ocupados. Apesar desta ordenação manter-se cons-tante ao longo do período analisado, observa-se uma for-te redução do rendimento médio real dos ocupados naindústria moderna vis-à-vis o rendimento médio real do

total dos ocupados, enquanto o rendimento médio real dosocupados nos serviços produtivos e no governo experi-menta um aumento com relação à média do total dos ocu-pados.

Nos setores de atividade cujos ocupados auferem, emmédia, menos do que o rendimento médio real dos ocu-pados, apenas na indústria tradicional e nos serviços so-ciais não houve uma melhora relativa em relação à mé-dia. Em todos os demais setores houve uma melhora desua posição relativa. A indústria, portanto, foi o setor ondeos ocupados tiveram a maior perda relativa de rendimen-to com relação à média da remuneração do total dos ocu-pados no período considerado.

11. A indústria moderna é o subsetor com o maior prê-mio para os ocupados com nível superior, enquanto a cons-trução civil é o setor que melhor remunera os ocupadosanalfabetos e o setor de serviços pessoais é o que, emmédia, pior remunera em termos relativos os ocupadoscom nível superior e os analfabetos,

Analisando o rendimento médio real dos ocupados eseu grau de escolaridade por setor de atividade econômi-ca, observa-se que, em 1995, a indústria moderna é o sub-setor de atividade de maior diferencial de salário comrelação à média para os ocupados com o nível superiorcompleto (232%), acima do rendimento médio do totaldos ocupados; de outro lado, o setor de serviços é o quepior remunera, em termos relativos, os ocupados comaquele grau de escolaridade ( 115%). A construção civil,por sua vez, é o setor de atividade que melhor remuneraos ocupados analfabetos (40% do rendimento médio dosetor), enquanto o comércio de mercadorias e o subsetorde serviços pessoais são os que pior remuneram os tra-balhadores com aquele nível de escolaridade (apenas 27%do valor médio).

12. O rendimento é função crescente da faixa etária até afaixa entre 40 e 59 anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo mostrou a influência da educação sobre ademanda de trabalho na RMSP no período 1988-95, asdiferenças setoriais na demanda, a qualidade do empregogerado e a importância da experiência profissional. Os da-dos analisados permitem afirmar que, cada vez mais, aeducação é condição necessária para a empregabilidade,principalmente naqueles setores nos quais a moderna tec-nologia já é representativa.

Não se trata de transformar a educação em uma pana-céia; a educação per se não cria empregos, mas ajuda otrabalhador a mantê-los e, mais ainda, ajuda-o a se adap-

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tar às novas ocupações e funções. Tampouco deve-se su-perestimar a importância da educação na determinaçãodos salários; o mercado de trabalho regula-se rapidamen-te frente a mudanças na oferta de mão-de-obra. Contudo,é evidente que a educação assume cada vez mais um pa-pel estratégico para a conquista duradoura de uma posi-ção de destaque no cenário internacional.

Todavia, não se deve magnificar a chamada globali-zação econômica como sendo o modelo que deverá im-perar e dominar as relações econômicas entre os países.Não nos iludamos. Qualquer modelo que não gere em-prego e renda capazes de manter taxas de crescimento eco-nômico e distribuição de renda para a população não de-verá ter fôlego muito longo. Em outros termos, se o modeloé excludente não haverá a necessária sustentação para suaexpansão.

A discussão sobre o efeito líquido do processo de mo-dernização tecnológica e administrativa das empresas temgerado polêmicas: alguns estudiosos argumentam quehaveria pouco impacto do ponto de vista da quantidade eda qualidade do emprego, uma vez que os postos de tra-balho destruídos são substituídos por outros com carac-terísticas diferentes ou mesmo idênticas (terceirização).No entanto, é preciso salientar que isso será verdade so-mente para aqueles trabalhadores com nível de escolari-dade suficiente para, respectivamente, adaptar-se às no-vas características desse posto de trabalho e ganharprodutividade de modo a garantir competitividade e sus-tentar a manutenção da terceirização, sem temer a con-corrência. Neste último caso, é preciso, além do conheci-mento específico da função, dotar o trabalhador deconhecimentos gerenciais e administrativos próprios de mi-croempresários.

É possível afirmar a necessidade de uma discussão maisprofunda sobre a relação ótima entre o ensino públicobrasileiro e o ensino profissionalizante ministrado pelasinstituições de aprendizagem industrial e comercial (Senaie Senac). Apesar dos vultosos recursos de que dispõemaquelas instituições, os resultados apresentados são decep-cionantes, na medida em que recursos públicos são dis-ponibilizados exatamente para aqueles setores com maiorcapacidade de gerar internamente os fundos necessáriosà qualificação profissional, sem mostrar um efeito multi-plicador, através do aumento de cursos de aprendizageme de programas para os desempregados, que justifique talaplicação. A situação sugere a necessidade de se investirem metodologias e novas tecnologias de aprendizado, prin-cipalmente do ensino de suplência. Paralelamente, torna-se necessário rediscutir a grade curricular do ensino fun-damental para que as gerações futuras de trabalhadoresnão tenham necessidades adicionais de atualização oureforço curricular ao ingressarem no mercado de trabalho.

Do ponto de vista de política pública, o governo pode-ria responsabilizar-se pelo ensino fundamental público egratuito, e as empresas pelo treinamento e qualificaçãoprofissional específica. Mais do que isso, deve caber aogoverno a árdua tarefa de cuidar da educação e da quali-ficação profissional dos desempregados. Nesta direção, épreciso reformular a política de atendimento ao desem-pregado, hoje executada pelo Sine – Sistema Nacional deEmprego em todos os estados da União. Na sua maiorparte, a atuação dos Sine é passiva e está restrita ao enca-minhamento do trabalhador ao seguro-desemprego, quan-do é o caso, e, na grande maioria das vezes, intermedeiapostos de trabalhos para os quais a educação não exerceum papel primordial. Em quase nenhum dos Sine, há umsetor organizado, com profissionais especializados, paratratar da problemática educacional e de qualificação pro-fissional, capaz de orientar o trabalhador e identificar me-todologias adequadas à sua formação, no curto períodode tempo em que se pode atuar. O Sine, portanto, tem dese transformar numa agência moderna de empregos, a serutilizada por todos os trabalhadores e não apenas por aque-les menos educados e qualificados.

A título de subsídio para a orientação da políticas pú-blicas, o estudo sugere uma política diferenciada por se-tor de atividade e multifacetada a partir da vocação dosórgãos que gerem e estimular o investimento em educa-ção de suplência e formação profissional.

Nesse sentido, o governo deverá expandir as linhas definanciamento já existentes, tanto específicas para edu-cação e formação profissional para trabalhadores, comoo Proeduc – Programa de Educação para a Competitivi-dade, executado pela Finep, como para investimentos emmodernização produtiva, executados pelo Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES etambém pela Finep. Para os agentes governamentais queadministram recursos para investimentos privados, é sa-lutar que se condicionem empréstimos para moderniza-ção produtiva e administrativa a processos educativos ede treinamento dos trabalhadores.

Para os Sine, este processo sinaliza a necessidadede se estimular a pesquisa e a produção de metodologiasinovadoras que não contemplem apenas a educaçãoformal e, tampouco, apenas o adestramento da mão-de-obra. Nisto, o governo pode ter um papel de estimu-lador e garantir recursos para projetos com essas carac-terísticas.

Para recursos de curto prazo, como os destinados aoPrograma de Geração de Emprego e Renda – Proger, oumesmo para linhas de crédito para pequenas e médiasempresas, o caminho terá de ser o de condicionar os re-cursos ao processo educativo, incluindo a formação pro-fissional de microempresário.

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NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Caxambu, out. 1996.Trata-se de uma versão resumida do Texto para Discussão: Ocupação e escolari-dade: tendências recentes na Grande São Paulo.

1. Altvater (1993) argumenta que a mudança no modelo de acumulação foi via-bilizada quando as inovações de produto cederam lugar às inovações de proces-so como válvulas de escape para a crise.

2. A dissociação entre a remuneração e o tempo de trabalho é outra característi-ca marcante da introdução da microeletrônica e do papel desempenhado pelosanalistas simbólicos dentro da “nova organização do trabalho” (Reich, 1991).

3. A classificação dos setores baseou-se, em larga medida, na proposta de Bar-ros e Mendonça, R. (1995).

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QUALIFICAÇÃO, DESEMPREGOE EMPREGABILIDADE

quadro internacional no que se refere ao merca-do de trabalho em geral e ao emprego em parti-cular é extremamente preocupante nos dias que

correm. Depois de mais de uma década dedicada priori-tariamente à discussão da tendência à difusão do trabalhoestável, qualificado e bem remunerado que, de acordo commuitos estudiosos, deveria ser provocada pela expansãodo novo paradigma produtivo, a Sociologia do Trabalhovem se deparando, nos dias atuais, com tendências total-mente opostas a essas expectativas, evidenciadas sobre-tudo pelos estudos mais recentes sobre mercado de traba-lho. Com efeito, quando se analisa o conjunto dos dadosrelativos ao mercado de trabalho nas economias globali-zadas, o que se destaca é o aumento significativo do em-prego precário, a queda generalizada dos salários e dotrabalho informal,1 e a significativa elevação das taxas dedesemprego. Mais preocupante ainda é o fato de que es-sas tendências têm ocorrido simultaneamente a um im-portante aumento dos investimentos em educação e for-mação profissional, estratégia considerada fundamentalpara a garantia de empregos gratificantes e bem pagos.

Este artigo busca discutir as relações entre emprego,desemprego e qualificação. O argumento central é que aqualificação da mão-de-obra é apenas um dos elementosa ser levado em conta na análise do emprego, não poden-do ser utilizada como panacéia para a resolução de todosos problemas relacionados ao mercado de trabalho. Nes-se sentido, começaremos pela discussão do conceito deempregabilidade, novo termo criado para compreender aatual realidade do mercado de trabalho, mas que, a nossover, tem servido mais para encobrir tal realidade do quepara explicá-la, tendo em vista os falsos pressupostos sobreos quais se apóia. A seguir, centraremos a atenção na dis-

cussão sobre emprego e qualificação, partindo da distin-ção entre qualificação técnica e escolaridade para, emseguida, discutirmos as atuais tendências de qualificaçãoda mão-de-obra.

O CONCEITO DE EMPREGABILIDADE

A pressuposição de que as novas tendências da ativi-dade produtiva levariam a um constante aumento dos re-quisitos de qualificação para o conjunto da mão-de-obra,ao lado do contínuo aumento do desemprego, levou osanalistas à criação do conceito de empregabilidade, en-tendido como a capacidade da mão-de-obra de se manterempregada ou encontrar novo emprego quando demiti-da. O princípio que está por trás do conceito é de que odesemprego tem como causa a baixa “empregabilidade”da mão-de-obra, ou seja, sua inadequação em face dasexigências do mercado. O conceito tem, entretanto, umconjunto de problemas que não podem ser desconsidera-dos quando se pensa numa análise mais acurada sobre omercado de trabalho.

Em primeiro lugar, ele parte do falso pressuposto deque o desemprego não é causado por um desequilíbrioentre as dimensões da população economicamente ativae as ofertas de trabalho no contexto das atuais relações detrabalho e de produção, mas sim por inadequações dessapopulação às exigências de qualificação colocadas pelonovo paradigma produtivo. Isto implica a suposição deque há oferta de trabalho para toda a população economi-camente ativa e que se trata, portanto, de adaptar a de-manda de emprego por parte dos trabalhadores às exigên-cias da oferta. Ou seja, parte-se do princípio de que ostrabalhadores que estão desempregados encontram-se

O

MARCIA DE PAULA LEITE

Professora do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas na Educação – Unicamp

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QUALIFICAÇÃO, DESEMPREGO E EMPREGABILIDADE

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nessa situação não porque haja falta de emprego, masporque não se adequariam às novas exigências de quali-ficação das empresas ou, em outras palavras, porque nãoapresentariam o perfil de qualificação exigido pelos no-vos conceitos de produção.

Ora, tais pressupostos não resistem ao fato de que osinvestimentos em qualificação e formação profissional nãotêm sido suficientes para contrabalançar as tendências aodesemprego. Na verdade, não só os princípios sobre osquais se apóia o conceito são falsos como a solução quese propõe para o problema – a educação – não tem capa-cidade de resolvê-lo, haja vista a grande quantidade depessoas experientes e com formação de 3o grau que estãodesempregadas. Haveria que se considerar, desta forma,que, apesar de ser um elemento importante para a análisedo emprego, a educação não pode resolver problemas quefogem de sua alçada, como o da crescente utilização deuma tecnologia altamente poupadora da mão-de-obra noquadro de um modelo de desenvolvimento baseado emrelações de trabalho autoritárias e em relações de produ-ção centradas na busca do lucro e na concentração do ca-pital.

É evidente que não é a nova base técnica em si queprovoca o desemprego, mas antes a maneira como ela vemsendo utilizada. Nesse sentido, mais do que discutir a“empregabilidade” dos trabalhadores, deveriam ser pos-tas em questão: as relações de trabalho autoritárias, cadavez mais disseminadas mundialmente, que conferem àsempresas o poder de decidir unilateralmente sobre jorna-da de trabalho, admissões e demissões de pessoal, for-mas de organização do trabalho e condições de trabalhode maneira geral; e as relações sociais que presidem a suautilização (as quais, ao se basearem no aumento do lucroe na busca de maior autonomia do capital em relação aotrabalho, levam as empresas a valorizar exatamente osequipamentos mais poupadores de mão-de-obra).2

Em segundo lugar, não se pode deixar de levar em contaque o conceito joga sobre o trabalhador a responsabilida-de pelo desemprego, ao trazer implícito que o mesmo sedeve a uma inadequação da mão-de-obra às ofertas exis-tentes no mercado de trabalho. E isso, seja no que se re-fere a qualificação, escolaridade e habilidades que detém,seja no que diz respeito às suas exigências de salário, decondições de trabalho, de tipo de contrato, etc., o que éainda pior, pois significa uma postura totalmente acríticaem relação às tendências de precarização do trabalho, queforça o trabalhador a aceitar qualquer condição de traba-lho como forma de escapar ao desemprego.

É esse conjunto de equívocos que explica por que osestudos sobre mercado de trabalho praticamente não dis-cutem, ou discutem cada vez menos, propostas de ado-ção de políticas de geração de emprego e renda, única

forma de se pensar alguma solução mais efetiva para oproblema do emprego nas condições atuais. Na verdade,se se leva em consideração o conjunto de questões aquilevantadas, torna-se evidente que qualquer proposta dequalificação ou reciclagem da mão-de-obra que vise sejaa diminuição do número de desempregados, seja a me-lhoria dos empregos existentes, só tem sentido em cone-xão com uma política de geração de emprego e renda queefetivamente se proponha a enfrentar as tendênciasdisruptivas do mercado de trabalho atual. Esta, por suavez, para ser efetiva, teria que se equacionar com umapolítica industrial e de desenvolvimento econômico queleve em conta que o mercado por si só é incapaz de seauto-regular no que se refere à questão do emprego.

Evidentemente, essa não é a única concepção segundoa qual o conceito vem sendo empregado. De fato, há umavertente importante de estudiosos que reconhece a exis-tência do problema da escassez de emprego enquanto umefeito da atual revolução tecnológica e considera que, fren-te à inevitabilidade do processo, as pessoas deveriam serinstrumentalizadas para enfrentar o acirramento da com-petição, de forma a garantir sua “empregabilidade” –mesmo que isto possa não significar uma real garantia deemprego. Ainda que essa concepção parta de um princí-pio mais real, ela apresenta os mesmos problemas da ver-são anterior, ao considerar o desemprego como uma fata-lidade do atual processo de desenvolvimento tecnológicoe ao pressupor que, frente a esse quadro, não há nada afazer senão tornar a mão-de-obra mais adequada aos re-quisitos do mercado de trabalho, ainda que isso não sejasuficiente para diminuir as taxas de desemprego.

EMPREGO E QUALIFICAÇÃO

Uma das primeiras questões a ser levada em conta quan-do se pensa na relação entre emprego e formação da mão-de-obra refere-se à distinção entre as diferentes habilida-des ou tipos de competência requeridos pelo mercado detrabalho. Escolaridade e qualificação técnica, por exem-plo, constituem duas formas diferentes de competên-cia que, embora sejam comumente confundidas, devemser analisadas separadamente, na medida em que seucomportamento no mercado de trabalho é bastante dis-tinto.

No que diz respeito às exigências de maior escolarida-de no atual mercado de trabalho, este parece ser consen-so entre os estudiosos, difícil de ser questionado seja qualfor o país, o setor, a empresa ou o tipo de atividade eco-nômica a que se faça referência. Esse tipo de conclusãocoloca em primeiro plano a questão da melhoria do ensi-no formal, especialmente em países como o nosso, ondea qualidade desse ensino é questionável, seja do ponto de

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vista do aprendizado, seja do ponto de vista da capacida-de de reter os alunos na escola.

Já a discussão sobre qualificação técnica é mais com-plexa. Embora também haja consenso na bibliografia es-pecializada de que as empresas estão exigindo uma mão-de-obra com novas habilidades, essa discussão não podeser pensada sem levar em consideração um conjunto dequestões.

A primeira delas refere-se às distintas conotações doconceito de flexibilidade. Com efeito, a bibliografia teminsistido no fato de que um dos principais elementos aprovocar uma maior exigência de qualificação é o aumentoda flexibilidade do aparato produtivo, o que tem a ver coma capacidade das empresas de produzirem de acordo comas flutuações e variações do mercado, seja no que se re-fere à quantidade ou à qualidade. A questão é que essesdois tipos de flexibilidade têm conteúdos diferentes e dis-tintos efeitos sobre o mercado de trabalho. Enquanto aflexibilidade relacionada à qualidade (também chamadade flexibilidade funcional ou interna) exige um trabalha-dor polivalente, apto a desempenhar atividades diferen-tes de acordo com as exigências da demanda, a flexibili-dade relacionada à quantidade (também chamada deflexibilidade numérica ou externa) incide mais sobre afacilidade com que as empresas podem demitir e admitirtrabalhadores conforme as flutuações do mercado. Aocontrário da anterior, esse tipo de flexibilidade não temnenhum efeito sobre a qualificação da mão-de-obra. Pelocontrário, tende a dificultar a adoção de políticas de trei-namento por parte das empresas, na medida em que serflexível, segundo essa acepção, significa poder demitirforça de trabalho sempre que a demanda sofra um reflu-xo e voltar a admitir toda vez que o mercado cresça. Sig-nifica a instabilização da mão-de-obra que, como se sabe,dificilmente convive com programas mais efetivos de qua-lificação, já que nenhuma empresa investe em trabalha-dores que poderão ser demitidos aos primeiros sinais derecessão.

Isso quer dizer que as empresas podem buscar formasdiferentes de flexibilidade, que produzem impactos dis-tintos sobre a qualificação. Grosso modo, pode-se dizerque esta é uma das principais distinções entre o mercadode trabalho europeu e o norte-americano. Enquanto noprimeiro, devido a uma tradição mais forte do sindicalis-mo e do Estado do Bem-Estar Social, que dificultam arotatividade da mão-de-obra por iniciativa das gerências,as estratégias empresariais tendem a privilegiar a flexibi-lidade interna; no segundo caso, há uma enorme difusãodas estratégias baseadas na flexibilidade externa, freqüen-temente acompanhadas de precarização do trabalho. É istoque explica por que enquanto na Europa a preocupaçãomaior dos economistas tende a ser com as taxas de desem-

prego, nos Estados Unidos ela está mais voltada à preca-rização do trabalho e ao declínio dos salários. Já o exem-plo japonês se baseia numa estratégia mais complexa, quetende a misturar a flexibilidade interna, reservada a umgrupo de trabalhadores estáveis que desempenham as ati-vidades mais importantes do processo produtivo, com aflexibilidade externa, aplicada sobre os trabalhadoresconsiderados “periféricos”, que se dedicam às atividadesconsideradas menos nobres, para as quais a qualificaçãoda mão-de-obra não se configura como essencial.3

Haveria que considerar ainda a difusão, em âmbitomundial, da tendência à desverticalização das empresas,com a conseqüente terceirização ou externalização departes do processo produtivo, que passam a ser realiza-das por outras empresas – o que vem gerando a difusãode cadeias produtivas de pequenas e médias empresasorganizadas em torno de uma grande empresa. Conformevem sendo evidenciado pela bibliografia internacional(Castillo e Santos, 1993; Benería e Roldan, 1987; Leite eRizek, 1996), as características do trabalho nas váriasempresas variam de acordo com o lugar que elas ocupamna cadeia: enquanto os grandes clientes e os fornecedo-res de primeira linha tendem a se utilizar de uma mão-de-obra mais estável, qualificada e bem paga, na medida emque se dedicam à produção dos produtos de maior valoragregado, o trabalho nas pequenas empresas que se en-contram na ponta da cadeia tende a ser destituído de con-teúdo, o que explica a difusão aí do trabalho precário,instável e mal pago.

Isso significa que a afirmação de que os novos para-digmas produtivos levam inexoravelmente ao emprego deuma mão-de-obra mais qualificada, em termos técnicos,não tem correspondência na realidade. Na verdade, elestanto podem levar a uma maior qualificação como a umadesqualificação da mão-de-obra, ou ainda a situações emque as antigas habilidades são substituídas por outras, semque isso signifique obrigatoriamente uma qualificaçãotécnica superior. O mais complicado é que, em geral, tudoisso ocorre ao mesmo tempo, dependendo do setor, daempresa e do tipo de mão-de-obra que se considere. Detodo modo, o emprego de uma mão-de-obra mais escola-rizada nem sempre significa que o trabalho passe a terum conteúdo mais enriquecido.

A segunda questão diz respeito às segmentações domercado de trabalho, que confinam determinados setoresda mão-de-obra em trabalhos desqualificados ou poucovalorizados, para os quais o aumento da qualificação nãovem sendo observado, pelo menos na mesma medida quevem ocorrendo para outros setores. Essa discussão é fun-damental para dar conta da complexidade da realidade erevela a importância de estudos que levem em considera-ção as segmentações de gênero, cor, etnia, idade, etc.

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QUALIFICAÇÃO, DESEMPREGO E EMPREGABILIDADE

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Outra questão a ser ressaltada é que a tendência àutilização de mão-de-obra com níveis mais elevados deescolaridade não mais significa – como a Sociologia doTrabalho foi acostumada a pensar durante tantos anos – amelhoria das condições de trabalho de maneira geral. Seessa relação pode continuar sendo positiva no que se refereà qualificação técnica fornecida pela própria empresa (namedida em que se torna mais difícil desvinculá-la daestabilização da mão-de-obra e, em conseqüência, tambémde seus rendimentos), no que diz respeito à escolaridade,a tendência parece ser cada vez mais de que a elevaçãodo nível de escolarização vem ocorrendo simultaneamenteà maior precarização do emprego e ao rebaixamentosalarial.

As principais causas desse fenômeno parecem ser, deum lado, a tendência mundial à elevação da escolaridade,que vem levando a um aumento significativo da oferta demão-de-obra mais escolarizada; e, de outro, o própriocrescimento do desemprego que, no contexto de mercadosde trabalho pouco regulados ou tendentes à desre-gulamentação, enfraquece significativamente a capacidadede barganha dos trabalhadores. Frente às altas taxas dedesemprego e ao enfraquecimento generalizado dossindicatos, não restam aos trabalhadores outras alternativasque não a aceitação das condições de trabalho que lhessão oferecidas.

Os dados apresentados no artigo de Edgard Alves eFabio Soares, neste volume, sobre a evolução do rendi-mento médio real dos ocupados com 25 anos e mais sãocontundentes nesse sentido: enquanto em 1988 o 1o graubastava para que um trabalhador auferisse o rendimentomédio do conjunto da força de trabalho empregada naRegião Metropolitana de São Paulo, em 1990 era neces-sário pelo menos o 2o grau incompleto e em 1995 estarquase concluindo o 2o grau para assegurar o mesmo nívelsalarial. Os dados mostram ainda que o rendimento mé-dio da mão-de-obra empregada na RMSP decaiu signifi-cativamente entre 1988 e 1995 para todas as faixas de es-colaridade, aparentemente atingindo a todas mais oumenos nas mesmas proporções.

Com efeito, se elaborarmos um outro quadro a partirdesses dados, que nos permita verificar o decréscimo emporcentagem para cada faixa de escolarização, constata-remos que não há diferenças relevantes quanto à perdasalarial entre as diferentes categorias; embora a partir do1o grau completo as perdas tendam a ser menores (o quefaz com que as perdas para o 3o grau completo sejam quaseum quarto menores do que para o 1o grau completo), astaxas para o 3o grau são ainda bastante significativas,4 con-forme mostra a Tabela 1.

Finalmente, observa-se que os setores em que a eleva-ção da qualificação vem ocorrendo de maneira mais efe-

TABELA 1

Decréscimo Percentual do Rendimento Médiodos Ocupados com 25 Anos e Mais

Região Metropolitana de São Paulo – 1988-1995

Escolaridade 1988 1995

Analfabeto 100,0 32,1Até a 4a Série 100,0 34,61o Grau Incompleto 100,0 36,01o Grau Completo 100,0 41,42o Grau Incompleto 100,0 40,72o Grau Completo 100,0 36,63o Grau Incompleto 100,0 35,23o Grau Completo 100,0 31,6

Fonte: SEP. Convênio Seade-Dieese.

tiva (as grandes empresas industriais) são exatamenteaqueles em que o emprego vem diminuindo em maioresproporções. Assim, o emprego estaria crescendo justamentenos setores relacionados ao trabalho informal ou formalprecarizado, nos quais a elevação da qualificação é muitomenor, quando não inexistente. Esse tipo de conclusão éfacilmente corroborada pelos dados relativos a renda erotatividade da mão-de-obra na RMSP, conforme se podeverificar na Tabela 2.

Com efeito, os dados indicam que os ocupados em tra-balhos de alta rotatividade e baixa renda cresceram paratodos os grupos socioeconômicos de 1990 a 1994 (de 1,6%para 11,6% no grupo A; de 9,3% para 32,3% no grupo B,de 6,7% para 24,4% no grupo C e de 20,4% para 73,5%no grupo D), aumentando no total de 9% para 34,9%.Enquanto isso, o número de ocupados em trabalhos debaixa rotatividade e alta renda não cresceu significativa-mente para nenhum grupo socioeconômico (nem mesmopara o grupo A, onde passou somente de 32,7% para33,6%), aumentando no total apenas de 8,9% para 10%.

Também quando se pensa em nível de América Lati-na, os números são contundentes. Conforme revelaAbramo (1997), o número de trabalhadores por conta pró-pria ou empregados nas pequenas empresas e no serviçodoméstico passou de 40% do total do emprego em 1980para 57% em 1995. Nesse mesmo período, o emprego nosetor público diminuiu de 15,7% a 13% e na grande em-presa privada de 44% a 31%. De cada 100 novas ocupa-ções geradas entre 1990 e 1994, 81 se concentraram nosetor informal e na pequena empresa; em 1995, esse nú-mero subiu para 84.

Esses números parecem não deixar margem à dúvidade que o emprego cresce especialmente entre os traba-lhos mal pagos e de alta rotatividade. Os dados são abso-lutamente incompatíveis com a possibilidade de um au-mento generalizado da qualificação, especialmente quando

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TABELA 2

Distribuição dos Ocupados, por Grupos Socioeconômicos, segundo Níveis Médios de Rotatividade (1) e de Renda (2) dos Postos de TrabalhoRegião Metropolitana de São Paulo – 1990-1994

Em porcentagem

Grupos SocioeconômicosAnos

A B C D Total

Total 1990 100,0 100,0 100,0 100,0 100,01994 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Alta Rotatividade e Baixa Renda 1990 1,6 9,3 6,7 20,4 9,01994 11,6 32,3 24,4 73,5 34,9

Média ou Baixa Rotatividade e Baixa Renda 1990 4,1 5,9 5,2 17,1 7,31994 6,6 12,7 10,4 20,6 12,6

Alta Rotatividade e Média Renda 1990 11,3 28,3 30,5 48,0 28,61994

Média ou Baixa Rotatividade e Média Renda 1990 50,3 53,5 55,0 14,5 46,21994 48,2 51,4 62,1 5,9 42,5

Baixa Rotatividade e Alta Renda 1990 32,7 3,0 2,6 (0,0) 8,91994 33,6 3,6 3,1 (0,0) 10,0

Fonte: Baltar, Dedecca e Henrique (1996:23).(1) Classes de rotatividade:. alta rotatividade: permanência no mesmo posto de trabalho (entendido como vínculo empregatício) por até 20,6 meses;. média rotatividade: permanência no mesmo posto de trabalho por 20,7 até 47,6 meses;. baixa rotatividade: permanência no mesmo posto de trabalho por mais de 47,6 meses.(2) Classes de renda (em salários mínimos de junho de 1990, atualizados para julho de 1994 pelo ICV-Dieese):. baixa renda: até 2,6 salários mínimos;. média renda: mais de 2,6 salários mínimos até 8,4 salários mínimos.

se pensa na difusão de empresas qualificantes,5 que bus-cam o aperfeiçoamento contínuo de sua mão-de-obra – oque supõe, ao mesmo tempo, estabilidade no emprego eaumentos salariais de acordo com a elevação da qualifi-cação.

CONCLUSÃO

Os dados atuais sobre mercado de trabalho vêm jogandopor terra a crença de que o novo paradigma produtivoestaria levando a uma melhoria generalizada das condi-ções de trabalho. Se no âmbito teórico o determinismotecnológico e econômico implícito nessa suposição podeser facilmente contestado, os dados são ainda mais inci-sivos: o trabalho bem pago, estável e qualificado é a rea-lidade para uma porcentagem muito pequena de trabalha-dores, tendo em vista que o que se difunde com velocidadeé o trabalho instável, precário e informal, mesmo quandodesenvolvido por uma mão-de-obra com níveis mais al-tos de escolarização.

Tal fato parece ter a ver com a nova lógica da produ-ção, baseada na terceirização, ou seja, no contínuo pro-cesso de enxugamento das grandes empresas e na expul-são de seus trabalhadores para os fornecedores, geralmentede porte menor, que investem muito menos em sua mão-

de-obra, não só porque têm menos recursos econômicos,mas também porque se dedicam em geral à produção departes do processo produtivo de menor valor agregado,que exigem uma mão-de-obra menos qualificada. Nessecontexto, enquanto diminui vertiginosamente o númerode trabalhadores empregados nas grandes empresas in-dustriais, onde se concentra a mão-de-obra mais qualifi-cada, aumenta o emprego precarizado e pouco qualifica-do ao longo da cadeia produtiva.

Esse quadro conflita claramente com as propostasgeralmente apresentadas para solucionar as questõesrelacionadas ao mercado de trabalho, seja no que se refe-re ao combate ao desemprego ou às tentativas de melho-ria dos empregos existentes.

Por um lado, a proposta de desregulamentação do mer-cado, defendida por alguns analistas como forma de au-mentar a oferta de emprego, tem-se mostrado altamenteineficiente. Não só ela tem sido insuficiente para incenti-var as empresas à contratação de mais trabalhadores – tendoem vista que a prática empresarial de cortar mão-de-obratem a ver não só com questões econômicas, mas tambémcom cálculos políticos – como a perda dos direitos acabafavorecendo a proliferação de empregos precários.

Por outro lado, tampouco o treinamento puro e sim-ples da mão-de-obra, conforme procuramos demonstrar

Níveis Médios de Rotatividade (1)e de Renda (2) dos Postos de Trabalho

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QUALIFICAÇÃO, DESEMPREGO E EMPREGABILIDADE

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ao longo do artigo, parece ser suficiente para minorar osproblemas. Se o acesso a cursos de formação profissionaldeve ser um direito de todos os cidadãos, isso não signi-fica que ele seja suficiente para criar empregos, ou paramelhorar o nível dos já existentes. Se considerarmos quetanto a falta de empregos como o baixo nível daquelesdisponíveis relacionam-se mais com as atuais tendênciasdo processo produtivo do que com a formação da mão-de-obra, fica evidente, conforme já alertamos, que a so-lução desses problemas requer políticas específicas vol-tadas à geração de emprego e renda que, obviamente,devem estar relacionadas a programas de formação demão-de-obra.

Nesse contexto, as novas teorias sobre a qualificaçãoda mão-de-obra, com sua confiança no fato de que bastaqualificar os trabalhadores para resolver o problema dodesemprego e da baixa qualidade do emprego, são maisdo que falsas. Considerando a educação como a tábua desalvação, capaz de resolver todos os problemas do mer-cado de trabalho, sem atentar para suas verdadeiras cau-sas, elas não passam de um revival da teoria do capitalhumano,6 que a história já tratou não só de contestar, mastambém de desnudar seu caráter ideológico, evidencian-do sua tentativa de ocultar a lógica real por trás das ma-zelas do mercado de trabalho.

NOTAS

1. Se a situação é mais ou menos generalizada, a tendência nos países menosindustrializados é ainda pior. Com efeito, os últimos dados da OIT sobre empre-go na América Latina são mais do que preocupantes: entre 1980 e 1990, os salá-rios apresentaram uma acentuada deterioração, que variou de 28% no setor agrícolaa 14% na construção civil e 13% no setor industrial (OIT, 1994). Por outro lado,vem ocorrendo um significativo aumento das formas de trabalho consideradas “atí-picas” (que consistem naquelas de maior instabilidade), “que passam a representar34% do emprego na Argentina, 30% na Bolívia, 20% na Colômbia, Costa Rica eMéxico e mais de 50% no Peru” (OIT, 1995 apud Abramo, 1997:15).

2. Isso, evidentemente, para não falar da necessidade de redefinição do velhoconceito de trabalho, cada dia mais em questão, que ignora todo tipo de ativida-de desenvolvida na esfera doméstica – tradicionalmente a cargo das mulheres –que, longe de estar alheia à formação do capital, se apresenta como condiçãoindispensável desta (Mires, 1996:82).

3. Para um aprofundamento da discussão sobre qualificação na experiência ja-ponesa, ver Leite e Posthuma (1996).

4. É provável que as taxas menores de perda das três primeiras faixas (32,1%para os analfabetos, 34,6 para os de escolaridade até a 4a série e 36% para aque-les com 1o grau incompleto), pelo menos em relação às três faixas que vêm logoa seguir, devam-se ao fato de seus ganhos se encontrarem muito mais próximosao salário mínimo, possuindo, portanto, uma elasticidade menor.

5. O termo está sendo utilizado aqui no sentido que lhe confere Zarifian (1990)para designar as empresas que buscam o contínuo aperfeiçoamento de seus tra-balhadores através de estratégias complementares de organização do trabalho,gestão da mão-de-obra e políticas de formação que propiciam o constante desen-volvimento de seus profissionais ao longo da carreira.

6. A teoria do capital humano se desenvolveu durante os anos 50 e 60, subli-nhando a relação positiva entre a educação, de um lado, e o crescimento profis-sional dos indivíduos educados ou das empresas e dos países que empregavammão-de-obra qualificada, de outro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MIRES, F. La revolución que nadie soñó o la otra posmodernidad, Caracas.Editoral Nueva Sociedad, 1996.

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ZARIFIAN, P. La nouvelle productivité. Éditions L’Harmattan. 1990.

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EMPREGABILIDADE ERECONVERSÃO PROFISSIONAL

trabalhadores desligados da indústria

LUIZ ANTÔNIO CRUZ CARUSO

Coordenador do Núcleo de Trabalho do Senai – DN

VALÉRIA PERO

Doutoranda do IE-UFRJ, Consultora do Senai – DN

ma das características do mercado de trabalho bra-sileiro é a flexibilidade, ou seja, apresenta umaalta mobilidade do trabalho. Em geral, uma alta

flexibilidade alocativa é considerada positiva, do pontode vista da eficiência produtiva, por diversas correntesda teoria econômica. Isso porque como a economia bra-sileira vem passando por profundas transformações, pro-vocadas tanto pela estabilização econômica quanto pelasreformas estruturais – que juntam apreciação cambial eabertura comercial –, é saudável que haja uma certa ca-pacidade dos trabalhadores de se moverem dos setores queestão sendo negativamente atingidos por essas mudançaspara aqueles que conseguem resultados positivos.

No entanto, quando se realiza uma comparação inter-nacional da mobilidade dos trabalhadores, observa-se quea flexibilidade no Brasil é excessiva. Segundo Gonzaga(1996a e b), enquanto mais da metade dos trabalhadoresformais no Brasil estão empregados há menos de dois anosna mesma empresa, nos EUA, paradigma do mercado detrabalho flexível, essa proporção cai para 27%, quandose considera somente os empregados com carteira de tra-balho assinada e que estão “protegidos” pela legislaçãotrabalhista.

Ao se considerar que na primeira metade dos anos 90mais de 50% da força de trabalho brasileira estava ocu-pada nos segmentos informais do mercado de trabalho –ou seja, como empregado sem carteira de trabalho assi-nada ou como trabalhador por conta própria –, que ten-dem a apresentar relações de trabalho mais instáveis, essaestatística torna-se ainda mais preocupante.

A preocupação decorre do fato de que uma alta rotati-vidade tem efeitos negativos sobre a produtividade e aqualidade do emprego, pois há um subinvestimento no

U treinamento e qualificação profissional dos trabalhado-res e em relações de trabalho mais duradouras e coopera-tivas. “Por um lado, como a rotatividade da mão-de-obraé elevada, existem poucos incentivos para o investimen-to em treinamento, o que desemboca em pouco aumentode produtividade e, portanto, em perpetuação de uma baixaremuneração. Por outro lado, uma alta rotatividade incen-tiva a informalização das relações de trabalho e, portan-to, o pouco grau de compromisso entre trabalhadores efirmas” (Gonzaga 1996a e b).1

Com o fim do modelo de substituição de importaçõese com a maior competição interna e externa ditada pelocrescimento da integração e competição internacional, abusca de aumento de produtividade tem sido primordialpara as empresas aumentarem o grau de competitividadee a qualidade dos seus produtos e serviços. Logo, torna-se cada vez mais importante estudar mecanismos que pro-movam um aumento da produtividade e, portanto, queincentivem as empresas e os trabalhadores a investiremmais em treinamento e qualificação profissional e em re-lações de trabalho mais duradouras.

No entanto, as transformações em curso apontam parauma queda do emprego industrial e com carteira e um cres-cimento da taxa de desemprego e da participação dos seg-mentos informais e do setor terciário na ocupação total,sugerindo um aumento dos empregos mais instáveis e/ouprecários. Assim, em parte como conseqüência do proces-so de terceirização, têm surgido novas relações de traba-lho, através da prestação de serviços, que possuem umamaior flexibilidade, englobando desde a jornada de traba-lho e a renda até o local e a forma de execução do trabalho.

Nesse sentido, independentemente de o processo serpositivo ou negativo para a qualidade do emprego e para

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EMPREGABILIDADE E RECONVERSÃO PROFISSIONAL: TRABALHADORES...

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a produtividade, a flexibilidade do mercado de trabalhonão apresenta tendência de queda se forem implementa-das as novas formas de organização da produção e do tra-balho, que englobam maior integração intersetorial como processo de terceirização, introdução das tecnologiasde informação, downsizing, etc.

Esse quadro do mercado de trabalho brasileiro apontaduas características: um crescimento do desemprego es-trutural e um aumento das relações de trabalho mais ins-táveis. Diante disso, torna-se extremamente importanteestudar os mecanismos possíveis para aumentar a “em-pregabilidade” dos trabalhadores, que pode ser definidatanto como a capacidade destes de se atualizarem paramanter sua ocupação quanto como as qualificações reque-ridas para que o trabalhador, uma vez demitido, tenhacapacidade de ocupar e desenvolver um novo trabalho.Na verdade, o termo empregabilidade deveria ser substi-tuído por “trabalhabilidade” ou “ocupabilidade”, já queaquele emprego em que o trabalhador tem carteira assi-nada e faz uma carreira profissional inteira dentro de umafirma está cada vez mais escasso.

Esse artigo visa contribuir para o estudo do aumentoda empregabilidade dos trabalhadores, através da apre-sentação de elementos – obtidos a partir da análise dastrajetórias intersetoriais dos trabalhadores desligados daindústria de transformação – para a formulação de pro-gramas eficazes de reconversão profissional.

Para tanto, esse artigo apresenta, na primeira parte, umadiscussão sobre alguns possíveis mecanismos capazes deaumentar a empregabilidade dos trabalhadores em facedo contexto econômico e das características do mercadode trabalho brasileiro na primeira metade da década de90. Na parte seguinte, analisam-se as trajetórias interseto-riais dos trabalhadores desligados da indústria de transfor-mação, em busca de evidências empíricas de itineráriostípicos percorridos por esses trabalhadores. Posteriormen-te, discute-se sobre programas de reconversão profissio-nal que poderiam aumentar o grau de empregabilidade dostrabalhadores industriais. Por fim, apresentam-se as prin-cipais conclusões desse trabalho.

A PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 90

O ingresso nos anos 90 significou para a economiabrasileira profundas transformações. Os primeiros anosforam marcados por uma tentativa de estabilização eco-nômica baseada numa política monetária altamente res-tritiva e em reformas estruturais, como o início de umamplo processo de abertura comercial e de privatizações.O resultado dessas medidas foi uma profunda recessãonos primeiros anos da década, que começou a registrarsinal de mudança de rumo apenas em 1993.

A forte queda do produto brasileiro registrada nesseperíodo foi impulsionada, principalmente, pela indústria.As empresas industriais, diante da maior competição in-terna e externa num quadro recessivo, procuraram de al-guma forma se ajustar, o que teve um forte impacto sobreo emprego industrial e naquele com carteira de trabalhoassinada. Houve, então, um crescimento da taxa de de-semprego e um aumento ainda maior da participação dosetor terciário e dos segmentos informais na ocupaçãototal.

Com o Plano Real, em 1994, assim como em váriosoutros países que adotaram políticas de estabilização comâncora cambial, o Brasil experimentou um período ini-cial de expansão econômica – devido basicamente ao au-mento do consumo proveniente do crescimento do poderde compra com a queda da inflação –, seguido de um pe-ríodo de retração decorrente da adoção de políticas res-tritivas para o controle dos desajustes na balança comer-cial e no déficit público, causados pelos efeitos diretos eindiretos do aumento maior das importações do que dasexportações com a valorização cambial.2

A combinação de valorização cambial com elimina-ção de barreiras tarifárias e não-tarifárias provoca umamudança de preços relativos a favor dos bens não comer-cializáveis com o exterior. A maior concorrência internae externa sobre o setor de bens comercializáveis exerceuma pressão maior para esse setor se ajustar aos preçosinternacionais e se tornar mais competitivo. Isso requeruma reestruturação do setor que engloba desde a introdu-ção de novas técnicas e tecnologias de produção e orga-nização do trabalho – exigindo um perfil de mão-de-obramais qualificado – até o simples corte de “gorduras”. Emambos os casos, pelo menos no curto prazo, o resultadodessas medidas é a queda do emprego industrial eformal.

Como pode ser visto no Gráfico 1, os dados de Gonzaga(1996b) corroboram esse movimento: entre 1985 e 1995,a produção industrial cresceu em média 1,32% a.a., acu-mulando um crescimento de 14%; no mesmo período, oemprego industrial caiu 1,93% a.a., acumulando uma re-dução de 17,8%.

O Gráfico 1 mostra que a produção industrial cai con-tinuamente de 1985 até aproximadamente 1992, quandovolta a crescer. Ao mesmo tempo, o emprego industrialdiminui continuamente durante todo o período, mesmoquando a produção volta a aumentar. Várias explicaçõespodem ser dadas para o fenômeno, entre elas o fato deque “o novo ambiente econômico, de estabilidade e maiorcompetição e integração internacionais, transformou ospadrões de competitividade das empresas brasileiras (...)exigindo fortes ajustes em seus métodos de produção. Asrespostas das empresas do setor industrial a esse novo

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GRÁFICO 1

Evolução do Emprego e do Produto (IPF) na Indústria (1)Brasil – 1985-95

Em %

Fonte: Gonzaga (1996b).(1) Dados dessazonalizados.

capacitados para enfrentar a maior competição no merca-do de trabalho.

No entanto, como pensar em aumentar a competênciae qualificação profissional de uma força de trabalho quetem, em média, quatro anos de estudo (Amadeo et alii,1993)? Mesmo no caso dos trabalhadores industriais quetêm um perfil de mão-de-obra mais qualificado, grandeparte não conseguiu completar o curso primário.

Parece óbvio, e a experiência internacional mostra isso(Georg, 1995), que a política de formação profissional so-mente atende a seus objetivos concretos de inserir o tra-balhador em determinada atividade quando a força de tra-balho atinge um nível elevado de formação educacionalgeral e intelectiva. Logo, a universalização e a melhoriada qualidade do ensino básico são primordiais para for-mar um profissional e, portanto, para diminuir a desigual-dade de oportunidade no mercado de trabalho.

No entanto, uma política realmente comprometida emaumentar a qualidade da educação básica e geral imple-mentada hoje somente terá resultado em gerações futurasda força de trabalho. Como poder-se-ia aumentar o graude empregabilidade dos trabalhadores industriais no cur-to prazo?

Uma das formas que tem sido utilizada em diversospaíses refere-se aos programas de reconversão profissio-nal, que têm como característica principal estarem volta-dos para os desempregados e para a ampliação do graude empregabilidade do trabalhador. Esse enfoque, no en-tanto, deve ser relativizado. De acordo com Hirata eZarifian (1994), essas idéias de empregabilidade, ao nas-cerem em um quadro de desemprego estrutural, tendem atransferir para o sujeito a responsabilidade por sua con-dição de empregado ou de desempregado.

Assim, para ampliar o conceito de empregabilidade,pode-se também entendê-lo como uma construção social

ambiente, desde o início dos anos 90, têm sido a adoçãocrescente de técnicas de produção poupadoras de custose baseadas em mão-de-obra menos rígida (terceirização,downsizing)” (Gonzaga 1996a e b).

Nesse mesmo período, acelera-se um outro processoestreitamente ligado à terceirização, que se refere ao cha-mado outsourcing internacional, ou seja, amplia-se a im-portação de partes e componentes, o que passa a ser in-terpretado como tendência de globalização das cadeiasprodutivas.

De fato, parece ter ocorrido uma quebra estrutural emalgum ponto da primeira metade dos anos 90 quando oproduto industrial passa a crescer e o emprego a decli-nar.3 A despeito dos problemas de (super)estimação,4 tem-se verificado um aumento significativo da produtividadena indústria brasileira nesse período. Assim, mesmo quehaja um crescimento do produto industrial, os impactosdiretos e indiretos para frente e para trás em outros seto-res – como serviços – podem ser tão fortes que o cresci-mento da ocupação nesses setores supera o da indústriaem tal magnitude que dificilmente verificar-se-á um au-mento da participação do emprego industrial.

Como contrapartida desse processo, tem-se observadono mercado de trabalho brasileiro um aumento constanteda participação dos trabalhadores ocupados em ativida-des do setor terciário, passando de 69% em 1991 para 72%em 1995. Junto a isso, verifica-se também um crescimen-to contínuo da proporção de empregados sem carteira ede trabalhadores por conta própria, que passa de 44% em1991 para 50% em 1995.5

A questão que esse artigo coloca é: como aumentar aempregabilidade dos trabalhadores industriais, em espe-cial dos desempregados, diante desse quadro? Uma dasformas seria através do investimento na formação e qua-lificação profissional dos trabalhadores para torná-los mais

Em %

Anos

Emprego Produção (IPF)

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Dessa forma, apresentam-se, a seguir, os aspectos con-ceituais e a metodologia de trajetórias profissionais, bemcomo a análise destas por setor e tempo de desemprego.

Aspectos Conceituais

As trajetórias profissionais são reflexo da interação deum conjunto de fatores como o comportamento da deman-da, as estratégias dos empregadores e dos trabalhadores,a existência de programas governamentais, de empresase outras instituições para a capacitação, atualização e re-conversão profissional do trabalhador, da carreira ante-rior do trabalhador e, segundo Gazier (1990), em espe-cial aquela obtida no último vínculo, dentre outros.

Logo, as trajetórias profissionais estão representadaspor uma linha que liga os pontos que expressam as inte-rações dos fatores destacados anteriormente. Nesse arti-go, tais pontos são definidos como a probabilidade de ostrabalhadores desligados da indústria de transformação em1989 serem readmitidos no setor formal na primeira me-tade dos anos 90.

A partir dessa definição, o conceito de empregabilida-de fica subjacente aos itinerários percorridos pelos traba-lhadores em um sentido muito específico: capacidade deobtenção de um emprego pelo trabalhador ou capacidadede um trabalhador de sair da condição de desempregadoou do setor informal.

Em suma, define-se por trajetória profissional o per-curso que um trabalhador desligado da indústria realizaao retornar para o mercado de trabalho formal. Essa de-finição está amarrada à constituição da base de dados,como será visto a seguir.

Metodologia

Nesse trabalho, utilizaram-se as informações da Rais(Relação Anual de Informações Sociais) e da Lei n. 4.923do Ministério do Trabalho. As empresas que demitem ouadmitem trabalhadores são obrigadas a mandar para oMinistério do Trabalho o registro da movimentação. Es-sas informações são sistematizadas pelo Caged (Cadas-tro Geral de Emprego e Desemprego) e referem-se aostrabalhadores que têm contratos regidos pela Consolida-ção das Leis do Trabalho (CLT).

Os dados utilizados nesse artigo são tabulações espe-ciais realizadas pela Datamec/MTb. Através do rastrea-mento do PIS dos trabalhadores, foi possível acompanharas trajetórias intersetoriais dos trabalhadores que foramdesligados da indústria de transformação em 1989. Issopossibilita saber que trabalhador saiu e que trabalhadorretornou ao mercado de trabalho formal (que é a cobertu-ra da Rais), bem como identificar fatores que condicio-

decorrente da interação de estratégias de diferentes ato-res sociais que contribuem para que o trabalhador mante-nha-se na situação de empregado, ou saia da condição dedesempregado. Desse modo, não se pode pensar empre-gabilidade sem levar em consideração a demanda por tra-balho, as informações profissionais e, em casos de políti-cas de deslocamento, a assistência técnica e financeira.

A argumentação aqui está orientada para identificarfatores que condicionam o grau de empregabilidade detrabalhadores industriais, considerando empregabilidadedessa perspectiva mais abrangente de construção social.Contudo, para adaptar o conceito de empregabilidade paraa análise de trajetórias derivadas da constituição de umpainel que capta os itinerários no mercado formal, esteserá traduzido sinteticamente como sendo a probabilida-de de obtenção de um emprego no mercado formal de tra-balho.

Assim sendo, antes de detalhar um possível desenhode um programa de reconversão profissional, é extrema-mente importante analisar as trajetórias intersetoriais dosdesligados da indústria com o objetivo de conseguir pis-tas sobre a empregabilidade e, portanto, adquirir elemen-tos para pensar no desenho de uma política de reconver-são profissional.

TRAJETÓRIAS INTERSETORIAISDOS TRABALHADORES DESLIGADOSDA INDÚSTRIA

As reformas estruturais em curso e as políticas de es-tabilização econômica adotadas na primeira metade dadécada de 90 tiveram um impacto setorial relativamentemaior sobre a indústria de transformação brasileira. Quan-do considerado o movimento da mão-de-obra formal,verifica-se que na indústria de transformação foram des-truídos 720.000 vínculos empregatícios.

Portanto, é relevante estudar que tipo de percurso pro-fissional os trabalhadores desligados da indústria têmpercorrido no Brasil. A análise da transição profissionaldos trabalhadores tem sido realizada com bastante freqüên-cia na França, onde se tenta avaliar as chances de entradaou saída do mercado de trabalho dos trabalhadores co-bertos pelo seguro-desemprego.

Apesar da dificuldade de fazer esse tipo de análise nocaso do mercado de trabalho brasileiro – pois a alta rota-tividade torna a construção da base de dados e a análisedos movimentos mais complexas –, considera-se essemétodo mais correto e apropriado para a análise da em-pregabilidade. Isso se explica pelo fato de que as trajetó-rias revelam não somente a capacidade de mobilizaçãodas qualificações, mas também a obtenção de uma rela-ção de emprego e salário (Rose, 1996).

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Esse tipo de movimentação parece conter uma dimen-são ligada à baixa geração de empregos no período e ou-tra associada à magnitude da demanda diferencial porempregos entre indústria de transformação e comércio/serviços, que vem ocorrendo com maior intensidade des-de 1990.

Poder-se-ia pensar que esse dado é um reflexo da con-juntura especialmente negativa do setor industrial nesseano. No entanto, as probabilidades de os trabalhadoresdesligados da indústria em 1989 e 1993 serem readmiti-dos em 1990 e 1994 são muito parecidas nos dois pai-néis, o mesmo ocorrendo em comércio/serviços.

Assim, a probabilidade de reinserção profissional naperspectiva macrossetorial (secundário/terciário) obser-vada em 1990 (que foi um ano recessivo), utilizando-seum painel composto por trabalhadores desligados em1989, reproduz-se em 1994 (que é um ano de crescimen-to) quando é utilizado o painel composto por trabalhado-res desligados em 1993. Isso pode estar de fato sinali-zando para um comportamento mais estrutural do mercadode trabalho.

Um segundo tipo de segmentação origina-se do agru-pamento de trabalhadores segundo a natureza da indús-tria – tradicional e moderna.6 Com esse procedimento,verifica-se o seguinte:- o trabalhador que era da indústria tradicional em 1989apresentou 44% de probabilidade de reinserção em indús-trias do tipo tradicional e 8% em indústrias do tipo mo-derna;

- o trabalhador que era da indústria moderna em 1989apresentou 32% de probabilidade de reinserção em indús-trias do tipo moderna e 14% em indústrias do tipo tradi-cional.

Embora essa classificação de indústria moderna e tra-dicional possa introduzir algumas distorções, pela sim-plificação que impõe à realidade industrial, esta revelaque, em ambos os casos, há uma probabilidade maior deos trabalhadores desligados retornarem para o setor deorigem e que a chance de os trabalhadores do setor mo-derno migrarem para o setor tradicional é maior do queno caso contrário.

No entanto, ao se analisar essas trajetórias segundocaracterísticas socioeconômicas dos trabalhadores, iden-tificam-se diferenças substantivas entre os que se reinse-rem em indústrias modernas e tradicionais:- trabalhadores com maior nível de escolaridade (32% com1º grau completo, ou mais, de escolaridade), com maistempo de vínculo no último emprego (51% com maisde um ano) e do sexo masculino (78%) têm maior pro-babilidade de reinserção em setores da indústria mo-derna;

nam a mobilidade desses trabalhadores no mercado for-mal de trabalho.

Para os trabalhadores que tinham mais de um registrode admissão num mesmo ano, foi computada somente asua última admissão no ano. Com isso, elimina-se a mo-bilidade intra-ano, ou seja, a rotatividade dentro de cadaano. No entanto, existe a possibilidade de mobilidade entreos anos, pois se um trabalhador desligado da indústria éadmitido em 1990, mas foi demitido em 1991 e readmiti-do em 1992, ele aparece na análise duas vezes. Assim sen-do, esses dados não podem ser vistos como o número detrabalhadores que foram admitidos de 1990 a 1995, massim como o número de readmissões que ocorreram nesseperíodo.

