Raíssa Passos dos Santos -...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
Rassa Passos dos Santos
VIVNCIAS MORAIS E SOFRIMENTO MORAL DE ENFERMEIROS
QUE CUIDAM DE CRIANAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE
SADE
Santa Maria, RS, Brasil
2016
Rassa Passos dos Santos
VIVNCIAS MORAIS E SOFRIMENTO MORAL DE ENFERMEIROS QUE
CUIDAM DE CRIANAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE SADE
Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso
de Mestrado do Programa de Ps-Graduao
em Enfermagem, rea de Concentrao
Cuidado, Educao e Trabalho em Enfermagem
e Sade da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM, RS), como requisito para a
obteno do grau de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Prof. Dr. Eliane Tatsch Neves
Coorientador: Prof. Dr. Franco Carnevale
Santa Maria, RS
2016
Ficha catalogrfica elaborada atravs do Programa de Gerao Automtica da Biblioteca Central da UFSM, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Passos dos Santos, Rassa Vivncias morais e sofrimento moral de enfermeirosque cuidam de crianas com necessidades especiais desade / Rassa Passos dos Santos.-2016. 132 p.; 30cm
Orientador: Eliane Tatsch Neves Coorientador: Franco Carnevale Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de SantaMaria, Centro de Cincias da Sade, Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, RS, 2016
1. Vivncias morais 2. Sofrimento moral 3. Sade daCriana 4. Enfermagem Peditrica 5. tica da Enfermagem I.Tatsch Neves, Eliane II. Carnevale, Franco III. Ttulo.
DEDICATRIA
minha famlia, especialmente meus pais Rosngela
e Rodolfo, e meus irmos Rosmarini e Rodolfo.
E a todos que foram presena nesta caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeo principalmente toda a minha famlia e todas s pessoas que a sua maneira
estiveram presentes e que foram suporte para que eu chegasse at aqui.
Aos meus pais Rosngela e Rodolfo pela fonte de carinho e apoio inesgotveis durante toda
minha trajetria acadmica e na ps-graduao. Com certeza a confiana depositada em mim
para que fizesse minhas escolhas foram a base mais slida que eu poderia ter.
Aos meus irmos Rosmarini e Rodolfo. Meus companheiros de vida e melhores amigos,
obrigada pelo amor e suporte em todos os momentos.
minha irm Rosmarini e meu cunhado Nicolas. Obrigada pela acolhida to afetiva em meu
perodo em Montreal. Certamente tudo teria sido muito mais difcil sem vocs. Vocs fizeram
a diferena.
s minhas tias Loiva, Rosmarina e Lourdes. Obrigada pelas longas conversas cheias de
questionamentos e reflexes nos churrascos de domingo que me fizeram nunca estar satisfeita
com respostas simples. Vocs fazem parte da minha formao.
Aos meus amigos e ex colegas de graduao Adalvane, Carolina e Victor. Vocs fizeram parte
de toda minha trajetria e dividiram comigo as felicidades e angstias da faculdade e tambm
da ps. Vocs so especiais em minha vida.
minha comadre e amiga Daiani. Obrigada por compartilhar comigo tantos momentos
importantes desde 2008 e por junto com o compadre Leonardo me presentear com o amor de
ter um afilhado que mora em meu corao.
Ao meu noivo Sailer. Obrigada pela ajuda com revises e pelo apoio constante para a
realizao de meus objetivos.
Ao meu amigo e melhor professor de ingls de todos Ptolomeu Palma. Obrigada pelo apoio
incondicional para o meu sucesso mundo a fora. Thank you so much, my friend.
s minhas amigas desde 2007, presentes desde o curso de Letras, Anna e Micheli. Vocs
moram no meu corao.
minha orientadora Professora Eliane Neves por ter acreditado em mim desde a graduao.
Obrigada por acreditar que aquela menina teimosa, questionadora e irritante era capaz de ser
mestre em enfermagem. Serei grata eternamente pela confiana e pelo carinho por mim.
Ao meu coorientador Professor Franco Carnevale pelo apoio incondicional e pelo suporte em
minha pesquisa. Obrigada por me receber de braos abertos em sua universidade no Canad.
Seus ensinamentos foram determinantes em minha formao.
s professoras Stela Maris Padoin e Cristiane de Paula pelas conversas e por estarem sempre
abertas aos meus questionamentos. Obrigada pela pacincia e pela ateno sempre.
A todos os meus colegas do grupo de pesquisa PEFAS (Grupo de Pesquisa Cuidado Sade
das Pessoas, Famlias e Sociedade). Obrigada pelas tardes com chimarro, discusses, apoio e
acolhida para compartilhar dvidas de pesquisa, projetos, artigos, angstias, medos e
felicidades.
Universidade Federal de Santa Maria por proporcionar a construo do meu conhecimento
durante a Graduao e o Mestrado, em especial ao Programa de Ps-Graduao em
Enfermagem.
Aos participantes que me possibilitaram conduzir este estudo e abriram mo de seu tempo
para que minha pesquisa pudesse ser realizada.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior e a Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul pela concesso da bolsa de Mestrado
.
A realidade vivida da autonomia ativada
atravs das conexes humanas uns com os
outros [...] No h autonomia para os seres
humanos de forma isolada um do outro.
Estar sozinho e independente
primeiramente vivenciado porque h outros a
perder. (Doane; Varcoe, 2012, traduo livre)
RESUMO
VIVNCIAS MORAIS E SOFRIMENTO MORAL DE ENFERMEIROS QUE
CUIDAM DE CRIANAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE SADE
AUTORA: RASSA PASSOS DOS SANTOS
ORIENTADORA: ELIANE TATSCH NEVES
COORIENTADOR: FRANCO CARNEVALE
Introduo: A prtica da enfermagem em pediatria vem se tornando cada vez mais complexa,
uma vez que o perfil da infncia brasileira encontra-se em processo de mudana, trazendo
consigo o aumento do nmero de crianas com necessidades especiais de sade. Os enfermeiros
constituem-se em profissionais com importante conhecimento acerca dos melhores interesses
da criana e da famlia, advogando em prol de seu bem estar, estando, dessa forma, inclinado a
vivenciar o sofrimento moral. Objetivo: compreender como o sofrimento moral se apresenta no
cotidiano de cuidado de enfermeiros que cuidam de crianas com necessidades especiais de
sade. Metodologia: Estudo fenomenolgico interpretativo, realizado em trs unidades de
internao peditrica e neonatal de um hospital de ensino. Participaram do estudo nove
enfermeiros e a coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista nos meses de novembro e
dezembro de 2014. As entrevistas foram gravadas e transcritas. A anlise deste estudo foi feita
a partir da perspectiva Fenomenolgica Interpretativa de Patrcia Benner. Na anlise
interpretativa ocorreu a busca por exemplares e casos paradigmticos e na anlise temtica
elencou-se os padres de significado que possibilitaram a compreenso do fenmeno. Assim,
trs temas foram descritos referente s relaes das enfermeiras que culminam no aparecimento
de vivncias morais. O estudo preservou os princpios ticos da pesquisa, conforme Resoluo
N 466, de 12 de dezembro de 2012 e foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa da
instituio, sob nmero 36618114.4.0000.5346. Resultados: As enfermeiras deste estudo
mostraram-se engajadas em diversos nveis de intensidade diante das preocupaes
relacionados ao cuidado em pediatria. Dessa forma, na relao com a equipe de sade, com os
enfermeiros, com a famlia da criana, e com a criana, as participantes vivenciaram um
cuidado que gera sofrimento, angstia, sentimento de frustrao, satisfao, responsabilidade,
entre outros. Concluso: concluiu-se que o engajamento das enfermeiras modifica-se a todo o
momento nas situaes de cuidado criana, podendo instigar a sua agncia moral ou inibindo-
a, de acordo com as compreenses sobre a prtica de enfermagem.
Palavras-Chave: Sade da criana. Sofrimento Moral. Enfermagem Peditrica. tica da
Enfermagem
ABSTRACT
MORAL EXPERIENCIES AND MORAL DISTRESS OF NURSES WHO CARE FOR
CHILDREN WITH SPECIAL HEALTHCARE NEEDS
AUTHOR: RAISSA PASSOS DOS SANTOS
SUPERVISIOR: ELIANE TATSCH NEVES
CO SUPERVISIOR: FRANCO CARNEVALE
Introduction: Pediatric nursing practice is becoming increasingly complex, since the profile of
Brazilian children is in the process of change, bringing the increase in the number of children
with special health care needs. Nurses are professionals with an important knowledge about the
best interests of children and families, advocating on behalf of their welfare and are thus
inclined to experience moral distress. Aim: The aim of this study was to examine the
experiences of moral distress of nurses who care for children with special healthcare needs.
Methodology: interpretive phenomenology was selected as the study method. Nine nurses
working at three different pediatric units of a teaching hospital were interview in November
and December 2014. The data analysis process was held according to Patricia Benner's
framework. The process consisted of transcription, coding, thematic analysis, and search for
paradigm cases and exemplars. All the ethical aspects were preserved and the study was
approved by the Research Ethics Committee of the institution under number
36618114.4.0000.5346. Results: Data analysis identified three themes. The themes arises from
the relationships that nurses experienced in their daily lives and therefore their different moral
experiences. Their moral experiences can be changed by their engagements. The nurses of this
study are engaged in different levels according to their concerns throughout pediatrics nursing
practice. Depending on the relationship they are living; with the health team, with other nurses,
with the child's family, and the child; the participants can experience distress, anguish,
frustration, satisfaction, responsibility. Conclusion: The findings identified that the engagement
of nurses can be modified all the time during childcare situations and can instigate or inhibit
their moral agency, according to their understanding of the nursing practice.
Keywords: Child Health. Moral Distress. Pediatric Nursing. Nursing Ethics.
