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p. 43-84
Redes eltricas inteligentes (smart grid): oportunidade para adensamento produtivo e tecnolgico local
Ricardo RiveraAlexandre Siciliano EspositoIngrid Teixeira*
Resumo
O conceito de smart grid (SG) ou redes eltricas inteligentes (REI) traz uma mudana de paradigma para o setor de energia eltrica. As REIs objetivam otimizar produo, distribuio e con-sumo de energia, viabilizando a entrada de novos fornecedores e consumidores na rede, com melhorias significativas em monito-ramento, gesto, automao e qualidade da energia ofertada, por meio de uma rede eltrica caracterizada pelo uso intensivo das tec-
*Respectivamente, engenheiro do BNDES e mestre em Administrao de Empre-sas, economista do BNDES e mestre em Cincias Econmicas e engenheira do BNDES e mestre em Redes de Comunicao. Este artigo de exclusiva respon-sabilidade dos autores, no refletindo, necessariamente, a opinio do BNDES.
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nologias de informao e comunicao (TIC). Neste artigo sero apresentados aspectos tecnolgicos, econmicos, regulatrios e de financiamento envolvidos e sero identificados elementos que au-xiliem na formao de uma poltica para adensamento produtivo e tecnolgico por meio da implantao das REIs no pas. Tambm vai se dedicar ateno ao Plano Inova Energia.
Abstract
The concept of smart grids (SG) or intelligent electricity networks (REI) brings about a change in the paradigm for the electric energy sector. Smart grids are aimed at optimizing production, distribution and consumption of energy, making it feasible for new suppliers and consumers to enter the network. This has been made possible by significantly improving the monitoring, management, automation and quality of the energy supplied through an electric network characterized by the intensive use of communication and information technology (CIT). This paper presents technological, economic and regulatory aspects, as well as those related to financing involved. It seeks to identify elements that help shape a policy for production and technology concentration by implementing smart grids throughout the country. This article will also focus on the Inova Energy Plan.
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Introduo
O conceito de redes eltricas inteligentes
As redes eltricas, na maioria das economias desenvolvidas ou em desenvolvimento, foram criadas h mais de um sculo e desen-volveram-se a partir de modelo tecnolgico eletromecnico muito semelhante ao atual. Metaforicamente, pode-se dizer que, diferente-mente de Graham Bell que, se estivesse vivo nos dias de hoje, ne-cessitaria ao menos de algum tempo para compreender as modernas redes de telecomunicaes , Thomas Edison no teria dificuldades em explicar como esto organizadas a gerao, a transmisso e a distribuio de energia no mundo.
O conceito de smart grid (SG) ou redes eltricas inteligentes (REI) , que foi cunhado em Amin e Wollenberg (2005), apresenta uma mudana no paradigma do setor eltrico, levando em conta a necessidade de tornar o sistema de entrega de energia mais interati-vo por razes que diferem em cada pas ou regio. As necessidades de incorporar diferentes fontes de energia na rede em especial fontes geradoras descentralizadas, renovveis e intermitentes e de introduzir novos consumidores como veculos eltricos , alm da importncia de melhorar a eficincia e o prprio dimensionamento da rede, esto entre os motivos que sero apontados neste artigo para justificar a crescente aplicao de inteligncia nos sistemas el-tricos no mundo.
Justamente por representar uma mudana de paradigma, trata--se de um conceito com mltiplas definies, que variam de acor-do com a perspectiva adotada tais como: tecnolgica, ambiental, socioeconmica ou poltico-regulatria. Os citados autores que cunharam o termo SG o definem como uma infraestrutura de rede eltrica em larga escala caracterizada por segurana, agilidade e
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resilincia/robustez que enfrenta novas ameaas e condies no previstas [Amin e Wollenberg (2005, p. 1)]. Os agentes da rede seriam capazes de comunicar e cooperar entre si de maneira a se autoconfigurar em caso de novo elemento (plug and play) ou de necessidade de correo [Amin e Wollenberg (2005)]. Nessa de-finio, a perspectiva do gestor da rede de energia prevalece, com preocupao centrada na automao e maior eficincia do sistema. H definies que esto mais orientadas ao consumidor da energia, enquanto outras procuram focar em outros aspectos de gerao, transmisso e distribuio.
Em sntese, e para fins deste artigo, as REIs objetivam otimizar produo, distribuio e consumo de energia, viabilizando a entra-da de novos fornecedores e consumidores na rede, com melhorias significativas em monitoramento, gesto, automao e qualidade da energia ofertada, por meio de uma rede eltrica caracterizada pelo uso intensivo das tecnologias de informao e comunicao (TIC), conforme a que se apresenta na Figura 1.
Figura 1 Redes eltricas inteligentes: elementos e funcionalidades
Veculos eltricosCarga de veculos eltricos/veculos eltricos hbridos
Gerao distribudaIntroduo de fontes
distribudas, como solar e elica
Melhoria de qualidadeReduo do tempo de falhas,
manuteno preventiva
Iluminao eficienteUso de luminrias
de LED, OLED
Eficincia operacional Reduo de perdas, melhor
dimensionamento de equipes etc.
Automao daoperao
Medio remota,liga e religa etc.
Aplicaes domsticasNovos servios, gesto de energia
pelo consumidor, energia pr-paga,eletrodomsticos inteligentes etc.
Armazenamento distribudoIntroduo de acumuladores
distribudos
Fonte: Elaborao prpria. Fotos gentilmente cedidas por Free Range Stock (www.freerangestock.com), que detm os direitos de propriedade.
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A implantao das REIs pode ser compreendida em trs dimen-ses complementares e independentes [Bandeira (2012)]. Na pri-meira, as intervenes so feitas com o objetivo de agregar inteli-gncia ao sistema de fornecimento de energia eltrica gerao, transmisso e distribuio , promovendo robustez, segurana e agilidade na rede.
Em outra frente, busca-se extrair os benefcios da substituio dos medidores eletromecnicos por eletrnicos inteligentes, que passam a oferecer inmeras funcionalidades, dependendo do tipo do medidor escolhido. Do ponto de vista dos consumidores, podem--se obter: informao sobre o consumo de energia por horrio tari-fa branca;1 apresentao de dados do ltimo perodo de faturamento (memria de massa); e indicativos da qualidade da energia ofertada pelas concessionrias, permitindo que a Agncia Nacional de Ener-gia Eltrica (Aneel) possa, por exemplo, reduzir o valor cobrado pela energia caso os indicadores fiquem fora do padro de qualidade estabelecido. J as concessionrias podero realizar corte e religa-mento remotos, oferta pr-paga de energia (comunicao de dados uni ou bidirecional do medidor ao centro de medio) e obter uma reduo de custos operacionais.
Por fim, tem-se a dimenso do uso da inteligncia nos centros consumidores, caracterizada por residncias com eletrodomsticos inteligentes interconectados ao medidor, permitindo melhor gesto do consumo energtico, comunicao bidirecional de energia, por meio da gerao distribuda com fonte solar, elica ou biomassa, e armazenamento de energia com o uso dos carros eltricos.
1 A tarifa branca uma modalidade tarifria que define para os consumidores de baixa tenso (residenciais) trs nveis tarifrios por intervalos de horrios ao longo do dia. Seu objetivo sinalizar aos consumidores os horrios nos quais o custo de produo da energia mais caro, mais barato ou intermedirio. Sua aplicao ocorrer se o consumidor optar por trocar seu medidor analgico por um medidor inteligente.
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No pas e no mundo, as REIs encontram-se atualmente em um es-tgio de evoluo embrionrio, semelhante ao da internet no comeo dos anos 1980,2 havendo ainda grandes oportunidades para as empre-sas, concessionrias de energia, fornecedores de tecnologia, governos, consumidores e desenvolvimento de novas capacitaes na chamada economia sustentvel. De fato, os planos de substituio de medi-dores inteligentes dos Estados Unidos, da Europa e do Japo apontam para concluso entre 2022 e 2030, no necessariamente significando a implantao do conceito integral de redes eltricas inteligentes.
Esse relativo largo horizonte temporal no indica, contudo, que a ja-nela de oportunidade para insero tecnolgica e produtiva do Brasil em REIs seja ampla. Alm de esse processo j ter se iniciado h mais tempo nos pases desenvolvidos, a agenda de eficincia e segurana energtica ganhou momentum especial a partir das aes em resposta crise mundial, com grande soma de recursos destinada implantao de projetos-piloto e tecnologias de smart grid, como ser mostrado mais adiante neste artigo, em Panorama Mundial de Implantao das REIs.