As análises aqui apresentadas derivam de um acompa-nhamento da readmissão dos trabalhadores desligados daindústria no ano de 1989, por setor de atividade. É claroque quando se trata de trajetórias profissionais, seria maisadequado analisar as transições entre ocupações e o salá-rio associado à entrada. No entanto, devido basicamenteàs dificuldades técnicas da construção da base de dadoscom essas variáveis, inicia-se a análise de trajetória enfo-cando a variável setor. Assim, é possível cruzar caracte-rísticas dos trabalhadores e dos estabelecimentos dos des-ligados da indústria de transformação em 1989, sendo quea readmissão desses no mercado formal de trabalho seráanalisada somente por setor.

Vale dizer que, por se considerar a análise da ocupa-ção e da renda fundamental para uma melhor compreen-são das trajetórias dos trabalhadores desligados da indús-tria, está sendo aprimorada, em conjunto com a Datamec/MTb, a base de dados de trajetória para levar em contaessas variáveis.

Trajetórias por Grandes Setores de Atividade

De acordo com os dados do Painel Rais, 1.571.005 tra-balhadores haviam sido desligados da indústria de trans-formação em 1989 e permaneciam fora do mercado for-mal em 31 de dezembro de 1989. Acompanhando astrajetórias desses trabalhadores ao longo do período 1990-95, verifica-se que 68% desses trabalhadores (1.066.285)reinseriram-se no mercado formal e 32% (504.720 traba-lhadores) ficaram no setor informal, desempregos ou forada força de trabalho.

Com relação aos trabalhadores que retornaram para omercado de trabalho formal em 1990, identificam-se inú-meras segmentações, dentre as quais destacam-se duasprincipais. A primeira, é de caráter macrossetorial, isto é,50% dos trabalhadores que voltaram para o mercado for-mal reempregaram-se no setor industrial, 39% em comér-cio e serviços e 11% em outras atividades.

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- inversamente, trabalhadores com menor nível de esco-laridade (18% com 1º grau completo, ou mais, de escola-ridade), com menos tempo de vínculo no último emprego(38% com mais de um ano) e do sexo feminino (37%)têm maior probabilidade de reinserção em setores da in-dústria tradicional.

Várias hipóteses podem ser levantadas para explicaresse tipo de segmentação estrutural. Uma delas parte dasuposição de que existem pedagogias implícitas aos pro-cessos de trabalho de cada setor industrial, tornando-osmais ou menos qualificantes, segundo a tecnologia e aorganização do trabalho adotadas. A existência dessessegmentos decorre da interação de diversos fatores, comoa natureza dos conhecimentos gerados no processo de tra-balho, o fluxo formal e informal de informações que seestabelece entre empresas e trabalhadores, dentre outros.Essa interação, da qual participam atores como empre-sas, trabalhadores, institutos de formação profissional,órgãos de representação de classe, dentre outros, acabapor produzir uma institucionalidade que contém regras emecanismos implícitos de funcionamento que são reco-nhecidos por esses atores.

Outra hipótese que pode ser levantada para identificarfatores que estariam presentes na explicação do maiornível relativo de qualificação nas empresas pertencentesà indústria moderna deriva da teoria de segmentação domercado de trabalho. Como algumas empresas identifi-cam a estratégia tecnológica principal com a qualifica-ção de uma parte de sua mão-de-obra, estas tenderiam aestabilizá-la, de modo a preservar esse segmento internodas oscilações de demanda. Essa estabilização facilitariaa realização de investimentos em capacitação profissio-nal (ver, por exemplo, DiPrete, 1993).

Vários estudos apontam para a existência de uma par-cela mais estável e melhor remunerada da mão-de-obraempregada na indústria moderna, do que a encontrada nasindústrias tradicionais (Castelar e Ramos, 1994). Dessemodo, a remuneração e o tipo de conhecimento produ-zido e mobilizado pelos trabalhadores nesses processosde trabalho particularizados podem contribuir para ex-plicar as segmentações encontradas nas trajetórias pro-fissionais.

Trajetórias Segundo o Períodode Tempo Fora do Mercado Formal

Um outro fenômeno que os dados de trajetória revela-ram, ainda que de forma puramente indicativa, refere-seao efeito do período de tempo fora do mercado formalsobre a reinserção profissional do trabalhador.

A literatura técnica normalmente enfatiza a relaçãoentre tempo de desemprego e reinserção profissional de

trabalhadores. Por exemplo, analisando dados de umapesquisa conduzida entre trabalhadores demitidos de umagrande empresa na França, Despointes (1990) conclui queou o trabalhador encontra um emprego estável no seuprimeiro ano de desemprego ou ele fica estigmatizado notrabalho precário. São destacados dois tipos de itinerá-rio: indivíduos que se instalaram no trabalho com contra-to temporário e, portanto, o desemprego compreende operíodo entre dois contratos; e trabalho temporário é umtrampolim para um emprego estável.

No caso deste estudo, dois pontos merecem ser comen-tados: o painel que acompanha o trabalhador não possi-bilita saber o que se passa com ele quando não está nomercado formal, pois, como foi dito anteriormente, elepode estar no mercado informal, no desemprego ou forada força de trabalho. No Brasil, não se tem evidências deque esteja aumentando o tempo de desemprego dos tra-balhadores, em função, provavelmente, do papel que osetor informal desempenha nesse processo.

O Gráfico 2 mostra a proporção mensal de trabalhado-res desligados da indústria em 1989 que continuavam forado mercado formal em 31 de dezembro de 1989. Observa-se que a proporção de trabalhadores há 12 meses fora doformal é de 5% , enquanto a daqueles com menos de ummês é de 12%. Logo, quanto maior o tempo fora do merca-do formal de trabalho menor a proporção de desligadosda indústria. Esses dados sugerem uma alta rotatividadeda mão-de-obra, mesmo considerando somente os traba-lhadores industriais com carteira de trabalho assinada.

Ainda assim, será feita uma breve descrição do movi-mento da readmissão dos trabalhadores em 1990 confor-me aumenta o período de tempo entre o desligamento e areinserção no mercado formal. Em primeiro lugar, pode-se perceber, através da curva de admitidos em 1990 noGráfico 3, que cresce significativamente a probabilidadede reinserção profissional no ano de 1990, na medida emque se passa de janeiro para dezembro de 1989: em janei-ro essa probabilidade era de 34% e, em dezembro, de 56%.Ou seja, quanto mais próximo do momento de desliga-mento ocorrer o reemprego, maior é a probabilidade dereinserção.

Para os 504.720 trabalhadores que ficaram fora donúcleo formal, o resultado é absolutamente complemen-tar ao perfil de reemprego: daqueles que foram desliga-dos em janeiro de 1989, 40% ficaram fora do núcleo for-mal; em dezembro essa proporção caiu para 23% (Gráfico3, curva fora do núcleo formal). Ou seja, quanto mais sealonga o tempo em que o trabalhador não consegue sereempregar no mercado formal, menores são suas chan-ces de reinserção profissional.

É importante também que esses dados sejam analisa-dos em conjunto com a quantidade de trabalhadores que

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GRÁFICO 2

Proporção Mensal dos Trabalhadores Desligados da Indústria em 1989 que Continuavam Desempregados em 31/12/89Brasil

GRÁFICO 3

Proporção Mensal dos Trabalhadores Desligados da Indústria de Transformação em 1989 Readmitidos ou Não nos Anos PosterioresBrasil

Em geral, conforme mencionado anteriormente, pes-quisas sobre trajetórias identificam no tempo de desem-prego um fator importante para explicar o fenômeno dareinserção profissional. Esse é um resultado esperado porinúmeras razões, dentre as quais podemos destacar:- com a não mobilização produtiva de seu saber fazer, otrabalhador torna mais rapidamente obsoleto o seu esto-que de conhecimentos;

- conforme aumenta o tempo de desemprego, o trabalha-dor perde gradualmente contato com mecanismos formaise informais que regulamentam o mercado de trabalho;

- além disso, o tempo de desemprego atua sobre a moti-vação do trabalhador, desestimulando-o a procurar em-prego no núcleo formal.

Por essas razões, programas de reconversão profissio-nal de países centrais tendem a trabalhar de forma explí-

foi desligada em cada mês de 1989, uma vez que essaquantidade pode ter um efeito sobre o comportamentoposterior do reemprego dos trabalhadores. De fato, comose verifica no Gráfico 2, a proporção de desligados da in-dústria por tempo fora do mercado formal é decrescente,apresentando uma curva de demissão em 1989 com for-mato muito semelhante ao do perfil de reemprego de 1990.

Apesar dessa semelhança, a hipótese é a de que se tra-ta de dois fenômenos distintos, pois, se o tempo fora domercado formal não exercesse qualquer influência sobrea reinserção no mercado formal, o comportamento dascurvas de reinserção de 1990 e a de fora do mercado for-mal apresentaria um desenho totalmente aleatório, o quenão aconteceu. De todo modo, esses dados devem serconsiderados de forma indicativa e somente análises es-tatísticas mais elaboradas poderão confirmar ou infirmaressa hipótese.

60555045403530252015

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

Mês dedesligamento

Em %

Admitidos em 90 Admitidos entre 91 e 95 Fora do Núcleo Formal

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

Mês dodesligamento

em 1989

14

12

10

8

6

4

2

0

Em %

Fonte: Ministério do Trabalho – MTb. Relação Anual de Informações Sociais – Rais 1989; Migra

Fonte: Ministério do Trabalho – MTb. Relação Anual de Informações Sociais – Rais 1989; Migra

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cita com a variável tempo de desemprego. Há razoáveisindicações para se supor que fenômeno semelhante deveocorrer conforme aumenta o tempo fora do mercado for-mal. Desse modo, utilizando-se os conceitos anteriores,pode-se acrescentar que o aumento do tempo fora domercado formal reduz o grau de empregabilidade dos tra-balhadores e que programas de reconversão profissionalterão suas chances de sucesso ampliadas se consideraremde forma explícita essa variável.

Resumindo, a análise das trajetórias revela que, por umlado, podem-se distinguir fatores relativos à demanda demão-de-obra que condicionam a empregabilidade dos tra-balhadores. Alguns estão relacionados basicamente aosciclos econômicos e às políticas macroeconômicas queem parte os determinam, enquanto outros se referem aoprocesso de reestruturação de empresas, às distintas pe-dagogias dos processos de trabalho e ao tempo fora domercado formal. Por outro lado, as estratégias dos traba-lhadores para a reinserção no mercado formal de traba-lho interagem e modificam essa dinâmica, o que acabapor se refletir no movimento das trajetórias profissionais.

Tendo em vista que a interação dessas estratégias de-fine a empregabilidade do trabalhador, deve-se pergun-tar de que modo considerá-la quando da formulação deuma política de reconversão profissional. Pode-se respon-der a essa indagação assumindo que programas de recon-versão profissional devem procurar ampliar o grau deempregabilidade dos trabalhadores.

TRAJETÓRIAS E PROGRAMASDE RECONVERSÃO PROFISSIONAL

Convém, inicialmente, sublinhar alguns pontos maisamplos nos quais deveriam estar pautados modelos deformação profissional que integrassem programas de re-conversão profissional. O primeiro refere-se à educaçãogeral, que deveria fornecer conteúdos de diferentes áreasde conhecimento voltados para o desenvolvimento plenode capacidades e potencialidades dos trabalhadores. Osegundo relaciona-se com a natureza dos conteúdos cur-riculares no campo da educação profissional. A concei-tuação de Prieto e Homs (1990) pode contribuir nessadireção: “...sociólogos e economistas do trabalho opõemfreqüentemente dois modelos de configuração do espaçodas qualificações: o modelo profissional e o modelo or-ganizacional. O modelo profissional, que é a profissão, édefinido como o conjunto institucionalizado de uma qua-lificação, de uma carreira e de expectativas, que funcio-na como um princípio estruturante do mercado de traba-lho, acima de cada empresa e por intermédio de cada uma.No modelo organizacional, as qualificações são edifica-das por e para cada empresa: elas adquirem sua significa-

ção dentro do espaço organizacional particular a cada uma.A qualificação do trabalhador se torna assim uma quali-ficação da empresa, e não poderá, por conseguinte, sertransferida tal e qual para o conjunto do espaço da produ-ção.”

Esses modelos de base podem ajudar a pensar de quemodo considerar os fatores, apontados anteriormente, queconformam o grau de empregabilidade dos trabalhado-res. Uma proposta poderia passar pela formulação de pro-gramas de capacitação e de reconversão profissionais queapresentassem uma “visão consertada de um conjunto deempresas, preservando o espaço de qualificação de cará-ter profissional” (Prieto e Homs, 1990). Isso significaria,teoricamente, proporcionar um conjunto genérico de co-nhecimentos, habilidades e atitudes que facultassem aotrabalhador movimentar-se por diferentes espaços produ-tivos e, ao mesmo tempo, estabelecessem uma relaçãoconcreta com empresas de um setor específico de ativi-dade econômica, ou de uma região geográfica. Adaptan-do essa proposição à análise anteriormente apresentada,pode-se dizer que essa relação concreta deveria incorpo-rar as segmentações identificadas nas trajetórias profis-sionais de trabalhadores industriais, bem como as impli-cações do período de tempo fora do mercado formal detrabalho para a reinserção profissional.

Um outro aspecto a considerar é que programas de re-conversão profissional necessitam estar sustentados emformatos institucionais específicos, de modo que sejamdesenvolvidas outras atividades, além daquelas de capa-citação profissional, que ampliem as possibilidades dereinserção profissional de trabalhadores desempregados.

Formatos Institucionais de Intermediação de Ofertae Demanda de Mão-de-Obra

Primeiramente, é necessário fazer alguns comentáriossobre resultados de programas de reconversão profissio-nal realizados em países centrais, onde aparece de formamais clara a idéia de formato institucional, para, em se-guida, apresentar as precondições básicas para o sucessode um programa de reconversão profissional.

Em recente artigo do The Economist, publicado pelaGazeta Mercantil, em 14 de abril de 1996, programas dereconversão profissional de diversos países são comenta-dos e seus resultados, aparentemente, enquadram-se noargumento de que “quase todos os estudos (que compa-ram grupos de desempregados que participam de progra-mas governamentais de treinamento com grupos seme-lhantes que não participam) concluíram que programasvoltados para desempregados não conseguiram melhorarnem a renda nem as perspectivas de emprego de seus par-ticipantes”.

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Por outro lado, o artigo sublinha que “entre os progra-mas de treinamento custeados pelos governos, tiveramsucesso os pequenos e localizados, que se concentraramem ajudar as pessoas a procurar emprego, e os que dota-ram as pessoas de especializações básicas”.

Embora possa dar margem a inúmeras interpretações,uma condição necessária para a viabilidade de tais pro-gramas depende de formatos institucionais nos quaisempresas estejam diretamente envolvidas, de modo queo enlace entre oferta e demanda de mão-de-obra ocorrade forma mais definida.

Desse modo, uma primeira abordagem da discussão emtorno de formatos institucionais passaria por essa “rela-ção concreta com empresas de um setor específico de ati-vidade econômica, ou de uma região geográfica” (Prietoe Homs, 1990).

Pode-se compreender a noção de viabilidade de pro-gramas de reconversão em torno de formatos institucio-nais específicos, também sob a ótica do fluxo de infor-mações. Segundo White (1990), “as decisões são tomadaspor indivíduos (que procuram um emprego), por empre-gadores (que os recrutam) e por intermediários do mer-cado de trabalho tais como, agências de colocação e deemprego, organismos de formação e formadores, etc. Parase tomar essa decisão é preciso de informações e, aindaque tal informação não exista, ela pode ser substituída porsuposições”.

Assim, formatos institucionais específicos facilitariamo fluxo de informações entre oferta e demanda de mão-de-obra, pois criaria um circuito mais facilmente identi-ficável pelos atores.7

Resumindo, programas de reconversão profissionaldeveriam ter algumas precondições:- proporcionarem um conjunto genérico de conhecimen-tos, habilidades e atitudes que facultassem ao trabalha-dor movimentar-se em diferentes espaços produtivos e,ao mesmo tempo, estabelecessem uma relação concretacom empresas de um setor específico de atividade eco-nômica, ou de uma região geográfica;

- estarem sedimentados em formatos institucionais espe-cíficos, definidos de acordo com situações particulares,envolvendo atores relevantes a cada caso;

- possibilitarem uma circulação ampla de informaçõessobre oferta e demanda de mão-de-obra.

Programas de Reconversão Profissional

Uma vez analisadas as precondições que ampliariamas chances de sucesso de programas de reconversão pro-fissional, passa-se, a seguir, para a discussão de outrasdiretrizes gerais.

Os programas de reconversão profissional podem serdirigidos a duas situações básicas: programas voltados paraa manutenção do emprego de um trabalhador; e progra-mas destinados a trabalhadores que se encontram na con-dição de desemprego. Nesse artigo, apresenta-se a análi-se das trajetórias dos desligados da indústria e, portanto,nessa parte, será privilegiada a discussão de programaspara desempregados, embora no âmbito de políticas pú-blicas ambas dimensões deveriam ser contempladas.

A partir da análise de trajetórias, três linhas de racio-cínio podem ser desencadeadas para o traçado de políti-cas de reconversão profissional de trabalhadores indus-triais: uma que procura reinserir o trabalhador no tecidoindustrial; outra que estimula a terceirização; e a últimaque favorece a realização de atividades fora do mercadoformal de trabalho.

Políticas de reconversão profissional para trabalhado-res industriais direcionadas à reinserção em atividadesindustriais poderiam ser implementadas através do incen-tivo às empresas para retreinarem trabalhadores ligadosa ocupações que se encontram ameaçadas de extinção, ouàs indústrias que estejam passando por transformaçõesprofundas.

Antes, porém, convém destacar um ponto que podesubsidiar sobremaneira as políticas de reconversão volta-das para o mercado formal de trabalho. Esse ponto refe-re-se ao monitoramento das intenções de investimentosgovernamentais e de grupos econômicos privados, com oobjetivo de se estimar os efeitos diretos e indiretos sobreo emprego.

Por exemplo, os recentes planos de investimentos anun-ciados pela indústria automobilística podem promover,caso concretizados, uma ampliação muito significativa dademanda por emprego. Essa demanda será localizada doponto de vista espacial e ocupacional e, sabendo-se comantecedência o tipo de profissional que será requerido,pode-se procurar articular atores institucionais responsá-veis pela intermediação de oferta e demanda de mão-de-obra com aqueles de capacitação profissional. O mesmopoderia ser feito com planos e investimentos governamen-tais e outros de caráter setorial.

A experiência internacional mostra alguns casos quevalem ser mencionados. Na Alemanha, os denominadosemployment plans, desenvolvidos na segunda metade dadécada de 80, constituem uma tentativa de regulação dodesemprego associada à reconversão profissional. Estesprogramas, financiados com fundos das próprias empre-sas e do Federal Labour Office, consistem no retreina-mento a empregados de firmas ou de regiões em proces-so de reestruturação. Assim, o governo incentiva as firmasa retreinarem seus empregados antes de tomar uma deci-são final com respeito às demissões. Uma característica

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destes programas é que os empregados permanecem nafirma enquanto são retreinados, tanto os qualificados comoos não-qualificados. Uma mesma tendência observa-se naEuropa: fundos do European Structural Found estão sen-do usados crescentemente para o retreinamento de traba-lhadores afetados pela reestruturação.8

Na França, os planos de reconversão profissional queemergem em meados da década de 80 têm por objetivoenfrentar o crescimento do desemprego, em particular oque assume um caráter de longo prazo. Destaca-se, ain-da, o fato de que a probabilidade de sair do desemprego eo tipo de itinerário dos trabalhadores demitidos das gran-des empresas dependem também do esquema de indeni-zação dos programas de demissão voluntária adotados porestas.9

Em geral, estes programas não procuram manter o tra-balhador no emprego, mas sim criar um sistema de realo-cação entre firmas ou criação de pequenas e médias em-presas. Firmas e agências de governo articulam-se pararealocar os desempregados. Desse modo, muitas firmastêm substituído seus programas de demissões por umapolítica de reconversão. Na indústria de aço de Lorraine,a legislação introduziu a obrigatoriedade de programasde reconversão para trabalhadores que seriam demitidos(Bosch, 1990).

Caso programas similares fossem adotados aqui no país,estudos de trajetórias poderiam indicar, para empresas,governo e outros atores integrantes de arranjos institucio-nais próprios, itinerários profissionais típicos, buscandoampliar o grau de empregabilidade do trabalhador nomercado de trabalho interno ou externo à empresa.

Uma segunda dimensão a ser considerada refere-se aotraçado de políticas de reconversão profissional que fa-vorecessem a reinserção do trabalhador industrial em ati-vidades de serviços voltadas a dar sustentação técnica àsredes de subcontratação.

Dentre as inúmeras questões que estão surgindo hojeno debate acerca da constituição de redes de subcontrata-ção no âmbito do processo de reestruturação produtiva,existe aquela relacionada com a capacitação de recursoshumanos. Isso porque o desenvolvimento de programasde capacitação de recursos humanos, que antes ocorriade forma verticalizada, agora tende a ocorrer de maneirapulverizada, implicando a necessidade de constituição deum novo padrão de relações entre firmas, de modo a am-pliar a eficiência produtiva. Como o processo de terceiri-zação em 1990 resultou em um aumento da informalida-de, justifica-se perguntar de que modo programas dereconversão profissional podem dar sustentação técnicaà constituição de redes de subcontratação.

Finalmente, é importante distinguir entre políticas dereinserção no mercado formal e políticas de deslocamen-

to, aqui entendidas como aquelas voltadas para dar sus-tentação à geração de trabalho e renda fora do mercadoformal.10 Isso porque, ao se considerar como crescente odiferencial entre a capacidade de produção das empresase a quantidade de trabalho envolvida nesse processo, deve-se pensar no traçado de políticas de reconversão que pos-sibilitem ao trabalhador desempenhar uma atividade eauferir renda fora do mercado formal de trabalho.

Essas políticas de deslocamento implicam a definiçãode formatos institucionais que incluem assistência técni-ca, crédito, acompanhamento inicial, dentre outras inú-meras atividades a cargo de atores institucionais distintos.Caberia, então, um exame mais detalhado das experiên-cias nessa área que tenham tido sustentabilidade no lon-go prazo e identificar fatores que concorreram para esseresultado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As interações entre estratégias de empregadores e detrabalhadores, ao mesmo tempo em que se inscrevem emtrajetórias profissionais, condicionam o grau de empre-gabilidade dos trabalhadores. Como pode ser identifica-do o grau de empregabilidade nos itinerários profissio-nais do trabalhador no mercado formal? As trajetóriasprofissionais, do modo como foram construídas, repro-duzem basicamente a experiência do trabalhador no mer-cado formal. Ao se identificar essa experiência, deve-seter presente, quando da definição de programas de recon-versão profissional, que, ao mesmo tempo em que pro-duz conhecimentos, gera marcas e sinais reconhecíveispor diversos atores sociais, o que condiciona o grau deempregabilidade dos trabalhadores.

A partir da análise das trajetórias profissionais, identi-ficam-se os seguintes condicionantes da empregabilida-de dos trabalhadores desligados da indústria:- segmentação macrossetorial (indústria versus comércio/serviços) associada à demanda relativa por emprego e àreestruturação produtiva;

- segmentação entre indústrias tradicionais e modernas,associada por hipótese à pedagogia intrínseca dos proces-sos de trabalho;

- período de tempo fora do mercado formal de trabalho.

Esses resultados indicam que seria apropriado desta-car três linhas de atuação para o desenho dos programasde reconversão profissional para os desempregados daindústria:- programas voltados para a reinserção no tecido industrial;

- programas voltados para a reinserção em atividades deserviços, para dar sustentação técnica às redes de subcon-tratação;

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- políticas de deslocamento, isto é, políticas de geraçãode trabalho e renda fora do mercado formal.

No entanto, os programas de reconversão profissio-nal, tratados de forma isolada, colocam demasiado pesoe responsabilidade na capacidade do trabalhador de sairda condição de desempregado. Considere-se, por exem-plo, uma situação limite, porém cada vez mais freqüenteentre desempregados da indústria: trabalhadores que fo-ram submetidos a uma extrema divisão do trabalho porum longo período de sua vida profissional e não tiveramoutras experiências fora de seu emprego que lhes pos-sibilitassem mobilizar suas capacidades de gestão e deorganização terão enormes dificuldades de gerir seupróprio negócio, o que alerta para precauções adicio-nais na definição de programas voltados para microem-presários.

Desse modo, torna-se necessário considerar tambémfatores como demanda por trabalho, informação profis-sional e, em casos de políticas de deslocamento, assistên-cia técnica e financeira. A partir dessa conjunção de fato-res, chega-se à definição de programas de reconversãoprofissional, a partir de dois eixos principais:

- o que considera a interação dos modelos profissional eorganizacional para a configuração de base do espaço dasqualificações;

- o que considera a constituição de formatos institucio-nais específicos para dar suporte à implantação de pro-gramas de reconversão profissional.

Isso significa montar programas de reconversão quecontenham um conjunto amplo e, ao mesmo tempo, loca-lizado, de conhecimentos e que se sustentem em forma-tos institucionais específicos, dos quais participem ato-res relevantes que facilitem a reinserção profissional detrabalhadores desempregados. Um formato possível se-ria uma maior integração entre programa de seguro-de-semprego, sistema de recolocação da mão-de-obra, agên-cias de formação e reconversão profissional e empresas.Desse modo, o tipo de informação sobre oferta e deman-da de mão-de-obra que deveria circular em cada formatoinstitucional específico facilitaria a passagem do desem-prego para a ocupação.

Assim, ampliar o grau de empregabilidade de traba-lhadores desempregados passaria pela definição de pro-gramas de reconversão profissional que desenvolvessemo espaço de caráter profissional das qualificações (o quepossibilitaria maior capacidade de mobilidade ocupacio-nal do trabalhador) e, ao mesmo tempo, estivessem sus-tentados por formatos institucionais específicos, dos quaisparticipassem atores relevantes que conduzissem à rein-serção profissional desses trabalhadores.

NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Caxambu, out. 1996.

Agradecemos a Heloísa Teixeira pela elaboração dos gráficos.

1. Sobre essa questão, ver também Amadeo (1995); Amadeo et alii (1993).

2. As explicações sobre o ciclo dos planos de estabilização com âncora cambialpodem ser vistas em Kiguel e Leviatan (1992) e Iglesias (1995).

3. Essa questão foi explorada por Gonzaga (1996a e b).

4. A questão dos problemas envolvidos na estimação da produtividade é tratadaem Bonelli (1996) e Amadeo (1996).

5. Esses dados foram extraídos do Boletim de Mercado de Trabalho do Ipea/MTb e são tabulações especiais da PME/IBGE. Portanto, referem-se às seismaiores regiões metropolitanas do Brasil.

6. Indústria tradicional: minerais não-metálicos, alimentares, têxtil, vestuário ecalçados, madeira e mobiliário, bebidas, couros e peles, fumo, borracha e diver-sas. Indústria moderna: metalúrgica, mecânica, material de transportes, plástico,química, material elétrico e de comunicações, papel e papelão, editorial e gráfi-ca, perfumaria, sabão e velas e farmacêutica e veterinária.

7. Alves e Soares (1996) analisam o papel das políticas públicas na interaçãodos programas de treinamento e formação profissional com os programas de se-guro-desemprego, de colocação, de geração de emprego e renda no Brasil.

8. Uma análise desses programas encontra-se em Bosch (1990).

9. Para maiores detalhes, ver Florens (1990).

10. Essa discussão sobre políticas de deslocamento pode ser vista em Lifschitz(1996).

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FLEXIBILIDADEE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

MARIA CRISTINA CACCIAMALI

Professora do Departamento de Economia da USP, Presidente doPrograma de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP

literatura especializada, bem como a mídia, atri-buem cada vez mais importância às micro e pe-quenas empresas (MPEs) em decorrência da

maior flexibilidade, da maior capacidade adaptativa, queessas unidades produtivas possuem para se ajustarem àsmudanças macro e microeconômicas. Os argumentos, deforma estilizada, podem ser apresentados da seguintemaneira: a globalização dos mercados estaria a enfraque-cer a capacidade competitiva das grandes e megaempresas,o que abriria espaços crescentes para empresas de menorporte. A maior flexibilidade destas as proveria de condi-ções mais adequadas para fazer frente a característicasessenciais da economia global – como a ampliação dosmercados, as mudanças rápidas de demanda e as novastecnologias de produção e de organização do trabalho – elhes permitiria um ajustamento mais rápido a essas trans-formações. Além do que, seu aumento numérico poderiaelevar a participação das MPMEs (micro, pequenas emédias empresas) no valor adicionado da produção e nosmercados de bens e serviços. Estaríamos então na pre-sença de uma tendência de desconcentração, a caminhode uma estrutura mais atomizada, em que o grau de con-centração e o poder de mercado de segmentos expressi-vos da economia seriam menores. Embora muitas vezesesses argumentos apareçam juntos e em seqüência supos-tamente lógica, a segunda afirmativa não obrigatoriamenteé conseqüência da primeira, além de o próprio primeiroargumento necessitar ser examinado em separado e de for-ma crítica.

Este é o tema deste artigo que foi estruturado em trêsseções. A primeira aponta e analisa as principais tendên-cias que beneficiam a criação e manutenção de plantas ede empresas de menor porte no momento presente. A se-

gunda seção adiciona elementos analíticos para compre-ender os incentivos aos movimentos de desverticalizaçãoou verticalização das empresas. A terceira discute a hete-rogeneidade desse segmento e sua subordinação ao mo-vimento das grandes empresas. Por fim, tecem-se as con-siderações finais e expõem-se linhas de políticas públicasque podem vir a fomentar um espaço econômico mais ex-pressivo para as empresas de menor porte.

O MOMENTO ECONÔMICO ATUALE A EXPANSÃO DAS MPMES

O momento econômico atual encerra um conjunto deelementos intrínsecos que, em princípio, favorecem aconstituição de um amplo espectro de empresas de me-nor porte (trabalhos autônomos, micro, pequenas e mé-dias). Os argumentos nessa direção podem ser reunidospelo menos em seis blocos.

O ambiente macroeconômico, desde o início da déca-da passada, joga nesta direção. Menores taxas de cresci-mento econômico, exceto em alguns países asiáticos, eperíodos de instabilidade e de recessão criam condiçõesfavoráveis para a constituição de pequenos negócios. Aexistência de taxas de desemprego e de subemprego ex-pressivas diminuem os salários e, portanto, diminuem ocusto de oportunidade de se estabelecer por conta pró-pria e de constituir e manter empresas intensivas em tra-balho, geralmente de menor escala.

Ademais, a ampliação dos índices de desigualdade derenda,1 ou um elevado índice de desigualdade em si, levaà maior diferenciação de produtos e de serviços por es-tratos de renda, abrindo espaço econômico para o mesmofenômeno.

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FLEXIBILIDADE E MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

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A maior internacionalização das economias, por suavez, cria um ambiente de maior competitividade e de maiorincerteza. A primeira se revela pela redução de custos epor estratégias agressivas de ampliação de mercado, o queaumenta os retornos da flexibilidade na produção e no usodo trabalho, bem como na redução relativa deste. O se-gundo mostra-se nas flutuações bruscas nas demandas dosdiferentes mercados e na instabilidade das taxas de jurose de câmbio, entre outras. Os ajustamentos rápidos quese fazem necessários tendem a favorecer a constituiçãode empresas menores, menos burocratizadas, menos en-gessadas em suas práticas comerciais e que podem criarsistemas mais ágeis de ajustamento para seus custos edemais variáveis estratégicas.2

As mudanças técnico-organizacionais, baseadas namicroeletrônica e na tecnologia de organização de infor-mações, corroboram essa tendência, na medida em queconduzem à diminuição das escalas eficientes de produ-ção, possibilitando a construção de redes de unidades pro-dutivas, organizacionais e de informações inter ou intra-firmas a partir de plantas menores. Deve-se acrescentarque mudanças no ambiente tecnológico rompem as ro-tinas existentes. Em muitos ramos, a vantagem compara-tiva da experiência não-transferível e acumulada pelasgrandes empresas no processo de inovação diminui, au-mentando a probabilidade de surgirem empresários ino-vadores.3

O processo de desindustrialização,4 aliado à expansãodo setor de serviços, também resulta em uma escala efi-ciente menor de plantas, viabilizando, dessa forma, umamaior participação de empresas menores. Soma-se a issoo fato de que as atividades do setor de serviços tendem àcustomização e à especialização, o que abre espaços eco-nômicos para essas empresas, especialmente micro e pe-quenas (MPEs).

As estratégias empreendidas pelos oligopólios favore-cem a existência de empresas de menor porte no merca-do. A determinação de seus preços, fixados acima de seuscustos marginais, permite que firmas menores e indepen-dentes, com custos maiores e taxas de lucro menores,permaneçam no mercado. Isto, somado às estratégias dediferenciação de produtos e marcas dos oligopólios, podevir a beneficiar a exploração de nichos de mercado poressas empresas. E quanto maior for sua aptidão para emi-grar entre nichos, maior será sua probabilidade de sobre-vivência nos mercados.

O ambiente político joga na mesma direção. Os gover-nos, num ambiente de crise, de mudanças exacerbadas,de aumento da incerteza e da insegurança e de elevadodesemprego, procuram fomentar essas formas de produ-ção. Além disso, com o aprofundamento das desigualda-des sociais e a frustração das expectativas populares, evi-

tam reprimir a ilegalidade, o não cumprimento das legis-lações que regulamentam o uso do trabalho, e a existên-cia de trabalhos irregulares, intermitentes, abaixo dos pa-drões mínimos, etc. Se a este quadro agregarmos aausência de sistemas de seguro-desemprego e de rendamínima ou de garantias de cidadania abrangentes ratifi-cam-se os incentivos a essas formas de trabalho. Soma-se a isso que os defensores do liberalismo econômicoapóiam o desenvolvimento de empreendimentos de me-nor porte em geral, não apenas porque correspondem aoseu ideário, mas também porque permitem ampliar suasbases de apoio na busca de alcançar determinadas metas,como, por exemplo, maior desregulamentação dos mer-cados, privatização de setores públicos e um maior nú-mero de mercados descentralizados. Por fim, partidos pro-gressistas – socialistas, verdes, etc. – de diferentes países,ao empreenderem disputas de poder, geralmente em âm-bito municipal, provincial ou estadual, onde possuemmaiores chances de vitória, apresentam propostas centra-das em políticas públicas locais de estímulo ao desenvol-vimento de pequenas empresas, de cooperativas – muitasvezes ancoradas por recursos públicos –, com a perspec-tiva de resgatar a economia local e seus empreendedores.

ASPECTOS INSTITUCIONAISE INCENTIVOS ÀS MPES

A produção de quaisquer bens e serviços pode ser vis-ta como um conjunto de etapas seqüenciais que podemser cumpridas interna ou externamente por uma únicafirma. Uma produção diz-se verticalizada quando prati-camente todas as etapas do processo são efetuadas no in-terior da mesma firma; quando mais firmas assumem di-ferentes etapas do processo de produção, tem-se aprodução desverticalizada. A firma é considerada uma or-ganização que deve mensurar, avaliar e cotejar os custosde supervisão e controle decorrentes de uma determinadaetapa do processo de produção vis-à-vis os custos detransação de adquiri-la no mercado.5 A comparação entreesses custos é que irá determinar uma ação integradoraou desintegradora da firma com relação a uma determi-nada etapa de produção: quanto maiores forem os custosde transação, dada uma mesma tecnologia, a firma tendea internalizá-la. O tamanho eficiente da firma é entãodeterminado quando o custo marginal de internalizaruma etapa adicional equivale ao custo de transação nomercado.

Abstraindo os principais componentes envolvidos nastransações de mercado, pode-se afirmar que existem in-centivos à integração na medida em que:- nem todos os custos de transação podem ser especifica-dos ou mensurados. Dado que não se pode definir os ter-

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mos dos contratos de maneira objetiva, a firma tenderá ainternalizar a etapa de produção;

- existem inovações organizacionais que diminuem oscustos burocráticos;

- o produto é altamente especializado. Neste caso, com-prador e vendedor se tornam reféns um do outro. Se ocomprador desiste, o vendedor tem uma elevada proba-bilidade de não vender o produto; se o vendedor falha naentrega, nos prazos, nos padrões, etc., o comprador nãoconsegue completar o processo de produção;

- a informação é um componente importante da transa-ção. Sem o conjunto necessário de informações não sedefinem os termos de um contrato ou corre-se um eleva-do risco de que eles não sejam cumpridos. Os investimen-tos em informações podem inviabilizar a desverticaliza-ção de uma etapa do processo de produção.

Em contrapartida, existem incentivos à desverticaliza-ção quando:

- as transações são simples, os produtos intermediáriossão padronizados, fáceis de produzir e freqüentementeproduzidos;

- os custos de coordenação da produção ou da adminis-tração de uma grande empresa passam a constituir umelemento importante no custo total, restringindo o ingressoem novos mercados, e existem dificuldades para introdu-zir inovações organizacionais;

- os códigos jurídico-comerciais permitem a definição deregras contratuais que reflitam os acordos entre parcei-ros;

- as regras tributárias e outras regulamentações favore-cem as MPMEs;

- a ambiência cultural é intensiva em confiança.

A incorporação desse conjunto de elementos micro-econômicos à análise, através do contraste e avaliação dosefeitos líquidos, contribui para explicar porque, utilizan-do uma tecnologia, distintos setores de atividade detêmgraus diferenciados de integração vertical, ou porque seobservam distintas distribuições de tamanho das firmasentre países com o mesmo nível de renda. Naqueles ondeos custos de transação são menores, dada uma determi-nada tecnologia, haverá maior cooperação interfirmas euma proporção relativamente mais elevada de MPMEs,como é o caso das estruturas produtivas do Japão e dosEstados Unidos, por exemplo. Ou países ou localidadesque apresentam maior incidência de conflitos trabalhis-tas apresentam sistemas empresariais mais horizontais, quese configuram em estratégias mais cooperativas entre fir-mas e no incentivo à desverticalização das grandes em-presas, como é o caso da Itália em relação a outros paísesda União Européia. Os países ou localidades que culti-

vam uma ideologia de cooperação traduzida em institui-ções podem vir a gerar redes de pequenas empresas, aexemplo dos sistemas de subcontratação no Japão ou dosdistritos industriais do norte da Itália.

A tendência à desverticalização hoje significa que asrelações de custos interno/externo mudaram, favorecen-do a existência de empresas menores e de sistemas decontratações ou subcontratações. Entretanto, estas rela-ções podem se alterar. O ambiente de incerteza provoca-do pela diminuição das barreiras entre países e pela in-tensificação das inovações inibe a definição dos termosdos contratos. Os investimentos em informação6 neces-sários num mundo mais intensivo neste insumo podemtambém impedir sua definição. E, por fim, a aplicação daciência aos processos produtivos tende a complexificá-los, o que também não incentiva a formulação de contra-tos. Esses aspectos podem vir a estimular uma concentra-ção de atividades produtivas, se bem que numa estratégiadescentralizada, tendo em vista o perfil e a potencialida-de da tecnologia existente e suas tendências.

Enfatizamos que as partes em que é dividida a presen-te análise não têm caráter determinístico; podem e, a nos-so juízo, devem ser filtradas pelas políticas públicas aserem implementadas pelas instituições de cada país oulocalidade.

EMPRESAS DE MENOR PORTE,HETEROGENEIDADE E MOVIMENTODE DESCONCENTRAÇÃO

Muitos são os argumentos, os fatos e as tendências quefavorecem hoje o crescimento da produção em pequenasunidades. Entretanto, o resultado pode não ser a descon-centração econômica. A maior parte dos argumentos efatos implicam diminuição do tamanho eficiente das plan-tas. Isto pode redundar, como está ocorrendo em diferen-tes ramos da atividade, especialmente no setor industrial,num processo de descentralização das empresas no espa-ço, mas não de desconcentração do poder econômico.

A reestruturação das grandes empresas industriais, ins-pirada em larga medida na experiência do setor automo-tivo, está centrada na organização de redes de fornecedo-res de produtos e serviços intra-empresa ou entre empresas.Essas táticas são implementadas visando ganhos de efi-ciência e de flexibilidade e se ajustam, portanto, à ofertatécnica e à tendência de redução do tamanho eficiente dasplantas. Através dessa estratégia descentralizada, estas ten-dem a manter o controle e os mesmos graus de concen-tração no mercado, podendo mesmo vir a aumentá-los.Já o grande comércio concentra-se em espaços urbanosestratégicos e oferece produtos em maior quantidade, oque tende a diminuir preços, e bastante diferenciados,

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o que vem a atrair um grande número de consumidores.Esses espaços, normalmente, também agrupam um ele-vado número de serviços, muitas vezes franqueados. Cria-se, portanto, uma barreira de capital à entrada de peque-nas empresas e recrudescem as forças favoráveis a umamaior participação de grupos econômicos, com signifi-cativo aporte de capital no setor, muitos dos quais atuan-do ou podendo atuar em escala global.

Aqui, como em outros trabalhos,7 pretendemos ratifi-car algumas características dos pequenos negócios, espe-cialmente daqueles que restringem o nível e a continui-dade de suas atividades. Inicialmente, deve mencionar-sea insuficiência de capital e de capacitação técnico-admi-nistrativa dos proprietários. Este fato subordina a esco-lha do ramo de atividade a ser explorado e traz conse-qüências não apenas para a determinação do valoradicionado gerado como também para a manutenção donegócio no mercado. A barreira de capital impõe esco-lhas em atividades inseridas em mercados competitivosque, em geral, oferecem bens de pequeno valor unitário,cuja escala, por sua vez, determina um reduzido númerode negócios; este conjunto resulta numa pequena partici-pação no mercado. A possibilidade de absorver novas tec-nologias depende do acesso às informações, de sua ava-liação e da existência de capital, requisitos que, por suavez, estão sujeitos à capacitação do proprietário, à suacapacidade de acumulação e ao seu crédito. Como nor-malmente o pequeno proprietário carece desses requisi-tos, sua adequação aos novos padrões da produção e domercado é lenta e muitas vezes não lhe resta senão fecharas portas. Soma-se a isso que um elevado número de pe-quenos negócios são empreendidos com vistas à sobrevi-vência de seus proprietários e não com objetivo de acu-mulação, de capitalização – o que restringe ainda mais aprobabilidade de sucesso do negócio. Uma parte dessasatividades não dispõe nem de mercado, nem de tecnolo-gia e tampouco de rentabilidade, para que possam ser ex-ploradas por firmas tipicamente capitalistas, de portemaior; e caso uma dessas condições mude, o pequenoproprietário encontra dificuldades para suportar a concor-rência. Nesta situação, verifica-se que as taxas de natali-dade e de mortalidade dos pequenos negócios são eleva-das e que o segmento dos pequenos negócios, emboratenha um espaço numérico significativo, é altamente ins-tável.

Esse conjunto de limitações faz com que um elevadonúmero de pequenos negócios não cumpra ou não possacumprir as diferentes regulamentações existentes, operan-do, total ou parcialmente, de forma ilegal. Isto traz pre-juízos para eles próprios e para a coletividade. Por umlado, o pequeno proprietário na ilegalidade não pode ce-lebrar contratos mais longos e estáveis, encontra restri-

ções de crédito e sua atuação não favorece a constituiçãode uma consciência cidadã. Por outro, não paga os tribu-tos, adota um padrão de concorrência desleal no mercadoe impõe custos adicionais à coletividade, desrespeitandonormas sanitárias, ecológicas, de uso do trabalho, de pa-drão de qualidade, etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:POLÍTICAS PÚBLICAS

A política pública, em quase todos os países, inclusiveno Brasil, tem se dirigido, desde os anos 80, para intentosinstitucionais multifacetados, com vistas a abranger dife-rentes grupos-metas com ações descentralizadas e imple-mentados através de parceria entre níveis de governo,empresas privadas, sindicatos, universidades e ONGs. Essedesenho, de maneira geral, corresponde às recomendaçõese ao suporte financeiro provido por instituições e organi-zações supranacionais, como a União Européia, a OCDEe o Banco Mundial. Por esse esquema, cabe aos governosnacionais filtrar as diretrizes mais amplas, centralizar ofoco em suas prioridades e coordenar e monitorar a adap-tação e execução dos programas implementados pelosgovernos estaduais e municipais. Os fundos iniciais pro-vêm do governo central, às vezes em parceria com fun-dos internacionais e, posteriormente, caso o programa seprolongue, os governos estaduais e municipais assumemo programa.

A política econômica é fundamental para a consolida-ção de uma estrutura produtiva menos concentrada, tantoem termos de espaço quanto de geração de valor adicio-nado. Autores que privilegiam em sua análise os custosde transação e os incentivos decorrentes consideram que,no âmbito de uma dada tecnologia, as empresas que me-lhor se adaptam a essas regras têm maior probabilidadede sobreviver no mercado. Esse enfoque, como expostoanteriormente, é relevante para abstrair, modelar e retirarresultados comportamentais a respeito da firma e das pos-síveis configurações dos sistemas produtivos em diferen-tes países e para subsidiar políticas econômicas. Comoqualquer abstração da realidade, contudo, essa racionali-zação deve se circunscrever a seus próprios limites.

A história e estórias de empresas indicam que empre-sas menos eficientes, em virtude de práticas de mercadoaté mesmo predatórias, muitas vezes sobrevivem, seja porfatores políticos, seja por acontecimentos de pura sorte,enquanto outras mais eficientes desaparecem. Há um con-junto de elementos relevantes para a sobrevivência nomercado e o fortalecimento das empresas, especialmentepequenas, que devem ser levados em conta. É o caso, porexemplo, das barreiras de capital e da acumulação tecno-lógica, que podem impedir a entrada de novos concor-

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rentes; da configuração dos sistemas de crédito de longoprazo destinados à atividade produtiva; do tamanho, daestrutura e da dinâmica dos mercados domésticos e inter-nacionais; das práticas oligopólicas adotadas e do ambienteinstitucional que as cerca (incentivador ou desincenti-vador); das leis de comércio internas e internacionais; eda cultura empresarial do país. A formulação de políticaspúblicas, para não ser frustrada, deve, após a análise dosresultados dos modelos teóricos microeconômicos con-vencionais, incorporar elementos políticos e sociais domundo real, de tal forma a torná-la mais aderente à reali-dade e aumentar a probabilidade de seu sucesso.

Com tudo isso, pode-se afirmar que cada país, regiãoou localidade pode vir a reforçar a participação de em-presas menores, criando ou fortalecendo instituições vol-tadas ao incentivo a este tipo de empreendimento. Entreas instituições que podem vir a criar condições de longoprazo – produtividade e estratégias competitivas – para amanutenção das atividades de menor escala, destacamosa necessidade de intensificar a educação geral de quali-dade, a formação e o desenvolvimento da vocação em-presarial, assim como de estabelecer mecanismos de aces-so ao crédito, e, acima de tudo, de reforçar a confiançapública nos propósitos deste caminho.

Os governos nacionais e locais podem, e deveriam,direcionar suas demandas de bens e serviços, sob a formade licitações, para esses segmentos. Também podem, edeveriam, diminuir os custos explícitos e implícitos parao estabelecimento e funcionamento dos pequenos negó-cios. Os tributos, as taxas e os custos de operação, alémde onerosos, gastam o tempo dos pequenos empreende-dores. Os bairros pobres ou periféricos de muitas cida-des, isto é verdadeiro para o Brasil, são vistos pelo poderpúblico como meros bolsões-dormitórios, ao invés deserem tratados como comunidades que devem poderrealizar um ato fundamental da vida social que é o traba-lho. Para apoiar tal fim, há carência de tudo: calçamento,água, esgoto, transportes coletivos, coleta de lixo, limpe-za pública em geral, linhas telefônicas, equipamentos cul-turais, equipamentos de lazer, policiamento, fiscalização,etc. Fica difícil despertar a consciência empreendedo-ra de fundo num ambiente desses; fica fácil estimular ooportunismo, o imediatismo predatório e a certeza daimpunidade no caso de se infringirem leis e regulamen-tações.

Por fim, no âmbito da elevada heterogeneidade do seg-mento dos pequenos negócios, não se pode deixar acres-centar alguns argumentos específicos acerca das redes deempresas. Há dois modelos que devem ser citados: em-presas subordinadas a uma firma principal e empresas in-dependentes que cooperam entre si. Estes dois sistemas,embora tenham como traço comum a cooperação compe-

titiva, ou seja, a cooperação com vistas a aumentar o graude eficiência coletiva, são muito distintos.

O primeiro – exemplificado pela organização das gran-des empresas japonesas – sobressai-se por representar umahierarquia entre empresas.8 A empresa-manufatura prin-cipal é o pólo dinâmico do conjunto; este opera atravésde relações de subcontratação organizada em sucessivascamadas de fornecedores, que se submetem às especifi-cações, padronizações e outros critérios originários daempresa-mor, sendo incentivados, entretanto, a obter ga-nhos de eficiência por meio de inovações técnicas e or-ganizacionais. A diminuição dos custos burocráticos, orga-nizacionais e de estoques embutidos neste sistema permiteà empresa principal especializar-se e investir no desen-volvimento de novos produtos.

O segundo modelo – extraído da experiência dos dis-tritos industriais do norte da Itália – tem caráter regionale consiste numa relação horizontal entre empresas inde-pendentes, especializadas em determinadas etapas do pro-cesso produtivo de uma mercadoria e organizadas em umsistema de subcontratação. A mesma cultura e hábitoscriam uma estreita cooperação entre as empresas-mem-bros, promovem a capacidade coletiva através da flexibi-lidade, acumulam experiência para os processos de ino-vação tecnológico-organizacional e formulam estratégiasdiferenciadas de ampliação de mercado e de obtenção decrédito.

Os governos regionais e locais tiveram importância nadefinição de instituições, suporte financeiro em obras deinfra-estrutura e articulação política mais ampla para adefinição de tal formato. O primeiro modelo indica comouma relação de cooperação entre grandes e pequenas fir-mas pode fomentar essas últimas, ratificando, entretanto,a tendência ao modelo concentrador-descentralizado. Jáo segundo modelo revela a importância das instituiçõeslocais na organização da produção com base em em-presas de menor porte enquanto meio para enfrentar osníveis de competitividade atuais.

NOTAS

1. O mesmo se pode afirmar sobre espaços com um elevado índice de desigual-dade de renda.

2. Deve-se destacar que esse argumento encerra a hipótese de que não haja res-trições técnicas na produção de bens e serviços, que as informações sejam per-feitamente disseminadas e que a capacitação técnica e de recursos humanos es-teja disponível.

3. Observa-se, contudo, que estruturas de mercado oligopolizadas incentivam asgrandes firmas a manterem e a efetuarem os processos de inovação pois, atravésde estratégias de diferenciação de produtos e de mercado, podem apropriar-sedo retorno desses investimentos.

4. Este processo caracteriza-se pelas menores participações do valor adicionadoindustrial no produto total e do emprego industrial no emprego total, o que, emparte, decorre do processo de desverticalização da indústria. Além disso, a evo-lução dos sistemas de classificação e mensuração está aquém das mudanças naestrutura produtiva, ou seja, ocorrem por problema de mensuração.

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5. Os custos de transação surgem quando há necessidade de informações, denegociação, ou incertezas quanto ao cumprimento dos contratos. A esse respei-to, ver, entre outros, Williamson (1989) e Milgrom e Roberts (1992).

6. É preciso assinalar a diferença entre dados e informações. Dados transfor-mam-se em informações quando se encontram organizados e disponíveis paratomadas de decisões. Ou seja, as informações têm um fim e são úteis.

7. O marco teórico abstrato, geral e abrangente é que as pequenas firmas inse-rem-se no espaço produtivo e territorial dependendo do padrão de acumulação eda distribuição de renda associada. Estes requisitos, por sua vez, dependem decomo cada país e localidade se insere, de um lado, no padrão de acumulaçãomundial e, de outro, em seu padrão de acumulação prévio, suas instituições e dapolítica econômica e pública posta em ação. O ritmo e os perfis são dados pelosgrandes grupos econômicos e pelo Estado. Ver, entre outros, Cacciamali (1983e 1994).

8. Nesse sistema, os fornecedores que mantêm laços mais duradouros com amanufatura principal têm um tratamento diferenciado, possuindo exclusividadeno fornecimento do produto por todo seu ciclo de vida e maior autonomia.

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FLEXIBILIDADE E REESTRUTURAÇÃOo trabalho na encruzilhada

AS MIL E UMA FACES DA FLEXIBILIDADE

Inicialmente, será feita uma análise do debate sobre a“flexibilidade do trabalho” no Brasil a partir da diversi-dade de suas faces. Para tanto, optou-se por resgatar aná-lises conceituais que possibilitem avaliar o momento atualdas transformações ocorridas em particular no setor in-dustrial brasileiro, bem como determinadas propostas queocasionalmente vêm à tona.

A flexibilidade na indústria é justificada pela neces-sidade de adaptação dos sistemas produtivos a situaçõesinesperadas, a chamada gestão de variabilidades. Salerno(1993a, 1995) já alerta para o fato de que as “necessidadesde flexibilidade não são homogêneas para as empresas,bem como não há um caminho único” para alcançá-las.

Nesse sentido, segundo o autor, a “flexibilidade” deum sistema produtivo é relacionada à sua capacidade deassumir ou transitar entre diferentes estados de um siste-ma produtivo, sem deterioração significativa de custos,qualidade e tempos, dentro de um contexto “produto/pro-cesso/mercado” em que a empresa opera e que está asso-ciado à estratégia competitiva desta. Sua tipologia(Salerno, 1993a) define oito dimensões de flexibilidade,sendo seis relativas à capacidade de um sistema produti-vo de alterar seu estado em termos de:- volume, relativo às quantidades dos componentes pro-duzidos;

- gama, relacionado aos modelos produzidos;

- mix, correspondente à relação entre modelos e quanti-dades;

- adaptação sazonal, de acordo com demanda diferenci-ada no tempo;

LUÍS PAULO BRESCIANI

Engenheiro de produção, Técnico do Dieese

entre os vários aspectos que acompanham a cha-mada reestruturação produtiva, em meio à crisecontemporânea que envolve os “mundos do tra-

balho”, a “flexibilidade” ocupa espaço destacado. Pensa-da em si mesma, a “flexibilidade” é obviamente a quali-dade daquilo que é flexível, que se pode dobrar ou cur-var, que é maleável, que possui elasticidade, destreza ouagilidade, mas também aquilo que é domável, compla-cente, submisso, suave.

No contexto atual, o debate sobre a flexibilidade dotrabalho revela complexidade e discórdia. De um lado,estão aqueles que a postulam como característica que deveestar presente nos sistemas de produção, na organizaçãodo trabalho, na estrutura de relações trabalhistas, levan-do empresas e países ao sucesso competitivo e o traba-lhador à felicidade inesgotável, à realização profissionale pessoal.