LISTA DE SIGLAS
CAAE Certificado de Apresentao para Apreciao tica
CEP Comit de tica em Pesquisa
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente
CRIANES Crianas com Necessidades Especiais de Sade
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
HUSM Hospital Universitrio de Santa Maria
LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias de Sade
PB Plataforma Brasil
PUBMED Literatura Internacional em Cincias da Sade
RS Rio Grande do Sul
SM Santa Maria
SIM Sistema de Informaes de Mortalidade
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UIP Unidade de Internao Peditrica
UTIP Unidade de Terapia Intensiva Peditrica
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................................... 19 1.1 CONTEXTUALIZAO E PROBLEMTICA DO ESTUDO ................................. 19 1.2 APROXIMAO COM A TEMTICA E JUSTIFICATIVA ................................... 22 2 FUNDAMENTAO TERICA ............................................................................. 24 2.1 O SOFRIMENTO MORAL NO COTIDIANO DE CUIDADO DO ENFERMEIRO 24 2.2 SOFRIMENTO MORAL NA ENFERMAGEM PEDITRICA E O CUIDADO S
CRIANES ................................................................................................................................. 27 3 PERCURSO METODOLGICO ............................................................................ 31 3.1 ARTIGO 1. METODOLOGIAS QUALITATIVAS EM PESQUISA NA SADE:
REFERENCIAL INTERPRETATIVO DE PATRICIA BENNER ......................................... 31 3.2 CARACTERIZAO DO CENRIO E DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO .... 42 3.3 COLETA E ANLISE DOS DADOS ......................................................................... 45 3.4 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA ........................................................................ 46 3.5 RIGOR METODOLGICO ........................................................................................ 47 4. RESULTADOS ........................................................................................................... 50 4. 1 RELAES TICO-PROFISSONAIS DE ENFERMEIRAS E VIVNCIAS
MORAIS NO CUIDADO DE ENFERMAGEM PEDITRICA ............................................ 50 4.1.1 Relao entre os profissionais de sade na enfermagem peditrica e
aparecimento de vivncias morais anlise compreensiva ................................................ 54 4.1.2 Relao entre os profissionais de sade na enfermagem peditrica e
aparecimento de vivncias morais - anlise interpretativa ................................................. 63 4.2.1 Relao entre a enfermeira e a famlia em unidade peditrica e aparecimento de
vivncias morais anlise compreensiva ............................................................................. 67 4.2.2 Relao entre a enfermeira e a famlia em unidade peditrica e aparecimento de
vivncias morais - anlise interpretativa .............................................................................. 76 4.3.1 Relao entre a enfermeira e a criana em unidade peditrica e aparecimento de
vivncias morais anlise compreensiva ............................................................................. 80 4.3.2 Relao entre a enfermeira e a criana em unidade peditrica e aparecimento de
vivncias morais anlise interpretativa ............................................................................. 91 5 APRESENTAO DOS CASOS PARADIGMTICOS ....................................... 95 5.1 CASO PARADIGMTICO 1 A ENFERMEIRA COM ALTO NVEL DE
ENGAJAMENTO NO CUIDADO CRIANA E AS VIVNCIAS MORAIS PRESENTES
NO SEU COTIDIANO ............................................................................................................. 95 5.2 CASO PARADIGMTICO 2 A ENFERMEIRA COM MENOR NVEL DE
ENGAJAMENTO NO CUIDADO CRIANA E AS VIVNCIAS MORAIS PRESENTES
NO SEU COTIDIANO ........................................................................................................... 101 6 DISCUSSO ............................................................................................................. 109 7 CONCLUSO ........................................................................................................... 115 REFERNCIAS ......................................................................................................... 118 APNDICE A - TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ....................................... 124 APNDICE B - TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ....................................... 126 ANEXO A APROVAO DO COMIT DE TICA EM PESQUISA ............ 128 ANEXO B DECISO EDITORIAL ...................................................................... 132
19
1 INTRODUO
1.1 CONTEXTUALIZAO E PROBLEMTICA DO ESTUDO
Ao longo da histria, o papel da infncia e a funo social da criana modificaram como
a sade da criana foi compreendida pela sociedade. Aps diversas transformaes que
coincidiram com o panorama mundial, o Brasil, comea na dcada de trinta a implementar
polticas de ateno maternidade, a infncia e a adolescncia, principalmente centradas na
diminuio da mortalidade infantil e materna. Inicia-se tambm, uma preocupao sobre as
aes de sade voltadas a garantia dos direitos da criana em relao aos servios de sade que
tiveram avanos nos ltimos anos (ARAJO, et al. 2014).
Na dcada de 90, o Estatuto da Criana e do Adolescente, criado a partir da nova
Constituio Federal de 1988, assegura criana e ao adolescente, em seu captulo primeiro,
como direitos fundamentais o direito a proteo vida e sade, mediante a efetivao de
polticas sociais pblicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condies dignas de existncia (BRASIL, 2015). Complementar a isso, a Resoluo
41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (CONANDA),
garante, entre outros, o direito a hospitalizao, quando necessria, bem como, a no
permanncia desnecessria; direito de no sentir dor; de conhecer sua enfermidade e os
cuidados teraputicos e diagnsticos a serem utilizados; e ainda, o direito a uma morte digna
(BRASIL, 1995).
Juntamente com as preocupaes em relao aos direitos sade da criana, o
desenvolvimento das cincias da sade trouxe mudanas importantes para a realidade da
infncia mundial e brasileira. Relacionado s preocupaes com a mortalidade infantil, que
permearam a histria da sade da criana (ARAJO, et al. 2014), de acordo com o Sistema de
Informaes de Mortalidade SIM, o nmero de bitos infantis (menores de 1 ano) por 1.000
nascidos vivos no Brasil, passou de 26,1 em 2000 para 15,3 em 2011. Entretanto, soma-se a
isso uma curva ainda crescente no que se refere aos bitos neonatais, sendo que 57% das
crianas menores de cinco anos morrem durante os primeiros 30 dias de vida (BRASIL, 2012b).
Em contraponto a diminuio da mortalidade infantil, a possibilidade de manuteno da
vida em crianas sobreviventes de agravos perinatais, traumas e portadoras de doenas crnicas,
vem ocorrendo nos ltimos anos devido aos benefcios gerados pela acelerada evoluo
medicamentosa e de equipamentos aplicados a sade humana. Assim, os avanos tecnolgicos,
associados queda na mortalidade infantil, tm contribudo para o surgimento de um novo
20
grupo de crianas, emergente nos servios de sade, quais sejam as crianas com necessidades
especiais de sade (NEVES; CABRAL, 2008).
Com o propsito de auxiliar os sistemas de sade a planejarem melhores polticas
pblicas que amparassem as necessidades destas crianas, em seu relatrio, publicado em 1998,
McPherson et al. (1998), definiram, pela primeira vez nos Estados Unidos da Amrica, o grupo
das Children with Special Health Care Needs, como aquelas que tm ou esto em maior risco
de apresentar uma doena crnica, fsica, de desenvolvimento, condio comportamental ou
emocional, e que tambm requerem servios de sade e afins de um tipo ou quantidade maior
do que o exigido pelas crianas em geral. No Brasil, a denominao destas crianas foi traduzida
como Crianas com Necessidades Especiais de Sade (CRIANES) (WONG, 1999; CABRAL,
1999), mantendo a mesma definio, em traduo livre.
A complexidade diagnstica e teraputica, associada vulnerabilidade social em que
essas crianas e suas famlias se encontram, representam um desafio para seus
familiares/cuidadores e, consequentemente, para os profissionais de sade que prestam
cuidados a este novo grupo (NEVES; CABRAL, 2008). Neste contexto, a enfermagem
peditrica, apresenta-se como a principal articuladora da famlia no cuidado a criana,
comprometendo-se com o estabelecimento do cuidado interativo enfermagem-criana-famlia.
Para isso necessita ouvir e incluir a famlia no cuidado, atravs do estabelecimento do vnculo
afetivo (HOCKENBERRY; WILSON, 2014). Ainda, a preocupao do cuidado que no pode
restringir-se a relao enfermeiro-criana, mas sim, precisa considerar a famlia, torna a prtica
da enfermagem peditrica ainda mais complexa e reflexiva (COELHO; RODRIGUES, 2009).
O momento da hospitalizao infantil, que traz especificidades quando relacionada
infncia, uma vez que, implica em uma necessidade de um reajuste da rotina familiar, pode ser
mal compreendida pelo profissional de enfermagem que esteja despreparado para lidar com
essa realidade. Ainda, a insero da famlia como elemento que altera a dinmica do trabalho
do enfermeiro pela necessidade da realizao de uma prtica que respeite a famlia e mantenha
a sua autonomia. (QUIRINO et al., 2010; PIMENTA; COLLET, 2009).
No cuidado s CRIANES, o enfermeiro exerce papel fundamental como articulador de
saberes e prticas clnicas que passaro a ser delegados aos familiares/cuidadores no momento
da alta hospitalar. Dessa maneira, incluir a famlia no cuidado complexo a estas crianas,
considerando as demandas que envolvem cuidados de enfermagem, dos quais dependem a sua
sobrevivncia, constitui-se de um desafio para a enfermagem peditrica (NEVES; CABRAL,
2009).
21
Soma-se a esta problemtica, o fato de que trabalho de enfermagem relacionado
infncia, especialmente em uma situao de fragilidade e vulnerabilidade, traz caractersticas
ticas especficas e relevantes a serem discutidas. Larcher e Carnevale (2012) descrevem que
aqueles que trabalham com a infncia tm o dever moral de assegurar que essas tenham a sua
trajetria para vida adulta a mais segura e saudvel possvel. Entretanto, nem todas as crianas
tero esta possibilidade, uma vez que suas vidas podem estar limitadas por uma srie de
restries das quais elas e os pais no possuem controle.
Reconhecendo a importncia do papel do enfermeiro no cuidado direto criana,
verifica-se por parte deste profissional, um importante saber a respeito dos melhores interesses
para a criana, e o reconhecimento do ponto de vista dos pais e da vontade da criana.
Acrescenta-se a isso, a multiplicidade de casos clnicos complexos que trazem desafios para a
atuao do enfermeiro durante a sua prtica clnica (CARNEVALE, 2012). Nesta perspectiva,
Coelho e Rodrigues (2009) destacam que necessrio que a assistncia de enfermagem inclua
em sua prtica saberes relacionados manuteno do respeito dignidade da criana,
considerando os avanos tecnolgicos que influenciam na vulnerabilidade das crianas em
estado de adoecimento.
