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Museus como Agentes de Mudança Social e Desenvolvimento: Propostas e reflexões museológicas i

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Museus como Agentes de MudançaSocial e Desenvolvimento:

Propostas e reflexões museológicas

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MARIA CRISTINA OLIVEIRA BRUNO

KÁTIA REGINA FELIPINI NEVESCoordenadoras

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Museus como Agentes de MudançaSocial e Desenvolvimento:

Propostas e reflexões museológicas

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A REVISÃO DE LINGUAGEM, AS OPINIÕES E OS CONCEITOS OMITIDOS NOS

TRABALHOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS RESPECTIVOS AUTORES.

Ficha catalográfica elaborada pela BibliotecaCentral da Universidade Federal de Sergipe

Museus como agentes de mudança social e desenvolvi-

mento: propostas e reflexões museológicas / coorde-

nação, Maria Cristina Oliveira Bruno, Katina Regina

Felipini Neves. – São Cristóvão : Museu de Arqueologia

de Xingó, 2008.

185 p. : il

1. Museus. 2. Desenvolvimento social. I. Bruno, Maria

Cristina Oliveira, Kátia Regina Felipini Neves.

CDU 069:316.43

M986m

O Museu de Arqueologia de Xingó da Universidade Federal de Sergipe agradeceao Departamento de Museus do IPANH a cessão da imagem referente à Semana

Nacional de Museus utilizada na capa deste livro.

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SUMÁRIO

Apresentação 7

PRIMEIRA PARTE: CONCEITOS, TRAJETÓRIAS E MUDANÇAS

1 Museus e Desenvolvimento Local: um balanço crítico 11Hughes de Varine-BohanConsultor Internacional sobre Desenvolvimento Local

2 Mudança Social e Desenvolvimento no Pensamento da MuseólogaWaldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos 21Maria Cristina Oliveira BrunoMuseu de Arqueologia e Etnologia – MAE/USPAndrea Mattos FonsecaKátia Regina Felipini NevesCurso de Especialização em Museologia – CEMMAE/USP

3 A Radiosa Aventura dos Museus 41Mário de Souza ChagasUniversidade Federal do Rio de Janeiro - UniRio/Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan

4 As Ondas do Pensamento Museológico: balanço sobre a produção brasileira 53Manuelina Maria Duarte CândidoMuseu da Imagem e do Som – MIS/CE

5 ¿Que Puede Hacer la Arquitectura por los Museos? 73Juan Carlos RicoConservador de Museus

6 Evaluación en Museos y Desenvolvimiento Social:presupuestos téoricos y metodológicos 91Felipe Tirado SeguraUniversidade Autónoma de México – UNAM

Sumário

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SEGUNDA PARTE: EXPERIÊNCIAS, PROPOSTAS E PERSPECTIVAS

1 Acessibilidade, Inclusão Social e Políticas Públicas:uma proposta para o Estado de São Paulo 115Amanda Pinto da Fonseca TojalPinacoteca do Estado de São Paulo

2 Participação e Qualidade em Museus. O caso doMuseu do Trabalho Michel Giacometti 137Isabel VictorMuseu do Trabalho Michel Giacometti

3 Museus, Exposições e Identidades: os desafios do tratamentomuseológico do patrimônio afro-brasileiro 157Marcelo Nascimento Bernardo da CunhaUniversidade Federal da Bahia – UFBA/ Museu Afro-Brasileiro

4 As Questões Indígenas e os Museus: a experiência do Museu do Oiapoque 173Lux Boelitz VidalUniversidade de São Paulo – USP

5 Memória e Movimentos Sociais: o caso da Maré 183Cláudia Rose Ribeiro da SilvaMuseu da Maré

6 Memorial da Resistência: perspectivas interdisciplinaresde um programa museológico 195Maria Cristina Oliveira BrunoMuseu de Arqueologia e Etnologia – MAE/USPMaria Luiza Tucci CarneiroUniversidade de São Paulo – USPGabriela AidarPinacoteca do Estado de São Paulo

Perfil dos Autores 205

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OOs museus, para alguns, ficaram marcados como locais de coisas velhas e sem

vida, mas, para outros, são instituições que podem desempenhar uma função

social junto às sociedades onde estão inseridas. Essas visões polarizadas são, por

um lado, desconcertantes, mas, por outro, são desafiadoras, pois nos impulsio-

nam a procurar entender as idiossincrasias que delimitam os cenários da ação

museológica.

Os artigos reunidos neste livro revelam algumas perspectivas, a partir das quais

essas instituições têm procurado novos caminhos, têm permeado as difíceis rotas

das ressignificações dos acervos e coleções, têm desdobrado as suas ações na

busca de novos públicos, mas, em especial, têm revelado que os trabalhos preser-

vacionistas permitem as mudanças e desafiam os pressupostos do desenvolvi-

mento social, desde que sintonizados com seu entorno social. E todos temos

consciência que esta sintonia é difícil, vulnerável e multifacetada.

Apresentação

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Essas perspectivas, por sua vez, indicam apreocupação com os princípios teóricos emetodológicos para a implantação dos pro-cessos museológicos, evidenciam a necessi-dade de implantação de políticas públicaspara que os museus participem dos grandesdebates do Estado, indicam as necessáriaspreocupações com o espaço arquitetônico,com a qualidade dos trabalhos museológi-cos, com as exigências de avaliação dos pro-cedimentos institucionais e com o delinea-mento de novas compreensões sobre o papelinclusivo dos museus.

Acreditamos que os museus devem de-sempenhar um singular papel social, poispodem impulsionar mudanças, e os autoresaqui reunidos apresentam alguns caminhossólidos para essas trajetórias.

Este livro é o resultado de muitos entrela-çamentos entre profissionais que, por dife-rentes caminhos, têm problematizado a fun-

ção social dos museus e têm apostado nabusca de novos percursos. A sua concepçãoé uma resposta a um generoso convite feitopelo Prof. José Alexandre Felizola Diniz doMuseu de Arqueologia de Xingó da Universi-dade Federal de Sergipe que , mais uma vez,demonstra a sua sensibilidade para a necessi-dade de debate em torno de temas museoló-gicos. A realização desta coletânea só foipossível pelo apoio competente damuseóloga Kátia Felipini que partilha as res-ponsabilidades editoriais.

Agradeço aos autores, que confiaram nes-ta proposta e garantiram o seu êxito, expon-do suas idéias e revelando as suas experiên-cias. Este livro é dedicado aos novos estu-dantes de Museologia e esperamos que possaservir de inspiração para os seus percursosprofissionais.

Maria Cristina Oliveira BrunoSão Paulo, outono, 2008.

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1ª parte

CONCEITOS, TRAJETÓRIAS E MUDANÇAS

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NINTRODUÇÃO

Na tradição museológica mundial, tal qual é representada pelo ICOM e tal

qual é refletida por diferentes leis nacionais que regulamentam a instituição

museu, um museu, qualquer que seja a sua disciplina (arte, ciência, história,

antropologia etc) é constituído em torno de uma coleção que ele se serve para

a completar, conservar, estudar, apresentar... Para a maior parte dos teóricos,

dos profissionais e dos administradores, um museu não existe que para e pela

sua coleção.

Esta coleção, que é arbitrada pelo museu, deve ser aberta a um “público”, isto

é, aos visitantes. Há dois séculos, o público era constituído de artistas e de

letrados, profissionais ou amadores. Depois, os progressos do nível de vida e da

educação trouxeram ao museu um número que não pára de crescer de mem-

bros de classe média e de escolares. Enfim, os grandes museus de arte e os

pequenos museus locais entraram na era do turismo de massa, ao ponto que o

turista nacional ou estrangeiro procura ocupar o lugar no museu do visitante

local. 70% de visitantes de exposições permanentes do Musée du Louvre em

Paris são de estrangeiros, enquanto que 20% ao menos são de escolares que

vêm em grupo.

An HUGUES DE VARINE-BOHAN

1ARTIGO

Museus e desenvolvimentosocial – um balanço crítico1

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Por diferentes razões – patrimônio emmoda, impulso do turismo – o número demuseus explodiu em quase todos os países,enquanto que as grandes instituições se tor-naram sempre maiores, mais ricas, entãomais caras.

Esta evolução, que é claramente marcadapelo prestígio e por programas dos grandesmuseus de arte nos países com forte atraçãoturística, conheceu, há 50 anos, de iníciocom exceções, posteriormente, há uns trintaanos, movimentos de idéias e de práticas quese distanciam da norma dominante. Três des-ses movimentos podem ser notados comoparticularmente inovadores e portadores deproblemáticas novas.

- Numerosos museus, nos novos paísesindependentes e em geral em vias dedesenvolvimento ou “emergentes”, vi-sam explicitamente ou implicitamen-te ao reforço da independência cultu-ral, da identidade local, regional, naci-onal, a educação das novas gerações ea proteção do patrimônio endógenocontra os vandalismos e os tráficos;um modelo é o Musée National deNiamey (Niger) nos anos 60.

- Os museus nascidos de reivindicaçõeslocais, culturais ou sociais, mas sobre-tudo políticas, da parte das popula-ções oprimidas ou marginalizadas(minorias étnicas, comunidades au-tóctones, territórios em crise mineiraou industrial); um exemplo neste casoé o Anacostia Neighborhood Museum,em Washington DC (Estados Unidos).

- Enfim, a grande família dos museuscomunitários, muitas vezes chamadosigualmente ecomuseus, que, desde osanos 70, tentam criar sobre territóriosdeterminados, urbanos e rurais, dinâ-micas culturais de desenvolvimento li-gadas ao patrimônio local, cultural e

natural. Eles se referem habitualmenteà Declaração dita “de Santiago” (MesaRedonda da UNESCO realizada emSantiago do Chile, 1972).

Mas não podemos esquecer que as trêsgrandes categorias de museus – de arte, dehistória e de ciências – há muito tempo, massobretudo nos últimos vinte anos, fazem es-forços consideráveis para melhor servir àspopulações que não fazem parte habitual-mente de seus “públicos”: desenvolvem dinâ-mica de “mediação”, que diferem notada-mente das práticas antigas das visitas “guia-das”, que procuram se adaptar às culturas vi-vas dos visitantes para facilitar o contatocom a exposição, e também cada vez maisadaptar a exposição à diversidade de seusvisitantes.

Apresentar a questão da relação do museucom o desenvolvimento, e mais particular-mente à dimensão social de seu desenvolvi-mento, é então procurar determinar, a partirde práticas profissionais e institucionais, aatitude dessas diferentes categorias de mu-seus com a sociedade que os circunda, emfunção dos objetivos políticos e culturais queeles se dão ou que lhes são impostos, e nãomais como no passado, a partir da naturezade suas coleções e das competências de suasresponsabilidades científicas. Porque as cole-ções se tornaram aqui essencialmente o ma-terial com o qual o museu poderá, ou não,servir à sociedade, como seu staff científicoe cultural poderá, ou não, ser um ator cons-ciente e eficaz do acompanhamento culturalda mudança desta sociedade.

Mas isso não é suficiente: é necessário seperguntar qual é o lugar que a sociedadeocupa nesses museus, se ela os consideracomo verdadeiros meios de desenvolvimen-to, ou se ela os deixa em um lugar de consu-mação cultural, para proveito das elites doterritório, dos grupos escolares enquadradose dos turistas. Porque é também a todo o cor-

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po social e às estruturas institucionais ou pri-vadas que o estruturam que o museu deve sedirigir para lhe propor novos papéis e lhepedir novos serviços.

Com a finalidade de limitar a dimensãodeste ensaio, tratarei sucessivamente trêsconjuntos simples:

· Os grandes museus, cujo território émuito vasto (mundial, nacional, regio-nal) e cuja coleção não é sempre re-presentativa do território;

· Os museus locais cujo território é maisou menos nitidamente limitado aoambiente próximo ou a uma temáticaespecífica (uma indústria, um sitio his-tórico ou natural, por exemplo);

· As instâncias locais de desenvolvi-mento social, educativo e sócio-cultu-ral em suas relações com os museusque lhes são próximos.

Meu ponto de vista será essencialmenteaquele de um desenvolvimentista porque, seeu sou há muito tempo um observador inte-ressado na evolução dos museus e da Muse-ologia, eu penso que é interessante levar emconta o olhar de um profissional do desen-volvimento e das relações entre os diferentesatores deste.

OS GRANDES MUSEUS PODEM, OU DEVEM, SEOCUPAR DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL?

Tudo depende dos seus objetivos, ou dosobjetivos que lhes são atribuídos pelas auto-ridades de tutela. Se se trata apenas de pro-mover a arte, a cultura, a ciência para umpúblico culto, ou de se projetar para o turis-mo em massa, ou para contribuir para a ima-gem ou para o prestígio da cidade, de umaautarquia, de um mecenas ou de um intelec-tual, é difícil falar de desenvolvimento socialou do interesse da sociedade em seu conjun-to. Aliás, é raro, historicamente, que os mu-seus tenham sido criados sob os cuidados da

responsabilidade social de seus fundadores,salvo para certos grandes museus privadosda América do Norte. No mais, a focalizaçãoda museologia tradicional sobre suas cole-ções e sobre o crescimento do público emtermos quantitativos para justificar os orça-mentos mais e mais exigentes, não deixaquase lugar às preocupações mais imediatas,que consistiriam em se interessar pelas popu-lações locais menos “cultas” (que se qualificana França como o “não público”, o que é aprova de sua invisibilidade), salvo para aco-lher o público cativo dos grupos escolaresem visitas organizadas.

Por outro lado, muitos museus clássicos, apartir dos impulsos dados de início pelosmuseus científicos, técnicos ou industriais,têm progressivamente adotado, mesmo àmargem de suas estratégias e programas, asperspectivas da “mediação”, visando adaptaros seus métodos de comunicação, de condu-ção, de educação a diferentes públicos, comos objetivos claramente sociais: integraçãocultural de populações imigrantes,mobilização cívica, informação ou mesmoconsulta sobre políticas públicas, acolhimen-to de pessoas portadoras de deficiências etc.Desde os anos 1960, o Brooklyn ChildrenMuseum ou o serviço sueco de exposiçõesitinerantes Riksutställningar trabalham sobretemas como o conhecimento de outras cul-turas e a compreensão dos problemas do de-senvolvimento que emergem de públicosnumerosos ancorados em suas comunidadese em suas culturas vivas. Mais recentemente,no último decênio, os museus municipais deLyon aderiram e participam ativamente daconvenção que liga as principais instituiçõesculturais da cidade com as políticas de rege-neração urbana da área metropolitana. ASmithsonian Institution em Washington – DCpermitiu e financiou a criação do célebremuseu afro-americano de Anacostia, ao pas-so que, nos anos 70 e na linha estabelecidaem Santiago, o Museu Nacional de Antropo-logia do México experimentou, com o proje-

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to “La Casa del Museo”, um serviço dirigidoaos bairros pobres da periferia da cidade.Mais recentemente, é o Museu Imperial dePetrópolis que se engajou na política de edu-cação patrimonial e de participação no de-senvolvimento urbano, dirigida especial-mente para a população do seu entorno. OMusée Dauphinois de Grenoble conduz hámais de trinta anos uma ação contínua e ex-pressiva a serviço de todos os segmentos dapopulação, não somente de Grenoble, mastambém da região “Dauphiné” e dos Alpesfranceses. Notaremos nestes exemplos, comoem outros casos, a participação entusiasta doconjunto de profissionais nos métodos e nasatividades que não são habitualmente consi-deradas e inseridas nas normas museológi-cas e museográficas habituais.

A iniciativa desses projetos, programas,ações, surgem geralmente de personalidadesfortes, quer seja dos responsáveis pelo mu-seu, quer seja dos membros do seu serviço“educativo”. Para nomear aqueles inovado-res que não estão mais em atividade, eu cita-rei a cooperação exemplar entre S. DillonRipley, diretor geral da SmithsonianInstitution, e John Kinard, fundador doMusée d´Anacostia, ou entre Boubou Hama,presidente da Assembléia Nacional do Niger,e Pablo Toucet, criador do Musée Nationalde Niamey. A conjunção entre museu e de-senvolvimento social não existe em si, elaexige uma força de vontade e perseverança,para vencer as forças contrárias: de uma parteinércia ou mesmo hostilidade dos profissio-nais obcecados pela coleta e pela pesquisa,ou ainda, pela desconfiança de responsáveispolíticos e administrativos preocupados coma rentabilidade e com a comunicação, mastambém do ceticismo dos agentes sociais quevêem tradicionalmente nos museus uma ins-tituição empoeirada e reservada pra o delei-te de uma “elite” de privilegiados da cultura.

É necessário confessar que não é nem evi-dente e nem fácil levar à frente uma organi-

zação estruturada, pesada e complexa, comoé um grande museu artístico ou científico, ase preocupar com uma grande parcela dapopulação local que não tem o desejo deentrar nestes templos de saber, nem o conhe-cimento dos códigos intelectuais necessáriosà compreensão daquilo que se encontra emseu interior. Esta população não tem umademanda explícita a ser confrontada comuma oferta pré-existente, capaz deredefinir o projeto.

É porque, em geral, há uma satisfação emanunciar uma vontade de “democratizaçãocultural”, onde a oferta cultural é suposta-mente apropriada pelo conjunto da popula-ção, com menos esforços de comunicação oude orientação do público, sem uma verdadei-ra mudança profunda, ou ainda da pedagogiadirigida ao público escolar, na esperança deque a visita organizada (obrigatória) das crian-ças ao museu algumas vezes durante o seuperíodo escolar seja suficiente para atrair seuspais ou para que voltem ao museu quandoadultos. São pressupostos que, do meu pontode vista, jamais foram realmente verificados.

Outro elemento que me parece importan-te e que pode explicar bem as incompreen-sões e os erros de orientação: o desenvolvi-mento social é uma tarefa coletiva, que im-plica as comunidades, as famílias, as associa-ções de maneira mais ou menos solidária. Aprática cultural “social” é de início uma prá-tica coletiva, de esporte, de festa, de lazer.Quando se vai ao museu, se vai em casal, emfamília ou entre amigos. O discurso e a práti-ca dos profissionais de museu consideramseguidamente o “visitante” como um indiví-duo só (isto é, um amador motivado quevem ao museu por razões pessoais) ou comoo membro de um grupo organizado, escolar,de idosos ou de turistas, mais ou menos dis-ciplinados e que vai “seguir o guia”.

Pesquisas recentes verificam esta distânciaentre a oferta do museu e a maioria da popu-

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lação, dificultando a emergência de um “pú-blico” culto.

Há então um longo caminho a percorrerpelos grandes museus seguindo o exemplodaqueles que já demonstraram que é possí-vel desempenhar um papel no desenvolvi-mento social e cultural das comunidades doseu entorno: a intuição dos participantes deSantiago, que expressou no conceito de“museu integral” desenvolvido nas resolu-ções adotadas, isto é, um museu que develevar em consideração a totalidade da socie-dade na qual ele está inserido, para se colo-car a seu serviço e se organizar em conseqü-ência, e fica claro para os museólogos cons-cientes que o seu lugar na sociedade e o dosagentes sociais é o de buscar um conjunto desoluções provenientes de uma observação ede uma escuta das comunidades do entorno.

Os Museus Locais

Falarei aqui de museus locais em geral,aqueles que são de uma maneira ou de outravinculados a um território, vila, pequena re-gião, cidade, bairro, sítio industrial, parquenatural, e não exclusivamente de museusatrelados ao que se entende de “novamuseologia”. Com efeito, esta tendência mu-seológica já está contemplada em seus textosfundadores e em suas práticas cotidianas, esão referências fortes para as comunidades,ao desenvolvimento global e sustentável.Mas esses ecomuseus, museus comunitários,ou outros são ainda uma minoria, mesmoque nos últimos trinta anos têm–se multipli-cado em quase todos os países do mundo osmuseus de iniciativa local, sob estatutos mui-to variados. Para se desenvolver, eles são –ou deveriam ser – um interlocutor institucio-nal natural à dimensão do território, umaferramenta cultural para a valorização docapital patrimonial deste território.

Esses museus são geralmente pequenos,têm poucos meios e pouco pessoal perma-

nente. Eles não podem absolutamente imitaros grandes museus. Pelo contrário, eles têm apossibilidade de fixar objetivos políticos,educativos, culturais ou sociais autônomos,menos dependentes dos imperativos da co-leta, da pesquisa, da conservação que asgrandes instituições. Em geral, sãopluridisciplinares e têm uma proximidadefácil com a população (ou a comunidade)que eles servem. Suas responsabilidades são,talvez, menos qualificadas que a de seus co-legas das grandes cidades, mas localmenteeles são “notáveis”, que têm ou podem ad-quirir uma influência. Eles são atores da vidalocal. Eles têm acesso fácil aos políticos, aosoutros responsáveis das instituições culturaise sociais, eles são atores da vida local. Aque-les que têm um estatuto associativo, contrari-amente aos grandes museus institucionais,têm conselhos de administração, com mem-bros voluntários ativos, que devem ter emconta seus contextos cultural, social, econô-mico, e são estreitamente ligados ao seu ter-ritório.

Eles têm então naturalmente a tendênciade buscar uma nova via: sob sua pressão, omovimento mundial chamado Nova Museo-logia, que teve início por alguns “grandes”museólogos nos anos 1970, é progressiva-mente dotado de uma concepção mais soci-al e política de museu: é o museu comunitá-rio, o ecomuseu, ou ainda o museu de terri-tório, que se vê um agente e um atorpatrimonial e cultural do micro-desenvolvi-mento dos territórios. Mesmo que se trate deum movimento mundial, divulgado agoraem todos os continentes, cada unidade localé original, pode-se dizer única, pois ela devese adaptar à interação complexa dos fatorese dos múltiplos parceiros, segundo as confi-gurações cada vez mais diferentes, e mesmoevolutivas, para se adaptar às mudançasendógenas e exógenas.

Esses museus demonstraram e demons-tram cotidianamente a sua utilidade para o

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desenvolvimento local, propondo estruturas,técnicas e métodos para a exploração dostrês recursos principais do território: o capi-tal cultural, constituído pelo patrimônio cul-tural e natural, na sua concepção global e nasua relação permanente com as culturas vi-vas dos habitantes; o capital social, que seenraíza no cenário do patrimônio e da cultu-ra partilhada, mas de onde se retira os ele-mentos de identidade, de responsabilidade,de cooperação, de trocas, de confiança; en-fim, o patrimônio econômico, na medidaonde o patrimônio é ao mesmo tempo fontede produções e transformações endógenas,um meio de difusão e uma atração para aindústria do turismo exógeno.

Acredito poder distinguir várias tendênci-as fortes neste mosaico de pequenos museuslocais:

- os museus que qualificarei de ideoló-gicos, sem que este termo seja levadono sentido pejorativo e crítico. Sãoiniciativas que seguem uma doutrinamais ou menos formalizada, como osmuseus comunitários mexicanos. Elesbuscam geralmente se dar definiçõescomuns, a oferecer uma formaçãoprofissional a seus assalariados ou aseus voluntários, a se agrupar em umarede. É também o caso na França, paraos ecomuseus e “museus de socieda-de” que formaram uma federação na-cional, ou em Portugal, onde a NovaMuseologia é dotada há vinte anos deuma dimensão social e de uma disci-plina universitária particular, a Socio-museologia.

- as redes de ecomuseus sustentadas epor vezes mesmo iniciadas pelas ad-ministrações nacionais ou regionais(China, Itália). São iniciativas políticas,fortemente ligadas a objetivos de de-senvolvimento turístico e a dispositi-vos de financiamento público, que re-

tomam o essencial da tradição“ecomuseal” sem nem sempre respei-tar a lógica de processo e a relaçãofundadora com a comunidade.

- Os museus que não buscam (ou nãoainda) sua afiliação a uma redeestruturada e a um corpo de doutrinamais ou menos obrigatório. Esses mu-seus têm seu próprio caminho e sãofortemente identificados à pessoa ouao grupo que os fundou. Encontram-se em numerosos países e têm muitasvezes dificuldades, dadas ao seu nãoconformismo em relação às normasoficiais ou ao seu isolamento. Encon-tra-se no Brasil (Santa Cruz), na Índia(Chaul-Revdanda), na África (o mu-seu-banco cultural de Fombori, noMali), no Canadá (certos museusoriundos das comunidades autócto-nes, elas mesmas sem intervenção di-reta de conselheiros externos).

- Como a maior parte dos museus aci-ma descritos, se não todos, acham-seno meio rural, é preciso dar um lugarà parte aos museus ou ecomuseus ur-banos que representam o movimentoda Nova Museologia em face dos anti-gos “museus de cidade”, em que elesse vêem estreitamente associados à ci-dade atual e a sua evolução(ecomuseu do Fier Monde, em Mon-treal, ecomuseu do Val de Bièvre, pró-ximo à Paris). Esses museus buscamsoluções originais à necessidade deconstruir os pontos entre os responsá-veis pelo urbanismo que conduzem asmudanças da forma da cidade e dolugar da vida dos habitantes, e essesmesmos habitantes, para lhe permitircompreender essas mudanças e talvezmesmos de acompanhá-las. A experi-ência, ainda não transformada emmuseu, da Expedição São Paulo 2004,foi um modelo metodológico, como

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foi em seu tempo (anos 1960) oNeigborhood Museum d’Anacostia(Washington).

Enfim, é preciso não esquecer das iniciati-vas que não levam o nome de museu, masque salientam claramente o mesmo processoe que por vezes superam a criação de mu-seus ou de exposições e que fazem parte deum dispositivo mais amplo. Penso aqui noProjeto Identidade da Quarta Colônia (Bra-sil, RS), no programa de desenvolvimento doMaestrazgo (Espanha, Aragão, Província deTeruel), aos múltiplos “Parish Maps” britâni-cos, aos “Mappe di Comunità” italianos, aosinventários participativos e aos Departamen-tos de Memória de tantas cidades brasileiras(Porto Alegre ou Viamão, RS), ou Gênova,Itália.

O que nós podemos tirar de comum, apartir desses casos múltiplos e diversos? Dis-semos primeiro que as dimensões “territó-rio” e “comunidade” são solidariamente es-senciais, por sua vez como fonte de materi-ais colocados em cena pelo museu (o patri-mônio no sentido mais amplo do termo quesubstitui aqui a noção restritiva de coleção),como quadro físico e humano da atividadeproduzida, quer seja endógena ou exógena,enfim como destinatários desta atividade noeconômico e no social, que deve se exercera proveito do desenvolvimento.

Em seguida, notamos o caráter original eúnico de cada iniciativa, que não pode semoldar num regulamento administrativo ounuma definição muito estrita. Mesmo láonde existem as redes estruturadas, negocia-se com as individualidades reivindicadas.

Depois, lembramos o princípio de proces-so “open-ended”, que não tem lugar nos ca-lendários fixados pelos políticos ou pelostécnicos: um tal museu não se inaugura, elese constrói por uma sucessão de etapas, deeventos, de momentos, de progressos e de

recuos, porque ele vive. É isto que o distin-gue do museu de coleção, inserido em umedifício mais ou menos solene, que é para acultura viva, aquilo que a produção fora dosolo de morangos e champignons é para aagricultura de campo.

Para ir ainda mais longe na análise, nóspodemos sem dúvida considerar que essesmuseus são projetos claramente políticos, aomenos que eles se vinculem a planos e a pro-gramas de desenvolvimento relativos a trêsdimensões: cultural, social e econômica. Namelhor das hipóteses, esse caráter político éreconhecido e aceito pelos poderes locaisou regionais. Algumas vezes, o museu é re-conhecido por esses poderes como uma ma-nifestação de reivindicação identitária ou dainclusão do cultural no desenvolvimentoque é seguidamente considerado apenaseconômico. É o caso, em particular dos terri-tórios onde os responsáveis políticos, obce-cados pela indústria turística, só procuram opatrimônio e os museus como uma atraçãoturística.

As instâncias de desenvolvimento social

O museu, quer seja grande e generalista,ou local com vocação territorial e comunitá-ria, não pode agir só em relação ao desen-volvimento e à sociedade de seu entorno.Ele não pode viver em simbiose, ou como sediz hoje em dia, em rede, com o conjuntodas outras instituições e estruturas, públicas eprivadas, que constroem em conjunto o de-senvolvimento, mas que seguidamente es-quecem o museu, cuja imagem fica, paramuitos, como aquela de uma casa fechadasobre suas coleções e falando em uma lin-guagem codificada.

Face à nova dinâmica demonstrada pelomuseu, é necessário que exista e se manifesteabertamente o reconhecimento, da parte detodo o tecido social envolvente, do patrimô-nio cultural e natural como recurso do terri-

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tório e do museu como instrumento centralde valorização deste patrimônio. Porque esterecurso pode servir de material tanto à edu-cação escolar como à educação popular, àconstituição da imagem e da identidade dacomunidade, ao encorajamento àcriatividade individual, aos lazeres coletivos,ao acolhimento de visitantes, ao reforço dasligações com os emigrantes e à inserção dosimigrados etc.

Uma vez este reconhecimento adquirido,uma cooperação deve se estabelecer, sejapor convenções formais (como aquela quefoi assinada em Lyon entre as instituiçõesculturais, incluindo os museus, e as estrutu-ras de regeneração urbana), seja pelas rela-ções sobretudo informais entre os profissio-nais do social e do museu, como o MINOMportuguês deu exemplo associandomuseólogos e professores do primário e se-cundário na reflexão contínua, há mais dequinze anos, sobre função social do museu.Esta cooperação tinha sido integrada nos es-tatutos do ecomuseu da comunidade urbanaLe Creusot-Montceau desde 1974, que fize-ram de 250 associações, grupos e instituiçõeseducativas do território a base de um “comi-tê de usuários”, que tinha o papel de definir eavaliar os programas de ação do museu. Estemesmo ecomuseu, mais recentemente, res-pondeu à demanda de centros vizinhos detratamento de Alzheimer visando fornecer-lhes objetos usuais do passado, suscetíveisdas lembranças dos doentes.

O museu, dessa forma, fica não somente aserviço do capital cultural da comunidade,mas também de seu capital social: ele aportasuas coleções e suas técnicas de expressão,suas redes de relações, seus saberes, seus pró-prios locais; e ele recebe igualmente de suacomunidade colaborações, informações so-bre os projetos que estão em desenvolvimen-to, lições e críticas, um conhecimento refina-do das necessidades e demandas da popula-ção. É um lugar de encontro, de trabalho co-

mum, de trocas. Saber que o museu pode equer colaborar com o desenvolvimento socialfaz germinar idéias e projetos novos da partedos atores sociais e culturais do território. Estaabertura possibilita ao museu que ele encon-tre possibilidades de contato com os meios eas problemáticas que não lhes são familiares;ele pode pedir aos atores sociais, profissionaisou militantes, para lhe ajudar a melhor adap-tar a linguagem e suas ações de cultura emrelação às expectativas da população que nãofaz parte de seus públicos habituais.

É necessário sublinhar a importância queesta colaboração entre o museu e seus agen-tes e atores sociais pode ter a função de medi-ação que todo museu, atualmente, deve oudeveria assegurar. Entendemos por mediação,a partir de relações aos conceitos tradicionaisde visita guiada e trabalho educativo no mu-seu: ela é a iniciativa que consiste em estabe-lecer e facilitar um diálogo sensível entre, deuma parte, uma pessoa ou um grupo que visi-ta o museu ou participa de uma de suas ativi-dades e, de outra parte, um objeto, uma paisa-gem ou um bem imaterial, ou seja, a culturaviva e os saberes de um e os conteúdos cultu-rais e científicos do outro. Levar em conside-ração a questão social nas missões do museué assegurar que a diversidade das populaçõese das culturas, das linguagens, das gerações,das origens, das crenças, das experiênciasprofissionais enriquecerão a museologia e amuseografia estabelecidas. É uma nova formade comunicação com o patrimônio, respeito-so com o visitante, como ocorre na novamuseologia. Ela é responsável pelo nascimen-to de uma nova profissão, que se abre tantoaos funcionários assalariados dos museusquanto aos voluntários. E a mediação serámais efetiva, os mediadores serão mais efici-entes, quando estes estabelecerem contato di-reto com o seu meio, tanto em sua vida coti-diana e nas suas relações de trabalho.

Isto me leva a sugerir que os responsáveisdos museus e em geral do patrimônio acres-

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MUSEUS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL – UM BALANÇO CRÍTICO 19

centaram um termo ao conceito de “projetocientífico e cultural” que define (ou deveriadefinir) os objetivos e as missões de suas insti-tuições, aquele do “social”, que significaria pu-blicamente a vontade do museu de cumprirsuas obrigações junto à sociedade local, nosenso largo, na linha direta do “museu integral”definida pelo Seminário de Santiago, com amesma igualdade de outros termos do projeto.

As mudanças que se impõem em todas asnossas sociedades, sobre o plano tanto cultu-ral como social e econômico, exige amobilização de todas as instituições que de-têm e geram uma parte do capital de nossosterritórios e de nossas comunidades, querseja de natureza cultural, social ou econômi-ca. Isto significa que o museu tem o seu pa-pel específico a desempenhar no acompa-nhamento das mudanças e que ele deve semcessar se re (inventar).

A nova museologia incluiu e transformouem profundidade a instituição museológicapara ligá-la ao território, à comunidade, aopatrimônio e em geral à vida cotidiana. Resta,sem dúvida, um passo a dar, para que o museuvenha a ser um dos instrumentos das “agen-das 21 locais”. Esta sugestão foi extraída daConferência da Terra - Rio 92. É curioso cons-tatar que os primeiros ecomuseus surgirampor causa da primeira Conferência da Terrade 1972, realizada em Estocolmo, e que o pri-meiro fórum mundial de ecomuseus foi umadas manifestações organizadas pelo Brasil noquadro da Conferência do Rio. Coincidência?Por ter a meta de promover um desenvolvi-mento sustentável, as agendas 21 devem, emcada território, se ancorar no terreno do patri-mônio e se exprimir na linguagem da culturaviva das comunidades: o museu pode ser aponte oferecida à nossa geração para passardo passado ao futuro na continuidade e norespeito da ecologia humana e ambiental.

Proponho, em conclusão, que os profissi-onais de museu, em suas instituições e sobre

os seus territórios, mas também em seus en-contros profissionais, reflitam sobre o queeles podem aportar às agendas 21 que lhesconcernem, que eles levem esta reflexão,tanto quanto possível, com seus colegas dosetor cultural, social e econômico. Será umpretexto perfeito para mostrar concretamen-te o papel do museu na mudança e no de-senvolvimento social.

BIBLIOGRAFIA

Abaixo se encontrará não uma bibliografiaexaustiva sobre o tema, mas uma lista deobras que podem ilustrar este artigo.

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HUGUES DE VARINE-BOHAN20

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Varine (Hugues de), Les racines du futur –Développement local et patrimoine,Asdic, 2002 (diffusion Editions du Papyrus)

Nota1 Este texto não comporta referências a obras em

particular. Ele é resultado da experiência pes-soal do autor adquirida durante os últimos cin-qüenta anos. Entretanto, a resumida lista biblio-gráfica no final do artigo, visa fornecer pistas depesquisa e de reflexão.

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E

“(...) temos que colocar um primeiro dado também

da realidade, do momento que a gente estávivendo dentro da ciência museológica ou da

prática museológica. Há, na realidade, uma

museologia existente, real, que está aí fora, e háuma museologia postulada, sonhada, desejada.”1

APRESENTAÇÃO

Este artigo, elaborado a seis mãos que refletem diferentes gerações do cenário

museológico paulista, apresenta a trajetória intelectual de Waldisa Rússio

Camargo Guarnieri, a partir de seu envolvimento com os problemas que entrela-

çam os museus, com a área de conhecimento Museologia e com o exercício de

cidadania. Trata-se de um ensaio, de uma busca de razões e de influências, de

uma tentativa de delimitação e que, ancorado em seus próprios textos, procurou-

se apontar a sua compreensão sobre os múltiplos contextos em que atuou com

singular protagonismo, deixando uma herança extremamente importante para

um novo pensar museológico e, ao mesmo tempo, desafios para aqueles que a

ouviram repetir que o museólogo é, antes de tudo, um trabalhador social.

An MARIA CRISTINA OLIVEIRA BRUNO

ANDREA MATOS DA FONSECA

KÁTIA REGINA FELIPINI NEVES

2ARTIGO

Mudança Social e Desenvolvimento noPensamento da Museóloga Waldisa

Rússio Camargo Guarnieri:Textos e Contextos

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES22

As análises aqui apresentadas estãoinseridas em um contexto programático depesquisa – “Sistema de Gerenciamento deReferências Patrimoniais da MuseologiaPaulista - SIG.RP-MUSP “, iniciado desde2005, orientado para as perspectivas de cons-trução, estudo, preservação e socializaçãoda memória sobre a ação museológicaimplementada por profissionais do Estadode São Paulo que, embora silenciadas no ce-nário da Museologia brasileira, se fazem no-tar desde o início do século XX, a partir daprodução acadêmica, dos vetores de ensinoespecializado e da atuação junto às institui-ções museológicas e associativas.

O conjunto dessas pesquisas tem a inten-ção de identificar e sistematizar as fontes do-cumentais e orais relativas às matrizes destepensamento, com vistas a responder a ques-tões sobre o perfil desta regionalidade, comotambém, pretende entender as característi-cas e o alcance da diáspora destas idéias edas ações museológicas paulistas. Desta for-ma, esses estudos, com distintas característi-cas, estão organizados em torno da hipótesede que há um pensamento museológicopaulista, que tem sido desenvolvido ao lon-go das últimas décadas e tem contribuídopara a consolidação de processos de forma-ção profissional e institucionalização dosprocessos museológicos e, ainda, tem influ-enciado a constituição do cenário – nacio-nal e internacional – da Museologia comocampo de conhecimento.

Trata-se de programa de pesquisa compro-metido com estudos sobre mentalidades, a par-tir do cotejamento entre a trajetória biográficae a produção profissional, com vistas à identifi-cação do tratamento de quatro questões:

- como as delimitações do campo deação museológica se estruturam a par-tir da elaboração das noções de fenô-meno, processo e sistema museológi-cos;

- como a construção do quadroreferencial da disciplina Museologiase organiza em sua dimensão teórica eaplicada;

- como o pensamento museológicopaulista reflete a realidade histórico-patrimonial do Estado e

- como a produção museológicapaulista contextualiza o pensamentoacadêmico e as ações associativas.

Pretende-se que, a partir do processo in-vestigativo acima mencionado e da identifi-cação das quatro questões elencadas, os estu-dos inseridos neste programa de pesquisadesvelem as interlocuções entre os processosde desenvolvimento sócio-econômico-cul-tural e os procedimentos preservacionistas ea respectiva função dos campos de açãomuseológica neste contexto. É propósito,também, desvendar as influências recebidase projetadas neste contexto de ação museo-lógica.

O artigo ora apresentado foi elaboradocomo um ensaio, parte desse programa eestá orientado especificamente para os estu-dos sobre o pensamento e a ação institucio-nal de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri(1935 – 1990), considerando a relevância dasua produção acadêmica, do seu papel noensino e de sua atuação profissional junto aosmuseus paulistas e suas respectivas projeçõesem cenários mais amplos, mas, sobretudo,este artigo busca desvelar o seu pioneirismoao vincular os museus aos movimentos soci-ais, ao articular estas instituições com as estru-turas de poder político e econômico, ao pro-por conceitos museológicos não circunscritosaos acervos e coleções e, em especial, ao con-tribuir com a organização epistemológica dadisciplina aplicada Museologia.

Deve ser ressaltado que o programa depesquisas SIG.RP.MUSP, anteriormente indi-

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 23

cado, é constituído por um conjunto de estu-dos monográficos e/ou biográficos, com opropósito de dar seqüência à organização edivulgação desse pensamento e das açõesmuseológicas desenvolvidas no Estado deSão Paulo. Cabe registrar, ainda, que esteprograma de estudos sobre mentalidadesestá delimitado em análises sobre a açãomuseológica a partir da segunda metade doséculo vinte, considerando, entretanto, a in-fluência fundante e a herança intelectual dopensamento e das ações de Affonso deTaunay junto ao Museu Paulista e de Máriode Andrade junto ao Departamento de Cul-tura da Cidade de São Paulo, uma vez queambos desenvolveram relevantes trabalhosnas primeiras décadas do século passado, le-gando importante patrimônio de idéias e re-alizações, que contribuíram com a delimita-ção de uma ação museológica regional edelinearam as características patrimoniais aserem ressignificadas por ações museológi-cas nas décadas posteriores.

A segunda metade do século passado,foco central do mencionado programa depesquisa, registrou iniciativas direcionadas àformação especializada, à implantação deprocessos museológicos sistêmicos e à ex-pressiva produção acadêmica, consolidandoos campos de ação museológica nesse Esta-do. A partir das realizações de Vinícius SteinCampos, desenvolvidas ao longo da décadade cinqüenta e ligadas ao governo do Esta-do, teve início uma trajetória de profissiona-lização que pode ser identificada em distin-tos vetores de análise e, neste contexto, amuseóloga Waldisa Rússio CamargoGuarnieri, personagem central deste artigo,desempenhou papel referencial, cujo legadoainda carece de estudo, sistematização e so-cialização de suas idéias e realizações. A suatrajetória, no âmbito desse programa de pes-quisas, está embasando a elaboração de umlivro específico, que deverá entrelaçar a di-vulgação de textos inéditos com artigos es-critos por diferentes especialistas.

Neste artigo, a intenção é recuperar de al-guns dos textos elaborados por Waldisa asmarcas que registram as suas idéias em tornoda problemática museológica, sinalizampara a sua sensibilidade em relação à per-cepção sobre os diferentes contextos em queatuou e, ainda, apontam para caminhos iné-ditos para a sua época que a colocam comouma das precursoras, no Brasil, dos postula-dos da Sociomuseologia. Os textos deWaldisa, relativos a trabalhos acadêmicos(dissertação e tese), a artigos publicados emperiódicos, a conferências apresentadas emeventos científico-culturais são sempreargumentativos e permeados por expressõesde convicção inerentes à realidade sócio-cultural. O seu estilo, tanto na escrita quantona fala – revela um olhar sensível voltado àsreciprocidades entre as elites e os marginais,entre o poder e os despossuídos e entre anecessidade de estabelecer museus compro-metidos com as mudanças sociais e as críti-cas contundentes aos museus que abandona-ram a noção de processo. A sua biografia épermeada por ações militantes a favor dasliberdades democráticas e da igualdade soci-al e econômica.

1) OS PRIMEIROS PERCURSOS: O ENCONTROCOM OS CONTEXTOS MUSEOLÓGICOS

A construção da memória da Museologiaé uma tarefa que não pode ser realizada,muitas vezes, sem o estudo biográfico e aanálise da produção de seus principais pro-tagonistas. E não seria diferente em relação àMuseologia paulista, uma vez que São Pauloconta com importantes personagens para ahistoricidade da Museologia brasileira, comoAffonso Taunay, Mario de Andrade, PauloDuarte, Vinicius Stein Campos, Pietro MariaBardi, Maurício Segall, Aracy Amaral, Ernanida Silva Bruno, Walter Zanini, Ulpiano Bezer-ra de Meneses, entre outros e, sem dúvida ne-nhuma, Waldisa Rússio Camargo Guarnieri,personagem principal deste artigo.

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES24

Nascida em 5 de setembro de 1935, emSão Paulo, a produção acadêmica e profissi-onal de Waldisa Rússio – sua identidade pro-fissional – encontra-se bastante relacionadacom as questões sociais, políticas e culturaisque permearam as décadas de sua existên-cia, até a sua morte prematura em junho de1990. Suas primeiras publicações coincidemcom sua juventude e datam de 1943 e têmum caráter literário, incluindo crítica e fic-ção em jornais secundaristas e universitários,além de revistas especializadas.

No ano de 1957, torna-se funcionária pú-blica estadual, exercendo inicialmente fun-ções de Técnica de Documentação, Secretá-ria do Diretor do Departamento da Receitada Secretaria da Fazenda do Estado e, poste-riormente, Assistente Técnica. A sua carreiracomo funcionária pública do Estado prosse-gue e, mediante diferentes concursos, entreas décadas de 1960 e 1990, alcança outrospatamares e responsabilidades, junto à Se-cretaria da Cultura e Secretaria de Ciência eTecnologia. Liderou mudanças administrati-vas, coordenou grupos de trabalho e implan-tou programas culturais. A sua projeção pro-fissional alcançou, ainda, a elaboração dediversos projetos museológicos como, porexemplo, o projeto para a Casa-Museudedicada a Guilherme de Almeida, em SãoPaulo, e a proposta da Estação Ciência, tam-bém em São Paulo, a convite do CNPq.

Em 1959, gradua-se na Faculdade de Direi-to da Universidade de São Paulo. Em parale-lo, também leciona português, história doBrasil, francês e profere palestras. Nesse ano,ela também passa a exercer a advocacia comescritório próprio, voltando, posteriormente,a exercer funções em órgãos públicos.

A sua inserção na área museológica dá-seno final dos anos de 1960, quando participado Grupo Executivo da Reforma Administra-tiva do Estado de São Paulo – GERA, comoresponsável pelos projetos técnico-adminis-

trativos do Museu de Arte Sacra, do Museuda Casa Brasileira e de reorganização da Pi-nacoteca do Estado, todos localizados na ci-dade de São Paulo. Como desdobramentodesse trabalho, no início da década de 1970,torna-se responsável pela estruturação e im-plantação do Museu da Casa Brasileira, assu-mindo a sua direção entre os anos de 1970 e1975. Ainda nessa década, coordena o Gru-po Técnico de Museus da Secretaria de Esta-do da Cultura, para o qual realiza um inven-tário sobre a situação dos museus do Estado,com vistas à readequação da política cultu-ral e museológica paulista. A partir dessemomento, passa a dedicar expressiva aten-ção para os problemas que envolviam osmuseus e identifica a carência decapacitação profissional, mas, ao mesmotempo, descobre a potencialidade destas ins-tituições para o tratamento da herança cul-tural e o respectivo papel político que pode-riam desempenhar.

Nesse período, simultaneamente com ostrabalhos relativos à reforma administrativado Estado de São Paulo, Waldisa dá inícioaos estudos de pós-graduação em CiênciasSociais, na Escola Pós-Graduada da Funda-ção Escola de Sociologia e Política de SãoPaulo/FESP-SP, concentranto as suas pesqui-sas nas reciprocidades entre a história políti-co-administrativa do Estado de São Paulo ea criação e desenvolvimento dos museus, re-fletindo o perfil que sempre marcou a FESP/SP, desde o seu surgimento nos anos da déca-da de 1930, no que tange aos compromissoscom as análises e proposições relativas aoquadro sócio-histórico circundante. É possí-vel considerar que se delineou, em torno desuas pesquisas, um cenário muito estimulan-te para a elaboração de sua dissertação demestrado. Por um lado, os conteúdos trata-dos na Escola Pós-Graduada sempre tiveramo compromisso com pressupostos socialistase, por outro, a oportunidade de conhecer afundo a realidade das estruturas do Estado,permitiram a elaboração de um trabalho

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 25

acadêmico comprometido com a mudançae com a transformação da realidade. É nessemomento que Waldisa dá início aos seus per-cursos pelas rotas delineadas pela Museolo-gia e marcadas pela realidade dos museus.Esses percursos são realizados, cabe registrar,a partir de olhares e percepções construídoscom referenciais teórico-metodológicosprovenientes das Ciências Sociais.

Já em 1977, é convidada pela então presi-dente do Comitê Brasileiro do ICOM,Fernanda de Camargo-Moro, a ingressar nes-te Conselho Internacional de Museus daUNESCO. Além disso, neste mesmo ano de-fende na Fundação Escola de Sociologia ePolítica de São Paulo a primeira dissertaçãode mestrado que aborda a Museologia noBrasil, denominada “Museus: um aspecto dasorganizações culturais num país em desen-volvimento”. Neste contexto, esse trabalho épioneiro nos cenários acadêmicos e, ao mes-mo tempo, reflete a sua percepçãovanguardista ao nomear os museus comoagentes de desenvolvimento.

“O museu deve ser compreendido como

um processo em si mesmo, como uma re-

alidade dinâmica. (...) O museu não exis-

te isoladamente, mas dinamicamente, na

sociedade.”2

“A organização do museu não pode alie-

nar-se do processo social, como um todo;

é esta atitude esquiva de alheamento

que o vem condenando, sistematicamen-

te, ao esquecimento.”3

“Experiência vital para o homem con-

temporâneo, o museu permanece ina-

cessível a parcelas significativas da popu-

lação.

Num país como o nosso, em que a pirâ-

mide demográfica repousa sobre larga

base de crianças e jovens, é imperdoável

que os museus não tenham sido desper-

tados para a necessidade de serem algo

mais que meros ‘complementos’ da edu-

cação formal (...).”4

Em sua dissertação, Waldisa Rússio faz umrecorte da história dos museus, aborda o his-tórico dessas instituições no Brasil e escolheos museus do Estado de São Paulo comoamostragem para seu estudo, evidenciandouma singular capacidade para análise decontextos conjunturais. Para estes últimos,apresenta avaliações de sua situação geral,um estudo contextual e, também, uma análi-se do conceito sociológico de burocracia emrelação a instituições museológicas. Dadosque a levarão a dissertar a respeito da rela-ção entre os recursos humanos e financeirosno museu, sua não profissionalização, o seuelitismo e a necessidade de sua inserção nosprocessos sociais, desenvolvendo, assim, aidéia de inclusão, especialmente, do públicoinfantil em museus. Esse trabalho é, portanto,um divisor de águas nas ondas que têm per-mitido a emergência de uma Museologiapaulista, pois a partir dele, fica evidente anecessidade de compreender o museu comoum fenômeno social inserido em contextosmais amplos.

“Lembraríamos ainda, muito modesta-

mente, mas sem falsos constrangimentos,

que foi na Escola Posgraduada de Ciênci-

as Sociais, da Fundação Escola de Socio-

logia Política de São Paulo, que se apre-

sentou, pela primeira vez, em nosso país,

uma memória sobre a Museologia (12/10/

1977; memória apresentada pela atual

coordenadora dos cursos).”5

Essa dissertação permitiu, também, a cons-tatação da profunda carência profissional naqual os museus do Estado estavam mergu-lhados e, evidentemente, a necessidade dealterar esta realidade para que os museuspudessem corresponder às expectativas noque diz respeito às potencialidades sociais eculturais identificadas pelo mesmo trabalhoacadêmico. Um resultado imediato dessa

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES26

constatação está na origem da criação doCurso de Especialização em Museologia naFESP/SP em parceria com o Museu de Artede São Paulo Assis Chateaubriand/MASP,uma vez que tanto o Professor Pietro MariaBardi, diretor do museu e o Professor Anto-nio Rubbo Müller, coordenador da EscolaPós-graduada, presentes na banca de avalia-ção da dissertação, ficaram sensibilizadospela causa e apoiaram a implantação domencionado curso. Esta singular iniciativapermitiu à Waldisa a concepção e liderançade um processo de ensino, de 1978 até a suamorte, que causou outra ruptura em contex-tos mais amplos. Para a realidade museológi-ca paulista, este curso dá início às possibili-dades de formação especializada para aque-les que se interessavam pelas questões dosmuseus. Entretanto, é possível verificar queesse programa de ensino causa um profundoimpacto nos circuitos museológicos de ou-tras regiões do Brasil, marcando para sempreo perfil da formação profissional em nossopaís.

Esta complementaridade de caráter acadê-mico entre a FESP/SP e o programa da especi-alização idealizado por Waldisa Rússio foi im-portante para a escolha desta instituição paraabrigar o curso em 1978. Cabe fazer algumasconsiderações referentes à formação profissio-nal almejada pela autora e a escolha da FESP/SP para instalação do curso de pós-graduaçãoem Museologia. Embora enfatizasse que o estu-do da Museologia exigia um trato interdiscipli-nar e lhe parecesse viável que fosse em nívelde pós-graduação, pois os estudantes já possu-em o domínio de uma disciplina, WaldisaRússio propunha a formação em vários níveis,por acreditar que esta seria uma atitude maisaberta e propícia à realidade brasileira, consi-derando a diversidade política, econômica esociocultural, além da coexistência de tempossociológicos diferentes.

“Há que se cogitar de uma hierarquia decargos e funções museológicas, contem-

plando não apenas as direções e chefias,mas lembrando a multiplicidade dos

tempos sociológicos brasileiros e as pro-

fundas diferenças regionais, para quenão se perca o patrimônio cultural e a

herança do povo brasileiro, onde ape-

nas for possível a curto e médio prazo

profissionais de nível médio e, mesmo,

apenas pessoas treinadas ou que te-

nham recebido a “capacitação profissio-

nal” supletiva da formação adequada

ideal.”6

Assim, o fato de ter escolhido a FESP/SP eo curso em nível de pós-graduação em Mu-seologia deve-se também a pelo menos, se-gundo a museóloga, duas razões de fato euma de fato e de direito:

“A primeira diz respeito à instituição em

que foi instalado o Curso; a segunda (ain-

da de fato), diz respeito ao momento em

que surgiu o curso; a terceira (de fato e

de direito) tem a ver com novos regula-

mentos expedidos pelo MEC, em

1977.”7

Em relação à instituição, considerava aFESP/SP uma instituição pioneira na forma-ção de pesquisadores e cientistas sociais, oque lhe dava uma reciprocidade com os ide-ais da autora:

“(...) Convém lembrar que quando sobre-

veio o decreto-lei de 1946, que reconhe-

ceu e autorizou o funcionamento da

FESP/SP, esta já possuía, desde 1941, a Es-

cola Pósgraduada, e, desde 1933, a Escola

Livre de Sociologia e Política, posterior-

mente transformada em bacharelado

sob o nome de Escola de Sociologia e

Política de São Paulo.”8

Além disso, a autora também destaca, emrelação à origem do curso de Museologia naFESP/SP, a intrínseca relação com a sua pro-posta pedagógica e a metodologia:

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 27

“O fato de o curso ter surgido junto a

esta Escola beneficiou sua estrutura e

forma pedagógica desde o início, pois se-

guiu a trilha da Escola Pósgraduada, esta-

belecendo não apenas a multiprofissio-

nalidade, como essencial ao desenvolvi-

mento do programa pedagógico, mas,

também, a interdisciplinaridade como

método.”9

Ainda em relação à criação de cursos deMuseologia, a autora apresenta a visão doMEC naquele contexto em relação ao bacha-relado e discute a situação dos cursos já exis-tentes:

“O momento em que surgiu o curso é

outro dado importante. Em 1977, o MEC

se manifestava contrariamente à abertu-

ra de outros cursos de Museologia em ní-

vel de bacharelado. O curso da UFBA se

encontrava praticamente bloqueado,

sem nenhuma manifestação de protesto,

exceto a solitária e solidária atitude do

Prof. Mário Barata que enviou uma carta

ao Reitor daquela instituição, manifestan-

do-se contra o fechamento do curso.”10

Também vale ressaltar, conforme textos deWaldisa Rússio, que São Paulo encontrava-sefora do eixo de discussão e de criação decentros para formação na área de Museolo-gia, considerando que, em sua dissertação demestrado, fica registrado que a realidadeprofissional de São Paulo não tinha sidotocada pela formação profissional já existen-te no país desde a década dos anos 1930 noRio de Janeiro e o quanto esta questão inter-feria na qualidade dos trabalhos museológi-cos existentes na cidade de São Paulo e portodo o interior do Estado.

“Encontros de cultura, realizado em

Brasília e Salvador, propunham um Siste-

ma Nacional de Museus: este previa al-

guns Pólos Regionais de Formação, situ-

ando-os no Rio de Janeiro, Bahia, Recife,

Porto Alegre e Curitiba, ou seja, São Pau-

lo não teria nenhum centro de formação

de pessoal para museu.

Foi nesse momento que surgiu a Resolu-

ção 14/77 do CFE/MEC. Ela nos proporcio-

nava um duplo e útil instrumento de tra-

balho: em primeiro lugar, um artifício le-

gal, válido, ético e eficaz juridicamente,

pelo qual poderíamos, enfim, criar cursos

de especialização que, feitos

seqüencialmente, se somariam, perfa-

zendo os créditos necessários a um

Mestrado dentro da Escola Pósgraduada

de Ciências Sociais.”11

2) A difusão de suas idéias: projetos, aulas,conferências e publicações

Em 1980, Waldisa Rússio prossegue suatrajetória acadêmica e defende seudoutoramento com o título “Um Museu deIndústria para a cidade de São Paulo”. Suatese caracteriza-se não só como um estudoacadêmico, mas também como um projetomuseológico para instalação de um Museude Indústria em São Paulo. As proposiçõesde Waldisa Rússio fundamentam-se, princi-palmente, no caráter processual da institui-ção museológica com diferentes sedes, naconsideração do patrimônio material e ima-terial deste segmento e na interdisciplinari-dade da equipe de trabalho. Além de docu-mentar e revalorizar o patrimônio industrial,o museu atuaria, segundo a autora, no esti-mulo à consciência crítica em relação à in-dustrialização no Brasil e na valorização dotrabalho como fruto da ação humana. Apon-ta como elementos estruturadores da tese:

“Partindo da análise de alguns dos princi-

pais museus genericamente denomina-

dos de ciência, indústria e técnica no

mundo, e dos projetos existentes no Bra-

sil, formula-se a proposta de um Museu

Industrial em São Paulo, com base no

desenvolvimento histórico-social da re-

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES28

gião, na realidade brasileira, trazendo no

bojo do projeto algumas constribuições

novas no que diz respeito a: a) apresenta-

ção de tese quanto aos elementos for-

mais; trata-se de um projeto museológico

e seu embasamento científico; b) quanto

ao museu proposto em si, como museu-

processo, na medida em que é de múlti-

pla-sede (novidade no Brasil): núcleo cen-

tral, museus setoriais e museus de fábrica

(este, o ponto nodal do museu-processo;

c) quanto à ética de aquisições: não se

apropriar de objetos pertencentes à his-

tória local ou regional (ética expressa-

mente mencionada e enfatizada); quanto

ao caráter interdisciplinar e recrutamen-

to de pessoal técnico em vários graus de

escolaridade e de “status”; exemplo mais

típico: monitores-operários (atores);

monitores-alunos do SENAI ou operários

aposentados (intérpretes e monitores-

universitários (monitores stricto sensu); e)

não se restringe a ser um trabalho aca-

dêmico, mas formula uma proposta con-

creta de museu, exequível e adequado à

nossa realidade, exatamente porque

emerge dessa mesma realidade.”12

Esse trabalho que, mais uma vez, abre alaspara o museu ser considerado um fenômenopassível de análise acadêmica, avança emmuitas direções que enraizam, ainda mais, asidéias de Waldisa em uma estratigrafia deações e idéias que possibilitarão um novo de-senho para o surgimento de uma Nova Muse-ologia e da Sociomuseologia. Trata-se de umatese que inaugura a noção de processo comométodo museológico para a implantação demuseus, surpreende pela ênfase que é dada àsidéias de redes e sistemas patrimoniais, confir-ma a necessidade de uma postura ética frenteàs desenfreadas espolições das referênciasculturais e reitera a refinada percepção daautora em relação às potencialidades museo-lógicas para o tratamento da herançapatrimonial, pois em suas próprias palavras:

“É tempo de repensar os valores, para

poder projetar novos fins e cogitar novos

meios para atingí-los, legitimados numa

esperança de preservação das raízes

humanísticas e ecológicas; é tempo de se

documentar a memória de um processo

que se está perdendo mais rapidamente

do que as demais facetas da civilização e

da cultura por ele engendrado.”13

“Os museus são filhos da sociedade que

os engendra... e, como todos os filhos,

servem para ajudar os “pais” no seu pro-

cesso de atualização, de reciclagem do

mundo.”14

Ainda se referindo ao Museu da Indústriaproposto nessa tese, a autora informa:

“É um museu dinâmico pelas próprias

tensões sociais que registra: talvez seja

dos poucos museus em que não se tenha

a impressão de que a Vida parou. A vida

e suas angústias; a vida e suas alegrias; a

vida e suas contradições; a vida pulsan-

do, latejando como sangue nos corações

dos Homens.”15

A práxis museológica proposta porWaldisa Rússio rompe com uma possíveldicotomia entre o homem e o mundo, ouainda, com uma separação objetiva entre ohomem e sua realidade, tornando-se umateoria e uma prática que entendem que ohomem, o objeto e o cenário desse encontrosão constituídos pelo mesmo estofo social,histórico e político.

“(...) Podemos dizer que é através da mu-

sealização de objetos, cenários e paisa-

gens que constituam sinais, imagens e

símbolos, que o Museu permite ao Ho-

mem a leitura do Mundo.

A grande tarefa do museu contemporâ-

neo é, pois, a de permitir esta clara leitu-

ra de modo a aguçar e possibilitar a

emergência (onde ela não existir) de

uma consciência crítica de tal sorte que a

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 29

informação passada pelo museu facilite

a ação-transformadora do Homem.”16

Verifica-se, assim, uma interface de suasvisões, explicitadas em seus trabalhos acadê-micos, com o contexto político e social deuma sociedade brasileira em transição. Nestesentido, é possível perceber intercruzamen-tos de suas propostas com as idéias e ideaisdo educador brasileiro Paulo Freire, do urba-nista argentino Jorge Enrique Hardoy, do ani-mador de desenvolvimento comunitáriofrancês Hughes de Varine-Bohan, por exem-plo, no que concerne ao reconhecimento darelação entre a apropriação de conhecimen-tos e a capacidade de decisão; da permanen-te visão crítica como vocação natural do serhumano; da necessidade de uma conscienti-zação para que o ser humano renuncie a umpapel de espectador, rompendo com a aco-modação diante do mundo e assuma umaresponsabilidade existencial como sujeito naação-transformadora diante da vida.

Ao longo de sua trajetória, mas com maiorênfase no início da década dos anos de 1980,evidencia-se uma correlação entre suas prá-ticas profissionais e a busca de explicações eteorizações contextualizadas nas CiênciasSociais, possibilitando seu aperfeiçoamento,ao mesmo tempo em que difundia seus co-nhecimentos e experiências, através dos cur-sos e palestras que proferia, e que contem-plavam temas como educação em museus,formação e capacitação profissional, gestãomuseológica, a função dos museus na con-temporaneidade, a questão do museu e turis-mo, entre outros.

“Uma das mais sérias questões referen-

tes à preservação e comunicação do pa-

trimônio cultural, pois o trabalho de mu-

seu é de fundamental importância para a

manutenção do trinômio orientador do

processo cultural: esse trinômio consiste

em três atividades distintas e interliga-

das, a saber, preservar, informar e agir.

No processo cultural, a ação de preser-

var implica em criar uma memória cujo

repertório serve à informação, que por

ser conscientizadora precede toda a

ação modificadora, geradora de novos

fatos culturais.

Este circuito exige, pela sua própria dinâ-

mica, a intervenção de agentes culturais

extremamente participantes, conscientes

e críticos. É aí que se interligam as pala-

vras: museologia, museu, museólogo.”17

Sendo assim, nas proposições de WaldisaRússio a Museologia também guarda um es-paço de reflexão no qual o ser humano poderever-se, ver o outro, o seu tempo e suas res-ponsabilidades, caracterizando-se tambémcomo uma especificidade dessa área permi-tir uma ambivalência dialógica entre o insti-tuído e o porvir.

“Essa historicidade do Homem, de que

ele se faz cada vez mais consciente ao

mesmo tempo em que conhece sua

finitude, leva-o a aspirar a sua transcen-

dência; essa transcendência que ele só

irá encontrar no sonho que arquitetou,

na ciência que produziu, no artefato que

logrou construir, na compreensão que

deu aos objetos do mundo ao seu redor,

naturais ou modificados pelo seu traba-

lho; este registro e este trabalho que irão

agasalhar-se nos museus, sob a forma de

objetos e artefatos, marcando a pereni-

dade da ação e da inteligência compre-

ensiva e modificadora do Homem, aquilo

que marca a sua transcendência e redi-

me a sua finitude.”18

Envolvida pelos desafios de implantar umcurso de especialização que atraia fortes reaçõesno cenário acadêmico vinculado à Museologiano país e de desenvolver um projeto pioneirono que diz respeito ao perfil museológico doMuseu da Indústria em São Paulo, Waldisa passaa desempenhar um papel referencial em deba-tes públicos, inseridos nos mais variados even-

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES30

tos relativos aos processos de redemocratiza-ção que o Brasil passa a vivenciar no final dosanos da década de setenta.

Vale lembrar, também, que Waldisa Rússiofoi testemunha dos anos de repressão e cen-sura, além de viver a expectativa pela abertu-ra política do país. Sua produção, dessa for-ma, também se vê permeada pela inquieta-ção de ideais de democratização de conhe-cimentos e igualdade social. Para ela, então,a instituição museológica não pode estar se-parada da vida e da realidade, devendo tam-bém engajar-se nesses processos, tendocomo um de seus papéis fundamentais di-fundir conhecimentos e instigar a capacida-de de reflexão e questionamento.

“Ora, nós, brasileiros, vivemos ainda a

tentativa de superação de entraves à

nossa independência econômica, política,

cultural, a qual necessariamente passa

pela superação da dominação científica e

tecnológica. Esta independência está ínti-

ma e essencialmente ligada à comunica-

ção do conhecimento científico e

tecnológi­co e da formação de novas,

mais numerosas e mais intensas voca-

ções na área. Daí o projeto museológico

estar vinculado, também, a esse compro-

misso, dentro de uma metodologia clara

de ‘pesquisa/conhecimento/ação’.”19

Essa necessidade de relacionar o contextomuseológico ao momento histórico brasilei-ro, fundamentando-se continuamente nestebinômio museu-sociedade, reafirmando afunção política-social da instituição museo-lógica também transparece na sua preocupa-ção na escrita de uma memória para a Muse-ologia brasileira e, especialmente, para umaMuseologia paulista.

“Em países como o nosso e como grande

parte dos latino-americanos, caça de re-

serva do capitalismo internacional, e que

forças poderosas e retrógradas preten-

dem manter como quintais do mundo

dito ‘subdesenvolvido’, e que são, lamen-

tavelmente, importadores de todo um

lixo cultural distribuído intensamente

através de embalagens mais, ou menos,

atraentes pelos veículos de comunicação

de massa, os museus nacionais são

uma necessidade e uma urgência. Tes-

temunhos de nossa identidade cultural,

repertórios organizados de nossa memó-

ria, os museus nacionais cumprem, ou

devem cumprir, cada vez mais, seu desti-

no de resistência a uma invasão que

tenta desde seus inícios, anular as nacio-

nalidades. Não se fala, aqui, de um naci-

onalismo infantil: fala-se de uma naciona-

lidade suficientemente fortalecida para

dialogar com outras, fala-se de uma iden-

tidade que se afirma através das

alteridades.”20

Se no início de suas análises museológi-cas, ainda nos anos da década de sessenta, ocontexto sociocultural expressava as amar-guras de uma convivência com os regimespolíticos autoritários e os respectivos refle-xos nas instituições da cultura e do patrimô-nio, já a partir do final dos anos de 1980 oseu olhar vai se dirigir para a importância doengajamento dos museus e da Museologianas frentes que a sociedade civil abria, deli-neando novos contextos socioculturais.

A historicidade do fenômeno museológi-co paulista e brasileiro destaca-se ao longodos escritos ou de palestras proferidas porWaldisa Rússio, dos quais podem ser citados,como exemplos, “Existe um passado museo-lógico brasileiro?” (1979), “Museus de SãoPaulo” (1980), “O mercado de trabalho domuseólogo na área da Museologia” (1982),“Museus Nacionais: O ‘Museu da República’”(1989). Nesses, ela reitera a necessidade deformação profissional em Museologia e dacapacitação continuada dos profissionais demuseus; diagnostica a situação dos museusbrasileiros e procura identificar suas influên-

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 31

cias e características; denuncia a permanên-cia de uma elitização tanto do ambiente,quanto da ocupação das funções; além dereconhecer algumas renovações, tendênciase seu potencial institucional.

“São Paulo, apesar de tudo, passa por um

renascimento na área de museus: discu-

te-se (ao menos, a falta de uma ação efe-

tiva e mais dinâmica, a discussão existe)

a dessacralização dos museus, a

am­pliação dos públicos, o serviço

educativo e a ação cultural. É ver­dade

que a discussão não sensibiliza a todos;

não é extensa, embora, em certos seto-

res, se faça já em nível profundo.

Mas existe, ainda, a proliferação caótica

e, em vários ní­veis, a institucionalização

demagógica e o ranço colonial lutando

contra a especialização e profissionaliza-

ção. Uma terrível luta en­tre a valorização

do profissional e o filhotismo, que vê nas

escolas, na formação específica, o seu mai-

or inimigo. Enfim, há grandes

an­tagonismos e grandes contradições na

paisagem museológica paulista. Mas essa

contradição mesma não seria, em si, um si-

nal de vitalidade, um sintoma de mudança.