Na trincheira oposta, a “flexibilidade” é denunciadacomo fonte de todos os males, instrumento do lucro vo-raz, ferramenta do capitalismo em sua nova ofensiva definal do século XX, e apontada como o novo nome dotrabalho, que é flagelo, tortura e dor.

Seus evidentes reflexos sobre o sistema de relações dotrabalho e a própria estrutura social trazem a flexibilida-de do trabalho para o campo das disputas entre atoressociais e forças políticas.

Análises, projetos e propostas são lançados ou desen-volvidos mostrando diferentes concepções e incertezas,objetivos diversos.

Neste artigo, procura-se focalizar experiências e açõesespecíficas do sindicalismo brasileiro, em particular doSindicato dos Metalúrgicos do ABC e das principais co-missões de fábrica daquela categoria.

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FLEXIBILIDADE E REESTRUTURAÇÃO: O TRABALHO NA ENCRUZILHADA

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- adaptação a falhas, referente à gestão de variabilidadesdo sistema;- adaptação a erros de previsão (ou planejamento, acres-centa-se).

Além disso, o mesmo autor nota a existência de flexi-bilidade relativa às dimensões estratégicas, vinculada aoespaço de operações da empresa, e social extra-empresa,referente a regulamentação trabalhista, legislação sindi-cal, normas ambientais, etc., às quais pode ser acrescen-tada a existência de uma flexibilidade inerente à dimen-são “social intra-empresa”, relativa aos regulamentosinternos, à representação sindical interna, ao sistema deremuneração e recompensas, etc.1

Assim, a necessidade, como a forma concreta de flexi-bilidade adotada, localizada também em determinado con-texto histórico, pode ser avaliada de forma múltipla.2 Nocaso brasileiro, chamar a atenção para tal complexidadeé relevante, tendo em vista que o termo “flexibilização”tem sido usado predominantemente como sinônimo paraa “desregulamentação” no plano macroinstitucional.

Além de associado à “desregulamentação”, em termosde sua trajetória mais recente, o debate sobre a flexibili-dade é intimamente vinculado à “reestruturação produti-va”,3 bem como às características atribuídas ao chamado“modelo japonês” ou “toyotista” de organização e gestãoda produção.

Nesse sentido, a flexibilidade pode ser vista em suacorrelação com a automação microeletrônica e a infor-mática, assim como pode se ampliar com o recurso à ter-ceirização. “Missão” da empresa redefinida, parte doscustos do trabalho torna-se variável, concretizada casosolicitado o serviço ou produto. A terceirização absorveparte das flutuações de pessoal antes geridas por meio dedemissões e admissões. O custo do trabalho passa a nãoser mais regido pela negociação entre empresas e sindi-cato, mas por um contrato de prestação de serviços oufornecimento de insumos e componentes, assinado entreempresa contratante e contratada. O próprio poder de re-presentação do sindicato se fragmenta, se “flexiona”, securva, a menos que recomposto.

Em termos de inovações na gestão da empresa, a flexi-bilidade do trabalho pode se ampliar mediante o acha-tamento da pirâmide hierárquica – redistribuindo-se atri-buições entre os “sobreviventes” da reestruturação,especialmente com tarefas de caráter “gerencial” para osoperadores diretos. O mesmo pode ocorrer a partir de re-definições oriundas de programas de qualidade total oureengenharia, sendo que os programas de educação bási-ca e formação/reciclagem profissional têm um espaço maisrelevante, seja promovendo a flexibilidade em termos ideo-lógicos – buscando uma nova postura profissional, mais“colaborativa”– ou em termos de formação técnica, pos-

sibilitando a construção de “mapas de versatilidade” a partirdos cursos freqüentados pelos trabalhadores.

Modificações na organização da produção tambémpodem favorecer o ideal da flexibilidade. O just-in-timeimplica respostas rápidas do sistema produtivo a solicita-ções variadas. Nas células de fabricação, a proximidadeentre máquinas e a busca por ocupação integral da jorna-da leva à operação de máquinas diferenciadas, ou à alo-cação de tarefas típicas da inspeção de qualidade ou damanutenção. O mesmo vale para transformações centra-das na organização do trabalho: a polivalência pode re-definir estruturas ocupacionais e o “trabalho em equipes”privilegia a área de trabalho (e não o posto) com um con-junto de atribuições que passam a ser responsabilidadede um grupo de trabalhadores, com maior, menor ou ne-nhuma autonomia para definir sua própria organização.

Enfim, o medo do desemprego, a atração pelo novo ea precária organização sindical em boa parte das fábricasfacilitam os esquemas de “trabalho polivalente” (qualifi-cante ou não) e admitem mobilidade entre postos de tra-balho, com raras exceções. Além disso, “programas dequalidade total”, a melhoria contínua, a padronização deprocessos, o fortalecimento da gerência intermediária quesobrevive ao enxugamento e a própria obtenção de certi-ficados da série ISO 9000 também alteram as condiçõesde execução das tarefas à medida que impõem uma novapressão sobre os trabalhadores, que incorporam outrasatividades às originais, como no caso do TPM (manuten-ção produtiva total) ou do controle estatístico de proces-sos (CEP).

A flexibilidade do trabalho se concretiza em meio aconcepções e práticas de organização e gestão da produ-ção, bem como da legislação trabalhista, sindical e so-cial, e condicionantes econômicas, tecnológicas, socio-culturais e políticas, desde o plano do local da “produ-ção” até os níveis setoriais e nacionais/regionais. Assimsendo, ela não é meramente determinada pela reestrutu-ração produtiva, ou imposta pela lógica competitiva.

No caso brasileiro, traços relevantes se mostram pre-sentes já nas décadas passadas. Dentre eles, o trabalhosem contrato registrado, o crescimento de formas decontratação atípicas (por tempo determinado, tempo par-cial), as políticas salariais no contexto inflacionário, ele-vadas taxas de rotatividade, liberdade empresarial parademissão, possibilidade de recurso quase compulsório ahoras extras e férias coletivas, atribuições profissionaisindefinidas e parâmetros do processo de trabalho não re-gulamentados (tempos, volumes, etc.), mobilidade dostrabalhadores a critério das empresas e capacidade de pro-mover trabalho polivalente, seja “naturalmente” (quebra-galho, jeitinho), seja de modo “incitado” (pressão do de-semprego, perspectiva de avanço profissional).4

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O mergulho abaixo da superfície traz as implicaçõesdos processos de transformação política, econômica esocial, que alteram e aprofundam determinadas caracte-rísticas do mundo do trabalho e da sua flexibilidade pre-existente na sociedade brasileira, focalizadas em profun-didade por Mattoso (1995), dentre outros autores.5 Nessesentido, destacam-se, dentre outros aspectos:- o brutal crescimento da participação de trabalhadoresautônomos e sem carteira assinada;6

- o crescimento do desemprego (atingindo de 13% a 18%da PEA de cinco regiões metropolitanas pesquisadas peloDieese), ampliando a propensão dos empregados à mobi-lidade na empresa, à polivalência, às precárias condiçõesde trabalho, disciplina empresarial ou mudanças tecnoló-gicas e organizacionais, à realização de horas extras, aotrabalho noturno e à estagnação salarial;

- o crescimento das jornadas: cerca de 40% dos trabalha-dores em quatro metrópoles trabalharam além da jornadalegal nos meses iniciais de 1996;7

- a contínua reedição da Medida Provisória sobre “parti-cipação nos lucros ou resultados” desde o final de 1994,permitindo o alijamento sindical da negociação entreempresas e trabalhadores e introduzindo um mecanismode “remuneração variável”, que ora funciona como abo-no emergencial, ora está vinculado a determinado desem-penho da empresa, substituindo as negociações coletivassobre os ganhos de produtividade;

- a Medida Provisória sobre a desindexação desobrigaempresas e setores de recolocarem o patamar salarial deseus empregados no mesmo nível da data-base anterior,sendo que a reposição da perda inflacionária deixa de serautomática;

- elevadas taxas de rotatividade, que levam a sistemasprodutivos com baixos graus de qualidade, flexibilidadee produtividade (Valle, 1996).

A flexibilidade do trabalho se mostra como foco deinteresses variados e como alvo de disputas entre os ato-res sociais envolvidos. Tomando-se governo, trabalhado-res e empresários para a presente análise, vale notar que oExecutivo federal, desde a gestão Collor até a nova alian-ça que incorpora o PSDB, tratara a questão com certa pru-dência,8 até a recente aprovação do projeto de lei patroci-nado pelo Executivo focalizando o “contrato por tempodeterminado”.

No debate setorial, essa discussão se restringia – ou serestringe? – basicamente à flexibilização salarial, objeti-vo das campanhas sindicais. A entrada em vigor da Me-dida Provisória sobre Participação nos Lucros ou Resul-tados poderia trazer complexidade à negociação daflexibilidade, mas são raras as categorias que lograram

discuti-la em termos setoriais. No plano da empresa ouda fábrica são poucos os sindicatos cuja atuação visa oprocesso de trabalho, e a intervenção sobre o grau de fle-xibilidade do trabalho também não é comum.

A partir da concepção de Salerno (1993a, 1995), aconcretização da flexibilidade pode se verificar de diver-sas formas, e a necessidade de ser qualificada nas dife-rentes situações e contextos em que entra em jogo é umacaracterística a ser definida. Conjugada à negociação co-letiva, ou à ação sindical de forma genérica, propõe-seuma matriz de análise e/ou intervenção que associa asconcepções já descritas de Salerno (e de Boyer, s.d.) so-bre a flexibilidade ao quadro sobre a ação sindical(Bresciani, 1994). Este quadro vale para os casos em queo sindicalismo brasileiro se expressou minimamente arespeito, tendo em vista que, em inúmeras situações, aausência sindical tende a resultar na definição unilateralpor parte da alta ou média gerência, no que diz respeito àorganização do trabalho e à gestão da fábrica. Assim, épossível montar uma matriz de análise ou intervenção sin-dical que envolve cinco aspectos, dentro de certo hori-zonte temporal: o tipo de “flexibilidade” em questão; oâmbito da disputa (global, internacional, nacional, regio-nal, fábrica); a entidade sindical envolvida (central na-cional, confederação, federação, sindicato, comissão defábrica, consórcio de entidades); o tipo de negociação/ação (unilateral, bilateral, tripartite, multipartite); e o enfo-que e características da ação sindical: posturas de resistên-cia (explícita ou não declarada), influência (tácita, con-tratual, legal, institucional), ou mista, com ação antecipadaou reativa (quanto ao momento da intervenção), e efeti-va, aparente ou frustrada, quanto ao resultado possível.

FLEXIBILIDADE E NEGOCIAÇÃO:O PANORAMA DOS ANOS 90

Um breve panorama dos anos 90 mostra um conjuntode ações levadas a termo pelo sindicalismo brasileiro emface da questão da flexibilidade do trabalho. Destacam-se alguns dos exemplos mais recentes de ação sindicalfrente a determinado tipo de flexibilidade pretendida, comuma breve análise sobre o seu estágio atual, em algunscasos utilizando exemplos situados na dinâmica das rela-ções de trabalho da base metalúrgica do ABC paulista,9 oque, embora não possa ser generalizado para o restantedo país, sinaliza uma determinada perspectiva.

O Cenário Macroinstitucional

Uma análise do cenário institucional envolve tambéma flexibilidade pela via social extra-empresa, de acordocom a tipologia de Salerno, ou pelas vias do contrato e

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legislação trabalhistas (tipologia Boyer). O caso maisevidente é o do chamado “contrato especial”, ou “por tem-po determinado”. Muito embora esse tipo de “flexibili-dade” não esteja diretamente ao alcance da ação de sindi-catos e comissões de fábrica, vale a pena considerá-lo,dada sua potencial repercussão.

O projeto aprovado no final de 1996 abre a possibili-dade de contratação pelas empresas de um certo percen-tual de trabalhadores (de 20% a 50%) por prazo de atédois anos (maior que o prazo atual), aliviando certos itensdos polêmicos “encargos sociais”. Com isso, segundo osdefensores da medida, a geração de empregos seria faci-litada e impulsionada.

Além da polêmica sobre a geração de empregos, a “fle-xibilização” da regra vigente traz como evidente armadi-lha a possibilidade de novo tipo de abuso empresarial,excedendo o limite para os contratos de novo tipo e am-pliando a rotatividade. Tal perspectiva se mostra plausí-vel tendo em vista a precariedade da fiscalização. Em prin-cípio, porém, seu principal efeito seria o de eventualmentetransformar vínculos classificados como informais emformais.10

Do ponto de vista empresarial, necessidades e possibili-dades de flexibilização da produção já foram devidamenterelativizadas em função dos contextos econômico e socio-político em que determinada empresa busca competir.Entretanto, a ênfase do debate nas virtudes da flexibili-dade do trabalho está relacionada ao desejo empresarialde mínima restrição a seu acesso e ao uso dos recursosnecessários para a realização do processo produtivo.

Nesse sentido, são bem-vindos a legalização de con-tratos temporários com menores restrições e “encargos”,a manutenção da liberdade de demitir – como mostra aofensiva empresarial contra o uso da Convenção 158 daOIT–, a capacidade de uso flexível através da variaçãode jornadas (sem limite de horas extras ou redução dajornada) e da mobilidade intra ou interfábricas, o recursolegal à terceirização, entre outras medidas.

Do ponto de vista sindical, inexiste unidade no que dizrespeito à estratégia referente à flexibilização do traba-lho no plano regulamentar, na qual se tem concentrado odebate sobre o tema, provocando a cisão entre os defen-sores do código constitucional e legal vigente e aquelesque aceitam ou propõem mudanças. Entre estes há novasdivisões, pois as propostas ou concepções são as mais di-versas.11 Um outro aspecto enfatizado pelos opositores deuma regulamentação deste tipo está na nova fratura queprovocaria entre os trabalhadores, provavelmente geran-do um cidadão de “segunda classe” dentro do espaço fa-bril e podendo rebaixar os “terceirizados” ainda mais naescala dos direitos sociais, sem se falar nos completamentemarginalizados.12

Flexibilidade “Estratégica”

Em relação às estratégias de negócios, inexistem in-tervenções contratuais ou tácitas, mas são cada vez maisfreqüentes na indústria metalúrgica do ABC as reuniõesentre diretorias de fábrica e representação sindical (incluin-do comissões de fábrica) para apresentação e debate so-bre o desempenho e as perspectivas econômicas e produ-tivas (inclusive de investimento) da empresa, sendo estauma prática já institucionalizada nas montadoras. O está-gio é de troca de informação, muito embora a constitui-ção de fóruns tripartites atuantes sobre políticas setoriaisou regionais possa afetar o grau de liberdade para a con-dução da estratégia de uma empresa.

Terceirização e Condomínios Industriais

Desde o início da década de 90, a terceirização se tor-nou foco privilegiado da atenção sindical, devido às suascaracterísticas basicamente precarizantes, como mostrouestudo do Dieese em diversas categorias. Do ponto de vistaempresarial, este recurso passou a ser adotado no sentidode conferir flexibilidade estratégica – via focalização – ede volume (ou mesmo de família de produtos), além de serevelar um meio para drástica redução de custos e investi-mentos.

Especialmente nos primeiros anos do boom que foi arecente onda de terceirização, o discurso empresarial nãoapenas recorreu aos seus benefícios para a competitivi-dade fabril, mas também associou-a à especialização defirmas e trabalhadores provedores de serviços ou compo-nentes. O governo, por sua vez, deixou à esfera judicial acapacidade de mínima regulamentação.

Viu-se, porém, o contrário, já que foram relaxadoscertos dispositivos, facilitando o enquadramento de umdeterminado processo de terceirização como sendo legal(Enunciado 331 do TST). Em termos legais e institucio-nais, todos os esforços do movimento sindical foram frus-trados, e mesmo a recente regulamentação do trabalho emcooperativas abre brechas para uma flexibilizaçãoprecarizante dos contratos de trabalho pelo recurso à ter-ceirização através de organismos produtivos desse tipo.

Para um determinado sindicato, o dilema está na am-plitude da fragmentação entre trabalhadores “emprega-dos” e terceiros, estes últimos geralmente em condiçõescontratuais inferiores, com menor capacidade de mobili-zação, organização e sindicalização. Tal fragmentação seráainda mais amplificada caso cresça o contingente de tra-balhadores “temporários”com a eventual aprovação doprojeto de lei citado anteriormente.

Do ponto de vista concreto, inúmeras ações relativas àterceirização foram tomadas. Em primeiro lugar a denún-

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cia, posteriormente a mobilização e os cursos de forma-ção sindical sobre o tema, os estudos especiais e, por fim,a negociação coletiva, basicamente de modo bilateral (sin-dicato/empresa) e visando influenciar o processo em tem-po real.

Entre outros exemplos do território nacional, os meta-lúrgicos do ABC alcançaram contratos formais ou tácitosnas principais empresas, em processo iniciado naVolkswagen já em 1991. Em termos de conteúdo, taisacordos não estabelecem caminhos rígidos, mas limitama decisão unilateral por parte dos empresários, como apon-ta o protocolo assinado entre empresa, comissão de fá-brica e sindicato, ao definir que “eventuais implantaçõesde outsourcing, na Fábrica Anchieta, somente se darãoapós informação, discussão, análise e avaliação em con-junto com os membros da Representação Interna de Em-pregados e Sindicato”.

Enquanto isso, o acordo assinado entre a Mercedes-Benz e os trabalhadores estabelece comissão paritária paraanálise de qualquer proposta de transferência de ativida-de, bem como para a realocação do trabalhador eventual-mente afetado, mediante treinamento, se necessário, emposto compatível com sua classificação funcional. Alémdisto, exige da empresa contratada a garantia de condi-ções adequadas de trabalho e o cumprimento das normasde segurança e medicina do trabalho. Garante-se aindaque os resultados obtidos serão negociados e incorpora-dos aos ganhos de produtividade dos trabalhadores.

De um modo geral, podemos dizer que o acordo vemsendo cumprido na Volkswagen, muito embora a comis-são de fábrica e o sindicato tenham dificuldade de análi-se em face dos diversos projetos apresentados pela em-presa. No caso da Mercedes-Benz, entretanto, é evidenteque apesar de mantidas as informações e procedimentosprevistos, a demissão em massa ocorrida em fins de 1995implica o rompimento da relação entre as partes.

Evidentemente, a constituição de “condomínios indus-triais” e “consórcios modulares” pode e deve ser conside-rada, à medida que são projetados com um certo grau de fle-xibilidade. Nesse momento cabe dizer que, além daatenção sindical semelhante à provocada pela “terceiriza-ção por dentro” da empresa-cliente, o condomínio indus-trial representa um projeto extremamente diferenciado,repercutindo sobre as próprias estruturas industrial e sindi-cal.13

A Via das “Mudanças Organizacionais”

A introdução de determinadas mudanças organizacio-nais e gerenciais está especialmente associada com osvários tipos de “flexibilidade” apresentados por Salerno(1993a): elas possibilitariam capacidade de variação de

volumes, famílias de produtos, mix, bem como suporta-riam variabilidades eventualmente presentes nos sistemasprodutivos. Em relação ao âmbito de disputas em tornodo conteúdo efetivo da flexibilidade em meio a mudan-ças organizacionais, este usualmente se restringe à em-presa ou unidade fabril, gerando negociação de caráterbilateral, com participação do sindicato e/ou comissão defábrica, e podendo ou não alcançar influência, geralmen-te de caráter tácito e reativo. Este não foi, entretanto, ocaso de pelo menos uma das situações apresentadas.

O caso mais evidente de intervenção sindical em tornode mudanças organizacionais é certamente o da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo, com diversas inova-ções implantadas de forma negociada com a comissão defábrica e o sindicato.14 Nesse sentido, quatro acordos co-letivos assinados nos últimos anos têm sido consideradoscomo inéditos no país, iniciando-se pela mudança do sis-tema de apoio logístico à produção.

Outro acordo coletivo regula a busca de melhoria con-tínua (Kaizen), estipulando o acompanhamento da comis-são de fábrica e do sindicato, garantindo a manutençãodos postos de trabalho ou a transferência do empregadoeventualmente afetado, e assegurando sua realocaçãomediante treinamento sempre que necessário. Vale lem-brar que tal acordo só foi assinado após uma greve loca-lizada, bem como em função da existência de lutas sindi-cais semelhantes em torno de programas de “qualidadetotal” em empresas.15

A constituição de células de manufatura também foinegociada e contratada, inicialmente na forma de proje-tos-pilotos, sendo monitoradas por um grupo formado porrepresentantes dos empregados e da empresa. Era asse-gurado o respeito ao ritmo e às condições de trabalho(ergonomia, ambiente, segurança), além da realocação dopessoal eventualmente afetado e da posterior readequa-ção da função e da remuneração em virtude da alteraçãono conjunto de atividades exercidas.

Foram estabelecidos, como conceito de outro acordocoletivo, os grupos semi-autônomos de trabalho, respon-sáveis por um conjunto de tarefas que visavam a melho-ria da qualidade e da produtividade, da qualificação pro-fissional e da qualidade de vida no trabalho – talvez omais abrangente e complexo relativo à temática em nos-so país, construído em dois anos de negociação.16

Implementado na forma de projeto-piloto, prevê quecada grupo tenha previamente definidos o número de in-tegrantes, o conjunto de tarefas e as fronteiras de início etérmino de suas atividades. Cada grupo conta com umporta-voz eleito pelos próprios trabalhadores, com a res-ponsabilidade de efetivar a comunicação entre o grupo esua chefia, além de coordenar reuniões para distribuiçãode tarefas, férias e folgas, sem assumir poder disciplinar

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ou de representação sindical. Os grupos não têm o deverde apresentar sugestões sobre o processo, mas podem nãoapenas fazê-lo como implementar as soluções geradas,desde que não impliquem custos adicionais nem prejudi-quem o fluxo produtivo.

As reuniões dos grupos para discussão do programade produção e processo produtivo são realizadas durantea jornada, salvo casos extraordinários e mediante consensodo próprio grupo. A capacitação dos trabalhadores para otrabalho em grupo se dá através de programas de treina-mento, acompanhados pelo sindicato e pela comissão defábrica. É prevista a readequação em termos de função/remuneração, constatadas alterações de exigência produ-tiva.

Quase um ano e meio após sua assinatura, cabe notarque sindicato e comissão de fábrica têm acompanhado deperto sua implementação, tumultuada em função da rup-tura de rota provocada pelas demissões em massa leva-das a cabo pela empresa, bem como por sua recusa emnegociar diversos itens da agenda sindical, alterando a viaoriginal de construção de uma “flexibilidade contratada”.Entretanto, o monitoramento sindical tem se mantido, atra-vés de visitas às células e grupos constituídos, de reuniõesespecíficas de avaliação junto aos trabalhadores (na em-presa e no próprio sindicato) e até mesmo de semináriosinternacionais.

Tal monitoramento se estende ao próprio processo deintegração e treinamento dos trabalhadores. Além de con-tar com a participação de membros da comissão de fábri-ca e assessores do sindicato, o programa de treinamentodeverá ser acrescido de um módulo de quatro horas queficará a cargo do sindicato, visando apresentar o pontode vista sindical sobre a nova forma de organizar o traba-lho, a origem e o significado de propostas alternativas e odetalhamento do acordo coletivo que regulamenta o fun-cionamento dos grupos-piloto.

Em termos operacionais, as recentes reuniões de ava-liação mostram que a maior parte dos trabalhadores sesentem satisfeitos. O crescimento da flexibilidade é evi-dente não apenas pela capacitação técnica para o desem-penho de novas tarefas (o que não é geral nem homogê-neo), mas também pelo sentimento de “integração” aocoletivo – em oposição ao isolamento do posto conven-cional. Também foram destacados a maior liberdade eautonomia para tomada de determinadas decisões, o dis-tanciamento em relação à chefia e, na maioria dos gruposconstituídos, uma relativa homogeneização salarial.

Este foi também um dos alvos dos acordos sobre a es-trutura de cargos e salários que possibilitaram aos traba-lhadores da Volkswagen, Ford, Mercedes-Benz, Toyotae Scania, no início dos anos 90, a construção, como nocaso específico da Volkswagen e da Ford, de uma nova

estrutura (“tabela” ou “grade”) com menor número defunções diferenciadas (passando de 10 para 5 graus) emaior número de salários dentro de um mesmo nível (de5 para 7 steps). Dessa forma, a mobilidade dos trabalha-dores através de funções com a mesma classificação se-ria facilitada, ampliando a flexibilidade do sistema pro-dutivo.

Tempo Flexível e Jornada Anual de Trabalho

Tendo a redução de jornada como prioridade na cam-panha de abril de 1995, os metalúrgicos filiados à CUTsabiam da resistência que seria imposta pelo setor auto-motivo a um novo avanço em termos salariais, dado o au-mento real de 20% obtido na câmara setorial, a conjuntu-ra na vigência do Plano Real e a disparidade com ossalários das demais regiões. Além disso, a redução de jor-nada era uma meta sempre anunciada, embora em segun-do plano, frente à questão salarial. Mas os crescentes re-cordes de produção com quase nenhum avanço no nívelde emprego a partir de 1992 e a constatação pelas comis-sões de fábrica de um imenso volume de horas extras so-mavam-se à reestruturação produtiva que ocorria, agra-vando a perda de postos de trabalho.

Surge assim a conquista de redução da jornada sema-nal de trabalho, estipulando-se 43 horas a partir de janei-ro de 1996 e 42 horas em outubro do mesmo ano. O agra-vamento da crise econômica em meados de 1995 levouos metalúrgicos cutistas em São Paulo a buscar novo avan-ço, propondo a antecipação da redução já acertada, tendocomo contrapartida uma possível variação da jornada aolongo do ano.17 Esta possibilidade era sinalizada desde aCâmara Setorial Automotiva, sendo reafirmada duranteos trabalhos do Fórum Nacional sobre Contrato Coletivode Trabalho.18

Nesse contexto, e fazendo frente a uma proposta da Fordpara um “bolsão”, antes aprovada na fábrica do Ipiranga(São Paulo) – sendo alguns trabalhadores “licenciados”por quatro meses em função da queda da produção, rece-bendo salários progressivamente menores – , os metalúr-gicos do ABC reiniciaram a negociação sobre a jornadajunto às montadoras. Sua proposta nasceu de estudo comalternativas desenvolvidas já em 1993, que mostrava ocomportamento sazonal da produção automobilística bra-sileira e a tendência internacional de jornadas progressi-vamente menores, e apontava duas idéias centrais.

A organização do tempo de trabalho deveria supor umaredução da jornada em termos anuais, buscando-se umamédia de 40 horas semanais trabalhadas, cerca de 2.000horas anuais, desconsiderados férias e feriados, represen-tando uma redução de 10% do tempo de trabalho. Dada aflutuação das vendas e da produção ao longo do ano, esta

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As principais conclusões do levantamento foram: ne-gociações pulverizadas (quase sempre por empresa); maio-ria de acordos nas categorias metalúrgicas; apenas duasentidades sindicais firmaram acordos por categoria (grá-ficos paulistas e bancários em instituições privadas); cer-ca de 13% dos acordos estabeleciam metas de desempe-nho; valores pagos têm certa relação com porte daempresa; em 32 empresas houve greve antecedendo anegociação.

No caso dos metalúrgicos do ABC, desde o lançamen-to da MP, em fins de 1994, houve uma forte mobilizaçãopela presença do sindicato nas negociações. Já em janei-ro de 1995 haviam sido definidas as diretrizes para nego-ciação,19 tendo em vista que a própria MP não estabeleceregras rígidas.

A presença do sindicato e das diversas comissões defábrica nas negociações – ainda que não logrando alcan-çar todos os objetivos definidos – resultou em acordoscobrindo cerca de 40% da categoria para o exercício de1996, segundo os dados preliminares de agosto. Nas prin-cipais empresas, tais acordos têm sido firmados conside-rando-se indicadores e metas para avaliação dos resulta-dos, o que leva dirigentes, representantes e trabalhadoresa discutir temas como qualidade, produtividade, vendas,absenteísmo, entre outros.

Nesses casos, o valor referente à participação nos re-sultados depende do desempenho ponderado da empresasegundo os indicadores definidos no acordo. Configura-se desta forma uma variação da renda em função do re-sultado alcançado. Vale destacar que na grande maioriados casos o valor pago20 é homogêneo para o conjunto detrabalhadores de uma dada empresa.

Da perspectiva sindical, o principal desafio em termosnacionais é a ocupação do espaço de negociação, tendoem vista o disposto na MP, que na verdade prevê a exclu-são dos sindicatos desse processo. Apesar da batalha le-gal a este respeito, existem certas oportunidades trazidaspela ação sindical, como o maior acesso à informaçãosobre empresas ou setores e a preparação de novas lide-ranças. Entretanto, são evidentes os riscos e dificuldadesde uma entidade sindical nas negociações desse tipo, den-tre elas a pulverização das negociações, a possível frag-mentação entre os trabalhadores das várias empresas e ainsuficiente capacidade de análise e formulação de pro-postas alternativas em face do enorme contingente de em-presas nas quais a temática emerge.

Flexibilidade em Construção

O debate sobre a flexibilidade mostra alternativas di-ferenciadas. Desregulamentação ou nova regulamentação?Quebra de instituições ou renovação da institucionalida-

redução poderia ser feita com jornadas de 36, 40 e 44 horassemanais ao longo de três quadrimestres (Sindicato dosMetalúrgicos do ABC, s.d.).

A proposta enfatizava a necessidade de limitação dorecurso empresarial às horas extras, lançando a idéia de92 horas extras anuais por trabalhador, equivalentes a 5%da jornada anual efetiva. Em termos concretos, as jorna-das são negociadas e contratadas por sindicato e comis-sões de fábrica junto a cada empresa montadora no ABC,sendo estipuladas jornadas médias de 42 horas semanaisna Volkswagem, Ford e Mercedes, e de 40 horas na Scania,desde o início de 1996. Empresas de outros setores tam-bém negociam com sindicato e comissão de fábrica. Asvariações possíveis oscilam de um mínimo de 32 horassemanais a um máximo de 44 horas, ou seja, a jornadalegal então vigente.

Na regulamentação desses acordos fica definido queo salário dos trabalhadores horistas será uniforme aolongo do ano. O valor horário é ajustado para que haja amanutenção das cifras pagas na jornada anterior e naVolkswagen e Scania o descanso semanal remunerado éincorporado ao salário-hora. No caso da Scania, o limitede horas extras é estabelecido. Com exceção da Mercedes,onde se adota manutenção dos horários e compensaçãomediante folgas coletivas ou individuais, nas demaismontadoras é adotado o “banco de horas”, com aviso pré-vio das jornadas programadas.

O período inicial de adoção do sistema mostra aindacontradições e conflitos. Em determinadas empresas, hou-ve resistência de grupos de trabalhadores ao corte de ho-ras extras que tende a acompanhar a introdução da jorna-da flexível. No caso da Scania, a queda contínua dasvendas de caminhões levou a um processo de demissãoem massa em meados de 1996. Entretanto, sua capacida-de de adequar demanda e produção se mostrara impor-tante no período, impedindo o fácil recurso a férias com-pulsórias ou desligamentos: representa uma possibilidadecertamente limitada e a ser lapidada.

Participação nos Lucros ou Resultados:Renda “Variável”

No que diz respeito à renda do trabalhador, além damudança na flexibilização através da “desindexação” dossalários e da ausência de política salarial, a grande reper-cussão sobre as relações capital/trabalho no período re-cente diz respeito à participação nos lucros ou resultados.Estudo do Dieese se dedica a interpretar um levantamen-to com 448 acordos desde meados de 1995, ressaltando aimportância do tema, posto que “não existe mais a garan-tia de reposições salariais para as categorias que negocia-rão nas próximas datas-base” (Dieese, 1996).

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de? Direitos e conquistas postos em xeque; o novo traba-lho na empresa flexível, integrada, reestruturada; ou otrabalho nos sistemas tradicionais de produção e gestão;a informalidade; o tempo; a renda; o conhecimento; a re-presentação sindical; a negociação coletiva: muitas per-guntas e ainda poucas respostas. Dentre outros aspectos,algumas transformações já se mostram em curso, outrasainda estão por se definir em função de políticas especí-ficas, ou de sua ausência. Na transição presente, as possí-veis formas da flexibilidade mostram o trabalho em suainterrogativa encruzilhada.

A dinâmica das relações sociais em curso mostra, par-ticularmente no que diz respeito aos “mundos do traba-lho”, que a concretização da flexibilidade se dá em múl-tiplas dimensões e a partir da interação entre os atoressociais, desde o plano macroinstitucional até o chamado“chão-de-fábrica”. Ainda nesse sentido, cabe notar queas características e possibilidades que assume a flexibili-dade na organização da produção e do trabalho se entre-laçam com a dimensão regulatória das relações trabalhis-tas e, portanto, com a “flexibilidade” presente em umdeterminado sistema de relações de trabalho.

No movimento sindical, cabe notar a ambivalência daslutas relativas à onda da “flexibilização”. Por um lado,existe uma luta pela manutenção e ampliação de direitose normas trabalhistas no país e, por conseguinte, contra adesregulamentação. Estas lutas passam pela reforma cons-titucional, pela legislação complementar, pelas medidasprovisórias inerentes e pelo projeto em torno de um siste-ma democrático de relações de trabalho.

Como ressalta Tarcisio Secoli (Leite e Aguiar, 1996),“quanto à questão da flexibilidade, há uma que é livre,aberta, geral e irrestrita, que é a desregulamentação queeles estão querendo, mas se se consegue, com a reduçãoda jornada de trabalho, uma flexibilização negociada,imposta pelo trabalho, ela pode ser positiva, pode ferir ocapital”. Indo além, seja no nível macro, mas especial-mente nos planos setorial e empresarial, as lutas travadasdizem respeito à construção das características da flexi-bilidade do trabalho no contexto atual. Nesse sentido, tantoexistem ações sindicais visando influenciar e construir oprocesso de flexibilização, construindo novas regulamen-tações, instituindo novos direitos e redefinindo o “comotrabalhar” – através da jornada de trabalho, dentre outrosexemplos –, quanto um imenso espaço vazio em que oempresariado determina ou impõe unilateralmente os no-vos padrões de organização e gestão do trabalho.

No meio do caminho, entre os padrões próximos aosconceitos de envolvimento imposto e envolvimento ne-gociado dos trabalhadores na reestruturação (Coriat,1991), existem as empresas que adotam programas de“motivação”, “participação”, “qualidade”, “estabilização”,

etc. Tais empresas podem incluir boa dose do que se con-vencionou chamar “treinamento comportamental”, atra-vés do qual buscam “incitar” um outro tipo de compro-misso entre os trabalhadores “sobreviventes” e sua políticainterna,21 em geral perante a ausência sindical.

Neste sentido, são nítidos o retrato de “assimetrias eheterogeneidades” que aponta Castro (1995:45) e a ten-são entre novas institucionalidades e formas tradicionaisde organização e relações de trabalho. Assim, se, por umlado, parece necessário relativizar a conclusão deHumphrey (1993:43) quanto aos aparentes benefícios dostrabalhadores nas empresas brasileiras reestruturadas, poroutro, também é claro que uma parcela destes vivenciasituação melhor que no padrão anterior.

Do ponto de vista sindical, é clara a tendência a umafragmentação cada vez maior das negociações coletivas,em virtude da política empresarial, ou do crescimentoquase exponencial de negociações por empresa. Alémdisso, a nova onda de “flexibilização” e as mudanças pro-fundas que se dão nos sistemas produtivos levam ao ques-tionamento da própria estrutura sindical, bem como doconceito e do conteúdo da sua representação. A emergên-cia, ainda pequena, de experiências autogestionárias e dascooperativas de trabalhadores é também ilustrativa a esterespeito, deixando evidentes as dificuldades e transfor-mações nas estratégias sindicais brasileiras. A necessida-de de maior cooperação internacional vem sendo tambémressaltada, tendo em vista uma relativa perda de capaci-dade de regulação via Estados Nacionais em face do po-der das grandes corporações transnacionais.

A correlação de forças tanto no campo institucionalcomo no plano de cada local de trabalho é evidentementedesfavorável, no cenário de crescente desemprego e con-tínua desigualdade social. O surgimento de acordos queinstituem novas regulamentações não parece ser capaz dese manter indefinidamente concentrado e isolado em de-terminadas categorias de trabalhadores, regiões industriaisou empresas sem que a crescente heterogeneidade no planonacional se volte como um bumerangue em sua direção.Nesse sentido, a tarefa de entidades estaduais e nacionais,bem como das centrais sindicais, é especialmente impor-tante, enquanto na outra ponta se destaca a relevância dasorganizações por local de trabalho.

Na medida em que os espaços de intervenção e deter-minação de políticas públicas e empresariais se mostram,há um conjunto de disputas em torno das transformaçõesque vão sendo gestadas. Nessa encruzilhada da mudançade século, um dos desafios colocados se refere ao espaçodo trabalho, à dimensão da flexibilidade. Até certo pon-to, o resultado desse debate vai apontar em qual sentidose transforma – ou se degrada – o caráter da sociedadebrasileira.

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NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (Asso-ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), Caxambu,out. 1996.

1. Também Boyer (s.d.) define cinco possíveis formas de flexibilidade, ineren-tes à organização da produção, à mobilidade interna dos trabalhadores, aos con-tratos de trabalho, à relação salarial e à regulamentação trabalhista.

2. Recente pesquisa com empresas industriais brasileiras conclui que a flexibili-dade está abaixo dos critérios qualidade, preço e inovação em termos de rele-vância competitiva (Valle, 1996).

3. Ver Hirata (1993) e Castro (1995), além do artigo de Bresciani e Oda (1995).

4. Parte destes aspectos foi também abordada anteriormente por Salerno (1993a)e Castro (1995).

5. Sobre a flexibilidade centrada no mercado de trabalho, ver Dedecca (1996),Camargo (1996) e Pastore (1994).

6. Enquanto o índice de assalariados com carteira assinada na Região Metropo-litana de São Paulo praticamente estagnou entre 1985 e 1986, os indicadores deassalariados sem carteira assinada e de autônomos subiram acima de 70%. VerDieese e Seade (1996).

7. Ver Dieese (1996). Além disso, cresce o recurso sistemático à concessão deférias coletivas, antecedendo momentos de demanda desaquecida.

8. No início de 1996 circulou documento atribuído ao ministro do Trabalho, pro-pondo alteração em direitos estipulados no artigo 7 da Constituição Federal (exis-tem projetos similares e correlatos no Congresso Nacional). Ver tambémZylberstajn (1996).

9. Ver Bresciani e Oda (1995); Leite, Silva, Bresciani e Conceição (1996). Vertambém Cardoso e Gebrim (1996), a partir de amostra ampliada de acordos econvenções coletivas no Sistema de Acompanhamento de Contratações Coleti-vas do Dieese.

10. Aspecto explicitado recentemente pelo próprio ministro do Trabalho, PauloPaiva (Paiva, 1996).

11. Dentre outros exemplos, existe o projeto da CUT (Propostas para a geraçãode empregos. s.l., 19 março 1996), bem como projetos de lei alternativos no Con-gresso Nacional.

12. Interessante abordagem sobre flexibilização e reforma trabalhista na Améri-ca Latina está em palestra de Eremida Uriarte (1996), apontando inclusive a ne-cessidade de “re-regulação” em âmbito internacional.

13. A fábrica de caminhões em Resende é ainda muito nova, não possibilitandoanálise conclusiva, mas já merece a atenção de pesquisadores, empresários e sin-dicalistas do mundo todo, a exemplo de fábricas do grupo Volkswagen na Ar-gentina e República Tcheca.

14. Ver Dieese (1995), Rodrigues (1995) e Arbix (1996) sobre o conteúdo dosacordos. Também sindicato e comissões de fábricas lançaram projeto denomina-do “Qualidade de vida no trabalho”, com propostas específicas para a reestrutu-ração da empresa.

15. O grupo de trabalho sobre reestruturação produtiva da CUT promoveu semi-nário para discussão de experiências desse tipo.

16. Ao longo do processo foram feitas visitas a fábricas alemãs e semináriosdiversos, o que resultou no projeto do sindicato que orientou a construção doacordo (O trabalho em grupo nas negociações de reestruturação produtiva, SãoBernardo do Campo, maio 1994). No início de 1997 foi fechado acordo seme-lhante sobre células (segmentos) e grupos de trabalho na unidade Anchieta daVolkswagen.

17. No final de 1995, os metalúrgicos de Curitiba e a Volvo haviam divulgadoum sistema de compensação conhecido como “banco de horas”, pelo qual ostrabalhadores cumpririam jornadas variáveis, assumindo débitos ou créditos dehoras.

18. Ver depoimentos de Marinho (Metalúrgicos do ABC) e Alcantara (Sinfavea)sobre “Duração do Trabalho”, no Fórum (Brasil, 1994).

19. Vale destacar aqui a prioridade para acordos relativos a resultados, e não alucros; organizações no local de trabalho para acompanhamento de metas; in-corporação dos ganhos de produtividade aos salários; acesso às informações; eprévia apresentação dos planos de inovação.

20. Este valor geralmente oscilou entre um e dois salários médios da empre-sa por trabalhador, nos exercícios de 1995 e 1996. O maior valor previstonos acordos de 1996 foi o da Volkswagen: R$ 2.500,00, caso atingidas asmetas.

21. Para Secoli, “as políticas de cooptação das empresas são aspecto central nareestruturação produtiva (...) e não temos uma ação política mais conseqüentepara reverter esse quadro.. (...) [mas] o modelo anterior – o fordismo – tambémera ruim para os trabalhadores” (Leite e Aguiar, 1996:5).

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FLEXIBILIDADE E REESTRUTURAÇÃO: O TRABALHO NA ENCRUZILHADA

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PROGRAMAS DE QUALIDADENOS BANCOS

o olhar sindicalista

esde a década de 80, o empresariado brasileiro,na esteira de uma ampla discussão, vem implan-tando mudanças importantes nas formas de orga-

nização da produção e do trabalho e, mais recentemente,nos sistemas de remuneração, na estrutura hierárquica, naempregabilidade e na qualificação profissional dos traba-lhadores. Esse movimento ganhou expressão nos anos 90,com a abertura do mercado aos produtos estrangeiros e acriação do Programa Brasileiro para Qualidade e Produ-tividade – PBQP e do Código de Defesa do Consumidorno governo Collor. Desde então, vem sendo reforçado porpolíticas de incentivo à qualidade e à formação profissio-nal e por alterações na legislação sobre remuneração apro-vadas no governo Fernando Henrique Cardoso.

A qualidade total tem sido um tema importante no pro-cesso de reestruturação produtiva das empresas, particu-larmente nas de grande porte. Conforme pesquisa reali-zada em 1994 pelo Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoioàs Micro e Pequenas Empresas, 60,9% das mil maioresempresas brasileiras estão criando programas de qualida-de total e 21,1% estão planejando sua implantação (Fo-lha de S.Paulo, 20/03/94). Estudo desenvolvido em in-dústrias localizadas em São Paulo e no Rio Grande do Sulobservou que as empresas de grande porte, especialmen-te as multinacionais, são as que possuem os programasde qualidade e produtividade mais avançados no Brasil;as de pequeno e médio portes introduzem mudanças pon-tuais nos processos produtivos, sem chegar àquelas decaráter estrutural, relacionadas a uma nova forma de in-serção no mercado competitivo (Fleury e Humphrey,1993). Estes autores observam que as empresas que de-senvolvem programas de qualidade e produtividade bus-cam a redução dos custos como fator diferencial para a

competição no mercado, voltando-se prioritariamente àracionalização das atividades de produção.

Em artigo escrito em 1994, Roberto Ruas mostra queo setor metal-mecânico é o que apresenta no Brasil o maiornúmero de experiências bem-sucedidas em programas dequalidade e produtividade que, em geral, são bastanteabrangentes, envolvendo, muitas vezes, as estratégias demercado e produto. Essa redefinição vem influindo naorganização da produção através da implantação deminifábricas, células de produção, just in time e kanban(Ruas, 1994). Trata-se de mudanças que, conforme Lima(apud Ruas), garantem resultados positivos para a empresa,como aumento da produtividade e redução do espaço fí-sico, do lead-time e do número de itens empregados naprodução. O mesmo não se pode dizer sobre as políticasde envolvimento e participação dos trabalhadores, queencontram dificuldades decorrentes tanto da crise econô-mica (capacidade ociosa, altos índices de desemprego emédia salarial baixa), quanto da cultura empresarial au-toritária e conservadora. Normalmente, as mudanças nãotêm sido precedidas de negociação, nem com os traba-lhadores na empresa, nem com seus sindicatos, e o poucoque lhes é concedido implica vantagens para as empresas(estabilidade no emprego, treinamento e gerência parti-cipativa).

Ruas observa que no setor de tecnologia tradicional(móveis e calçados) as mudanças, quando acontecem, li-mitam-se à implementação de técnicas modernas de or-ganização e controle da produção (controle estatístico deprocessos, minifábricas, kanban, células de produção),sem envolver uma redefinição das estratégias de merca-do, da gestão da empresa ou da cultura empresarial. Emgeral, redução de custos nesse setor é sinônimo de em-

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HELENA BINS ELY

Assessora da Secretaria de Estudos Sócio-Econômicos do Sindicato dos Bancários de São Pauloe da Secretaria de Formação Sindical da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT

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prego precário da mão-de-obra (baixos salários, alta ro-tatividade e subcontratação) e a resistência à mudança éuma marca da cultura empresarial. A precariedade dasrelações de trabalho dificulta as estratégias de envolvi-mento dos trabalhadores, e pouco tem sido feito quanto atreinamento, requalificação, estrutura ocupacional, etc.(Ruas, 1994).

No setor bancário, a implantação de programas de qua-lidade e produtividade teve início nos anos 90. Pesquisarealizada em 1991 pelo Serasa – Centralização do Servi-ço dos Bancos – constatou que bancos de médio e grandeportes desenvolviam iniciativas nesse sentido, através depalestras, seminários e cursos externos, envolvendo a altadireção e os funcionários. Os bancos de pequeno portenão tinham ainda programas de qualidade, mas estavaminvestindo em informatização das agências, serviços aosclientes, mudanças no processo, terceirização, descentra-lização de alçadas e treinamento de funcionários paramelhorar o relacionamento com os clientes. A maior par-te dos programas de qualidade total, criados nos bancosde médio e grande portes, consistia de: revisão de pro-cessos sob a ótica dos clientes e da identificação de defi-ciências em seus fluxos operacionais; criação do concei-to de cliente interno e abertura de novos canais decomunicação com os clientes externos (central de atendi-mento e pesquisas de feedback); promoção de ações vol-tadas aos funcionários (programas de reconhecimento,pesquisas, canais de comunicação); e mudanças nos cri-térios de seleção de recursos humanos. Os bancos apre-sentaram como resultado dos programas: melhor relaçãoentre os funcionários; melhoria do atendimento ao clien-te externo; e redução do retrabalho e decisões mais ágeis(Revista Banco Hoje, jul.93, p.46-53).

Ao analisarmos as propostas de ação sindical frente aoprocesso de reestruturação produtiva no Brasil, devemosestar atentos à tradição autoritária e paternalista das rela-ções de trabalho nas empresas, onde tem prevalecido ouso predatório da força de trabalho no chão-de-fábrica.Em muitos casos, a reestruturação combina formas mo-dernas de administração com uma cultura política tradi-cional, que rejeita a negociação com os trabalhadores enega suas formas legítimas de representação coletiva.

Nos anos 80, as inovações tecnológicas e organizacio-nais implantadas em empresas de grande porte depara-ram-se com um movimento sindical fortalecido e radica-lizado, que não poupou críticas à forma autoritária e àsconseqüências negativas dessas transformações para aclasse trabalhadora. Nesse período, o movimento sindi-cal mais avançado do país pautou-se nas ações grevistascomo principal forma de pressão para a conquista de suasreivindicações, que privilegiavam os temas econômicosou o cumprimento da legislação e dos acordos coletivos.

Segundo a avaliação de um dirigente sindical do ABCpaulista, esse período foi importante para que o Sindica-to dos Metalúrgicos, por um lado, consolidasse a organi-zação dos trabalhadores na base da categoria e, por ou-tro, conquistasse um espaço de negociação com asempresas da região: “As empresas se dispuseram a nego-ciar, porque se não negociassem nós fazíamos greve” (di-rigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC). A resis-tência dos anos 80 foi decisiva para que o movimentosindical abrisse os canais de negociação com os empre-sários. A esse respeito, Massera e Oliveira (1994:191-2)afirmam: “A resistência pode ser a parteira da história, ocaminho concreto de abertura de novas alternativas paraas relações sociais. A divisão das águas da interpretaçãodos fenômenos que queremos observar não está, portan-to, na dicotomia resistência versus negociação. Essa di-cotomia não nos permitiria ver o essencial. No Uruguai,todos os sindicatos resistem e negociam. O problema estáem observar ao que se resiste e o que e como se negocia,isto é, observar qual é o conteúdo da atividade sindical.”

Já no final da década de 80, alguns sindicatos, em es-pecial o dos metalúrgicos do ABC, conseguiram colocarnas pautas de negociações com as empresas temas relati-vos à reestruturação produtiva. Destaca-se, nesse perío-do, a criação da Comissão Nacional de Automação daCUT, que reunia sindicalistas de diversos setores da eco-nomia preocupados em se capacitar para negociar essetema. A partir da postura radicalizada dos anos 80, algunssindicatos conseguiram levar à frente importantes nego-ciações, que buscaram amenizar as conseqüências dastransformações no chão-de-empresa: garantia do empre-go, retreinamento de trabalhadores remanejados, garan-tia das condições e do ritmo de trabalho, etc.

Nos anos 90, o debate ganhou importância no interiorda CUT e nas negociações dos sindicatos com as empre-sas. Ainda que uma parcela significativa de dirigentescutistas assumisse uma postura contrária à negociação des-ses temas com as empresas, hoje praticamente todas asforças políticas que compõem a CUT concordam que istoé necessário. Mas são poucos os sindicatos que conseguemassinar acordos relativos à reestruturação produtiva nasempresas, seja pela cultura empresarial autoritária que nãopermite a discussão desse tema com o movimento sindi-cal, seja pela cultura sindical que tradicionalmente privi-legiou a luta salarial, ou ainda pela frágil organização dostrabalhadores nos locais de trabalho. Para Mário Salerno(1993), o amadurecimento da ação sindical levou algunssindicatos a intervirem no sentido de negociar temas re-lativos à organização do trabalho e da produção, anteci-pando-se à implantação das inovações tecnológicas e or-ganizacionais nas empresas. Um exemplo desse tipo denegociação seriam os acordos firmados entre a Mercedes-

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Benz de São Bernardo do Campo e o Sindicato dos Meta-lúrgicos a respeito de células de produção, trabalho emgrupo, jornada de trabalho e participação nos resultados.No Brasil, ainda existem poucas experiências de nego-ciação antecipada, mas sua influência sobre o movimen-to sindical tem sido de grande importância.

Outra característica importante do movimento sindi-cal, que vem se engendrando nos anos 90, é sua disposi-ção em participar de fóruns institucionais com governo eempresários, como no exemplo das câmaras setoriais, doPBQP – Programa Brasileiro de Qualidade e Produtivi-dade e do Conselho Deliberativo do FAT – Fundo deAmparo ao Trabalhador, ampliando sua presença em ins-tâncias que deliberam sobre políticas que não se restrin-gem a uma categoria.

Para o presidente nacional da CUT, Vicente de Paulada Silva1, as transformações que vêm ocorrendo hoje nomundo do trabalho colocam para o movimento sindicaldois grandes desafios. O primeiro é o de construir pro-postas alternativas para as relações cotidianas nos locaisde trabalho, resgatando a noção de criação de direitos quefoi trazida ao debate público por movimentos sociais,como o de Meninos e Meninas de Rua, Contra a Fome e aMiséria e a Favor da Vida, feministas e anti-racistas. Nessesentido, cabe ao movimento sindical resgatar os concei-tos de democracia e cidadania nos locais de trabalho, de-nunciando e apresentando propostas alternativas para aspráticas discriminatórias que, muitas vezes, passam des-percebidas pelos dirigentes sindicais, de tal forma queo movimento sindical possa garantir que, nesse processode transformações no mundo do trabalho, melhorem ascondições de vida e de trabalho daqueles que continuamtrabalhando nas empresas.

O segundo desafio é que o movimento sindical sejacapaz de intervir nas políticas nacionais que definem osrumos dessas transformações e do próprio desenvolvimen-to produtivo no Brasil, que vêm excluindo do mercadoformal de trabalho um grande contingente de trabalhado-res e marginalizando uma parcela significativa da popu-lação, dificultando seu acesso à alimentação, à moradia eà cidadania. Para isso, é necessária a articulação comoutros movimentos sociais no sentido de se construir umanova democracia e uma nova cidadania.

O papel que o movimento sindical venha a assumir noprocesso de reestruturação produtiva é decisivo na confi-guração das transformações na sociedade. Referindo-seao caso do Uruguai, Massera e Oliveira (1994:192) afir-mam: “O rumo da transformação produtiva do país de-pende da atitude e da capacidade propositiva dos traba-lhadores e dos sindicatos. Em particular, esta última édecisiva para que se abra no país a possibilidade de umamodernização realmente progressista e democrática.”

Nos estudos que realizamos, foram analisados progra-mas de qualidade total nos bancos, assim como as avalia-ções dos dirigentes sindicais sobre esses programas. Esteartigo é dividido em duas partes: na primeira, é apresen-tado um resumo da situação dos programas de qualidadenos bancos que visitamos; na segunda, os resultados dosquestionários e entrevistas com dirigentes sindicais, con-tendo suas opiniões sobre possíveis vantagens e desvan-tagens dos programas e sobre as mudanças nas relaçõesentre bancos e bancários e as propostas de ação sindical.Observaremos, ao longo do texto, que não existe umaposição homogênea quanto às atitudes que o movimentosindical deva adotar frente aos programas de qualidade,embora quase todos concordem que a questão deva serdiscutida em profundidade. Muitas vezes, percebem-sediferenças nítidas entre as respostas dos dirigentes sindi-cais e dos bancários que não são dirigentes sindicais. Aolongo do texto, faremos referência a essas diferenças, sem-pre que forem relevantes.

PROGRAMAS DE QUALIDADE NOS BANCOS

No estudo desenvolvido junto aos bancos, constata-seque os programas de qualidade total são recentes e que osprimeiros a implantá-los foram os estrangeiros, impulsio-nados pelas matrizes sediadas na Europa e nos EstadosUnidos, confirmando uma tendência já observada no se-tor industrial. O banco estatal federal visitado sofreu in-fluência do PBQP e o privado nacional foi pressionadopelo próprio mercado.