Depois de um sculo de relativo reduzido dinamismo inovador, a inexorvel introduo das tecnologias de informao nas redes eltricas poder iniciar um processo retroalimentado de desenvol-vimento. A implantao das redes inteligentes no Brasil demanda-r volumes expressivos de investimentos que, sendo concentrados no tempo, podero viabilizar o desenvolvimento de tecnologias e produo local em grande escala, permitindo encadeamentos pro-dutivos e tecnolgicos significativos. Dessa forma, o ciclo virtuoso de desenvolvimento preconizado por Hirschman [apud Krugman (2013)] pode ser iniciado: elevada demanda, gerando aperfeioa-mentos da oferta da cadeia de bens e servios com ganhos de produ-
2 A partir de 1983, com o estabelecimento do protocolo TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), permite-se a comunicao entre as redes independentes de dados existentes at ento, razo basilar para a profuso da internet no mundo.
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tividade, que geram novos mercados, em um processo positivamen-te retroalimentado e autossustentado.
Segundo dados do boletim de 2011 da IC Insights, os investi-mentos globais em REIs devem dobrar entre 2011 e 2015, atingindo cerca de US$ 200 bilhes em 2015.3 No Brasil, a perspectiva de substituio de um parque de 64 milhes de medidores com in-vestimentos em equipamentos e softwares de medio, automao, tecnologia da informao (TI), telecomunicaes e dispositivos de gerao distribuda, que podem alcanar, segundo estudo da Asso-ciao Brasileira de Distribuidores de Energia Eltrica (Abradee), de R$ 46 bilhes a R$ 91 bilhes at 2030 , somada ao fato de o pas ser um dos primeiros no ranking global de perdas no tcni-cas de energia, vem atraindo os holofotes mundiais. Grandes mul-tinacionais como IBM, GE, Siemens, Silverspring, Fujitsu e Asea Brown Boveri (ABB) vm reforando sua atuao local, at mes-mo por meio de aquisies de empresas nacionais.4 O tamanho do mercado e os ganhos previstos com a implantao das REIs podem ser estendidos para outros servios pblicos, evoluindo-se para o conceito de cidades inteligentes (smart cities), nas quais a infraes-trutura de informao e automao criada permitir o uso eficiente dos recursos alm de energia, gua, gs, segurana, trnsito etc. e a melhoria na qualidade desses outros servios.
A viabilidade da implantao desses conceitos smart como REIs e cidades inteligentes est intimamente associada aos avan-os tecnolgicos da eletrnica, com viabilizao dos dispositivos de sensoriamento, comunicao, processamento, energy harvesting
3 O nmero considera os investimentos em infraestrutura para REIs, sistemas de armazenamento, alm dos investimentos em medidores e tecnologia da infor-mao (TI).
4 Por exemplo, as aquisies da Senergy (empresa do grupo Nansen) pela Siemens, da Elcid pela Sonda Prockwork (chilena) e de 15% da CAS pela ame-ricana Sensus.
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(gerao de energia distribuda) e armazenamento de dados, alm da melhoria nos sistemas de controle. Esse fenmeno possibilitar no somente a implantao de cidades inteligentes, mas tambm de ambientes onde todos os objetos podem ser unicamente identifi-cados, reconhecidos, localizados e endereados, o que vem sendo chamado de Internet of Things (IoT) ou Internet das Coisas, conforme se representa na Figura 2. Redes eltricas e de esgoto, sinais de trnsito, veculos, roupas, pessoas, culos, basicamente tudo passar a ser uma fonte geradora de dados, que, ao serem processados e tratados com inteligncia, passam a gerar informa-es que auxiliam, por exemplo, no entendimento e na gesto do trnsito, na gesto remota da sade de cardacos, e na oferta de servios e produtos baseados nos hbitos identificados dos consu-midores. A Ericsson estima que em 2020 mais de vinte bilhes de dispositivos estaro conectados rede mundial, enquanto a em-presa americana Cisco avalia que o valor adicionado gerado pela IOT ser de US$ 14,4 trilhes entre 2013 e 2022. Esse universo de possibilidades desperta o interesse das maiores corporaes de TICs no mundo, como Google, IBM, Intel, entre outras.
Figura 2 Das redes eltricas inteligentes Internet das Coisas (Internet of Things)
Redes eltricasinteligentes
Cidadesinteligentes
Internet dasCoisas
(Internet of Things)
Fonte: BNDES.
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Objetivos e organizao
O presente artigo tem por objetivo identificar elementos que au-xiliem na formao de uma poltica para adensamento produtivo e tecnolgico por meio da implantao das REIs no pas.
Para tanto, alm desta introduo, as duas sees seguintes bus-cam mapear o estgio e motivaes da implantao das REIs no mundo e no Brasil. Na quarta seo so apresentadas as questes--chave para implantao do SG: aspectos tecnolgicos, participao do consumidor e quadro regulatrio. Na quinta, a cadeia de forneci-mento tecnolgico e produtivo analisada, para, na sequncia, ser realizada uma avaliao das perspectivas e oportunidades de aden-samento tecnolgico produtivo por meio das REIs. Na sexta seo, abordado o plano de fomento inovao no setor eltrico, o Inova Energia, bem como os elementos importantes para potencializar as tecnologias e produtos locais quando da massificao das REIs.
Panorama mundial de implantao das REIs
Como mencionado anteriormente, considerada a multiplicidade de conceitos e benefcios, os principais direcionadores para a im-plantao das REIs so diferentes em cada pas, como aponta a Fi-gura 3. Nos Estados Unidos, o pacote de incentivos economia de 2009 somou foras preocupao com a segurana energtica norte-americana, quando foram destinados US$ 4 bilhes em fun-dos para o desenvolvimento das REIs.5
5 Por meio do Programa de Reinvestimento e Recuperao da Economia Norte--Americana (American Recovery Act). Se combinados com fundos provenien-tes da indstria, o montante disponvel para SG atingiu mais de US$ 8 bilhes.
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Como a regulao da distribuio descentralizada, o estgio de evoluo das REIs varia de acordo com os estados. A partir da aprovao em 2008 da legislao sobre SG, a Califrnia vem subs-tituindo seus medidores e, segundo os dados de seu ltimo relat-rio, publicado em maio de 2013, houve a substituio de 97% dos medidores (aproximadamente dez milhes de unidades) [California Public Utilities Commission (2013)]. Flrida, Colorado e Texas que autorizaram as distribuidoras a repassarem o custo dos medido-res inteligentes para seus clientes em determinadas condies so exemplos de estgios avanados de aplicao das REIs.
Com base nos desafios de renovar a rede eltrica, aumentar a ca-pacidade de gerao, garantir liquidez, controlar a volatilidade de preos e implementar a interoperabilidade e a integrao de fontes renovveis, o parlamento europeu fixou como meta a implantao de 80% de medidores inteligentes at 2020 [European Commission (2011)]. Entretanto, alguns pases j se anteciparam e se destacam, como a experincia italiana com sua principal distribuidora, a Enel,6 que em 1999 implantou um projeto-piloto com soluo e medidores desenvolvidos internamente. Em cinco anos, concluiu o projeto de mais de 2 bilhes; em 2010, cerca de 85% dos lares italianos dis-punham de medidores inteligentes. A Enel exporta suas solues em parceria com a IBM e, em conjunto com sua subsidiria espanhola Endesa, est realizando um piloto na Coelce (distribuidora do Cea-r) e um piloto de cidade inteligente em Bzios, por meio de sua distribuidora Ampla.
Na Sucia, todos os lares j dispem de medidores inteligentes instalados. Na Frana, por decreto, 95% dos lares de distribuidoras com mais de cem mil clientes devero t-los instalados at 2016.
6 A Enel atua em mais de quarenta pases em gs e eletricidade, com 95 GW de capacidade instalada. No Brasil, controla as distribuidoras Coelce (Cear) e Ampla (Rio de Janeiro).
