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Nº 45 – 2013– ANO VIII

Capa: Amazônia brasileira - Foto: Neil Palmer/CIAT

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Diga não ao desperdício de alimento

O Dia Mundial do Meio Ambiente 2013 incentiva ações positivas para diminuir o 1,3 bilhão/ton

de alimentos próprios para o consumo perdido e/ou desperdiçadoa cada ano. Por PNUMA

Alimentos caros e epidemia global de obesidade

Entenda porque a alta dos preços dos alimentos em escala mundial também contribui para o

aparentemente paradoxal aumento de indivíduos obesos ou com sobrepeso. Por José Cuesta

Energia, entropia, ecologia, economia

Neste momento em que a sustentabilidade ocupa o centro das discussões, as proposições do economista

Georgescu-Roegen sobre a natureza como limite da economia voltam a ter relevância. Por Diego Viana

Economia e ecologia não devem conflitar

Mais produtos, menos ambiente. Mais economia, menos ecossistema. Quando consumo torna-se

sinônimo de prosperidade material, os recursos naturais são dilapidados.. Por Marcus E. de Oliveira

O Brasil no Índice de Percepção da Corrupção 2012

Segundo o índice divulgado pela Transparência Internacional, o Brasil tem pequena melhoria de

2010 para 2011, fato que não reflete os avanços observados em nossa sociedade. Por Jorge Abrahão

Apesar dos pesares...

Muita coisa melhorou, mas o modelo primário, exportador, concentrador e depredador que rege a

sociedade brasileira pode acabar com as poucas conquistas que fizemos. Por Roberto Malvezzi (Gogó)

Semente transgênica e a perda da diversidade genética

O Programa Troca-Troca de Sementes de Milho para a safra 2013-2014 impede a autonomia dos

agricultores e desconsidera os evidentes problemas ambientais, sociais e agronômicos. Por Fábio Dal Soglio

As abelhas vencem o primeiro round

Após dois anos de mobilização de pesquisadores e ONGs, a União Europeia proíbe o uso de três

pesticidas letais para as fabricantes de mel e agentes de polinização. Por Cidadania & Meio Ambiente

Responsabilidade coletiva e o futuro da espécie humana

O homem possui uma singularidade no conjunto dos seres: cabe-lhe a responsabilidade de cuidar

e manter as condições que garantam a sustentabilidade da Mãe Terra. Por Leonardo Boff

A arquitetura da destruição no rio Tapajós

O projeto de novas barragens hidrelétricas somado à exploração dos recursos minerais no oeste do Pará é

uma grave ameaça à integridade do povos da floresta e da biodiversidade. Por Carlos Juliano Barros

Energia e o futuro da Amazônia

Especialistas reunidos em Bogotá reiteraram no Painel Internacional sobre Ambiente e Energia na

Amazônia (PIAEA) a necessidade de uma moratória para as hidrelétricas na região. Por Hélio Carneiro

A Terra 2o

C mais quente em 2012

O relatório Statement on the Status of the Global Climate revela que 2012 foi um dos dez mais

quentes de toda a história, o que reforça o avanço do aquecimento global. Por OMM

Réquiem para o campo e para as matas

Indícios apontam para a “morte matada” das pretensões de justiça no campo e de preservação

do ambiente. Uma reforma agrária ao revés está ocorrendo no país. Por José Juliano de Carvalho Filho

Photologue

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Hélio Carneiro

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Henrique Cortez

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Lucia H. Carneiro

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Ao estabelecer o dia 5 de junho como Dia Mundial do Meio Ambien-

te, em 1972, a Organização das Nações Unidas tem realizado bem-

sucedidas campanhas de conscientização alertando para a insustentabi-

lidade do atual modelo econômico desenvolvimentista que exaure os

recursos renováveis e não-renováveis da Terra.

A versão 2013 do evento aborda uma das questões mais dramáticas da

atualidade: a segurança alimentar. Afinal, a cada ano, um terço de todo o

alimento produzido no planeta volatiliza-se na rota campo-consumi-

dor por perda desnecessária ou, pior ainda, devido ao desperdício. Por

isso, a campanha Pensar•Comer•Conservar objetivando reduzir a pegada

alimentar de cada cidadão do mundo merece total adesão.

Dados e estatísticas da FAO, da UNEP e da Iniciativa Fome Zero da

ONU que vitaminam o artigo de abertura desta edição atestam a irrespon-

sável “cultura do desperdício de alimentos”, que precisa ser abolida em

todos os locais onde a comida é preparada e servida. Afinal, não podemos

mais ficar insensíveis ao fato de que uma em cada sete pessoas no mundo vai

para a cama com fome, e mais de 20.000 crianças menores de cinco anos

morrem diariamente de inanição. Além do que não podemos esquecer que

o sistema global de produção de alimento impacta profundamente o meio

ambiente em seu todo. Acelerar a produção de alimento para desperdiçá-

lo exacerba ainda mais as pressões sobre o planeta.

Sinalizamos ainda nesta edição outras inconseqüências da atual política de-

senvolvimentista, que ao adentrar a bacia do rio Tapajós semeia graves

perturbações ambientais – sobretudo através dos projetos de hidrelétricas.

Uma questão delicada que envolve Brasil e demais Estados que comparti-

lham a região amazônica. Será possível “eletrificar” a Amazônia continental

sem provocar um desastre ambiental e social irreparável?

No andar atual da carruagem, as perspectivas são desanimadoras. Tan-

to que especialistas reunidos no último dia 17 de abril, em Bogotá,

Colômbia, reiteraram no Painel Internacional sobre Ambiente e Ener-

gia na Amazônia (PIAEA) a necessidade de uma moratória para os

projetos de implantação de hidrelétricas na região. Afinal, como muito

propriamente advertiu o economista romeno Nicholas Georgescu-

Roegen (1906-1994) em Decrescimento - entropia, ecologia, economia (cf. pág.

10 desta edição), “o limite da economia é a natureza”.

Helio Carneiro

Editor

Colaboraram nesta edição

Agência O Público

Carlos Juliano Barros

Cidadania & Meio Ambiente

Diego Viana

Fábio Dal Soglio

FAO

Hélio Carneio

Jorge Abrahão

José Cuesta

José Juliano de Carvalho Filho

Leonardo Boff

Marcus Eduardo de Oliveira

Organização Meteorológica Mundial/OMM

Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente/PNUMA

Roberto Malvezzi (Gogó)

UNEP/GRID-Arendal

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Cidadania&MeioAmbiente 5

ao desperdício de alimentos

por Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente/PNUMA

O tema para as celebrações do Dia Mundial do Meio Ambi-

ente 2013 é Pensar•Comer•Conservar, que visa diminuir

a enorme quantidade de alimentos próprios para o consu-

mo que é perdida e/ou desperdiçada por produtores, co-

merciantes e consumidores – único meio de cada indivíduo

e da coletividade reduzir sua pegada de alimento. É chega-

do o momento de “pensarmos” o que compramos para comer

a fim de contribuirmos para a segurança alimentar planetá-

ria e a sustentabilidade do meio ambiente.

DIGA NÃO

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Segundo a Organização das Nações Uni-das para Alimentação e Agricultura

(FAO), a cada ano 1,3 bilhões de toneladasde alimentos são desperdiçados. Esse vo-lume equivale à mesma quantidade de ali-mentos produzida em toda a África sub-saariana. Ao mesmo tempo, uma em cadasete pessoas no mundo vai para a cama comfome, e mais de 20.000 crianças menores de5 anos morrem diariamente de inanição.

Dado este enorme desequilíbrio no estilode vida e os efeitos devastadores resul-tantes sobre o meio ambiente, o tema desteano é um convite à conscientização paraos impacto ambientais das escolhas alimen-tares que cada indivíduo faz, dando-lhe as-sim poderes para tomar decisões informa-das e agir em prol da segurança alimentar eda sustentabilidade planetárias.

Enquanto o planeta se esforça para forne-cer recursos suficientes para sustentar seusatuais 7 bilhões de habitantes (crescimentode 9 bilhões em 2050), a FAO estima que umterço da produção mundial de alimentos oué desperdiçado ou perdido. O desperdíciode alimentos é um sorvedouro enorme derecursos naturais e fator que contribui paraos impactos ambientais negativos.

As ações de sustentabilidade que tomar-mos em nossas casas repercutirão coleti-vamente para reduzir o desperdício de ali-mentos, poupar dinheiro, reduzir o impac-to ambiental da produção de alimentos eforçar os processos deste setor produtivoa se tornar mais eficiente.

Se o alimento é desperdiçado, isto signifi-ca que todos os recursos e as informaçõesutilizadas em sua produção são tambémperdidos. Vejamos alguns exemplos. Sãonecessários cerca de 1.000 litros de águapara produzir 1 litro de leite, e cerca de 16.000litros são consumidos na produção da ra-ção bovina para se comer um hambúrguer.

Assim, as emissões de gases de efeito es-tufa produzidos pelos rebanhos bovinos epor toda a cadeia de abastecimento alimen-tar acabam se tornando vãos quando des-perdiçamos alimento.

DESPERDÍCIO ALIMENTAR

O impacto do desperdício de alimentos nãoé apenas financeiro. Ambientalmente, o des-perdício de alimentos leva ao desperdíciode produtos químicos (como fertilizantes e

As perdas de alimentos no campo (entre o plantio e a colheita) podem ser tão

elevadas quanto 20-40% do potencial da safra nos países em desenvolvimen-

to devido a pragas e patógenos (Kader, 2005). As perdas pós-colheita variam

muito entre os produtos e as áreas de produção e as estações do ano. Nos

Estados Unidos, as perdas de frutas e verduras frescas são estimados entre 2%

e 23%, dependendo do produto, com uma média geral de cerca de 12% de

perdas entre a produção e os locais de consume.

Fonte: The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role in Averting Future Food

Crises. Cartographer/designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal.

Link: www.grida.no/publications/rr/food-crisis/

PERDA DE ALIMENTO

Alimentoingerido

Frutas frescas e hortaliças

Leite fluido

Frutas processadas e vegetais

Carnes, aves e peixes

Grãos

Adoçantes calóricos

Gorduras e óleos

Outros alimentos (incluindo ovos e laticínios)

Alimentoperdido

Alimentos ingeridos/perdidos (milhões de toneladas)

A perda de alimentos representa

significativo desperdício de recursos

como água, terra, energia, trabalho e

capital, além de gerar desnecessárias

emissões de gases de efeito estufa.

Cultura de arroz em Makeni, Serra Leone. Embora desigual no continente,alguns países africanos conquistaram notável aumento da produtividade agrícola.

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pesticidas), ao maior consumo de combus-tível utilizado para o transporte, e mais ali-mento deteriorado, o que gera mais metano– um dos gases de efeito estufa (GEE) maisprejudiciais, e que contribui para a mudançaclimática. O metano é 23 vezes mais potenteque o CO2 como gás de efeito estufa. A gran-de quantidade de alimentos destinados aaterros sanitários contribui significativa-mente para o aquecimento global.

FATOS ALARMANTES

A cada ano, por volta de um terço dos ali-mentos produzidos no mundo para o con-sumo humano – cerca de 1,3 bilhão de to-neladas – [e perdido ou desperdiçado.

❚ A cada ano, os consumidores dos paí-ses ricos desperdiçam quase tanta comi-da (222 milhões de toneladas) quanto todaa produção de alimentos líquidos da Áfri-ca subsaariana (230 milhões de toneladas).❚ A quantidade de alimentos perdida oudesperdiçada todo ano equivale a mais dametade da safra anual de cereais do mun-do (2,3 bilhões de toneladas em 2009/2010).❚ A perda e o desperdício de alimentostambém equivalem a um grande desperdí-cio de recursos, a saber, água, terra, ener-gia, trabalho e capital, alem de gerar des-necessárias emissões de gases de efeitoestufa, contribuindo para o aquecimentoglobal e para as mudanças climáticas.❚ Nos países em desenvolvimento, o des-perdício e as perdas de alimentos ocorremprincipalmente nas primeiras fases da ca-deia de valor alimentar, podendo ser atri-buídas a limitações de ordem financeira,técnica e de gestão na fase de plantio ecolheita, bem como às instalações de ar-mazenamento e de resfriamento. Assim, ofortalecimento da cadeia de abastecimen-to através do apoio aos agricultores e in-vestimentos em infra-estrutura e transpor-te, bem como na expansão da produção dealimentos e da indústria de embalagenspoderia ajudar a reduzir o volume de perdae desperdício de alimentos.❚ Em países de média e alta renda, o ali-mento é desperdiçado e perdido, princi-palmente nas fases posteriores da cadeiade abastecimento. Diferentemente da si-tuação que ocorre nos países em desen-volvimento, o comportamento dos con-sumidores desempenha papel relevantenos países industrializados. Além disso,estudos identificam como fator que con-tribui para o problema a falta de coorde-nação entre os agentes da cadeia de su-primentos. Acordos firmados entre pro-

Perdas na cadeia alimentar antes da conversão do alimento em comida.

Após descontar as perdas, as conversões e os desperdícios nas várias fases,

cerca de 2.800 kcal ficam disponíveis para a alimentação (mix de alimentos

de origem vegeta e animal) e, no final da cadeia, 2.000 kcal em média –

apenas 43% do potencial comestível da colheita – estão disponíveis para o

consumo ()Lundqvist et al, 2008).

Fonte: The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role in Averting Future Food Crises,

2009. Cartographer/designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal. Link: www.grida.no/

publications/rr/food-crisis/

Colheita comestível

Perdas decolheita

Apóscolheita

Raçãoanimal

Carne elaticínios

Perdas edesperdício

Disponívelpara

consumodoméstico

CasaCampo

dutores agrícolas e compradores podemser de grande valia para aumentar o nívelde coordenação. Além disso, sensibilizaras indústrias, os varejistas e os consumi-dores, bem como encontrar usos corre-tos para salvar o alimento atualmente jo-gado fora são medidas úteis para diminuira quantidade de perdas e desperdícios.❚ Nos Estados Unidos, 30% de todos osalimentos (US$48.3 bilhão) é jogado foraa cada ano. Estima-se que cerca de meta-de da água usada para produzir este ali-mento também vai para o lixo, uma vezque a agricultura é o maior uso humanode água. (Jones, 2004 citado em Lundq-vist et al., 2008).❚ No Reino Unido, as famílias perdem

cerca de 6,7 milhões de toneladas de ali-mentos a cada ano, cerca de um terçodos 21,7 milhões de toneladas compra-das. Isso significa que aproximadamente32% de todos os alimentos compradospor ano não chega à mesa. A maior parte(5,9 milhões de toneladas, ou 88%) é atu-almente recolhida como lixo pelas autori-dades locais. A maioria dos resíduos ali-mentares (4,1 milhões de toneladas, ou61%) é evitável e poderia ser aproveita-do em caso de gestão adequada (WRAP,2008; Knight e Davis, 2007).❚ Nos EUA, o lixo orgânico é o segundomaior componente dos aterros sanitári-os, que constituem a maior fonte de emis-sões de metano.

PERDAS NA CADEIA ALIMENTAR

do campo ao consumo doméstico

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FONTES: Perdas globais de alimentos e desper-dício de alimentos – FAO, 2011. A crise ambi-ental: o papel do meio ambiente na prevençãoda futura crise alimentar – UNEP, 2009. Vejamais em: www.unep.org/wed/quickfacts/#sthash.EYIsOhJQ.dpuf e www.unep.org/wed/sustainableconsumption/ # sthash.Kz9qwQQd.dpuf

CONSUMO SUSTENTÁVEL

A capacidade de regeneração de nosso pla-neta está sendo em muito ultrapassada àmedida que a população mundial produz econsome mais recursos do que nunca. Defato, em países desenvolvidos e em desen-volvimento, as pessoas estão adquirindomuito mais do que realmente precisam e,portanto, produzindo uma enorme quanti-dade de resíduos.

Nossa população crescente exerce fortepressão sobre o meio ambiente cujos re-cursos naturais já não são tão abundantescomo costumavam ser. O modo como usa-mos e disponibilizamos os recursos não-renováveis está alterando radicalmentenossos ecossistemas. E mesmo os recur-sos renováveis do planeta (água, madeiraou pescado) estão sendo rapidamente es-gotados. Chegamos agora a um ponto deinflexão, onde a qualidade do ar e da águaprecisa ser melhorados, o nível de produ-ção precisa ser balanceado e a quantidadede resíduos gerada deve ser reduzida.