Em todos os bancos, a decisão de implantar esses pro-gramas partiu do topo da empresa, com uma proposta clarade difusão a partir dos escalões mais altos da organiza-ção. Destacam-se no banco estatal federal algumas expe-riências de implantação a partir da iniciativa de funcio-nários. Tais experiências, que mereceriam um estudo maisaprofundado, colocam dois elementos novos no estudosobre os programas de qualidade no Brasil. Um deles éque o desenvolvimento de programas de qualidade emempresas-chave da economia brasileira cria o que pode-ríamos chamar de “cultura da qualidade”, que extrapolaas dimensões da empresa para atingir o mercado circun-dante. A empresa Vale do Rio Doce parece ter cumpridoesse papel na Região Metropolitana de Belo Horizonte,particularmente nas agências do banco estatal federal daregião. Outro elemento que as experiências desse bancotrazem para a reflexão, e que está relacionado ao ante-rior, é que, a partir de um certo ponto de difusão, a “cul-tura da qualidade” pode deixar de ser iniciativa exclusivada direção da empresa para ser apropriada pelos funcio-nários, que buscam prover o programa de uma dimensãosocial e participativa.

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Uma visão geral dos programas que estão sendo im-plantados nos bancos indica que alguns ainda não englo-bam todas as dimensões propostas pelo TQC – Controleda Qualidade Total. O foco da empresa nos interesses docliente e, em última instância, nas demandas e nas novaspossibilidades do mercado, deveria ser o eixo básico apartir do qual se desenvolve a estrutura lógica do progra-ma de qualidade de cada empresa. De outra forma, com-prometer-se-ia a lógica proposta pelos protagonistas daqualidade total, não obstante dois dos quatro bancos visi-tados não terem criado canais de comunicação com osclientes externos. Esses bancos poderiam afirmar que nãodesenvolveram esses canais porque os programas são ain-da muito recentes; no entanto, um deles foi um dos pri-meiros a implantar o TQC no setor bancário no Brasil. Jáas ferramentas estatísticas para o controle dos processose a melhoria contínua têm sido utilizadas por todos osbancos que fazem parte da análise; no entanto, no bancoestatal federal esses instrumentos ainda estavam restritosàs áreas onde se desenvolveram as experiências-piloto enum dos estrangeiros as propostas de soluções de proble-mas não se baseavam ainda no uso dessas ferramentas.

Conforme se pôde observar através das entrevistas, osbancos vêm desenvolvendo políticas que buscam o en-volvimento dos trabalhadores com as propostas de quali-dade total, criando canais para que os funcionários parti-cipem do processo de melhoria contínua da empresa. Nonosso entendimento, essas políticas implantadas pelosbancos são mais restritas que as propostas originais doTQC.

Os bancos desenvolveram programas de treinamentoem qualidade, formando os funcionários em conceitos eferramentas básicas do TQC; estão promovendo campa-nhas de motivação, difundindo conceitos da qualidade totale incentivando os bancários a que os adotem no seu tra-balho cotidiano; e realizaram algumas mudanças em te-mas que dizem respeito às relações trabalhistas, como aredução de níveis hierárquicos na empresa e a valoriza-ção das contribuições dos trabalhadores.

Esses aspectos ajudam a incentivar os bancários a par-ticiparem do processo de melhoria dos bancos. No entan-to, é pequena a difusão de cursos sobre ferramentas deanálise e solução de problemas e os cursos para funcio-nários são muito simplificados; estes fatos diferenciamas possibilidades de participação entre os funcionários quetêm acesso aos cursos mais aprofundados sobre qualida-de total e os que não têm. Sem dúvida, o desenvolvimen-to de campanhas que exigem “comportamento erro zero”e de campanhas competitivas que se baseiam exclusiva-mente na distinção entre os funcionários, realizadas poralguns bancos, inibem a participação espontânea dos fun-cionários, que passariam a atuar sob pressão em situações

que não se sustentam a médio e longo prazos. Essa avali-ação se baseia nos princípios de qualidade desenvolvidospor Deming (Scherkenbach, 1990), não obstante algunsautores acreditem que a competição acirrada e o medo deerrar são elementos importantes para o envolvimento dostrabalhadores na melhoria da empresa. No que diz res-peito a emprego e salário, as mudanças realizadas pelosbancos até 1994 eram ainda muito pequenas e bastantedesestimulantes do ponto de vista do trabalhador: a esta-bilidade no emprego só é encontrada nos bancos públi-cos e poucos bancos se propunham a redistribuir parcelados lucros ou ganhos alcançados com o aumento da pro-dutividade. Se, por um lado, a relativa estabilidade do em-prego nos bancos públicos e a participação dos funcioná-rios nos lucros da empresa podem ser consideradas comoaspectos que incentivam a participação, por outro, a faltade continuidade das políticas desenvolvidas nesses ban-cos desestimula o empenho dos funcionários nos novosprogramas.

Quanto à participação dos trabalhadores no processode melhoria, os principais canais criados pelos bancos sãoos grupos de melhoria. Em alguns bancos, a possibilida-de de participação irrestrita nos grupos, a relativa auto-nomia para intervir em alguns temas do trabalho imedia-to e, no caso do banco estatal federal, o apoio da direçãoaos canais de participação criados pelos próprios funcio-nários são aspectos importantes para o envolvimento dostrabalhadores no programa de qualidade total. Por outrolado, persistem políticas que desestimulam a participa-ção: restrição à participação de pessoas indicadas pelachefia, falta de acesso a ferramentas de análise e soluçãode problemas, falta de autonomia para decidir sobre te-mas analisados pelo grupo, morosidade e burocracia noprocesso de solução dos problemas. Em muitos casos, osgrupos nos locais de trabalho acabam cumprindo um pa-pel de fiscalização do comportamento e do resultado dotrabalho dos colegas.

O OLHAR SINDICALISTA

A seguir, apresentaremos as conclusões de quatro en-trevistas com sindicalistas e do questionário respondidopor 80 dirigentes sindicais durante o Congresso da CNB/CUT realizado em junho de 1994. Através desses questi-onários, buscamos conhecer a posição dos dirigentes sin-dicais quanto à participação dos bancários nos programasde qualidade, aos problemas e vantagens que podem tra-zer para os bancários, às alterações nas relações entrecapital e trabalho e à atitude que o movimento sindicaldeve adotar frente à implantação desses programas. Parafacilitar a análise das informações obtidas, separamos asrespostas dos dirigentes sindicais que são funcionários de

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bancos em que os programas de qualidade estão poucodesenvolvidos daquelas de funcionários de bancos cujosprogramas de qualidade podiam ser considerados maisdesenvolvidos no momento em que o questionário foiaplicado, como é o caso do Banco do Brasil, Caixa Eco-nômica Federal, Banespa, Unibanco, Banco Nacional,Banco Francês e Brasileiro e Sudameris. Além dos 80questionários respondidos pelos dirigentes sindicais, re-cebemos, posteriormente, outros seis, de bancários do Pa-raná. Estes foram considerados em separado, uma vez queos bancários que responderam a eles não têm o mesmoperfil dos delegados do congresso em questão. Pouco maisde metade dos dirigentes sindicais que responderam aoquestionário no congresso da CNB/CUT são de bancospúblicos e provenientes das regiões Sul, Sudeste e Nor-deste do Brasil, a grande maioria são homens na faixa de26 a 40 anos de idade e são dirigentes liberados pelos ban-cos para trabalhar no sindicato, o que significa dizer quenão estão participando ativamente da implantação dosprogramas de qualidade nos locais de trabalho.

As Vantagens e os Problemas dosProgramas de Qualidade

Não existe uma posição homogênea dos dirigentessindicais quanto à atitude que devem adotar frente aosprogramas de qualidade e aos limites e possibilidades dosprogramas de qualidade. Neste item, apresentamos asrespostas dos dirigentes quanto às possíveis vantagens eproblemas que os programas de qualidade podem trazerpara os bancários, buscando identificar suas opiniõessobre o que pode ocorrer com o desenvolvimento dosprogramas.

A maior parte dos dirigentes sindicais não acredita queos programas de qualidade possam favorecer os bancá-rios, mas praticamente metade identificou possíveis van-tagens que, colocadas na seqüência das mais citadas paraas menos citadas, são as seguintes: aumentar o conheci-mento sobre o trabalho, solucionar problemas do traba-lho, melhorar a relação com as chefias, aumentar a satis-fação no trabalho, melhorar as condições de saúde físicae mental, dar estabilidade no emprego e melhorar ossalários.

Observamos que muitos sindicalistas identificaramvantagens no campo estritamente profissional, tais comoconhecer e resolver problemas do trabalho, sendo que doisdeles assinalaram essa restrição. Um deles, ao selecionara resposta “aumentar o conhecimento sobre o trabalho”,escreveu ao lado: “e só” (Questionário do Banco do Bra-sil); e o outro, ao assinalar as duas respostas, acrescen-tou: “o programa de qualidade nunca visa o trabalhador,mas a imagem da empresa”. E na questão seguinte com-

plementou: “profissionalmente melhora, porém, as con-dições de vida são as mesmas”. Das observações acima,podemos concluir que a maioria dos dirigentes não vêvantagens nos programas de qualidade ou, quando vê,identifica-as no campo estritamente profissional, expres-sando uma visão crítica quanto aos resultados que os pro-gramas de qualidade trazem ou podem trazer para os tra-balhadores. No entanto, observa-se que existem algunssindicalistas que associam os programas a satisfação notrabalho ou melhoria nas condições de saúde, como naafirmação reproduzida a seguir: “Com os programas dequalidade o trabalhador é mais valorizado. Ele é o meiopara que se chegue à qualidade do atendimento” (Questi-onário do Meridional).

É interessante também observar que dois sindicalistasassociaram as possíveis vantagens à forma como o pro-grama vier a ser desenvolvido ou à forma como o movi-mento sindical vier a intervir na implantação do progra-ma. Ambas as respostas consideram que o processo nãoestá determinado a priori e que apresenta uma margem,seja para a intervenção do movimento sindical, seja paraas diferentes políticas das direções dos bancos. Um dosdirigentes, após assinalar as vantagens, acrescentou:“...desde que se faça um programa de qualidade com se-riedade” (Questionário do BND). E outro afirmou: “Podetrazer vantagens, desde que o processo seja politizado porparte dos sindicatos e outros setores preocupados com amelhoria da qualidade de vida” (Questionário do Bancodo Brasil).

Dentre os dirigentes sindicais que são funcionários dosbancos em que programas de qualidade estão mais desen-volvidos, as respostas foram um pouco diferentes daque-las dos funcionários de bancos cujos programas estãopouco desenvolvidos ou não existem: a maioria identifi-cou vantagens que os programas podem trazer para osbancários e um número menor respondeu que não acredi-ta que elas possam existir. Embora o número de questio-nários respondidos por aqueles que não são dirigentes sin-dicais seja muito pequeno para induzir a qualquerconclusão,2 observamos que todos eles identificaram van-tagens na implantação dos programas de qualidade e qua-tro consideram que eles podem aumentar a satisfação notrabalho.

A partir dessas observações, pode-se concluir que tan-to os bancários que vivenciam o processo de implantaçãoquanto os dirigentes sindicais que são funcionários dosbancos que estão implantando programas de qualidade têmuma visão mais positiva destes programas do que os diri-gentes sindicais que são funcionários de bancos que nãoestão desenvolvendo programas ou que ainda estão emfase inicial de implantação. Isto leva a crer que, em al-guns casos, os programas de qualidade estão trazendo

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melhorias para o trabalhador bancário, e que essas me-lhorias deveriam ser consideradas pelo movimento sindi-cal no momento de formular sua estratégia de ação frentea esses programas.

Quase todos os dirigentes sindicais consideram queos programas de qualidade podem trazer algum tipo deproblema para os bancários. Comparando com o itemanterior, pode-se afirmar que os dirigentes sindicaisvêem muito mais problemas do que vantagens na implan-tação de programas de qualidade. Esses problemas, colo-cados na seqüência dos mais citados para os menos cita-dos, são os seguintes: aumenta a disputa entre os bancários,o bancário torna-se mais alienado, as chefias e os colegaspassam a controlar mais o trabalho uns dos outros e o ban-cário passa a trabalhar mais no horário em que está nobanco.

Os dirigentes sindicais deram grande ênfase ao aumentoda competição entre os bancários e da alienação. Quasemetade deles respondeu que os programas de qualidadeaumentam a disputa entre os bancários e muitos respon-deram que o bancário torna-se mais alienado.3 Outros sin-dicalistas levantaram ainda problemas como demissões,dificuldade de mobilização e organização dos trabalha-dores, ilusão e perda de identidade dos trabalhadores.Algumas dessas respostas identificam-se com a proble-mática da alienação, como a que se segue: “O programade qualidade como está sendo implantado tenta mudar osvalores do empregado em função do trabalho, perdendosua identidade” (Questionário da CEF).

A partir das observações anteriores, arriscamo-nos aafirmar que grande parte dos sindicalistas considera a dis-puta ideológica entre empresa e trabalhadores como oprincipal elemento a ser considerado pelo movimento sin-dical no momento de elaborar estratégias frente à implan-tação dos programas de qualidade nos bancos. Observa-se, ainda, uma preocupação quanto ao aumento do controledas chefias e colegas sobre o trabalho uns dos outros e daintensificação do trabalho, o que pode estar se refletindoem uma ação afirmativa de alguns sindicatos sobre a saú-de dos trabalhadores.

As respostas dos dirigentes sindicais que trabalham embancos cujos programas de qualidade estão mais desen-volvidos não se diferenciam muito do resultado geral dapergunta anteriormente analisada. No entanto, as dos ban-cários do Paraná apresentam uma diferença: enquantoentre os dirigentes a grande maioria considera que os pro-gramas de qualidade trazem algum tipo de problema paraos funcionários, entre os bancários do Paraná metade diznão acreditar que os programas trazem problemas; e den-tre os que identificam problemas, um deles respondeu queo bancário passa a trabalhar mais no horário em que estáno banco e complementou a resposta dizendo que não

considera que isso seja um problema: “Acho que ele pas-sa a produzir mais no horário de trabalho, porém não vejoisso como uma coisa má e sim boa, porque é para issoque ele recebe” (Questionário da CEF).

Essa diferença entre as respostas dos dirigentes sindi-cais e as dos bancários que não são dirigentes pode indi-car uma diferença de percepção sobre os programas dequalidade entre os que estão vivenciando cotidianamentea implantação do programa e os que têm uma prática po-lítica que os induz a uma visão global da categoria; oupode indicar uma diferenciação de percepção conformeo estágio e a forma de desenvolvimento do programa nobanco do qual o entrevistado é funcionário.4

A Relação entre Bancos e Bancários

Neste item, é analisada a opinião dos dirigentes sindi-cais sobre a mudança, do ponto de vista político, nas re-lações entre bancos e bancários. A questão em análise erauma pergunta em aberto. Muitos sindicalistas não respon-deram a ela, não justificaram suas respostas ou afirma-ram que são incapazes de fazer uma avaliação, seja por-que não conhecem o programa, seja porque este aindaestava numa fase muito inicial no banco em que traba-lham. Essa parcela é relativamente maior entre os sindi-calistas dos bancos cujos programas de qualidade estãomenos desenvolvidos. As respostas dos demais sindica-listas foram classificadas em três grupos, apresentados naordem dos mais aos menos citados: o dos que fazem ava-liações negativas dos programas, dos que identificammudanças sem emitir ou deixar claro um juízo de valor edos que fazem avaliações positivas.

Metade dos dirigentes sindicais faz uma avaliação ne-gativa quanto às conseqüências do programa: os bancá-rios estão sendo cooptados pela empresa ou estão se ilu-dindo com os programas; aumenta a exploração, aprodutividade ou o desemprego sem retorno para o ban-cário; e mantém-se a exploração ou a estrutura de poder.

Parte significativa dos dirigentes considera que as re-lações entre capital e trabalho estão mudando porque osprogramas estão cooptando ou iludindo os bancários. Asrespostas agrupadas nesse bloco apontam para o caráterideológico do programa e metade delas relaciona expli-citamente a cooptação ou ilusão com a redução da parti-cipação dos bancários nas lutas da categoria: “As rela-ções mudam na medida em que se ganham as consciênciaspara a solução dos problemas do capital. Tal alienação afastaos trabalhadores das suas lutas” (Questionário da CEF).

“As relações mudam porque em cima do desconheci-mento do bancário sobre a questão, os banqueiros ganhamsimpatia dos bancários, desvalorizando os sindicatos”(Questionário do Itaú).

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Alguns dirigentes associam os programas de qualida-de ao aumento do desemprego na categoria e outros jun-taram na mesma resposta o aumento da exploração e aalienação dos bancários: “Estão mudando [as relações]do ponto de vista do capital, pois a produtividade aumen-ta e os bancários não questionam o processo PQ” (Ques-tionário do Econômico).

Utilizando praticamente os mesmos argumentos dasrespostas anteriores, alguns sindicalistas consideram queas relações entre bancos e bancários não mudam porquese mantém a estrutura de poder e a exploração sobre ostrabalhadores. Nas palavras de um dos dirigentes: “Nãomudam as relações, o programa apenas potencializa aexploração inerente ao sistema capitalista” (Questioná-rio da CEF).

Uma parcela menor de dirigentes sindicais tem umaavaliação crítica do programa, não necessariamente ne-gativa. Alguns consideram que as relações entre capital etrabalho não mudam, mas aspectos delas sim: muda oprocesso produtivo, alteram-se as relações de trabalho,muda a gestão do processo produtivo, muda a forma deremuneração; outros consideram que as relações nãomudam porque os programas não são feitos com serieda-de, um considera que o programa ainda não está suficien-temente desenvolvido e outro, que as relações entre ban-cos e bancários estão mudando porque os sindicatos nãoestão intervindo nesse processo: “...porque os sindicatosnão estão sendo capazes de entrar no debate e intervir nabase (OLT/OSB)”5 (Questionário do Banco do Brasil).

De todas as respostas, apenas seis dirigentes afirmamque os trabalhadores são valorizados ou que se envolvemmais com a empresa. Dentre essas respostas, algumasexpressam claramente uma avaliação positiva dos progra-mas, como a seguinte: “Sim [mudam as relações]. O maishumilde operário passa a ser um tomador de decisões [den-tro do seu setor]” (Questionário da CEF).

Outras respostas não deixam claro se se considera essamudança positiva ou negativa: “Sim [mudam as relações],por buscar também aumentar a satisfação no trabalho,podem minimizar tensionamentos da luta de classes”(Questionário do Banco do Paraná).

Dentre os dirigentes sindicais dos bancos cujos progra-mas de qualidade estão mais desenvolvidos, as respostasnão são significativamente diferentes do total. Mas, entreas respostas dos bancários do Paraná, apontamos duasdiferenças quando comparadas com o total: nenhum ban-cário deixou a resposta em branco, sem justificativa, oudisse que era incapaz de avaliar; e apenas um tem umaavaliação negativa do programa. Metade das respostasfaz considerações críticas ao programa e metade fazuma avaliação positiva. Dentre elas, destacamos a maisotimista: “Sim, o empregado adquire maior conhecimen-

Tanto nos questionários como nas entrevistas feitas comalguns dirigentes sindicais, apareceu com freqüência adiscussão sobre a alienação ou a ilusão dos bancários frenteaos programas de qualidade e à tentativa da empresa decooptá-los para a defesa dos seus interesses. Compreen-demos que esse debate está no campo da disputa ideoló-gica entre os bancos e os trabalhadores organizados emsuas entidades sindicais. Poderíamos considerar que es-sas respostas apontam para uma disputa entre bancos esindicatos para tornar hegemônicos seus interesses entreos trabalhadores bancários. Essa afirmação mereceria umapesquisa mais aprofundada sobre a temática. De qualquermaneira, é importante destacar a fala de um dos entre-vistados, que ilustra a preocupação dos sindicalistas emrelação a essa disputa: “Há uma grande utilização do dis-curso da qualidade total como forma de ofensiva ideoló-gica pelos bancos. Com isso, buscam envolver o bancá-rio com a ideologia da empresa, com os valores daempresa. Buscam o envolvimento, de um lado, através danatureza do discurso da produtividade e, de outro, atrain-do o bancário para a discussão interna e afastando-o domovimento sindical...Trabalham a idéia de que a melhormaneira de você crescer, de você conquistar mais, é fazera empresa crescer no mercado. Portanto, você se associaa uma identidade de grupo, daquele grupo de bancáriosda empresa, com objetivos empresariais. Isso se contra-põe a uma outra identidade de grupo, que seria a identi-dade de grupo da categoria” (dirigente sindical do Bancodo Brasil).

A preocupação dos dirigentes com a cooptação dos tra-balhadores expressa a preocupação com o enfraquecimen-to ou com a transformação das formas de representaçãodo movimento sindical.

Alguns dirigentes sindicais consideram que as relaçõesentre capital e trabalho mudam porque aumenta a explo-ração sobre os trabalhadores: o banco passa a explorarmais em nome da qualidade, o capital submete mais o tra-balhador e extrai mais o seu saber, aumentam a produtivi-dade e os lucros e se intensifica o trabalho. Neste bloco derespostas, há uma queixa quanto à intensificação do traba-lho e ao aumento dos lucros do banco sem retorno positi-vo para os bancários. Nas palavras de dois dirigentes: “Osplanos de qualidade total acabam por responsabilizar ofuncionário pela correção do serviço realizado, como sefosse um compromisso de uma via só (só do empregado);a produtividade aumenta mas não há compromisso de re-torno/compensação” (Questionário do BFB).

“Sim [os programas de qualidade estão mudando asrelações entre capital e trabalho]. Porque o banco passoua explorar muito mais em nome da qualidade. A meta é,segundo sua filosofia, o cliente. Em nome dele exploracada vez mais o bancário” (Questionário do Baneb).

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to, mais treinamento e seu trabalho é reconhecido, tra-zendo satisfação profissional e conseqüentemente melho-ria de vida familiar” (Questionário da CEF).

Conforme indicamos anteriormente, o número de ban-cários (seis) que não são dirigentes que responderam aoquestionário é muito pequeno para tirarmos conclusõessobre os temas neles tratados. De qualquer maneira, éimportante destacar a diferença entre as respostas dos di-rigentes e dos não-dirigentes sindicais. Essa diferença podeestar apontando para uma desconexão entre a percepçãosindicalista das mudanças no mundo do trabalho e as trans-formações que vêm ocorrendo dentro dos bancos, ou podeindicar uma leitura incompleta dos bancários quanto àstransformações no trabalho, leitura essa que estaria sen-do classificada pelos dirigentes como ilusão, alienação oucooptação, conforme já vimos no item anterior.

Comparando as respostas deste item com as do itemanterior, observa-se que as críticas dos dirigentes sindi-cais aos programas de qualidade são mais acentuadas doque pareciam ser quando eles indicaram vantagens e pro-blemas dos programas de qualidade. Neste item, mesmoentre os poucos dirigentes que reconhecem que aumentaa satisfação no trabalho, há alguns que não deixam clarose consideram isto positivo ou negativo. Do nosso pontode vista, as mudanças nas formas de gestão do trabalho,seja através de programas de qualidade, seja através deoutras matrizes, estão deslocando as relações de poderentre os bancos e o movimento sindical bancário para umcampo mais complexo, onde ganha importância a disputaideológica entre esses dois agentes. Os programas de qua-lidade estão mudando a gestão do trabalho em algunsbancos, que passam a encaminhar, com a participação dosbancários, a solução de problemas cotidianos do local detrabalho, até então debatidos no âmbito do movimentosindical e resolvidos por seu intermédio. Essas mudançastransformam a relação entre bancários e sindicato e têmsido observadas pelos dirigentes de forma diferenciada,conforme ilustra a conversa a seguir entre dirigentes du-rante uma reunião sobre o tema: Dirigente A: “O pessoalnão vem mais no sindicato resolver problemas do banco:ar condicionado quebrado, banheiros sujos, chefes auto-ritários. Eles escrevem numa folha as sugestões, entre-gam para o gestor e, entre eles, eles discutem.”

Dirigente B: “É bom que o pessoal resolva problemascotidianos no próprio banco, assim o sindicato pode sepreocupar apenas com as questões maiores.”

O deslocamento das relações de poder entre bancos emovimento sindical coloca, para este último, a necessi-dade de reconstruir suas práticas políticas sob pena de nãoconseguir continuar representando os interesses coletivosdos trabalhadores bancários. Essa preocupação aparececlaramente em algumas entrevistas: “Até recentemente,

o movimento sindical conseguia mobilizar a categoria emcima da falta de solução de problemas cotidianos. Comos programas de participação e a resolução de problemasno cotidiano do trabalho, o sindicato terá que transfor-mar a sua forma de atuação (ou então dança!)” (funcio-nário do Banco do Brasil).

“A questão da qualidade estabelece novas relações. Eo movimento sindical tem que entrar nessa nova esferaonde os valores que sustentam a relação são novos, dife-rentes dos anteriores. O movimento sindical tem que agirconforme esses novos valores, senão não consegue esta-belecer diálogo com os trabalhadores” (deputado fede-ral, ex-dirigente sindical, Banespa).

As Propostas de Ação Sindical

Neste item, são analisadas as propostas de ação frenteaos programas de qualidade, formuladas pelos dirigentessindicais. Para a análise desta questão, foram tomadoscomo referência dois artigos que analisam a ação sindi-cal frente às transformações produtivas: um de LuisStolovich (1994) e outro de Massera e Oliveira (1994).

Stolovich classifica as respostas sindicais frente à in-trodução de mudanças tecnológicas em dois grandes gru-pos: passivas e ativas. Entre as passivas, encontram-se asde indiferença e as de aceitação. E entre as ativas, as deapoio, as de resistência não-propositiva e as propositivas,que podem ser globais ou parciais.

Uma tipologia da ação sindical diante das transforma-ções no mundo do trabalho serve tão somente para orien-tar a análise desse objeto. As posições que os dirigentessindicais assumem são mutáveis, conforme as circunstân-cias em que se encontra o movimento sindical. A propó-sito, Stolovich (1994:301) afirma: “O complexo de cir-cunstâncias e fatores que influenciam e condicionam ocomportamento sindical em relação à questão da recon-versão e a própria heterogeneidade sindical determinamque não se possa falar da ‘resposta sindical’ como algoúnico e homogêneo. Existem, na realidade, várias respos-tas sindicais, contraditórias e complementares, que podemconviver inclusive nos mesmos sujeitos (sindicatos, cor-rentes sindicais, dirigentes e militantes, etc.), segundo osmomentos e as circunstâncias.”

O estudo de Massera e Oliveira (1994) propõe-se aromper com a análise dicotômica da ação sindical que,segundo as autoras, não contempla os aspectos essenciaisdo problema. Para elas, a análise deve voltar-se à forma eao conteúdo da resistência e da negociação, uma vez queno Uruguai todos os sindicatos resistem e negociam fren-te às mudanças no processo de trabalho. A partir dessaconcepção, classificam em quatro tipos a ação sindicaldiante do processo de reestruturação produtiva: de con-

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fronto, corporativa, de negociação pontual e com elabo-ração de propostas. A primeira é aquela em que os atoressociais privilegiam a denúncia como principal elementoda sua ação, baseados numa concepção classista de anta-gonismo dos interesses entre capital e trabalho. Na segun-da, os dirigentes do movimento operário negociam com adireção da empresa, pensando exclusivamente nos inte-resses dos trabalhadores diretamente envolvidos na ne-gociação. A terceira é aquela em que os atores negociamtemas específicos da reestruturação, em geral num mo-mento posterior à introdução de mudanças na fábrica, ebusca reparar danos causados aos trabalhadores nesseprocesso. Para as autoras, essas três primeiras formas deação sindical seguem a pauta da cultura empresarial e dacultura dominante: “Nessas condições, os trabalhadoresnão superam as relações de subordinação, não se consti-tuem como atores com projeto próprio e, portanto, nãoconseguem modificar as estratégias empresariais”(Massera e Oliveira, 1994:202).

A última forma de ação sindical seria a construção depropostas alternativas que incorporam uma nova concep-ção de relações sociais de produção e novas políticas parao desenvolvimento nacional. Mas essa estratégia sindicalainda não está completa e enfrenta grandes limitações.Uma delas é a própria cultura sindical, que tradicional-mente privilegiou a luta salarial sem considerar as formasde produção. Outra é a cultura empresarial autoritária e aspolíticas governamentais, que buscam solucionar proble-mas da economia através do achatamento dos salários. Asautoras constatam ainda a indiferença dos sindicatos quantoàs formas de discriminação do trabalho feminino: “Outralimitação que reflete igualmente a permanência da cultu-ra sindical historicamente dominante e sua falta de auto-nomia frente à cultura dominante é a ausência de consi-deração por parte dos sindicatos das formas específicasde subordinação da força de trabalho feminina. Os sindi-catos desconhecem esta problemática, deixando o campoaberto às políticas empresariais de desqualificação e dis-criminação das trabalhadoras. Uma das conseqüênciaslógicas é a auto-exclusão das mulheres da vida sindical,o que debilita significativamente a unidade e a identida-de de classes” (Massera e Oliveira, 1994:203).

Dentre os dirigentes sindicais bancários, quase todospropõem uma postura ativa frente aos programas de qua-lidade, seja esta de resistência propositiva, seja com ên-fase no confronto. Dentre as demais respostas, foi identi-ficada uma proposta de apoio ativo, em que o dirigentesugere que o movimento sindical incentive a participa-ção dos bancários nos programas, duas propostas que po-deríamos chamar de passivas com indiferença e nenhu-ma de aceitação passiva. Segue uma das respostas deindiferença que chamou atenção pela forma como des-

qualifica a importância desse debate para o movimentosindical: “Já temos graves problemas para serem resolvi-dos na área política. Depois que forem resolvidos é quepodemos trabalhar nesta outra área” (Questionário do Su-dameris).

As propostas ativas foram classificadas em quatro gru-pos, na ordem dos que têm um maior número de respos-tas aos que têm menos: propostas a serem definidas, pro-postas pontuais, resistência propositiva e resistência comênfase no confronto. O primeiro grupo destaca-se pelonúmero de respostas; os demais têm entre si um númerosemelhante de respostas. A questão que tratou das pro-postas de ação frente aos programas de qualidade nosbancos era uma pergunta aberta. Uma análise mais pro-funda sobre o tema demandaria um maior número de en-trevistas com dirigentes sindicais. Nessa classificação,pretende-se apenas fazer considerações sobre as proposi-ções dos dirigentes sindicais que foram explicitadas nosquestionários.

Dentre as propostas a serem definidas, identificam-seaquelas que consideram a importância de construirpropostas de intervenção nos programas a partir de umdebate com a categoria ou do aprofundamento do conhe-cimento e da análise sobre os programas, sem, no entan-to, apresentarem alguma proposta de ação em relação àempresa, limitando-se à relação com a categoria ou como próprio tema. A maior parte dos dirigentes sindicais iden-tifica-se com este grupo, ou seja, não formulam umaproposta de intervenção, mas reconhecem a necessidadede fazê-lo, seja a partir do aprofundamento do conheci-mento e da análise sobre esses programas, seja a partir dodebate com a categoria, como na resposta a seguir: “En-frentar o problema, discutindo-o com a categoria e pre-parando-a para que o embate se dê na perspectiva de ga-nhos para o trabalhador, tirando proveito do processo deganhos de produtividade e motivação para fortalecer aconsciência de classe” (Questionário do Nordeste).

Há algumas respostas que propõem conhecer melhoro programa, analisá-lo e construir propostas, como a quesegue: “Localizar o que é contra e o que é a favor dosinteresses dos trabalhadores. A partir daí elaborar uma po-lítica que prepare os trabalhadores para sobreviverem nanova realidade” (Questionário do Banco do Brasil).

As respostas formuladas pelos dirigentes sindicais aolongo do questionário mostram uma grande preocupaçãoem iniciar um debate aprofundado sobre os programas dequalidade total, seus princípios e forma atual de implan-tação nos bancos, e sobre a necessária transformação daspráticas políticas e das formas de representação coletivados trabalhadores. As duas respostas seguintes expressamcom bastante clareza essa preocupação: “Procurar urgen-temente entender o seu funcionamento nos bancos, caso

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contrário perderemos a referência na base” (Questioná-rio do Econômico).

“O sindicato deveria promover seminários sobre o as-sunto, com apoio de especialistas nas áreas de relaçõestrabalhistas, administração, economia, saúde, etc... Oobjetivo disso seria fazer com que o trabalhador visse osPQs sob a sua ótica (trabalho) e não sob a influência úni-ca dos empresários (capital)... A discussão deve ser bemembasada, com pesquisas prévias que dêem subsídios paraum estudo mais aprofundado das conseqüências dos PQsno dia-a-dia do trabalhador: remuneração (salário), cargahorária, saúde (stress, LER),6 integração e incentivo aosfuncionários (prêmios, produtividade remunerada, etc.)”(Questionário do BFB).

As respostas de resistência pontual são aquelas quepropõem intervenções em alguns temas específicos dosprogramas de qualidade, sem apresentar uma propos-ta global. Muitas vezes, essas respostas apresentamuma postura defensiva quanto às inovações sugeridaspelas empresas. Nesse grupo, são classificadas as postu-ras que propõem a participação como forma de defenderos interesses dos trabalhadores, sem apresentar um pro-jeto alternativo: “Acompanhar e fiscalizar os PQs, nosentido de sempre melhorar em prol do bancário, sem pre-judicar qualquer que seja a carreira administrativa” (Ques-tionário do BCN). As que propõem intervir sobre os pos-síveis efeitos: “Deter as demissões” (Questionário doBradesco). Ou as que propõem agir sobre temas específi-cos do programa: “Deveria haver uma fiscalização dentrodas agências para maiores conhecimentos dos problemasexistentes entre chefias e funcionários” (Questionário doBradesco).

As respostas de resistência propositiva são as que pro-põem intervenções no programa como um todo. Os diri-gentes que formulam propostas de ação sindical nessecampo mostram conhecer, ao menos, os princípios bási-cos formulados pelos programas de qualidade. Algunssindicalistas que formularam respostas neste campo uti-lizam os conceitos desenvolvidos no âmbito dos própriosprogramas, buscando qualidade de vida para os trabalha-dores. Citamos uma das respostas que é representativadesse grupo: “Os sindicatos não podem adotar a postura‘não à qualidade total’. Os PQs vieram para ficar. Cabeaos sindicatos colocar a discussão no patamar correto etrazer a discussão para a qualidade de vida e para as pre-missas dos PQs que são: educação de qualidade, sistemade saúde de qualidade, distribuição de renda. E tambémalertar para a necessidade e fazer valer a necessidade deque os trabalhadores participem do produto do trabalho eque a melhoria da produtividade traga melhoria de salá-rios e renda e melhores condições de trabalho” (Questio-nário do Banco do Brasil).

Considerando a classificação feita por Massera e Oli-veira, chamamos de resistência com ênfase no confrontoaquela que poderia ser identificada no esquema construí-do por Stolovich de resistência não-propositiva: as pos-turas dos dirigentes que se propõem a lutar contra os pro-gramas e, em última instância, a inviabilizá-los. Este grupode dirigentes sindicais tem uma posição explícita de de-núncia e combate à implantação de programas de quali-dade nos bancos. Entre as respostas desses sindicalistas àquestão em análise, encontramos as seguintes propostas:alertar os bancários sobre os riscos do programa e sobresua ideologia, tornar explícita a estratégia dessa nova for-ma de organização do trabalho, posicionar-se contra, serradical, fazer denúncias sistemáticas, desmontar o discursodos banqueiros, desmistificar as falsas vantagens dos pro-gramas de qualidade e formar resistência junto aos traba-lhadores. Apresentamos uma das respostas representati-va dessa postura: “Continuar denunciando a grande‘sacanagem’ que existe nesta forma de exploração dostrabalhadores de um modo geral” (Questionário doUnibanco).

Observa-se que praticamente todos os sindicalistas queassumem essa postura contrária já haviam afirmado, emquestão anterior, não acreditar que o programa de quali-dade traga vantagens para o bancário, e metade deles ha-via mencionado a alienação, a intensificação do trabalhoe o aumento da disputa entre os bancários como princi-pais problemas decorrentes da implantação desses pro-gramas.

Quanto à postura dos dirigentes sindicais dos bancoscujos programas de qualidade estão mais desenvolvidos,observa-se que, quando comparadas com o total dos ques-tionários respondidos, existe uma proporção um poucomaior de respostas que foram classificadas entre as pro-posições globais e um número significativo de respostasque propõem conhecer melhor e analisar os programas.Entre os seis bancários que não são da direção dos sindi-catos, nenhum apresenta postura com ênfase no confron-to, quatro propõem que os sindicatos acompanhem e fis-calizem sua implantação nos bancos e dois propõem queos sindicatos interfiram nos programas buscando quali-dade para os trabalhadores. Reforçando um comentáriofeito anteriormente, a diferença entre as respostas dosbancários dirigentes e dos não-dirigentes parece expres-sar uma desconexão na percepção e nas proposições dosdois grupos frente às transformações organizacionais nosbancos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que a grande maioria dos dirigentes sin-dicais que responderam ao questionário acredita que os

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programas de qualidade trazem algum tipo de problemapara os bancários e que não trazem vantagens, ou trazem-nas no campo estritamente profissional. Entre os bancá-rios do Paraná, a grande maioria avalia que os programaspodem aumentar a satisfação no trabalho e que não tra-zem problemas para os funcionários. Os problemas maisapontados pelos dirigentes são o aumento da competiçãoe a alienação dos funcionários, enquanto o problema apon-tado pelos bancários é o aumento de trabalho. Observa-se que, na leitura que fazem dos programas, os dirigentessindicais dão grande ênfase ao aspecto ideológico.

Grande parte dos dirigentes sindicais faz uma avalia-ção negativa das conseqüências dos programas sobre asrelações entre capital e trabalho: parte significativa con-sidera que essas relações estão mudando porque os pro-gramas estão iludindo ou cooptando os bancários, algunsavaliam que aumenta a exploração sobre os trabalhado-res e outros fazem considerações sobre o aumento do de-semprego. Pode-se dizer também que parte significativados sindicalistas faz uma avaliação crítica dos programase poucos fazem uma avaliação positiva. As respostas dosbancários que não são dirigentes são bastante diferentesdessas e mostram uma avaliação positiva ou crítica emrelação às conseqüências dos programas.

Praticamente metade dos dirigentes sindicais assumeuma postura de resistência pontual ou a ser definida, ouseja, propõe agir frente às transformações organizacio-nais, mas não formula propostas para os programas dequalidade como um todo. Dentre essas respostas, identi-ficam-se três propostas: acompanhar ou fiscalizar os pro-gramas, discutir com a categoria e conhecer melhor ouanalisar os programas. Alguns sindicalistas sugerem umapostura global, que construa propostas que utilizem osconceitos da qualidade total em prol dos trabalhadores, eoutros, uma postura com ênfase no confronto que possa,em última instância, inviabilizar o desenvolvimento deprogramas de qualidade. Dentre os sindicalistas dos ban-cos cujos programas de qualidade estão mais desenvolvi-dos, há uma proporção maior de propostas globais e, dentreos bancários que não são dirigentes, posturas propositi-vas ou a serem definidas.

As posturas de contraposição aos programas de quali-dade devem ser compreendidas na realidade da culturaempresarial autoritária e conservadora enraizada no Bra-sil e da tradição de uma prática do movimento sindicalbaseada no confronto e na luta salarial. Ao elaboraremuma proposta de contraposição, os dirigentes sindicaistrazem à tona suas vivências com as práticas autoritárias,reproduzidas no cotidiano do trabalho, que ainda preva-lecem dentro dos bancos, e as práticas tradicionais domovimento sindical. No entanto, essa postura de contra-posição à implantação de programas de qualidade, des-

vinculada de uma proposta alternativa de gestão do tra-balho e organização da produção, reforça, em última ins-tância, as práticas atuais das relações de trabalho dentrodas empresas.

As respostas dos dirigentes sindicais quanto às possí-veis vantagens, aos problemas e às mudanças das rela-ções entre capital e trabalho, a partir da implantação dosprogramas de qualidade total, apontam para uma disputaideológica entre bancos e movimento sindical para tor-narem seus projetos hegemônicos entre os bancários; sejao projeto da “qualidade”, encabeçado pelas empresas, sejao projeto do movimento sindical de cunho classista. Nes-sa disputa, as empresas, como se constata no primeiro itemdeste artigo, estão investindo em políticas de envolvimentodos trabalhadores: treinamento, premiações, grupos demelhoria, etc., ainda que a proposta participativa do TQCseja bastante limitada e a implantação dos programas dequalidade nos bancos apresente uma série de limitações,que consideraremos aqui como contradições entre as pro-postas originais do TQC e as práticas efetivas desses pro-gramas.

As contradições e as limitações dos programas foramalvo de críticas dos dirigentes sindicais, seja dos que as-sumem uma postura com ênfase na contraposição aos pro-gramas, seja dos que propõem a intervenção nos progra-mas com a elaboração de propostas alternativas visandoa melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Gran-de parte dos dirigentes sindicais, quando da realização dapesquisa de campo, ainda estava num momento de “en-tender melhor o que estava acontecendo”. Sem dúvida,essa postura é importante porque reconhece as limitaçõesdas práticas políticas tradicionais para enfrentar os novosdesafios que se colocam para o movimento sindical, e sepredispõe a construir novos parâmetros para a ação sin-dical. No entanto, essas respostas mostram que grandeparte dos dirigentes sindicais não está conseguindo ela-borar propostas frente às transformações que vêm ocor-rendo no mundo do trabalho. Essa postura de conhecer ecompreender a lógica dos programas de qualidade, se nãose transformar rapidamente em propostas alternativas,deixa aos bancos um espaço livre de instâncias de repre-sentações coletivas dos trabalhadores para construir suahegemonia na relação direta e individual com os traba-lhadores nos locais de trabalho.

Consideramos que as posições do movimento sindicalfrente às mudanças ou à manutenção das relações e daorganização do trabalho dentro das empresas são funda-mentais para a determinação das propostas a serem im-plantadas pelas empresas. A conquista do espaço de ne-gociação sobre a reestruturação produtiva só é possívelquando há uma sólida organização dos trabalhadores noslocais de trabalho.

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PROGRAMAS DE QUALIDADE NOS BANCOS: O OLHAR SINDICALISTA

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NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), Caxambu, out. 1996.Extraído da dissertação de mestrado da autora, Qualidade nos bancos: um estu-do sobre o aspecto participativo das novas formas de organização do trabalho,apresentada em Porto Alegre ao PPG em Sociologia da UFRGS, em setembro de1995. No decorrer deste estudo, foram visitados e entrevistados, em maio e ju-nho de 1994, coordenadores de programas de qualidade em seis bancos que atu-am no Brasil, mas as análises foram restringidas a quatro deles: um estatal fede-ral, um privado nacional e dois estrangeiros. Para analisar a posição dos dirigen-tes sindicais sobre os programas de qualidade, foi aplicado um questionário aosdelegados do Congresso da Confederação Nacional dos Bancários da Central Únicados Trabalhadores – CNB/CUT, que se realizou em junho de 1994, em São Paulo,reunindo representantes de todos os sindicatos de bancários filiados à CUT. Alémdesses questionários, foram realizadas entrevistas com quatro diretores do Sindi-cato dos Bancários de São Paulo que são funcionários dos bancos visitados e quetêm expressão nacional no movimento sindical bancário.

1. Intervenção feita no curso “Transformações no mundo do trabalho”, realizadoem julho de 1995 no Instituto Cajamar.

2. Referimo-nos aos seis questionários que foram enviados pelo correio por umsindicato do Paraná e que foram analisados separadamente.

3. Neste contexto, a palavra alienado é utilizada para designar as pessoas quenão têm consciência dos problemas sociais e políticos nos quais estão inseridasou, conforme a resposta de um dos sindicalistas, as pessoas que “tendem a subli-mar a contradição capital-trabalho”. Em conseqüência desta alienação, as pes-soas não participam das lutas da categoria e não se identificam com elas.

4. Cinco dos seis questionários são de funcionários da Caixa Econômica Federal.

5. Organização por Local de Trabalho e Organização Sindical de Base.

6. Lesões por Esforços Repetitivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICASDE RECURSOS HUMANOS NAMODERNIZAÇÃO PRODUTIVA

presença das mulheres na força de trabalho naAmérica Latina vem aumentando de forma con-sistente e significativa nas últimas décadas. En-

tre 1960 e 1990, o número de mulheres economicamenteativas mais que triplicou, passando de 18 para 57 milhões,enquanto que o número de homens nessa condição nãochegou a duplicar-se, passando de 80 para 147 milhões.Nesse período, a taxa de participação feminina na Popu-lação Economicamente Ativa – PEA aumentou de 18,1%para 27,2%, enquanto que a masculina diminuiu de 77,5%para 70,3% (Valdés e Gomáriz, 1995).

Contudo, a afluência massiva das mulheres ao merca-do de trabalho não foi acompanhada por uma diminuiçãosignificativa das desigualdades profissionais entre homense mulheres. A maior parte dos empregos femininos con-tinuam concentrados em alguns setores de atividade eagrupados em um pequeno número de profissões, e essasegmentação continua presente na base das desigualda-des existentes entre homens e mulheres no mercado detrabalho, incluindo as salariais. As possibilidades de acessoa postos elevados nas hierarquias ocupacionais são aindamuito modestas para a maioria das mulheres.1

Este trabalho faz parte de um esforço mais geral poranalisar as transformações, possibilidades e perspectivaspara o emprego feminino em contextos de modernizaçãoprodutiva.2 Em termos gerais, interessa-nos entender deque maneira as tendências assinaladas (tanto seus aspec-tos positivos como negativos do ponto de vista da magni-tude e da qualidade da inserção das mulheres no mercadode trabalho) vêm sendo afetadas pelos processos de cri-se, ajuste e reestruturação produtiva.

Mais especificamente, interessa-nos analisar, nessecontexto, a relação entre a mudança tecnológica, as es-

tratégias de reestruturação das empresas e o emprego fe-minino, com o objetivo de verificar até que ponto as po-tencialidades presentes nos novos paradigmas produtivos,referentes à ampliação das oportunidades de acesso aoemprego e à melhoria das condições de trabalho para amulher, vêm se concretizando na América Latina.

Nesse artigo, pretendemos discutir em particular umadas dimensões das estratégias empresariais em contextosde modernização produtiva: as políticas de recursos hu-manos dirigidas à mão-de-obra feminina. A pergunta cen-tral a ser feita é de que maneira essas empresas, em pro-cesso de modernização e preocupadas com a melhoria desua eficiência, competitividade e produtividade, conside-ram as mulheres como parte importante de seus recursoshumanos: que políticas vêm implementando ou preten-dem implementar buscando sua incorporação e seu de-senvolvimento no trabalho.

O universo de análise é constituído por um conjuntode estabelecimentos industriais dos setores metal-mecâ-nico e da indústria de alimentação da Argentina, Brasil,Colômbia, Chile e México, e se centrará em dois aspec-tos: as imagens formuladas pelos empresários sobre asmulheres empregadas em seus estabelecimentos; e as açõese políticas por eles implementadas na área de recursos hu-manos.3

EVOLUÇÃO DO EMPREGO E DAPARTICIPAÇÃO FEMININA

A evolução da participação feminina na PEA latino-americana apresenta diferenças importantes em cada país.Considerando os que são objeto desse estudo, observa-seque Argentina e Chile são aqueles nos quais, no início do

A

LAÍS ABRAMO

Socióloga, Funcionária do Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NA ...

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período analisado, as proporções de mulheres no total daPEA eram as mais altas (respectivamente 21,9% e 25,2%)e justamente os que apresentam as menores taxas de cres-cimento do emprego feminino no período. Por outro lado,Brasil, Colômbia e México, que apresentam os níveis ini-ciais de participação feminina mais reduzidos, são aque-les onde as taxas de crescimento foram mais altas. Nes-ses três casos, o grande salto da participação feminina naPEA se deu nos anos 70 (Tabela 1).

Analisaremos agora algumas tendências da evoluçãodo emprego e da participação feminina na indústria des-ses cinco países durante os anos 80 e começo dos 90.Apesar de uma grande heterogeneidade, existem algumastendências comuns.

Em primeiro lugar, durante os anos 80 observa-se, emgeral, um processo de estagnação ou crescimento muitomodesto do setor industrial, tanto em termos do produtocomo principalmente do emprego, o que resulta na dimi-nuição de sua importância relativa nesses dois aspectos.Em geral, o emprego diminui mais que o produto em si-tuações de crise e se recupera menos nas etapas de ex-pansão. No final da década, registra-se uma tendência àrecuperação do emprego e do produto industrial.

No início dos 90, no momento em que se realiza a pes-quisa cujos dados servem de base a esse artigo, identifi-cam-se três tipos de situações entre os cinco países consi-derados: expansão sustentada do produto e do empregono Chile (em especial na indústria de alimentação) eMéxico (em especial na metal-mecânica); recuperação naColômbia e Argentina; forte crise (com queda do produ-to e do emprego) no Brasil (em especial na metal-mecâ-nica). Sem dúvida, para o período 1993-96, ainda que asexpectativas dos empresários entrevistados fossem emgeral bastante otimistas, ocorrem fatos novos bastanterelevantes, particularmente as crises argentina e mexica-na, com fortes efeitos negativos sobre o desempenho daeconomia em geral e sobre o nível do emprego industrialem particular (OIT, 1995).

Em segundo lugar, os efeitos negativos da crise foramnormalmente mais fortes sobre a indústria metal-mecâni-ca (em comparação com a indústria de alimentação), tan-to em termos do produto como do emprego; no entanto,nas situações de recuperação e/ou expansão observadasno início dos 90, a metal-mecânica recupera uma dinâmi-ca importante (superior à da indústria de alimentação),principalmente no México e Colômbia.

Em terceiro lugar, conquanto a participação femininaapenas alcançava 16% do conjunto do emprego industrialem 1990, essa cifra era resultado de um aumento de 13%experimentado durante a década. Embora essa participa-ção se concentrasse em alguns setores (o têxtil, onde tra-balhavam 46% das mulheres empregadas na indústria, eos de alimentos, bebidas e tabaco, onde trabalhavam ou-tras 24%) (Onudi, 1994), seu incremento em vários se-tores da indústria havia sido considerável no mesmoperíodo.

Nos cinco países selecionados, a participação femini-na no emprego industrial havia aumentado em todos oscasos, principalmente na metal-mecânica brasileira, co-lombiana e mexicana e na indústria chilena de alimenta-ção (ou seja, nos setores mais dinâmicos em cada um doscasos considerados). Por outro lado, se havia mantidopraticamente constante na indústria colombiana de alimen-tação e na metal-mecânica chilena. A Tabela 2 sintetiza ainformação relativa à participação feminina no total doemprego manufatureiro, nas indústrias metal-mecânica ede alimentação no final dos 80 e começo dos 90 nos paí-ses selecionados. Como se pode observar, apesar de mi-noritária, a presença feminina no emprego manufatureiroera significativa, atingindo um mínimo de 21,2% (Argen-tina) e um máximo de 33% (Colômbia).

A expansão do emprego feminino na indústria manu-fatureira nesse período, marcada por fortes processos decrise e ajuste estrutural, mas também pela reconversão emodernização do aparato produtivo, questiona a idéia deuma “expulsão” da força de trabalho feminina associadalinearmente aos processos de desenvolvimento industrial,

TABELA 2

Participação Feminina no Total do Emprego, segundo Ramos IndustriaisPaíses Selecionados – 1989-90

Em porcentagem

Ramos Industriais Argentina Brasil Chile Colômbia México

(1989) (1990) (1989) (1989) (1989)

Total Indústria 21,2 27,3 23,6 33,0 26,3

Alimentação n.d. 23,0 25,0 23,7 22,1

Metal-Mecânica n.d. 15,4 7,0 19,0 26,3

Fonte: Elaboração própria baseada nos censos demográficos e industriais dos países sele-cionados.

TABELA 1

Evolução da Proporção de Mulheres no Total da Pea (1)Países Selecionados da América Latina – 1950-90

Em porcentagem

Países Selecionados 1950 1960 1970 1980 1990

América Latina 21,9 19,0 21,1 25,3 28,1Argentina 20,0 21,2 24,8 25,8 27,9Brasil 15,4 17,8 20,4 27,0 29,6Chile 25,2 22,0 22,2 26,0 29,4Colômbia 18,4 19,4 22,8 29,2 32,9México 13,2 16,6 18,9 27,3 29,2

Fonte: Valdés e Gomáriz (1995).(1) Corresponde à população de 10 anos ou mais de idade.

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acompanhados de um maior ou menor grau de inovaçãotecnológica.4 Em alguns países latino-americanos, essaexpansão esteve associada à entrada e ao crescimento dasempresas maquiladoras (norte de México, América Cen-tral, Caribe). Em outros, como é o caso do Brasil, nãoesteve relacionado a esse fenômeno, ou sequer diretamentea uma estratégia de desenvolvimento orientado às expor-tações. No Brasil, por exemplo, o grande incremento daparticipação relativa das mulheres empregadas na indús-tria ocorreu durante os anos 70, em um contexto de forteexpansão do emprego industrial total. Entre 1970 e 1980,enquanto o volume de homens empregados aumentava5,7% ao ano, o número de mulheres aumentava 8,2%.5

Como resultado desse incremento, a participação femini-na nesse setor passou de 20% para 23%. Segundo os da-dos dos censos demográficos, o número de mulheresempregadas na indústria aumentou 181% ao longo dadécada, o que representa o dobro tanto da taxa de cresci-mento da atividade feminina em geral (95%) como daincorporação da mão-de-obra masculina à indústria (91%)(Humphrey, 1987).

Esse processo ocorreu em quase todos os setores in-dustriais e não somente nos mais tradicionais e nos ante-riormente mais feminizados. Efetivamente, confirmandoo indicado na Tabela 2, foi mais intenso nos setores maisdinâmicos da indústria: foi superior, por exemplo, nametal-mecânica, na indústria química e de plásticos emcomparação a alimentação, têxtil e confecção. Foi tam-bém relativamente mais significativo na Região Metro-politana de São Paulo, a mais industrializada e moderni-zada do país (Humphrey, 1987).

A participação feminina no conjunto do emprego in-dustrial continuou aumentando até 1990, quando alcan-çou 27,3% do total. Na metal-mecânica evoluiu de 7,7%,em 1970, para 15,4%, em 1990. Na alimentação, na qualse partia de um nível superior de participação (15,5% em1970), as taxas de crescimento foram menores: em 1990as mulheres representavam 23% dos empregados nesseramo. Entre 1990 e 1991, no contexto já assinalado deforte queda do emprego industrial, a participação femini-na nesse total baixou de 27,3% para 27,0%.6

No Chile também foi significativa a evolução da par-ticipação feminina no emprego industrial entre 1978 e1990, de 19,4% para 23,6% (Agacino e Rivas, 1995). Em1980, as mulheres representavam 7,2% dos empregadosna indústria metal-mecânica, proporção que se mantinhapraticamente inalterada em 1989. Na indústria de alimen-tação, essa proporção, já bastante superior em 1980 (18%),alcançou 25% em 1989. Nos sub-ramos de empacotamentode frutas e legumes e de processamento de produtos domar, essa porcentagem em fins da década era de aproxi-madamente 50% (Wormald, 1995).