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Contudo, tal como Espanha, Reino Unido, Noruega e Holanda, no incio de 2012 o pas ainda no havia atingido 10% da base instala-da com medio inteligente [Bloomberg (2012)]. Apesar de seguir o cronograma europeu, a Alemanha destaca-se por seu objetivo de ter 35% da energia gerada por fontes alternativas que devero ser integradas rede at 2020.
A gigante State Grid Corp of China (SGCC) pretende substituir todos seus 360 milhes de medidores at 2020, tendo sido apenas uma pequena frao deles substitudos at o momento. Japo e Co-reia tambm se encontram em estgio de programas-piloto e ann-cios de instalao na base completa at 2020.
Figura 3 Motivadores para a implantao de redes eltricas
EUA Europa Japo China
Integrao de diversasfontes de energiarenovveisInfraestruturaenvelhecidaUso de veculos eltricos
Diversificaoenergtica (acidentesnucleares)Uso de veculos eltricosImplantao de cidadesinteligentes
Implantao decidades inteligentes eprotagonismo mundialem IoTEficincia energticaDiversificaoenergtica (renovveis)
Agenda tecnolgica pararecuperao econmicaInfraestrutura obsoletaGerao distribuda deenergiaConfiabilidade,segurana e eficinciado sistemaUso de veculos eltricose hbridos
Fonte: Elaborao prpria, com base em Energy Independent Security Act (EISA) EUA e Smith (2012).
Em sntese, apesar do estgio caracteristicamente piloto no pla-no mundial, a maioria dos pases que desenvolve tecnologia j tra-ou metas ou iniciou a implantao em massa das REIs. Os early adopters como a Itlia e pases tradicionais no setor de energia e TICs Alemanha, Japo, Estados Unidos, entre outros j se be-neficiam dessa vantagem, fortalecendo empresas nativas, que pas-sam a liderar processos de consolidao em escala global.
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Panorama de implantao do conceito de REI no Brasil
Tal como na maioria dos pases emergentes, a implantao das REIs no Brasil tem especificidades que a diferenciam dos pases desenvolvidos. Dentre outras, importante destacar que, no pas: (i) a matriz eltrica renovvel cerca de 90% da energia gerada vem de fontes renovveis e interligada por um robusto sistema integrado de gerao e transmisso de dimenses continentais; (ii) o consumo de energia per capita no pas significativamente infe-rior 2.200 kWh/habitante, contra, por exemplo, 12.884 kWh/ha-bitante nos Estados Unidos, segundo International Energy Agency (IEA), tendo como base o ano de 2009 ; (iii) o potencial de recursos renovveis e no renovveis no explorados alto; e (iv) as tarifas de energia esto entre as mais caras do mundo. Por conseguinte, no Brasil, a formulao de poltica energtica concentra esforos nos objetivos associados garantia de suprimento com modicidade tari-fria, sobrepondo-se a objetivos de poltica industrial e tecnolgica. A abundncia no Brasil de recursos renovveis competitivos (como a gerao hidreltrica e elica) inibe o fomento a tecnologias novas, associadas gerao distribuda e ao desenvolvimento das REIs, como ocorre no Hemisfrio Norte para energia solar, por exemplo.
A implantao das REIs no Brasil teria como principais moti-vadores, como indica a Figura 4: a busca das eficincias comer-cial e energtica, o aumento da confiabilidade do sistema eltrico, a segurana operacional e sistmica e sustentabilidade econmica e ambiental [Aneel (2010)].
A eficincia comercial e energtica seria obtida por meio da reduo de perdas tcnicas e comerciais, melhoria na qualidade da energia ofertada ao consumidor e gesto do horrio de consumo de energia pelo consumidor. A confiabilidade do sistema eltrico aumentaria com a interoperabilidade entre os diversos componen-
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tes da rede e as subestaes, gesto de ativos e do planejamento da capacidade de gerao, transmisso e distribuio de energia.7 A segurana operacional e sistmica seria atingida por meio do controle de acesso dos usurios de rede, da reduo de energia no distribuda e das perdas por fraudes, bem como viabilizaria a gera-o distribuda e a gesto para contingncias e autorrecomposio. Por fim, a sustentabilidade econmica e ambiental seria fruto da diversificao dos negcios e das oportunidades para novos servi-os de valor agregado ofertados pelas concessionrias, tais como a recente regulamentao do net metering8 e o uso de veculos eltri-cos e hbridos conectados s redes.
Figura 4 Motivadores para a implantao das REIs no Brasil
Implantao deredes eltricas
inteligentes
Eficincia comercial e energtica
Aumento da confiabilidade
do sistema eltrico
Segurana operacional e sistmica
Sustentabilidade econmica e ambiental
Fonte: Elaborao prpria, com base em Chamada Aneel 11/2010 (Programa Brasileiro de Rede Eltrica Inteligente).
7 Estudo da International Energy Agency (IEA) indica que a demanda de pico pode ser reduzida entre 13% e 24% com aplicao em massa das REIs.
8 Regulamentado pela Aneel em 2012 (Resoluo Normativa 482, de 17 de abril de 2012), o net metering uma forma de insero de gerao distribuda na qual os consumidores de energia, ao instalarem equipamentos de micro e minigera-o podem trocar com as concessionrias de energia os montantes de energia. Com essa prtica, as concessionrias recebem energia em momentos de exce-dente de produo, que so convertidos em crditos para que os consumidores usem em momentos de consumo de energia superior a sua gerao individual.
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Alm dos motivadores expostos, o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 prev a reduo do consumo final de energia eltrica de 10% em 2030 por meio de medidas indutoras de eficincia ener-gtica [MME (2010)]. O nvel de perdas no tcnicas9 e tcnicas alto, sobretudo em reas urbanas. Segundo Bloomberg (2012), cer-ca de US$ 5 bilhes so anualmente perdidos em furtos, erros de faturamento e medio, e 16% da energia produzida no vendida por razes tcnicas e no tcnicas. O foco de reduo de perdas tem sido o direcionador de investimentos de concessionrias, por exemplo, os da Ampla e da Light. Obrigadas a investir 0,2% de sua Receita Operacional Lquida (ROL) em pesquisa e desenvolvimen-to (P&D) (Lei 9.991/2000), algumas concessionrias tm desenvol-vido experincias de REIs em regies que representam at 1% de suas bases instaladas.
A busca por maior eficincia operacional talvez seja o principal vetor para as concessionrias com menores perdas, como a Compa-nhia Energtica de Minas Gerais (Cemig). A Companhia Paulista de Fora e Luz (CPFL), empresa que atende a ampla rea de clientes industriais no interior paulista, est com projeto-piloto na regio de Campinas. Os investimentos desse projeto em andamento foram viabilizados por meio dos benefcios econmicos relacionados identificao de falhas e reduo de gastos operacionais das equi-pes de manutenes preventiva e corretiva da rede.
Experincias em gerao distribuda, principalmente em vista do potencial de uso das fontes solar e elica do pas, tm sido desenvol-vidas por diversas concessionrias em seus projetos de P&D, como Cemig, CEEE, Eletrobras Eletrosul e Tractebel.
9 As perdas no tcnicas anuais calculadas pela Aneel (decorrentes principal-mente do furto de energia) correspondem a cerca de 8,7% da energia produzida no pas, o equivalente produo da futura Usina Hidreltrica de Santo Ant-nio, no Rio Madeira, segundo Chamada 11/2010 (Programa Brasileiro de Rede Eltrica Inteligente).
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So essencialmente esses vetores que impulsionam a realizao de projetos-piloto no Brasil eficincia operacional, aumento da confiabilidade, reduo de perdas e experimentos em gerao dis-tribuda , financiados em grande parte pelos investimentos obriga-trios em P&D regulados e fiscalizados pela Aneel.
Com o objetivo de elaborar uma proposta para um plano nacional de migrao para o conceito das REIs no pas, a Abradee realizou um estudo amplo, envolvendo distribuidoras, institutos de cincia e tecnologia (ICTs) e universidades, com recursos de P&D da Aneel. Em sntese, foram estabelecidos trs cenrios conservador, mode-rado e acelerado para cada segmento de atuao microgerao de energia distribuda, polticas pblicas, regulao e veculos el-tricos [Kagan et al. (2013)].