O consumo sustentável se resume a “fazermais e melhor com menos”, através da re-

dução do uso de recursos, da degradaçãoe da poluição e do aumento da qualidadede vida para todos.

O consumo maciço de recursos renováveise não-renováveis contribui para uma perdamaciça de biodiversidade – estima-se que oatual índice de extinção de aves, mamíferos eanfíbios é pelo menos 100 vezes – talvez atémesmo 1.000 vezes – maior do que os índicespré-industriais. A população mais pobre é amais afetada por essas mudanças, já que elasdependem diretamente dos recursos naturais– tais como pesca, agricultura de pequenaescala ou aproveitamento de recursos flores-tais- para sua subsistência.

A poluição e sobre-exploração dos recursosmundiais estão cada vez mais comprometen-do nosso próprio bem-estar e qualidade devida. O planeta não pode dar-se ao luxo decontinuar nessa trilha. Torna-se fundamen-tal a transição para um estilo de vida maissustentável que permita às futuras geraçõeso acesso à seu justo quinhão de recursos.

Há inúmeras possibilidades de mudarmosnossos hábitos de consumo insustentáveis

e ao mesmo tempo otimizar nossa qualidadede vida. Para fazer mais com menos é essen-cial que passemos a viver em sintonia comos recursos que o planeta tem para oferecer.Mudar nossos atuais padrões de vida nosobriga a adotar soluções inovadoras e cria-tivas sobre nossa forma de usar e dispordos produtos e serviços que consumimos.Essa perspectiva pode garantir a transiçãopara atividades e estilos de vida mais sus-tentáveis, e ao mesmo tempo proteger osrecursos naturais do planeta.

Então, é vital que orientemos nossas ações,quer no Dia Mundial do Meio Ambientecomo em todos os dias do ano, para ativida-des que promovam o consumo sustentável.Apenas nós, cidadãos do mundo, seremoscapazes de remodelar nosso futuro! ■

O aumento da produção agrícola tem ocorrido principalmente em função do aumento de produção

devido ao aumento da irrigação e do uso de fertilizantes. No entanto, no futuro, essa realidade pode

mudar com a expansão de terras agrícolas à custa da biodiversidade. (Fonte: FAO, 2006).

Fonte: The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role in Averting Future Food Crises, 2009. Cartographer/

designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal. Link: www.grida.no/publications/rr/food-crisis/

CONSUMO DE ALIMENTO: TENDÊNCIAS E PROJEÇÕES

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Alimentos caros e epidemia global de obesidade

Entenda porque a alta dos pre-

ços dos alimentos em escala

mundial também contribui para

o aparentemente paradoxal au-

mento de indivíduos obesos ou

com sobrepeso.

por José Cuesta

Hoje sabemos que o excesso de pesoe a obesidade são os principais fa-

tores de risco para diabetes, doençascardiovasculares, hipertensão e morteprematura. Somos constantemente lem-brados que os comportamentos pesso-ais influenciados pela cultura, pelo es-tilo de vida e por nosso desenvolvimen-to metabólico contribuem para o exces-so de peso ou a obesidade. Em março de2013, no boletim Food Price Watch, per-guntamos se o alto preço dos alimentotambém não seria outro fator a influen-ciar a epidemia de obesidade mundial.

Mas, antes de passarmos à resposta, faça-mos um rápido teste. Muitos conferem opeso rotineiramente para determinar, atravésdo Índice de Massa Corporal (a razão entre opeso corporal em quilogramas pelo quadra-do da estatura em metros) se estão ou nãoacima do peso. No entanto, existem algunsfatos impressionantes sobre o excesso pon-deral que você pode não saber. Responda,por exemplo, as perguntas abaixo:

PERGUNTA 1: QUANTOS OBESOS EXISTEM

NO MUNDO: (DADOS DE 2008)(A) 126 milhões(B) 259 milhões(C) 508 milhões

PERGUNTA 2: METADE DA POPULAÇÃO

MUNDIAL COM SOBREPESO VIVE EM NOVE

PAÍSES. QUAL DOS PAÍSES ABAIXO NÃO FI-GURA NESSA LISTA (DADOS DE 2008)?(A) China(B) Reino Unido(C) Turquia

PERGUNTA 3: QUE PAÍS APRESENTA PERFIL

SOCIOECONÔMICO DE OBESIDADE?(A) EUA(B) CHINA

(C) HAITI

RESPOSTAS: 1(C) – 2 (B) – 3 (B)

Se você foi surpreendido por uma ou todasas respostas, temos um fato ainda maissurpreendente: as projeções conservado-ras prevêem que por volta de 2030 (1). 2,16bilhões de adultos terão excesso de peso e1,12 bilhão de adultos serão obesos!

Agora, a pergunta que não quer calar: comoos elevados e voláteis preços dos alimen-tos são capazes de gerar o excesso de pesoponderal? O número de indivíduos comsobrepeso e de obesos dobrou desde 1980e acelerou a partir de 2000, o que significaque a epidemia se espalhou tanto nos perí-odos de baixa como de alta de preço dosalimentos. Mas, à medida que o preço dosalimentos permanece elevado e, sem dúvi-da, cada vez mais volátil, as calorias não-saudáveis tendem a ser mais baratas doque as saudáveis. Exatamente o que ocor-re com a junk food no mundo desenvolvi-do, mas também com os substitutos alimen-tares menos nutritivos nas famílias pobresdos países em desenvolvimento 2, que têmde enfrentar a crise alimentar recorrente,entre outras. Desta forma, o aumento dospreços dos alimentos comercializados nomercado doméstico e internacional e/ou oaumento da volatilidade auguram a conti-nuidade da epidemia de excesso de pesono futuro.

As políticas internas têm apenas aborda-do parcialmente o problema. Tais políticasvão do nada fazer à penalização dos indiví-duos com excesso de peso, à promoção decomportamento saudável via impostos,proibições, legislação restritiva para deter-minados alimentos e ingredientes, normasmais claras na rotulagem dos alimentos ecampanhas de conscientização.

Mas impedir a expansão global da epide-mia de sobrepeso num mundo mais prós-pero e com altos preços de alimentos re-quer ação doméstica e global integrada. Asatuais discussões multilaterais sobre osObjetivos do Milênio pós-2015 oferecemuma oportunidade sem precedentes paracombinar essa ação coletiva global e do-méstica no enfrentamento de todas as for-mas de desnutrição, de crescimento defici-ente e de obesidade. Não será esta maisuma prioridade global a ser adicionada àlista dos Objetivos do Milênio? ■

NOTAS

(1) T. Kelly, W. Yang, C-S. Chen, K. Reynolds,and J. He, “Global Burden of Obesity in 2005 andProjections for 2030,” International Journal ofObesity 32: 1431–37.(2) Para saber mais sobre as estratégias das famíli-as em tempo de crises, visitar o sítio Food PriceWatch em www.worldbank.org

José Cuesta – Economista desenvolvimentista comPh.D. em Economia pela Universidade de Oxford,professor afiliado do Instituto de Políticas Públicasda Universidade de Georgetown e pesquisador dainteração entre pobreza, conflito e cultura. Artigopublicado em Food Price Watch – Voices – http://blogs.worldbank.org (28/03/2013).

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MODELODEDESENVOLVIMENTO

ENERGIA, ENTROPIA,

por Diego Viana

NESTE MOMENTO EM QUE A

SUSTENTABILIDADE SE TORNA IN-

CONTORNÁVEL NAS DISCUS-

SÕES SOBRE A ECONOMIA

MUNDIAL, O LANÇAMENTO DA

OBRA DECRESCIMENTO - EN-

TROPIA, ECOLOGIA, ECONO-

MIA RECOLOCA EM PAUTA AS

PRECURSORAS PROPOSIÇÕES

DO MATEMÁTICO E ECONO-

MISTA GEORGESCU-ROEGEN

SOBRE A NATUREZA COMO LI-

MITE DA ECONOMIA.

CONFIRA.

Não foi o alarme da mudança climática,nem o encontro Eco-92, no Rio, que

despertou nos economistas – alguns de-les, pelo menos – a noção de que a econo-mia humana se desenrola num planeta real,de recursos finitos. Já na década de 1960, oromeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) advertia para a urgência de enrique-cer a economia com noções físicas comoenergia e entropia.

Economista com formação de matemático eestatístico, admirado por Joseph Schum-peter e Paul Samuelson e cotado para oPrêmio Nobel por seus trabalhos sobre ateoria do consumidor e a economia agrá-

ECOLOGIA, ECONOMIA

ria, Georgescu-Roegen se dedicou a repen-sar o modo como a economia pensa a pro-dução. Mas a virada intelectual selou odestino do romeno entre seus pares: atéentão admirado, ele teve de enfrentar oostracismo.

Formado em matemática na Universidadede Bucareste e especializado em estatísti-ca na França, Georgescu-Roegen se inte-ressou por economia quando foi professorem Harvard, entre 1934 e 1936. Sua convi-vência com Schumpeter, um dos maioreseconomistas do século XX, teria resultadoem um livro a quatro mãos, se não tivessedecidido retornar à Romênia com a justifi-

cativa de que devia algo a seu país. Maistarde, ao fim da Segunda Guerra, tornou-seprofessor na Universidade Vanderbilt. Em1966, publicou o livro Analytical Econo-mics: Issues and Problems, centrado nateoria do consumidor e elogiado em profu-são por Samuelson, outro dos maiores eco-nomistas de seu tempo, com epítetos ine-quívocos como “professor dos professo-res” e “economista dos economistas”.

A causa do ostracismo de Georgescu-Roegen – encaminhado pelo próprio Sa-muelson, que fez desaparecer o nome doromeno de seu ubíquo manual, “Econo-mics”, a partir da décima edição – foi seu

Trut

hout

.org

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Cidadania&MeioAmbiente 11

interesse intelectual por uma área de estu-dos até então considerada esotérica, paranão dizer absurda: a ecologia. Ao se darconta de que o processo produtivo e oconsumo não são mera função do traba-lho, do capital e de insumos, mas uma rea-lidade física, química e social, o até entãoadmirado romeno selou sua sorte no clãdos economistas. “Ele não foi só esqueci-do. Foi banido. Ele sofreu uma espécie decensura”, diz Veiga.

Segundo o economista da USP, a gotad’água foi a reunião da associação dos eco-nomistas americanos (American EconomicAssociation) de 1973. “É como o conclavedo Vaticano”, diz Veiga. Nos meses anteri-ores, fora publicado o manifesto “Rumo auma Economia Humana”, escrito por mem-bros da organização Fellowship of Reconci-liation reunidos em um grupo de trabalhointitulado “Dai Dong”, sob orientação dopacifista americano Alfred Hassler. “Hoje,esse manifesto me parece até ingênuo, masna época foi considerado radicalmenteecologista ao mencionar ameaças aos ecos-sistemas”, diz Veiga.

Na reunião dos economistas americanos, deque Georgescu-Roegen participava todosos anos, o matemático romeno propôs que aassociação assinasse e apoiasse o manifes-to. “Criou-se uma confusão, porque os eco-nomistas eram contra e acabaram encon-trando uma solução de compromisso: emvez de assinar e apoiar, a associação pu-blicou o texto, mas como anexo e com umtamanho de letra praticamente ilegível.”

Até então respeitado por seus colegas porsua capacidade superior de aplicar a mate-mática às funções de consumo e produção,Georgescu-Roegen percebeu que sua linhade pensamento era heterodoxa demais paraaquele ambiente intelectual. “Georgescu foibloqueado como são bloqueados todosaqueles que não se integram no mains-tream”, afirma Delfim Netto. “Marx é blo-queado, por exemplo. Diz-se que Georges-cu não ganhou um Prêmio Nobel porquenão criou uma ‘georgescologia’, não fezescola. Mas ele tinha nível para ganhar oNobel, sobretudo em comparação com asbobagens que ganham hoje.”

Com o avanço progressivo da matematiza-ção na teoria econômica, os economistas sepuseram a perseguir a ambição de produzirteses tão exatas e claras quanto as da física.

Mas os economistas têm de enfrentar umadificuldade que não atinge os físicos.“Acontece que nossos ‘átomos’ pensam.Por isso, em economia, o passado não con-tém o futuro e não é capaz de explicá-lo.Na física, o passado contém o futuro. É porisso que nenhum modelo econômico funci-ona de verdade”, argumenta Delfim Netto.

Outro problema que afasta a economia deatingir seu objetivo de perfeição quantitati-va, segundo Veiga, é a insistência numa con-cepção mecanicista e equilibrada do funcio-namento do ciclo produtivo. “Com toda suaformação científica, Georgescu-Roegen fi-cou muito espantado ao começar a estu-dar a teoria do produtor e descobrir queos conceitos que os economistas tomavamemprestados da física ainda eram todosnewtonianos”, diz Veiga. A essa altura, afísica já tinha abandonado suas concepçõesde equilíbrio mecanicista, que ainda orien-tava as pesquisas econômicas. Já em seulivro de 1966, Georgescu-Roegen se mos-trava inconformado com aquilo que Veiganomeia o “progressivo distanciamento dateoria econômica dos fundamentos bási-cos das ciências naturais”. Dentre os fun-damentos em questão, Veiga cita o campofísico da termodinâmica e o evolucionismo.

Suas preocupações epistemológicas hete-rodoxas puseram Georgescu-Roegen entreos primeiros economistas a buscar um fun-damento para a economia que levasse emconta o fato de que o próprio ato de produ-zir é transformador, tanto para a matéria-prima quanto para o maquinário e para associedades em que tem lugar. Com isso, seupensamento econômico se tornou progres-sivamente evolucionário. Até hoje, análi-ses evolucionárias da economia, como as

de Geoffrey Hodgson, encontram poucaressonância na profissão, embora Veiga serefira às ideias do economista britânico,editor da revista Journal of InstitutionalEconomics, como “o futuro da economia”.

Para Delfim, a redescoberta das teses deGeorgescu-Roegen é um caminho impostopelas circunstâncias de um mundo que co-meça a encontrar seus limites físicos. “Aconcepção de Georgescu está se impondonaturalmente. Foi homem que antecipouem pelo menos 50, 60 anos essa visão demundo”, diz. “Mas não foi só intuitivo.Construiu um dispositivo analítico quelevava a reconhecer os fatos: o desenvol-vimento não é um fenômeno econômico,mas termodinâmico. Portanto, obedece àsleis da termodinâmica.”

Ao lado das mudanças no processo pro-dutivo, o economista romeno passou a ar-gumentar que a produção não pode serentendida como um sistema fechado, ca-paz de funcionar indefinidamente a partirde seus princípios, sem levar em conside-ração o canal de entrada de recursos. Sefosse assim, a economia funcionaria comoum “moto-perpétuo”, a máquina capaz detrabalhar eternamente, sem o acréscimo deenergia exterior. Mas isso seria absurdo,porque exigiria o esquecimento da segun-da lei da termodinâmica, segundo a qualtodo sistema caminha na direção do equilí-brio, isto é, da máxima entropia, e deixa deproduzir qualquer modificação.

Georgescu-Roegen se esforça por introdu-zir o tempo nas equações de produção, pro-põe a necessidade de entender diferençasqualitativas nas funções de capital e traba-lho, em vez de ater-se às proporções quan-titativas entre um e outro, e termina porafirmar que, em vez de falar em produção, ateoria econômica deveria referir-se a umatransformação. Afinal, o processo de pro-dução econômica consiste em tomar ele-mentos da natureza e transformá-los emmercadorias para o consumo humano, comum gasto concomitante de energia que sedegrada necessariamente e é irrecuperável.

Segundo Veiga, o título escolhido pelos or-ganizadores franceses Jacques Grinevald eIvo Rens para a coletânea de artigos de Ge-orgescu-Roegen não é o ideal. O termo “de-crescimento” é infiel às ideias do econo-mista romeno. O termo assumiu um sentidomais político do que propriamente “bioeco-

O processo produtivo

e o consumo não

são mera função do

trabalho, do capital

e de insumos, mas uma

realidade física,

química e social

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nômico”, para usar as palavras do rome-no. No texto “A Energia e os Mitos Eco-nômicos”, Georgescu-Roegen escreve –com bastante sarcasmo, na avaliação deVeiga – um programa de nove pontos parachegar a um equilíbrio ambiental e econô-mico, conforme proposto por economis-tas ecológicos com quem ele não concor-dava inteiramente. Esses pontos incluíamgeneralidades como o fim da guerra e aredução da população, além de propos-tas como o fim da moeda e a cura da “sedemórbida por engenhocas extravagantes”.

