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1 PREPARAR OS TESTES HISTÓRIA A 10.º ANO PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO Exercícios Propostos (págs. 43 a 45) 1.1. Pisístrato vai marcar o panorama político da 2.ª metade do século VI. Após duas tentativas falhadas para chegar ao poder, este homem instala uma ditadura que vai governar Atenas de forma arbitrária durante quase 50 anos. Malgrado todas as conotações negativas associadas às formas de governos autoritários, à época, e durante algum tempo, Pisístrato parece ter sabido tirar algum proveito do seu imenso poder. Para além de um programa cultural intenso, que sobrevalorizou muitas das festividades religiosas da cidade, como as Panateneias (referidas no documento), incrementou inúmeras obras públicas que dotaram Atenas de uma modernidade ímpar, à época. Para além disso, desenvolveu a economia da cidade, auxiliou os mais desfavorecidos e promoveu os contactos externos. Desta forma, não é de admirar que o autor afirme que: () Písistrato recrutou um pouco por toda a parte colaboração armada: a resistência desvaneceu-se à simples aproximação e Atenas ficou durante um quarto de século sob um sistema de tirania com o acordo passivo da grande maioria da opinião.”; ou seja, o tirano conseguiu convencer grande parte da opinião pública da legitimidade do seu governo. Não obstante a dureza do mesmo, os Pisístratos (Referindo-se, igualmente, aos filhos de Pisístrato) compensaram a autoridade arbitrária que tinham arrogado com uma política de prestígio. Equipar e embelezar a cidade, louvar os deuses com novos templos e as massas populares com festas sumptuosas, pôr ao serviço da propaganda comum de Atenas e dos seus tiranos o herói Teseu, os poemas homéricos, o Apolo de Delos, manter a paz sem menosprezar os lucros coloniais, nem se esquecendo sequer de colocar os primeiros marcos do que irá ser o imperialismo económico e monetário de Atenas…” (Referência clara ao fomento económico que irá conhecer um forte impulso durante a tirania). Porém, tal “…arbitrariedade…” nunca dura muito tempo sem que os que sofrem as agruras da falta de liberdades contra ela se revoltem… 1.2-.A () política de prestígio () a que o autor do documento faz referência, já a ela nos referimos na resposta à questão anterior. Em boa verdade, Pisístrato não fez por menos. Sabendo que a severidade e () arbitrariedade (…) da sua governação poderiam colocar em causa a sua existência e a legitimidade que tanto procurava para a sua atuação, Pisístrato trata de Equipar e embelezar a cidade, louvar os deuses com novos templos e as massas populares com festas sumptuosas, pôr ao serviço da propaganda comum de Atenas e dos seus tiranos o herói Teseu, os poemas homéricos, o Apolo de Delos, manter a paz sem menosprezar os lucros coloniais, nem se esquecendo sequer de colocar os primeiros marcos do que irá ser o imperialismo económico e monetário de Atenas (…) ; ou seja, festividades grandiosas, exaltações de cariz nacionalista, desenvolvimento económico da pólis ateniense, sem esquecer, como é óbvio, o apego dos Atenienses ao culto dos deuses: Tudo deve ter começado pelo que era mais espetacular: as festas religiosas (…). 1.3. Se motivo houve para o convívio saudável entre os habitantes do mundo helénico, esse motivo foi a religião e o profundo fervor religioso que unia o comum dos mortais com os deuses que adoravam as suas cidades. Deste modo, cerimónias e competições variadas tornaram-se nota dominante de toda a Hélade, facto identitário de todos os seus habitantes () festas sumptuosas (). Tal constituiu, assim, um verdadeiro fenómeno cultural dentro da Grécia Antiga, expresso, sobretudo, através do chamado culto cívico em que a adoração dos deuses e heróis de cada cidade era a face mais visível do mesmo. No caso dos Atenienses, estes veneravam os seus deuses e, a acrópole, sendo a morada de muitos desses deuses, era o local mais concorrido da cidade, só tendo como rival a Ágora. A deusa Atena, a protetora da cidade, filha dileta de Zeus, era alvo de uma veneração e adoração sem paralelo. Para além de protetora e guardiã de Atenas e dos seus habitantes era, da mesma forma, um modelo de virtudes para os Atenienses. Durante todo o ano, as oferendas, as preces, os sacrifícios feitos à sua figura eram factos correntes. No entanto, era periodicamente que este culto cívico a esta deusa se elevava a estatuto de grandes festividades solenes, as Panateneias. A procissão em honra da deusa é descrita pelos contemporâneos de forma exaustiva, sendo retratada como uma festa grandiosa, nunca vista na

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PREPARAR OS TESTES – HISTÓRIA A – 10.º ANO PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO

PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO

Exercícios Propostos (págs. 43 a 45) 1.1. Pisístrato vai marcar o panorama político da 2.ª metade do século VI. Após duas tentativas falhadas para chegar ao poder, este homem instala uma ditadura que vai governar Atenas de forma arbitrária durante quase 50 anos. Malgrado todas as conotações negativas associadas às formas de governos autoritários, à época, e durante algum tempo, Pisístrato parece ter sabido tirar algum proveito do seu imenso poder. Para além de um programa cultural intenso, que sobrevalorizou muitas das festividades religiosas da cidade, como as Panateneias (referidas no documento), incrementou inúmeras obras públicas que dotaram Atenas de uma modernidade ímpar, à época. Para além disso, desenvolveu a economia da cidade, auxiliou os mais desfavorecidos e promoveu os contactos externos. Desta forma, não é de admirar que o autor afirme que: (…) Písistrato recrutou um pouco por toda a parte colaboração armada: a resistência desvaneceu-se à simples aproximação e Atenas ficou durante um quarto de século sob um sistema de tirania com o acordo passivo da grande maioria da opinião.”; ou seja, o tirano conseguiu convencer grande parte da opinião pública da legitimidade do seu governo. Não obstante a dureza do mesmo, “ os Pisístratos (Referindo-se, igualmente, aos filhos de Pisístrato) compensaram a autoridade arbitrária que tinham arrogado com uma política de prestígio. Equipar e embelezar a cidade, louvar os deuses com novos templos e as massas populares com festas sumptuosas, pôr ao serviço da propaganda comum de Atenas e dos seus tiranos o herói Teseu, os poemas homéricos, o Apolo de Delos, manter a paz sem menosprezar os lucros coloniais, nem se esquecendo sequer de colocar os primeiros marcos do que irá ser o imperialismo económico e monetário de Atenas…” (Referência clara ao fomento económico que irá conhecer um forte impulso durante a tirania). Porém, tal “…arbitrariedade…” nunca dura muito tempo sem que os que sofrem as agruras da falta de liberdades contra ela se revoltem… 1.2-.A (… ) política de prestígio (…) a que o autor do documento faz referência, já a ela nos referimos na resposta à questão anterior. Em boa verdade, Pisístrato não fez por menos. Sabendo que a severidade e (…) arbitrariedade (…) da sua governação poderiam colocar em causa a sua existência e a legitimidade que tanto procurava para a sua atuação, Pisístrato trata de Equipar e embelezar a cidade, louvar os deuses com novos templos e as massas populares com festas sumptuosas, pôr ao serviço da propaganda comum de Atenas e dos seus tiranos o herói Teseu, os poemas homéricos, o Apolo de Delos, manter a paz sem menosprezar os lucros coloniais, nem se esquecendo sequer de colocar os primeiros marcos do que irá ser o imperialismo económico e monetário de Atenas (…) ; ou seja, festividades grandiosas, exaltações de cariz nacionalista, desenvolvimento económico da pólis ateniense, sem esquecer, como é óbvio, o apego dos Atenienses ao culto dos deuses: Tudo deve ter começado pelo que era mais espetacular: as festas religiosas (…). 1.3. Se motivo houve para o convívio saudável entre os habitantes do mundo helénico, esse motivo foi a religião e o profundo fervor religioso que unia o comum dos mortais com os deuses que adoravam as suas cidades. Deste modo, cerimónias e competições variadas tornaram-se nota dominante de toda a Hélade, facto identitário de todos os seus habitantes (…) festas sumptuosas (…). Tal constituiu, assim, um verdadeiro fenómeno cultural dentro da Grécia Antiga, expresso, sobretudo, através do chamado culto cívico em que a adoração dos deuses e heróis de cada cidade era a face mais visível do mesmo. No caso dos Atenienses, estes veneravam os seus deuses e, a acrópole, sendo a morada de muitos desses deuses, era o local mais concorrido da cidade, só tendo como rival a Ágora. A deusa Atena, a protetora da cidade, filha dileta de Zeus, era alvo de uma veneração e adoração sem paralelo. Para além de protetora e guardiã de Atenas e dos seus habitantes era, da mesma forma, um modelo de virtudes para os Atenienses. Durante todo o ano, as oferendas, as preces, os sacrifícios feitos à sua figura eram factos correntes. No entanto, era periodicamente que este culto cívico a esta deusa se elevava a estatuto de grandes festividades solenes, as Panateneias. A procissão em honra da deusa é descrita pelos contemporâneos de forma exaustiva, sendo retratada como uma festa grandiosa, nunca vista na

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cidade e em toda a Ática: (Tudo deve ter começado pelo que era mais espetacular: as festas religiosas. Antes de Pisístrato, Atenas celebrara cerimónias em honra da sua deusa, as «Panateneias», convidando todos os gregos). As filhas das melhores famílias de Atenas levavam até ao Erectéion (templo maior da deusa) o peplo (túnica) que anteriormente haviam fiado, tecido e bordado e que haveria de cobrir a deusa, expressando, assim, a devoção de todos os Atenienses. 1.4. Fazer a apologia de um regime de tipo tirânico pode, efetivamente, ser possível. Há quem defenda, naturalmente, as soluções políticas de tipo ditatorial e, logo, tirânicas, porque não implicam a livre escolha, por parte do povo, de quem o governa ou, sequer, como o governa. Deste modo, e de um ponto de vista puramente atual e vivendo em democracia, gozando de liberdades e direitos consignados numa Constituição e amando a liberdade, parece-nos pertinente e absolutamente natural, não defender este tipo de regimes pois que negam a mais elementar liberdade de cada um. Todavia, esta questão apela a uma reflexão, tendo em conta aquilo que nos é relatado no documento e com uma particularidade – o caso da tirania dos Pisístratos, na Atenas da 2.ª metade do século VI a.C. Ora, à luz desse mesmo documento, não parece que seja muito plausível falar em estagnação, exceto se nos referirmos aos direitos dos cidadãos, durante décadas cerceados porque, e tal como afirma o autor, (…) de facto, não há nada menos severo do que a vida da sociedade ateniense que aparece nestes vasos, no tempo de Pisístrato e dos seus filhos.”; (…) certamente que Pisístrato utilizou a força para se apoderar do poder e Hípias o terror para se manter nele após a morte de Hiparco. (…) Pisístrato deixou fugir os seus inimigos ou tomou-lhes os filhos como reféns…); por outro lado, é fácil apercebermo-nos que a sociedade ateniense não deverá ter tido muita vontade para se opor aos Písistratos, e temos tal facto confirmado quando o autor invoca a expressão (…) autoridade arbitrária (…). Visto deste prisma, podemos falar de estagnação em termos de direitos humanos. Todavia, não podemos negar as evidências e, por evidências, entenda-se o desenvolvimento em vários campos que Atenas vai conhecer sob o domínio de Pisístrato e a que o autor alude claramente no seu texto. A nível económico podemos falar de um progresso notável em Atenas, como está patente nas seguintes passagens: ( …) inumeráveis vasos pintados exportados um pouco por toda a parte (…), referindo-se à produção de objetos de cerâmica e ao incremento da sua comercialização em massa; (…) sem menosprezar os lucros coloniais, nem se esquecendo sequer de colocar os primeiros marcos do que irá ser o imperialismo económico e monetário de Atenas (…), referindo-se às vantagens trazidas pela colonização grega, ao acesso a um vasto mercado e ao dealbar da utilização da moeda como elemento vital nas trocas económicas, o que vai fazer de Atenas a maior e mais rica de todas as cidades-estado. Por outro lado, apesar de todos os poréns, a paz fez parte do regime tirânico (…) recrutou um pouco por toda a parte colaboração armada: a resistência desvaneceu-se à simples aproximação; acordo passivo da grande maioria da opinião(…). Finalmente, e no que respeita à qualidade de vida dos Atenienses e à cultura, Pisístrato também parece ter dado pontos, como é evidente na seguinte passagem: (…) Equipar e embelezar a cidade, louvar os deuses com novos templos e as massas populares com festas sumptuosas, pôr ao serviço da propaganda comum de Atenas e dos seus tiranos o herói Teseu, os poemas homéricos, o Apolo de Delos (….). Em jeito de conclusão, somos obrigados, perante estes factos, a concordar com o autor quando este fala em política de prestígio. Na verdade, grande parte do esplendor da Atenas de Péricles deveu-se aos passos iniciados por Pisístrato. A questão que insiste em permanecer é: a que custo, todo esse prestígio...? 2.1. Aos 18 anos de idade, após um rigoroso plano de estudos que estava dividido por etapas, o futuro cidadão de Atenas entrava no chamado estatuto de efebia, tornando-se, desta forma, efebo, o que, significa homem jovem e dotado de beleza (física, entenda-se). Todavia, no caso ateniense, tal significava integrar a última etapa de formação do jovem ateniense, ou seja, o serviço militar de 2 anos. Só após o fim desses 2 anos, e já com 20 anos de idade, o jovem homem ateniense poderia usufruir do título inalienável de cidadão (…) A efebia condiciona o acesso à cidadania (…). Até aí, a educação que, desde os 7 anos, esses aspirantes a cidadãos haviam recebido, tinha providenciado um leque de disciplinas que os haviam preparado para exercerem a política ao serviço de Atenas mas, de igual forma, uma intensa preparação física para que, de facto, efebia significasse, igualmente, beleza física (pelo menos, aquela que era idealizada pelos Gregos e, na verdade, representada na sua pintura e escultura). Deste modo, o cidadão era preparado, verdadeiramente, para servir a cidade, quer enquanto político, quer (como está patente no