No cenrio conservador, o incio da implantao seria em 2016, sem a criao de polticas pblicas e, em termos regulatrios, sem a imposio de obrigatoriedade de uso nas novas ligaes e substi-tuies. Entretanto, nesse cenrio, h algumas obrigaes regulat-rias, porm a deciso sobre a implantao fica a cargo das empre-sas. Ainda haveria a adoo dos veculos eltricos hbridos, alguns plugveis para carregamento lento. Com respeito microgerao de energia distribuda, nesse cenrio, a regulamentao define os padres de conexo, mas no haveria a possvel venda de energia ao sistema, somente o benefcio da reduo do consumo eltrico.
No cenrio moderado, o incio da implantao seria em 2015, as polticas pblicas incentivariam o uso eficiente de energia e pro-moveriam o desenvolvimento de tecnologias para a reduo das emisses de gases de efeito estufa. Em termos regulatrios, tanto os medidores inteligentes e seus mdulos assessrios como os in-vestimentos em infraestrutura de TI, telecomunicao e automao passariam a ser considerados na base de ativos das concessionrias, possibilitando a depreciao com taxas adequadas. Haveria, ainda,
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a possibilidade de fluxo bidirecional de energia para o uso mais in-tensivo da microgerao distribuda. Por fim, seriam usados vecu-los eltricos apenas em grandes centros urbanos, sem necessidade de investimentos para a gesto do consumo.
No cenrio acelerado, o incio da implantao seria em 2014, os in-centivos efetivos abrangem todas as reas/funcionalidades das REIs e a regulao viabiliza a implantao de novos negcios pela infraes-trutura das REIs. Adotou-se como premissa haver incentivos para a aquisio de veculos eltricos e modelo tarifrio que permita a com-pra e venda de energia em diferentes reas de concesso (roaming de energia). Quanto microgerao de energia distribuda, haveria a instituio de uma tarifa-prmio (preo de venda mais alto que o preo de compra) e possibilidade de constituio de microgrids.
O referido estudo estima que o investimento para a implantao total da REI no pas pode variar de R$ 46 bilhes (conservador) a R$ 91 bilhes (acelerado), conforme mostrado na Tabela 1. Percebe--se a elevada participao dos investimentos em medio, justamen-te a rea em que esto concentrados os principais players da cadeia, conforme ser comentado na quinta seo.
Tabela 1Cenrios Abradee de investimentos para implantao das REIs no Brasil (em R$ bilhes)
rea Acelerado % Moderado % Conservador %
Medio 45,6 50 35,4 58 28,8 62
TI medio 0,5 1 0,5 1 0,4 1
Telecomunicao medio
13,6 15 10,9 18 9,2 20
Automao 2,1 2 1,8 3 1,1 2
TI automao 1,5 2 1,5 2 1,4 3
(Continua)
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rea Acelerado % Moderado % Conservador %
Telecomunicao automao
5,9 6 5,6 9 5,2 11
TI gerao distribuda/veculos eltricos
0,2 0 0,2 0 0,1 0
Incentivos gerao distribuda
21,7 24 5,3 9 0,0 0
Total 91,1 100 61,2 100 46,2 100
Fonte: Chamada 11/2010 (Programa Brasileiro de Rede Eltrica Inteligente).
Segundo as concluses do estudo de custo-benefcio realizado pela Abradee, de um modo geral, para os trs cenrios considera-dos (acelerado, moderado e conservador) e do ponto de vista dos atores envolvidos (sociedade, consumidor e concessionrias), os custos so iguais ou superiores aos benefcios. Portanto, para que os benefcios sejam percebidos, seriam necessrios ajustes no ar-cabouo regulatrio atual para equacionar os incentivos concedi-dos a: microgerao distribuda, melhoria na qualidade do servio, reduo da energia no distribuda, reduo dos investimentos de expanso da gerao e transmisso e remunerao e depreciao dos investimentos realizados no perodo. Ressalte-se que mudanas regulatrias posteriores que estabeleceram o net metering e a tarifa branca no foram levadas em considerao no citado estudo, como ser descrito na prxima seo.
Questes-chave para implantao das REIs
O quadro incipiente de implantao das REIs justifica-se pela complexidade fsica e institucional das redes eltricas no mundo, cabendo ao Estado papel central como organizador e impulsionador
(Continuao)
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da modernizao das redes eltricas. Para isso, refora-se a neces-sidade de articulao entre governo, indstria, concessionrias (em especial, distribuidoras), institutos de pesquisa e academia em torno de um plano nacional de REIs, tal como j fez a maioria dos pases centrais. Alm de estimular e organizar temporalmente a migrao em massa para as REIs, esse plano deve considerar o tratamento de questes regulatrias e tecnolgicas (padronizao, interoperabili-dade etc.) e a receptividade do consumidor, alm de prever a forma de remunerao dos investimentos a serem realizados e alternativas de financiamento. Elementos para compreenso dessas questes so descritos a seguir.
Panorama regulatrio
No quadro regulatrio, decises recentes comearam a delinear os primeiros incentivos para implantao das REIs. A Resoluo 502 da Aneel, de sete de agosto de 2012, definiu que em 18 meses, caso seja de interesse dos consumidores residenciais, exceo daqueles pertencentes aos grupamentos de baixa renda, devero ser instala-dos medidores inteligentes com as seguintes caractersticas mni-mas: (i) mensurao de energia ativa; (ii) diferenciao tarifria em quatro postos (conhecida por tarifa branca); e (iii) visualizao, para o consumidor, por meio de mostrador (display) no medidor ou em dispositivo interno residncia.
Outras funcionalidades, como aferio de tenso e corrente de cada fase, data e horrio das interrupes de fornecimento, entre outros, podero ser requeridas pelos consumidores, desde que eles assumam o nus financeiro pela agregao dessas funcionalidades adicionais. A Resoluo 502 no versa pela obrigatoriedade de existncia de um sistema de comunicao de dados nos medidores do Grupo B (con-sumidores de baixa tenso, exceto baixa renda e iluminao pblica).
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No entanto, ao (i) restringir essa legislao a uma parte importan-te, mas no completa, da base instalada, (ii) no exigir um mdulo de comunicao de dados, (iii) limitar a troca de medidores adeso voluntria dos consumidores e, portanto, (iv) no estabelecer um cronograma para a substituio integral dos 64 milhes de medi-dores, provvel que o interesse das empresas fornecedoras seja limitado. Tal fato desmotiva tanto multinacionais quanto empresas nacionais que vislumbrem desenvolver tecnologia local por meio da massificao de novos medidores.
Sobre o quadro regulatrio, o j citado estudo da Abradee aborda outras questes, entre as quais:
Financiamento do investimento em REIs segundo o es-tudo, o investimento nas REIs no apresenta retorno para as distribuidoras nas condies regulatrias vigentes.10 Dado o objetivo da poltica energtica de modicidade tarifria, as concessionrias indicam ser necessrio definir como equa-cionar os gastos na instalao das REIs entre consumidor (por exemplo, aumento de tarifas) e governo/sociedade (por exemplo, desoneraes tributrias).
Alterao na regulao sobre os lucros auferidos em novos negcios por meio das REIs a regulao atual s permite que as concessionrias aufiram 10% dos ganhos na prestao de servios diferentes da comercializao de energia eltrica. Alterando-se esse dispositivo, seria possvel incentivar, por exemplo, a prestao de servios de valor agregado nos domi-clios e a venda de servios de medio para outros servios
10 A cada quatro anos, as concessionrias fazem uma reviso de suas tarifas luz dos ganhos de produtividade aferidos durante esse perodo, repartindo esses ganhos com o consumidor (por meio de reduo de tarifas) com base em meto-dologia de clculo especfica da Aneel.
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pblicos (por exemplo, gua e gs), ou mesmo de banda larga, auxiliando no equacionamento da implantao das REIs.
Uso do espectro de frequncias para as REIs atualmen-te as solues de telemedio por meio areo para REIs no utilizam uma frequncia regulada especfica. Por trabalhar com frequncias abertas, medida que a rede for adensando o nmero de dispositivos conectados, maiores ficam os riscos de interferncia e rudos nos sinais, tornando-se necessrio regulamentar uma frequncia especfica para as REIs.