Isto posto, Carnevale (2012), descreve que os enfermeiros constituem-se de importantes
agentes morais que advogam em prol do bem estar da criana e sua famlia. O conceito de
agncia moral pode ser entendido com a capacidade de uma pessoa em envolver-se
profundamente em questes moralmente acentuadas, colocando-se em situaes que remetem
a conceitos de certo e errado, bom e ruim, ou justo e injusto (CARNEVALE, 2013).
Este engajamento moral das enfermeiras com sua prtica pode resultar em sofrimento
moral. Isto acontece em geral, quando por algum motivo, referente ao ambiente de trabalho,
estes profissionais so impedidos de agirem de acordo com seus padres ticos estabelecidos
(CARNEVALE, 2013).
O conceito do sofrimento moral da forma como utilizado atualmente nas pesquisas,
foi realizado inicialmente por Jamenton (1984), e descreve o sofrimento moral como os
sentimentos dolorosos decorrentes do fato de que o profissional no consegue seguir por um
curso de ao que considere eticamente correto. Os motivos pelos quais essa ao no possa ser
tomada podem ser intrnsecos (considerando os prprios sentimentos do profissional
envolvido), ou extrnsecos (considerando as barreiras impostas pelo ambiente de trabalho).
Carnevale (2012) aponta que as barreiras atribudas pelas instituies constituem-se de
uma fonte que culmina no no-encorajamento dos enfermeiros em defender os direitos de
crianas em situao de vulnerabilidade, tais como aquelas crianas que possuem algum tipo
22
de deficincia, resultando em sofrimento moral. Verifica-se a partir das proposies
apresentadas, a possibilidade de que enfermeiros que trabalham em pediatria, especificamente
aqueles que cuidam de crianas em situao de complexidade, estejam inclinados a vivenciar o
sofrimento moral.
Diante dessas consideraes, questionou-se: como o sofrimento moral se apresenta no
cotidiano de cuidado enfermeiros que cuidam de crianas com necessidades especiais de sade?
Assim, teve-se como objeto deste estudo: o sofrimento moral de enfermeiros que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade.
O objetivo geral deste trabalho foi compreender as vivncias de sofrimento moral no
cotidiano assistencial de enfermeiros que cuidam de crianas com necessidades especiais de
sade. E como objetivos especficos: descrever como o sofrimento moral perpassa o cotidiano
de cuidado de enfermeiros em diferentes servios peditricos de internao no contexto
hospitalar; compreender as vivncias dos participantes em relao ao sofrimento moral
buscando por fontes de inquietaes e formas de enfretamento deste sentimento durante o seu
cotidiano de cuidado.
1.2 APROXIMAO COM A TEMTICA E JUSTIFICATIVA
Somada problemtica da complexidade do cuidado de enfermagem infncia e a
possibilidade de sofrimento moral em enfermeiros que trabalham pediatria e que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade; salienta-se a escassez de produo cientfica na
rea (28 artigos), contribuindo para o desafio da prtica profissional que considere os dilemas
ticos encontrados no cotidiano do enfermeiro em pediatria.1
Os trabalhos publicados sobre o sofrimento moral apontam para a temtica como uma
tendncia atual na pesquisa em enfermagem, sendo a totalidade destes publicados a partir dos
anos 2000. Alm disso, a maioria dos estudos encontra-se no mbito internacional (26 artigos),
com um nmero limitado de trabalhos publicados no Brasil na rea da Enfermagem (2 artigos),
confirmando esta como uma realidade ainda pouco investigada no cenrio nacional. Estes
1O cenrio das produes foi estabelecido aps consulta em bases de dados PubMed, Scopus e Lilacs em abril de
2014. As estratgias de busca foram feitas a partir da utilizao das palavras-chave: Nursing, Moral Distress e
Ethicsnas bases PubMed e Scopus, e Enfermagem, Cuidado, e, tica na base Lilacs. O resultado somou 259
publicaes que foram selecionadas de acordo com os critrios de incluso: pr-seleo a partir do ttulo e resumo
(se disponvel), texto completo nas lnguas portugus, ingls e espanhol, relevncia para o objeto de estudo. Aps
a leitura, o resultado foi de 28 publicaes nas bases de dados.
23
achados so congruentes com os resultados de uma reviso integrativa realizada por Dalmolin
et al. (2012), onde a totalidade dos estudos pertenciam ao cenrio internacional e publicados na
lngua inglesa.
Alm disso, referente ao sofrimento moral no cuidado de enfermagem em pediatria,
existe uma limitao maior ainda referente ao escopo de literatura publicada sobre a temtica
(2 artigos). Isto demonstra a necessidade de que a compreenso deste fenmeno seja
aprofundada com o desenvolvimento de outros estudos, considerando as questes relacionadas
enfermagem peditrica e ao sofrimento moral. Alm disso, a compresso deste fenmeno na
prtica profissional faz-se importante, uma vez que remete a reflexo de suas consequncias
para os profissionais, incidindo em possveis contribuies para a melhora da qualidade do
cuidado prestado s crianas com necessidades especiais de sade.
Ressalto ainda, minha aproximao com a temtica escolhida destacando que, os
estudos no mbito da enfermagem peditrica permearam meu desenvolvimento profissional
desde o incio da vida acadmica. Durante a graduao, tive a oportunidade de desenvolver
atividades como bolsista assistencial na Unidade de Internao Peditrica (UIP) do Hospital
Universitrio de Santa Maria (HUSM), bem como bolsas de estudos de iniciao cientfica em
que desenvolvi projetos na temtica da Sade da Criana e de Educao em Sade.
Durante as atividades assistenciais desenvolvidas no HUSM, tanto como bolsista
assistencial, quanto no desenvolvimento de atividades de Estgio Supervisionado, pude
acompanhar a rotina de cuidado dos enfermeiros da UIP frente clientela das CRIANES.
Assim, pude constatar o crescente nmero de internaes e reinternaes dessas crianas, bem
como os longos perodos que elas e suas famlias permanecem no ambiente hospitalar. Isto
levou ao reconhecimento dos desafios encontrados pelos enfermeiros desta unidade referentes
s questes ticas e tomada de decises que envolvem o cuidado a criana.
Vivenciando o cotidiano de cuidado dos enfermeiros, presenciei situaes envolvendo
o cuidado a estas crianas, nas quais os profissionais sentiam-se angustiados, nervosos,
desapontados, inconformados. Entretanto, no existe um reconhecimento dos profissionais das
dimenses relacionadas ao aparecimento destes sentimentos, e ainda menos, o reconhecimento
de situaes que podem desencadear sofrimento moral s quais eles esto expostos.
Por fim, justifica-se este estudo, alm das lacunas identificadas na literatura cientfica,
tambm, pela necessidade de preparar e dar suporte aos profissionais de enfermagem da rea
peditrica a partir da compreenso sobre como esse fenmeno ocorre no cotidiano de cuidado
assistencial.
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2 FUNDAMENTAO TERICA
A fundamentao terica visa o aprofundamento sobre a compreenso do objeto de
estudo da presente pesquisa centrado no sofrimento moral dos enfermeiros que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade. Ainda, prover o aporte terico necessrio para a
fundamentar a temtica do sofrimento moral no cotidiano de cuidado do enfermeiro em
pediatria, bem como, as especificidades dos enfermeiros que cuidam dessas crianas.
2.1 O SOFRIMENTO MORAL NO COTIDIANO DE CUIDADO DO ENFERMEIRO
O sofrimento decorrente do processo de trabalho da enfermagem foi primeiramente
reconhecido como um sofrimento psquico ou emocional envolvendo o estresse da
enfermagem. Nestes casos, as enfermeiras eram aconselhadas a trocar de setor, ou serem
afastadas do servio, considerando estes sentimentos como fraquezas pessoais,
desconsiderando os aspectos e eventos relacionados aos seus ambientes de trabalho
(CARNEVALE, 2013).
Barlem et al. (2013a), destacam que o surgimento de conflitos e problemas morais,
diante de um contexto atual, em situaes triviais de seu ambiente de trabalho, no podem ser
separados da vida profissional dos trabalhadores de enfermagem. Dessa maneira, os
profissionais podem apresentar-se impotentes e no reconhecerem o sofrimento moral que esto
enfrentando, possivelmente provocado pela incoerncia entre seus julgamentos morais e suas
aes.
Considerando-se o ambiente de trabalho do enfermeiro, o qual envolve a relao com
uma variedade de profissionais, pacientes e seus familiares, verifica-se a possibilidade de que
este profissional esteja inclinado em seu cotidiano a vivenciar situaes de dilemas ticos e
morais. Entretanto, ao deparar-se com essas situaes, nem sempre estes profissionais sentem-
se seguros para tomar aes as quais acreditem serem as mais corretas eticamente
(DALMOLIN; LUNARDI, FILHO, 2009).
Carnevale (2012) destaca que a prtica tica da enfermagem vem se tornando cada vez
mais complexa, uma vez que houve avanos significativos em relao ao desenvolvimento de
sua autonomia profissional, passando a ter mais independncia para tomada de decises. Alm
disso, o desenvolvimento de padres ticos e legais voltados aos direitos do paciente e do
consumidor, e os avanos na tecnologia, foraram a enfermagem a apoiar-se em novas fontes
como a filosofia e o direito para o estabelecimento de uma prtica profissional de qualidade.
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Para o estabelecimento de aes ticas no cuidar, o profissional de enfermagem pauta-
se no Cdigo de tica de Enfermagem. Em sua ltima atualizao, em 2012, o Cdigo de tica
de Enfermagem Brasileiro, traz como princpios fundamentais da profisso:
A enfermagem uma profisso comprometida com a sade e a qualidade de vida da
pessoa, famlia e coletividade. O profissional de enfermagem atua na promoo,
preveno, recuperao e reabilitao da sade, com autonomia e em consonncia
com os preceitos ticos e legais. O profissional de enfermagem participa, como
integrante da equipe de sade, das aes que visem satisfazer as necessidades de sade
da populao e da defesa dos princpios das polticas pblicas de sade e ambientais,
que garantam a universalidade de acesso aos servios de sade, integralidade da
assistncia, resolutividade, preservao da autonomia das pessoas, participao da
comunidade, hierarquizao e descentralizao poltico-administrativa dos servios
de sade. O profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos
humanos, em todas as suas dimenses. O profissional de enfermagem exerce suas
atividades com competncia para a promoo do ser humano na sua integralidade, de
acordo com os princpios da tica e da biotica (BRASIL, 2012a).