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documento) como militar, mesmo que fossem, apenas, os 2 anos de serviço militar que eram obrigados a cumprir. No entanto, o patriotismo inerente a todo este processo é inquestionável. Senão, vejamos: (…) Lutarei pela defesa da religião e do Estado e transmitirei aos meus cadetes uma pátria de modo algum diminuída mas mais grande e mais potente (…). Por outro lado, somos confrontados com o cidadão dócil, obediente, no qual tanto se investiu durante anos: (…) Obedecerei aos magistrados, às leis estabelecidas, e àquelas que forem instituídas (…) e, ainda, com o cidadão que jamais mete em causa os seus deuses ou o culto cívico da sua cidade: Eu venerarei os cultos dos meus pais. Tomo como testemunho deste juramento as divindades Aglauros, Héstia, Enyo, Enyalios, Ares e Atena, Zeus (…). Melhor pessoa ao serviço da cidade era muito difícil de idealizar… 3.1. A repartição da população ateniense era profundamente desequilibrada, como é facilmente observável no gráfico. Na verdade, no seu auge, século V a. C., Atenas tornou-se a cidade mais populosa do mundo conhecido, atingindo perto de 400 mil habitantes (as discussões dos especialistas não são coesas acerca deste número, mas tendem para uma proporção aproximada). A reduzida proporção do seu corpo cívico é bem evidente nos dados representados no documento 3 onde os cidadãos representam a minoria da população ateniense, seguidos, quase a par, pelas suas famílias e pelos metecos, mais numerosos que todos os cidadãos, no entanto. Mais gritante é o caso dos que constituíam praticamente metade de população da cidade, os escravos, que, no gráfico, aparecem com uma larga diferença quando comparados com os outros grupos. 3.2. Tendo em conta as palavras daquele que foi considerado o arauto da democracia ateniense, Péricles, ou seja, que a originalidade do regime democrático residia no facto de ele não satisfazer uma minoria mas sim a maioria, parece-nos que tal entra em profunda contradição com a sociedade ateniense e o modo como esta se dividia, bem como o papel que desempenhava dentro da logística do funcionamento da cidade – estado de Atenas que tanto servia de modelo a todas as outras cidades. Na verdade, todos os cidadãos atenienses podiam e deviam ser membros ativos da máquina democrática ateniense. Tal era, de facto, inédito no mundo de então e na História da humanidade. No entanto, quem eram os cidadãos? Nada mais, nada menos, do que a minoria da população ateniense, que se situava, aproximadamente, na casa dos 40 mil habitantes. Ou seja, um pequeno grupo de afortunados pelo facto de terem nascido na cidade de Atenas e serem filhos de pai e mãe atenienses, obrigatoriamente. Para além disso, este reduzido corpo cívico era apenas constituído por homens e que tivessem, requisito imprescindível, cumprido serviço militar obrigatório durante o período dos 18 aos 20 anos. As mulheres, os metecos e os escravos (uma grande parte da população da cidade, vital para o seu funcionamento e manutenção) eram completamente excluídos da vida política. 4.1. Os jogos a que se refere o autor são, como o próprio cita, os (…) Jogos Pan – helénicos (…), especificando, igualmente, algumas das cidades onde estes poderiam decorrer, como Olímpia, Delfos, Corinto e Nemeia. Conhecidos igualmente como Festivais Pan-helénicos, estes jogos eram realizados em todos as cidades do mundo grego, com o intuito de honrar cada um dos deuses nacionais. De entre estes festivais/jogos destacavam-se, sem sombra de dúvida, aqueles que eram realizados em Olímpia, os Jogos Olímpicos, em honra do pai de todos os deuses – Zeus. Realizados no Verão, no mês de agosto, de quatro em quatro anos, decorriam no santuário de Olímpia. Atletas adultos, jovens e adolescentes de todo o mundo helénico acorriam ao festival dos festivais, onde, para além do culto a Zeus, eram atraídos pelas competições desportivas que os podiam tornar em heróis. Todos os participantes eram, de facto, rivais nas provas em que participavam, mas era o fervor religioso que os unia num período do ano em que todo e qualquer conflito bélico entre cidades-estado conhecia uma trégua que era integralmente respeitada por todos. É este aspeto que melhor explica o caráter sagrado que estes jogos tinham. 4.2. Já o referimos em respostas anteriores, o quão importante era a educação dos jovens atenienses. De facto, futuro político, futuro magistrado, futuro militar e futuro atleta era um mix que se pretendia reunir no futuro cidadão de Atenas. Tal parece-nos hoje, porventura, algo utópico, sobretudo se pensarmos naquilo que é a nossa educação e aquilo que a escola confere, na realidade, a cada um de nós. Se quisermos ver a educação ateniense como elitista, tal é pertinente. Mas, pertinente é também o facto de ser uma educação que estava preocupada em conferir uma formação muitíssimo completa para os seus aspirantes a cidadãos. Podemos dizê-lo,

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sem reticências, que o modelo de educação ateniense aspirava à perfeição e, tal, incluía o facto de os seus jovens estarem preparados para servir a sua cidade em todos os domínios, isto é, sendo atletas excelentes ao participarem em jogos: (…) Os campeões podiam esperar conseguir algum dia nos Jogos Pan-helénicos de Olímpia, de Delfos, do istmo de Corinto ou de Nemeia, uma daquelas vitórias que seria o orgulho da sua cidade(…); serem políticos hábeis quando discursavam na Eclésia; serem justos e retos ao julgarem um crime ou ao avaliarem uma lei, enquanto magistrados ou, ainda, terem a coragem e a valentia necessárias para combateram arduamente contra os inimigos da cidade (…) a equitação, o manejo das armas completavam a formação do jovem (…)). Assim, é fácil perceber que o jovem ateniense teria de ter uma educação que passasse, sempre por uma dupla funcionalidade: intelectual e física. A velha máxima mente sã em corpo são era levada muito a sério e, por isso mesmo, a formação dos meninos, adolescentes e jovens passava por áreas como a leitura, a escrita, o cálculo e a ginástica (…) jovens treinando-se em todos os desportos atléticos que ainda hoje se praticam: lutar, correr, lançar o disco ou o dardo. Alguns baixos - relevos célebres pela sua perfeição mostram-no-los a jogar à bola, a uma espécie de hóquei (…) num período inicial para, depois, e até aos 18 anos, integrar disciplinas tão variadas como a recitação de poemas homéricos, a oratória, a retórica, a luta, a música, o canto, a filosofia, a história, a matemática, a religião, a ciência, a política, entre outras. O papel dos Sofistas era determinante no percurso educacional de qualquer cidadão. Bem remunerado, nem todos os cidadãos podiam ter acesso a um sofista para coroar o seu percurso educativo. No entanto, era necessário conviver com eles na medida em que eram os grandes mestres da argumentação e da persuasão, características basilares em qualquer político. 5.1. A ordem arquitetónica representada no documento é a ordem jónica. Sendo considerada mais elegante e delicada do que a ordem dórica (mais maciça e simples), a ordem jónica caracteriza-se, como podemos ver na imagem, por uma coluna possuidora de um fuste mais alto e ligeiramente mais estreito do que na ordem dórica, encimada de um capitel de volutas em forma de caracol que, suporta, por seu turno, uma arquitrave dividida em camadas sobrepostas que formam filas horizontais e, por cima da arquitrave, um friso todo ele contínuo à volta de todo o edifício (neste caso, no que resta dele). Resta acrescentar que, no fuste, estamos perante caneluras separadas por superfícies lisas e planas que vão da base ao capitel. Teste de Avaliação 1 (págs. 46 a 49) Grupo I 1. A Acrópole ateniense, na imagem, é ainda hoje o “cartão de visita” de Atenas, quer pela localização em termos paisagísticos dentro da cidade, quer pela importância que teve na Grécia clássica enquanto centro vital da cidade-estado de Atenas, a maior, a mais rica, a mais forte e a mais esplendorosa de toda a Hélade no século V a.C. Numa fase inicial, a acrópole vai concentrar em si a esmagadora maioria dos lugares públicos, pela sua posição, sobretudo, em termos de relevo, dado que é uma colina bastante considerável não só em altura mas, também, em dimensão, como podemos observar na imagem. Portanto, é aí que nasce a pólis, na parte mais alta de toda a área envolvente. A partir da acrópole, a cidade disseminou-se pelas suas encostas e cresceu. Na Acrópole encontravam-se edifícios como o palácio, símbolo do poder político- militar, os templos para o culto religioso e as habitações de muitos aristocratas da cidade. De realçar que, toda esta área era circundada por uma muralha. Com o crescimento de Atenas ao longo dos séculos. VI e V a.C., a Ágora (na parte baixa da cidade) acabou por assumir o protagonismo no que toca à vida política e económica e até, em alguns casos, alguns templos foram construídos nessa área ou em seu torno. De igual modo, muitas famílias da velha aristocracia ateniense mudaram-se para ali, acompanhando uma tendência que era inevitável. Por isso, a Acrópole vai assumir-se, sobretudo em finais do século VI e durante o século V a.C., como ponto nevrálgico do culto cívico-religioso da cidade, tornando-se local de peregrinação e de verdadeira devoção religiosa para todos os Atenienses mas, também, para muitos habitantes do mundo grego. O Propileus é sinal evidente da importância deste local. Entrada monumental da Acrópole, era apenas uma preparação para a espetacularidade daquilo que se seguia, como o Parténon, o Erectéion ou a grande estátua da deusa Atena, entre outros

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monumentos religiosos. Como é possível observar na imagem e ler na legenda, era aí que culminava a magnificente procissão das Panateneias, com a oferta do peplo a Atena. Que melhor lugar para a deusa dileta dos Atenienses, senão o local da cidade de onde podia vigiar, observar e guardar todos os seus habitantes? 2. A imagem representa uma cena da procissão das grandes Panateneias, festa maior, por excelência, da Atenas clássica, onde são visíveis alguns cavaleiros, representando alguns dos cidadãos que se dedicavam à vida militar, quer pela carreira que assim exerciam, quer por estarem em pleno período do seu serviço militar obrigatório. É possível apercebermo-nos, desta forma, como todos os habitantes de Atenas, livres e não livres, participavam nas festividades maiores que honravam a deusa protetora da cidade. Na verdade, as suas convicções religiosas eram de tal forma intensas que, faltar à procissão que era o culminar das festividades, era quase impensável. As Panateneias podiam ser, apenas, mais uma das muitas manifestações cívico-religiosas de Atenas. Não o eram, no entanto; bem pelo contrário, estas celebrações eram o ponto mais alto dessas manifestações, o mais esperado por todos os Atenienses e aquele em que a sua devoção falava mais alto. Eram, igualmente, das raras ocasiões em que a mulher podia participar na vida pública da cidade. Agradar, a todo o custo, à sua deusa predileta e conseguir os seus favores, acalmar a sua ira e contribuir para a sua calma eram os fatores que moviam os Atenienses para estas celebrações. Se, em todo o mundo grego, Atena, deusa da guerra e da sabedoria era cumulada de honrarias, em Atenas, para além de ser a sua protetora, era um modelo de virtudes a seguir por todos os habitantes. Por isso, estas festas (destaque, igualmente, para as Grandes Dionisíacas, em honra do deus Dionísio) reuniam toda a comunidade de Atenas em prol do bem público. Honrando, desta forma, os seus deuses, a cidade manteria, assim, a sua paz, a sua desenvoltura, a sua grandeza. Tal justifica, muito provavelmente, a opinião de um contemporâneo, ao afirmar que Atenas era (…) um festival contínuo (…). 3. Entre muitas das contradições da democracia ateniense estava esta ironia de que a maioria de que Péricles tanto se orgulhava não era, nada mais, todavia, do que a minoria dos que habitavam Atenas! Ou seja, os cidadãos, com um número aproximado dos 40 000, entre uma população que rondava os 400 000 habitantes! Os cidadãos tinham de ser homens, apenas, e com mais de 20 anos! Por outro lado, só eram cidadãos os que eram filhos de pai e mãe atenienses e nascidos em Atenas! Tinham de ter cumprido serviço militar durante 2 anos e, se possível, terem tido acesso a uma educação que os tivesse preparado para o exercício da cidadania. Só eles podiam possuir terras, vendê-las, arrendá-las e dedicar-se à política ou a outras ocupações, como a ociosidade que, como afirmava Aristóteles, não os obrigasse a (…) dobrar o seu reto corpo (…). Ora, na verdade, em situação diferente, encontravam-se os metecos (estrangeiros). Sendo em maior número que os 40 000 cidadãos (aproximadamente o dobro), estes homens eram livres e podiam ser gregos ou não. Ao permanecerem em Atenas mais de um mês (o que era muito comum, devido à atividade principal da cidade, o comércio) tinham, obrigatoriamente, de se inscrever como metecos. Ativamente envolvidos nas atividades comerciais e artesanais da cidade, estes homens contribuíam, em boa verdade, para uma parte substancial da riqueza da cidade, não só devido aos seus negócios, mas aos impostos a que estavam sujeitos, como era o caso do metoikion (imposto de residência) ou de outros como, imagine-se, um imposto para poderem fazer comércio na Ágora! Não tendo qualquer direito político, não podendo sequer comprar uma habitação, o meteco, todavia, tinha os mesmos deveres financeiros que o vulgar cidadão e deveria servir o exército ateniense em caso de guerra. E é aqui que, tal como o texto descreve, o meteco se podia vir a tornar num meteco isótele, isto é, adquirir a isotelia (…) que a estes seja dada a isotelia (…), ou seja, o meteco era recompensado com a sua passagem ao grau de cidadão por ter prestado bons serviços, tal como é relatado no texto, na guerra (…) A fim de que recebam justas recompensas os metecos que participem no regresso de File (…). A partir desse momento, passavam, finalmente, a estar em pé de igualdade com os cidadãos em todos os sentidos (…) agrada ao povo decretar que eles próprios e os seus descendentes sejam atenienses, que tenham a cidadania e sejam repartidos imediatamente pelas dez tribos: que os poderes públicos usem a seu respeito das mesmas leis (…); (…) direito de concluírem casamentos legais em pé de igualdade com os Atenienses (…). O que mais choca aqui, no fim de contas, é a distinção bem vincada entre uma elite, os cidadãos, e todos os outros. Ademais, não bastava o contributo essencial dado pelos estrangeiros e a defesa, em caso de guerra, de uma cidade que não lhes reconhecia qualquer

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direito, tinham de se destacar na guerra para adquirem estatuto jurídico em Atenas e poderem deixar de ser olhados como estranhos. 4. Atenas foi, de entre todas as cidades-estado (pólis) da Hélade, aquela que maior protagonismo assumiu no século V a.C. Na verdade, reuniu todas as condições para tal, em primeiro lugar devido à sua localização geográfica, porta de entrada e saída para todo o comércio do Mediterrâneo, abençoada por um porto que servia toda a cidade e o território envolvente, a Ática, o porto do Pireu. De facto, tendo em conta que a definição de pólis encerra o conceito de célula política que se estende a toda uma comunidade que se agregou em torno de um primeiro núcleo urbano e que usufruía de independência nos campos geográfico, político, administrativo e económico, Atenas acabou por materializar a união deste conceito unindo o seu território ao seu corpo populacional/cívico, chave essencial para a sua autonomia face ao restante mundo grego. Como definido por Aristóteles, Atenas possuía subsistências e abundância de inúmeras riquezas, graças à sua fortíssima atividade comercial: artes (notem-se os documentos 2 e 4), culto divino (com as suas manifestações cívico-religiosas centradas na Acrópole, visível no documento 1 e, também, no documento 2) e a política, envolvendo todos os seus cidadãos, algo inédito no mundo de então. Ou seja, aspirava (e conseguiu-o, de facto) ao ideal autárcico. Deste modo, Atenas liderava o mundo helénico a todos os níveis: demográfico (atingindo um número de habitantes na casa dos 400 000), cultural (sendo exemplo para o mundo conhecido da época pela sua arquitetura, escultura – documento 4- e cerâmica ímpares), economicamente como militarmente (veja-se, no documento 3, a referência a mais uma batalha, a de File, em que, ao que parece, os Atenienses não deixaram os louros em mãos alheias), sobretudo devido ao imenso dinheiro conseguido à custa da Liga de Delos. Coroando esta sucessão de virtudes atenienses, temos o campo político em que, também aí, Atenas deu cartas, como o primeiro Estado da história da humanidade a possuir um regime que todos os seus vizinhos invejavam e que inspirou quase todos os Estados modernos atuais: a Democracia. É este regime político inédito que introduz o conceito de cidadão enquanto indivíduo que detém aquilo a que se apelida de cidadania. Esta foi uma preocupação, de facto, deste regime, definir cidadão e cidadania. Esta passou, assim, a ser entendida como a capacidade dos cidadãos de participarem na administração e na justiça da cidade enquanto seus membros por excelência. Por isso, é na pólis grega (entenda-se, o caso mais específico de Atenas) que ser cidadão faz sentido porque ele participa ativamente na resolução dos problemas públicos da cidade, na elaboração das suas leis, e tudo porque era através do mérito e não do seu nome familiar ou da sua fortuna que ele era, efetivamente, reconhecido. Todo o cidadão tinha as mesmas oportunidades e, para tal, não se olhava à categoria social, aos bens financeiros ou à sua cultura. Por isso, direitos inalienáveis de qualquer cidadão passaram a ser isonomia, a isegoria e a isocracia. Assim, também é a pólis que lhe confere a possibilidade de se expressar, de se cultivar, de se exercitar no manejo das armas (todo o cidadão teria, uma vez na vida, de ser soldado, em tempo de guerra ou não) e no âmbito das suas capacidades físicas. Ora, se a democracia ateniense nos merece elogios e se consideramos inegável o seu contributo para o mundo dos nossos dias, também nos merece algumas reservas, pois que padecia de um sem-número de imperfeições que, no fim de contas tornavam esta democracia com limitações. Tal parece contrassensual mas, a olharmos para o caso dos metecos, abordado no documento 3, ficaremos mais elucidados. Sendo quase o dobro dos cidadãos a viver na cidade de Atenas, pagando os mesmos impostos do que os cidadãos e outros para além desses, dando a ganhar a Atenas muito do dinheiro que existia na cidade, sendo, em parte, responsáveis, pela sua prosperidade, os metecos não tinham quaisquer direitos políticos e até podiam, em casos excecionais, ser tornados escravos. Por isso, só através da isotelia (documento 3) é que os metecos poderiam adquirir o direito de cidadania. Por outro lado, as mulheres não tinham, igualmente, nenhuma oportunidade de participar na vida política nem tão pouco nas manifestações públicas, exceção feita às Panateneias, manifestação cívico-religiosa maior da cidade de Atenas, em que poderiam fazer-se notar. A existência de escravatura é outro dos pontos negros desta democracia. Sendo praticamente metade da população da cidade de Atenas, os escravos eram vistos como um produto, uma propriedade comandada pelos seus senhores e não tinham, deste modo, qualquer direito reconhecido, nem o mais elementar. Como agravante, a tortura era regularmente usada com os escravos quando, por exemplo, estes serviam de prova num julgamento. Acrescente-se a este quadro, o ostracismo e o imperialismo atenienses para vermos o quão limitada era esta democracia. No entanto, é inquestionável a sua novidade enquanto regime político que conduziu Atenas ao seu esplendor e ao seu auge no século V a.C.