Na Colômbia, a participação feminina na indústria daalimentação manteve-se relativamente constante, consi-derado o conjunto do período. Na indústria metal-mecâ-nica aumentou lenta mas constantemente, passando de14,4%, em 1975, para 19%, em 1990. No entanto, pode-se observar importantes diferenças entre os subsetores queconformam o conjunto da metal-mecânica. As indústriasque demandam mais emprego feminino são aquelas in-tensivas em processos de montagem, em especial as deprodução de aparatos elétricos e equipamentos científi-cos, onde a participação feminina atinge, respectivamen-te, 35% e 45% do emprego total e 60% se concentram naprodução. Em contraposição, estão os subsetores produ-tores de equipamentos de transporte e maquinaria nãoelétrica, onde a porcentagem de mulheres empregadasalcança apenas 13% e 14%, respectivamente (Guterman,1995).

No México, em 1988, a participação feminina no totaldo emprego industrial se situava em 26,3%. Nesse país,registrava-se a mais alta proporção de mulheres empre-gadas na indústria metal-mecânica entre os cinco paísesconsiderados (26,2%), sendo também o único caso em queessa cifra era superior à proporção de mulheres emprega-das na indústria de alimentação (22%) (Censo Industrialde 1989), o que, sem dúvida, se relaciona à sua presençana indústria maquiladora.

Já a distribuição por sexo do pessoal empregado nosestabelecimentos analisados na pesquisa que serve de basea esse artigo não corresponde exatamente à que caracte-riza o conjunto dos setores considerados. Na indústria daalimentação, a proporção de mulheres empregadas nosestabelecimentos pesquisados era superior à sua partici-pação setorial no Brasil e no Chile e inferior na Colôm-bia e no México, enquanto na metal-mecânica a partici-pação feminina nos estabelecimentos selecionados erasignificativamente inferior à sua participação setorial noMéxico e na Colômbia e superior no Brasil.

Nos estabelecimentos analisados, a proporção de mu-lheres empregadas na indústria da alimentação era siste-maticamente superior à encontrada na metal-mecânica, oque é coerente com sua distribuição setorial, com exce-ção do México. Isso traz, sem dúvida, uma série de limi-tações à análise comparativa entre os dois setores no quese refere aos temas centrais tratados na pesquisa.

As porcentagens médias de participação feminina nosestabelecimentos da indústria da alimentação pesquisa-dos eram as seguintes, em ordem crescente: 12% (Méxi-co), 17% (Colômbia), 32% (Argentina), 33% (Brasil) e42% (Chile). O volume médio de mulheres empregadasnos estabelecimentos – critério importante se pensamosna disposição empresarial de estruturação de uma políti-ca de recursos humanos dirigida às mulheres – era o se-

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guinte: 76 (México), 123 (Colômbia), 134 (Chile), 137(Argentina) e 397 (Brasil).

No setor metal-mecânico, tanto a participação médiacomo o volume médio de mulheres empregadas por esta-belecimento eram significativamente inferiores. Em ter-mos de participação, o único país que superava os 20%era o Brasil. Nos demais, essa cifra variava entre 7% e12%.7 Em relação ao volume médio de mulheres empre-gadas, na Argentina e Chile era inferior a 15, na Colôm-bia e México situava-se entre 40 e 80 e no Brasil era pró-ximo a 200.

TRABALHADORES E TRABALHADORASNO IMAGINÁRIO GERENCIAL

Imagens de gênero

Neste capítulo, analisa-se a visão gerencial sobre umasérie de temas relativos à mão-de-obra feminina em com-paração com o conjunto do pessoal ocupado. Trabalha-mos aqui com a idéia de que, a partir de uma análise daimportância atribuída pelos empresários a esses temas,podemos nos aproximar das imagens de gênero que estãose constituindo e reconstituindo nas relações de trabalhono interior dos estabelecimentos pesquisados.

O que aqui se denomina imagens de gênero são confi-gurações das identidades masculina e feminina, produzi-das social e culturalmente, que determinam, em grandeparte, as oportunidades e a forma de inserção de homense mulheres no mundo do trabalho.

Essas imagens são “prévias” a essa inserção, ou seja,são produzidas e reproduzidas desde as etapas iniciais dasocialização dos indivíduos e estão baseadas, entre ou-tras coisas, na separação do privado e do público, domundo familiar e do mundo produtivo, e na definição deuns como territórios de mulheres e outros como territó-rios de homens. Essas imagens condicionam fortementeas formas (diferenciadas) de inserção de homens e mu-lheres no mercado de trabalho: tanto as oportunidades deacesso ao emprego como as condições em que se desen-volve o trabalho.

O trabalho (e em especial a divisão sexual e a segmen-tação ocupacional de gênero existentes em seu interior) éum locus muito importante de reprodução dessas imagens.Estas, já no interior do mundo do trabalho, e sendo aíconstantemente reproduzidas, ajudam a reforçar a divi-são sexual do trabalho e a segmentação ocupacionalexistentes, constituindo um obstáculo à alteração des-sa segmentação, inclusive em contextos de transforma-ção da organização do trabalho e dos paradigmas produ-tivos em um sentido mais geral (contexto que estamosanalisando).

O que se pretende discutir mais especificamente nesseartigo é a idéia de que essas imagens de gênero estão nabase da formulação das políticas de recursos humanos dasempresas, no sentido de que influenciam fortemente o graue a natureza do investimento que os empresários estãodispostos a fazer em seu pessoal (homens e mulheres). Adisposição de investimento dos empresários em seus re-cursos humanos é diferenciada (desigual) conforme ogênero e é fortemente influenciada por essas imagens. Emoutras palavras, essa disposição é influenciada pelo quepensam os empresários sobre as mulheres trabalhadoras(para que servem, para que podem servir, qual é seu po-tencial, quais são suas limitações) e, a partir daí, em quemedida constituem um recurso humano importante sobreo qual vale a pena investir ou não e quanto. Essas ima-gens (e as idéias e percepções a elas associadas) vão estarna base das políticas de recrutamento, demissão, capaci-tação e promoção dirigidas às mulheres.

O problema é que essas imagens estão marcadas pormuitos mitos e preconceitos. Por exemplo: as mulherestrabalhadoras são freqüentemente associadas a altas ta-xas de absenteísmo, impontualidade e rotatividade, semque, na maioria dos casos, haja qualquer comprovaçãoempírica da validade dessas associações.8 Os direitos re-lacionados à proteção da maternidade (licença-materni-dade e horários de lactância) são associados diretamentea maiores custos da mão-de-obra feminina, em circuns-tâncias em que: em geral a maior parte desses custos é deresponsabilidade do Estado e não das empresas; não exis-tem avaliações mais objetivas sobre a quantidade de ho-ras de trabalho efetivamente perdidas por essa razão ousobre os efeitos que a interrupção do trabalho devido àlicença-maternidade possam ter sobre a produtividade dasmulheres trabalhadoras (mesmo considerando – o que écada vez mais discutível – que as medições de produtivi-dade se possam fazer de forma tão parcial, individual eisolada).9 Essas associações (e várias outras) têm um subs-trato comum: uma imagem de mulher associada basica-mente a seu papel de reprodutora (ao âmbito privado edoméstico) que se superpõe à imagem da mulher traba-lhadora (definida no âmbito das relações do mercado edo processo de trabalho). Essa imagem básica, originária(da mulher-família, mãe, dona-de-casa), vai estar semprena base da outra (a da mulher-trabalhadora), projetandosua sombra sobre ela.

As características básicas dessa imagem originária vãoestar sempre superpondo-se à outra e tenderão a ser vis-tas como barreiras e limitações a uma adequada inserçãoda mulher no trabalho, em especial no mundo industrial,que continua sendo visto como basicamente masculino(um “território de homens” na expressão de Oliveira,1991).

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Resultados da Pesquisa

Os dados empíricos de que dispomos para fazer essadiscussão apresentam alguns problemas metodológicos.Em primeiro lugar, a comparação entre as imagens degênero atribuídas pelos empresários a homens e mulhe-res se fará a partir de uma aproximação. Não estaremoscomparando diretamente os homens e mulheres empre-gados nos estabelecimentos, mas sim a mão-de-obra fe-minina com o total do pessoal ocupado, porque são essesos dados de que dispomos. No entanto, trabalhamos coma hipótese de que, com exceção das empresas onde a mão-de-obra é majoritariamente feminina (e, ademais, em altaproporção), a imagem atribuída ao conjunto do pessoalocupado provavelmente se aproxima da imagem que osempresários fazem dos homens empregados em seu esta-belecimento.10 Em segundo lugar, e como já se sublinhou,há limites à comparação possível entre os setores de ali-mentos e metal-mecânico devido às diferenças observa-das quanto à porcentagem de mulheres empregadas emcada um deles.

Deve-se assinalar, em primeiro lugar, que em geral osempresários atribuem muito menos importância aos pro-blemas relacionados às mulheres do que àqueles relati-vos ao conjunto do pessoal ocupado. Se no caso das em-presas metal-mecânicas isso pode ser lógico, devido àreduzida porcentagem de mulheres aí empregadas, o mes-mo não se pode dizer das empresas alimentícias. A ma-neira como as questões foram formuladas na pesquisa nãonos permite saber com precisão se essa maior valoraçãodos problemas reflete uma maior importância atribuídaaos homens em geral, ou se os problemas assinalados, emcada caso, ocorrem com mais freqüência entre o conjun-to do pessoal ocupado que entre as mulheres, o que signi-ficaria que estes não estariam sendo considerados pelasgerências como “especificamente femininos”. Para a me-tal-mecânica, a primeira hipótese é forte, já que em todosos países, com exceção de Brasil, as mulheres represen-tavam 12% ou menos da força de trabalho ocupada. Noentanto, para a indústria da alimentação a situação é dis-tinta: no Chile, as mulheres representam mais de 40% damão-de-obra empregada nas empresas consideradas; noBrasil e Argentina, cerca de 30%; e na Colômbia, quase20%. Somente no México essa porcentagem era de apro-ximadamente 10%.

Disciplinamento e Relações de Trabalho

Os temas examinados aqui são os seguintes: taxas deabsenteísmo, de impontualidade e de rotatividade; graude conflitividade, de indisciplina e de interferência da vidadoméstica no trabalho; dificuldade de relacionamento com

os supervisores e com os(as) companheiros(as) de traba-lho. Ainda reconhecendo que se trata de temas bastantedistintos, sabemos que freqüentemente eles se associamno imaginário empresarial a uma avaliação da maior oumenor capacidade de adaptação dos trabalhadores à dis-ciplina e ao ritmo do trabalho, assim como a sua capaci-dade de cumprir com as exigências de eficiência e produ-tividade das empresas. No que se refere especificamenteàs mulheres, esses temas estão fortemente associados auma imagem de relativa inadaptação ao trabalho, imagemque, como já se disse, é muito marcada pelo papel ocupa-do pela mulher no âmbito da reprodução. No imagináriogerencial, freqüentemente, a existência de problemas dessetipo entre as trabalhadoras de uma empresa seria a evi-dência das limitações das mulheres para cumprir as exi-gências do mundo do trabalho, limitações determinadas,em última instância, pelo papel por elas ocupado na vidafamiliar.

Vejamos o que dizem nossos dados, começando pelaindústria da alimentação. Os dois problemas considera-dos mais importantes com relação à mão-de-obra femini-na (por aproximadamente 65% dos estabelecimentos) eramo absenteísmo e o baixo grau de identificação com osobjetivos da empresa (Tabela 3).

No entanto, se examinamos os demais temas, podemosobservar que essas freqüências diminuem. Pouco menosda metade das empresas frisa que o desempenho das mu-lheres no trabalho estaria sendo prejudicado por uma “de-masiada interferência da vida doméstica”,11 por uma ro-tatividade excessiva ou pela falta de pontualidade. Osdemais problemas foram assinalados por menos de 40%dos estabelecimentos: alta conflitividade/indisciplina edificuldade de relacionamento com os supervisores/companheiros(as) de trabalho.

Na indústria metal-mecânica diminui a importânciaatribuída pelos empresários a esses temas. Nenhum delesfoi considerado importante por mais da metade dos esta-belecimentos. Aproximadamente 40% deles consideravamque o desempenho das mulheres no trabalho estava sen-do prejudicado por uma “alta interferência da vida do-méstica”, por uma alta taxa de absenteísmo e por um “bai-xo grau de identificação com os objetivos da empresa”;30% afirmavam que as mulheres eram impontuais, indis-ciplinadas e que sua taxa de rotatividade era alta; 25%lhes atribuíam dificuldades de relacionamento com assupervisões ou os(as) companheiros(as) de trabalho.

Comparando agora as opiniões dos empresários a res-peito das mulheres empregadas em seus estabelecimen-tos e aquelas relativas ao total do pessoal neles ocupado,podemos observar uma mudança significativa tanto emrelação ao grau de importância atribuído aos problemas(todos eles foram considerados importantes pela metade

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NA ...

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TABELA 3

Visão Gerencial sobre os Problemas de Disciplina e Relações de Trabalho nos Estabelecimentos, por Ramos IndustriaisPaíses Selecionados (1) – 1992-93

Em porcentagem

Alimentação Metal-Mecânica

Problemas com Mão-de-Obra Mulheres Total do Mulheres Total doPessoal Ocupado Pessoal Ocupado

Altas Taxas de Absenteísmo 58 64 38 60

Demasiada Interferência da Vida Doméstica no Trabalho 48 - 43 -

Altas Taxas de Rotatividade 48 55 30 52

Impontualidade 43 57 30 59

Alta Conflitividade no Trabalho/Falta de Disciplina 39 58 33 50

Baixo Grau de Identificação com os Objetivos da Empresa 55 72 25 71

Dificuldade de Relacionamento com os Supervisores 31 72 25 71

Dificuldade de Relacionamento com o Pessoal 31 69 23 59

Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e emprego nos 90”; Projeto Regional “Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI.(1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.Nota: As cifras indicam a porcentagem de estabelecimentos que consideraram importantes ou muito importantes cada um dos temas assinalados.

ou mais dos estabelecimentos) como à sua hierarquiza-ção.12

Todos os problemas assinalados foram consideradosmais importantes para o conjunto do pessoal ocupado doque para as mulheres. Em outras palavras, nem o absen-teísmo, nem a impontualidade, nem a rotatividade, nem aconflitividade, nem os problemas de relacionamento oude identificação com os objetivos da empresa foram con-siderados “especificamente femininos” na maioria doscasos. Isso, por um lado, pode indicar uma maior impor-tância atribuída, em geral, aos homens que às mulheresempregadas nos estabelecimentos, que, por sua vez, po-dia ser em parte explicado pela participação relativamen-te baixa das mulheres no total do emprego, especialmen-te no caso da metal-mecânica. Por outro lado, podetambém indicar uma incidência menor desse tipo de pro-blemas entre as mulheres em comparação com os homens.

Como já foi assinalado, a atribuição às mulheres deproblemas como maiores taxas de absenteísmo, impon-tualidade e rotatividade muitas vezes obedece mais aosestereótipos existentes no imaginário gerencial que a rea-lidades minimamente observadas e mensuradas.

Qualificação e Escolaridade da Mão-de-Obra

Os temas da qualificação, da escolaridade e das capa-cidades em geral da mão-de-obra são centrais na discus-são dos novos paradigmas produtivos. Segundo uma par-te importante da literatura sobre o tema, esses novosparadigmas estariam, ao mesmo tempo, exigindo novascapacidades e qualificações da mão-de-obra e propician-do seu desenvolvimento. Essa questão é bastante com-plexa e vários autores já chamaram a atenção para: as li-

mitações de tais processos, em especial em realidadescomo a latino-americana; as novas segmentações e ex-clusões que estão se produzindo no interior da força detrabalho, em muitos casos fortemente marcadas pela di-mensão de gênero.

Nesse sentido, é interessante analisar como esses te-mas aparecem na visão empresarial. Os problemas rela-cionados sob esse item referem-se à escassez de mão-de-obra qualificada, baixa escolaridade, dificuldade deadaptação a mudanças tecnológica e organizacional, di-ficuldade de assumir responsabilidades, dificuldade de to-mar iniciativas e falta de interesse e/ou de incentivos paracapacitar-se (Tabela 4).

Na indústria da alimentação, nenhuma dessas questõesfoi considerada importante pela maioria dos empresáriosno que se refere à mão-de-obra feminina. O principal pro-blema, na opinião de 46% deles, era a sua falta de inte-resse em capacitar-se. Em segundo lugar, em aproxima-damente 40% dos estabelecimentos apareciam problemasrelativos às capacidades da mão-de-obra feminina: difi-culdades para tomar iniciativas e assumir responsabilida-des, assim como de adaptação à mudança tecnológica eorganizacional. Por último, aproximadamente 30% dasempresas se referiam à escassez de mão-de-obra qualifi-cada e à sua baixa escolaridade.

Na indústria metal-mecânica, a importância dos pro-blemas atribuídos à mão-de-obra feminina pelos empre-sários era menor. O principal deles continuava sendo afalta de interesse em capacitar-se (40%), seguido por:baixa escolaridade e dificuldade de tomar iniciativas(35%), dificuldade de assumir responsabilidades e deadaptar-se à mudança tecnológica (32%) e, finalmente,escassez de mão-de-obra qualificada (27%).

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997

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TABELA 4

Visão Gerencial sobre os Problemas de Qualificação e Escolaridade Relativos à Mão-de-Obra Empregada, por Ramos IndustriaisPaíses Selecionados (1) – 1992-93

Em porcentagem

Alimentação Metal-Mecânica

Problemas com Mão-de-Obra Mulheres Total do Mulheres Total doPessoal Ocupado Pessoal Ocupado

Falta de Interesse/Incentivos para Capacitar-se 46 70 40 60Dificuldade para Tomar Iniciativas 42 72 34 76Dificuldade de Adaptação à Mudança Tecnológica 39 65 32 61Dificuldade para Assumir Responsabilidades 37 85 32 83Escassez de Mão-de-Obra Qualificada 34 63 27 73Baixa Escolaridade 32 48 34 48

Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e emprego nos 90”; Projeto Regional “Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI.(1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.Nota: As cifras indicam a porcentagem de estabelecimentos que consideraram importantes ou muito importantes cada um dos temas assinalados.

As diferenças de apreciação assinaladas anteriormen-te, referentes à avaliação da mão-de-obra feminina emcomparação com o conjunto do pessoal ocupado, eviden-ciam-se quando se analisam os problemas de escolarida-de e qualificação da mão-de-obra.

Na indústria da alimentação, enquanto aproximadamen-te 80% dos empresários consideravam um problema im-portante as dificuldades apresentadas pelos trabalhado-res em geral para tomar iniciativas e assumir maioresresponsabilidades, somente 40% tinham a mesma opiniãoa respeito das mulheres. Enquanto 65% se referiam a di-ficuldades de adaptação do conjunto do pessoal à mudançatecnológica e organizacional, 40% o faziam em relaçãoàs mulheres; enquanto 63% se queixavam de escassez demão-de-obra qualificada, apenas 34% manifestavam essaopinião com relação às mulheres; finalmente, enquanto48% se preocupavam com a baixa escolaridade do con-junto do pessoal ocupado, somente 32% o faziam relati-vamente às mulheres. Para a metal-mecânica as cifras erambastante similares (Tabela 4).

A interpretação desses dados não é simples. Em pri-meiro lugar, porque estamos frente a distintos tipos deproblemas. Em segundo lugar, devido às limitações dospróprios dados. Nesse sentido, as considerações que seseguem devem ser tomadas basicamente como hipótesesa serem trabalhadas e pistas para futuras pesquisas.

Em uma leitura otimista, essa diferença de avaliaçãopoderia ser atribuída, uma vez mais, a uma maior satisfa-ção dos empresários com suas trabalhadoras do que como conjunto do seu pessoal. Em outras palavras, poderiaestar relacionada a uma avaliação das gerências de que asmulheres estariam mais aptas e seriam mais capazes deresponder às novas exigências nesse terreno. Uma leituramais pessimista nos indicaria que, pelo contrário, os em-presários atribuem menos importância a esses problemas

quando relacionados às mulheres, porque lhes interessamenos se suas trabalhadoras possuem ou não essas capa-cidades, seja devido à sua baixa participação no volumetotal do pessoal empregado, seja pelo fato de continua-rem ocupando as funções consideradas menos importan-tes e menos qualificadas nas empresas, seja porque, umavez mais, se estaria projetando sobre elas a imagem deum recurso humano sobre o qual não vale a pena investir,devido às suas limitações originais (peso da vida domés-tica e da identidade familiar), que condicionariam, neces-sariamente, um baixo retorno do investimento realizado.

Examinando os temas separadamente, em primeirolugar pode-se observar que a pouca importância atribuí-da pelos empresários ao tema da escolaridade da mão-de-obra feminina pode estar relacionada à sua colocação nastarefas menos qualificadas da indústria, cujo exercício nãoexige um maior grau de instrução. Essa diferença se acen-tua à medida que se aborda o tema da escassez de mão-de-obra qualificada, problema fortemente sentido na gran-de maioria dos casos em relação ao conjunto do pessoalocupado e muito pouco (apenas na metal-mecânica me-xicana) em relação às mulheres.

Já a percepção empresarial de que existiriam maioresdificuldades de adaptação à mudança tecnológica por partedo conjunto do pessoal ocupado do que pelas mulherespoderia ser explicada pelo fato de que, em muitos casos,a introdução de novas tecnologias e novas formas de or-ganização do trabalho se concentraram nas sessões/ocu-pações predominantemente masculinas, estando as mu-lheres mais distantes das dificuldades mas também dasnovas possibilidades abertas por essas mudanças.13

Isso se evidencia quando se examina o tema das difi-culdades da mão-de-obra de assumir maiores responsa-bilidades e tomar iniciativas. Nessa questão, manifestam-se de forma mais intensa as diferentes expectativas dos

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NA ...

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QUADRO 1

Visão Empresarial sobre os Cinco Problemas mais Importantes Relativos àMão-de-Obra Feminina e ao Conjunto do Pessoal Ocupado

Países Selecionados (1) – 1992-93

Mão-de-Obra Feminina

AbsenteísmoElevados Custos IndiretosDemasiada Interferência da Vida Doméstica no TrabalhoBaixa Identificação com os Objetivos da EmpresaFalta de Interesse para Capacitar-se

Total do Pessoal Ocupado

Dificuldade para Assumir ResponsabilidadesDificuldade de Comunicação com os SupervisoresDificuldade para Tomar IniciativasBaixa Identificação com os Objetivos da EmpresaEscassez de Mão-de-Obra Qualificada

Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e empre-go nos anos 90”; Projeto Regional "Inovação tecnológica e mercado de trabalho", OIT/ACDI.(1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.

empresários em relação ao conjunto do pessoal ocupadoe em relação às mulheres. Eles estão muito preocupadoscom esses temas no que se refere aos primeiros e muitopouco preocupados no que se refere às mulheres. A hipó-tese aventada aqui é de que as expectativas gerenciaisrelativas à necessidade de que os trabalhadores assumammaiores responsabilidades e iniciativas se concentram noshomens e não nas mulheres devido ao fato, já assinalado,de que os postos e funções em transformação a partir dasmudanças tecnológicas e organizacionais vêm sendo ocu-pados predominantemente por trabalhadores do sexomasculino. Isso significa que as exigências e possibilida-des de assumir um papel mais ativo e autônomo no pro-cesso de trabalho estão se abrindo significativamente maispara eles que para elas; ou, em outras palavras, que asheranças e as permanências do taylorismo-fordismo sãomais fortes para elas que para eles.

Essa idéia parece mais plausível que sustentar ahipótese contrária, ou seja, de que as mulheres teriam maiscapacidade que os homens para responder aos desafiosdos novos métodos organizacionais e para assumir maioresresponsabilidades e tomar iniciativas, não devido a algumalimitação intrínseca à natureza feminina, mas justamenteporque nos modelos ou etapas anteriores de organizaçãodo trabalho eram elas e não eles que, em geral, ocupavamas posições mais subordinadas na divisão sexual existenteno interior do processo de trabalho. Em outras palavras,eram elas que devido a essa divisão, assim como àsegmentação ocupacional existente, em especial no setorindustrial, sofriam mais os efeitos negativos do taylorismo-fordismo no sentido do não-desenvolvimento dessascapacidades.

Uma vez mais, vale a pena frisar que os dados de quedispomos não são suficientes para sustentar com segurançaessas afirmações, que devem ser tomadas como hipóte-ses a merecer mais investigação e verificação.

Como Montar o Quebra-Cabeças?

Cada uma das peças em separado do material apresen-tado até agora pode configurar uma idéia contraditória einclusive oposta à hipótese inicial deste trabalho, qual seja,a de que as imagens formuladas pelos empresários sobreas mulheres trabalhadoras são negativas no que se refereàs suas possibilidades de apresentar um adequado desem-penho no trabalho. Dizemos isso porque, analisando cadaitem separadamente, as mulheres não aparecem como maisproblemáticas, mais indisciplinadas, mais conflitivas oudotadas de menores capacidades para o trabalho. Nãoobstante, se montarmos o quebra-cabeças, é exatamenteessa a imagem que surge: outra vez emerge a figura deuma mulher presa à vida doméstica e familiar sobrepon-

do-se ao desempenho da mulher trabalhadora e limitan-do-o. Como pode ser visto no Quadro 1, entre os cincoproblemas relacionados às mulheres trabalhadoras, aosquais os empresários atribuem maior importância, trêsdeles estão associados diretamente a essa idéia: altas ta-xas de absenteísmo, elevados custos indiretos e demasia-da interferência da vida doméstica no trabalho.

Essa imagem é reforçada quando verificamos quais sãoos cinco problemas considerados mais importantes parao conjunto do pessoal ocupado: três deles (escassez demão-de-obra qualificada, dificuldade de assumir maioresresponsabilidades e dificuldade de tomar iniciativas) es-tão relacionados à qualificação e às capacidades da mão-de-obra em um contexto de mudança tecnológica, ou seja,a temas vinculados muito mais diretamente ao exercíciodo trabalho e ao desenvolvimento das capacidades pro-fissionais. O único tema comum entre os dois grupos é oda baixa identificação com os objetivos da empresa.

ESTRATÉGIAS GERENCIAIS:UMA POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOSPARA A MÃO-DE-OBRA FEMININA?

Nesta seção, serão analisados alguns elementos dapolítica de recursos humanos das empresas: os programasexistentes ou considerados pelas gerências como factíveisde serem aplicados à mão-de-obra feminina.

Esses programas podem ser classificados em dois ti-pos: os relacionados à articulação entre o trabalho assala-riado e a vida doméstica/familiar da mulher e aqueles re-lacionados à sua atividade profissional enquanto tal. Entre

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997

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os primeiros estão: permissão de ausência para mulherese homens em caso de doença dos filhos, creche, licença-paternidade, programas de treinamento dirigidos a fami-liares dos(as) trabalhadores(as), afastamento temporáriocom possibilidade de reincorporação e, de certa forma,horário flexível e trabalho de tempo parcial.14 Entre ossegundos estão: ações para aumentar o recrutamento demulheres, para elevar a participação de mulheres em pro-gramas de treinamento e para favorecer seu acesso a pos-tos de trabalho mais bem remunerados e a cargos de maiorresponsabilidade hierárquica.

Programas em Aplicação

Analisando os programas existentes nas empresaspode-se observar, em primeiro lugar, que os únicos cujafreqüência de aplicação, em alguns casos, alcançavam ametade ou mais da amostra eram: falta justificada paramulheres e homens em caso de doença dos filhos (indústriade alimentação argentina e metal-mecânica colombiana)e licença-paternidade (alimentação no Brasil e metal-mecânica na Colômbia). Em segundo lugar, sistema-ticamente, a freqüência de aplicação dos programas erasuperior na indústria da alimentação comparada à metal-mecânica.

Primeiro Grupo de Programas: articulação entre avida profissional e a vida familiar – Na indústria da ali-mentação, os únicos programas do primeiro grupo queeram aplicados com freqüência significativa (próxima ousuperior a 30% dos estabelecimentos) eram: faltas justi-ficadas para homens e mulheres em caso de doença dosfilhos e licença-paternidade. Na metal-mecânica, essa pro-porção era inferior e variava entre 20% (ausência justifi-cada para homens em caso de doença dos filhos) e 30%(os outros dois) (Tabela 5).

A falta justificada em caso de doença dos filhos era,como já foi dito, o programa mais disseminado entre asempresas. No entanto, a freqüência de sua aplicação con-tinuava sendo baixa, se considerarmos inclusive que, noque se refere às mulheres, este era um direito legalmentereconhecido em dois dos cinco países considerados (Chi-le e Brasil). Em geral, o cuidado com os filhos doentescontinuava sendo pensado como uma tarefa muito maisfeminina que masculina, em especial no setor metal-me-cânico. As diferenças mais significativas quanto a esseaspecto foram registradas na indústria da alimentação doChile (onde o benefício para as mulheres existia em 43%dos estabelecimentos e em apenas 7% deles para os ho-mens) e na metal-mecânica no Brasil e Chile.15 Como jáse disse, chama a atenção a baixa freqüência de aplicaçãoda lei, nos casos do Brasil e Chile.

TABELA 5

Porcentagens dos Estabelecimentos com Programas em Aplicação,por Ramos Industriais

Países Selecionados (1) – 1992-93Em porcentagem

Programas Alimentação Metal-Mecânica

Articulação da Vida Doméstica-Trabalho

Falta Justificada Mulheresno Caso de Doença de Filhos 41 29

Falta Justificada Homensno Caso de Doença de Filhos 28 19

Licença-Paternidade 31 28

Creche 15 9

Tempo Parcial 6 5

Horário Flexível 6 6

Capacitação a Familiares 14 11

Retirada com Possibilidadesde Reincorporação 10 6

Acesso ao Emprego eDesenvolvimento Profissional

Aumentar o Recrutamento de Mulheres 16 9

Favorecer Acesso ao Treinamento 25 15

Favorecer Acesso a PostosMelhor Remunerados 25 14

Favorecer Acesso a Postos deMaior Hierarquia 24 17

Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e empre-go nos 90”; Projeto Regional “Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI.(1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.

A existência da licença-paternidade (que se vincula àidéia de uma responsabilidade mais compartilhada entrehomens e mulheres nesse acontecimento fundamental davida familiar) passou a ser objeto de negociação coletivanos últimos anos em alguns países da região, tendo sido,em alguns casos, transformado em lei.16 No entanto, se-gundo os dados da pesquisa, esse direito era aplicado poruma parcela reduzida (próxima aos 30% em média) dasempresas e não era vigente nem sequer na metade daamostra em nenhum país.

Os serviços de creche, ou seja, a possibilidade de contarcom uma atenção adequada para os filhos durante o horáriode trabalho estão entre os fatores mais importantes nosentido de possibilitar uma melhor inserção da mulher nomercado de trabalho, principalmente nos países onde essaresponsabilidade recai fundamentalmente sobre ela. Emgeral, a cobertura dos serviços públicos é muito limitadae, por isso, a existência de creches nos lugares de trabalhopassou a ser objeto de negociação coletiva e de legislaçãoem vários países (Argentina, Brasil e Chile). Em contraste

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NA ...

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com essa necessidade, reconhecida legalmente em várioscasos, uma parcela muito reduzida de estabelecimentosda amostra contava com serviços de creche, principalmentena indústria metal-mecânica.17

Por sua vez, a flexibilização da jornada de trabalhoatravés do trabalho em tempo parcial e da jornada flexí-vel, para os trabalhadores regularmente empregados nasempresas, não parecia ser parte das estratégias empresa-riais nos estabelecimentos da amostra. Em média, essesprogramas eram aplicados em apenas 6% deles, nos doissetores. Os programas de capacitação para os familiaresdos trabalhadores também tinham uma incidência muitobaixa (pouco mais de 10% em média), com exceção daColômbia, onde, nos dois setores, alcançava uma cifrapróxima aos 40%.

Possibilitar às mulheres afastarem-se do emprego porum período de tempo determinado (por exemplo, duranteo restante do primeiro ano de vida de um filho após otérmino da licença-maternidade) com direito a rein-corporarem-se posteriormente, poderia ser pensado comouma forma importante de ampliar, para elas, as alternativasde uma melhor articulação entre a vida doméstica e otrabalho remunerado. No entanto, o tema não é simples.Por exemplo, segundo Rial (1993), apesar de existir naArgentina um estatuto legal que prevê essa possibilidade(o chamado “estado de excedência”),18 na prática, quandoutilizado pelas mulheres, seus direitos de reincorporaçãotêm sido freqüentemente desrespeitados pelos empre-gadores. A tendência da participação feminina no mercadode trabalho, tanto na Europa como na América Latina, naúltima década, tem sido, ao contrário, aumentar acontinuidade das trajetórias profissionais (diminuir asinterrupções), inclusive na etapa de maior fertilidade(Maruani, 1991; Arriagada, 1994).

De qualquer maneira, a freqüência de aplicação dessetipo de programa nas empresas da amostra era bastantereduzida (igual ou inferior a 10% em média), quando nãoinexistente, sendo ligeiramente superior somente na in-dústria de alimentação da Argentina (22%).

Segundo Grupo de Programas: acesso ao emprego edesenvolvimento profissional – Em geral, os quatro pro-gramas do segundo tipo tinham uma freqüência de apli-cação inferior àquela dos programas do primeiro grupo.Isto indicaria que as políticas de recursos humanos diri-gidas à mão-de-obra feminina nas empresas, quando exis-tiam, não iam muito além de medidas isoladas destinadasa diminuir algumas das dificuldades de articulação entrea vida doméstica e o trabalho remunerado. A menor difu-são dos programas do segundo grupo significa, portanto,que era muito reduzida a disposição empresarial de am-pliar o acesso de mulheres ao emprego, assim como de

investir no desenvolvimento profissional da mão-de-obrafeminina já empregada. A primeira evidência disso é que,em média, nenhum dos quatro programas mencionadosnesse grupo existia em uma porcentagem superior a 25%dos estabelecimentos da amostra. No conjunto, o menosaplicado era justamente o mais fundamental (ações paraaumentar o recrutamento de mulheres), ou seja, aqueleque se refere à ampliação das possibilidades de acessodas mulheres ao emprego.19

Considerando as médias de aplicação dos outros trêsprogramas (ações para aumentar a participação das mu-lheres nos programas de treinamento, para favorecer seuacesso a postos de trabalho mais bem remunerados e apostos hierarquicamente superiores), podemos observarum comportamento mais ou menos similar entre os três(existentes em 25% dos estabelecimentos na alimentaçãoe em aproximadamente 15% na metal-mecânica).

Projeções para o Futuro Imediato:Programas Factíveis de Serem Aplicados

Examinando agora as respostas dos empresários emrelação aos programas considerados factíveis de seremaplicados no futuro imediato, podemos observar dois as-pectos fundamentais (Tabela 6): um aumento significati-vo de respostas positivas, o que, em uma visão otimista,poderia ser pensado como um indício de que as empresasestariam dispostas a adotar no futuro certas políticas fa-voráveis ao aumento das oportunidades de emprego e demelhoria das condições de trabalho das mulheres; e umdeslocamento de ênfase entre os dois tipos de programa,favorecendo os do segundo grupo (ou seja, os relativos àinserção e ao desenvolvimento profissional da mulher).No entanto, constatam-se ainda importantes áreas de ri-gidez (programas considerados não factíveis de serem apli-cados), localizadas principalmente no primeiro grupo.

Entre estes, a concessão de faltas justificadas para ho-mens e mulheres em caso de doença dos filhos estão en-tre aqueles cujas possibilidades de ampliação parecem sermaiores20 (Tabela 7). Nas projeções dos empresários,pode-se observar também uma diminuição das diferen-ças de postura quanto a homens e mulheres em relação aesse aspecto, o que poderia ser interpretado como um si-nal de que, pouco a pouco, se amplia a legitimidade daidéia de que homens e mulheres devem compartilhar al-gumas das responsabilidades relativas à criação dos fi-lhos.

A indústria metal-mecânica brasileira é o setor em queessas possibilidades de ampliação parecem superiores(50% dos gerentes se declararam dispostos a conceder essetipo de licenças para as mulheres e 40% para os homens).Observa-se pouca rigidez, especialmente no que se refe-

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re à possibilidade de ampliação desse benefício às mu-lheres: na maioria dos casos, a porcentagem de estabele-cimentos que considera pouco factível estender esse di-reito a suas trabalhadoras não supera 15%. Para os homens,a porcentagem de recusa é superior: quase 50% na metal-mecânica brasileira e aproximadamente 30% nos demaiscasos.

Por outro lado, os dados evidenciam uma possibilida-de bastante limitada de ampliação das licenças-paterni-dade, direito que, como já se disse, está consagrado emlei em alguns dos países considerados, e, enquanto tal,deveria ter aplicação universal. Em média, apenas 24%das empresas da indústria de alimentação e 15% das me-tal-mecânicas estariam dispostas a fazê-lo. Isso significaque 45% dos estabelecimentos da indústria de alimenta-ção e 57% da metal-mecânica não estavam dispostos aconceder esse direito.

Aproximadamente 20% das empresas, em média, con-sideravam factível estender o benefício das creches a suastrabalhadoras. Somadas às que já as tinham, as cifras che-

TABELA 6

Porcentagem dos Estabelecimentos com ProgramasConsiderados Factíveis, por Ramos Industriais

Países Selecionados (1) – 1992-93Em porcentagem

Programas Alimentação Metal-Mecânica

Articulação da Vida Doméstica-Trabalho

Falta Justificada Mulheres noCaso de Doença de Filhos 32 31

Falta Justificada Homensno Caso de Doença de Filhos 28 25

Licença-Paternidade 24 15

Creche 21 16

Tempo Parcial 17 15

Horário Flexível 16 12

Capacitação a Familiares 31 20

Retirada com Possibilidadesde Reincorporação 17 19

Acesso ao Emprego eDesenvolvimento Profissional

Aumentar o Recrutamento de Mulheres 43 32

Favorecer Acesso à Capacitação 49 41

Favorecer Acesso aPostos Melhor Remunerados 51 41

Favorecer Acesso a

Postos de Maior Hierarquia 49 41

Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e empre-go nos 90”; Projeto Regional “Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI.(1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.

gam a 36% na indústria de alimentação e a apenas 25%na metal-mecânica.

Uma parcela próxima a 20% das empresas estariamdispostas a flexibilizar a jornada de trabalho através daimplantação de jornadas parciais e pouco mais de 10%,através de horários flexíveis. As áreas de rigidez são muitoacentuadas em relação a esses dois aspectos. Somando osestabelecimentos que já aplicavam esse tipo de programaaos que estariam dispostos a fazê-lo, não se superava 20%da amostra.

As possibilidades de ampliação dos programas de ca-pacitação para familiares dos(as) trabalhadores(as) são en-contradas em cerca de 30% das empresas da indústria dealimentação e em 20% dos da metal-mecânica. Finalmente,aproximadamente 20% dos estabelecimentos, em média,nos dois setores, consideravam factível passar a aplicarprogramas de afastamento por períodos determinados compossibilidade de reincorporação.

Já os programas do “segundo grupo”, ou seja, aquelesdirigidos a favorecer o acesso das mulheres ao emprego,

TABELA 7

Porcentagem de Estabelecimentos com Programas em Aplicação eConsiderados Factíveis, por Ramos Industriais

Países Selecionados (1) – 1992-93Em porcentagem

Programas Alimentação Metal-Mecânica

Articulação da Vida Doméstica-Trabalho

Falta Justificada Mulheres no Casode Doença de Filhos (2)63 (2)60

Falta Justificada Homens no Caso deDoença de Filhos (2)56 44

Licença-Paternidade (2)55 43

Creche 36 25

Tempo Parcial 23 20

Horário Flexível 22 18

Capacitação a Familiares (2)45 31

Retirada com Possibilidadesde Reincorporação 27 25

Acesso ao Emprego eDesenvolvimento Profissional

Aumentar o Recrutamento de Mulheres (2)59 39

Favorecer Acesso à Capacitação (2)74 (2)66

Favorecer Acesso a PostosMelhor Remunerados (2)76 (2)65

Favorecer Acesso a Postos deMaior Hierarquia (2)73 (2)68

Fonte: Pesquisa “Estratégias de competitividade, produtividade, recursos humanos e empre-go nos anos 90; Projeto Regional “Inovação tecnológica e mercado de trabalho”, OIT/ACDI.(1) Referem-se aos países abrangidos pela pesquisa: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.(2) Freqüência de aplicação próxima ou igual à metade dos estabelecimentos.

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NA ...

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assim como a desenvolver suas capacidades no trabalho,e que tinham uma freqüência de aplicação muito limitadanos estabelecimentos da amostra, aparecem como os commaiores possibilidades de ampliação, segundo a declara-ção dos gerentes pesquisados.21

Essa possível mudança de ênfase nas políticas de re-cursos humanos das empresas poderia significar maiordisposição dos empresários de investir no desenvolvimen-to profissional de mão-de-obra feminina empregada. Essapostura pode, eventualmente, estar relacionada à tendên-cia, também observada na pesquisa, de aprofundamentodas estratégias de mudança tecnológica nessas mesmasempresas, e ao fato de que, ainda que não com a freqüên-cia e a articulação desejáveis, em alguns dos setores ana-lisados, esse aprofundamento relacionava-se a uma maiordisposição gerencial de investir no desenvolvimento deseus recursos humanos em geral, em especial no que serefere ao aumento dos programas de treinamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A articulação entre as diversas áreas de gestão no inte-rior das estratégias de produtividade das empresas emprocesso de modernização e, em particular, o grau em queessas estratégias contemplam as políticas de recursos hu-manos constituem um aspecto relevante na discussão dosnovos paradigmas produtivos. Nesse artigo, tivemos aintenção de discutir esse tema, enfatizando sua dimensãode gênero, ou seja, examinando as estratégias gerenciaisdirigidas à mão-de-obra feminina em um conjunto de es-tabelecimentos das indústrias metal-mecânica e da alimen-tação da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile e México.

Nesses cinco países, a participação feminina no em-prego industrial, embora minoritária e segmentada porsetores e subsetores, cresceu significativamente duranteos anos 80, período marcado por fortes processos de cri-se e ajuste estrutural, mas também pela reconversão, di-namização e relativa modernização de vários setores daindústria. Em fins dos anos 80, a participação femininano conjunto do emprego industrial nesses países não erairrelevante, variando de um mínimo de 21% (Argentina)a um máximo de 33% (Colômbia). Por outro lado, consi-derando-se as indústrias metal-mecânica e de alimenta-ção, o crescimento da participação feminina havia sidomais significativo nos setores que, em cada país, haviamapresentado maior dinamismo.

Os resultados da pesquisa evidenciam a importânciade considerar, na discussão das políticas de recursos hu-manos das empresas, a forma como se estruturam os pa-péis femininos e masculinos no imaginário gerencial. Anoção de imagens de gênero utilizada no corpo desse tra-balho deve ser entendida como uma referência às confi-

gurações das identidades masculina e feminina que sãoproduzidas social e culturalmente e que determinam, emgrande parte, as oportunidades e as formas de inserção dehomens e mulheres no mundo do trabalho. No entanto,há que se considerar que essas imagens se reproduzemno cotidiano e nas relações de trabalho, ajudando a estru-turar e a acentuar a divisão sexual e a segmentação ocu-pacional existentes em seu interior, o que constitui umobstáculo importante à alteração dessa segmentação, in-clusive em contextos marcados por significativas trans-formações nos paradigmas produtivos (base tecnológica,organização do trabalho, formas de gestão da produção eda mão-de-obra).

As imagens de gênero são um componente importanteda formulação das políticas de recursos humanos dasempresas; em geral, são desfavoráveis às mulheres, namedida em que tendem a projetar sobre a figura da mu-lher trabalhadora uma outra imagem de mulher, presafundamentalmente à vida familiar e doméstica, o que es-taria limitando sua adequada inserção e desempenho notrabalho. Essas imagens, independentemente de qualquercomprovação empírica da existência concreta de uma sé-rie de problemas a elas associados e que supostamente asjustificariam (tais como altas taxas de absenteísmo e derotatividade voluntária e altos custos indiretos associa-dos à maternidade), condicionam fortemente a disposi-ção de investimento dos empresários na parcela femininade sua força de trabalho, tanto no sentido de sua incorpo-ração aos quadros da empresa, como de seu desenvolvi-mento profissional.

A análise dos dados das empresas consideradas evi-dencia que as políticas de recursos humanos dirigidas àsmulheres são muito limitadas e, quando existentes, com-põem-se basicamente de medidas destinadas a diminuiras dificuldades de articulação entre a vida doméstica e otrabalho remunerado. Regra geral, apresentam uma bai-xa freqüência de aplicação, inclusive quando se trata dedireitos legalmente estabelecidos (como, por exemplo,licença-paternidade, creches e falta justificada em casode doença dos filhos). Os programas destinados a aumentara incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a pro-mover seu desenvolvimento profissional são ainda me-nos freqüentes.

No entanto, pode-se observar uma tendência de deslo-camento dessa ênfase. Uma leitura otimista dos dados nossugere dois elementos importantes, que poderiam estarapontando para uma melhoria das condições de incorpo-ração e de permanência da mulher no trabalho, e, ao mes-mo tempo, produzindo efeitos positivos para o êxito dasestratégias de produtividade e competitividade das em-presas: uma ampliação, ainda que limitada, da legitimi-dade da idéia de que o cuidado com os filhos deve ser

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9. Sem considerar, além disso, o fato de que esse raciocínio atribui à mulhertodo o “custo” da maternidade e do cuidado com os filhos, quando isso deveriaser algo socialmente compartilhado. Em um estudo de caso realizado no Chile,Todaro (1996) questiona o senso comum de que é mais caro contratar mulheresdevido aos custos indiretos associados à maternidade, chamando a atenção paraa necessidade de realizar medições mais objetivas sobre esses indicadores, quepermitam situar a discussão em um terreno menos obscurecido por estereótipose imagens associadas a homens e mulheres no trabalho.

10. Em um interessante artigo sobre as dificuldades de promoção da mulher apostos de responsabilidade no trabalho, Gallegos e Rojo (1995) analisam oandrocentrismo do discurso gerencial mostrando de que forma os homens sãosempre a referência para descrever as pessoas no trabalho ou as situações detrabalho, a menos que haja uma menção explícita às mulheres.

11. Essa questão foi incluída no questionário somente no bloco de perguntasrelativas às mulheres. O objetivo aqui era comprovar em que grau esse tipo deformulação estaria presente no imaginário das gerências pesquisadas, supondo-se que não apareceria associado aos homens, sendo considerado, quase que pordefinição, um problema “especificamente feminino”.

12. No caso da mão-de-obra feminina, como já foi sublinhado, somente dois dostemas foram considerados importantes pela maioria dos estabelecimentos (altastaxas de absenteísmo e baixo grau de identificação com os objetivos da empresa,na indústria de alimentação).

13. Indicaçðes nesse sentido foram encontradas em pesquisas realizadas na Ar-gentina, Brasil e Chile. Ver Hirata et alii (1995) e Abramo e Armijo (1996).

14. Dissemos “de certa forma” porque essas duas modalidades de trabalho, sepor um lado podem representar formas menos desgastantes de articulação entrea vida doméstica e o trabalho remunerado, de especial interesse para as mulhe-res trabalhadoras, por outro lado também podem significar novas formas de pre-carização do trabalho, que tendem a afetar principalmente às mulheres.

15. Onde se estendia às mulheres em aproximadamente 30% dos estabelecimen-tos e aos homens em aproximadamente 10%.

16. Argentina (2 dias), Chile (1 dia) e Brasil (5 dias), no momento de realizaçãoda pesquisa (1992-93).

17. Para o conjunto dos países, as cifras eram de 15% na indústria da alimenta-ção e de 9% na metal-mecânica.

18. O “estado de excedência” prevê o afastamento temporário do trabalho porum período de 3 a 6 meses, em caso de nascimento (após a licença-maternidade)ou doença de um filho, com possibilidade de reincorporação posterior na mesmafunção ou em função superior ou inferior, em um arranjo de comum acordo entreo empregador e a trabalhadora. Os períodos de “excedência” não são computa-dos como tempo de serviço.

19. Ações desse tipo eram implementadas, em média, por 16% das empresas daindústria de alimentação e por 9% da metal-mecânica. Só na indústria de ali-mentação do Chile e na metal-mecânica mexicana uma parcela próxima a 30%dos estabelecimentos tinha essa preocupação, enquanto na indústria de alimen-tação do Brasil, Colômbia e México essa porcentagem era próxima a 20%. Nosdemais casos não superava os 10%. A Argentina aparecia como o caso mais rígi-do no que se refere às possibilidades de aumento da participação feminina noemprego.

20. Em média, aproximadamente 30% das empresas consideravam factíveis aplicá-lo. Somando-se a isso as porcentagens de estabelecimentos que já concediamesse tipo de licença, temos cifras de aproximadamente 60% para as mulheres ede 56% (alimentação) e 44% (metal-mecânica) para os homens (Tabela 7).

21. Na indústria da alimentação, 43% dos estabelecimentos em média conside-ravam factível a implementação em um futuro próximo de programas destinadosa favorecer o acesso das mulheres ao emprego e cerca de 50% a melhorar suascondiçðes de permanência no trabalho através de mais oportunidades de treina-mento e de acesso a postos mais bem remunerados e de maior responsabilidadehierárquica. Na indústria da alimentação, essas freqüências baixavam respecti-vamente para 30% e 40%.

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uma responsabilidade compartilhada entre homens e mu-lheres (disposição de estender as permissões de faltas parapais em caso de doença dos filhos e, em menor medida, alicença-paternidade); a possibilidade de um aumento im-portante da difusão de programas dirigidos a ampliar asoportunidades de acesso da mulher ao emprego, assimcomo suas perspectivas de desenvolvimento profissional(ampliação das oportunidades de treinamento e acesso apostos de trabalho mais bem remunerados e de maior res-ponsabilidade herárquica).

NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (Asso-ciação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais), Caxambu, out. 1996.

1. No Brasil, em 1990, metade das mulheres trabalhadoras se concentrava emseis ocupações: empregadas domésticas, balconistas, vendedoras ou comercian-tes por conta própria, costureiras, professoras de ensino básico e empregadas emfunções administrativas. Considerando somente o setor formal da economia, 54%das mulheres se concentravam em 13 ocupações principais: professoras de ensi-no básico e médio, enfermeiras, empregadas públicas de nível universitário, au-xiliares de escritório, agentes administrativos, auxiliares de contabilidade ou caixa,secretárias, recepcionistas, vendedoras, trabalhadoras em conservação de edifí-cios, cozinheiras e costureiras (RAIS 1990 apud Cacciamali, 1995).

2. Nele pretendemos seguir uma linha de reflexão iniciada em textos anteriores(Abramo, 1993, 1994, 1996; Abramo e Armijo, 1996).

3. Os dados provêm basicamente da pesquisa “Estratégias de competitividade,produtividade, recursos humanos e emprego nos 90”, aplicada entre 1992 e 1993,como parte do Projeto OIT/ACDI (“Inovação tecnológica e mercado de trabalhono América Latina”). A pesquisa foi aplicada a um total de 270 estabelecimen-tos metal-mecânicos e 130 da indústria de alimentação nos cinco países assina-lados. Retoma-se aqui uma análise iniciada em um trabalho anterior (Abramo,1993), quando eram disponíveis somente os dados relativos a Argentina e Chile.Algumas diferenças de cifras que podem ser encontradas nos dois documentosse devem a uma depuração da base de dados que foi realizada entre a redaçãodos dois artigos.

4. Para o caso de Brasil, ver discussão a respeito realizada por Humphrey (1987).

5. Excluindo o setor têxtil, a taxa de crescimento do emprego feminino sobe para10,9%, enquanto a do emprego masculino chega a 6,1% (dados dos Censos In-dustriais de 1970 e 1980 citados por Humphrey, 1987). Vale frisar que essesdados se referem ao conjunto de trabalhadores diretamente vinculados à produ-ção (operários, técnicos e supervisores de primeira linha), o que evidencia que oincremento do emprego feminino na indústria nesse período não esteve ligadosomente à sua participação nos trabalhos administrativos e de escritório.

6. Enquanto ocorre a perda de 227.065 empregos masculinos (5,8% do total),desaparecem 111.937 empregos femininos (7,7% do total). Na indústria metal-mecânica se perdem 136.628 empregos (8,5% do total existente em 1990), dosquais 114.565 são masculinos (8,3% do total) e 22.018 são femininos (8,8% dototal). Na indústria da alimentação, menos afetada que a metal-mecânica peloquadro recessivo, a perda de empregos femininos (3.231 ou 1,6% do total) tam-bém foi proporcionalmente superior à redução de empregos masculinos (6.590,o que corresponde a 1,0% do total) (RAIS, 1990 e 1991).

7. Chama a atenção a diferença entre esse dado e a cifra de participação femini-na no conjunto da indústria metal-mecânica no caso de México (26%). Umapossível explicação é o fato de que a pesquisa não abarcou as empresas maqui-ladoras da Região Norte, responsáveis em grande medida pela significativa par-ticipação feminina no conjunto da metal-mecânica nesse país.

8. Uma pesquisa realizada em 1991 pelo Instituto da Mulher da Espanha em 2.000empresas localizadas em vários setores industriais e de serviços, cujo objetivoera justamente verificar a associação estabelecida entre as mulheres e as altastaxas de absenteísmo, chega à conclusão de que essa relação não se verifica: nãosó não existem diferenças significativas entre mulheres e homens quando se com-param condições de trabalho semelhantes, como os resultados mostram, por es-cassa diferença, um maior absenteísmo por parte dos trabalhadores de sexo mas-culino (Castillo, 1992). Por sua vez, Cacciamali (1995) também questiona a teseda existência de uma maior taxa de rotatividade entre as mulheres no Brasil,demostrando, através dos dados da RAIS de 1990, que no setor formal da econo-mia a incidência das mulheres com menos de três anos no mesmo emprego (49,9%)é inferior à de homens nessa mesma situação (56,2%). O mesmo foi observadonas empresas maquiladoras do Norte do México por Canales (1995).

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IMAGENS DE GÊNERO E POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NA ...

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MERCADO DE TRABALHOE EXCLUSÃO SOCIAL DA

FORÇA DE TRABALHO FEMININA

s últimas décadas têm presenciado um aumentosignificativo da participação feminina na popu-lação economicamente ativa, em quase todos os

países no mundo. Porém, esta tendência vem ocorrendoconcomitantemente com transformações profundas naoferta e no conteúdo do trabalho.

Alguns especialistas enxergam estas mudanças pro-dutivas e econômicas com otimismo no que diz respeitoàs possibilidades de reverter as desigualdades enfrenta-das pela mulher no mercado de trabalho. Apesar de polí-ticas de ação positiva nesta direção, os dados internacio-nais levantados neste artigo comprovam que grandesdesigualdades ainda existem entre os sexos no mundo dotrabalho.