Nota-se a importncia deste profissional na defesa dos direitos dos pacientes e suas
famlias. Com isso, destaca-se o reconhecimento da enfermagem no s como profisso pautada
no saber mdico, mas sim, como prtica autnoma, engajada com a responsabilidade de
preservar e prover o bem estar de seus pacientes, famlias e comunidades (CARNEVALE,
2012).
Ainda, em 1986, o decreto da Lei do Exerccio Profissional da Enfermagem consolidou
a identidade do profissional enfermeiro, estabelecendo as atividades privativas da profisso.
Reconhece-se o enfermeiro como responsvel pela organizao e direo dos servios de
Enfermagem e de suas atividades tcnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses
servios; responsvel pelo planejamento, organizao, coordenao, execuo e, a avaliao
dos servios de assistncia de Enfermagem. Ressalta-se ento, a importncia deste profissional
para a organizao dos servios de sade, bem como, a importncia do desenvolvimento de sua
autonomia, a qual s possvel por meio do conhecimento dos profissionais sobre a dimenso
tica de suas aes e da legislao que ampara a profisso (PEREIRA, 2013; Lei N 7.498/86).
Diante da dimenso tica do cuidado de enfermagem, Jamenton (1984) apontou
inicialmente para trs principais dimenses dos problemas ticos vivenciados que foram
identificados na literatura: a incerteza moral, definida como a dvida existente sobre o carter
tico correto da ao a ser tomada, mesmo que sem reconhec-lo; os dilemas morais, quando o
profissional defronta-se com a necessidade de escolher entre dois cursos de ao que possuem
carter igualmente tico; e o sofrimento moral, sendo este sentimento relacionado ao
impedimento de uma tomada de deciso que seja considerada eticamente correta pelo
26
profissional. Ressalta ainda, que a natureza da prtica de enfermagem um fator importante
para o aparecimento destas questes ticas.
Na prtica cotidiana, os enfermeiros podem sentir que no esto sendo capazes de
fornecer o cuidado adequado a seus pacientes por motivos como equipe insuficiente ou com
nvel inadequado de treinamento, controle da dor ineficaz em pacientes, fazem com que. O
aparecimento do sofrimento moral decorre quando as intenes desses profissionais so
dificultadas, ou impedidas, de serem executadas (CORLEY, 2002).
Baseados nos conceitos tericos sobre sofrimento moral, conflito de papis, e teoria
sobre valores e sistemas de valores, Corley et al. (2001), desenvolveram e avaliaram a aplicao
de uma escala que pudesse avaliar e mensurar o aparecimento do sofrimento moral em
trabalhadores de enfermagem. Aps diversas pesquisas, os autores finalizaram um instrumento
com 32 itens relacionados ao sofrimento moral, com sete respostas para os diferentes nveis,
variando entre pouco ou quase nunca (1) e alta intensidade (7). Os resultados encontrados
demostraram um total de 13 itens com intensidade maior do que cinco, como por exemplo,
equipe de trabalho insuficiente, obedecer ordens mdicas para realizao de exames
desnecessrios em pacientes terminais e tratamentos de sustentao de vida que prolongam a
morte.
No Brasil, um estudo de adaptao transcultural da escala para avaliao do sofrimento
moral (instrumento originalmente americano), feita por Barlem et al. (2013b), definiu quatro
principais motivos para o surgimento de sofrimento moral no cotidiano da enfermagem. So
eles: a negao do papel da enfermeira como advogada do paciente, a falta de competncia na
equipe de trabalho, o desrespeito autonomia do paciente e a obstinao teraputica.
Ainda no mesmo estudo, em seus resultados, os autores encontraram que a varivel falta
de competncia na equipe de trabalho foi a que apresentou maior frequncia, sendo este o fator
que provoca maior sofrimento moral nos participantes. Alm disso, o sofrimento das
enfermeiras estudadas apresentou maior ligao com o as aes relacionadas equipe mdica,
demonstrando uma possvel preocupao dessas profissionais em relao a atos de negligncia
e falta de comprometimento com o cuidado ao paciente
Em um estudo qualitativo que objetivou conhecer como os trabalhadores de
enfermagem vivenciam o sofrimento moral no exerccio da profisso, Dalmolin, Lunardi e
Filho (2009), encontraram que o ambiente de trabalho apresenta-se como uma fonte de
sofrimento moral. Relacionaram ao ambiente de trabalho, a falta de recursos materiais e
humanos, com subsequente delegao de funes de cuidado a familiares, e os conflitos gerados
pela dificuldade de relao multiprofissional existente. Alm disso, a ausncia de respeito ao
27
paciente, com sentimentos relacionados ao no comprometimento dos profissionais em relao
s informaes fornecidas aos pacientes, e a morte, com questes relacionadas negligncia, a
relao com a famlia em situao de morte, e o sentimento de perda e impotncia inerentes ao
processo de morte.
Investigando de que forma o sofrimento moral afeta os pacientes, Corley (2002), destaca
que os sentimentos de raiva e culpa, relacionados ao sofrimento moral, podem levar os
enfermeiros a evitarem os pacientes. Alm de evitar os pacientes, por vezes, os enfermeiros
tornam-se demasiadamente solcitos, por se sentirem culpados em relao ao que est
acontecendo com eles. Ainda, o aumento da dor em alguns pacientes, maior tempo de
internao devido assistncia inadequada, e a utilizao de tticas de enfrentamento como
fuga e distanciamento em uma tentativa de amenizar o sofrimento moral.
2.2 SOFRIMENTO MORAL NA ENFERMAGEM PEDITRICA E O CUIDADO S
CRIANES
De acordo com o Child and Adolescent Health Measurement Initiative (2012), cerca de
14,6 milhes de crianas e adolescentes com idades entre 0-17 anos nos Estados Unidos
(19,8%) tm necessidades especiais de sade. A prevalncia de CRIANES varia de 14,4% a
26,4% em todos os 50 estados e no Distrito de Columbia. Cerca de 65% das CRIANES possuem
necessidades de servios mais complexos, que vo alm de uma necessidade primria, como a
prescrio de medicamentos, para a manuteno da sua condio de sade. Em comparao
com crianas que no possuem necessidades especiais de sade (no-CRIANES), as CRIANES
so mais propensas a serem do sexo masculino (49,4% vs 58,1%) e mais velhas 12-17 anos
(43,2% vs 31,8%) (CAHMI, 2012).
No Brasil, no existem taxas epidemiolgicas oficiais referentes a esta clientela. Sabe-
se que as taxas de mortalidade caram, porm ainda grande o nmero de mortes de recm
nascidos nos primeiros 30 dias de vida, cerca de 57% (BRASIL, 2012b).
Alguns estudos regionais vm apontando para dados importantes referentes s
CRIANES no Brasil. Neves-Vernier e Cabral (2006), em um estudo realizado na regio Sul do
Brasil, demonstraram que 58,5% das crianas atendidas em servios de pediatria, em um
hospital escola, acabaram desenvolvendo algum tipo de necessidade especial de sade
relacionadas a causas perinatais, tais como: infeces neonatais; hipxia/anxia neonatal;
malformaes congnitas; prematuridade e doenas sindrmicas.
28
Um estudo realizado tambm no Sul do Brasil encontrou entre a clientela atendida em
um ambulatrio de pediatria, 16% de egressos da Unidade de Terapia Intensiva, sendo que estes
desenvolveram alguma necessidade especial de sade, constituindo-se de uma clientela
representativa neste servio. Na mesma pesquisa, verificou-se que os motivos mais recorrentes
de internao foram as causas respiratrias, prematuridade e disfunes neurolgicas, tendo sua
sobrevivncia garantida pela internao no servio de terapia intensiva (ARRU; et al., 2014).
Neves e Cabral (2009) descreveram em seu estudo trs fatores fundamentais para a
mudana do perfil epidemiolgico na infncia brasileira. So eles: condies nutricionais e
ambientais melhoradas na infncia; implementao de estratgias e programas de sade
voltados a reduo da mortalidade infantil, tais como, o Programa Nacional de Imunizao, que
reduziu as doenas infecciosas e imunoprevinveis; e, por ltimo, a utilizao das novas
tecnologias aplicadas a sade humana na recuperao de doenas na infncia.
Alm disso, o estado de sade cronificado devido a longos perodos de internao
hospitalar por doenas evitveis, as doenas complexas desenvolvidas aps um perodo extenso
de internao em terapias intensivas, e as malformaes congnitas resultantes em uma
necessidade de acompanhamento contnuo de servios de sade, so os trs fatores mais
importantes para a determinao das necessidades especiais de sade (NEVES; CABRAL,
2008).
As CRIANES foram classificadas em cinco tipos, de acordo com a tipologia de cuidados
que apresentam (CABRAL, 2004; NEVES-VERNIER; CABRAL, 2006; NEVES; CABRAL,
2008; MORAES; CABRAL, 2012). No primeiro tipo, encontram-se as crianas que demandam
algum cuidado especial relacionado sua condio motora ou de desenvolvimento; no segundo,
as crianas que necessitam de medicaes de uso contnuo para a manuteno de sua
sobrevivncia e qualidade de vida; no terceiro, aquelas que necessitam da utilizao de recursos
tecnolgicos, tais como sondas, cateteres semi-implantados, cnulas de traqueostomia, entre
outros; no quarto encontram-se aquelas que necessitam de cuidados habituais modificados para
sua sobrevivncia, necessitando de demandas para alm do requerido pelas crianas
habitualmente, e por fim, aquelas que possuem demandas mistas, apresentando todas essas
demandas ao mesmo tempo.
Considerando as diversas demandas que as CRIANES podem apresentar, Neves e
Cabral (2008) ressaltam que essas crianas possuem dois aspectos importantes a serem
considerados. O primeiro diz respeito fragilidade clnica que esta clientela apresenta, referente
aos diferentes diagnsticos complexos que possuem, associados ao elevado nmero de
internaes/reinternaes, com aumento da complexidade diagnstica a cada reinternao. O
29
segundo, refere-se vulnerabilidade social a que esto submetidas, uma vez que no so uma
clientela reconhecida pelo sistema de sade brasileiro, dificultando o estabelecimento de
polticas pblicas especficas que garantam e preservem a sua sobrevivncia e seu bem estar
social.