Ainda sobre os aspectos regulatrios, as concessionrias de ener-gia so afetadas por medidas do governo, que podem alterar seu engajamento na implantao das REIs:
Modificaes das regras de reviso tarifria (3 Ciclo de Revises) uma nova metodologia de reviso das tarifas das distribuidoras est em curso. Em relao aos perodos ante-riores, destaca-se o fato de a taxa de remunerao (WACC regulatrio) ter sido reduzida pela Aneel em quase dois pontos percentuais. Alm disso, h um controle mais rgido de cus-tos e uma tendncia de repasse dos ganhos de produtividade das concessionrias aos consumidores em proporo maior do que o verificado no passado. Em linhas gerais, a consequ ncia ser a reduo das receitas, dos lucros auferidos e, por conse-guinte, dos gastos compulsrios e voluntrios de P&D.
Normatizao da renovao das concesses (Lei 12.783/2013) apesar do inegvel mrito das medidas re-centemente tomadas para a reduo dos preos da energia eltrica, as condies de renovao das concesses implicam reduo de receitas das concessionrias de gerao e trans-misso de energia. Embora o segmento de distribuio no
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seja o alvo central das medidas, os grupos econmicos do setor eltrico, que em geral atuam em todos os segmentos, perdero receitas, o que os desestimula a realizar investi-mentos voluntrios em P&D, por serem atividades de maior risco. Ressalta-se ainda que os gastos compulsrios de P&D das concessionrias so um percentual da ROL, de 0,2% para o segmento de distribuio e 0,4% para gerao e transmis-so de energia. Consequentemente, as quedas das receitas reduziro os gastos compulsrios de P&D supervisionados pela Aneel. Por outro lado, h que se considerar que as REIs permitem um ganho de qualidade e eficincia que potencial-mente se traduz em melhoras de margens. No est claro se o efeito resultante desses fatores opostos ser de incentivo ou desincentivo implantao das REIs.
Regime Especial de Tributao do Programa Nacional de Banda Larga para a implantao de redes de telecomuni-caes (REPNBL-Redes) os projetos de implantao da rede de acesso em sistemas smart grid, incluindo os medido-res de energia eltrico-eletrnicos inteligentes, com capacida-de de telecomunicao e de fornecimento de comunicao de dados em banda larga, so desonerados se forem submetidos ao REPNBL-Redes. Esse benefcio tem perodo definido tanto para submisso do pleito de desonerao quanto para os inves-timentos que sero realizados, sendo, por conseguinte, um es-tmulo para antecipao de investimentos em REIs no Brasil.
Aspectos tecnolgicos
A definio sobre padres tecnolgicos incluindo protocolos, padres de medidores, sistemas de comunicao e sistemas centrais relevante para o desenvolvimento das REIs, para a formulao de
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poltica industrial e para evitar custos relacionados ao atendimento a diferentes sistemas e equipamentos.
Como citado na introduo, em razo do estgio embrionrio de evoluo das REIs, em diversos pases ainda no h uma definio sobre os padres, e as concessionrias ficam livres para escolha e adoo de solues para REIs em suas reas de atendimento. Para atuar em um cenrio com redes com diferentes padres, os fabri-cantes de dispositivos precisam ser flexveis para adequarem-se s aplicaes e aos ambientes de atuao.
A complexidade dos atores envolvidos nas REIs refora a ne-cessidade da padronizao. Fabricantes de equipamentos eltricos, software, indstrias de TIC, de bens de eletrnica de consumo e de produtos de refrigerao, aquecimento e ventilao, entre outros, formam um conjunto amplo de provedores de produtos e servios que nunca trabalharam juntos e precisaro colaborar para o desen-volvimento das REIs. Caso contrrio, as potencialidades da automa-o residencial no podero ser exploradas a contento, por exemplo, o uso de mquinas de lavar e bombas de gua ligadas e desligadas remotamente fora do horrio de pico. Solues como essa s so possveis se os fabricantes de eletrodomsticos desenvolverem pro-dutos com padres de comunicao iguais aos da rede inteligente.
Desde a gerao de energia at a distribuio para o consumidor final, a comunicao nas redes smart grids pode ser dividida em trs segmentos: (i) Wide Area Network (WAN) cobre toda a extenso, desde o centro de controle at a regio local da Neighborhood Area Network (NAN); (ii) NAN abrange a comunicao vinda da WAN at a Home Area Network (HAN) e cobre a rede de mdia tenso; e (iii) HAN comunicao no ambiente residencial, entre os utens-lios domsticos e o medidor. Essa tipologia de rede de telecomuni-caes pode ser visualizada na Figura 5.
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65Redes eltricas inteligentes (smart grid): oportunidade para adensamento produtivo e tecnolgico local
Figura 5 Arquitetura da rede de comunicao em smart grid
WAN NAN HAN
Centro de operao Rede eltrica inteligente Consumidor inteligente
Rede de alta tenso Rede de mdia tenso Rede de baixa tenso
Exem
plos
de
tecn
olog
ias
Prdio inteligente
Casa inteligente
Fibra/micro-ondas: EthernetWireless: celular [2G (GPRS), 3G (W-CDMA etc.), 4G (LTE)], WiMax
Fio: PLCWireless: ZigBee, RF Mesh, WiSUN (IEEE 802.15.4g)
Fio: PLCWireless: ZigBee, WiFi, bluetooth
Fonte: Elaborao prpria. Fotos gentilmente cedidas por Free Range Stock (www.freerangestock.com), que detm os direitos de propriedade.
A soluo para transmisso de dados nas REIs pode adotar simul-taneamente diferentes tecnologias. Do ponto de vista do meio por que trafega a informao, h solues cabeadas (fibra ptica, cabo coaxial ou cabos metlicos) ou sem fio (redes de celulares, radiofre-quncia WiMax, ZigBee, Bluetooth, entre outros , satlites).
A escolha da tecnologia a ser adotada para a rede de comunica-es implantada depender de vrios fatores, entre os quais custos envolvidos, distncia entre os sensores e medidores at o ponto con-centrador de dados e deste at a rede da concessionria, da topologia fsica do local, da rea de cobertura, da taxa de transmisso, do desempenho do sistema, atenuao e rudos.
A rede de comunicaes dever atender a requisitos de transmis-so de dados bidirecional, largura de banda, escalabilidade (supor-
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tar o aumento de dispositivos sem reduo de desempenho), latncia (tempo para a transmisso dos dados e eventuais atualizaes de software ), tolerncia a falhas, confiabilidade, segurana, entre outros.
A implementao da soluo de REIs comumente delegada para um integrador, que realiza aquisio de medidores de diferentes for-necedores, responsabilizando-se pela interoperabilidade destes com o sistema das concessionrias. Essa estratgia tende a acelerar a im-plantao da rede, todavia, quando essa soluo proprietria, h o risco de tornar-se refm desse fornecedor centralizado. O citado estudo da Abradee prope que haja um acordo multilateral gover-no, indstria e academia no pas sobre o tema.
Em busca pelo estabelecimento de padres para as REIs, nos Estados Unidos o Instituto de Engenheiros Eltricos e Eletrnicos (IEEE)11 desenvolve o projeto denominado IEEE 2030 para a intero-perabilidade das redes e o projeto IEEE 1547 para a interconexo en-tre as REIs. A Frana estuda padres de protocolos para serem usa-dos pelas redes Power Line Communications (PLC) e Broadband over Power Line (BPL),12 em um projeto denominado Sogrid. No Brasil, a Associao Brasileira das Indstrias de Energia Eltrica (Abinee) tem uma iniciativa entre os fabricantes de medidores que desenvolvem tecnologia no pas Elo, Elster, Nansen, entre outros para implantar um protocolo de comunicao aberto a ser usado pelos os medido-res de consumo residenciais, provisoriamente denominado Sistema Brasileiro de Medio Avanado (Sibma), em desenvolvimento pelo Centro de Estudos e Sistemas Avanados do Recife (C.E.S.A.R).
11 O IEEE, instituio atuante na definio de padres em diversos setores da indstria, estabelece os padres adotados pelo Instituto de Padres Nacionais Americano.
12 PLC, NB-PLC (Narrowband over Power Line), BPL: transmisso de dados pela rede eltrica simultaneamente transmisso de energia. ITU-T publicou em 2011 uma famlia de padres para o uso da NB-PLC (Recommendations G.9955 e G.9956).