Veiga aponta os limites do pensamentode Georgescu-Roegen, a começar pelaideia de decrescimento, radicalizada porrivais e alunos seus como, respectivamen-te, Kenneth Boulding e Herman Daly.“Falar em abrir mão do crescimentopode fazer muito sentido na Escandiná-via, na Áustria e na Suíça, mas a maiorparte do mundo precisa do crescimentoeconômico, e muito”, afirma.

Paralelamente, o economista romeno caiem armadilha parecida com a de ThomasMalthus, que previu, no século XIX, umacrise alimentar como resultado do cresci-mento populacional explosivo. “Quandopenso no tempo que levaria para que aentropia nos obrigasse a abdicar do cres-cimento, concluo que seriam séculos”,diz Veiga. “Afinal, a eficiência energéti-ca da produção está aumentando muito

O próprio ato de

produzir é

transformador, tanto

para a matéria-prima

quanto para

o maquinário

e para as sociedades

em que tem lugar

rapidamente. A intensidade carbono daeconomia mundial, por exemplo, é muitoinferior ao que era há poucas décadas.”

Veiga evoca os conceitos de “descolamentorelativo” e “descolamento absoluto” paraexplicar seu ceticismo com os alarmes de Ge-orgescu-Roegen. Na maior parte do mundo,incluindo a até recentemente “muito suja”China, a produção dos bens exige cada vezmenos custo energético, mas o consumo doinsumo continua a crescer em termos abso-lutos porque a economia cresce. No ReinoUnido, porém, há indícios de que o consumoenergético esteja caindo absolutamente. “Éum indício de que a economia está se tor-nando imaterial, e essa tendência tende ase generalizar”, salienta Veiga.

N.E.: Organizado pelo economista e profes-sor da Universidade de São Paulo (USP)José Eli da Veiga, O Decrescimento: Entro-pia, Ecologia, Economia (Editora SenacSão Paulo), com artigos que expõem as idei-as pioneiras do matemático romeno, contouem seu lançamento com a presença de doiseconomistas que conviveram com Georges-cu-Roegen: o ex-ministro da Fazenda e doPlanejamento Delfim Netto e o ex-presiden-te do Banco Central Ibrahim Eris. ■

O QUE É DECRESCIMENTO

Fonte: www.wikipedia.org

■ Decrescimento é um conceito econômi-

co, mas também político, cunhado na dé-

cada de 1970, parcialmente baseado nas

teses do economista romeno e criador da

bioeconomia, Nicholas Georgescu-

Roegen (Constanca,1906 – Nashville,

1994) as quais foram publicadas em seu

livro The Entropy Law and the Economic

Process 1971).

■ A tese do decrescimento baseia-se na

hipótese de que o crescimento econômi-

co – entendido como aumento constante

do Produto Interno Bruto (PIB) – não é

sustentável pelo ecossistema global. Esta

idéia é oposta ao pensamento econômi-

co dominante, segundo o qual a melho-

ria do nível de vida seria decorrência do

crescimento do PIB e, portanto, o aumen-

to do valor da produção deveria ser um

objetivo permanente da sociedade.

■ A questão principal, segundo os defen-

sores do decrescimento – entre os quais

Serge Latouche é o mais notório – é que os

recursos naturais são limitados, não exis-

tindo assim crescimento infinito. A melho-

ria das condições de vida deve, portanto,

ser obtida sem aumento do consumo, mu-

dando-se o paradigma dominante

Trut

hout

.org

Diego Viana – Reportagem publicada nojornal Valor (15/03/2013), em IHU On-line eno portal EcoDebate (20/03/2013).

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Cidadania&MeioAmbiente 13

Em nome do que se convencionachamar de “progresso econômico”,a agressão ambiental em escala mun-dial não deixa espaço para dúvidas:o forte desequilíbrio no sistema na-tural é decorrente das mãos huma-nas, que procura responder às or-dens do mercado de consumo. Maisprodutos, menos ambiente. Maiseconomia, menos ecossistema. Àmedida que o consumo ganha – pelaordem da imposição macroeconô-mica tradicional – maior proporçãoe torna-se sinônimo de prosperida-de material, os recursos naturais sãodilapidados de forma assustadora eo meio ambiente, eixo do sistema-vida, sofre as consequências. Dissodecorre o desequilíbrio no sistemade chuvas, altera-se radicalmente oclima, desmata-se, polui-se, agri-dem-se os lençóis freáticos, choveonde deveria fazer sol, há seca ondedeveria ter água. Essa “salada quí-mica” é intensa: monóxido de car-bono, dióxido de enxofre, eutrofi-zação (degradação do ambiente aqu-ático), pesticidas.

Na busca desenfreada pelo bem-es-tar o homem moderno se fecha den-tro de uma visão míope e rompeseus laços cordiais para com a MãeNatureza. Que espécie de bem-es-tar é esse que degrada o ambiente?Que tipo de melhoria de vida é pos-sível num ambiente natural caótico,desequilibrado e dilapidado?

Ainda em nome da expansão indus-trial, o ritmo alucinado do cresci-mento de algumas economias –modernas no nome; porém, arcai-cas no conceito – somente tem vio-lentado sobremaneira a natureza.Dentro desse modelo, valoriza-semais o som da buzina dos automó-veis ao som do canto dos pássaros.A fumaça das fábricas passa a termais valor que o cheiro do mato.Da macroeconomia convencionalvem à palavra de ordem: crescer.Pouco importa se a consequênciaseja destruir. Inverter esse procedi-mento é a necessidade mais premen-te dos dias atuais.

O relacionamento entre o MeioAmbiente e a Economia precisa ser

MODELODEDESENVOLVIMENTO

Economia e Ecologia não devem conflitarpor Marcus Eduardo de Oliveira

Marcus Eduardo de Oliveira -Professor de economia e especia-lista em Política Internacional commestrado pela (USP).E-mail:[email protected] no portal EcoDebate(07/12/2012).

Mais produtos, menos ambiente.

Mais economia, menos ecossis-

tema. À medida que o consumo

torna-se sinônimo de prosperida-

de material, os recursos naturais

são dilapidados.

harmonioso, visto que a segundacondição (a atividade econômica)depende da primeira (os recursosda natureza). Nesse pormenor,sempre é oportuno reiterar que ocrescimento econômico não podeacontecer sobre as ruínas do capitalnatural. Contudo, infelizmente, éexatamente isso o que tem aconte-cido. Atentemos ao seguinte fato:de 1950 a 2000 a economia globalfoi multiplicada por sete. Nessemesmo período, a produção de bense serviços saltou de US$ 6 trilhõespara US$ 43 trilhões, e hoje (2012),o PIB global atinge quase 80 tri-lhões de dólares. Entretanto, aindanão foi devidamente respondido aque “preço” esse elevado cresci-mento foi alcançado.

Enquanto a economia for respon-sável por sustentar essa produção/consumo exagerada que ocorre embenefício de poucos, haverá, porbrevíssimo período, na outra pon-ta, uma mesma economia que “sus-tentará” a mais brutal agressão am-biental já vista. Que tenhamos en-tão condições intelectuais suficien-tes para entender que a economia ea natureza não nasceram para con-denar as pessoas à humilhação, àexploração, à pobreza material ou adilapidação dos recursos naturais.Antes, Economia e Natureza, jun-tas, podem representar uma via deacesso às melhorias que levam aoalmejado padrão de bem-estar soci-al, desde que caminhando conjun-tamente formem uma “parceria”

capaz de crescer sem explorar, deprogredir sem destruir, pois é per-feitamente possível parar de cres-cer e continuar a se desenvolver.

Talvez seja por isso que Jean-MichelCousteau ponderou que “a econo-mia e a ecologia não devem ter con-flitos porque hoje são exatamente amesma coisa”. O curioso é que numpassado não muito distante, a ecolo-gia chegou a ser chamada de “a eco-nomia da natureza”, dada a íntimarelação entre o ato de “produzir” e ode “retirar” recursos da natureza.

Desse argumento de Cousteau re-sulta reiterar que a economia e o meioambiente devem sim caminhar emconjunto, pois um é o complementodo outro, apesar de ser a economiaum subconjunto do meio ambiente.Para tanto, a ideia central em tornoda busca pelo crescimento econômi-co deve ser revista, pois esse nãopode ser patrocinado pela dilapida-ção/exaustão dos recursos naturais.A própria palavra exaustão (na ori-gem: extremo cansaço) já determinacomo será no futuro: é algo que vaiacabar. Portanto, é necessário mo-deração na busca pela expansão eco-nômica, uma vez que é impossívelcrescer além dos limites.

Se há limites, eles devem ser res-peitados uma vez que a Terra nãoaumentará de tamanho. A esse res-peito à mensagem é única: usou,esgotou, não teremos mais.

Dessa forma, a história entre eco-nomia e natureza em conflito podeser assim resumida: mais economia(crescimento) é sinônimo de menosambiente. Logo, crescimento semregras e sem ponderações apontapara profundos impactos ambien-tais, afinal, ambiente (ecossistema)degradado, é vida mal vivida. ■

Meio ambiente(ambiente natural viável)

Ambiente naturale construído

sustentável

Ambienteeconômico

sustentável

Ambientesocial

equitativo

DesenvolvimentoSustentável

(bem-estar)

Social(comunidadecomprometida)

Econômico(economia

suficiente)

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14

SO

CI

ED

AD

E

O Brasil no

por Jorge Abrahão

De acordo com o índice, o Brasil tem

pequena melhoria de 2010 para

2011, a qual não reflete os avanços

observados em nossa sociedade.

ATransparência Interna-cional (TI) divulgouo Índice de Percep-

ções da Corrupção 2011, queordena os países de acordocom o grau de corrupção que asociedade percebe existir entrefuncionários e órgãos públicos.A organização dá notas de 0 a10 aos países e, quanto maisperto da nota 10, menor a per-cepção de corrupção. Em 2011,o Brasil apresentou uma peque-na melhora em relação ao ano an-terior, evoluindo de 3,7 para 3,8.

COMBATE À CORRUPÇÃO:

AVANÇOS NÃO PERCEBIDOS

É verdade que a corrupção aindapermeia a administração públicaem todos os níveis. E que, infeliz-mente, ainda existe em nosso paísum “modelo mental” que aceitadeterminados tipos de “jeitinho”lesivos à sociedade, como esta-

“Índice de

Percepção da

cionar em local proibido, comprarprodutos piratas, dirigir alcooli-zado e outras atitudes. Mesmoassim, é preciso reconhecer que,nos últimos anos, houve avan-ços significativos no combate àcorrupção, em razão, principal-mente, da mobilização da socie-dade. Por que esses avanços bra-sileiros não foram “captados”pelo índice? Estamos mesmo emsituação pior do que a da Argen-tina, a do Chile ou a da Suíça, paraonde é encaminhado o dinheirodesviado pelos corruptos domundo todo? Vamos refletir so-bre isso rapidamente.

Desde 1995, a TI publica o re-latório anual Índice de Per-cepções de Corrupção (IPC),que ordena os países do mun-do de acordo com “o grau emque a existência da corrup-ção entre os funcionários pú-

blicos e políticos é percebi-da pela sociedade”. A orga-nização define a corrupçãocomo “o abuso do poder con-fiado para fins privados”.

O IPC classifica países ou terri-tórios com base em quão corrup-to o seu setor público percebe-se ser. É um índice composto,uma combinação de quesitosretirada de dados coletados re-lacionados à corrupção por vá-rias instituições respeitadas. Oíndice reflete os pontos de vistade observadores de todo o mun-do, incluindo especialistas quevivem e trabalham nos países/territórios avaliados.

O QUE É CORRUPÇÃO E

COMO O IPC A MEDE?

A corrupção é o abuso do poderconfiado para ganhos privados.Esta é a definição de trabalho

usada pela TI, aplicada a ambosos setores, público e privado. OIPC focaliza na corrupção nosetor público, a corrupção queenvolve agentes públicos, ser-vidores civis ou políticos. Osdados utilizados para compilaro índice incluem questões rela-cionadas ao abuso do poder pú-blico e tem o foco em subornode agentes públicos, propinasem contratos públicos, fraude/desfalque de fundos públicos enas questões que exploram a in-tensidade e a eficácia dos esfor-ços anticorrupção no setor pú-blico. Como tal, cobre ambos osaspectos administrativos e polí-ticos da corrupção. Ao produziro índice, as notas dos países outerritórios para as questões es-pecíficas relacionadas à corrup-ção nas fontes de dados sãocombinadas para calcular umaúnica nota para cada país.

Corrupção

2012”

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Cidadania&MeioAmbiente 15

POR QUE O ÍNDICE

É BASEADO APENAS

EM PERCEPÇÕES?

A corrupção geralmente envol-ve atividades ilegais, as quaisvêm à luz apenas por meio deescândalos, investigações ouprocessos. Assim, é difícil avali-ar os níveis absolutos de cor-rupção em países ou territórioscom base em dados empíricos.Possíveis tentativas de fazerisso, tais como pela comparaçãode subornos relatados, pelo nú-mero de processos apresentadosou pelos casos tratados pelaJustiça diretamente ligados àcorrupção não podem ser toma-dos como indicadores definiti-vos dos níveis de corrupção. Aocontrário, eles mostram quão efi-cazes são os ministérios públi-cos, os tribunais ou a mídia nainvestigação e exposição da cor-rupção. Um método confiável decompilar dados comparáveis dopaís é captar as percepções da-queles em posição de ofereceravaliações de corrupção do se-tor público daquele país.

O IPC de 2011 recorre a 17 fon-tes de dados de 13 instituiçõesrecolhidas entre dezembro de2009 e setembro de 2011.

O RANKING DE 2011

Neste ano, a Nova Zelândia é opaís percebido como o menoscorrupto entre os 182 avaliados,seguida pela Dinamarca. NaAmérica Latina, os países maisbem classificados são o Chile,em 20º lugar, e a Argentina, em22º. O Brasil ocupa o 73º lugar.Parece que os grupos chama-dos a analisar os respectivospaíses foram bastante condes-cendentes com os governos,exceto o brasileiro.

Há uma inegável crise de go-vernança nos países centrais,parte dela devido a falhas dasautoridades governamentaisem combater o suborno e a eva-são de divisas e impostos. Es-ses fatores, aliados aos enor-mes desembolsos de dinheiro

ÍNDICE DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO DO SETOR PÚBLICO

EM 176 PAÍSES/TERRITÓRIOS NO MUNDO

Cidadania&MeioAmbiente 15

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Corrupção na América do Sul

Os 10 países mais corruptos

público feitos em 2008 para sal-var os bancos da falência, nachamada “crise dos derivati-vos”, acabaram por fazer estou-rar as crises de endividamentoque vêm derrubando uma a umaas economias europeias. As cri-ses de endividamento da Euro-pa também ameaçam o resto domundo. No entanto, os analis-tas não “percebem” elevaçãoda corrupção nessas nações.Como isso é possível?

Parece que os analistas escolhi-dos pela Transparência Interna-cional não internalizaram as cri-ses de 2008 e a atual na avalia-ção dos países. E, no caso bra-sileiro, passaram ao largo dosinegáveis avanços institucio-nais no que tange ao combate àcorrupção. Senão, vejamos:

❚ Desde o final dos anos 1990,há no Brasil um contínuo pro-cesso de fortalecimento dosórgãos de controle e investiga-ção, tais como a Polícia Federal(PF), a Controladoria-Geral daUnião (CGU) e o Conselho deControle de Atividades Finan-ceiras (Coaf); ❚ No país, há liberdade de im-prensa, que tem total acesso àsinformações sobre investiga-ções e sobre a execução dosgastos públicos; ❚ Os organismos de controledo Estado, como PF, CGU, Mi-nistério Público (MP), Tribu-nal de Contas da União(TCU), Coaf e Receita Federal,passaram a atuar de forma in-tegrada e articulada;❚ O Ministério Público tem totalautonomia de ação.