No momento da alta hospitalar, os cuidados necessrios para a sobrevivncia da
CRIANES passam a ser responsabilidade dos familiares. Silveira e Neves (2012), destacam que
o profissional de enfermagem deve preocupar-se em integrar a famlia no desenvolvimento
deste cuidado, por meio do estabelecimento de um dilogo que possa diminuir os obstculos
que esta famlia ir enfrentar.
As famlias, alm de sarem do hospital levando consigo suas crianas com necessidades
de cuidados complexos carregam uma grande responsabilidade que envolve a apreenso de
habilidades at ento desconhecidas, para cuidarem de seus filhos. Assim, o cuidado de
enfermagem deve enfatizar que estes cuidadores aprendam a executar tcnicas necessrias para
a realizao do cuidado de seus filhos no domicilio (GES; LA CAVA, 2009).
Diante do pressuposto da articulao sade e educao se torna responsabilidade dos
profissionais de sade praticar e atentar para a educao em sade como um processo de
construo de conhecimentos que visa apropriao sobre o tema pela populao em geral.
tambm considerada esta prtica como contribuinte para o aumento da autonomia das pessoas
no seu cuidado e no debate com os profissionais, para alcanar uma ateno na sade de acordo
com suas necessidades (CABRAL; AGUIAR, 2003).
Em seu estudo, Moraes e Cabral (2012) descreveram que a prtica da enfermagem no
contexto hospitalar relacionada s CRIANES, torna-se visvel diante da importncia do
enfermeiro como educador. A relao harmoniosa entre a me e a enfermeira, estabelece-se no
momento da transmisso de contedos mediados pelo modelo pedaggico baseado no
treinamento. Entretanto, ainda verifica-se a pouca valorizao dos saberes relacionais nos quais
baseiam-se os cuidados afetivos, causando uma invisibilidade deste profissional.
Todas essas questes apontam para a necessidade de que o cuidado a CRIANES seja
estudado mediante os mais diversos aspectos, sendo de fundamental importncia o
estabelecimento de aes pautadas na tica da enfermagem.
Rodrigues et al. (2013), relata que uma prtica da enfermagem crtica, coerente e
compromissada com a dignidade humana, direcionada a criana e sua famlia, necessita de uma
apropriao de conceitos ticos e bioticos que visem uma dimenso cientifica capaz de
acompanhar o desenvolvimento cientfico e tecnolgico que se apresenta no cotidiano de
cuidado.
30
Ainda, Rodrigues et al. (2013) destacam que:
A compreenso e a busca da soluo dos conflitos morais emergentes na atuao junto
criana hospitalizada e sua famlia se fundam na valorizao da vida humana como
um direito inalienvel e se pautam na experincia como algo significativo da relao
de quem cuida e cuidado como um projeto intencional e intersubjetivo
(RODRIGUES, et al., 2013, p. 745).
Carnevale et al. (2008) destacam que os modelos legais e ticos dominantes referentes
s crianas com cuidados contnuos e complexos, centram-se no estabelecimento do padro
tico sobre os melhores interesses da criana, bem como, o respeito pelas decises de tratamento
tomadas pelos pais da criana. Com isso, as consideraes ticas sobre interesses das famlias
como um todo tendem a ficar restritas aos momentos crticos de tomada de decises. Ressalta-
se, ento, que as preocupaes cotidianas, os dilemas e o sofrimento moral vivenciado por essas
crianas, seus irmos, pais, e profissionais de sade, precisam ser iluminadas e discutidas por
pesquisas futuras.
31
3 PERCURSO METODOLGICO
3.1 ARTIGO 1. METODOLOGIAS QUALITATIVAS EM PESQUISA NA SADE:
REFERENCIAL INTERPRETATIVO DE PATRICIA BENNER
Qualitative methodologies in health research: interpretive framework of Patricia
Benner2.
Metodologas cualitativas en investigacin en salud: referencial interpretative de
Patricia Benner
Rassa Passos dos SantosI, Eliane Tatsch NevesI, Franco CarnevaleII
I Universidade Federal de Santa Maria, Programa de Ps-Graduao em Enfermagem. Santa Maria-RS, Brasil. II McGill University, Ingram School of Nursing, Montreal Children's Hospital. Montreal, Canada.
Como citar este artigo:
Santos RP, Neves ET, Carnevale F. Qualitative methodologies in health research: interpretive
referential of Patricia Benner. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):178-82. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690125i
Submisso: 16-04-2015 Aprovao: 27-08-2015
RESUMO
Objetivo: este artigo relata a experincia de utilizao do referencial fenomenolgico
interpretativo de Patricia Benner em uma pesquisa de dissertao de mestrado. A
fenomenologia interpretativa, pautada em referenciais filosficos existenciais e de
interpretao, possui como objetivo compreender as experincias humanas nos diversos
mundos dos participantes da pesquisa. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com
nove enfermeiros, nos meses de novembro e dezembro de 2014. Resultados: o processo de
anlise dos dados, de acordo com o referencial de Benner, segue os passos: transcrio,
codificao, anlise temtica e busca por casos paradigmticos e exemplares. Para tanto, os
conhecimentos prvios dos pesquisadores fazem parte da estrutura do projeto interpretativo,
constituindo as vias de conduo do estudo. Concluso: o uso desse referencial terico e
metodolgico constituiu-se em um desafio para a pesquisadora, porm demonstrou potencial
2Artigo publicado no Peridico Revista Brasileira de Enfermagem na edio 01 de jan-fev de 2016 Deciso
editorial (ANEXO B)
32
mpar para o desvelamento de fenmenos existenciais relacionados ao cotidiano dos
participantes.
Descritores: Metodologia; Mtodo; Pesquisa Qualitativa; Enfermagem; tica em Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: this article reports on the experience of using the interpretive phenomenological
framework of Patricia Benner in a Brazilian context. Benners interpretive phenomenology,
based on existential and interpretative philosophy, aims to understand human experiences in
the particular worlds of research participants. Data were collected through interviews with nine
nurses in November and December 2014. Results: data analysis process according to Benners
framework consisted of: transcription, coding, thematic analysis, and search for paradigmatic
cases and examples. Therefore, the prior knowledge of the researcher is an important part of
the study, consisting in manners of the research conduction. Conclusion: The use of this
methodological framework entailed a great challenge for the researcher, however, it also
enabled a unique opportunity to illuminate important existential phenomena related to the daily
lives of research participants.
Keywords: Methodology; Method; Qualitative Research; Nursing; Nursing Ethics.
RESUMEN
Objetivo: este artculo relata la experiencia de utilizacin del referencial fenomenolgico
interpretativo de Patricia Benner en una investigacin de disertacin de maestra. LA
fenomenologa interpretativa, pautada en referenciales filosficos existenciales y de
interpretacin, posee como objetivo comprender las experiencias humanas en los diversos
mundos de los participantes de la investigacin. Los datos fueron recogidos por medio de
entrevistas con nueve enfermeros, en los meses de noviembre y diciembre de 2014. Resultados:
el proceso de anlisis de los datos, de acuerdo con el referencial de Benner, sigue los pasos:
transcripcin, codificacin, anlisis temtico y bsqueda por casos paradigmticos y
ejemplares. Para tanto, los conocimientos prvios de los investigadores forman parte de la
estructura del proyecto interpretativo, constituyendo las vas de conduccin del estudio.
Conclusin: el uso de ese referencial terico y metodolgico constituye en un desafo para la
investigadora, sin embargo demostr excelente potencial para el desarrollo de fenmenos
existenciales relacionados al cotidiano de los participantes.
Palabras clave: Metodologa; Mtodo; Investigacin Cualitativa; Enfermera; tica en
Enfermera.
33
INTRODUO
O reconhecimento da pesquisa qualitativa no campo das cincias da sade, bem como a
sua popularidade, tem aumentado de maneira significativa nas ltimas dcadas(1-2). Sabe-se que,
historicamente, a abordagem quantitativa foi predominante na rea da sade, sendo de extrema
importncia para o entendimento de dados sobre populaes, questes relacionadas a doenas,
e a ocorrncia de certos problemas de sade(2).
O crescimento da popularidade da pesquisa qualitativa vem demonstrando uma crise
nas avaliaes epidemiolgicas tradicionais conhecidas nas cincias da sade. A pesquisa
qualitativa, amplamente narrativa, firma-se, fundamentalmente, em dados baseados na
linguagem e comportamento, os quais a relevncia no significativa atravs de clculos
numricos e procedimentos estatsticos(3).
Nesse contexto, diversas tradies qualitativas emergiram, tais como teoria
fundamentada nos dados, fenomenologia, hermenutica, etnografia, teorias feministas, ps-
estruturalismo crtico, etnometodologia, ps-moderna, narrativas, entre tantas outras. Cada uma
delas possui metodologias distintas e especficas para coleta e anlise dos dados(4).
A fenomenologia, iniciada por Husserl, nasce como um movimento filosfico que se
preocupa com a dimenso subjetiva dos fenmenos presentes na natureza humana e possui,
nesse momento, um carter puramente descritivo. Neste processo, o foco descrever os
fenmenos da forma como eles apresentavam-se em sua essncia. Husserl estava interessado
em conhecer os fenmenos da existncia humana atravs da percepo(5).
Na fenomenologia hermenutica, Heidegger acrescenta s ideias de Husserl a noo de
estar no mundo como a forma na qual os seres humanos esto situados significativamente no
mundo atravs do tempo. Ainda, Heidegger afirma que a interpretao constitui-se em um
processo crucial para chegar compreenso. Este processo interpretativo alcanado atravs
do crculo hermenutico, que se move das partes da experincia para o todo, e volta-se para as
partes, e assim por diante, dando profundidade compreenso(5).
Dentre os diversos campos de investigao fenomenolgica, este artigo tem como
objetivo relatar a experincia de utilizao da metodologia qualitativa interpretativa com o
referencial de Patricia Benner. Trata-se de uma pesquisa vinculada a uma dissertao de
mestrado, intitulada: Sofrimento moral e as vivncias morais de enfermeiros que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade, a qual foi desenvolvida em um perodo de
estgio sanduche na Universidade McGill, em Montreal, Canad, sob orientao do professor
Dr. Franco Carnevale. Essa dissertao encontra-se em fase de concluso e foi aprovada pelo
comit de tica em pesquisa da instituio.