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H que se considerar tambm que, por tratar-se de um insumo vital para as economias modernas, a produo e distribuio de energia eltrica altamente regulada, e h uma preocupao funda-mental com as vulnerabilidades do sistema eltrico. A segurana dos dados trafegados deve proteger os indivduos e as organizaes quanto confiabilidade, integridade, tolerncia a falhas e autentici-dade.13 Outra preocupao diz respeito proteo contra as descar-gas atmosfricas nos novos elementos que compem as REIs, visto que o Brasil o pas com maior nmero de incidncia desses fen-menos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Papel do consumidor
O consumidor desempenhou (e desempenha) papel-chave em to-dos os pases mais avanados na implantao e na obteno dos be-nefcios das REIs. Ser necessrio que ele perceba valor nos novos servios prestados pela distribuidora, por exemplo, a cobrana de tarifas diferenciadas por horrio de uso (tarifa branca).
Como o Brasil social e culturalmente heterogneo, os projetos--piloto de REIs conferiro nfase ao comportamento dos usurios finais de energia. Entre outros aspectos sobre a importncia da inte-rao dos consumidores com as REIs, ainda no est claro o quanto o consumidor brasileiro, entre outras questes:
responder existncia de uma cobrana de energia (espe-cialmente aqueles que hoje no pagam) e ao corte e ao religa-mento remotos;
13 Por isso, as concessionrias e distribuidoras devem investir na implementao de polticas de segurana da informao, seguindo, por exemplo, as recomen-daes da norma NBR ISO/IEC 27002 da Associao Brasileira de Normas Tcnicas.
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modificar seus hbitos como forma de reduzir a utilizao de energia eltrica nos horrios de pico para os quais efeti-vamente as redes eltricas so dimensionadas;
ser sensvel ao apelo de economia de energia e solicitar a instalao de medidores inteligentes;
adotar a microgerao, considerando a rpida queda dos preos de painis solares, por exemplo, e a possibilidade de o consumidor tornar-se um pro-sumidor, ou seja, produtor e consumidor, injetando energia na rede;
utilizar novos servios, como automao residencial, pr--pagamento de energia eltrica etc.;
ser receptivo aos automveis, motos e outros equipamentos consumidores e armazenadores de energia eltrica.
Todas essas respostas so fundamentais para avaliar qual seria o grau de exigncia de intensidade e, fundamentalmente, flexibilidade que as redes de distribuio em especial as de baixa tenso deve-ro apresentar no futuro prximo. Caso as respostas sejam positivas, ser necessrio adequar a rede para o fluxo bidirecional de energia, a cargas rpidas de veculos eltricos, o que impe um ritmo mais rpido de adoo de tecnologias de REIs.
Mapeamento da cadeia de fornecedores
A implantao das REIs tende a mudar significativamente a es-trutura competitiva da indstria, na medida em que novas tecnolo-gias trazem participantes e lgicas de mercado no convencionais ao setor. Em especial, a REI refora a posio e atrai empresas com competncias em TICs (software, hardware e equipamentos de tele-comunicao) e automao, conforme demonstra Figura 6.
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No plano global, diversos competidores j avanaram nas aquisi-es para entregar uma soluo completa de SG para seus clientes. So exemplos desse movimento, as aquisies da Landis+GYR (me-didores) pela Toshiba; e da RuggedCom (telecomunicao) e eMeter (software) pela Siemens. Itron, ABB, IBM, GE, Honeywell, Alstom e Hitachi tambm so grandes empresas consolidadoras no setor.
Com a iminncia de implantao das REIs, o pas segue a ten-dncia internacional, com a aquisio total ou parcial de empresas locais. Em 2006, Itron adquiriu a Elo Sistemas (parte de software da empresa). Mais recentemente a Senergy (software analtico da Nansen) foi incorporada pela Siemens, a americana Sensus adquiriu 15% da CAS, e especialistas acreditam na continuidade desse pro-cesso de consolidao.
Figura 6 Elementos da cadeia de REIs
Software
Medio
Telecomunicao
Componentes avanados
Automao
Banco dedados
Gesto da rede(SCADA, DMS,
OMS, GIS)
Softwaresanalticos
Back-office(ERP, CIS, billing,
MWM)
Gesto da medio
(MDM)
Middle-ware(ESB)
Clientes: sistemas para gerao distribuda, monitores e aplicativos de gesto de energia, eletrodomsticos inteligentes, iluminao eficiente etc.
Infraestrutura de recarga e armazenamento para veculos eltricos
Controladores digitais, sensores, rels,fasores, equipamentos de proteo etc.
Medidores inteligentes, sensores
Servidores, concentradores
Dispositivos de comunicao: Mesh, Zigbee, bluetooth, PLC, wi-fi, GPRS, 3G etc.
Dispositivos de rede: roteadores, switches, gateways, servidores etc.
Fonte: BNDES.
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Como estratgia alternativa, as empresas no mundo e no Brasil vm buscando as alianas estratgicas com diversos objetivos:
complementar o portflio de produtos para entregar soluo completa de REIs;
reduzir custo de produo, por exemplo, com produo par-cial ou completa no exterior;
aumentar a liberdade dos clientes (concessionrias) ofertando solues interoperveis, evitando lock-in ou seja, depen-dncia tecnolgica de um nico fornecedor.
O Quadro 1 traa um retrato no exaustivo dos participantes atuais e novos entrantes.
Quadro 1 Principais fornecedores de REIs no Brasil (lista no exaustiva)Etapa Fornecedores com P&D local Fornecedores globaisMedidores Elo, WEG, Nansen, Eletra, Ecil,
IMS, Landis+Gyr, Itron, Elster Cam-GYM, Fujitsu, Siemens, GE, Silverspring, Trilliant, Schneider, Toshiba, Alstom, ABB
Telecomunicao CAS, V2COM Cam-GYM, Fujitsu, Siemens, GE, Silverspring, Trilliant, Schneider, Toshiba, Alstom, ABB
Automao WEG, Altus, Reason, Reivax, Siemens
Siemens, Schneider, Toshiba, Alstom, ABB, GE
Software Axxiom, Senergy (adquirida pela Siemens), Elucid (adquirida pela Sonda), Concert, Way2, Choice, CAS
Silverspring, eMeters (Siemens), IBM, Microsoft, Schneider, Toshiba, Oracle, Alstom, ABB, GE
Componentes avanados
Elo, WEG, Datacom, Micropress, Whirlpool, Tecnometal, Philips
OSRAM, GE
Microeletrnica LSITec, Chipus, Eldorado, SMDH, Silicon Reef, SIX, Ceitec
Analog Devices, Freescale, Texas Instruments
Fonte: Elaborao prpria, com base em dados das empresas.
As especificidades locais acabaram por historicamente favorecer a existncia de uma base produtiva e de P&D razovel de empre-
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71Redes eltricas inteligentes (smart grid): oportunidade para adensamento produtivo e tecnolgico local
sas de medidores no Brasil, tanto estrangeiras quanto nacionais. As aquisies de empresas locais e caractersticas do mercado local, como o elevado ndice de furtos de energia que leva ao desenvol-vimento de solues com alarmes, gabinetes especficos e separa-o entre o medidor (fora de casa) e o mostrador (display) (dentro de casa) , ajudam a justificar a presena de centros de P&D no pas, como os da Elster, Landis+GYR e Itron, os trs maiores fabrican-tes mundiais de medidores. Tambm ajudam a explicar a liderana no fornecimento de medidores eletrnicos (no inteligentes) da Elo, que afirma atender a 40% do mercado.
H cinco anos, os medidores eletromecnicos j vm sendo subs-titudos vegetativamente por medidores eletrnicos pela maioria das distribuidoras, com ganhos sobretudo de acuracidade de medio. Contudo, esses medidores so de baixo valor agregado, com preos em torno de US$ 30,00. Os medidores com as funcionalidades exi-gidas pela Aneel a partir de 2014 podero custar at oito vezes mais, segundo clculos de fornecedores locais.
Ressalta-se que a vida til dos medidores eletrnicos (13 a 15 anos) significativamente inferior em relao aos convencionais (trinta a quarenta anos). As concessionrias demonstram-se preocupadas se o parque produtivo instalado teria capacidade de atender demanda esperada. Segundo informaes da Abinee, em 2011 a produo foi de cerca de 3,5 milhes de medidores/ano, e a capacidade instalada de oito milhes de medidores anuais, justo o valor de consumo pre-visto para 2030 no cenrio acelerado pelo estudo da Abradee.