Com isso, até novembro de2011, 3.434 servidores fede-rais foram expulsos do servi-ço público, a maioria dosquais por prática de corrup-ção. A CGU criou o CadastroNacional de Empresas Inidô-neas e Suspensas (CEIS), umalis0ta de companhias punidaspelos Estados, pelo TCU oupor qualquer outro órgão pú-

blico, em qualquer instância.O Portal da Transparência,lançado em 2004 pela CGU,tem hoje um arquivo commais de 1 milhão de informa-ções sobre aplicação de recur-sos orçamentários.

Além disso, o movimento da so-ciedade fez aprovar a Lei da Fi-cha Limpa. A pressão socialtambém garantiu a aprovação daLei de Acesso à Informação.

Enfim, se não está perfeito, opaís decerto não é o reino dapropina e da corrupção. No en-tanto, estamos em 73º. lugar naclassificação geral, próximo depaíses com sistemas de gover-nos não tão democráticos quan-to o nosso e com conflitos étni-cos e sociais violentos.

Diante disso, propomos que aTransparência Internacionalmodifique a metodologia e aanálise baseada em percepção.Esse índice é muito importante.Seu resultado é levado em con-sideração por empresas, ban-cos e agências de rating nahora de decidir investimentosnos países. O índice tambémmexe com a auto-estima dos ci-dadãos dos países analisados.

Por que não promover uma con-sulta pública sobre a metodo-logia do índice, de modo a ga-rantir a participação mais ex-pressiva dos públicos de inte-resse desse índice? Essa práti-ca é utilizada pelo Banco Mun-dial quando precisa, por exem-plo, alterar a aplicação de algumde seus indicadores.

Outra sugestão é solicitar à so-ciedade civil dos países que in-diquem membros para participarda análise dos dados e da con-solidação da “percepção”. ■

Jorge Abrahão é presidente doInstituto Ethos, em cujo sitewww1.ethos.org.br este texto foipublicado.

Posição

173º

175º

175º

177º

177º

177º

180º

180º

182º

182º

País

Venezuela

Haiti

Iraque

Sudão

Turcomenistão

Uzbequistão

Afeganistão

Myanmar

Coréia do Norte

Somália

Escore

1.9

1.8

1.8

1.6

1.6

1.6

1.5

1.5

1

1

Os menos corruptos

Posição

22º

25º

73º

80º

80º

100º

118º

120º

134º

154º

172º

País

Chile

Uruguai

Brasil

Colômbia

Peru

Argentina

Bolívia

Equador

Guiana

Paraguai

Venezuela

Escore

7.2

7

3.8

3.4

3.4

3

2.8

2.7

2.5

2.2

1.9

Posição

11º

País

Dinamarca

Finlândia

Nova Zelândia

Suécia

Cingapura

Suíça

Austrália

Noruega

Canadá

Holanda

Islândia

Escore

90

90

90

88

87

86

85

85

84

84

82

16

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Cidadania&MeioAmbiente 17

Apesar dos pesares...

por Roberto Malvezzi (Gogó)

Muita coisa melhorou, mas o

modelo primário, exportador,

concentrador e depredador que

rege a sociedade brasileira

pode, sim, acabar com as pou-

cas conquistas que fizemos.

Apesar dos pesares, o Brasil está me-lhor. Melhorou o índice da educação.

Nossa mortalidade infantil caiu de 58 pormil em 1990 para 16 por mil em 2010. A secado Nordeste continua como pede a nature-za, mas já não temos saques, migrações in-tensas, nem mortalidade infantil ao nívelde genocídio. Uma boa parte do povo saiuda miséria. Nosso déficit habitacional caiude sete milhões de casas para cerca de 5,5milhões. O saneamento vai a passos de tar-taruga, mas o Plano Nacional de Saneamen-to Básico (Plansab) se propõe a pratica-mente zerar as demandas de água potável,coleta e tratamento de esgoto, manejo deresíduos sólidos e drenagem pluvial até2030 com um investimento de cerca de 420bilhões de reais. Francamente, gostaria dever esse dia, como gostaria de ver a chega-da do primeiro ser humano a Marte, proje-tada para a mesma data.

Sim, até o SUS nos dá SUStos bons. Essesdias uma aluna da APAE aqui de Juazeiro pre-cisou cuidados emergentes num braço e foiatendida em 15 minutos, com consulta, radio-grafia e enfaixamento. O fato é que 150 mi-lhões de brasileiros ainda dependem do SUS,quem sabe um dia funcionando bem como esseatendimento de um caso específico.

Aqui em Juazeiro, alguns empresários eum ex-prefeito viraram caso de polícia fe-deral por desviarem 80 milhões de reais

do saneamento. A operação se chama“Boca de Lobo”, ou “Tampa de Esgoto”,o que dá na mesma. O bairro periférico de30 mil trabalhadores da irrigação continuana lama, na miséria, mas os caras embol-saram até a última nica. Reparem, 80 mi-lhões de um município pobre, dinheiro dosaneamento, quase o dobro do montanteda fraude em nível nacional do pessoaljulgado no Supremo. Portanto, há sinaisde que a corrupção seja mesmo combati-da, desde que não seja pretexto para gol-pe de estado, como parece tantas vezesser o julgamento do mensalão.

O Supremo não tem a dignidade de julgar omérito da Transposição, de Belo Monte, etc.,embora se empenhe no tal mensalão, e posan-do de suprema instância da ética brasileira.

Sim, a reforma agrária não anda, a reformaeducacional não se qualifica, nossos índi-os, negros e comunidades tradicionais têmque levar nas costas o ônus do avanço docapital sobre seus territórios e bens natu-rais. O pior é o modelo primário, exporta-dor, concentrador, depredador que rege asociedade brasileira. O Código Florestal éo ícone dessa geração predadora. Essemodelo pode, sim, acabar com as poucasconquistas que fizemos.

Sei que não se faz análise das perspectivasde um país apenas listando questões em duascolunas separadas, mas estabelecendo o vín-culo, possíveis confluências, sobretudo, ascontradições existentes entre elas.

Mesmo assim, não somos mais os mes-mos. Há esperança, enviada por esses si-nais contraditórios. Vai depender da soci-edade organizada. Vamos às urnas muni-cipais, por onde passará grande parte des-ses recursos essenciais para o bem dopovo. Não temos muitas escolhas poraqui, mas há sempre aquele “mal menor”.Não é a revolução, mas poderemos ter ci-dades melhores. ■

Roberto Malvezzi (Gogó) – Articulista do Por-tal EcoDebate, possui formação em Filosofia,Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco. Artigo publicado noportal EcoDebate (27/09/2012).

Não somos mais os

mesmos. Há esperança

enviada por sinais

contraditórios.

Vai depender da

sociedade organizada

nas urnas municipais

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Semente transgênica

Entrevista com Fábio Dal Soglio

A reintrodução das sementes

transgênicas no Programa Troca-

Troca de Sementes de Milho para

a safra 2013-2014 impede a au-

tonomia dos agricultores e des-

considera os evidentes problemas

ambientais, sociais e agronômi-

cos associados às variedades

transgênicas de milho.

IHU ON-LINE – EM QUE CONTEXTO E POR QUAIS RAZÕES O GOVERNO DO

RIO GRANDE DO SUL LIBEROU O TROCA-TROCA DE SEMENTES TRANSGÊNICAS

DE MILHO PARA A SAFRA 2013-2014?

Fábio Dal Soglio – Essa foi uma decisão tirada pelo Conselho Administra-tivo do Fundo Estadual de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Rurais– Feaper por pressão especialmente da Federação dos Trabalhadores naAgricultura no Rio Grande do Sul – Fetag e da Federação da Agricultura doEstado do Rio Grande do Sul – Farsul, que apresentam a adoção de semen-tes transgênicas como demanda contida no Grito da Terra Brasil, 2013.Ocorre que esse documento é feito pela Confederação Nacional dos Traba-lhadores na Agricultura – Contag, o que não necessariamente é uma repre-sentação de todo o conjunto de pequenos agricultores, que são o alvoprioritário do Programa Troca-Troca de sementes do governo do Estado.Entretanto, pela votação dos representantes das agências estaduais queestão no conselho do Feaper, fica visível que foi uma determinação política,o que nos deixou bastante preocupados. De um discurso pelo desenvolvi-mento sustentável, vemos agora uma posição bastante conservadora, bus-cando agradar multinacionais de sementes e interesses comerciais, quandopoderiam demonstrar não apenas a busca de autonomia para os agriculto-res, mas especialmente também estarem considerando os argumentos apre-sentados ao governo do Rio Grande do Sul, que apontam evidentes proble-mas ambientais e sociais assim como problemas agronômicos, associadosao uso de variedades transgênicas de milho.

IHU – UM DOS ARGUMENTOS DA FETAG AO APOIAR O TROCA-TROCA DE

SEMENTES TRANSGÊNICAS É DE QUE O ESTADO PODERÁ SER AUTO-SUFICIENTE

EM PRODUÇÃO DE GRÃOS. QUAL É A PARTICIPAÇÃO GAÚCHA NA PRODUÇÃO

NACIONAL DE GRÃOS E COMO O SENHOR VÊ ESSE ARGUMENTO?

Dal Soglio – A produção de milho no Rio Grande do Sul é variável, depen-dendo do clima e dos preços de mercado, mas em média se situa na faixaentre 5 e 5,5 milhões de toneladas. O consumo do estado também varia, masestá em torno desse valor, podendo chegar a um pouco mais de 6 milhões detoneladas nos anos em que a demanda para alimentação animal, em especialsuínos e aves, se encontra em alta. Entretanto, não existe uma ligação diretado uso de variedades transgênicas no troca-troca no sentido de aumento daprodutividade de milho por pequenos agricultores. Isso porque muitosdesses agricultores não possuem as condições necessárias, nem sempreboas para o ambiente e economicamente viáveis para eles, a fim de alcançaras máximas produtividades que alguns híbridos prometem.

O fato de que muitas variedades de polinização aberta possuem bonspotenciais de produtividade, e que são muitas vezes mais adaptadaspara áreas menos produtivas e sistemas de produção de baixo uso deinsumos, não foi considerado pelo estado e nem pela Fetag ou Farsul.Os agricultores pequenos deveriam ser alvos de uma política que bus-casse reduzir a dependência de insumos e ampliar as perspectivas demelhor gerenciamento dos seus sistemas de produção, procurando mai-or autonomia e menores custos. Mas a decisão vai exatamente na con-tramão, incentivando uma maior dependência e incapacidade, não fa-zendo com que as comunidades de agricultores possam ser donas desuas sementes e gerenciar o ambiente de forma sustentável.

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Se o estado de fato pretende ser autossuficiente na produção de milho, aestratégia deveria ampliar a autonomia dos pequenos agricultores e inves-tir em tecnologias produtivas e sustentáveis, que são o foco da agroecologia.Se todos os agricultores conseguissem variedades adaptadas aos diferen-tes meios e condições de clima, se apresentassem boa resistência aosproblemas da lavoura e, além disso, se tivessem bons rendimentos, tería-mos muito mais milho do que precisamos, e poderíamos até passar aexportar. Mas não passa pela cabeça de algumas lideranças essa possibi-lidade, pois não conseguem ver além dos argumentos das multinacionaisdo milho transgênicos, que já foram em boa medida derrubados pelasevidências que encontramos no campo.

IHU – QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS E OS IMPACTOS IMEDIATOS DESSE PROCESSO?

Dal Soglio – Afora ampliarmos a erosão genética no milho, ou seja, aperda de diversidade genética nas populações de milho, o que implica emmaior dependência e risco, aumenta a possibilidade de seleção de pragasresistentes ao Bacillus thuringiensis, que é de onde foi retirado o gene quepromoveria resistência das plantas de milho ao ataque de lagartas, assimcomo a seleção de plantas espontâneas pelo uso de determinados herbicidas.Os agricultores devem aumentar ainda mais o uso de agrotóxicos, e muitosterão custos ainda maiores, e que não podem cobrir com as baixas receitasque, muitas vezes, tiram da agricultura. Além disso, os agricultores queestavam se empenhando em produzir sementes de variedades nãotransgênicas serão novamente prejudicados em benefício das empresasmultinacionais de sementes, e vão procurar outras atividades, reduzindoainda mais a disponibilidade de sementes tradicionais, locais e crioulas,assim como reduzindo a oportunidade de seleção de variedades adaptadasaos nossos diferentes ambientes, pois não há apoio do governo.

Também temos que considerar os problemas de saúde pública e os proble-mas ambientais associados à produção e consumo de milho transgênico,assim como a certeza de contaminação das variedades tradicionais, poisos agricultores não tomarão de fato os cuidados necessários para que issonão ocorra e nem o governo será capaz de fiscalizar isso. A contaminaçãodas variedades locais trará problemas não apenas legais aos agricultores,mas poderão afetar todo o sistema, com reflexos sobre o futuro do milhocomo um todo, efeitos ambientais não conhecidos, e problemas relativosà segurança e à soberania alimentar.

IHU – COMO OS AGRICULTORES SE POSICIONAM DIANTE DESSA MEDIDA?

Dal Soglio – Toda vez que os agricultores familiares perdem o controlesobre algum insumo, aumentam os custos e seus rendimentos são reduzi-dos. A agricultura familiar está perdendo sua condição de reproduçãosocial em parte por essas perdas de autonomia, o que tem se refletidosobre o êxodo dos jovens e a pobreza no campo. Por outro lado, vemos emmodelos de retomada da busca pela autonomia que existem saídas que nãopassam pela adoção de tecnologias que se dizem mais produtivas, como ados transgênicos. Muitas experiências baseadas em adoção de tecnologiasagroecológicas, que busca a autonomia e a sustentabilidade da agricultura,mostram que é possível até manter alto nível de produtividade, aliada aaumentos de renda, onde se assiste a um retorno dos jovens. Mas sãomodelos de baixa dependência de insumos e que não geram lucros paraempresas, o que não interessa a muitos grupos, incluindo os que se dizemrepresentantes dos agricultores.

Existem muitos movimentos de agricultores que apontam essa direçãocomo a única possível, mas que precisaria de políticas públicas fortes ecoordenadas, o que não está acontecendo. Um exemplo é essa liberação desementes transgênicas no troca-troca, pois o mesmo estado que diz estarlutando por um desenvolvimento sustentável acaba por apoiar exatamen-te a tecnologia que está associada à insustentabilidade do desenvolvimen-to rural. Se o modelo da agricultura chamada moderna fosse de fato sus-tentável e positivo, não teríamos a crise que temos em todos os seussetores, do ponto de vista social, ambiental e mesmo econômico. A pobre-za rural ainda está lá, e muito forte, enquanto destruímos o nosso ambien-te, e os jovens abandonam os espaços rurais em busca de uma vida melhor.

IHU – DIANTE DO PROGRAMA TROCA-TROCA DE SEMENTES, COMO FICA A

DISTRIBUIÇÃO E TROCA DE SEMENTES CRIOULAS?

Dal Soglio – Não está claro como será a relação do troca-troca em 2013com o milho crioulo, pois havia em 2012 uma linha especial para essaaquisição. Neste momento não temos essa informação sobre a continuida-de ou não dessa opção por parte dos agricultores. Mas acredito quedeveriam ser feitos esforços nesse sentido, garantindo que os pequenosagricultores possam optar por diferentes variedades.

IHU – COMO OS AMBIENTALISTAS SE POSICIONAM DIANTE DESTE PROGRA-

MA? ENTRARÃO NA JUSTIÇA CONTRA A DECISÃO APROVADA EM 23 DE ABRIL?

Dal Soglio – Não só ambientalistas, mas também militantes de movi-mentos sociais, pesquisadores e técnicos que trabalham com agroecologiaforam surpreendidos pela decisão, que, a nosso ver, foi política e nãoconsiderou de fato as questões apontadas sobre os problemas e, em espe-cial, sobre as perspectivas ligadas ao desenvolvimento sustentável doestado. As possibilidades de ação na Justiça estão sendo estudadas comapoio de diferentes grupos estaduais e nacionais. Havendo possibilidadejurídica de se enfrentar essa decisão, isso deverá acontecer.

No entanto, é lamentável que o governador Tarso Genro, assim como osrepresentantes de entidades que estão no Conselho do Feaper, não tenha,antes de tomar uma decisão, buscado ouvir essas entidades e seus argumen-tos. O Rio Grande do Sul, que apresenta tantas experiências exitosas emprodução de base ecológica e sustentável, perdeu mais uma vez a oportuni-dade de ser melhor, e continua a andar na direção da insustentabilidade, oque será ruim para todos, mas especialmente ruim para nossas futurasgerações, pois o estado não lhes está garantindo as condições necessárias.Estamos abrindo mão da autonomia e da sustentabilidade em benefício deuns poucos, e que geralmente nem estão no estado.