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Na verdade, e ironicamente, é a fortuna que Atenas vai amealhando à custa da Liga de Delos, que lhe permite manter, com pompa e circunstância, as grandes festividades, sinónimo da sua devoção aos deuses, como as Panateneias ou as Dionisíacas, bem como outras festas Áticas. O documento 2 é um testemunho dessa devoção que se cimentava com essas grandes festividades, sobretudo com as Panateneias, celebração sempre aguardada com grande expetativa e em que, durante dois dias, se prestavam as mais altas honras à deusa protetora de Atenas, Atena. De 4 em 4 anos, a festividade tinha a duração de 4 dias pautados por uma grande solenidade. A procissão com a qual terminavam as festividades, representada no friso do Parténon (documento 2) partia do bairro do Cerâmico, no centro de Atenas, e acabava na Acrópole, junto ao Erectéion, templo da deusa Atena Políade (protetora da cidade). Ora, para além destas grandes cerimónias, o tesouro da Liga de Delos serviu, ainda, para embelezar a cidade com belos edifícios públicos, do qual o Parténon, visível no documento 1, é apenas um dos exemplos, espalhados um pouco por toda a Acrópole e pela cidade de Atenas. Por outro lado, a busca incessante de perfeição e do homem ideal (motivo pelo qual a educação ateniense era um dos desígnios maiores da democracia) levou a que os escultores atenienses materializassem, no mármore, na pedra, no bronze, esse homem perfeito que acabou por ser representado pela escultura de Policleto, o Dorífero (documento 4). A tal busca que atrás referimos está bem patente neste documento em que podemos observar claramente que a arte escultórica grega no sentido almejou (e conseguiu) atingir a representação do homem perfeito, dotado de uma beleza ideal. Se repararmos, à esquerda, na 1.ª estátua, o Pugilista, não podemos ter dúvida. Os pormenores anatómicos e a expressão com que o atleta representado escuta, ouve ou observa algo são exímios. É no século V a.C. que este idealismo escultórico (como também o podemos ver na obra Hermes e Dionísio) atinge o seu apogeu, ou seja, o máximo de expressividade, movimento, elegância, beleza que tanto se almejava. Tanto Praxíteles como Policleto foram representantes exímios da ode à beleza humana, do cidadão visto na sua dimensão física, estética e puramente visual sem, no entanto, se esquecerem que, servir a sua cidade, era o objetivo máximo. Grupo II 1. Para o grego da época clássica, a lei era um princípio basilar pelo qual se regia e fonte inspiradora para a sua conduta em sociedade. Por isso, qualquer grego estaria disposto a bater-se pela lei da sua cidade, se necessário. Por isso, e tal como Hesíodo defendeu, as leis, enquanto regras orientadoras, deveriam ser quase como o ar que se respirava, (…) deviam ser escritas, os critérios de decisão claramente definidos e as causas mais frequentes de desacordo rodeadas de testemunhas que mais tarde atestassem a verdade (…). Tal marcaria, porventura, aquilo a que o autor do texto apelida de (…) transição de um sistema jurídico arcaico (…) para um sistema complexo (…), ou seja, de um sistema jurídico marcado pela tradição oral, passado de geração para geração, para um novo que tivesse passado a compilar as leis por escrito, o que significava garantir o cumprimento das mesmas, sem interpretações pessoais que pudessem desvirtuar os princípios que estavam ligados a cada uma delas. Por isso é que Hesíodo fala em critérios de decisão claramente definidos e sugere, ainda, que os depoimentos das testemunhas que estivessem em qualquer processo ficassem registados para, se necessário, serem fonte de consulta. Deste modo, e tal como se pode ler no texto, todos (…) conheciam as leis (…). Nada que, hoje, nos espante e com o qual não concordemos. 2. Dadas as características que já conhecemos da sociedade grega (tomando sobretudo, como exemplo, a sociedade ateniense) que já conhecemos e que eram o principal calcanhar de Aquiles dos seus regimes políticos, nomeadamente da originalíssima democracia ateniense, esta afirmação parece-nos, em tudo, pertinente. Primeiro, porque se fala em conceitos como reputação e categoria que, inevitavelmente, conduziam a uma estratificação da sociedade, por muito que essa não fosse uma das bandeiras da democracia ateniense que sempre se vangloriou da igualdade. No entanto, e pela leitura do texto, vemos que tal fazia perfeito sentido, senão vejamos: (…) distinção entre homem livre e escravo são particularmente impressionantes (…); ou seja, a obsessão em diferenciar, claramente, os que eram livres e os não livres era um dado adquirido. Na verdade, os escravos eram, não o esqueçamos, vistos como instrumentos animados, como já Aristóteles defendia. Por outro lado, e insistimos neste ponto, mesmo entre os que eram livres, as distinções eram, por demais, altamente distintivas (basta recordarmos o caso dos metecos). Tal afirmação é ainda mais cabal quando atentamos nesta passagem: (…) o processo judicial era de

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um modo geral mais benéfico do que coercivo para aqueles que eram livres – e cidadãos. Aqueles que não possuíam uma reputação averiguável nem condições de cidadania – estrangeiros, escravos, aqueles que tinham ocupações indignas ou aqueles cuja desonra (atimia) era publicamente reconhecida – não possuíam direitos, nem o direito de não serem coagidos nem o direito de pleitear (…). Como não concordar com a afirmação do autor? Na verdade, apercebemo-nos de que só os cidadãos e os que, efetivamente, não tivessem tido qualquer tipo de problema com a justiça, mesmo que tivessem saído ilibados, poderiam ser membros respeitáveis (e respeitados) dentro da complexa sociedade grega. Repare-se que, inclusive, se fala de ocupações indignas, como se alguma ocupação (entenda-se, trabalho, profissão…) possa ser considerada indigna. Esta ideia aparece-nos ainda mais reforçada quando o autor refere a (…) proteção dada pelo processo jurídico ao cidadão livre e a acentuada diferenciação deste relativamente a outras classes de pessoas muito menos privilegiadas (…). Mais gritante é, ainda, o facto de a categoria de que fala o autor levasse a coisas como (…) o direito de um cidadão exigir, num processo penal, ou até civil, a tortura de escravos (….). Portanto, sem comentários. 3. Inegável, e como uma das virtudes maiores, talvez, da democracia ateniense, o facto de as leis serem reunidas num corpus escrito, livres de interpretações aleatórias de qualquer um que pudessem meter em causa a sua veracidade. Por outro lado, o facto de todo o cidadão ver a lei como limite à sua liberdade, não interferindo, deste modo, com a liberdade do seu próximo, a respeitar e a tomar como regra para a sua vivência em sociedade: (…) os cidadãos livres das cidades-estado gregas sujeitavam-se, de bom grado a muitas restrições dos seus atos pessoais que teriam ofendido os guerreiros aristocráticos de Homero. Mas sujeitavam-se de bom grado porque conheciam as leis, respeitavam aqueles que as aplicavam (…). Dentro do campo das contradições poderíamos estar aqui a debitar inúmeros defeitos do qual padecia a democracia ateniense. Pegando no texto, salta à vista, a enorme diferenciação entre os cidadãos e os outros, entendidos, no caso do que nos é apresentado em particular, os escravos (a maioria da população de Atenas). Ultra protegido pelas leis, o cidadão vivia numa situação jurídico-social que os distanciava largamente dos demais. Por outro lado, a existência da tortura como algo aceite generalizadamente, como algo enquadrado no sistema jurídico da cidade, devidamente regulamentado, é completamente incompatível com um sistema que se queria democrático! Vejamos: (…) Aristóteles apresenta uma lista de cinco provas (…) que podem ser utilizadas num processo jurídico (…): as leis, as testemunhas, os costumes, a tortura (…); (…) direito de um cidadão exigir, num processo penal, ou até civil, a tortura de escravos parece ter sido aceite de um modo geral (…); (…) se os juízes não conseguirem formar uma opinião depois de todas as provas terem sido apresentadas, podem aplicar tortura corporal aos escravos após estes terem prestado o seu testemunho na presença de ambas as partes em questão (…). Exercícios propostos (págs. 83 a 85) 1.1. O imperador tinha um controlo total sobre todo o Império. Não tendo o dom da ubiquidade, soube, no entanto, conseguir a melhor maneira de controlar toda a área conquistada por Roma, elaborando, minuciosamente, um sistema de governação do Império, através de mecanismos (presentes no esquema) que permitiam que nada lhe escapasse, mesmo nas áreas mais distantes da cidade-mãe, Roma. Por isso, quase omnipotente e omnipresente, o imperador, qual polvo gigantesco, com os seus tentáculos, chegava a todos os locais e a todas as áreas do mundo romano. Senão, vejamos: sabendo da importância que o Senado tinha para com os cidadãos romanos e do seu apego às instituições republicanas, o imperador foi cauto e manteve essas mesmas instituições, embora sob moldes diferentes. Como verificar no esquema, Augusto manteve as instituições republicanas adaptando-as, no entanto, ao conceito de Principado, isto é, o princeps sensatus, no fundo, a figura suprema dentro do velho órgão republicano. Rapidamente, e como os membros do Senado passam a ser homens da sua confiança, tal vai-lhe conferindo autoridade acima de qualquer pessoa. Deste modo, o Senado, órgão legislativo e executivo por excelência, vai-se tornar num órgão de ratificação das decisões imperiais, apenas. Por outro lado, ao receber a tribunícia potestas, ou seja, o poder tribunício, o imperador tornou a sua pessoa intocável, qual deus (por isso, a referência a (…) pessoa inviolável e sagrada (…). Este poder confere-lhe, por outro lado, a capacidade de convocar os Comícios, propor novas leis e, como

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corolário, dado que é o maior dos tribunos da plebe, anular decisões do próprio Senado (convocando-o e vetando as suas decisões). Na verdade, o imperador podia, se quisesse, modificar toda a composição do Senado se, porventura, pudesse achar, em algum momento, que este estaria a escapar ao seu controlo. Numa verdadeira operação de cosmética, divide as províncias do Império, concedendo parte delas para o Senado (onde os membros são escolhidos por ele!) e guarda para ele próprio as chamadas províncias imperais. Para além disto, e numa operação de progressiva assimilação das instituições republicanas, vai aliá-las a instituições de tipo monárquico que passam a estar totalmente dependentes de si e sob a sua alçada, dado que, para essas instituições nomeia apenas pessoas da sua confiança. Deste modo, áreas de governação como o exército, as finanças, a justiça e a administração terão todas aquilo a que denominamos de funcionários imperais. Em suma, já não podemos falar de uma orgânica organizacional dependente do Senado, como na República, mas de uma orgânica muito sui generis, uma orgânica imperial. 1.2. É fácil perceber, pela observação atenta do esquema, a diferença entre províncias de dois tipos distintos: senatoriais e imperiais. As primeiras estavam sob a alçada do Senado, instituição maior do Império Romano. As segundas estariam sob o controlo direto do próprio imperador. Ora, as províncias que ficavam sob controlo do Senado eram aquelas que já haviam sido pacificadas (embora sob o olho bem atento do imperador, que era vigilante q.b. para evitar situações que pudessem meter a sua autoridade em causa nessas províncias), enquanto que, no caso do imperador, as províncias mais difíceis de impor a Pax romana (o esquema designa-as por as de mais difícil sujeição) ficariam sob o seu cuidado até, provavelmente, darem as tréguas desejadas e aceitarem a dominação romana. 1.3. Na verdade, o Imperador sabia que a população de Roma não queria sequer ouvir falar de monarquia, imbuída que estava, há séculos, daquilo que representava, na sua ótica, a melhor maneira de governar Roma, ou seja, a República. Usurpar as instituições republicanas, anulá-las, despi-las da sua essência de garante da voz e das aspirações dos Romanos era, porventura, algo suicida. Desta forma, e tal como é percetível pela observação do esquema, o imperador teve o cuidado de nunca pôr fim a essas instituições. Pelo contrário, adaptou-as, numa operação bem cuidada, às instituições de tipo monárquico que vai instituindo. Na verdade, ao receber a tribunícia potestas e ao intitular-se princeps senatus, o imperador estava a incorporar na sua pele as vestes de um rei que tudo passou a controlar, perpetuando, todavia, as instituições republicanas que, supostamente, mantinham a sua atividade e as suas funções. Ora, nada de mais erróneo pensar-se que essas instituições manteriam as suas atribuições tal e qual como na República! O imperador aceitava o Senado. Logo, este tinha de lhe ser absolutamente fiel. Ao poder anular as suas decisões pelo direito de veto, ao poder convocá-lo, ao propor-lhe novas leis que seriam irreversivelmente aprovadas (ou não fossem os seus membros escolhidos pelo próprio imperador), o imperador, para além de se comportar como um monarca, agia de forma absoluta. Pelo esquema apresentado, concluímos que o imperador conseguiu criar um enorme Estado totalitário, através de mecanismos que lhe permitiam controlar toda a área conquistada por Roma, elaborando, minuciosamente, um sistema de governação do Império, através de mecanismos (presentes no esquema) que permitiam que nada lhe escapasse. Não tendo uma polícia política, tão típica dos ditadores do século XX, tal não impedia, de modo algum, que não refreasse qualquer tentativa de oposição ou de insubordinação. 1.4. Se recuarmos até ao 9.º ano e nos lembrarmos da ascensão dos fascismos, uma das coisas que, para além de todas as características das ditaduras e de cada um dos ditadores em peculiar, marcaram estes regimes do século XX e que foi traço comum a todos a todos os líderes da extrema-direita à extrema-esquerda, foi o chamado totalitarismo, ou seja, o facto de todos os poderes estarem concentrados num só líder, de o mesmo controlar todos os setores da vida do Estado, exercendo poder sobre tudo e sobre todos. Ora, esse poder exercia-se de forma autoritária, muitas vezes discricionária, esmagando, por completo, a liberdade individual de cada um. Tal conceção de poder implicava, portanto, que a autoridade do chefe fosse considerada inquestionável ao ponto de o culto ao mesmo - culto ao chefe - ser uma das facetas essenciais para a manutenção dos regimes ditatoriais. Por isso, medidas como a repressão e perseguição aos adversários, as prisões de caráter político, a tortura, ou características como o ultra nacionalismo, a ideia velada da paz como algo efémero, pouco crível, e a defesa da força como