Esperemos que sim. Esperemos que, do

mero crescimento nu­mérico (expressão,

talvez, na área cultural, do nosso próprio

caóti­co e desordenado crescimento)

passemos agora à uma outra fase, mais

feliz porque mais racional; uma fase

em que, nos museus, se verifique o es-

forço construtor a que, até por necessi-

dade de sobrevivência, está se dirigindo

o movimento nosso de industrialização,

mola mestra do desenvolvimento, pro-

cesso gestáltico, distêrnico, globalizante e

interativo.”21

Ao longo dos anos, também consolida suaatuação no ICOM, sendo designada a repre-sentar o Brasil em diferentes ocasiões, tantocomo participante de congressos, quantocomo ministrante de palestras e cursos. Entre

essas atividades, destaca-se sua participaçãono Comitê Internacional de Redação do Di-cionário Internacional de Museologia, ativi-dade para qual viaja anualmente para aHungria e para Portugal durante os anos de1983 e 1987. Nesta mesma direção, também éimportante destacar que o trabalho e as pro-postas de Waldisa Rússio têm um caráterinstituinte no contexto brasileiro. Desta for-ma, a construção de um vocabulário ou deum léxico que colabore para a melhor com-preensão do fenômeno museológico e deli-mite uma área de atuação também é recor-rente em seus escritos, como se percebe abai-xo no uso de termos como: museografia,projeto museográfico, curadoria, comunica-ção museológica, conservação e açãoeducativa e cultural.

“No projeto museográfico considerare-

mos toda a ação prática proposta para

viabilizar o projeto museológico em ter-

mos de curadoria (identificação, docu-

mentação e, obviamente, coleta de acer-

vo e seu acompanhamento), conserva-

ção (incluindo os aspectos de segurança,

conservação preventiva e eventual res-

tauro, abrigo em reservas etc), comuni-

cação museológica (exposição, publica-

ções de museu) e ação educativa e cul-

tural, obviamente uma forma de comu-

nicação museológica que por sua especi-

ficidade e interações com a Educação

(não-formal, num sentido mais alto e

mais amplo envolvendo não só Educação

continuada mas preparação para a

vida) já se constitui em sub-domínio da

Museografia.”22

“Na realidade, a Museologia nasce com a

Museografia para, aos poucos, vencer a

gradação que separa o “Grapho” do

“Logos”. Assim, de inicio temos efetiva-

mente a Museografia, mera descrição do

fato museológico e soma de conhecimen-

tos práticos servindo à finalidade de

montagem de exposições e apresentação

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES32

de objetos. Porém, gradativamente, e a

medida em que se desenvolvem os pró-

prios museus, a Mu­seografia vai se cons-

tituindo em aspecto de uma ciência em

constru­ção, a Museologia. E esta se faz,

cada vez mais, sistema de conhecimento,

resultante de observação e experimento

com método próprio, partindo para a

formulação de leis e o reconhecimento

do fato museológico, definido em catego-

rias e hierarquizado.”23

Além disso, na produção de Waldisa Rússio,estimulada pela dinâmica do ICOFOM/ICOM –Comitê de Teoria Museológica do ConselhoInternacional de Museus transparece a tentati-va de constituir uma epistemologiamuseológica não só fundamentada emparâmetros técnicos, mas em construir umaepistemologia relacionada ao social.

“E me pergunto se a formação dada aosmuseólogos tem sido adequada às necessida-des não apenas de acompanhar as mudan-ças tecnológicas, mas, sobretudo, de viver ecompreender os problemas e as questões danossa sociedade e do nosso tempo? Estamosformando técnicos ou cientistas e trabalha-dores sociais? Sei que algumas destas ques-tões não se referem ao MinC, mas são funda-mentais para o aperfeiçoamento dos nossosmuseus.”24

Não são parte das preocupações deWaldisa Rússio somente a formação e acapacitação profissional dos museólogos edos profissionais que atuavam em museus,mas ela também sentiu uma inquietação re-lativa à necessidade da sua organizaçãocomo categoria profissional. Em 1983, então,lidera a organização da Associação Paulistade Museólogos – ASSPAM, da qual foi suaprimeira presidente, e da Associação de Tra-balhadores de Museus – ATM.

Waldisa Rússio enxerga a atuação profissi-onal do museólogo como um trabalhador

social, o qual tem seu trabalho estritamenteligado não somente ao cumprimento deuma função social, mas de quem trabalha deforma consciente com o social, colaborandopara incutir ações de mudança. Esse traba-lho associativo trouxe outras possibilidadesde articulação com os ex-alunos, já forma-dos pelo mencionado curso de especializa-ção, com profissionais de outros campos quetambém militavam pelo reconhecimentoprofissional, mas serviu, sobretudo, para di-fundir em escala nacional que em São Paulocriava-se uma diferenciada forma de atuarem relação aos museus. Esta marca vaipermear o desenho do cenário da Museolo-gia paulista a partir dos anos de 1980, comreflexos até os dias de hoje. Ainda nesse con-texto, liderou a organização de vários en-contros, seminários e viagens culturais quese embrenharam na realidade museológicapaulista. A ASSPAM teve, também, participa-ção decisiva na regulamentação da profissãode Museólogo (1984) embora as suas refle-xões não foram devidamente consideradasna versão final da Lei n.º 7.287, de 18 de de-zembro de 1984.

“Portanto, é claro que a preservação do

patrimônio cultural é um ato e um fato

político e temos de assumí-lo como tal,

mesmo nas nossas áreas específicas de

atuação profissional.

No caso do museólogo, trabalhador soci-

al, significa não recusar a dimensão e o

risco político social do seu trabalho.”25

No ano de 1984, organiza o Instituto deMuseologia de São Paulo, que tem sua ori-gem no Curso de Especialização em Museo-logia da Escola Pós-Graduada de CiênciasSociais da Fundação Escola de Sociologia ePolítica de São Paulo (FESP/SP), sendo suaprimeira diretora. Nesse novo programa deensino, procura vincular a perspectiva depesquisa às propostas de formação especi-alizada. Além disso, também é a primeira la-tino-americana a ministrar aula no Seminá-

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 33

rio Internacional de Formação de Pessoal, aconvite do Ecomuseu da Comunidade Urba-na do Creusot, França, sobre o projeto Museuda Indústria e de suas propostas de caráterinclusivo para diferentes públicos, incluindocrianças e pessoas com deficiência.

As questões que vão embasar os grandesdebates museológicos no final da décadados anos de 1990, relativos às formas comoos museus podem enfrentar desafios de in-clusão cultural e social, já aparecem muitotempo antes nos textos de Waldisa e, de for-ma reiterada, ela organiza o seu pensamentocom vistas a refletir sobre novos métodos detrabalho.

É durante suas palestras e visitas nacionaise internacionais que Waldisa tem contatocom as múltiplas experiências nos distintoscenários da Museologia. Assim, ela procurarefletir sobre essas possibilidades de atuaçãono âmbito brasileiro. Como se evidencia naanálise da Exposição sobre “Tropa, Tropeirose Tropeirismo”, apresentada no MASP no fi-nal do ano de 1979, e concebida pela pri-meira turma dos alunos do Curso de Especi-alização em Museologia, que contava em seuroteiro expositvo com um local específicopara crianças, no qual a terceira idade e ou-tros visitantes participavam das atividades.

“Nos últimos dois anos, percorri, em estu-

dos, alguns países: Inglaterra, Portugal,

França, Itália, Israel, Estados Unidos, Mé-

xico. Fiquei aturdida com o número de

crianças – não somente escolares – que

pude ver nos museus destes países.

Do pequenino Portugal ao novíssimo Is-

rael e aos superpoderosos Estados Uni-

dos, é inacreditável o número de crian-

ças que não apenas visitam, mas partici-

pam de atividades especiais dos mu-

seus.”26

“Liberta, participante e ativa, respeitada,

a criança passa a amar e respeitar o es-

paço que a recebe e a abriga, no qual

convive com os objetos, nem os danifica;

convive com eles. Depois de tantos anos

de proibições, de equívocos e de

desinformação, é tempo de os dirigentes

e o pessoal de museu passarem a ver na

criança o seu pú­blico de hoje e de ama-

nhã, o seu agente polarizador de outros

públi­cos (como a Propaganda já o desco-

brira, anteriormente). Sobretudo, é pre-

ciso que os museus repensem a sua fun-

ção como efetivamente humanizadora,

e, dentro dessa função, programem seus

métodos voltando-se também, e princi-

palmente, para as crianças.”27

Nos estudos sobre Waldisa Rússio, perce-be-se a interlocução entre a teoria e a práticamuseológica e a aguda percepção em rela-ção ao seu entorno sociocultural. Neste sen-tido, busca organizar saberes não só no cam-po empírico, mas também o enriquecimentoconceitual e a tentativa de elaboração de al-guns princípios que concedam à Museologiaum aprofundamento e um arcabouço acadê-mico28.

“Vinculada à prática museal, a Museolo-

gia teve seu desenvolvimento científico

retardado pela estreita ligação de sua

base institucional, o museu, com o Poder

(Político e Econômico). É com essa subor-

dinação nítida que se formam as cole-

ções e a ênfase que a elas é dada, en-

quanto quantidade e valor de raridade,

antigüidade ou autenticidade. As cole-

ções refletem o poder ou o saber, que é

também uma modalidade do Poder. Sem

perderem essa conotação, as contradi-

ções de nossa época possibilitam uma re-

flexão crítica que ultrapassa o Museu

para preocupar-se com o fato que nele

(museu) acontece.

É assim que a Museologia, em suas ori-

gens, uma mera descrição do museu e de

suas coleções, vai se alçar à posição de

estudo das relações entre o Museu e a

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES34

Sociedade e, finalmente (estágio atual), à

Ciência das relações entre o Homem e a

Realidade, segundo Gregorová; ou, das

relações entre o Homem e sua Herança

Cultural, segundo Van Mensch, ou, segun-

do o nosso próprio conceito, a Ciência do

fato museológico, entendido sempre em

um processo, e constituído pela relação

profunda entre o homem, sujeito que

conhece, e o objeto, parte da realidade,

da qual o Homem também participa,

num cenário institucionalizado, o mu-

seu.”29

Ainda nesta construção do valorepistemológico da Museologia, WaldisaRússio, identificará a especificidade destaárea de estudos tanto no seu caráter interdis-ciplinar como método de pesquisa e ação,quanto na reflexão sobre a relação homem/objeto/sociedade, no qual o objeto museali-zado insere-se em uma nova semântica queo torna não só compreensível em si e em umcontexto, mas com o qual será possívelreleituras do mundo. A Museologia, assim,inscreve-se entre as ciências humanas e soci-ais, já que terá como sujeito e objeto de estu-do a ação humana na sociedade.

“Como vimos, este processo comporta

vários níveis: a consciência, a

internalização, a concentração, a alimen-

tação do repertório da memória, ponto

de partida do senso crítico que elabora as

comparações. Ao mesmo tempo, o ho-

mem em relação com o objeto (parte de

uma realidade à qual ele também partici-

pa e sobre a qual é capaz de interferir) –

passa de um comportamento passivo, de

simples função, a um comportamento po-

tencialmente ativo e criativo. Ele deve

então não somente formular julgamento,

mas transformações. Ele é capaz de com-

preender e de aceitar a novidade, as

transformações de uma sociedade em

contínua evolução e todo o processo ci-

entífico, histórico e social. Essa relação

profunda entre homem e objeto, a qual

primeiro se estabelece somente com os

objetos materiais, agora ampliou-se às

criações abstratas, na medida em que se

pode relacioná-las materialmente.”30

A museóloga paulista identificará, então,como objeto de estudo da Museologia o fatomuseal ou fato museológico. Sendo assim,para ela, então, o conhecimento museológi-co abarca não somente o conhecimento téc-nico racional e sistemático, ou ainda, o co-nhecimento teórico das disciplinas que sus-tentam o caráter interdisciplinar da Museo-logia. Mas o conhecimento museológicotambém é construído por uma prática naqual este conjunto de conhecimentos adqui-re um caráter processual de interdependên-cia, reciprocidade, conexões e coerência.

“(...) O fato museal é a relação profunda

entre o homem, sujeito conhe­cedor e o

objeto, parte da realidade à qual o ho-

mem igualmente pertence e sobre a qual

tem o poder de agir.

(...) Assim, a Museologia constitui um

ramo específico do conhecimento

cientifico (lógico, racional, sistemático)

que não dispensa sua prática, para a

qual são elaborados técnicas e procedi-

mentos, instrumentos operacionais de

trabalho baseados no conhecimento

cientifico anterior; um conheci­mento

cientifico que se renova e rejuvenesce

com o auxílio da prática e do empírico,

compreendidos aqui como a experiência

vivida, a atividade consciente que, no

momento de visão e de re-visão e da

leitura ou re-leitura do mundo, do real,

do natural, ajuda a construção e o de-

senvolvimento do cultural, do conceitu-

al, do histórico.”31

Já em relação ao caráter interdisciplinarda Museologia, a autora destaca que esta seconstitui por diferentes domínios de conhe-cimento e seus objetos de estudo, além de

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 35

disciplinas auxiliares e complementares, osquais estão em contínua interação.

“A explicação que os diferentes ‘tipos’ de

conhecimento são colo­cados em dife-

rentes níveis é fundamental para a defi-

nição do campo de co­nhecimento muse-

ológico (Museologia como ciência) e leva

a importantes conseqüências no terreno

do ensino museológico (Museologia en-

quanto conhecimento científico ou disci-

plina para ensinar e aprender) e, portan-

to, da formação profissional.”32

A análise do conjunto da obra de WaldisaRússio, em grande parte ainda inédita, carac-teriza o pioneirismo de seu trabalho e a atua-lidade de suas idéias e propostas para a Mu-seologia na contemporaneidade, no queconcerne à inserção da Museologia na pers-pectiva das ciências humanas e sociais, alémde propor a dinamização da instituição mu-seológica, tendo em vista a sua vinculaçãoaos processos de desenvolvimento social ede conhecimento científico.

“Por outro lado, essa relação dialógica

entre Homem e Objeto (no caso, o Obje-

to é o próprio Fenômeno Científico), que

constitui o cerne do fato e do processo

museal e museológico, é essencial à pro-

posta da Estação Ciência, concebida

como cenário (no sentido antropológico

do termo) para a plena realização desse

diálogo alimentador de memória e

realimentador do processo de criação ci-

entífica, ambos essenciais para o País.

(...) Está superada a fase do museu + re-

flexo da sociedade; inicia-se e impõe-se

a fase do museu-processo e do museu

agente modificador da realidade social.”33

Seus estudos e proposições, além de umavisão precursora, inserem a autora na atuali-dade de problemáticas e questões que aindarondam o cotidiano das instituições museo-lógicas, no que diz respeito à revisão dos

processos, à inclusão sociocultural, ao cará-ter interdisciplinar do conhecimento muse-ológico e à formação profissional. Além decaracterizar o cerne da ação museológicacomo essência da própria ação humana nosprocessos de construção das identidades eda memória social, bem como das ações depreservação e transformação do patrimônioem herança.

“Da mesma forma, podemos dizer que o

museu constitui a forma mais artificial de

preservação e construção da memória

social e de sua comunicação. Entretanto,

como o cantar da voz humana, pode­rá

ele transmitir tal mensagem de vida, co-

nhecimento e emoção, que nenhum de

nós virá jamais a se lembrar da sua

‘artificiali­dade’ que, afinal, é a de mais

um dos inúmeros artefatos do homem.

(...) É preciso mudar o mundo. É preciso

respeitar a Vida. É preciso realizar um

desenvolvimento que se faça em benefí-

cio da maioria dos homens e em benefí-

cio de todos os seres vivos. Se o

Cientificista da Renascença, versátil e

universal, se preocupava com as dimen-

sões do Homem e com o compromisso da

Ciência para com o Ho­mem, o Cientista

da atualidade, altamente especializado,

mas cônscio de sua responsabilidade hu-

mana e social, preocupa-se sim com as

dimensões do Homem, dimensões que se

estendem para lutar em benefício de to-

das as formas viventes. Esta inquieta­ção

e esta atitude têm de estar reveladas em

toda a exposição, mas também na ação

educativa e cultural a ser desenvolvida

pela Estação Ciência.”34

No dia 11 de junho de 1990, após uma via-gem ao México, morre Waldisa Rússio vítimade moléstia cardíaca. A sua trajetória profis-sional e acadêmica pode ser balizada, entrea sua dissertação e a sua tese, pela descober-ta da Museologia pelos caminhos das Ciênci-as Sociais, ao analisar a função dos museus

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES36

em uma reforma administrativa do Estado eao assumir a função de implantar um museucomo assistente técnica na Secretaria deCultura, Ciência e Tecnologia em São Paulo.Para tanto, procurou os cursos de Museolo-gia da Bahia e do Rio de Janeiro, levantoubibliografia, estabeleceu contatos e acaboucriando o Curso de Especialização em Mu-seologia da FESP/SP, influenciando comsuas idéias a formação de dezenas de profis-sionais que desempenham diferentes papéisna condução da Museologia entre nós.Além disso, o fato de ter se vinculado aoICOM possibilitou não somente que conhe-cesse o pensamento de estudiosos estran-geiros, mas também desenvolvesse umacorrespondência profícua, explicitando assuas idéias para profissionais das mais varia-das proveniências.

Sintonizada com sua época, a década de70 e 80 do século XX levantava uma série dequestões sobre a atuação dos museus na so-ciedade. “O museólogo é um trabalhadorsocial”, dizia Rússio. Incoerente seria con-ceber a Museologia como uma disciplinatecnicista, restrita ao tratamento das cole-ções museais. A interlocução com outrasáreas do conhecimento poderia articular eorientar as práticas museológicas visandoao desenvolvimento das sociedades. Destaforma, sua trajetória esteve intrinsecamenteligada, de forma pioneira, às preocupaçõesde uma Museologia Social. Em outros ter-mos, dos pressupostos da Sociomuseologia,que impregnaram a realidade museológicapaulista.

Essa preocupação em definir a Museolo-gia, para além do caráter epistemológico, re-verberava em dois aspectos que coaduna-vam com seu pensamento: a sistematizaçãoda Museologia e a formação profissional. Erapragmática. Somente formando de maneiracrítica os profissionais de museus seria possí-vel colocar em prática uma Museologiaengajada.

“O museu tem sempre como sujeito e ob-

jeto o homem e seu ambiente, o homem

e sua história, o homem e suas idéias e

aspirações. Na verdade, o homem e a

vida são sempre a verdadeira base do

museu e que faz com que o método a ser

utilizado em Museologia seja essencial-

mente interdisciplinar, posto que o estudo

do homem, da natureza e da vida, de-

pende do domínio de conhecimentos ci-

entíficos muito diversos.

Quando o museu e a Museologia, no sen-

so global do termo, estudam o ambiente,

o homem, ou a vida, são obrigados a re-

correr às disciplinas que a exagerada es-

pecialização atual separou por completo.

A interdisciplinaridade deve ser o méto-

do de pesquisa e de ação da Museologia

e, portanto, o método de trabalho nos

museus e cursos de formação de

museólogos e funcionários de museu.”35

A sistematização da área disciplinar foiuma de suas preocupações e, pode-se afir-mar, um de seus legados à Museologia. O ca-ráter reflexivo de seu trabalho tem continui-dade com aqueles que conviveram e parti-lharam de seu pensamento. Este se refletetanto no âmbito da formação profissional,quanto na sistematização do conhecimentomuseológico.

“Quero esclarecer que neste quadro de

referência situarei meu trabalho, o qual

penso ser mais uma reflexão do que um

princípio básico: uma reflexão que aten-

da ao diálogo e à crítica, sem os quais

ficaria fechada em si mesma, sem a pos-

sibilidade de se estender e se enriquecer,

ou, também, fazer sua revisão.”36

Waldisa Rússio pautou a sua trajetóriaprofissional com diferentes formas deengajamento e enxergou nos museus a sin-gular potencialidade para a promoção dasmudanças sociais. Encarou o ensino comouma missão e conseguiu sensibilizar os seus

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 37

alunos para os desafios relativos a esta poten-cialidade. Os seus textos refletem os contex-tos pelos quais a museóloga transitou, mas,em especial, revelam as suas preocupaçõesreiteradas com equilíbrio entre preservaçãopatrimonial e desenvolvimento social.

Bibliografia Consultada:

RÚSSIO, Waldisa. Museu: um aspectodas organizações culturais numpaís em desenvolvimento. São Paulo, Dis-sertação ( Mestrado) FESP/SP, 1977.

_____. Museologia e Museu, O Estado deSão Paulo, São Paulo, 01 de julho 1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. Acervo SIG.RP.MUSP,doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

_____. Existe um passado museológico brasi-leiro? O Estado de São Paulo, São Paulo,29 jul. 1979, p.6-8. Suplemento Cultural.Acervo SIG.RP.MUSP, doação de MariaCristina Oliveira Bruno

_____. Os museus e a crian ça brasileira. OEstado de S. Paulo, São Paulo. 16 dez 1979,p.11-13. Suplemento Cultural, recorte. Su-plemento Cultural. Acervo SIG.RP.MUSP, do-ação de Maria Cristina Oliveira Bruno

_____. Um Museu de Indústria para SãoPaulo, São Paulo, Tese (Doutorado), FESP/SP, 1980.

_____. Museus de São Paulo. O Estado deS. Paulo, São Paulo. 13 jan 1980, p. 11-13.Suplemento Cultural. Recorte. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oli-veira Bruno

_____. O Mercado de trabalho do museólogona área da Museologia. I Encontro deMuseólogos do Norte e Norte, FundaçãoJoaquim Nabuco – Departamento de Museo-logia. 1982. Fundo Waldisa Rússio – Instituto

de Estudos Brasileiros da Universidade deSão Paulo – IEB/USP.

_____. Alguns aspectos do patrimônio cultu-ral: o patrimônio industrial. São Paulo. 1983-1985. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de MariaCristina Oliveira Bruno

_____. Texto III - Cultura, Patrimônio e Pre-servação. In: ARANTES, Antonio Augusto(Org.). Estratégias de Construção do Patri-mônio Cultural. São Paulo: Brasiliense,1984. p.59-78.

_____. Exposição: texto museológico e con-texto cultural. São Paulo, 1986. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oli-veira Bruno

_____. Museu, Museologia, Muse ólogos eFormação. Revista de Museologia. Institutode Museologia, FESPSP, v.l, n.l, p.7-11, 1989.

_____. Museus Nacionais: o Museu da Repú-blica. São Paulo, 1989. Acervo SIG.RP.MUSP,doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

_____. Conceito de Cultura e suainterrelação com o Património Cultural e aPreservação. Cadernos Museológicos, Riode Janeiro, n.3, out. 1990.

_____. A interdisciplinaridade em Museolo-gia. São Paulo. S/ data. Acervo SIG.RP.MUSP,doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

_____. Estação Ciência, um projeto com-prometido com a vida - O Projeto Museoló-gico. São Paulo. S/ data. Acer voSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oli-veira Bruno

_____. Formação do Museólogo: por que emnível de Pósgraduação?. São Paulo. S/ data.Fundo Waldisa Rússio – Instituto de EstudosBrasileiros da Universidade de São Paulo –IEB/USP.

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES38

_____. Museologia e Ciências Humanas eSociais. São Paulo. S/ data. Fundo WaldisaRússio – Instituto de Estudos Brasileiros daUniversidade de São Paulo – IEB/USP.

_____. Sistema da Museologia. São Paulo. S/data. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de MariaCristina Oliveira Bruno

Notas

1 RÚSSIO, Waldisa. Texto III - Cultura, Patrimônio ePreservação. In: ARANTES, Antonio Augusto(Org.). Estratégias de Construção do PatrimônioCultural. São Paulo: Brasiliense, 1984

2 RÚSSIO, Waldisa. Museu, um aspecto dasorganizações culturais num país emdesenvolvimento. São Paulo: FESP, 1977.(Dissertação de Mestrado), p. 132

3 RÚSSIO, Waldisa. Museu, um aspecto dasorganizações culturais num país emdesenvolvimento. São Paulo: FESP, 1977.(Dissertação de Mestrado), p. 133

4 Ibidem, p. 1475 RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Ciências

Humanas e Sociais. São Paulo. S/ data. FundoWaldisa Rússio – Instituto de EstudosBrasileiros da Universidade de São Paulo – IEB/USP.

6 RÚSSIO, Waldisa. O Mercado de trabalho domuseólogo na área da Museologia. I Encontrode Museólogos do Norte e Norte, FundaçãoJoaquim Nabuco – Departamento deMuseologia. 1982. Fundo Waldisa Rússio –Instituto de Estudos Brasileiros daUniversidade de São Paulo – IEB/USP. Grifos daautora

7 RÚSSIO, Waldisa. Formação do Museólogo: porque em nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/data. Fundo Waldisa Rússio – Instituto deEstudos Brasileiros da Universidade de SãoPaulo – IEB/USP. Grifos da autora

8 Ibidem9 Ibidem10 RÚSSIO, Waldisa. Formação do Museólogo: por

que em nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/data. Fundo Waldisa Rússio – Instituto deEstudos Brasileiros da Universidade de SãoPaulo – IEB/USP. Grifos da autora

11 Ibidem12 RÚSSIO, Waldisa. Um museu da indústria na

cidade de São Paulo. São Paulo: FESP/SP,1980. (Tese de Doutorado). p. 240

13 Ibidem, p. 24014 RUSSIO, Waldisa. Um museu da indústria na

cidade de São Paulo. São Paulo: FESP, 1980.(Tese de Doutorado). p. 240

15 Ibidem

16 RÚSSIO, WALDISA. Alguns aspectos dopatrimônio cultural: o patrimônio industrial.São Paulo. 1983-1985. Acervo SIG.RP.MUSP,doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

17 RÚSSIO, Waldisa. Formação do Museólogo: porque em nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/data. Fundo Waldisa Rússio – Instituto deEstudos Brasileiros da Universidade de SãoPaulo – IEB/USP. Grifos da autora

18 RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Museu, OEstado de São Paulo, São Paulo, 01 de julho1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

19 RÚSSIO, Waldisa. Estação Ciência, um projetocomprometido com a vida - O ProjetoMuseológico. São Paulo. S/ data. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

20 RÚSSIO, Waldisa. Museus Nacionais: o Museuda República. São Paulo, 1989. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

21 RÚSSIO, Waldisa. Museus de São Paulo, OEstado de S. Paulo, São Paulo. 13 jan 1980, p.11-13. Suplemento Cultural. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

22 RÚSSIO, Waldisa. Museus Nacionais: o Museuda República. São Paulo, 1989. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

23 RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Museu, OEstado de São Paulo, São Paulo, 01 de julho1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

24 RÚSSIO, Waldisa. Museus Nacionais: o Museuda República. São Paulo, 1989. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

25 RÚSSIO, WALDISA. Alguns aspectos dopatrimônio cultural: o patrimônio industrial.São Paulo, 1983-1985. Acervo SIG.RP.MUSP,doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

26 RÚSSIO, Waldisa. Os museus e a Criança Brasileira,O Estado de S. Paulo, São Paulo. 16 dez 1979,p.11-13. Suplemento Cultural. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

27 Ibidem28 RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Museu, O

Estado de São Paulo, São Paulo, 01 de julho1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

29 RÚSSIO, Waldisa. Exposição: textomuseológico e contexto cultural. São Paulo,1986. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de MariaCristina Oliveira Bruno

30 RÚSSIO, Waldisa. A interdisciplinaridade emMuseologia. São Paulo. S/ data. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

31 RÚSSIO, Waldisa. Sistema da Museologia. SãoPaulo. S/ data. Acervo SIG.RP.MUSP, doação deMaria Cristina Oliveira Bruno

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MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 39

32 Ibidem33 RÚSSIO, Waldisa. Estação Ciência, um projeto

comprometido com a vida - O ProjetoMuseológico. São Paulo. S/ data. AcervoSIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

34 RÚSSIO, Waldisa. Estação Ciência, um projetocomprometido com a vida - O ProjetoMuseológico. São Paulo. S/ data. Acervo

SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina OliveiraBruno

35 RÚSSIO, Waldisa. A interdisciplinaridade emMuseologia, São Paulo. S/ data. AcervoSIG.RP.MUSP, doação, doação de Maria CristinaOliveira Bruno

36 RÚSSIO, Waldisa. Sistema da Museologia. SãoPaulo. S/ data. Acervo SIG.RP.MUSP, doação deMaria Cristina Oliveira Bruno

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AA herança museológica do século XX impõe-se como carta-testamento e rep-

to a exigir leituras e exercícios de decifração, com a certeza antecipada de que

múltiplas respostas são possíveis. Na aurora do novo milênio, os museus – de

artes ou de ciências, públicos ou privados, populares ou eruditos, biográficos,

etnográficos, locais, regionais ou nacionais – ainda surpreendem, provocam

sonhos e vôos nas asas da imaginação. Eis o que eles ainda são: cantos que

podem dissolver o presente no passado e, também, fazê-lo desabrochar no futu-

ro; antros ambíguos que podem servir indistintamente a dois ou mais senhores;

campos que tanto podem ser cultivados para atender a interesses personalistas

como para favorecer o desenvolvimento social de populações locais; espaços

que tanto podem ser celas solitárias como terrenos abertos e iluminados pelo

sol; casas habitadas, ao mesmo tempo, pelos deuses da criação, da conservação

e da mudança.

An MÁRIO CHAGAS

3A radiosa aventura dos Museus

ARTIGO

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MÁRIO CHAGAS42

Os museus ainda são lugares privilegiadosdo mistério e da narrativa poética que seconstrói com imagens e objetos. O que tornapossível essa narrativa, o que fabula esse arde mistério é o poder de utilização das coi-sas como dispositivos de mediação culturalentre mundos e tempos diferentes, significa-dos e funções diferentes, indivíduos e grupossociais diferentes.

Ler e narrar o mistério do mundo atravésde um mundo de coisas é um desafio que seimpõe antes mesmo do aprendizado das pri-meiras letras e dos primeiros números. Com-preender e saber operar no espaço (tridi-mensional) com o poder de mediação deque as coisas estão possuídas é a base da ima-ginação museal. Não há museu possível semque essa potência imaginativa entre em mo-vimento, é ela que atualiza os museus e lhesconfere vida e significado político-social.

O surgimento de novos paradigmas nãoinviabiliza inteiramente o paradigma anteri-or, abre apenas novos campos de possibilida-des e disponibiliza novas (ou velhas) ferramen-tas para o enfrentamento de novos (ou velhos)problemas. Além disso, é importante ressaltar, acomplexidade da dinâmica social não autori-za a naturalização da crença em marcos rígi-dos que pretendem fazer tabula rasa dos pro-cessos e desenvolvimentos anteriores.

No caso dos museus, essa compreensão éde grande importância, uma vez que eles eseus acervos, mesmo quando organizadosdentro do paradigma clássico damuseologia, podem ser sementes capazes deexplodir, num determinado agora, com o vi-gor de uma narrativa que esboroa a preten-são de construção de muros separadores detempos e espaços. De resto, o paradigmaclássico de museologia no Brasil e no mun-do europeu, por exemplo, dominou a maiorparte do século XX e sobrevive robusto,como um componente a mais do espectrocultural contemporâneo.

Por tudo isso, suponho que não é despro-vido de sentido o entendimento de que astrocas entre centro e periferia são mais inten-sas, complexas e desconhecidas do que nor-malmente se imagina. A antropofagia - con-vém salientar - não é uma exclusividade domodernismo brasileiro. No campo musealela tem sido uma prática que amiúde se fazpresente no plano nacional e internacional.Não soa estranho para esse campo a hipótesede que aquilo que aqui se produz não sejatão-somente cópia, mas seja também origi-nal e, portanto, passível de ser antropofagiza-do. Registre-se ainda que a imaginaçãomuseal brasileira, para o bem e para o mal,parece aderir com facilidade ao novo, semque isso impeça o hibridismo e representegrandes compromissos ou grandes rompi-mentos.

No século XX, no Brasil e no mundo, osmuseus multiplicaram-se com grande velo-cidade. E essa multiplicação numérica veioacompanhada de uma expressiva ampliaçãoda museodiversidade; além disso, o seu ape-lo mítico parece também ter crescido, semprejuízo das suas dimensões política elúdico-educativa.

Desde o século XVIII, vinha gradualmentegerminando a suposição de que tudo seriapassível de musealização, e isso parece ter seconfirmado no século XX. E essa confirma-ção veio por caminhos variados; surgirampelo mundo afora museus de um tudo: mu-seus que se chamam museus; museus que sechamam casas, espaços e centros culturais;museus que se chamam jardins, cidades e sí-tios históricos, etnográficos e arqueológicos;museus que se chamam ônibus, navios etrens; museus que se chamam ruas, redes deesgoto e reservas florestais.

A escrita dos museus voltou ao campo deinteresse de artistas, filósofos, antropólogos,sociólogos, educadores, historiadores, políti-cos etc. Em meu entendimento, isso ocorreu

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A RADIOSA AVENTURA DOS MUSEUS 43

por, pelo menos, dois motivos relativamentesimples: a centralidade do poder de media-ção das imagens e dos objetos no cosmo dacultura; e a capacidade de renovação daimaginação museal.

Quando, nas décadas de 1960 e 1970, al-guns setores da vanguarda cultural do Oci-dente anunciaram a morte ou, no melhordos casos, o desaparecimento próximo dosmuseus, supostamente não levavam em con-ta esses dois singelos motivos.

Em agosto de 1971, como informouHugues de Varine, durante a IX ConferênciaGeral do Icom, realizada em Paris, Dijon eGrenoble, o beninense Stanislas Adotévi e omexicano Mario Vásquez proclamavamabertamente: a “revolução do museu será ra-dical, ou o museu desaparecerá” (VARINE,1979: 23; 2000: 63-64).

O necrológio do museu, traduzido a partirde um determinado desejo político, apare-cia acompanhado de um discurso que colo-cava em movimento críticas severas ao cará-ter aristocrático, autoritário, acrítico, conser-vador e inibidor dessas instituições, conside-radas como espécie em extinção e, por issomesmo, apelidadas de “dinossauros” e de“elefantes brancos”. No entanto, 20 ou 30anos depois, verificou-se que os museus nãosó não morreram, como se proliferaram eganharam destaque na cena cultural e navida social do mundo contemporâneo.

Alguns exemplos sobre a proliferação dosmuseus coligidos na obra La Museologie,creditada a George Henri Rivière (1989: 62-68) são esclarecedores e indicam que, no pe-ríodo de 1975 a 1985, o número de museusaumentou expressivamente em países como aantiga República Federal da Alemanha, o Ca-nadá, os Estados Unidos, o Japão e a França.

No seminário “Gestão museológica: desa-fios e práticas”, realizado, em setembro de

2003, na Pinacoteca do Estado de São Paulo,Timothy Mason informou que, na Grã-Bretanha, existiam, em 1962, em torno de900 museus e, em 2003, aproximadamente2.500, dos quais 1.100 eram pequenos mu-seus que sobreviviam independentes de re-cursos financeiros hauridos diretamente dasesferas governamentais.

No Brasil, a proliferação dos museus temcorrespondência com esse quadro geral,uma vez que, como observou BennySchvasberg, em 1972, estimava-se um totalde 391 museus e, em 1984, esse número foiampliado para 803 (SCHVASBERG, 1989:115-116). Hoje, segundo os dados do Cadas-tro Nacional de Museus, projeto desenvolvi-do pelo Departamento de Museus e CentrosCulturais do Iphan, existem no Brasil algoem torno de 2470 museus.

De qualquer forma, as críticas dirigidas aocaráter dinossáurico de algumas instituiçõesmuseais surtiram algum efeito e parecem terestimulado os ventos reformistas e moderni-zantes que, nas décadas de 1980 e 1990, pas-saram por algumas delas. A modernizaçãotrouxe maior preocupação com os serviçosdestinados ao público e maior atenção paraas práticas pedagógicas, além do aprimora-mento dos recursos expográficos e do refina-mento dos procedimentos técnico-científi-cos nas áreas de preservação, conservação,restauração e documentação museográfica.

Num mundo que passou a adotar o espetá-culo como medida de todas as coisas, o pró-prio caráter dinossáurico foi transformadoem elemento espetacular. Como umcorolário da cultura espetacular absorvida edesenvolvida pelos museus clássicos e tradi-cionais, consagraram-se as chamadas mega-exposições, algumas tratando de artes, outrasde tesouros históricos e outras ainda de ciên-cias e de dinossauros, todas sempre espeta-culares. Os dinossauros musealizados e osmuseus dinossáuricos voltaram à moda. Os

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MÁRIO CHAGAS44

ventos reformistas, no entanto, não pretendi-am abolir e não aboliram os acentos autori-tário, aristocrático, colonialista e imperialis-ta de muitas dessas instituições. O que se pre-tendia evitar – e se evitou – é que um museucomo o Louvre, considerado como “protóti-po do almoxarifado de um patrimônio bur-guês” (MENEZES, 1994: 11), fosse incendiado,como simbólica e ironicamente preconiza-vam os representantes da geração rebelde domovimento social francês de Maio de 1968.

A minha sugestão é que o diagnóstico damorte ou do desaparecimento próximo dosmuseus – considerados como lugares consa-grados pela tradição cultural da burguesiaocidental – deve ser lido como parte dosmovimentos político-sociais de crítica econtestação que, nas décadas de 1960 e 1970,atingiram em cheio diversos valoresinstitucionalizados. Se, por um lado, essascríticas parecem ter contribuído para a in-venção de um novo futuro para os museusclássicos e tradicionais, por outro, parecemter colocado em movimento o desejo de seconstituir uma nova imaginação museal, atéentão não prevista.

No início da década de 1970, essa novaimaginação museal começou a ganhar visi-bilidade a partir de experiências desenvolvi-das em diversas partes do mundo, sem queentre elas houvesse, inicialmente, visíveis ca-nais de intercâmbio. Nesse quadro, situa-se osurgimento do ecomuseu, que, segundo ocriador do termo, nada mais era “do queuma tentativa, um convite a dar provas deimaginação, de iniciativa e de audácia”(VARINE, 2000: 62).

Hugues de Varine, um dos participantes dageração de 1968, relata que foi ele quem cu-nhou o neologismo ecomuseu, num restau-rante em Paris, na primavera de 1971, duran-te um almoço para tratar da organização daIX Conferência Geral do Icom, na compa-nhia de George Henri Rivière, ex-diretor e

conselheiro permanente do Icom, e de SergeAntoine, conselheiro do ministro do MeioAmbiente. Durante esse almoço, GeorgeHenri Rivière e Hugues de Varine, visando àabertura de um novo campo para a pesquisamuseológica, explicitaram o desejo de ouviro ministro manifestar-se publicamente acer-ca das relações entre o museu e o meio am-biente. O conselheiro do ministro, no entan-to, estava reticente:

Esforçamo-nos sem êxito, G.H. Rivière e

eu, para convencer nosso interlocutor da

vitalidade do museu e de sua utilidade.

Finalmente, por brincadeira, eu disse:

“seria absurdo abandonar a palavra; me-

lhor mudar sua imagem de marca... mas

pode-se tentar criar uma nova palavra a

partir do museu...”. E tentei diversas com-

binações de sílabas a partir das duas pa-

lavras “ecologia” e “museu”. Na segunda

ou terceira tentativa, pronunciei

“ecomuseu”. Serge Antoine aguçou o ou-

vido e declarou pensar que talvez essa

palavra pudesse oferecer ao Ministro a

ocasião de abrir um novo caminho à es-

tratégia de seu Ministério (VARINE, 2000:

64).

Como se pode perceber, o termoecomuseu nasceu de um jogo de palavras einteiramente vinculado a interesses políti-cos. Não se deve ter ingenuidade a esse res-peito. Tratava-se de imaginar uma nova pos-sibilidade de ação museal livre do “passadis-mo empoeirado” (VARINE, 2000: 64) e abertapara as conexões entre cultura e natureza,entre museu e meio ambiente. A formulaçãoteórico-conceitual desse novo tipo de mu-seu – envolvendo as noções de patrimôniototal ou integral, participação comunitária,desenvolvimento local e meio ambiente (outerritório) – foi decorrente de um trabalhoposterior. Na raiz desse novo tipo de museu,estava presente a importância da utilizaçãoda “linguagem das coisas” como dispositivode mediação de práticas e relações

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socioculturais, incluindo as questões de uso epreservação dos chamados recursos naturais.

Em setembro de 1971, o ministro francêsdo Meio Ambiente lançou oficialmente, emDijon, a idéia do ecomuseu como instituiçãonorteada por uma pedagogia do meio ambi-ente e, na maioria das vezes, inserida em par-ques naturais (VARINE, 2000: 68). Nessa mes-ma época, Hugues de Varine foi convidadopor Marcel Evrard, que atuava na Associaçãode Amigos do Museu do Homem de Paris,para participar do projeto de instalação deum museu na comunidade Le Creusot-Montceau-les-Mines. De acordo com o depo-imento e a memória de Hugues de Varine, oprojeto do Museu do Homem e da Indústrianesta comunidade tomou forma em novem-bro de 1971. Três anos mais tarde, esse mu-seu-processo, fragmentado e espalhadonuma área urbana de 500 quilômetros qua-drados, com 90 mil habitantes, receberia ofi-cialmente a designação de ecomuseu. Noentanto, entre o ecomuseu anunciado nocontexto da política governamental do mi-nistro francês do meio ambiente e oecomuseu abrigado pelo Museu do Homeme da Indústria da comunidade Le Creusot-Montceau-les-Mines, existiam nítidas diferen-ças (VARINE, 2000: 68-69). A principal delasera o caráter urbano e o sentido de participa-ção da população local que informava oprocesso de reflexão e ação do Museu doHomem e da Indústria.

Seguindo por outras trilhas teóricas e prá-ticas, um grupo de museólogos e profissio-nais de museus reuniu-se em Santiago doChile, em maio de 1972, para a realização deuma mesa redonda sobre o papel dos mu-seus na América Latina.

Em 1970, Salvador Allende havia sidoeleito para a presidência do Chile e dera iní-cio ao governo socialista da Unidade Popu-lar, processo que seria interrompido, em1973, com o golpe militar liderado pelo ge-

neral Augusto Pinochet Ugarte. Foi, portanto,no ventre desse governo socialista e demo-craticamente eleito, num momento de ten-são política para toda a América Latina quese realizou um dos encontros maisemblemáticos e seminais da museologia nasegunda metade do século XX.

Contrariando as tendências em voga, to-dos os especialistas convidados para a MesaRedonda de Santiago do Chile eram latino-americanos e, por essa razão, foi adotado oespanhol como idioma oficial de comunica-ção. Além disso, também foram convidadospara intervir nos debates especialistas emeducação, urbanismo, agricultura, meio am-biente e pesquisa científica. Durante a etapade preparação do encontro, cogitou-se a en-trega da direção dos trabalhos a Paulo Freire.Por razões políticas, sua indicação foi vetadana Unesco por um delegado do governo bra-sileiro, que, naquela altura, vivia sob um regi-me de ditadura militar.

Ao fazer um exercício de lembrança doque chamou a “aventura de Santiago”,Hugues de Varine registrou, como resultadosinovadores daquele encontro, duas noções: o“museu integral”, isto é, um processo que levaem “consideração a totalidade dos problemasda sociedade”; e o “museu enquanto ação”,isto é, como um “instrumento dinâmico demudança social”. A combinação dessas duasnoções permitiu que se lançasse no campo doesquecimento aquilo que, durante mais de200 anos, se apresentava como paradigmaidentitário dos museus: “a missão da coleta eda conservação”. Por esse caminho, chegou-se ao “conceito de patrimônio global a sergerenciado no interesse do homem e de to-dos os homens” (VARINE, 1995: 18).

Na reunião de Santiago do Chile, não sefalava em ecomuseu. O que estava em pautana agenda dos debates museológicos era anoção de museu integral, mas, com certeza,havia agulha e linha costurando aproxima-

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ções entre esses diferentes caminhos de re-novação da imaginação museal.

Iniciado por volta de 1973 e interrompidoem 1980, o projeto experimental da “Casadel Museo” desenvolvido em bairros popula-res do México, a partir do Museu Nacional deAntropologia, é um exemplo claro de aplica-ção das resoluções de Santiago do Chile eque apresenta conexões com os princípiosteóricos dos ecomuseus comunitários.(VARINE, 2000: 67-68).

O golpe militar que pôs fim ao governosocialista de Salvador Allende contribuiupara o silêncio que se impôs em torno damemória daquele emblemático encontro. Odesejo de silenciar a construção de umanova imaginação museal, com acento popu-lar, participativo e utópico, com uma facepolítica de esquerda, não foi eficaz a pontode impedir que 10 anos depois, 20 anos de-pois e mesmo 35 anos depois os principaistemas daquela memorável mesa redondavoltassem sucessivamente a ocupar a agendade outros encontros locais, regionais, nacio-nais e internacionais.

O desenvolvimento silencioso de experi-ências orientadas por novas perspectivasmuseológicas eclodiu, com vigor e algumbarulho, no primeiro ateliê internacional re-alizado em 1984, na cidade canadense deQuebec, ocasião em que foram retomadasexplicitamente as resoluções da Mesa Re-donda de Santiago do Chile e foramlançadas as bases do que se convencionouchamar de Movimento Internacional daNova Museologia (Minom). Segundo depoi-mento de Mario Moutinho:

Coube ao grupo dos ecomuseus do

Quebec, em particular à ação de Pierre

Mayrand e de René Rivard, lançar um

projeto de encontro internacional onde

se reunissem museólogos de vários paí-

ses, representando experiências diversas,

analisando o que de comum nas suas

ações poderia servir de elo a uma cola-

boração mais estreita, afirmando simul-

taneamente que a museologia trilhava

novos rumos (1989: 55).

Quando oriento o olhar para a herançamuseológica do século XX – sobretudo a quese construiu após a Segunda Guerra Mundial–, parece-me claro que as décadas de 1970 e1980 caracterizaram-se como um período deefervescência e turbulência museal sem pre-cedentes. Experiências variadas e inovado-ras foram levadas a efeito e novos enfoquesteóricos foram desenvolvidos. Os museus,que até aquela época proclamavam a suaneutralidade política e celebravam o seu dis-tanciamento dos problemas sociais, foramsacudidos e desafiados a enfrentar situaçõesconcretas que não diziam respeito apenas àstradições de um passado idealizado, mas simao cotidiano e à contemporaneidade das so-ciedades em que estavam inseridos. Traba-lhar com museus deixou de ser apenas umexercício de retirar, às vezes, a poeira dascoisas, de elaborar, de vez em quando, eti-quetas óbvias, de registrar, disciplinada e do-cilmente, a acromegalia das coleções e decontar – ora pelo modo eufórico, ora pelodeprimido – o número de visitantes. Traba-lhar em museus passou a significar tambémter interesse na vida social e política – daspessoas, das coleções, dos patrimônios cultu-rais e naturais e dos espaços – e, por essa ve-reda, a ser um exercício explícito de operarcom relações de memória e poder por meioda mediação das coisas concretas.

O paradigma clássico da museologia foiposto em xeque. Mas isso não quer dizer quetenha desaparecido ou sucumbido depoisdas batalhas travadas nas décadas de 1970 e1980. Os museus clássicos e tradicionais, as-sim como os outros museus, são dotados deum poder mimético e de uma grande capa-cidade de adaptação aos novos tempos. Issotambém não quer dizer, como procurei de-

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monstrar, que não tenham sido obrigados aacionar mecanismos de reforma e de moder-nização. Mas, ao acionar esses mecanismos,eles cuidaram de manter intactos os alicer-ces sobre os quais se assentavam.

Quando assento a lupa para melhor obser-var a herança museológica do século XX, sal-tam aos olhos a grande proliferação de mu-seus de variados tipos e a constituição deuma imaginação museal inovadora: aquelaque se alimenta de práticas culturais desali-nhadas com a idéia de acumulaçãopatrimonial e que, em vez de se orientar paraas grandes narrativas, desejosas de grandessínteses, volta-se para as “narrativas modes-tas” (KUMAR, 1997) e valoriza a relação entreos seres e entre os seres e as coisas. Podemser narrativas modestas, mas apresentam pu-jança discursiva e capacidade de promoveroutras possibilidades de identificação.

Essa nova imaginação museal está na origem:

· da apropriação do saber museológicoespecializado por determinados gruposétnicos e sociais, que, em combinaçãocom os seus próprios saberes, geram sa-beres híbridos capazes de produzir prá-ticas inovadoras;

· das experiências museográficas que serealizam na primeira pessoa e permi-tem que o outro tome a palavra e falepor si mesmo;

· da multiplicação de museus locais departicipação coletiva, sem especializa-ção disciplinar e orientados para a va-lorização de contra-memórias que, du-rante longo tempo, estiveram silencia-das ou colocadas à margem dos proces-sos oficiais de institucionalização dememórias nacionais ou regionais;

· dos procedimentos museológicos queoperam ao mesmo tempo com o patri-

mônio material e espiritual compondonarrativas poéticas, costurando práticaspolíticas e pedagógicas que não esta-vam previstas nos manuais museológi-cos da primeira metade do século XX.

O caráter inovador dessa imaginaçãomuseal que se desenvolveu no enfrentamen-to com o paradigma clássico da museologianão é suficiente para afastar dos museus edos processos museais que inspira determi-nados riscos e perigos, alguns dos quais fo-ram anteriormente identificados por Huguesde Varine. Aos já identificados, acrescentoalguns outros e, desse modo, componho eapresento a seguir um conjunto setenário deriscos e perigos que ameaçam os novos mu-seus e processos museais:

1) ser considerado como ameaça ao mu-seu clássico e a toda ação cultural espe-tacular, o que pode ocasionar o seu es-vaziamento socioeconômico ou sim-plesmente a intervenção autoritária;

2) ser considerado como um “outro” e,portanto, na lógica do “mesmo”, semidentidade com o universo museal, oque pode levar à negação do direito deser apenas um museu diferente;

3) ser esconderijo e máscara dos represen-tantes do modelo clássico e tradicional,o que pode originar a confusão e o des-crédito;

4) a falta de maturidade dos participantesdo processo inovador, especialmentenaquilo que se refere ao enfrentamentode crises internas; isso pode provocartanto o retorno ao paradigma clássicocomo a instalação de múltiplos proce-dimentos rebeldes e inconseqüentes;

5) o controle de todo o processo musealpor uma única família ou um únicogrupo, o que pode fomentar a repro-

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dução dos modelos autoritários, ego-cêntricos, excludentes e antidemocrá-ticos;

6) o abandono da especificidade da lin-guagem das coisas e da narrativa poéti-ca, o que pode propiciar a transforma-ção do museu em outra coisa qualquer;

7) o rompimento do canal de contato como outro, com o diferente e mesmo com ouniversal, o que pode levar à paralisiacultural, ao exercício estéril de falar amesma coisa para o mesmo. Esse últimoperigo pode desembocar na autofagia,que é, em tudo e por tudo, o contrário daantropofagia dos velhos modernistas.

Para além de todos esses riscos e perigos,interessa reter que os museus constituem,hoje, fenômeno muito mais complexo doque aquilo que se imaginava na década de1960. Para compreendê-los criticamente,não é mais suficiente reduzi-los ao papel de“bastião da alta cultura” (HUSSEYN, 1994) ede legitimadores dos interesses das classesdominantes, ainda que esses papéis continu-em sendo assumidos por muitas instituições.Ao serem compreendidos como campo deação e discurso, os museus deixaram de inte-ressar apenas aos conservadores dosmemorabilia das oligarquias. Se isso é verda-de, mais do que nunca se evidencia a neces-sidade de entender tal fenômeno e aprendera utilizar esse instrumento mediador que in-terfere na vida social contemporânea.

Um dos desafios ao pensamento críticosobre os museus é o desenvolvimento de in-vestigações específicas que levem em consi-deração um processo dialético mais comple-xo do que aquele que se reduz ao jogo entreo passado e o presente, o velho e o novo, atradição e a modernidade. Esse desafio im-plica, por exemplo, a consideração de queos museus são plurais, de que há uma grande

diversidade museal, de que eles podem sertomados como ferramentas de trabalho – epodem, portanto, servir a interesses variados– e de que, mesmo dentro de um único mu-seu, existem múltiplas linhas de força emação. Um outro desafio é compreender osmuseus como práticas sociais e centros deinterpretação, e isso possibilita que sejamentendidos como campos de relações objeti-vas, subjetivas e intersubjetivas. Pensar osmuseus como espaço de relações é aceitar asua dimensão humana, a sua condição de“casa do homem” em processo de constru-ção e, em conseqüência, o seu estado de per-manente tensão.

Em 1980, Waldisa Russio CamargoGuarnieri elaborou o projeto do Museu daIndústria, Comércio e Tecnologia de SãoPaulo, concebendo-o como embrião de umecomuseu de múltipla sede. Nesse projeto,ela propunha a musealização de fábricas eempresas e adotava o “discurso chaplinianocomo tema básico” (GUARNIERI, 1980). Nocomeço, no meio e no fim do documento dedivulgação do projeto, ela repetia o mote deCharles Chaplin: “Vós não sois máquinas!Não sois animais! Vós sois homens! Trazeis oamor e a humanidade em vossos corações!Vós, o povo, tendes o poder de criar esta vidalivre e esplêndida... de fazer desta vida umaradiosa aventura” (apud GUARNIERI, 1980).Em meu entendimento, esse discurso univer-sal e humanizador de Chaplin aparecia alina proposta de Waldisa Russio como o fiocondutor de uma narrativa utópica, que an-corava uma nova imaginação museal. Essanarrativa parecia sugerir: os museus podemser compreendidos como máquinas, tecno-logias ou ferramentas; mas nós não somosmuseus, não somos coisas, somos humanos.Nós trazemos o amor e a humanidade emnossos corações; nós temos o poder de criarartefatos e museus; temos o poder de criaresta vida livre e esplêndida... de fazer da vidauma aventura radiosa.

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AINTRODUÇÃO

A Museologia vem passando por profundas transformações, notadamente desdeMesa Redonda de Santiago, de 1972, que considerou prioridade a intervençãosocial. O impacto desta Mesa Redonda, organizada pela Unesco, sobre o “Papel doMuseu na América Latina”, faz dela (DESVALLÉES, 1992), ao lado do colóquio “Mu-seu e Meio Ambiente” (França, 1972) e das jornadas de Lurs, em 1966, onde seiniciou a gestação do conceito de ecomuseu, um dos momentos fundadores dachamada Nova Museologia. A Declaração de Quebec e a criação do MINOM –Movimento Internacional para uma Nova Museologia em 1984, foram considera-dos o reconhecimento pela Museologia do direito à diferença (MOUTINHO inARAUJO; BRUNO, 1995: 29). Em 1992, a Declaração de Caracas reafirmou a funçãosócio-educativa do museu, o estímulo ao pensamento crítico e seu papel comocanal de comunicação (DESVALLÉES, 1992: 15-16). Neste ínterim, as reflexões daMuseologia apontam para a compreensão da cultura como criadora das condi-ções necessárias para o desenvolvimento. Há um rompimento com a idéia decoleção como fonte geradora dos processos museológicos, a preservação é enten-dida como fundamental e como possibilidade de integrar diversos aspectos dopatrimônio e potencializar a ação interdisciplinar. Em meio a esta ampliação con-ceitual e experiências de aplicação, percebemos que não houve produção científi-ca e sistematização do pensamento museológico equivalentes, especialmente numBrasil de estreitas possibilidades de formação na área, panorama que apenas noinício do século XXI vai aos poucos sendo transformado.

An MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

4As Ondas do Pensamento

Museológico:Balanço sobre a produção brasileira1

ARTIGO

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MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO54

Podemos mapear tentativas de sistemati-zação da produção da Nova Museologia,como os dois volumes de “Vagues: uneanthologie de la nouvelle muséologie”, orga-nizada por André Desvallés (1992-1994). Emlíngua portuguesa os vazios são mais eviden-tes, pois mesmo aspectos mais tradicionaisda Museologia ainda carecem de maioresanálises e de publicações, para que se ampli-em os debates e a divulgação da informação.A parca – embora crescente – produção aca-dêmica e a inexistência de traduções de al-guns documentos fundamentais têm dificul-tado avanços mais significativos, a despeitode alguns esforços para publicação da pro-dução na área2.

A limitada representação da Museologiabrasileira na antologia3 motivou uma revisãodo pensamento museológico nacional nosentido de localizar uma produção que foiolvidada e trazer à luz uma parcela da pro-dução brasileira dispersa em teses, anais edocumentos de encontros, revistas e livros.Este trabalho se justificou, então, pela ausên-cia de revisão sistemática da produção bibli-ográfica nacional acerca da chamada NovaMuseologia. Passados alguns anos desde suaelaboração, mantivemos como recorte aprodução analisada à época (2000). Relacio-namos seis autores que se destacavam pelarelevância de sua produção acadêmica e bi-bliográfica, de suas experiências na aplica-ção da Museologia e de sua participação emprogramas de formação profissional na área:Teresa Scheiner e Mário Chagas (RJ); MariaCélia Santos (BA); Waldisa Russio, CristinaBruno e Heloisa Barbuy (SP).

O trabalho denominado Ondas do Pensa-mento Museológico Brasileiro, inspirou-seem Vagues e trouxe de lá também a noçãodo infindável e do movimento contínuo quea produção do conhecimento tem, e a idéiade que o pensamento museológico passasempre por ondas de renovação. Há todo umcapítulo dedicado à revisão dos conceitos

presentes em Vagues, e no qual não iremosnos deter aqui. Este artigo vai direto para obalanço sobre a produção brasileira, com aressalva de que estudamos a produção dosseis autores mencionados até o que foi possí-vel acessar em 2000, ano de produção do tra-balho original. Nele procuramos contribuircom futuras revisões bibliográficas apresen-tando resenhas dos trabalhos principais dosseis autores estudados, que também serão su-primidas aqui. Foram resenhadas as disserta-ções de mestrado dos seis autores e teses dosque tinham, à época, concluído doutorado.

A PRODUÇÃO BRASILEIRA E AS ONDAS DE RE-NOVAÇÃO DA MUSEOLOGIA

Nas resenhas dos trabalhos estudados des-tacamos os termos que apresentavam para-lelos com conceitos apresentados na anto-logia francesa. É a análise das convergênci-as e divergências entre a bibliografia nacio-nal e a estrangeira, além dos diferentes pon-tos de vista dos autores brasileiros estuda-dos sobre os principais conceitos da chama-da Nova Museologia, que apresentaremos aseguir.

Um tópico largamente identificado na an-tologia foi a problemática dos museus emcrise, entendida como uma crise de identi-dade institucional. Mário Chagas considerouo atual estágio da Museologia “um momentode grande fertilidade, se não decorrente,pelo menos estreitamente relacionado comuma crise de identidade perfeitamenteidentificável” (CHAGAS,1996: 18). TeresaScheiner entende também que a crise dosmuseus ocorre no âmbito da identidade ins-titucional, pois estariam sendo definidos, narelação homem-museu, um novo sujeito eum novo museu. Este, no processo dereformulação, passou por uma “crise deidentidade, com o advento de novos mode-los conceituais e a geração de novas propos-tas e programas de ação, que fogem às fór-

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mulas tradicionalmente definidas por algu-mas sociedades” (SCHEINER, 1998: 111). Paraela, a identidade dos museus hoje, estaria li-gada à sua compreensão como plural, medi-ador desta pluralidade junto a outras instân-cias de representação, fenômeno culturalem processo – não instituição –, comprome-tido com a identidade como processo, nãoverdade (Idem: 125).

Scheiner identifica como dilemas atuaisda Museologia: entender como o museu tra-dicional disseminou-se além da Europa etornou-se hegemônico, distanciar-se do mitoe atuar sobre a realidade; analisar os mode-los museológicos alternativos que o séc. XXviu nascerem (Idem: 137-138). Para Chagas,tais modelos, com toda a reformulação con-ceitual que acarretaram, geraram para a Mu-seologia o problema da coexistência de pa-radigmas distintos. A de Peter Van Mensh(1994) onde coexistem múltiplas tendênciasdo pensamento museológico contemporâ-neo, revela a inexistência, até o momento,de uma orientação vitoriosa, o que caracteri-zaria uma crise de paradigmas na Museolo-gia (CHAGAS, 1996: 29).

Evres (1992: 195-212) relativiza a conclu-são de Chagas de que a convivência de para-digmas na Museologia constituiria um “caosteórico” que se resolveria com a hegemoniade um dos paradigmas. Evres se opõe, porentender que a diversidade de orientaçõesnão é conseqüência de uma crise, mas da ri-queza de soluções surgidas no confrontocom a realidade. No mesmo trabalho Evresestuda as idéias de Cristina Bruno, mas nãono que diz respeito a este problema doparadigma. Entendemos que esta museólogaconsidera a existência dos múltiplos univer-sos de aplicação como parâmetros para ajus-tar a prática museológica, mas que se baseiasempre na orientação do paradigma da Mu-seologia como estudo do fato museal, ouseja, da relação do homem com o objetonum cenário.

Para Heloisa Barbuy, a Nova Museologia é“Uma filosofia guiada pelo sentido dedessacralização dos museus e, sobretudo, desocialização, de envolvimento das popula-ções ou comunidades implicadas em seuraio de ação” (BARBUY, 1995: 209). Portanto,distingue Museologia e Nova Museologiacomo prismas da disciplina. Cristina Brunoargumenta que há somente uma Museologia,e a Nova Museologia seria denominaçãoadequada somente ao movimento inaugura-do em Quebec, em 1984 (BRUNO, 1995:158).Não é uma outra Museologia, mas um alarga-mento de horizontes epistemológicos comas mesmas preocupações (Idem: 158). MariaCélia Santos (2002) se define simplesmentecomo museóloga, evitando a rotulação de“nova museóloga” e trabalha com a adoçãode novos conceitos e práticas trazidas para arealidade social em que se insere, sem rom-pimento radical com o patrimônio já institu-cionalizado. Ao revisar em 1992, no Encon-tro Internacional de Ecomuseus, as açõesdesenvolvidas no Museu de Arte Sacra daUFBA, mostra que não desvincula a açãomuseológica transformadora da atuação emmuseus tradicionais. Identifica nas práticasrealizadas nesse museu elementos daecomuseologia, como a cultura entendidaenquanto processo social, a ação integrada àcomunidade e a prática social como pontode partida; e propõe que o exercício museo-lógico se relacione com os modelos dentrode uma necessária redução ao contexto soci-al de aplicação (SANTOS, 1993: 114-115).

Discussão inseparável é a própriaindefinição da Museologia enquanto campocientífico. Há propostas desde a patrimonio-logia de Tomislaw Sola (já aceita por VanMensch), passando pela disciplina científicaem processo de constituição de AnaGregorová, à definição do ICOM da Museo-logia como ciência aplicada ainda muito li-gada à instituição museu. Embora não total-mente consensuais são constantes a tríadeHomem (público/ sociedade), Objeto (cole-

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ção/ patrimônio), Cenário (museu/ territó-rio), em relação, conforme a definição dofato museal por Waldisa Russio. A amplitudeatribuída a cada um desses vértices dá aabrangência do papel do museu e da Museo-logia. A bibliografia brasileira compartilha odebate. Santos (1996: 94-95), em busca deuma metodologia para a Museologia, revisaas “cinco linhas básicas de atuação da ciên-cia museológica”, de Van Mensch, que são aMuseologia Geral, a Museologia Aplicada, aMuseologia Especial, a Museologia Históricae a Museologia Teórica. Tais linhas são, basi-camente, a composição dos quadrosreferenciais da disciplina propostos porCristina Bruno. A formulação de quadros sin-téticos, aliás, é uma constante em Bruno eSantos. O exercício de síntese e de sistemati-zação do conhecimento da área reforça aperspectiva de ambas na formulação de umateoria própria para a Museologia.

Mário Chagas também afirma seu interesseem discutir os fundamentos epistemológicosda Museologia, colocando-os acima da consi-deração da mesma como ciência, prática,arte ou disciplina, ainda que diga preferir as-sim considerá-la: como disciplina (CHAGAS,1996: 17). A compreensão de Museologia des-te autor amplia a definição de Waldisa Russio,embora parta dela como base, por entenderque o museu possa ser um cenário institucio-nalizado ou não. O museu conceitual é umacategoria que ele exprime já na análise dopensamento marioandradiano, onde o identi-fica. Para Chagas, a relação entre homem, ob-jeto e cenário constitui uma realidade emtrânsito e o estabelecimento da relação comofigura geométrica baseada em três vérticescaracteriza um ternário matricial para o pen-samento e para a aplicação da Museologia(Idem: 31). O museu conceitual está presenteainda em outros, como Bruno e Scheiner.

Bruno (1996: 09-38) está envolvida no es-forço para a organização epistemológica daMuseologia, que compreende como disci-

plina aplicada cujas preocupações princi-pais são a identificação e análise do com-portamento do homem em relação ao seupatrimônio; e o desenvolvimento de pro-cessos que convertam o patrimônio em he-rança e participem da construção das iden-tidades.

Scheiner (1998) identifica três vertentes dateorização em Museologia: uma na teoria dopatrimônio4, geraria o dilema de que a Muse-ologia depende de uma área do pensamentomaior à qual pertenceria; a segunda congre-ga aplicação e teorização como partesindissociáveis; e a terceira pesquisa o fenô-meno museu. A combinação destas posturasfaria da Museologia uma ciência específicaou vinculada a uma ciência do patrimônio eda memória, que busca elementos para a de-finição de uma linguagem própria e univer-sal em suas experimentações. Sua própriadissertação, entretanto, é mostra de uma for-ma de conceber a Museologia mais afeita àdiscussão teórica que à aplicação e ao con-fronto dos conceitos com a realidade. Indoalém do raciocínio que identifica na aproxi-mação dos museus com a visão antropológi-ca o mais significativo avanço5, Scheiner(1998) apresenta uma concepçãobiocêntrica, fundamentada na lógicaholística, integradora. Ao contrapor o avan-ço do discurso às práticas museológicas tra-dicionais, sugere a alimentação recíproca deteoria e prática. Entretanto, outros momen-tos do seu discurso afastam a característicade disciplina aplicada da Museologia. A ri-queza de sua contribuição consiste na articu-lação da teoria museológica com outras áre-as do conhecimento, estimulante por propornovas articulações. Contudo, parece se afas-tar das tentativas de síntese do pensamentomuseológico e também da imperatividadeda aplicação como método para a constru-ção do pensamento na área. Em um paralelocom o que Bruno tem postulado, no sentidode chegar a modelos, sínteses, sistematiza-ções, fixação das bases de uma teoria museo-

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lógica, parece-nos que Scheiner vai numadireção oposta, mas complementar, abrindodebates e trazendo elementos de outras áreaspara a Museologia.

Apresenta a Museologia como “campodisciplinar que trata das relações entre o fe-nômeno Museu e as suas expressões, a partirdas diferentes visões de mundo que cada so-ciedade elabora, no tempo e no espaço”(SCHEINER, 1998: 136). Ou como “campo doconhecimento que analisa e investiga o Mu-seu em todas as suas expressões e manifesta-ções”, com o caráter “valorizador de peculia-ridades locais, bem como o papel decatalisadora do câmbio social, dando ênfaseao desenvolvimento de formas de museuque atendam às conjunturas contemporâne-as” (Idem: 124). Dentre os seis autores estuda-dos, é a única que não se refere à relaçãotriangular já mencionada, portanto, que nãose fixa na definição de Russio para fatomuseal. Fica mesmo difícil enquadrá-la noesquema de Van Mensch para as tendênciasdo pensamento museológico. Entretanto,como a própria autora considera-se ao ladode Russio e Stránský na análise do museuenquanto fenômeno, tendemos a concluirque ela esteja na vertente em que VanMensch os qualifica: a do estudo de uma re-lação específica entre homem e realidade.Outra possibilidade é supô-la em acordocom Evres (2000: 60) na hipótese de que afigura triangular não dê conta de uma Muse-ologia voltada para um patrimônio em cons-tante reelaboração, já que ao invés de vérti-ces preexistentes a relação estaria constante-mente redefinindo o que sejam homem, ob-jeto e cenário.6

O fato museal também está presente no pen-samento de Santos, que cita em sua obra a de-finição de Waldisa Russio segundo a qual ele é“a relação profunda entre o homem, sujeitoconhecedor, e o objeto que é parte da realida-de à qual o homem pertence e sobre a qual eleage” (RUSSIO, apud SANTOS, 1996: 92). Inte-

ressa-se ainda pela discussão sobre o conceitode realidade, recorrendo a Bellaigue, Sola eVan Mensch, que o aproximaram do recortecorrespondente à herança cultural e natural(Idem: 92). Para Bruno (1998a: 19) herança sig-nifica um passo além do patrimônio cuja trans-formação em herança se dá a partir da consci-ência de sua existência.

Santos (1996: 276) apresenta fato musealcomo “a qualificação da cultura em um pro-cesso interativo de ações de pesquisa, preser-vação e comunicação, objetivando a cons-trução de uma nova prática social”. HeloisaBarbuy (1989: 37) acrescenta: “A Museologia,então, não apenas estuda a relação entre ohomem e a realidade, entre o homem e oobjeto mas procura, também, atuar sobreesta relação e transformá-la”. Inserir-se na re-alidade e agir sobre ela é uma posição quevem se firmando na Museologia. Autorescomo Maria Célia Santos defendem umaabordagem de cultura integrada a outros as-pectos do cotidiano. Ao afirmar que a procu-ra pela qualificação da cultura deva ser reali-zada por meio das ações de pesquisa, preser-vação e comunicação, a autora está definin-do também o que entende ser a cadeia ope-ratória básica da Museologia (1996: 271).Também Van Mensch (anotações de aula) eMário Chagas (1996: 92) partem destes princí-pios de investigação, preservação e comuni-cação em equilíbrio dinâmico. Em outrasocasiões Chagas se refere a uma cadeia ope-ratória mais sintética, distribuída entre pre-servação e dinamização (Idem: 63).