34
A FENOMENOLOGIA INTERPRETATIVA DE PATRICIA BENNER
O mtodo fenomenolgico interpretativo, descrito por Benner, pauta-se nos conceitos
filosficos de busca pela compreenso da condio humana, das experincias vividas e das
formas sobre como ns conhecemos e compreendemos o mundo(6). Estes conceitos so
advindos da fenomenologia existencial dos filsofos Kierkegaard, Heidegger, Merleau-Ponty,
Wittgenstein, Dreyfus e Taylor, bem como da hermenutica tradicional(6).
Com o objetivo de estudar os fenmenos em sua essncia, o fenmeno e o seu contexto
estruturam o projeto interpretativo de compreenso do mundo dos participantes e dos eventos
referentes a ele. O pesquisador interpretativo deve criar um dilogo entre os conceitos prticos
e as experincias vividas ligando raciocnio e imaginao ao mundo dos participantes(6).
Ao utilizar-se do mtodo fenomenolgico interpretativo, o pesquisador busca
compreender o mundo dos conceitos, hbitos e prticas apresentadas por meio das narrativas
dos participantes e de aes especficas. Estas compreenses so, ento, utilizadas para
contrastar similaridades e diferenas inseridas nas falas dos participantes e em aes
especficas(6).
Compreender as inquietaes humanas, os significados, a aprendizagem experiencial, o
comportamento prtico hbil do dia a dia, quando eles esto funcionando sem problemas ou
esto em crise, o objetivo em oposio explicao ou previso por meio de leis casuais e
proposies tericas formais(6). Desta forma, reconhece-se que, nas cincias humanas, a
compreenso torna-se mais rica do que apenas a explicao, tendo em vista que a compreenso
liga-se mais profundamente s experincias humanas e seus significados(6).
Para Benner, os pesquisadores interpretativos devem interessar-se pelas distines e
afinidades entre os diversos mundos dos participantes estudados. Para isso, deve compreender
em que condies humanas, e os pontos em comum, essas semelhanas se tornam possveis.(6)
Benner(6) descreve cinco fontes de semelhanas que devem ser exploradas pelo
pesquisador interpretativo nas narrativas dos participantes:
1) Situao: compreenso de como os indivduos colocam-se nas diversas situaes,
considerando sua histria e contexto atual;
2) Corporeidade: compreenso dos indivduos como um corpo dotado de conhecimentos,
prticas e habilidades;
3) Temporalidade: considera a experincia vivida como uma maneira de projetar-se no futuro
e compreender-se no passado, porm no de uma maneira linear, e sim considerando a
experincia vivida na sua temporalidade;
35
4) Preocupaes: a maneira como o indivduo est situado significativamente na situao, o
que realmente importa para a pessoa;
5) Significados em comum: significados lingusticos e culturais comuns que se apresentam e
mostram quais seriam os possveis problemas, acordos e desacordos entre as pessoas(6).
Nesse sentido, os conhecimentos prvios dos pesquisadores fazem parte da estrutura do
projeto interpretativo, constituindo as vias de conduo do estudo. Para isso, o pesquisador
precisa desenvolver a habilidade de engajar-se, por meio do raciocnio clnico, nas diversas
situaes narradas pelos participantes. Entretanto, parte central nesse processo que o
pesquisador tenha a habilidade de manter um movimento constante de ida e volta a seus
conceitos inicias, compreendendo que dvidas e interpretaes equivocadas fazem parte do
processo de busca por uma compreenso o mais ampla possvel(6).
PROCEDIMENTOS DE COLETA, ORGANIZAO E ANLISE DOS DADOS
Para o desenvolvimento do projeto de pesquisa, teve-se como objetivo inicial
compreender as vivncias de sofrimento moral de enfermeiros que cuidam de crianas com
necessidades especiais de sade. A elaborao desse objetivo deu-se a partir da pergunta de
pesquisa: como o sofrimento moral se apresenta no cotidiano de trabalho de enfermeiros que
cuidam dessas crianas? Este estudo teve sua coleta dos dados realizada nos meses de novembro
e dezembro de 2014.
O fenmeno e o seu contexto conformam o projeto interpretativo de entender o mundo
vivido dos participantes da pesquisa. Nas bases da linha de investigao, o pesquisador pode
utilizar-se de fontes de texto e um grupo de situaes que podem incluir entrevistas individuais
ou em grupo, observao participante, documentos, entre outras fontes de dados. Ainda, por
buscar a compreenso, mltiplas entrevistas so possveis para que o entrevistador tenha a
oportunidade de revisar cuidadosamente e revisitar o material para o desenvolvimento de uma
prxima entrevista. Isso permite que o pesquisador e o participante tenham uma segunda chance
na busca pela compreenso do fenmeno e tantas outras quantas forem necessrias(6).
Utiliza-se a entrevista como uma estratgia pela qual o pesquisador poder acessar o
mundo do participante, buscando a compreenso do objeto de estudo inserido no contexto do
vivido(6). O objetivo da entrevista, na fenomenologia interpretativa, estabelecer um dilogo
verdadeiro entre pesquisador e participante. Nesse movimento dialgico, o pesquisador est
imerso no compromisso de ouvir e representar a voz do participante. Assim, o pesquisador
precisa desenvolver um processo crtico-reflexivo, possibilitando uma abertura entre este e o
36
participante do estudo; alm de exercitar a habilidade de ouvir questionamentos e enfrentar
desafios para as suas questes iniciais da pesquisa, as quais ele no considerava previamente
ao encontro com o contexto do estudo(6).
A utilizao da entrevista, com o intuito de reconhecer e dar a voz aos participantes da
pesquisa, foi desenvolvida buscando o relato das histrias de seus mundos e conceitos prticos
a fim de que eles descrevessem, de forma natural, a sua prtica cotidiana de cuidado. O papel
do relato das histrias central na fenomenologia interpretativa, pois quando as pessoas
constroem suas prprias histrias, elas podem imergir em suas experincias mais imediatas, e
o risco de se criar generalizaes ou ideologias diminudo(6).
Os momentos de entrevistas exigiram concentrao e escuta atentiva da pesquisadora,
uma vez que os participantes, em suas individualidades, variaram entre aqueles que tinham
muito a dizer, o que necessitou por parte da pesquisadora uma escuta cautelosa para que o objeto
de estudo continuasse a perpassar e permear o dilogo e, tambm, aqueles que responderam de
forma objetiva, necessitando um esforo por parte da pesquisadora para que o objeto de estudo
fosse aprofundado, porm sem interferncia de conceitos preestabelecidos pela pesquisadora
na fala dos participantes. Para tanto, questes como: como foi isso pra voc?; voc poderia
me explicar mais sobre isso?; o que voc acha que isso significa pra voc?; foram utilizadas
para que os participantes pudessem imergir mais profundamente em suas experincias, dando
clareza narrativa.
Durante esse processo, houve momentos de incerteza e preocupao por parte da
pesquisadora em relao ao alcance dos objetivos da pesquisa. Este momento exigiu
concentrao, momentos de leitura, bem como reunies com os professores orientadores, os
quais destacaram que a conduo das entrevistas estava ocorrendo de maneira satisfatria.
Porm, o movimento de busca pelo objeto de estudo para os fenmenos apresentados pelos
participantes deveria ser explorado o mximo possvel. O dilogo interpretativo comea com a
primeira entrevista e, a partir disso, a coleta dos dados, a investigao e a anlise no caminham
mais separados, permitindo que o pesquisador estabelea linhas de investigao constitudas
pelos prprios dados empricos, assegurando a qualidade da pesquisa(6).
Dessa forma, reconhece-se que, para alm das dimenses do objeto de pesquisa inicial,
existiam outras dimenses ampliadas que foram descritas pelos participantes, em um
movimento no qual a questo de pesquisa lanada, inicialmente, fosse confrontada. Isto
propiciou espao e oportunidade para que o fenmeno estudado mostrasse as suas diversas
facetas. Neste sentido, as entrevistas foram conduzidas de maneira a ouvir o que importava para
os participantes, engajando-se na necessidade de ouvi-los.
37
Isto significa que nem sempre suas falas estavam centradas no sofrimento moral,
entretanto, houve um interesse por parte da pesquisadora em aprofundar os pontos pertinentes
para os participantes, considerando os conhecimentos prvios da mesma quanto s questes
ticas do cuidado. Nesse sentido, as narrativas dos participantes trouxeram situaes de
sofrimento moral, relacionadas, por exemplo, ao sentimento de impotncia referente
impossibilidade de uma tomada de atitude que diminua a dor da criana, a dificuldade em lidar
com a morte na infncia, as dificuldades na relao com a equipe mdica, entre outros. Ainda,
no movimento de compreenso, situaes associadas satisfao profissional ao ver o retorno
positivo do tratamento da criana, o sentimento de compartilhamento de dilemas com os colegas
de trabalho que reafirma a moralidade das aes da enfermagem e a agncia moral dos
enfermeiros em relao aos pacientes peditricos, advogando em prol do bem-estar da criana,
foram analisadas e includas nos resultados como uma dimenso que amplifica a compreenso
sobre o sofrimento moral e o engajamento dos enfermeiros que cuidam de crianas com
necessidades especiais de sade.
Esse momento configura-se como um momento fundamental na fenomenologia
interpretativa, pois reafirma que a anlise dos dados no se constitui de uma etapa que ocorre
isolada do momento de coleta. Isto porque o pesquisador utiliza-se de seus conhecimentos
anteriores para desenhar os rumos da pesquisa, porm compromete-se com a no imposio de
pressupostos aos fenmenos estudados, permitindo que os mesmos assumam diversas
conformidades(6). Na investigao hermenutica, h sempre uma preocupao em desenvolver
um movimento cclico corretamente, considerando a maneira como o pesquisador
compreendia o fenmeno anteriormente. Entretanto, necessrio que este esteja aberto a
respeitar a possibilidade de que o fenmeno estudado mostre-se de formas diferentes durante a
interpretao(7).