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elemento de progresso estão adjacentes às ditaduras. Vistas as coisas desta forma, e repensando nos poderes do imperador, há um elo, de facto, entre o poder imperial e o poder encarado enquanto ditadura, enquanto Estado totalitário. Pelo esquema apresentado, vemos como o Imperador conseguiu criar um mega Estado totalitário, através de mecanismos que lhe permitiam controlar toda a área conquistada por Roma, elaborando, minuciosamente, um sistema de governação do Império, através de mecanismos (presentes no esquema) que permitiam que nada lhe escapasse. Se os membros do Senado eram homens diretamente escolhidos por si (porque da sua confiança), tal facto foi-o tornando cada vez mais forte e absoluto, transmitindo-lhe um poder ilimitado. Deste modo, o Senado, por tradição uma instituição legislativa e executiva, vai-se tornar num mero apêndice do poder imperial, que se limitará a aceitar aquilo que o imperador decidia. Por outro lado, temos que relembrar que, ao receber a tribunícia potestas, ou seja, o poder tribunício, o imperador tornou a sua pessoa intocável como se de um ser divino se tratasse (melhor exemplo de culto ao chefe parece-nos pouco provável…). 2.1. Sim, há uma legitimidade inerente às palavras de Henri Van Effenterre, quando este considera que, de entre toda a história do direito romano se pode (…) pelo menos indicar as suas grandes etapas (…). Na verdade, o autor temporiza, claramente, essas duas grandes etapas: uma etapa monárquica (…) tempo dos reis (…) e uma etapa republicana (…) Quando o desaparecimento da realeza coloca em primeiro plano (…) as poderosas gentes patrícias e se inicia a luta entre elas e a plebe(…), com diferenças distintas entre o processo jurisdicional romano. Inicialmente, vinha-se operando (…) toda uma elaboração jurídica (…) em que, inclusive, se tipificaram várias vertentes do direito. O direito consuetudinário é, nessa altura, a nota dominante, ou seja, estamos a referir-nos a um direito que era transmitido oralmente, de geração em geração e que, não raras vezes, dava azo a deturpações e muitas arbitrariedades, sobretudo por parte das classes abastadas, os patrícios. Aqui, há claramente, um período definido que vai, com o fim da monarquia e o advento da república romana, cair em desuso. Com a instauração da República, fez-se aquilo a que o autor denomina como (…) uma espécie de compilação de leis (…). Estas passavam a estar ao alcance de todos através de um corpus documental escrito que será denominado de Lei das Doze Tábuas. Em suma, a segunda grande etapa do direito romano está aqui! O facto de as leis não se limitarem a ser transmitidas pela via oral mas, muito mais importante, ficarem registadas para a posteridade, estando ao alcance da consulta de qualquer cidadão romano. 2.2. Sem dúvida! Em boa verdade, não é acidental o facto do autor se referir a um (…) monopólio jurídico do patriciato (…) se tivermos em conta que, durante aquela época que definimos como a primeira grande etapa do direito romano, e que coincide precisamente com o período da monarquia, ser a classe patrícia que, efetivamente, foi elaborando todos os procedimentos jurídicos, atos, cláusulas, artigos, processos, entre outros e que, por isso mesmo, e tal como refere o autor, ser essa classe que detinha a legitimidade para serem os (…) seus depositários e intérpretes (…). Os magistrados, claro está, eram, também, única e exclusivamente, patrícios. Era deste conjunto de factos que advinham os abusos a que já nos referimos e que conduzirão, como nos é relatado no documento, às lutas entre patrícios e plebe, já no início da República. 2.3. Henri Van Effenterre bem o refere: (…) A meados do séc. V, a tradição fala de comissões legislativas, triúnviros ou decênviros, que teriam estabelecido uma espécie de compilação de leis que poderiam ser utilizadas por todos, as «Leis das doze Tábuas». (…) Mais do que um código, no sentido moderno do termo, representam um conjunto artificial de dispositivos práticos, dando a impressão de que os legisladores quiseram apresentar soluções e dar regras de direito sobre uma série de pontos considerados difíceis nessa altura (…). Na verdade, as Leis das Doze Tábuas constituem um documento sem precedentes na História da humanidade e, sobretudo, da Antiguidade. É da luta da plebe contra a prepotência das gentes patrícias que urgiu levar a bom porto esta compilação escrita das leis romanas. A perpetuação, desde a monarquia, de um direito que não era aplicado com equidade, tinha muito de vantajoso para os ricos e poderosos das famílias patrícias em detrimento da plebe. A importância das Doze Tábuas foi de tal ordem que ainda hoje é considerada a inspiração de todo o direito civil do mundo ocidental. Neste documento já nos aparecem inscritas e fundamentadas as leis fundamentais de Roma até ao fim do Império e mesmo até depois, durante a constituição dos primeiros reinos bárbaros.

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2.4. Características associadas ao direito romano, o racionalismo e o pragmatismo, estão bem presentes na sua própria génese, mas clarificam-se muito melhor após a elaboração das Leis das Doze Tábuas. Racional porque parte de pressupostos que assim lhe vão dando forma e tornando-o exequível: (…) atos e processos receberam o seu nome, fixaram-se ritos e fórmulas (…) e, mais importante, houve uma preocupação em distinguir (…) as diversas espécies de direitos, gentílico, cívico, comum, sagrado (…). O facto de os legisladores terem, aquando da altura em que se redigiram as Leis das Doze Tábuas, querido (…) apresentar soluções e dar regras de direito sobre uma série de pontos considerados difíceis nessa altura, mostra, igualmente, a racionalidade inerente ao direito romano. A necessidade de o direito ser acessível a todos e todos o compreenderem bem, explicam bem o uso da razão em todo este processo. Prova deste racionalismo foi ainda o facto de os Romanos terem distinguido direito privado de direito público. Por isso, não é de admirar que, associado a toda esta dose de racionalidade, o caráter prático da máquina legislativa romana seja bem percetível. Na realidade, os Romanos bem o demonstram, cabalmente, quando compilam todas as leis que, até aí, estavam ao acesso da livre interpretação de cada um, num todo documental (ambivalente) – As Leis das Doze Tábuas – e, bem o diz o autor do documento, (…) representam um conjunto artificial de dispositivos práticos, dando a impressão de que os legisladores quiseram apresentar soluções e dar regras de direito sobre uma série de pontos (…). Portanto, prático, acessível, racional, o direito romano influenciou até hoje todo o mundo ocidental e a organização da justiça na maioria do mundo ocidental. 2.5. O autor do documento alude a (…) grande número de delitos tanto privados como públicos (…). Na verdade, tal afirmação tem a ver com o facto de os Romanos terem diferenciado dois tipos de direito, como já o dissemos anteriormente, o direito público e o direito privado. Assim, ao direito público cabia a organização dos assuntos relativos ao Estado enquanto que, no que concerne ao direito privado, estavam ligados todos os assuntos que tinham a ver com os particulares, desde assuntos básicos como a disputa de um qualquer bem, até assuntos mais complexos como um casamento, um divórcio, entre outros. 3.1. O documento 3 pretende representar uma reconstituição da Roma imperial. Num olhar mais rápido e desatento, podemos não nos aperceber de que a influência grega está bem patente nas construções de caráter público no todo urbano. No entanto, numa observação mais atenta e demorada, chegamos rapidamente à conclusão de que a arquitetura helénica serviu de base a um grande conjunto de obras públicas romanas, esmagadoramente pela observação dos templos espalhados um pouco por toda cidade. Poderíamos, todavia, escamotear este aspeto devido à presença dos arcos de volta perfeita, Ao Coliseu ou ao Circo Máximo, bem como o aqueduto. Mas não nos iludamos. Estamos, sem dúvida, perante inovações tipicamente romanas, mas tal não ofusca a igualmente visível influência grega. Sendo a cultura romana aquilo a que denominamos uma cultura de síntese, não é difícil compreender que, dessa amálgama de influências, seja de realçar a grega. Lembremo-nos que a presença grega no sul de Itália data do séc. VIII a.C. os contactos comerciais entre os dois povos – grego e romano, ou melhor, itálico – datam da mesma altura. Os habitantes da Península Itálica assimilaram, ao longo de décadas, a língua grega (eram as elites, para além das camadas populares, que mais faziam questão em falar a língua grega como prova da sua erudição e cultura) e usaram-na correntemente em todas as atividades do seu quotidiano. Por isso, não é estranho o facto de os modelos arquitetónicos gregos terem servido de modelo para as construções romanas, muito particularmente nos templos espalhados um pouco por toda a maqueta: colunas das várias ordens arquitetónicas, frisos, arquitraves, bases, telhados de duas águas e os inevitáveis frontões. Há elementos inovadores, com certeza, mas os que saltam à vista são, sem dúvida, os que constituem o legado helenístico. 3.2. Os Romanos não se limitaram a copiar os elementos mais notáveis da arquitetura grega. Se tal constituiu uma base para a edificação de muitos dos seus edifícios públicos, não impediu, todavia, que as inovações pontuais e fruto de um gosto estético e apurado sem limites, se atrevesse a arrojar e a lançar novos desafios no conjunto edificado das cidades romanas. Na imagem que nos é apresentada, para além do arco de volta perfeita, visível em muitas das construções, podemos apontar outros elementos que são tipicamente romanos. É o caso das chamadas pilastras, uma adaptação da tradicional coluna mas que é, digamos, engolida por parte da parede da chamada cella, tornando-o numa coluna que, aos nossos olhos, nos surge como cortada a meio por uma parede e incrustada nessa mesma parede; por outro lado, temos

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igualmente, uma maior monumentalidade dos edifícios que, parecendo maiores, não é propriamente esse aspeto que leva a esta ideia, mas o facto de muitos (incluindo alguns templos) estarem elevados sobre estruturas a que designamos podium, ou seja, o efeito era elevar o edifício, dando-lhe um toque de imponência e, logo, de maior monumentalidade; finalmente, e podemos verificá-lo na imagem, o todo monumental surge aos nossos olhos com mais brilho de, aparentemente, mais luminoso. Isto resultava do facto de os Romanos terem começado a normalizar o uso de novos materiais para a construção dos seus edifícios, como o betão que, sendo pouco agradável à vista, era coberto, posteriormente, por mármore e por outros revestimentos mais vistosos, de forma a esconder a fealdade do betão (repare-se no Coliseu, à direita). Por isso, aquela sensação quase assética ao olharmos para a imagem. Podemos ainda distinguir, na imagem, contruções como o Circo Máximo, anfiteatros, pontes, aqueduto ou, até, obeliscos (algumas colunas isoladas, de dimensões consideráveis). Podemos também referir outros elementos arquitetónicos como as cúpulas ou os arcos de triunfo. 3.3-.Os Romanos serviram-se, tal como os Gregos, do relevo, embora em circunstâncias diferentes. O que os une é a visão do mesmo como elemento decorativo mas o que os separa é o facto de os Romanos pegarem no relevo para o usarem como objeto propagandístico do Império com uma função principal: narrar os grandes feitos do povo romano e glorificar as virtudes e qualidades dos seus generais e imperadores, numa evidente prova do culto ao chefe e de um ultra nacionalismo sem paralelo. Ora, este tipo de relevo vai chamar-se de relevo histórico-narrativo, devido ao que dissemos anteriormente. Utilizado, na sua maioria, em construções ditas comemorativas (como os arcos de triunfo), este relevo permitia que ninguém olvidasse a História romana pelo simples recurso ao contacto visual com estas inscrições e desenhos, que faziam parte da paisagem urbana de toda a cidade romana. Na imagem que nos é apresentada, vemos a exaltação da força dos Romanos na conquista de uma das províncias que mais lhes custou a ganhar, a Dácia. Note-se a expressão do legionário romano, impávido, severo e, pelo contrário, a expressão do soldado Dácio que, com ar algo sofredor, antevê a sua derrota. Teste de Avaliação 2 (págs. 86 a 89) Grupo I 1. A resposta cabal a esta questão é, sem dúvida, não! Escravatura, tortura, divisão entre uma justiça privada e uma justiça pessoal, intromissão cada vez mais retumbante do imperador em todo o sistema jurídico romano? Parece-nos que, de pragmático e pacificador, o direito romano, tal como é exposto no texto, nada tem. Não duvidemos, desde já, que o direito foi uma das maiores criações dos romanos. Sem qualquer margem para dúvida, espelhou o desejo de gerações que viram compiladas todo um conjunto de normas jurídicas (que a Lei das Doze Tábuas materializou) que regulavam a vida quotidiana no mundo romano. É comum dizer-se que o direito romano mostra, no seu grau mais elevado, o pragmatismo e espírito metódico dos romanos. De facto, ao definir os princípios basilares a que todo o cidadão romano deveria obedecer, ao tipificar toda uma série de áreas de aplicação do direito, ao passar para segundo plano o velho direito consuetudinário, o direito romano atinge o seu apogeu durante a República para, durante o Império, ir a pouco e pouco tornando-se num mero “cartão-de-visita” do mundo romano, diríamos quase um acessório. Portanto, o pragmatismo inicial do direito romano e que presidiu à elaboração da lei das Doze Tábuas não está em causa. Tampouco o está a sua vertente metódica. Todavia, o texto mostra-nos o quão particular se tornou o direito romano com o advento do Império. Pacificador? Nada. O Estado castrou o direito romano (…) processo cognitio extra ordinem, em que o Estado controlava totalmente as ações judiciais (…) as partes em litigio deixam de controlar o processo (…). Depois, a tipificação de novos crimes (…) certas ações passaram a ser consideradas crimina (…) e estes conflitos distinguiam-se de disputas puramente privadas conhecidas por iudicia privata (…)) punham em causa a homogeneidade das leis da aplicação da justiça e da sua idoneidade. A passagem do texto que melhor mostra que a tentativa de tornar o direito em algo que era aplicado a todos, em dose e medida iguais, acabou por se desvanecer, quando o autor afirma que (…) Grande parte do processo judicial (…) apenas se pode interpretar do ponto de vista da «justiça» privada (…).