Fomos convencidos, entretanto, pelo argu-mento do Curso de Especialização em Museo-logia do MAE/USP, conseqüentemente, deCristina Bruno, segundo o qual a cadeia opera-tória da Museologia consiste na salvaguarda ena comunicação patrimoniais. Este ponto foiinclusive alvo de questões postas pelos alunosdo CEMMAE a Peter Van Mensch em entrevistainédita (realizada em 05/10/2000). Longe de seruma questão de terminologia, como pode pa-

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recer, é um debate que a museóloga paulistapropõe e que pode ser uma de suas maiorescontribuições, por afirmar a salvaguarda e acomunicação patrimoniais como faces deoperacionalização da Museologia, ambas decaráter preservacionista.

É possível que Mário Chagas seja um dosprimeiros a aquiescer a esta formulação, vistoexistir, na sua obra, um discurso que inclui anecessidade de comunicação e uso social dopatrimônio na preservação. Assim, ela nãoseria equivalente absoluto do termo salva-guarda, menos ainda de investigação. Aoponderar os sentidos de tombamento e depreservação, o autor se aprofunda no exameda origem latina de preservação (Praeservare– ver antecipadamente o perigo) para afirmarque “o perigo maior que paira sobre um bemcultural é a sua própria morte ou deterioração”(CHAGAS, 1999: 104), e que “o sentido da pre-servação está na dinamização (ou uso social)do bem cultural preservado” (Idem: 105). Se-guindo este raciocínio, Chagas poderá resolvero paradoxo por ele identificado entre as neces-sidades de conservação e de dinamização, di-ante da inexorável ação do tempo sobre osbens patrimoniais (CHAGAS, 1996: 104). Comohoje compreendemos, a preservação pode es-tar fundamentando igualmente ações de sal-vaguarda e de comunicação patrimoniais.

Para Bruno, a Museologia é uma discipli-na preservacionista baseada na cadeia ope-ratória de salvaguarda e comunicação: “Rea-firmando que a preservação é a função bási-ca de um museu e que a partir dela estãosubordinadas todas as outras, tais como cole-ta e estudo dos objetos e/ou espécimes danatureza; salvaguarda das coleções e/ou re-ferências patrimoniais (conservação e docu-mentação) e comunicação (exposição, edu-cação e ação sócio-cultural), salienta-se queo desempenho articulado de todas estasfacetas preservacionistas deve estar vincula-do ao exercício da disciplina museológica”(BRUNO, 1995: 145-146).

Ainda para Bruno (1998a: 54-55), “a Muse-ografia corresponde ao universo da técnica,da prática, enfim, do fazer museal. (...) Sendoassim, o conjunto de aplicações das idéias econceitos, para a consecução de atividadesde conservação, documentação, exposiçãoe ação educativo-cultural, diz respeito aouniverso museográfico”. Expografia é o ter-mo usado especificamente para discursoexpositivo. Chagas (1996: 33) também consi-dera a museografia como Museologia aplica-da, responsável pelas “condições práticas eoperacionais de ocorrência do fato museal”.Russio, na apresentação do anteprojeto mu-seográfico presente em sua tese dedoutoramento, revela uma noção demuseografia similar às anteriores. Os concei-tos de museografia e de Museologia deBarbuy (1999: 43) são expressos quando serefere à museografia como “a idéia de umaorganização espacial e visual corresponden-te a uma dada concepção intelectual e ideo-lógica (museologia)”. Desta forma, trata pormuseografia não toda aplicação da Museo-logia, mas o que denominamos expografia.Já Scheiner (1998: 124), ao definirmuseografia, como “o conjunto de práticasatravés das quais o Museu se viabiliza, ga-nhando uma identidade específica, uma per-sonalidade própria”, estaria em acordo comBruno, Chagas e Russio, mas eventualmente,usa o termo também no sentido de expogra-fia (Idem: 137).

A determinação do universo de museali-zação também é alvo das discussões, com aafirmação de uma noção cada vez mais am-pliada do patrimônio musealizável, passan-do de objeto para uma orientação teóricabaseada no fato museal, como é predomi-nante ou talvez unânime entre os seismuseólogos estudados. Chagas (1996) enten-de que o conceito de museu cobre o univer-so inteiro e tudo é musealizável. Museu é olugar onde podem ser estudadas as relaçõesentre o homem e a realidade do universo emsua totalidade. Sua noção de patrimônio

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corresponde a “um conjunto de bens cultu-rais sobre o qual incide uma determinadacarga valorativa” (Idem: 40 – em nota derodapé). O bem natural incluído no cultural,como em Russio, para quem os objetos a se-rem musealizados são todos os elementosexternos ao homem e passíveis de serempercebidos ou modificados, eleitos em vir-tude do seu potencial de significação(RUSSIO, 1990: 07-12). A natureza é um bemcultural, na medida em que mesmo que nãoseja alterada, ela é percebida e dotada designificados e valores pelo homem.Scheiner (1998: 44) também compreendeque os museus são espelhos onde a socieda-de se reflete por meio de uma parte eleita epreservada do seu patrimônio, provenientede um amplo universo. Para o tratamentodeste patrimônio a solução da Museologiafoi voltar-se para uma perspectiva de açãointegral e conceber novos modelos museoló-gicos (Idem: 49).

A amplitude do universo de musealizaçãoé presente, segundo Vagues, no pensamentomuseológico internacional. Referindo-se aoque chama de uma Museologia globalizante,Desvallées (1989: 14) desafia: “O museu ultra-passa suas paredes. Suas coleções estão emtoda parte. Tudo lhe pertence. Todo patrimô-nio é museal - e não apenas museificável.Tudo é museu!”. Polemiza os mecanismos deseleção e exclusão, próprios da Museologia.Embora tudo seja passível de musealização,não é possível musealizar tudo, daí a críticasobre o conceito de museu integral, que serialigado a uma má tradução de museu integra-do: como a musealização envolve recortes,seleção, opções, descartes, falar de um mu-seu integral é uma tendência ao totalitaris-mo e o que é fatível é a existência de ummodelo museológico que integre as parcelasderivadas de diferentes vertentes patrimoni-ais.7

Outra exigência desta nova forma de con-ceber o objeto museológico e o universo de

musealização foi a adoção da interdiscipli-naridade como método de trabalho, idéiarecorrente tanto em Vagues como entre osmuseólogos que estudamos. Russio (1977,1980) recomenda a interdisciplinaridadecomo método de pesquisa, de ação e de for-mação profissional. Maria Célia vai além eintegra aos diferentes esforços profissionais aparticipação comunitária – que Russio alme-ja, mas não insere no âmbito da ação inter-disciplinar: “a abrangência do patrimôniocultural, a cultura entendida como o resulta-do do trabalho do homem, conduz-nos, cadavez mais, para o trabalho interdisciplinar,multidisciplinar e de participação dos diver-sos grupos da comunidade” (SANTOS, 1993:105). Chagas (1996: 49) opta por ela como“crítica da especialização e recusa de umaordem institucional dividida”, e ainda comoexigência para a transformação da formaçãoprofissional. Para este autor, é pela opção in-terdisciplinar que a Museologia mostra suavitalidade (Idem: 50). A ação interdisciplinarda Museologia consiste, para Cristina Bruno,no fato de que esta disciplina não estuda es-pecificamente o homem, o objeto ou o cená-rio, mas uma relação estabelecida entre eles,denominada fato museal.8 Acresça-se a isto,a tarefa de comunicar o conhecimento pro-duzido em outras áreas do conhecimento.

Se tais transformações foram exigênciasda alteração em um dos vértices do fatomuseal, devemos nos deter agora na análisedo alargamento conceitual que desobrigouda formação de coleções o processo de mu-sealização. Heloisa Barbuy, que participou dacriação de um dos raros exemplos de experi-mentações no Brasil do modelo deecomuseus, o Museu da Cidade de Salto(SP), aponta a concepção de objeto ligada aesse modelo museológico: “O acervo não éindesejado ou banido; ao contrário, é ampli-ado, tanto no sentido de sua natureza comono de seu significado, abrangendo bens imó-veis e territórios inteiros, além de espécimesvivos e de bens imateriais” (BARBUY, 1995:

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210). Segundo ela, a compreensão de umaruptura radical foi imprópria: “Que esses ob-jetos sejam recolhidos ou não para dentrode um museu, isto depende de cada contex-to cultural e de cada projeto museológicomas em nenhum momento propôs-se que osobjetos deixassem de ser inventariados”(Idem, 211). Uma alternativa à formação decoleções e à recolha de acervos pode serencontrada entre os modelos museológicospropostos por Bruno (1995): a constituiçãode bancos de dados de referências patrimo-niais. Mesmo sem nomeá-las diretamente,entendemos que Barbuy está tratando emseu texto daquilo que Bruno assim identifica.Já na obra de Chagas, há a alusão direta àexpressão referência patrimonial.

Waldisa Russio (1980: 114), anterior a estaformulação, referia-se a uma “representativi-dade das peças”. Observe-se a magnitude danoção de patrimônio aí envolvida, e a visãoantropocêntrica, porque o objeto não estápresente per si, mas pelo que representa: suaproposta era de que a linguagem dos objetosnarrasse o processo de industrialização e queaquele não fosse um museu de máquinas,mas memória de lutas, de homens. Ainda as-sim, o abandono da tridimensionalidadeequivaleria para esta autora, ao da represen-tatividade, documentalidade, testemunhali-dade e significância inerentes aos objetos(Idem: 74-84).

Scheiner (2000: 22) entende que mais querepresentação, o museu é criador de sentido.Os conjuntos significantes ali criados sinteti-zariam práticas, valores e sensações do indi-víduo, considerados patrimônio pelos víncu-los afetivos a eles atribuídos. A existência doobjeto seria, desde o mito de origem dosmuseus, fundamental nos processos desen-volvidos (Idem, 29-30). Apenas nesta autorapercebemos um certo distanciamento, comose o objeto fosse uma realidade ligada so-mente a uma atuação museológica mais tra-dicional, onde seria um mito arraigado des-

de tempos idos. Embora não o diga clara-mente, parece-nos subjacente a considera-ção de que hoje o museu pode, sim, existirsem objetos.

Afirmada, porém, a permanência do obje-to na tríade que define o objeto de estudo daMuseologia como sendo o fato museal, pas-samos à outra vertente da questão, referenteà relação museu-público. Maria Célia Santos(1993: 75) confere à identificação entre o pú-blico e o que se encontra exposto, o papel deviabilizar esta comunicação. Se a identifica-ção é hoje palavra de ordem, o estranha-mento, o mistério e o distanciamento, já fo-ram a tônica da relação. Scheiner expôscomo as normas coercitivas já nortearam avisitação aos museus e geraram certo sensocomum de qual seja a relação possível comestas instituições. Para ela, é no séc. XIX que aemoção entra no museu. Sentimentos comoo prazer e a emoção são fatores desta rela-ção pouco examinados pela Museologia,como observaram Fattouh e Simeon (1997:31-32) em sua análise do pensamento doICOFOM.

A identificação do público com o patri-mônio musealizado e sua utilização para ge-rar estímulos no sentido da conscientizaçãoe da ação sobre o real são hoje mais condi-zentes com o papel social esperado de ummuseu, que, para Bruno, se realiza naintersecção de dois outros, o científico e oeducativo, ao “propiciar a compreensão so-bre o patrimônio / herança e o exercício dacidadania” (BRUNO, 1998a: 27). Maria CéliaSantos (1993: 52) afirma: “Para nós, o simplesato de preservar, isolado, descontextualiza-do, sem objetivo de uso, significa um ato deindiferença, um ‘peso morto’, no sentido deausência de compromisso. Entendemos oato de preservar como instrumento de cida-dania, como um ato político e, assim sendo,um ato transformador, proporcionando aapropriação plena do bem pelo sujeito, naexploração de todo o seu potencial, na inte-

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gração entre bem e sujeito, num processo decontinuidade”. Um museu “onde o cidadãocomum encontre traços da sua cultura, dofazer do seu dia-a-dia, se identifique comoaquele que participa da História, que, semperder de vista as suas raízes, utiliza-a comoreferencial, compreende o seu presente econstrói o seu futuro” (Idem: 19).

É nessa linha de pensamento que se en-contra também Heloisa Barbuy (1989: 36), aocentrar o papel social e educativo do museuno seu potencial “de aumentar a capacidadede uma coletividade de projetar seu própriofuturo e de ser sujeito ativo – e não passivo –de sua própria história, a partir da consciên-cia que passa a ter de si mesma”, já que “aação cultural exercida pelos museus e poroutras instituições culturais tem importantepapel na relação que o homem desenvolvecom sua realidade” (Idem: 40). WaldisaRussio (1977: 132) propôs um museupropiciador do questionamento, da crítica,da avaliação, da ética e da transformação:“O museu deve ser compreendido como umprocesso em si mesmo, como uma realidadedinâmica. (...) O museu não existe isolada-mente, mas dinamicamente, na sociedade”.A atitude contrária estaria relegando o mu-seu gradualmente ao esquecimento.Scheiner alerta também para o papel de “es-tabelecimento e manutenção da compreen-são e da tolerância intercultural”, ainda porrealizar (SCHEINER, 1998: 35).

Intrinsecamente ligados à teoria museoló-gica estão os temas da memória, da identida-de e da diversidade cultural. Para Bruno, éna consciência sobre o patrimônio e naconstrução das identidades que se realiza otributo dessa disciplina. A intimidade entreMuseologia e memória é identificada porEvres (2000:62) como existente desde Russio.Realmente, entre os autores estudados, todospraticam esta associação. Chagas entende osbens patrimoniais como representações damemória, Bruno ressalta o papel da Museo-

logia definido por Ulpiano Bezerra deMeneses como administração da memória, eassim por diante. Scheiner imputa ao museua filiação à memória, que o liga definitiva-mente aos seus meios capitais de expressão,o tempo, a língua e o espaço. E seria consoli-dado por meio do objeto, como em Chagas,síntese das representações. Como os demais,percebe a existência de uma memóriamultifacetada, construída no presente. Osmuseus, como bibliotecas e arquivos, seriamresponsáveis pela guarda dos registros mate-riais da memória coletiva, fazendo dosmuseólogos, administradores dessa memória(SCHEINER, 2000: 31-35). Como espelho, omuseu lidaria simultaneamente, com identi-dade e alteridade, reconhecendo apluralidade.

A globalização, criou seu inverso, o refor-ço das identidades regionais. Esta autoradestaca a maneira como o museu, em meioà própria crise de identidade, tem articula-do o debate sobre esta problemática. Em es-tudo de 1987 sobre a produção do ICOFOMem torno desta matéria, percebeu as origensregionais das distintas compreensões. Estaconclusão tem paralelo em Fattouh eSimeon (1997: 48), que apreendem da pro-dução dos autores procedentes de paísesem via de desenvolvimento o interesse emuma ação que contribua para a construçãode identidades nacionais, aspecto, a seu ver,já resolvido no primeiro mundo. Para alémda busca de ingresso no “concerto das na-ções” (BARBUY, 1999; CHAGAS, 1999), osmuseus mesmo nos países subdesenvolvidospassam a reconhecer a importância da voca-ção territorial, com base em distintos níveisde identidade sobre o qual estariam agindo.Aos museus de caráter nacional, somam-seos regionais e os locais. No Brasil, o conceitode museus de território pouco a pouco pas-sa a gerar processos museológicos.

Heloisa Barbuy (1995: 222), ao discutir osecomuseus, alerta para que sua problemática

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central – que aqui estendemos a toda a pro-blemática preservacionista – seja a definiçãopara “o limite entre o caráter revolucionárioou conservador da construção de identida-des culturais”. O tema da vocação territorialestá associado a uma nova discussão que seimpõe no universo de reflexão da Museolo-gia e que diz respeito à necessária compre-ensão da cultura como criadora das condi-ções necessárias para o desenvolvimento e,portanto, sua preservação como fator indis-pensável para tal (VARINE in DESVALLÉES,1992: 56). A disposição no sentido de associardesenvolvimento sustentável e afirmação douso como estratégia de preservação do patri-mônio permeia os debates contemporâneosda Museologia, como exemplo, a Carta deSanta Cruz, oriunda do II Encontro Internaci-onal de Ecomuseus “Comunidade, Patrimô-nio e Desenvolvimento Sustentável” (2000).

A idéia não é nova nem o debate pode sersuperficial. Como Evres, identificamos tam-bém a presença de diferentes noções de de-senvolvimento entre os documentos de Santi-ago e de Caracas. Naquele, julga-se suficientea apreensão de modelos desevolvimentistasdos países do primeiro mundo pelos demais:“Não há uma preocupação com a forma deutilização das riquezas naturais, apenas comquem as usa. Como forma de minimizar asdesigualdades sociais, o uso da natureza de-verá ser estendido a todos” (EVRES, 2000: 40).É uma natureza dominada pelo homem quese encontra nesse documento. Vinte anos de-pois, Caracas já reflete um mundo em quedesenvolvimento e tecnologia não são sinôni-mos. A desilusão com a manutenção das desi-gualdades em paralelo ao avanço tecnológi-co e com a inaptidão dos padrões desenvolvi-mentistas do primeiro mundo para uma apli-cação direta e a-crítica nos demais países sefazem notar. Waldisa Russio já prenunciava oabismo entre desenvolvimento e progressostecnológico e econômico ao afirmar que“não basta ao ser humano a fruição de umgrande conforto material quando sua alma

está suspensa, presa por um fio de insatisfa-ção” (1977: 142).

Desenvolvimento pela qualificação dacultura é a proposta presente em Santos eBruno. O ingresso da reflexão sobre desen-volvimento por meio da preservação e daação museológica tornou-se possível somen-te com as alterações profundas na relaçãoentre museu e passado. Hoje, esta não é aúnica temporalidade à qual se liga o museu:ele articula presente, passado e futuro, comocatalisador da evolução social. WaldisaRussio (1977: 26) aludiu ao museu como“deflagrador das utopias”. A musealizaçãotem um sentido, em sua obra, não somentede registro do passado, mas de preservaçãodo presente e antecipação do futuro.Scheiner (2000: 91) denota ao fenômenomuseu uma nova inserção no tempo afir-mando que “Museu é tudo o que se dá nopresente, e também o passado e a projeçãode futuro”. A própria experiência do tempoteria sido contemporaneamente revolucio-nada: “presente, passado e futuro diluem-senuma percepção de permanente atualidade,onde preservação e transformação se equi-valem” (Idem, 97). E seguem-se outros pontosde vista confluentes, como em Chagas (1996:99) “A cada dia assenta-se mais a noção deque a sobrevivência da instituição musealdepende da sua capacidade de, enquantoespaço cultural aberto e público, abrir-separa o tempo presente, para aquilo que demuseológico existe fora dos limites espaciaisdo museu institucionalizado”.

Houve mesmo uma discussão sobrefuturologia e Museologia puxada pelo ICOM,na qual Barbuy afirmou: “(...) o objeto de tra-balho é o tempo presente, em toda suafugacidade, em toda sua natureza de passa-do em potencial” (BARBUY, 1989: 36). E ain-da: “(...) há um papel reservado àFuturologia, que pode auxiliar a Museologia,justamente com seus prognósticos sobre arealidade de amanhã, definindo os pontos a

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serem estudados na cultura gerada ecatalisados ou transformados hoje, para agerminação de um futuro melhor. A Museo-logia, então, não apenas estuda a relaçãoentre o homem e a realidade, entre o ho-mem e o objeto mas procura, também, atuarsobre esta relação e transformá-la” (Idem,37). Para ela, a especificidade deste proble-ma no Brasil encontra-se no fato de existir“no mundo pragmático e no próprio senso-comum, uma idéia de modernidade que é,ainda, aquela do Futurismo do início do sé-culo, que pregava a destruição do passadopara que este desse lugar a um mundo novo,nascido do zero. É a idéia do futurosubstutivo (futuro entendido comosubstutivo do passado e não como parte deum mesmo processo)” (Idem: 38).

Impõem-se novos tempos, posturas e rela-ções. A dicotomia museu-templo x museu-fórum tratada por Chagas tem equivalênciana discussão de Santos sobre museu comocampo para fomento da ação. Mais queação, o museu para Chagas faz-se arena, temsua gota de sangue, suas contradições. Dis-tancia-se “da idéia de espaço neutro eapolítico de celebração da memória” (CHA-GAS, 1999: 19) e assume a denúncia, a críticae a reflexão. Associar a reflexão sobre a ori-gem mitológica dos museus a esta tensãoentre memória e poder é marcante em Cha-gas, que os trata como potenciais espaçoscelebrativos da memória do poder ou arenaspara o levante democrático do poder damemória.9

Para Russio, defensora do caráter preser-vacionista da Museologia, este pode se fun-damenta na visão prospectiva. A especifici-dade da ação museológica é o pressupostoda preservação, não no sentido de saudosis-mo, mas de com fundamento político de in-formação para ação (RUSSIO, 1990: 10). Cha-gas faz também sua opção pelo uso social dopatrimônio. Da mesma forma, Santos (1993:52) defende a preservação compromissada

com uma opção política e transformadora.Não restam dúvidas, porém, que a preserva-ção tanto pode servir à transformação comoà manutenção da ordem estabelecida e dosprivilégios. Bruno é contundente na afirma-ção do caráter preservacionista. Seu discur-so reflete uma constante preocupação pelonão abandono do patrimônio já institucio-nalizado. Barbuy (1989: 36) demonstra com-partilhar deste ponto de vista. Scheiner en-tende que o museu ultrapassa os limites damaterialidade dos objetos para criar conjun-tos significantes que são o patrimônio. Iden-tifica no mito de origem dos museus o cará-ter preservacionista, mas, a nosso ver, associa-os a sacralização, solenidade e ritualidade.Como foi explanado, ao designarem a Museo-logia como preservacionista, os demais auto-res entendem sua potencialidadetransformadora, ainda que em convivênciacom o potencial para manutenção da ordemestabelecida. Essa autora aprova a preserva-ção quando ela diz respeito à “atualização davida social” (SCHEINER, 2000: 40), como ocor-re em ecomuseus e museus de território.

A partir de Caracas (1992), o museu passou aser afirmado como canal de comunicação,tendência já incorporada pela Museologia bra-sileira: “Ao lado de seu evidente compromissocom a preservação, o museu deve ser pensadoe realizado como um canal de comunicação,capaz de transformar o objeto testemunho emobjeto diálogo, permitindo a comunicação doque é preservado. Às antigas responsabilidadesde coletar, estudar, guardar o patrimônio, ou-tras exigências se impuseram” (BRUNO, 1998:08-09). Há mesmo quem veja uma passagempara o campo dos meios de comunicação demassa, como Scheiner, porém entendemosque esta escala pode não ser compatível com arealidade dos museus dos países em desenvol-vimento, embora se verifique em alguns mu-seus do primeiro mundo.

A afirmação da comunicação afasta-se umpouco da presença testemunhal do objeto

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proposta por Russio. Quando a autora defen-de a adequação da linguagem tridimensio-nal dos objetos para narrar o processo de in-dustrialização (RUSSIO, 1980: 114), a formu-lação é centrada numa narrativa, não aindaem um diálogo. A informação contida nosobjetos interessa à Museologia pelos fatoresde documentalidade, testemunhalidade e fide-lidade. Bruno tem se detido com afinco na ca-racterização dos objetos de museu como obje-to-diálogo, reforçando que eles não falam persi, mas que seus sentidos e significados sãoconstruídos na relação com o público.

A relação propiciada pelos museus é, paraChagas, “campo fértil para a ocorrência oprocesso educativo transformador, capaz deestimular a descoberta, de produzir novo co-nhecimento, de despertar novas emoções,sensações e intuições” (CHAGAS, 1996: 84).Barbuy (1989: 36), combina as funções sociaise educativas do museu para demonstrar seupotencial de conscientização e decapacitação coletiva para a tomada das ré-deas de seu porvir. O aprendizado baseadona relação dialética entre educador e edu-cando é defendido por Chagas (1996: 84): aação educativa tem base no diálogo e permi-te a “transformação do bem cultural em bemsocial” (Idem: 62). Russio, em suas propostas,baseava a formulação das atividadeseducativas em uma concepção de aprendi-zado constante. Talvez possamos entrever aíparalelos com a educação libertadora desen-volvida em processo permanente, de PauloFreire. São características comuns a ambos,o desenvolvimento da criatividade, do sensocrítico e da consciência, numa perspectivaque a autora denomina ecológico-humanista.

A expressão máxima da influência dopensamento deste educador entre osmuseólogos estudados pode ser a atuação deMaria Célia Santos na Bahia. Ela mesma des-taca este aspecto do seu pensamento em en-trevista a Mário Chagas (SANTOS, 2002) e

considera-se em dívida com um estudo dascontribuições de Freire para as reflexões noâmbito da Museologia. Para ela, “A relaçãoentre museu e educação é intrínseca, umavez que a instituição museu não tem comofim último apenas o armazenamento e aconservação, mas, sobretudo, o entendimen-to e o uso do acervo preservado, pela socie-dade, para que, através da memória preser-vada, seja entendida e modificada a realida-de do presente. Nesse sentido, a própria con-cepção do museu é educativa, pois, o seuobjetivo maior será contribuir para o exercí-cio da cidadania, colaborando para que ocidadão possa se apropriar e preservar o seupatrimônio, pois ele deverá ser a base paratoda a transformação que virá no processode construção e reconstrução da sociedade,sem a qual esse novo fazer será construídode forma alienante” (SANTOS, 1993: 99).

Santos e Bruno estão lado a lado na defi-nição da educação e da conscientizaçãocomo parâmetros para o desenrolar do pa-pel social dos museus, sem cujas limitaçõessua ação pode perder as especificidades econfundir-se com atuações de outras áreasdo conhecimento.

Se as fronteiras do que seja ação museoló-gica são delimitadas pela educação e pelaconscientização, estes limites foram explora-dos ao máximo pelas formulações que deri-varam no modelo museológico doecomuseu. Muita confusão na interpretaçãode conceitos tem feito desta denominaçãoum guarda-chuva onde tudo cabe. Algumasbalizas, entretanto, são propostas por Barbuy(1995: 211) a partir da conceituação deBellaigue: o território, a população comoagente, o tempo e o patrimônio. Bruno reduzo conceito às seguintes variáveis: o território,o patrimônio constituído sobre este espaço,e uma população, que viva nesse territóriointeragindo com esse patrimônio10. Russio,ao sugerir que os museus de fábrica propos-tos em seu doutorado fossem espécies de

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ecomuseus industriais, caracteriza-os “pelasrelações sistêmicas e pela participação co-munitária no FAZER O MUSEU e no MANTÊ-LO” (RUSSIO, 1980: 145). Já Scheiner (1998:40) acredita que nesse modelo e no dos mu-seus de território, “a musealização assumeuma característica de ‘ficção das trocas sim-bólicas’ e faz-se como um ato de restituiçãodo qual participam as coletividades; maisque musealização trata-se de uma atualiza-ção da vida social em torno do fato cultural”.

Aspecto freqüente na bibliografia é a ne-cessidade de avaliação constante e reali-mentação do processo museológico. Contu-do, o discurso tende apenas a indicar estecompromisso, sem definições quanto aosmétodos de avaliação. O reconhecimentodesta exigência, porém, é já um fatordecorrrente da compreensão do fenômenomuseu como um processo, onde predomi-nam os tempos longos e as formulações po-dem ser minadas pelas descontinuidades.Russio é incisiva quanto à visão prospectivae processual e formula uma metodologia do“MUSEU-PROCESSO” (RUSSIO, 1980: 117).

Bruno (1995: 352) reivindica tempos lon-gos para a consolidação dos processos demusealização, bem como Barbuy (1999, 40).A visão processual aparece não somente naaquiescência ao longo prazo como tempopara verificação dos efeitos da ação museo-lógica, mas na gradual transferência de pa-péis das instituições para os processos muse-ológicos como responsáveis peladeflagração de atitudes preservacionistas.Santos (1999) é também partidária da Museo-logia processo e ao relatar sua experiênciano Museu Didático-Comunitário de Itapuã,admite que o processo museológico antece-deu a existência da instituição. Note-se que,com todas as transformações conceituaisadotadas, a autora ainda se refere à institui-ção. No caso Chagas, por exemplo, há umentendimento de que o processo museológi-co não gera necessariamente uma institui-

ção. Sua colega carioca é contundente emcaracterizar os museus por dinamismo, mu-danças, pluralidade e diversidade. Nela tam-bém se percebe a existência de um museuconceitual.

As profundas alterações epistemológicasda Museologia não podiam deixar de refletirnas bases da formação profissional. O novomuseu exigiu repensar a carreira ainda vol-tada para estudos de coleções que compu-nham o eixo da Museologia mais tradicional.Aos compromissos com a manutenção físicados acervos somaram-se tantos outros que osmuseólogos precisaram também descons-truir os padrões clássicos de sua própria for-mação. Mário Chagas (1996: 96) critica a for-mação profissional autoritária, burocrática edesvinculada de compromissos sociais e re-lacionou sete imagens de museólogos a seteperigos. Assim, o ególatra, o primeiro-mundista, o tupiniquim-xenófobo, o conser-vador, o colecionador, o especialista e ogeneralista seriam tipos característicos dosdesvios de condutas profissionais na Museo-logia. Suas atuações estariam permeadas porperigos a serem afastados como a centraliza-ção no objeto, a mentalidade colecionante,a obsolescência da informação, o afastamen-to da realidade social, a carência de embasa-mento teórico, a não valorização dos traba-lhos de pesquisa e o enfoque autoritário.

O primeiro curso de pós-graduação naárea foi criado, em São Paulo, por WaldisaRussio (1978). É essencial entender seu pen-samento pela influência que exerceu nos de-mais, alguns, inclusive, ex-alunos. O Institutode Museologia de São Paulo da FundaçãoEscola de Sociologia e Política de São Paulo(FESP) adota a concepção de Museologiacomo ciência em formação, cujo objeto é ofato museal. Para ela, a formação e a profissi-onalização na área enfrentam desafios comoacompanhar os museus nas novas exigênciasque lhe são feitas e em posicionar-se diantede um problema identificado por Bourdieu

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no fim da década de 60 e que no Brasil eraainda realidade: a seleção de pessoal paramuseus não fundamentada em critérios deformação. O fato foi agravado, para Russio,pela regulamentação da profissão, que real-çou o critério do exercício profissional. Suaargumentação define o museu como “baseinstitucional necessária” à disciplina museo-lógica, não como seu todo. E remete a dis-cussão sobre formação a outra anterior, abusca do campo de reflexão crítica específi-co da Museologia. Põe-se de acordo comStránský, da Escola de Museologia de Brno(atual República Tcheca), para quem “Nãobasta inculcar nos futuros museólogos co-nhecimentos e fazê-los adquirir uma experi-ência; é preciso ensiná-los a pensar museo-logicamente e de maneira independente (...)Somente quadros dotados de conhecimen-tos teóricos poderão vir a ser co-criadores daMuseologia enquanto disciplina científicaindependente. A necessidade de criar um sis-tema teórico próprio da Museologia é poismais que determinante para o ensino da Mu-seologia” (STRÁNSKÝ, apud RUSSIO, 1989:10).

A influência desta perspectiva é notóriana concepção de Cristina Bruno para a Espe-cialização em Museologia, criada na USP em1999, que tinha duração de um ano e meio,entre aulas e elaboração de trabalhomonográfico. As disciplinas básicas do cursoprocuravam equilibrar Museologia emuseografia como faces teórica e aplicadada formação profissional. A carga horáriacontava, no primeiro semestre, pelo aporteteórico-metodológico e relativo à historici-dade do fenômeno museal, e pela instruçãovoltada aos aspectos de aplicação oumuseografia, em duas disciplinas voltadaspara salvaguarda (conservação e documen-tação) e para comunicação do patrimônio(exposição e ação educativo-cultural). So-mavam-se às disciplinas básicas, no primeirosemestre, seminários temáticos e visitas téc-nicas que apresentavam atuações profissio-

nais e experiências institucionais. O segundotinha um conjunto de seminários intensivosministrados por profissionais nacionais e es-trangeiros e a continuidade das visitas técni-cas. Ao longo do curso eram ainda agendadosencontros museológicos e aulas especiais e osalunos realizam estágio obrigatório, além dapesquisa para elaboração da monografia,cuja redação ocorria no último semestre.

Nos cursos mais antigos, as graduações daBahia e do Rio de Janeiro, as novas exigênciassuscitaram reformulações curriculares. MariaCélia Santos participou da reforma curricularda Museologia da UFBA, implantada em 1989,onde a ação museológica passou a voltar-semais para o binômio preservação-dinamização culturais, ressaltando-se aquelesaté então discriminados, os costumes e faze-res cotidianos. O conhecimento voltado so-mente para as coleções foi minimizado. Paraela, o profissional da área deve dominar a téc-nica para saber aplicá-la a qualquer contexto,mas para isso, precisa saber analisar este con-texto, e adaptar suas técnicas a ele, trabalharinterdisciplinarmente e em envolvimentocom a comunidade local, além de realizaruma avaliação constante do processo.

Scheiner esteve envolvida, a partir de1995, com a implantação do novo currículode Museologia da UNI-RIO. Sua ação nãotem sido apenas localizada à escola carioca,mas estende-se à participação na pesquisa,análise e reestruturação do “InternationalSyllabus for the Training of Personnel forMuseums”, a ser sugerido pelo ICTOP comocurrículo básico de Museologia. Voltando-nos ao pensamento da autora, para quem “Omuseólogo, hoje, não é quem trabalha nosmuseus, mas quem pensa o Museu”(SCHEINER, 1998: 141), deparamo-nos com orisco de uma opção pela formação quedesassocie a reflexão e aplicação.

Um aspecto complexo desta análise a quenos propusemos é refletir sobre a coerência

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conceitual entre produção teórica, docênciae aplicação museológica dos profissionaisem questão. Não pretendemos fazer aprecia-ções detidas, apenas ressaltar alguns aspec-tos mais evidentes ou as próprias avaliaçõesdos autores sobre sua trajetória, como a deMaria Célia Santos, na já mencionada entre-vista a Mário Chagas, em que ressalta pontoscomo a influência de Paulo Freire em seupensamento. Em outro momento de sua pro-dução, a autora identifica sua contribuiçãopara a aplicação e reflexão em Museologia:cultura como produto social, criado em pro-cesso; memória coletiva fomentando a com-preensão e transformação da realidade; in-centivo à apropriação e reapropriação dopatrimônio e do entendimento das identida-des como plurais e dinâmicas; uso da memó-ria preservada para a formação do cidadão;ação museológica gerada a partir da práticasocial; adoção de uma noção integrada darelação entre o homem e a natureza; tomadade posição com vistas à realização do com-promisso social da Museologia com a trans-formação e o desenvolvimento social; for-mação de sujeitos capazes de ver a realida-de, expressá-la, expressar-se e transformar arealidade (SANTOS, 1999: 113-114). ParaSantos, a instância de aplicação foi sempre abase para sua reflexão acadêmica e para aformulação e avaliação de conceitos. Suaprodução revela uma atuação profissionalapaixonada e comprometida.

A vinculação entre realização de trabalhoacadêmico e proposta de aplicação é perce-bida ainda em Russio, precursora das discus-sões sobre a disciplina no Brasil e da forma-ção em nível de pós-graduação. Como o dis-se Cristina Bruno (1995), foi uma “vanguardasolitária”. Influência notória na Museologiabrasileira, reconhecida internacionalmentee difusora em território nacional de diretri-zes internacionais como a revolução concei-tual proposta em Santiago, esta autora muitorapidamente produziu, formulou, formou.Mas como percebemos no quadro cronológi-

co a seguir, faleceu prematuramente (1990)quando estava no ápice de sua atuação mu-seológica.

No pensamento de Cristina Bruno destaca-se uma preocupação em aproveitar a experi-ência profissional de aplicação museológicae de refletir sobre ela nas etapas de gradua-ção acadêmica. Esta característica, como vi-mos, não é uma constante na área, o que dis-sipa a produção por não associar reflexão eprática como componentes indissociáveisda construção do conhecimento museológi-co. Um aspecto a mencionar é a indicaçãode desdobramentos possíveis, dos processosmuseológicos que origina. Sua tese e outrosprojetos são colocados num patamar dedeflagradores de processos de formaçãoprofissional e pesquisa. Outras característicasque se sobressaem nela são o rigor conceitu-al e a busca incansável de uma sistematiza-ção para a disciplina.

Teresa Scheiner não nos parece estaramarrada a esta sistematização, mas de certaforma complementa a teorização em Museo-logia por trazer um amparo conceitual e re-flexivo de outras disciplinas, por inserir o co-nhecimento desta área no universo do pen-samento científico. Sua visão é transdiscipli-nar, holística e biocêntrica, algo vanguardistae que pode vir ou não a se firmar nas con-cepções de Museologia após o tempo neces-sário para debates, ajustes e consolidaçõesque geram e destroem continuamente os pa-radigmas. Alguns dados contribuem para arelevância da observação de seu pensamen-to, ainda que não hegemônico, no Brasil:como publica também em inglês e foi Presi-dente do ICOFOM, tem grande projeção in-ternacional. Por outro lado, tem forte atua-ção na Escola de Museologia na UNIRIO, eatua na definição de parâmetros internacio-nais para a formação em Museologia, juntoao ICTOP. Portanto, é imprescindível quesuas idéias sejam conhecidas, debatidas eponderadas.

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Heloisa Barbuy esteve envolvida no pro-cesso que originou uma experimentação daecomuseologia no Brasil, que gerou por al-gum tempo reflexões e publicações por par-te desta profissional e aproximou-a demuseólogos franceses como MathildeBellaigue e François Hubert. Na década de80, também atuou na formação profissional,como auxiliar de ensino de Waldisa Russiono Instituto de Museologia de S. Paulo, ondese especializou. Nos últimos anos, é docentedo Museu Paulista da USP e se interessa peloestudo de questões da visualidade no séc.XIX, o que leva a um afastamento das discus-sões epistemológicas da Museologia para cir-cunscrever sua reflexão ao campo da Histó-ria. A atuação em formação vem se dandode maneira esporádica, por meio de cursosde extensão e seminários em cursos, além daorientação de estágios e de pesquisas no Mu-seu Paulista.

Mário Chagas alia em sua obra criticidadee poesia, perspicácia e veia humorística. Suaanálise do fenômeno museológico é crítica earticulada com base nas reflexões sobre teo-ria e prática. Uma trajetória marcada peloamplo universo de atuação em instituiçõesmuseológicas, do Nordeste ao Sudeste brasi-leiros e pela larga experiência em formaçãoprofissional. Sem dúvida, Chagas realiza oque Stránský propõe que deva ser o cerne daformação em Museologia: pensa museologi-camente. Sua produção bibliográfica revelaum pensamento que reflete museologica-mente sobre o universo. Encontra elementospara teorizar sobre Museologia até mesmono cinema e na literatura. Recentemente,está ligado ao Departamento de Museus eCetros Culturais (DEMU) do IPHAN.

Cristina Bruno coordenou a Especializa-ção em Museologia da USP ao longo de qua-tro turmas e dirigiu o Departamento deIconografia e Museus da Prefeitura de SãoPaulo, mas está de volta ao Museu de Arque-ologia e Etnologia da USP onde prossegue

na orientação a diversos estudantes e estagi-ários, organização de diversos eventos cien-tíficos e docência. Seus processos de consul-toria têm priorizado também, a formação e acapacitação profissionais. Além disto, cola-bora com outras universidades, notadamen-te a Universidade Lusófona, em Lisboa, comodocente do primeiro doutorado em línguaportuguesa na área de Museologia. MárioChagas e Maria Célia são também ligados aeste curso de pós-graduação.

Teresa Scheiner, dentre os autores estuda-dos, é a que vem contribuindo com mais re-gularidade para as publicações internacio-nais, notadamente, do ICOFOM. Atuou naseleção e orientação de alunos da Escola deMuseologia em estágios, monografias e dis-sertações e organizou diversos congressos deMuseologia nacionais e internacionais. De-senvolve, pela Tacnet Cultural Ltda., desde1990, projetos editoriais e de consultoriamuseológica, além da organização de cursose workshops.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há uma especificidade da Museologia bra-sileira? Esta é a questão que se interpõe ànossa reflexão. Segundo Peter Van Mensch,um dos maiores estudiosos do pensamentomuseológico internacional na atualidade, amaior contribuição da América Latina para aMuseologia foi a Declaração de Santiago doChile.11 Após Santiago o autor, não destacanenhuma outra contribuição de peso inter-nacional e perguntado sobre os museólogosaqui estudados limitou-se a ponderar o pro-blema da barreira lingüística, já que a maiorparte deles tem publicado somente em por-tuguês e francês. Entretanto, na distinção quefez das orientações teóricas da Museologiacontemporânea, Van Mensch localiza na op-ção pelo estudo do fato museal uma destastendências, recorrendo assim a um conceitodefinido por Waldisa Russio. Pela representa-

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tividade dessa análise e recorrência na bibli-ografia da conceituação gerada a partir dadefinição de fato museal por Russio, consi-deramos que esta tenha sido até o momentoa mais proeminente contribuição brasileirapara a construção epistemológica da Museo-logia.

É, portanto, lamentável, que ainda hoje abarreira da língua seja critério para a delimi-tação das idéias que possam ou não ser ele-vadas ao plano do conhecimento internaci-onal e do reconhecimento de sua relevân-cia. Por um lado, permanece no mundo daMuseologia a dicotomia entre reflexões deprocedência anglófila ou francófila. Não queisto represente na maior parte dos casos umadiscordância conceitual, mas uma resistên-cia da intelectualidade desses universos emaprofundarem o debate da produção prove-niente de outra língua. O ICOFOM é a instân-cia do ICOM que tem proporcionado umaquebra destas rotinas, com a adoção deparâmetros bilíngües de publicações e deba-tes. A superação de um empecilho adicionaltem sido objetivo de lavor suplementar: aproblemática das terminologias, que gerouum Grupo de Trabalho específico no seio doICOFOM.

Ainda assim, a produção dos autores brasi-leiros aqui estudados não é de largo conhe-cimento internacional, seja porque os auto-res não têm seus textos versados para outrosidiomas, seja porque nem todos têm ou tive-ram participação no ICOFOM. Na obra men-cionada de Fattouh e Simeon (1997: 31-32),os brasileiros presentes são Barbuy, Bruno,Russio e Scheiner, além de Marcelo Araujo eMaria de Lourdes Parreiras Horta.

Por isto, destacamos iniciativas como a dacriação do ICOFOM-LAM, onde se tornarampossíveis os intercâmbios de idéias em ter-mos de América Latina e a da publicação jámencionada dos Cadernos de Sociomuseo-logia em Portugal, que estão, há uma déca-

da, colaborando para a divulgação maior daprodução da Museologia em língua portu-guesa e abrindo uma das poucas vias editori-ais nesta língua que resistem às primeiraspublicações.

Contribuição que consideramos de funda-mental importância na bibliografia nacionalé a opção por soluções particulares e criati-vas frente às tecnologias inadequadas vindasdo exterior. A necessidade de redução dasteorias aos contextos específicos faz partedas reflexões que os países em desenvolvi-mento podem, mais que quaisquer outros,recomendar, por suas próprias e desastrosasexperiências com a importação de padrõesnão adaptados às suas realidades. Advertên-cias a este respeito estão ainda em Scheinere Bruno. Uma outra consideração é essenci-al: a diversidade cultural deve ser valorizadacomo o conjunto das possibilidades do ho-mem resolver sua existência material e ima-terial. Como a biodiversidade proporcionadiferentes soluções para a sobrevivência bio-lógica das espécies, a diversidade culturalrepresenta os recursos disponíveis para a so-brevivência e adaptação da espécie humanaao seu ambiente. Com isto em apreço, avali-amos o Brasil como sendo possuidor de umconjunto cultural especialmente diverso edetentor de um vasto universo para experi-mentações que venham a alimentar ateorização em áreas como a Museologia.

No sentido das contribuições epistemoló-gicas, identificamos neste estudo uma outraformulação de grande relevância, quandoCristina Bruno, em seu exercício de sistema-tização da teoria museológica, vai na essên-cia da questão da especificidade do caráterpreservacionista da Museologia, desenvolvi-do por meios de ações que garantam a salva-guarda e a comunicação patrimoniais. A de-finição desta cadeia operatória básica para aMuseologia e a concepção de que a preser-vação é a natureza deste processo nos pare-ce ser um avanço no sentido da demarcação

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de fronteiras entre a Museologia e outros ra-mos do conhecimento.

Há uma ou várias museologias? Os autoresbrasileiros estudados, mais que uma opçãoradical por uma Nova Museologia, fazem re-flexão e questionamento, busca de renova-ção da prática museológica. Scheiner, emsua análise da produção do ICOFOM sobreidentidades, localiza especificidades regio-nais; assim como na análise de Fattouh eSimeon, que concluíram, no entanto, pelaexistência de uma só Museologia. Mesmoponto de vista expresso pelo simpósio doICOFOM de Hyderabad (1988), mencionadopor Van Mensch: “A opinião geral, expressapelos museólogos de diferentes partes doglobo, admitiu que no nível mais elevado deabstração, só há uma museologia. No nívelprático, no entanto, podem haver muitas di-ferenças de acordo com as condições cultu-rais e sócio-econômicas locais” (VANMENSCH, 1994: 02). É, portanto, uma Museo-logia com ondas de renovação.

Ainda que os autores que estudamos nãose intitulem “novos” museólogos estão, comsuas práticas e reflexões, contribuindo para arenovação da Museologia. São trajetóriasque se entrecruzam e se influenciam mutua-mente, seja pela confluência , seja pela pro-vocação de reflexões e oposição. Porém, seos caminhos profissionais e acadêmicos seencontram, não percebemos correspondên-cia para tal na bibliografia. Não notamos, nadimensão esperada, uma utilização mútuada produção bibliográfica como ponto departida para a discussão entre estes autoresde suas concepções de Museologia. As oposi-ções, aliás, são raramente acirradas, e talvezem alguns pontos, a ampliação dos debatesgerasse, dialeticamente, um desenvolvimen-to epistemológico maior para a área.

Se há um modelo museológico própriodo Brasil, é outra questão inerente a esteestudo. Chagas ressalta em seu trabalho so-

bre o pensamento museológico de Máriode Andrade o quanto se buscava, àquelaépoca, um modelo nacional de cultura. Efindo o século XX, será que se pode dizerque há um projeto museológico realmentebrasileiro? Santos, “neste momento, a solu-ção para a museologia brasileira está nopequeno museu comunitário”, construídopor meio de uma metodologiaparticipativa (SANTOS, 1993: 70). Mas au-tores como Bruno e Scheiner continuam aapostar em um leque muito maior de pos-sibilidades. O que está fora de questão é anecessidade de confrontar a teoria com ocontexto real de aplicação, para definir omodelo a adotar.

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AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 71

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NOTAS

1 Este trabalho se baseia na monografia da Especi-alização em Museologia da USP intitulada On-das do Pensamento Museológico Brasileiro, queteve origem a partir da observação da limitadarepresentação da Museologia brasileira na obra“Vagues: une anthologie de la nouvellemuséologie”, organizada por André Desvallés(1992-1994). É uma revisão do pensamento mu-seológico nacional com o objetivo de localizar aprodução ausente naquela antologia, especial-mente no âmbito das transformações conceitu-ais pelos quais os museus e a Museologia passa-ram na 2ª metade do século XX.

2 Destacamos, em língua portuguesa, a organizaçãode “A memória do pensamento museológico con-temporâneo” (ARAUJO e BRUNO, op. cit.), com areunião e tradução de documentos fundamentaiscomo as declarações de Santiago, Quebec e Cara-cas – acompanhados de textos-comentários; e apublicação dos Cadernos de Sociomuseologiapela Universidade Lusófona de Humanidades eTecnologias, raro caso de continuidade nas publi-cações desta área em português e onde aparecemtextos brasileiros que em território nacional nãochegam a obter o mesmo espaço. Nessa série apa-receu ainda com uma organização de textos fun-damentais de Museologia e Patrimônio (PRIMO,Judite (org.). Museologia e Património: docu-

mentos fundamentais. Lisboa: UniversidadeLusófona de Humanidades e Tecnologia, 1999. Ca-dernos de Sociomuseologia, 15). Nos últimos anoso Departamento de Museu e Centros Culturais doIPHAN (DEMU), tem centrado esforços nas publi-cações como a Revista MUSAS, no terceiro núme-ro, e a Coleção Museu, Memória e Cidadania, tam-bém com três títulos publicados.

3 Esta representação se resume ao texto deFernanda de Camargo e Almeida (como se assina-va Fernanda de Camargo-Moro) no v. 2 de Vagues,no capítulo referente às de experiências e práti-cas. (ALMEIDA, Fernanda de Camargo e. “Lemusée des images de l’inconscient – Uneexpérience vécue dans le cadre d’um hôpitalpsychiatrique à Rio de Janeiro” (1976), inDESVALLÉES, 1994, op. cit. p. 204-213) É sintomáti-ca, porém, a presença de um texto não propria-mente museológico, mas também de autoria deum brasileiro, o educador Paulo Freire, intitulado“L’éducation, pratique de la liberté (La sociétébrésilienne en transition)” (1971). A influência dopensamento de Paulo Freire para este movimentode renovação da Museologia já se faz notar noconvite a ele feito para a presidência da Mesa-Re-donda de Santiago do Chile, episódio esclarecidomais adiante. Algumas de suas idéias seriam maistarde incorporadas por museólogos brasileiros aose referirem ao papel social e educativo dos mu-seus. (FREIRE, in DESVALLÉÉS, 1992: 195-212)

4 A já mencionada patrimoniologia.

5 Idéia constante em Bruno e Santos.

6 As discussões de ambas parecem aproximar-seem alguns pontos como a apropriação da abor-dagem de Néstor García Canclini sobre patrimô-nio em processo de reelaboração.

7 Anotações de aula do Curso de Especializaçãoem Museologia referentes ao seminário proferi-do por Chagas dias 03 e 04/07/2000.

8 Anotações de aula do dia 09/08/1999, referente àdisciplina “Museologia: princípios teórico-meto-dológicos e a historicidade do fenômenomuseal”, ministrada pela Profa. Dra. Cristina Bru-no no primeiro semestre do Curso de Especiali-zação em Museologia.

9 Seria este o tema principal de sua tese de dou-torado, defendida em 2003, que ficou fora doâmbito do nosso trabalho.

10 Anotações de aula do dia 10/08/1999, referente àdisciplina “Museologia: princípios teórico-metodo-lógicos e a historicidade do fenômeno museal”,ministrada por Cristina Bruno no CEMMAE.

11 Anotações de aula do Curso de Especializaçãoem Museologia referentes ao seminário profe-rido por Peter Van Mensch dias 02 a 06/10/2000.

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M¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS?

Muchas veces me he hecho esta pregunta como profesional de la

arquitectura, bien entendido que con la mirada en la profundización que va

mas allá de la mera solución espacial, que evidentemente ha de ser siempre la

mejor posible. Como historiador y como conservador de museos, entiendo que

la arquitectura tiene mucho mas que decir y puede ayudar a facilitar el diálogo

con el contenido potenciando la puesta a punto de la obra.

Es importante aclarar que una brillante arquitectura no es un museo por si

misma; me explico: para que dicha institución sea concebida como tal, ha de

tener junto al contenedor, un contenido y una programación adecuada. Si afir-

mamos que un museo es bueno, ha de estar de un edificio / espacio, de alta

calidad, debe poseer una colección interesante y contar con una programación

de ideas eficaces para enseñarla. Entendámoslo, estas premisas han de darse

simultáneamente, es decir a la vez. Si no es así el resultado siempre será parcial

y por tanto insatisfactorio. Un museo es espacio, obra y presentación.

An JUAN CARLOS RICO

5ARTIGO

¿Que Puede Hacer LaArquitectura Por Los Museos?

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JUAN CARLOS RICO74

Casi veinticinco años de investigación

Todos este tiempo dedicado a analizar. In-vestigar, experimentar y proponer algunaque otra directriz que haga que el diálogoentre el público, la obra y la arquitectura sealo mas fluido posible, con el mejor confortambiental y físico para el visitante y buscan-do la mayor eficacia comunicativa posible.

Una conversación en Oslo

Iniciaba las páginas del libro Comoenseñar el objeto cultural, reproduciendouna conversación con un alumno noruegoque militaba muy activamente en laorganización no gubernamental Amnistía In-ternacional y que afirmaba que no entendíami dedicación a los temas culturales,cuando la humanidad se hundía en todotipo de guerras e injusticias. Tras muchosencuentros, que como en todos estos casosacaba siempre en una consistente amistad,yo le contestaba que parece lógico que elhombre conozca junto a sus indignidadesmáximas, sus mejores logros, no evidente-mente como contrapeso o justificaciónalguna, sino como mera justicia. La realidades que la reflexión (el pensamiento, lafilosofía), la creación (el arte, la cultura) y laexperimentación (la ciencia, la tecnología),no son de los temas favoritos de la sociedad,quizás por que los responsables de cada unode ellos, no hemos sabido enseñarlos.

El museo como laboratorio

Viene a colación el comentario anterior,por intuir que el museo, mas allá de susconnotaciones específicas y particulares, esel instrumento mas adecuado y manejableque tenemos en nuestras manos para investi-gar y experimentar las dificultades y lasposibilidades de “enseñar” los objetos y quedichas propuestas pueden por extrapolaciónllevarse a otros campos mas amplios de lacultura. Añado esta tercera reflexión que

supone para nosotros un concepto experi-mental mucho mas amplio de la merasolución de los problemas museísticos yaclara mi afirmación del primer párrafo.

El cuarto pilar: Como enseñar el objeto

Hablaba antes cuando relataba misconversaciones con el alumno / amigonoruego, que posiblemente la frialdad conque la sociedad se relaciona con elpensamiento, la cultura y la ciencia humana,sea posiblemente un defecto de nuestraincapacidad para enseñarlo de un maneraeficaz y atractiva, y esto es así ahora, en elsiglo XXI, no como algo del pasado. Todas lasinvestigaciones al respecto indican queefectivamente nunca como hasta ahora hahabido tanta gente en los museos, en lascatedrales o en las ciudades históricas, perocon la misma rotundidad, los mismos especi-alistas afirman que tras la lente de aumentose observa la enorme insatisfacción que elloles produce en su intimidad. Hay que ir porla presión social y el lenguaje de prestigioexistente, pero como ya decía el psicólogonorteamericano en el año 35 del siglopasado, hay que escapar cuanto antes.

En consecuencia junto a la investigacióny la experimentación arquitectónica, hayque trabajar también el tema ya mas específi-co dela relación del objeto con el público,del llamado tradicionalmente montaje deexposiciones. A estos dos campos concretosse ha dedicado nuestro proyecto deinvestigación, desde hace ya casi veinticincoaños.

Los problemas actuales del contenedor: En-tre símbolos....

Siempre he pensado que el protagonismoque esta adquiriendo el museo en lasociedad occidental actual no le esta benefi-ciando en absoluto: por un lado es el emble-ma de una ciudad, región e incluso país y

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por otro es el pretexto para que los políticoslaven su cara con respecto a la indiferenciacon que miran la a la cultura. Esto hace quese destinen enormes presupuestosprácticamente ilimitados en su facetaarquitectónica y urbanística, que, en lamayoría de los casos, no tienen continuidaden el mantenimiento de su programa poste-rior ( en España especialmente), con lo quese están construyendo brillantes edificiosque no son museos, ya que antes he explica-do que es absolutamente imprescindible tan-to un contenedor como un contenido y unaprogramación buenas (todas y a la vez) paraque la institución pueda recibir dichonombre. La gran beneficiada es sin lugar adudas la arquitectura, que esta experimen-tando nuevos materiales, sistemasconstructivos y estructurales; algo es algo.

....y estrellas sin luz

Pero el problema no acaba aquí, ya que seestén levantando estas espectacularesconstrucciones, sin una revisión einvestigación de los organigramas que lossustentan: seguimos trabajando con los mo-delos del siglo XIX, y es evidente que lasociedad ya no es la misma.

Del palacio al museo...¿del museo a donde?

Con este subtítulo, se pretende expresar deuna manera irónica la relación que a mijuicio se establece o se establecerá en el futu-ro, entre los dos cambios mas sustancialesque hasta la fecha a soportado el museo.

La primera fue evidentemente el paso delpalacio al museo, suficientemente analizadaen el volumen primero de la trilogía deMuseos. Arquitectura. Arte. La segunda es loque ocurre precisamente en el momentoactual. ¿Del museo a donde?, ya queentiendo que necesitamos, como en elpasado una nueva tipología espacial que seacapaz de contener con eficacia unos nuevos

programas (también en continua y confusaevolución), y no sabemos como diseñarla ypor tanto darle una formalizacióncoherente.

Dado la complejidad que demostró elpaso del palacio al museo, ¿Seremoscapaces de lograrlos por caminos mas rápi-dos, o tendremos que evolucionar con lalentitud y dificultad que costo la definiciónde una nueva tipología en el pasado? Eltiempo dirá si hemos aportado algo eficaz.

Una parada en el camino

“Dentro de los procesos técnicos convienede vez en cuando hacer un alto y plantearsedesde un punto de vista mas personal sobrelo que en realidad se esta haciendo, ya queen la mayoría de los casos la propiamecánica de la investigación no te permiten“ver el bosque”, alejarte un poco y mirar conmas perspectiva el tema”.

Como enseñar el objeto cultural

¿Qué hacer?, ¿qué dirección tomar? Todasestas incertidumbres cambiaron el ritmo deltrabajo que a partir de entonces se dividió endos apartados totalmente diferenciados:

· El periodo reflexivo, en el que a base deuna serie de preguntas ( la mayoría deellas sin contestación), indagábamos so-bre las cuestiones que nos habríallevado a semejante situación. (¿Porqué no vienen a los museos?)

· El periodo consecuente, que intentabareflejar ya de una manera mas pragmá-tica, todos los pensamientos anteriores.(La difícil supervivencia de los museos)

Si antes pensábamos seguir trabajando enla profundización de los temas espaciales, dediseño y técnicos, este intermedio nos lanzóa campos impensables para nosotros, como

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es el paisaje y el mundo comercial porejemplo, pasando a segundo término elantiguo programa. En él se anunciaba porprimera vez el proyecto de La Caja de Cristaldel que hablaremos con mas detenimiento.

¿Continuidad o ruptura?

Todos los caminos enunciados en La difí-cil supervivencia de los museos, serántrabajados espacialmente a partir de ahoraindividualmente y con mas detalle. Paraestructurar este proyecto, que por su enver-gadura quedará siempre incompleto, se hanagrupado los trabajos en dos líneas paralelas:

A. Desde la tradición, que abarca a todosaquellos profesionales y propuestas quepiensan que aunque resulta ya evidenteque el museo ha de ser cambiado, tantoen su concepción social, como en suprogramación, organización, tipologíaespacial; se ha de hacer evolucionandoa partir de lo que tenemos. Propugnanpues el uso de los lenguajestradicionales como comienzo y base delas investigaciones.

B. ¿Museos?. Otros muchos especialistasprefieren plantear una ruptura mas cla-ra entre lo que ya no nos sirve (al me-nos íntegramente) y buscar solucionesque tengan las mínimas ataduras con suantecesor, aunque todos están deacuerdo que manteniendo aquellos ele-mentos que hoy todavía tienenvigencia.

Qué es para mi una exposición

Para acabar esta introducción unos brevesapuntes de lo que para mi significa unaexposición y las partes que mas me haninteresado y he trabajado con relación alespacio. Como es algo que ya he descrito endiferentes publicaciones, voy a hacer unsimple resumen para orientación del lector.

· Un lenguaje de comunicación. Enprimer lugar, considero que laexposición de obras de arte no es mas alfin y al cabo que un lenguaje decomunicación como otro cualquiera yen consecuencia con sus característicasespecíficas que lo identifica.

· La relación directa con la obra: Quizásel avance de los medios decomunicación y la incorporación aellos de la alta tecnología, haya despo-jado a la exposición de todos aquellosfines que tenía en sus comienzos y quese consolidaron en el siglo XVIII con lailustración. Concretamente en el temadel arte, la característica primordial esla relación directa del visitante con laobra que convierte a este medio decomunicación en insustituible: ningúnotro por muy sofisticado que sea lo per-mite, al menos por el momento.

· El confort máximo. Aunque en unexposición y máxime de arte ha de con-figurar sus condiciones ambientales enfunción del objeto y no del visitante,que en la mayoría de los casosnecesitaría valores diferentes, cuandono contarios para su confort, hay queconseguir por todos los medios posiblesque el visitante se sienta cómodo ytenga todos los factores a su favor paraque la relación directa con la obra seala mas eficaz posible.

· ¿ Qué es descansar? Encorrespondencia con el punto anterior,siempre me preocupó, lo que significaesta palabra que va mas allá del merohecho de poner unos bancos en la sala.

· ¿ Asepsia o ambientación? Desdeluego, no ya en los términos que loplantearon los especialistas del sigloXIX en el sentido de atar a la pieza con

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su origen, sino mas bi’en en unaconcepción mucho mas moderna ymas relacionada con el dialogo entrela obra y la arquitectura.

· ¿Informar / enseñar o disfrutar?También desde el principio la yaantigua discusión entre enseñanza odisfrute y la relación en todo caso, conla información que debe acompañar ala muestra y a la obra, fueron otros delos temas que siempre tuve presente enla concepción de la exposición.

TRABAJANDO EL ESPACIO: LA IMPORTANTEEXPERIENCIA DE LA CAJA DE CRISTAL

Es un programa de investigación que in-tenta encontrar, un prototipo espacialabstracto (no ubicado en ninguna parcelaconcreta pero fácilmente modificable parapoder adaptarse a cualquiera) que definierala nueva organización de todos los compo-nentes en sustitución del programa ya obso-leto del museo actual. A modo de los largosprocesos que llevaron a principios del sigloXIX a definir lo que sería la estructura delmuseo que ha llegado hasta nuestros días(desde luego infinitamente mas modesto, sinsu capacidad ni posibilidades constructivas),este proyecto pretende lo mismo: conseguirunas soluciones o al menos unas directricesque ordenen el confuso camino de las nuevassoluciones espaciales. Como en cualquieraproceso de investigación se elaboró un proto-colo teórico básicamente descrito en La difí-cil supervivencia de los museos.

¿Qué es un protocolo teórico?

En el mundo de la arquitectura y del diseñoes un término que utilizamos muy poco, peroque es sin embargo imprescindible, en el mun-do de la investigación experimental.

Hemos indicado que en este proyectoíbamos a trabajar tal y como se hace en

cualquier otra actividad de experimentaci-ón; ahora bien, dejando claro que estamosen un proceso que no es puramente científi-co, ya que tiene componentes teóricos,prácticos y creativos, lo que implica unacierta adaptación a determinados compo-nentes mientras se rechazan otros.

Pero como buscamos eficacia, pragmatis-mo y no solo alardes formales, el ceñirnos aun guión específico y claro, puede muy bienorientar y delimitar nuestro trabajo.Entiendo pues que era muy importante dejarclaro a todos los colaboradores las reglas deljuego: libertad absoluta pero ciñéndonos aun programa. Este es el fin exacto del proto-colo teórico, en el que quedan definidas tan-to los datos de la investigación teórica comolas fases a seguir y los puntos prioritarios atrabajar.

Un nombre con tres significados

“La caja de cristal” alude a un doble senti-do: por un lado la trasparencia conceptual,por otro la espacial. El primero intentareflejar de una manera clara todo el procesoque genera el desarrollo del proyecto, esdecir tanto los aciertos como los fracasos enalgo tan complejo como la búsqueda de unanueva tipología arquitectónica. Latrasparencia física se consigue a través deuna organización espacial doble: una inter-na que logre que todas las funciones seanvisibles para el espectador, bien sea visitante,bien profesional del centro y otra externa altratar la permeabilidad de la piel exterior deledificio, para así plantearnos hasta dondellega o puede llegar un museo en su entornofísico.

La experimentación como creación

Se ha intentado por todos los medios quetodos los colaboradores den prioridad a lainvestigación y experimentación real, ydestierren, en lo posible, las ideas “artísticas”

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como método, de originalidad comoactitud, de alarde formal como resultado, yaque son caminos ineficaces, que en el mejorde los casos tras brillantes resultadosformales, se esconden los mismos problemasde base sin resolver.

Los profesionales de “reconocido prestigio”

Parece en un principio lo mas lógicoseleccionar para las respuestas formales, adeterminados especialistas, arquitectos ydiseñadores “famosos” y plantearles laspropuestas de investigación teórica para queexperimentaran libremente, así se hace habi-tualmente y tenemos a mano numerososejemplos concretos en busca de ideas y solu-ciones nuevas.

Sin embargo analizando mas despacio,con un cierto detalle los resultados, se obser-va que en la mayoría de los casos, el autor deprestigio, además de los problemas dedisponibilidad de tiempo, esta maspendiente de otros “matices” que el de lapropia experimentación y su inevitableriesgo. Por tanto entendía que si era posiblehabíamos de buscar otra vía mas librementeimplicada, buscar personas independientes yarriesgadas, que no tuvieran nada que perdersi su propuesta fracasaba, (algo inherente enlos procesos experimentales en el que elacierto y el error equidistan por igual) ypudieran dedicar todo su tiempo y energía aeste trabajo de inciertos resultados.

Los estudiantes de los últimos cursos opreferentemente recién acabados, noinmersos directamente todavía en procesosocial del trabajo y en su vorágine de éxitodeseado y consecuente vanidad, meparecieron los mas adecuados. Para ellopedí ayuda a la universidad.

CUANTOS MAS MEJOR, CUANTO MAS DIFE-RENTES TAMBIÉN

“Ninguno de nosotros solo estan inteligente como todosnosotros juntos”

Proverbio japonés

Fundamentalmente por eficacia, hemosdecidido trabajar siempre colectivamente, esdecir implicar al mayor número de profesio-nales o estudiantes que estén interesados enesta propuesta y compartan las mismaspreocupaciones. Entendemos también quelos temas culturales, a pesar de haberllegado, a nosotros junto a lapersonalización de unos nombres, son logrosde mucha gente que va avanzando poco apoco y que da el gran salto en un momentodeterminado y de la mano de una figuraconcreta (único dato que manejamos),cuando la realidad histórica nos muestra quesin el proceso colectivo anterior, dicho autorno habría sido capaz de encontrar el nuevocamino.

Pensé desde el principio que el desarrollode La Caja de Cristal, requería un esfuerzocolectivo lo mas amplio posible en cantidady calidad, ya que estábamos tratando untema importante para la arquitectura (unabúsqueda de tipología), la museología (unanueva organización del espacio); y laexposición ( un concepto diferente). Encantidad al pedir la colaboración de maspersonas; en calidad, intentando que loaceptaran diferentes ámbitos geográficos, di-versas culturas y en lo posible que fueranpaíses jóvenes por las razones que voy a ex-plicar a continuación.

Es verdad que en Europa, después demuchos siglos hay un nivel social equilibra-

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do, que permite un discurso intelectual yunos procesos de investigación coherentes,pero es así mismo cierto y lo comentosiempre que me lo preguntan, que cuandoestoy en países de mas corta historia, su faltade estructuración social, su desigualdad enel conocimiento, queda en mi opinión com-pensada, (evidentemente a nivel de actitud,nunca socialmente ) por una mayorintensidad en todo. Hay mucho por hacer,hay pocas posibilidades y eso genera en losprofesionales y especialmente en losalumnos una actitud increíblemente abierta.Esto es bueno para la experimentación. Alfin y al cabo todos estas nuevas propuestassiempre serán mejor escuchadas / aceptadas,en aquellas sociedades que tienen todo pordelante un camino para configurar el futuro,cuando ya no les sirven los viejos modeloshistóricos, al que se añade un pasado sin de-masiadas ataduras.

La universidad infrautilizada

Siempre he afirmado que en el mundo de losmuseos, me parece inconcebible la pocarelación que existe entre estas dos instituciones,máxime cuando su colaboración se perfilacomo imprescindible. No obstante desgraciada-mente, esta falta de encuentro, diálogo yesfuerzo común parece que se amplía a todoslos demás campos de las humanidades,despreciando una impresionante potenciali-dad, que es paradójicamente una de laspermisas de la génesis de la misma universidad.

Aprender es también investigar y experi-mentar en un entorno de libertad y falta depresiones, de comodidad intelectual en defi-nitiva, que raramente se va a repetir a lo lar-go de la vida profesional de una persona. Larealidad me lo ha certificado con creces yaque esta sedienta de hacerlo, como lodemuestran los alumnos que se les ofrece la

mínima oportunidad o las propuestas quecontinuamente nos llegan para colaborarcon nosotros. Aprovechémoslas.

Es cierto que nuestros estudiantes debenestar preparados para defenderse en larealidad y en ese sentido la universidad hade estar alerta a como funcionan los meca-nismo profesionales en la calle; pero con lamisma rotundidad defiendo que la sociedadha de conocer todo lo que el estudio, lainvestigación y la experimentaciónuniversitaria proponga, esa es su misión. Yano se reflexiona, apenas se discute. O es uncamino en las dos direcciones, o launiversidad se convierte en una gestoría delos intereses sociales, y desde luego no fuecreada para ese fin.

Tres excelentes universidades de laarquitectura y algunos mas

Aprovechando mi intervención comoprofesor fui proponiendo con calma en di-versas universidades e instituciones laposibilidad de colaborar; se trataba eso si deun problema fundamentalmente espacial ypor tanto estaba exclusivamente dirigido aarquitectos. Debemos recordar, que en elprotocolo teórico, habían intervenido lasotras profesiones implicadas. Es impresio-nante la buena aceptación que desde unprincipio mostraron los distintos departa-mentos de proyectos, después los profesoresy por último los alumnos que se hanapuntado a colaborar. Tanto es así que elproyecto ha dejado en el camino dos univer-sidades fuera por incapacidad decoordinación.