A agricultura precisa de novas lideranças capazes de entender que nãovamos melhorar se continuarmos a tratar nossos agricultores e nossoambiente com uma visão deturpada de agricultura, a qual nos é apresenta-da por estes grupos econômicos e que, hoje, são hegemônicos, controlan-do nossas sementes. ■

Fábio Dal Soglio – Graduado em Agronomia pela Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul, mestre em Fitotecnia pela mesma instituição, edoutor em Fitopatologia pela University of Illinois at Urbana-Champaign.Tem especialização em Melhoramento de Plantas pela Universide deWageningen, Holanda, e leciona na UFRGS. Foi presidente da Associa-ção Brasileira de Agroecologia de 2004 a 2007, e vice-presidente em2008 e 2009. É membro da Comissão editorial da ABA-Agroecologia, eentre 2006 e 2007 foi representante da sociedade civil como especialistaem agricultura familiar junto à Comissão Técnica Nacional deBiossegurança – CTNBio. Artigo publicado em IHU-On line (30/04/2013)e portal EcoDebate (03/05/2013).

Não existe uma ligação direta

do uso de variedades

transgênicas no Troca-Troca

no sentido de aumento

da produtividade de milho

por pequenos agricultores

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por Cidadania & Meio Ambiente

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Após dois anos de uma formidável mobilização da comunidade

científica e de ONGs, a União Europeia proíbe o uso de três pesti-

cidas letais para as fabricantes de mel.

As abelhas são responsáveis por polinizar todos os nossos alimentos.Por isso, quando os cientistas co-

meçaram a notar que, silenciosamente, es-ses insetos vitais para a perpetuação danatureza morriam em proporções aterrorizan-tes, organizações de defesa ambiental e ci-entistas uniram esforços em campanhas deconscientização para o desastre. Aparente-mente temendo mais os cidadãos – cerca detrês milhões de pessoas encamparam a cam-panha via petições por e-mail e manifesta-ções públicas – do que o lobby da indús-tria, a proposta acabou por ter o apoio de 15dos 27 estados-membros da UE. E, assim, apartir de dezembro próximo, a EU aprovou asuspensão de uso de três pesticidas neoni-cotinóides que causam a morte das abelhas.

Os pesticidas agora proibidos são produ-zidos principalmente pela Bayer (Alema-nha) e Syngenta (Suíça). Estes fabricantese alguns cientistas alegam não ter sido com-provada a ligação entre o uso de neonico-tinóides e o acentuado declínio no númerode abelhas na Europa nos últimos anos –fenômeno conhecido como “desordem decolapso da colônia”. Em Bruxelas, a api-cultora Hélène Kufferath constatou o efei-to nefasto: “os pesticidas neonicotinói-

des provocam danos terríveis ao afetar osneurotransmissores das abelhas, fato queas impossibilita de retornar às colméiasapós suas jornadas diárias. Elas se per-dem e morrem”. Com base nas evidênciasproduzidas por cientistas e apicultores aAutoridade Europeia para a Segurança dosAlimentos considerou que os riscos exis-tem, fato que levou a Comissão Europeia aelaborar a proposta de proibição agora apro-vada, que apenas não se aplica às culturasde cereais de inverno e plantas não atraen-tes para as abelhas, tais como a beterrabaaçucareira.

Vanessa Amaral-Rogers, da Buglife – or-ganização especializada em conservação –exultou: “Foi um voto apertado, mas gra-ças à enorme mobilização dos membrosda Avaaz, dos criadores de abelhas e deoutros grupos [Environmental JusticeFoundation, Amigos da Terra, PesticidesAction Network...], nós vencemos! Não te-nho dúvidas sobre o quanto as enchentesde telefonemas e emails enviados aos mi-nistérios, as ações presenciais em Londres(Reino Unido), Bruxelas (Bélgica) e emColônia (Alemanha), e a gigante petiçãocom 2.6 milhões de assinaturas foram res-ponsáveis por esse resultado!”

Também satisfeita está a organização am-bientalista Greenpeace, que ainda querir mais longe. “Num relatório científicorecente, identificamos sete substânciasque colocam problemas muito sériospara as abelhas e outros insetos poli-nizadores. Gostaríamos que a Comis-são não agisse apenas contra os pesti-cidas neonicotinóides, mas que tambémleve em conta as evidências científicasde que outras substâncias são tão tóxi-cas como as que foram proibidas”, afir-ma Marco Contiero.

Não obstante essa primeira conquista, amoratória estabelecida pela UE durará ape-nas dois anos até ser revisada. Enquantoisso, ao redor do mundo, as abelhas con-tinuam a morrer por causa dos pesticidasque as enfraquecem e as deixam confu-sas, e pela perda de seu habitat naturaldevido à expansão galopante da urbaniza-ção. Na Europa e ao redor do mundo) háainda muito que fazer para garantir que aciência seja a condutora de nossas políti-cas agrícolas e ambientais. ■

Fontes: www.avaaz.org, www.euronews.com,www.independent.co.uk, www.presseurop.eu.

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As abelhas vencem o primeiro roundAs abelhas vencem o primeiro round

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Em votação unânime de 22 de abril de2009, a ONU acolheu a idéia, durante

muito tempo proposta pelas nações indíge-nas e sempre relegada, de que a Terra é Mãe.Por isso a ela se deve o mesmo respeito, amesma veneração e o mesmo cuidado quedevotamos às nossas mães. Assim, tododia 22 de abril não será apenas o dia daTerra, mas o dia da Mãe Terra.

Esse reconhecimento comporta consequ-ências importantes. A mais imediata delas éque a Terra viva é titular de direitos. Masnão só ela, mas também todos os seres or-gânicos e inorgânicos que a compõem; são,cada um a seu modo, também portadoresde direitos. Vale dizer, cada ser possui valorintrínseco, como enfatiza a Carta da Terra,independentemente do uso ou não que fi-zermos dele. Ele tem direito de existir e decontinuar a existir nesse planeta e de nãoser maltratado nem eliminado.

Essa aceitação do conceito da Mãe Terravem ao encontro daquilo que já nos anos20 do século passado o geoquímico russoWladimir Vernadsky (1983-1945), criador doconceito de biosfera (o nome foi cunhadodo geólogo austríaco Eduard Suess (1831-1914) chamava de ecologia global no sen-tido de ecologia do globo terrestre comoum todo. Conhecemos a ecologia ambien-tal, a político-social e a mental. Faltavauma ecologia global da Terra tomada comouma complexa unidade total. Na esteira dogeoquímico russo, recentemente James Lo-velock, com dados empíricos novos, apre-sentou a hipótese Gaia, hoje já aceita comoteoria científica: a Terra efetivamente com-parece como um superorganismo vivo que

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por Leonardo Boff

O homem possui uma singularidade no

conjunto dos seres: cabe-lhe a responsa-

bilidade ética de cuidar e manter as condi-

ções que garantam a sustentabilidade de

toda a Mãe Terra.

se autoregula, tese apoiada pela teoria dossistemas, da cibernética e pelos biólogoschilenos Maturana e Varela, e pelo físicoquântico Fritjof Capra.

Vernadsky entendia a biosfera como aque-la camada finíssima que cerca a Terra, umaespécie de sutil tecido indivisível que cap-ta as irradiações do cosmos e da própriaTerra e as transforma em energia terrestrealtamente ativa. A vida se realiza aqui.

Nesse todo se encontra a multiplicidade dosseres em simbiose entre si, sempre interde-pendentes de forma que todos se autoaju-dam para existir, persistir e coevoluir. A es-pécie humana é parte deste todo terrestre,aquela porção da Terra que pensa, ama, in-tervém e constrói civilizações.

A espécie humana possui uma singularidadeno conjunto dos seres: cabe-lhe a responsa-bilidade ética de cuidar, manter a condiçõesque garantam a sustentabilidade do todo.

Vivemos gravíssimo risco de destruir a espé-cie humana e todo o projeto planetário. Fun-damos, como afirmam alguns cientistas, oantropoceno: uma nova era geológica comaltíssimo poder de destruição, fruto dos últi-mos séculos que significaram um transtornoperverso do equilíbrio do sistema-Terra. Comoenfrentar esta nova situação nunca ocorridaantes de forma globalizada e profunda?

Temos pessoalmente trabalhado os para-digmas da sustentabilidade e do cuidadocomo relação amigável e cooperativa paracom a natureza. Queremos agora, brevemen-te, apresentar um complemento necessário:

a ética da responsabilidade do filósofo ale-mão Hans Jonas (1903-1993) com o seu co-nhecido Princípio Responsabilidade, se-guido pelo Princípio Vida.

Jonas parte da triste verificação de que oprojeto da tecnociência tornou a naturezaextremamente vulnerável a ponto de não serimpossível o desaparecimento a espécie hu-mana. Dai emerge a responsabilidade coleti-va, formulada nesse imperativo: aja de talmaneira que os efeitos de tuas ações nãodestruam a possibilidade futura da vida.

Jonas trabalha ainda com outra categoriaque deve ser bem entendida para não pro-vocar uma paralisação: o temor e o medo(Furcht). O medo aqui possui um significa-do elementar, um medo que nos leva instin-tivamente a preservar a vida e toda a espé-cie. Há efetivamente o temor de que se des-lanche um processo irrefreável de destrui-ção em massa, com os meios diante dosquais não tínhamos temor em construir eque agora, temos fundado temor de que nospodem realmente destruir a todos. Daí nas-ce a responsabilidade face às novas tecno-ciências, como a biotecnologia e a nano-tecnologia, cuja capacidade de destruiçãoé inconcebível. Temos que realmente nosresponsabilizar pelo futuro da espécie hu-mana por temor e muito mais por amor ànossa própria vida. ■

Leonardo Boff é autor Do Iceberg à Arca deNoé, Mar de Idéias 2012. Artigo originalmentepublicado por Leonardo Boff em seu bloguepessoal (leonardoboff.wordpress.com) e emEcoDebate (14/05/2013).

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Responsabilidade coletiva

futuro da espécie humana

Responsabilidade coletiva

futuro da espécie humana

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A arquitetura da destruição

por Carlos Juliano BarrosFotos Agência A Pública

O projeto de construção de novas

barragens hidrelétricas somado à ex-

ploração dos recursos minerais no

oeste do Pará é uma grave ameaça

à integridade do povos da floresta

e da biodiversidade das terras ba-

nhadas pelo rio Tapajós.

Quando decidiu encarar de carro os 3.338quilômetros que separam o Rio de Janeirodo município de Itaituba, no oeste do Pará,o geólogo Juan Doblas – especialista emimagens de satélite – nem imaginava quedaria uma contribuição e tanto à biologiada Amazônia. Enquanto dirigia pelo trechoda BR 163 que atravessa o Parque Nacio-nal do Jamanxim, uma das doze unidadesfederais de conservação ambiental que pro-tegem essa parte da floresta alimentada pelabacia do rio Tapajós, ele se deparou comuma macaca que, atordoada pelo barulhodo automóvel, abandonou em plena estra-da o filhote que carregava.

no rio Tapajós

Depois de deixar o pequeno animal em umaárvore, permitindo que ele fosse resgatadopela mãe, Doblas resolveu filmar e tirar fo-tos do reencontro. “Quando cheguei aItaituba, mostrei as imagens para um ami-go do Instituto Chico Mendes de Conser-vação da Biodiversidade (ICMBio) espe-cialista em macacos”, conta o geólogo. Asurpresa de ambos não poderia ser maior.

Tratava-se de uma espécie em perigo, típi-ca do estado do Amazonas, mas que, su-põe-se, havia se deslocado para essa partedo Pará justamente por encontrar na flo-resta intocada do Tapajós um verdadeiro

refúgio. “Foi um fato casual que mostroudados completamente novos sobre a dis-tribuição de espécies em extinção na Ama-zônia”, explica Doblas, que trabalha comgeoprocessamento no Instituto Socioam-biental (ISA), uma das principais organiza-ções ambientalistas do país.

O geólogo narra esse episódio justamentepara ilustrar a incrível – mas, em boa parte,desconhecida – biodiversidade que podeser duramente golpeada pela construção deum complexo de hidrelétricas nos rios Ta-pajós e no seu afluente Jamanxim. O poten-cial levantado para essa bacia hidrográfica

Corredeiras do rio Tapajós que serão alagadas na construção da barragem

da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós no Parque Nacional da Amazônia.

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Cidadania&MeioAmbiente 25

localizada no oeste do Pará comporta atésete usinas capazes de produzir no total cer-ca de 14 mil Megawatts (MW) – potênciaequivalente à da binacional Itaipu.

De acordo com o Plano Decenal de Expan-são de Energia 2021, documento produzi-do pela Empresa de Pesquisa Energética(EPE), vinculada ao Ministério de Minas eEnergia (MME), ao menos duas delas de-vem entrar em funcionamento até o finaldesta década: São Luiz do Tapajós e Jatobá.

Se efetivamente sair do papel, o complexohidrelétrico pode trazer impactos ambientaisinimagináveis para os 850 quilômetros deáguas de tons azuis e verdes do Tapajós,guarnecido por dezenas de reservas flores-tais e terras indígenas. Sem sombra de dúvi-da, trata-se de uma das mais belas partes daAmazônia. Tanto é assim que um dos desti-nos turísticos mais conhecidos da floresta,as paradisíacas praias de Alter do Chão, fi-cam no município de Santarém, na foz do rio.

Como nem poderia deixar de ser, a constru-ção desse conjunto de hidrelétricas não vaiacarretar problemas apenas ao meio ambi-ente. Segundo a Eletronorte, subsidiária daestatal Eletrobras responsável pelo inven-tário das informações acerca das usinas doTapajós, pelo menos 2,3 mil pessoas de 32comunidades ribeirinhas serão diretamenteafetadas se os sete empreendimentos foremlevados a cabo. Outras 16 aldeias indígenasda etnia munduruku também terão parte deseus territórios inundada pelos reservatóri-os que serão formados pelas barragens.

Das usinas previstas no complexo hidrelétri-co, duas delas – São Luiz do Tapajós e Jatobá,ambas no rio Tapajós – já tiveram seu pro-cesso de licenciamento ambiental iniciado noInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama). Porenquanto, o custo das duas é estimado emR$ 23 bilhões, com verba carimbada pela se-gunda edição do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC 2).

São Luiz do Tapajós, a maior do complexo,com capacidade para 6.133 MW, é a queestá em fase mais adiantada. A obra mexeem um cenário tão delicado que, mesmoantes de ser concluído seu Estudo de Im-pacto Ambiental/Relatório de Impacto Am-biental (EIA/Rima), já vem provocando umaverdadeira batalha nos tribunais. No últi-mo mês de novembro, a Justiça Federal

suspendeu, em primeira instância, o licen-ciamento da hidrelétrica por conta de umaação movida pelo Ministério PúblicoFederal (MPF) de Santarém (PA).

“O pedido de suspensão se baseia em doismotivos. Em primeiro lugar, não foi reali-zada uma avaliação ambiental integra-da. É preciso analisar o impacto conjun-to de todas as usinas previstas para a ba-cia do Tapajós, e não o de apenas umadelas isoladamente”, explica FernandoAntônio Oliveira Júnior, procurador doMPF. “Além disso, não foi feita uma con-sulta prévia às populações indígenas quevão ser afetadas pelos empreendimentos.Essa consulta tem que ser anterior a qual-quer tipo de autorização.”

O Tapajós é considerado a última grande fron-teira energética da Amazônia. Por enquanto,é o único dos quatro grandes afluentes damargem direita do Amazonas que não foi re-presado para a produção de eletricidade emlarga escala. Na década de 1970, os militaresbarraram o rio Tocantins para fazer a usina deTucuruí, aquela que hoje é segunda maiorhidrelétrica do Brasil em funcionamento, atrásapenas de Itaipu. Com a chegada do ex-pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Paláciodo Planalto e a criação do PAC, foram ergui-das Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira,além de Belo Monte, no Xingu.

“Os governos de Lula e de Dilma Roussefestão decididos a transformar o Brasil naterceira maior economia do mundo à cus-ta da nossa floresta”, critica o PadreEdilberto Sena, do Movimento TapajósVivo, fórum que reúne diversas organiza-

ções de defesa do meio ambiente e dos di-reitos das populações locais.