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2- Se a Lei das Doze Tábuas conferiu ao direito romano a legitimidade para se tornar o modelo jurídico para o mundo desenvolvido do ocidente nos séculos que se lhe seguiram, ela foi, também o melhor exemplo do pragmatismo romano. Na verdade, a República foi o campo onde se modelou o modelo de jurisprudência romana, de modo a acabar com todas as ilegalidades e incongruências associadas ao modelo de direito consuetudinário que, até essa época, predominava. Portanto, a partir da Lei das Doze Tábuas, o direito romano tornou-se mais justo, prático, metódico e ajustado a toda a população romana. Tal não passou, no entanto, de uma miragem que rapidamente se desvaneceu com o começo do Império e do regime arbitrário que lhe passou a estar associado. O autor do texto mostra que há, de facto, uma progressiva desvalorização do legado deixado pela Lei das Doze Tábuas. Comecemos pela tortura tida, malgrado, como algo banal em Roma que, no entanto, se vai começar a estender ao cidadão livre: (…) Os homens livres, inicialmente salvaguardados da tortura (…), passaram a ficar sujeitos a ela em caso de traição durante o Império e, mais tarde, num espetro cada vez mais largo de casos determinados por ordem imperial (…). Por outro lado, “a arbitragem voluntária ou comunal conduziu à arbitragem imposta pelo Estado nas legis actiones (modelos de ação judicial) depois de um processo formal mais alargado e, por fim, ao processo cognitio extra ordinem, em que o Estado controlava totalmente as ações judiciais (…); prova cada vez mais a intromissão do Estado (logo, do imperador) nos processos judiciais. A mão imperial esmagava, assim, os regulares mecanismos jurídicos que a República se havia esforçado por criar: (…) o simples cidadão que desempenha as funções de árbitro é substituído por um funcionário público nomeado pelo imperador ou por um funcionário com um alto cargo na administração imperial (…). O episódio que, no final do texto, nos é descrito pelo autor é a prova mais que evidente do que acabamos de afirmar. O exemplar direito romano passou a estar refém do imperador e dos seus caprichos. Por isso, e em jeito de conclusão, o autor afirma que (…) O imperador podia não só ditar a lei, mas também fazer exceções à lei que não reconheciam necessariamente os antigos privilégios republicanos do homem livre (…). Grupo II 1. Dentro do mundo que, a pouco e pouco, ia ficando sob o jugo romano, muitos foram os fatores de consolidação da adaptação dos povos conquistados ao seu novo líder: Roma. Comummente conhecidos como agentes de romanização (porque romanizaram e, logo, cimentaram as relações entre conquistados e conquistadores), estes fatores foram uma prova da inteligência romana e do seu espírito integracionista face às regiões que iam dominando. Rapidamente seduzidos pelo modo de vida dos Romanos, a esmagadora maioria dos povos conquistados ansiava por ser vista como romana. Assim, a administração romana foi uma arma bastante eficaz para levar a cabo a concretização dos desejos dos povos submetidos a Roma. Dessa maneira, concedia-se um voto de confiança por parte de Roma aos que dela ainda duvidavam, ao conceder, por exemplo, o título de província a muitas das áreas conquistadas e, de seguida, dentro das províncias, à concessão do título de cidade. Traçavam-se, assim, no Império, os quadros administrativos que iriam durar séculos. A administração da Hispânia (abordada no documento 1) vai, desta forma, dar o pontapé de saída a todo este processo administrativo. Tal como podemos ler neste texto, é Plínio, o Velho, quem faz a primeira sistematização da engrenagem administrativa romana (…) Com Plínio, o Velho, podemos considerar três tipos de cidades peregrinas: federadas (ou, muitas vezes, «livres e federadas»); livres; estipendiárias(…). Apesar desta aparente liberdade concedida por Roma, (…) As cidades estipendiárias não podiam fazer mais do que aceitar a condição que Roma lhes impunha; elas não dispunham mais do que, na verdade, uma autonomia (…). No entanto, podemos perceber que as cidades federadas e livres ou livres e federadas tinham, de facto, uma maior margem de movimentação para reclamarem, por exemplo, mais benesses, mais direitos porque, e tal como diz o autor do documento 1, (…) eram exteriores às províncias (…). A importância de ser município era, no entanto, muito importante para a cimentação do processo de romanizar as áreas conquistadas dado que, uma povoação que adquirisse o estatuto de município veria reconhecido o direito de se administrar segundo regras semelhantes às da capital – Roma. Que processo melhor para que os seus habitantes fossem reconhecidos como cidadãos romanos e se sentissem como tal?

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2. O exército romano foi, por excelência, num sentido um tanto ou quanto metafórico, a massa física que materializou os ideais expansionistas de Roma. É o exército romano, com a sua força avassaladora, disciplina ímpar, rigor no seu modus operandi, treino intensivo (como podemos observar na reconstituição representada no documento 2) e, pormenor aparentemente pouco significativo, com um manancial de armas, táticas militares e um equipamento para combate (também no documento 2) que os tornava, efetivamente, os melhores do mundo conhecido à época. Por isso, o seu papel na construção do Império foi praticamente providencial. Em boa verdade, os legionários romanos são, como mais uma vez é percetível no documento 2, uma máquina de guerra super bem treinada, super disciplinada e super organizada que, após o combate, e em particular nas províncias de mais difícil sujeição aí se instalavam, com fortíssimos contingentes militares. São eles quem iria zelar para que não houvesse focos de instabilidade que pudessem conduzir a situações de insubordinação nos povos conquistados por Roma. É desta forma que se compreende que tenham sido os soldados/legionários os principais agentes de romanização e da manutenção, durante séculos daquilo a que denominamos por Pax Romana. Era, portanto, perfeitamente normal que, após o vigor bélico das suas primeiras investidas em terras que desejavam suas, se tenham instalado, com as suas legiões, durante períodos de vários anos e até, por vezes, para o resto das suas vidas, em acampamentos que tinham praticamente todas as condições de uma cidade. Foi assim, que, a bem ou a mal, as regiões conquistadas, mesmo as mais rebeldes, foram pacificadas. Com a análise do documento 3, apercebemo-nos da força do exército romano e de como era quase impossível este ver-se enfraquecido, mesmo que, esporadicamente, pudesse sofrer, como era perfeitamente possível, perdas. Na verdade, ao integrar os povos conquistados no Império, ao estender a sua administração, o seu modo de vida, ao conceder o grau de cidadão aos povos conquistados, os Romanos sabiam bem o que estavam a fazer. Não se tratava apenas de os pacificar, de os fazer sentir como parte integrante do mundo romano mas, e muito importante, de perpetuar a incorporação de mancebos no seu exército (ou seja, era-se um cidadão romano, era-se igualmente um militar em tempo de guerra!). O documento 3 permite-nos concluir que, à medida que o número de cidadãos vai aumentando, assim vão aumentando os homens considerados aptos para o combate (entre 15 e 45 anos) e, logo, o número de militares em milhares (sendo o maior número atingido em 47 d.C.) embora o maior número de adultos tenha sido em 6 d.C. A extensão da cidadania romana a todos os habitantes do Império só contribuiu para isto: ter também um maior número de militares incorporados! Por isso, um exército sempre renovado, sempre ativo, sempre pronto para cumprir o seu dever. 3. Após a truculência da expansão de Roma e sua metamorfose num território que se alargou muito para lá da Península Itálica, o maior e mais durável império de toda a história da humanidade estava formado. Se, inicialmente, os motivos para esta expansão de Roma foram meramente defensivos, como forma de proteção dos vizinhos dos romanos no território do Lácio, após isso, o desejo de conquistar mais território não mais os largou e a sede de ganância, glória, poder e o desejo que se foi fermentando de tornar todo o mundo conhecido numa Grande Roma estiveram por detrás da formação do império. A expansão foi lenta (cerca de 700 anos) mas contínua. Assim, ao fim deste período de tempo, o Mediterrâneo ficou cercado pelos romanos que, durante séculos, deram-se ao luxo de apelidar de Mare Nostrum (O nosso mar) o mar Mediterrâneo. Na verdade, três continentes - Europa, Ásia e África - foram dominados pelo fortíssimo exército romano que, organizado, disciplinado, muitíssimo bem treinado para qualquer situação de combate (documento 2) foi um dos grandes responsáveis (talvez o maior) pela pacificação das áreas conquistadas e respetiva integração no império. O autor do documento 1 bem realça como, mesmo as regiões, digamos, mais insubordinadas, acabaram por se vergar perante a pesada mão do exército romano (…) César (…) reduzirá a Gália a província (…). Para a prossecução e manutenção deste vastíssimo e duradouro império, o exército romano, para além do que já foi dito, mantinha-se constantemente renovado e, digamos, refrescado de sangue novo, ou não fossem as benesses concedidas pelo imperador às áreas conquistadas, sinónimo de algo mais. Na verdade, a progressiva extensão da cidadania aos novos territórios que iam sendo integrados no seio da mãe Roma, tinha também um outro fito que não se resumia ao facto de querer pacificar os povos conquistados e dominados. Na verdade, e como podemos observar no documento 3, ter um maior número de cidadãos significava ter, igualmente, um maior número de legionários integrados nas legiões e, logo, um reforço continuado do poder dos militares. Não devemos, por isso mesmo, questionar como foi possível a consolidação de um espaço imperial tão

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vasto. Sede de vitória, glória, riquezas, ganância, mais o especializadíssimo exército romano, eis a combinação perfeita. Ora, à medida que se conquistava, também se romanizava, ou seja, procedia-se a um inteligente processo de integração (visto como o melhor e mais eficaz meio de pacificar os recém-conquistados) que, tal como a expressão – romanização – nos indica, tinha como objetivo romanizar o que não era romano! E note-se que não foi apenas um processo que envolveu os hábitos e costumes das pessoas mas, igualmente, as próprias paisagens, num procedimento alargado, quase global, que vai fazer parte de todo este processo. No fim de contas tratava-se de uma completa assimilação da cultura romana que, desta forma, transformou o espaço imperial num todo homogeneizado com a mesma língua (latim), os mesmos hábitos e costumes, a mesma religião/religiões, a mesma administração (como no caso que nos apresentado no documento 1), as mesmas leis (como a lei de cidadania, já mencionada anteriormente), e até as mesmas infraestruturas que iriam servir uma população que ansiava por viver à maneira romana e isto implicava viver em cidades, quer fossem, como é referido no documento 1, livres, federadas ou estipendiárias. A Península Ibérica, conquistada entre os séculos I a.C. e I d.C., ficou conhecido como o território, na opinião de muitos historiadores, mais romano dos territórios conquistados depois da própria Itália. Na verdade, a Península Ibérica, após a dura resistência ao avanço romano, tornou-se num espaço que, dentro do Império, foi exemplar em termos culturais e civilizacionais, sendo modelo para a grande maioria das outras áreas debaixo do controlo romano. A administração da Hispânia (descrita no documento 1, quando se citam os dados de Plínio, o Velho) vai, assim, marcar a consolidação de todo este processo. O estatuto de município era tremendamente importante para a cimentação do processo de romanizar a Península já que, uma povoação que adquirisse o estatuto de municipia veria reconhecido o direito de se administrar segundo regras semelhantes às da capital – Roma. Desta forma, os seus habitantes eram automaticamente reconhecidos como cidadãos romanos (aspiração maior de todos os habitantes romanizados) Por isso, os centros urbanos que aí vão ser constituídos (…) Para as Espanhas, Plínio, o Velho, transmitiu-nos números precisos, provenientes de estatísticas oficiais do começo do Império. Na Bética, em 129 comunidades peregrinas, 3 eram federadas, 6 livres; na Tarraconensis, não havia mais do que uma cidade federada, nenhuma livre; as 36 povoações peregrinas da Lusitânia eram todas estipendiárias (…) serão verdadeiras imitações de Roma que, em quase nada (talvez não em extensão. Roma era um gigante que havia atingido o milhão de habitantes à entrada do séc. I d.C.) ficavam atrás da monumentalidade e esplendor da metrópole (note-se o documento 2 onde o Teatro de Mérida, em Espanha, bem comprova o que acabamos de dizer). A introdução do modo de vida romano foi lento e foi direcionando-se de este para oeste, desde as costas do mar Mediterrâneo até às costas do Atlântico. O território peninsular foi visto, depois de dominado, uma terra de oportunidades para antigos soldados, por exemplo, e outros romanos da própria Península Itálica que olhavam para a Hispânia como uma espécie de terra prometida. Por isso, o processo de miscigenação com as populações locais foi algo que aconteceu com bastante frequência e daí resultaram, por exemplo, muitos casamentos entre soldados e mulheres das populações nativas que cimentaram profundamente os laços entre os Iberos de origem e a cidade mãe, Roma. Todo este processo acabou por atrair para o território peninsular muitos comerciantes que tiraram proveito da presença de muitos legionários na região e do seu estabelecimento, para começarem/refazerem as suas vidas. Desta forma, a difusão do modo de vida romano acentuou-se ainda mais, dando azo a uma espécie de território irmão de Roma. Por outro lado, a constituição de clientelas locais, foi uma forma bem sucedida de familiarizar as populações locais com o modo vida dos romanos. Resta uma referência à política de urbanização, que transformou por completo a península (numa perspetiva meramente paisagística) num território todo ele renovado à imagem de Roma. Os testemunhos daquilo que foram as faces mais visíveis da presença dos municípios em território peninsular ainda hoje podem ser encontrados em todo o território peninsular, não só as famosas vias calcetadas, os fóruns, os edifícios para lazer e divertimento mas, também, as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento de muitas atividades económicas que foram intensamente desenvolvidas em território ibérico como a imagem que temos presente no documento 4 - tanques para salga de peixe -, entre muitas outras construções de grande utilidade para o cidadão comum (sim, porque o pragmatismo romano também chegou à península…). Portanto, e em jeito de conclusão, na Península Ibérica, o processo de aculturação/romanização foi quase perfeito e, de tal modo, que a romanização irá persistir muito parar além da queda do Império Romano.

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GRUPO III 1. O culto ao imperador é bem visível nesta que foi uma das inúmeras moedas que circularam por todo o Império Romano e uma das faces mais visíveis do dinamismo que caracterizou a economia do império, uma economia de feições verdadeiramente monetárias. É mesmo neste pequeno objeto que se propagava, então, o culto ao imperador, glorificando todas as suas virtudes, os seus poderes, enfim, tudo aquilo que fazia da sua figura alguém que tivesse a legitimidade total para ser aceite como o senhor absoluto e único de todo o império. Senão, vejamos: o seu caráter divino (…) eleito dos deuses (…); (…) Sumo pontífice (…); a sua capacidade de liderança inquestionável (…) vencedor dos Germanos (…); (…) vencedor dos Dácios (…); (…..) general vitorioso (…); (…) cônsul pela quinta vez (…) – e repara-se no ênfase colocado em (…) quinta vez(…) ; (…) pai da pátria (…); o homem que legisla e auxilia o direito romano (…) poder de propor leis (…). É a verdadeira elegia ao chefe, à sua essência e ao Estado por ele representado. Por último, resta acrescentar uma verdadeira tentativa de divinização do imperador (…) Trajano, filho de Nerva (…)”. Concluindo, nesta moeda podemos observar a promoção nítida a algumas das chamadas virtudes imperiais, ou seja, de alguns dos benefícios que o imperador havia dado ao mundo e aos habitantes do império; neste caso em particular, a glória e a justiça. 2. Os poderes do imperador eram ilimitados. Esta poderia ser a expressão ideal para caracterizar a amplitude dos poderes imperiais. A moeda em honra de Trajano, enquanto objeto de culto, não se limita a promover e deificar a sua imagem, fazendo jus ao seu imenso poder dentro do império. Ela é, igualmente, uma forma de perpetuar, em todo o império, a ideia de que o chefe é intocável porque não há poder que o mesmo não detenha, ou seja, o seu poder chega a todo o lado e toca a todos. Depois de consolidado o poder imperial com Otávio César Augusto, o poder dos imperadores tornou-se inquestionável e foi esmagando as velhas instituições republicanas. Não querendo, todavia, mostrar ao povo romano (que odiava a monarquia) que desprezavam a tradição republicana, os imperadores mantiveram, meramente como objeto decorativo, as suas instituições políticas, como o Senado, por exemplo. Não obstante, e repare-se na moeda, Trajano não tinha problemas em se auto intitular como “César” (Rei). Contradição, portanto. Por outro lado, o Senado passou a estar, progressivamente, nas mãos do imperador já que este podia modificar a composição do mesmo, excluindo desse órgão os elementos que não fossem do seu agrado. Quando a moeda refere (…) poder de propor leis (…) está inequivocamente a referir-se ao poder de princeps senatus que os imperadores passaram a ter, ou seja, a figura mais importante dentro do velho órgão republicano. Tal facto vai-lhes conferindo autoridade acima de qualquer pessoa. Assim, o Senado, órgão legislativo e executivo por excelência, vai-se tornar num órgão que apenas aprova as decisões do “Pai da pátria”. O imperador era, de igual forma, o sacerdote dos sacerdotes, por isso o “Eleito dos deuses” e o “Sumo Pontífice”; logo, uma pessoa intocável, um verdadeiro deus, já que (…) filho de Nerva(…). Resta apontar o facto de o imperador ser o chefe supremo do exército: (…) Vencedor dos Germanos (…); (…) Vencedor dos Dácios (…) e (…) General vitorioso (…). Exercícios Propostos (págs. 108 e 109) 1.1. Tertuliano manifesta-se indignado e até ofendido com o tratamento que era dado aos cristãos pelos seus congéneres Romanos. Na verdade, sendo tão cidadãos como o cidadão de Roma, os seguidores do Cristianismo eram os bodes expiatórios de todos os males que aconteciam no seio do Império. Na exposição que nos é feita por Tertuliano, percebe-se que os cristãos são olhados com desprezo e desconfiança e vistos como pessoas que não interessavam, nem tampouco contribuíam, na ótica dos Romanos, para a economia do Império: (…) gentes inúteis para os negócios (…); (…) como podemos parecer-vos inúteis para os vossos negócios, já que nós vivemos com vocês e de vocês (…). Para elucidar os Romanos, Tertuliano tenta, da forma mais simples, fazê-los perceber que eles são tão Romanos como todos os outros: (…) Como poderíamos nós sê-lo, nós que vivemos com vocês, que temos a mesma alimentação, o mesmo vestuário, o mesmo género de vida que vocês, que estamos debaixo das mesmas necessidades da existência? (…); (…) Com vocês, nós navegamos, com vocês nós servimos como soldados, nós trabalhamos a terra, fazemos o comércio: do mesmo modo, nós trocamos com vocês os