La universidad de Sâo Paulo, la Central deVenezuela y la Politécnica de Madrid, junto aequipos individuales de Oslo y Buenos Aireshan colaborado en el proyecto.

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Puntos prioritarios de la investigación

Recuerdo que para que un proceso deinvestigación sea eficaz hay que ir poco apoco, si realmente queremos ir deprisa; losauténticos avances no suelen aparecer derepente, es un proceso colectivo de suma deesfuerzos. Por otro lado no hay que perderseante un cambio tan complejo, para lo cual esmejor precisar (como en cualquierdesarrollo científico de laboratorio) aparta-dos específicos y concretos de investigación,que de alguna manera deben ser prioritarios,ya que llevan en si los cambios sustancialesdel modelo. Veamos pues algunos ejemplosindicativos de la complejidad del proyecto.

1. La organización de los espacios

El primer punto de trabajo se centraba enla compleja relación entre las dos diferentesáreas: el CII ( Centro de investigación inte-grado), CCI (Centro de comunicaciones in-tegrado) y la conexión física o visual entresus componentes. Las soluciones han sidointeresantes y múltiples, tanto general comoparcialmente, optando por diferentes alter-nativas de permeabilidad, en complicidadcon los diferentes alturas. Sin embargosurgió una sorpresa el de la flexibilidad y elcrecimiento del espacio, algo que en unprincipio no estaba incluido en lospresupuestos iniciales del proyecto.

2. Los accesos de la obra, un proble-ma por resolver

Los accesos en general y los de la obra enparticular, nos parecían importantes de tra-tar; en el primer caso con la intención de bus-car propuestas para la cada vez mas numero-sa especialización de grupos que acceden almuseo: personal, equipamiento técnico,suministradores, público, grupos, etc.

Y en cuanto al segundo: la llegada de laobra, tema muy importante y pocas veceseficazmente solucionado, se sugería a loscolaboradores que lo pensasen con un ciertodetenimiento, siguiendo un esquema pre-concebido e incidiendo en temas como eltrasporte, la carga y descarga, el control y eldiagnóstico, el camino hacia los almacenes,etc.

Quizás haya sido junto con el temaexpositivo, la parte que mas atención a cau-sado en los autores, proponiendo solucionesmuy interesantes que merecen la pena serestudiadas por los responsables con uncierto detenimiento.

3. Espacios comunes y de trabajo

Se pedía una reflexión sobre losespacios comunes y su relación con lasdistintas áreas del museo, en dos sentidos:como diálogo espacial y como utilizaciónen usos museísticos alternativos como elexpositivo, salón de actos, etc., ya que pen-samos que no podemos permitirnos el lujode no tener cada metro cuadrado deledificio sin utilizar constantemente, con locaro que resulta su construcción y sumantenimiento.

Llamamos “área de trabajo” al triánguloformado por la coordinación /administración, la investigación y el áreatécnica formada a su vez por los almacenes,talleres y laboratorios. Se indicaba otra vez alos equipos que estudiaran diversas solucio-nes espaciales para conseguir una relaciónfluida entre ellas, ya que conforman pordecirlo de alguna manera el “cerebro” delmuseo y era importante la máximapermeabilidad posible. Había además quecompatibilizar esta organización con la delCII y el CCI.

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4. La estrella del proyecto el espaciode comunicación

Es la comunicación y concretamente laexposición, el tema que como era de esperarha resultado mas atrayente para todos losequipos participantes, con las propuestasmas espectaculares. Es lógico por muchasrazones:

· Es el escaparate del museo, para bien ypara mal, donde convergen todos losproblemas de la institución, ante el pú-blico.

· Espacialmente es el área mas atractiva ycon mas posibilidades de experimenta-ción en campos bien diferentes.

Varios temas, habían de ser analizados,dentro de esta área. Los trataremos por sepa-rado:

En primer lugar el tratamiento de losalmacenes y los talleres, que por otro ladohabían de ser; con todas las condiciones deseguridad necesarias ( especificadas en elprotocolo teórico), visitables; al menos parci-almente. El visitante a través de diversos ele-mentos arquitectónicos ( aberturas, ventanas,muros, ) podría verlos, evidentemente sepa-rados físicamente.

En segundo lugar la relación entrealmacenes con el área expositiva debía serdirecta y eficaz técnicamente hablando, siera posible, casi “intercambiable”.

En tercer lugar era importante pensar dife-rentes sistemas para utilizar íntegramente elespacio expositivo, o para entenderlo clara-mente, que en cualquier punto del espaciopudiera situarse una obra, olvidándose de laslimitaciones del “perímetro”.

5. La piel del museo, algo mas impor-tante de lo que parece

La caja de cristal también se llamaba asípor el tratamiento de su límite físico. Denuevo vuelve a ser un apartado consugerencias sumamente interesantes que sepodrían agrupar en dos diferentes ideas:aquellos equipos que han trabajado la pielcomo una proyección de las actividades quese realizan dentro, es decir casi como uncartel anunciador y los que la han tratadocomo un elemento permeable quepermitiese abrirse al exterior, según lasnecesidades o intenciones de los responsa-bles.

6. Las soluciones integrales

Para finalizar todo este apartado depropuestas espaciales, me parecía impor-tante incluir una serie de trabajos que sehan preocupado por plantearprácticamente todos los puntos deinvestigación requeridos en el protocoloteórico. Entiendo que su valorindependientemente del acierto en cadauno de ellos, supone una labor de síntesis ymetodología realmente encomiable, al in-tentar dar una solución global a todo estecomplejo rompecabezas.

Análisis de resultados

En el libro se concluye con un estudio so-bre las intervenciones, las prioridades y con-secuentemente las partes que mayor interésofrecen para los profesionales, en forma decuadros muy sugerentes para tomar el pulsoreal de la situación de dicha institución ennuestros días.

ALGUNAS SUGERENCIAS DE RUPTURA

El cambio que se avecina, no solo es elsustancial que apreciamos en el punto ante-rior como evolución interna del propiomuseo y su lenguaje expositivo, también he-mos podido observar presiones y actitudes

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que sobrepasan este marco de “tranquila”evolución, para ir mucho mas allá.

Se podrá plantear el lector, si realmentemuchos de estas ideas no pueden incluirseen el desarrollo de los museos actuales y sien un periodo de medio plazo, no seránasumidos a su espacio, como ha hecho a lolargo de la historia.

Pienso, que evidentemente sí, pero en unproceso algo más complejo, ya que estasnuevas concepciones, llevan implícito nosolo la nueva aceptación de una serie deconceptos, radicalmente diferentes, sino queel equipamiento técnico y el diseño espacialque necesitan para desarrollarse es muy dife-rente. Por tanto si, creo que si los museossiguen evolucionando con lógica,incorporarán estas formas de trabajar, perono de una manera inmediata. El tiempo darála contestación exacta.

Los trabajos los podríamos para clarificarmas las propuestas en cuatros grupos.

1. Espacios que sean capaces de respon-der a dos temas fundamentales:

La necesidad de dar cobertura técnica yespacial a las imbricaciones cada vez masfrecuente entre las expresiones plásticas.Museos escenarios

(Permitirían todo tipo de actividadesculturales y plásticas).

La generación de un “marco o soporte ar-quitectónico” que permita la construcción deáreas específicas para cada montaje oexposición. Museos mecanos. Quizás la carac-terística mas novedosa es la de construir unespacio que no tiene los límites definidos, almenos en su concepción interior, es decir pa-rece que lo que tenemos que buscar mas queuna posible formalización es un sistemaconstructivo, que a modo de los juegos

infantiles posibilite múltiples conexiones. Deahí el nombre elegido para designarlos.

Un espacio sin definir formalmente

2. Las especialidades audiovisuales, necesitande unos parámetros absolutamente diferentetanto de espacios como de equipamiento técni-co. Necesitan pues nuevas propuestas.

Museos pantalla. ¿Cómo ha de ser un espacioexpositivo, cuando la obra no se cuelga, sinoque se proyecta?, esta sería la pregunta básica ala que vamos a intentar contestar formalmente.A nivel de proyecto, esto significa un cambiotrascendental en todos los parámetros deldiseño, ya que los “objetos” audiovisualesposeen unas condiciones bien diferentes tan-to en su sentido de exhibición, como en elequipamiento técnico.

¿Cómo y donde se cuelga un cuadro virtu-al?, ¿ dónde se guarda? Difícil planteamien-to, respuesta y solución. Museos virtuales,algo sobre lo que hay que afrontar pormucho queramos evitarlo.

El museo como equipamiento urbano

Si no vienen, nosotros vamos a buscarles.Esta podría ser la frase que define la actitudde muchos profesionales y algunas instituci-ones para definir una actitud que va anecesitar en los próximos años formalizarse.

Hay no obstante que especificar dospropuestas bien diferentes, por un lado uncriterio de buscar al posible espectador en sudeambular por la ciudad y otro de caráctermucho mas pragmático en relación con losprogramas de cultura de los municipios.

En el recorrido cotidiano

Cambiamos los principios de la ideaexpositiva, el “museo” interfiere en lacirculación del peatón, es él que le esta bus-

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cando, el que se ofrece. No le exige nada, siquiere se para, si quiere sigue; no hay mayorrelación entre ambos que un primercontacto, que pretende en lo posible serlibre, evitar los condicionamientos sociales.

¿Cómo han de plantearse estos nuevosespacios?, ¿Cómo son las visitas a sus“colecciones?, ¿Con que criterios se montan?

¿Logias en el siglo XXI?

Y este es el tema en definitiva: ¿es posiblerecuperar la idea de la logia expositivarenacentista y adaptarla a las característicasde la sociedad del siglo XXI? Si observamoscomo funciona uno de esos espacios porejemplo la de la Signoría en Florencia, en-contramos muchas concordancias connuestra idea:

Su ubicación urbana no interfiere en elfuncionamiento en general , ni en lascirculaciones en particular de los viandantes.Su acceso es totalmente libre, aquel quequiere la visita y entra en su espacio, dondeademás puede descansar, lo que añade unnuevo componente urbano a tener en cuenta.

Museos parásitos

Si se trata de ponerse en el camino delposible espectador, que mejor que situarseestratégicamente en aquellos lugares urbanosdonde hay mas movimiento de personas; quemejor que aprovecharse de dicha circunstancia;que mejor que convertirse en un parásito de loscentros comerciales, intercambiadores detrasportes, aeropuertos, etc.

Museos portátiles

Una solución adecuada al concepto plás-tico actual, de poder llegar “a cualquierpunto, en cualquier momento y concualquier expresión” Una salida para elequipamiento de las ciudades medias, cara

de construir pero barata a medio y largoplazo por su permanente utilidad. Es eviden-te que según las necesidades que tenga cadaciudad la instalación que se ha de pensar esdiferente. Podríamos en un principioplantear tres tipos de cuestiones: ¿Una solaactividad o usos múltiples?, ¿Quéequipamiento técnico debe llevar?, ¿Cómoes su organización espacial?.

Elijamos el procedimiento que elijamospara su construcción, bien sea sistemasprefabricados tradicionales, o modulares, oestructurales; el edifico debe cumplir unaserie de requisitos para que funcione:Facilidad de transporte, rapidez en ellevantamiento y del desmontaje delespacio, flexibilidad de adaptación a laplanta y a las cotas de las distintas parcelasen que vaya a situarse y por último el pro-blema específico de la sustentación en elterreno,

TRABAJANDO LA PRESENTACIÓN ( EL DIÁLOGOENTRE LA OBRA Y LA ARQUITECTURA)

Después del espacio merece la pena in-dagar ya directamente sobre las formas deexponer, las formas de presentar el objetoo lo que habitualmente llamamos elmontaje de exposiciones. En este segundoapartado también los cambios han sidosustanciales tanto en concepto como endiseño. A continuación describiremos loscaminos que hemos seguido y que soncomplementarios del apartado anterior.Dos campos han estructurado este camino: Las técnicas expositivas y los nuevosmedios audiovisuales en la era digital.

De la museografía a las técnicasexpositivas

Nos hemos visto inmersos dentro de cam-pos expositivos diferentes, a los que nos hallevado inevitablemente la propia dinámicadel proceso de investigación, como el mun-

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do comercial, el del paisaje y, el virtual,comprobando la cantidad de informaciónperdida por estar aislados unos de otros, lasenormes posibilidades despreciadas pordarnos la espalda, el tiempo perdido buscan-do soluciones ya resueltas en las otras espe-cialidades, que el término que mejor puededelimitar toda esta nueva concepción, es elde “técnicas expositivas”.

Basta mirar a nuestro alrededor paracomprobar que cualquier curso o master quehaga referencia al hecho de la exposiciónautomáticamente queda adscrito a lamuseología, lo cual a mi entender es unerror, desde luego comprensible y por tantojustificable.

En los espacios cerrados ( no así en elpaisaje) prácticamente hasta las primeras ex-posiciones universales y su contenido indus-trial, todo el mundo de la exposición de ob-jetos estaba en la institución museística; allíse analizaba, se experimentaba y se aplicaba.A partir de la segunda mitad del siglo XIX lascosas empiezan a cambiar

Industria y consumo

Si la incorporación de las coleccionesreales a la propiedad estatal junto a su senti-do de bien público instituido en USA ,marcaron en mi opinión lo que yo llamo laprimera revolución museológica (MuseosArquitectura. Arte I: Los espaciosexpositivos), la influencia de la revoluciónindustrial en la exposición y su directarelación con la comercial, definen la segun-da. Por ello industria y consumo van juntos apesar de estar separados históricamente casiuna centuria. Lo veremos.

· Exposición industrial. Precisamentebasada en los nuevos conceptos ypropuestas que va a aportar larevolución industrial. Mas información,otros materiales, otra ambientación. Es

en el siglo anterior cuando seuniversaliza con las llamadas feriascomerciales y los recintos destinadas atal fin que en el último tercio del XX seconstruyen en todas las ciudadesoccidentales.

· Exposición comercial, que se iniciadesde las primeras civilizaciones conlos mercados, para en el siglo XVIII,con la las grandes superficiesacristaladas especializarse en elescaparatismo y las tiendas, para ya enel siglo XX desarrollar la derivaciónhacia el consumo (grandes almacenesy grandes superficies) (Para mayorinformación ver: La exposición comer-cial: stand, ferias y grandes superficies.Editorial Trea)

Límites y lenguajes

Pero la crisis de las tipologías, la superaci-ón de la frontera arquitectónica y laaparición de las nuevas tecnologías,marcan una nueva etapa que no ha hechomas que empezar y que yo de nuevocalificaría, puede que con la mismaredundancia de las otras dos, de tercerarevolución expositiva.

· Exposición en el paisaje, que comocomentaba antes era muy importantehasta el siglo XVIII, con numerososestudios y escritos sobre distintos aspec-tos como la percepción, los puntos devista, las perspectivas o los problemasde la luz y las sombras.

Desgraciadamente todo ello cambia yen la actualidad no aplicamos todosestos conocimientos de una manera sis-temática con los consabidos problemasurbanos y paisajísticos. ( Mas datos en:El paisajismo del siglo XXI entre laecología, la técnica y la plástica. Edito-rial Silex)

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· Exposición virtual. En estos últimosaños asistimos a un nuevo museo, el dela red, el de Internet. Ya no tenemos queir a ningún edificio, ni tan siquiera salirde casa, basta con conectarnos a unaweb de un artista para no solo ver suobra, sino también para poderinteractuar en ella. Hablaremos masespecíficamente de ella, en el apartadosiguiente.

Resumiendo de la antigua exposición delmuseo (para distinguirla la llamaremos cul-tural o tradicional) hemos pasado a un pa-norama mucho más amplio con otrostrabajos diferentes y otras técnicas que pode-mos aprovechar. Parece absurdo que todo elconocimiento generado quede aislado y cer-rado en cada parcela, porque muchas cosasson comunes otras no, pero prácticamentecasi todas ellas son trasladables de uno a otrocampo, después de someterlas a los cambiosnecesarios.

¿Por que entonces no hablar de unas téc-nicas que agrupen a todas ellas y dejar atrásel concepto de la museografía tradicional?

Un nuevo lenguaje expositivo

Emprendemos ahora una parte realmenteimportante en el campo expositivo, por dosrazones fundamentales:

· La primera por tratarse de un nuevo ins-trumento de trabajo que como otrasveces ocurrió en el pasado, irrumpe,con lo que eso implica dedesestabilización, de cambios, deganancias y de perdidas para losantiguos conocimientos, que a su vezgenera un proceso apasionante, quemerece la pena seguir;

· La segunda por que todo hacepresuponer que su implantaciónsucesiva va a suponer una auténticarevolución. Philippe Quêau califica a

toda esta tecnología centrada en elmundo virtual como del tercer hito masimportante en la comunicación huma-na, después de la imprenta y lafotografía.

Dos concepciones diferentes

Todo el mundo de la nueva tecnología vir-tual ha de ser separada desde el comienzoen dos partes absolutamente diferentes y quelo único que tienen en común es lautilización de los mismos medios para con-seguir sus fines. Es fundamental que el lectorlo entienda así, ya que son dos propuestasque entiendo van a seguir caminos diferen-tes en el futuro, con concepciones muy di-versas y que paradójicamente en los diversostrabajos de investigación llevados a cabo nose marca la frontera con suficiente nitidez.

1. La tecnología digital y virtual al serviciode obras y construcciones reales, es decirque existen como tales físicamente en elmundo expositivo; imaginemos obras,objetos, exposiciones y museos sobre losque se aplica para analizar con masprecisión, manipular su composición ycontexto y otras muchas cosas mas queya iremos viendo con mas detenimientoen su momento.

2. La tecnología como proceso decreación, es decir generando en simismo los objetos, los entornos y lasexposiciones si interesan. Consecuente-mente solo existe de una forma virtual ytodo su desarrollo ha de hacerse dentrode esta tecnología. No obstante no nosengañemos y evitemos errores desde elprincipio: es otra realidad con sus ca-racterísticas propias pero en ningúncaso ni secundaria ni complementariade la otra; esta al mismo nivel.

Repito ambas ideas son diferentes, setrabajan independientemente y nada tienen

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que ver una con la otra salvo en casosexcepcionales.

¿Cómo se cuelga un cuadro virtual?

Hemos emprendido hace un año unproyecto, para tratar de dilucidar algomas sobre el lenguaje virtual, colaboran-do con dos de los mas prestigiosos gruposdel país especializados en el tema. Elanálisis se ha divido en tres puntosfundamentales, que desarrollará cada unode dichos equipos:

1. Las posibilidades de la tecnologíaaudiovisual en las exposicionestradicionales (por identificarlas dealguna manera), que apenas se utiliza.

2. Todo lo referente al tema virtual y suforma de generarlo, almacenarlo,conservarlo y exponerlo en la red.

3. La aplicación de las técnicas audiovisualesy sus programas informáticos en laenseñanza y en la redacción del proyectode diseño de una exposición.

LOS MONTAJES EXPERIMENTALES DELCENTRO SUPERIOR DE ARQUITECTURA

En la idea de continuar nuestro trabajo deinvestigación en esta segunda parte de pre-sentación de objetos, hemos trabajado du-rante mas de tres lustros en promover la ex-perimentación en el diseño de exposiciones.

Esta propuesta se ha llevado a cabo en elCentro Superior de Arquitectura de Madrid yesta pendiente de una ordenación, análisis ycatalogación de los mas de trescientosproyectos acumulados en todos estos años.Será un trabajo tan interesante, complejo ysorprendente como La caja de cristal, perodedicado al montaje de exposiciones. Unpequeño avance de todo ello, en forma de

diez proyectos seleccionados por su interés,se publicó en el año 2002 en ¿Por qué novienen a los museos?

Entiéndase pues como una muestra muyresumida de todos los logros conseguidoscolectivamente (nunca individual), por laseriedad, metodología y trabajo enprofundidad de estas ciento cincuentapersonas a lo largo de los últimos diez años.

Recuerdo que en todos los casos laprioridad de base ha sido la búsqueda paraconseguir que la relación del visitante con laobra expuesta sea lo mas abierta y ricaposible en todos los sentidos posibles; desdeel mas estricto diálogo conceptual a lamayor coherencia y confort espacial.

Soportes y montajes móviles. El primergrupo de proyectos que delimito es el quetiene una mayor preocupación desde elpunto de vista técnico. Son trabajos queestructuran como espina dorsal del montaje,el diseño de los elementos expositivos.

Geometría e Itinerarios. Otra serie deproyectos expresan la preocupación portodo aquello que sea el movimiento del es-pectador. ¿Recorridos perfectamente defini-dos?, ¿libertad absoluta para el visitante?. Losanálisis tanto en uno como en otro sentido,me han parecido sumamente interesante.

La Rampa expositiva. Uno de los proble-mas pendientes de solucionar y que en miopinión no se planteó con profundidad entoda la larga trayectoria del MuseoGuggenheim de New York (antes de suampliación), es el de conseguir la visióncorrecta y cómoda de las obras, cuando lacirculación se hace en rampa.

Dos o tres lecturas expositivas. Variosalumnos se han sentido atraídos por la ideade poder tener dos ( o tres) exposiciones di-ferentes a la vez sin variar las piezas de sitio;

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es decir según el itinerario que recorriesen.Tema muy sugerente en el sentido de poderver una misma obras desde puntos de vistadiversos. Difícil solución que siempre tienecomo definitivo lenguaje a la geometría.

De obra en obra. La preocupación por noproducir en el espectador la sensación de uncamino a seguir, llegó a su máximo nivel en unproyecto que marcaba un rígido itinerario;consiguiendo que desde cada obra solo se vie-ra la siguiente y por tanto el visitante lo seguíade una manera “subconsciente”. Los mas curi-oso es que todo ello se lograba sin ningún ele-mento que no fuera la propia obra colgada.Fue un trabajo realmente complicado.

Unidades expositivas y estructurasarquitectónicas. Otro grupo de investigaciónha sido el análisis de los límites en lasposibilidades que tienen las tipologíasclásicas (galería y rotonda), adaptadas a loscondicionantes actuales.

De igual manera se ha probado con dife-rentes plantas, volúmenes, formas yconexiones entre ellas. La antiguarecomendación del Congreso sobre Museosde Arte celebrado en Madrid en el año 37, lohemos hecho nuestro, incluidas las diferen-tes experiencias con polígonos regulares

Una difícil conexión. Decía que la espirales un espacio atractivo específicamente des-de el punto de vista que tratamos. Ir colocan-do obras que nos van haciendo crecer unasexpectativas hasta que llegamos a la recom-pensa final, ha sido una constante en eltrabajo de los museólogos.

Pero ¿qué hacer luego?, por que volverpor el mismo camino es algo contradictorioy que además rompería la satisfacciónconseguida.

En cuanto a los planteamientos deespacios fuertemente arquitectónicos que

sustituyen el concepto del elemento auxiliardel soporte, por un montaje mucho mas in-tegrado, hay propuestos bastantes trabajos,prioritariamente diseñados por arquitectos.Hay en mi opinión dos problemas que serepiten en estos planteamientos: la relaciónde la obra con el espacio, que suele ser mascompleja y la potencia que desarrolla laarquitectura, que puede ejercer demasiadapresión sobre la obra.

La estética (de la forma a la función). Engeneral todos los proyectos que han sidopropuestos por alumnos con formación dediseño, parten de las pautas estéticas, esdecir prefiguran un entorno concreto espa-cial y poco a poco lo van dando contenido.Lo respeto ,entiendo que es un caminocomo cualquier otro, que ha de seguir suproceso de desarrollo y resolver sus proble-mas. No obstante siempre advierto a quienlo toma que lo único exigible en los resulta-dos finales es que el contenido seacoherente con el contenedor. Destacaría detodos ellos la reflexión sobre lo que es el“diseño”.

Los límites del diseño. Aquellos autoresque manejan con soltura o experiencia si sequiere, la formalización de los materiales,tienen sin lugar a dudas ganado algo muyimportante que va a facilitarlos y a beneficiarel proyecto; pero no nos confundamos, eldiseño tiene una función muy definida den-tro del montaje de una exposición: no essolo un problema formal.

El contenido (de la función a la forma).Curiosamente cuando un historiador sepropone realizar un proyecto de montaje,comienza por los instrumentos que mejormaneja: el estudio de la obra, susevoluciones, sus relaciones y debe decir quetienen una especial sensibilidad a la hora deplantear “diálogos” entre las piezas. Es justoel camino contrario al de los diseñadores,empiezan por su final.

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Como ellos han de recorrer en sentido in-verso un arduo camino que los lleve a daruna respuesta formal coherente con susbrillantes propuestas teóricas.

Muchos de sus trabajos buscan un entorno“intimo” para que cada visitante se enfrentecon cada obra. Es un tema apasionante paracualquier diseñador.

Como en mi propia casa. En estos diezaños muchos proyectos han buscado un am-biente “domestico”, para ver las obras, diga-mos que con la “confortabilidad” que pode-mos tener en el sofá del salón.

Me parece que dentro de esta prioridadpor relacionar directamente al visitante conla obra, es un camino que no anda nadaequivocado.

Los mas conceptuales. Para acabar estesomero repaso de los resultados prácticos,me gustaría decir algo de aquellaspropuestas que han ido por derroteros maspersonales, ampliando horizontes muysugerentes.

Dentro / fuera. El proyectar dentro de unasala toda ella de cristal con un entorno verdemuy agradable, hace que sea ineludible surelación. Una solución incluso obvió lafrontera entre lo interno y lo externo ytrabajo en todo el espacio.

El color. Es interesante comprobar, la dife-rente apreciación que se tiene de este ele-mento, según el país (cultura ?) de dondeprovenga el autor. En el fondo es un problemade la luz ambiental de cada zona. El proyectoen cuestión lo diseño una alumna colombia-na, que ante nuestro asombro fue montandouna sugerente relación obra- paramento-color, difícilmente pensado por un europeo.

El juego. ¿ Es posible plantear un juego demesa con los ingredientes de un montaje de

exposiciones? La respuesta fue dada por unproyecto, que tomando los elementos modu-lares y flexibles de una conocida sala de ex-posiciones bilbaína, proponía “jugar” a creardiferentes espacios y consecuentemente ex-posiciones.

Haga su propio montaje. Indudablementees atractiva la posibilidad que ofrezca al visi-tante la ordenación “ a la carta” de laexposición. Son evidentemente muchos losproblemas que surgen principalmente desdela conservación a la seguridad.

Sin formas. Por último un trabajo ( se estadesarrollando en estos momentos) quepropone una reflexión sobre los espacios“blandos” dentro del mundo expositivo.¿Cómo puede uno percibir una exposiciónmoviéndose a través de un sueloligeramente curvo? Para potenciar esta idea,la obra cuelga de una estructura del techo,que a su vez contiene a las barandillas queprotegen de la diferencia de cotas y dan unacierta unidad al conjunto expositivo.

Lo realmente interesante y desgraciada-mente no habitual, es que esta idea experi-mental se ha podido llevar a la realidad enuna exposición del pintor Ikella Alonso,resolviendo todas las pegas que tienen estetipo de trabajo y cerrando por tanto con lapráctica el circulo completo del procesolectivo.

¿Y ahora que ?

O dicho de una forma menos coloquial:¿para que sirve todo esto?, ¿cómo se conti-nua y desarrollan todas estas incipientesideas espaciales?

Ya lo decimos, esto es un punto de parti-da, que pretende, como todos nuestrostrabajos mas la reflexión que un catálogo desoluciones. Es evidente que para aplicarmuchas de las ideas descritas gráficamente

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en estas páginas hay que reelaborarlas den-tro del programa y de la localización de unproyecto concreto, pero también lo es, queuna lectura mas detallada del trabajo puedeprovocar un cambio en la mentalidad enlos profesionales en distintas direccionescon vistas a mejorar la eficacia de losmuseos. Si así se consigue todo esteinmenso trabajo habrá tenido sentido, eltiempo nos lo dirá.

Otro alto en el camino

En estos momentos iniciamos un nuevoperiodo de reflexión sobre todo lo avanzadoen estos años y que emplearemos simultáne-amente para estudiar materias quenecesitábamos desde hace tiempo cuyo fines dotar al proceso de mayor eficacia.

Me estoy refiriendo a la psicología social ya la sociología de la cultura, que sin lugar adudas nos van a ayudar a dilucidar elcomportamiento de las personas en losmuseos, la razón de su insatisfacción y loscaminos que tenemos que abrir para poderacercarnos con todos nuestras posibilidadesa ellos.

También con el espacio y por tanto con laarquitectura.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Museos. Arquitectura. Arte I: Losespacios Expositivos, premiado por elColegio Oficial de arquitectos de Madrid.Editorial Silex. 1994

Museos. Arquitectura. Arte II: El Montajede Exposiciones. Editorial Silex. 1996.

Museos. Arquitectura. Arte III: LosConocimientos Técnicos. Editorial Silex. 1999

¿Por qué no vienen a los museos?Historia de un fracaso. Editorial Silex

La difícil supervivencia de los museos.Editorial Trea.

El paisajismo del siglo XXI: entre la técni-ca, la ecología y la plástica. Editorial Silex.

La exposición comercial: Tiendas yescaparatismo, stand y ferias, gran-des almacenes y superficies. EditorialTrea

Manual práctico de museología,museografía y técnicas expositivas (Edito-rial Silex 2006)

La Caja de cristal, un nuevo modelo demuseo/ The Cristal Box, a new model ofMuseum . En colaboración con varias uni-versidades americanas y españolas (2008)

Como enseñar el objeto Cultural. (Editori-al Silex 2008)

¿Cómo se cuelga un cuadro virtual? Lasexposiciones en la era digital (EditorialTrea 2009)

La exposición de obras de Arte,reflexiones de una historiadora, un artis-ta y un arquitecto. (Editorial Silex 2009)

La arquitectura como objeto, soporte ycontenedor expositivo (Editorial Silex 2009)

Taller de Montaje de Exposiciones /Workshop of Exhibition Design(2009)

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LINTRODUCCIÓN

La evaluación sólo tiene sentido por sus repercusiones en el ámbito social,ésta es un medio, no un fin; por ello el desenvolvimiento social del proceso deevaluación constituye lo más relevante.

La evaluación tiene muchas repercusiones en el ámbito institucional ypuede, cuando está bien concebida, constituida y aprovechada, fortalecer demanera muy importante el desarrollo institucional. En este artículo se trata dedestacar el papel que puede jugar la evaluación en los museos como un com-ponente de la museología.

En las últimas décadas se ha ido acentuando la importancia de poder consti-tuir procedimientos que permitan de la manera más objetiva, precisa, valida yconfiable, valorar el resultado de los esfuerzos institucionales de los museos. Deaquí ha surgido la necesidad de formalizar, teóricamente sus fundamentos ydesarrollar indicadores y procedimientos metodológicos que permitan llevar acabo dicha evaluación, lo cual se puede apreciar en una amplia literatura que seha ido concentrando en torno a este relevante componente de la museología(Alt M., 1977; Loomis, 1987; Screven, 1990; Bicknell and Farmelo, 1993; Foddy,1993; Sudbury, Rees and Russell, 1995; Scott, 1995; Thompson, 1996; Borun and

Korn, 1999; Wavell, 2002; Kelly, 2004; Newman and Malean, 2004)

n FELIPE TIRADO SEGURA

6ARTIGO

Evaluación en Museos yDesenvolvimiento Social:

Presupuestos Téoricos y Metodológicos

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FILOSOFÍA DE LA EVALUACIÓN

Puntos de partida

La legitimidad

Para poder tener los efectos socialesdeseados, la evaluación debe cumplir conun principio substancial, este es que debe serlegítima. La legitimidad de un proceso seconstituye si éste es razonable, justo, genuinoy logra la aceptación social.

Si la evaluación no tiene credibilidad, eldesenvolvimiento social del proceso serácontraproducente, en lugar de contribuir aldesarrollo institucional basado en el logrode sus propósitos, puede llevar adeformaciones derivadas de la simulación,el trabajar para construir apariencias, falsearlos resultados, de manera que lo que se oca-siona es más un deterioro que un beneficio.De aquí que un punto de partida es que laevaluación sea legítima.

Para que un proceso sea legítimo, como seindicó, requiere ser razonable. Un procesoes razonable cuando existen premisas y argu-mentos congruentes en los cuales se susten-ta, que permiten establecer juicios prudentesy pertinentes. Los elementos de racionali-dad de la evaluación se sustentan en lasrespuestas que se pueden generar ante laspreguntas de ¿para qué evaluar?, ¿por quéevaluar?, ¿qué evaluar?, ¿para quién es laevaluación?

La pregunta de para qué evaluar, corres-ponde a las razones y elementos de juicioque justifican hacer un proceso deevaluación, son las razones antecedentes.Las razones consecuentes responden a lapregunta de por qué evaluar, son lasconsecuencias o beneficios que se esperanlograr a partir de instituir un proceso deevaluación. En el análisis de las razones an-tecedentes y consecuentes de la evaluación,

se define la respuesta de qué evaluar. Final-mente hay que definir y sustentar para quiénes la evaluación, quienes son losbeneficiarios; en general deben ser losusuarios del mueso. De este modo es posibleconstruir los elementos de racionalidad quele den legitimidad al proceso y contribuyana la aceptación social, de manera que losinvolucrados hagan suya la evaluación.

Otro principio que permite socializar elproceso es que sea justo y equitativo. No sepuede esperar que una persona o instituciónlogre objetivos y metas cuando no tiene lascondiciones para cumplirlos. Pretender exi-gir o esperar resultados que no son factiblesde alcanzarse dado que no se cuenta con loselementos para lograrlos, deslegitima laevaluación y genera animadversión. Losprocedimientos deben reconocer las dife-rentes responsabilidades y funciones que setienen en un museo, y la evaluación debe seracorde a esta diferenciación de roles. Es in-justo tratar como iguales a desiguales, deaquí que la evaluación debe ser equitativa,reconociendo las circunstancias, lascondiciones con que se cuenta para cumplircon los propósitos establecidos, reconocerlos compromisos asumidos y no pretenderevaluar responsabilidades no contraídas oque no corresponden.

La evaluación debe ser genuina, cierta,basada en hechos reales. Estos elementos delegitimidad corresponden al método, alcómo evaluar, quién evalúa. En lametodología de la evaluación hay tresconceptos claves que se deben de cumplirpara que sea genuina, estos son la validez delprocedimiento, la confiabilidad y laprecisión.

La validez de un procedimiento se logracuando lo que se evalúa es lo que se deseaevaluar. Por ejemplo, si lo que se pretendeevaluar son las opiniones de los niños conrespecto a su apreciación sobre la obra de un

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determinado artista, los niños debenconocer la obra del artista para que sean vá-lidas sus opiniones, éstas deben correspon-der a niños y sólo a niños, que sean susopiniones y no las de su profesor o sus pa-dres, si lo que se pretende evaluar es laopinión de los niños que visitaron una saladeterminada en la que se expone la obra delartista, éstas opiniones deben ser de los niñosque visitaron la sala y no de quienes visitaronsimplemente el museo, las opiniones debenser registradas con procedimientos o instru-mentos bien diseñados que permitan obser-var las opiniones de apreciación sobre laobra determinada. Si los datos correspondenfielmente al fenómeno que se está evaluan-do, podemos decir que es valido. Si no secumplen estos preceptos la evaluación es in-válida, sería como hablar de litros de alcoholcuando se trata de litros de agua. Si laevaluación es valida ésta es genuina, y por lomismo cumple con un principio de legitimi-dad.

Quién evalúa puede constituir un elemen-to importante de validación, ya que cambiasignificativamente cuando ésta es realizadapor la misma persona que es evaluada(autoevaluación), a cuando es realizada porpersonas capacitadas y con experiencia enevaluación, o por personas que buscan justi-ficar actos de reprimendas o remoción.

Otro aspecto es la confiabilidad delproceso, es decir qué tan fiables son los datoso resultados de la evaluación. El proceso esconfiable si los datos son consistentes, si unobservador coincide con otro o con élmismo. Supongamos que en un listado devisitantes al museo se cuenta cuántos deellos asistieron a la cafetería. El número deasistentes debe coincidir si las cuenta unapersona u otra, incluso la misma persona sicuenta el listado dos o tres veces el númerodebe coincidir, si no es así, la inconsistenciahace a los datos inconfiables. Si no hay confi-abilidad no es legítimo el procedimiento.

Las inconsistencias en los datos deevaluación pueden variar, la variaciónpuede ser pequeña o grande, lo que nos llevaal otro concepto que corresponde al nivel deprecisión. Podría ser que al contabilizar elnúmero de visitantes que asistieron a lacafetería la resultante varíe en una o dospersonas, o en 30 o 40, habría primero querelativizar, por ejemplo en un porcentaje. Elgrado puede en algunos casos llegar a seraceptable y en otros no. La precisión absolu-ta no existe, incluso en los fenómenos físicos,si deseáramos medir la magnitud de unapuerta metálica en diezmilésimas de milíme-tros sería imposible, no sólo porque no con-taríamos con un instrumento para lograrmedidas a este nivel de precisión, sinotambién porque a este nivel de precisión lamagnitud de la puerta varia debido a la tem-peratura, de manera que siempre estaríamosobteniendo medidas diferentes, pero dentrode cierto rango (más / menos x número dediezmilésimas), a estas variaciones es lo quese conoce como el error de medida o errorestándar. La precisión extrema es imposibleademás de inútil, pero la imprecisióntampoco puede ser demasiado grande porque dejaría de ser genuina o legítima laevaluación.

En el apartado de metodología de laevaluación regresaremos a los conceptos devalidez, confiabilidad y precisión vistoscomo requerimientos técnicos; hasta aquívalga señalar que son elementos que le dancerteza a la evaluación, la hace genuina ycon ello gana credibilidad y legitimidad.

Finalmente está la interpretación y uso delos datos de la evaluación. Una cosa es me-dir y otra evaluar. La medida es la formametodológicamente sustentada de obtenerlos parámetros de la magnitud de unfenómeno. La evaluación es la valoraciónque se hace de los resultados obtenidos. Porejemplo, 60 años, es mucho o poco, esto de-pende del juicio de valoración. Dada la

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interpretación y valoración de los datos sedetermina como serán utilizados, lo que esde suma relevancia para la aprobación soci-al del proceso, determina que las personascontribuyan, que hagan suya la evaluación,que se legitime.

Si se cumplen los preceptos enunciados,la evaluación será legítima, tendrácredibilidad y aceptación social, lo que defi-nirá su desenvolvimiento social.

La cultura de la responsabilidad

La expresión de las ideas, el poderanalizar, discurrir y deliberar de maneracolectiva sobre las responsabilidades y funci-ones de los museos, el cómo valorar omesurar sus logros y limitaciones, abrenespacios muy enriquecedores para construircriterios compartidos en beneficio deldesarrollo de la museología y el desenvolvi-miento social de los museos.

En este trabajo se busca referir un conjun-to de consideraciones que han sido elabora-das a lo largo de varios años de experiencia,con el propósito de abrir o incitar a unareflexión colectiva sobre la evaluación, quehay que advertir que las más de las veces re-sulta polémica, pero por lo mismo suelen sermuy motivante y enriquecedores los debatesque se suscitan.

De ninguna manera se pretende hacerplanteamientos o expresiones de supuestasverdades universales, aunque se formulen entérminos de afirmaciones provocativas. Setrata de incitar la reflexión crítica en torno aeste tema, de forma tal que contribuya alplanteamiento de ideas y criterios, que even-tualmente se logren traducir en prácticasque permitan mejorar las responsabilidadesinstitucionales de quienes están comprome-tidos con el quehacer y mejoramiento de losmuseos.

La evaluación

Todos nuestros actos son rutinariamenteobjeto de una evaluación. Sistemáticamente,sin proponernos, de manera implícita,nuestras acciones cotidianas son valoradaspor sus resultados. Aquellas acciones queresultan efectivas para proporcionarnos losfines deseados, sin estar necesariamente me-diados por un acto deliberadamenteconciente, reciben una suerte de aprobacióny tienden a repetirse; de manera análoga, lasacciones que son fallidas para alcanzarnuestros propósitos, o peor aún, queconducen a consecuencias adversas, sonabandonadas y evitadas. En este principiode “selección natural”, radican las bases delaprendizaje y el comportamiento inteligen-te, en tanto permiten afrontar la diversidad eir reconociendo (aprendiendo) las rutas ovías más apropiadas.

Cuando la valoración de las acciones pasaa ser un acto deliberado, conciente y planifi-cado, tiene origen lo que referimos como laevaluación.

La evaluación significa instituir unadisposición de búsqueda, generar unaactitud crítica y autocrítica, lo quedesencadena un proceso de revisión y supe-ración persistente. De aquí su importancia.

Al analizar el significado de la evaluación,conviene comenzar por las razonesfundamentales en que se sustenta, las que sedesprenden de una serie de cuestionamien-tos básicos, que responden al sentido de serde la evaluación. En otras palabras, alcuerpo sistemático de los principios yconceptos generales en que se basa lametodología de la evaluación.

Estos cuestionamientos son, como ya serefirieron en el apartado de la legitimidad: 1)por qué evaluar, cuál es la razón de ser de la

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evaluación; 2) para qué evaluar, québeneficios se pueden esperar de laevaluación; 3) qué, cuáles son los aspectosque deben ser evaluados; 4) cómo, qué pro-cedimientos permiten constituir un métodoapropiado de evaluación, que dé certeza; 5)quiénes, a quién corresponden las responsa-bilidades de la evaluación; 6) dónde ycuándo, ante qué circunstancias y en quémomentos resulta adecuado y oportunogestar un proceso de evaluación.

Estas interrogantes se convierten en ejesde reflexión que se entrelazan, ya que unosresponden o derivan de los otros, porejemplo, las razones de por qué evaluar,responden a los argumentos antecedentesque justifican la evaluación. Estos argumen-tos, de manera implícita definen el para quéevaluar o la justificación consecuente, entanto son los beneficios que se esperaobtener al atender las deficiencias ocarencias que llevan a implementar unproceso de evaluación.

Por qué evaluar define carencias o proble-mas, la necesidad de mejorar; el para quéevaluar atiende la carencia, busca resolverproblemas, encontrar formas para mejorar,de aquí que se señale que estánintrínsecamente relacionadas las causas (porqué) a los beneficios (para qué).

La evaluación debe ser sistémica, defini-das las responsabilidades sociales del museoen cuestión, la evaluación constituye unprocedimiento que debe permitir reconocery apreciar que tan efectivo, eficiente oexitoso es el museo en el cumplimiento ca-bal de sus funciones sociales.

Por qué evaluar

Muchas pueden ser las razones que le dansentido de ser a la evaluación. El punto departida está en precisar cuáles son los propó-sitos institucionales, para expresarlo en el

contexto de los museos que es el punto denuestro interés, se debe definir qué finespersigue el museo, cómo se concibe a éste,que función social debe cumplir.

Se trata de poder valorar los logros, reco-nocer los aciertos, pero de igual modo iden-tificar las omisiones, definir los errores; demanera tal que con autocrítica se promuevatanto la apreciación de los aciertos como lade los desaciertos, con el fin de fortalecer lasacciones exitosas y corregir las equivocadas.Bajo esta fórmula se puede concebir unproceso de desarrollo institucional.

El ejercicio de instrumentar un procesode evaluación sistemático, permite construirparámetros de referencia, en los que sepueden establecer comparaciones, indica-dores que advierten de la dirección otrayectoria que tienen los cambios. Estosparámetros de referencia pueden ser autoreferidos, es decir, apreciar los cambioshabidos dentro de los indicadores de lasacciones de uno mismo, en diferentes mo-mentos, lo que configura trayectorias, definetendencias, permite análisis longitudinalesreferidos a lo largo del tiempo. Tambiénpueden constituir indicadores al compararlos índices obtenidos con los de otras institu-ciones análogas. O bien considerandocircunstancias para que las comparacionessean relativas, proporcionadas y equitativas.

La comparación es una base sustantiva dela evaluación, es la manera de tener referen-tes que permiten posicionar, graduar, aquila-tar el mérito o desmérito. Es sólo bajo con-trastes como se pueden percibir las particu-laridades.

Una razón para promover la evaluación,deriva de que aquellas actividades que sonsusceptibles de ser definidas, de establecer in-dicadores de logro y mesurarse, las hacetambién factibles de mejorar en sucumplimiento, porque se puede dar

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seguimiento a su evolución. Esteconocimiento es sustantivo para laplaneación, para el diseño de acciones futu-ras que permitan prosperar en el alcance denuestros propios fines. La evaluaciónrequiere definir lo que se desea alcanzar, quées lo importante, diferenciar lo sustantivo delo complementario, valorar las funciones,construir jerarquías, de manera que elejercicio de la evaluación conforme unproceso regulador de la gestión institucional.

La visión de la evaluación como procesopara superar limitaciones a partir de corregirerrores u omisiones, se basa en una filosofíade inclusión, que trata de generar un grupode colaboración, de promover responsabili-dades compartidas, formar actitudes quefortalezcan la cohesión social bajo unaidentidad de grupo institucional, lo cual re-sulta muy diferente a cuando la evaluaciónes utilizada para justificar sanciones o laremoción de las personas.

Si bien la evaluación permite reconocercarencias, omisiones, precisar cuando eldesempeño es pobre, menesteroso, es impor-tante subrayar que no debe ser la vía paraseñalar deficiencias, estigmatizar y marginar,ya que es una de las razones más frecuentespor las que se presentan grandes resistenciassociales; sino por el contrario, se trata dereflexionar para resolver los problemas,alentar y abrir nuevas oportunidades, encon-trar soluciones, a partir de una firmeconvicción de inclusión.

a la evaluación, es porque ésta se utilizacomo vía para justificar la segregación, lamarginación, la coacción y la imposición desanciones, hasta llegar a la exclusión oexpulsión.

Para alcanzar un proceso apropiado dedesarrollo institucional se requiere definirmetas que sean plausibles de lograr, conside-rar las condiciones, establecer compromisos

compartidos, encontrar acuerdos. De estamanera es posible asentar consecuenciasque estimulen los aciertos y reduzcan ocorrijan las fallas y omisiones, a partir deacuerdos socialmente consensuados por losgrupos de trabajo institucional.

El ejercicio sistemático y generalizado dela evaluación tiene un efecto social funda-mental, que es el promover una cultura de laresponsabilidad. Saber cumplir con los com-promisos que a cada quien le corresponden,dar cuenta de ellos y asumir lasconsecuencias de nuestros actos, es parte delo que significa tener una cultura de la res-ponsabilidad.

La cultura de la evaluación implica tenercomo valores socialmente compartidos eldar cuenta de nuestras responsabilidades yafrontarlas, estar abiertos y promover que seevalúe el producto de nuestros compromi-sos; y si no cumplimos con los compromisosasumidos, saber plantear consecuencias yasumirlas. Esto otorga el derecho de exigirel principio de reciprocidad, elementosesenciales para la legitimidad de una normasocial.

La rendición de cuentas de nuestras res-ponsabilidades es válida para todos,comenzando por quienes tienen jerárquica-mente mayores responsabilidades, dado quesus decisiones son de mayor impacto ycuentan con una situación privilegiada,como son los políticos y directivos. Partesustantiva del ejercicio de la democraciaestá en la rendición de cuentas.

En el sector privado de la economíaalgunas empresas, comúnmente las familia-res, suelen trabajar por imposición, de formaautoritaria, hay una jerarquía en las respon-sabilidades de mando y las decisiones sonverticales, los procesos de evaluación seestablecen sin considerar la opinión de losevaluados, se aplican sanciones y remueven

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a las personas sin mayor consideración. Laresultante es que el personal trabaja bajopresión, los índices de estrés son altos, hayirritabilidad, falta de compañerismo, no segenera identidad de grupo, no haysolidaridad institucional, lo cual natural-mente merma la productividad, eficacia yeficiencia.

Trascendencia de la evaluación

Para qué evaluar

Probablemente el fin más importante de laevaluación es el promover el desarrollo ins-titucional armónico, general y sistemático.

Gracias a la evaluación se puede recono-cer la existencia de problemas y definirloscon precisión, lo que en sí ya representabuena parte de su posible solución. Cuandono somos capaces de percatarnos de laexistencia de un problema lo repetimos, ob-viamente estamos muy lejos de su solución,y lo peor, en la medida que no se atiende, susefectos nocivos siguen estando presentes ytienden a incrementarse.

Cuando se logra definir los problemas,entonces es posible que se llegue a recono-cer su origen y precisar sus causas. Si unasituación problemática es factible dedimensionar su magnitud, de ser cuantifica-da, medida; entonces se tendrán referentespuntuales con los cuales se puede saber si elproblema y sus consecuencias aminoran,permanecen estables o aumentan, es decir, sise está mejorando, empeorando o se perma-nece igual, información sumamente útilpara la promoción institucional.

En síntesis, la evaluación ayuda a definirlas prioridades institucionales, a precisarcuales son los objetivos a cumplir y las metasa alcanzar, a establecer con precisión yclaridad indicadores que permitan valorarlos logros, a formular explicaciones de los

alcances y limitaciones observadas, aplantear la resolución de problemas, a pro-mover un mejor desempeño institucional.

Los resultados de la evaluaciónretroalimentan el logro de los objetivos,modelan y orientan la praxis, entendida éstacomo la integración teórica explicativareflejada en las acciones prácticas. Es asícomo la evaluación ofrece elementossustantivos para el desarrollo de lamuseología, en tanto permite estimar ovalorar la operación del museo de manerasistémica, valorando aspectos como el éxitode una exhibición o el uso de determinadostipos de guías, los efectos de cambios realiza-dos o introducidos con propósitos experi-mentales, establecer diagnósticos ypronósticos, dando lugar a procedimientosde metodología científica y desarrollo denuevas tecnologías.

Contenidos de la evaluación

Qué evaluar

Es objeto de evaluación todo lo que seconsidere que es relevante.

La evaluación debe partir de la misión ins-titucional, de la visión que se tiene delmuseo, de la identificación de cuáles son suspropósitos, objetivos y metas. De los ideales.

Weil (Museum, 2003) recuerda que JohonCotton planteó: “El valor de un mueso estáen su uso”. Y agrega Weil que las potenciali-dades de servicios de un museo son casi infi-nitas. Señala que a través de el amplio rangode disciplinas e intenciones de los museos,se tiene la capacidad de impartirconocimientos, estimular inquietudes,desarrollar habilidades, proveer experienci-as de orden artístico - emotivas, fortalecer lasrelaciones de la comunidad, despertarintereses personales, ofrecer perspectivas, in-fluir en las actitudes, modelar comportami-

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entos, trasmitir valores, generar aprecio,respeto, y mucho más.

Este tipo de potencialidades del museo,pueden constituir sus fines institucionales,pero deben ser explicitadas, de manera quesean valoradas y puedan ser evaluadas,generándose para ello los indicadores quepermitan saber en qué grado están siendoalcanzadas o cumplidas.

Otro punto valioso a evaluar es el gradode satisfacción (suitability) que el museotiene para con sus visitantes.

También son objeto de evaluación los pro-cedimientos utilizados para lograr los objeti-vos. La evaluación debe reconocer y valorarlos procesos. Por ejemplo, inventariar yvalorar todos los procedimientos técnicospara sistematizar y estandarizar el montajede una exposición.

La evaluación debe ser integral y sistemá-tica. Integral en el sentido de que se evalúentodos los componentes. Sistemática en elsentido de ser institucional: planeada, clara-mente definida y reglamentada, deaplicación regular, definida en el tiempo.

La evaluación museográfica tiene varioscomponentes específicos, tales como: lamisión del museo como institución de cultu-ra, la evaluación de la experiencia museo-gráfica de sus visitantes, del museo como re-curso educativo, de sus responsabilidades yfunciones como institución de educaciónpermanente, como complemento para laformación escolarizada, la satisfacción de lasexpectativas de sus usuarios, el enriquecimi-ento cognoscitivo o de apreciación de losvisitantes, la recreación, la pertinencia yactualización de la exposición, lo apropiadode la presentación o adecuado del montaje,el desarrollo y capacitación de su personal,las condiciones de su infraestructura, lacalidad de sus servicios.

Evaluación de la experiencia museográ-fica

Una de las líneas de evaluación máscomunes y específicas realizadas en losmuseos, han sido los estudios de público. Enestos estudios se ha centrado el interés envalorar el significado de la experiencia mu-seográfica en los visitantes.

Un punto de partida ha consistido en defi-nir el perfil de los usuarios, para reconocerlas variables de población o característicasque la perfilan, tales como: género, edad,motivo de la visita, grado de escolaridad ynivel socioeconómico; de manera tal que sepuedan conocer las frecuencias yporcentajes de estos indicadores, lo que lepermite al museo saber quiénes lo vistan yque motivó su vista. También se puedenhacer correlaciones, análisis de varianza(ANOVAS), regresiones múltiples, análisisfactoriales, para poder estimar y valorar losdiversos factores que estén asociados aefectos debidos a la experimentación muse-ográfica.

Otros estudios tratan de evaluar el impac-to que la exposición tiene en el público,valorando aspectos de orden cognoscitivos,tales como la comprensión y aprendizaje delos elementos de conocimientos contenidoso requeridos en la exhibición; o de opiniónque permiten valorar creencias, actitudes,juicios y prejuicios; o también de recreaciónartística y apreciación estética, lo que es par-ticularmente importante en el caso de losmuseos de arte.

Metodología de la evaluación

Cómo evaluar

Podemos diferenciar dos tipos deevaluación, una que concentra la valoraciónen los resultados y la otra que atiende elproceso. A la primera se le conoce como

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evaluación sumativa, en tanto se ocupa de lasuma de todos los elementos que generan laresultante final del fenómeno a evaluar,como podría ser la experiencia museográfi-ca que tienen los visitantes de un museo. Laevaluación de proceso, o formativa, es la queocupa de evaluar las condiciones y factoresque generan la resultante. Lifshitz (2007) lorefiere en un ejemplo: “Cuando el cocineroprueba la sopa, es evaluación formativa;cuando el invitado prueba la sopa, esevaluación sumativa”. Aunque los procedi-mientos de evaluación pueden ser losmismos, en este ejemplo “saborear”, elenfoque varía, en uno es para mejorar, elotro para degustar el resultado final.

Estrategias para la evaluación

La evaluación debe ser certera, creíble,verosímil, admisible, eficaz, es decir, ser so-cialmente aceptada y producir el efectodeseado. Lo que se quiere evaluar no essiempre lo mismo, por ello hay que reco-nocer de inicio que no hay un método deevaluación, sino una pluralidad de procedi-mientos, los cuales permiten obtener diver-sos indicadores, que constituyen formas deacercamiento al fenómeno de interés. Unosindicadores pueden ofrecer apreciacionesparciales generadas a partir de cierto puntode vista en comparación con otras, por loque resultan complementarias.

Todos los actores del proceso museográfi-co y los productos de sus acciones puedenser susceptibles de ser evaluados. Una apre-ciación muy valiosa para tener referentes ypautas de evaluación, se pueden darconociendo las opiniones de los especialis-tas, de los expertos o pares académicos, pueseste procedimiento permite contar con unavalidación de contenidos, y establecer así losfines y objetos de la evaluación.

Otra fuente de evaluación es la que se da apartir del punto de vista de los implicados,

de quienes tienen bajo su responsabilidad lasdiversas funciones del museo, o bien los visi-tantes. Estos procedimientos se conocencomo evaluación participativa.

En los problemas metodológicos de laevaluación hay cuestiones técnicas que sedeben tener presentes. Una es el grado desubjetividad versus objetividad con que esposible mesurar el fenómeno que es nuestroobjeto de interés. Entre menos dependa de lainterpretación o valoración subjetiva dequien evalúa, la evaluación se considera quees más objetiva y por lo mismo es mejor. Hayun criterio técnico que tiene que ver con laobjetividad y que se denomina confiabili-dad, es decir, si la apreciación realizada es defiar. La confianza en una medida se gana enla medida que es congruente con diferentesobservaciones, es decir, si en todas lasobservaciones hay coincidencia, se repite lamisma medida, la congruencia es total yequivale a 1 o 100% confiable. Si se valora laejecución de un estudiante tres veces, y enlas tres se obtiene calificaciones diferentes,entonces se tiene una evaluación que no esconfiable.

Para ejemplificar lo anterior en el contex-to de un museo. Si un observador sostieneque el número de visitantes de génerofemenino fueron 123 en un día, y otro igual-mente afirma que fueron 123, el dato se haceconfiable. A la inversa, si hay discrepanciasentre los observadores, en la medida que susdatos difieren se tornan éstos inconfiables.

Otro criterio técnico de la evaluación esel de la validez, la cual implica que lo que sepretende medir es lo que realmente se estámidiendo. Por ejemplo, en una exhibiciónen que se desea evaluar si se aprendió a par-tir de las explicaciones que contienen las cé-dulas del museo, sería inválido si no sereconoce lo que el visitante ya sabía sobre lamateria antes de su vista, pues eseconocimiento no se aprendió debido a la

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exposición. También sería invalido si a unvisitante se le pregunta sobre la claridad delas explicaciones de las cédulas y contestaconsiderando la facilidad de leer la letra delos textos dado su tamaño y limpieza.

Hay distintos tipos de validez, una es deconstructor o concepción, que correspondea la coherencia de los argumentos oreflexiones en torno a lo que se deseaevaluar. Los argumentos y criterios deben serlógicamente razonables. Otra es la validez decontenido, que implica si se está evaluandolo que se debe de evaluar. También está lavalidez de instrumentos, que corresponde ala efectividad de los medios para poder re-gistrar o evaluar lo que se desea valorar. Porejemplo, alguien que mide temperatura sinconsiderar la presión atmosférica, tendrá unfuente de invalidez.

La evaluación también depende del gradode precisión requerido o deseado. Sepueden tener distintos grados de precisión,desde la más exacta, aunque la exactitud to-tal sólo es posible teóricamente, hasta los dis-tintos rangos de variación o estimación, loque en ciertos procedimientos se conocetécnicamente como el error estándar de lamedida. Las evaluaciones se suelenestablecer en rangos de precisión, indicandoen que medida puede variar el valorpromedio. Por ejemplo, se podría decir quedeterminado porcentaje de los visitantes deun museo son estudiantes, supongamos 36%,sin embargo este valor varía, pongamos quevaria alrededor de un 4%, entonces se diríaque la media es de 36% más/menos 4%, por-que a veces llega a ser hasta el 40% y en otrasocasiones sólo el 32%.

Evaluación cuantitativa versus cualitativa

En la literatura sobre los procesos de laevaluación se ha generado unadiferenciación en la que se señalan dos pers-pectivas: una cuantitativa y otra cualitativa.

Se identifica como evaluación cuantitati-va a la que se basa en los modelos queutilizan las operaciones estadísticas para va-lidar sus instrumentos, fundamentar susobservaciones y sustentar sus inferencias. Laevaluación cualitativa se identifica con laque se sustenta más en las tradiciones de lainvestigación etnográfica, que suele ser detrabajo de campo, en narrativa, con reportesdirectos, basada en estudio de casos.

Si bien es cierto que éstos procedimientosy métodos para abordar la evaluación sondiferentes, es importante apreciar que no sonantagónicos ni excluyentes, sino por el con-trario, pueden y deben ser complementarios.

En este debate hay una falacia queencubre una falsa polémica, pues no hayvaloración posible que se pueda hacer sinconsiderar aspectos cualitativos. La llamadaevaluación cuantitativa centra la atenciónen las magnitudes de los fenómenos,fenómenos que por su naturaleza son cuali-tativamente distintos. Es cualitativamentedistinto señalar que el 36% son estudiantes, adecir que el 36% de los visitantes permane-cen en el museo menos de 45 minutos. Sondos fenómenos cualitativamente diferentes,lo relevante no es simplemente saber lamagnitud (cuánto), sino también la dimensi-ón cualitativa (cuánto de qué).

Siempre que se contabiliza, se requieredefinir una unidad a partir de una cualidad,lo relevante no es el número en sí, sino lacualidad. Resulta cualitativamente distintotener 6 niños a 6 manzanas, lo relevante noes el número, sino la magnitud de lacualidad a la que se refiere. La cualidad y lacantidad son atributos inseparables, por ellola diferenciación resulta un falso dilema.

Pero la magnitud además constituye en símisma una cualidad, pues en el cambio delas dimensiones de un fenómeno ocurrencambios cualitativos. Si en un museo el 80%

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de sus visitantes son escolares menores de 12años, podemos cualificar y decir que se tratade un museo infantil, lo que tiene implicaci-ones sustanciales. Lo mismo ocurriría si seobservara que el 70% de los asistentes sonanalfabetos, el museo requeriría una trans-formación conceptual cualitativa en sus fun-ciones y maneras de operar. Resulta cualitati-vamente distinto si el 90% de los visitantes deun museo reportan que éste es claro y ame-no, a si sólo lo hacen así el 10%. Es cualitati-vamente distinto un museo que recibe 10 milpersonas al año, a otro que tiene un millónde visitantes en el mismo período.

Es cierto que algunas valoraciones son enprosa, más descriptivas, y otras más en térmi-nos cuantitativos, como ocurre en losestudios de casos singulares a diferencia delos de gran escala. Las evaluaciones de granescala requieren del apoyo metodológico dela estadística, por la imposibilidad o locostoso que resultaría valorar puntualmentea todos los miembros de una población quees numerosa y variable.

También es cierto que la exploracióndetallada de casos específicos, lo que seconoce como estudios de caso, proporcionaapreciaciones muy valiosas que de otramanera sería imposible obtener, por ello re-petimos, la evaluación debe considerar lasdiversas metodologías para conocer yvalorar los fenómenos que ocurren dentrodel museo, de aquí que sean complementari-os y no excluyentes.

En una evaluación se debe comenzar pordefinir la unidad de análisis. Esta puede serel visitante del museo, los grupos escolares,los profesores, los guías, los directivos, losmuseos, etcétera.

Es recomendable iniciar la evaluación pormedio de estudios de caso, a través de procedi-mientos etnográficos, con registros anecdóticos,por muestreo aleatorio, con base en un factor o

variable de interés específico, como podrían serescolares, o adultos de género femenino, o turis-tas, por mencionar algunos. La observacióndirecta, el registro sistemático, las entrevistasabiertas y estructuradas, así como loscuestionarios y encuestas, son procedimientoscomunes que se utilizan para generar este tipode valoraciones.

Cuando se quiere evaluar una poblaciónmuy numerosa y variable, es muy difícil ycostoso, si no imposible, atender a todos loscasos. Para ello se pueden usar técnicasestadísticas de muestreo, que consiste enelegir a una parte relativamente pequeñapero representativa de todos los casos. Paraque de una selección podamos inferir cualesson las características de toda la población, esnecesario que los casos se elijan por un pro-cedimiento aleatorio, de manera quecualquier caso tenga la misma probabilidadde ser seleccionado. Por ejemplo, se puededefinir que de cada 20 personas que ingresanal museo, se entrevistará a la que ingrese en elveinteavo lugar, comenzando nuevamente acontar para volver a seleccionar al veinteavo,y así sucesivamente. Cualquier persona tienela misma probabilidad de ser seleccionada,por ello podemos asumir que la selección for-ma un grupo elegido al azar y podrá ofreceruna idea general de toda la población.

Puede ocurrir que los grupos de interéssean diferentes en proporción y por lomismo en la muestra debe estar reflejada laproporción, pongamos por ejemplo que nosinteresa conocer las opiniones de los adultosy adolescentes que tienen al menos un añode estudios universitarios concluidos, en estecaso podría suceder que el 18% (+/- 2%) delos visitantes del museo son adultos(mayores de 21 años > 21) y el 24% (+/- 3%)adolescentes (> 14, < 21) con el nivel deestudio requerido; por lo que “el pesomuestral” debe corresponder a estas propor-ciones, de manera que no esté un grupo so-bre-representado y el otro sub-representado.

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El número requerido para definir “ungrupo relativamente amplio”, depende dela variabilidad de lo que nos interesaconocer (factor del interés específico). Unejemplo, si lo que queremos conocer escuántas mujeres y hombres visitan unaexposición, la variación se reduce a dosposibilidades: femenino o masculino. Eneste caso el “grupo relativamente amplio”podría ser de alrededor de 80 individuos sila estimación es estable. Una manera deverificar la estimación, se hace repitiendoel procedimiento y comparando los resulta-dos. Si esta verificación se hiciera muchasveces, podría resultar que, por ejemplo, enla primera medición obtenemos que eran62% mujeres y 38% hombres, en la segundaobservamos que resultan ser 64% mujeres yen una tercera 63%. Las diferencias resul-tantes serían lo que podemos llamar elrango de error, error de medida o errorestándar, en este ejemplo sería de 1% (63%más/menos 1%).

Pero si el factor de interés es la edad delos visitantes, ésta variable tiene muchasposibilidades, pues pueden ser desde visi-tantes menores de 5 años, hasta mayores de80. Aquí la variación no es dicotómica,como en el caso del género: hombre omujer; sino puede tener más de 80 valores.En un factor como la edad que tiene unavariación tan amplia, se puede reducir lavariable acotando por rangos, tales como:los que tienen 5 años o menores, los quetienen entre 6 y 10 años cumplidos, los de11 a 15, los de 16 a 20, y así sucesivamente.Como la variabilidad del factor edad esmayor, el “grupo relativamente amplio”para hacer representativa la muestra,deberá ser también mayor. Qué tan mayor.Dependerá de la variabilidad, hasta poderencontrar su estabilidad, por ejemplo, queen las observaciones realizadas no hay dife-rencias mayores a un determinado valorentre las medidas observadas (error de me-dida). Esto porque siempre hay una

varianza no controlada, y lo importante esconocerla y determinarla.

Los procedimientos

Definición de propósitos para establecerindicadores.

Un indicador constituye un referente quepermite tener indicios del comportamientode un fenómeno y hacerlo así manifiesto.

Cuando se tiene definido el objetivo de laevaluación, es recomendable hacerejercicios previos por medio de laobservación directa del fenómeno a obser-var, y tomar notas en una bitácora o diario,para ir señalando referentes que pudieranser indicadores para la evaluación. Resultaconveniente hacer estudios de caso para ex-plorar y determinar indicadores.

De la observación directa se puede pasar ala observación estructurada, en la que setienen ya definidas una serie de categorías aser observadas, estableciendo rutinas defini-das en listas de cotejo (Check list).

Otro procedimiento puede ser a partir deentrevistas, las cuales pueden ser abiertas,como en el caso de la observación directa, oestructuradas, en la que se cuenta con unguión previo de preguntas, las que puedentener respuestas abiertas y/o cerradas (deopción múltiple).

La elaboración de preguntas o reactivos,llamados así porque son instancias queincitan una reacción o respuesta normalizadaa una pregunta, deben ser eficaces paraevaluar o diferenciar. Un reactivo busca dis-criminar en la población (los encuestados oexaminados) las diferentes maneras de res-ponder a las preguntas. Por ejemplo, unapregunta tradicional de conocimiento, buscapoder discriminar entre quien sabe y no saberesponder de manera apropiada o correcta.

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Un conjunto de preguntas integra uncuestionario, el que debe ser diseñado bajouna estructura con distintos componentes.Primero hay que tener una introducciónpara el encuestador, explicitando primerolas razones de porque y para que se aplicaráel cuestionario, cuales son los propósitos ylas instrucciones puntuales de cómo debeser aplicado, de forma que comprenda larelevancia del estudio y el procedimientopara así ganar su interés. El cuestionariotambién debe contar con una presentacióndirigida a los entrevistados o encuestados, enla cual se le haga saber cuales son los finesque se persiguen, seguido de lasinstrucciones de cómo debe contestar a laspreguntas, si son estas preguntas abiertas ocerradas, de opinión o conocimientos. Pos-teriormente se presentan los reactivos y fi-nalmente se hace una salida agradeciendosu colaboración.

El cuerpo de los reactivos puede serestructurado en apartados, de acuerdo conlos propósitos de la evaluación. Los reactivospueden ser cognoscitivos, es decir, queexploran y evalúan conocimientos o lacomprensión del diseño museográfico;pueden ser de escalas de actitudes uopiniones, o bien de apreciación estética.

La evaluación de opiniones, en las que nohay aciertos ni errores, se puede valorar porgradientes, haciendo la aplicación en unaescala Likert, en las que las afirmaciones enque se presentan al entrevistado deben sercontestadas por nivel de acuerdo, porejemplo: ¿la exposición le resultó aburrida?a) Totalmente en desacuerdo - b) Endesacuerdo - c) De acuerdo - d) Totalmentede acuerdo - e) No sé. También pueden serpreguntas por frecuencia, por ejemplo:¿usted recomendaría visitar este museo? a)Nunca - b) Algunas veces - c) La mayoría delas veces - d) Siempre - e) No sé. Se puedenplantear preguntas de valoración referidas auna escala numérica, por ejemplo, ¿la

exposición resultó cansada? - Conteste unnúmero entre 1 y 10, donde 1 quiere decirque está totalmente de acuerdo y 10 total-mente en desacuerdo. Otra manera es quesean contestadas en términos deprobabilidad, por ejemplo: ¿considera quevolverá a visitar este museo? a) Seguro no -b) Probablemente no - c) Probablemente sí -d) Seguro sí - e) No sé. O por dimensión:¿considera que es importante que los escola-res visiten esta exposición? a) Nada - b) Poco- c) Algo - d) Mucho - e) No sé.

Si se observa, en las preguntas no hayneutralidad, el entrevistado debe inclinar suopinión hacia una posición, positiva o nega-tiva, favorable o desfavorable.