A atividade econômica feminina continua sendo ca-racterizada pela segregação ocupacional, em setores debaixo status, com remuneração menor que a dos homens,mesmo quando elas exercem a mesma carga horária e têmníveis equivalentes de escolaridade.

Além disso, nas áreas que estão abrindo novas oportu-nidades para as mulheres, as atividades, em grande parte,são em empregos part-time, ou em postos mais precáriose menos qualificados, além de uma presença forte nomercado informal.

Em um mercado de trabalho simultaneamente maisrestritivo em termos de abertura de novas vagas emais seletivo quanto à força de trabalho, a escolaridade ea capacitação são fundamentais para obter e manter oemprego.

A discriminação, portanto, poderia ser superada porprocessos objetivos, como acesso a oportunidadespara treinamento e elevação da formação e capacitaçãoprofissional.

Porém, pesquisa em algumas empresas brasileirasmostra que outros elementos de natureza mais sutil e sub-jetiva reforçam a ordem existente de discriminação se-xual, através de noções introjetadas sobre o que sejamhabilidades e tarefas masculinas e femininas.

Estas observações levam à ponderação sobre em quaiscircunstâncias o novo paradigma produtivo poderia ofe-recer oportunidades para a mulher ampliar o seu espaçode atuação no mundo do trabalho e avançar para a igual-dade de oportunidades com os homens, ou, no sentidooposto, quais as configurações que poderiam aprofundare fortalecer a segregação feminina nos setores econômi-cos e nos grupos ocupacionais nos quais ela se insere, bemcomo a desigualdade de seus ganhos.

A primeira parte deste artigo apresenta o conceito deexclusão social como método analítico para entender asmudanças atuais no mercado de trabalho, uma vez queoferece certas vantagens na análise da condição de mu-lheres no mundo do trabalho durante o processo de rees-truturação produtiva, abordando não somente as situaçõesestáticas da desigualdade e de precariedade, mas tambéma criação e reprodução de tais circunstâncias. A segundaparte apresenta dados relativos à situação internacional enacional do emprego e desemprego, à distribuição seto-rial e ocupacional da força de trabalho e à remuneração,comparando a situação entre homens e mulheres. Final-mente, a última parte observa como a segregação ocupa-cional no local do trabalho (em duas fábricas) e as no-ções socialmente construídas sobre trabalho masculino efeminino perpetuam a dificuldade de acesso para as mu-lheres ao treinamento técnico e aos cargos que requeremum aumento da qualificação e que, portanto, oferecemmelhor remuneração.

A

ANNE CAROLINE POSTHUMA

Pesquisadora Visitante do Departamento de Engenharia de Produção da Poli/USP

MARIA ROSA LOMBARDI

Socióloga, Pesquisadora Autônoma

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MERCADO DE TRABALHO E EXCLUSÃO SOCIAL DA FORÇA...

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EXCLUSÃO SOCIAL: UM MÉTODO PARAANÁLISE DA “NOVA POBREZA”

Na Europa, a expressão “exclusão social” tem sido lar-gamente utilizada para descrever o impacto das transfor-mações inter-relacionadas que nasceram do processo dereestruturação. O conceito, por várias razões, é útil paraanalisar o atual estado das transformações no mundo dotrabalho.

Em primeiro lugar, a exclusão social abrange umamaior amplitude de circunstâncias do que pobreza, dis-criminação ou desigualdades, porque conceitualmentenão só descreve uma situação de exclusão, mas tambémanalisa o processo pelo qual essa exclusão surge e éreproduzida, possibilitando incluir o comportamento in-dividual e coletivo e as instituições sociais, políticas eeconômicas que agem no sentido de reproduzir e reforçaressas desigualdades e barreiras estruturais e sociais colo-cadas a determinados grupos. Em segundo lugar, o con-ceito de exclusão social permite examinar não somente odesemprego aberto, mas também as formas de inclusãono mercado de trabalho que são igualmente discrimina-doras, precárias e, portanto, excludentes em relação aospostos de trabalho ocupados pelos trabalhadores(as) nes-te contexto de reestruturação.

O termo “exclusão social” foi originalmente cunhadona França, em 1974, referindo-se a várias categorias depessoas que se encontravam desprotegidas, não cobertaspelos programas de seguridade social, e eram rotuladascomo “problemas sociais” ou desajustadas (Silver,1995:63). Nos anos 80, o uso do termo foi ampliado parareferir-se ao fenômeno da “nova pobreza” associada amudança tecnológica e reestruturação econômica, envol-vendo desemprego prolongado, inclusive para as pessoasqualificadas.

Os integrantes dessa nova categoria pertencem a ca-madas da classe média – surgida nos anos de estabilidadee crescimento econômicos do pós-guerra –, que estãoperdendo suas posições na estrutura produtiva, seja pelaintrodução massiva de processos automatizados de tra-balho, seja pelas formas enxutas de organização e geren-ciamento, seja pela perda de postos de trabalho para in-dústrias mais competitivas em outros países (Singer,1996:11).

De acordo com a Comissão Européia, no início dos anos90, 50 milhões de pessoas estavam vivendo abaixo da li-nha de pobreza.1 Além disso, 16 milhões (ou 10,5% daforça de trabalho) estavam desempregadas, metade dasquais há mais de um ano (CEC apud Silver, 1995:57).Como ferramenta analítica, o conceito de exclusão socialtem sido aplicado a um amplo conjunto de transforma-ções sociais, econômicas e políticas e a suas implicações

sociais. Nesse sentido, uma das contribuições desse con-ceito é a habilidade de ir além da descrição de uma situa-ção estática, ou seja, a exclusão social passa a se referir aum processo dinâmico de desintegração social. Em con-seqüência, é necessário aplicar uma perspectiva sistêmi-ca para analisar o processo de exclusão social e como ocomportamento político, econômico, social e as institui-ções reforçam e reproduzem essas desigualdades e bar-reiras (Rodgers, 1995:44). Ademais, ao se reconhecer quea nova pobreza refere-se, agora, a um processo que não émais cíclico, mas sim estrutural, é necessário usar con-ceitos analíticos suficientemente abrangentes para enten-der a desvantagem social dentro do novo contexto da trans-formações econômicas e sociais (Gore, 1995:3).

Se, por um lado, o conceito de exclusão social tem avantagem de poder ser aplicado a um amplo leque de si-tuações, por outro, tem sido usado para descrever diver-sos fenômenos, o que torna difícil o consenso a respeitoda sua definição. Há uma variedade de aspectos nos quaisa exclusão social pode se manifestar: exclusão de um pa-drão decente de consumo; exclusão de bens e serviços pú-blicos; exclusão ao acesso à terra; exclusão dos direitoshumanos básicos e exclusão da participação na prosperi-dade e nos recursos envolvidos numa estratégia nacionalde desenvolvimento (Rodgers, 1995:45-49). Mesmo a Co-missão Européia tem reconhecido a dificuldade de defi-nir o termo.

O debate em torno da exclusão social tem servido paraesclarecer a relação entre pobreza, emprego produtivo eintegração social, envolvendo governos, empresas e sin-dicatos de trabalhadores na busca de mecanismos quefavoreçam maior integração e inserção no mercado detrabalho, realçando a necessidade para programas de trei-namento, desenvolvimento de qualificações e melhorqualidade de ensino. Porém, como será visto mais adian-te, a própria posição de mulheres no mercado de trabalho– já em situações menos favorecidas em relação aos ho-mens – acaba lhes limitando o acesso a oportunidades paraobter treinamento, elevar qualificação e aumentar o le-que de opções. Além disso, a escolaridade das mulheres,na maioria dos países, é igual à dos homens, mostrandoque outros fatores econômicos, sociais ou até legais aca-bam limitando a participação, mobilidade ocupacional eremuneração destas.

Lembrando Gore (1995:95) e Rodgers (1995: 45), exis-tem quatro formas de exclusão social em relação ao mer-cado de trabalho: desemprego aberto; formas precárias deinserção no mercado de trabalho; formas de trabalho não-remunerado; e exclusão das oportunidades para desenvol-ver novas habilidades. O chamado “desemprego aberto”– representado pelas pessoas que não têm trabalho e pro-curam efetivamente por um – é a forma mais facilmente

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identificável de exclusão social e a que mais chama aten-ção na parte de estudos de políticas públicas. Essa cate-goria de desemprego é a que mais se associa à emergên-cia da “nova pobreza”, particularmente nos países doPrimeiro Mundo. Os três últimos tipos de exclusão socialabrangem formas em que a precariedade e a desigualda-de manifestam-se e reproduzem-se no mercado de traba-lho, chamando atenção para considerar também os ter-mos de incorporação dentro do qual um indivíduoencontra-se na atividade econômica. Este último grupode condições de trabalho sob termos mais precários, ounão-remunerados, e a falta de oportunidades para desen-volver novas habilidades poderiam constituir-se uma es-pécie de “inserção excluída”. Estas últimas formas de tra-balho comumente envolvem trabalho feminino.

Estudos efetuados no Brasil e no exterior comprovamque o aumento de atividades como a subcontratação detrabalhadores por tempo determinado, de trabalhadorespart-time e de trabalhadores em domicílio são tendênciasque absorvem uma grande parte das mulheres que ingres-sam na atividade econômica, ocorrendo, muitas vezes, emcondições precárias e inseguras, geralmente levando àintensificação da carga de trabalho, à redução da remu-neração e à perda da proteção oferecida pela legislaçãotrabalhista.

Governos, empresas e sindicatos de trabalhadores têmse envolvido na busca de mecanismos que favoreçammaior integração e inserção no mercado de trabalho. Poressa razão, programas de treinamento, desenvolvimentode qualificações e educação têm recebido crescente aten-ção.

Porém, como será visto mais adiante, a posição a prioridesvantajosa das mulheres no mercado de trabalho acabalimitando o seu acesso a oportunidades de treinamentopara elevar sua qualificação.

PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MERCADODE TRABALHO NOS ANOS 90

A participação feminina na população economicamenteativa tem crescido em quase todos os países do mundo,desde a década de 70 (Rowbotham e Mitter, 1994; Bullock,1994; Lim, 1996; Blumberg et alii, 1995; e Banco Mun-dial, 1995).

Segundo as Nações Unidas, aproximadamente 45% dasmulheres do mundo entre 15 e 64 anos de idade estãoeconomicamente ativas (Lim, 1996:11).2 Nota-se umadiferença entre a natureza de participação dos homens edas mulheres na maioria das regiões do mundo: a taxafeminina da força de trabalho aumentou tanto duranteperíodos de prosperidade como nos de recessão, enquan-to a participação masculina tem decrescido. Além disso,

mais mulheres continuam ativas economicamente, mes-mo durante o período em que estão gerando e cuidandodos filhos.

Exclusão Social e as Mulheresno Mercado de Trabalho

O aumento da participação das mulheres na força detrabalho não tem sido acompanhada pela igualdade comtrabalhadores masculinos. Extensos estudos internacionaismostram que o trabalho feminino é caracterizado por vá-rios tipos de exclusão, tais como segregação horizontal,3

segregação vertical,4 trabalho em condições precárias (porexemplo, trabalhos part-time e no setor informal), menorremuneração por hora trabalhada (mesmo com nível equi-valente de escolaridade ao dos homens), acesso restrito acrédito e baixa mobilidade ocupacional (Rowbotham eMitter, 1994; Bullock, 1994; Lim, 1996; Stichter e Parpart,1990).

Além disso, as estatísticas sobre o mercado de traba-lho normalmente incluem somente o trabalho formal pago,subestimando, assim, o nível real de atividade econômi-ca das mulheres (Bruschini, 1994). Este círculo perversoque existe entre a maior participação de mulheres na for-ça de trabalho, a segmentação do mercado de trabalho e apobreza é sustentado pelos valores socioculturais, com-portamentos, legislação e instituições existentes (Lopezet alii, 1992).

Mesmo num contexto de crise econômica, as mulhe-res estão entrando nos novos empregos que estão sendocriados e levantando a questão sobre a qualidade e as con-dições sob as quais elas estão sendo empregadas. Dos 8milhões de empregos mais recentemente criados na UniãoEuropéia, as mulheres respondem por 7 milhões. O nú-mero de mulheres na força de trabalho apresentou umataxa de crescimento que correspondeu ao dobro daquelaverificada para o contingente masculino entre 1980 e 1990.Porém, este crescimento ocorreu, sobretudo, no trabalhopart-time, em que as mulheres representam entre 65% e90% dos trabalhadores (Lim, 1996:11).

As mulheres correspondem a quase a metade de todosos trabalhadores no setor de serviços, a cerca de um terçodos trabalhadores na indústria (tendendo a se concentrarem indústrias como alimentação, têxteis e calçados) e a15% dos empregados por contra própria nos países daOCDE. Da mesma forma, houve uma participação cres-cente da mulher na força de trabalho dos Estados Unidosdurante o período pós-guerra, compreendendo 45,5% daforça de trabalho neste país em 1992.

O setor de serviços é atualmente responsável por 4/5de todos os trabalhos nos Estados Unidos (Reich, 1994).O crescimento neste setor e a valorização de habilidades

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de comunicação e de relacionamento interpessoal acarre-taram um aumento de responsabilidades e de oportunida-des para as mulheres, até em cargos de supervisão.

Já nos países em desenvolvimento, o mercado infor-mal oferece uma área significativa e crescente de empre-go para as mulheres, tanto como a área de serviços, ab-sorvendo 71% das mulheres economicamente ativas naAmérica Latina e Caribe e 40% e 44%, respectivamente,na Ásia e no Pacífico (Lim, 1996; Vickers, 1994; Bullock,1994).

No setor industrial, novos empregos estão sendo cria-dos para as mulheres, principalmente através da terceiri-zação5 (Lim, 1996; Vickers, 1994; Bullock, 1994). Emtermos da primeira forma de exclusão social no mercadode trabalho, as taxas elevadas de desemprego aberto nospaíses europeus estão tendo um impacto, em muitos ca-sos, sobre as mulheres economicamente ativas.

Entre os países que mais sofrem com o desemprego, aEspanha (com uma taxa de desemprego total de 24,2%em 1994) apresenta uma taxa de 31,4% de desempregofeminino contra 18,8% para os homens. Numa escalamenor, a França apresentou uma taxa de desemprego to-tal de 12,5% em 1994, com 14,5% das mulheres e 10,8%dos homens desempregados.

Em outros países europeus com um Estado de Bem-Estar Social e um sistema de relações industriais que per-mite uma resposta negociada frente à reestruturação pro-dutiva, como na Alemanha e na Suécia, as taxas dedesemprego mantiveram-se mais controladas tanto paraos homens como para as mulheres. Também nos EstadosUnidos e na Inglaterra, onde há políticas de flexibiliza-ção do mercado de trabalho e onde ocorre um desmante-lamento da proteção oferecida pelas leis trabalhistas – masao custo de aumentar a precarização do trabalho e dascondições do trabalho –, as taxas de desemprego são bai-xas tanto para os homens como para as mulheres. Nos prin-cipais países que compõem a CEE – Espanha, Itália, In-glaterra, França e Alemanha –, a grande maioria dosempregados pode contar com a proteção de contratos co-letivos de trabalho.

Entretanto, no intuito de se ajustarem aos ditames dalean production, as empresas estão alterando os termosde contratação interna, passando para táticas de precari-zação do trabalho, numa forma de “inserção excluída”,como já mencionado anteriormente. Desta maneira, as em-presas estão diminuindo o peso relativo dos trabalhado-res estáveis em favor dos temporários e instáveis (Däubler,1994:39 e 41).

Esta precarização do trabalho está aumentando atémesmo no Japão, com o uso dos trabalhadores temporá-rios, em cujo contingente as mulheres representam apro-ximadamente 3/4 do total. Para os que não participam do

core, estão reservados empregos pouco seguros e comsalário cerca da metade daquele pago aos trabalhadoresregulares. Os sindicatos, organizados no âmbito das em-presas, em íntima cooperação com os empregadores, ofe-recem acesso apenas aos trabalhadores regulares (Däubler,1994: 32 a 34).

Frente à ausência de dinamismo do setor moderno naAmérica Latina, a expansão do emprego em pequenasempresas e o significativo aumento da informalidade im-pediram a ampliação demasiada das taxas de desempre-go aberto.

O setor informal urbano tradicional (composto por tra-balhadores por conta própria não-profissionais, familia-res não remunerados e serviços domésticos) apresentoualto dinamismo, absorvendo 45% dos empregos urbanoscriados nos anos 80. Outra clara forma de exclusão con-siste nos níveis inferiores de remuneração das mulheresem vários países.

Considerando os salários médios mensais pagos naindústria de transformação, verifica-se que nos países commenor desigualdade salarial (incluindo a França, a Ale-manha, a Suécia e a Inglaterra) as mulheres ganhavam,nos anos 90, entre 70% e 92% do rendimento dos homens.No extremo oposto (maior desigualdade) situa-se o Ja-pão, onde a mulher ganhava, em 1989, entre 40% e 50%da remuneração oferecida aos homens, variando confor-me o ramo industrial, o que confirma o forte impacto, emtermos de desigualdade, da segmentação da força de tra-balho entre “centro” e “periferia” e a concentração dastrabalhadoras neste último.

Segundo Lim (1996), as diferenças de renda são maispronunciadas nos países em desenvolvimento que seguemuma política orientada para a exportação, ou que estabe-leceram zonas de processamento para exportação (porexemplo, nos casos da Coréia e da Malásia), e em paísescomo o Japão, onde há um papel inferior para a mulherno mercado de trabalho e também onde se verifica traba-lho domiciliar e em setores agrícolas. Esta diferença ten-de a ser menor nos países onde existe negociação coleti-va que enfatiza políticas igualitárias de salários (nos casosda Suécia, da Alemanha, da Noruega e da Austrália).

A participação feminina nas atividades econômicas noBrasil tem aumentado de forma contínua – nos setoresformais e informais – desde os anos 70, chegando até48,1% em 1995. O crescimento aliado às característicastradicionais de segmentação ocupacional resultou numa“expansão segregada” de emprego para a mulher brasi-leira (Matesco e Lavinas, 1994:47).

Em contraste com a situação das mulheres nos paísesda OCDE, onde a precarização do trabalho feminino vemacontecendo dentro do trabalho formal, cerca da metadedas brasileiras economicamente ativas trabalham no se-

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tor informal, no qual a sua contribuição econômica nãoaparece. Essas mulheres sujeitam-se a trabalhar nessascondições tanto em função da discriminação e segrega-ção que enfrentam quanto pela necessidade de equilibraratividades remuneradas com responsabilidades domésti-cas (Abreu e Sorj, 1993). As trabalhadoras brasileirassofrem as mesmas segregações já discutidas para outraspartes do mundo (confinadas em certos setores econômi-cos e em determinados grupos de ocupações) e tambémestão sujeitas à desigualdade de ganhos. Em 1995, apro-ximadamente 60% das mulheres ocupavam-se em ativi-dades de prestação de serviços, no setor social e no co-mércio de mercadorias.6 Os rendimentos auferidos pelastrabalhadoras brasileiras são sistematicamente inferioresaos dos homens, seja segundo o setor de atividade, sejaquanto à posição na ocupação ou quanto à escolaridade.Se se esperava que níveis mais elevados de escolaridadeajudariam a mulher a atingir melhores níveis de remune-ração no trabalho, os dados indicam que definitivamentenão é esse o caso. A PNAD 95 mostra que na faixa maisalta de escolaridade (15 anos de estudo e mais), 85% doshomens recebem mais de cinco salários mínimos contraapenas 66% das mulheres. As diferenças educacionaisentre os sexos não explicam satisfatoriamente as diver-gências de rendimento, apontando a necessidade de seconsiderar outros elementos econômicos, sociais e atélegais.

QUALIFICAÇÃO E GÊNERO:“É FÁCIL, É COMO UMA MÁQUINA DECOSTURA”

As mudanças no mundo do trabalho, como resultadodo processo da reestruturação produtiva, envolvem no-vos parâmetros nas qualificações exigidas pelas empre-sas. Neste contexto, em que partes da velha ordem estãosendo alteradas, interessa examinar se elementos do atualparadigma produtivo oferecem oportunidades novas emais amplas para as mulheres, ou se outras formas deexclusão de mulheres estão sendo construídas ou repro-duzidas nos âmbitos institucionais, econômicos ou sociais.

As alterações fundamentais na demanda para qualifi-cações, oriundas do processo de modernização industrial,incluem uma inversão da valorização das habilidadesmanuais por duas formas de competências: as competên-cias cognitivas, que compreendem a leitura e interpreta-ção de dados, a lógica funcional, a capacidade de abstra-ção, a dedução estatística e as expressões oral, escrita emanual; e as competências comportamentais, que envol-vem a responsabilidade, a lealdade, o comprometimento,a capacidade de iniciativa e a habilidade de negociação(Valle, 1994). Em especial, a ênfase nas competências

comportamentais representa uma tendência forte na in-dústria, utilizando um novo conceito de qualificação re-lacionada à postura dos trabalhadores frente às empresas(Leite e Posthuma, 1996:65). Esta transição de habilida-des para outros tipos de competências que são cada vezmais exigidas pelas empresas tem implicações para a for-ça de trabalho feminino. Por um lado, entre as habilida-des manuais mais valorizadas no paradigma anterior, re-lacionavam-se aquelas relativas à operação e à manutençãode máquinas, definidas como habilidades masculinas.

As habilidades manuais das mulheres reduziram-se aatividades desvalorizadas e geralmente ligadas a certossaberes femininos considerados “naturais”, como destre-za manual, atenção a detalhes e paciência para a realiza-ção de trabalhos repetitivos (Lim, 1990; Cockburn, 1983),que as preparavam para atividades como montagem depeças miúdas, costura e embalagem. No que diz respeitoàs novas competências e às possibilidades de novos es-paços para as mulheres no mundo do trabalho, entrevis-tas realizadas com trabalhadoras e trabalhadores de duasempresas no ramo automobilístico da Região Metropoli-tana de São Paulo7 mostraram não somente as situaçõestradicionais de segmentação de trabalho feminino, mastambém as atitudes e os comportamentos que tendem areproduzir a “inserção excluída” da mulher no trabalho.As trabalhadoras apresentavam nível de escolaridade su-perior ao pré-requisito mínimo para admissão (1o graucompleto) e algumas delas haviam completado o 2o grau.

Não obstante, as oportunidades internas para incremen-tar sua capacitação técnica e suas qualificações eram, nogeral, bastante restritas em comparação com seus cole-gas do sexo masculino. Além disso, evidenciou-se que asmulheres tendiam a fazer somente os cursos comporta-mentais, enquanto os homens freqüentavam tanto os cur-sos comportamentais quanto os técnicos.

Empresa A: a construção de uma divisãosexual de trabalho

A pesquisa na Empresa A mostrou um exemplo parexcellence do processo da construção social do trabalhofeminino e masculino. Para a área exclusivamente mas-culina – a linha de montagem final e inspeção –, foramtransferidas em torno de 25 mulheres de uma área exclu-sivamente feminina – a costura de bancos de carro –, quefoi terceirizada. Com a introdução das mulheres nesta área,os trabalhos anteriormente realizados tornaram-sesexualizados e as tarefas reestruturadas: os trabalhos pe-sados na área continuam sendo efetuados por homens, mas,com as mulheres, a gerência teve a preocupação de “co-locar a pessoa certa no lugar certo”. Quando solicitadopara descrever as tarefas que as mulheres estavam execu-

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tando, este gerente forneceu uma série de exemplos detrabalhos que aplicavam adequadamente as habilidades“naturais” das mulheres, como o retoque da pintura queantes era feito por homens, “só que as mulheres fazem commais cuidado e atenção a detalhes”, fato que lhes reser-vou essa tarefa com exclusividade; e a fixação de ilumi-nação da placa que consiste na instalação de partes para ailuminação da placa e de borrachinhas para segurá-la, ta-refa que as mulheres executam com as mãos ou com umaparafusadeira leve e portátil, portanto, “adequada” a elas.

O “talento” dessas mulheres em efetuar tais tarefas,prestando muito atenção aos detalhes, foi elogiado pelogerente, cujas expectativas sobre a divisão sexual de tra-balho foram plenamente realizadas. A experiência destaempresa mostra de forma clara como a construção socialdas qualificações acaba alocando para as mulheres os tra-balhos miúdos, repetitivos, destituídos de conteúdo, ilus-trando eloqüentemente a regra – quando não se encon-tram trabalhos “femininos”, criam-se, estreitamentesexualizando, assim, trabalhos que anteriormente todomundo fazia.

Empresa S: polivalência como rótulo de qualificação

A pesquisa na Empresa S revelou um exemplo de tra-balho feminino organizado numa forma segregada (fisi-camente e como ocupação “feminina”) das outras ativi-dades da empresa, repetitivo e destituído de conteúdo,executado mesmo por algumas mulheres com um alto graude escolaridade.8

Nesta empresa (fornecedora de componentes para au-tomóveis), cerca 60 mulheres estavam concentradas emum local separado para produção de volantes forrados decouro para exportação, sentadas ao redor de duas gran-des mesas retangulares. As atividades envolviam a cola-gem dos forros de couro pré-cortados e o ajuste e a costu-ra do forro de couro sobre o volante. Um outro processoconsistia em vaporizar o volante para eliminar rugas epossibilitar boa empunhadura.9 Uma alteração na nature-za do trabalho desta área foi orgulhosamente apresentadapelo gerente como uma inovação: anteriormente, as mu-lheres coladeiras sentavam-se de um lado da mesa e pas-savam os volantes com o couro colado às mulheres cos-tureiras sentadas do outro lado da mesa. Contudo, esteprocedimento gerava muitos conflitos acerca da respon-sabilidade pela qualidade do produto, com costureiras ecoladeiras acusando-se mutuamente, o que levou a gerên-cia a introduzir a “polivalência”, ou seja, cada mulherexecuta agora as tarefas de colagem e costura. Combinarduas tarefas de baixa qualificação foi apresentado comoum grande salto em termos de conteúdo de trabalho e res-ponsabilidade, bem como de benefícios adicionais no que

concerne à melhoria da qualidade de trabalho e à reduçãode risco de acidentes em decorrência de lesões por esfor-ço repetitivo.

Aplicar o termo “polivalência” a este tipo de atividadesimplista é distorcer a noção de enriquecimento de traba-lho e qualificação do trabalhador. Além disso, as traba-lhadoras não receberam qualquer remuneração adicionalpor absorver esta atividade. A estrutura do sistema decargos e salários e da organização do trabalho não previauma rotação de atividades nem cogitava colocar este tra-balho como uma etapa numa trajetória de ascensão ocu-pacional que poderia passar para outros trabalhos maisdesafiadores e com mais conteúdo.

Atributos Comportamentais: a naturezado treinamento e dos cursos para as mulheres

Em ambas as empresas examinadas, o treinamento ofe-recido aos trabalhadores compreendia duas categorias:cursos comportamentais para todos os trabalhadores (con-trole de qualidade, introdução ao ISO 9000, etc.) e cur-sos técnicos especializados para tarefas específicas. Cons-tatou-se que a vasta maioria das mulheres somentefreqüentou os cursos comportamentais, em função, cer-tamente, da segregação em atividades que prescindiam deconhecimentos significativos.

Dentro da divisão sexual de trabalho e da estrutura decargos e salários existentes na empresa, ficou patente queas mulheres não faziam cursos técnicos porque suas tare-fas não necessitavam de nenhum conhecimento técnico –nem sobre o processo nem sobre o produto.

A partir deste exame do trabalho de mulheres em duasfábricas na indústria automobilística, foi possível identi-ficar as formas de exclusão experimentadas pelas mulhe-res no mercado de trabalho, mesmo dentro de um contex-to da emergência de um novo paradigma produtivo.

Souza-Lobo (1991) lembra que a forma em que a divi-são sexual de trabalho dentro da fábrica é determinada econstruída reflete as expectativas de tarefas “masculinas”ou “femininas” – e é a partir destas identidades de gêneroda força de trabalho que se definem a função, o salário ea qualificação (Kergoat apud Souza-Lobo, 1991:56). Paramelhor analisar a relação entre qualificação e divisão se-xual de trabalho que resulta destas identidades de gêne-ro, Souza-Lobo (1991:56) faz uma distinção entre a tare-fa e quem a faz.

A construção social de qualificações e de compartimen-tação de trabalho “adequado” para mulheres e homens,portanto, choca-se com mudanças na valorização de ha-bilidades dentro do novo paradigma produtivo, passandode habilidades manuais para as competências cognitivase comportamentais.

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abrindo oportunidades baseadas em tipos de capacitaçõesrequeridas ou, então, aprofundando ainda mais as formaspreexistentes de exclusão social na base de mulheres.

As empresas brasileiras que estão modificando seucomportamento no sentido de aumentar a qualidade e aprodutividade tendem a investir mais em treinamento detrabalhadores e introdução de técnicas de melhoria de qua-lidade. Em termos da mão-de-obra feminina, treinamen-to e escolaridade são vistos como mecanismos importan-tes de aperfeiçoamento de capacitação e qualificação,permitindo-lhe obter maiores e melhores oportunidadesno mercado de trabalho e avanço ocupacional dentro dasempresas.

Contudo, entrevistas efetuadas em duas empresas dosetor automotivo revelaram que a segregação sexual foiexercida nos cursos de treinamento oferecidos – as mu-lheres participaram quase exclusivamente em cursos com-portamentais, não sendo incentivadas a realizar cur-sos técnicos que contribuiriam para alargar a base de suacapacitação com um sólido know-how técnico.

Os padrões existentes de segregação ocupacional, porsexo, no mercado de trabalho, bem como a segregaçãovertical, em um rol estreito de categorias ocupacionais emnível de empresa, foram fatores primários por detrás doacesso limitado ao aperfeiçoamento de capacitações. Emadição a estes fatores estruturais e institucionais, a discri-minação por sexo e os estereótipos de habilidades femi-ninas deixar socialmente reproduzidos pela gerência, re-forçando as barreiras contra o avanço da mulher nomercado de trabalho.

Deve-se acrescentar que as próprias mulheres, freqüen-temente, participaram da perpetuação destas noções degênero sobre os tipos apropriados de trabalho feminino.

NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (Associa-ção Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), Caxambu, out. 1996.Elaborado no âmbito do projeto “Reestruturação Produtiva e Qualificação” do Pro-grama de Pesquisa em Ciência, Tecnologia, Qualificação e Produção do convênioCedes/Finep-Proeduc/CNPq-CCDT. As autoras agradecem a Marcia de Paula Leitepelos comentários feitos a primeira versão.

1. A linha de pobreza, na Comunidade Européia, é calculada como metade darenda média nacional.

2. As taxas variam por região: no sudeste da Ásia, 54% dos trabalhadores sãomulheres; no Caribe a participação feminina é de 49%; na América Latina é de34%; e no norte da África é de 21% (Lim, 1996:11). Em alguns países da Amé-rica Latina a participação econômica feminina dobrou nas décadas de 70 e 80(Psacharopoulos e Tzannatos, 1992).

3. Ou seja, segregação ocupacional e setorial em alguns setores econômicos (noterciário e nas indústrias mais tradicionais como de alimentação, têxtil e vestuá-rio) e em determinados grupos de ocupações (especialmente administrativas, dasaúde e da educação).

4. Isto é, as pequenas chances que a mulher tem de ascender profissionalmente,assumindo maiores responsabilidades e qualificações especializadas e, como con-seqüência, auferindo maiores ganhos. Mesmo quando homens e mulheres traba-lham em níveis hierárquicos iguais, os rendimentos femininos são em geral sig-nificativamente inferiores.

A difusão deste novo modelo de competências pode-ria significar uma eliminação das antigas definições dehabilidades “femininas” e “masculinas” e levar a umamaior igualdade de acesso aos postos de trabalho. Porém,a pesquisa mostrou como o processo de construção socialde qualificações e identidades de trabalho “feminino” e“masculino” reproduz a formação de trabalhos sexuali-zados. Além dos fatores externos, existe a participaçãoda própria mulher na sua subordinação (Souza-Lobo,1991).

A mulher também participa como cúmplice na cons-trução de uma identidade diferenciada de trabalhos ade-quados para mulheres e homens, uma vez que aceita comonatural, ou como seu destino de gênero, a sua exclusãode certos tipos de trabalho e de qualificação. Esta atitudepode estar relacionada à internalização da tradicionalmentebaixa qualificação da mulher, em que, segundo Souza-Lobo (1991:92), “....a não-qualificação das mulheres énormalizada e... a qualificação remete à problemática dasmulheres excepcionais”. As críticas das mulheres, dire-cionadas contra as próprias colegas, formam parte de umdiscurso do oprimido, do segregado, ou adotando um dis-curso masculino, ou rejeitando a submissão do seu pró-prio sexo, em que existe um espaço restrito para a mulheravançar.

CONCLUSÃO

Este artigo procurou examinar, através do cotejamen-to de dados de diversos países, a posição da mulher nomercado de trabalho. Elementos de abordagem de exclu-são social foram aplicados para examinar a segregaçãoda mulher no mercado de trabalho, as possibilidades demudança e sua perpetuação.

Estatísticas mundiais e nacionais de trabalho demons-tram a natureza da exclusão da mulher dentro e fora domercado de trabalho, expressas em termos de segregaçãohorizontal (ou seja, segregação ocupacional e setorial),segregação vertical, trabalho desprotegido ou precário(incluindo trabalho part-time e setor informal), remune-ração mais baixa por hora trabalhada e mobilidade decarreira restrita.

A exclusão social das mulheres incorpora um espectroque transcende a análise da pobreza e da discriminação,pois abarca uma descrição não apenas de circunstânciascorrentes, mas também dos elementos estruturais de ex-clusão, bem como daqueles reproduzidos socialmente atra-vés de comportamento, estereótipos de papéis de gêneroe instituições. No contexto da reestruturação econômica,é pertinente examinar como as mudanças nas práticas deprodução e de estratégias competitivas das empresas po-dem afetar o segmento feminino da força de trabalho – se

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5. Apesar de receber salários mais baixos que os dos homens, as trabalhadoraspodem ser mais caras aos empregadores devido aos custos relacionados aos be-nefícios maternais, o que age como outro fator a empurrar a mulher para o setorinformal, no qual os empregadores preferem contratar as mulheres sob condi-ções mais precárias e sem os benefícios do vínculo empregatício. Por exemplo,um levantamento das leis trabalhistas disciplinando o emprego e pagamento dasmulheres em seis países latino-americanos mostrou que quando as leis requeremque os empregadores financiem boa parte ou a totalidade dos benefícios mater-nais, eles preferirão empregar trabalhadores homens mais baratos sempre quepossível (Winter, 1994).

6. A partir de 1993, com a mudança conceitual introduzida nas Pesquisas Nacio-nais por Amostra de Domicílios – PNADs, a participação feminina no setor agrí-cola dá um salto de 14%, em 1990, para 24,3%, em 1993, e 22,3%, em 1995.

7. Foram entrevistados gerentes de área, homens e mulheres do chão de fábrica.

8. Uma mulher entrevistada na célula de volantes tinha completado a escolasecundária, bem como quatro anos de estudo para magistério. Com a desva-lorização dos salários dos professores, ela ingressou na fábrica como operá-ria, recebendo um salário três a quatro vezes superior ao de professora. Suaqualificação educacional ultrapassava muito aquela requerida para o seu tra-balho – ainda assim, isto não se refletia nas suas atividades funcionais nemem sua remuneração.

9. É interessante notar que as mulheres consideravam ser esta uma tarefa leve e,preferencialmente, as mulheres grávidas trabalhavam nesta área, podendo conti-nuar a trabalhar até às vésperas do parto com pouco esforço físico e em situa-ções de menor risco.

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O TRABALHO NA CANA-DE-AÇÚCARreestruturação produtiva e novas práticas gerenciais

LUCIANO NUNES PADRÃO

Sociólogo, Pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

presente artigo tem por base uma pesquisa quebuscou analisar recentes mudanças no trabalhoagrícola em uma agroindústria canavieira alagoa-

na, relacionando-as analiticamente com característicasimportantes de um processo de reestruturação produtivaem curso no setor.1

O enfoque centra-se na estratégia de controle geren-cial sobre o trabalho e os trabalhadores que irá se instalare se desenvolver na empresa estudada. Esta opção de aná-lise, no entanto, não implica a compreensão do controlecomo produto de intenção deliberada e absoluta de umagerência monolítica e desprovida de contradições; mas,ao contrário, como algo que emerge, mesmo que de for-ma assimétrica, das cotidianas interações – isto é, resis-tências, consensos e negociações – entre trabalhadores equadros da gerência com suas respectivas diferenciaçõesinternas.

Ainda que maior atenção tenha sido reservada à análi-se de como as relações de controle se manifestam na are-na da produção, ou seja, no processo de trabalho em si,não se deixou de considerar outras dimensões em que aempresa busca também assegurar uma regulação disci-plinar, notadamente aquelas que incidem sobre a esferadoméstica da força de trabalho, relacionadas, por exem-plo, com a moradia, o lazer e a família.

A hipótese geral que orientou o presente estudo con-siste em trazer à discussão, através da análise detalhadade um caso específico, a possibilidade de emergência deuma modalidade de controle da força de trabalho rural,que se diferenciaria de padrões passados de dominaçãono campo, já fartamente analisados pela literatura espe-cializada. Assim, a elevada rotatividade dos trabalhado-res temporários, ocasionada pela extrema flexibilidade dos

contratos de trabalho, característica dos anos 80 – quesucedeu no tempo a um padrão de dominação tradicio-nal, assentado em relações pessoais e na imobilização daforça de trabalho via moradia–, cederia lugar a uma es-tratégia que estaria ancorada em uma maior estabilizaçãoda mão-de-obra, via contratação formal, e na introduçãode procedimentos impessoais de controle do processo detrabalho e dos trabalhadores.

No âmbito das investigações sobre o trabalho no cam-po, ganham destaque as análises das relações sociais pre-sentes na agroindústria canavieira que, em decorrência decertas particularidades, têm se constituído no principalfoco de atenção por parte de especialistas de diversas dis-ciplinas. Ainda que o controle sobre o processo de traba-lho não conforme um objeto específico de investigação,pode-se afirmar que análises em torno da questão têmpermeado parte considerável destes estudos. Longe deesgotar as múltiplas formas de dominação engendradasno decorrer da história mais recente deste setor, e cientesdo risco de incorrer em simplificações esquemáticas, po-demos delinear dois padrões de controle sobre os traba-lhadores da cana que, sucessivos no tempo, têm sido apon-tados por essa literatura.

O primeiro deles nos é revelado pelas análises em tor-no das formas tradicionais de dominação, que ganharamvisibilidade no ambiente acadêmico através dos estudossobre as relações sociais dominantes na plantation tradi-cional nordestina, e conformadoras daquilo que estes es-tudos denominaram de sistema de morada (Palmeira, 1977;Sigaud, 1977 e 1979; Herédia, 1988).

Lembremos aqui que, até meados da década de 50, aforça de trabalho utilizada nas grandes plantações de cana-de-açúcar era constituída basicamente por trabalhadores

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que residiam no interior dessas propriedades, os morado-res. A particularidade das relações de dominação presen-tes no sistema de morada era, segundo estes estudos, aexistência de uma relação personalizada entre o proprie-tário, no caso o senhor de engenho, e cada um de seusmoradores, que envolvia, no contrato de morada, a con-cessão, sempre a título de favor, de uma casa, incluído oacesso a parcelas diferenciadas de terra para plantios desubsistência. Tal acesso, no entanto, seria expressão di-reta da trajetória social percorrida pelo morador dentrode um engenho particular, o que envolveria, em compen-sação, estar sempre à disposição do senhor de engenho,fornecer-lhe sua força de trabalho e a de sua família, quan-do demandadas, e ter o compromisso de não trabalhar paranenhum outro proprietário. Assim, ao subordinar o tra-balho à morada, este sistema de dominação tinha no con-trole da força de trabalho, via moradia, sua principal ca-racterística distintiva.

Convém assinalar que este padrão de dominação, as-sentado em relações personalizadas e tendo a moradiacomo principal recurso estratégico, não incidiu unicamentesobre a força de trabalho rural inserida na plantation ca-navieira, nem tampouco esteve circunscrito às relaçõesde trabalho na agricultura. Com efeito, a literatura socio-lógica sobre a constituição da classe operária brasileira,especialmente aquela voltada à análise das relações so-ciais presentes nas chamadas “fábricas com vila operá-ria” (Brandão Lopes, 1967; Leite Lopes, 1988; e Ramalho,1989), demonstra que a residência da força de trabalhoiria assumir, ainda que com especificidades, um lugar es-tratégico na relação de dominação capital-trabalho.

Os mesmos estudos que se dedicaram a analisar as re-lações sociais na plantation tradicional apontam a saídaem massa dos moradores das propriedades rurais e o fe-chamento, por parte dos proprietários, do acesso de no-vos trabalhadores à morada, a partir de meados da déca-da de 50, como o momento em que tem início a dissoluçãodeste sistema específico de dominação. As transforma-ções sociais que a partir de então entram em curso alte-ram de forma significativa o modo de vincular proprietá-rios e trabalhadores, atingindo não apenas o ex-morador,que passou a residir fora da propriedade, mas o conjuntoda força de trabalho empregada na cana-de-açúcar.

É neste contexto que emerge um segundo padrão decontrole dos trabalhadores da cana e que nos é reveladopelas análises em torno da proletarização da força de tra-balho no campo brasileiro. Trata-se aqui de um amploconjunto de estudos, realizados ao longo das décadas de70 e 80, que partem de análises das condições sob as quaisse constitui uma outra categoria social específica, o bóia-fria (D’Incao e Mello, 1975; Gnaccarini, 1980; Departamen-to de Economia Rural-FCA-Botucatu, 1982; Ianni, 1984).

Tais estudos desvendam aspectos relevantes das rela-ções de trabalho no campo presentes naquele contexto,cujos principais traços seriam, de um lado, a sazonalida-de do emprego, agora da massa de trabalhadores empre-gados por essa agroindústria, associada a uma intensa cir-culação dessa mão-de-obra entre fazendas, municípios eregiões, e mesmo entre atividades econômicas; e, de ou-tro lado, o baixo grau de formalidade presente nas rela-ções de emprego, objetivadas em contratações interme-diadas pela figura do empreiteiro de mão-de-obra.

Muitos destes estudos chamaram a atenção para o fatode que elevadas taxas de rotatividade e de subcontrata-ção são procedimentos utilizados pelos patrões, não so-mente como formas de redução de custos mas, sobretu-do, como estratégias de disciplina e de controle da forçade trabalho.

Pode-se dizer que o padrão de uso da mão-de-obraagrícola predominante nos anos 70 se aproximaria daquiloque certos autores, ao analisar as relações de trabalho vi-gentes nas indústrias brasileiras no mesmo período, irãochamar de rotinização do trabalho (Fleury, 1983) ou deformas predatórias de uso da força de trabalho (Abramo,1986 e Carvalho, 1987).

A partir dos primeiros anos da década de 90, uma sé-rie de estudos empíricos vêm se dedicando a analisar asmudanças nas relações de trabalho agrícola na agroindús-tria canavieira, como elemento constitutivo de um pro-cesso mais geral de reestruturação produtiva deste setor,que tem lugar a partir dos últimos anos da década de 80(Alves, 1991; Novaes, 1993; Cortéz, 1993; Paixão, 1994;Scopinho, 1995; e Pietrafesa, 1995).

Pode-se afirmar, inicialmente, que estes estudos têmse mostrado consensuais no estabelecimento de uma cer-ta periodização acerca da trajetória recente da agroindús-tria canavieira, considerando duas fases distintas. A pri-meira delas corresponderia ao período compreendido entreos anos de 1975 (momento de lançamento do Proálcool)até meados da década de 80, e se caracterizaria por umasignificativa expansão horizontal da área cultivada comcana-de-açúcar no país. O segundo momento, que crono-logicamente se sucederia ao primeiro, e que mais nos in-teressaria, seria caracterizado por uma expansão verticaldesse cultivo, que implicaria importantes transformaçõestecnológicas no processo de produção e na organizaçãodo trabalho.

Procurando manter-nos voluntariamente eqüidistantesde abordagens, de um lado, econômica ou tecnologica-mente predeterminadas e, de outro, das que se centramna resistência da mão-de-obra à exploração do trabalho,relacionaremos os principais elementos motores dessareestruturação produtiva, tal como têm sido abordados,com maior ou menor ênfase, por estes estudos:

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- recentes mudanças no comportamento do Estado emrelação à agroindústria canavieira vêm alterando seu pa-drão de desenvolvimento. Diversos autores observam que,a partir de meados da década de 80, o Estado deixa deregular mais diretamente a economia sucroalcooleira ealtera os mecanismos de oferta de subsídios ao setor. Talprocedimento contrasta com períodos passados, notada-mente os anos que se sucederam ao Proálcool, caracteri-zados pela concessão de substantivos benefícios e subsí-dios ao setor;

- têm sido apontadas mudanças nos mercados dos doisprincipais subprodutos gerados por essa agroindústria.Assim, se as incertezas em torno do Proálcool resultaramem uma significativa queda na produção nacional de veí-culos movidos por esse combustível, a crescente ofertade açúcar no mercado internacional, com a entrada emcena de novas regiões produtoras, associada a mudançasnos padrões alimentares, faz com que os preços deste pro-duto permaneçam, ao longo das duas últimas décadas, empatamares pouco remunerativos, quando comparados aperíodos anteriores;

- por fim, as mudanças radicais no comportamento domovimento sindical a partir da emergência, notadamentena década de 80, de diversas lutas políticas dos trabalha-dores da cana, têm sido apontadas como um fator que te-ria levado empresas a investir em equipamentos tecnoló-gicos e a promover alterações na organização da produçãoe do trabalho. Isso porque muitas das ações coletivas dostrabalhadores e de suas organizações resultaram, de umlado, na conquista de direitos trabalhistas básicos, oca-sionando uma elevação do custo da mão-de-obra e, de ou-tro, em uma maior vulnerabilidade do processo produti-vo às resistências dos trabalhadores. Um exemplo quepoderia ilustrar esta situação são as análises que ressal-tam o caráter político da introdução do corte mecanizadode cana no Estado de São Paulo, como um mecanismo deintimidação e repressão aos movimentos organizativos doscortadores de cana (Alves, 1991 e Scopinho, 1995).

Estes três elementos, segundo esta literatura, estariamimpulsionando um número crescente de empresas do se-tor a se inovar tecnológica e organizacionalmente comvistas a obter ganhos crescentes de produtividade e dequalidade.

Evidentemente que estes fatores macroambientais nãoexplicariam a existência de empresas reestruturadas aolado de outras de perfil tido como tradicional, nem tam-pouco as múltiplas diferenças internas a estes dois pólos– o que requer considerações a respeito, por exemplo, doperfil regional do chamado mercado de trabalho, da his-tória social e econômica da empresa e do grau de organi-zação da força de trabalho.

ALGUMAS ESPECIFICIDADESEM TORNO DA EMPRESA ESTUDADA

A agroindústria estudada encontra-se instalada na re-gião sul do Estado de Alagoas, cuja formação geomorfo-lógica é dominada por solos de topografia acentuadamenteplana, os chamados tabuleiros, que propiciaram a incor-poração, já a partir de meados da década de 50, de equi-pamentos tecnológicos ao processo produtivo, ocasionan-do uma vertiginosa expansão da cana-de-açúcar. É nessaregião que hoje se concentram as unidades produtivas demaior porte e tecnologicamente mais modernas do esta-do e, possivelmente, da região Nordeste. Vale mencionarque nos seis municípios que integram a microrregião ondeestá instalada a empresa, existem hoje um total de dez uni-dades produtivas que, nos períodos de safra, época demaior absorção de força de trabalho no setor, disputamentre si, em uma ampla área geográfica, trabalhadores paraefetuarem o corte de cana.

Chama a atenção a indicação, por parte da literaturaconsultada, de que as organizações de trabalhadores ru-rais no Estado de Alagoas, mesmo considerando a ocor-rência de algumas campanhas salariais em anos passados,têm demonstrado uma histórica fragilidade na promoçãode lutas políticas coletivas comparativamente a movimen-tos similares nos demais estados canavieiros nordestinose do Centro-Sul. No entanto, tal situação não significa ainexistência de lutas cotidianas nos ambientes de traba-lho, as quais ganham importância para a compreensão daestratégia gerencial de controle que emerge na empresapesquisada.

A empresa destaca-se no cenário regional por ser hojea maior agroindústria do setor canavieiro no Norte-Nor-deste e por apresentar um grau consideravelmente eleva-do de inovações técnico-organizacionais. O início do re-cente processo de reestruturação produtiva em seu setoragrícola irá coincidir cronologicamente com o momentoem que, segundo os estudos citados, terão lugar transfor-mações no desenvolvimento recente da agroindústria ca-navieira nacional. Entretanto, sem desconsiderar o pesode fatores macroambientais, importa assinalar que, no casoestudado, a reorganização da produção e do trabalho agrí-cola deu-se também em um momento extremamente par-ticular na trajetória da empresa, cujo ponto de partidaconsiste em alterações no centro de seu poder de decisão.

Com efeito, é justamente no ano de 1986 que se iráinstalar um processo de sucessão familiar, mediante o qualfilhos e netos assumem todos os postos da diretoria daempresa, inclusive a presidência, a partir do afastamento,por problemas de saúde, do Comendador – personagemque por um período de mais de 50 anos havia transmitido“a sua muito característica marca pessoal” não apenas à

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sua empresa, mas à própria região em que esta se encon-tra instalada.2 A propósito, alguns estudos já chamaram aatenção para os efeitos de processos sucessórios intrafa-miliares na alteração de tradicionais estruturas adminis-trativo-organizacionais de empresas do setor canavieiro.Ao referir-se ao assunto, Novaes (1993:148-9) é bastanteexplícito quanto a estas possíveis alterações, quando falade uma “nova geração de usineiros” conformada por “fi-lhos e netos” que “após completarem seus estudos uni-versitários, regressaram para a região de origem, paraassumirem, com outra mentalidade, a administração dasempresas com capacidade inovadora”. O caso aqui estu-dado parece não escapar a esta situação, uma vez que é apartir do momento em que os postos-chave de comandopassam a ser plenamente ocupados pela segunda e tercei-ra gerações que mudanças radicais têm lugar na empresa.

No que tange ao setor agrícola, a amplitude da rees-truturação intencionada pela nova diretoria pode ser ini-cialmente vista a partir da substituição, no ano de 1987,da gerência geral do departamento agrícola e, mais preci-samente, pela contratação para este posto de um profis-sional que até aquela ocasião não portava qualquer expe-riência prévia no setor canavieiro, mas cujo cargo deprofessor em uma universidade federal lhe garantiria asqualificações técnicas necessárias para gerenciar as rees-truturações pretendidas.

Esta mudança, que inicialmente abarca o principal postoexecutivo do setor agrícola, desce em um continuum paraos demais níveis a ele relacionados, dando início a umprocesso de sucessivas transformações que atingem o se-tor rural da empresa. Para além de uma ampla reformula-ção na base técnica de produção, o próprio desenho in-terno do departamento agrícola passará por mudançassignificativas, orientadas para a institucionalização de umaracionalização técnica. Tais alterações envolveram a cria-ção de diversos organismos, também chamados de depar-tamentos, cada qual representando uma esfera específicade competência, tais como motomecanização, topografiae irrigação. Esse processo foi acompanhado da substitui-ção de praticamente todo o quadro de funcionários, noqual o critério de qualificação profissional passou a ocu-par um lugar central. Assim, cada um destes departamen-tos foi entregue a um gerente específico, necessariamen-te dotado de formação superior, que coordena as atividadesde um ou mais supervisores, que devem ter 2o grau e for-mação especializada.

AS MUDANÇAS NA ESFERADA GERÊNCIA DO TRABALHO

A criação de um departamento específico para gerir aforça de trabalho rural, o departamento de mão-de-obra,

evidencia a intenção da nova gerência de promover alte-rações na organização e no controle do trabalho. As posi-ções de poder das distintas chefias relacionadas com ocontrole do trabalho rural sofrerão mudanças radicais, quenão apenas incidem sobre a forma de gestão dessa forçade trabalho ou sobre uma redefinição do perfil de qualifi-cação dos quadros de supervisão em função do novo pa-tamar tecnológico da empresa, mas também expressam aestratégia de estender o controle para a própria gerência.

No passado, subordinado diretamente ao gerente geraldo departamento agrícola, encontrava-se a figura do ad-ministrador, que dirigia o conjunto da força de trabalhona variedade de atividades econômicas e sociais que ti-nham lugar no interior das propriedades agrícolas daempresa. Pode-se dizer que duas são as característicasbásicas presentes na representação que a atual gerênciafaz deste administrador do passado, e que, segundo asnarrativas, teriam respaldado a iniciativa da empresa dereenquadrar esta função e os agentes encarregados deexercê-la na nova estrutura hierárquica do departamentode mão-de-obra.

Diz-se, por um lado, que os antigos administradoreseram genericamente “camaradas rudes” e que “tinham suamente retrógrada, seus pensamentos não abrangiam, nãocresciam”. Trata-se aqui de representações que situam osantigos administradores como personagens desprovidosde qualificação técnica, ou, mais precisamente, sem aqualificação tida como necessária para acompanhar oconjunto de inovações tecnológicas no ritmo em que pas-saram a ser introduzidas no setor agrícola da empresa. Poroutro lado, diz-se também que estes eram “os donos dasituação”, o que expressaria não apenas o considerávelpoder depositado pela empresa em suas mãos, como tam-bém a inexistência de mecanismos eficazes de controleno sentido de impedi-los de explorar este poder com ob-jetivos outros que não os da própria empresa. Há, quantoa este aspecto, um extenso repertório de histórias narra-das pelos atuais quadros da gerência, retratando práticasde clientelismo, ou, nas palavras de um dos gerentes, de“todo um conluio do administrador com trabalhador, comcabo, com empreiteiro, com pessoas apadrinhadas”.

É com base nesta dupla desqualificação que a novagerência, além de renovar o quadro de administradores,irá inserir na hierarquia de controle do trabalho um postoa ele superior e dotado de autoridade técnica, o de técni-co de mão-de-obra – função que será reservada a três téc-nicos agrícolas. Na verdade, o próprio posto de adminis-trador, neste processo, foi desprovido do poder quedetinha, passando a receber a designação oficial de “au-xiliar agrícola”.

Em relação aos técnicos de mão-de-obra, é interessan-te observar que há um nivelamento entre eles. Além de

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pertencerem à mesma faixa etária e possuírem o mesmonível de qualificação profissional, têm trajetórias simila-res e ascendentes dentro da empresa, o que, em parte,explica o mesmo nível de socialização no esquema deautoridade gerencial e as sucessivas demonstrações dededicação e comprometimento com os objetivos estraté-gicos do departamento agrícola.