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produtos do nosso artesanato e do nosso trabalho (…). Na verdade, parece que nada do que os cristãos faziam os poderia colocar em pé de igualdade com qualquer outro habitante do Império, porque a estigmatização que era feita aos mesmos, impedia qualquer vislumbre de tolerância para com eles. Assim, tanto fazia, como diz Tertuliano, (…) frequentar o vosso fórum, o vosso mercado, as vossas lojas, as vossas hospedarias, as vossas feiras e outros sítios de comércio (…) ou, mais do que isso, prestar, de facto, serviços públicos ao, e em nome do, Império, como ser soldado nas legiões, que nada abria os olhos às autoridades romanas! Por isso, Tertuliano não compreendia, de todo, o que tinham contra os cristãos: (…) Sinceramente, eu não o compreendo (…). 1.1.1. Entre muitos dos motivos que levavam os Romanos a desprezarem os cristãos e a vê-los como uma seita perigosa e nociva para a sociedade romana destacava-se, sem dúvida, o facto de os cristãos não serem, nem aceitarem, o politeísmo dos Romanos. Mais grave ainda, aos olhos das autoridades romanas, era o não reconhecimento do imperador como uma entidade divina e, logo, ao qual não se sentiam obrigados a prestar qualquer culto. Ou seja, não se tratava apenas de não reconhecerem os tradicionais deuses romanos mas, ao mesmo tempo, não olharem para o imperador como senhor omnipotente e que estava acima de todas as coisas e de todos os seres. Como é que, perguntavam-se os Romanos, um mendigo, pobre, esfarrapado e inofensivo, como o havia sido Jesus Cristo, poderia ser considerado como o filho de Deus na Terra e adorado e venerado como o mais perfeito dos homens, estando acima do próprio imperador? Na verdade, ninguém compreendia este apego dos cristãos a Jesus e o seu culto monoteísta. Tertuliano “mete mais uma acha na fogueira” ao afirmar exatamente aquilo que incomodava os Romanos: (…) Nós lembramo-nos que devemos a nossa existência a Deus, como ao Senhor e ao Criador de todas as coisas: não há um único fruto das suas obras que nos rejeitemos. Unicamente, guardamo-nos de, em nome Dele, praticar excessos ou abusar (…). Ou seja, um indigente, como era considerado Jesus Cristo na visão dos Romanos, era tratado, na voz de Tertuliano (e na de todos os Cristãos) como Deus, Senhor e Criador de todas as coisas, algo que era, à época, não apenas politicamente incorreto mas, pior ainda, considerado um crime, dada a evidente negação do poder imperial enquanto autoridade religiosa. Quando Tertuliano, de seguida, acrescenta que os ristãos não cometem excessos ou abusos em nome de Deus, referir-se-ia, muito provavelmente, ao facto de não concordarem, de modo algum, com os rituais, oferendas, sacrifícios, jogos e festas que, durante o ano inteiro, Roma dedicava ao imperador. Como eram apologistas da paz, adeptos da não violência, naturalmente que não aceitavam, nem viam com bons olhos a guerra como meio para submeter nenhum povo, região, algo que contrariava tudo aquilo que, para os Romanos era lógico, normal e, sobretudo, inquestionável. 2.1. São muitos os motivos que levaram à derrocada do Império Romano. De entre eles, podemos apontar aquele que está ligado à anarquia reinante dentro do exército imperial. Na verdade, as tropas que tão bem conhecíamos como as mais disciplinadas, as mais rigorosas, de todo o mundo conhecido e as verdadeiras responsáveis pelo colosso romano, haviam-se tornado, muito particularmente a partir do séc. III d.C., nos coveiros do Império. Desobediência, desrespeito, traição, fraqueza e uma completa falta de sentido de dever caracterizavam, agora, o novo exército romano. Em nome do dinheiro, que era quem ordenava qualquer ação mais consentânea, a soldadesca assassinava imperadores e aclamava outros, fazia desaparecer generais e, de um momento para o outro, nomeava outros. A troco de dinheiro, os eficientíssimos legionários romanos haviam-se transformado em verdadeiros mercenários que, na verdade, se vendiam a qualquer preço. Ora, esta situação acarretou outra, inevitável, e que foi a profunda crise política em que o Império mergulhou, um verdadeiro abismo que haveria de colocar o Império no caminho do seu término. De facto, a partir do final do século II e século III adentro, não mais pararam os sucessivos assassinatos de imperadores que se sucediam a um ritmo alucinante, sobretudo na centúria de duzentos. O Senado, já até aí um órgão coarctado pelo poder imperial, viu-se completamente impotente para repor a ordem e pacificar as hostes. Era, portanto, uma mistura de fatores que funcionou com uma força explosiva: anarquia militar e instabilidade política. 2.1.1. O baixo-relevo persa coloca em evidência o seu rei, Chapur I, senhor muito provavelmente dos povos Sármatas, oriundos do atual Irão, numa altura em que o Império Romano passava por um dos seus períodos mais conturbados, caracterizados pela anarquia militar e por uma tremenda instabilidade política que deixou o Império tremendamente fragilizado. A juntar a este quadro por demais negro, os povos que, para lá dos limites do Império, sempre tinham sido compelidos a

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manterem-se no seu lugar, davam agora sinais de avanço, sobretudo pela inatividade do exército romano que, algo desgastado e desabituado do campo de batalha, após longas décadas de relativa paz, não contava com as investidas que começaram a assumir caráter de uma violência ainda não sentida no espaço imperial. A pax romana abria brechas no seu seio e, em muitos casos, tal como podemos ver representado na imagem, os imperadores foram obrigados a chegar a alianças com alguns dos povos bárbaros com o fito de conseguirem aliados ou, por outro lado, evitar a todo o custo, mais invasões devastadoras em território romano. Na verdade, e pela posição do imperador Valeriano, ajoelhado, braços abertos, nota-se a fragilidade em que Roma se encontrava. Valeriano reconhece a superioridade de um rei bárbaro que é representado com todo o seu esplendor e numa nítida postura de força face, provavelmente, à humildade do imperador. 2.2. A imagem representada no documento 3, uma escultura, mostra-nos as figuras que estiveram ligadas ao sistema político que ficou conhecido como tetrarquia imperial. Dois augustos (Diocleciano e Maximiano) e dois Césares (Galério e Constâncio Cloro), abraçam fraternalmente os segundos, como sinal da sua proteção e afeto. O perigo bárbaro começa a afetar o Império durante as últimas décadas do século III. Na verdade, a pax romana, de que tanto se vangloriaram a épica e a historiografia romanas, começou a ceder face à pressão de povos que viviam para lá dos limes romanos e que, há muito, cobiçavam as riquezas do mundo romanizado. Conjuntamente com um exército enfraquecido por lutas internas e por uma grave crise política, o Império enfrentou tempos muitíssimo conturbados que, no entanto, se atenuaram com o imperador Diocleciano, a partir de 284. Parecia que os bárbaros tinham sido definitivamente afastados dos limites do Império e não trariam mais problemas. No entanto, o problema, e do qual Diocleciano tinha plena consciência, era o gigantismo de que o Império padecia. Em boa verdade, o tamanho de um território tão extenso poderia constituir uma ameaça (as ameaças dos bárbaros e as suas investidas junto aos limes, haviam-no provado) para a sua sobrevivência a longo prazo. É por isso que, numa decisão inédita, Diocleciano decide desdobrar a autoridade imperial, ou seja, associa-se, antes de mais, com Maximiano que, automaticamente, passou a ter o título de Augusto, tal como o primeiro. Num curto espaço de tempo, cada um dos Augustos, acabou por adotar um sucessor, que receberia o título de César (Galério e Constâncio Cloro). Os quatro haveriam de partilhar entre si a administração e a defesa do Império. Sinal dos tempos ou não, a tetrarquia foi a prova evidente de que o Império não era indestrutível e, mais, estava fragilizado e enfraquecido. Se um imperador, sozinho, não conseguia dar provas daquilo que, durante séculos, vários imperadores haviam dado, ou seja, de segurança, força e um espírito de liderança ímpares, a unidade imperial estava seriamente em questão. O perigo já não espreitava só de fora mas, também, dentro do próprio Império que sofria, agora, de uma profunda crise de consciência. 2.3. O título do documento 4 diz tudo (ou quase tudo). Afinal, os temíveis ameaçadores da unidade do Império, os denominados Bárbaros, estavam inseridos no próprio exército romano! (…) Nós temos sido protegidos por exércitos compostos de bárbaros loiros (…). Para maior admiração, o autor do documento salienta que, digamos, os bárbaros - legionários (…) são exatamente da mesma raça dos nossos escravos (…). A descrição de Sinésio de Cirene corresponde aos povos Germanos, aqueles que, a norte do Império, na zona compreendida entre o mar Báltico e englobando as áreas dos rios Reno, Vístula e Danúbio, são os pioneiros das primeiras investidas bárbaras contra o espaço imperial. Ora, estas investidas eram, amiúde, feitas de forma mais ou menos violenta, dado que os Germanos não eram propriamente um povo com uma unidade coesa de nenhum tipo, nem política, nem étnica e, por isso mesmo, os seus ataques eram desorganizados e, não raras vezes, imprudentes. Só no século III, os seus ataques assumiram uma feição marcadamente dura. Até aí, as coisas resumiram-se a pequenos ataques fortuitos, aqui e ali, sem consequências graves, mas o suficiente para pôr em causa a unidade política do Império. No entanto, são estes Germanos que, na opinião de Tácito, tinham um elevado sentido de cumprimento do dever e de honra e que, de forma quase sistemática, se vão assim instalando e, a pouco e pouco, integrando a enorme massa de cidadãos romanos e, logo, e nessa condição, integrando também o exército romano que, como já sabemos, tinha uma necessidade constante de novos recursos humanos. Para mais, e à data deste docuemnto, as legiões romanas haviam entrado, há muito, numa crise profunda, em que a indisciplina, o desleixo e a apatia face às suas tradicionais funções, haviam substituído a tropa de elite que, durante séculos, tinha sido a expressão mais adequada para caracterizar a instituição militar do Império. Posto isto, não é de estranhar a inclusão de elementos oriundos dos povos bárbaros dentro das fileiras do exército

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romano (sendo, inclusive, recompensados, como podemos ler no documento, pelos serviços prestados, acrescendo a isto o facto de essas recompensas corresponderem aquilo que estes povos mais desejavam – terras, direitos políticos, entre outros.) já que, e se formos a pensar, tal até constituía uma mais-valia para os Romanos que poderiam contar com novos aliados na sua luta contra novas investidas de outros povos estranhos ao Império. Finalmente, o autor reconhece, com relativa facilidade que (…) Nós temos sido protegidos por exércitos compostos de bárbaros loiros (…), ou seja, o reforço e contributo destes homens era essencial para a manutenção do que ainda restava da pax romana. 2.3.1. Sinésio de Cirene, ainda que de forma contida, faz um elogio à atitude de Teodósio para com os bárbaros: (…) O nosso imperador Teodósio tratou-os com doçura e indulgência. Acabou por lhes atribuir o título de aliados. Também lhes distribuiu terras. (…) concessão de direitos políticos (…). No entanto, acaba por concluir que (…) Estes bárbaros não veem mais do que fraqueza da nossa parte com estas atitudes e isso só lhes dá uma insolência sem precedentes.(…). Resumindo, o autor, por assim dizer, acaba por desmistificar todas as boas intenções de Teodósio, dando-lhes uma importância relativa. Afinal de contas, integrar mercenários bárbaros no exército romano poderia, na opinião de Sinésio de Cirene, vir a redundar num erro crasso porque, (…) Estes bárbaros não veem mais do que fraqueza da nossa parte (…) e isso só lhes dá uma insolência sem precedentes (…). O que o autor, no fundo, temia, era que os Bárbaros se virassem contra quem os havia acolhido e fizessem minar a unidade do Império a partir do interior. Não teria tido este homem a sua quota-parte de razão? 3.1. A velhíssima e durante séculos resistente unidade imperial tem o seu fim após a razia da primeira vaga de invasões bárbaras. A divisão do Império feita com Diocleciano também não ajudou para que o velho mundo romano, um gigante em decadência, se mantivesse, de todo, unido. De facto, se observarmos o mapa observamos que o resquício do Império que vai ficar de pé é o Império Romano do Oriente, com a nova capital em Constantinopla, e que se sustentará de pé quase mais 1000 anos. Pelo contrário, a parte ocidental do Império é completamente retalhada em vários reinos bárbaros que constituem uma frágil multiplicidade de Estados, na sua maioria, com fronteiras mal definidas, com lutas internas pelo poder e que, por isso mesmo, têm duração efémera. Na Península Ibérica vemos dois novos reinos, o dos Suevos e o dos Visigodos (um dos mais fortes e consistentes da época). Na Península Itálica, por seu turno, centro nevrálgico do antigo Império, instalam-se os Ostrogodos (que também se alargam para a parte do atual território suíço e austríaco). Já na antiga província da Gália (atual França), podemos verificar uma pequena parte do reino dos Burgúndios (que também incluiria parte da atual Suíça) mas também aquele que, a par com o reino Visigótico, será dos que desempenhará um papel mais importante no quadro da nova Europa medieval, o reino dos Francos. Incluindo uma parte substancial da atual Alemanha, podemos observar os reinos Turíngio, Alamano e Saxão. Já nas Ilhas Britânicas, observamos que Saxões e Celtas partilham o mesmo território. Para lá destes reinos, situavam-se ainda outros povos que poderemos considerar como párias, dado que não estão integrados em nenhum reino, como é o caso dos Eslavos, dos Lombardos e dos Gépidas. Era o começo da Idade Média, com uma Europa retalhada e irreconhecível, face aos mais de 500 anos duma Europa forte, unida, coesa e tida como indestrutível da qual não restava, agora, nada mais do que uma memória. Exercícios Propostos (págs. 137 a 139) 1.1. A imagem mostra o papa Adriano I na cerimónia de coroação do filho do imperador Carlos Magno, Luís I, o Piedoso, rei da Aquitânia, no ano de 781, em Roma (sede do poder espiritual). Esta cena mostra bem como o poder espiritual, representado pelo papa Adriano estava intimamente ligado como o poder temporal, simbolizado por Luís, o Piedoso. Na verdade, há muito que, no Império Franco, a união entre poder político e religioso se preparava. Tal viria a contribuir, decisivamente para a união numa mesma fé e numa mesma crença na Europa ocidental. O acontecimento da imagem era apenas o caminho, mais que evidente, para aquilo que se iria passar em 800. Durante o século VIII, o reino Franco foi o mais prestigioso reino cristão do Ocidente, contribuindo, ao mesmo tempo, para a afirmação da Igreja. Carlos Martel, Pepino o Breve, e, sobretudo Carlos Magno, trouxeram a pujança ainda maior do colosso franco e