Ao final do processo de coleta de dados, nove entrevistas foram realizadas. O momento
de encerrar as entrevistas, em uma abordagem fenomenolgica, pode ser entendido como aquele
em que as falas dos participantes possuem estruturas suficientes para que a compreenso do
objeto de estudo obtenha a mxima clareza, tendo, assim, os seus sentidos desvelados e os
objetivos alcanados(8).
Aps a transcrio das entrevistas, houve, primeiramente, uma leitura inicial e
superficial de cada uma delas. Em seguida, foi realizada uma leitura atentiva e cuidadosa de
cada uma das entrevistas em separado para que a essncia de cada um dos participantes pudesse
ser captada. A leitura individual de cada entrevista constitui-se em uma etapa importante na
38
fenomenologia interpretativa, uma vez que se busca pela apreenso dos significados dos
fenmenos em sua individualidade, considerando a subjetividade de cada participante(6).
A leitura de toda a entrevista feita para que se tenha um entendimento global sobre a
histria e, em seguida, tpicos, preocupaes e eventos so selecionados para uma leitura mais
detalhada do texto(6). Nesta etapa, busca-se atravs da leitura cautelosa encontrar em cada uma
das entrevistas cdigos que identifiquem partes importantes a serem observadas no texto. Os
cdigos correspondem a um olhar mais focado em uma parte especfica da narrativa, podendo-
se fazer uma analogia ao que seria um zoom ptico em uma determinada parte do texto. A
codificao ocorreu em todas as entrevistas separadamente.
Destaca-se que o processo de codificao no teve fim nesta etapa, sendo que, a cada
novo olhar da pesquisadora sobre os dados apresentados pelas entrevistas, os cdigos podiam
ser alterados, visto que o processo de interpretao no possui um limite estabelecido de incio,
meio e fim, mas, sim, conforma-se como um processo cclico de compreenso, interpretao, e
crtica(6). Deve-se criar um movimento sistemtico entre as partes e o todo do texto, permitindo
que o pesquisador verifique a existncia de incongruncias e unifique conceitos repetidos(6).
Durante essa etapa, houve por parte da pesquisadora um reconhecimento de que as
vivncias descritas pelos participantes possuam uma amplitude de significados para alm do
sofrimento moral. Dessa maneira, percebeu-se que para alm das vivncias de sofrimento
moral, os participantes trouxeram em suas falas diversas situaes envolvendo vivncias morais
que no podem ser desconectadas para a compreenso de uma forma o mais profunda possvel.
Ressalta-se que a explicao sobre os conceitos de sofrimento moral e vivncia moral vo alm
dos objetivos deste trabalho, portanto, no sero abordadas nesse momento.
Assim, alm dos fenmenos relacionados ao sofrimento moral, as situaes descritas
pelos participantes referentes s vivncias morais tambm foram analisadas nesta pesquisa,
revelando-se como um novo objeto de estudo. Esse movimento de extrema importncia, pois
se considera que o design do projeto interpretativo deve possuir abertura suficiente para que as
questes iniciais do pesquisador sejam confrontadas, alteradas e reformuladas ao longo do
processo de interpretao(6).
Aps a codificao de cada entrevista, foi elaborado um resumo para cada uma das
narrativas dos participantes, utilizando-se os itens codificados. O resumo das entrevistas
possibilita que o pesquisador, apesar de focado em partes importantes do texto, no
desconsidere o todo, facilitando o movimento de ida e vinda entre as partes importantes
destacadas e o todo, processo esse de extrema importncia na interpretao.
39
Ao final da codificao de cada entrevista, os cdigos semelhantes foram agrupados em
categorias dentro das entrevistas. Essas categorias de significado constituram-se do
agrupamento dos cdigos que descreviam situaes relacionadas aos mesmos fenmenos
descritos pelos participantes.
Para a anlise, tem-se como estratgia identificar estruturas e processos presentes nas
narrativas, que so aspectos que apresentam semelhanas e contrastes nos diversos mundos dos
participantes. Com isso, objetiva-se na leitura minuciosa e atentiva dos textos a busca por casos
paradigmticos e exemplares(6).
Os casos paradigmticos constituem-se de exemplos slidos de conceitos ou padres
particulares. Ao identificar um caso paradigmtico, o pesquisador tem a possibilidade de
entender como os conceitos so colocados em prtica no mundo vivido, sendo este caso uma
possibilidade de um entendimento o mais amplo possvel da percepo do fenmeno(6). Os casos
paradigmticos auxiliam o pesquisador interpretativo por meio de um exemplo rico de
significados advindos da narrativa da vivncia do participante que amplificam a compreenso
sobre como um determinado fenmeno pode ocorrer(9). Neste estudo, dois casos paradigmticos
foram encontrados, os quais auxiliaram a elucidar como as vivncias morais dos enfermeiros
apresentam-se a partir dos diversos nveis de engajamento desses profissionais em sua prtica
assistencial.
Os casos exemplares, por sua vez, auxiliam o pesquisador a demonstrar intenes e
conceitos dentro dos diversos contextos e situaes em que o objetivo atribudo sobre a situao
pode ser diferente(8). A maior da parte da anlise desse estudo baseia-se na compreenso dos
exemplares encontrados nos textos. Uma vez que o pesquisador tenha encontrado padres de
significados e situaes em comum, os exemplares devem ser extrados do texto para
demonstrar as semelhanas e diferenas entre as experincias vividas encontradas nas narrativas
dos participantes(6).
Aps a anlise interpretativa de cada uma das entrevistas, volta-se o olhar para o todo
buscando por temas que abranjam o conjunto. A anlise temtica na fenomenologia
interpretativa possui o objetivo de procurar por padres de significados, exemplos ou conceitos
que devem ser considerados mais do que apenas unidades elementares, como palavras ou
frases(6). Alm disso, tem-se na anlise temtica a tentativa de articular as compreenses amplas
advindas da constante comparao e leitura lado a lado de diferentes casos paradigmticos e
exemplares(7). Neste estudo, quatro temas relacionados s vivncias morais foram elencados e
descritos na anlise dos dados.
40
CONCLUSO
A utilizao da fenomenologia interpretativa para o desvelamento e compreenso do
objeto desta pesquisa demonstrou ser um referencial terico e metodolgico rico, alm de
potencialmente capaz de contribuir para o melhor entendimento da prtica de enfermagem
relacionada ao cuidado tico em pediatria. Verificou-se que a utilizao da interpretao
pautada no referencial de Benner desvelou significados ainda no explorados e que foram
identificados com importantes repercusses no cuidado de enfermagem, bem como na
qualidade de vida das crianas com necessidades especiais de sade.
Ainda, a utilizao do referencial apresentou diversos desafios relacionados
necessidade de traduo livre de conceitos devido ao fato de ainda no existirem tradues
oficiais desse referencial na lngua portuguesa.
Destaca-se que este referencial preocupa-se em compreender experincias humanas,
como tambm os significados dessas experincias para os diversos atores dos cenrios de
estudo, posicionando os seres humanos como centro da investigao. Desta forma, alm da
enfermagem, diversos campos de investigao podem interessar-se por essa metodologia para
o alcance de seus objetivos.
Sugere-se que outros estudos utilizando este referencial sejam realizados no Brasil com
vistas possibilidade de contribuio para a Cincia da Sade e da Enfermagem, bem como
outras pesquisas que busquem a compreenso das habilidades, conceitos, prticas, e mundos
dos diferentes atores no campo da sade.
REFERNCIAS
1. Macdonald ME. Growing quality in qualitative health research. IJQM. 2009; 8(2). [cited 2015 Feb 21]. Available from: http://ejournals.library.ualberta.ca/index.php/IJQM/article/view/6395/5399
2. Hills M. Human Science research in public health: The contribution and assessment of a qualitative approach. Can J Publ Health 2000; 91(6): I4 I7. [cited 2015 Feb 21]. Available from:
http://journal.cpha.ca/index.php/cjph/article/viewFile/35/35
3. Eakn JM, Mykhalovskiy E. Reframing the evaluation of qualitative health research: reflections on a review of appraisal guidelines in the health sciences. Journal of Evaluation in Clinical Practice.
2003; 9 (2): 187194. [cited Feb 21]. Available from:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1046/j.1365-2753.2003.00392.x/epdf
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https://www.ualberta.ca/~iiqm/backissues/2_3final/pdf/laverty.pdf
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41
7. Benner P, Tanner CA, Chesla CA. Expertise in nursing practice: Caring, clinical judgement, and ethics. 2nd ed. New York: Springer; 2009.
8. Paula CC, Padoin SMM, Terra MG, Souza IEO, Cabral IE. [Driving modes of the interview in phenomenological research: experience report.] Rev Bras Enferm. 2014; 67(3): 468-72. Portuguese.
[cited 2015 Feb 21]. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n3/0034-7167-reben-67-
03-0468.pdf
42
3.2 CARACTERIZAO DO CENRIO E DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO
Por meio da literatura existente, e conhecimento pessoal da pesquisadora considerou-
se, nessa esta pesquisa, as unidades de internao peditricas como locais de grande convvio
dos enfermeiros com as crianas com necessidades especiais de sade e suas famlias, uma vez
que, caracterizam-se como crianas que possuem um grande nmero de
internaes/reinternaes, bem como internaes de longa durao, devido ao seu estado de
sade fragilizado (NEVES E CABRAL 2008). Isto posto, v-se nas unidades hospitalares um
cenrio rico em vivncias morais vindas do cotidiano de cuidado desses profissionais
relacionados a esta clientela. Alm disso, o cenrio hospitalar por constituir-se de um cenrio
complexo, de alta demanda tecnolgica, apresentando aos enfermeiros situaes complexas de
cuidado, e que requerem grande demanda de tomada de deciso por parte desses profissionais.
Para a realizao desse estudo, foram elencadas trs unidades hospitalares de internao
peditrica de um hospital do sul do Brasil. So elas: Unidade de Internao Peditrica (UIP),
Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e Unidade de Terapia Intensiva Peditrica
(UTIP).
Esta instituio trata-se de um hospital de mdio porte, pblico, federal, que atende
mdia e alta complexidade desde sua fundao, em 1970. referncia em sade para a regio
centro-oeste do Rio Grande do Sul. Caracteriza-se como hospital de ensino, com sua ateno
voltada para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e extenso, e assistncia em sade
(HUSM, 2014).