Ainda que lhes seja atribuída a responsabilidade, poreles sempre valorizada, de “administrar” toda a mão-de-obra rural, não são, como os antigos administradores, os“donos da situação”. Ao contrário, suas atribuições sãosistematicamente supervisionadas pela gerência geral atra-vés de uma diversidade de procedimentos que não ficamrestritos à comunicação oral, mas têm como elementocentral o controle impessoal e abrangente dos sistemasde informática. Estes, uma vez implantados, parecemavançar sobre as mais distintas atividades econômicas esociais realizadas no interior da empresa, passando segu-ramente a deter o posto mais elevado no exercício do con-trole gerencial.

Por outro lado, o poder de tomada de decisão destestécnicos se encontra limitado a esferas bastante específi-cas da gestão da mão-de-obra e não esbarra em áreas cujadecisão concentra-se na gerência geral do departamentoagrícola ou na diretoria. Servem de exemplos os rígidoslimites a eles impostos acerca do número de trabalhado-res a serem incorporados ou excluídos dentro de cadasegmento da força de trabalho, ou os tão freqüentes “pro-blemas de acertos de preços” com os trabalhadores docampo.

Na verdade, a citação anterior é indicativa de uma ou-tra característica dos técnicos de mão-de-obra no exercí-cio do controle gerencial sobre o processo de trabalho,uma vez que, ao lado dos equipamentos de informática ede radiotransmissão, são eles os principais responsáveispela agilização do fluxo de informações no interior daempresa, fazendo imediatamente chegar aos ouvidos dagerência geral quaisquer ameaças de ruptura nos ambien-tes de trabalho. Essa linha clara de comunicação entre aalta gerência e a vida nas fazendas e plantações assumeimportância quando se considera que a hierarquia noâmbito do setor agrícola não se refere unicamente a fun-ções e quadros, mas ao próprio ordenamento do espaçogeográfico da empresa.

Assim, nos pólos extremos da hierarquia do departa-mento agrícola encontram-se, de um lado, o gerente ge-ral, que reside junto à diretoria na chamada vila-sede eque tem no escritório central o seu ambiente de trabalhoe, de outro, os apontadores, cabos e administradores, queresidem junto aos trabalhadores rurais nas fazendas e têmseu espaço de trabalho restrito ao campo e aos escritóriosaí localizados. Circulando entre eles, encontram-se os téc-

nicos de mão-de-obra, cuja ambigüidade que orienta suasmúltiplas inserções na empresa — não são administrado-res mas administram a mão-de-obra, administram a mão-de-obra mas não de forma direta ou plena, não residemnem em meio aos trabalhadores nas fazendas nem junto àdiretoria e à gerência, trabalham ora na sede do departa-mento, ora no campo, fazendo dos veículos da empresaseu principal ambiente de trabalho – constitui um instru-mento básico na potencialização do controle da alta ge-rência sobre o processo de trabalho.

Cabos e apontadores, por sua vez, são categoriassituadas no escalão mais baixo da hierarquia gerencial eagem como operadores do controle do trabalho, segundoregras predeterminadas pelos técnicos de mão-de-obra.São, em geral, jovens que tiveram uma passagem, mesmoque breve, pelo trabalho na cana, situação que os legitimapara a função: “têm que ser malandros, meio vividos” paravigiar e punir “a malandragem” dos trabalhadores que“driblam o serviço”. No entanto, o que chama a atenção éque estas chefias são internamente recrutadas, maisprecisamente de famílias de trabalhadores rurais da própriaempresa.

Esta iniciativa da empresa de incorporar filhos de tra-balhadores para a operacionalização do controle geren-cial sobre o processo de trabalho, além de propiciar umavigilância experiente para detectar indisciplinas, consti-tui uma das estratégias orientadas para tentar reduzir con-flitos nos ambientes de trabalho em face das crescentesexigências em torno do serviço. Por outro lado, não sepode deixar de considerar a profunda divisão da força detrabalho que tal iniciativa promove e que termina por serefletir na própria organização dos grupos domésticos, umavez que a autoridade paterna é política e economicamen-te ameaçada, se não quebrada, a partir da inserção de fi-lhos rapazes em postos de controle do processo de traba-lho – sempre mais bem remunerados e portadores de umstatus mais elevado comparativamente ao trabalho na cana.

No entanto, esta fatia de poder depositado nas mãosde cabos e apontadores é contrabalançado pela empresaatravés de uma estratégia de intenso controle sobre suasatribuições, pela qual ficam sujeitos às mesmas sançõesaplicadas aos trabalhadores rurais.

As alterações na estrutura de gerenciamento irão seestender à política de recrutamento de trabalhadores com-plementares àqueles que residem permanentemente naspropriedades da empresa. Como assinalamos, a ausênciade vínculos diretos era um dos traços que caracterizava amodalidade da relação social que se estabelecia entre aempresa e estes trabalhadores. Na verdade, tal situaçãosó se tornava possível pela existência de um mediador, oempreiteiro – categoria social cuja principal função erarecrutar, de modo informal e temporário, esta parcela da

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força de trabalho. Era também sua atribuição o desempe-nho de algumas funções diretamente relacionadas ao pro-cesso de trabalho, tais como distribuição, medição e fis-calização das atividades, bem como o pagamento dostrabalhadores por ele arregimentados.3

Do ponto de vista da gerência, a ausência de vínculosdiretos entre a empresa e os trabalhadores gerava umasituação de ambigüidade, por implicar uma série de van-tagens e desvantagens. Resultava em uma significativaredução nos custos de produção da cana-de-açúcar namedida em que, por um lado, a inexistência de contratosformais de trabalho, conseqüência da intermediação doempreiteiro, livrava a empresa de pagamento de encar-gos; por outro lado, parte considerável do controle doprocesso de trabalho ficando a cargo dos empreiteiros,reduzia-se, comparativamente à situação atual, o próprioquadro de supervisores do trabalho.

No entanto, tal padrão de relação social também im-plicava desvantagens operacionais na gestão da produ-ção, na medida em que era elevado o grau de dependên-cia da empresa em relação aos empreiteiros, assim comomantinha em patamares baixos o controle sobre o pro-cesso de trabalho e o planejamento da produção. O fatode ser atribuição do empreiteiro o pagamento dos traba-lhadores por ele recrutados freqüentemente resultava,segundo a gerência, na ocorrência de conflitos em fun-ção das diversas formas de exploração no âmbito do tra-balho, os quais terminavam por interromper o fluxo deprodução.

A partir dos primeiros anos da década de 90, a gerên-cia do departamento agrícola promove alterações no pa-drão de relações que mantinha com os empreiteiros e comos trabalhadores por eles recrutados. Tratou-se, de umlado, do aliciamento direto, pela própria empresa, da for-ça de trabalho não residente e, de outro, da vinculaçãoformal e permanente, mesmo que sazonal, de um tipo detrabalhador que iria se adequar às novas exigências pro-dutivas e comportamentais da empresa. Abordaremos,inicialmente, o primeiro destes movimentos.

O “fim do paradigma do empreiteiro”, para usarmosaqui uma expressão comum no discurso da gerência, deu-se a partir da criação do agenciador, personagem próxi-mo ao próprio empreiteiro, na medida em que a principalatribuição de ambos é o recrutamento de parte considerá-vel da mão-de-obra empregada na cana-de-açúcar, masque também guarda diferenças significativas em relaçãoàquele.

Um agenciador terá contrato de trabalho formal e per-manente, situação que o faz ser considerado como um“homem da empresa”, termo que expressa sua subordi-nação, mesmo sem ser um trabalhador ou um emprega-do,4 ao esquema de controle gerencial e, portanto, o dife-

rencia de um empreiteiro convencional. De fato, diferen-temente de um empreiteiro, que servia de forma descon-tínua a diversos proprietários, as atuais relações entre aempresa e seus agenciadores têm como pressuposto adetenção, por parte desta, de um monopólio permanentede sua capacidade de aliciamento de mão-de-obra.

Por outro lado, deixam de ser atribuições do agencia-dor as diversas funções exercidas pelo empreiteiro noâmbito do trabalho, tais como distribuição, medição, fis-calização das atividades, agora diretamente a cargo dossupervisores e técnicos da gerência que padronizam for-mas de organização e controle do processo de trabalho.Na medida em que o agenciador deixa de ser o responsá-vel pelo pagamento aos trabalhadores por ele aliciados,tem-se uma ruptura na cadeia de exploração do trabalho,que passa a também se constituir em monopólio da em-presa.

Um agenciador, além de receber um salário fixo emcarteira, é também comissionado pela empresa, tal comoo era o empreiteiro, com base na produção dos trabalha-dores por ele aliciados. A diferença reside no controle quea empresa detém desse pagamento extra. Se antes era con-siderado pela empresa como ilegítimo, porque tirado “porfora”, hoje é justamente o mecanismo que força os agen-ciadores a adotar o padrão de aliciamento que lhes é im-posto, isto é, a selecionar exclusivamente os trabalhado-res dotados de maior capacidade produtiva.

Note-se que todo este processo se dá mediante umadrástica redução do número de trabalhadores contratadospela empresa, a partir da exclusão daqueles que são con-siderados “fracos de serviço”, e a incorporação, de formaestável, daqueles tidos como “mais produtivos” – proce-dimento que terminou por impor rígidos limites ao nú-mero de trabalhadores aliciados por agenciadores queserão efetivamente aceitos pela empresa. Assim, na me-dida em que um agenciador tem o número de trabalhado-res de suas turmas reduzido, ele se vê forçado a contra-balançar a perda de seus rendimentos que daí decorre,optando por arregimentar apenas os “melhores” trabalha-dores de sua região.

A maior ou menor qualidade e intensidade de trabalhoda mão-de-obra arregimentada por um agenciador fazdeste, no sistema de classificação da empresa, um “óti-mo” ou um “péssimo” agenciador. Tal classificação nãoé sem importância, pois é a partir dela que, nos momen-tos de “aperto”, a empresa decidirá qual agenciador ex-cluir, e é com base nela que, em momentos em que secoloca a necessidade de incorporar novos trabalhadores,a empresa vai lançar mão deste ou daquele agenciadorpara buscar novos braços para o trabalho na cana. Insti-tui-se, assim, uma situação de permanente competição peloaliciamento de uma mão-de-obra que se mostre, ao mes-

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constitui-se em um elemento central na ordenação dasrelações sociais atualmente vigentes.

O padrão de uso da força de trabalho no setor cana-vieiro foi, nas décadas de 70 e 80, marcado por uma in-tensa circulação dessa mão-de-obra entre as grandes pro-priedades e pelo baixíssimo grau de formalidade presentenas contratações. No entanto, diversos estudos chamam aatenção para o fato de que esta situação de trabalho quepassou a vigorar entre os trabalhadores que deixaram deresidir nas propriedades é por estes percebida, muitasvezes, como uma situação de “liberdade”, no sentido deque perdem sua condição de imobilidade e de subordina-ção a um proprietário em particular, podendo potencial-mente passar a vender sua força de trabalho a qualquerum. Em outros termos, a experiência social de sujeiçãoteria ocasionado uma situação em que muitos trabalha-dores vêem com reservas seu fichamento em uma dadaempresa, fazendo de sua intensa circulação entre diver-sas propriedades uma estratégia que lhes possibilitava“livrar-se” da obrigatoriedade de aceitar as imposiçõespatronais, bem como, nos períodos de maior demanda deforça de trabalho, barganhar um preço mais remunerati-vo por seu trabalho (Sigaud, 1979:205-17; Novaes,1993:170-85; e Paixão, 1994:237-42).

A iniciativa da empresa de contratar de forma regularo conjunto de trabalhadores rurais por ela empregadosrevela uma redefinição completa deste quadro de relaçõessociais, e é situada pela gerência como parte de uma es-tratégia perseguida nos últimos anos de minimizar custosde produção de modo a criar condições para disputar es-paços no mercado setorial de seus produtos. Tal estraté-gia estaria orientada para uma “redução gradativa” docontingente de trabalhadores, a partir, mas não só, da in-tensificação da exploração do trabalho.5

Os efeitos dessa política são reiteradamente apresen-tados no discurso gerencial através de números que di-mensionam o contingente de trabalhadores já eliminados.Com efeito, segundo diferentes narrativas, se no final dadécada de 80 a empresa empregava, nos períodos de sa-fra, cerca de 6.000 trabalhadores, a partir do chamado“enxugamento da folha” este número foi reduzido paracerca de 2.800. É evidente que a incorporação de equipa-mentos tecnológicos à base de produção foi importanteneste processo. No entanto, não é este o fator ressaltadonas narrativas da gerência, e sim a introdução de formasconsideradas racionais de “maximizar o trabalho”, cujospontos centrais teriam sido, por um lado, a implementa-ção, no decorrer dos últimos anos, de uma rigorosa polí-tica de seleção, através da qual somente seriam incorpo-rados à empresa trabalhadores dotados de um certo perfilprodutivo; e, por outro, de uma não menos rigorosa “po-lítica educativa”, destinada à formação de um “novo tra-

mo tempo, mais produtiva e mais disciplinada, reforçan-do a estratégia da gerência de produzir e reproduzir, naslavouras e nas fazendas, um novo trabalhador da cana-de-açúcar.

OS TRABALHADORES EO PROCESSO DE TRABALHO

A força de trabalho rural encontra-se hoje oficialmen-te segmentada em três grandes grupos de trabalhadores:os moradores fixos, os moradores de colônia e os mora-dores safristas. Para caracterizá-los da maneira mais sim-ples, dir-se-á que são hoje denominados moradores fixosos trabalhadores que residem no interior das proprieda-des da empresa, em casas situadas nas fazendas, com con-trato permanente de trabalho. Moradores de colônia sãotrabalhadores que residem nos aglomerados urbanos daregião ou, mais precisamente, em suas periferias, e quetambém possuem contratos permanentes de trabalho. Fi-nalmente, a denominação moradores safristas é aplicadaàqueles que residem fora da região canavieira, notadamen-te no sertão nordestino, o que explica o uso corrente dotermo sertanejo para designá-los, e que são empregadosapenas no período de safra, quando são alojados nos gal-pões no interior das fazendas.

Antes de passarmos a indicações de como cada umdestes segmentos é inserido no processo de trabalho, con-vém verificar o significado de uma designação comumenteatribuída a eles: a de morador. Isso porque o uso do ter-mo morador, tal qual aparece nos documentos oficiais daempresa e, em grande medida, na comunicação cotidianaentre quadros da gerência e dos próprios trabalhadores,apresenta um sentido marcadamente diverso daquele quelhe é atribuído socialmente. Conforme assinalamos, acategoria morador é usualmente utilizada para designarum segmento específico de trabalhadores da cana, maisprecisamente o daqueles que residem de forma permanenteno interior das grandes propriedades, quer possuam ounão contrato regular de trabalho.

No sistema de classificação vigente na empresa, o termomorador apresenta uma orientação diversa, já que referidaà regulamentação básica da relação de trabalho, isto é, daassinatura da carteira de trabalho, conforme expressamafirmações do tipo: “A gente chama de morador porqueeles são cadastrados, fichados, registrados”. Ou ainda:“Paraa usina, todos eles são moradores. Existe uma coisa bemcostumeira aqui na usina nossa, de a gente chamar demorador todo aquele pessoal que tem a carteirazinharegistrada”. Esta alteração produzida pela empresa nadesignação dos diferentes segmentos de trabalhadoresrurais, longe de ser meramente semântica, aponta para umasituação em que a contratação formal da força de trabalho

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balhador da cana”, o que efetivamente teria lugar a partirda introdução de múltiplos aparatos de controle e disci-plina da mão-de-obra empregada.

Importa ressaltar que, segundo a gerência, foi somen-te a partir do “enxugamento” decorrente do alcance des-tas políticas que a empresa “partiu para o fichamento” doconjunto da força de trabalho empregada. Sob este pris-ma, a contratação seria um mecanismo possivelmentecapaz de garantir que aqueles trabalhadores que eram ti-dos como os “melhores da região” perdessem a “liberda-de” de se movimentar, como no passado recente, entre asdiversas empresas e propriedades. Em outras palavras, otermo morador passa a se referir não apenas a uma mão-de-obra fichada, mas a uma mão-de-obra que seria, aomesmo tempo, não desprovida de alguma qualificação, eportanto menos substituível, e dotada de um padrão decomportamento rigidamente controlado pela empresa.

Um outro ponto importante, por dizer respeito aos di-versos segmentos de moradores, refere-se ao drástico re-cuo promovido pela empresa, no decorrer dos últimosanos, no emprego de mulheres no trabalho na cana-de-açúcar, revelando que os efeitos da reestruturação produ-tiva, ao menos no caso aqui analisado, são extremamentediferenciados quando se considera a mão-de-obra mas-culina e feminina.

Se, no passado, a inserção das mulheres no trabalhoagrícola ocorria, segundo diversas narrativas, nas maisdistintas etapas do processo produtivo da cana, a situa-ção vigente hoje é exatamente oposta. A radical exclusãodas mulheres do trabalho na cana-de-açúcar se dá em ra-zão de uma lógica complexa, que articula componentesfundados tanto em uma “ideologia de gênero” (Abreu eSorj, 1985), como em uma certa ideologia administrati-va, a qual imediatamente associa a contratação do traba-lho feminino a encargos sociais. No discurso gerencial,as mulheres teriam sido excluídas de diversas etapas doprocesso produtivo em função de um nível de produtivi-dade tido como comparativamente inferior ao trabalhomasculino.6

Esta lógica produtivista – que atinge outros segmen-tos de trabalhadores além daqueles que não se encontramno auge de sua força física, como é o caso dos idosos – seassocia a uma ênfase nos papéis de esposa e de mãe, nasfunções reprodutivas das mulheres. Isto irá reforçar, se-gundo as narrativas da gerência, sua exclusão do proces-so de trabalho, não como supostas competências dogênero feminino em torno de uma maior ou menor pro-dutividade no trabalho, mas como uma estratégia admi-nistrativa de livrar a empresa dos encargos sociais cor-respondentes à procriação. Em outras palavras, mulherescasadas encontram-se hoje sumariamente excluídas doacesso ao trabalho rural na empresa.

Com efeito, do conjunto de atividades que compõemo processo produtivo da cana-de-açúcar, a adubação ma-nual constitui-se na única tarefa em que a empresa admi-te a incorporação do trabalho feminino.

No entanto, se no passado a adubação manual era rea-lizada por trabalhadores de ambos os sexos, hoje é umaatividade exclusivamente reservada às mulheres. E aquié interessante observar que é justamente a “ideologia degênero” que irá informar a opção gerencial de excluir oshomens dessa atividade, reservando-a integralmente àmão-de-obra feminina. Isso porque, na lógica gerencial,o trabalho feminino apresenta na adubação manual índi-ces de produtividade consideravelmente superiores aos dotrabalho masculino.7

De forma similar às situações relativas às mulheres,pode-se dizer que cada segmento de trabalhador será in-serido no processo de trabalho não aleatoriamente, massegundo uma lógica precisa, cujo elemento central serádado pelo grau de controle que a empresa potencialmen-te detém sobre cada um. Quanto a isso, é possível afirmarque, na maior parte dos casos, os espaços em que estestrabalhadores residem, isto é, dentro ou fora da empresa,continuarão sendo um elemento central na efetivação dessecontrole. Chama a atenção a conformação de uma ideo-logia, objetivamente expressa através da chamada “ques-tão cultural”, que recobrirá práticas de inserções diferen-ciadas no processo de trabalho.

Ainda que em um passado recente a empresa tenhainduzido uma drástica redução do número de trabalhado-res que residem de forma permanente no interior de suaspropriedades, hoje chamados de moradores fixos, as in-formações disponíveis revelam que nos últimos anos ocontingente formado por estes trabalhadores permaneceuestável, expressando a existência de um conjunto de van-tagens que este segmento oferece à empresa, especialmen-te quando comparado aos demais. De fato, os moradoresfixos são sempre representados pela gerência como ostrabalhadores que apresentariam os índices mais baixosde rotatividade, ou, como ali se diz, “o pessoal com maistempo na empresa”. Tal situação confere a este trabalha-dor uma qualificação para o desempenho de determina-das atividades que demandariam um elevado grau de ex-periência e, sobretudo, de confiabilidade, tais como o cortede cana destinada ao plantio, isto é, o corte de cana se-mente, ou mesmo a queima de cana.8

Por outro lado, manter trabalhadores residindo perma-nentemente no interior da empresa assegurará a submis-são destes para realizar atividades que lhes são impostas,enquanto uma condição, dentre outras, para sua perma-nência em uma casa na fazenda. Conforme expressa umdos técnicos, “esse cara está aqui prá tudo. Ele arrancacapim, ele arranca toco, carrega e descarrega carro de

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adubo, ele corta cana semente, vai dar um apoio ao pes-soal de topografia... Na hora que você quiser, prá ondevocê quiser, pro serviço que você quiser”.

No entanto, é consideravelmente limitado o alcance docontrole gerencial sobre os moradores de colônia, pelofato de estes residirem fora das propriedades da empresa.E é justamente pela impossibilidade de se efetivar estecontrole na mesma amplitude com que se subordina osmoradores fixos e, como se verá, os sertanejos, que osmoradores de colônia são inseridos na hierarquia de tra-balho ali vigente não como os “melhores” trabalhadoresda região, situação que informa a decisão da gerência decontratá-los permanentemente, mas como os “piores” daempresa, conforme sintetiza um administrador: “A piorcoisa que tem aqui é colônia. Você não tem um controleefetivo, moram distante. Quando cisma não vem traba-lhar, quer voltar cedo prá casa, e tal e tal...”

É com base nesta classificação que os moradores decolônia entram no processo de trabalho, sendo a eles re-servado um conjunto de atividades indiferenciadas, istoé, que são social e economicamente pouco valorizadas,ou, nas palavras da gerência, que demandam um “pessoalde pouca qualidade, um pessoal de pouca produtividade”.É interessante notar que esta situação ganha uma legiti-mação ideológica que, não raro, atribui a origem do seunão enquadramento pleno ao esquema disciplinar da em-presa a uma “questão cultural”. De fato, estes trabalha-dores são reiteradamente representados pela gerênciacomo “pessoas das cidades” e, portanto, “menos rústicas”e “menos identificadas com a atividade rural”, ou aindacomo nativos de uma “região litorânea, de praia, muitopescador, cultura de coco” e, portanto, “mais preguiço-sos” e “menos adaptados ao trabalho na cana”.

Situação oposta ocorrerá com os pequenos agriculto-res aliciados no sertão para trabalharem nos períodos desafra, quando permanecem alojados em galpões no inte-rior das fazendas. A natureza do contrato de trabalho fir-mado com estes trabalhadores é distinta da dos demais,já que se restringe ao período de safra. Este tipo de con-trato, ao mesmo tempo em que assegura uma série devantagens à empresa, já que a isenta do pagamento deencargos por ocasião de sua rescisão, possui um efeitolimitado sobre a estratégia da empresa de assegurar a con-tratação dos trabalhadores tidos como mais produtivos emais disciplinados. Isso porque, por se tratar de um con-trato que formalmente se encerra a cada fim de safra, nãosão dadas as garantias de sua renovação anual. E aquientram em curso uma série de procedimentos com vistasa predispor anualmente estes trabalhadores a se reempre-garem na empresa, onde se destaca a posição em que sãoinseridos no processo de trabalho, a saber: no corte decana. Esta é seguramente a atividade que melhor remu-

nera e que, apesar de ser penosa, a quase totalidade dostrabalhadores da empresa quer realizar.

No entanto, esta inserção será reiteradamente legiti-mada não como um dispositivo de atração deste trabalha-dores, nem tampouco pelo efetivo controle disciplinarexercido sobre uma parcela de trabalhadores alocada, ain-da que de forma temporária, no interior de suas proprie-dades, mas pela imagem atribuída pela gerência a estestrabalhadores, que emerge de sua própria condição deagricultores. Assim, por estarem “habituados” a “mane-jar a roça”, “a esse tipo de trabalho no campo”, “à tempe-ratura do campo, ao sol e à chuva”, os sertanejos são con-sensualmente considerados como os “melhores cortadoresde cana”.

É interessante observar que, tal qual na profecia quese auto-realiza, serão dadas a estes trabalhadores as con-dições mais propícias para obterem os melhores índicesde produtividade, como expressa um dos técnicos de mão-de-obra: “Prá esses sertanejos eu procuro a melhor cana,uma cana em pé, uma cana que não tomba, a cana meiodeitada já dificulta para o trabalhador. Prá esses eu douuma cana que não seja em encosta (...).Dou uma cana nova,que queima hoje, que não seja resto de cana, sobra de canade ontem prá hoje. Se for o caso, pago um preço melhorpro pessoal, dou o melhor transporte que tiver”.

Dessa forma, não se espera de um morador safrista a“confiança” que o qualifique a realizar certas atividadesou mesmo que aceite realizar qualquer serviço, como ocaso é, no limite, de um morador fixo; ou que ele mais oumenos se “desenvolva” em uma ou outra atividade em queocasionalmente é “aproveitado”, como são caracterizadosos moradores de colônia. Basta aos moradores safristas,antes de mais nada, que cumpram o status que previamentelhes é atribuído pela empresa: apresentar, comparativa-mente aos demais segmentos de trabalhadores, a melhorperformance no corte de cana.

Uma vez indicadas algumas das regras que estipulamo lugar reservado no processo de trabalho a cada traba-lhador incorporado ao setor agrícola da empresa, vere-mos como se dão as relações de controle.

AS RELAÇÕES DE CONTROLEINTRA E EXTRA PROCESSO DE TRABALHO

Entre as alterações promovidas pela empresa no setoragrícola, ganham ênfase aquelas que visam ampliar seucontrole sobre a produção, o trabalho e os trabalhadores.Procuramos anteriormente demonstrar como isso viriasendo feito mediante mudanças na estrutura gerencial decontrole do trabalho, bem como a partir de alterações nasformas como a empresa passa a vincular, e também a in-serir no processo de produção, a força de trabalho que se

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adapta ao padrão disciplinar exigido. Procuraremos indi-car aqui os diferentes mecanismos gerenciais de controleque são acionados visando a obtenção deste padrão disci-plinar. Aproximando-nos de uma formulação geral deBurawoy (1990) de que, embora cada período gere suaforma prototípica de controle, todas coexistirão contem-poraneamente, pode-se afirmar que, dentro do sistema dedominação atualmente vigente na empresa estudada, nãohouve dificuldade de incorporar práticas de controle her-dadas de situações passadas. E, aqui, certamente, se des-taca uma estratégia de dominação da força de trabalhoque não se limita à esfera do trabalho, mas que irá subor-dinar a própria reprodução social dos trabalhadores, es-pecialmente daquela parcela que é alocada, de forma per-manente ou temporária, no interior de suas propriedades– reatualizando mecanismos clássicos de dominação, co-muns ao “sistema de morada” e às “fábricas com vilaoperária”.

Partimos da concepção, revelada pelos estudos recen-tes sobre processo de trabalho,9 de que as práticas de con-trole gerencial não podem ser tomadas apenas como pro-duto de uma intenção deliberada e absoluta da empresa,de forma a serem passivamente sofridas pelos trabalha-dores. Trata-se, ao contrário, de uma relação de poder quenão pode ser pensada sem que se considere as reações dostrabalhadores, o que envolve tanto consensos como re-sistências.

A ausência de conflitos de classe abertos entre traba-lhadores da cana no Estado de Alagoas não significa ainexistência de lutas cotidianas nos ambientes de traba-lho e mesmo fora deles. A despeito de suas proporções,tais lutas nos permitem tomar cada trabalhador como umagente que irá seguidamente interagir com as estratégiasde controle que a gerência tenciona pôr em prática. As-sim, canaviais e fazendas tornam-se cenários em que tra-balhadores, não importando o segmento em que são en-quadrados pela empresa, se posicionam como atores depequenas e cotidianas lutas individualmente travadas con-tra aspectos múltiplos da dominação gerencial, confor-mando aquilo que Leite Lopes (1988:81), atento às pe-quenas ações e detalhes que envolvem a não aceitaçãopor parte dos trabalhadores do despotismo patronal, de-nomina de “microfísica da resistência”.

No âmbito do processo de trabalho, a estratégia geren-cial para obter dos trabalhadores o padrão disciplinar de-sejado estrutura-se a partir de diferentes mecanismos,basicamente orientados com vistas a elevar a quantidadee a qualidade da produção de seus trabalhadores, comespecial atenção à sua assiduidade ao trabalho. Tendo porreferência distinções que se tornaram clássicas na teoriado controle do processo de trabalho, podemos distinguirduas direções básicas em que a gerência da empresa tem

se movimentado na busca de ampliar o uso do potencialde trabalho de seus trabalhadores do campo.

A primeira delas está assentada naquilo que certos teó-ricos do processo de trabalho denominam de “geração deconsentimento” (Burawoy apud Ramalho, 1991 e Castroe Guimarães, 1991). Trata-se da criação de um conjuntode mecanismos que incentivam a força de trabalho a ado-tar voluntariamente um padrão de comportamento dese-jável por parte da gerência. Merece aqui destaque a re-cente implantação de um sistema de premiações atravésdo qual se concede periodicamente incentivos materiaise simbólicos aos trabalhadores que apresentarem os índi-ces mais elevados de produtividade e de assiduidade. Osprêmios vão desde cestas básicas semanais até televiso-res e aparelhos de som anuais. Anualmente eles são reno-vados, assim como os patamares mínimos de produção eassiduidade, refletindo uma crescente intensificação daprodutividade do trabalho e da própria competição entreos trabalhadores. A distinção simbólica de alguns premia-dos, os chamados “10 mais”, com o título de “machão”eo diploma “Valeu machão”, irá reafirmar diferenças en-tre os trabalhadores a partir da valorização da virilidade eda força física despendida no trabalho.

Se é inegável que a distinção através de premiaçõessuscitará nos premiados sentimentos de gratidão e suaaceitação se desdobrará em compromissos futuros emrelação a quem os concede, e se é também certo que aintrodução do sistema de premiações na empresa tem comoobjetivo estratégico harmonizar o interesse dos trabalha-dores às metas produtivistas da empresa, não se pode dei-xar de considerar que estas mesmas premiações irão ali-mentar nos trabalhadores a expectativa de direitos e dereconhecimento. Uma observação atenta do comportamen-to dos trabalhadores no dia de pagamento não deixa dú-vidas a respeito, já que não são poucos os que reclamarãocontra a ausência no contracheque das bonificações a quejulgam ter direito. Também se pode observar que muitostrabalhadores levam para o trabalho seus contrachequesno bolso, aguardando a chegada dos técnicos de mão-de-obra para se queixarem do não recebimento das premia-ções, ocasiões em que são recorrentes os protestos cujareprodução aqui nos permite dimensionar a dramaticidadeque perpassa as buscas de premiação: “Nessa safra eu nãovi esse prêmio nem uma vez. Não dá para trabalhar assimnão”.Ou: “Botaram só o nome, né? Valeu machão. Ago-ra, é esse prêmio que não está vindo...”. Ou ainda: “Nósestamos sem chance de prêmio aqui nessa moagem... Esseprêmio só matou foi a gente, ... porque um carro, que éfeito de ferro, quebra, quanto mais carne e osso”.

Uma segunda direção seguida pela gerência, que po-deria ser situada como o contraponto da primeira, consis-tiria em práticas de controle coercitivo, através das quais

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a gerência não pouparia esforços no sentido de acionarsanções negativas (tais como multas, suspensões e amea-ças de demissão) e de dar visibilidade à persistência deseu papel autoritário de pressão sobre os trabalhadores.

Mesmo que práticas coercitivas também incidam so-bre o controle da produtividade e da assiduidade, é segu-ramente no disciplinamento da qualidade do trabalho queestas irão se mostrar mais implacáveis. Com efeito, a in-trodução de novos equipamentos tecnológicos no processode produção agrícola afeta práticas tradicionais de traba-lho, exigindo, por exemplo, novos tempos e movimentosdos trabalhadores, sob o risco de comprometer a eficiên-cia produtiva destes insumos. Por outro lado, em nomede uma maior racionalidade do trabalho, a nova gerênciado departamento agrícola vem estabelecendo programasde avaliação sistemática do desempenho de homens e má-quinas no processo produtivo. Se antes estas avaliaçõestinham um caráter marcadamente pessoal, o crescenteaproveitamento da informática no âmbito da regulação dotrabalho fornece agora minuciosas evidências quantitati-vas para a gerência transformar práticas de trabalho quedoravante serão consideradas como “tradicionais”.

Exemplo é a atividade de corte de cana, que passou aenvolver uma seqüência de movimentos muito além da-quela diretamente relacionada ao “cortar a cana”. Trata-se, por um lado, da obrigatoriedade do trabalhador de efe-tuar o corte segundo padrões rigidamente determinados,tais como “toco baixo” (isto é, o corte deve ser extrema-mente rente ao solo) e “ponteira bem tirada” (a extremi-dade superior da cana deve também ser cortada, e em umlugar exato, que evite tanto a incorporação da palha con-tida na ponteira como a perda de matéria-prima). Apósestes movimentos, a cana já cortada deve ser lançada auma distância padrão, de modo a formar esteiras (fileirasde cana já cortada) ao mesmo tempo “limpas”, isto é, semcanas à sua volta (já que estas poderiam eventualmenteescapar aos guinchos das máquinas carregadeiras); “bemespaçadas”, isto é, eqüidistantes umas das outras (paraevitar alterações de manobras nestas máquinas); e com“palha bem afastada”, isto é, sem palhas sobre a cana cor-tada ou próximas a ela (para evitar que sejam recolhidasjunto com a cana). Tais exigências resultam não só emum aumento do desgaste físico do trabalhador como emuma interferência nos exercícios que conformariam umdado conhecimento e uma dada habilidade para realizar aoperação ou, em outras palavras, em perdas no controledo trabalhador sobre o processo de trabalho.

Assim, foi somente após um recente levantamento es-tatístico que a gerência passou a exigir que os sertanejossubstituíssem no corte de cana a foice – instrumento detrabalho que a própria condição de agricultores de boaparte daqueles que migram do sertão permite uma maior

habilidade no seu manejo – pela facoa, já que seu uso,por permitir supostamente um corte mais rente ao solo,reduziria perdas de matéria-prima.

Muitas das alterações impostas pela gerência nas prá-ticas de trabalho, além de ocasionarem uma redução docontrole dos trabalhadores sobre o processo de trabalho,resultam também em perdas salariais, já que aumentam ograu de esforço e o tempo necessário para execução deuma dada operação, diminuindo o volume da produçãodiária de um trabalhador. Este é um dos elementos quemostra, seguramente, a não aceitação por parte dos traba-lhadores de muitas das regras que passam a informar acrescente racionalização do trabalho pretendida pela ge-rência – situação que conduzirá à emergência de uma sé-rie de conflitos em torno da disciplina no trabalho.

Cotidianamente, estas resistências dos trabalhadores àgerência assumem a forma dos chamados “dribles”, pro-cedimentos que visam burlar, sempre por meio de umexercício físico imperceptível e criativo, o controle doscabos e apontadores em torno das exigências do processoprodutivo. Considerando-se que estas chefias são recru-tadas da massa de trabalhadores e, portanto, têm conhe-cimento destas práticas, uma ação de “drible” para se efe-tivar, e não resultar, pois, em penalizações, pressupõe, porparte do trabalhador, sabedoria e experiência adquiridasno trabalho na cana.

Os chamados “dribles” não se limitam às regras im-postas ao processo de trabalho, mas estendem-se às cha-madas “normas” que, nas fazendas, visam disciplinaroutros aspectos da vida dos trabalhadores, além daquelasdiretamente relacionados ao trabalho. Proibições quantoà criação de certos animais nos quintais das casas (“Aquisó pode mesmo galinha, pato, guiné, só aves. Porco e ca-chorro não é mais liberado não”), prática de jogos (“Jogonão têm. Não pode jogar aqui. Os que gostam brincam defutebol”), uso de bebida alcoólica (“Bebida, antigamenteeles não se incomodavam muito não. Hoje as normas nãopermitem”), consumo tido como excessivo de energia elé-trica (“Não deixa lâmpada alta. Só autoriza até 60 [watts];100 [watts], se souber, manda arrancar”) são exemplosda disciplinarização imposta pela empresa àqueles queresidem em suas fazendas. Tais proibições, sistemática esilenciosamente dribladas, terminarão por relativizar opróprio caráter despótico e implacável que aparentemen-te reveste o controle gerencial.

Esta micropolítica presente na prática individual dos“dribles” contrasta com as estratégias de resistência co-letivamente construídas, muitas das quais passam a ad-quirir as proporções de uma ou mais turmas de trabalha-dores. Com efeito, para uma mão-de-obra segmentadapolítica, econômica e espacialmente, as turmas, por reu-nirem trabalhadores oriundos de uma mesma localidade

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e, muitas vezes, de uma mesma família, parecem adquirirum espaço de sociabilidade que permite emergir uma certavitalidade política. Não é, pois, casual que as sucessivastentativas da gerência de constituir turmas com base naprodutividade de cada trabalhador – sedimentando aschamadas turmas de elite e, conseqüentemente, quebran-do os laços de vizinhança e parentesco entre aqueles queconformam uma turma de trabalho – encontram fortesresistências por parte dos trabalhadores, resultando, se-gundo a própria gerência, em repetidos fracassos.

São exatamente estas turmas que tornarão explícitosos conflitos entre trabalhadores e gerência quando, resis-tindo às seguidas tentativas de intensificação da explora-ção do trabalho, decidem não “pegar no serviço” ou “pa-rar” de trabalhar, conformando o que é localmentedenominado de “paradeiro”. Ainda que estejam semprerelacionados imediatamente ao valor das remuneração,pode-se afirmar que estes movimentos forçam a gerênciaa negociar questões que extrapolam os marcos propria-mente salariais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo que nosso objetivo não seja realizar um diag-nóstico das mudanças em curso na organização do traba-lho no setor canavieiro, mas tão-somente compreendercomo a “tendência a mudanças” apontada pela literaturase manifesta em um caso particular, podemos, a partir daempresa analisada, tecer algumas considerações acerca depossíveis implicações deste processo de redefinição dasrelações sociais no setor.

Ressalte-se a possibilidade de estar em curso um pro-cesso de reestruturação do mercado de trabalho setorial,ocasionado pela demanda por parte das empresas “trans-formadas” de uma força de trabalho rural mais qualifica-da e estável, a qual possivelmente seria também mais bemremunerada. Não estamos, com isso, procurando expres-sar uma visão otimista do progresso técnico. Ao contrá-rio, os diferentes mecanismos de controle adotados pelaempresa aqui estudada, seja de geração de consentimen-to ou de natureza coercitiva, parecem convergir para umaintensificação do ritmo de trabalho e para exigências cres-centes em torno de sua qualidade.

Por outro lado, não se pode deixar de considerar queos efeitos do processo de reestruturação produtiva não selimitam à maior ou menor qualidade do emprego, mastrazem também implicações à sua quantidade. Nesse sen-tido, a incorporação de equipamentos tecnológicos aoprocesso produtivo, aliada à racionalização da organiza-ção do trabalho, parece engendrar, como assinalamos, umasituação de desemprego crescente no setor, que não mos-tra sinais de reversão.

Dessa forma, o processo de reestruturação em cursono setor vem seguramente imprimindo novos contornosao cenário por onde circulam estes trabalhadores, trazen-do também novos desafios à sua capacidade de expressãopolítica. Servem de exemplos: a possibilidade de gesta-ção de um “novo” trabalhador da cana, cujas demandaspodem não coincidir com as tradicionais, marcadamenteem torno do que se convencionou chamar de “cumpri-mento dos direitos”; a emergência de um novo segmentode trabalhadores, os chamados “operadores de máquinas”,de importância crescente na condução do processo pro-dutivo; o peso decorrente dos benefícios extra-salariaisnos sistemas de remuneração, que terminam por inibirreivindicações e harmonizar os interesses dos trabalha-dores aos da empresa; a fragilidade individual ou coleti-va decorrente do desemprego ou de sua ameaça; e a pró-pria existência de empresas “transformadas” convivendolado a lado com aquelas consideradas tradicionais.

Seriam estes alguns dos elementos que, entre outros,deveriam ser lançados ao debate mais geral sobre alter-nativas de ação política para trabalhadores. Se, ao longoda década de 80, em diversas regiões, estes demonstra-ram capacidade de se firmar como atores políticos e dequestionar, através de sucessivas lutas, o estilo de desen-volvimento da agroindústria canavieira, neste contexto deincertezas vêm demonstrando vulnerabilidades crescen-tes em face de novas estratégias gerenciais de controledo trabalho.

NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Caxambu, out. 1996.Agradecemos a Leonilde Sérvolo Medeiros pela disponibilidade e interesse emdiscutir o presente trabalho.

1. A referida pesquisa foi desenvolvida pelo autor para dissertação de mestradoe apoiada pela dotação de recursos Ford/Anpocs para Pesquisas em CiênciasSociais.

2. Sem condições de estender este assunto, convém registrar que a biografia doproprietário é amplamente marcada por diversos mitos em torno de sua persona-lidade carismática, os quais transcendem os relatos orais e ganham registros naliteratura regional.

3. Este isolamento da gerência com relação ao processo de trabalho é ressaltadopela literatura especializada como um dos elementos que caracterizaria o padrãode relações sociais que emerge após a liquidação do sistema de morada. Nessesentido, é pertinente reproduzir aqui, inclusive por dizer respeito à região cana-vieira sul alagoana, o contraste apontado por Herédia (1988:199) entre a situa-ção passada, isto é, relativa à plantation tradicional, e aquela vigente na ocasiãoem que a autora realiza a pesquisa (final da década de 1970): “No engenho, ocabo era um empregado do senhor. Hoje, ele é, na realidade, um empregado doempreiteiro. Todo um conjunto de atividades correspondentes ao que poderiaser denominado como ‘gerência do trabalho’ saiu do controle do senhor de en-genho para as mãos de um intermediário que não mantém necessariamente rela-ções diretas ou pemanentes com o proprietário. Tais atividades, que incluem desdea determinação da área a ser trabalhada, o apontamento (registro da produçãorealizada pelo trabalhador), o acerto de contas, o gerenciamento de várias tur-mas até a propriedade da venda, são organizadas por uma figura que não se iden-tifica com a propriedade e, portanto, que se diferencia substancial e qualitativa-mente do antigo empregado do engenho” (grifos da autora).

4. O uso da categoria “empregado” restringe-se aos administradores, cabos eapontadores.

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5. Esta estratégia é resumida de maneira bastante expressiva por um dos geren-tes do departamento agrícola: “Pensar em reduzir o pessoal é o pensamento detodo dia, na tentativa de sobreviver. Porque daqui para frente só sobrevive nestesetor em cima de custo. Você reduziu uma pessoa, você reduziu uma série decoisas: casa, médico, alimentação, encargos sociais. Hoje, a grande guerra, agrande briga é reduzir custos. Isso hoje significa tudo: maximizar o trabalho eminimizar custos.”

6. Tal situação é expressa em narrativas do tipo: “Aqui existe uma prioridadepara o homem, que é o trabalhador rural mesmo, braçal. E as mulheres geral-mente são mais fracas, ficam em casa, tomam conta da casa, cuidam dos filhos...”.Ou: “Aqui a mulher realmente não funciona, porque nós estamos precisando degente no campo de saúde, gente de força”.

7. Reproduzimos aqui uma narrativa de um dos técnicos de mão-de-obra que, aocomentar a pouca adaptabilidade dos homens à adubação manual, ilustra de for-ma adequada a lógica gerencial de reservar esta atividade às mulheres, associan-do a produtividade a comportamentos tradicionalmente identificados com o sexofeminino, tais como habilidade, atenção e destreza manual: “Nós aproveitamosas mulheres só para adubação manual. A gente prefere as mulheres para esseserviço porque a mulher geralmente é mais rápida, tem uma habilidade maiorque o homem. O homem se pegar um saco de adubo para adubar, de tarde eleestá todo quebrado, por causa do movimento de se abaixar. É questão de jeito,de qualidade do serviço. A mulher pega no adubo já sabendo a quantidade quevai jogar no pé da cana. Tem mais atenção, não desperdiça o calcário. Hoje, sóusa mulher para adubação manual”.

8. Reproduzimos, a seguir, duas narrativas de técnicos de mão-de-obra que ex-pressam o que estamos querendo aqui assinalar: “O corte de semente é uma dascoisas mais importantes que tem. Você tem que cortar a semente, não pode ar-rancar a gema, não pode deixar muita palha, tem que esterilizar a facoa. Temque ser um cara bem treinado, de confiança. Aí entra o pessoal fixo, os trabalha-dores tudo de classe ‘A’”; “Queima é um serviço muito melindroso, que requermuita atenção, tem que ser um pessoal mais afinado, um pessoal com muitosanos de campo, muitos anos nessa área. Tem que saber olhar a posição do ventopara não incendiar o talhão ao lado. Em função de uma besteira que se faça,pode incendiar meio mundo de cana aí...”

9. Tomamos como base as recentes revisões críticas aos estudos sociológicos dotrabalho elaboradas por Castro e Guimarães (1991); Ramalho (1991); Castro(1994); Leite e Silva (1994); Abramo e Montero (1995).

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A METÁFORA DA FAMÍLIAintegração organizacional na Amway

iante de mais de duas mil pessoas, um homemfala em tom profético sobre os novos tempos quevirão. A platéia, trajando ternos e vestidos lon-

gos, ouve atentamente suas palavras; alguns tomam nota,outros sussurram repetindo o que ele diz. Seu discurso éuma mensagem de fé e esperança que faz brilhar os olhosdos espectadores. Duas mil pessoas em silêncio se dão asmãos para rezar, pedindo amparo a Deus em seu árduocaminho em direção a um mundo melhor. O homem quediscursa tem apenas uma palavra para descrever a cena:“Isto é maravilhoso!”. Uma mulher é chamada a subir nopalco coberto por névoa seca e iluminado por canhões deluz. Ela toca no violão uma música que fala de amor, deamizade e da importância de se ajudar o próximo. As pes-soas se cumprimentam e se abraçam. De repente, surgenos alto-falantes uma música agitada, as pessoas pulam,dançam, agitam balões e bandeirinhas; o ginásio se tornaum local ensurdecedor. Esse evento se estende por cercade cinco horas, é repetido uma vez por mês, mas seu temaé sempre o mesmo: “Qual o tamanho do seu sonho? Elepode tornar-se realidade, basta você querer!”

Não se trata de um encontro religioso e sim de umareunião de negócios dos distribuidores de uma das maio-res empresas de capital privado do mundo, a AmwayCorporation.1 Uma maneira exótica de se discutir negó-cios? Talvez sim. Ocorre que eventos como esse têm atraí-do, no Brasil, cada vez mais pessoas de um público muitopeculiar: empresários, comerciantes, médicos, dentistas,engenheiros, donas-de-casa, professores e estudantes uni-versitários.2 Organizadas em uma rede que se assemelhaa uma árvore genealógica, essas pessoas cumprirão fun-ções que não exigirão delas os conhecimentos técnicospropiciados por sua formação profissional: sua tarefa con-

D sistirá em consumir produtos, atrair novos membros eincentivá-los a consumir produtos da rede e a expandi-la.

Porém, mais do que seu caráter “cultista”, são os me-canismos de integração organizacional da empresa quemerecem ser destacados. Este artigo analisa, a partir docaso da Amway do Brasil, um modelo de gestão do traba-lho fundado em princípios antagônicos à lógica burocrá-tica típica das grandes empresas, nas quais a racionalida-de econômica é, em boa parte, substituída por princípiosde integração organizacional determinados por uma “ló-gica social”. Procura-se mostrar que a empresa não só seutiliza, para fins pecuniários, das redes de relações so-ciais de seus trabalhadores – criando, simultaneamente,seus mercados de trabalho e consumo –, como faz o ca-minho inverso, ou seja, desenvolve relações sociais (e daíseu caráter “cultista”) sobre uma estrutura organizacio-nal que metaforiza a família, possibilitando a interpene-tração das vidas econômica e familiar em uma estratégiade fusão dos tempos de convívio social e de trabalho.

A opção por um estudo de caso é resultado da crençade que a rede Amway, por diversos motivos, possui pro-priedades heurísticas que a tornariam um indicador demudanças no mundo do trabalho. A empresa apresentauma estrutura organizacional peculiar que, por seu exo-tismo, traz à tona características de relações intra-organi-zação que passam despercebidas em outras empresas. Decerta forma, a Amway é tomada analogamente a um “ba-rômetro” de inovações organizacionais que vêm conquis-tando espaço entre empresas que operam no setor de ser-viços. Os dados utilizados no estudo são provenientes deum levantamento junto a 2.992 pessoas (de um universode 250 mil), cobrindo quatro cortes temporais em umperíodo que vai de setembro de 1994 a julho de 1995, e

MARCELO MEDEIROS COELHO DE SOUZA

Professor do Departamento de Economia da UnB

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A METÁFORA DA FAMÍLIA

Diferentemente do que ocorre na organização predo-minante em boa parte das firmas modernas, cujo eixocentral é a divisão de tarefas e poderes que constituem aburocracia, o que garante coerência e eficiência às redesde network marketing é uma estrutura organizacional ba-seada em uma metáfora da família conhecida por linhasde patrocínio (sponsorship lines). Estas correspondem àforma da ligação entre os novos membros da rede e osantigos: cada membro da rede é responsável por uma novageração de membros por ele trazidos à rede, formandoalgo muito semelhante a uma árvore genealógica.

A Figura 1 traz um esquema simplificado da estruturaorganizacional das redes. O indivíduo hipotético A traztrês novos membros à rede, dentre eles B. Estes, por suavez, trazem novos membros, sendo que B traz C e assimsucessivamente, fazendo com que a rede se expanda. A é,portanto, o “patrocinador” de várias pessoas, dentre elasB, do mesmo modo que este é o patrocinador de C. As-sim, C é na rede um descendente de A, formando o que sechama linha de patrocínio, que vai de A até C, passandopor B. No exemplo do organograma, A trouxe três mem-bros à rede, que, por sua vez, trouxeram mais cinco mem-

incluindo entrevistas com membros e ex-membros, aná-lise da documentação oficial da empresa e acompanha-mento de suas atividades pelo período de um ano.

A ORGANIZAÇÃO “ANTIBUROCRÁTICA”

Toda empresa em um mercado concorrencial dependeda interligação entre as esferas da produção e da circula-ção, ou seja, de um fluxo apropriado das mercadorias emdireção aos consumidores. Para que esse fluxo se estabe-leça convenientemente, são necessários procedimentos depropaganda, promoção, distribuição e vendas que, emconjunto, são conhecidos como marketing. Para isso, écomum que as firmas deleguem esse tipo de atividade auma firma especializada (isto é, uma agência distribuido-ra) ou, no caso de estruturas organizacionais verticaliza-das, a um segmento da própria firma (isto é, um departa-mento de marketing). Algumas empresas como a Amway,no entanto, inovam na forma de organizar seu marketingao adotar a estrutura conhecida como network marketingou marketing de rede. Nesta estrutura, a firma produtorasubstitui a organização especializada em marketing fun-dada na hierarquia, na divisão de papéis e do trabalho, narelação assalariada e na competição interna – que tendeem direção ao controle burocrático racional (Etizioni,1974) – por uma rede de distribuidores independentes(do ponto de vista jurídico) que coordenam, por seus pró-prios meios, a propaganda, a distribuição e a venda dasmercadorias.

Essa estrutura em rede pode ser entendida inicialmen-te, em relação ao modelo das grandes firmas típicas, comouma desconcentração (horizontalização) do serviço demarketing levada ao extremo. Por meio dela é possívelalcançar um alto grau de eficiência econômica,3 utilizan-do princípios antagônicos à lógica burocrática tradicio-nal das grandes corporações. Através do que Biggart(1990, 1992) chama de organização “antiburocrática”,empresas como a Amway valem-se das redes de relaçõespessoais de seus membros para distribuir produtos ouserviços.

Organizações como a rede Amway orientam-se, em suamaioria, por princípios meritocráticos. Sem quadros for-mais de chefia e liderança, o controle do trabalho nas re-des está diretamente relacionado a uma valorização dosméritos individuais dentro da atividade que a organizaçãopromove. Sistemas complexos de níveis de reconhecimentointerno garantem recompensas (tanto simbólicas quantomateriais) aos distribuidores que se destacam, criando umahierarquia de status e rendimentos que não necessariamen-te é função de maiores responsabilidades na estrutura daorganização e tampouco se traduz num acúmulo de po-der formal sobre os níveis inferiores da hierarquia.

FIGURA 1

Esquema Organizacional das Redes

A

C

B

Profundidade

Lateralidade

Descendentes(Downliners)

Ascendentes(Upliners)

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bros. A rede de A possui, portanto, oito pessoas em suaslinhas de patrocínio. As características da rede de A sãodeterminadas por sua lateralidade (o número de pessoasque A trouxe diretamente, no caso três) e por sua profun-didade (o número de “gerações” de descendentes de A,no caso dois, a de B e a de C). Nessa estrutura, as posi-ções dos membros são determinadas por seu “grau deparentesco” em relação aos demais membros da rede.Na Amway, os ascendentes nas linhas de patrocínio sãoconhecidos como upliners e os descendentes comodownliners. Formalmente, A não é chefe de B ou C, masapenas a pessoa que os precede na rede.

Para fazer parte da rede, o membro deve firmar umcontrato de distribuição com a Amway do Brasil (Instru-mento Particular de Contrato de Distribuição). Trata-sede um contrato comercial comum que define o novo mem-bro da rede como distribuidor dos produtos da empresa,concedendo-lhe, assim, o direito de revender esses pro-dutos, desde que fora de locais abertos ao público (comolojas, feiras, mercados, etc.). Pelas cláusulas contratuais,“o distribuidor não é agente, empregado, representanteou procurador da Amway do Brasil, sendo-lhe portantovedado assumir quaisquer compromissos ou obrigaçõesem nome desta última” (Contrato de Distribuição, Cláu-sula I, §1).

Para a Amway, esse tipo de contrato representa umasérie de vantagens similares às que se poderia obter casoa empresa terceirizasse seus serviços de marketing, poissubstitui, na regulação do vínculo da empresa com osmembros da rede, um contrato trabalhista (cuja legisla-ção, no Brasil, é especialmente voltada para a proteçãode direitos individuais e coletivos dos trabalhadores) porum contrato comercial (cujo princípio jurídico básico é aigualdade plena de direitos e poderes entre as partes), re-duzindo, assim, custos e compromissos legais, além dereforçar, nos trabalhadores, a imagem de que são autôno-mos ou, em suas próprias palavras,“donos de seu próprionegócio”.

Porém, diferente de uma rede de vendas, na qual afunção principal de seus membros é promover a vendade produtos determinados, a Amway é uma rede de con-sumo, cuja meta principal dos membros é expandir a rede,ou seja, conquistar cada vez mais novos membros que,simultaneamente, promovam e consumam os produtosfabricados pela Amway Corporation e suas parceiras.O membro da rede, no Brasil, não vende produtos ao pú-blico:4 o consumidor deve comprar seus produtos direta-mente nas lojas de distribuição Amway ou por via postal.A principal diretriz colocada a um membro é que elesubmeta novos membros ao credenciamento junto àAmway do Brasil e faça com que esses membros consu-mam produtos.