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afirmação da instituição Igreja. Grande militar e estratega, sonhando recuperar a unidade perdida desde a queda do Império Romano do Ocidente, intentou um sem-número de expedições militares que lhe permitiram transformar o seu pequeno Império Franco (que se cingia apenas a território francês) num verdadeiro império de grandes dimensões (França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Áustria e uma parte substancial da Itália, ou seja, basicamente, toda a Europa ocidental). Uma parte do êxito deste homem ficou a dever-se ao auxílio da Igreja que enviava, nas suas campanhas militares, missionários, cuja missão era a de converter e de batizar todos os povos que eram conquistados. Essa tarefa, por seu turno, deixava que os soldados francos submetessem as tropas inimigas ao seu poder. Por isso, a Igreja tomou este homem como seu filho dileto e, antes de o coroar como Imperador do Ocidente, no Natal de 800, coroou, como vemos na imagem, o seu filho, Luís I. A coroação, no entanto, de Carlos Magno, foi de suma importância para a época. Em termos políticos, marcava uma posição da Cristandade ocidental face à Igreja de Constantinopla, tornando Carlos Magno como o legítimo herdeiro dos imperadores romanos e dando a ideia de restauração do Império Romano do Ocidente. Por outro lado, unificava, depois um longo caminho percorrido (mas que podemos antever pela imagem), o ocidente europeu sob o mesmo poder político e temporal (o de Carlos Magno) e o mesmo poder religioso e espiritual (o do papa e da Igreja de Roma). 1.1.1. O sonho de reconstituição de um império universal e cristão pareceu, como vimos, tomar forma, no Natal de 800. Ora, a coroação de Carlos Magno colocava, ainda que não de forma visível, o problema da relação entre poder espiritual e temporal a médio e longo prazos. De facto, após a sua morte, o Império não demorou muito a dividir-se. Todavia, depois um período conturbado, o sonho imperial voltou a nascer, desta feita em meados do século X, na pessoa de Otão I, rei da Alemanha (Germânia) que era, à época, o mais poderoso monarca do ocidente. À semelhança de Carlos Magno, Otão aliou-se ao papa do qual recebeu, de igual forma, a coroa imperial (962) mostrando que, muito para lá das convulsões políticas, a união entre poder espiritual e temporal parecia não quebrar-se. Assim, como resultado da aliança entre imperador e papado, nasceu aquilo que foi apelidado de Sacro Império Romano-Germânico e que englobava territórios germânicos e italianos (ficava compreendido entre a Itália do norte, o reino de França, da Dinamarca, da Polónia e da Hungria; uma parte do leste da França, bem como da atual Suíça; Áustria e Polónia estavam integradas neste Império). Otão II haveria de seguir a política do seu pai e consolidar um poder político forte e centralizado. 1.2. O Império Romano do Oriente teve uma vida longa, só sucumbindo em 1453. Este Império que, regra geral, denominamos por Império Bizantino (por causa de Bizâncio), assumiu-se, desde cedo, como um espaço civilizado onde a perpetuação dos hábitos e costumes romanos permaneceu e até se desenvolveu. Possuidor de uma cultura muito requintada, bastante à frente da Europa bárbara, Constantino pôde, aí, erguer a nova Roma, Constantinopla, que se tornou ainda mais opulenta e rica que a antiga capital do Império. O Patriarca de Constantinopla passou a ser o rival mais direto do papa de Roma e as divergências nunca foram disfarçadas. Discordavam num sem-número de pormenores doutrinais (como os relativos ao dogma da Santíssima Trindade e à forma de comunhão). No entanto, o maior problema era a recusa do Patriarca em aceitar a supremacia de Roma. Por isso, em, 1054, esse litígio tornou-se uma rutura efetiva: os legados do papa e o Patriarca de Constantinopla excomungaram-se mutuamente. Estava iniciado o cisma da cristandade que vinha colocar sérias reservas numa continuidade efetiva da união entre os cristãos da Europa. As diferenças, no entanto, eram evidentes: a Oriente, apoiada no Império Bizantino, existia uma Igreja de língua grega, que afirmava ser fiel aos dogmas primitivos do Cristianismo e, por isso, intitulava-se ortodoxa (que significa, em grego, aquela que segue a doutrina certa); a Ocidente, e apoiada no Sacro Império Romano-Germânico, existia uma Igreja latina debaixo da autoridade de Roma. Esta cisão religiosa que vai fraturar a Europa é exemplo e motivo do agravamento do abismo político e cultural entre as duas partes da Cristandade que, a partir daí, se vão afrontar declaradamente, como o mapa mostra. De facto, em 1204, na 4.ª cruzada, e podemos vê-lo no mapa, os cavaleiros da Europa ocidental, a caminho de Jerusalém, aproveitam, fazendo um desvio, para tomar de assalto e saquear Constantinopla, e tal não era apenas devido ao seu fervor religioso mas, sobretudo, devido às imensas riquezas que a cidade possuía. Esse episódio mostra bem como a cidade representava, aos olhos dos europeus ocidentais, um verdadeiro inimigo, cuja hostilidade era necessária aniquilar. Por aqui também nos apercebemos de como o fanatismo religioso cegou a Cristandade, impedindo-a de ver que, ambos

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os lados, afinal de contas, partilhavam a mesma fé. Quem ficaria a ganhar, e agradeceria ao Ocidente, era o Islão… 2.1. Do século XI a XII, a Europa vai conhecer uma acentuada prosperidade económica. Esta acontecerá, antes de mais, no meio rural. No ano 1000, a Europa, pode dizer-se, não era um lugar aconselhável a deslocações. Na verdade, estava coberta por densas florestas bravias e animais selvagens, em detrimento de terra cultivada. Nos três séculos seguintes, os homens, beneficiando do clima de paz e de bons anos climáticos, desbravaram bosques, secaram pântanos, amanharam baldios, tudo transformando em áreas propícias à atividade agrícola. Os grandes arroteamentos de terras foram o resultado, não só da ação individual desses homens, mas também da ação conjunta de reis, senhores e ordens religiosas. A expansão da área agrícola fez reanimar povoações que, desde as invasões bárbaras estavam adormecidas, para não dizer abandonadas. Este fenómeno tem o seu auge no século XIII. A juntar a esta descrição, temos de juntar consideráveis avanços técnicos como, por exemplo, o emprego cada vez mais comum de utensílios agrícolas como a charrua, a introdução da coelheira rígida, no gado cavalar, e da canga frontal no gado bovino. Para além disto, o afolhamento trienal veio permitir um melhor aproveitamento da terra, bem como a fertilização das terras com a chamada marga e cinzas e também a maior utilização do estrume animal, que melhoraram os solos. O documento mostra algumas destas alterações como as secagens de rios, a construção de viveiros e, consequentemente, como forma de atrair camponeses, a edificação de habitações e granjas, bem como alguns benefícios fiscais: (…) não obrigando os camponeses ao imposto mínimo que eles aqui pagavam (…), estímulo para uma verdadeira expansão agrária. 2.2. O gráfico mostra-nos como, a partir do século X, a população europeia começou a aumentar, contrariando a tendência de queda que se verificava desde o século III. Do ano 1000 a 1300, a subida verificada foi exponencial, coincidindo com o desenvolvimento agrícola que se dá nesses séculos. O pico verifica-se, de facto, em 1300. A abundância de alimentos correspondeu, na Europa, a uma abundância de homens. As fomes registaram um recuo e, por consequência, uma diminuição das epidemias. Uma população muito mais bem nutrida e com uma maior diversidade de alimentos estava muito mais resistente às doenças. Por isso, a população quase triplicou, sobretudo na zona ocidental da Europa e, na expressão de alguns historiadores, este continente tornou-se num “mundo cheio”. A França era o país mais densamente povoado do mundo conhecido, com cerca de 22 milhões de habitantes (cerca de ¼ da população europeia). 2.3. O gráfico, bem como o mapa, referem-se ao processo de urbanização da Europa no período em questão. Podemos observar que, de 1150 em diante, o número de cidades nunca mais parou de aumentar, atingindo o seu pico, e coincidindo com o pico demográfico, cerca de 1300. No mapa, podemos observar que as cidades proliferavam, no século XII, sobretudo na Europa ocidental, com destaque para Paris, Milão, Génova, Florença, Veneza, Constantinopla, Granada, Londres, Siena, Bruges e Gand. O norte de Itália destaca-se bem pela sua intensa urbanização. Foi em torno dos velhos castelos senhoriais, junto a portos ou vias de circulação, que as cidades aumentaram em número e tamanho. Este foi o ponto de partida para a sua transformação. Até essa altura, as cidades haviam sido, basicamente, entendidas como centros políticos, militares e/ou religiosos, encontrando na figura do nobre ou no bispo as suas figuras cimeiras e, logo, classes dirigentes. A partir do século XII, as cidades vão assumir uma feição económica. Lá se vão estabelecer mercadores, banqueiros, artesãos, lojistas, gente que vai animar e enriquecer a cidade. Esses serão os habitantes mais característicos do burgo e, por isso, passam a ser chamados de burgueses, fundamentando a existência de um novo grupo social oriundo, como é fácil entender, do povo. Os nobres que à cidade eram atraídos buscavam produtos de luxo, enquanto os peregrinos que aí arribavam procuravam uma esmola, uma refeição, hospitalidade de uma noite. Assim, a cidade assumiu-se como um pólo de atração em constante crescimento. De notar que, à época, o conceito de cidade, abrangia aglomerados relativamente pequenos comparados com a gigantesca Constantinopla (com um milhão de habitantes). Para termos uma ideia, a maior cidade do Ocidente, seria Paris com cerca de 90 mil habitantes. Aliás, no mapa, uma metrópole era considerada aquela aglomeração que ultrapassava os 80 mil habitantes e, uma cidade considerada grande, comportava entre 40 mil a 80 mil habitantes.

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2.4. a) No mapa, podemos distinguir dois grandes conjuntos de rotas internacionais e que eram, como é possível observar, marítimas: a rota do Mediterrâneo fazia, sobretudo, a ligação entre as cidades italianas do norte de Itália (Veneza e Génova) e Constantinopla, onde a Europa se ia abastecer dos produtos orientais e que tanto eram apreciados pelas elites europeias. Ainda no Mediterrâneo, as cidades já mencionadas ligavam-se ao norte de África, ao sul de França, alongando-se para lá do estreito de Gibraltar. No pólo oposto, a norte, tínhamos as chamadas rotas da Hansa, rotas marítimas da ligação entre os mares Báltico e do Norte e as cidades mercantis da Flandres e da costa atlântica francesa. 2.4. b) No mapa é possível distinguir quatro grandes pólos comerciais que constituem a espinha dorsal da economia europeia. Comecemos pelo norte da Europa. Aí distinguimos o primeiro pólo – as cidades da Hansa – que englobava um espaço geográfico considerável: de oeste para este, iniciava-se no Canal da Mancha, onde cidades como Bruges e Gand (pontos vitais de um destes pólos comerciais – a Flandres) eram as cidades principais e, a partir daí, estendia-se para leste, fazendo a ligação entre os Estados servidos pelo canal da Mancha, o mar do Norte e acabando no mar Báltico. Lubeque, Hamburgo (na atual Alemanha), Riga (capital da atual Letónia) e Dantzig (atual Polónia) constituíam, nessas áreas, as cidades polarizadoras de todo o comércio. O norte da Europa, basicamente, era servido, pela Hansa, incluindo toda a Península escandinava (Reinos da Noruega e Suécia). Os contactos entre a zona da Flandres e a Hansa eram, como podemos ver no mapa, extremamente intensos, e a proximidade de um terceiro grande polo ajudava a isso. Na verdade, as feiras de Champagne, nas proximidades de Paris (a sudeste), e seguindo o curso do Sena, eram um ponto de paragem terrestre para todos os mercadores que cruzavam o espaço interno europeu. A sul, as cidades do norte de Itália (Milão, Génova, Florença e Veneza) marcavam o contraponto à grande movimentação comercial do norte do continente e mantinham contactos privilegiados com o Oriente, sendo o ponto de entrada, na Europa, dos produtos exóticos das longínquas terras da Ásia. 2.4.1. Numa altura em que os mercadores eram, antes de mais, verdadeiros viajantes, logo, itinerantes, percorrendo todo o tipo de caminhos, todos eles, à época, cheios de perigos que espreitavam em toda a parte (ladrões, saqueadores, animais perigosos, entre outros), deslocavam-se incessantemente, vendendo aqui, comprando ali. Em algumas regiões, abençoadas pela geografia, e também pelos privilégios concedidos pelos seus senhores (recorde, nos exercícios resolvidos, o caso de Lubeque), desenvolveram-se feiras periódicas que, rapidamente, exerceram uma atração internacional, chamando mercadores de toda a Europa. Para atrair os feirantes, comerciantes, mercadores, lojistas, era uma questão de saber oferecer-lhes aquilo que os poderia fazer voltar e permanecer, até, por períodos mais ou menos longos, nessas feiras. Desta forma, oferecer boas condições de alojamento ou armazenamento bem como isenção ou redução fiscal garantiam a segurança dos que afluíam a essas feiras, quer inseridos na própria, quer nas viagens de ida e volta. Era-lhes, assim, concedido um conduto (o salvo-conduto) que os punha a salvo de agressões e processos judiciais. Resta saber até que ponto estes salvo-condutos protegiam, de facto, os mercadores numa situação no meio de uma floresta ou no meio de um vale entre penhascos, ou qualquer tipo de situação semelhante. De qualquer modo, estas feiras e toda a atividade económica que à volta delas se desenvolve, confere uma notável prosperidade económica à Europa e, sobretudo, numa área mais ocidental, com destaque, precisamente, para as feiras de Champagne (Lagny, Bar Sur Aube, Provins e Troyes). A região de Champagne, situada em pleno eixo de ligação entre o sul flamengo e o norte italiano, era ponto de encontro dos mercadores de toda a Europa e dos produtos que, com eles, transportavam até às ditas feiras. Assim, esta região era um eterno mercado que, continuamente, ao longo de todo o ano, mantinha praticamente operacionais os seus mercados. 2.4.2. Como já nos apercebemos em situações anteriores, o comércio à distância era uma aventura muito arriscada e, frequentemente, perdiam-se homens (assassinados) e mercadorias (roubadas). Houve, então, a necessidade de desenvolver associações mercantis destinadas a assegurar a proteção dos comerciantes de uma cidade para outra ou de uma região para outra região. Por outro lado, estas associações defenderiam os interesses desses mercadores. É aqui que vamos encontrar as hansas e as guildas, que se vão tornar comuns no centro e norte da Europa. A Hansa Teutónica (repare-se no mapa, no canto superior direito) foi, precisamente, a mais importante e pretendeu unir as cidades do mar do Norte e do mar Báltico, como é possível