As empresas de telecomunicao com foco em servios pblicos (eletricidade, gua, esgoto etc.) so relativamente novas. Empresas como a CAS Tecnologia que j dispe de soluo exportada em parceria com a Elster e a V2COM que dispe de soluo de te-lemedio para energia e gua so exemplos de empresas locais de base tecnolgica que esto atuando no segmento. Destaca-se o
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fato de que o custo elevado da operao de telecomunicao para as REIs poder justificar o surgimento de operadores mveis vir-tuais (MVNOs Mobile Virtual Network Operator), que negociam pacotes de dados no atacado com as operadoras telefnicas e os repassam para as concessionrias, eventualmente com servios de valor agregado em telecomunicao.
Para sobreviver nessa transio tecnolgica para o mundo ele-trnico, fabricantes tradicionais de medidores e telemedio esto fazendo parcerias tecnolgicas como j destacado , no havendo nenhuma empresa nacional capaz de ofertar uma soluo completa, tal como as multinacionais do setor se propem a ser. A concessio-nria CPFL que integrante do consrcio liderado pela IBM para acelerar a implantao das REIs, Global Intelligent Utility Network Coallition (GIUNC) anunciou em seu relatrio de 2012 a instala-o de 25 mil medidores eletrnicos para grandes clientes.
A Cemig anunciou em agosto de 2012 que criaria uma empresa especfica com o propsito de vender as tecnologias desenvolvidas internamente na empresa e ser uma integradora de solues em smart grid.
Na rea de automao, empresas locais como WEG, Altus, Reivax e Reason no dispem de uma soluo completa para auto-mao tal como concorrentes internacionais entre estes Schneider, Toshiba e GE. As diferentes topologias, arquitetura de rede e tec-nologias adotadas tendem a demandar solues especficas para o pas, gerando oportunidades de desenvolvimento local.
Com a mudana de paradigma de uma medio por ms para uma a cada minuto ou hora, surge a necessidade de desenvolvimen-to e implantao de softwares capazes de colher (gesto de medi-o), armazenar (banco de dados), analisar (softwares analticos), gerar respostas automticas (interface com automao) e conversar (middleware) com os sistemas legados (billing, ERP etc.) e de ope-
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raes (Scada, GIS, DMS etc.). As empresas locais puramente de software nessa rea so de pequeno porte, como Axxiom, Concert, Choice, entre outras.
Em componentes avanados, h oportunidades significativas de inovao e uma mirade de fornecedores, citando como exemplos a WEG como fornecedora de inversores para gerao distribuda, a Whirlpool como desenvolvedora de eletrodomsticos inteligentes,14 e a Elo, que recentemente entrou no mercado de iluminao eficien-te com projetos em tecnologia light-emitting diode (LED).
Por fim, os elevados volumes envolvidos na implantao das REIs podem ajudar a viabilizar o desenvolvimento e a produo local de microeletrnica, calcanhar de Aquiles da indstria ele-trnica brasileira, em dispositivos como medidores, mdulos de co-municao, sensores etc.
Perspectivas e oportunidades para desenvolvimento tecnolgico
A implantao das REIs no Brasil representa uma grande oportu-nidade de mercado para fornecedores de tecnologia. Para que esses investimentos sejam capturados por empresas com tecnologia nacio-nal de suma importncia que estas se posicionem estrategicamente o mais breve possvel, por exemplo, participando de projetos-piloto que esto em implantao e integrando-se para oferecer solues mais completas para seus clientes.
H de se considerar o perfil conservador em inovao das conces-sionrias. Tal como no setor de telecomunicaes, com o passar do
14 A Whirlpool tem, no pas, linha de desenvolvimento de eletrodomsticos inteli-gentes voltados para aplicaes em smart grid.
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tempo os departamentos de engenharia internos das concessionrias foram se atrofiando medida que a misso de desenvolver tecnolo-gia foi sendo delegada para os fabricantes de equipamentos. Esse fe-nmeno conduz a uma propenso natural para aquisio de solues completas com marcas consolidadas. Tambm cabe ressaltar que, por tratar-se de um mercado extremamente regulado, os incentivos regulatrios para diferenciao via P&D so baixos, uma vez que as concessionrias apropriam-se apenas em 10% dos ganhos gerados em negcios no relacionados comercializao de energia.
A despeito dessa e de outras questes regulatrias j citadas e da inexistncia at o momento de um plano nacional que acelere a ado-o das REIs, a implantao do conceito de SG uma questo de tempo. A questo que se coloca qual ser o contedo tecnolgico local que ser desenvolvido com base nessa grande oportunidade.
O Quadro 2 sumariza as foras e fraquezas atuais e oportunida-des e ameaas para que seja promovido desenvolvimento tecnolgi-co e produtivo por meio da implantao das REIs no Brasil.
Quadro 2SWOT para adensamento tecnolgico e produtivo por meio das REIs
Foras Fraquezas
Pilotos em andamento, alguns com fornecimento de tecnologia nacional
Polticas de inovao e fontes de financiamento existentes (P&D Aneel, BNDES, Finep) e apoio institucional (SG como prioridade no PBM* TICs)
Existncia de empresas com tecnologia nacional (Portaria 950 do Ministrio da Cincia e Tecnologia) e ICTs com capacitao tcnica para desafios tecnolgicos para implantao das REIs
Porte das empresas com tecnologia nacional inferior a seus pares mundiais; ausncia de fornecedores de soluo integrada
Baixa articulao em P&D e introduo de inovaes no mercado
Indefinio regulatria sobre o equacionamento dos custos para a implantao do smart grid
Elevado custo de produo e P&D locais
(Continua)
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Foras Fraquezas
Demanda de criao de solues especficas em razo das particularidades do mercado brasileiro
Falta de agenda nacional: defasagem na entrada no mercado de SG
Oportunidades Ameaas
Desenvolvimento e produo local de circuitos integrados (CIs), reduo do impacto na balana comercial de TICs e formao/fortalecimento de players locais
Exportao de solues tpicas para mercados emergentes (elevadas perdas, baixo consumo etc.)
Potencial de uso do poder de compra do estado (regulamentao da Lei 12.349/10) e instrumentos regulatrios
Regime tributrio especfico com nfase em contedo tecnolgico local
Smart metering: potencial de integrao com outras concessionrias de servios pblicos (banda larga, gs, gua)
Ateno dos principais fornecedores mundiais, que esto comprando empresas com tecnologia nacional (riscos de desnacionalizao), causada pelo tamanho do mercado brasileiro para REIs
Implantao das REIs com baixa/baixssima penetrao de tecnologia desenvolvida no pas e com agravamento do dficit comercial de TICs
Possibilidade de aumentar a defasagem tecnolgica e empresarial do Brasil em razo do tratamento prioritrio ao tema de pases desenvolvidos
Fonte: BNDES.* PBM (Plano Brasil Maior) a poltica industrial, tecnolgica e de comrcio exterior do governo Dilma Rousseff.
Todavia, para que o balano representado nessa matriz SWOT gere uma resultante positiva, de suma importncia que haja uma articulao dos esforos entre governo (e suas respectivas institui-es), iniciativa privada (nos diversos elos da cadeia) e institutos de pesquisa e inovao, em dois momentos encadeados ou superpostos no tempo.
No primeiro momento, ser necessrio buscar organizar os esfor-os para gerar as inovaes com base nos projetos-piloto de REIs que esto em curso e devero permanecer por algum tempo at que
(Continuao)
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as concessionrias estejam seguras para estender os resultados des-ses testes para todos seus clientes. No segundo momento, as bases e os incentivos para uma poltica de difuso das inovaes geradas localmente devero ser adotadas. Essa viso representada de for-ma sinttica na Figura 7.
Figura 7Viso para o desenvolvimento das REIs com tecnologia local
Apoio inovao(Foco: articulao
de agentes)
Massificao das REIs (Foco: difuso de tecnologia local)
Financiamento inovao Poltica tecnolgica e industrial
Poltica energtica e regulatria Financiamento e incentivos Compras pblicas
InstrumentosArticulao
Ministrio de Minas e Energia
Fonte: BNDES.
Apoio a inovao: o Inova Energia
O plano conjunto Aneel-BNDES-Finep para apoio inovao tecnolgica no setor eltrico, o Inova Energia (IE), foi concebido com o objetivo de ajudar na articulao dos esforos para a primeira etapa sugerida na Figura 7.