Se pueden construir preguntas de confia-bilidad interna, es decir, para apreciar si elencuestado mantiene una opinióncongruente. Por ejemplo, ante la afirmación:¿la exposición te resultó aburrida? a) Total-mente en desacuerdo - b) En desacuerdo -c) De acuerdo - d) Totalmente de acuerdo -e) No sé; esta pregunta puede ser contrastadacon la pregunta que diga: ¿la exposición teresultó entretenida? a) Totalmente endesacuerdo - b) En desacuerdo - c) Deacuerdo - d) Totalmente de acuerdo - e) Nosé. Si no hay consistencia en las respuestas,podemos considerar como poco confiable ydescartar los casos que son inconsistentes, locual permite, lo que técnicamente se conocecomo robustecer la base de datos.

Puede haber otros procedimientos paravalorar la experiencia de los visitantes, porejemplo, en una exposición artística, se puedeconsiderar como un indicador el tiempo dedi-cado a ver la exhibición, o solicitar que seescriba o grabar una pequeña narración sobrecuáles de las obras son la que más le gustaron yporqué considera que fue así.

En los museos de antropología, historia,ciencia y tecnología, tienen un fuerte com-

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ponente cognoscitivo, es decir, en buenamedida hay una intención museográficapara que el visitante comprenda y aprendaconocimientos que están expuestos en laexhibición.

En la evaluación cognoscitiva se puedenconstruir reactivos para evaluarconocimientos básicos estructurales, de altavalidez. Estos son conocimientos básicos,porque representan las bases semánticasconceptuales para poder comprender yaprender otros conocimientos. Estructurales,porque generan la organización conceptualde un campo de conocimiento. De altavalidación, porque su desconocimiento sig-nifica que se tienen vacíos conceptuales y decomprensión, lo que implica que ignora as-pectos fundamentales de una esfera deconocimientos. Un ejemplo de esto en elárea de la historia, podría ser el siguientereactivo.

Cuál es la secuencia histórica o cronológi-ca de la ocurrencia de los siguientesacontecimientos:

a) El renacimiento, la edad media, larevolución francesa, la revolución rusa.

b) La revolución francesa, la revoluciónrusa, la edad media, el renacimiento,

c) La edad media, el renacimiento, larevolución francesa, la revolución rusa.

d) El renacimiento, la edad media, larevolución rusa, la revolución francesa.

e) No sé.

El análisis de las respuestas permite haceruna evaluación no sólo por medio de losaciertos, sino también por el tipo yfrecuencia de los errores. No es el mismotipo de error quien cree que elrenacimiento ocurrió antes que la edad

media, a quien piensa que la revoluciónfrancesa fue anterior a la edad media, puesel margen de error es menor en el primerocaso que el segundo.

Los reactivos de opción múltiple puedenpresentar el inconveniente de las respuestasaleatorias o por adivinación, ya que unapersona puede adivinar marcando larespuesta correcta sin saber. La adivinaciónde alguna manera se pueden ponderarintroduciendo la opción “No sé”. No es lomismo quien en un cuestionario de 100preguntas logra 90 aciertos y comete 10errores, a quien obtiene 90 aciertos y ningúnerror porque contestó en las otras 10preguntas “No sé”. En el primer caso hay cla-ros indicios de que obtuvo aciertosadivinando, a diferencia del segundo caso.

Evaluación mediada por cómputo

En las últimas décadas las actividades hu-manas ha sido severamente impactadas porel uso de las nuevas tecnologías de lainformación y la comunicación (TIC); enmuy diversos campos se ha generado unatransformación radical con el acceso y usode estas tecnologías. La evaluación no hasido una excepción, la incorporación de lamediación computarizada ha revoluciona-do múltiples aspectos, tales como sistemaspara recolección de datos ligados a base dedatos, procesamiento electrónico de losdatos, aplicación de procesadores estadísti-cos muy poderosos que permiten hacer cál-culos por iteración que serían de otramanera inconcebibles, los resultados sepueden ofrecer de manera inmediata ysimultánea, los tiempos de respuesta e inter-respuesta quedan registrados, los bancos deinformación pueden ahora ser enormes, demanera que se hagan proyecciones detrayectorias longitudinales en el tiempo.

Para los usuarios, sobre todo los jóvenes,los medios electrónicos les son más

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atractivos; emitir respuestas en este medio esmucho más fácil que escribir o rellenar alvé-olos con lápiz, la letra es perfectamente cla-ra, se pueden hacer análisis semánticos, elmanejo y edición de la imagen y audio enformato digital son extraordinariosofreciendo a los procedimientos deevaluación posibilidades antes impensables.

La evaluación en medios electrónicos per-mite ser “adaptativa”, es decir, adaptarse a lascircunstancias o condiciones de la personaque responde, por ejemplo, si indica que esextranjero, se le presentan sólo preguntasapropiadas a esa condición; o bien, si contes-ta que no visitó determinada sala del museo,ya no se le presentan las preguntas relacio-nadas.

La interconexión también abre extraordi-narias posibilidades, ya que el levantamientode datos se puede hacer en línea abatiendotiempo y distancias, al estar disponible las 24horas de los 365 días del año. De igual modopueden ser componentes integrales de losmuseos virtuales.

ANÁLISIS DE RESULTADOS

Una parte muy importante de laevaluación es cómo analizar los datos o re-sultados obtenidos. Cómo interpretarlos,cómo juzgarlos o valorarlos. En todaevaluación hay una valoración, la cual sebasa en el juicio de apreciación, unaestimación subjetiva, la cual puede serpuesta a la consideración del gruporesponsable, a manera de generar unadeliberación y construir un consenso, con loque se vuelve intersubjetiva, ya no corres-ponde a una persona sino a un grupo.

El primer problema dentro de los elemen-tos a considerar es cómo juzgar la variabili-dad o irregularidades que generalmente seobservan, lo que se denomina la varianza.

Los visitantes de un museo o exposición sonmuy heterogéneos, en muchos aspectos,tales como: edad, nivel de escolaridad,situación socioeconómica, intereses, gustos,propósitos de su visita, etcétera.

Para afrontar la variabilidad se puede recurrira una disciplina especializada en ello, que es laestadística. La estadística se puede dividir endos grandes apartados, uno que corresponde ala estadística descriptiva y otro a la estadísticainferencial. La primera tiene como propósito,como su nombre lo dice, analizar y describir lascaracterísticas de los datos, a través de uncompendio y síntesis de éstos, por medio deextractos, esquemas y gráficos, que permitenconstruir una sinopsis o sumario. Los datos máscomunes son la obtención de distribución defrecuencias, porcentajes, medidas de tendenciacentral (promedio – media, modo), medidas devariabilidad (desviación estándar), de precisión(error estándar), de asociación o causalidad(correlación), regresión (distribución del pesode una correlación), entre otras.

La estadística inferencial, tiene como pro-pósito, como su nombre lo dice, poder infe-rir las características relevantes de unapoblación, esto a partir de un subconjunto omuestra de población en la que se realiza unanálisis de probabilidades (análisis devarianza o covarianza y sus niveles designificación), definiendo el grado deconfianza que se puede tener de lasinferencias que se generan.

La estadística permite encontrar laregularidad de la variabilidad de un conjun-to heterogéneo, y por medio de la ciencia delas probabilidades, establecer los factoresque determinan las regularidades de unfenómeno variable (análisis factorial); demanera tal que se puedan construirexplicaciones de los fenómenos observadoscon base en un sustento empírico, al identifi-car los factores o variables asociados alfenómeno objeto de estudio.

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La estadística también ha permitido afinarla efectividad de los reactivos que se utilizanen una prueba. La teoría clásica de la medi-da permite calibrar los niveles de dificultad ydiscriminación de los ítems de una prueba apartir de su congruencia interna(confiablidad).

La Teoría de Respuesta al Ítem es un pro-cedimiento estadístico que actualmente seusa para validar reactivos de una pruebabasados en una nueva concepción matemá-tica, en la que se postula que las personastienen un cierto nivel de habilidad o manerade opinar, y que los reactivos tienen uncierto nivel de dificultad o definición de unatributo. Hay una expectativa sobre lavariable latente a medir, los reactivos sonapropiados en la medida que se apegan alcomportamiento de la variable latente, sobreun continuo lineal, de manera que el proce-dimiento permite reconocer las anomalíasque se desvían de la expectativa a partir de laiteración, descartando los casos anómaloshasta llegar al mejor ajuste. El modeloasume que las personas responden laspreguntas en función del nivel de sus habili-dades y el nivel de dificultad de laspreguntas (Wright y Stone 1998, Linacre,2005).

La fase final del análisis de los resultados,es poder llegar a conclusiones yrecomendaciones que permitan mejorar eldesempeño institucional.

Sistemas Integrados

Hasta ahora hemos referido a laevaluación como un ejercicio institucional,sin embargo, resulta muy enriquecedorcuando se pueden organizar procesos deevaluación interinstitucional, es decir,cuando un número importante de institucio-nes que comparten propósitos, comopueden ser los museos, aún mejor los quetienen propósitos más afines como pueden

ser museos de ciencia, de historia o de arte, yéstos se asocian para establecer criterios eindicadores de evaluación, construir instru-mentos e intercambiar experiencias.

Ahora es frecuente que se establezcanasociaciones de instituciones que crean con-sensos, a partir de criterios, procedimientos yestándares de evaluación, para certificar oacreditar a las instituciones o personas quecumplen un estándar o nivel de calidad, aligual que ofrecer rutas para superaromisiones, deficiencias o errores; proporcio-nando los recursos necesarios parasuperarlos.

Investigación

La evaluación en sí constituye un procedi-miento de investigación en tanto significagenerar un trabajo sistemático y rigurosometodológicamente sustentado para obser-var un fenómeno objeto de estudio, del cualse recopilan datos empíricos susceptibles deser replicados y refutados. El reconocer lasvariables a evaluar, definirlas, encontrar losindicadores adecuados, mesurarlos,validarlos, establecer su confiabilidad, defi-nir su aplicación, examinar la varianza,establecer los análisis de las relacionesestadísticas, formular explicaciones yconclusiones, constituye un proceso deinvestigación sistemática.

Pero también la evaluación puede ser unobjeto de estudio, es decir, la evaluación dela evaluación constituye así mismo un áreagenuina de investigación, lo que permite eldesarrollo de procedimientos técnicos vali-dados.

La evaluación sistemática conformaparámetros básicos para la investigación, entanto permite constituir referentes estables(líneas base) en los que se puedan apreciarlos efectos y las dimensiones en la variacióngenerada por las variables introducidas con

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propósitos experimentales. De este modo sepueden mesurar y apreciar los cambios quese producen con la manipulación empíricade factores o variables específicas, y generarasí nuevos conocimientos que permitan con-tribuir al desarrollo de la museología.

Teniendo procedimientos de evaluaciónbien constituidos, se puede promover la ex-perimentación, como la de nuevasestrategias de comunicación o educaciónpara mejorar en las funciones operativas delmuseo.

El ejercicio de la investigación representauna actividad promotora en la búsqueda deinnovación que permita lograr los propósi-tos del museo de una manera más eficaz yeficiente. Sus beneficios no tienen fronteras,éstos pueden ser muchos, muy amplios yprovechosos.

PUNTOS POLEMICOS

Lo axiológico de la evaluación

La evaluación es una actividad que resultafrecuentemente polémica. Esto se debe a tresrazones básicamente, una porque laevaluación parte de valores los cuales sonapreciaciones basadas en criterios oconvenciones que no siempre son comparti-dos y no hay demostración empírica. Otro di-lema está en la legitimidad de los procedimi-entos, porque no se comparten las razones enque se fundamenta o justifica la evaluación, obien no se considera que sea justo, equitativoo apropiado el procedimiento. Y la tercerarazón radica, como ya se mencionó, en lasconsecuencias que se puedan establecer apartir de los resultados, ya que en muchasocasiones se imponen situaciones adversascomo castigos o despidos.

Definir qué es lo importante, lo que debeser valorado como tal, representa un proble-

ma axiológico, en el que se pueden dividirlas opiniones basadas en diferentesconvicciones. Las convicciones parten deelementos axiomáticos, donde no haydemostración, se apela a que la proposiciónresulta evidente, en la convicción de que secree que es justa, razonable, equitativa (deacuerdo a las circunstancias), legítima, perono hay demostración empírica de ello, sesustenta en valores. De aquí que el tema dela evaluación siempre puede ser polémico.

Una manera de sortear la dificultadaxiológica es estableciendo instanciascolegiadas, donde un grupo de personas conamplia experiencia e informadas en lamateria, con una trayectoria de integridad yprobidad demostrada, convoca a laspersonas interesadas en conocer y participar,para que se generen a partir de ladeliberación los criterios de valor con baseen el consenso. Este es un procedimientofrecuentemente utilizado para otorgarreconocimientos o premios en lasorganizaciones académicas, científicas y ar-tísticas. Incluso se llegan a establecerconsecuencias adversas que pueden llegarhasta el retiro, esto cuando hay unincumplimiento reiterado y no se asumen nise muestra que ha habido esfuerzos pormejorar o superar las deficiencias previa-mente señaladas.

Otro punto polémico son los procedimi-entos que se utilizan en la evaluación, pueséstos deben demostrar que son legítimos, entanto son razonables (para qué, por qué, quéevaluar), justos, válidos y confiables (ciertos),equitativos y socialmente aceptados, lo queno siempre se logra con la plena satisfacciónde todas las partes, dando lugar acontroversias. Muchos detractores de laevaluación argumentan sobre estos aspectospara sustentar su oposición, de tal maneraque pueden evadir responsabilidades y notener que rendir cuentas, lo que suelegenerar muchos simpatizantes.

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Finalmente, el otro aspecto controvertidode la evaluación son las consecuencias quese deriven de sus resultados. De hecho, enbuena parte la importancia social quetendrán los procesos de evaluación depen-derá de cuales son sus consecuencias. Si desus resultados nada se desprende, nada pasa,la evaluación perderá todo interés y se iráextinguiendo hasta desaparecer. Por el con-trario, si por ejemplo, de sus resultados de-pende la admisión o exclusión a unauniversidad, la promoción, el monto de laremuneración que se recibe, o hay un pagoen función del desempeño; entonces laevaluación cobra valor y se torna un asuntode primera importancia.

De aquí que la evaluación debe hacersecon toda responsabilidad, donde priven lasrazones y la equidad. La evaluación debe serpara permitir la superación, no para justifi-car la exclusión. Su función social esmejorar, promover la cultura de la responsa-bilidad, y no la de marginar, limitar, extinguir,empobrecer.

CONCLUSION

La evaluación es un medio y no un fin en símisma.

La función social de la evaluación está enel desarrollo institucional, impulsar la supe-ración personal, mejorar, ser más eficiente,promover una cultura de la responsabilidad.

La evaluación permite identificar proble-mas, establecer indicadores, parámetros, y

metas. De manera tal que es un instrumentoque facilita la formulación y el seguimientode un plan de desarrollo institucional.

Los procesos de evaluación generan laprofesionalización del trabajo museológico,porque desarrollan competencias profesio-nales, tales como: observar, detectar,conceptualizar, definir, registrar, cuantificar,medir, dar tratamiento a los datos (estadísti-ca), evaluar, diagnosticar, pronosticar, inter-venir, establecer procesos experimentales,idear tratamientos e investigar.

La investigación sistemática es la basepara el desarrollo de la museología.

Los procesos de evaluación permiten darcuenta puntual de los estados que guardauna institución, permite la rendición decuentas (accoutability) por ello constituyeun recurso idóneo para sustentar y facilitarfuentes de financiamiento.

Los procesos de evaluación deben es-tar en permanente revisión y constanteadecuación a la luz de los resultados queproduce y los efectos que se generan.

La evaluación, al definir qué es lo impor-tante, al establecer propósitos e indicadores,regula la gestión institucional; se torna enguía y promotora, pues lo que se evalúa, eslo que se valora, y por lo mismo lo que sepromueve.

De aquí que podemos concluir que laplaneación y la evaluación forman parte dela proyección de la museología.

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2ª parte

EXPERIÊNCIAS, PROPOSTAS E PERSPECTIVAS

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SINTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) 10% da população mundial

apresentam algum tipo de deficiência, o que representa aproximadamente 610

milhões de pessoas com deficiência no mundo, das quais 386 milhões fazem

parte da população economicamente ativa e 80% do total dessas pessoas vivem

em países em desenvolvimento.

No Brasil, dados estatísticos apurados pelo Censo Demográfico do ano de

2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ates-

tam a existência de 24,5 milhões de pessoas cadastradas portadoras de algum

tipo de deficiência (portadores de deficiências físicas, motoras, mentais, auditi-

vas e visuais), numa população geral de 169.799.170 habitantes o equivalente a

14,5% da população brasileira.

An AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

1Acessibilidade, Inclusão Social ePolíticas Públicas: uma proposta

para o Estado de São Paulo

ARTIGO

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AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL116

Os dados do Censo Demográfico mostramtambém que, no total de casos declarados deportadores de deficiências, 8,3% possuemdeficiência mental, 4,1% deficiência física1,16,7% deficiência auditiva, 22,9% deficiênciamotora2 e 48,1% deficiência visual. Entre 16,5milhões de pessoas com deficiência visual,159.824 são incapazes de enxergar, e, entre os5,7 milhões de brasileiros com deficiênciaauditiva, 176.067 não ouvem.

Trata-se, portanto, de um universo expres-sivo de pessoas com deficiências, agravadopelo fato de o Brasil estar entre os países comos maiores índices de acidentes de trabalhoe de violência urbana, o que amplia signifi-cativamente o número, principalmente deindivíduos jovens com essas características.

Dentro desse quadro de referências, o mu-seu, como instituição pública, deve ter comoobjetivo não somente a preservação do pa-trimônio cultural nele abrigado, como tam-bém o importante papel de promover açõesculturais enfocando o seu potencial educa-cional e de inclusão social, atuando comoagente de conhecimento e fruição do patri-mônio histórico, auto-reconhecimento eafirmação da identidade cultural de todos oscidadãos, independentemente de suas diver-sidades.

Nessa perspectiva, o conhecimento e afruição do objeto cultural, presente nos mu-seus, segundo uma visão democrática emulticultural, deve contemplar todos os pú-blicos, sem distinções, o que especificamentepara os públicos especiais (pessoas com limi-tações sensoriais, físicas ou mentais) exigeuma série de adaptações, tanto físicas (aces-sibilidade arquitetônica e expográfica) comosensoriais (comunicação, apreensão espaciale estética do objeto cultural), além de umprograma de ação educativa especializada,cujo trabalho de mediação seja realizadopor um agente facilitador que proporcioneuma melhor compreensão e vivência senso-

rial dessas pessoas com o patrimônio cultu-ral presente nessas instituições.

Como assinala Aidar (2002, p. 60), “em ter-mos ideológicos, as instituições devem mo-ver-se na direção do reconhecimento daidéia de que elas têm um papel a contribuirpara a igualdade social, para o fortalecimen-to de indivíduos e grupos em desvantagem, epara o incremento de processos democráti-cos dentro da sociedade.”

Todos esses temas, porém, não podem serconcebidos de forma isolada, mas, ao con-trário, devem ser pensados a partir de umapolítica cultural que tome por paradigma asconcepções museológicas contemporâneas.Tais concepções compreendem, além dasfunções tradicionais (pesquisar, preservar ecomunicar), o conceito da responsabilidadesocial, exigindo ações interdisciplinares queenvolvam todas as áreas dessas instituições,o que no caso da freqüência de públicos es-peciais demandará a participação de todasas instâncias do museu – um processo demo-crático que reúna além das áreas de traba-lho, os profissionais nela envolvidos incluin-do também a comunidade em geral.

Essa compreensão vem, portanto, se con-trapor a uma visão em que as açõeseducativas aparecem dissociadas do proces-so museológico, visão esta ainda presenteem grande parte dos museus, exposiçõestemporárias de grande porte e outras institui-ções culturais brasileiras, o que, conseqüen-temente, passa a se refletir diretamente naconcepção, realização e continuidade deprojetos educativos dessa natureza.

Em razão, portanto, da sua fragilidade, osprojetos educativos realizados a partir dessaconcepção e sem o respaldo de uma políticacultural que efetive e promova permanente-mente um programa educativo estruturado,restringem-se a atendimentos superficiais aopúblico visitante, descaracterizando a sua

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verdadeira função sócio-cultural e revelan-do apenas um caráter temporário e com in-teresses muitas vezes apenas promocionais,sendo a locução responsabilidade socialtambém apropriada de forma indevida.

Estender, pois, um projeto de acessibilida-de a todas as instâncias museológicas, visan-do um trabalho mais substancial e coletivodo museu para essa importante parcela dasociedade materializa um objetivo que exigeuma política cultural na forma de políticaspúblicas que efetivamente possam concebere implantar um trabalho permanente deacessibilidade e ação cultural para esse pú-blico especial, já que o conceito de inclusãosocial compreende todos os espaços públi-cos, o que confere a uma instituição como omuseu uma função eminentemente socialevidenciando sua responsabilidade com opatrimônio material e imaterial por ela pre-servado e disponibilizado à sociedade.

MUSEU E INCLUSÃO SOCIAL

Para iniciar uma reflexão sobre este tema,cumpre primeiramente pontuar alguns pres-supostos determinados pela cultura que di-zem respeito ao seu importante papel para oreconhecimento de um povo.

A cultura tem como princípio possibilitartanto o reconhecimento da identidade deum povo ou nação como também possibili-tar o reconhecimento da sua diferença – dequem somos frente à diversidade do outro –isto posto, não pode atualmente ser entendi-da senão como território da diversidade.

Assim, o seu reconhecimento e a sua prá-tica são fatores positivos que conduzem auma maior abertura para a compreensão dooutro e a sua relação com a natureza o que,conseqüentemente, possibilitará melhoresrelações de tolerância entre os homens euma maior harmonia com o meio ambiente.

Por outro lado, a incompreensão dessesfatores frente às diferenças culturais é fre-qüentemente a causa de enfrentamentos, vi-olência e guerras, muitas vezes justificadosapenas por razões sociais, econômicas ougeopolíticas, subestimando os fatores cultu-rais.

A atividade cultural é integradora, am-plia a capacidade humana de percepção ede inserção social, desenvolve o espíritocrítico e a cidadania, é matéria-prima dossonhos e da memória. No afã de atender àsdemandas humanas, alimenta-se da utopiaque, por sua vez, impulsiona a criatividadee a inovação, podendo tornar-se economi-camente expressiva e desempenhar seu pa-pel decisivo na geração de riqueza e em-pregos.

A cultura na sociedade contemporânease define, acima de tudo, pela pluralidade epela diversidade de aspectos e interfaces,compreendendo-se essa dinâmica aberta àstransformações e à incorporação constantede novos valores.

Toda essa multiplicidade de manifesta-ções culturais, desde que adequadamenteapresentadas, pode influir positivamentepara um melhor reconhecimento da culturatanto do passado como da atualidade, bemcomo possibilitar ao fruidor uma melhorconvivência e confrontação com as produ-ções culturais inovadoras e com as rupturaspróprias das novas linguagens, abrindo umimportante espaço para o estímulo à suaprópria produção.

Por isso, cumpre às políticas públicas, aoreconhecerem as múltiplas potencialidadesda cultura, dar condições e infra-estruturapara atender toda a cadeia de produção, cir-culação, difusão e consumo de bens cultu-rais, permitindo a todo cidadão a ampliaçãoe fruição de bens simbólicos, como tambémo acesso a sua produção.

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Outro aspecto relevante para o desenvol-vimento e a aplicação de políticas culturaisé o que diz respeito às formas de acesso àcultura por seus cidadãos.

Sabendo que os bens culturais são produ-tos do conhecimento, o principal obstáculoà fruição das diferentes manifestações cultu-rais é de natureza simbólica, isto é, um códi-go que necessita de uma alfabetização paraser reconhecido ou revelado.3 Sendo assim,cabe às políticas públicas prever investimen-tos para a ampliação do repertório culturaldos mais diversos setores da população, in-vestimentos estes que só serão viabilizadoscom o estabelecimento de parcerias tantocom órgãos educacionais como tambémcom outras instituições públicas e privadas.

Trazendo estas questões para o universoda museologia, resta evidente o importantepapel que a instituição cultural museu de-sempenha na ampliação do repertório cul-tural dos cidadãos, já que a ela é conferidaa importante função de adquirir, preservar,documentar e comunicar os bens culturais,muitos deles deslocados de seu espaço ori-ginal.

Aos museus, bem como a todas as institui-ções culturais, cabe também estar emsintonia com o pensamento contemporâneode respeito e reconhecimento da diversida-de cultural e social trabalhando a favor nãosomente da comunicação de seus objetosculturais, sob um ponto de vistamulticultural, como também contribuindopara a democratização cultural por meiodos processos de inclusão social.

Dessa forma, a inclusão social aplicada àprática museológica deve conter um focointerdisciplinar abrangendo todas as áreasde trabalho dessa instituição, o que envolve-ria os aspectos educacionais e museográfi-cos (compreendendo desde concepção daexposição até os recursos comunicacionais

de apoio) como também as áreas de pesqui-sa, documentação e conservação.

Por outro lado, ao adotar-se umparadigma inclusivo para a política culturalde um museu, há de se levar em conta a ne-cessidade de um redimensionamento desuas práticas museológicas, o que, na visãode Aidar (2002, p. 60), representa “a adoçãode um posicionamento crítico em relação aelas, o que significa não tomá-las como da-das ou neutras mesmo aquelas que costu-mam ser consideradas assim, como as dedocumentação e conservação. Paralelamen-te, os museus deveriam promover uma de-mocratização interna, evitando as rígidas hi-erarquias de poder e permitindo que diver-sos setores da profissão e do público partici-pem e tenham voz nos processos de tomadasde decisões.”

Deve-se levar em consideração que asafirmações antes apresentadas ampliam asresponsabilidades sociais que a princípio po-diam parecer restritas à área de açãoeducativa do museu.

Partindo do princípio de que ao setoreducativo compete maior parcela de res-ponsabilidade acerca das demandas sociaisnessa instituição, é importante ressaltar queas ações previstas para essa área, mesmo sen-do de crucial importância para a inclusãosocial, não podem ficar restritas às questõesde ampliação da freqüência de diferentes ti-pos de públicos, tarefa esta que conduz à for-mulação de estratégias que requeiram, entreoutras, a eliminação de barreiras para o seuacesso, como as barreiras físicas, sensoriais,financeiras, atitudinais e intelectuais, bemcomo a importante tarefa de criar, preferen-cialmente por meio de parcerias, um envol-vimento desses públicos com essas institui-ções.

Importa, pois, acrescentar a essa impor-tante tarefa – a da inclusão social por meio

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das ações educativas – para além de umamaior acessibilidade às instituições culturais,o desenvolvimento de ações culturais quetenham tanto um impacto político, social eeconômico.”A inclusão social em institui-ções culturais deve ser compreendida comoum passo além do trabalho de desenvolvi-mento de públicos, buscando ampliar suasatribuições e implicações sociais ao provo-car mudanças qualitativas no cotidiano dosgrupos envolvidos. “ (Aidar, 2003, p. 6)

Nesse sentido, a concepção de uma polí-tica cultural para o museu, cujo pensamentoideológico inclui, além das suas funções tra-dicionais, o da responsabilidade social, im-plicará respectivamente em ações interdisci-plinares envolvendo todas as outras áreas deatuação como, por exemplo, as de gerencia-mento de coleções, pesquisa e documenta-ção, que dentro desta concepção, poderiamestar mais abertas à participação de diferen-tes grupos sociais dispostos também a dar asua contribuição nos processos de aquisição,seleção e complementação de pesquisas so-bre os objetos.

A pesquisa e a comunicação museológicadeveriam se preocupar também em ampliara sua rede de informação acerca do patrimô-nio pertencente a sua instituição, adaptandoos conteúdos apresentados aos diversos tiposde públicos, permitindo, dessa forma, queum maior grupo de pessoas tenha acesso aessas informações.

Outro exemplo de atuação interdiscipli-nar pode ser demonstrado no campo daconservação, muito embora nele vigore umacontradição, pois, como observa Aidar(2002, p. 61), “uma de suas tarefas é a de esta-belecer barreiras protetoras entre os objetose o público. Para responder a isso, poderiamser desenvolvidas alternativas para o usocontrolado e supervisionado de certos obje-tos, em contraponto à oposição negativa donão toque, normalmente adotada em mu-

seus, Em termos pedagógicos, procedimen-tos de conservação utilizados em museus eexplicitados poderiam ajudar a promovernos públicos visitantes uma consciência dopapel e importância da preservação.”

Do mesmo modo, o papel do curadortambém deveria ser redimensionado, substi-tuindo sua posição de autoridade definitivapara a de um papel mais flexível permitindoa participação e contribuição de profissio-nais de outras áreas do museu, principal-mente no que diz respeito às preocupaçõespedagógicas de mediação e acessibilidadedos diversos tipos de públicos, para as quaisa parceria compartilhada com os educado-res dessas instituições torna-se fundamental.

Dessa forma, ao se filiar a essa visão con-temporânea da museologia o museu e outrasinstituições culturais terão não somente aconsciência de seu importante papel social,mas também a oportunidade de refletir sobreas suas próprias práticas, repensando perma-nentemente a sua condição de instituiçõespúblicas, fator este diferencial em relação àsconcepções museológicas tradicionais, querestringiam esses espaços de cultura a sim-ples depositários da história, da tradição e dapreservação de seus objetos.

PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEINCLUSÃO DE PÚBLICOS ESPECIAIS EMMUSEUS DO ESTADO DE SÃO PAULO

Isto posto, cumpre discutir, mesmo que ra-pidamente, uma experiência prática. Trata-se, assim, de examinar a metodologia aplica-da durante o desenvolvimento da pesquisada tese da referida autora com o objetivo deavaliar programas de acessibilidade e açãoeducativa inclusiva instrumentalizados pormeio de questionários aplicados em museusdo interior de São Paulo pertencentes ao Sis-tema de Museus do Estado, vinculados à Uni-dade de Preservação do Patrimônio Museo-

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lógico (UPPM) da Secretaria de Estado daCultura.

O estudo de quatro casos, incluindo a aná-lise dos resultados obtidos pelos diagnósti-cos, proporcionou subsídios para a discussãosobre o planejamento de políticas públicasde acessibilidade em museus, para o que, ali-ás, o Programa Educativo Públicos Especiaisda Pinacoteca do Estado de São Paulo4, tam-bém pertencente a UPPM, é referência.

Note-se, mais uma vez, que é preciso nãoperder de vista a perspectiva que alinha estadiscussão, isto é, que as ações não podem serpensadas individualmente, mas, devem serarticuladas a partir de políticas públicas decaráter cultural.

Essa advertência se faz necessária na exatamedida em que se observa que há um grandedistanciamento entre as regulamentações dosetor e sua prática cotidiana. A questão é deordem político institucional, exigindo um tra-tamento desse porte. Pensar o museu comoinstrumento de inclusão do público especialpressupõe tomá-lo como instrumento demacro políticas públicas culturais.

Vê-se, portanto, a viabilidade da concep-ção e aplicação do planejamento conside-rando as diretrizes estabelecidas pelo Siste-ma Estadual de Museus do Estado5, ao pro-mover e incentivar parcerias entre a Admi-nistração Pública com Organizações nãoGovernamentais (ONG’s) e Associações deAmigos de Museus, como forma de amplia-ção, otimização e potencialização de recur-sos técnicos, o que, conseqüentemente, re-sultará na consolidação e melhor articula-ção pública dos programas museológicosdesenvolvidos por essas instituições.

Por isso, e por ter como responsabilidadeoferecer o suporte técnico e operacional parao desenvolvimento da política cultural de 21instituições pertencentes ao Governo do Esta-

do6, a Unidade de Preservação do PatrimônioMuseológico tem priorizado, entre as suas di-versas ações, o desenvolvimento de programasde formação profissional e ações educativas(visando atender uma parcela cada vez maiordo público visitante) nesses museus.

Dessa forma, a UPPM, em parceria com aAção Educativa da Pinacoteca do Estado ecom apoio da Visa do Brasil, deu início, noano de 2006, a um programa de formação deeducadores e profissionais de museus coor-denado pelo Programa Educativo PúblicosEspeciais (PEPE) denominado Programa deFormação em Acessibilidade e Ação Educa-tiva Inclusiva em Museus.

Esse programa inclui cursos de formaçãopara profissionais dos museus convocadospertencentes a UPPM, entre outros museusconvidados, além de assessorias e encontroscom a comunidade nas diversas unidades,tanto da capital como do interior do Estado,capacitando educadores e profissionais parao planejamento e implantação de projetosde acessibilidade e ação educativa inclusiva,como também a conscientização das ques-tões envolvendo a inclusão cultural de pes-soas com deficiência na sociedade.

Paralelamente à realização desse progra-ma, iniciado no mês de Maio de 2006, con-tando com a participação de cinco unidadesmuseológicas convocadas, MHP ÍndiaVanuíre (Tupã), MHP Conselheiro RodriguesAlves (Guaratinguetá), Museu Casa dePortinari (Brodowski), Museu da Casa Brasi-leira e Memorial do Imigrante, os dois últi-mos, localizados na capital, foi realizadopela autora, no primeiro trimestre desse mes-mo ano, quatro estudos de caso em museusdo interior do Estado, com o intuito depesquisar e elaborar um diagnóstico prelimi-nar seguido de um parecer final, referênciasfundamentais para a utilização de um mode-lo de planejamento objetivando a implanta-ção de políticas públicas de acessibilidade às

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instituições pertencentes ao Sistema Estadualde Museus do Estado, bem como a outros Sis-temas ou Redes museais existentes no país.

Avaliação de acessibilidade física esensorial de museus do interior do estado

Para apresentar o estudo de caso, é preci-so explorar os conceitos que fazem com queo tema, acessibilidade em espaços museoló-gicos, seja de relevância dentro de uma polí-tica cultural em consonância com as teoriasda museologia contemporânea.

Segundo a ABNT7, o conceito de acessibili-dade diz respeito à possibilidade e condiçãode alcance, percepção e entendimento paraa utilização com segurança e autonomia deedificações, espaço, mobiliário, equipamen-to urbano e elementos.

Ao enfocar esse conceito sob o ponto devista da museologia, percebe-se que, às ques-tões acima assinaladas, que dizem respeitosomente ao acesso físico das edificações,acrescentam-se outras de caráter atitudinal,cognitivo e social.

Várias publicações, principalmente inter-nacionais, contendo pesquisas relacionadastanto para as áreas técnicas e administrativasde museus, como também descrevendo ava-liações realizadas por públicos especiais fre-qüentadores das instituições, apresentadasna forma de guias de acessibilidade museo-lógica8, enfatizam que a responsabilidadedos museus nos processos de inclusão sócio-cultural deve ir além dos aspectos físicos,isto é, da eliminação das barreirasarquitetônicas dos edifícios, espaços de cir-culação e da montagem das exposições.

Entre essas publicações, destaca-se a edi-ção Temas de Museologia: Museus e Acessi-bilidade do IPM - Instituto Português de Mu-seus (2004) que destaca: “Acessibilidade éaqui entendida num sentido lato. Começa

nos aspectos físicos e arquitectónicos –acessibilidade do espaço – mas vai muitopara além deles, uma vez que toca outrascomponentes determinantes, queconcernem aspectos intelectuais e emocio-nais, acessibilidade da informação e doacervo. (...) Uma boa acessibilidade do espa-ço não é suficiente. É indispensável criarcondições para compreender e usufruir osobjectos expostos num ambiente favorável.(...) Para, além disso, acessibilidade diz res-peito a cada um de nós, com todas as rique-zas e limitações que a diversidade humanacontém e que nos caracterizam, temporáriaou permanentemente, em diferentes fasesda vida.”9

É importante também frisar que o museudeve refletir para além do modelo médico– que define a deficiência como condição aser curada, algo patológico de responsabili-dade do indivíduo e que deve se possível,ser superado para que o indivíduo possa setornar uma pessoa normal – o modelo soci-al – que reconhece que é a sociedade, e nãoo indivíduo com deficiência, responsávelpela criação de barreiras e cabe, portanto, aela eliminá-las dando plenas condiçõespara que todos possam nela atuar e partici-par.10

Ao se conceber uma política cultural quetenha como diretriz o compromisso de asse-gurar ações que vão de fato ao encontro dasnecessidades e interesses dos diferentes pú-blicos, em especial os públicos com necessi-dades especiais, mostrando-se adequadasaos seus limites e capacidades, deve-se,como pressuposto, dispor-se de instrumentosde avaliação dirigidos às questões de acessi-bilidade para que o resultado da avaliaçãopossa definir as metas e estratégias cujos ob-jetivos sejam o de melhorar as condições deacesso e acolhimento do museu, como tam-bém abrir espaço para novas possibilidadesde leitura e uma participação mais efetivadessas pessoas nas exposições.

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É claro, também, que a concretização dasmetas incluem as mudanças de mentalidadee atitudes dos profissionais de museus, tantono que se refere ao conhecimento e consci-entização das necessidades do público alvo,como o de se propor projetos dentro de umaperspectiva inclusiva, baseados em uma di-nâmica de trabalho mais flexível, o que pres-supõe um trabalho de equipe mais sistemáti-co e dialogante entre os vários profissionaisenvolvidos - museólogos, pesquisadores,educadores, arquitetos, entre outros - não seesquecendo também, da importante partici-pação de pessoas com deficiência, órgãos einstituições que as representam.

Compreende-se, portanto, que ao se pre-tender elaborar um diagnóstico sobre acessi-bilidade em espaços museológicos, há de seter como parâmetro a eliminação de diver-sas barreiras que levem em consideraçãotanto os aspectos físicos, sensoriais, cogniti-vos como atitudinais, especificados a seguir:

Barreiras Físicas

Os espaços museológicos são em geralprojetados e concebidos de forma padroni-zada, não levando em consideração as varia-ções físicas, intelectuais e eventuais outrasdiferenças existentes entre os indivíduos,como por exemplo, as diferentes idades, al-turas, os diversos níveis cognitivos assimcomo os diversos graus de comprometimen-to da mobilidade física que afetam as pessoasem um ou outro momento da sua vida. Osinúmeros obstáculos presentes em um espa-ço público prejudicam a circulação, utiliza-ção dos serviços disponibilizados, conforto,bem-estar e fruição do espaço museológicopor parte do público com comprometimen-tos em sua mobilidade física, temporária oupermanente. Além disso, grande parte dosedifícios que abrigam museus são constru-ções antigas, muitas delas tombadas pelo pa-trimônio histórico nacional, o que dificultaainda mais a realização de reformas e adap-

tações visando à eliminação das barreirasarquitetônicas. Nos museus, os obstáculospodem se iniciar no lado externo do edifí-cio, nas entradas e saídas, continuar na cir-culação interna vertical (escadas e falta dealternativas às escadas), horizontal (corredo-res, vãos portas, dificuldades para efetuarmanobras, manusear botões, maçanetas ouequipamentos, pisos escorregadios ou alturainadequada de balcões e mesas) e se comple-tar com a má localização dos objetos emexposição (colocados em painéis, vitrines ebases com iluminação e altura inadequadasou expostos de forma a facilitar acidentes).

Barreiras Sensoriais

As barreiras sensoriais dizem respeito àsquestões comunicacionais, isto é, o acesso àinformação, que deve se iniciar desde a fa-chada de entrada do museu com orienta-ções e indicações sobre os espaços existentes(guichês, balcões de informações, banheiros,lojas, restaurantes, biblioteca, espaços admi-nistrativos e expositivos).

Quanto aos aspectos de comunicação es-crita, visual e áudio-visual das exposições(etiquetas, textos, vídeos, fotografias,multimídia e áudio-guias), devem-se levarem consideração as diferenças de altura e decompreensão visual e intelectual dos visitan-tes, sendo este último, muito importante,pois consiste em diferenciar o nível de per-cepção e compreensão de obras e objetosexpostos.

A maioria das exposições emprega textoscom linguagem especializada e complexa,partindo do princípio segundo de que todosos visitantes terão condições de lê-los ecompreendê-los. Uma exposição de caráterinclusivo deverá, portanto, oferecer o mes-mo conteúdo adaptado aos diferentes níveisde compreensão e leitura e, no caso de pes-soas com deficiências sensoriais (auditivasou visuais), adaptar os textos para a escrita

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Braille assim como na projeção de vídeos,adicionar legendas ou imagens com intér-pretes de língua dos sinais.

Ao se conceber uma exposição, importatambém prever que muitos públicos terão li-mitações de visão ou de compreensão dalinguagem oral e/ou escrita, o que levará ànecessidade de incluir objetos, caixas senso-riais, jogos ou equipamentos interativos. “Es-sas opções, essenciais para alguns, serãoaproveitadas por todos, porque a comunica-ção pode estabelecer-se de forma mais com-pleta e enriquecedora: as pessoas passam aescolher entre ler e ouvir a informação, en-tre simplesmente ver ou ver e tocar umobjecto.” 11

Outro fator importante diz respeito às opi-niões e recomendações feitas pelo própriopúblico especial, que deve ser ouvido fre-qüentemente, pois é para ele que adaptaçõesa serem realizadas nas exposições se desti-nam. Nas avaliações sobre a freqüência depúblicos especiais apresentadas nas publica-ções consultadas, bem como, nos comentári-os e avaliações informais do público alvoparticipante do Programa Educativo Públi-cos Especiais da Pinacoteca do Estado, sãoenfatizados os resultados positivos obtidospela utilização de recursos de apoio multis-sensoriais, bem como todas as formas demediação, direta ou indireta, elaboradas nosprojetos de comunicação museológica dosmuseus, o que também se comprova nos re-latos de experiências e preferências aponta-das pelos públicos especiais, principalmentepessoas com deficiências visuais, participan-tes das pesquisas realizadas nos museus aus-tralianos (Australian Museum e NationalMuseum of Austrália):”Foi detectado que ex-periências táteis ou multissensoriais melho-ram significativamente a experiência no mu-seu, oferecem maior acessibilidade ao con-teúdo expositivo e representam uma partemuito agradável da visita. Para os cegos oupara aqueles que possuem baixa visão, essas

experiências representam o principal méto-do de acessar uma exposição. Participantescom essas deficiências aproveitam muitoquaisquer oportunidades de tocar objetos(ou réplicas) e sentem que isso faz uma visitaao museu valer à pena.”12

Barreiras Atitudinais

Como se afirmou anteriormente, as barrei-ras atitudinais estão intrinsecamente relacio-nadas com as questões da inclusão das pes-soas com deficiência na sociedade e conse-qüentemente com a necessidade da consci-entização dos indivíduos da necessidade dese obter um maior conhecimento e convíviocom as diferenças físicas e sensoriais dos se-res humanos.

Em outras palavras, conviver com a di-versidade é tratar todo ser humano comdignidade. Por esse princípio é que as insti-tuições museológicas devem se pautar, ori-entando todas as ações nelas desenvolvidas.Para que essa atitude seja a de todos os fun-cionários da instituição, é preciso promo-ver encontros de sensibilização e conscien-tização sobre as diferenças existentes na so-ciedade em geral, e, em particular, dentroda comunidade das pessoas com deficiên-cias orientando-os sobre como se relacio-nar, conduzir e orientar esse público alvodentro da instituição.

As diversas áreas e equipes de trabalhodevem ter também uma postura inclusiva aodesenvolver seus projetos e atividades, den-tro de suas especificidades, sendo que, essapostura permitirá uma maior flexibilidadede projetos interdisciplinares e conseqüente-mente a uma melhor otimização edinamização de ações favorecendo tanto osprofissionais envolvidos como a instituiçãocomo um todo. Ao considerar a relação e adinâmica profissional dentro do processo deinclusão social, cabe a toda instituição cultu-

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ral incluir também em seu quadro de funcio-nários, profissionais com deficiências.

As questões atitudinais inerentes às insti-tuições museológicas perpassam o públicovisitante, tanto geral como aquele com ne-cessidades especiais. Uma política culturalinclusiva deve ser perceptível a todos os visi-tantes - as questões de acessibilidade físicados espaços e equipamentos, a forma de co-municação desses espaços e dos conteúdosdas exposições e, finalmente, as atitudes detodos os seus funcionários.

Para tanto, é necessário também conside-rar as necessidades e recomendações apon-tadas pelo público alvo, convidando-os a fa-zer parte de comissões e assessorias, além deoferecer outras oportunidades, não somentede freqüentar e usufruir as exposições, comotambém de poder participar de eventos eoutras programações adaptadas.

O museu pode ampliar essas ações ofere-cendo cursos de formação ou orientaçõesaos profissionais, parentes e acompanhantesdas pessoas com deficiências, com o intuitode melhorar sua participação e fruição nes-sas instituições.

Para finalizar, cumpre não perder de vistaque a igualdade entre as pessoas é direito detodos e que se concretiza mediante políticasque, ao tratar a todos igualmente, reconheçatambém as suas diferenças, oferecendo asoportunidades necessárias para que todospossam desenvolver as suas potencialidadese serem atendidos em suas necessidadestambém como cidadãos independentes.

O museu tem também a missão social defazer o seu espaço um espaço da diversida-de, onde as diferenças sejam respeitadas e odireito de usufruir do patrimônio cultural édado a todos. Essa questão entreabre abreuma reflexão polêmica, pois, para muitaspessoas, a institucionalização da regra de

não se tocar em obras e objetos, por questõesde segurança e preservação do patrimônio,quando não limita, impede - as de usufruirtotalmente dos espaços museológicos.

Nas diversas avaliações, entrevistas e pes-quisas realizadas com públicos especiais13,constatou-se que o acesso, a independênciae a escolha são os pontos chaves mais valori-zados. Isto quer dizer que, como qualquer vi-sitante, as pessoas com necessidades especi-ais querem fazer valer o seu direito à auto-nomia, assim como procurar os serviços deatendimento especializado quando lhesconvir. O direito à escolha tem sido recla-mado pelo público freqüentador dos mu-seus e é um fator importante para aefetivação de mudanças sensoriais eatitudinais. Da mesma forma, esse públicoquer opinar quanto ao conteúdo das diretri-zes elaboradas pelas políticas culturais dasinstituições, que demandamreestruturações em todas as áreas museoló-gicas, principalmente na área comunicaci-onal. Aliás, a área comunicacional é a quetem por função conceber exposições basea-das no modelo emergente, baseadas empropostas mais interativas com os objetos ecom os diferentes níveis de informação so-bre os conteúdos nelas apresentados, ao le-var em consideração os diversos graus decompreensão e de diversidade dos públicosvisitantes.

Entre as muitas respostas dos públicos es-peciais a esse respeito, destaca-se a pesquisapublicada na edição Museus e Acessibilidadeda coleção Temas de Museologia do InstitutoPortuguês de Museus, relatando um impor-tante aspecto de ordem atitudinal da políticacultural do museu, ao oferecer uma maiorvariedade de opções de escolha e formas departicipação desses públicos. “Os espaços eequipamentos para uso público devem estarsempre disponíveis, independentemente dosdias da semana ou da presença de um deter-minado funcionário . No caso específico dos

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museus, as pessoas com deficiência devempoder efectuar a sua visita sozinhas sem anecessidade de marcação prévia e não de-pender de grupos especialmente organiza-dos. O visitante deve-se sentir bem-vindo emqualquer altura, e não estar sujeito a um ser-viço que lhe é disponibilizado extraordinari-amente.”14

Por outro lado, observam-se também pes-soas com necessidades especiais, principal-mente com deficiências auditivas e mentais,apontando a sua preferência por visitas ori-entadas por educadores, metodologia de tra-balho que melhor disponibilizaria as infor-mações e conhecimentos, podendo tambémproporcionar, na mesma ocasião, um bommomento de convívio social e lazer.

Entretanto, as pessoas favoráveis a essetipo de visita fazem uma recomendação per-tinente - que os educadores selecionadospara essas atividades sejam capacitados, atu-ando com experiência no relacionamento ereconhecimento das necessidades e especifi-cidades para cada tipo de público e da natu-reza de sua limitação. Optam também porvisitas organizadas com um número restritode participantes. Há ainda aquelas que prefe-rem que essas visitas sejam realizadas forados horários regulares de abertura do museu,ou mesmo, em horários em que esses espa-ços estejam menos movimentados.

Essas considerações nos dão as referênciasnecessárias para o planejamento de uma fi-cha diagnóstico cuja função é a de orientar eidentificar barreiras de acessibilidade anali-sando e definindo as metas para a implanta-ção de políticas culturais inclusivas nas insti-tuições.

Ficha diagnóstico

Os principais objetivos para a concepçãoe aplicação de um diagnóstico são os de po-der “identificar pontos fortes e fracos na es-

trutura e no funcionamento da organização,compreender a natureza e as causas dos pro-blemas ou desafios apresentados; descobrirformas de solucionar esses problemas; e me-lhorar a eficiência e eficácia organizacio-nais”, como informa Almeida (2005, p. 53).

Uma ficha diagnóstico deve conter, portan-to, todos os dados relevantes que deverão sercoletados, como forma de se obter o maiornúmero de elementos que servirão como sub-sídio para a elaboração de um projeto a serimplantado em uma determinada instituição.

No caso das instituições museológicas e,mais especificamente, de projetos para im-plantação de programas de acessibilidades eação educativa inclusiva, todos os dados a se-rem coletados deverão estar baseados nos as-pectos físicos, sensoriais e atitudinais, comoforma de identificar barreiras e as ações ne-cessárias para minimizá-las e/ou suplantá-las.

A coleta de dados deverá ser realizada, pre-ferencialmente, por profissionais pertencen-tes à instituição ou por um profissional espe-cializado em realizar auditorias nessa área,sendo, portanto, muito importante a experi-ência, vivência ou vinculação desse responsá-vel na instituição, já que caberá a ele coorde-nar o diagnóstico desde a sua aplicação até aanálise e interpretação desses dados.

Para a apresentação dos estudos de casodesenvolvidos nesta pesquisa, foram analisa-das fichas diagnósticos sobre acessibilidadeaplicadas em museus portugueses e australi-anos, bem como o estudo de caso sobre Aná-lise da Acessibilidade na Pinacoteca do Esta-do de São Paulo apresentado na tese de dou-torado da arquiteta Maria Elisabete Lopes(FAU-USP). Foi incluído também um questio-nário elaborado pela autora deste artigo, sín-tese das análises desenvolvidas em sua dis-sertação de mestrado, aplicado em cursos deformação para profissionais de museus, mi-nistrados em diversas instituições do país.15

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Esses documentos, assim como as visitastécnicas feitas aos quatro museus paulistasselecionados, resultaram na concepção deuma ficha diagnóstico adaptada à realidade,bem como às necessidades mais prementesidentificadas nessas instituições, cujos dadosprincipais sobre as questões de acessibilida-de museológica são descritos no seguintequadro:

Estudos de caso

Os estudos de caso apresentados a seguirforam realizados pela autora nos seguintesmuseus do interior do Estado de São Paulo:

1. Museu Casa de Portinari – Brodowski

2. Museu Histórico e Pedagógico (MHP)Bernardino de Campos – Amparo

3. M. H. P. Conselheiro Rodrigues Alves -Guaratinguetá

4. M. H. P. Índia Vanuíre – Tupã

O critério de seleção desses museus obe-deceu às indicações feitas pela DiretoraTécnica do Grupo de Preservação do Patri-mônio Museológico, Beatriz Augusta Correada Cruz, por considerar que essas institui-ções, pela relevância de seus acervos e desua articulação cultural com a comunidadelocal, poderão atuar como futuros pólosmultiplicadores de programas de acessibili-dade e ação educativa inclusiva em outrosmuseus, principalmente aqueles credencia-dos pelo Sistema de Museus do Estado deSão Paulo.

Além do critério acima apresentado, foiacrescentado também o critério da localiza-ção dos museus, situados em pontos estratégi-cos das regiões oeste, norte e leste do Estado.

A aplicação da ficha diagnóstico, realizadadurante as visitas técnicas da autora aos locaispré-determinados, acompanhada pelos dire-tores ou coordenadores das referidas institui-ções, consistiu primeiramente em um levan-tamento, compreendendo barreiras físicas esensoriais existentes nos espaços museológi-cos, atendimentos regulares ocorridos nos úl-timos anos com públicos especiais, bemcomo outras formas de atividades, contatosou parcerias realizadas com instituiçõeseducativas ou especializadas visando o aten-dimento desse público alvo nos museus.

A partir do levantamento preliminar, ini-ciou-se a coleta dos dados, incluindo docu-mentação fotográfica, finalizada por uma reu-nião de avaliação com a equipe do museu oucom o profissional responsável pelo acompa-nhamento da pesquisadora no museu.

Todo o material colhido foi concluído porum parecer, entregue à diretora técnica doGrupo de Preservação do Patrimônio Muse-ológico, assim como uma avaliação quanti-tativa baseada nos resultados obtidos entre asquatro instituições, com o objetivo de escla-recer a situação atual em que se encontra-vam as questões de acessibilidade dessas ins-tituições, como forma de estabelecer metas eprioridades para implantação de programasde acessibilidade, principalmente nos mu-seus do interior do Estado, pertencentes aessa Unidade.

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FICHA DIAGNÓSTICO(Síntese)

ACESSIBILIDADE FÍSICA E SENSORIALDE MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS

I. ACESSIBILIDADE FÍSICA

ÁREAS EXTERNAS Estacionamento

Sinalização

Pátios

Jardins

ENTRADAS E SAÍDAS Acesso Principal

Acesso Secundário

CIRCULAÇÃO INTERNA Circulação Horizontal

Circulação Vertical

Equipamentos

EXPOGRAFIA Circulação

Iluminação

Apresentação de obras e/ou objetos

Segurança

II. ACESSIBILIDADE SENSORIAL

PROGRAMAÇÃO AUDIOVISUAL Informações

Textos/Imagens

Legendas/Etiquetas

Multimídia

AÇÃO EDUCATIVA INCLUSIVA Indireta Recursos e Percursos Multissensoriais

Reproduções Bi e Tridimensionais

Direta Visitas Orientadas

Cursos de Formação

Conscientização Funcional

Assessorias

Parcerias

Avaliações

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

CLASSIFICAÇÃO DE Adequado

ACESSIBILIDADE DO Adaptado

MUSEU OU INSTITUIÇÃO Adaptável

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Avaliação de Acessibilidade Física eSensorial de Museus

Orientando-se pelos dados proporciona-dos pelas fichas diagnóstico, como tambémdas avaliações quantitativas contendo os re-sultados individuais e comparativos dos qua-tro museus selecionados, foi possível elabo-rar uma avaliação qualitativa das condiçõesde acessibilidade existentes nessas institui-ções, apontando, nos itens relacionados àsbarreiras físicas, sensoriais e atitudinais, quaissão os pontos fortes e os pontos fracos, sendoque esses últimos receberão maior atençãonos projetos de acessibilidade que deverãoser implantados.

Enfim, a ficha diagnóstico pode ser consi-derada também como um guia de acessibili-dade em museus, cuja função é a de servir àsmais diversas instituições, como forma daelaboração de planejamentos de programasde acessibilidade individuais ou em rede.

No caso específico dos museus avaliados,obteve-se em escala decrescente de nível deacessibilidade16 a seguinte relação:

- Museus com maior índice de acessibili-dade – Museu Casa de Portinari e M.H.P.Índia Vanuíre;

- Museus com menor índice de acessibili-dade – M.H.P. Bernardino de Campos eM.H.P. Conselheiro Rodrigues Alves.

Deve-se levar em consideração, porém,que os resultados do diagnóstico que se ex-traem dos estudos de caso realizados nãoserá completo se não transcender o exameindividualizado das questões de acessibilida-de de cada uma das instituições.

Com efeito, a análise dos trabalhos empre-endidos pelos quatro museus citados mostralimitações em termos de ação coordenada eprogramada, capaz de denotar um sistema

integrando os diferentes museus. Realmente,o que se percebe é um agir isolado, depen-dente de eventuais virtudes de pessoas deter-minadas. As carências são compreendidasnos limites isolados de cada um dos museus.É curioso notar que os reclamos (verbas, pes-soal especializado etc.) dos responsáveis pe-los diferentes museus sempre são deduzidosna perspectiva das necessidades deste ou da-quele museu específico e isto porque não setem uma visão abrangente, seja do trabalho aser realizado, da área física a ser coberta, dopúblico a ser alcançado.

Do ponto de vista institucional (regula-mentação dos museus no Estado de São Pau-lo), é nítida a preocupação em estruturar umsistema que opere como tal. Sucede, no en-tanto, como assinalado anteriormente, quena prática esse sistema não existe, não, pelomenos, na sua plenitude. O porquê dissotoca diretamente no cerne deste artigo. Oque de fato possibilita que o sentido dos tex-tos normativos e regulamentares passe paraa prática das estruturas é um conjunto coor-denado de ações e programas que de formaplanejada dinamize as instituições existen-tes. O que dá real sentido à norma regula-mentar é uma política pública que sirva deorientação para o agir institucional e seus res-ponsáveis. Em não havendo essa orientação,o que de fato passa a prevalecer é umvoluntarismo, muitas vezes animado pela me-lhor das intenções, mas que, em termosgerenciais, é de reduzidíssima eficácia. Even-tualmente haverá um ou outro museu que,mercê dos préstimos de seu dirigente e deseus quadros técnicos, tenha um bom desem-penho, transformando-se em ilhas de exce-lência. Mas, definitivamente, não se tratará deuma regra e sim de uma excepcionalidade.

Cabe, portanto, à Secretaria da Cultura e àUnidade de Preservação do Patrimônio Museo-lógico (UPPM), diante do quadro apresentado,priorizar a formulação de políticas públicas cul-turais que objetivem a inclusão do público espe-

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cial, políticas essas que ao mesmo tempo orien-tarão seus quadros profissionais, segundo os cri-térios museológicos de gestão adequados à fun-ção do museu, investindo em questões comuni-cacionais, de capacitação funcional, preserva-ção e proteção do patrimônio.

PLANEJAMENTO DE “POLÍTICAS PÚBLICAS DEACESSIBILIDADE E AÇÃO EDUCATIVA EM MU-SEUS DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Introdução

Agora, é preciso cuidar da apresentaçãode uma proposta de concepção de políticaspúblicas culturais de inclusão social de pú-blicos especiais a partir de planejamento, se-guindo o modelo de rede, tendo em vista aimplantação de políticas públicas de acessi-bilidade e ação educativa inclusiva em mu-seus, tema que vem sendo explorado ao lon-go desta pesquisa a partir do reconhecimen-to do importante papel sócio-cultural que osmuseus e instituições culturais têm na atuali-dade, de acolher adequadamente os diferen-tes tipos de públicos e, especialmente, os pú-blicos com necessidades especiais.

Para isso, no entanto, é necessário apre-sentar algumas considerações, iniciais a res-peito de gestão sistêmica ou em rede, comotambém a metodologia a partir da qual aproposta estará sendo estruturada.

Retomando as palavras de Bruno17, ao afir-mar a necessidade da implantação de novosmodelos de gestão para os museus, conside-rando a multiplicação de suas potencialida-des de articulação pública, há de se conside-rar que a inclusão de modelos sistêmicos ouem rede muito contribuirá para amuseologia contemporânea, modelos quenão podem deixar de ser adotados ao se pre-tender desenvolver uma proposta relaciona-da com programas de acessibilidade e açãoeducativa inclusiva nessas instituições.

Bruno analisa o modelo de gestão museo-lógico baseado em sistemas ou redes comosendo “uma proposta metodológica parapropor, realizar, e avaliar os distintos proce-dimentos museológicos de salvaguarda(conservação e documentação) e comunica-ção (exposição e educação/ação cultural)das referências patrimoniais, coleções eacervos, a partir dos princípios de cadeiaoperatória, de reciprocidade entre ações téc-nicas, científicas e administrativas e, especi-almente, no que tange ao alcance do enqua-dramento patrimonial.”18

Fica claro, portanto, que, ao se optarpor esse modelo, as instituições museoló-gicas terão como objetivo a busca por ex-celência técnica e maior agilidade admi-nistrativa, o que resultará no aprimora-mento dos serviços prestados por essasinstituições.

Assim, como ressalta Bruno19, “as redes eos sistemas têm grandes atributos no que serefere à gestão. São metodologias apoiadasna reciprocidade, na solidariedade, na parti-lha e na articulação, o que vem contribuirsignificativamente para o amadurecimentodas instituições”.

No entanto, é importante destacar queesse novo modelo de gestão tem sido consi-derado mais um desafio para a museologiacontemporânea, pois envolve uma nova po-lítica de dinamização em vista de um mes-mo objetivo, respeitando, porém, a diversi-dade própria de cada instituição.

Exemplos dessas iniciativas já podemser vistas, na proposta de implantação doSistema Brasileiro de Museus, Sistema deMuseus do Estado de São Paulo, SistemaMunicipal de Museus (São Paulo), SistemaEstadual de Museus (SEM - Rio Grande doSul), no SIM - Sistema Integrado de Museus(Pará), e também na Rede Portuguesa deMuseus (RPM).

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Porém, em se tratando do planejamento depolíticas públicas de acessibilidade e açãoeducativa em museus, tendo como referênciaos museus do interior do Estado, pertencentesao Sistema de Museus, vinculado a UPPM daSecretaria de Cultura de São Paulo, torna-seimperativo conhecer os seus eixos de ação,assim como os objetivos por ele propostos.

Para Silvia Alice Antibas, coordenadorada Unidade de Preservação do PatrimônioMuseológico (UPPM), “o Sistema de Museusdo Estado de São Paulo já existe desde a dé-cada de 80. Inicialmente concebido comoórgão fomentador da política de museus,está sendo reestruturado atualmente comuma proposta de articulador de políticas pú-blicas na área, com foco em quatro vertentesprincipais: informação, formação, apoio téc-nico e certificação. Estas quatro linhas deatuação abrangem todas as tipologias, ori-gens e filiação dos museus, já que são ações“macro”, de política pública, e com um focomuito grande nas necessidades do interiorpaulista. Os museus da capital, alguns dequalidade indiscutível, terão participaçãoimportante e servirão de base e modelo.”20

A autora citada apresenta também os prin-cipais objetivos do Sistema, como sendo “ode implantar programas que estabeleçampadrões mínimos de desempenho para asinstituições e estimulem o seu constanteaperfeiçoamento, habilitando-os inclusive areceber recursos públicos e ter credibilidadepara obter patrocínios privados.”

Silvia Antibas julga que o Sistema de Museusdo Estado terá mais fôlego para desempenhar assuas funções de órgão articulador e centralizar assuas ações nas políticas públicas na exata medi-da em que se promova a progressiva implanta-ção do novo modelo de administração das insti-tuições culturais, as Organizações Sociais.

Dessa forma, fica patente a possibilidadede incluir nesse Sistema uma proposta arti-

culadora de políticas públicas de acessibili-dade e ação educativa inclusiva, em concor-dância com os objetivos acima apresentadose que possa atuar, segundo o modelo derede21, isto é, desenvolvendo ações de infor-mação, formação, apoio técnico ecertificação de museus (aqui exemplificadospor uma rede de museus estatais do interiorpaulista), mas com total abertura para seraplicado e adaptado a qualquer rede de mu-seus, públicos ou privados, pertencente àsregiões ou estados do Brasil.

Planejamento de Políticas Públicas

O exame de uma proposta de planeja-mento em rede com o objetivo de implantarPolíticas Públicas de Acessibilidade e AçãoEducativa Inclusiva em Museus do interior doEstado de São Paulo exige que se apresente,primeiramente, a metodologia que a orienta-rá, tendo em vista as etapas que deverão serseguidas, seu acompanhamento e avaliação,assim como as mudanças e adaptações ocor-ridas durante e ao final do processo.

Segundo Almeida (2005, p. 2):”O planeja-mento não é um acontecimento, mas umprocesso contínuo, permanente e dinâmico,que fixa objetivos, define linhas de ação, de-talha as etapas para atingi-los e prevê os re-cursos necessários à consecução desses obje-tivos. Com a incorporação dessa prática, re-duz-se o grau de incerteza dentro da organi-zação, limitam-se ações arbitrárias, diminu-em-se riscos ao mesmo tempo em que se dárentabilidade máxima aos recursos, tira-seproveito de oportunidades, com a melhoriada qualidade de serviços e produtos, e ga-rante-se a realização dos objetos visados.”

Ao iniciar, portanto, a estrutura de organi-zação de um planejamento, adequado àsquestões de acessibilidade e ação educativainclusiva em museus, foram consideradas asseguintes etapas que definem esse processo22:

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1. O objeto a ser estudado e o objetivodesse estudo;

2. O diagnóstico: coleta de informaçõesque dará subsídio ao processo de avali-ação do objeto;

3. O plano de ação: estruturado a partirdas diretrizes traçadas pelas políticaspúblicas dos órgãos competentes (Siste-ma de Museus do Estado, UPPM e Se-cretaria de Estado);

4. A definição de metas e prioridades: pre-visões futuras, decisões sobre fins, meiose recursos;

5. A implementação do plano: formas deacompanhamento tendo em vista àconsecução dos objetivos traçados e;

6. A avaliação: processo que acompanhatodas as etapas do planejamento (rela-ção de interdependência) contribuindoinclusive para a implementação e ela-boração de novos objetivos e metas en-volvendo essas ações.

- Etapas do Planejamento23

É também importante ressaltar que o pla-nejamento faz parte das diretrizes de umapolítica cultural da instituição e dos órgãos aela subordinados e deverá estar não somentede acordo, como também compartilhar essasdiretrizes.

Sendo assim, ao definir a aplicação destaestrutura de planejamento, para comporuma rede de acessibilidade e ação educativainclusiva os quatro museus diagnosticadosno estudo de caso desta pesquisa, optou-se,além das bases previstas pelas diretrizes doSistema Estadual de Museus, pelas fontes re-ferentes ao projeto de implantação da RedePortuguesa de Museus criada no ano 2000pelo IPM24 (Instituto Português de Museus).25

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exame das experiências dos quatro mu-seus do interior paulista – Museu Casa dePortinari, MHP Bernardino de Campos, MHPConselheiro Rodrigues Alves e MHP ÍndiaVanuíre – permite concluir que é perfeita-mente possível acreditar no desenvolvimen-to de políticas públicas de acessibilidade einclusão de públicos especiais em museus.As quatro instituições, cada qual a sua ma-neira, revelam, ao mesmo tempo, carênciasem termos de acessibilidade e capacidadede superá-las.

As políticas públicas, por sua vez, não po-dem prescindir de ações planejadas e a suaarticulação, potencialização e otimizaçãopressupõem uma rede de acessibilidade inte-grada por museus e por profissionais com afunção de formar, capacitar, acompanhar, di-vulgar e avaliar permanentemente os pro-gramas de acessibilidade, desenvolvidos nasinstituições, além de obter os recursos neces-sários para os apoios técnicos, a implemen-tação dos programas envolvendo as diversasáreas museológicas, em especial no queconcerne ao campo da comunicação, assim

FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1FIGURA 1

Etapas do PlanejamentoFonte: adaptação Alfonso Ballestero a partir de Almeida (2005 p. 9-10).

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como a ampliação do quadro de profissio-nais técnicos e especializados.

Dois pontos precisam aqui ser destacados.Primeiramente, quando se fala de planeja-mento, é preciso não perder de vista que ocaráter técnico especializado da ação deplanejar não pode comprometer a dimensãopolítica inerente ao objetivo que se pretendeatingir, isto é, a inclusão social de públicosespeciais. Em segundo lugar, a rede de aces-sibilidade que se propõe tem esse papel fun-damental de permitir compreender a políti-ca pública específica que ela está desenvol-vendo desde uma perspectiva macroscópi-ca, sem perder, contudo, de vista as exigênci-as locais e específicas de cada instituição.

Por outro lado, em função das análises ereflexões feitas durante o desenvolvimentodesta pesquisa, fica evidente que as diretrizesapresentadas pelo Sistema Estadual de Mu-seus do Estado demandam ainda, na sua to-talidade, um esforço maior para serem pos-tas em prática, promovendo um conjuntomais coordenado de ações e programas, oque, no caso de ações dirigidas às questõesde acessibilidade e inclusão de públicos es-peciais em museus estatais, permite de fatoinstituir uma política de acessibilidade per-manente envolvendo o edifício, seus espa-ços, serviços, atendimento ao público e aformação de todo o corpo de funcionários.Essa estrutura deverá estar permanentemen-te articulada e sustentada por uma rede deimplantação e qualificação em acessibilida-de26, subordinada à Unidade de Preservaçãodo Patrimônio Museológico da Secretaria deEstado da Cultura de São Paulo.

A rede de implantação e qualificação emacessibilidade não precisará se restringir aosmuseus do interior e da capital paulista, po-dendo, ao contrário, ir além, para, seguindoas diretrizes do Sistema de Museus do Esta-do, acolher também outras entidades muse-ológicas.

Note-se que os conceitos de rede museoló-gica e de inclusão social dialogam perfeita-mente entre si, primeiro porque a noção derede não deixa de trazer em perspectiva oatuar cooperativo, solidário, articulado e es-pecialmente flexível, isto é, capaz de rompero dogmatismo das visões próprias do isola-mento em que não raro e comodamente seposicionam as diferentes áreas do processomuseológico. Essa flexibilidade tambémocorrerá a partir de outro eixo, aquele queinterliga o museu com os seus diferentes ti-pos de público. É absolutamente fundamen-tal ter presente essa perspectiva, porque per-mite que o discurso competente dos profissi-onais tenha sempre em vista as reais necessi-dades do público, aquele que tem no patri-mônio cultural do museu um poderoso ins-trumento de compreensão de sua própriahistória.