Por encomenda da ONG Conservação Inter-nacional, Wilson Cabral, pesquisador e pro-fessor do Instituto de Tecnologia de Aero-náutica (ITA), está produzindo um estudo quecalcula, na ponta do lápis, os reais custoseconômicos, sociais e ambientais envolvidosna construção das usinas do Tapajós.

Em 2010, o professor produziu uma pesquisasemelhante sobre Belo Monte e concluiu queo empreendimento tinha mais de 90% dechance de inviabilidade. Segundo as com-plexas fórmulas matemáticas utilizadas peloprofessor, o valor do prejuízo variava em umintervalo de US$ 7 milhões a US$ 8 bilhões.

O novo estudo está em fase final e deveser divulgado no começo de 2013. Por essarazão, ele evita falar de valores. Mas, aoque tudo indica, o Tapajós segue a mesmatrilha de Belo Monte. “A análise está apon-tando inviabilidade para todas as usinase, consequentemente, para todo o comple-xo”, afirma Cabral. “Não é preciso empre-ender hidrelétricas no Tapajós para aten-der a demanda energética brasileira, des-de que se invista em outras fontes e tam-bém se trabalhe a eficiência do consumoda energia que já é produzida.”

ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO

Para acelerar o licenciamento das duas pri-meiras usinas do complexo, São Luiz doTapajós e Jatobá, o governo federal preci-sou recorrer a um verdadeiro malabarismolegal. Em janeiro, a presidente DilmaRoussef editou a Medida Provisória 558,convertida em lei no mês de junho, pelaqual reduziu as áreas de cinco Unidadesde Conservação (UCs) ambiental na entor-no do rio Tapajós.

Em uma canetada, 75 mil hectares de flores-tas intocadas – que podem ser inundadoscom a formação dos lagos artificias das duasbarragens – ficaram sem proteção do diapara noite. O governo argumenta que, semessa medida, seria impossível iniciar o pro-cesso de licenciamento ambiental no Ibama.

À primeira vista, a área “desafetada”, comose diz tecnicamente, parece não ser tão ex-pressiva assim. Tanto é que o governo sedefende das críticas argumentando que,para a construção das usinas de São Luizdo Tapajós e Jatobá, apenas 2% da dimen-

O Tapajós é o único

dos quatro grandes

afluentes da margem

direita do Amazonas

que não foi represado

para a produção

de eletricidade

em larga escala.

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são total das reservas vão de fato para bai-xo d’água. Mas, neste caso, vale o popularditado de que tamanho não é documento.“A parte que será afetada nas unidadesde conservação é o coração, a parte maisimportante das reservas, justamente porconta da proximidade com o rio”, explicaJuan Doblas, do ISA.

A Medida Provisória posteriormente con-vertida em lei provocou uma celeuma noICMBio, responsável pela gestão das re-servas ambientais do Brasil. Em julho, téc-nicos do órgão federal lotados no escritó-rio de Itaituba, responsáveis por 12 unida-des de conservação na bacia do Tapajós,lançaram um manifesto público criticandoduramente não só a decisão do governofederal de reduzir a área de proteção ambi-ental, mas sobretudo a forma atropeladacom que ela foi tomada.

“Os registros feitos até o momento apon-tam altíssima biodiversidade, com consi-derável taxa de endemismo e granderepresentatividade de espécies ameaçadasde extinção”, diz o documento. “Do pon-to de vista da legalidade, denunciamos adesafetação das unidades realizada pri-meiramente por medida provisória comobjetivo único de dar celeridade ao pro-cesso em detrimento da realização de es-tudos comprometidos com a destinaçãooriginal dessas áreas: proteção e conser-vação da biodiversidade.”O MPF também está questionando judici-almente a via legal utilizada pelo governofederal para reduzir a área das UCs na ba-cia do Tapajós, através de uma Ação Dire-ta de Inconstitucionalidade (ADI). “O prin-cipal aspecto é formal”, explica o procura-

dor Felipe Bogado. “A área de uma Uni-dade de Conservação não pode ser redu-zida por meio de uma lei complementarque substitui uma Medida Provisória,como fez o governo”, acrescenta. Até omomento, o Supremo Tribunal Federal(STF), que analisa o processo, não se pro-nunciou sobre o caso.

Tragédia anunciada, o simples anúncio daredução das áreas de preservação dispa-rou automaticamente o gatilho da degra-dação dessa parte da Amazônia. “A regiãoaqui é rica em minérios. Com a desafetaçãodas áreas, está ocorrendo um aumento depressão sobre a floresta, principalmentenessas áreas que não fazem mais parte dasunidades de conservação”, explica NiltonRascon, analista ambiental do ICMBio.

O crescimento da atividade de garimpos irre-gulares é perceptível a qualquer um que viajepelo rio. No trecho de 400 quilômetros doTapajós entre os municípios de Itaituba e Ja-careacanga havia, até janeiro, cinco barcaças– chamadas de “escariantes” – fazendo ga-rimpo diretamente no leito do rio. Com a de-safetação das unidades de conservação, essenúmero pulou para impressionantes 35, empoucos meses deste ano. “O ICMBio preci-sa de mais fiscais na região. Ainda vêm mui-tos analistas de fora, de outros estados, paraajudar”, reconhece Rascon.

IMPACTOS AMBIENTAIS

A entrada do Parque Nacional (Parna) daAmazônia, primeira unidade de conserva-ção desse tipo criada no país, em 1974, fica apouco mais de uma hora de carro do centrode Itaituba. Para chegar até lá, é preciso en-carar trechos de asfalto e de terra batida da

BR 230, mais conhecida como Transamazô-nica, um dos projetos emblemáticos da dita-dura militar. Se a barragem de São Luiz doTapajós for construída, uma fração de 112quilômetros da rodovia que corta o parquetambém será inundada. Até o momento, po-rém, nenhum representante do governo fe-deral ou da Eletrobras veio a público paraexplicar como será feita a cirurgia para reco-nectar as pontas soltas da estrada.

E não é apenas uma parte da BR 230 queserá alagada no Parna da Amazônia. Do prin-cipal mirante da reserva, aberto à visitaçãopara turistas, é possível observar corredei-ras formadas por um aglomerado de rochasencravado no meio do Tapajós. Digno deum cartão postal, esse trecho do rio não éprotegido pelos órgãos ambientais apenaspelos seus atributos estéticos. Várias es-pécies de peixes aproveitam as corredei-ras para fazer o épico ritual da piracema – asubida do rio necessária à sua reprodução.

Com a barragem de São Luiz do Tapajós, ascorredeiras vão literalmente sumir do mapa,e a piracema será inviabilizada, trazendo con-sequências imprevisíveis. “A solução téc-nica é construir um tipo de escada paraajudar os peixes a subir o rio”, explica obiólogo Javan Lopes, servidor do ICMBio.“Porém, o ambiente da corredeira temmuito mais oxigênio. Então, mesmo que seconstrua a escada, os peixes podem morrerporque o oxigênio disponível na água di-minui”, completa. Os técnicos do ICMBionão descartam uma verdadeira hecatombeambiental: 90% das 400 espécies de peixescatalogadas no parque podem não resistir.

Nos últimos quatro anos, os gestores doParna da Amazônia trabalharam continua-mente no plano de manejo da unidade deconservação – levantamento meticuloso dafauna e da flora que, com a redução da áreada reserva, será jogado literalmente na latado lixo. Até o presente momento, foram re-gistradas 390 espécies diferentes de aves.Entre os mamíferos catalogados, há animaisque correm sério risco de extinção, como aonça-pintada, a onça-vermelha, otamanduá-bandeira e a jaguatirica.

O destino de tamanha diversidade naturalé objeto do EIA/Rima da usina de São Luizdo Tapajós, ainda em andamento. A esti-mativa inicial era que o estudo ficasse pron-to até o final deste ano, já que o governotinha planos de licitar a construção da hi-

Oldair Lamarque

O crescimento

da atividade

de garimpos

irregulares

é perceptível

a qualquer

um que viaje

pelo Tapajós.

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Cidadania&MeioAmbiente 27

drelétrica em 2013. Quando for finalizado,o documento vai possibilitar análises cien-tíficas mais refinadas sobre os impactosambientais que podem de fato ocorrer. Maso cronograma dificilmente será cumprido –ainda mais com a decisão judicial de no-vembro que suspendeu o licenciamento atéque se realize uma avaliação integrada dosimpactos gerados por todas as sete usinasprevistas para os rios Tapajós e Jamanxim.

Não há dúvidas de que o complexo hidrelé-trico vai reconfigurar a compleição naturaldo oeste do Pará. “Foram necessários mi-lhares de anos para a criação de um equi-líbrio ecológico entre as espécies, como atartaruga e o tucunaré, que depende dasubida e da descida dos rios”, explica JuanDoblas. “Essas barragens vão alterar com-pletamente os ciclos de cheia e de seca nãosó dos rios Tapajós e Jamanxim, mas detoda a rede hidrográfica associada.”

Para entender como o fluxo do Tapajós sealtera ao longo do ano, por exemplo, basta ira Itaituba em duas épocas diferentes. A orlada cidade chega a alagar no período de cheia,que coincide com as chuvas do primeiro tri-mestre. Porém, na época da seca, intensifi-cada a partir do segundo semestre, apare-cem muitas praias nas margens do rio.

Os impactos ambientais provocados pelasusinas do Tapajós podem ser mais gravesaté do que os gerados por Belo Monte –isso, claro, se o Estado brasileiro mantiversua palavra e não construir novas usinasno Xingu. Uma breve comparação fornecepistas do que está por vir: o lago artificial aser formado com a barragem do rio Xinguno município de Altamira terá 510 quilôme-tros quadrados. Só na barragem de São Luizdo Tapajós, serão alagados 722 quilôme-tros quadrados – metade da área do muni-cípio de São Paulo. No Xingu, o trecho dorio a ser barrado terá 200 quilômetros decomprimento. No Tapajós, será duas vezese meia maior. O Jamanxim, com três usinas,vai se converter numa sucessão de lagoas.

Outra pulga atrás da orelha dos ambienta-listas diz respeito à relação entre o barren-to rio Amazonas e o esverdeado Tapajós,que se encontram – mas não se misturam –no município de Santarém. A preocupaçãoé com uma possível invasão das águas doAmazonas sobre as do Tapajós, o que sig-nificaria a ruína turística do balneário deAlter do Chão, por exemplo. “Se eu falar

isso para um engenheiro da Eletrobras,ele vai rir na minha cara”, afirma Doblas.“Mas eu tenho questionado doutores emhidrologia, e eles me disseram que essapossibilidade tem que ser estudada. É pre-ciso fazer um modelo no computador. Éprovável que isso aconteça? Acho quenão. É possível? Sim.”

É justamente para dirimir essas dúvidas – eseparar o que é mera especulação do que érisco de fato – que o Ministério PúblicoFederal acionou a Justiça para cobrar a re-alização de uma Avaliação Ambiental Inte-grada (AAI) e de uma Avaliação AmbientalEstratégica (AAE) dos impactos geradospor todas as usinas previstas no complexohidrelétrico, e não apenas por São Luiz doTapajós. “É uma postura preventiva doMPF. Queremos apenas que os marcos le-gais sejam respeitados”, explica o procu-rador Fernando Antônio Oliveira Júnior.

Por meio de nota emitida por sua assesso-ria de imprensa, a Eletrobras – empreende-dora das usinas de São Luiz do Tapajós ede Jatobá – sustenta que a avaliação ambi-ental integrada “não é exigência legalpara emissão das licenças ambientais”. Anota afirma também que a metodologia daAAI foi construída após a conclusão dosestudos do inventário do potencial hidre-létrico de toda a bacia do Tapajós.

Em outras palavras, a estatal argumenta quenão havia obrigatoriedade de proceder aessa avaliação integrada na época em quefez o inventário das usinas. Por fim, a notainforma que a empresa está contratando umaequipe para fazer a AAI, que fará parte “doconjunto de estudos para a viabilidade de

São Luiz do Tapajós e Jatobá, o que de-monstra o comprometimento dos mesmoscom as melhores práticas ambientais”.

A Aneel também se manifestou por meiode nota emitida pela assessoria de impren-sa. A agência defende a construção dasusinas no Tapajós, com a justificativa deque a hidroeletricidade tem “muito menosimpacto ambiental” que outra fontes tér-micas à base de combustíveis fósseis.

O documento afirma ainda que “o licencia-mento é o principal movimento para a reso-lução de conflitos socioambientais, tendoem vista que a elaboração do EIA/Rima e arealização de audiências públicas possibi-litam o estabelecimento de condicionantespelos órgãos ambientais”.

ENERGIA PARA QUEM

Nos hotéis e restaurantes do centro de Itai-tuba ou nos trechos mais recônditos da flo-resta do entorno do Tapajós, é possível darde cara com caminhonetes e técnicos decamisa polo azul a serviço da CNEC Enge-nharia. A empresa é a responsável pela rea-lização dos estudos de viabilidade e do pro-jeto técnico da hidrelétrica de São Luiz doTapajós, mas também operou nas usinas deBelo Monte, no rio Xingu, e de Estreito, norio Tocantins, além de diversos outros em-preendimentos de porte na Amazônia.

Até janeiro de 2010, a CNEC – fundada em1959 por engenheiros da Escola Politécnicada Universidade de São Paulo (USP) – cons-tituía o braço intelectual, por assim dizer, deuma das maiores empreiteiras do país: a Ca-margo Corrêa, responsável por algumas dasobras de envergadura do PAC, como a hi-

O garimpo

de ouro no

rio Tapajós

avança sobre

a floresta e

ameaça a

biodiversidade.

Oldair Lamarque

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drelétrica de Jirau, no rioMadeira. Quase trêsanos atrás, porém, a em-presa foi vendida por R$170 milhões para o gru-po australiano Wor-leyParsons, uma dasmais conhecidas con-sultorias de energia emtodo o mundo.

Foram justamente osengenheiros da CNECque, na década de 1980,

Carlos Juliano Barros – Artigo para A Pú-blica (www.apublica.org) agência independentede jornalismo investigativo, onde podem serencontradas séries de reportagens sobre o im-pacto dos grandes empreendimentos na regiãoamazônica. Artigo publicado no portalEcoDebate (11/12/2012).

mapearam os projetos de construção de usi-nas no rio Tapajós – e em quase todos osafluentes do rio Amazonas. Era ela quemmuniciava de informações e pareceres téc-nicos a Eletronorte, subsidiária da estatalEletrobras responsável pelo aproveitamen-to do potencial hidrelétrico da região nortedo país, desde o regime militar. “Naquelaépoca, eu brincava dizendo que a Eletro-norte era um escritório da Camargo Cor-rêa”, conta Arsênio Oswaldo Sevá Filho,professor da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e grande conhecedordo sistema elétrico nacional.

A CNEC é o elo técnico do “cartel barra-geiro” que, segundo o professor Sevá, seinstalou no Brasil na época da ditadura e,desde então, não mais arredou pé do país,pressionando os governos brasileiros aolongo do tempo para a construção de gran-des hidrelétricas. Nesse clube restritíssi-mo, figuram as principais empreiteiras bra-sileiras, que rateiam entre si o bolo dasobras de construção civil – elas são apeli-dadas de “cinco irmãs” e congregam Ca-margo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutier-rez, OAS e Queiroz Galvão.

Também participam do grupo as corpora-ções internacionais que fornecem equipa-mentos de alta tecnologia para as usinas,como a alemã Siemens e a japonesa Toshi-ba. Fecham a sociedade as grandes mine-radoras que não apenas consomem – mastambém vendem – a energia produzida nosrios amazônicos, como a Vale e norte-ame-ricana Alcoa, por exemplo.

A verdade é que o Brasil é dos poucos pa-íses do mundo – ao lado da China, da Ín-dia, da Turquia e do Congo – onde aindaexiste espaço para tirar do papel projetosbilionários de hidrelétricas. Em tempos decrise econômica global, construir barra-

gens nos rios da Amazônia é a verdadeiragalinha dos ovos de ouro para players docapitalismo que atravessam sérias dificul-dades para fechar grandes negócios.