Essa diretriz é sustentada materialmente pelo sistemade remuneração por linha de patrocínio. O Contrato deDistribuição (Cláusula III, §1) prevê a possibilidade dese solicitar o credenciamento de terceiros como Distri-buidores Independentes Amway. Sobre o total das com-pras de cada nova pessoa trazida à rede (a “patrocinada”),assim como das compras realizadas pelas pessoas trazi-das por ela, é proporcionado ao distribuidor o pagamentode uma comissão, de acordo com critérios padronizadosda empresa. Assim, cada membro recebe, ao final do mês,como remuneração, uma fração percentual de seu próprioconsumo em produtos Amway naquele mês. Caso esseindivíduo atraia mais um novo membro à rede, sua remu-neração passará a ser equivalente a uma fração de seuconsumo mais uma fração do consumo do membro in-corporado e assim sucessivamente, tratando-se de novosmembros (na Figura 1, a remuneração de A é uma fraçãoda soma dos consumos de A, B, C e demais membrosdescendentes). Uma vez adquirido, o direito a receberessas comissões é vitalício e hereditário. Isso impõe umcontrole social ao consumo dos membros. Como um mem-bro tem incentivos para estimular o consumo de seus des-cendentes, a rede é para a empresa Amway um instrumentoque permite sua orientação de marketing a mercados es-pecíficos (muito semelhante a uma lean distribution) ecom características mutantes.

O esquema organizacional da Amway, ao atribuir aosmembros a função de recrutamento e expansão da rede,substitui mecanismos impessoais de contratação de tra-balhadores anônimos, que normalmente consistem na ofer-ta pública de emprego (tal como anúncio de jornal), pormecanismos personalizados em que a rede de relaçõessociais do trabalhador determina, em grande medida, suaspossibilidades de emprego. Mecanismos impessoais sãouma característica das firmas com organização burocrá-tica típica, que orientam seu processo de contratação pre-dominantemente5 por uma racionalidade econômica, emque os principais critérios utilizados estão relacionadosàs capacidades produtivas do trabalhador. O mercado detrabalho específico das redes é, em boa parte, um espaçoregulado por uma lógica que dá primazia às relações pes-soais, relegando critérios como produtividade ao segun-do plano. Assim, as relações pessoais dos membros, quan-do inseridas nesse contexto, não apenas passam a moldarsuas relações de trabalho como as próprias relações detrabalho passam a ser confundidas com a vida social.

As firmas são capazes de reconhecer o papel fundamen-tal desse tipo de lógica no controle do processo de traba-lho, como demonstrou Burawoy (1979). Do mesmo modoque a fábrica onde ele realizou suas pesquisas reconheciae criava mecanismos de estímulo aos work games – emque trabalhadores competiam entre si para atingir índices

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elevados de produtividade, estimulados não por recompen-sas da firma, mas pelo reconhecimento dos companheirosque atribuíam status aos participantes do “jogo” –, comoforma de garantir níveis determinados de produção, asfirmas das quais as redes são distribuidoras criam umambiente propício para a sustentação da estrutura organi-zacional na forma de linhas de patrocínio: os contratos ea estrutura de remuneração financeira não assalariada dãouma base jurídica e econômica a relações sociais que atu-am como uma forma de controle eficaz que não é, no en-tanto, sentida como tal.

Assim, as organizações de network marketing não sóutilizam para fins econômicos as redes de relações sociaispreexistentes, criando seus mercados de trabalho e deconsumo, como fazem o caminho inverso, ou seja, de-senvolvem relações sociais sobre uma estrutura organi-zacional que, ao metaforizar a família, funciona como umaforça que obscurece a distinção entre interesse financeiroe vínculo afetivo. Essa construção de uma “família fictí-cia” é importante como fator de regulação das atividadesnas redes. Se na organização burocrática das grandes com-panhias a competição interna age no sentido de garantirprodutividade, nas redes como a Amway, que não pos-suem os mesmos mecanismos de coesão institucional (su-bordinação formal, por exemplo), esta age como fatordesestruturante: é a cooperação, baseada nos vínculos da“família fictícia”, que funciona como fator fundamentalde coesão social.

Essa coesão é reforçada por uma segunda característi-ca da rede Amway: a inserção da família propriamentedita dentro dessa “família metafórica”. O trabalho na redeé, em larga medida, um “negócio de família”. Os levan-tamentos realizados mostraram que, entre os membros quealcançaram os níveis superiores da rede entre setembrode 1994 e julho de 1995, predomina o trabalho em casal(no mínimo 87% em cada um dos quatro cortes tempo-rais realizados). Em uma análise de conteúdo de discursonas descrições das trajetórias dos membros da Amway,declarações classificadas como “declara que o casal tra-balha em conjunto” constituíam aproximadamente 73%dos casos. Mesmo nos 27% restantes, nos quais essa con-dição não é explicitada, nenhuma das declarações nega otrabalho em conjunto. Em boa parte das trajetórias pro-fissionais analisadas (cerca de 58%) foi localizada algu-ma menção à existência de vínculos de parentesco na redeem afirmações classificadas como “declara que membrosda família participam da rede” (a categoria “membro dafamília” restringe-se a pais, irmãos e filhos).

As atividades da rede são, geralmente, encaradas pe-los membros como um trabalho suplementar. São reali-zadas depois do horário de expediente na própria residên-cia do membro ou na de seus convidados. Ora, como os

membros da Amway dependem de suas redes de relaçõessociais anteriores à entrada no negócio para exercer suasatividades, precisam usar seu tempo de convívio socialpara o trabalho; e tendo como principal local de trabalhoo ambiente doméstico, a família passa a ser uma parte pri-vilegiada na organização. A fusão da família com a “fa-mília metafórica”, amparada ideologicamente por umethos cooperativista das redes, possibilita a interpenetra-ção das vidas econômica e familiar, passo fundamental paraa utilização do tempo de convívio social para trabalho.

O trabalho familiar em uma empresa “típica” é um fe-nômeno raro. Mesmo quando marido, mulher e filhos sãoempregados de uma mesma empresa, disposições buro-cráticas e a própria organização do trabalho impedem queesse grupo de pessoas se organize plenamente como fa-mília durante o tempo de trabalho. Por mais que relaçõesfamiliares venham a influir constantemente no cotidianodesses trabalhadores, é o controle do processo de traba-lho pela empresa – e portanto externo à constituição dafamília – que impede a organização do trabalho em mol-des familiares. Isto impõe uma descontinuidade na rotinados trabalhadores: o tempo de trabalho é um tempo quese opõe ao tempo da família. De maneira muito similar,ocorre uma distinção entre relações de trabalho e relaçõesde amizade. A empresa, ao priorizar a produtividade, re-lega o convívio social ao segundo plano. Desde os escri-tos clássicos da Sociologia do Trabalho, tem sido abun-dante a literatura que mostra os aspectos negativos, doponto de vista do trabalhador, dessa separação entre tem-po de trabalho e tempo de convívio social6 e as estraté-gias empregadas pelos trabalhadores para superar a im-pessoalidade imposta pelas relações profissionais dentrode uma organização burocrática típica.

O trabalho na Amway vai apresentar, para os mem-bros da rede, a vantagem de não impor uma descontinui-dade entre esses dois tempos. O negócio de networkmarketing, por exemplo, é constantemente tratado pelosmembros da rede como um “negócio de família”. A ine-xistência de determinações burocráticas na organizaçãodo trabalho permite a estruturação do trabalho na rede emmoldes familiares e evita as tensões criadas pela separa-ção da família ao integrar, sistematicamente, os laços fa-miliares. Esse modelo implica a autodeterminação do rit-mo de trabalho, ao mesmo tempo que torna simultâneas aconcepção e a execução das tarefas.

O discurso oficial da empresa reforça ininterruptamentea idéia da virtude da fusão entre família e trabalho. Osmembros do Conselho Normativo da Amway divulgaramum documento conhecido como “Os Quatro Fundamen-tos” em que expressam “os conceitos que acreditam seruma base sólida para uma vida plena de significado”. Umdesses “fundamentos” é a Família:

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“A família é nossa primeira e mais importante estrutu-ra social, provendo-nos com amor e sustento, deixando-nos uma herança e um legado. A família nos propicia umconsistente conjunto de valores em arcabouço para ocrescimento e para a habilidade de prosperarmos comoindivíduos. O negócio Amway respeita e apóia a família,como evidenciado pelo Conselho Normativo da AmwayCorporation e pela própria proeminência da ‘família’ nasDistribuições Amway” (Editorial Amagram, out./nov.1995:3).7

O incentivo à incorporação da família à rede não vemapenas da empresa; os membros incorporam essa idéia ea retransmitem à rede nas publicações da empresa, espe-cialmente na Amagram:

“Iniciei meu negócio em maio de 1993, fazendo comi-go mesma um ‘contrato’ para alcançar a liberdade em doisanos. Para minha alegria, consegui! Meus patrocinadoressão Juju e Evaldo Araújo, minha irmã e meu cunhado.Este negócio me deu a certeza de vencer, de ser tudo oque eu possa e queira ser. No meu futuro, vejo meus fi-lhos e eu felizes por estarmos sempre juntos em buscada realização dos nossos projetos de vida.” (EditorialAmagram, out./nov. 1995:9).

Além disso, a imagem criada pela ideologia Amway éde que o trabalho na rede é um fator de integração da fa-mília, como pode ser percebido pelo relato de um casalde membros:

“Nossas famílias estão unidas neste projeto, nos dan-do a chance de conviver mais e melhor com todos. Atémeu filho Pedro, 13, nos incentiva muito.”

A produção de uma vida social intensa dentro das fron-teiras da rede é crucial para os objetivos econômicos dasempresas (e dos membros da rede). É a fusão (ou confu-são, a depender do ponto de vista) dos tempos socialmentedeterminados para trabalho e não-trabalho que permite aexistência de organizações como a Amway. A baixa par-ticipação proporcional nos ganhos oferecidos à empresa– que funciona como remuneração para o trabalho “ex-tra” em períodos normalmente caros aos demais trabalha-dores – perdura, essencialmente, porque as atividades denetwork marketing não são sentidas como perda do tem-po de convívio social. Em outras palavras, os trabalhado-res consentem em ser mal remunerados porque suas ati-vidades não são apenas “trabalho”, mas também lazer. AAmway reforça essa fusão a todo momento, seja atravésda metáfora da família, da transformação das reuniões denegócio em eventos festivos, estimulando o trabalho emfamília, etc.

A metáfora da família criada pela estrutura das linhasde patrocínio é o mecanismo encontrado pela empresa paragarantir um controle do processo de trabalho que, no en-tanto, não é sentido como opressivo. Nela, o sistema de

reconhecimento interno, através de níveis de qualifica-ção (os membros são “promovidos” em uma escala deposições em função de seus méritos) torna cada membroresponsável pelo trabalho de seus “patrocinados”, fazen-do com que ocorra uma diluição (ou capilarização) dospoderes de controle relacionados à atividade da rede: to-das as formas de recompensa de um membro dentro darede são dependentes de seu desempenho individual e dode seus descendentes.

A Amway lança mão do que Etizioni (1974:78) chamade estrutura de consentimento dualística na medida emque emprega recompensas materiais e simbólicas paraobter trabalho. As recompensas materiais vêm na formado pagamento proporcional ao consumo da rede descen-dente, que se torna maior quanto maior for o segmentoda rede e, portanto, maiores as responsabilidades decontrole de cada membro. Assim, motivado pelo aumen-to da remuneração financeira que o crescimento do volu-me de negócios de sua rede torna possível, bem como porpromoções que lhe permitem, por exemplo, aumentarsua fração de renda para 6%, 9% e 12% do valor doconsumo total de seus descendentes, o membro da redebusca coordenar e estimular as atividades de seus pa-trocinados.

As recompensas simbólicas, cuja importância na com-pensação de baixas remunerações foi muito bem mostra-da por Fershtman e Weiss (1993), são realizadas peladistribuição de símbolos de estima e prestígio. Essa dis-tribuição ocorre tanto cotidianamente quanto na adminis-tração dos rituais que caracterizam as grandes reuniõesda rede. Essa distribuição de símbolos de estima e prestí-gio é chamada na rede de reconhecimento e possui umpapel-chave na Amway, como afirma Conn:

“Reconhecimento pessoal pelo sucesso nos negóciosé um dos princípios fundamentais da Amway. Distribui-dores começam a receber alfinetes-de-lapela e placas dereconhecimento desde os primeiros níveis de sucesso nonegócio e o processo nunca termina.”8

Para uma empresa que tem como objetivo principallucros, é evidente que obter parte do trabalho em troca derecompensas simbólicas (que implicam custos baixos), aoinvés de ter de pagar por ele na forma de recompensasmateriais, é uma grande vantagem. A Amway, então, vaiestimular em seus membros, através dos editoriais da re-vista Amagram que é distribuída à rede, a valorização doprestígio e da estima pública:

“A recompensa nos ajuda a crescer, sejamos nós doa-dores ou recebedores. E há muitas maneiras de sermosrecompensados. A mais importante é sermos reconheci-dos e amados como pessoas. Ser recompensado tambémsignifica ser reconhecido por um compromisso assumi-do, valorizado por uma contribuição dada e compensado

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997

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por esforços empreendidos.” (Editorial Amagram, out./nov. 1995:3, grifo nosso).

Todavia, nem todo o controle do trabalho na rede éfunção de ações racionais orientadas a recompensas comofins. A metáfora da família funciona como uma força queobscurece a distinção entre interesse financeiro e vínculoafetivo. Dentro da diluição de poderes promovida pelaestrutura das linhas de patrocínio, a dicotomia capital-tra-balho torna-se opaca para os membros da rede: nos even-tos da rede estão sempre presentes afirmações do tipo“você é dono de seu próprio negócio” e o discurso dosanimadores gira sempre em torno de palavras-chave como“organização”, “negócio” e “sistema de trabalho”, de for-ma que o nome das empresas que estão por trás do fun-cionamento da rede nunca são pronunciados. O conteúdoe a forma dos discursos ocultam qualquer forma de sujei-ção do trabalho ao capital que pudesse se destacar no fun-cionamento da rede.

Enquanto as relações entre indivíduos em uma empre-sa burocrática típica (ideal) são impessoais e orientadaspor uma lógica econômica, na qual a competição internaage no sentido de garantir a produtividade das empresas,na família fictícia da Amway a pessoalidade das relaçõesfaz com que a cooperação seja o principal fator de regu-lação das atividades econômicas, pois são criados víncu-los entre os indivíduos que vão além da equação “traba-lho implica recompensa, sem recompensa não há trabalho”.

Isso é possível porque o princípio de integração pre-dominante na rede não é a troca, mas a reciprocidade dedons (gift exchange). A troca é uma relação de equiva-lência: dois valores de uso são relacionados e trocadosnas proporções em que seus valores sejam equivalentes.Isso leva à conclusão de que o “contrato de troca”, ou seja,a concordância entre comprador e vendedor em dar se-guimento ao intercâmbio, pressupõe que ambas as partestenham conhecimento dos termos da troca (o valor de cadavalor de uso). Já o princípio da reciprocidade, que regulaa “economia da dádiva”,9 é uma negação das trocas mer-cantis como equivalência de valores que, implicitamen-te, rejeita uma eventual separação entre esferas da gestãoeconômica e outros tipos de gestão. Há apenas doação, enão troca, porque o indivíduo espera, coerentemente, quesua atitude seja acompanhada de atitudes semelhantes dosdemais membros do grupo a que se relaciona. Akerlof(1982) observou algo semelhante em uma fábrica ondeos operários trabalhavam além dos patamares mínimosestabelecidos e recebiam parte do pagamento na formade dádiva. O indivíduo não exige uma troca porque sabe(ou ao menos espera) que mecanismos institucionaisgarantirão que outras pessoas preocupadas com os inte-resses da coletividade atenderão a suas necessidades namedida em que estas surgirem. Na rede, os indivíduos

relacionam-se cooperativamente, prestando auxílio mú-tuo na forma de “favores” (dádivas), coordenados porregras implícitas, semelhantes às existentes na família (nãose nega auxílio a um “filho”), que garantem a reciproci-dade das ações.

CONCLUSÕES

A metáfora da família existente na Amway é, portan-to, mais do que uma simples semelhança entre a estruturaorganizacional da rede e uma árvore genealógica. Nasreuniões de distribuidores é claramente repetido a todomomento que os patrocinadores têm a função de protegerseus “descendentes”. É possível levantar o contra-argu-mento de que os patrocinadores têm interesse no desem-penho de seus descendentes, pois lucram com ele e, porisso, assumem esse tipo de relação. Realmente, é difícilestabelecer fronteiras demarcando onde termina o inte-resse financeiro e começa um outro tipo de relação. A redeAmway é um negócio e, como tal, é movido inicialmentepor motivações econômicas. Porém, é um negócio per-meado por uma série de valores que introduzem outrostipos de motivação. A maioria dos indivíduos qualifica-dos se declara vinculada à Amway e à rede por razõesoutras que não apenas financeiras e faz afirmações do tipo:“Entra-se neste negócio pelo dinheiro e fica-se pela ami-zade” (membro da Rede Amway). Essa reciprocidadeexistente na rede, em última instância, favorece a Amway,pois garante o bom funcionamento dos negócios, sem queo trabalho dos membros apareça na forma de serviçosprestados à empresa. Assim, a estrutura das linhas de pa-trocínio atua no sentido de obscurecer as vantagensobtidas pela empresa com o trabalho dos membros da rede.

As relações institucionais que garantem os esquemasde reciprocidade na metáfora da família criada pela estru-tura em forma de árvore genealógica das linhas de patro-cínio são, em grande parte, reforçadas pela inserção dafamília propriamente dita nessa estrutura. Como na Amwaypredomina o trabalho do casal e, em muitos casos, a famí-lia é o núcleo de relações sociais que permite o desenvol-vimento de parte das atividades de network marketing pelorecrutamento de parentes, o trabalho na rede torna-se du-plamente um negócio de família (real e metafórica).

NOTAS

Texto originalmente preparado para o XX Encontro Nacional da Anpocs (Asso-ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Caxambu,out. 1996.

1. Na lista das 400 maiores companhias privadas dos Estados Unidos, compiladaanualmente pela Forbes (dec. 1993), a Amway Corporation ocupava o trigésimo lu-gar com um faturamento anual de aproximadamente 3,5 bilhões de dólares, mais dequatro vezes maior do que a receita da Coca-Cola Bottling Co. de Chicago no mes-mo ano. Dados fornecidos pela empresa indicam, como soma de suas operações no

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A METÁFORA DA FAMÍLIA: INTEGRAÇÃO ORGANIZACIONAL NA AMWAY

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mercado internacional, um faturamento de 6,3 bilhões de dólares no ano fiscal de1994. Em todo o mundo, há cerca de 2,5 milhões de membros que promovem osprodutos da Amway e de empresas como IBM, Coca-Cola, Newsweek, Credicard eVisa, que a contratam para distribuir seus produtos.

2. Estas constituem 53,7% das profissões declaradas por 948 membros.

3. Medida, por exemplo, em termos de lucros.

4. Embora possa fazê-lo se desejar.

5. Há, todavia, inúmeros trabalhos que demonstram que fatores extra-econômi-cos, como gênero, etnia, idade, etc., interferem no processo de seleção de empre-gados, por mais “economicamente racionais” que as firmas se proponham a ser.

6. Englobando-se aqui o convívio familiar.

7. A revista Amagram é a principal publicação e tem periodicidade bimestral.

8. “Personal recognition for accomplishment in the business is a major Amwayprinciple. Distributors begin to receive award pins and plaques for recognitionat the earliest levels of success in the business, and the process never stops.”(Conn, 1982:159).

9. A idéia básica da dádiva é de que “...receber um presente não significa a obri-gação de ter que retribuí-lo” (Mauss, 1974:39:n3).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AKERLOF, G. “Labor contracts as a partial gift exchange”. Quaterly Journal ofEconomics, v.4, n.97, 1982, p.534-69.

BIGGART, N.W. Charismatic capitalism: direct selling organizations in America.Chicago, University of Chicago Press, 1990.

__________ . “Affaires de famille: les societés de vente à domicile aux États-Unis”.Actes de la Recherche en Sciences Sociales, n.94, sept. 1992, p.27-40.

BURAWOY, M. Manufacturing consent: changes in the labor process undermonopoly capitalism. Chicago, University of Chicago Press, 1979.

CONN, C.P. The possible dream: a candid look at Amway. New York BerkleyBooks, 1982.

ETIZIONI, A. Análise comparativa de organizações complexas: sobre o poder,o engajamento e seus correlatos. São Paulo, Edusp-Zahar, 1974.

FERSHTMAN, C. e WEISS, Y. “Culture and economic performance”. TheEconomic Journal, n.103, july 1993, p.946-959.

MAUSS, M. “Ensaio sobre a dádiva”. Sociologia e antropologia. São Paulo,Edusp, v.2, 1974.

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CORTIÇOS ADAPTADOS E CONCEBIDOSNA CIDADE DE SÃO PAULO

o longo da história da cidade de São Paulo, o cor-tiço enquanto estratégia de moradia da popula-ção de baixa renda passou por diversas fases. Do

final do século passado até meados da década de 30, estetipo de habitação constituiu a alternativa predominanteda classe trabalhadora concentrada na região central dacidade. Nas décadas seguintes, até aproximadamente osanos 70, a casa própria autoconstruída na periferia surgecomo outra opção habitacional, em resposta à diminui-ção da oferta de moradias de aluguel e acompanhando oritmo de crescimento da cidade e das atividades especu-lativas com o solo urbano. Nos anos subseqüentes, a ci-dade passa a conviver com a expansão das favelas, com-pletando o quadro de alternativas que os trabalhadores demenor renda encontraram para solucionar o problema damoradia. Ao longo desta trajetória, o cortiço se mantémpresente, crescendo em algumas áreas, diminuindo emoutras e, sobretudo, espalhando-se por toda a cidade.

A constante presença dos cortiços em São Paulo ocor-reu sob uma diversidade de tipos arquitetônicos de imó-veis, compreendendo diferentes usos, formas de gestão eorganização dos seus moradores, o que dificulta a formu-lação de um conceito que abranja todas as manifestaçõesdesse fenômeno.

Uma das formas de se tratar essa diversidade é anali-sar os cortiços através das diferenças entre o tipo arquite-tônico do imóvel e seu uso original, classificando-os emconcebidos e adaptados, de acordo com o trabalho daSempla (1986).

Os imóveis adaptados são aqueles destinados inicial-mente a uma única família, a atividades comerciais, in-dustriais ou a qualquer outra função distinta do encorti-çamento, mas que, em função da degradação do bairro

e/ou do imóvel, foram subdivididos, internamente, em cô-modos de aluguel (velhos casarões, armazéns, antigoscinemas, etc.). Os concebidos referem-se a construçõesdestinadas ao aluguel coletivo, com vários cômodos emum mesmo lote, podendo ter, ou não, habitações unifa-miliares. Para ambos os tipos, os equipamentos sanitários,os tanques e as áreas comuns são predominantemente deuso coletivo, as condições de habitabilidade são precá-rias e a moradia tem sempre como contrapartida o paga-mento de aluguel.

Às diferenças quanto ao tipo arquitetônico e uso ini-cial associa-se um padrão de distribuição espacial. Sem-pre se entendeu que os cortiços concebidos predominamna periferia da cidade, enquanto os adaptados localizam-se preponderantemente nas áreas centrais. Os concebidossão considerados imóveis de menor porte, com númeromenor de domicílios em comparação aos velhos casarõesadaptados. Quanto à gestão do imóvel, os adaptados sãoadministrados geralmente por sublocadores, enquanto nosconcebidos essa função é exercida diretamente pelos pro-prietários.

Diferenças em relação à população também são supos-tas, embora não sejam tão determinantes: os moradoresdos cortiços do centro da cidade, na sua grande maioriaadaptados, trabalham em locais mais próximos à residên-cia, evitando despesas com transporte. Afirma-se, tam-bém, que os cortiços dessa região abrigam um maior nú-mero de pessoas sós.

Estas distinções, embora aceitas pelos estudiosos dotema, não têm recebido tratamento estatístico sistemáti-co, pois as informações recentes sobre os cortiços paulis-tanos e sua população vêm sendo obtidas mediante traba-lhos de natureza qualitativa ou restritos apenas a algumas

A

SILVIA MARIA SCHOR

Professora do Departamento de Economia da FEA/USP

MARISA DO ESPÍRITO SANTO BORIN

Professora do Departamento de Sociologia da PUC/SP

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CORTIÇOS ADAPTADOS E CONCEBIDOS NA CIDADE DE SÃO PAULO

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áreas da cidade. Não se dispõe de levantamento estatísti-co que permita generalização e teste dos resultados, difi-cultando o tratamento da questão de forma mais precisa.Neste sentido, o presente artigo procura contribuir cominformações quantitativas, testando as diferenças entrecortiços adaptados e concebidos no que se refere aos in-dicadores de habitabilidade, gestão e distribuição espa-cial dos imóveis, bem como renda da população morado-ra. Este trabalho foi viabilizado pela pesquisa realizadapela Secretaria da Habitação do Município e Fipe (Sehab/Habi-Fipe, 1994).

Os resultados mostram, como se verá a seguir, queadaptados e concebidos apresentam menos diferenças doque até então eram supostas. Quanto a esta distinção,observe-se que a formulação de políticas habitacionaispara os cortiços paulistanos pode prescindir, apenas numprimeiro momento, destas especificidades.

O artigo está dividido em três partes. A primeira mos-tra as informações mais relevantes sobre os procedimen-tos metodológicos adotados no levantamento dos dados,definições e critérios de agregação utilizados; a segundaé dedicada à análise dos resultados e a terceira apresentaas conclusões que completam o trabalho.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os dados utilizados nesta análise foram obtidos pelolevantamento amostral realizado no final de 1993 e iní-cio de 1994, na cidade de São Paulo, com o objetivo deestimar o número de cortiços e seus moradores e traçar operfil socioeconômico da população.

O conceito de cortiço utilizado corresponde ao esta-belecido pela Lei Municipal no 10.928, de 8 de janeirode 1991, conhecida como Lei Moura. O cortiço é defini-do como unidade habitacional usada como moradiamultifamiliar, apresentando total ou parcialmente as se-guintes características: acesso e uso comum dos espaçosnão edificados e das instalações sanitárias; subdivisão emvários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qual-quer título; exercício de várias funções em um mesmocômodo. Os conceitos de adaptados e concebidos se so-brepõem a essa definição mais geral, já apresentados noinício deste artigo.

Considerou-se cômodo um compartimento da unidadedomiciliar, fechado por paredes ou divisórias fixas, utili-zado como dormitório ou sala. Poderá, também, ser usa-do como cozinha, embora não exclusivamente. Banhei-ros e cozinhas com usos exclusivos não são consideradoscômodos. O domicílio é o conjunto de cômodos ocupa-dos por uma família ou grupo convivente.

Os valores nominais declarados de renda, aluguel, luze água no mês (t) foram deflacionados pelo salário míni-

mo vigente no mês (t-1), supondo-se trabalhadores comrecebimentos mensais por trabalho realizado.

A amostra compreendeu 451 quadras da cidade, sendoidentificados 335 cortiços. Deste total, 160 foram classi-ficados como adaptados e 134 como concebidos. Os 41imóveis restantes foram excluídos do estudo por apresen-tarem dados incompletos.

Levantadas as características do imóvel através de en-trevista com o proprietário ou o responsável, foram pes-quisadas 625 famílias moradoras, totalizando informaçõessobre 2.228 pessoas. A amostra foi estratificada em 20administrações regionais, segundo critério de divisão dacidade vigente no momento da pesquisa.

A expansão dos resultados amostrais para a populaçãoda cidade resultou em estimativa de 23.688 cortiços emSão Paulo, ocupados por 160.841 famílias que compre-endem 595.110 pessoas. O total de moradores correspon-dia a 6,07% da população paulistana.1

A pesquisa Sehab/Fipe levantou as informações con-trolando a amostra pelas 20 administrações regionais dacidade, obedecendo a critério de análise utilizado pela Se-cretaria de Habitação Municipal. Para este artigo, optou-se pela apresentação dos resultados por região, seguindoagregação adotada pelos técnicos da referida Secretaria,visto que a análise por administração regional dificulta-ria a interpretação dos dados em decorrência do númerode categorias utilizadas. Portanto, as administrações fo-ram assim agrupadas:- a região norte integra as administrações regionais daFreguesia do Ó, Santana, Vila Guilherme/Vila Maria, Pi-rituba/Jaraguá e Perus;

- a região sul abrange as administrações regionais do Bu-tantã, Campo Limpo, Santo Amaro e Capela do Socorro;

- a região centro é composta pelas administrações regio-nais de Pinheiros, Lapa e Sé;

- a região leste é constituída pelas administrações regio-nais Itaquera/Guaianases, São Miguel Paulista, Penha eSão Mateus;

- a região sudeste agrupa as administrações da Mooca,Vila Prudente, Ipiranga e Vila Mariana.

A Administração Regional da Sé, além de ter seus re-sultados incluídos na região centro, também é analisadaseparadamente, em função da grande incidência de corti-ços nessa área.

As variáveis selecionadas para análise são as que vêmsendo tratadas mais recorrentemente em trabalhos sobrecortiços em São Paulo e constituem um grupo de indica-dores fundamentais para a formulação de políticas públi-cas para esse tipo de moradia. Para este artigo, foram pri-vilegiadas as informações sobre os imóveis e, quanto àsvariáveis socioeconômicas da população, limitou-se ape-

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TABELA 1Distribuição dos Cortiços, segundo Regiões

Município de São Paulo – 1993/94

Regiões Números Absolutos %

Total 23.688 100,00

Norte 4.361 18,41

Sul 4.977 21,01

Centro 4.932 20,82

AR Sé 4.441 18,74

Leste 3.232 13,64

Sudeste 6.186 26,12

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

TABELA 2

Distribuição dos Cortiços, por Tipo, segundo RegiõesMunicípio de São Paulo – 1993/94

Em porcentagem

Regiões Adaptados Concebidos Desvio-Padrão

Total 54,4 45,6 2,9

Norte 31,7 68,3 6,0

Sul 40,4 59,6 6,5

Centro 85,5 14,5 4,0

AR Sé 90,2 9,8 3,8

Leste 45,0 55,0 7,9

Sudeste 57,4 42,6 6,3

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

TABELA 3

Média de Anos de Uso dos Imóveis, por Tipo de Cortiço,segundo Regiões

Município de São Paulo – 1993/94

Regiões Adaptados Concebidos Nível Descritivo

Total 15,0 16,8 0,28

Norte 13,3 17,0 0,89

Sul 8,3 10,1 0,37

Centro 19,1 24,5 0,32

AR Sé 20,9 25,0 0,567

Leste 10,8 12,0 0,66

Sudeste 15,0 26,0 0,01

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

nas à renda individual da população e às despesas com amoradia.

Diferenças entre cortiços adaptados e concebidos fo-ram verificadas mediante teste de igualdade de médias paraas variáveis selecionadas, fixando-se em 0,05 o nível designificância dos testes. As médias foram testadas para acidade de São Paulo e para cada região.

Comparações, par a par, entre as cinco regiões testa-ram diferenças entre elas. Um total de dez pares resultadesta comparação, para cada variável testada.2

OS RESULTADOS

Os cortiços paulistanos encontram-se distribuídos portodas as regiões da cidade, com maior concentração naregião sudeste (Tabela 1), principalmente nas adminis-trações regionais da Mooca e Vila Prudente, com 2.132 e2.046 imóveis, respectivamente. Vila Mariana e Ipirangacompletam as administrações incluídas nessa região, to-talizando 6.138 cortiços.

Esse resultado pode surpreender quando comparado alevantamentos anteriores, que apontam o centro da cida-de como área de maior concentração de cortiços. Algunscomentários, portanto, se justificam. Uma primeira ob-servação refere-se ao critério de agregação aqui utiliza-do, não necessariamente coincidente com outras defini-ções de região centro. Em segundo lugar, transformaçõesurbanas sofridas na cidade, inclusive no centro, podemter levado a mudanças quanto à concentração de cortiçosnessa área.

Apesar da maior incidência de cortiços na região su-deste, a Administração Regional da Sé, sozinha, supe-ra os totais das regiões norte e leste, o que lhe dá umacondição diferenciada em relação às demais áreas dacidade.

A desagregação dos cortiços em adaptados e concebi-dos resulta em outra distribuição desses imóveis (Tabe-la 2). Para o total da cidade, verifica-se predominânciados adaptados, cuja proporção situa-se, dado o intervalode confiança ao nível de significância de 95%, entre 60,1%e 48,7%. Agregando-se os dados por regiões, observa-sepreponderância de adaptados na região centro, na sudes-te e na Administração Regional da Sé, quando analisadaisoladamente. Os concebidos estão em maior proporçãonas regiões norte e sul, enquanto na região leste as pro-porções são iguais.

Os resultados dos testes, par a par, entre regiões mos-tram que a proporção de adaptados e concebidos na re-gião centro distingue-se das demais: a hipótese nula é re-jeitada na comparação com todas as outras regiões, comnível crítico próximo de zero. A análise da Administra-ção Regional da Sé, isoladamente, repete os resultados

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CORTIÇOS ADAPTADOS E CONCEBIDOS NA CIDADE DE SÃO PAULO

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encontrados para a região centro, com concentração decortiços adaptados nessas áreas. Nos demais casos, foiaceita a igualdade de médias, exceção feita à comparaçãoentre as regiões sudeste e norte.

TEMPO DE USO DO IMÓVEL COMO CORTIÇO

Os imóveis da cidade de São Paulo encontram-se en-cortiçados, em média, há 15,2 anos, não havendo dife-renças entre concebidos e adaptados quanto ao tempo deuso do imóvel (respectivamente, 15,0 e 16,8 anos). Nocaso dos adaptados, o tempo de encortiçamento não cor-responde à idade do imóvel, embora seja uma boa apro-ximação para os concebidos.

Não é possível fazer afirmações sobre a trajetória doencortiçamento em São Paulo, pois não se dispõe de in-formações sistemáticas sobre o desaparecimento dos cor-tiços paulistanos nas décadas passadas. Portanto, não sepode concluir, por exemplo, que havia predominância deconcebidos na região sudeste em períodos anteriores,mesmo sabendo que os imóveis deste tipo apresentam,hoje, tempo médio de uso superior aos adaptados.

Apesar das restrições mencionadas, a idade média deencortiçamento permite traçar o perfil temporal dos cor-tiços em uso.

Através da Tabela 3, verifica-se que o tempo médio deuso dos concebidos é estatisticamente diferente do valorobtido para os adaptados apenas na região sudeste, sendoque para as demais regiões, não há diferenças.

Quando se analisa o tempo de uso do imóvel por inter-valos de tempo, constatam-se algumas diferenças entre

TABELA 4

Distribuição dos Cortiços, por Intervalo de Tempo de Uso dos Imóveis e Tipo, segundo RegiõesMunicípio de São Paulo – 1993/94

Anos de Uso dos ImóveisNível Descritivo

Regiões Até 10 Anos De 11 a 20 Anos Mais de 20 Anos do TesteChi-Quadrado

Adaptados Concedidos Adaptados Concedidos Adaptados Concedidos

Total 50,0 44,8 28,8 30,6 21,3 24,6 0,64

Norte 57,9 36,6 15,8 34,1 26,3 29,3 0,22

Sul 65,2 58,8 34,8 35,3 30,8 27,7 0,48

Centro 41,5 27,3 - 5,9 27,7 45,5 0,47

AR Sé 38,2 33,3 29,1 33,3 32,7 50,0 0,55

Leste 61,1 59,1 27,8 31,8 11,1 9,1 0,95

Sudeste 45,7 34,6 28,6 19,2 25,7 46,2 0,24

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

regiões: enquanto as favelas paulistanas apresentaramfortíssima expansão por toda a cidade nos últimos dezanos, o processo de encortiçamento obedeceu a um outroritmo (Tabela 4).

Nas regiões norte, centro e sudeste, o surgimento doscortiços vem se dando de forma contínua há mais de 20anos; imóveis encortiçados há mais de duas décadas con-vivem com outros mais recentes, embora em proporçõesdiferentes. Os testes estatísticos mostram que adaptadose concebidos surgiram ao longo de todo o processo, semque se possa identificar os casarões e armazéns com cor-tiços mais antigos. Já nas regiões sul e leste, o expressivonúmero de imóveis encortiçados há menos de 20 anoscontrasta com a reduzida presença de cortiços mais anti-gos. É provável que o processo de encortiçamento, naregião sul (de ocupação mais recente), tenha se iniciadohá menos de duas décadas, como sugere o alto percen-tual de imóveis em uso nos últimos dez anos. O mesmoargumento aplica-se à região leste, embora registre umpequeno percentual de cortiços mais antigos.

Condições Físicas e de Habitabilidade dos Imóveis

Os cortiços paulistanos têm, em média, 8,49 cômodospor imóvel. Separando-se adaptados e concebidos, osvalores encontrados são estatisticamente iguais: 8,84 e7,72 cômodos, respectivamente (Tabela 5). Estes resul-tados contrariam a suposição de que os cortiços concebi-dos são menores que os adaptados.

Os testes entre regiões rejeitam a igualdade de médiasentre adaptados apenas quando se compara a região

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TABELA 6

Número Médio de Moradores por Cômodo e Imóvel,segundo Regiões

Município de São Paulo – 1993/94

Moradores por Cômodos Moradores por Domicílios

Adaptados Concebidos Nível Adaptados Concebidos NívelDescritivo Descritivo

Total 2,5 2,6 0,34 20,4 18,5 0,44

Norte 2,1 2,6 0,13 16,3 21,4 0,24

Sul 2,8 2,6 0,62 10,4 15,1 0,35

Centro 2,4 2,0 0,19 22,8 16,8 0,27

AR Sé 2,4 1,6 0,06 21,2 10,7 0,00

Leste 2,7 2,9 0,59 13,7 17,8 0,18

Sudeste 2,6 2,6 0,82 26,7 17,9 0,16

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

TABELA 5

Número Médio de Cômodos e Domicílios por Imóvel,segundo Regiões

Município de São Paulo – 1993/94

Cômodos por Imóvel Domicílios por Imóvel

Adaptados Concebidos Nível Adaptados Concebidos NívelDescritivo Descritivo

Total 8,8 7,7 0,16 7,4 6,0 0,34

Norte 9,2 9,3 0,99 5,9 6,9 0,35

Sul 6,2 6,5 0,79 4,6 5,5 0,35

Centro 9,8 8,3 0,46 8,8 6,4 0,14

AR Sé 8,9 7,5 0,54 8,0 5,0 0,03

Leste 5,6 6,7 0,37 4,3 5,2 0,26

Sudeste 10,2 7,4 0,25 9,0 6,0 0,18

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

Regiões

centro com a sul e a leste. Para os concebidos, as médiassão estatisticamente iguais, excetuando-se a comparaçãoentre as regiões norte e sul. Portanto, pode-se consideraro número de cômodos por imóvel, tanto para concebidoscomo para adaptados, o mesmo para o total da cidade.

A região sudeste apresenta os maiores cortiços daamostra, com 46, 50 e 54 cômodos, enquanto na regiãocentro o maior imóvel possui 32 cômodos. Apesar de al-guns cortiços de maior porte estarem localizados na re-gião sudeste, a presença de muitos imóveis com reduzidonúmero de cômodos determina uma média próxima àsdemais.

Cortiços adaptados e concebidos apresentam a mesmamédia de domicílios por imóvel tanto para o total da ci-dade como para as regiões, quando analisadas de formadesagregada, com exceção da Sé, em que a média de do-micílios para concebidos é a menor da cidade, estatisti-camente diferente da média encontrada para adaptados.

Comparando-se as regiões, não há diferença estatísti-ca em nenhum caso entre os concebidos. Quanto aos adap-tados, apenas a região centro se distingue das regiões norte,sul e leste, esta última com médias inferiores.

Desconsiderando-se a divisão entre adaptados e con-cebidos, o número médio de domicílios por imóvelencortiçado em São Paulo é de 6,94, com 2,9 pessoas emcada domicílio.

Diferentemente das variáveis já analisadas, levantamen-tos recentes sobre indicadores de habitabilidade possibili-tam comparações com os resultados aqui encontrados, per-mitindo uma melhor qualificação das estimativas obtidas.

Em 1991, a Secretaria Municipal de Habitação reali-zou levantamento censitário dos cortiços do Pari, distritoda Administração Regional da Sé (Sehab/Habi, 1991). Esteestudo registrou 9,0 cômodos e 8,4 domicílios, ou gruposresidentes, por imóvel, valores bastante próximos aos aquiencontrados para a região centro. Para as demais regiões epara o total da cidade não se dispõe de estimativas recentes.

Número de Moradores por Imóvel e por Cômodo

Cortiços adaptados e concebidos apresentam o mes-mo número médio de moradores por imóvel em todas asregiões da cidade (Tabela 6). Para os concebidos, os tes-tes entre regiões confirmam a igualdade das médias, comexceção da comparação entre a norte e a sul. Para os adap-tados, diferenças estatísticas foram encontradas apenasquando comparada a região leste com sudeste e centro.Dessa forma, pode-se considerar a média de pessoas porimóvel, tanto para concebidos como para adaptados, comosendo a mesma para toda a cidade.

Os cortiços em São Paulo têm, em média, 20,17 mora-dores por imóvel, valor este bastante próximo ao encon-trado pelo levantamento censitário do distrito do Pari(23,00 pessoas).

Quanto ao número de pessoas por cômodo, os testesestatísticos não rejeitaram a igualdade de médias entreconcebidos e adaptados em nenhuma das regiões, nem nacomparação entre elas. O valor médio encontrado é, esta-tisticamente, único para toda a cidade.

A estimativa do número de pessoas por cômodo con-siderou apenas aqueles ocupados, enquanto o cálculo donúmero de cômodos por imóvel incluiu todos os existen-tes, obtendo-se uma média de 2,51 pessoas por cômodosem se distinguir adaptados e concebidos.

Regiões

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CORTIÇOS ADAPTADOS E CONCEBIDOS NA CIDADE DE SÃO PAULO

157

TABELA 7

Despesas com Moradia e Renda Individual, por Tipo de Cortiço,segundo Regiões

Município de São Paulo – 1993/94Em salários mínimos

Despesas com Moradia Renda Individual

Adaptados Concebidos Nível Adaptados Concebidos NívelDescritivo Descritivo

Total 0,8 0,8 0,87 2,4 2,7 0,19

Norte 0,7 0,9 0,01 2,3 2,6 0,25

Sul 0,8 0,7 0,82 2,4 2,8 0,23

Centro 0,8 0,7 0,16 2,5 2,3 0,60

AR Sé 0,8 0,6 0,26 2,5 2,3 0,51

Leste 0,6 0,8 0,11 1,9 3,0 0,06

Sudeste 1,0 0,9 0,19 2,4 2,6 0,53

Fonte: Sehab/Habi – Fipe (1994).

Gestão do Imóvel

Por gestão, entende-se um conjunto de indicadores quepermitam avaliar a forma de administração e controle dosimóveis encortiçados. Foram selecionados os mais rele-vantes: quem aluga os cômodos; onde mora o proprietá-rio; e quem é encarregado da administração do cortiço.

Às diversas formas de gestão correspondem graus dife-rentes do processo de mercantilização das moradias. Esseprocesso compreende inúmeras situações que vão desdea exploração do imóvel feita diretamente pelo proprietá-rio até a presença de imobiliárias e intermediários diretos.

A análise destes indicadores considerou apenas a dis-tinção entre adaptados e concebidos, sem desagregar osresultados por região, uma vez que as diferentes formasde gerenciamento dos cortiços estão associadas, suposta-mente, a esta tipologia, independentemente da distribui-ção espacial dos imóveis.

Em 59,2% dos casos, os cômodos dos cortiços sãoalugados pelo proprietário dos imóveis, sendo que aproporção de adaptados e concebidos neste conjunto éestatisticamente igual: 46% e 54%, respectivamente,indicando que a exploração direta pelo proprietárioindepende da tipologia. O mesmo não ocorre quando alocação é feita por imobiliária, pois dos 26,8% aluga-dos desta forma, 65,8% correspondem a concebidos e34,2% a adaptados.

Este resultado é surpreendente, tendo em vista a supo-sição de que a intermediação por imobiliária é menos fre-qüente entre os concebidos, com seus proprietários pre-tendendo exercer um controle mais direto sobre seusimóveis.

Intermediários diretos (sublocadores) encontram-se emmenor proporção: 14,0% dos aluguéis são realizados poreles, sendo que, deste total, 81,6% em adaptados e 18,4%em concebidos.

Moram no lote ou no próprio cortiço 44,8% dos res-ponsáveis pela locação. Adaptados e concebidos não sediferenciam quanto à presença de moradia do locador noimóvel, com percentuais de, respectivamente, 54,3% e45,7%, estatisticamente iguais.

As principais formas de administração dos cortiços emSão Paulo se dão pelo próprio proprietário (33,3%), porrodízio de moradores (23,1%), por um único morador(11,9%) e por um zelador (8,2%). Distinguindo-se adap-tados e concebidos, encontra-se o mesmo percentual deimóveis administrados pelos proprietários (50% paraambos). A tipologia, desta forma, não determina estetipo de administração do imóvel. Para as demais for-mas de administração, os testes estatísticos mostraramque também não há diferenças entre as duas categoriasde cortiços.

Renda Individual e Despesas com Moradia

A renda individual dos moradores dos cortiços adap-tados e concebidos são estatisticamente iguais para o to-tal da cidade, bem como para a análise por região. Porrenda individual, entende-se o montante de ganhos mo-netários auferidos pela população encortiçada, na épocado levantamento dos dados. Foram consideradas todas asfontes geradoras desses rendimentos, eventuais ou per-manentes: renda do trabalho, formal ou informal; aposen-tadorias; pensões; doações (Tabela 7).

Para São Paulo, não considerando a distinção entreadaptados e concebidos, a renda média individual esti-mada é de 2,49 salários mínimos, bastante próxima dovalor encontrado para o distrito do Pari (2,2 salários mí-nimos). O mesmo resultado se obtém quando compara-das as médias deste distrito com a região centro.

Definiu-se como “despesas com moradia” a soma dosgastos mensais com aluguel, luz e água. Para a média doscortiços paulistanos, estas despesas corresponderam a0,843 salários mínimos. Adaptados e concebidos têm va-lores estatisticamente iguais para o total da cidade: 0,825e 0,832 salários mínimos, respectivamente (Tabela 7).

Analisando-se essa variável por região, constata-se quea média para adaptados e concebidos é igual em todas elas,excetuando-se a norte, onde concebidos apresentam ummontante de gastos ligeiramente superior.

Os gastos médios com moradia levantados pelo censodo Pari, em 1991, foram tabulados para os maiores emenores valores encontrados. Para os primeiros, a médiaobtida foi de 1,44 salário mínimo, reduzindo-se para 0,93

Regiões

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997

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salário mínimo no segundo grupo. Os valores aqui esti-mados, tanto para adaptados como para concebidos, es-tão mais próximos da menor média encontrada no Pari.Diferentes critérios de conversão dos valores nominais emsalários mínimos podem justificar as discrepâncias encon-tradas.

CONCLUSÕES

Os resultados aqui obtidos devem ser analisados comas qualificações que trabalhos dessa natureza impõem. Otamanho da amostra, a seleção dos indicadores, as defini-ções e critérios de agregação utilizados condicionam osnúmeros obtidos e as possibilidades de generalização. Damesma forma, deve-se observar que os resultados alcan-çados referem-se a valores médios dos indicadores anali-sados, um dos parâmetros da distribuição das variáveisna população.

O conceito de cortiço utilizado também condicionouos resultados, pois inclui apenas os imóveis encortiçadosenquadrados pela Lei Moura. Assim sendo, outros tiposde moradias precárias de aluguel existentes na cidade nãoforam analisados, embora se assemelhem ao cortiço pelaprecariedade das condições físicas e de habitabilidade doimóvel, pela coabitação involuntária de várias famílias,pelo uso de áreas comuns, pela falta de privacidade, en-tre outros aspectos.

Apesar dessas restrições e excetuando-se a estimativade moradores e número de imóveis, os indicadores obti-dos apresentam valores bastante próximos daqueles en-contrados em outros trabalhos, indicando consistência dosdados aqui analisados.

As razões da discrepância entre as estimativas do nú-mero de cortiços em São Paulo deve-se a diferenças decritérios adotados. Trabalho anterior estimou, em 1990,cerca de 3.000.000 de moradores que estariam vivendoem, aproximadamente, 100.000 imóveis (Rolnick,Kowarick e Someck, 1990). Esses números foram encon-trados supondo-se taxa de expansão dos cortiços seme-lhante à das favelas paulistanas no período 1975-85.

Esta hipótese de mesma taxa de expansão de favelas ecortiços pressupõe que ambos os processos originam-seda pauperização da população, sem outros condicionan-tes. Isto significa que a oferta de novos cortiços e domi-cílios em favelas se dá em igual magnitude.

O encortiçamento e a favelização na cidade, entretan-to, seguem dinâmicas distintas. Os cortiços constituem umaforma de moradia sem possibilidade de se expandir àsmesmas taxas das favelas. Exigem pagamento de aluguel,resultam da adaptação de imóveis construídos originalmen-te para outros usos ou da iniciativa de proprietários queedificam vários cômodos em um lote com o objetivo de

alugá-los. Pressupõe, em sua grande maioria, a proprieda-de privada do terreno e do imóvel, o que o vincula às tran-sações de mercado e a um certo nível de capitalização doseu proprietário. Seu ritmo de expansão guarda relação comas condições de rentabilidade de um “negócio”.

No tocante às favelas, seu ritmo de crescimento de-pende apenas da disponibilidade de espaço e da vontadepolítica do poder público de conter as invasões. Dadasessas condições, é do próprio morador a iniciativa de cons-trução da moradia. Sem pagar aluguel, o proprietário dodomicílio tem ainda liberdade de ampliá-lo, dividi-lo,melhorá-lo ou, até mesmo, vendê-lo.

Cabe ainda mencionar que, simultaneamente à criaçãode novos cortiços, as transformações urbanas destroemvelhos casarões, armazéns, antigos cinemas, valorizandonovas áreas. Assim sendo, devem ocorrer contínuas sub-trações ao estoque de imóveis encortiçados, reduzindo osacréscimos advindos da expansão da cidade e da paupe-rização da população. A expansão dos cortiços na cidadeconta, assim, com um redutor, cuja magnitude dificilmenteserá precisada, pois a carência de informações sobre osimóveis que desaparecem impossibilita a estimativa. Oscortiços hoje existentes, portanto, resultam de um longoprocesso de transformação urbana, cuja recuperação his-tórica é, certamente, um desafio aos estudiosos da ques-tão.

Cortiços adaptados e concebidos encontram-se distri-buídos por toda a cidade, embora seja indiscutível a pre-dominância de adaptados na região central. Não se pode,contudo, concluir pela existência de um padrão dicotômico– “centro versus demais regiões” –, pois há preponderân-cia de adaptados também na região sudeste, embora emmenor proporção que a encontrada na região centro. Ob-serva-se, ainda, que a região leste possui proporção idên-tica entre concebidos e adaptados. Para o total da cidade,há uma certa predominância de adaptados. A associaçãoque sempre foi feita entre concebidos e periferia é encon-trada apenas nas regiões norte e sul.

Em valores médios, o porte dos imóveis adaptados econcebidos é semelhante, com número de domicílios ecômodos bastante próximo para ambos. Destaca-se a re-gião sudeste, com valores médios superiores àqueles re-gistrados para o total da cidade. Estes resultados contra-riam a hipótese de que os adaptados abrigam maior númerode famílias e moradores.

O estoque de cortiços adaptados e concebidos hojeexistente não apresenta diferenças quanto ao número deanos de encortiçamento, nem mesmo na região centro.Apesar do desconhecimento da trajetória que seguiu oencortiçamento na cidade, a grande proporção de corti-ços adaptados e concebidos com até dez anos de uso nasregiões leste e sul sugere que, nessas áreas, o ritmo de

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CORTIÇOS ADAPTADOS E CONCEBIDOS NA CIDADE DE SÃO PAULO

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encortiçamento acentuou-se na última década, contrastan-do com o que ocorria há mais de 20 anos. Diferentementedessas regiões, os imóveis do centro foram encortiçadoshá mais tempo, o mesmo acontecendo na região sudeste.

Quanto à gestão do imóvel, pode-se afirmar que hápoucas diferenças entre adaptados e concebidos: o alu-guel da moradia efetuado diretamente para o proprietárioé a forma dominante de exploração, em ambos os casos.A intermediação por imobiliárias e intermediários dire-tos (sublocadores) é menos freqüente. A primeira encon-tra-se mais fortemente associada aos cortiços concebidose a sublocação aos adaptados. Quanto aos demais indica-dores de gestão, não foram encontradas diferenças.

A renda média da população também não difere entreos dois tipos e tampouco o número de pessoas conviven-tes por domicílio e por cômodo.

Em termos de política habitacional, portanto, a distin-ção entre adaptados e concebidos pode ser desconsiderada,pois, com base nos aspectos aqui analisados, os cortiçosconstituem um único tipo de moradia. Esta afirmação éválida para intervenções que enfoquem o cortiço sob aótica das condições de moradia. Eventuais transformaçõesde uso, expansão e valorização de áreas da cidade, am-pliação das redes públicas de transporte e serviços urba-nos, bem como políticas que interferiram no mercadoimobiliário, podem determinar diferenças entre adapta-dos e concebidos quanto às possibilidades de expansão e,até mesmo, provocar alterações nos valores médios dos

indicadores aqui analisados. Assim sendo, apesar das se-melhanças encontradas, esta tipologia deve ser preserva-da como recurso analítico para a compreensão de outrasdimensões do fenômeno de encortiçamento na cidade deSão Paulo.

Na formulação de políticas voltadas a este tipo de ha-bitação, ênfase maior deve ser dada às diferentes densi-dades de imóveis por região, com a centro e a sudeste li-derando as áreas de maior concentração.

NOTAS

1. O percentual foi calculado a partir de estimativa da população paulistana rea-lizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, para 1993.

2. Os resultados encontram-se disponíveis com as autoras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SEMPLA – Secretaria Municipal do Planejamento. Cortiços em São Paulo: frentee verso. São Paulo, 1986.

SEHAB/HABI. Secretaria Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano/Superintendência de Habitação Popular/ Divisão Técnica de Planejamento.Censo de habitações coletivas precárias de aluguel – distrito do Pari. SãoPaulo, 1991, mimeo.

SEHAB/HABI – FIPE. Secretaria Municipal da Habitação e DesenvolvimentoUrbano/Superintendência de Habitação Popular – Fundação Instituto dePesquisas Econômicas. Estudo das favelas e cortiços da cidade de São Paulo.São Paulo, v. I, 1994 (Relatório final).

ROLNICK, R.; SOMECK, N. e KOWARICK, L. (orgs.). São Paulo: crise emudança. São Paulo, Sempla e Ed. Brasiliense, 1990.