Em segundo lugar, o conceito de redemuseológica instrumentaliza a inclusão soci-al, que há de ser a opção política primordialacreditando que a política de compreensãodo museu como engrenagem de um sistemamaior decorre de uma opção política clara,pela afirmação de direitos fundamentais dapessoa humana.

Por outro lado, quando se afirmou, noinício deste texto, que seu objetivo maiorera confirmar a tese de que é possível emesmo politicamente fundamental que omuseu e o patrimônio cultural nele presen-te sejam tomados como instrumentos depolíticas públicas culturais de inclusão soci-al de públicos especiais, seja no plano indi-vidual de uma instituição determinada, sejaespecialmente no contexto de um conjuntosistêmico de instituições públicas (estatais)e/ou privadas, o que se buscava era exata-mente pensar um conceito de rede de im-plantação e qualificação em acessibilidadeque possibilitasse um sentido deorganicidade ao atuar nas instituições mu-seológicas.

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ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 133

Por certo que as dificuldades estruturaise funcionais que acometem o Estado brasi-leiro representam um enorme obstáculo.Todavia, a busca de sua superação, com aconstrução de um verdadeiro ambiente re-publicano, não necessariamente estatal,marcado profundamente pelo interessepúblico, também tem correspondido à his-tória deste país, tensão que, no limite, temseu sentido positivo na exata medida emque se compreenda que a dinâmica socialé alimentada não exclusivamente peloconsenso. É curioso notar que os própriostextos que regulamentam os museus no Es-tado de São Paulo afirmem a necessidadede um atuar sistêmico, orientado pormacro políticas culturais.

Mais uma vez, a noção de rede de implan-tação e qualificação em acessibilidade deno-ta uma enorme utilidade funcional por abrir-se ela para a própria sociedade civil e suasorganizações sociais. Esse tema é fundamen-tal. Realmente, quando do início deste traba-lho se afirmou a enorme dificuldade opera-cional de pensar a inclusão social, enquantosubstrato de políticas públicas culturais,como parte da agenda positiva do Estado, oencaminhamento proposto foi no sentido deque o espaço público não é obra exclusivado Estado.

É importante neste momento retomar aidéia de que uma ação cultural, particular-mente aquela que tenha por objetivo a inclu-são social, somente se viabilizará se decorrerde uma articulação dos espaços culturais,público (estatal) e privado. Afinal, o espaçopúblico não é uma questão de Estado, masda sociedade.

Por outro lado, é preciso que se reconhe-ça o que faz uma política ser pública não éseu caráter estatal, mas o seu compromissomaterial com a afirmação e concretizaçãodos direitos fundamentais como valor maiordo ser humano.

É preciso compreender, de toda forma,que nada do que se expôs valerá se não forconsiderada a importância dos fatoresatitudinais na superação de todos os obstá-culos identificados. Na verdade, esses fatoresatitudinais se traduzem na vontade políticade levar avante o projeto de inclusão socialde públicos especiais.

Por essa razão é que se fala na necessida-de de uma postura inclusiva de todos os ato-res envolvidos no processo. Esses fatoresatitudinais estão enraizados na crença emtorno do princípio de que os direitos cultu-rais são realmente extensivos a todos, o queleva ao respeito às diferenças e à obrigaçãomoral e política de atendê-los.

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AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL134

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NOTAS

1 Deficiência física: denominação dada às limi-tações de locomoção e coordenação motorabem como às limitações dos sentidos da fala,audição, visão, entre outras, decorrentesprincipalmente de comprometimentos neuro-lógicos.

2 Deficiência motora: denominação dada às li-mitações de locomoção ou a falta de um oumais membros inferiores (pernas) ou superio-res (braços).

3 Por esse código perpassam tanto a culturaerudita, a cultura popular como também acultura de massa que indistintamente neces-sitam ser compreendidas e “alfabetizadas”por todas as instâncias da sociedade.

4 O Programa Educativo Públicos Especiais foiimplantado no ano de 2003 pelo Núcleo deAção Educativa da Pinacoteca do Estado deSão Paulo, tendo a autora como coordenado-ra. É um programa que tem por objetivoatender de forma permanente públicos espe-ciais, bem como oferecer cursos sobre “Ensi-no da Arte na Educação Especial e Inclusiva eAcessibilidade e Ação Educativa Inclusiva emMuseus” para profissionais das áreas de mu-seus, educação e saúde. Faz parte tambémdo objetivo deste programa pesquisar e intro-duzir recursos de apoio multissensoriais facili-tadores da compreensão de obras de artepelo público alvo, recursos estes, relaciona-dos a obras de arte tanto do acervo como deexposições temporárias realizadas pela Pina-coteca do Estado.

5 Diretrizes previstas no Decreto n° 24.634, de13 de Janeiro de 1986.

6 A UPPM tem sob a sua responsabilidade 21museus ( 13 na capital e 8 no interior do Esta-do) preservando um acervo de aproximada-mente 600.000 peças e totalizando umavisitação anual de aproximadamente1.239.000 pessoas.

7 ABNT NBR 9050:2004, p.2.

8 Entre as publicações selecionadas encon-tram-se os guias de acessibilidade “Museus eAcessibilidade” (IPM,2004), “Many VoicesMaking Choices: Museum audiences withDisabilities” (Australian Museum e National

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ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 135

Museum of Austrália, 2005) e Acessibilidade.Museologia - Roteiros Práticos, vol. 8 (EDUSP,2005).

9 Museus e Acessibilidade. Coleção Temas deMuseologia. Instituto Português de Museus(IPM):Lisboa, 2004, p.17. Disponível em:<www.ipmuseus.pt>

10 Many Voices Making Choices: Museumaudiences with disabilities, 2005, p.16. (tradu-ção: Marina Falsetti).

11 Museus e Acessibilidade. Instituto Portuguêsde Museus (IPM), 2004, p. 29.

12 Many Voices Making Choices: Museumaudiences with disabilities, 2005, p.40. (tradu-ção: Marina Falsetti).

13 Um exemplo de avaliação com públicos espe-ciais em museus, entre eles pessoas com defi-ciências visuais, foi realizado na Austrália, re-sultando em uma publicação denominada“Many Voices Making Choices: MuseumAudiences with Disabilities” (2005) em que osentrevistados relatavam as suas experiênciasem museus e propunham melhorias, entreelas a de tornar os museus espaços cada vezmais acessíveis e independentes para todosos frequentadores.

14 Museus e Acessibilidade. Coleção Temas deMuseologia. Instituto Português de Museus(IPM):Lisboa, 2004,p.22.

15 Esse questionário foi aplicado em cursos rea-lizados pelo SIM (Sistema Integrado de Mu-seus) em Belém (Pará) e pela Casa AndradeMuricy (museus do Estado do Paraná) emCuritiba, ambos ministrados pela autora.

16 Para se obter uma análise completa dos re-sultados desta pesquisa vide: Tojal (2007), pp.252-258, disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponíveis/27/27151/tde-19032008-183924/>

17 Fórum Permanente: Museus de Arte. Entre-vista com Silvia Antibas e Cristina Bruno. Dis-ponível em: <http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevis-ta/s_antibas_Bruno.>

18 Idem.

19 Idem, p.5.

20 Fórum Permanente: Museus de Arte. Entre-vista com Silvia Antibas e Cristina Bruno. Dis-

ponível em: <http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevis-ta/s_antibas_Bruno.>

21 Segundo Cristina Bruno e Clara Camacho,há diferenças entre os termos designadospara o modelos Sistema e Rede em museus.O modelo Sistêmico é aquele que articulaelementos semelhantes, isto é, o conjunto deelementos iguais, coordenados entre si e in-timamente relacionados. O modelo de Redeé o que articula elementos distintos, isto é,uma estrutura ligada a diversas unidades di-ferentes mas que passam a serinterdependentes tendo em vista os mesmosobjetivos.

22 Tendo como referência a pesquisa deAlmeida (2005 p.10) sobre as etapas do pro-cesso de um planejamento e, tendo em vistaa necessidade de adaptação da metodologiaapresentada para o planejamento que sepretende desenvolver, foram acrescentadasuma nova etapa referente ao Plano de Açãoe uma breve descrição sobre o objetivo doObjeto de Estudo analisado .

23 Segundo Almeida (2005, pp.9-10), “(...) o pla-nejamento é um processo cíclico, o que nãosignifica que seja um processo linear; pelocontrário, é um processo dinâmico einterativo. Segundo Ferreira (2002), as fasesdo planejamento se interpenetram, o quequer dizer que, embora se sucedam, nãopodem ser tratadas de maneira estritamen-te linear. Na prática, há uma dinâmica quefaz com que a elaboração do plano, porexemplo, já se configure como uma ação, àmedida que repercute na ação propria-mente dita que está sendo preparada, e naprópria realidade em que o plano pretendeintervir”.

24 Estrutura de Projecto Rede Portuguesa deMuseus. Disponível em: <www.ipmuseus.pt/pt/ipm>

25 Para se obter uma descrição completa dasEtapas do Planejamento aplicado aos Museusdo Estado de São Paulo vide: Tojal (2007) pp.263-270 disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponíveis/27/27151/tde-19032008-183924/>

26 A exemplo do GAM (Grupo de Acessibilida-de em Museus) pertencente a RPM (RedePortuguesa de Museus) e do programa deação educativa inclusiva pertencente àrede de museus da cidade de Estrasburgona França.

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O

“A Gestão da Qualidade é muito diferente da Qualidade.

Caracteriza-se pelo sistema de organização que está pordetrás para conseguir pôr em prática a Qualidade de

uma forma permanente e consistente. Tudo isto implica

que a Qualidade de um produto ou de um serviço estejadefinida quando se falam de Sistemas de controlo da

Qualidade. Se não se conseguir definir Qualidade não se

sabe o que se vai controlar ou gerir.”(Ramos Pires, A., excerto de entrevista, publicado em “ Os

museus e a Qualidade “, Cadernos de Sociomuseologia,

nº23, Centro de Estudos de Sociomuseologia, Edições uni-

versitárias lusófonas, Universidade Lusófona de Humani-

dades e Tecnologias, Lisboa, 2005)

O Museu do Trabalho Michel Giacometti, foi o primeiro museu português a

usar ferramentas da Gestão da Qualidade, a identificar, medir e publicar os seus

resultados de desempenho, com recurso á CAF – common assessment

framework e a comparar-se objectivamente, através de nove critérios e vinte e

três sub-critérios, previamente definidos pela ferramenta auto-avaliativa, com

outras organizações de natureza afim e/ ou diferenciada, que perseguem

objectivos sociais e culturais.

An ISABEL VICTOR

2Participação e Qualidade em

museus - O caso do Museu doTrabalho Michel Giacometti1

A R T I G O

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ISABEL VICTOR138

A experiência daí resultante tem servidode reflexão, em meio universitário emuseológico, com reflexo nas boas práticasque próprio museu adoptou, na prossecuçãoda sua missão, assente na participação comoprocesso-chave da Qualidade e na busca damelhoria contínua, resultante da auto-avali-ação e da constante revisão dos procedi-mentos. Aqui apresentam-se sinteticamenteos fundamentos e alguns exemplos deprojectos realizados pelo museu com vista aauscultar as necessidades dos cidadãos-cli-entes do museu, fomentar a participação eelevar o nível da procura como incentivo àmelhoria.

Resultante de estudos, encontros e refle-xões sobre o tema foi criada, no ambito daUniversidade Lusófona de Humanidades eTecnologias, a página http://www.aqualidadeemmuseus.net, disponívelonline, desde 2006, ano em que teve lugar,em Lisboa, no Instituto Português da Quali-dade, o XIII Encontro Nacional Museologia eAutarquias, subordinado ao tema “ A Quali-dade em museus

Na perspectiva da Museologia Social, omuseu encontra inequívoco sentido na parti-cipação dos cidadãos. A participação étransversal a todo o processo museológicogerado na dinâmica da comunidade comoresposta aos seus anseios e necessidades. Oque confere Qualidade a este museu, que de-signamos de novo tipo, é o facto dele ser re-conhecido como obra inacabada de umcolectivo, reflexo das contradições de umacomunidade em mudança. É através da par-ticipação em processos museológicos que osmuseus, identificados com os princípios damuseologia social, constróem as suas mis-sões. Os museus comprometid os com o de-senvolvimento e a não exclusão, optam porromper a armadura institucional e interagirnuma rede social composta por pessoas, uni-dades sociais (famílias), grupos socio-profis-

sionais e outros, portadores de conhecimen-to, memórias, problemas; de modos de pen-sar e fazer diferenciados, que intervêm, comas suas visões multímodas, na identificação,classificação e reinvenção dos patrimónios,em processos que contribuem para a quali-ficação da cultura.

Maria Célia Santos, em entrevista concedi-da a Mário Chagas (1998), a titulo de conclu-são, adverte os profissionais dos museus (...)para que olhem para os museus para alémdos museus (...); que o fazer museológicoproduza conhecimento e seja impregnadode vida(...) em permanente abertura paraavaliar os processos museais e para a autoavaliação;(...) que procurem, constantemen-te, a qualidade formal e a qualidade política,assumindo o compromisso social e o exercí-cio da cidadania.

Nesta perspectiva, alia-se claramente qua-lidade à participação dos sujeitos envolvidosnos processos museológicos, como base doconhecimento musealizado a partir da soci-alização das diversos processos museológi-cos (pesquisa, preservação e comunicação).

A participação, como parâmetro funda-mental da qualidade em museus perspecti-vados a partir da comunidade e das necessi-dades dos cidadãos (acervo de problemas,no dizer de Mário Chagas), é um aspectoaxial da Nova Museologia, pelo que deverámerecer elevada ponderação na avaliação eauto avaliação em museus identificadoscom o seu paradigma. A noção de auto ava-liação engloba também, na categoria de ci-dadãos clientes, os trabalhadores dos mu-seus, a sua participação e os conhecimentosinduzidos pela sua especificidade profissio-nal; categoria de primordial importânciaque não é captada nos estudos tradicionaispúblicos, orientados exclusivamente para aavaliação dos produtos finais e das manifes-tações associadas ao “consumo”. O actoconstitutivo do fazer museológico, assente

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PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 139

na participação, nos processos e na mudan-ça social, essência da Nova Museologia, re-sulta num impacto para a comunidade (deque o museu e seus problemas são parteactiva ), teoricamente referenciado comocategoria de análise do fenómeno museoló-gico, mas que, na prática, não é avaliado/medido por falta de descritores/ indicadorese de ferramentas adequadas.

Daqui se infere que os modelos convenci-onais de estudos de públicos em museus e asgrelhas de avaliação por eles aplicados nãoservem para captar, em toda a sua extensão,a qualidade formal e a qualidade políticaque distingue o fenómeno museológico ge-rado pela Nova Museologia. A exposição,função axial da museologia tradicional é,por excelência, o objecto dos estudos de pú-blicos , sinónimo de avaliação em museus. Amuseografia e as suas múltiplas narrativas,ocupam, na museologia social, um patamardistinto daquele que detém a clássica exposi-ção, na museologia tradicional. Na cadeiaoperatória dos procedimentos museológi-cos, identificados com a Nova Museologia, aexpografia é uma disciplina estruturante dasnarrativas diferenciadas que informam o dis-curso museológico. A exposição, assim en-tendida, é um processo transversal que resul-ta da interacção de vários processos museo-lógicos (conservação, documentação, expo-sição, acção educativa) e não um produtode final de linha. A este propósito refere-seCristina Bruno (2002), Rio de Janeiro, Semi-nário Internacional, “Entre a museologia emuseografia: Propostas, problemas e ten-sões”, (...) A operacionalização desta cadeiade procedimentos técnicos e científicos –interdependentes – distingue e qualifica osdiscursos expográficos dos museus em rela-ção a outras formas de exposições.”

Qualidade, na asserção etimológica dotermo, é exactamente o que nos distingue oque nos torna diferentes o que nos confereraridade (preciosidade). Se atentarmos ao

que afirma Cristina Bruno, a avaliação emmuseus deveria, através de indicadores pré –definidos, conseguir captar / medir a eficáciados procedimentos técnicos e o seu nível deinterdependência. Na perspectiva do novoparadigma da Museologia e tendo como re-ferência os sistemas da gestão da qualidade,esta forma de avaliação e auto avaliaçãoserá, eventualmente, a mais habilitada paracaptar a realidade museológica contempo-rânea - multidisciplinar , estimuladora de di-álogos interculturais e participativa, na me-dida em que os processos museológicos nãoestão confinados ao museu no sentido insti-tucional do termo.

A aplicação do processo museológico naperspectiva de Maria Célia Santos (2002), notexto intitulado “Processo muselógico: crité-rios de exclusão”,(...) não está restrita á insti-tuição museu, ele pode anteceder á existên-cia objectiva do museu ou ser aplicado emqualquer contexto social.

Nesta noção de processo museológiconão tem sentido avaliar produtos dissocia-dos de quem os produz e dos contextos dessamesma produção.A qualidade associada áparticipação, mede-se pela eficácia do dia-logo e a interacção que se estabelece entreos vários sujeitos na acção, em processos deauto-avaliação. Os resultados evidenciadosconstituem incentivo a melhorias continuas,traduzidas por novas práticas sociais associa-das á participação, cidadania e ao desenvol-vimento.

Avaliar os processos museológicos e aQualidade por eles gerada, com base na par-ticipação, é pois, muito mais exigente e qua-litativamente diversa da avaliação de produ-tos finais, independentemente da sua quali-dade intrínseca, que não é posta em causa,ou do seu impacto momentâneo medidopela maior ou menor adesão dos públicos.Os museus inseridos na comunidade, com-prometidos com o desenvolvimento, opõem

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ISABEL VICTOR140

a participação á exclusão, o dialogo áintransigência e o conhecimento partilhadoe gerido á meritocracia. A este propósito,Maria Célia Santos (1999) refere “ao reflectirsobre o processo muselógico, inserindo nasdemais praticas sociais, a partir de uma autocritica das nossa vivências (...) que possamosassumir o nosso compromisso social comqualidade, o que, implica participação,imersa em nossa pratica cotidiana. Ainda(Pedro Demo,1994, citado por Maria CéliaSantos), salienta que Qualidade é participa-ção (...). É a melhor obra de arte do homemem sua história, porque a história que vale apena, é aquela participativa(...) com o teormenor possível de desigualdade, de explora-ção, de mercantilizarão, de opressão.

Partindo da premissa de que participaçãoé o grau de envolvimento dos actores so-ciais na tomada de decisão e admitindoque o grau de participação dos cidadãos éum dos indicadores primordiais da Qua-lidade em museus na perspectiva da Mu-seologia Social, torna-se imperativo bus-car nas práticas museais as evidênciasdesse envolvimento e identificar a especi-ficidade das acções e dos actores, assimcomo a natureza do processo e o seugrau de efectivação. A participação co-meça na clarificação dos objectivos e namonitorização dos procedimentos queinformam as decisões.

A este propósito Hugues de Varine, In Pa-trimónio e Educação Popular, 2004, salien-ta que “O desenvolvimento local” “sustentá-vel”, enquanto processo dinâmico de trans-formação da sociedade e do meio, assentaem grande parte na participação activa e cri-ativa das comunidades locais. Sem essa par-ticipação, teremos apenas uma mera execu-ção de programas tecnocráticos, cuja eficá-cia depende da combinação conjuntural eefémera de uma vontade política e da dispo-nibilidade de meios financeiros e humanos.”O autor lembra contudo que, só por si, o re-

conhecimento e vontade de participar daspessoas, grupos e associações, não é garantiada sua participação efectiva. (...)” Isto porqueo cidadão maior, tanto numa democra-cia como numa ditadura, não é conside-rado como pessoa adulta, como sendocapaz de assumir a sua quota de respon-sabilidade na “coisa pública”.

As diversas formas de participação (ou denão participação) e o entendimento das mo-tivações que lhe estão associadas, são essen-ciais para a eficiência de um sistema da Qua-lidade em museus. É através da participa-ção que as pessoas se projectam nos gru-pos, que expressam os seus anseios, queidentificam os problemas e que engen-dram os caminhos para a sua resolução.Mas a não participação nem sempre éalheamento, muitas vezes é a forma silencio-sa de manifestar desconforto, de resistir pas-sivamente.

A Gestão da Qualidade é, neste e noutrosaspectos, consonante com o paradigma daNova Museologia, centrado nas comunida-des e nas diversas formas de participação emordem à satisfação das pessoas. O indicador(grau de participação) e os descritores quelhe estão associados constituem um dos pro-cessos-chave da Museologia Social e a ex-pressão mais fiel da avaliação da Qualidadeem museus.

A opacidade, mais ou menos generaliza-da, dos museus na sociedade, sustentadapelo discurso do auto elogio da diferença,enfraquece a sua capacidade de interven-ção, restringe a comunicação, gera autismosocial e desmotiva as parcerias inter-organi-zacionais. Pensamos que os museus ganhari-am imenso em adoptar as ferramentas e con-ceitos da Gestão da Qualidade, como ins-trumento de medição dos resultados poreles obtidos pelos na prossecução das mis-sões, comparando-nos com os de outras or-ganizações (benchmarking), propiciando a

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PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 141

avaliação relativa do impacto dos museus nasociedade. Falta uma linguagem comumque permita comparar, sem preconcei-tos, o desempenho social dos museuscom o de outras organizações, tornando-os mais acessíveis, “usáveis” e transpa-rentes.

Essa opacidade inibe as expectativas doscidadãos relativamente à sua participaçãonos processos museológicos e na avaliaçãodos resultados, devido à dificuldadeobjectiva em compreender como o podemfazer e quais os benefícios que daí advêmpara os indivíduos e para a comunidade. Ocidadão terá que saber, objectivamente, oque pode esperar da entidade organizacio-nal museu no contexto da sociedade actuale, enquanto membro da comunidade, sabercomo pode contribuir activamente na defi-nição da sua missão, comprometer-se com avisão, identificar-se com os valores, enten-der a especificidade processual do fazermuseológico e, sobretudo, ter parte activana autoavaliação, como meio fundamentalpara prosseguir a melhoria contínua.

O enfoque na participação como pro-cesso–chave da Qualidade em museus,tem conduzido, no interior e no exterior dacomunidade museológica, ao questiona-mento desta lógica organizacional e da ideiade museu que lhe está subjacente, impulsio-nando reflexões que visam a reavaliação dosconceitos e práticas convencionais que mo-delam a acção museológica e a revisão dasmissões dos museus no que toca à sua fun-ção social e à percepção efectiva da Quali-dade, como conceito abrangente, indissociá-vel dos ideais de desenvolvimento e de cida-dania. A nosso ver, a permanência do pre-conceito relativamente à autoavaliação eparticipação efectiva dos cidadãos, assentana opacidade dos modelos convencionaisde gestão, baseados em administrações buro-cráticas, centradas no controle das funções edas pessoas, mais preocupadas com os

objectos do que com os objectivos, idola-trando o que permanece e desperdiçando oque fluí.

Não nos podemos esquecer que nem todaacção museológica conduz a produtos finaise que a dimensão processual da museologiasocial (a “caixa negra” que regista as mudan-ças de rumo e os fluxos varáveis de partici-pação) carece de ser avaliada e explicitadacomo evidência primordial da Qualidadeem museus.

A Gestão da Qualidade assenta naautoavaliação, flexibilização e transparênciadas organizações, como via para o desenvol-vimento pessoal, a democratização das soci-edades e a satisfação das pessoas entendi-das como input e output do sistema da Qua-lidade.

A dimensão ontológica do museu, comolugar onde se pensa o mundo próximo edistante, em ordem à mudança, contra a ex-clusão, obriga a um exercício permanentede observação e negociação, resultante dodiálogo entre os museus, as pessoas e outrasorganizações, formais e informais, comperspectivas diferenciadas de sociedade,valores, culturas e patrimónios. Esta não étarefa fácil porque, como todos sabemos,não há museus neutros nem políticas inó-cuas.

Há que fazer opções, estabelecer com-promissos, firmar contratos sociais comos parceiros e ter uma visão clara sobreo sentido a dar aos museus, inequivoca-mente expresso nas missões, fortalecidono auto conhecimento e na avaliaçãocomparada dos resultados. Ter uma clarapercepção do que representa a museologia,enquanto ciência – expressão do pensamen-to contemporâneo e o campo da acção mu-seológica – a práxis que traduz o posiciona-mento dinâmico dos museus na sociedade,face aos graves problemas com que se depa-

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ISABEL VICTOR142

ram hoje as pessoas, aturdidas pela disper-são, reféns da solidão.

O CASO MUSEU DO TRABALHO MICHELGIACOMETTI.

Os projectos “Olá Vizinhos” e “TardesInterculturais”

O “Olá Vizinhos” é um projecto que tempor objectivo apreender a concepção que osvizinhos do museu têm do mesmo. Os vizi-nhos são os moradores, os proprietários efuncionários das casas comerciais. Mais umavez o Museu desenvolve um projecto noqual dá voz à comunidade onde está integra-do para assim perceber a relação que essesvizinhos estabelecem ou não com a institui-ção. A verificar-se a segunda hipótese, oprojecto torna-se ainda mais útil ao produzirpistas para novas linhas orientadoras quederrubem essa “barreira invisível”, e promo-vam o contacto.

As “Tardes Interculturais”, que se realizamdesde 2003, resultam de um projecto igual-mente votado à comunidade, que visa darvoz à diversidade e palco às expressões iden-titárias. No último sábado de cada mês, omuseu acolhe temáticas diversificadas, re-correntes e/ou actuais, que emergem do tra-balho com os diferentes grupos. As TardesInterculturais versam maioritariamente as di-ferentes nacionalidades, grupos étnicos eculturais que habitam em Setúbal, como atarde Húngara, Cigana, timorense, Búlgara,Russa, Angolana, Moçambique, China, entreoutros, promovem um maior conhecimentodesses grupos e também o encontro e a trocade experiências entre os participantes, já quee importa referir, as tardes são abertas a todosos públicos.

A tarde intercultural “Ser Setubalense –memórias e representações identitárias” éparadigmática do percurso trilhado pelo

museu. O mote era – o que é ser setubalensenuma cidade multicultural como Setúbal.Como se estrutura essa identidade?Setubalense é alguém natural da cidade ounão será também setubalense alguém que aescolheu para trabalhar, que com ela se cru-zou ocasionalmente ou alguém que, simples-mente, tem Setúbal inscrita na sua vida porrazões afectivas ou de sobrevivência, ou seja,naturalidade implica identidade?

A memória e a identidade são vectoresfundamentais da Museologia Social e as “Tardes Interculturais” fomentam o debate detodas estas questões, “dão palco” aos partici-pantes, envolvem-nos na sua concepção eexecução. As tardes interculturais como,“Dar à luz longe de casa – as mulheres imi-grantes e a maternidade”, “Solidão”, “O NãoTrabalho – condição/exclusão”, “ O Museu eo Microcrédito “, são também exemplos deacções de sensibilização e de promoção dodebate sobre fenómenos tão actuais como aimigração, a solidão (sobretudo entre osmais idosos) e o desemprego.

O Museu do Trabalho Michel Giacomettitem fundado o seu percurso de vinte anos,no diálogo permanente com a comunidadee na participação, no sentido do reconheci-mento por parte da comunidade da impor-tância da participação das pessoas no estu-do, identificação, classificação e divulgaçãodos seus patrimónios materiais e imateriais.

É desta forma, procurando o diálogo per-manente com a comunidade, estimulando aparticipação nas acções/projectos, que oMuseu do Trabalho tem processado o seu ca-minho. O modelo que adoptámos baseia-seno diálogo com as pessoas/recurso (usando aterminologia de Hugues de Varine) identifi-cadas em cada grupo e por ele reconhecidascomo líderes (formais e/ou informais), no in-tuito de criar dinâmicas de observação/acção, aprofundadas nas relações de confi-ança inter-pessoal e de grupo, que condu-

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PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 143

zam a acções/reflexo inspiradoras de apren-dizagens e potenciadoras de mudança.

Olá Vizinhos!

Metodologia e objectivos

Há cerca de dois anos, num verão quente,uma equipa do Museu do trabalho, integradano projecto “Olá vizinhos!”, resolveu sairpara a rua, de gravador em punho, para per-guntar aos vizinhos o que significava paraeles o museu, em que momentos se tinhamutilizado dos seus serviços, que emoções ex-perimentaram no espaço museológico, quaisos momentos mais marcantes, quais osprojectos mais significativos e qual a razãode, apesar de tudo, ao fim de vinte anos, ain-da fazerem tanta cerimónia. A equipa, cons-tituída por duas pessoas em cada saída, en-trou em todas as lojas, escritórios, agências,cafés, restaurantes, igrejas, colectividades eassociações das imediações. Falou com resi-dentes ou com as pessoas que diariamenteestão na rota do museu, gravou centenas dehoras de depoimentos, para tentar perceberquais as representações, inibições e motiva-ções face ao espaço museológico. Ficou pa-tente que, na generalidade as pessoas interes-sam-se e acompanham todos os passos davida do museu, mas que se sentem inibidasem entrar. Precisam de um motivo, de umdia especial, de uma companhia, para o fa-zerem. O museu ainda não está na rota dosseus quotidianos. Não constitui uma priori-dade enquanto serviço. É visto como um lu-gar de saber e lazer. Algumas pessoas (vizi-nhos, com estabelecimentos na área), visita-ram o museu quando eram estudantes, guar-dam a boa recordação, reconhecem-lhe mé-rito, mas acham que agora é para os filhos,que eles já não têm nem idade nem tempopara ir a museus. Estamos perante uma apa-rente contradição, muitas pessoas não“usam” o museu mas querem o museu. Não

prescindem dele e orgulham-se da sua exis-tência.

As pessoas, de todas as idades e condiçõesinquiridas, que nunca lá entraram ou queapenas lá foram uma única vez, têm um mu-seu imaginário na sua cabeça. Descrevem-nos minuciosamente, para o gravador, o quesupõem que estará no museu e a formacomo se apresenta. Mas quando se fala sobreas expectativas relativamente ao papel domuseu, conseguimos perceber que as pesso-as esperam que o museu seja um museu, oumelhor, que cumpra tranquilamente as fun-ções essencialmente preservacionistas eexpositivas que lhe estão idealmente come-tidas. Assim como um hospital é um hospital,ou um banco é um banco, esperam que omuseu corresponda à imagem que está insti-tuída. De uma forma geral, as pessoas, quan-do questionadas sobre o que podem trazerde si para o museu e sobre as formas de ofazer e vantagens que daí podem advir, têmimensas dificuldades em responder e mos-tram-se descrentes sobre o valor e eficáciado seu próprio contributo. A falta de hábitosde participação na vida das organizações,constitui um enorme déficit de cidadania aque os museus não são alheios. As pessoas,de uma forma geral, não acreditam que a suaparticipação possa influenciar as decisões.Estão habituados e ser espectadores/consu-midores e não actores/cooperantes/ deciso-res. Há ainda um longo caminho a fazer para“descolar” da ideia de Museu-produtos paraa meta do Museu-resultados. Só a persistên-cia no terreno, em estreitos círculos de dis-cussão, a confiança mútua entre parceiros eo recurso pedagógico a ferramentas auto-avaliativas, permitirão entender as compe-tências dos actores sociais e as utensilagenspráticas e teóricas “usáveis” no museu. Ospróprios museólogos terão que praticar e er-rar para aprender. É o princípio elementardo aprendizado do erro que pressupõe abrir-se a novos modelos de participação/acção/

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avaliação em prol da melhoria contínua eda mudança.

Este projecto que designámos prosaica-mente por: “Olá vizinhos !” , começou porser um simples questionário para captar asrepresentações, sensibilidades, expectativase constrangimentos relativamente ás acessi-bilidades ao museu mas acabou por se reve-lar um treino de extrema importância paratodas as pessoas envolvidas : a equipa domuseu, os voluntários, estudantes de Museo-logia e as pessoas inquiridas. Vencidas cara acara, algumas das barreiras físicas e intelec-tuais resultantes da falta de comunicação e aideia mitificada do museu e das pessoas quelá trabalham, as pessoas arriscaram expor-see intervir com críticas e sugestões. A boa vizi-nhança implica que o museu se torne próxi-mo e vigilante, que seja de confiança, queexpresse claramente os seus valores e mis-são, que se dê a conhecer, que reconheça oespaço e individualidade de cada um. As re-lações de confiança, baseadas na participa-ção, são quanto a nós, o pilar da mudança.São processos longos de amadurecimento,discussão e construção colectiva que exigemtempo e permanência no terreno.

Os eventos são notados e bem vindos, masquando questionadas, constatamos que oque mais marcou as pessoas é o que persiste,as acções e projectos que se foram entra-nhando nos quotidianos de cada um. São asacções continuadas em que as pessoas se in-tegram envolvendo esforço, aprendizagens eganhos individuais ou de grupo, ao nível quemaior impacto têm na comunidade vizinha.Também o reconhecimento externo e a ca-pacidade de atrair mais valias sociais e cultu-rais ao lugar, é factor de regozijo e esperançade mais oportunidades, sobretudo para osjovens. É importante inovar mas também éimportante permanecer, persistir, avaliar, cri-ar lastro, para navegar e ser reconhecido. Èesse reconhecimento, esse entrosamento en-tre as pessoas da comunidade, de que fazem

parte os próprios profissionais do museu,que gera confiança que atrai as sinergiaspara mudar.

Sentimos que os museus, por vezes, semcondições para tal, se desgastam numaextroversão frenética, esquecendo-se quetambém é importante criar uma espécie delastro (identidade organizacional) que con-forta e fideliza os cidadãos-clientes conferin-do-lhes espaço e tempo para uma conscien-te participação. Cremos que é fundamentalsentir que existem organizações, como osmuseus, que investem nas pessoas, na comu-nicação interpessoal, valorizando os resulta-dos, independentemente do tempodespendido para os alcançar. É preciso tem-po (e tempo de Qualidade) para fazer parti-cipar as pessoas/parceiros nos processos deconstrução e auto-avaliação. São processoslentos de aprendizagem. Só assim se opera amelhoria contínua e a consequente mudan-ça. Não pode haver mudança se não se ava-lia, se não se dá espaço a uma participaçãoqualitativamente diferenciada.

As “Tardes Interculturais“

O museu como espaço de auto-repre-sentação de culturasO museu como placa giratória de pes-soas e ancoradouro de ideias

As Tardes Interculturais, no Museu do tra-balho, têm-nos revelado a importância dedar palco às diferentes expressões identitári-as e ás problemáticas contemporâneas queafectam as pessoas e os grupos (nomeada-mente imigrantes) gerando fenómenos deincomunicabilidade e exclusão. Os proces-sos, fundados na participação, visando aauto-representação das culturas (mediadaspelos seus líderes e agentes locais) ajudam aconsolidar a noção de que o museu é umaconstrução viva e mutável. A ideia de que oMuseu é uma ferramenta social versátil e

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usável por diferentes culturas. Ajuda a con-solidar a ideia do museu polifónico, queaceita diferentes narrativas a diferentes vo-zes, evitando os ruídos, estridência ecacofonia, ditados por modelos rígidos.

Mensalmente, no último Sábado de cadamês, o museu acolhe as Tardes Interculturais,abrindo-se à livre participação dos diversosgrupos geracionais, socio-profissionais, as-sim como ás diferentes etnias, nacionalida-des e temáticas transversais por estes sugeri-das e priorizadas. São encontros informaisfeitos “por medida” e talhados em cima dopano, à maneira do velho alfaiate. O dese-nho destes encontros mensais ajusta-se áscaracterísticas identitárias, modos de vida eformas de expressão de cada um destes gru-pos com expressão local. Eles são as váriasformas de ser setubalense. O seu viver e con-viver resulta de construções, adaptações,hibridações , recentes ou ancestrais ereflecte, nos mínimos pormenores, os váriosolhares sobre a cidade, o território, a paisa-gem, os recursos, as pessoas, os patrimóniosmateriais e imateriais. Só um trabalho no ter-reno, com os vários líderes ou pessoas –re-curso (como as define Hugues de Varine), as-sente na observação directa e na participa-ção de todos os intervenientes, permite con-tornar a tentação de resumir ao exótico e aosepifenómenos as culturas e patrimónios quedesconhecemos. Tentamos a todo o custoevitar o triste espectáculo da folclorizaçãoda cultura. Trabalhamos persistentemente,há vários anos, com as pessoas de diferentesgerações, origens, condições e profissões, osaspectos comuns da vida e dos quotidianosno sentido de entender e captar as maissubtis transformações, as adaptabilidadesfuncionais, morais, estéticas, artísticas e exal-tar a espantosa capacidade de gerar mudan-ças e inovação nas mais pequenas coisas. Édisso exemplo a culinária, expressão máxi-ma da fusão das culturas. O mercado local é,por isso talvez, um exemplo vivo de patrimó-nio por todos referenciado. Uma plataforma

para todas as culturas ao longo de várias ge-rações. O mercado pode ser um bom exem-plo para pensarmos o museu, como organi-zação de reconhecida Qualidade que funci-ona para vários públicos e que está na rotade todos os setubalenses. O mercado do Li-vramento, assim designado, tem mais de umséculo e mantém-se actual e actuante. Trata-se de um equipamento tradicional de reco-nhecida Qualidade, que se vai adaptando einovando ao ritmo das necessidades e ex-pectativas dos cidadãos-clientes, aceitandono seu interior vários formatos, oferecendovários produtos sem contudo perder a iden-tidade.

As Tardes Interculturais, são de entrada li-vre e integram sempre uma componentegastronómica, que reflicta a especificidadedos sabores de cada uso e cultura, confecci-onado pelos próprios em parceria com omuseu e a colaboração de comerciantes lo-cais. Cremos que o acto de comer à mesa eaceitar provar é um momento único deaproximação. O detalhe dos procedimentospara a confecção dos alimentos, a receita daíresultante, distribuída a todos os comensais ea oportunidade de avaliar conjuntamente osresultados, provando e comparando, consti-tuí a metáfora perfeita dos processos dehibridação cultural e a sua celebração numalinguagem prazerosa e universal que dispen-sa tradução. O mesmo se passa com a músi-ca, dança e outras expressões artísticasconvocadas mensalmente para as TardesInterculturais no Museu do Trabalho MichelGiacometti. O extenso rol de programas e tí-tulos das Tardes Interculturais , constituídopor cerca de meia centena de temas e pro-blemas, espelha Setúbal na actualidade e re-vela a fisionomia do seu maior recursopatrimonial – as pessoas e as suas competên-cias. As aprendizagens de natureza comuni-cacional e social geradas são a sua mais-va-lia e o principal input do sistema de inova-ção e Qualidade. As aprendizagens são trans-versais e vão para além dos ganhos cogniti-

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vos. Eilean Hooper-Greenhill in “StudyingVisitors” (2006) diz o seguinte:

“A necessidade de prestar contas e o ênfa-

se em políticas sociais baseadas em evi-

dências, estimularam novas abordagens à

medição da aprendizagem, que compre-

endem o carácter cultural da utilização do

museu e utilizam explicações socio-cultu-

rais da aprendizagem. Explicações que in-

sistem que a aprendizagem em museus

vai além dos ganhos cognitivos, que não é

apenas estimulada através das colecções

dos museus e que, nem sempre, é intenci-

onal ou tem um propósito definido.”

As evidências dessas aprendizagensreflectem-se na forma como as pessoas seapropriam do espaço museológico e usamas suas ferramentas de divulgação e comuni-cação cultural. Para que tal aconteça,esforçamo-nos por dar a conhecer, ás pesso-as que connosco desenham estes eventos, asregras e a especificidade do saber fazer mu-seológico, no sentido de favorecer a autono-mia no espaço museológico e o compromis-so com a missão do museu. São muitas vezesas próprias pessoas que montam as pequenasexposições temporárias temáticas associadasàs Tardes Interculturais e que guiam os visi-tantes da comunidade no espaço museológi-co. Só fazendo se aprende. Só experimen-tando se vão descobrindo novos usos para omuseu. Só abrindo as portas à diversidade omuseu se vai remodelando, reformatando einovando sem perder a identidade que lheconfere Qualidade, que o diferencia, que otorna tão precioso como o Mercado do Li-vramento, inquestionável referênciapatrimonial da cidade Setúbal.

O Museu Intercultural, verdade ou utopia ?

No limite, se o museu intercultural real-mente existisse, seria tão utópico einspirador como o seu conceito gerador. Se-

ria uma espécie de templo, um imensolocus de conhecimento, onde cada pessoa,com as ferramentas da sua cultura, as habili-dades do seu ser e a força das suas crenças,animasse, com os seus, à sua maneira, no seutempo, ciclos de debate, fóruns abertos a au-diências globais, em “altares” híbridos de li-vre criação cultural, sempre inacabados, in-quietantes que se renovariam a cada novoolhar, em cada novo fórum.

Este Museu /Templo inominável, multifor-me, experimental, filosófico, onde apenas amudança é permanente, aparenta fragilida-de, é volátil, causa estranheza, mas revela,como nenhum outro, a fluidez do vivido, oineditismo da experiência individual e o va-lor inigualável do que é projectado a partirde cada um, numa rede infinita de parado-xos, memórias e esquecimentos. Este Museu /Templo, feito de pessoas, assumiria as múlti-plas formas dos medos e desejos dos seusactores, em espaços imaginários de repre-sentação. Seria como que um terreiroficcional, onde se contemplam admiráveismetáforas, criadas e recriadas a partir dosuniversos individuais.

Este Museu / Templo da Interculturalida-de, (com)vivencial, seria (imaginemos) umobservatório privilegiado da singularidadeque informa a diversidade. Um espaço ceri-monioso de escuta. Um itinerário crítico de(auto) descoberta. Uma viagem ao âmagodas identidades conflitantes geradas pelasdiferenciações, desigualdades, etnias, gera-ções, géneros, sexos e classes. Comunicar, oumelhor, comunicar-se entre culturas exercitaa (des)codificação das formas singulares de(com)viver e de (re)contar a diversidadeexperienciada. A comunicação intercultural,desafia, produz conhecimento; opera ruptu-ras epistemológicas, expressas em metalin-guagens, que evidenciam estórias significati-vas de vidas significantes que são, afinal, aessência do Museu / Templo da intercultura-lidade e o seu maior acervo

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As famílias, percursos e valores – re-serva de memórias / património imate-rial da comunidadeAs genealogias e parentesco comodetonadores da memória e ferramentada Museologia Social

Em 2007, o Museu do Trabalho Michel, poraltura do XII Atelier Internacional doMINOM, inaugurou no espaço museológico,uma exposição designada “Varinos, nós? –Como musealizar um sentimento “, a partirde um estudo aprofundado dos percursos devida e reconstituirão das arvores genealógi-cas e das relações de parentesco, de cincofamílias tradicionais de pescadores e de ope-rárias conserveiras de Setúbal. Este estudofoi realizado em parceria com o departa-mento de Antropologia da UniversidadeNova de Lisboa, com a participação de doisestudantes finalistas de Antropologia, em re-gime de estágio académico no museu.

Os varinos de Setúbal são migrantes daMurtosa, litoral Norte português, que chega-ram a Setúbal em finais do séc. XIX, início doséc. XX, em demanda de melhores condiçõesde vida, numa cidade marítima que nessaépoca se encontrava em pleno desenvolvi-mento industrial conserveiro. Sedearam-seno Bairro da Fontaínhas e posteriormente ex-pandiram-se ao Bairro Santos Nicolau, tor-nando-se uma das duas principais comunida-des marítimas em Setúbal. A outra, em tem-pos sua rival, era constituída por migrantesalgarvios, litoral Sul português, que habita-vam maioritariamente o Bairro Tróino.

O projecto baseou-se no estudo das famíli-as de varinos migrantes ou descendentes demigrantes, tendo como principal objectivoaceder às suas memórias e aos processos deconsolidação das suas identidades, com re-curso ao parentesco, ferramenta clássica daAntropologia com renovada aplicação naMuseologia Social.

Perguntas como, qual a constituição dasfamílias migrantes?; que redes sociais supor-taram essas migrações?; como se estruturavao quotidiano? como se estruturava a divisãodo trabalho na comunidade?; que valoreseducacionais e religiosos estavam na base dacomunidade?; e fundamentalmente como seestruturavam as identidades dos migrantes edos seus descendentes?, forneceram o pontode partida ao estudo.

Varinos, nós ?

Como musealizar um sentimento ?A exposição - objectos, signos, signifi-cações e (re)significações. Etapas, fer-ramentas e metodologias.

Mas então, que objectos são esses que nospropomos apresentar nesta exposição ? Quegestos ou, mais precisamente, que gestuali-dades, os tornam significativos ? Que subtile-zas lhes conferem emoção ? Como museali-zar um sentimento ... eis a questão.

O desafio era gerar novos conhecimen-tos e suscitar inquietação relativamente auma categoria identitária – os varinos, emSetúbal, aparentemente cristalizada numbeco histórico. Ora, tendo como lastro oaturado trabalho de campo realizado porMarta Ferreira e Ricardo Lousa, finalistasde Antropologia da Universidade Nova deLisboa, em estágio académico no Museudo Trabalho Michel Giacometti,procurámos transpor para uma linguagemmuseográfica , um dos aspectos maismarcantes deste estudo. A identificação de“um sentimento varino”, algo difuso, de di-fícil definição, desgastado pelo tempo, deque nos falam algumas pessoas, de váriasgerações, ligados a famílias de origemmurtoseira que migraram para Setúbal des-de meados do século XIX, em demanda detrabalho nas pescas e nas conservas de pei-xe.

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A identificação desta identidade, tantasvezes patenteada como um pitoresco “ bilhe-te-postal”, carece de redefinição. Carece deperguntas para as quais raramente encontra-mos respostas nas palavras ditas. Hoje, quan-do perguntamos aos nossos informantes, oque é e como se distingue um varino , repor-tam-se a coordenadas de espaço/tempo – al-guém que habita algures entre as Fontaínhase o Bairro Santos Nicolau, que tem ascen-dentes na Murtosa e que vivia de certa ma-neira, segundo certos princípios hoje, muitodifíceis de identificar e quase impossíveis dematerializar expograficamente.

A questão está em que os tempos muda-ram e a ideia idealizada do pescador “bilhetepostal” de camisa de xadrez e boné tambémse alterou. Assim sendo, urge questionar queauto-representação têm os mais jovens destasuposta identidade varina, que imagem têmos setubalenses, em geral, do tão aclamadopescador de Setúbal .

Pergunta-se mesmo à laia de provocação– constituiria motivo de interesse etnográfi-co, pretexto fotográfico, bandeira turísticaou tema patrimonial, um jovem pescadorque de manhã navega no rio e à tardena Internet ? Alguém aparentemente indis-tinto, que usa calças “ Lois”, polos “Lacoste “e óculos “ Ray Ban “ cabe no nosso imaginá-rio de pescador ? Em que cartografia da me-mória se inscreve este homem? Em que pai-sagem humana o fantasiamos ? Que futurolhe vaticinamos ? E ele, como se sentirá nes-te tempo ambíguo ?

Esta personagem, paradigma de muitasoutras, não é uma ficção, tem uma existênciareal na comunidade marítima local, sinteti-zada na história de vida do elo mais jovemde uma das cinco famílias de varinos por nósestudadas.

Por imposição dos tempos, por mimetis-mo social, em resposta a novas necessidades

e funcionalidades da vida moderna, este pes-cador de novo tipo, cortou as amarras comos estereótipos, perdeu definitivamente os si-nais exteriores de exotismo, ditados pelo ves-tir, pelo falar e pelo estar. Habita hoje outroespaço na cidade, portanto é dentro de sipróprio que temos que ir descobrir o tal “sentimento varino “que vem à baila, quandonos fala da infância no Bairro Santos, dosmagotes de rapazes que percorriam a pé acidade, dos tempos passados com o pai napesca, da ritualização dos costumes, do baterdas cartas nas tabernas. É alguém que se sen-te filho do mundo contemporâneo, membroda comunidade global, mas ciente e segurode uma origem determinada que o engran-dece e ancora a um passado marcante. Fa-lou-nos do alto dos seus trinta e cinco anosde idade, da enorme vontade de deixar tudo(actualmente é mestre de rebocadores), e se-guir as pegadas do pai, investir na velha em-barcação da família, uma barca chamada“Alice dos Santos“ (nome da avó), vezeira nasFestas da Troia e zarpar, mar dentro, a captu-rar chocos, lulas, linguados, etc., seguindo atradição da família, sem abdicar da compa-nhia do moderno pc portátil que o atira paraas velozes ondas do mundo, quando as águasdo rio estão mais paradas e o peixe teima emnão aparecer.

Assim, voltando à questão como museali-zar um sentimento, neste caso “um sentimen-to varino “, optámos por pedir a cada famíliaque escolhesse um objecto significativo daherança varina, com o intuito de apresentarcinco objectos com “estória“, de significantememória. Surgiu um problema – homens emulheres não convergem nessa escolha. En-tão mudámos as regras e combinámos expordois objectos por cada família, um escolhidopelos homens e outro pelas mulheres. Tam-bém cada família retirou do álbum as foto-grafias mais significativas para expormos nomuseu. Tudo será legendado com a partici-pação dos nossos interlocutores e na sua for-ma de contar. Mas alguns, sobretudo os mais

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velhos, não sabem ler ... assim filmámos, paraacesso visual, o que nos disseram sobre osrespectivos objectos, as significações e gestu-alidades associadas. Então, foi muito interes-sante descobrirmos o que, nem sempre, aspalavras explicam. A exemplificação gestualdo uso de um simples xaile preto de merino,com franjas de seda, guardado há cerca denoventa anos, no seio de uma das mais anti-gas famílias, mostra-nos que este assume dis-tintas formas de se fazer ao corpo, consoantea ocasião e a disposição. Uma linguagemsimbólica subtil, provavelmente um traço daidentidade varina (a confirmar em estudoscomparados), reconhecido entre as mulhe-res da comunidade, passado de geração emgeração, num vendo/fazendo quase mudo,que se vai entranhando. Uma memória sin-gular, sedimentada nos gestos : - “o xaile parao dia-a-dia”, caído pelo corpo sem artifícios ;“o xaile para festa”, alegre, descaído sobre osombros ; “o xaile para a missa” e o “xaile parasentimento “ que, em sinal de respeito ou deluto, tapa a cabeça e aconchega a dor.

Os objectos nesta exposição apresentam-se como que fragmentos de um “relicário”de família, mote para desfiar “ estórias “, ân-coras de memórias, contornos de um “senti-mento varino “que talvez um dia venhamosa compreender. Por essa mesma razãocomeçámos este texto com um ponto de in-terrogação - Varinos, nós ? Pois assim se in-terrogam os mais jovens, surpreendidos coma persistência deste epíteto, tão longe vai otempo da varinagem ; usámos as reticências... em sinal de continuação.

O Museu, espaço cerimonioso de escuta,contra indiferença.

Gilles Lipovetsky, em “ A Era do Vazio “(1983), um ensaio sobre o individualismocontemporâneo, refere que :

“A sociedade pós-moderna é a sociedadeem que reina a indiferença de massa, em

que domina o sentimento de saciedade e

de estagnação, em que a autonomia pri-vada é óbvia, em que o novo é acolhido

do mesmo modo que o antigo, em que a

inovação se banalizou, em que o futurodeixou de ser assimilado a um progresso

inelutável.

(...) A cultura pós-moderna é descentrada

e heteróclita, materialista e psi, porno e

discreta, inovadora e rétro, consumista eecologista, sofisticada e espontânea,

espectacular e criativa; e o futuro não

terá, sem dúvida, que decidir em favorde uma destas tendências, mas, pelo con-

trário, desenvolverá as lógicas duais, a

co-presença flexível das antinomias “

O Museu que se cala para escutar, que ob-serva criteriosamente, que diversifica osemissores e implica as pessoas na dissemina-ção dos patrimónios e memórias, presta,quanto a nós, um importante serviço à co-municação polifónica e à livre expressão dopensamento e das identidades.

No mundo global e ruidoso em que esta-mos mergulhados, as pessoas precisam dosilêncio, anseiam ser ouvidas. O museupode recuperar esse importantíssimo pa-pel na sociedade, pode ser um espaço ce-rimonioso de escuta, um lugar fiável einspirador, um parceiro competente e activona mudança.

A disponibilidade para ouvir é, quanto anós, uma das formas mais activas de suscitara participação e de favorecer as expressõesidentitárias dos diferentes grupos na comu-nidade. A participação manifesta-se muitasvezes pelo silêncio, por isso é necessário es-tar atento, observar, deixar fluir. Criar oportu-nidade para o debate, retomar o lugar perdi-

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do da Ágora social (2) e reconhecer, sem pre-conceitos, a dimensão política (na perspecti-va de Hanna Arendt) do museu e sua especi-ficidade em gerar empowerment, através dasoperações museais participadas, dos traba-lhos da memória, dos projectos integrados edo reforço das identidades.

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Notas1 O Museu do Trabalho Michel Giacometti é um

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2 DE L’ÉCOMUSEE AU MUSÉE-FORUM-ÁGORASOCIAL. Touché, comme bien d’autres, par lesenseignements de G.H. Rivière, par lamuséographie de Per Uno Agren, par deséchanges fréquents avec Hugues De Varine , jesuis entraîné dans le mouvement associatif,depuis les évènements d’Avril 74, au Portugal.Parallèlement, je m’associe aux rencontresorganisées par le Creusot-Montceau-les Mines ,devenu un certain temps un pôle deconvergence de muséologues à la recherche de“ quelque chose d’autre “ : Tous contaminéspar la vague écomuséale qui déferle en France,dans les années 70, la muséologiecommunautaire active au Mexique, le terreauest mûr, au début des années 80 , pour uneaction décisive de la part de musólogues et denon muséologues contestant le système. Cefurent, coup sur coup, la creation del’Ecomusée de la Haute-Beauce – Muséeterritoire, légitimisé par un article de Hugues deVarine sur “ L’Ecomusée “ (Canada, l978), dessignes de mécontentement sporadiques au seinde Conférences générales de l’Icom (Mexico,Londres), la convergence spontanée de “nouveaux muséologues “ au Québec (1984),puis au Portugal , en 1985, pour la fondationdu mouvement. La référence à la Déclarationde Santiago du Chili (1972) devient le prétextede légitimisation auprès de la communautémuséale internationale des partisans duchangement qui ,étonnament, recevra l’aval del’Exécutif de l’ICOM sous forme d’uneorganisation affiliée: On découvre l’ampleurhistorique et territoriale des principes quirégiront çle mouvement à travers la révélationdes expérioences des deux continentsAméricains., un fil d’Arianne qui n’a rien delinéaire, dont les tenants et aboutissantss’entrecroisent, s’ entremêlent, pour place àune philosophie de la “gestion de lacompléxité des représentations sociales“ .Reprenant la suggestion de John Kinard sur lacreation du forum catarsys, les tendances plusrécentes de grandes institutions muséales à setransformer en agoras ( place d’idées, placemarchande confondues ), nous asssistons aupassage progressif du concept de l’écomusée,réactualitsé, à travers ses différentesgénérations, au concept intégratif de Musée-Forum-Agora social, faisant la part égale àl’exposition et au débat citoyen. Cettetransmutation, déjà sensible à Santa Cruz deRio , apparaîtra avec évidence à Setubal lors du12e Atelier international du MINOM.Pierre Mayrand, 25 de Abril de 2008, in “Musealogando – blog Museologia Social, http://www.musealogando.blogspot.com/

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MINTRODUÇÃO

Minhas experiências nos últimos anos, à frente da Coordenação do Museu

Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, e como docente da discipli-

na Laboratório de Cultura Africana e Afro-brasileira, no curso de graduação em

Museologia desta mesma Universidade, entre outras experiências, evidencia-

ram a necessidade de reflexão sobre formas de patrimonialização e processos

expositivos de elementos relativos às culturas africanas e afro-brasileiras, no

Brasil, pois é perceptível, no sistema de representações, incluindo os museus, a

propagação de discursos e imagens sobre a presença de heranças negras na

formação da chamada “cultura nacional” marcados por repetição de lugares

comuns, conceitos e preconceitos, reduzindo e desqualificando a importância

da presença de matrizes africanas na construção das nossas formas de vida,

trabalho, sensibilidades, etc.

An MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

3ARTIGO

Museus, Exposições e Identidades:os desafios do tratamento museológico do patrimônio afro-brasileiro.

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MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA158

Minhas experiências nos últimos anos, àfrente da Coordenação do Museu Afro-Brasi-leiro da Universidade Federal da Bahia, ecomo docente da disciplina Laboratório deCultura Africana e Afro-brasileira, no cursode graduação em Museologia desta mesmaUniversidade, entre outras experiências, evi-denciaram a necessidade de reflexão sobreformas de patrimonialização e processosexpositivos de elementos relativos às cultu-ras africanas e afro-brasileiras, no Brasil, poisé perceptível, no sistema de representações,incluindo os museus, a propagação de dis-cursos e imagens sobre a presença de heran-ças negras na formação da chamada “culturanacional” marcados por repetição de luga-res comuns, conceitos e preconceitos, redu-zindo e desqualificando a importância dapresença de matrizes africanas na constru-ção das nossas formas de vida, trabalho, sen-sibilidades, etc.

De forma geral, manifestações culturaisde origem ou influência africana são trata-das e apresentadas em recortes turísticos efolclorizadores que camuflam a força e osentido dessas manifestações na vida brasi-leira. Podemos entender tal questão quandoconsideramos que exercícios de preservaçãoe patrimonialização estão relacionados aomodo pelo qual matrizes culturais são histo-ricamente construídas, sistematizadas eselecionadas, percebidas, e às formas pelasquais cada sociedade pretende representar-se e identificar-se. Sendo o Brasil, historica-mente ávido por branqueamento e constru-ção de auto-imagens européias, são produzi-dos discursos marcados por visõeseurocêntricas na formulação de umapretensa cultura nacional, discriminandoculturas negras ou culturas de negros.

A questão da representação de grupos cul-turais ditos tradicionais, em museus ou qual-quer outro meio de difusão, tem estado naordem do dia como resultado do maioracesso e participação de membros de tais

grupos nos movimentos sociais, produzindopressões que levam ao redimensionamentode propostas e práticas institucionais, bus-cando garantir a manutenção e justificativada existência de suas memórias. Mesmo as-sim, e talvez por isso mesmo, é clara a resis-tência dos museus no redimensionamentode suas práticas e abordagens, verificando-sedefasagem muito grande no que diz respeitoa discursos afirmativos que explicitem os va-lores de grupos historicamente colocados àmargem na sociedade e nos seus mecanis-mos de representação simbólica.

A ação preservacionista como um todo, eas práticas museológicas, em particular, con-figuram-se como uma apropriação de reali-dades que implicam na produção de ima-gens e referências de memórias. Tais opera-ções e jogos operados no tratamentopatrimonial, produzem formas e modos derememoração, ao mesmo tempo em queproduzem efeitos e exercícios de esqueci-mento. Portanto, na dialética das culturas eno processamento histórico das referências epráticas culturais, Museus e Exposições cons-tituem-se como campos abertos para exercí-cios de trocas simbólicas, jogos de poder ede referências culturais, como campos privi-legiados de lutas e negociações nas práticassociais, em embates entre os diversos grupossócio culturais constituídos e seus interessescoletivos e específicos.

Expor é revelar, comungar, evidenciar ele-mentos que politicamente precisam serexplicitados, em uma perspectiva relaciona-da a um momento histórico, uma produçãoestética, um ideal político. O Museu é ele-mento de propaganda ideológica através deimagens e objetos, visando fabricar uma ima-gem ideal1 da realidade e suas dimensões.Logo, ao analisarmos exposições museológi-cas e as representações nelas recorrentes, énecessário entender a construção destas re-presentações como um processo histórico,buscando compreender também, a aborda-

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MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 159

gem baseada nas imagens oficialmente cons-truídas, e conseqüentes inclusões e exclusõesrealizadas.

Os processos de exclusão social ocorridosna formulação da nação brasileira e de suaidentidade nacional, utilizando a culturacomo ferramenta operacional, fundamenta-ram-se na idéia de depuração do “cenário”,de limpeza, organização e classificação dassuas referências nativas, portuguesas, africa-nas, com a idealização das narrativas em tor-no destes contingentes, e mitificação de al-gumas participações e presenças heróicasdas três raças ao longo da nossa história.

Neste processo está implicada a contínuadeterminação de papéis de destaque e desubordinação, a existência de indivíduos quevencem e outros que são vencidos, gruposque constróem e outros que supostamenteimpedem o amplo desenvolvimento da na-ção, decorrendo um discurso maniqueísta emanipulado em torno de histórias nacio-nais. Na perspectiva oficial de nacionalidadehomogênea, a diversidade e a pluralidadepodem significar riscos para imagens ideali-zadas construídas para a Nação, com conse-qüente ameaça a poderes e lugares instituí-dos. A idéia de homogeneidade traz consi-go, normalmente, um processo de subordi-nação, de exercícios de poder de um certogrupo que opera conceitos e práticas ofici-ais da sociedade em detrimento de outrosgrupos, subordinados e inferiorizados noquadro das referências culturais e das deci-sões e definições.

No quadro do que é identificado comocultura nacional temos, pois, de estar atentospara a complexidade de sua constituição/re-constituição, que implicam na diversidade,pluralidade, contradição e mesmo oposiçãode referências, contextos, indivíduos e seusinteresses. No Brasil, país formado por diver-sidade étnica muito grande, em que cada umdos segmentos consagrados – índio, branco e

negro – traz em seu contexto desdobramen-tos de grupos culturais, a realidade nacionalexpõe contextos extremamente plurais dereferências culturais, fundindo-se em novosagrupamentos culturais, mas também con-servando traços referenciais antigos e lon-gínquos, em ambiente onde a tradição e ainovação dialogam permanentemente, emfusões e rupturas, acréscimos e exclusões.Daí a necessidade de passar da idéia de Iden-tidade Nacional Brasileira monolítica, ho-mogênea, para a idéia de Identidades Brasi-leiras, de Culturas Brasileiras, resultantes deconflituosos encontros desenvolvidos aolongo de 500 anos. Para esta operação ficamevidentes o papel e a importância dos patri-mônios nacionais, que devem ser entendidoscomo

[...] o lugar onde melhor sobrevive hoje a

ideologia dos setores oligárquicos [...]

existe como força política na medida em

que é teatralizado [...] O mundo é um

palco, mas o que deve ser representado

já está prescrito. As práticas e os objetos

valiosos se encontram catalogados em

um repertório fixo. [...] Por isso as noções

de coleção e ritual são fundamentais

para demonstrar vínculos entre cultura e

poder.2

Nesta perspectiva, o museu exerce papelde grande importância, como espaço institu-cional destinado à apresentação ritualizadadas culturas, palco para a sua exibição e en-cenação, em que celebram-se valores elei-tos como representativos de nacionalidadese de culturas nacionais constituídas por eli-tes dominantes e seus simpatizantes. Nesteprocesso percebemos que o século XIX foiessencial, quando se desenrolaram ações es-pecíficas, com estabelecimento de paradig-mas fundamentais na definição, proteção esocialização de traços culturais entendidoscomo patrimônio da civilização ocidental,estabelecendo-se vários Espaços de Memóriacom o objetivo de marcar e definir os ele-

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MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA160

mentos constituintes de Nações que surgiame/ou afirmavam-se.

A lógica de exaltação de determinadaspráticas e grupos sócio culturais, em detri-mento de outros, justificaram inclusive, todoo processo de expansão colonizadora doOcidente cristão como forma de propiciarprocessos civilizatórios para grupos consi-derados inferiores, primitivos e a-históricos,em um projeto justificado por discursomessiânico no qual os conflitos decorrentesdo confronto de culturas e as conseqüênciasdevastadoras destas intervenções foram ab-solvidos pelos alegados benefícios espirituaise intelectuais dele decorrentes. A mão civili-zatória e confiscatória justificava-se, por seucaráter benemérito e supostamente desinte-ressado.

Desde momentos iniciais desta expansãoocidental houve grande interesse pela cultu-ra material de povos e países colonizados,que gerou a criação de museus etnográficos,acarretando prejuízos para grupos de inte-resse para a etnografia e a ciência da época,com a ação violenta de retirada de elemen-tos de suas culturas materiais, que eram envi-ados para Institutos de Pesquisa e Museusetnográficos europeus em formação

No caso do Brasil, o surgimento de umanação livre, no século XIX, implicou a(re)construção de imaginários e referênciasque a sustentassem e a justificassem, crian-do-se espaços de produção e sistematizaçãode conhecimentos, com a definição de ce-nários, atores e enredos para a obra que erainaugurada, sendo importantes os InstitutosGeográficos e Históricos, as Escolas de Direi-to e de Medicina, bem como os Museus, es-paços em que o perfil ideal do Brasil e doHomem Brasileiro era estudado, forjado eapresentado ao público.

No projeto de construção da Nação e daIdentidade e Cultura Nacional brasileira, ba-

seado em conceitos elitistas de história,povo, língua, cultura e arte, são evidentes asdificuldades de introduzir elementos da cul-tura material e sensível de povos considera-dos primitivos, sem história e sem arte, se-gundo idéias dominantes na época, sendoutilizadas formas de exclusão e/oufolclorização e manipulação de referênciasculturais de grupos como os afro-descen-dentes, por exemplo. O problema de cons-trução de imagens de progresso e moderni-dade e do projeto nacional baseado em pa-radigmas referentes à civilização européiatornou-se evidente devido à presença dematrizes culturais consideradas inferiores eincivilizáveis.

Tal discurso vigente no Brasil, desde o sé-culo XIX, foi projetado para o XX e, mesmoapós surgirem idéias questionadoras destasnoções racistas, firmaram-se no imagináriosocial, não somente entre pessoas considera-das despreparadas, mas, inclusive, e talvezprincipalmente, como parte do pensamentodas elites brasileiras, ecoando até hoje, emvários discursos, de forma explicita ou implí-cita. À cultura branca com raízes européias,considerada superior e civilizada, opunham-se a cultura indígena autóctone e a culturanegra, consideradas inferiores, selvagens ebárbaras. Em tal situação produziam-se dis-cursos que passavam pela confrontação deforças e pela necessidade do estabelecimen-to de estratégias de controle e regulação queatenuassem o problema da formação étnicabrasileira, definindo a predominância de tra-ços culturais de origem européia para aformatação da nacionalidade brasileira. Opreconceito sobre as manifestações culturaisde origem africana produziu imaginário so-cial discriminatório, gerando novos e inter-mináveis preconceitos e intolerâncias, base-ados no desconhecimento efetivo das carac-terísticas essenciais destas culturas.

Ainda no quadro das tensões em torno daformação étnica brasileira, torna-se perceptí-

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MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 161

vel que na impossibilidade de exclusão oumascaramento das presenças afro nas cultu-ras brasileiras foram constituídas estratégiasdiversas para dissimular traços destas cultu-ras, com recorrência a artifícios como afolclorização e fetichização. Neste contextoa preservação / patrimonialização estabele-ceu-se como ferramenta de grande impor-tância no processo de seleção para a formu-lação e estabelecimento de imagens acercada cultura nacional. A necessidade de defi-nir lugares específicos para as expressõesculturais e seus agentes produziu uma siste-matização da cultura, estratificando manifes-tações e testemunhos, valorando-os a partirde padrões, paradigmas e estereótipos e pro-duzindo tipologias diferenciadas de locaisde preservação.

Surgiram determinados espaços, alternati-vos, para expressões consideradas à margem,ou fora do pretendido nível para a qualidadeda cultura nacional. Categorias como folcló-rico e etnográfico transformaram-se em pon-tos de direcionamento para elementos quesetores dominantes pretendiam deslocar dofoco da cultura oficial. A qualidade de fol-clórico, por exemplo, passou a destinar-separa a produção dita popular, no sentido deinferiorização que a idéia de cultura popularpassou a ter, associada basicamente a negrose pobres, em comparação, de forma parciale interessada, com a cultura escolar e erudi-ta, de herança européia e notadamente bran-ca, percebendo-se ainda a tendência de pen-sar o folclore e a cultura popular como ma-nifestações extintas ou em vias de extinção,culturas pensadas como culturas mortas, ar-caicas, reservadas a momentos específicos,aos círculos de estudos acadêmicos e deamadores bem intencionados. A força dasculturas populares, como fruto das organiza-ções comunitárias, é reduzida a imagem dealgo pensado como frágil, porque diferentedo imaginário oficial de referências e práti-cas culturais “bens estruturadas”. Na verdade,uma atitude política e bem definida que

exotiza, exorciza e infantiliza as culturas dosgrupos ditos populares, rurais, tradicionais.3

Considerando a importância dos museusno quadro das instituições responsáveis pelaconstrução e difusão de imaginários nacio-nais, e a questão conflituosa da negação donegro na sociedade brasileira, podemos in-dagar sobre o que tem sido exposto nas ex-posições que tratam de culturas afro-brasilei-ras, ou culturas africanas e sua presença nacultura ocidental.

No quadro das construções simbólicas emmuseus e exposições brasileiros acerca dainserção de culturas africanas nas culturasbrasileiras podemos perceber recorrências.A primeira está relacionada ao fato de queraras são as exposições, entre nós, voltadas àapresentação de culturas africanas e afro-brasileiras, que quando aparecem são trata-das como apêndices de narrativas em quepredominam o referencial e o capital simbó-lico relacionados a visão de mundo pautadaem valores do ocidente branco e “civiliza-do”. Esta omissão de tratamento está relacio-nada ao modo como é construída e aborda-da a relação histórica e cultural entre Brasil eÁfrica, em que há um tratamento que apre-senta as culturas africanas como manifesta-ções que tangenciam as culturas brasileiras,sem que seja afirmado, de forma categórica,que estamos falando de uma das bases essen-ciais da pretendida cultura nacional.