“Estamos oferecendo à indústria interna-cional a continuidade dos negócios a lon-go prazo e a custo baixo”, analisa Sevá. “Ogoverno brasileiro libera as licenças, mes-mo que se destruam o meio ambiente e avida das populações locais. Depois, garan-te o custo baixo da mão-de-obra e, princi-palmente, do dinheiro necessário às obras,porque coloca as empresas estatais, os fun-dos de pensão e o Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social(BNDES) para alavancar o negócio.”

A usina de Belo Monte é o exemplo maisbem acabado desse fenômeno. Só o grupoEletrobras e os fundos de pensão dos fun-cionários da Petrobras (Petros) e da CaixaEconômica Federal (Funcef) respondem,atualmente, por 70% da composição acio-nária do consórcio construtor da barragem.Em outras palavras, os riscos e os altíssi-mos investimentos inerentes à obra fize-ram a iniciativa privada passar longe.

Para bancar o prejuízo, o governo tem abertoas torneiras do BNDES. Na última semanade novembro de 2012, o banco anunciou omaior financiamento de toda a sua históriapara a conclusão das obras da usina: R$22,5 bilhões a serem pagos em três déca-das. Antes dessa operação, porém, oBNDES já havia feito empréstimos-ponte(de curto prazo) de R$ 2,9 bilhões para oconsórcio construtor da hidrelétrica.

“O custo de produzir hidrelétrica na Ama-zônia é muito alto e incerto”, afirma Wil-son Cabral, do ITA. “Todos os projetos ge-raram aditivos contratuais da ordem depelo menos 25%”, alerta. No caso do Tapa-

jós, a engenharia finan-ceira para viabilizar aobra ainda não está tra-çada – até porque os R$23 bilhões previstospara as usinas de SãoLuiz do Tapajós e Jato-bá no orçamento doPAC 2 não passam deestimativas. Mas, assimcomo aconteceu nasusinas dos rios Madei-ra e Xingu, não há dú-vidas de que o tripé for-

mado por Eletrobras, fundos de pensão eBNDES deve entrar na jogada.

Tampouco está decidido o futuro da ele-tricidade a ser gerada. Na página 80 doPlano Decenal de Expansão de Energia2020, é possível ler com todas as letrasque ela servirá integralmente para alimen-tar a demanda das regiões Sudeste e Cen-tro-Oeste. Porém, não é demais lembrarque o Pará concentra a maior provínciamineral do planeta. Além do ouro, que hojeé explorado em mais de 2 mil garimpos aolongo do rio Tapajós, as novas usinasdevem consolidar o estado como um gran-de polo de alumínio.

Atualmente, existem quatro grandes pro-jetos de extração e beneficiamento de bau-xita no Pará, envolvendo gigantes comoas brasileiras Vale e Votorantim, a norte-americana Alcoa e a norueguesa Hydro.Uma das principais reclamações dessas in-dústrias – chamadas de eletrointensivas,por consumirem eletricidade em larga es-cala – é o preço da energia. O complexohidrelétrico do Tapajós é uma dos cami-nhos para baratear os custos. “Os gruposque estão por trás, apoiando inclusive fi-nanceiramente a construção das usinas,são empresas de exploraçãode commodities minerais. Então, esses em-preendimentos não vão equalizar a de-manda de energia para o Sudeste. Elessão para empresas que estão se assentan-do na região Norte”, finaliza Cabral. ■

Manifestação de ribeirinhos da Vila de Pimental contra a construção

da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.

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Energia e o futuro da Amazônia

Especialistas reitera-

ram no Painel Inter-

nacional sobre Am-

biente e Energia na

Amazônia (PIAEA) a

necessidade de uma

moratória para as hi-

drelétricas na região.

AAmazônia enfrenta sérios problemas am-bientais como perda de áreas silvestres e

declínio da biodiversidade. A essas questões so-maram-se recentemente vários empreendimen-tos do setor energético. No entanto, a região de-sempenha papel fundamental como reservatóriode diversidade biológica e partícipe da dinâmicados principais processos ecológicos globais.

Para abordar estas e outras questões foi constitu-ído o Painel Internacional sobre Meio Ambiente eEnergia da Amazônia (PIAEA) (1). Lançado em2011, o painel inclui especialistas e líderes comu-nitários preocupados com a situação da Amazô-nia Continental, que se espalha por Brasil, Bolí-via, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Repú-blica da Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

O FUTURO DA AMAZÔNIA

Em 17 de abril de 2013, o Painel sediou suareunião em Bogotá, Colômbia, e emitiu uma de-claração pública em função das atuais estratégi-as de desenvolvimento prevalecentes nos paí-ses amazônicos e da nova arquitetura regional(Unasul, BNDES) estarem ameaçando a sus-tentabilidade de toda a ecorregião. A principalconclusão foi a reafirmação de uma urgente enecessária moratória para as diferentes ativida-des que impactam a Amazônia, com ênfase naenergia hidrelétrica.

Em comunicado público (2) os membros do Pai-nel salientaram que as atividades de mineração,construção de estradas, prospecção e exploraçãode hidrocarbonetos e a construção de hidrelétri-cas são algumas das atividades alvo de moratória.

Divulgada por ocasião do fórum “O Futuro da Ama-zônia”, o documento apresenta alguns dos princi-pais diagnósticos sobre os impactos das barragensna região amazônica. E enfatiza a necessidade de seconstruir uma Agenda Regional para o Desenvolvi-mento Sustentável via quatro objetivos de susten-tabilidade: desmatamento zero, erradicação da po-breza, garantia de governabilidade dos territóriosindígenas e obtenção de energia sustentável.

Afinal, só nos próximos 10 anos os países amazô-nicos planejam construir dezenas de barragens, mes-mo sem regulamentos e mecanismos de avaliaçãodo impacto socioambiental comprovadamente só-lidos e eficazes, e sem consulta e consentimentodas populações afetadas pela reconfiguração fito-geográfica e hidrológica resultante das áreas inunda-das e da mudança de curso e fluxo dos cursos d’água.

O Painel colocou em discussão a suposição deque a “energia hidrelétrica” não gera emissões degases de efeito estufa . “No entanto, há abun-dância de dados científicos mostrando que asemissões provenientes das barragens podem sertão importantes ou até maior do que as produzi-das em usinas de energia termelétricas, em fun-ção do tipo de combustível, de tecnologia e dohorizonte temporal de avaliação”.(3)

Ao destacar a urgência de se pensar os limites deprodução e utilização de energia para a regiãoalcançar a sustentabilidade, o Painel observou ser“claramente um absurdo a exploração de hidro-carbonetos em áreas frágeis como a Amazôniapara a obtenção de um combustível que não de-veria ser mais utilizado”.

Também reafirmou que o objetivo básico para segarantir a sobrevivência da Amazônia é solucio-nar a questão dos direitos indígenas e das comu-nidades ribeirinhas sobre as terras que ancestral-mente habitam, sua governança e a análise cuida-dosa nas tomadas de decisão sobre todos os pro-jetos que possam vir a afetar vidas, terras e cul-turas dos habitantes da Amazônia.

Finalmente, a declaração enfatiza a importânciado processo de paz na Colômbia para se alcan-çar a sustentabilidade da região. ■

REFERÊNCIAS:(1) O Painel é uma entidade independente destinadoa abordar a problemática amazônica via discussão depontos-de-vista dos vários países amazônicos e dedistintas disciplinas. É integrado por distinguidaspersonalidades e pesquisadores científicos como:Jenny Gruenberger (Bolívia); Philip M. Fearnside,Foster Brown e Celio Bermann (Brasil); FranciscoJosé Ruiz (Colômbia); César Gamboa e Martin Scur-rah (Peru); Eduardo Gudynas e Gerardo Honty (Uru-guai). A Secretaria Técnica está a cargo de Derecho,Ambiente y Recursos Naturales (DAR) e do CentroLatino Americano de Ecologia Social (CLAES).(2) Para conhecer em profundidade a questão, acon-selhamos visita ao sítio www.amazoniayenergia.com(3) Peter Bosshard, Matt Finer, Ph.D., Clinton N.Jenkins, Ph.D. Proliferación de las represas hidroeléc-tricasen La Amazónia Andina y sus implicaciones parala conectividade Andes-Amazonía. estudo que podeser baixado em pdf em www.saveamericasforests.org/

Fontes: Amazónia y Energia (www.amazoniayenergia.com); Derecho, Ambiente y RecursosNatureales /DAR (www.dar.org.pe); Centro La-tino-Americano de Ecologia Social/CLA

por Hélio Carneiro

Central Hidrelétrica de Mantaro, Cuenca, Peru / DR

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30

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UECIM

EN

TO

GLO

BAL

2°C + quente

por Organização Meteorológica Mundial

No recém publicado relatório Statement

on the Status of the Global Climate, a

Organização Meteorológica Mundial

(OMM) informa que 2012 foi um dos

dez mais quentes de toda a história, fato

que reforça a tese do avanço do aqueci-

mento global.

Apesar do impacto do La Niña, noinício do ano, reduzindo as tempe-raturas em várias partes do mun-

do, 2012 entra para os registros como onono ano mais quente já identificado peloscientistas. Em média, registraram-se tempe-raturas terrestres e da superfície dos ocea-nos 0,45°C acima da média de 14°C do perí-odo entre 1961 e 1990. Por 27 anos conse-cutivos, a média registrada tem ficado aci-ma do período de comparação.

Outro sinal preocupante do aquecimentoglobal, 2012 registrou uma perda recorde dogelo do Ártico: 18% superior ao recordeanterior, de 2007, chegando a 3,4 milhões dequilômetros quadrados desde que os regis-tros começaram a ser realizados por satélite.“Esse também é um sinal de muita preocu-pação”, alertou Michel Jarraud. Em agos-

to, o Ártico perdeu 92 mil quilômetros qua-drados por dia, outro recorde absoluto. Ovolume de gelo ficou 49% abaixo da médiados últimos 30 anos, enquanto a Groenlân-dia registrou o maior degelo em 34 anos.

“A extensão do gelo do mar Ártico atin-giu uma nova baixa. A taxa alarmante emque fusão está ocorrendo nessa área nes-te ano destacou as profundas mudançasque ocorrem nos oceanos e da biosfera. Amudança climática está ocorrendo dian-te de nossos olhos e continuará como re-sultado da concentração de gases de efei-to estufa na atmosfera que aumentam deforma constante e têm novamente alcan-çado novos recordes”, disse Jarraud.

Um dos aspectos destacados pelo relatórioé o fato de que, apesar dos esforços inter-

nacionais e promessas de governos e em-presas, a concentração de gases de efeitoestufa continua em expansão e voltou a atin-gir um novo recorde em 2011. A concentra-ção de CO2, por exemplo, está 40% acimados níveis pré-industriais de 1750. Mas oque mais preocupa é que a expansão dessegás é mais intensa agora que nos anos 1990.

No caso do gás metano, sua intensidadena atmosfera é 159% superior ao que eraregistrado pelos cientistas há 300 anos. Sea expansão das emissões chegou a cair noinício do século 21, agora os especialistasapontam que voltou a crescer. No geral, a

TERRA

em 2012

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concentração de gases de efeito estufa naatmosfera é 30% ao que era em 1990; entre2010 e 2011, o aumento foi de 1,2%.

ONDAS DE CALOR

Durante o ano, houve grandes ondas de ca-lor no hemisfério norte, dando os destaquesde março a maio em todo o continental dosEstados Unidos e da Europa. Durante as on-das de calor março 2012 ocorreram muitoscasos de temperaturas recordes na Europa equase 15 mil novos registros diários nos EUA.Na Rússia, foi o verão mais quente registra-do desde 2010. No verão, a temperatura que-brou vários recordes em Marrocos.

Na América do Sul, o impacto da elevação detemperaturas foi ainda maior. Se aArgentina viveu seu ano mais quente desde1961m o Nordeste brasileiro vivenciou a piorseca em meio século. Seu auge, registradoentre março e maio, marcou um déficit de chu-va de 300 milímetros Esta anomalia climáticaque afetou 1,1 mil municípios, um quinto detodas as cidades brasileiras, é consideradaum dos mais importantes do planeta no ano.Na América do Sul e no Brasil, a onda decalor fez as temperaturas médias ficarem en-tre 1ºC e 2°C acima do normal.

Entre os cientistas da OMM, a onda de ca-lor e as anomalias são vistas com preocupa-ção. “Esse é um sinal alarmante. Tudo in-dica que o aquecimento continuará a ocor-rer, devido à concentração de gases de efei-to estufa”, declarou o secretário-geral daOMM, Michel Jarraud. Além do caso brasi-leiro, outros destaques foram o aumento detemperatura e a seca na Rússia, América doNorte e Norte da África. E na Austrália, ototal de precipitação de abril a outubro foide 31 por cento abaixo da média.

CICLONES, FURACÕES E TUFÕES

Durante os dez primeiros meses a ocorrên-cia mundial de 81 tempestades (velocidadedo vento inferior a 34 nós, ou 63 quilôme-tros por hora) ficou próxima da média de 85tempestades verificadas no período de 1981a 2010. No entanto, no Atlântico, a tempo-rada de furacões foi acima da média peloterceiro ano consecutivo, com um total de19 tempestades com status de furacão.

Mas, com o aquecimento do planeta, ao gran-des turbilhões passaram a ganhar dimen-sões inéditas. Em 2012, por exemplo, os ní-veis dos mares ficaram 20 centímetros acimado registrado em 1880, o que estaria levan-do furacões, como o Sandy, a ter consequ-ências bem mais desastrosas que há cemanos. O Sandy matou 100 pessoas e causougrande destruição no Caribe antes de de-senvolver mais força e provocar dezenas debilhões de dólares em danos, além de 130mortes no leste dos Estados Unidos

O leste da Ásia foi severamente afetado portufões poderosos ao longo do ano. O tufãoBopha, o mais mortífero ciclone tropical doano, atingiu as Filipinas – duas vezes – emdezembro. O tufão Sanba de intensidadedesmesurada provocou chuvas e enchen-tes diluvianas, causando deslizamentos deterra e afetando milhares de pessoas.

Fonte: Statementon the Statusof the GlobalClimate.www.wmo.int

ONDAS DE FRIO EXTREMO

A Eurásia foi vitimada do final de janeiro ameados de fevereiro por uma onde de frioímpar que repercutiu com severidade na eco-nomia por sua intensidade e duração. Noleste da Rússia em finais de janeiro, as tem-peraturas variaram entre – 45°C e – 50° C.Em várias regiões da Europa Oriental foramrelatados temperaturas mínimas de – 30°C.

INUNDAÇÕES

Em muitas partes da África Ocidental e doSahel, em particular o Níger e o Chade, ocor-reram graves inundações no período julho-setembro devido às monções de intensa ati-vidade. As fortes chuvas do final de julhoaté o início de outubro causaram inunda-ções excepcionais em toda a Nigéria. Algu-mas partes do sul da China registraram en-tre abril e maio os maiores dilúvios dos últi-mos 32 anos Em setembro a monção causouinundações devastadoras no Paquistão.

Embora os fenômenos meteorológicos ex-tremos sempre tenham ocorrido, agora elessurgem com maior frequência e intensida-de devido ao aquecimento global. Comosalienta Michel Jarraud no relatório, cadavida perdida devido aos descontroles cli-máticos e aos desastres promovidos pelaágua é uma tragédia irreparável. Por isso, orelatório alerta a governança global para anecessidade de investimento maciço nossistemas de monitoramento e alerta preco-ce (24 horas por dia) operados pelos servi-ços meteorológicos e hídricos mundiais,cada dia mais confiáveis graças aos mode-los computadorizados de previsão meteo-rológica e pelos avanços nos sistemas deradar, satélite e de outros sistemas de ob-servação das condições meteorológicas,do clima e da água. Mas, sobretudo alertapara o urgente gerenciamento das açõesque promovam a mitigação das causas doaquecimento global. ■

Furacão Sandy ao largo das Carolinas.Foto: NASA obtida pelo satélite ModerateResolution Imaging Spectroradiometer (MODIS),October 28, 2012.

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As políticas agrárias dos governos de Lulae de Dilma se inserem no contexto do mode-lo de desenvolvimento econômico primário-exportador, de baixa incorporação tecnoló-gica e maior vulnerabilidade externa. Essemodelo beneficia os interesses envolvidosno agronegócio e coloca o país em uma po-sição subalterna em relação ao exterior.