A UIP situa-se no sexto andar do hospital, possui dezesseis leitos distribudos em uma
enfermaria de trs leitos, duas enfermarias de cinco leitos, uma enfermaria de dois leitos e um
quarto com um leito para isolamento.
A equipe de enfermagem da UIP formada por sete enfermeiras, treze auxiliares de
enfermagem e dez tcnicos de enfermagem distribudos nos diferentes turnos, alm disso, conta
com mdicos, fisioterapeutas, psicloga, nutricionista, fonoaudiloga, terapeuta ocupacional,
assistente social e odontlogo.
A UTIN possui dezoito leitos distribudos em alto risco (1-10) e risco intermedirio (11-
18). Ainda, dentre os leitos de alto risco ressaltasse que trs destes esto destinados a pacientes
externos e/ou que necessitem de isolamento, existindo sala especfica para esta populao. A
equipe composta por dez mdicos, dois fisioterapeutas, uma psicloga, onze enfermeiros e
trinta e oito tcnicos e auxiliares de enfermagem.
43
A UTIP possui cinco leitos todos de alto risco sendo dois desses utilizados como
isolamento quando necessrio. A equipe possui sete mdicos, dois fisioterapeutas, uma
psicloga, seis enfermeiros e dezesseis tcnicos e auxiliares de enfermagem.
Destaco que as trs unidades ficam localizadas no mesmo andar do hospital cenrio
dessa pesquisa. Apesar de terem peculiaridades referentes a cada um dos servios, estas
unidades atuam de forma quase que integrada, na qual existem movimentos de ida e vinda dos
pacientes, bem como, comunicao frequente entre membros das diferentes equipes.
Os participantes desse estudo foram enfermeiros que pertenciam ao quadro funcional
efetivo das unidades de internao e cuidado intensivo peditrico e neonatal do referido
hospital. Foram excludos desse estudo enfermeiros que se encontrassem em afastamento por
motivos de atestado mdico ou frias, durante o perodo de coleta de dados.
Registro que a aproximao com os ambientes teve facilidades e desafios de acordo com
as singularidades de cada um. Na aproximao com a UIP, no encontrei dificuldades pela
familiaridade com o ambiente devido realizao de estgios curriculares e extra curriculares
na unidade. Essa familiaridade proporcionou-me possibilidade de utilizar salas separadas, bem
como a empatia com a equipe como um todo.
Nos cenrios de UTIN e UTIP, apesar de no serem completamente desconhecidos,
devido a conexo existente entre as trs unidades no mesmo andar, vi-me com um novo
indivduo, criando a necessidade de ambientar-me mais ainda nesses servios. Por meio de
diversas visitas para apresentao dos objetivos da pesquisa, bem como mediante autorizao
da chefia de enfermagem do servio para a realizao do estudo, apresentei-me para os
enfermeiros como aluna do curso de mestrado e ressaltei as possveis contribuies da pesquisa,
tais como a construo de um conhecimento que possa aperfeioar o cuidado em enfermagem
peditrica.
Assim, considero que fui bem recebida pelos servios, no possuindo dificuldades de
ambientao e conduo da pesquisa. A empatia j existente e reforada pela aproximao
gerou confiana e expectativa pelos enfermeiros das unidades, ao referirem-se ao projeto como
algo importante e que pode trazer benefcios para a prtica assistencial da enfermagem
peditrica.
A escolha dos participantes foi feita de forma intencional, considerando as suas
diferentes caractersticas de tempo de servio, tempo de formao, idade e sexo. A escolha
intencional da amostra em pesquisa qualitativa explica-se pelo carter de busca de
entendimento, o maior possvel, do fenmeno que est sendo estudado. Para tal, necessrio
que a amostra seja constituda de casos ricos em informaes passveis de desvelar o fenmeno
44
que se objetiva no projeto qualitativo (MINAYO, 2010). Alm disso, considerando-se o
objetivo de desvelar os pontos em comum e as diferenas dos diversos mundos participantes da
pesquisa interpretativa (BENNER, 1994), a escolha intencional dos enfermeiros contempla os
objetivos do projeto interpretativo.
Os enfermeiros foram convidados a participar do estudo, mediante convite feito
pessoalmente pela pesquisadora, em seus respectivos locais de trabalho. No momento do
convite, foi informado aos participantes que a entrevista no precisava ocorrer naquele
momento, e que o local para a realizao poderia ser em outro local de sua livre escolha. Este
momento configurou-se como o primeiro momento de aproximao da pesquisadora com os
participantes, e a postura disponvel e flexvel da pesquisadora foi importante para que vnculo
com os participantes fosse estabelecido. Foi explicado tambm, que devido a metodologia
utilizada para esta pesquisa, os enfermeiros precisariam reservar em torno de uma hora para a
realizao da entrevista, evitando assim que possveis interrupes comprometessem a
qualidade dos dados coletados, bem como, possveis constrangimentos para os participantes.
No entanto, todos os enfermeiros dessa pesquisa solicitaram que a pesquisadora
retornasse aos seus locais de trabalho para a realizao da entrevista em um outro momento que
considerassem mais oportuno para eles, como por exemplo, quando estivessem acompanhados
por outro colega enfermeiro, ou durante plantes noturnos, nos quais a disponibilidade de tempo
para a realizao da entrevista seria maior. Duas entrevistas precisaram ser remarcadas, mais
de uma vez, pelo fato de que os participantes haviam esquecido do encontro com a
pesquisadora. Este momento configurou-se como um grande desafio para a pesquisadora, pois
foi necessria pacincia e dedicao para que o vnculo criado no fosse rompido, garantindo a
participao e colaborao dos enfermeiros na pesquisa.
As entrevistas ocorreram em diversos turnos de trabalho dos enfermeiros, em suas
respectivas unidades de atuao. Foi necessrio que a pesquisadora providenciasse uma sala
reservada nas unidades para a realizao das entrevistas, garantindo privacidade e conforto aos
participantes do estudo. Ainda, mesmo que em sala reservada, algumas entrevistas tiveram
momento de interrupo por ser uma sala de uso comum da equipe da unidade. Entretanto, no
foram consideradas interrupes que comprometessem a qualidade dos dados.
As nove entrevistas realizadas foram transcritas, sob dupla transcrio independente
(pesquisadora e aluno de iniciao cientfica), e totalizaram cerca de seis horas de udio. Esse
processo importante para que possveis erros durante a transcrio possam ser corrigidos
atravs da comparao das narrativas transcritas.
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3.3 COLETA E ANLISE DOS DADOS
Benner considera que o mundo e preocupaes prticas dos participantes devem
disparar as questes iniciais (BENNER, 1994). Assim, para que o dilogo fosse iniciado, a
seguinte questo foi colocada aos participantes: referente ao seu dia-a-dia aqui na unidade
(peditrica, neonatal, intensiva peditrica) voc poderia me contar sobre alguma situao em
que voc sentiu que sabia qual era a atitude correta a ser tomada, porm por algum motivo,
sentiu-se impedido de realizar essa ao. Ao utilizar-se de uma pergunta ampla e aberta,
buscou-se pelas situaes nas narrativas referentes ao sofrimento moral. Todavia, destaca-se
que, na pergunta, no est implicada a obrigatoriedade de que os participantes tivessem de fato
alguma vivncia relacionada a este fenmeno, mantendo a fidelidade com a metodologia
utilizada.
No momento da coleta dos dados, senti tambm a necessidade de refazer algumas
entrevistas, para que tivesse uma segunda chance de dar mais clareza s narrativas, pois
acreditava que isso poderia ajudar na compreenso sobre porque o sofrimento moral no era o
nico foco das narrativas dos participantes. Entende-se que, o projeto interpretativo tem o
objetivo de desvelar os fenmenos estudados o mais claramente possvel. Para tal, considera a
possibilidade de que mltiplas entrevistas sejam realizadas com o mesmo participante,
constituindo-se essa de uma nova chance para o pesquisador rever pontos que no ficaram
claros, desfazer possveis desentendimentos, e avanar na compreenso do mundo dos
participantes da pesquisa (BENNER, 1994).
Destaco, que no momento da realizao da primeira entrevista, todos os participantes
foram esclarecidos sobre a possibilidade de uma nova entrevista ser realizada. A partir disso,
acionei um dos participantes para uma nova entrevista, e expliquei a situao. A entrevista foi
realizada duas semanas aps a primeira, na mesma sala, durante o planto.
Durante a entrevista, percebi que as situaes descritas pela participante continham o
mesmo teor de significados da entrevista anterior, descrevendo situaes cotidianas
relacionadas aos fenmenos j citados anteriormente. Entendeu-se, que novas entrevistas para
o mesmo participante, no trariam mudanas notveis na qualidade dos dados da pesquisa.
A anlise realizada compreende duas etapas do processo interpretativo: a anlise
compreensiva e anlise interpretativa. Na anlise compreensiva, os significados presentes nas
narrativas dos participantes so descritos, utilizando-se a descrio dos exemplares encontrados
nos dados. Na anlise interpretativa, considera-se que existe um salto no nvel de abstrao da
anlise realizada, onde os significados descritos pelos participantes passam a ter sentido a partir
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da utilizao dos conhecimentos prvios da pesquisadora. Na interpretao, existe o
compromisso pelo alcance dos sentidos e a busca por padres que possam desvelar a
compreenso sobre como o fenmeno pesquisado vivenciado pelos participantes. Assume-se
que os momentos de compreenso e interpretao no ocorrem separadamente, porm,
constituem-se de nveis diferentes de anlise do estudo fenomenolgico interpretativo
(BENNER, 1994).
Portanto, este estudo teve a compreenso do objeto de pesquisa baseado no fenmeno:
Engajamento das enfermeiras em suas relaes tico-profissionais e vivncias morais
relacionadas ao cuidado de enfermagem peditrica. A partir disso, quatro temas, com
respectivos subtemas sero apresentados nos resultados.
3.4 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA
O presente estudo foi apresentado e aprovado pela Direo de Ensino e Pesquisa da
instituio onde os dados foram coletados. Aps, foi submetido Plataforma Brasil (PB) para
apreciao do Comit de tica em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria, o