Ainda sobre imagens e discursos apresen-tados sobre a África identificamos referênci-as em perspectiva romantizada, naturalizadae racializada, nos moldes dos naturalistas ecientistas de fins do século XIX e inícios doXX, ou referências a um continente atrasado,povoado por sujeitos incapazes de decidi-rem sobre seus destinos e caminhos. Imagi-nários que nem sempre se apresentam deforma explícita, mas sub-repticiamente emdiscursos que insistem em uma África nopretérito, marcada por culturas tradicionais,

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nas quais tecnologias e modos de viver esta-riam classificados em estágios de primitivosa retardados. Não encontramos exposiçõesque apresentem referências contemporâneasdo continente, na sua complexidade decor-rente dos diversos momentos históricos, des-de o período pré-colonial até a atualidade.

Esta visão de uma África marcadamentetradicionalista, que alia tradição à manuten-ção invariável de usos e costumes, sem histo-ricidade, é acompanhada da visão que apre-senta o continente africano como um blocohomogêneo, sem que sejam considerados eexplicitados sua diversidade sociocultural,política e étnica. Tal construção simbólicarepete-se, em afirmações ou silêncios, nassalas de exposição. A visão homogeneizadado continente africano transferiu-se para asimagens e imaginários construídos em tornoda presença de africanos no Brasil, sem aconsideração da ampla diversidade de gru-pos étnicos, manifestações culturais e tradi-ções que aqui aportaram, ocorrendo tam-bém a construção de imaginário sobre a su-perioridade iorubana que, somente nos últi-mos anos, começou a ser questionada, com aemergência de estudos e movimentos volta-dos para explicitar a forte presença de gru-pos bantofones no Brasil e a decorrente pe-netração de elementos culturais destas etniasna formação das nossas culturas.

Outro fator presente nas salas de exposi-ção brasileiras é a localização dos negros nopassado, cumprindo papéis relacionados aoperíodo colonial e imperial, basicamente nalavoura monocultora, omitindo-se a impor-tância de escravos e libertos no âmbito dosistema econômico brasileiro como umtodo, em uma sociedade, que se estabeleceue manteve em relação de dependência totalcom mão de obra negra cativa. Na aborda-gem da participação de negros nos diversossetores da sociedade brasileira, observamosque existem lugares específicos de represen-tação, enfatizando-se o trabalho braçal das

lavouras e serviços da casa-grande, deixan-do-se de lado vários outros setores em quenegros tiveram presença marcante, comonas chamadas artes e ofícios, produzindoobjetos para a sociedade civil e religiosa.Não encontramos, em nenhuma exposiçãode arte sacra cristã colonial, informações so-bre a vasta participação de negros e mestiçosna sua produção.

Os discursos costumam ser elaborados emperspectiva comparativa, utilizando-se termosclassificatórios que enfatizam características daprodução de cultura material de africanos eprotagonistas das diásporas negras, através deadjetivos como ingênuo, rudimentar, elemen-tar, primitivo, selvagem. Supostas superiori-dades são evidenciadas a partir da monta-gem de cenários que contrapõem hábitos ecostumes do mundo dito civilizado e supe-rior a outros que apresentam traços consi-derados como reveladores de inferioridade.

Através de gravuras, objetos e documentosescritos, predominam referências a castigose controle dos escravos, produzindo imagi-nários de desobediência de negros, como re-ações pessoais aleatórias, no entanto, não sefala sobre as estratégias de reações individu-ais e comunitárias, organizadas desde o inte-rior das senzalas, passando pela casa grandee ganhando ruas, citando-se o movimentoquilombola, mas de modo reduzido, em re-corte focado no Quilombo dos Palmares,sem que sejam explicitadas característicasdestes movimentos. Esta ausência de desta-que a movimentos associativos ocorridos en-tre negros escravos e libertos, na sua diversi-dade de configurações e objetivos, é quebra-da com considerações sobre algumas irman-dades, mas ainda assim, sem aprofundamen-to sobre as dinâmicas e importância destasorganizações.

No âmbito dos enfoques referentes às reli-giosidades encontramos apresentações quenão exploram a complexidade e diversidade

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dos mitos e ritos africanos, sua transposiçãopara o Brasil e o surgimento de novas estru-turas, criadas para dar conta de novas situa-ções e necessidades locais. O tratamento émarcado por um recorte que apresenta namaioria das vezes, divindades iorubanas,destacando-se, por vezes, algum líder religi-oso, influente em determinado local, semque, no entanto, sejam esclarecidas questõesrelacionadas à estrutura e organização religi-osa de caráter afro-brasileiro e o importanteprotagonismo de tais líderes comunitáriosreligiosos.

O sincretismo religioso afro-brasileiro étratado como operação de subordinação aouniverso judaico cristão, e não como estraté-gia ardilosa de sobrevivência e simulação deimaginários e práticas religiosas. Por outrolado, os terreiros de candomblé não sãoabordados como espaços de resistência quepossibilitaram, através de suas dinâmicas, apreservação de sínteses de elementos cultu-rais africanos transplantados para o Brasil.

Uma questão que chama bastante atençãosobre as exposições é o fato de que apesar deestarem tratando de culturas nas quais ritmose sonoridades são de extrema importânciacomo veículos de comunicação, raras são asque utilizam o recurso de sonorização do am-biente, prevalecendo espaços expositivos si-lenciosos, ainda que com presença de instru-mentos musicais em suas bases e vitrines. Estaquestão serve para indicar que o tratamentoexpográfico destas culturas, constitui em simesmo um desafio, pois estas se desenvolvemem estruturas complexas, que incluem uma in-finidade de elementos que se inter-relacionamem contextos de performances e diálogos en-tre diversas estruturas materiais, imagéticas ementais, em jogos de cor, ritmos e interações.Esta situação traz para o museólogo, o desafiode articular, na exposição, objetos e sentidosque se encontram inteiramente desterritorali-zados, deslocados e reinterpretados, quandoapresentados nas salas de museus.

Esta complexidade leva, geralmente, aque documentos das culturas africanas e dasdiásporas sejam interpretados e apresenta-dos, recorrentemente, pelo prisma daetnologia e antropologia. Quase nunca en-contramos reflexões sobre o potencial histó-rico e artístico destes acervos que, quandomuito, são apresentados como complemen-tares - ou de oposição –, a objetos históricose artísticos pertencentes a de sistemas cultu-rais forjados a partir de idéias, conceitos evisões de mundo ocidentais, europeizadas.Exposições parecem não estar articuladasaos avanços que têm sido observados, nosúltimos anos, na produção historiográficasobre o continente africano, sua história, seuspovos e culturas e ainda sobre o Brasil e asvárias dimensões da presença de tradições eculturas africanas, registradas através do patri-mônio artístico / cultural e na história do Bra-sil. Vários discursos identificados em salas deexposição sobre o tema, já encontram-se de-fasados em relação ao que vem sendo divul-gado e discutido em outros contextos, comoperiódicos publicados em vários centros deensino e pesquisa no Brasil e exterior.

Decerto não podermos esperar que osmuseus atualizem, permanentemente, osconteúdos de suas exposições, mas devembuscar a atualização de seus discursos, lan-çando mão de uma infinidade de recursosexpográficos, que em diálogo com os objetosexpostos reforcem os sentidos dos temas tra-tados e colaborem para maior entendimentodo que é apresentado. Registros cinemato-gráficos e sonoros, por exemplo, certamenteampliam a percepção do público em rela-ção aos elementos culturais que são aborda-dos e expostos, atenuando a distância ehermeticidade da apresentação de objetosdeslocados de seus contextos.

Por outro lado é necessário que os museuse suas coleções sejam vistos como espaçosque podem contribuir com o trabalho do his-toriador, do antropólogo, do etnólogo, do

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artista, entre outros, uma vez que os objetosdepositados em suas reservas técnicas ou sa-las de exposição, são ricos indicadores deevidências históricas, que podem permitir arecuperação de sentidos essenciais para acompreensão das trajetórias dos diversos gru-pos sócio-culturais no contexto brasileiro.

Museus e exposições surgiram, e têm ser-vido, ao longo do tempo, como veículos deafirmação de discursos para a dominação,como centros produtores e difusores de idéi-as através de textos, objetos e imagens, sele-cionados, clivados e preservados, na medidados interesses de grupos detentores do poderde afirmação e manutenção de referenciaispatrimoniais oficiais. Buscando reverter estequadro, têm sido desenvolvidas iniciativas jáhá algumas décadas, provocando novasperspectivas de seleção, preservação e exibi-ção de traços culturais desprezados, trazen-do à cena novas narrativas e atores sociais,até então relegados a segundo plano, surgin-do diversificação de tipologias institucionaise formas de realizar exposições, abrindo bre-chas para introdução de conteúdos antesimpensáveis como passíveis de preservaçãoe exposição.

Entre tais iniciativas podemos apontar areestruturação do Museu Afro-Brasileiro daUniversidade Federal da Bahia, o surgimentodo Museu Afrobrasil, em São Paulo, o proje-to de reestruturação do Museu da Aboliçãoem Recife e o projeto de criação do MuseuNacional da Cultura Afro-brasileira, em an-damento em Salvador. Projetos institucio-nais que podem ser encaradas como desdo-bramentos dos debates iniciados já há algunsanos, pelas ações do Movimento Negro e po-líticas afirmativas.

Em pesquisa realizada de 2002 a 20054

para analisar discursos expositivos sobre cul-turas africanas e afro-brasileiras, observamospermanências ou transformações nas abor-dagens apresentadas, em diferentes exposi-

ções e em diversos países, permitindo refletirsobre a historicidade das mesmas, conside-rando que as exposições são resultado demúltiplas conjunturas institucionais. Traça-remos aqui algumas considerações sobre al-gumas das instituições analisadas na cidadede Salvador.

MUSEU AFRO BRASILEIRO - UNIVERSIDADEFEDERAL DA BAHIA / CENTRO DE ESTUDOSAFRO-ORIENTAIS.

Criado em 1974, a partir de um Programade Cooperação com Países Africanos, tendocomo atribuições, tratar da contribuição afri-cana na formação cultural brasileira, expli-cando processos aculturativos no Brasil; pro-duzir descrições etnográficas dos povos afri-canos, propiciando a coleta, restauração epreservação de bens culturais afro-brasilei-ros e incentivar o artesanato e outras mani-festações culturais de origem ou de inspira-ção africana. Seu acervo foi composto depeças africanas, basicamente da região dacosta ocidental africana e peças afro-brasi-leiras, relativas às práticas religiosas e cultu-rais da cidade de Salvador.

O anúncio da sua criação e instalação noprédio onde havia funcionado a primeiraFaculdade de Medicina do Brasil provocouprotestos de professores e ex-professores daFaculdade de Medicina, e desencadeou ummovimento em que solicitavam que as insta-lações fossem destinadas exclusivamente aunidades relacionadas à Medicina, contes-tando a presença do Museu naquele prédio.Tal situação fez com que fosse inauguradosomente em 1982.

A reação da Congregação de Medicina àpresença do Museu neste edifício manteve-se mesmo após sua abertura, e mantem-seaté hoje, ainda que ocupando áreareduzidíssima (400 m2 ) em relação a que forainicialmente prevista - o conjunto arquitetô-nico, com cerca de 11.000 metros quadrados.

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Sua exposição inaugural foi estabelecidacomo “Módulo Inicial” a ser expandido –fato que nunca ocorreu. A exposição atual,inaugurada em 1999, resultante de reestrutu-ração iniciada em 1995, tem a seguinte pla-nificação:

1ª sala: África: Apresentação da África (ma-pas: geofísico, da África pré-colonial, da Áfri-ca colonial e contemporânea e do tráfico deescravos), mapa de localização da proveni-ência do acervo; apresentação de elementosda cultura material africana nos módulos:metalurgia, cerâmica, esculturas e máscaras,vestes – tecelagem, objetos proverbiais, ins-trumentos musicais, lazer.

2ª Sala – Reinos africanos: Reinos Bantos;Reino do Benin.

3ª Sala - Religiosidade afro-brasileira: in-formações sobre a vinda dos negros para oBrasil; nações religiosas do candomblé, di-vindades da religiosidade afro-brasileira; fer-ramentas litúrgicas e insígnias; fotos/referên-cias de pais e mães-de-santo; bonecas “mini-aturas de orixás”.

4ª Sala – Obra do artista Caribé: 27 ta-lhas retratando orixás.

Já no momento de sua criação, a impor-tância do Museu foi reconhecida pelo povo-de-santo, por grupos de capoeira, blocosafros entre outros segmentos da comunidadenegra baiana que doaram peças para com-por o seu acervo. Por outro lado, sua criaçãoera sinal do interesse crescente nos meiosacadêmicos e sociedade civil, pelo estudode culturas africanas e afro-brasileiras e pelarepresentação da sua importância no quadroda sociedade local e brasileira. O contextoda década de 1970 foi de grande importân-cia para a valorização das comunidadesafro-descendentes no Brasil, ocorrendo naBahia o fortalecimento do Movimento Ne-gro, entre outras ações com o surgimento

dos primeiros blocos afros. O Museu passoua ser ponto obrigatório em visitas oficiais re-alizadas a Salvador (a exemplo de ministrose chefes de Estado), atendendo a estudantesatravés de seu Programa Museu-Escola, ecomo local para manifestações culturais,lançamento de livros, exposições temporári-as de artes plásticas e desfiles de moda, degrupos organizados e indivíduos da comuni-dade baiana.

Malgrado sua importância, no final da dé-cada de 90 apresentava deterioração dassuas instalações, com necessidade evidentede atualização de seus recursos expográfi-cos, bem como da sua abordagem conceitu-al. Em 1995 foram iniciadas ações para a suareestruturação e novamente, ao se desenvol-ver este projeto, ocorreram protestos, porparte da Congregação da Faculdade de Me-dicina da UFBA, quanto à sua permanênciano prédio. Sua trajetória revela que o Museusempre esteve prejudicado pela falta de po-lítica para os museus da Universidade Fede-ral da Bahia, ficando evidente que diversascontingências marcaram e moldaram assuas abordagens conceituais e expográficas.

Ao considerarmos suas exposições, perce-bemos que a idéia de apresentar a diversida-de cultural do continente africano, bemcomo das sociedades afro-brasileiras, jamaisfoi concretizada, dada a inexistência deacervos e espaço físico suficiente para tal,bem como a dificuldade inerente ao trata-mento de tal tema, por sua complexidade eabrangência, aliada à falta de pesquisadoresespecialistas para a interpretação e comuni-cação dos conteúdos da totalidade do seuacervo.

Nos três projetos5, é sentida uma aborda-gem muito forte das referências à culturamaterial, com módulos enfocando determi-nadas tecnologias, sendo mais difícil, no en-tanto, abordar e tratar referenciais das cultu-ras sensíveis, as chamadas culturas

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imateriais. Máscaras e esculturas, por exem-plo, marcam presença na exposição semmenções ou configurações dos rituais, dan-ças e cerimônias aos quais cada uma dessasmáscaras se destinava ou se destina.

Analisando esta exposição percebemosausência de abordagens e referências aosmovimentos de afirmação de identidadesocorridos ao longo dos séculos, dos movi-mentos quilombolas às políticas públicasatuais e suas conseqüências. No projeto daatual exposição constava sala com referênci-as às lutas dos africanos na Bahia, com desta-que para momentos chave na articulaçãosocial, como formação de irmandades, gru-pos civis e resistências organizadas. No en-tanto, apesar de todo estudo ter sido realiza-do para a sua execução, a sala destinadapara tal módulo foi perdida nas negociaçõescom os representantes da Faculdade de Me-dicina, por ocasião dos últimos acertos paraa permanência do Museu no prédio, na dé-cada de 90. Perda imensa para a exposição,comprometendo o conteúdo de sua narrati-va histórica.

Em contrapartida, há questões que se dis-põem de forma interessante na exposição,como a busca pela fuga aos estereótipos, quesão comuns e recorrentes em exposiçõesdeste tipo, como, por exemplo, a ênfase nor-malmente atribuída às indumentárias utiliza-das pelos iniciados durante as cerimônias decandomblé, enfatizando-se cromatismospreviamente estabelecidos para as represen-tações das divindades. Na exposição atual,buscou-se trabalhar com questões maisabrangentes e singularizadoras para o trata-mento das divindades. Por exemplo, nestaexposição, a ferramenta do Orixá fica utiliza-da como elemento de identificação de ar-quétipos. Através dela busca-se construir umdiscurso que passa pela construção de ima-gens sobre as divindades, o que representampara os membros da comunidade, que senti-do atribuem a suas existências e ações.

Na atual exposição do Museu Afro Brasi-leiro houve tentativa de fugir da abordagemdo sincretismo, ou ao menos atenuá-lo, ape-sar de que para algumas divindades, comoOxalá e Iansã6, isto seja muito difícil. Fugirda abordagem recorrente do sincretismo en-tre catolicismo e candomblé, não está ligadoa uma vontade de negá-lo e desconhecê-loenquanto prática secular do encontro deculturas, crenças e valores europeus e africa-nos, mas ao desejo em refletir sobre movi-mentos atuais nas comunidades afro-brasi-leiras pela afirmação de suas culturas, sem anecessidade de utilização de elementos es-tranhos para a sua legitimação ou para aconstrução de discursos necessários no pas-sado e inteiramente prescindíveis na atuali-dade.

O projeto tentou tratar de aspectos das re-ligiões afro-brasileiras sem, necessariamente,falar de catolicismo, ficando evidente, noentanto, que, para além de desejos conceitu-ais e mesmo da vontade e orientação de cor-rentes políticas da organização civil e religi-osa afro, as dinâmicas culturais são comple-xas e o processo de sincretismo mantém-secom novas perspectivas e utilizações, fazen-do sentido, ainda, para um grande númerode pessoas do culto religioso de matriz afro,bem como ao chamado catolicismo popular,indicando um caminho de mão dupla, nasrelações e permanências culturais locais,onde estão envolvidos católicos e “povo desanto”.

Podemos argumentar que alguns dos pro-blemas sofridos pelo Museu Afro Brasileiroda Universidade Federal da Bahia, em suatrajetória, estão relacionados a pensamentose posturas racistas, que fazem parte de com-portamentos recorrentes na cidade do Salva-dor e estão presentes, também, no âmbito daUFBA. No entanto, nos últimos anos, tem sidodesenvolvidas pesquisas que buscam ampliare fortalecer os discursos e as ações destemuseu, como, por exemplo, as investigações

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recentes junto a Irmandade de Nossa Senho-ra da Boa Morte, na cidade de Cachoeira,Recôncavo baiano, e sobre memórias das ir-mandades instaladas na igreja de Nossa Se-nhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho,em Salvador, além de Programa Educativovoltado para contribuir para a aplicação daLei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade doEnsino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na rede de ensino público e priva-do no Brasil.

MEMORIAL MÃE MENININHA DO GANTOIS

Inaugurado em fevereiro de 1992 em ho-menagem a uma das mais importantes e co-nhecidas mães-de-santo do Brasil, que du-rante 64 anos foi sacerdotisa com grandeimportância e poder na cidade do Salvador,está instalado no local onde vivia a YalorixáMaria Escolástica da Conceição Nazaré, co-nhecida como Menininha do Gantois, emárea contígua ao barracão do terreiro7. A ex-posição inclui móveis, objetos de uso pesso-al, imagens religiosas, fotografias, entre ou-tros objetos, além de textos de personalida-des baianas. O espaço, distribuído em doisandares, é tratado museograficamente comcenário, vitrines, e painéis explicativos. Suaplanificação envolve:

Térreo:

· Sala de apresentação do Memorial, emque se destacam textos sobre a Yalorixá,revelando traços da sua personalidadee liderança.

· Sala com reprodução do quarto daYalorixá, com oratório, imagens católi-cas e mesa com colares de orixás e ou-tros objetos; penteadeira com rádio,imagem de Iemanjá, entre outras;cama, sobre a qual encontramos qua-dros de Jesus Cristo e santos católicoscomo São Jorge, Santa Bárbara, Santa

Marta, Nossa Senhora da Conceição,Santo Antônio e ainda dois terços emmadeira. Em uma divisão denominada“Sala dos Presentes”, vitrines expõemuma diversidade de presentes para a re-ligiosa, além de quadro com fotografiasque documentam alguns momentos im-portantes da sua vida.

Andar superior:· Sala com cadeira / trono que pertenceu

a Mãe Menininha e cinco vitrines con-tendo indumentárias, colares, panos dacosta e insígnias de orixás.

Na visita ao Memorial de Mãe Menininhado Gantois percebe-se a importância de umlocal de rememoração no qual a históriacontada foi vivida e que a narrativa imagéti-ca e textual foi feita pelos seus protagonistas,ou seja, é perceptível a relação entre a cultu-ra material apresentada e a própria comuni-dade envolvida no processo social em queemerge a liderança religiosa e a dinâmica deum templo religioso afro brasileiro da cida-de do Salvador.

Também interessa neste Memorial a suaabordagem biográfica, já que, normalmente,homens e mulheres das comunidades afro-brasileiras são lembrados reduzidos ao papelde personagens coadjuvantes, ou melhor,transformados em estereótipos, como abaiana de acarajé, a mãe-de-santo, o capoei-ra, normalmente apresentados de formaanônima, sem vínculos ou trajetória pessoal,em situação na qual o africano e seus des-cendentes são diluídos e plasmados no qua-dro genérico das ditas “manifestações cultu-rais e folclóricas afro-brasileiras”. NesteMemorial, esta lógica foi quebrada com anarrativa de uma história pessoal, evidenci-ando-se a força e a importância desta “casade santo”, da sua líder e sua comunidade. OMemorial, partindo de uma história pessoal,contribui para que seja rememorada toda acomunidade do Gantois e reforça o discurso

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sobre a dignidade dos afro-brasileiros e dopovo do candomblé.

Na sua estrutura expográfica é interessantea elaboração de uma narrativa que buscaevidenciar as várias facetas de uma persona-lidade: sacerdotisa, mulher vaidosa, mãe defamília, seu entendimento de mundo, deDeus e das divindades. A exposição consti-tuiu-se a partir do olhar de seus filhos, comsuas saudades e declarações sobre impor-tância da sacerdotisa em suas vidas, ocorren-do um diálogo entre o espaço da intimidadee o espaço público, presente na reproduçãodo seu quarto e nos seus objetos, que retra-tam aspectos de seu cotidiano: repleto depresentes, comendas, homenagens e objetossacros.

São presentes neste Memorial elementosdo sincretismo e do contato e convivênciade referencias culturais católicas e da tradi-ção africana, que faz parte de uma geraçãotradicional, de mantenedoras da tradiçãodos orixás no Brasil. São evocadas as primei-ras casas de santo, em momento que osincretismo representou uma das estratégiasprincipais para a sobrevivência e permissãode cultos. O Memorial pode evocar e simbo-lizar tensões e negociações vividas para asobrevivência física, psíquica, espiritual deindivíduos e suas tradições africanas.

O espaço do Memorial propicia diálogosentre o que se expandia e o que se defendia,entre universos sagrados e profanos. O dito eo interdito, o exposto e o velado estão insta-lados em cômodos que a yalorixá ocupouem vida, ao lado do barracão – espaço reser-vado para as festas públicas, contexto quetambém leva a um clima esotérico, místico ede reverência, apesar de a estrutura religiosa,a questão da religiosidade em si, não ser tra-tada no Memorial. Não existem textos e refe-rências às bases e funcionamento da religião,ficando evidente a dimensão biográfica daproposta.

Apesar de o Memorial reproduzir a estru-tura convencional de museus tradicionais8,há uma forma diferenciada na sua apresen-tação e tratamento de imagens e textos. Nãomais um discurso na terceira pessoa, do inte-lectual ou técnico que expõe sobre o tema,mas é a comunidade familiar – sanguínea ereligiosa - que fala de sua matriarca, queapresenta sua líder inesquecível e amada.Sem referências a orixás e festas religiosas, ocentro do enfoque é a sacerdotisa, em expo-sição complexa, entremeando história, me-mória, biografia pessoal, comunitária egrupal, com símbolos e evocações que per-mitem compreender questões e elementosque não se revelam apenas através da expo-sição, mas na medida em que dialogam como todo da estrutura, na proporção do conhe-cimento do visitante e na sua capacidade deperceber conteúdos implícitos. É uma expo-sição em clima de sombras e luzes, silênciose reticências inerentes a ancestraiscosmogonias africanas, exigindo do pesqui-sador ou visitante, distanciamento de suasracionais e ocidentais concepções polariza-das em bem ou mal, sagrado e profano, parasentir lugares de memórias africanas que,dispersos no novo mundo, foram e são pre-servados pelos próprios povos de santo,agentes difusores de Áfricas no Brasil.

Ainda que usando o recurso biográficocomo forma de relato político da resistênciade tradições africanas em Salvador, oMemorial alcança, no recorte da apresentaçãode uma mãe-de-santo, evidenciar a importân-cia da comunidade presente nesta representa-ção museográfica da ancestral estrutura da re-ligiosidade Yorubá e suas lideranças. Falandode uma, revela outras sacerdotisas; em home-nagem pessoal, dimensiona perspectivas dosignificado de ser liderança religiosa e comu-nitária afro-descendente na incompletude daRepública em estender a cidadania ao arreme-do da abolição99 Nos últimos anos surgiramvários memoriais em terreiros de candomblé,em Salvador e área metropolitana, destacan-

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do-se o Museu do Ilê Axé Opô Afonjá, o Museucomunitário da Mãe Mirinha de Portão e oMemorial de Mãe Caetana.

MUSEU DA CIDADE

Instalado no Largo do Pelourinho está li-gado à Fundação Gregório de Matos da Se-cretaria de Cultura do Município de Salva-dor. Inaugurado em 05 de julho de 1973, suaexposição percorre três andares de dois so-brados conjugados. Com predominância deimagens relacionadas a elementos das cultu-ras afro-brasileiras, seu acervo é compostode fotografias, quadros, manequins vestidoscom roupas de orixás, bonecos miniatura emcenas do cotidiano da cidade do Salvador,ex-votos, esculturas e móveis. A exposiçãonão segue abordagem cronológica ou preo-cupação em apresentar aos visitantes acon-tecimentos marcantes da cidade, seu desen-volvimento e trajetória histórica.

No andar térreo encontramos sala queapresenta uma roda de orixás, o xirê, festapública de terreiro, com texto que fala sobreo candomblé e suas divindades e sala de ex-posições temporárias para a apresentação detemas correlatos à história da cidade e a ele-mentos das culturas afro-brasileiras, na qualé exposta permanentemente uma esculturade negro acorrentado.

No primeiro andar, encontramos salas queapresentam miniaturas com cenas do cotidi-ano da cidade do Salvador nos séculos XIX eXX, com predominância da presença de ne-gros em atividades cotidianas: feiras, negrosfugidos, amas de leite, engenho, entre outras.

No segundo e último andar encontramosobras de arte com temática afro, além deuma sala dedicada a ex-votos.

Percebemos que apesar deste ser o Museuda Cidade, não contempla dimensões sobre

a história, formação e manifestações cultu-rais de Salvador, sendo visível que o discursoexpográfico gira em torno de referências aelementos afro-brasileiros, suas práticas cul-turais, religiosas, costumes e cultura materi-al. Sem articular tais evidências à importân-cia de povos africanos na estruturação, orga-nização e funcionamento de Salvador, estacidade acaba sendo representada sem histó-ria, sem protagonistas contextualizados emsuas relações de poder, cargos, funções, ativi-dades econômicas, sociais, culturais.

A recorrência a imagens ligadas ao uni-verso afro-brasileiro, mesmo que não seja in-dicado como intenção conceitual no museu,traduz a grande força e presença das culturase tradições africanas em Salvador. Já na en-trada, único momento de rápida referênciaao desenvolvimento da cidade, através demapas antigos sobre a fundação e evoluçãodo seu traçado urbanístico, temos as figurasde um homem ao tronco, sendo chicoteadoe manequins vestidos com indumentárias daIrmandade da Boa Morte10. Mesmo sem pro-posta de abordar a cidade do Salvador a par-tir da contribuição das populações africanase afro-brasileiras, em seus mais de quatro-centos e cinqüenta anos, praticamente todoo conteúdo exposto remete à presença des-tes povos nesta cidade e a suas contribuiçõespara o desenvolvimento de sua vida urbana.

Chama nossa atenção o fato de que váriasimagens referem-se à condição dos africa-nos enquanto escravos, em posturas de sub-missão e sofrendo castigos, em fuga e/ou su-jeição, refletindo recorrências observadas nadisposição de africanos em exposições: a ên-fase na condição escravizada dos negros nasociedade brasileira, complementada pelareferência seguida a castigos e torturas à queforam submetidos. Faltam nas exposições,imagens e textos que problematizem estesenfoques, trazendo informações sobre rea-ções, rebeliões e movimentos de resistência,quer isolados ou grupais, como, por exem-

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MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA170

plo, as diversas estratégias que buscaram mi-nar ou atenuar, quando possível, o poder se-nhorial em relação aos corpos e mentes dehomens e mulheres negros.

Ainda sobre a construção de discursos re-lacionados à pretendida passividade dos afri-canos escravizados e negros libertos, percebe-mos ausência de relatos ou imagenshistoricizando as experiências de trabalho,luta, vida e morte, em uma cidade marcadapela presença de homens e mulheres negros.

CASA DO BENIN – SALVADOR-BA

Instalada em conjunto composto por doissobrados, na parte inferior do largo doPelourinho, ao lado da Igreja de Nossa Se-nhora do Rosário dos Pretos, foi inauguradaem maio de 1988, ligada à FundaçãoGregório de Mattos, da Prefeitura Municipalde Salvador. Restaurado pela arquiteta LinaBo Bardi. Além das salas de exposição, oconjunto incluía a residência do diretor erestaurante, hoje desativados. O espaçoexpositivo é distribuído em três pavimentos:

Andar Térreo: Exposição de Longa Duração.

1o. andar: Exposições Temporárias

2o. andar: atualmente dedicado a uma ex-posição de turbantes, que não são exclusiva-mente africanos ou afro-brasileiros, mas amaioria estilizada, com apelo artístico e fol-clórico.

A exposição traz a chancela de PierreVerger, sendo plausível encará-la como umadefesa visual de sua obra11, centrada nas reci-procidades ocorridas entre culturas brasilei-ras e africanas. Verger organizou a exposiçãoa partir de objetos coletados na região doGolfo do Benin, tendo como conceito e pro-posta evidenciar circuitos Bahia, Benin eNigéria.

A Casa surgiu como local que além de ex-por deslocamentos das culturas do Benindeveria funcionar como centro cultural vol-tado para a realização de cursos, palestras,encontros e outras atividades de estreita-mento de relações entre Bahia e Benin, ten-do sido as cidades de Salvador e Cotonoudeclaradas irmãs por ocasião da sua inaugu-ração.

Os objetos africanos expostos evidenciamsemelhanças com os utilizados em vários se-tores da vida cotidiana e religiosa na Bahia.Existem também fotografias que mostramtraços da presença brasileira no Benin, localpara onde retornaram vários afro-descen-dentes do Brasil12, sendo notada a presençade traços culturais brasileiros introduzidospelos retornados no Benin, com ênfase naarquitetura, graças a mestres de obras brasi-leiros cujos ancestrais africanos edificaramSalvador da Bahia. A tese central da exposi-ção trata dessa ampla relação entre dois con-tinentes e a difusão de suas culturas13.

A Casa do Benin concretiza e simbolizaponto de relevância a ser considerado eminvestigações sobre a historicidade do patri-mônio cultural africano no Brasil: encontros,tensões e negociações culturais, que provo-caram injunções pensadas em termos de sín-teses, sincretismos e mestiçagens. Hoje pen-sadas e trabalhadas em termos de culturashíbridas, constituídas entre fronteiras cultu-rais, “entre-lugares” de confrontos e incorpo-rações, implicando manutenção e negação,conflitos e negociações.

Ainda que a exposição da Casa do Benin re-caia em abordagens que enfatizam expressõesrelacionadas à tradicionais culturas africanasem termos de patrimônio cultural e material,ao apresentar manifestações culturais recípro-cas, vem abrindo expressivos diálogos entreculturas tradicionais africanas e afro-brasilei-ras, promovendo exposições temporárias deartistas brasileiros e africanos contemporâneos.

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MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 171

CONCLUINDO

Após este breve passeio virtual por salas deexposições soteropolitanas, que abordam pre-senças africanas na cidade e suas matrizes afri-canas, podemos perceber a complexidade edesafios que tocam a interpretação, represen-tação e difusão de conteúdos que dêem contada complexidade histórica do continente afri-cano e da trajetória dos negros no Brasil.

Percebemos que somente o exercício deprodução de posturas e olhares críticos le-varão a transformações nas práticas profissi-onais museológicas e dos produtos delas re-sultantes, que implicam a reelaboração dediscursos, visando eliminar posturashegemônicas e monopolizadoras produzi-das pelas elites e classes dominantes, emtorno da presença negra no Brasil e nomundo. Só assim a museologia e os museuspoderão provocar mudanças político-cul-turais que visem o tão almejado, utópico epouco concretizado, exercício da cidada-nia, com igualdade de direitos e respeito àdiversidade.

NOTAS1 Ver HOBSBAWN, Eric. RANGER, Terence. A In-

venção da Tradição. São Paulo: Paz e Terra,2002.

2 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas.São Paulo: EDUSP, 2000. p.162

3 Ver DE CERTEAU, Michel. A Beleza do Morto. In:A Cultura no Plural: Papirus, 2001. (col. Traves-sia do Século)

4 Pesquisa realizada no âmbito do Doutoradoem História Social da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, sob a orientação daprofª Drª Maria Antonieta Antonacci. Ver CU-NHA, Marcelo Nascimento Bernardo da Cu-nha. Teatro de memórias, palco de esqueci-mentos: culturas africanas e das diásporas ne-gras em exposições. São Paulo: PUC, 2006.acesso em http://www.sapientia.pucsp.br/t d e _ b u s c a /processaPesquisa.php?listaDetalhes%5B%5D=2271

5 1974 – Projeto Original – Pierre Verger; 1982 –Projeto “Modulo Inicial” – Jacyra Oswald; 1999 –Marcelo Cunha e equipe de consultores.

6 Na Bahia é quase impossível não associar oSenhor do Bonfim/Jesus Cristo e Santa Bárba-ra a Oxalá e Iansã, respectivamente, por contada forte tradição das festas da Lavagem daIgreja do Bonfim (segunda quinta feira após afesta da Epifânia, em janeiro) e Festa de SantaBárbara (4 de dezembro) das quais participamtanto católicos quanto praticantes do can-domblé. Do processo de sincretismo ocorridona Bahia podemos destacar muito presente,ainda, a relação entre Omolu e São Lázaro/São Bartolomeu e Ibejis e São Cosme e SãoDamião.

7 Espaço onde são realizadas as cerimônias públi-cas da comunidade religiosa – o Terreiro.

8 O projeto e instalação foram desenvolvidos peloDepartamento de Museus da Fundação Culturaldo Estado da Bahia, com participação demuseólogos, historiadores e antropólogos, alémde pessoas da casa como depoentes.

9 Nos últimos anos surgiram vários memoriais emterreiros de candomblé, em Salvador e área me-tropolitana, destacando-se o Museu do Ilê AxéOpô Afonjá, o Museu comunitário da MãeMirinha de Portão e o Memorial de MãeCaetana.

10 A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte,da cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano,tem origem atribuída no início do século XIX, naIgreja da Barroquinha, em Salvador, constituídapor mulheres negras escravas e libertas. Atual-mente, formada por mulheres afro-descenden-tes, mantêm a tradição secular.

11 VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do Tráfico deEscravos entre o Golfo do Benin e a Baía deTodos os Santos dos Séculos XVII ao XIX. Rio deJaneiro/Salvador: Biblioteca Nacional/Corrupio,2002.

12 No século XIX descendentes de escravos africanosno Brasil retornam para a África, surgindo no Benina comunidade de negros retornados, que passarama ser conhecidos como os Agoudas.Estabelecidosno Benin, concentrados principalmente em PortoNovo, passaram a ocupar lugar de destaque na soci-edade local. Ainda hoje existe esta comunidade de“brasileiros” no Benin.

13 Sobre a questão dos retornados ver : CUNHA,Manuela Carneiro da. Negros, Estrangeiros. Osescravos libertos e sua volta à África. São Paulo:Brasiliense, 1985. GURAN, Milton. Agudas – deafricanos no Brasil a “Brasileiros” na África. His-tória, Ciência e Saúde – Manguinhos, jul./out.2000, vol.7, n.2. p.415 – 424.

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DINTRODUÇÃO

Diferentemente do que acontece com a arte ocidental, as artes indígenas

possuem sua fonte de inspiração em uma tradição milenar e representam, na

maioria das vezes, a filosofia de um povo, os seus valores, gostos, práticas soci-

ais e religiosas. Possuem, ainda, uma relação forte com o meio ambiente, com

a terra em que vivem, que conhecem, dominam e, na medida do possível,

preservam.

Mas estas sociedades nunca foram estáticas, sempre mudaram e evidentemen-

te de maneira muito mais acelerada após a colonização européia na América.

A história do contato trouxe as epidemias, a desapropriação das terras, os

sítios sagrados profanados, a catequização, a tutela, os projetos desenvolvimen-

tistas, a mineração, o gado, as guerras, mas também, no sentido inverso, a resis-

tência, a luta pela terra, o orgulho da identidade étnica, a luta pelos direitos

civis e políticos e pelo direito à diferença. A procura também de aliados na

sociedade envolvente e de uma inserção mais justa e participativa na socieda-

de nacional.

An LUX BOELITZ VIDAL

4O museu dos povos indígenas

do Oiapoque - KuahíGestão do Patrimônio Cultural pelos Povos Indígenas do Oiapoque, Amapá

ARTIGO

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Tudo isso mostra, mais uma vez, que estassociedades não vivem congeladas no tempo,mas possuem uma longa história, tão longaquanto a nossa, algo que muitas vezes esque-cemos. Conseqüentemente as manifestaçõesartísticas destes povos também têm história,os artistas possuem histórias de vida e especi-almente possuem nome e personalidadeprópria, algo apenas recentemente reconhe-cido. Deste modo, a arte tradicional, assimcomo as interessantes e criativas inovaçõesnão têm sido, ao longo dos tempos, aprecia-das em termos justos, sendo consideradasapenas “artesanato indígena”, ignorando-sea qualidade e continuidade histórica destasmanifestações que vão se renovando com otempo. Por outro lado, nas últimas décadas,tem-se observado esforços tanto por partedos índios, que hoje estão mais bem informa-dos e também viajam mais, como por partede antropólogos, artistas, curadores de mu-seus ou bienais, em valorizar as artes indíge-nas a partir de novas atitudes estéticas eparticipativas.

Atualmente, temos observado a prolifera-ção de museus indígenas e regionais emtodo o mundo, modelo que vem sendo valo-rizado por possuir características próprias,diversas do modelo de museu conhecidopelas grandes cidades.

Ao lado das atividades econômicas e polí-ticas, a cultura, definida de modo amplo,desempenha cada vez mais um papel impor-tante para a participação e inclusão social. Esendo possuidores de um patrimônio cultu-ral rico, diferenciado e de grande beleza –situação que em nossos dias é consideradainvejável -, os índios têm com que contribuir,o que os têm feito cada vez mais reconside-rar e reivindicar sua inserção na sociedaderegional e no mundo moderno.

Neste contexto é que se insere o MuseuKuahí dos Povos Indígenas do Oiapoque,tema deste artigo.

O CONTEXTO

Para melhor entender a especificidade doMuseu Kuahí1 é preciso oferecer algumas in-formações preliminares sobre a região.

Os povos indígenas do extremo norte doAmapá, habitantes da bacia do rio Uaçá ebaixo curso do rio Oiapoque – Karipuna,Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali’na –são o resultado de várias migrações e fusõesantigas e mais recentes de etnias diferentes emesmo não-índios. São portadores de tradi-ções culturais heterogêneas, histórias decontato e trajetórias diferenciadas, assimcomo suas línguas e religiões. Mesmo assimesses povos têm conseguido conviver e cons-truir, ao longo do tempo, um espaço deinterlocução, especialmente hoje pelo viésdas Assembléias anuais, que reúnem as qua-tro etnias, e de suas organizações indígenas.

Mesmo assim, apesar das diferenças, pre-valece uma visível solidariedade entre essespovos por compartilhar um mesmo territó-rio, vivenciar uma situação geopolítica co-mum, por manter e reativar relações de pa-rentesco e ajuda mútua, assim como lutarunidos pela terra, saúde, educação e infraes-trutura. Compartilham uma cosmologia es-pecífica, indígena, Carib, Aruak, Tupi e tam-bém cristã, um aspecto marcante que os índi-os definem como “nosso sistema”.

Esses povos somam uma população de5.000 índios distribuídos em inúmeras aldei-as e localidades menores, nas terras indíge-nas Uaçá, Galibi e Juminã, demarcadas e ho-mologadas, configurando uma grande áreacontínua, cortada a oeste pela BR-156 queliga Macapá a Oiapoque.

Boa parte da população indígena do baixoOiapoque se comunica em vários idiomas,português e patoá ou kheoul (língua francaregional), idioma nativo dos Karipuna e GalibiMarworno; os Palikur e Galibi Kali’na falam

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suas respectivas línguas nas aldeias. Alguns ín-dios também sabem se comunicar em francês.

A paisagem típica da região habitada pe-los povos indígenas do Oiapoque é desavana alagada, banhada por três grandesrios, o Uaçá, o Urucauá e o Curipi, além deinúmeros afluentes, igarapés e lagos. O rioOiapoque delimita a fronteira entre o Brasile a Guiana Francesa. A oeste da terra indíge-na, uma rica cobertura de floresta tropical,com muitas palmeiras, vai ao encontro dasmontanhas do Tumucumaque; a leste, o rioCassiporé, o Cabo Orange e o Oceano Atlân-tico. As aldeias e as roças ocupam diferentesilhas. É uma região repleta de aves.

Esse território é, antes de tudo, um espaçovivido. Os índios possuem um conhecimen-to refinado desta vasta região, tão rica e di-versificada. Toda esta paisagem, segundo osíndios, é habitada por seres humanos, ani-mais e vegetais e também por seres “do outromundo”, que se manifestam pela intermedia-ção dos pajés. Um mundo predominante-mente aquático, cuja cosmologia privilegiaos seres sobrenaturais que habitam “o centroda mata e o fundo das águas”. Região queantigos cartógrafos denominavam o “payssous l’eau”, peí abã dji lo em patoá.

As comunidades indígenas mantêm umcontato muito próximo com a cidade de Oi-apoque e mesmo com Saint Georges, naGuiana Francesa, onde vendem seus produ-tos agrícolas e artefatos, geralmente na pró-pria rua ou à beira do rio.

Atualmente, grandes obras de infraestrutu-ra estão sendo realizadas na região: o asfalta-mento da BR-156, que corta a terra indígenae a remoção de oito aldeias para longe daestrada; a construção pela Eletronorte de umlinhão de energia elétrica ao longo da pró-pria rodovia e a construção de uma pontesobre o rio Oiapoque entre a Guiana France-sa e o Brasil.

A IDÉIA DE UM MUSEU

Em 1997, após uma viagem a Alemanha,França e Portugal de algumas lideranças in-dígenas, em companhia da deputada JaneteCapiberibe, os povos indígenas da regiãopropuseram a criação de um museu em Oia-poque, no centro da cidade, para dar visibili-dade à cultura indígena e, ao mesmo tempo,ser um centro de referência, de memória, dedocumentação e de pesquisa para os índiose a sociedade oiapoquense. Esta propostasurgiu da vontade dos índios de participar,cada vez mais, em pé de igualdade – aindaque de modo diferenciado – da vida regio-nal e nacional. Cientes de sua riqueza cultu-ral e material, das possibilidades de produ-ção e divulgação etnocientífica, artesanal eartística; cientes também das possibilidadesde desenvolvimento sustentável e da urgên-cia na melhoria dos programas escolares, osPovos Indígenas do Oiapoque se propuse-ram a defender o Museu Kuahí como espaçoadequado para incentivar um vasto conjun-to de atividades, pesquisas e ações que bene-ficiariam como um todo as comunidades in-dígenas e suas iniciativas.

Ao mesmo tempo, o Museu possibilitaria oestreitamento de relações entre os índios e apopulação do município de Oiapoque. Aproximidade com as aldeias, por sua vez, vi-ria a inseri-lo no contexto de origem, facili-tando a compreensão de seu acervo, estan-do distante o suficiente das mesmas parapermitir às comunidades uma separação deseu cotidiano, conduzindo os índios a umavisão mais crítica de si próprios e de seu pa-trimônio cultural. Além disso, possibilitaria ointercâmbio com povos indígenas e museusde todo o Brasil e do mundo, através de con-vênios com instituições e universidades.

Outro objetivo do Museu seria o de pos-sibilitar alternativas de renda por meio dacomercialização planejada da produçãoartesanal. O Museu viria a dar dignidade e

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visibilidade aos artefatos produzidos nasaldeias e, sobretudo, aos mestres artesãos eartistas, além de suscitar a preocupaçãocom a sustentabilidade da matéria-primautilizada.

Vários índios da região conheciam oMuseu Paraense Emilio Goeldi, em Belém,e haviam visto fotografias do MuseuMagüta dos índios Ticuna, do rio Solimões.Eles foram fonte de inspiração para a ela-boração da proposta de construção doMuseu Kuahí.

A proposta concreta para a construção doMuseu foi apresentada pelas lideranças indí-genas ao governo do Amapá em 1998 e in-cluída formalmente no Programa de Desen-volvimento Sustentável do então governa-dor João Alberto Capiberibe.

Em 2000 foi iniciada a construção do Mu-seu e os índios, assessorados por mim e porLucia H. van Velthem, do Museu ParaenseEmilio Goeldi, entregaram ao governo umconjunto de documentos: justificativa e ob-jetivos do Museu, Estatuto, lista de equipa-mentos etc. Tratava-se de uma proposta ino-vadora, por não fazer deste um museu sobreos índios, mas dos índios.

Segundo planejado o Museu seria manti-do pelo estado do Amapá e gerido pelos pró-prios índios, diretamente envolvidos em to-das as atividades e com representação majo-ritária no Conselho Curador. Cursos e ofici-nas de capacitação seriam oferecidos para aformação dos técnicos em museologia, pes-soas escolhidas pelas próprias comunidadesindígenas. Esperava-se por parte do governoum apoio efetivo aos povos indígenas e suasmanifestações culturais, de cunho não-paternalista, assumindo que a construção dacidadania para os índios se fundamenta nosseus próprios valores, dinâmica e processohistórico.

A IMPLANTAÇÃO DO MUSEU

O Museu Kuahí dos Povos Indígenas doOiapoque é uma entidade pública, sem finslucrativos, de administração indireta vincu-lada à estrutura organizacional da Secretariade Estado da Cultura do Amapá. O Museutem por finalidade dar visibilidade à diversi-dade sócio-cultural dos povos indígenas doOiapoque das etnias Galibi Kali’na, GalibiMarworno, Karipuna e Palikur e promover aigualdade cultural entre a população domunicípio de Oiapoque.

Embora o Museu Kuahí tenha sido inaugu-rado em 2007, sua presença já vem se fazen-do sentir há alguns anos, quando foram mi-nistrados os primeiros cursos de capacitaçãomuseológica para uma turma de quinze indí-genas escolhidos pelas próprias comunida-des de acordo com a formação escolar e in-teresse de cada participante. Estes cursos fo-ram ministrados em Oiapoque, no MuseuParaense Emilio Goeldi e no Museu de Artede Belém. Nesta cidade foram também visita-dos o Museu de Estado, o Museu de Arte Sa-cra, galerias de arte e localidades da própriacidade de interesse histórico e turístico.

Paralelamente, os resultados de variadaspesquisas antropológicas (vide bibliografia) eespecialmente dois projetos culturais desen-volvidos nas aldeias foram de significativa im-portância para estimular a retomada culturalque estas etnias têm presenciado. Trata-se dosprojetos: 1) de Resgate e Fortalecimento Cultu-ral, desenvolvido pela Associação dos PovosIndígenas do Oiapoque – APIO, em parceriacom o Programa Demonstrativo para Popula-ções Indígenas do Ministério do Meio Ambien-te – PDPI / MMA; e 2) de Formação de Gestoresdo Patrimônio Cultural, desenvolvido juntoaos professores indígenas que atuam nas aldei-as da BR – 156, realizado pelo Iepé – Institutode Pesquisa e Formação em Educação Indíge-na, em parceria com a Petrobrás Cultural.

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O MUSEU DOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE - KUAHÍ 177

O Projeto de Resgate e FortalecimentoCultural - APIO / PDPI, elaborado com os ín-dios, visou incentivar os velhos artesãos e ar-tesãs a transmitir seus conhecimentos, sabe-res e técnicas relativos às mais diversas mani-festações artísticas, artesanais, materiais eimateriais, às gerações mais jovens. A pro-posta foi a de garantir a transmissão de co-nhecimentos em risco de extinção, uma vezque seus últimos detentores somam númerobastante reduzido, a maioria já em idadeavançada.

A Formação de Gestores do PatrimônioCultural – Projeto Iepé / Petrobrás Cultural,por sua vez, teve o objetivo de formar profes-sores indígenas para atuar como gestores deseu patrimônio cultural material e imaterial,através do aprendizado de procedimentosde seleção, preservação, pesquisa, registro edivulgação interna e externa dos bens cultu-rais. Embora este seja um processo lento e deresultados difusos, assume grande importân-cia a médio e longo prazo. As aldeias locali-zadas ao longo da BR-156 foram escolhidaspara a realização deste projeto em função dasituação de grande vulnerabilidade em quese encontram, ocasionada pelas obras de pa-vimentação da estrada e da passagem da li-nha de transmissão de energia, mencionadasanteriormente.

Caminhando em concomitância com es-tes projetos, o Museu Kuahí desempenha pa-pel de suma importância, ao possibilitar amudança da percepção indígena sobre aprópria produção, nele exposta em suportes,vitrines ou armazenada na reserva técnica.De objetos de uso, comercializáveis oudescartáveis, as peças transformam-se emobjetos-documento, com outra identidade esignificado. Este novo posicionamento daprodução cultural permite um olhar diferen-te, distanciado e crítico sobre a mesma. Aomesmo tempo, torna a gestão da produçãocultural mais interessante e integrada aomundo moderno.

DA INAUGURAÇÃO AOS DIAS DE HOJE

O Museu Kuahí foi inaugurado no dia 19de abril de 2007 – Dia Nacional do Índio –com a presença de indígenas, autoridadesgovernamentais como o governador do esta-do Antonio Waldez Góes da Silva e de repre-sentantes da Secretaria do Estado de Culturado Amapá – Secult/AP, além da populaçãolocal.

A inauguração do Museu, com uma signi-ficativa exposição inaugural, ocupando to-dos os ambientes, não teria sido possível semo convênio 158/2005 entre a Secult/AP e oMinistério da Cultura – MinC. Foi graças aesse convênio que a Secult/AP pôde mobili-ar e equipar as diversas instalações. O Museudispõe hoje de luminosas salas de exposição,reserva técnica, auditório equipado e apro-priado para amplo público, sala deprocessamento documental, biblioteca, salade leitura, sala de pesquisa e sala pedagógi-ca. Na entrada, um grande hall acolhe os vi-sitantes e abriga ainda a loja para venda deartesanato. Há também espaços externoscomo uma grande varanda, também bastan-te freqüentada. Tem, enfim, à disposição detodos os indígenas e cidadãos de Oiapoqueuma exposição de artefatos indígenas, umacoleção bastante representativa com tendên-cia a aumentar com novas contribuições. Oslivros e revistas da biblioteca vêm sendocada vez mais solicitados pelos alunos e pro-fessores para ajudá-los em seus próprios cur-sos de formação.

E por falar em cursos de formação, o con-vênio Secult/MinC possibilitou a retomadade um extenso e intenso processo de forma-ção profissional, técnica, museológica e mu-seográfica, aos dezenove indígenas que tra-balham no Museu, sendo que quinze, dentreeles, recebem bolsas de estudo diretamentesubsidiadas pelo convênio. Nesse período deformação, caracterizamos o Museu Kuahí

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como um museu-escola. Nessa direção, deabril de 2007 até a data presente, em quaseum ano de funcionamento, foi realizado umesforço no sentido de organizar a equipe debolsistas junto aos setores a que foram destina-dos desde sua seleção, realizada no curso decapacitação museológica e antropológica mi-nistrado em 2006. Destaco aqui a contribui-ção do antropólogo Francisco S. Paes, asses-sor do Museu Kuahí desde sua inauguração.

Em 2007 foram realizados junto aos téc-nicos indígenas do Museu os cursos decapacitação em Conservação Preventiva,História da América Indígena e do Amapá eAdministração e Gestão. Para 2008 estãoprevistos os módulos de capacitação emAntropologia (dois módulos), Arqueologia,Jornalismo Comunitário e Editoração deBoletim, Leitura e Produção Textual, Lin-guagem Audiovisual, Museologia, Docu-mentação, Ação Educativa e Métodos dePesquisa.

Novas ações e projetos que permitem aampliação dos trabalhos junto às comuni-dades indígenas e não-indígenas da regiãodo Oiapoque estão em curso: a realizaçãode exposição temporária e evento de encer-ramento do Projeto APIO/PDPI de Valoriza-ção e Resgate Cultural; a construção deuma proposta de exposição temporária so-bre a arte dos índios Galibi Kali’na daGuiana Francesa; exposição temporária so-bre os resultados do projeto Iepé/PetrobrásCultural; Seminários sobre meio ambienteem parceria com as ONGs The NatureConservancy (TNC), Iepé e a APIO; mostrasde vídeo e palestras abertas ao público emgeral, assim como nas escolas indígenas, re-alização de Turés, assembléias e outras ativi-dades relevantes para os índios e para a so-ciedade oiapoquense.

O Museu tem sido bastante freqüentado eelogiado por parte dos visitantes indígenas,da cidade de Oiapoque e de todo o Amapá,

além dos inúmeros turistas, especialmenteguianenses e franceses.

Cabe finalizar esta apresentação registran-do que os processos e projetos do Museu, as-sim como seu Estatuto (ainda não reconheci-do pela Secult/AP) seguem, na medida dopossível, as diretrizes da Comissão Internaci-onal de Museus – ICOM – e contam com aassessoria de profissionais experientes nasáreas de antropologia, museologia, arqueo-logia, ação educativa e outras.

CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS COLEÇÕESSOBRE OS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE

Um aspecto interessante das atividades deresgate cultural nas aldeias, da inauguraçãodo Museu Kuahí, assim como da encomendade 250 artefatos para a exposição “A Presen-ça do Invisível – vida cotidiana e ritual entreos Povos Indígenas do Oiapoque”, montadaem 2007 no Museu do Índio – RJ, é a forma-ção de várias coleções, em diferentes mo-mentos e que comparadas entre si, revelammuito sobre a própria história dos Povos In-dígenas do Oiapoque, o papel dos museus eda documentação, a pesquisa antropológicae as ações efetivas de valorização e fortaleci-mento cultural. Cada coleção em si é rele-vante no conjunto das coleções, quando ascaracterísticas e o valor de cada uma se reve-la com relação às outras. O trabalho decuradoria para a exposição do Rio de Janei-ro, assim como o seminário sobre Identida-des e Patrimônio Cultural, organizado peloMAE (Museu de Arqueologia e Etnologia daUSP) em junho de 2007, deixou este aspectobem claro.

Existe no Museu do Índio do Rio de Janei-ro uma coleção antiga, dos anos 1940-50 so-bre os Povos Indígenas do Oiapoque, essen-cialmente sobre os Palikur. São objetos valio-sos recolhidos por Eurico Fernandes, antigofuncionário do SPI na região e outros

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indigenistas. A documentação é deficiente ea descrição sumária. Há peças de plumáriaque hoje não produzem mais, ou fazem comdecoração diferente. Antigos clarinetes, osfamosos turé, e pequenos objetos delicados,que serviam como convites para os rituais,além de pequenas bordunas que as mulheresusavam durante os rituais para chamar achuva compõem a coleção. Estes objetoscompõem a exposição “A Presença do Invisí-vel”, ao lado das peças contemporâneas.

Os índios, convidados à inauguração daexposição, em junho de 2007, ficaram admi-rados e muito satisfeitos de (re)ver estes arte-fatos mais antigos e bem conservados. OMuseu do Índio também possui uma coleçãode armas de pesca; estas, até hoje não muda-ram, são os mesmos artefatos confecciona-dos com madeira, taboca, fio de curuá e fer-ro batido. Em 2008, como em 1940-50, asmesmas formas, o mesmo uso cotidiano. Poroutro lado, comparando os típicos chapéusPalikur, se antigamente o cobre-nuca deplaquetas de buriti era sempre ornamentadocom marcas geométricas, hoje os índios pin-tam desenhos mais figurativos com temasmíticos ou da vida cotidiana, ou ainda capasde revistas ou DVDs.

Sabemos que há uma coleção Palikur naEuropa, mas não a consultamos. São peçasrecolhidas por Curt Nimuendajú em 1926,quando pesquisou na região. Estão documen-tadas graças à monografia deste antropólogo.Há também uma pequena coleção no MuseuParaense Emilio Goeldi, pouco expressiva epouco documentada, mas com algumas cerâ-micas Galibi-Kali’na, artesania que não maisrealizam, trazidas pelo antropólogo ExpeditoArnaud na década de 1960. Os índios reco-nheceram que as peças tinham sido elabora-das pela mãe do velho chefe atual, assimcomo algumas vestimentas.

A primeira coleção mais sistemática e do-cumentada, doada ao MAE - USP foi aquela

realizada por mim e Artionka Capiberibe,entre os Palikur, Karipuna e Galibi-Marwornona década de 1990. Os índios faziam poucosartefatos para a venda, principalmente cola-res, mas usavam cuias decoradas, faziamcestaria, especialmente para o tratamento damandioca, assim como raladores e esculturaspara as festas do Turé – mastros e bancos –,além de instrumentos musicais.

Esta coleção de 260 peças não foi pensadaa priori, mas acompanha as pesquisas decampo que se iniciaram em 1990 na região,por parte de pesquisadores da USP. Há umaboa representação de todas as categoriasartesanais, peças bem documentadas, masdo ponto de vista estético deixa a desejar.Ainda não havia sido iniciado o projeto deresgate cultural e nem toda a pesquisa sobreas marcas nos mais diferentes suportes. Sen-do assim, ela é um marco histórico, a primei-ra coleção que acompanha o início das pes-quisas entre os Povos Indígenas do Oiapo-que, segundo um viés teórico que valoriza ahistória, os processos e reconhece a hetero-geneidade das manifestações culturais na re-gião. Esta coleção se insere entre uma maisantiga, a do Museu do Índio e as duas cole-ções seguintes, já frutos dos projetos de valo-rização cultural nas aldeias, das pesquisassobre cosmologia, xamanismo, cultura ima-terial e patrimônio cultural indígena, com aformação de pesquisadores indígenas, assimcomo da construção do Museu Kuahí.

A coleção do Museu é formada por maisde 300 peças, encomendadas, representandotodos os artefatos mais expressivos de usocotidiano e ritual e também peças fabricadaspara o comércio.

Em suma, tanto para o acervo do MuseuKuahí como para a exposição “A Presença doInvisível”, no Museu do Índio, foram produ-zidas duas grandes coleções de artefatosetnográficos de altíssima qualidade, fato quesurpreendeu a todos, inclusive aos próprios

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LUX VIDAL180

índios. Quando as coleções recolhidas nasaldeias dos diferentes rios chegaram ao Mu-seu Kuahí e foram armazenadas em duas sa-las, a espera de seu destino, o conjunto cau-sou impacto. Alguns índios disseram quenunca haviam visto certos artefatos, não osconheciam. Outros não se cansavam de per-guntar e tirar fotos. De fato, não sabiam quetudo isso ainda existia e poderia ter algumvalor em outros contextos. Os artefatos reco-lhidos sob forma de coleção representaramalgo novo para eles. Especialmente a cole-ção para a exposição do Rio, acompanhadade documentação, fotografias, vídeos, site,design museográfico apurado e participaçãodos índios foi um evento muito importantepara dar visibilidade aos Povos Indígenas doBaixo Oiapoque, realçando sua identidadediferenciada. O Museu Kuahí e especialmen-te as atividades e conhecimentos a ele liga-das ganharam sentido em um contexto cul-tural mais amplo.

Há ainda uma outra pequena coleção, re-sultado do projeto de Resgate Cultural APIO/ PDPI – MMA. Enquanto os velhos repassa-vam seus conhecimentos aos mais jovens, osartefatos produzidos eram levados à sede daAPIO e guardados em uma sala. São peçasvaliosas, muitas delas experimentais e teste-munhas de todo um esforço de transmissãode saberes entre gerações. Fazem parte doacervo peças bem antigas que não erammais fabricadas, mas também inovações, tan-to na forma como na decoração. Esta cole-ção foi, em 2007, incluída no acervo do Mu-seu Kuahí, mas como coleção específica eseparada, testemunha deste trabalho de res-gate.

Um outro aspecto interessante com rela-ção ao Museu é que a demora emimplementá-lo fez com que os índios seapropriassem dele, inclusive pedindo insis-tentemente ao governo que o inaugurasse. OMuseu lhes aparece, assim, como mais umaconquista do movimento indígena. Como

conseqüência deste processo, o Kuahí hoje éconsiderado como mais uma instituição in-dígena na região, tal como as outras associa-ções indígenas ou a FUNAI (também coman-dada pelos índios), isto é, um sujeito políticono contexto institucional indígena da região,com poder de representação. Por outro lado,muitos eventos da cidade de Oiapoque acon-tecem no Museu, pelo espaço de qualidadeque ele oferece, o que também prestigia osíndios no meio urbano e municipal.

Uma última questão a ser considerada dizrespeito à documentação. Há uma discussãocom os índios sobre os documentos que de-vem compor os arquivos confidenciais, ape-nas acessíveis aos indígenas sob a orientaçãodo Conselho de Apoio Indígena ao MuseuKuahí, e o que é acessível ao público. Isto é, oMuseu levanta uma série de discussões muitoatuais, sobre propriedade intelectual e manei-ras de documentar e divulgar a cultura indí-gena, não de maneira abstrata, mas bem con-creta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Esther de. “O Museu dos Povos In-dígenas do Oiapoque: um lugar de produ-ção, conservação e divulgação da cultura”.In: Aracy Lopes da Silva e Mariana Ferreira(orgs). Práticas Pedagógicas na Escola Indí-gena. São Paulo: Global Editora, 2001.

GALLOIS, Dominique T. (org). PatrimônioCultural Imaterial e Povos Indígenas. SãoPaulo: Iepé, 2006.

NIMUENDAJÚ, Curt. Os índios Palikur e seusvizinhos. Manuscrito traduzido por TeklaHartmann do original “Die Palikur Indianerund ihre Nachbarn”. NHII/USP, mimeo, 1926.

PAES, Francisco S. Curipi. Vídeo de 27 min.São Paulo: Laboratório de Imagem e Somem Antropologia – LISA / FFLCH – USP, 2001.

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TASSINARI, Antonella M. I. No Bom da Festa: oprocesso de construção cultural das famíliasKaripuna do Amapá. São Paulo: Edusp, 2003.

VIDAL, Lux B. “O modelo e a marca, ou oestilo dos ‘misturados’: cosmologia, história eestética entre os Povos Indígenas do Uaçá”.Revista de Antropologia, 42 (1/2), 1999.

VIDAL, Lux B. “O ralador de mandioca: PovosIndígenas do Uaçá, Oiapoque, Estado doAmapá”. In: Joaquim Pais de Brito (coord.). OsÍndios, Nós. Lisboa: Museu Nacional deEtnologia, 2000b.

VIDAL, Lux B. A Cobra Grande: uma introdu-ção à cosmologia dos Povos Indígenas do

Uaçá e Baixo Oiapoque – Amapá. Publica-ção avulsa nº 1. Rio de Janeiro: Museu doÍndio, 2007.

VIDAL, Lux B. Povos Indígenas do Baixo Oia-poque – o encontro das águas, o encruzo dossaberes e a arte de viver. São Paulo/Rio deJaneiro: Iepé/Museu do Índio, 2007b.

NOTA

1 Kuahí - pronuncia-se “kuarí” - é o nomedado ao Museu pelos índios. É um pequenopeixe da região e o nome de um padrãográfico muito utilizado na decoração de ob-jetos.

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E

An CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

5Memória e Movimentos Sociais:

o caso da Maré

A gente lutou pra conseguir água, luz, esgoto, asfalto.

Hoje a gente tem uma comunidade bonita, com vários

postos de saúde e escolas... Só faltava mesmo o Museu

da Maré!

(Sr. Clóvis, liderança comunitária da Maré)

Esta foi uma das muitas intervenções feitas por lideranças comunitárias,moradores e representantes das instituições públicas e ongs da Maré, duranteuma reunião que tinha como objetivo organizar a cerimônia de inauguraçãodo Museu, que ocorreu no dia 08 de maio de 2006. O evento foi realizado naCasa de Cultura da Maré, juntamente com o lançamento nacional da 4a Sema-na de Museus. A cerimônia contou com as presenças do ministro Gilberto Gil,membros do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, além dos representantes de vários museus e Pontos de Cul-tura da cidade.

ARTIGO

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CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA184

A criação do Museu foi amplamentedivulgada na mídia. A imprensa saudou ainiciativa como pioneira, referindo-se aoMuseu da Maré como o “primeiro museu emfavelas”. Inúmeras matérias foram veicula-das na televisão, no rádio, nos jornais, revis-tas e internet. A inauguração do Museu nãodeixou, porém, de trazer polêmicas. O siteNomínimo abriu espaço para um debate so-bre qual teria sido o primeiro museu a funci-onar em uma favela, se o Museu da Maré ouo do Morro da Providência1. Aproveitando odebate, várias pessoas fizeram duras críticasà inauguração do Museu:

“Me diga: quem vai visitar esse museu,

logo na Maré, tão dividida por facções?”

“Esse negócio de glamorizar favelas em

vez de promover a sua extinção via re-

moções ou reurbanização levou o Rio à

situação que se vê hoje”.

“Que lembranças terríveis são essas que

as pessoas querem tanto guardar na me-

mória?... Morar em palafitas, sem rede de

esgoto e inúmeras dificuldades enfrenta-

das”.

Contrariando tais críticas, antes mesmo decompletar 1 ano de existência, o Museu rece-beu a Ordem do Mérito Cultural do Brasil e,ao completar 2 anos – sem contar com re-cursos que possibilitem investimento em di-vulgação, o Museu já recebeu mais de 12 milvisitas. Muitos dos visitantes expressam suasopiniões e percepções sobre o Museu em umlivro de anotações, algumas das quais estãoreproduzidas abaixo:

“Hoje foi a 1ª vez que visitei o museu: es-

tava passando e resolvi entrar. Foi uma

das melhores experiências que tive nos

últimos anos. Incrível, não?!! É bom sa-

ber que temos história, cultura, tradição,

etc... Não somos números ou censo de

pobreza; somos gente. Que bom que há

quem saiba disso e nos faça lembrar,

porque às vezes esquecemos. Obrigado”.

“Gostaria de dar os parabéns pelo mu-

seu. Gostei muito pela criatividade e

pela realidade de tudo que eu vi aqui.

Acho muito importante ter um lugar que

fale tudo sobre a história do nosso bairro.

Parabéns!”.

“O museu é lindo! Parabéns pela iniciati-va. O Rio de Janeiro precisa conhecer

esse Museu”.

“Adorei saber que todo o trabalho que

meu pai teve em prol da comunidade foi

reconhecido, com lembranças boas de

uma época que não volta mais. Espero

que os jovens de hoje saibam dar o valor

merecido a todos que juntos lutaram por

um bairro melhor e queiram crescer

mais”.

“O Museu carrega o potencial para a

transformação social”.

“É por iniciativas como essa que todos

devem continuar tentando construir um

mundo melhor. Parabéns e obrigada”.

“Eu achei muito criativa e excelente a

nossa história, pois assim as pessoas do

futuro poderão ver o quanto nós, cida-

dãos, trabalhamos para conquistar o que

queremos”.

Estes depoimentos expressam o impactodo Museu sobre os moradores da Maré e deoutros lugares da cidade do Rio de Janeiro edo Brasil, revelando que tal iniciativa possuiuma linguagem local e universal, fruto dodiálogo entre os diferentes agentes sociaisque constituem o Museu e garantem suapluralidade.

O LUGAR

O Museu está localizado na Casa de Cultu-ra da Maré, espaço cedido em comodatopela empresa Terminal 1 de Navegação aoCentro de Estudos e Ações Solidárias daMaré (CEASM), ong responsável pela gestãodo Museu. Há mais de dez anos fechado, oespaço era uma oficina de reparos de peças

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navais localizada na Avenida GuilhermeMaxwell, antigo caminho para o Porto deInhaúma, lugar ainda vivo na memória dosmoradores da Maré.

Esta região – transformada em bairro pelopoder público municipal - compreende umconjunto de 15 localidades onde moram cer-ca de 132 mil pessoas2. A Maré está localiza-da entre importantes vias expressas que cor-tam a cidade do Rio de Janeiro: a AvenidaBrasil, a Linha Vermelha e a Linha Amarela.Das 15 localidades que foram reunidas sob adesignação de bairro, 12 estão situadas naárea conhecida como Favela da Maré. Estaárea se estende paralelamente à pista de subi-da da Avenida Brasil (sentido Zona Oeste dacidade), desde a FIOCRUZ (antigo prédio doMinistério da Saúde), até a altura da entradapara o Aeroporto Internacional do Galeão.