Há, hoje, duas políticas – a grande e a peque-na – para o setor rural. De um lado, os demaior peso controlam a política econômica ea agrícola (por meio dos Ministérios da Fa-zenda e da Agricultura, além do BNDES). Deoutro, os mais fracos têm espaço na políticaagrária (nos ministérios do Desenvolvimen-to Agrário e do Desenvolvimento Social).

O principal instrumento da política agrária –a reforma agrária – não passa de pequenapolítica. O governo tornou-se refém do gran-de capital e dos ruralistas. Assim, aumentoua dificuldade de acesso à terra pelos econo-micamente mais fracos. Persistiram as ve-lhas estruturas político-econômicas do cam-po brasileiro – com agravamento do con-servadorismo, desigualdades, as injustiças,a violência e a degradação ambiental. Repe-tiu-se a concentração de terra e de poder.

As políticas públicas para a questão agrá-ria permaneceram tímidas e impotentes fren-te ao agronegócio. Foram importantes aspolíticas operadas pela Companhia Nacio-

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por José Juliano de Carvalho Filho

Indícios apontam

para a “morte

matada” das pre-

tensões de justi-

ça no campo e

de preservação

do ambiente.

Uma reforma

agrária ao revés

está ocorrendo

no país.

nal de Abastecimento para assentados eprodutores familiares – lei da merenda es-colar, formação de estoques, compra e do-ação simultânea. No entanto os benefíciosmais relevantes continuam a ser direciona-dos a grandes produtores.

Enquanto isso, os números da reforma agrá-ria são vergonhosos. O mandato de DilmaRousseff apresenta o pior desempenho, des-de o governo FHC (1995-2002), quanto aonúmero de famílias assentadas. O governoanunciou que o Incra passará a ter como prin-cipal prioridade fornecer assistência técnicaaos assentamentos, em vez da desapropria-ção de terras. Em nome dos interesses dosassentados, desqualifica-se a reforma agrá-ria, ou seja, o fundamental acesso à terra.

A argumentação para tanto toma por base apobreza devida à baixa produtividade dosassentamentos. Esse discurso pseudo mo-dernizador é falso, pois ignora que reformaagrária implica um conjunto de políticas queinclui desapropriação, produção, saúde eeducação. na região Norte–, as políticasgovernamentais concentram terras em be-nefício dos grileiros. Há os exemplos damudança no assentamentos. Esse discursopseudo modernizador é falso, pois ignoraque reforma agrária implica um conjunto depolíticas que inclui desapropriação, produ-ção, saúde e educação. Uma reforma agráriaao revés está ocorrendo no país.

Nas regiões de ocupação antiga, as mono-culturas do agronegócio reconcentram ter-ras. Ao mesmo tempo, nas regiões de fron-teira ou de ocupação recente – especifica-mente na região Norte –, as políticas go-vernamentais concentram terras em bene-fício dos grileiros.

Há os exemplos da mudança no CódigoFlorestal e da ofensiva para retirar a com-petência da União na demarcação de terrasindígenas, na criação de unidades de con-servação e no reconhecimento de áreasremanescentes de quilombolas. Indíciosapontam para a “morte matada” das pre-tensões de justiça no campo, de reformaagrária e de preservação do ambiente.

A posição do governo faz com que a direitareacionária, incluídos os ruralistas, atue comoum “ghost writer” com poder de imposição ese sinta diante de um campo aberto. Se seapresenta de modo cada vez mais ousado, éporque não vê obstáculos importantes nemoponentes dignos desse nome. ■

José Juliano de Carvalho Filho – Economis-ta, professor da Faculdade de Economia e Ad-ministração da USP e diretor da AssociaçãoBrasileira de Reforma Agrária. Artigo publica-do pelo jornal Folha de S. Paulo (30/04/2013)e republicado pelo IHU-OnLine e pelo portalEcoDebate (03/05/2013).

Réquiem

para

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Cidadania&MeioAmbiente 33

A conferência de encerramentodo XIII Congresso Brasileiro do Mi-nistério Público do Meio Ambiente foimediada pelos ministros do STJ, Her-man Benjamin e Sérgio Kukina, pelaSubprocuradora-Geral da Repúbli-ca, Sandra Cureau, e pelo conse-lheiro do Conselho Nacional do Mi-nistério Público, Jarbas SoaresJúnior. Juntos, os juristas explana-ram sobre a jurisprudência ambien-tal no Superior Tribunal de Justiça.

Benjamin abordou os aspectosinconstitucionais do novo CódigoFlorestal, e afirmou que “quem uti-liza recursos ambientais há anos,não pode reter os benefícios finan-ceiros dessa prática”, assim como“quando a recuperação das áreasexploradas não for completa, devehaver indenização”. Ele destacoutambém a importância da preser-vação dos manguezais, já que osestados não costumam dedicarmuita atenção a essas áreas.

A Subprocuradora-Geral da Re-pública Sandra Cureau, que tambémparticipou da mesa, chamou aten-ção para 53 artigos da nova lei queapresentam inconstitucionalidades,relacionados a temas como terrasindígenas, empreendimentos deabastecimento público e tratamentode esgoto, áreas de preservaçãopermanente e reservas legais.

Já Sérgio Kukina, falou sobre fa-tos atuais ligados ao meio ambiente,como o derramamento de óleo emSão Sebastião, e o ano de 2013 de-dicado à preservação da água. As-sim como os outros debatedores,afirmou que “a nova lei ambientalnão pode ter aspecto retroativo”. Opainel também contou com a pre-sença do procurador geral do Espí-rito Santo, Eder Pontes da Silva.

A abertura do último dia do con-gresso ficou por conta da ex-minis-tra Marina Silva, que foi um dos des-taques do evento. Marina concei-tuou o desenvolvimento sustentá-vel como uma forma de ser, não ape-nas uma maneira de fazer. Direcio-nou à platéia, composta de membrosdo Ministério Público, magistrados,parlamentares, integrantes do Po-der Executivo federal, estadual e

MINISTROS DO STJ E VICE-PROCURADORA GERAL

DA REPÚBLICA FECHAM CONGRESSO DA ABRAMPA

municipal, além de advogados e es-pecialistas na área ambiental, umamensagem de perseverança: “O Mi-nistério Público tem demonstradopersistência em suas ações comrelação ao meio ambiente, e issoreforça a esperança de acabar coma grave crise civilizatória na qualestamos inseridos.”

Em agradecimento à presença daex-ministra, o procurados de Justiçado Rio de Janeiro Sávio Bittencourt,presidente da Associação Brasileirados Membros do Ministério Público deMeio Ambiente (Abrampa), entidadeorganizadora do congresso, falousobre a importância de tê-la no even-to. “O MP tem atribuições de acom-panhar a atividade política, que aca-ba resvalando em ações judiciais. Apresença de Marina aqui demonstraque existe uma forma de fazer políti-ca de maneira ética, e que é possívelter um relacionamento mais estreitocom a nossa entidade”, disse.

Após a palestra sobre sustentabi-lidade da ex-ministra, o último dia pros-seguiu com assuntos palpitantescomo o novo Código Florestal, a po-luição sonora e visual. As promoto-ras Vânia Maria Tuglio e CristinaGodoy de Araújo Freitas, do Ministé-rio Público de São Paulo, Eladio Lecey,do Ministério Público de São Paulo e opresidente do Instituto de Democra-cia Socioambiental (IDS), João PauloCapobianco, afirmaram que há um re-trocesso no novo código e frisaram aimportância do engajamento da soci-edade civil não só com relação aoassunto, mas principalmente na horade eleger seus representantes, quetêm o poder de impedir o MP de cum-prir o seu dever, e zelar pela segu-rança civil e pelo Meio Ambiente.

Fechando o ciclo de palestras,Ana Marchesan, do Ministério Públi-co do Rio Grande do Sul, André Sil-vani, do Ministério Público de Per-nambuco e Philippe Gomes Jardim,do Ministério Público do Trabalho doRio Grande do Sul, colocaram empauta, respectivamente, a questãoda adequação da iluminação públi-ca e a poluição visual, o combateaos ‘crimes do som’ e a segurançano ambiente de trabalho.

I N F O R M E

Procurador de Justiça do MPRJ e Presidente da Abrampa, Sávio Bittencourt;

Promotora de Justiça do MPPE e Diretora para Asssuntos Internacionais da Abrampa,

Ana Rúbia Torres de Carvalho; Ex-senadora e ex-ministra de Meio Ambiente,

Marina Silva; Promotora de Justiça do MPSP e 2ª Secretária da Abrampa, Vânia

Maria Tuglio; Conselheiro do CNMP e ex-presidente da Abrampa, Jarbas Soares

Júnior; Promotora de Justiça do MPES e presidente da Comissão Organizadora do

XIII Congresso, Isabela de Deus Cordeiro.

Ministro do STJ, Herman Benjamin; Promotora de Justiça do MPES e presidente da

Comissão Organizadora do XIII Congresso, Isabela de Deus Cordeiro; Procurador de

Justiça do MPRJ e Presidente da Abrampa, Sávio Bittencourt.

Procurador-Geral de Justiça do MPES, Éder Pontes da Silva; Ministro do STJ,

Sérgio Luiz Kukina; Subprocuradora-Geral da República e Diretora-Presidente da

Escola Superior da Abrampa, Sandra Cureau; Procurador de Justiça do MPRJ e

Presidente da Abrampa, Sávio Bittencourt.

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ABERTURANa solenidade de abertura esti-

veram presentes a promotora Isa-bela de Deus, o presidente da As-sociação Espírito-Santense do Mi-nistério Público, promotor MarcelloQueiroz, o procurador-geral do Es-tado, Rodrigo Júdice, o diretor geralda Agência de Serviços Públicos deEnergia do Estado do EspíritoSanto, Luiz Fernando Schettino,procurador geral do Ministério Pú-blico do Trabalho, Luís Camargo,Secretária de Políticas Públicas deEmprego, Ana Lúcia Alencastro, opresidente do Instituto Estadual deMeio Ambiente, Cláudio Denícoli e oProcurador Geral de Justiça do Es-pírito Santo, Eder Pontes.

Pontes discursou sobre a impor-tância de um evento desse porteno Estado e abordou a PEC 37, quevisa excluir o Ministério Público docenário investigativo criminal. “Noestado do Espírito Santo, o MPconferiu aos seus promotores deJustiça ambientais atribuição cri-minal nessa seara. Trata-se de umEstado com forte vocação empre-sarial que resvala em questõesambientais. A alteração constitu-cional comprometerá o trabalho denossos combativos promotoresambientais”, argumentou.

No discurso de abertura do en-contro, Bittencourt enfatizou a im-portância da união dos membrosdo Ministério Público no combateaos crimes ambientais. ”O debatede ideias não deve afetar a rela-ção de amizade, o companheiris-mo e a fraternidade dos membrosdo MP. Nós não podemos incorpo-rar práticas políticas que critica-mos na política comum, que nãosejam condizentes com a manu-tenção da unidade da nossa insti-tuição, já que os inimigos exter-nos têm todas as oportunidadesde atacar prerrogativas que são dasociedade a partir da nossa desu-nião”, afirmou o procurador.

O presidente da Abrampa tambémcomandou a homenagem à SilviaCappelli, renomada autoridade bra-sileira comprometida em causasambientais. Procuradora da Justiçae diretora de Assuntos Internacio-nais do instituto “O Direito por umPlaneta Verde”, Cappelli foi funda-dora da Abrampa e se dedica à im-plantação do desenvolvimento sus-tentável no Brasil, avaliando o papelJudiciário nesse contexto.

A noite do primeiro dia fechoucom a palestra magna “Constitui-

ção ambiental e direitos funda-mentais”, ministrada pelo procura-dor do Estado do Mato Grosso,Patryck Ayala, que reforçou aspalavras de Bittencourt no que serefere ao debate de ideias, salien-tando a importância de fazer comque o projeto constitucional sejacapaz de oferecer alternativas ecaminhos para proteger a identida-de e a própria existência do Esta-do. “Os tribunais são importantes,mas tribunais surdos não prote-gem o meio ambiente”, destaca.

SEGUNDO DIANo segundo dia do Congresso, o

painel “Mineração e Meio Ambiente”constituído por representantes do MPdo Espírito Santo, compartilhou exem-plos práticos de atuação no setor,principalmente em Cachoeiro de Ita-pemirim, região do Estado rica emmassivos graníticos. Consoante, a

fala dos promotores Hermes Zaneti eJúlio de Castilhos ressaltou a carên-cia de regulação. “É custo para o Es-tado investir em fiscalização, quan-do o investimento deve ser do próprioexplorador. Está previsto na consti-tuição inverte a lógica dos órgãos pú-blicos. Quem tem que pagar a contaé o empreendedor, e ele quer pagar,obter a licença. O Estado é que édesorganizado e não consegue aten-der a demanda”, ressaltou Zaneti.

A palestra do Prof. Dr. Paulo Sal-diva, da USP, movimentou a tardedo dia 18 com os dados alarman-tes sobre os níveis de poluição at-mosférica no Brasil e no mundo.“Em São Paulo, estudo compro-vou que os elevados níveis de po-luição na cidade são responsá-veis pela redução da expectativade vida em cerca de um ano emeio”, advertiu o professor.

Na mesma tarde, uma prática doMPES foi apresentada como exem-plo aos membros do Ministério Pú-blico de todo o país: um convêniocom a Tetra Pak e o Instituto Esta-dual de Meio Ambiente (IEMA) paracapacitar e valorizar os catadoresde lixo, além de promover a educa-ção ambiental, treinando professo-res da rede pública.

Também foi apresentado comouma boa prática a situação do Para-ná. O promotor Saint-Clair Honoratomostrou exemplos das cidadescomo Tabagi, Marinalva e Biturunaque já avançaram com relação àquestão. “A associação de Curiti-ba deu certo. Existe solução, maso poder público não quer que fun-cione, porque é barato”, salientou.Participaram ainda no painel Sanea-mento e Resíduos Sólidos, ÉdissonCarlos, do Instituto Trata Brasil eRoberto Muniz, da Associação Bra-sileira das Concessionárias Priva-das dos Serviços Públicos de Águae Esgoto (Abcon). No encerramen-to do dia, o debate girou em tornodos recursos hídricos com a expla-nação dos promotores mineirosBergson Guimarães e Thales Car-doso. Jorge Thierry, da AgênciaNacional de Águas (ANA) tambémparticipou das discussões.

O CONGRESSOO congresso foi realizado entre

os dias 17 e 19 de abril, em Vitória,Espírito Santo, e reuniu mais de 400promotores, procuradores, magis-trados e especialistas em meio am-biente de todo o país. Contou com opatrocínio do Governo do Estado doEspírito Santo, Vale, Abividro, CaixaEconômica Federal, Cesan,Sindicom, Souza Cruz, Abcon, Abra-latas, Inpev e Trata Brasil, além dediversos apoios institucionais.

“Este congresso promovidopela Abrampa se traduz em gran-des oportunidades de encontro edebate entre os membros do Mi-nistério Público de todo o País,com pessoas da sociedade civile estudiosos do Direito Ambien-tal. Por se tratar de um importan-te fórum de discussões do Minis-tério Público brasileiro voltado àdefesa e conservação do meioambiente, a programação foi pre-parada de modo a tratar temasatuais e palpitantes. Foi um mo-mento rico de troca, agora vamosatuar de forma equalizada paraobtermos melhores resultados”,concluiu o presidente da Abrampa,Sávio Bittencourt.

Presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público e Promotor de

Justiça do MPES, Marcello Queiroz; Procurador-geral do Estado do Espírito Santo,

Rodrigo Júdice; Diretor geral da Agência de Serviços Públicos de Energia do

Estado do Espírito Santo, Luiz Fernando Schettino; Procurador-Geral do Ministé-

rio Público do Trabalho, Luís Camargo; Secretária de Políticas Públicas de Empre-

go, Ana Lúcia Alencastro; Presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente,

Cláudio Denícoli; Procurador-Geral de Justiça do MPES, Eder Pontes; Procura-

dor de Justiça do MPRJ e Presidente da Abrampa, Sávio Bittencourt; Promotora de

Justiça do MPES e presidente da Comissão Organizadora do XIII Congresso,

Isabela de Deus Cordeiro.

Promotor de Justiça do MPRS, Carlos Roberto Lima Paganella; Procuradora de

Justiça do MPRS e ex-presidente da Abrampa, Sílvia Cappelli; Desembargador do

TJRS, Eladio Lecey.

Fonte: ASCOM ABRAMPA

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