O IE foi lanado em abril de 2013 com base no diagnstico de que existiam oportunidades de inovao no setor eltrico e veicular e que as fontes de financiamento a P,D&I estavam desarticuladas, bem como os agentes da cadeia produtiva.
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Figura 8Modelagem do plano Inova Energia
Concessionrias
Smart grid e UAT
Energias alternativas
(solar e elica) Indstria
ICTs e designhouses
Subveno, crdito
e equity
Funtec,crdito e
equity
Recursosobrigatrios
de P&D
Veculos eltricos,hbridos e
convencionaiseficientes
Objetos do apoio
Fontes derecursos Linhas temticas
Outras empresas
Fonte: BNDES.
O objetivo do IE o fomento e a seleo de planos de negcios que contemplem atividades de pesquisa, desenvolvimento, engenharia e/ou absoro tecnolgica, produo e comercializao de produtos, processos e/ou servios inovadores e demais aes necessrias para que estes sejam levados ao mercado de forma competitiva, visando ao desenvolvimento de empresas e insero de tecnologias brasi-leiras nas seguintes linhas temticas: REIs e transmisso em ultra--alta tenso (Linha 1), inovaes em gerao de energia por meio de fontes alternativas (Linha 2), e investimentos em P,D&I de veculos hbridos, alm da eficincia energtica veicular (Linha 3).
Para financiar inovaes nessas temticas, BNDES, Finep e Aneel consorciaram-se para propor um nico canal de oferta de recursos, priorizando os planos com maior contedo inovativo e potencial de agregao de valor local a serem apresentados por meio de uma chamada pblica. Os instrumentos financeiros incluram recursos reembolsveis, no reembolsveis, participao acionria alm do direcionamento dos investimentos obrigatrios em P&D, regulados
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pela Aneel, que os agentes do setor eltrico so obrigados a realizar por fora do regime de concesso, conforme mostra a Figura 8.
Em especfico temtica de smart grids, o IE se configura como uma oportunidade de induzir a formao de planos de inovao inte-grados entre concessionrias, indstria e ICTs para solues com es-cala e quando possvel potencial de exportao. Para tanto, foram selecionados os seguintes subtemas para apresentaes de planos de inovao: (i) projetos-piloto de REIs; (ii) solues em software para REIs; (iii) equipamentos para REIs; (iv) infraestrutura de abasteci-mento eltrico veicular; e (v) transmisso em ultra-alta tenso.
O foco do plano aproveitar o momento de testes e experimen-taes que os agentes do setor eltrico esto realizando por meio de projetos-piloto para induzir a formao de parcerias e desenvolvi-mento conjunto com a cadeia de fornecedores. Para tanto, estabe-leceu-se que as propostas que apontassem nessa direo obteriam acesso aos instrumentos mais atrativos, incluindo recursos no reem bolsveis para empresas.
O plano est previsto para ser concludo no fim de 2013, quando as propostas e empresas vencedoras sero analisadas do ponto de vista da capacidade de pagamento e cadastral.
Massificao das REIs
Para que as solues desenvolvidas no Inova Energia e outras com contedo local possam participar da massificao das REIs, diversas questes necessitam ser equacionadas, como j comentado no presente artigo. Alguns fatores tm papel destacado para poten-cializar o uso de produtos com tecnologia e/ou produo local.
O alinhamento com as polticas energtica e regulatria condu-zidas pelo Ministrio de Minas e Energia e Aneel fundamental.
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Ele definir, por exemplo, o ritmo de substituio de medidores, a intensidade do uso da gerao distribuda e veculos eltricos que se abastecem na rede, alm de poder influenciar no comportamento do consumidor para adoo das novas tecnologias. Essas polticas, em conjunto com instrumentos do uso do Poder de Compra do Estado, alm do entendimento aprofundado da resposta dos consumidores finais implantao das REIs, so decisivas para determinar o rit-mo do crescimento da demanda e, em ltima instncia, dos investi-mentos e difuso das tecnologias e produtos desenvolvidos.
Do ponto de vista da oferta, para melhorar a competitividade dos produtos desenvolvidos localmente em relao s solues de con-correntes de escala e porte globais, os instrumentos de incentivos fiscais e financiamento devem ser articulados.
de se destacar a importncia da fixao do Processo Produtivo Bsico (PPB) para os medidores inteligentes. Esse instrumento muito relevante para definir as etapas de produo e os insumos a serem adquiridos no pas para obteno dos benefcios da Lei de Informtica (basicamente reduo do Imposto sobre Produtos In-dustrializados IPI na comercializao dos medidores) e deve-r ser realizado pelo Ministrio da Cincia, Tecnologia e inovao (MCTI) e Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC). Da mesma forma, os critrios que sero adotados para o reconhecimento da tecnologia nacional pelo MCTI (Portaria 950/06 MCT) podem ser alterados para exigir mais desenvolvimen-to tecnolgico local, como a existncia de microeletrnica embarca-da com projeto de chip desenvolvido localmente.
Com base nesses instrumentos PPB e Portaria 950/06 MCT , o BNDES poder ajustar suas polticas de crdito para aquisio de equipamentos para REIs pelas concessionrias, de forma a estimu-lar em maior ou menor intensidade o adensamento tecnolgico e produtivo local.
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Concluso
Diversos motivadores esto levando os principais pases do mun-do a tornar mais inteligentes suas redes no s de energia eltrica, mas tambm de gua, esgoto, gs etc. , cidades e lares.
A despeito da discordncia quanto a em que momento a adoo das REIs vai caminhar para uma massificao no Brasil, os agentes envolvidos com o setor eltrico concordam que se trata de uma ques-to de tempo, visto que os benefcios de sua implantao ganham fora ao longo do tempo sejam estes minimizar as perdas, melhorar eficincia e qualidade do servio prestado, reduzir o tempo entre fa-lhas, inserir energia gerada pelos consumidores na rede, entre outros.
Em compasso com essa expanso, diversas tecnologias e produ-tos esto sendo desenvolvidos, testados e exportados pelas econo-mias centrais. Por ainda estar em um estgio piloto, tanto no Brasil quanto no mundo, onde as concessionrias esto avaliando os mode-los e parceiros para a implantao das REIs, torna-se oportuno in-centivar o desenvolvimento local nesse contexto um dos objetivos centrais do plano Inova Energia.
Ressalta-se que existem muitas etapas a superar para a implan-tao completa do conceito de smart grid, que vai alm da simples implantao de medidores inteligentes e da abrangncia dos proje-tos-piloto hoje em curso. E o Brasil, como pas amplo geogrfica, climtica, scio e culturalmente, apresenta barreiras especiais que, se por um lado representam um desafio a ser superado, por outro constituem-se uma oportunidade para inovaes locais. Principal-mente em reas como software, telecomunicaes, segurana, auto-mao de rede e dispositivos avanados microgerao, automao residencial, iluminao eficiente, veculos eltricos, armazenamen-to etc. , h um conjunto amplo de inovaes que devero ser desen-volvidas em compasso com o ritmo de adeso e conhecimento dos consumidores e demais atores ligados s REIs.
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Todavia, como o processo de inovao s se encerra com a efe-tiva chegada do produto ao mercado, h de articularem-se os es-foros e estmulos para que os equipamentos, software e servios com desenvolvimento local para REIs tenham penetrao relevante no mercado local e, em um segundo momento, global. Em outras palavras, para que ocorra de fato a massificao das tecnologias brasileiras, de suma importncia a implantao de um plano na-cional articulado para as REIs, envolvendo, ao menos, agncias re-guladoras e normatizadoras (entre outras, Anatel, Aneel e Inmetro), rgos financiadores, representantes da indstria, os ministrios--chave (Ministrio das Comunicaes, MME, MDIC e MCTI), em especial, e respectivas agncias a estes associadas.
A despeito de existirem questes importantes para viabilizar esse plano por exemplo, o modelo de remunerao e financiamento dos investimentos em REIs e a adoo de padres que viabilizem a exportao de solues brasileiras , nele fundamental que se estabelea um cronograma para migrao do quadro atual para o novo paradigma de rede, tal como os j definidos por Europa, Chi-na e Estados Unidos. Caso contrrio, dificilmente as empresas com solues nacionais conseguiro atingir a escala necessria para ex-plorao econmica de suas inovaes no processo de implantao do smart grid no Brasil.
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