A região da Maré, assim chamada por cau-sa dos mangues e praias que dominavam suapaisagem, foi sendo ocupada desde o perío-do colonial, quando exerceu preponderantepapel econômico, seja por nela existiremdois portos3 por onde se escoava a produçãodas fazendas locais, seja por ter alimentadocom seus mangues, os engenhos de cana-de-açúcar e as olarias que ali se instalaram.

Com a criação das estradas de ferro, nofinal do século XIX, a região entrou emdeclínio, pois a atividade econômica, antessituada em torno dos portos, voltou-se paraos centros comerciais que se formaram juntoàs estações da linha da Leopoldina Railway4.

Na década de 1940, com a abertura daAvenida Brasil, a região conheceu novo epaulatino desenvolvimento, devido à im-plantação de um cinturão industrial às mar-gens da avenida que, somado ao isolamentodos terrenos na orla da Baía de Guanabara eà facilidade de acesso a tais áreas, criou con-dições bastante favoráveis para o crescimen-to de sua ocupação.

Desde sua inauguração em 1946, a Aveni-da Brasil passou a ser parte inseparável dafisionomia da região, facilitando a migração,o acesso dos moradores aos locais de traba-lho, e a chegada do material necessário aosaterros e à construção das casas.

A ocupação da região atingiu seu auge nadécada de 1970, tendo se espraiado sobre aságuas da Baía de Guanabara, como um im-pressionante aglomerado de habitaçõesconstruídas sobre palafitas. Na década de1980, por meio do chamado Projeto Rio5,houve a erradicação desse tipo de habitação.Foram realizados grandes aterros e construí-dos conjuntos habitacionais na região para oreassentamento das famílias removidas dasáreas palafitadas.

Na década de 1990, a Maré foi objeto deoutro processo de reassentamento promo-vido pela Prefeitura6, principalmente depopulações desabrigadas e moradores deáreas de encostas e margens de rios, consi-deradas de risco. No mesmo período, ocor-reu o fortalecimento do chamado “poderparalelo”. Organizado em facções crimino-sas rivais, o tráfico de drogas passou a difi-cultar, no cotidiano, o processo de integra-ção das localidades.

Durante a primeira gestão do PrefeitoCésar Maia, foi criado o bairro da Maré pormeio da Lei Municipal nº 2.119 de 19 de ja-neiro de 1994, publicada em Diário Oficialde 24 de janeiro do mesmo ano. Tendo sidoalvo de inúmeros projetos governamentais ede acordo com diversos interesses políticos,a Maré, até então considerada como favela,passou a ser tratada pelo poder públicocomo uma área totalmente urbanizada, con-dição esta que viabilizou a criação do bairro.Mas, desde sua origem, a existência do bairroda Maré não foi reconhecida pela maioriados moradores, que prefere se identificarcom os bairros vizinhos à região: Bonsuces-so, Manguinhos, Ramos ou Penha.

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É evidente que os diferentes processos deocupação das 15 localidades, a violência eas inúmeras modificações operadas pelo po-der público na geografia da região, são fato-res que geraram obstáculos à constituição dobairro da Maré enquanto um “lugar de me-mória” (NORA, 1993), onde as diferentesidentidades e as inúmeras memórias dosmoradores pudessem encontrar um ancora-douro. No entanto, esses fatores também po-dem ser percebidos, ainda que em graus di-versos, na maioria das regiões da cidade tra-dicionalmente reconhecidas como bairros, oque não impediu a seus moradores desen-volver uma identidade com o lugar.

Mas, ao contrário desses outros lugares,concebidos como partes integrantes da cida-de, o bairro da Maré foi criado a partir dafavela, espaço historicamente associado atudo o que se opõe à vida urbana. A subjetivi-dade, as memórias e o cotidiano dos morado-res da região são marcados por esse estigma,que também permanece profundamente ar-raigado nas pessoas que vivem nesta cidade.

O CEASM E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍ-TICO DE BAIRRO

Na contramão das representações domi-nantes sobre as favelas, podemos encontrarna Maré algumas organizações não governa-mentais que formularam um discurso de va-lorização do lugar. Uma dessas ongs é oCEASM, que atua de forma consciente nosentido de constituir uma memória coletivaem torno do bairro.

Segundo Pandolfi e Grynszpan (2003), oCEASM é uma das ONGs mais importantesque atuam na região, destacando-se o fatoda instituição ter sido criada por moradorese ex-moradores locais que, tendo alcançadoformação universitária e estabilidade profis-sional, continuaram atuando em movimen-tos coletivos na Maré.

Oriundos de movimentos sociais, da pas-toral da Igreja Católica e de outros espaçosde militância, como associação de morado-res e partido político, os fundadores doCEASM desenvolveram uma forte identida-de com a Maré, o que contribuiu para fazerda ong uma experiência singular.

O CEASM desenvolve projetos, cujasações divulgam claramente a idéia de bairro.Um desses projetos é a Rede Memória daMaré, que objetiva preservar a história locale contribuir para a criação do sentido depertencimento dos moradores ao bairro.

A origem deste projeto é anterior à funda-ção do próprio CEASM. Em 1989, um grupode jovens, moradores da Maré, desenvolve-ram um projeto chamado TV Maré, que seconstituiu em uma das primeiras experiênci-as de TV comunitária do estado do Rio deJaneiro. A iniciativa previa a gravação deimagens do cotidiano, eventos, festas e ou-tros fatos que pudessem despertar o interesseda comunidade. Todo material produzidoera exibido pelas ruas e praças, em aparelhode televisão ou telão, em eventos que chega-vam a reunir até 200 pessoas.

Dessa experiência inicial surgiu a idéia daprodução de um vídeo que contasse a histó-ria das comunidades da Maré. Com esse ob-jetivo foi traçado um pré-roteiro, que previaa apresentação da história do lugar, conten-do informações que iam desde o períodocolonial até os dias atuais. Os agentes envol-vidos no projeto, interessados então, em pro-duzir um vídeo amador que narrasse a histó-ria do local onde viviam, acabaram por des-cobrir, através de pesquisas realizadas de for-ma empírica e estimuladas pela curiosidade,aspectos muito interessantes da região. Talexperiência acabou por constituir ao longode várias entrevistas realizadas, um impor-tante acervo documental sobre a história daMaré e da própria cidade. Com o fim doprojeto em 1995, os integrantes da TV Maré,

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conscientes da importância do material quetinham produzido, mas sem condições mate-riais de organizá-lo e disponibilizá-lo à comu-nidade, resolveram manter tudo guardado.

Em 1997, alguns dos ex-integrantes da TVMaré participaram da fundação do CEASM,retomando de imediato a idéia de trabalhara questão da memória dos moradores, aomesmo tempo que iniciaram um processode recuperação, organização e conservaçãodo material produzido anteriormente, consi-derando inclusive a possibilidade de suaampliação, transformando-o em embrião damontagem de um acervo sistematizado, queo novo grupo resolveu chamar de Rede Me-mória da Maré.

De acordo com as justificativas apresenta-das nos projetos redigidos pela instituição –como por exemplo, a Rede Memória -, oCEASM foi criado com a missão de promo-ver ações qualitativas, integradas e de longoprazo no espaço local, objetivando melhorara qualidade de vida dos moradores da Marée contribuir para a superação das representa-ções estereotipadas da favela que orientam aopinião pública em geral e, em particular, aopinião pública carioca.

A instituição trabalha a partir do uso dametodologia de criação de redes sociopeda-gógicas, que visam articular grupos sociaiscomprometidos com a participação cidadã(GOHN, 2007), contribuindo para a criaçãode políticas públicas que melhorem qualita-tivamente a vida dos moradores da Maré eda cidade.

Para desenvolver esse conjunto de proje-tos, o CEASM estabeleceu diversas parceriascom instituições públicas e privadas, comopor exemplo, a empresa White Martins; osinstitutos Votorantim, C&A e Unibanco;INFRAERO, FIOCRUZ, UFRJ, UFF, UNIRIO; Se-cretaria de Assistência Social e Direitos Hu-manos do Estado do Rio de Janeiro, Secreta-

ria Municipal de Educação, Departamentode Museus e Centros Culturais do IPHAN, Mi-nistério da Cultura; algumas associações demoradores, escolas públicas e ONGS locais.

A ONG iniciou sua atuação em 1997, apartir do projeto Pré-Vestibular Comunitárioda Maré. As duas turmas que se formaram,com 70 alunos cada, ocuparam salas na Pa-róquia Nossa Senhora dos Navegantes, naépoca, a única paróquia católica local. Opadre cedeu o espaço da igreja ao CEASM,enquanto as obras eram realizadas em suasede, prédio cedido em comodato pela dire-toria da associação do Morro do Timbau.

Em parceria com a empresa Terminal 1 deTransporte Marítimo, o CEASM abriu umnovo núcleo no Morro do Timbau. Inaugu-rada em 2003, a Casa de Cultura da Maré –assim chamada pelos participantes da ONG -é um espaço dedicado aos projetos culturaisdesenvolvidos pela instituição.

Os agentes sociais do CEASM formularamao longo dos 11 anos de existência da ong, aproposta política de invenção do bairro daMaré. De acordo com Hobsbawm (1997), oêxito das invenções depende de sua trans-missão clara, de forma que o público possaentendê-la de imediato. Nesse sentido, épossível perceber que o CEASM desenvolveuvários projetos que, em suas ações divulgama idéia de bairro.

Um desses projetos, como já foi dito, é aRede Memória, que obteve reconhecimentonacional em 2005, ao receber o PrêmioRodrigo Melo Franco de Andrade, oferecidopelo Instituto do Patrimônio Histórico e Ar-tístico Nacional (IPHAN). Tal premiação éconferida a pessoas ou instituições que de-senvolvem ações de preservação do patri-mônio cultural brasileiro. O IPHAN selecio-nou sete iniciativas em todo o Brasil, tendosido a Rede Memória premiada na categoriade salvaguarda de bens de natureza imaterial.

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Esse trabalho de preservação do patrimô-nio imaterial da Maré valoriza a história lo-cal, sistematizada em um texto ilustrado de83 páginas, o Histórico da Maré. O texto foiescrito por Antônio Carlos Pinto Vieira, umdos fundadores do CEASM e coordenadorda Rede Memória. Seu trabalho apresenta ahistória da região e sua relação com a dinâ-mica da formação da cidade. Ordenandonuma seqüência cronológica os processoshistóricos ocorridos na região e na cidade,desde o período colonial até o final da déca-da de 1990, Vieira escreve a primeira versãoda história da Maré e, principalmente, criauma identidade comum entre as diversas lo-calidades que se formaram ao longo da Ave-nida Brasil, a partir da década de 1940.

Vieira afirma que a localidade mais antigada região é o Morro do Timbau e, numa nar-rativa mítica, apresenta a história de donaOrozina, conferindo àquela que teria sido aprimeira moradora do Morro do Timbau, ostatus de fundadora da Maré:

A ocupação da comunidade propriamen-

te dita se dá a partir da chegada da pri-

meira moradora, d. Orozina, que num

passeio de final de semana se apaixona

pelo lugar, e recolhendo a madeira que a

maré trazia, demarca uma área e cons-

trói o primeiro barraco e assim nos é con-

tada por Carlos Nélson: “[...] Havia ali

uma praia, então limpa e agradável. Se

chamava Praia de Inhaúma, embora o

bairro do mesmo nome ficasse distante,

no interior do tecido urbano. Foi ali, ali-

ás, como resultado de um passeio de do-

mingo à Praia de Inhaúma que os primei-

ros ocupantes se apaixonaram pelas ca-

racterísticas da localidade. Nada existia

ali, exceto o matagal que, na linguagem

do dia a dia significava que a região esta-

va coberta de espessa vegetação. A

praia estava coberta de pedaços de ma-

deira trazidos pela maré, e que pareciam

sugerir seu uso para alguma boa finalida-

de. E foi isto exatamente que uma mu-

lher inteligente fez, ignorando os protes-

tos de seu marido e começando a juntar

pedaços de madeira, com o intuito de le-

vantar um barraco naquele ponto deser-

to que parecia não ter interesse a nin-

guém. Este primeiro casal vinha do cen-

tro do Rio, onde vivia numa casa de cô-

modos, atrás da Estação da Central do

Brasil. A mulher tinha acabado de che-

gar do interior de Minas Gerais e não

conseguia viver sufocada no pequeno cô-

modo, ‘com chuva caindo em goteiras’.

Ela escolheu um ponto seco, convenien-

te, numa pequena elevação próxima ao

mar e levantou seu pequeno barraco

com os materiais que a maré trazia de

graça. Mais tarde ela se dedicou a plan-

tar árvores frutíferas e uma horta e a

cercar seu ‘território’. Ela conseguiu fa-

zer tudo sem que qualquer pessoa a per-

turbasse. Mesmo assim, o casal estava

bastante assustado, percebendo que eles

estavam ocupando algo, sem autoriza-

ção, que não lhes pertencia” (1998, p. 43-

44, grifo do autor).

De acordo com Portelli (2002), um mitonão é obrigatoriamente uma história inven-tada. Na verdade, o mito é “uma história quese torna significativa na medida em que am-plia o significado de um acontecimento in-dividual (factual ou não), transformando-ona formulação simbólica e narrativa dasauto-representações partilhadas por umacultura (p. 121). É justamente essa narrativamítica sobre a origem da Maré que os agen-tes sociais do CEASM formularam a partir dahistória de dona Orozina, apresentada nohistórico escrito por Vieira.

O Histórico da Maré compõe o acervo doarquivo documental criado pela Rede Me-mória com o objetivo de abrigar variadasfontes sobre a história local: fotografias, ma-pas, uma hemeroteca, documentos oficiaissobre a Maré, documentos particulares doa-

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dos por moradores, monografias, teses etc.Não por um acaso, o arquivo foi batizadocom o nome de dona Orozina.

Desde sua inauguração, em 27 de abril de2002, várias pessoas já passaram pelo arqui-vo. Algumas, para conhecer; outras, para verfotos antigas e “matar” a saudade do passado;e muitas, para pesquisar. Grande parte daspesquisas são realizadas por professores ealunos das escolas públicas locais e por par-ticipantes dos outros projetos do CEASM.Nos registros do arquivo consta um númeroconsiderável de consultas feitas por pesqui-sadores ligados a diversas instituições da ci-dade, tais como UNIRIO, CPDOC, UFRJ,FIOCRUZ e outras.

A equipe do arquivo é formada por jovensuniversitários, moradores da Maré, muitosdos quais fizeram o Curso Pré-Vestibular ofe-recido pelo CEASM. Atualmente, eles estãoem universidades públicas, cursando facul-dades de História, Geografia, Bibliotecono-mia, Arquivologia e Serviço Social. Essesjovens realizam um trabalho de pesquisajunto aos moradores locais para reproduziros acervos pessoais sobre a história da Maré.Além disso, a equipe também desenvolvepesquisa em arquivos públicos e particularesdo Rio de Janeiro.

Em conseqüência do trabalho desenvolvi-do, o arquivo abriga material variado sobre ahistória local, composto por fotografias, pu-blicações, fitas de vídeo e áudio, jornais emapas. O acervo está disponível à consultade moradores, professores e alunos das esco-las públicas do bairro e de pesquisadores dasdiversas instituições da cidade.

Grande parte do acervo do ArquivoOrozina Vieira é constituído por fotografias,que retratam variados aspectos da realidadelocal, e fotos do início do século XX, de auto-ria do conhecido fotógrafo Augusto Malta.Esse acervo iconográfico foi, em parte, re-

produzido e ampliado para compor váriasexposições sobre a história da Maré.

As exposições são apresentadas em espa-ços públicos locais, como escolas e praças.Nos últimos anos, a Rede Memória vem reali-zando também exposições em outros lugaresfora da Maré, como por exemplo, no Institu-to de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Flamen-go; no Instituto de Filosofia e Ciências Huma-nas da UFRJ, Largo São Francisco; no Institu-to de Educação da UFF, no Museu de ArteContemporânea, e no Centro Cultural do Tri-bunal de Contas do Estado, em Niterói; e noMuseu da República, Catete.

A Rede Memória também possui um gru-po de contadores de histórias, cujo nome éMaré de Histórias. Esse grupo desenvolve umtrabalho a partir das narrativas dos morado-res, explorando o aspecto lúdico da históriada Maré - as lendas e os causos narrados pelosmais velhos. Histórias como O Ensopado deCobra, O Porco com Cara de Gente, O Casa-mento na Palafita e A Figueira Mal Assombra-da fazem parte do repertório do grupo.

Outro projeto desenvolvido pela RedeMemória é a pesquisa de história oral. Esteprojeto tem o objetivo de preservar a histó-ria da Maré, através do registro dos depoi-mentos orais dos moradores mais antigos.

A Rede Memória é um dos instrumentoscriados pelo CEASM para promover a divul-gação do bairro, suas questões atuais e suahistória. Dessa forma, o CEASM se apropriade uma criação político-administrativa dopoder público e, numa outra perspectiva, in-venta o bairro da Maré, dando-lhe uma ori-gem histórica comum e valorizando o lugare os atores sociais que o construíram.

A insistência do CEASM em utilizar a idéiade bairro para se referir e atuar na Maré, ape-sar da falta de identidade por parte da maio-ria dos moradores em relação a essa idéia, é

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CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA190

de relevante importância. O CEASM é umaong que atua de dentro para fora. Partindodo local para o global, busca contribuir paratransformar a Maré e a cidade. Para atingirseus objetivos, o CEASM se apropriou dobairro - instituído de cima para baixo, a par-tir de decreto municipal – de forma estraté-gica para trabalhar o sentido de pertenci-mento do morador ao local em que vive.Assim, a partir da invenção de um bairro, aONG busca forjar uma nova cultura, querompa com a visão simplista sobre o lugar.

No entanto, o trabalho de transformaçãodos olhares estigmatizantes sobre a Maré éum desafio constante que nem sempre é re-conhecido, podendo ser apreendido e detur-pado por interpretações preconceituosas,como a que segue:

O BNDES financiou, a Prefeitura deuapoio e a ONG CEASM está realizando o queparece ser o mais sério levantamento realiza-do em favelas do Rio. Até porque o pessoaldessa ONG teve facilidade para entrar nosbarracos já que seu núcleo é formado poruniversitários oriundos da Favela da Maré –que hoje, como marco inicial de suas des-venturas, nem favela mais se chama.Pespegaram-lhe o pomposo nome de “Com-plexo” [...] Na Maré, são 38.083 barracos,contabilizados pela ONG CEASM, que jácontou efetivamente 102.828 habitantes [...]Nesses barracos, só miséria e doença, analfa-betismo e violência, a revelar uma única coi-sa: a solução do caso das favelas é não havermais favelas [...] (Jornal do Brasil, 2000 apudESTEVES, 2004, P. 33, grifo nosso)7.

Nesta notícia sobre o censo que o CEASMrealizou no ano de 2000, muito mais do queo total desconhecimento por parte do jorna-lista sobre a realidade da Maré, é possívelperceber uma visão homogeneizante dos

meios de comunicação que reduz a comple-xidade das favelas a uma cultura específica ediferente, contribuindo para reforçar o este-reótipo desses espaços, enquanto lugares dapobreza e da violência.

A opção do CEASM de se apropriar da cri-ação do poder público, é assim analisadapor Antônio Carlos, fundador da ONG e au-tor do texto sobre a história da Maré:

O projeto não é do CEASM, acho que oCEASM encampou essa proposta porque ela éuma realidade que vai aos poucos se confor-mando... E fez com tanta competência queparece mesmo ser um projeto do CEASM. Agente não pode esquecer que antes doCEASM ocorreram vários movimentos naMaré nesse sentido. O Projeto Rio, com aameaça da remoção e a proposta de interven-ção gigantesca, forçou a união das associa-ções locais, e propôs um tema que era co-mum a todas as comunidades. Em 1995, sur-giu uma outra iniciativa que foi a UNIMAR(União das Associações de Moradores daMaré). Isso foi motivado pela criação do bair-ro Maré, em 1994, e a reaproximação das lide-ranças com o engenheiro Edgard Amaral, umdos principais articuladores do Projeto Rio.Mas, o projeto de bairro encontrou sua maiorexpressão no CEASM, que pauta todas as suasações para o espaço geográfico do bairro Maré.A divulgação do Pré-Vestibular, por exemplo, éfeita por meio de faixas e carro de som em to-das as comunidades; os alunos matriculadostambém são de várias comunidades; o projetoda Memória desenvolveu um histórico falandoda região como um todo, desde o período co-lonial, propondo uma memória coletiva daregião, mas respeitando o específico das co-munidades. O CEASM faz uma competenteapropriação do projeto do bairro Maré e setornou um dos seus principais agentes (Depo-imento cedido em 18/04/2008).

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MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 191

A CRIAÇÃO DO MUSEU DA MARÉ

Os narradores do CEASM têm clareza doseu papel de construtores de uma identidadecoletiva dos moradores do bairro. Para tan-to, desenvolveram instrumentos para alcan-çar seus objetivos, como bem descreve Antô-nio Carlos no depoimento acima. Um dessesinstrumentos foi o calendário elaboradopela Rede Memória em 2005. Família Maré -nome dado ao calendário - apresentou acada mês uma foto do acervo pessoal de al-guns moradores e seus depoimentos.

Inspirados pela experiência positiva docalendário e pelas várias exposições fotográ-ficas realizadas, principalmente a exposiçãoA Força da Maré no Museu da República -que contou com a utilização de objetos em-prestados pelos moradores -, os participantesda Rede Memória estabeleceram uma parce-ria técnica com o Departamento de Museusde Centros Culturais (DEMU)/IPHAN para aimplantação de um novo projeto: o Museuda Maré, que integra os Pontos de Cultura doPrograma Cultura Viva/MINC.

Além de valorizar a história da região, omuseu objetiva contribuir para ampliar a co-municação entre os diferentes patrimôniosexistentes na cidade, favorecendo o exercí-cio da cidadania e a participação das comu-nidades no processo de apropriação do pa-trimônio cultural local e universal.

Numa cidade tão complexa como o Riode Janeiro, estabelecer uma relação orgâni-ca com a sociedade, respeitando sua diversi-dade cultural é, sem dúvida, um desafio per-manente para os museus. Como criar pontesque favoreçam o diálogo entre as diferentesrealidades sócio-culturais existentes nessa ci-dade? De que forma superar uma visão limi-tada de patrimônio e valorizar também acultura material e imaterial produzida pelossubúrbios, comunidades populares e favelas?Um museu, seja ele qual for, deve encontrar

respostas para essas questões, sob pena de seafastar de seu objetivo principal que é servirà comunidade, que dele se apropria, e neledeve estar representada. Dessa forma, o Mu-seu da Maré quer contribuir com o processode alargamento da perspectiva do papel dosmuseus na realidade contemporânea.

O museu não é um lugar para se guardarobjetos ou cultuar o passado. Ele é um lugarde vida. Se a vida pode ser medida pelosanos, dias e horas, nos relógios e calendários,no Museu da Maré ela é contada por tempos,onde nada está acabado, tudo é mutável.Passado, presente e futuro convivem nostempos da água, da casa, da migração, dotrabalho, da resistência, da feira, da festa, dafé, da criança, do cotidiano, do medo e dofuturo. São 12 exposições temáticas, como12 são as horas do relógio e os meses do ano.

As exposições buscam representar os tem-pos construídos a partir do lugar e da vida.Aqui os moradores tiveram que fazer seuchão. Fincaram as palafitas na água e sobreelas ergueram suas casas. O tempo era con-tado pelo fluxo e refluxo da maré. Redes aomar, aterros, rola-rola, bicas d’água, tijolos,lajes, mutirão. Tudo isso faz parte do patri-mônio construído por tantas pessoas ao lon-go do tempo.

Nesse lugar, onde muitos só enxergam aviolência, nasce uma nova maneira de con-tar os tempos da cidade, a partir do diálogo,da troca e do respeito à diversidade cultural.O Museu da Maré é um convite à construçãodesse novo tempo.

Mário Chagas e Regina Abreu assim anali-sam a importância do Museu:

A experiência do Museu como ferramenta

de comunicação e trabalho contribui para

a luta contra o preconceito em relação

aos museus – tradicionalmente considera-

dos como dispositivos de interesse exclusi-

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CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA192

vo das elites econômicas – e também em

relação às favelas – comumente tratadas

como lugares de violência, de barbárie,

de miséria e de desumanidade. A polêmi-

ca provocada pelo Museu da Maré subli-

nhou um fato que, mesmo sendo óbvio,

frequentemente não é levado em conta,

qual seja: o da favela como lugar de cultu-

ra, de memória, de poética, de trabalho, e

não apenas como território privilegiado

da bala perdida ou teatro de guerra onde

policiais enfrentam bandidos e bandidos

enfrentam policiais (2007, p. 133).

No centro do Museu, emergindo do Tempoda Água, surge um barraco em tamanho natu-ral. É possível passar por entre as palafitas que osustentam, olhar para cima e ver seu assoalho.Mas a experiência mais impactante ainda estápor vir: entrar na casa e conhecer seu interior;imaginar como as pessoas podiam morar emum espaço tão pequeno que, ao mesmo tempoera sala, cozinha e quarto, razão de ser da exis-tência de milhares de migrantes que foram che-gando ao longo de várias décadas.

Por fora, as madeiras daquela construçãosimples têm vários tons de azul; por dentro,tudo é cor-de-rosa para receber e acolher osvisitantes. Quem entra, se depara com um es-paço muito bem arrumado, repleto de objetosque não dialogam apenas com quem morouem um barraco ou mora em favela. Os objetostêm vida, por isso eles interagem com o visitan-te, emocionam e aproximam memórias e pa-trimônios de diferentes tempos e lugares.

São objetos simples, que poderiam ter sidoesquecidos: imagens de santos, rede, lamparina,retratos de família, roupas, móveis; umpaneleiro com panelas muito bem areadas; umfogão da marca “Cosmopolita” e, sobre ele, umpente feito de ferro com cabo de madeira, cha-mado de “pente quente” ou pente de ferro.

Os objetos do Tempo da Casa não são ca-ros, não são raros nem são expoentes de uma

cultura “superior”. Pelo contrário, eles ne-gam a idéia de sua absolutização, pois sãoobjetos muito simples do cotidiano dos mo-radores da Maré. No entanto, ao terem sidomusealizados, tais objetos revelam plena-mente a sua dimensão humana, que nos tocae emociona. No Museu, esses objetos sãoverdadeiros lugares de memória.

Pierre Nora afirma que lugares de memó-ria são aqueles revestidos de simbolismo:“mesmo um lugar puramente funcional,como um manual de aula, testamento, umaassociação de antigos combatentes, só entrana categoria se for objeto de um ritual” (p.21). As inúmeras memórias existentes naMaré, relacionadas a lugares, fatos, pessoas eobjetos, foram revestidas de simbolismo pe-los agentes sociais que criaram o Museu, ten-do como eixo central o barraco sobre palafi-tas, signo da miséria nacional durante déca-das, e que hoje se transforma em espaço ritu-al de troca e encontro das diferentes memó-rias de pessoas de todos os lugares.

Para Antônio Carlos Vieira, a casa é umespaço de encontros e trocas, aflorando nosvisitantes diversos sentimentos que são com-partilhados e criam uma “comunidade deafetos”, que se contrapõe ao movimento defragmentação e individualismo do mundopós-moderno:

Se vivemos em um mundo dito pós-mo-

derno, cujas principais marcas são a perda

de eixos referenciais, o descarte do espa-

ço concreto como espaço de encontro, a

comunicação virtual, o individualismo e a

fragmentação de identidades, temos nes-

sa casa um manifesto não escrito, que vai

em rota de colisão a este movimento. É

uma casa de lembranças, que reúne os

fragmentos, que valoriza o espaço local,

suas vivências e experiências coletivas,

que propõe uma memória projetada de

acordo com as experiências de vida, tão

diferentes, mas que estão ligadas por cer-

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MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 193

to fio condutor que perpassa essa memó-

ria. É um movimento de conexão, que

extrai das diferentes experiências senti-

mentos comuns e permite o encontro sur-

preendente do que Halbwachs chama de

“comunidade de afetos” (2007, p. 154).

CONCLUINDO

Os agentes sociais que constroem oCEASM deram novo significado ao papeldos museus, que passam a ser também umrecurso para a reflexão sobre a identidade ea importância do patrimônio cultural dosmoradores das favelas, subúrbios, periferias ebairros populares.

O conceito de identidade trabalhado noMuseu é um conceito estratégico e político.Não se trata de discutir somente quem são osmoradores da Maré, mas, principalmente,como esses moradores são representados nacidade e como essa representação tem influ-enciado sua auto-imagem.

O Museu da Maré é uma proposta para acidade pensar as identidades e as diferenças apartir de novas referências que fujam do lugarcomum do imutável, do permanente, do na-tural e da normalidade. Ao mesmo tempo, oMuseu faz um convite aos moradores paraque assumam a militância contra a mesmice,os determinismos e os estigmas, deslocandoos enquadramentos atuais da memória(POLLAK, 1989), que são sempre pautados porum processo de normalização da identidade.

Para Pollak, o trabalho de enquadramen-to é realizado por certos atores sociais queconstroem uma memória oficial. No entan-to, apesar da aparente harmonia, essa me-mória é sempre dinâmica e construída noconflito. É justamente a instabilidade desseprocesso que possibilita o trabalho de des-locamento da memória enquadrada.

Sem dúvida, o Museu é um importanteinstrumento usado pelos agentes sociais doCEASM, que trabalham para deslocar o en-quadramento da memória dos moradores daMaré e da cidade do Rio de Janeiro, conce-bendo as diferenças e identidades enquantoproduções sociais que envolvem diversas re-lações de poder.

Por meio de várias ações, os idealizadoresdo CEASM teimam em valorizar aquilo que édesprezado no geral pelos enquadradoresdas memórias oficiais: as lutas, o protagonis-mo, o patrimônio cultural dos moradores daMaré, e a importância da história desse lugarpara a história de toda a cidade.

Dessa forma, o Museu imaginado por essesagentes como possibilidade de superação deuma identidade tida como normal - que gera oestigma contra a favela -, vai sendo por elesinventado, à medida que novos discursos sãocriados a partir da apropriação idéia de bairroe do diálogo entre a realidade local e global.

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Notas

1 Sobre este tema, ver CHAGAS e ABREU (2007).

2 Essa população está distribuída pelas seguintescomunidades: Conjunto Esperança, Vila doJoão, Vila Pinheiros, Conjunto Pinheiros, BentoRibeiro Dantas, Morro do Timbau, Baixa do Sa-pateiro, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda,Rubens Vaz, Parque União, Roquete Pinto, Praiade Ramos, Marcílio Dias. Fonte: Censo Maré2000/CEASM.

3 Portos de Inhaúma e de Maria Angu.

5 Projeto do Ministério do Interior lançado em1979, e executado pelo Banco Nacional de Habi-tação (BNH). O Projeto Rio tinha como um deseus objetivos o saneamento da orla da Baía deGuanabara ocupada por palafitas.

6 Programa da Secretaria Municipal de HabitaçãoMorar sem Risco (VIEIRA, 1998, p. 78).

7 André Esteves é jornalista e foi coordenador doprojeto O Cidadão até 2005. Sua dissertação demestrado é uma reflexão sobre a experiência queviveu no CEASM e na Maré.

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E

An MARIA CRISTINA OLIVEIRA BRUNO

MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO

GABRIELA AIDAR

6Memorial da Resistência:

Perspectivas interdisciplinaresde um Programa Museológico

APRESENTAÇÃO

Este texto apresenta o projeto do Memorial da Resistência, que foi desenvol-vido visando à remodelação do antigo Memorial da Liberdade, através da inici-ativa da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, cuja implantação teveinício em 1o. de maio de 2008.

A sua elaboração, a partir de estimulante exercício interdisciplinar, aproxi-mou o conhecimento já produzido e sistematizado relativo às pesquisas histó-ricas das potencialidades programáticas inerentes aos estudos museológicos,permitindo a indicação de propostas conceituais e metodológicas para a res-pectiva remodelação, com vistas à expansão de sua perspectiva preservacio-nista e ampliação de seu potencial educativo-cultural. Trata-se de um projetovoltado para a musealização da memória da resistência e da repressão, a partirda apropriação de um segmento do antigo edifício sede do DEOPS/SP – Depar-tamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo, hojeocupado pela Estação Pinacoteca.

ARTIGO

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR196

Os estudos e as análises para a elaboraçãodesta proposta giraram em torno de três seg-mentos, abaixo indicados:

- perspectiva histórica- programa museológico- proposição para ação educativa e cul-

tural

A implantação e o desenvolvimento desteprojeto contará com uma Comissão de ori-entação composta por representantes dasSecretarias Estaduais de Cultura e da Justiçae Defesa da Cidadania, do Fórum Permanen-te dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos doEstado de São Paulo, do Arquivo Público doEstado, da área acadêmica e da Pinacotecado Estado que, por sua vez, atuará em conso-nância com as autoras da proposta e com aequipe técnica multiprofissional que terão aresponsabilidade de assegurar a conduçãodas linhas programáticas.

Os trabalhos que embasaram a concepçãodesta proposta apontaram, ainda, para a im-portância das conexões com outras experi-ências congêneres no Brasil e no exterior epara a necessidade de atenção constantecom a continuidade sistemática das pesqui-sas históricas, com a atualização dos discur-sos museológicos, com a ressignificação dosespaços da memória e, acima de tudo, para onão esmorecimento frente aos desafios edu-cacionais relativos às questões que evidenci-am os nossos traumas histórico-culturais.

Este texto apresenta as intenções das auto-ras, explicita as suas argumentações históri-cas direcionadas para a necessidade de re-modelar a atual conjuntura museológica eregistra as suas propostas metodológicaspara a implementação de uma nova identi-dade institucional.

1 - UM CENTRO DE REFERÊNCIA DA MEMÓRIAPOLÍTICA BRASILEIRA

1.1 Espaço da História e da Memória

Discutir estratégias de como conscientizara população brasileira sobre o papel das ins-tituições de controle do Estado Moderno éuma das múltiplas formas de lutarmos con-tra a repressão institucionalizada, vetor doexercício da cidadania e da democracia. En-quanto historiadores, museólogos e educa-dores, devemos estar atentos à capacidadeque a intolerância e violência têm deretornar disfarçadas de modernidade, de semanter e de se propagar através de novosartifícios. E, toda vez que isto acontece, re-trocedemos no árduo processo de democra-tização e reconhecimento dos Direitos Hu-manos. Enfim, nem todos têm conhecimen-tos dos fatos sob a perspectiva histórica; enem todos têm conhecimento para dispordo certo ou do errado. É neste sentido – deinvestir contra a História Oficial e de rompercom os silêncios propositais da História –que foi idealizada a remodelação do espaçodo Memorial da Liberdade, sediado na Esta-ção Pinacoteca, no Largo General Osório, nº66, em São Paulo.

O prédio — que hoje abriga a Estação Pi-nacoteca — foi projetado pelo escritório deRamos de Azevedo para ser o escritório cen-tral e armazém central da E.F. Sorocabanaque ali funcionou entre 1914 e 1940. A partirdesta data, abrigou a Delegacia Especializa-da de Explosivos, Armas e Munições vincula-da ao DEOPS/SP e, no ano seguinte, as de-mais repartições dessa Polícia Política, ór-gão-símbolo da repressão institucionalizadano Brasil. Antes de ser transferido definitiva-mente para este prédio, o DEOPS – criadoem 1924 para combater a subversão política

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MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 197

– teve outras sedes: à rua 7 de Abril, nº 81;rua dos Gusmões, nº 86, e rua Visconde deRio Branco, nº 280.

A partir de 1940, o prédio abrigou tambéma Repartição Central de Polícia e a Chefaturade Polícia (Secretaria de Estado dos Negóci-os da Segurança Pública) que ali permanece-ram até 1951. Em síntese: o DEOPS ocupoueste espaço desde 1940 até o seu fechamentoem 1983, marco do final da ditadura institu-ída com o golpe militar de 1964. Assim, a his-tória deste espaço extrapola as imagens de“armazém” da Sorocabana e de “porão” daditadura militar para alcançar uma dimen-são ainda maior: a do controle do cidadãopelo Estado brasileiro, em tempos de repú-blica e em tempos ditatoriais.

Atentos aos processos de higienização damemória, não devemos perder de vista asmúltiplas funções atribuídas a este prédiodesde o início do século XX até os dias atu-ais. Não devemos ser coniventes com osrestauros arquitetônicos implementados porpolíticas públicas interessadas em passar umverniz sobre o passado político do Brasil Re-pública ou das duas ditaduras, a de GetúlioVargas e a Militar. Não podemos nos esquecerque, durante 69 anos, o DEOPS exerceu afunção específica de controle político-soci-al: vigiou a sociedade e puniu cidadãos acu-sados de “subversivos ou terroristas” por de-fenderem projetos alternativos daquele sus-tentado pelo Estado. Usou de práticas repres-sivas violentas, arbitrárias e ilegais como atortura, cárcere privado, expulsão, deporta-ção e a execução sumária.

Restaurado, o prédio mantêm hoje seupartido arquitetônico com novas funçõesmuito mais direcionadas à cultura do que àmemória política. De forma muita tímida esurda, o  Memorial da Liberdade rende suashomenagens aos  presos mortos e  desapa-recidos durante a Ditadura Militar. Pouco sesabe sobre estes grupos e suas ações de resis-

tência, assim como pouco se conhece sobreos atos de repressão institucionalizada que,em nome da ordem pública e da segurançanacional, tiveram seu lugar na História. En-fim, o local carece de uma identidade políti-ca, apesar da preservação das celas que fo-ram maquiadas para manter “as idéias forade lugar”.

Assim, pretendemos—através deste proje-to de reformulação do espaço Memorial daLiberdade – resgatar a identidade social epolítica do prédio da atual Estação Pinacote-ca cuja história carece de referências históri-cas. Através de processos museológicos e es-tratégias pedagógicas interativas nos dispo-mos a criar condições para informar o visi-tante e formar cidadãos conscientes do seupassado. Nada nos impede de reconhecer quecada vítima tem um valor absoluto se consi-derado o grau de injustiça cometido contraela pelo Estado controlador de idéias erepressor de ações cotidianas. Entendemosque dando a conhecer as histórias da repres-são política e da resistência no Brasil contem-porâneo estaremos instigando o diálogo paraa produção de uma cultura mais tolerante.

O espaço estará também aberto para dis-cutirmos estratégias de conscientização dosnossos jovens sobre o perigo da persistênciade idéias autoritárias, legado das ditadurasvarguista (1937-1945) e militar (1964-1983).Esta será uma das múltiplas formas de salva-guardamos nossas conquistas democráticas.Portanto, cabe a nós, através da educaçãoformal e informal sensibilizar a populaçãopara algumas singularidades da nossa históriapolítica. Não podemos deixar que o mundofique cego e que a memória se apague. E seisto acontece, o todo se converte em Nada. Équando retrocedemos aos escombros da ig-norância numa espécie de “ ensaio sobre acegueira”, à moda do escritor José Saramago.

Rememorar os atos intolerantes nos colo-ca em estado de alerta contra uma possível

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MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR198

reprodução de certas circunstâncias históri-cas que, em diferentes momentos da história,culminaram com a exclusão contra minoriasétnicas, religiosas e políticas, dentre outras.Mas é preciso lembrar sempre que existemparcelas da sociedade interessadas em silen-ciar ou então, em distorcer os fatos. Precisa-mos estar atentos a esta produção intencio-nal de silêncios procurando compreender arazão do não-dito pois nem sempre o silên-cio é sinônimo de “implícito” ou de “nãoquerer lembrar”. O não-dizer está, na maio-ria das vezes, ligado à história e à ideologia.Portanto, certas ocorrências não devem serinterpretadas como meros acidentes de lin-guagem, e sim como um “ato de intenção”.Para tanto, os nossos jovens têm que estarinstrumentalizados (além de serem sensibili-zados) para perceber os silêncios e as detur-pações impostas pela História Oficial. Aquiestá o desafio do Memorial da Resistência:“quebrar” a corrente do silêncio ajudando alembrar, sempre.

1.2 Vestígios da história da repressão eda resistência:

Ao ingressar no prédio da Estação Pinaco-teca, raros são os visitantes que têm consci-ência do real significado daquele lugar. Im-ponente e majestosa, a arquitetura compõecom o conjunto histórico da Luz recente-mente revitalizado. Entre a Sala São Paulo, oMuseu da Língua Portuguesa e a Pinacotecado Estado, a construção se apresenta muitomais como um signo de riqueza e poder eco-nômico do que como espaço símbolo da re-pressão.

O cenário de sede do antigo DEOPS/SPfoi, em grande parte, esvaziado de indíciosque remetessem ao nosso passado político.A história da repressão, assim como a da re-sistência no Brasil contemporâneo, carecemde espaços-símbolos. Ao longo de seis déca-

das, milhares de pessoas foram seqüestradas,presas e torturadas e, dezenas delas, assassi-nadas em nome da Segurança Nacional. E,apesar do retorno do Estado de Direito, estasituação continua a incomodar o Estado queainda reluta em abrir totalmente os arquivossecretos e a investir na recuperação dos anti-lugares.

No antigo Memorial da Liberdade, apenasquatro celas vazias guardam a clareza per-versa em sua estrutura: quase sem luz, ocul-tam os seus antigos desígnios deixando demostrar o grotesco e a exclusão premeditadapelo Estado. Se recuperadas na sua aparên-cia, as celas e o “corredor de tomar sol” cer-tamente poderão contribuir para a reconsti-tuição do drama vivenciado pelos presospolíticos, rotulados de subversivos da ordem.Ordem que era apenas aparente pois, no fun-do, o edifício revela o cenário privilegiadoda exclusão.

Enfim, cada uma das celas é um anti-lugar,uma referência permanente à memória dosmortos e desaparecidos políticos. Lapidadaspelo restauro, são fragmentos esgarçados damemória, memória perversa que guarda sus-surros, gemidos. Nos andares superiores, de-sapareceram as salas majestosas e o mobiliá-rio talhado por mestres do ofício para serviràs autoridades da ordem. Os arquivos da Po-lícia Política – testemunhos dos atos da re-pressão e da resistência – foram transferidospara o Arquivo Público do Estado que, desde1994, tem sob sua guarda cerca de 69 anos danossa história política. Memória até entãointocada, silenciada, guardada à sete chaves,em nome da ordem e da segurança nacio-nal. Agora, em um outro contexto, os textosrespiram o ar da liberdade. Outrora, indíciosde crime político; hoje, testemunhos da His-tória. Se sistematizado, este acervo poderetornar ao Memorial sob a forma de memó-ria virtual associada à idéia de um centro dedocumentação e referências bibliográficas.

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MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 199

- difundir a importância da preserva-ção dos vestígios da memória, a partirda pesquisa, salvaguarda e comunica-ção das fontes e indicadores desta he-rança patrimonial;

- problematizar os distintos caminhosda memória da repressão e da resis-tência, enfatizando as estratégias decontrole de um Estado Republicano etendo como referência a ação doDEOPS no Estado de São Paulo, a par-tir dos seguintes segmentos:

- memórias silenciadas / apagadas /destruídas / exiladas.

- pesquisas sobre a construção da me-mória.

- memória e herança patrimonial.

- atualizar as questões relativas à repres-são e resistência para os dias atuais.

2.2 Estrutura e Metodologia de Trabalhopara o Programa Museológico:

A implantação deste programa deve rela-cionar ações de salvaguarda e comunicação,a partir da articulação com frentes de pes-quisa em desenvolvimento, da cooperaçãocom projetos implementados pela EstaçãoPinacoteca e, mediante o diálogo com a Co-missão de Orientação, em especial, com aparticipação do Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos.

A estrutura para a configuração da novadinâmica para o Memorial está ancorada naarticulação de quatro vetores:

a) Centro de Referência Documental;

b) Exposição de Longa Duração;

1983- Após extinção do DEOPS/SP, o acer-vo fica sob a guarda da Polícia Federal.

1991- Documentos são entregues à Secre-taria de Estado da Cultura.

1991-1994 - Sob a guarda do Arquivo doEstado de São Paulo, o acervo foidisponibilizado para consulta à Comissão deFamiliares de Mortos e Presos Desaparecidos.

1994- O governo do Estado libera os docu-mentos para consulta pública mediante a as-sinatura de um termo de responsabilidade,iniciativa única e democrática do Estado deSão Paulo.

TRAJETÓRIA DO ACERVO: DEOPS

ACERVO DEOPS/SP (1924-1983)

Séries Documentais Fichas Pastas

remissivas [c.]

Prontuários 182. 000 150.000

Dossiês 1.100.000 9.626

Ordem Social 115.000 2.312

Ordem Política 120.000 1.582

Total 1.517.000 163.520

2 - PROGRAMA MUSEOLÓGICO PARA OMEMORIAL

2.1 Conceito Gerador Museológico

O histórico sobre o DEOPS e a trajetóriade ocupação do edifício em pauta indicamque este conceito gerador deve priorizar asseguintes características:

- evidenciar os vetores da memória, deuma instituição de controle do exercí-cio da cidadania, a partir da museali-zação dos espaços da repressão e daresistência, como expressões do Esta-do Moderno;

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c) Exposições Temporárias e

d) Ações Educativo-Culturais

O desenvolvimento desses vetores depen-derá da reciprocidade das seguintes ações:

Ações de Pesquisa:

· conexão em rede com fontes docu-mentais e orais e com os estudos sobreo DEOPS/SP, produzidos pelos pesqui-sadores do PROIN – Projeto IntegradoArquivo do Estado/Universidade deSão Paulo e de outras instituiçõescongêneres.

Ações de Salvaguarda:

· implantação de centro de referênciabibliográfica e de outros produtos dedivulgação ligados ao escopotemático do Memorial;

· preservação e recuperaçãoreferencial dos espaços de memóriada sede do DEOPS e dos vestígios pa-trimoniais correspondentes às açõesde controle, repressão e resistência;

· realização de inventário de bens patri-moniais, relativos ao enfoque centraldo projeto, preservados em institui-ções de memória.

Ações de Comunicação:

· manutenção de exposição de longaduração voltada para o histórico doedifício (lugar da memória) e para osrespectivos desdobramentos de seuuso para o controle, repressão e resis-tência (vestígios e indicadores da me-mória);

· apresentação sistemática de mostrastemporárias com argumentos extraí-

dos do roteiro temático de longa du-ração;

· realização de ações educativas, a par-tir da perspectiva da educaçãopatrimonial, vinculadas às linhasprogramáticas em desenvolvimentona Estação Pinacoteca;

· implementação de projetos de difusãodas pesquisas, articulados em torno deseminários e outros eventos, comotambém, da produção de recursosmultimídias.

As estratégias relativas às três linhas deações propostas serão implementadas simul-taneamente, considerando que a compreen-são sobre o perfil deste novo modelo museo-lógico para o Memorial depende da recipro-cidade entre o roteiro expositivo de longaduração, a ação educativa e o centro de refe-rência patrimonial, pontuada pela realiza-ção de mostras temporárias e eventos de di-fusão científico-cultural.

2.3 Os Lugares da Memória: do edifício sedeà diáspora patrimonial no estado de SãoPaulo:

A partir de roteiro expositivo que deveráocupar alguns espaços relativos à memóriado DEOPS/SP, esta proposta sinaliza para ou-tros lugares representativos da memória darepressão e da resistência no Estado de SãoPaulo. Da mesma forma, pretende nomearoutros lugares importantes para a constru-ção de uma rede de informações que favore-çam a construção da memória coletiva e in-dividual. Sugestivas são as parcerias com ins-tituições que preservam coleções e acervosrelativos ao tema em pauta, assim como oscontatos com cidadãos-testemunhos destaHistória. A sinalização e a divulgação de ou-tros lugares e acervos têm a intenção de re-gistrar a diáspora dos indicadores da memó-

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MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 201

ria e, ao mesmo tempo, ampliar as potencia-lidades educativas do Memorial.

2.4 A remodelação do espaço institucional: aampliação das perspectivas de diálogo como público e o cenário para a articulação dasações programáticas:

A perspectiva de remodelação da antigaconjuntura institucional permitiu a elabora-ção de um novo discurso expositivo que searticula com o espaço destinado ao Centrode Referência e com a Sala de ExposiçõesTemporárias. Esta sensível ampliação conta,ainda, com a organização de uma nova fa-chada para a nova identidade do Memorial ecom a utilização do auditório para as ativi-dades educativo-culturais.

As discussões para a concepção deste pro-jeto de remodelação consideraram não só anecessidade de ampliação das áreas para anova proposta do Memorial, mas como estaproposta se articulará com o funcionamentoda Estação Pinacoteca. Dessa forma, a novadinâmica prevista para o espaço doMemorial conta com a seguinte equação:

1) Acesso/Acolhimento : a abertura do diá-logo com o visitante

1a jardim, área de convivência e espaçospara intervenção artística a partir de proje-tos selecionados em concurso público:

1b - Mural: Tributo à Resistência1c - Escultura: Tributo à Liberdade1d – Arena de Protesto

2) Fachada de Identificação: a necessidadede uma nova identidade

2a – três painéis para apresentação deimagens da resistência e da repressão expres-sivas do acervo DEOPS/SP.

3) Áreas de Entrada: a perspectiva sobre asredes de memória

3a - painel apresentando imagens sobre osdiferentes usos do edifício, a saber: Armazémda Sorocabana, DEOPS e Estação Pinacoteca.

3b - painel apresentando textos e imagensrelativos às estratégias de controle, repressãoe resistência selecionados junto ao acervoDEOPS/SP (prontuários e dossiês).

3c - terminal para acessar informações so-bre lugares da memória a serem identifica-dos no Estado de São Paulo.

3d - catraca de controle de entrada do vi-sitante ao Memorial: com atribuição de umaidentidade virtual remissiva a um documen-to de preso político cuja história de vida es-tará registrada no verso deste cartão. Junto aesta ficha, será acrescentada a impressão di-gital do visitante coletada por meios eletrô-nicos, simultaneamente à sua passagem pelacatraca

3e - painel com texto de apresentação so-bre o Memorial.

4) Sala de Acesso e Dispersão: os exemplosdos recursos preservacionistas

4a - painel apresentando imagens daiconografia da repressão.

4b - vitrina parietal para apresentação debibliografia referencial.

5) Centro de Referência: a valorização dapesquisa

5a – painel fotográfico com apresentaçãoda sala de arquivo, desdobrado(tridimensionalmente) com o próprio arqui-vo, este sob a guarda do Arquivo Público doEstado.

5b – terminais eletrônicos para acesso aosBancos de Dados – Inventário do FundoDEOPS/SP, organizado pelo PROIN – projetoIntegrado Arquivo Público do Estado/ Uni-versidade de São Paulo (sitewww.proin.usp.br)

5c – escaninho para folhetos sobre o fun-cionamento do DEOPS/SP, reprodução dejornais e folhetos confiscados, relatórios deinvestigação de crimes políticos, fichas de

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qualificação de personalidades brasileiras(artistas, escritores, cineastas, professores, en-genheiros) e de anônimos da história (operá-rios, sapateiros, alfaiates, padeiros, estudan-tes, etc)

6) Celas: a preservação dos lugares da me-mória

6a - cela reconstituída6b - cela dedicada à repressão (sons e ima-

gens)6c - cela dedicada à vivência na prisão

(depoimentos)6d - cela dedicada à resistência (imagens)

7) Corredor para tomar sol7a - linha do tempo com iconografia da

repressão e resistência

8) Instalação externa sobre a queima de li-vros: proposta de Rachel Rosalen

Vídeo – instalação sobre o “apagamentoda memória”

A descrição acima apresentada que, nestetexto, comparece apenas com suas indicaçõesprincipais no que tange ao roteiro expositivo eà nomeação dos espaços, já está elaborada emrelação às proposições expográficas e repre-sentará uma sensível ampliação das áreasexpositivas, potencializando o diálogo com ovisitante e a capacidade de extroversão docentro de referência documental.

3 - AÇÃO EDUCATIVA E CULTURAL: ARTICULA-ÇÕES ENTRE O MEMORIAL E A ESTAÇÃO PINA-COTECA

3.1 Ação Educativa:

A partir da proposta de remodelação doMemorial da Liberdade, o Núcleo de AçãoEducativa da Pinacoteca delineou algunspontos de trabalho preliminares, de acordo

com as linhas programáticas atualmente de-senvolvidas pela instituição.

Salientamos a importância da presenteproposta contar com um espaço para mos-tras de arte articuladas aos conteúdos doMemorial, como forma de criar conexõescom as exposições e conteúdos da EstaçãoPinacoteca. Este aspecto contribuirá de ma-neira fundamental para a sinergia entre asações educativas já desenvolvidas nas mos-tras da Estação, ampliando as possibilidadesde trabalhos comuns e multidisciplinares.

3.1.1 Processos formativos para educa-dores:

Encontros de formação para professoresdo ensino formal e outros educadores para ouso qualificado dos conteúdos tratados pelasexposições em sua prática pedagógica. Es-trutura dos encontros a ser definida em con-sonância às propostas museológicas.

3.1.2 Material educativo impresso de apoioa educadores e público espontâneo:

Produção de materiais de apoio à práticaeducativa em sala de aula acerca dos con-teúdos tratados pela exposição de longa du-ração, com foco no Ensino Médio e na disci-plina de História, com propostas interdisci-plinares com as demais disciplinas. Este ma-terial será elaborado em consonância comas propostas museológicas. Produção deguia de auto-visita para a exposição de lon-ga duração, voltado ao público espontâneo.

3.1.3 Mediação presencial à exposiçãode longa duração:

Esta ação, realizada por educadores sele-cionados e formados para oferecer visitaseducativas a grupos na exposição, tendocomo público-alvo grupos escolares (princi-

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palmente focada em ciclo de ensino funda-mental II, médio e superior), deve ser consi-derada com parcimônia.

Levando-se em conta as limitações de es-paço e a natureza da ação, é fundamentalque se considerem as condições necessáriaspara que se desenvolva, sendo a principalneste caso a criação de espaços que permi-tam a relação entre fluxo e qualidade a gru-pos de até 50 pessoas (divididos em dois gru-pos de até 25 pessoas cada, por educador)por horário de visita. Esta quantidade de vi-sitantes escolares é considerada padrão emgrupos em visita ao museu, dada a capacida-de de transporte de ônibus. Isto implica nouso dos espaços expositivos (celas) e na ne-cessidade da criação de outro espaço deacolhimento, contextualização e atividadesaos grupos.

3.2 Ação Cultural:

3.2.1 Seminários Temáticos:

Uma das vocações do Memorial da Resistên-cia será a de oferecer um espaço para o debatee a reflexão acerca do nosso passado político,instigando programas interativos com a Esta-ção Pinacoteca. Os seminários temáticos de-vem reunir especialistas nacionais e estrangei-ros, cujas experiências diferenciadas e multi-disciplinares possam oferecer padrões de in-terpretações contrastantes com um passado re-cente. Deverão estimular a consciência críticade forma a exigir o pleno exercício do direito àhistória, à memória, à informação e à verdade,rompendo com o “segredo eterno” dos arqui-vos das ditaduras brasileiras.

Considerando-se o espaço-símbolo repre-sentado pelo Memorial, deve-se assegurar –como prática sistemática – a apresentaçãode amplos painéis sobre as práticas da re-pressão e as ações dos grupos de resistênciadurante regimes autoritários e militares, e atémesmo democráticos.

3.2.2 Testemunhos e diálogos:

Propomos um programa mensal de regis-tro de depoimentos de ex-presos políticos,assim como de familiares de mortos e desa-parecidos durante a ditadura militar com oobjetivo de reconstituirmos a memória polí-tica brasileira através da técnica da HistóriaOral. Esta atividade será aberta ao público e— além de instigar o debate e a reflexão —deverá gerar um conjunto de produtoscomo: a publicação de livros de memória,vídeos documentários e material audio-visu-al direcionado para as escolas, universida-des, museus, arquivos históricos e centros dememórias.

3.2.3 Lançamento de livros:

Enquanto um centro de referência da His-tória do Brasil Contemporâneo e da memó-ria política brasileira, o Memorial e a EstaçãoPinacoteca estarão promovendo a publica-ção, lançamento e apresentação de livrosque favoreçam o debate sobre a violação dosdireitos humanos e o direito à memória.

3.2.4 Festivais de Cinema:

Caberá ao espaço Memorial da Liberdadeexibir e propiciar o debate sobre o papel dacensura durante os tempos de ditadura mili-tar, além de colaborar para a preservação edivulgação do cinema político brasileiro. Opróprio Fundo DEOPS/SP guarda registrossignificativos da ação punitiva do Estadobrasileiro que, entre 1964-1983, amordaçou aprodução cinematográfica brasileira. Rarosforam aqueles que conseguiram levar às telasfilmes que instigassem a reflexão política.Através de mostras cinematográficas poderáser discutida a relação entre a política e aliberdade. Exibindo alguns dos filmes proibi-dos pelo regime militar, estaremos dandovoz a uma parcela de excluídos, tolhidos noseu “fazer cinematográfico”; exibindo filmesproduzidos após a abertura estaremos ofere-

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cendo parâmetros comparativos para avali-armos nossas conquistas democráticas e oslegados do autoritarismo.

3.2.5 Exposições Temporárias:

A documentação arquivada junto ao Fun-do DEOPS nos oferece múltiplas possibilida-des para “desarquivar” a história política bra-sileira, até então restrita a alguns poucos pes-quisadores. Múltiplas são as possibilidadestemáticas, se levarmos em consideração queo DEOPS produziu uma verdadeira radio-grafia da sociedade brasileira. Através dosdocumentos confiscados temos condições,por exemplo, de reconstituir aspectos signifi-cativos da história do impresso revolucioná-

rio, dos caminhos percorridos pelos movi-mentos sociais (movimento negro, feminista,estudantil, operário, etc) e, em especial, deapresentar uma história de anônimos.

Além disso, a programação de exposiçõestemporárias geradas pelo Memorial contarácom mostras de artes visuais ligadas aos te-mas e conteúdos trabalhados no âmbito daexposição de longa duração e das ações cul-turais aqui apontadas. Com isto, garantimosnão apenas o necessário diálogo entre oMemorial e a instituição que o abriga e é res-ponsável por sua gestão – a Pinacoteca doEstado - como enriquecemos e ampliamos asabordagens e compreensões a respeito damemória política brasileira.

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Amanda Pinto da Fonseca TojalAmanda Tojal é especialista emMuseologia pela Fundação Escola deSociologia e Política de São Paulo(1988), mestre em Artes (1999) e douto-ra em Ciência da Informação (2007)pela Escola de Comunicações e Artesda Universidade de São Paulo. Atual-mente é educadora e coordenadora doprograma educativo para públicos es-peciais na Pinacoteca do Estado deSão Paulo. Publica livros, artigos emperiódicos especializados e em anaisde eventos. Atua na área de educação,com ênfase em educação especial.

Perfil dos Autores

Andrea Matos da FonsecaAndrea Fonseca é graduada em Pedagogiapela Universidade de São Paulo (2003), espe-cialista em Estudos de Museus de Arte (2004)e Museologia (2005 - 2006). Atuou no Serviçode Atividades Educativas do Museu Paulistada Universidade de São Paulo entre os anosde 2002 a 2007 e, atualmente, é educadorano SESC-SP. Tem experiência na área deEducação não-formal, atuando principal-mente nos seguintes temas: Museologia, Edu-cação Inclusiva, Acessibilidade em museus eexposições, Ação cultural,  Estudos de Públi-co, Consumo cultural e Avaliação de exposi-ções.

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Cláudia Rose Ribeiro da SilvaCláudia Rose Ribeiro possui Licenciatura emHistória pela Universidade do Estado do Riode Janeiro (1991) e mestradoprofissionalizante em Bens Culturais e Proje-tos Sociais pela Fundação Getúlio Vargas(2006). Tem experiência na área de História,com ênfase em História Política e Social, atu-ando principalmente nos seguintes temas: fa-vela, memória e identidade. Atualmente,além de exercer o magistério na rede muni-cipal de ensino, é diretora do Centro de Estu-dos e Ações Solidárias da Maré (CEASM),gestora da Casa de Cultura da Maré e coor-denadora do Museu da Maré, no Rio de Ja-neiro.

Felipe Tirado SeguraFelipe Tirado possui licenciatura em Psico-logia pela Universidade Nacional Autónomade México – UNAM, México (1974), mestradoem Psicologia Educativa pela Universidadede Leicester, Inglaterra (1981) e doutoradoem um programa interinstitucional coorde-nado pela Universidade Autónoma deAguascalientes (1997). Desde 1984, trabalhacomo pesquisador da Divisão de Investiga-ção da FES Iztacala – UNAM, onde já publi-cou dezenas de trabalhos de pesquisa e dedivulgação. Nessa mesma universidade, éprofessor titular do Programa de Investiga-ção Psicoeducativa desde 1987. Também mi-nistra cursos em universidades do exterior.

Gabriela AidarÉ graduada em História pela USP (1996), es-pecialista em Estudos de Museus de Artepelo Museu de Arte Contemporânea (1998), eem Museologia pelo Museu de Arqueologia eEtnologia (2000), ambos da USP. Obteve o tí-tulo de Master of Arts in Museum Studiespela Universidade de Leicester, na Inglaterra(2002). Em 2006, foi contemplada com o Prê-mio Fundação Bunge Juventude na catego-ria Museologia.

Atuou como pesquisadora na AssociaçãoNacional de História, no Itaucultural e no La-boratório de Políticas Públicas da UERJ, naavaliação qualitativa do Programa CulturaViva, do MinC. Foi assistente de curadoria daColeção Brasiliana da Fundação Estudar. Foico-autora do projeto educativo da exposi-ção “Vistas do Brasil, Coleção Brasiliana/Fun-dação Estudar na Pinacoteca do Estado”, ecoordenadora da ação educativa desta ex-posição. Foi consultora do projeto educativoCentro-Periferia da 27ª Bienal de São Paulo.Atualmente é coordenadora do Programa deInclusão Sociocultural do Núcleo de AçãoEducativa da Pinacoteca do Estado de SãoPaulo.

Hugues de Varine-BohanHugues de Varine-Bohan foi diretor do Con-selho Internacional dos Museus – ICOM, noqual organizou inúmeras reuniões relaciona-das com a atualidade e o futuro dos museus.Atualmente, é consultor internacional sobredesenvolvimento local e também webmasterdo site www.interactions-online.com, volta-do à divulgação de práticas e metodologiasrelacionadas ao desenvolvimento local e aopatrimônio cultural e natural das comunida-des. Tem várias obras publicadas sobre otema, dentre elas “O Tempo Social”,“L’initiative communautaire, recherche etexpérimentation” e “Les racines du futur. Lepatrimoine au service du développement lo-cal”. É um dos principais estudiosos do con-ceito de ecomuseu, com o qual desenvolveprojetos há várias décadas e em vários paí-ses.

Isabel VictorIsabel Victor possui licenciatura em Sociolo-gia (ISCTE, 1981), pós-graduação emMuseologia Social, pela UniversidadeAutónoma Luís de Camões, em Lisboa (1992),mestrado em Museologia, pela Universidade

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Lusófona de Humanidades e Tecnologias deLisboa (2004), onde atualmente é docente domestrado e doutoranda em Museologia. Échefe da Divisão de Museus daCâmara Municipal de Setúbal e diretora doMuseu do Trabalho Michel Giacometti.

Juan Carlos Rico NietoJuan Carlos Rico é doutor em arquiteturapela Escola Técnica Superior de Arquiteturade Madrid e em Arte pela Faculdade de His-tória da Universidade de Salamanca. É con-servador de museus. Coordena uma equipemultidisciplinar de pesquisa em exposição esua relação com o espaço, gerando diversaspublicações. De acordo com os programasda União Européia, o ICOM (Conselho Inter-nacional de Museus) e o ILAM (InstitutoLatinoamericano de Museus), realiza cursosem diversas universidades européias e ame-ricanas, além das que é professor titular.

Kátia Regina Felipini NevesKátia Felipini possui graduação emMuseologia pela Faculdade de Filosofia, Le-tras e Ciências Humanas da Universidade Fe-deral da Bahia (1993) e especialização emMuseologia pelo Curso de Especializaçãoem Museologia do Museu de Arqueologia eEtnologia da Universidade de São Paulo(2002). É membro do Conselho Internacionalde Museus (ICOM). Atualmente é consultoraem Museologia e ministra cursos de Gestãoem Museus. Atua principalmente nas seguin-tes áreas: diagnóstico para implantação erevitalização de instituições museológicas,programação museológica, gerenciamentode acervos e exposições.

Lux Boelitz VidalLux Vidal possui graduação em Artes pelaSarah Lawrence College (1951), mestrado emCiência Social (Antropologia Social) pelaUniversidade de São Paulo (1972) e doutora-do em Ciência Social (Antropologia Social)

pela Universidade de São Paulo (1973). Atu-almente é Professora Doutora da Universida-de de São Paulo, Assessora da Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,Assessora do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico e Pro-fessora Doutora da Comissão Pró Índio. Temexperiência na área de Antropologia, comênfase em Teoria Antropológica. Atua princi-palmente nos seguintes temas: Brasil Central,grupo indígena.

Manuelina Maria Duarte CândidoManuelina Duarte possui graduação em His-tória pela Universidade Estadual do Ceará(1997), especialização em Museologia paraUniversidade de São Paulo (2000) emestrado em Arqueologia pela Universidadede São Paulo (2004). Tem experiência nasáreas de História, Museologia e Arqueologia,atuando principalmente nos seguintes te-mas: museologia, preservação, patrimôniocultural, educação patrimonial e história dosmuseus. É membro do Conselho Internacio-nal de Museus (ICOM), faz parte da atual ges-tão do Comitê Brasileiro do ICOM na quali-dade de integrante do Conselho Consultivo.Tem livros e artigos publicados nas áreasmencionadas, atua como docente e comoconsultora. Atualmente é gestora do Museuda Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE).

Marcelo Nascimento Bernardo da CunhaMarcelo Cunha possui graduação emMuseologia pela Universidade Federal daBahia (1992), mestrado em Informação Estra-tégica pela Universidade Federal da Bahia(1999) e doutorado em História pelaPontifícia Universidade Católica de São Pau-lo (2006). Atualmente é Professor Adjunto daUniversidade Federal da Bahia e professorconvidado da Universidade Lusófona de Hu-manidades e Tecnologias. Atua principal-mente nos seguintes temas: afro, arte,museologia, exposição, museus e acervos.

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Maria Cristina Oliveira BrunoCristina Bruno possui graduação em Históriapela Universidade Católica de Santos (1975),especialização em Museologia pela Escolade Sociologia e Política de São Paulo (1980),mestrado em História Social pela Universida-de de São Paulo (1984) e doutorado em Ar-queologia pela Universidade de São Paulo(1995). Fez concurso de Livre-Docência emMuseologia no MAE/USP (2001). Atualmenteé docente - professora associada- ms5 e Vice-Diretora do Museu de Arqueologia eEtnologia da Universidade de São Paulo,onde coordenou as quatro edições do Cursode Especialização em Museologia (1999 -2006). Nesta instituição, participa do Progra-ma de Pós-Graduação em Arqueologia, mi-nistra disciplinas optativas de graduação so-bre Museologia e desenvolve pesquisas decomunicação museológica. É professoraconvidada da Universidade Lusófona de Hu-manidades e Tecnologias de Portugal, ondeministra seminários e orienta mestrados edoutoramentos no Centro de Estudos deSociomuseologia. Tem experiência na áreade Museologia, com ênfase para o Ensino eProjetos de Comunicação Museológica, atu-ando principalmente nos seguintes temas:museologia, museu, museologia brasileira emusealização da arqueologia . Prestaconsultorias a outras instituições para a ela-boração de programas museológicos.

Maria Luiza Tucci CarneiroHistoriadora, graduada em História pela Uni-versidade de São Paulo, instituição ondetambém desenvolveu seus estudos de pós-graduação em História Social. Tanto no

Mestrado como no Doutorado, tem o racis-mo como objeto de estudo, ambos publica-dos no formato livro. Em 2001, apresentou àFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-manas da USP, sua Tese de Livre Docência,intitulada “Cidadão do Mundo”. Desde 1984,é docente do Departamento de História daUSP. Coordena diversos projetos de pesquisa,dentre o PROIN- Projeto Integrado ArquivoPúblico do Estado/Universidade de São Pau-lo. É organizadora de diversas coletâneas, in-cluindo o Inventário DEOPS (EditoraHumanitas, FFLCH/USP).

Mário de Souza ChagasMário Chagas possui graduação emMuseologia pela Universidade Federal do Es-tado do Rio de Janeiro (1979) e licenciaturaem Ciências pela Universidade do Estado doRio de Janeiro (1980), mestrado em MemóriaSocial pela Universidade Federal do Estadodo Rio de Janeiro (1997) e doutorado em Ci-ências Sociais pela Universidade do Estadodo Rio de Janeiro (2003). Atualmente é pro-fessor adjunto da Universidade Federal doEstado do Rio de Janeiro, técnico nível III doInstituto do Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional, membro do conselho consultivoda Universidade Comunitária Regional deChapecó, professor convidado da Universi-dade Lusófona de Humanidades eTecnologias, em Lisboa. Tem experiência naárea de Museologia, com ênfase em Memó-ria Social, Instituições de Memória e Patri-mônio Cultural, atuando principalmente nosseguintes temas: pensamento social brasilei-ro, museologia, museus, educação museal egestão de patrimônio.