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verificar no documento 6, numa espécie de aliança comercial até para competir com a pujança das cidades do norte de Itália e da Flandres. A Hansa Teutónica era bastante poderosa sendo conhecida, apenas, pela Hansa. Reunia uma vasta associação de cidades (cerca de 90, de que se destacavam Lubeque, Dantzig, Riga, Colónia ou Hamburgo) e assegurava o monopólio do comércio do mar Báltico e, praticamente, do mar do Norte. Os comerciantes da Hansa carregavam, rumo ao sul, os cereais da Prússia e da Polónia, as peles, as gorduras, as madeiras e a cera da Rússia e da Noruega. De volta, enchiam os navios, os Kogge, com vinho e sal de França, lãs de Inglaterra, azeite do Mediterrâneo e tecidos da Flandres, como as magníficas tapeçarias de Ypres. O papel da Hansa e dos seus comerciantes foi vital no comércio entre a Flandres e a Inglaterra e um símbolo inequívoco da prosperidade e recuperação económica da Europa da Baixa Idade Média. 2.4.3. As cidades do norte da Itália estão muito próximas das feiras de Champagne e beneficiam dessa posição privilegiada. Mas a sua importância não advém, apenas, deste fator. Amalfi, Verona, Asti, Veneza, Pisa e Génova são, há muito, cidades com uma tradição comercial na Europa e ponto privilegiado de ligação com o Oriente (sobretudo Génova e Veneza). As suas ligações com o Império Bizantino e Alexandria eram antigas. Apesar da mesma língua e religião, estas cidades eram inimigas e rivais e concorriam entre si nas rotas comerciais que levavam até à Ásia Menor e ao Egito. Era, de facto, devido a este aspeto, que estas cidades tinham um papel importantíssimo na presença de produtos exóticos e orientais na Europa: especiarias, tecidos como a seda, pedras preciosas e pérolas, alúmen, entre outros, tinham sempre um vasto mercado à sua espera na Europa. Símbolos da sua prosperidade eram as suas moedas de ouro (as primeiras a serem cunhadas na Europa depois do fim do Império Romano do Ocidente) mas, igualmente, os seus mercadores ousados que demandavam, por terra, as longínquas terras do Oriente. Teste de Avaliação 3 (págs. 140 a 143) GRUPO I 1. Sim, na verdade Norman Cohn reconhece que houve diferentes motivações que inspiraram a organização da primeira cruzada. Aparentemente, um facto que teve por detrás apenas motivos de caráter religioso (…) expulsar os Turcos da Ásia menor (…) e que, basicamente, se conjugou em torno do mesmo, isto é, a tomada da Terra Santa aos infiéis, a primeira cruzada teve, no entanto, outros motivos para além do inicialmente religioso. Por um lado, se visava cimentar, de uma vez, a supremacia da Igreja de Roma sobre a de Bizâncio (…) esperando que (…) a Igreja Oriental reconhecesse a supremacia de Roma (…), objetivo supostamente religioso, tal era, no entanto, eminentemente político pois, e o autor fala em unidade da Cristandade, há um inequívoco intuito de expandir terras católicas para leste e garantir o reforço em lugares- chave do Próximo Oriente. Obviamente que, ao querer, numa clara intenção de entreajuda, (…) fornecer a Bizâncio (…) auxílio militar, a Igreja de Roma mostrava que, apesar das diferenças doutrinárias com Bizâncio, estavam unidas na crença. No entanto, e ao mesmo tempo, Roma poderia esmagar toda a autoridade espiritual que restava a Bizâncio, nomeadamente a sua ortodoxia que tanto incomodava o papado a Ocidente. Portanto, as motivações religiosas e políticas estão interligadas. Restam as motivações de ordem social e que se prendiam com aquilo que o autor refere relativamente à nobreza europeia que, numa Europa ainda insegura e em permanente sobressalto, continuava a (…) espalhar a devastação por toda a parte (…). Ora, num continente que era, basicamente, o saco de boxe desta nobreza viciada em dar uso às suas (…) energias marciais (…), o papa lembrou-se que, um tal apelo à guerra santa, faria com que os nobres virassem as suas energias para outro destino. Por outro lado, o papa sabia como lidar e convencer estes nobres. Na verdade, acenava-lhes com recompensas e, essas, não passavam apenas por (…) remissão de penas temporais (…) ou de (…) todos os pecados (…) mas, igualmente, de recompensas materiais. Ora, se havia algo que a nobreza queria era terras, e aí estava uma excelente oportunidade de aumentar património e, quiçá, fundar novas unidades territoriais independentes.

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2. As reações foram, sobretudo, de tipo emocional e tiveram os seus efeitos em todas os grupos sociais (desde o próprio clero, passando pela nobreza, até à populaça ignorante que pululava em toda a Europa). Entre o fanatismo, o misticismo, o ascetismo e puro delírio coletivo, assim poderíamos resumir ao apelo de Urbano II: (…) a assembleia foi varrida por emoções de uma força avassaladora (…) gritaram a uma só voz: Deus o Quer! Cercando o Papa e ajoelhando-se diante dele, pediam licença para tomara parte na guerra santa. Um cardeal caiu sobre os joelhos e recitou o Confiteor em nome de toda a multidão que (…) rebentava em lágrimas (…) agitada de tremores e convulsões (…) uma atmosfera de entusiasmo coletivo do mesmo género que haveria de tornar-se normal entre os contingentes do povo comum (…). Este género de reações mostram a tremenda espiritualidade e fanatismo religiosos que caracterizavam toda a Europa, sempre a par com uma ignorância coletiva e um medo da morte, do inferno, do demónio, e de outra propaganda aleatória que a Igreja havia conseguido tornar parte do quotidiano medieval. Outra reação que foi comum um pouco por toda a Cristandade ocidental prendeu-se com o aparecimento dos chamados prophetae, como é referenciado no documento, Pedro, o Eremita. Este homem, servindo-se da conjugação de fatores já atrás mencionados (espiritualidade, fanatismo religioso, ignorância, medo da morte e do inferno…) conseguiu reunir (…) exércitos de cruzados (…), formações verdadeiramente espontâneas de gente paupérrima e profundamente ignorante a que o autor do Documento chama de (…) hordas (…), fenómeno que se vulgarizará à época, por toda a Europa, bem como o culto das relíquias, também referenciado em texto. GRUPO II 1. Parece-nos normal pensar que, após as tremendas convulsões pelas quais a Europa passou durante séculos de invasões bárbaras e o estado em que ficou nos séculos imediatos que se lhe seguiram, os séculos XI, XII e XIII tenham representado uma mudança excecional naquilo que os contemporâneos teriam achado ser uma viragem total face ao quadro negro dessas centúrias em que o sangue e a devastação pareciam nunca mais ter fim. Por isso, ao chegar ao alvor do século XIV, (…) o Ocidente (…) teria atingido (…) o ponto culminante do seu crescimento em todos os domínios (…). Ora, resta saber porquê. Na verdade, passados os séculos terribilis das hordas imparáveis de Bárbaros, a Europa viu chegar um sem-número de anos climáticos favoráveis, sobretudo, a uma atividade agrícola que parecia ter estagnado. Por isso, talvez a primeira grande novidade sejam as mudanças que o mundo agrícola vai conhecer, numa sucessão de décadas agrícolas com inovações técnicas onde o uso do ferro se vulgarizará e trará maiores e melhores colheitas, devido a uma disponibilidade muitíssimo mais vasta de instrumentos agrícolas mas, também, de um sem-número de técnicas como os arroteamentos ou o afolhamento trienal que vão proporcionar à Europa uma variedade de culturas nunca vista, bem como uma quantidade de produção que vai permitir um outro fator que leva a pensar, precisamente, que o continente teria (…) atingido o máximo das suas forças (…), ou seja, a melhoria na alimentação dos europeus e a consequente melhoria das suas condições de saúde. Mais resistentes à doença, mais encorpados, vivendo mais tempo, a população europeia vai conhecer um boom demográfico que leva a natalidade a subir de forma exponencial, face a uma mortalidade que, apesar de continuar a ser elevada, vê a natalidade colocar-se par a par, estando na origem de uma verdadeira revolução demográfica na Europa. 2. Os séculos XI, XII e XIII representaram o oposto aos séculos precedentes no que respeita a praticamente todas as vertentes da vida das pessoas. Trezentos anos de progressos a vários níveis, fizeram com que a Europa vivesse um dos períodos mais florescentes desde o longínquo apogeu do Império Romano. Ora, é o reavivamento da atividade agrícola que, nestes três séculos, conduz a um extraordinário desenvolvimento dos campos e, antes de mais, das áreas rurais. No entanto, para percebermos este enorme incremento, temos que abordar, antes de mais, os progressos técnicos que foram particularmente profícuos precisamente no que concerne à agricultura e áreas associadas. Nas imagens dos documentos 2 e 3 temos duas daquelas inovações que ficaram ligadas, indubitavelmente, à expansão agrária: o moinho de vento e o novo sistema de atrelagem. Relativamente ao moinho (no caso da imagem, um moinho de vento), este vai ser importante, sobretudo na agricultura, devido à moagem dos cereais, que se torna, assim, muito mais facilitada. Ao moinho de vento irá juntar-se, quase ao mesmo tempo, o moinho hidráulico. No entanto, e passando ao novo sistema de atrelagem (documento 3), este veio permitir alterações bem mais importantes ao nível da produtividade. O uso generalizado do ferro

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em muitos utensílios agrícolas vem dar um contributo vital ao trabalho manual dos camponeses, permitindo que se cavassem sulcos mais profundos na terra e, desta forma, se fixassem melhor as sementes. Ora, a coelheira rígida ou atrelagem dorsal com coelheira (documento 3) vai ser um elemento essencial neste processo. Colocada nas espáduas do animal (e sobretudo do cavalo, em vez do tradicional boi, já que este, embora mais caro e difícil de sustentar, trabalhava muito mais depressa, permitindo lavrar mais terreno em menos tempo), a coelheira aumentava consideravelmente a sua força de tração, pois deixava de apertar o pescoço do animal (imagem da direita do documento 3) e, logo, deixava de o sufocar (na imagem da esquerda do documento 3, é possível imaginar como o animal sofria ao efetuar a força de tração), permitindo que este respirasse melhor e, logo, aproveitasse melhor a força do seu corpo. A parte do corpo de animal que agora estava em ação era as omoplatas. Tal permitiu uma maior produtividade e também o chamado sistema de atrelagem em fila, como é também visível na imagem do documento 3. 3. Guy Fourquin bem o constata, no documento 1 : a Europa atingiu o apogeu de um crescimento no século XIII que acabará por se revelar, igualmente, uma rasteira para os homens que, à entrada do século XIV, se terão (…) mostrado menos timoratos, menos corajosos, pessimistas (…) antes da grande viragem caracterizada pela Peste Negra de meados do século XIV (…). Em boa verdade, os anos de tremendo desenvolvimento e clima de paz (relativo) que caracterizariam os séculos XI, XII e XIII acabariam por sucumbir a um conjunto de circunstâncias desfavoráveis (como o documento 5 tenta demonstrar) que, em 100 anos, coincidentes com o século XIV, acabaram por se transformar num verdadeiro cocktail mortífero que acabou por conduzir a Europa a um abismo de degradação completa. Mas voltemos aos séculos precedentes. O período que vai do ano 1000 aos finais do século. XIII é marcado, na Europa, por um considerável aumento demográfico que vai ser causa e efeito de um sem-número de progressos que se vão verificar noutras áreas (por isso, o autor do documento 1 afirma: (…) Dos anos 1000 até por volta de 1300 ou de 1340 (…) dá-se um crescimento quase regular, que fez de quase todo o Ocidente um mundo cheio (...). O mesmo autor realça que o palco, por excelência, destas transformações, vai ser o campo (…) Mais do que as cidades, as aldeias beneficiam (…). O número de aglomerados rurais é, em muitas regiões, mais elevado (…) do que virá a ser mais tarde (…), ou seja, o mundo rural e as suas estruturas. Antes de mais, para compreendermos este fenómeno, temos de ter em conta o clima de paz que se instala na Europa, cimentado, sobretudo, a partir, precisamente, de finais do século X e inícios do século XI. Tal irá representar um notável período de desenvolvimento nunca mais visto desde o auge do Império Romano, quase mil anos antes. À entrada do ano 1000, a Europa coberta de mato, bosque e floresta bravia dá lugar ao desbravamento dos mesmos, ao amanho de terrenos baldios e à secagem de pântanos, com o objetivo de alargar a área cultivada que, até aí, era mínima. Sentindo-se mais seguros, mais abençoados pelo clima, os homens do século XI procedem a grandes arroteamentos, fruto da própria mão de obra individual mas, igualmente, dos grandes senhores laicos e eclesiásticos bem como dos próprios reis. À expansão da superfície cultivada vai corresponder a fundação e até a recuperação de novas povoações. Ora, em sintonia com este quadro que aqui traçamos, vamos ter um sem-número de variados progressos técnicos que constituíram a maior essência desta verdadeira Revolução Agrícola. A exploração mais intensiva do solo, as novas formas de irrigação, o melhor aproveitamento das forças motrizes (documento 2), a adoção de novas formas de atrelagem dos animais (documento 3) permitem corroborar esta revolução. Acrescente-se a isto o crescente uso do ferro nas alfaias agrícolas, nomeadamente na charrua mas também para a proteção das patas dos cavalos (que substituem o gado bovino) no trabalho das terras, bem como o sistema de afolhamento trienal de culturas, que substituiu a tradicional divisão da terra em duas partes/folhas (tal permitia alcançar, cada ano, uma maior parcela de terra cultivada, bem como uma maior produtividade), e ainda a fertilização das terras com a mistura de marga (argila calcária) e cinzas e a vulgarização do uso do estrume animal que melhorou, em muito, a qualidade dos solos. Ora, parece fácil concluir que esta Revolução Agrícola se traduziria num notável aumento da produtividade agrícola (incluindo a produção de gado) que, para além da maior quantidade de produtos agrícolas que a Europa vai ter ao seu dispor, também vai conhecer uma maior variedade e qualidade dos mesmos e, como consequência imediata, a melhoria da alimentação dos Europeus, quer a nível da quantidade mas, também, da qualidade. Tal vai lograr obter uma melhoria nas condições de saúde física dos Europeus e, logo, uma maior resistência a doenças e epidemias pontuais. Falamos, por isso, de um recuo das fomes periódicas que ceifavam vidas com uma regularidade extraordinária e, desta forma, foi possível verificar-se o aumento da natalidade e

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da esperança média de vida dos europeus, podendo falar-se, assim, em revolução demográfica. Compreende-se, desta forma, a expressão usada pelo historiador Guy Fourquin, (mundo cheio) aplicada ao apogeu deste crescimento, o século XIII, sobretudo no Ocidente europeu. Como podemos verificar no quadro intitulado Número de sobreviventes por cada mil homens nascidos em Inglaterra entre 1276 e 1300, mais de metade dos homens europeus, no final do século XIII, ultrapassava a idade dos 30 anos, o que representava um avanço considerável em termos demográficos e, um número considerável, atingia os 50 anos, facto inquestionavelmente positivo tendo em conta os séculos anteriores. No entanto, tal quadro também nos permite tirar outra elação: porquanto a esperança média de vida e a natalidade tenham aumentado, a alta mortalidade continuava a ser nota dominante neste quadro demográfico, fruto de epidemias sazonais, fomes pontuais e, sobretudo, pelo desconhecimento dos cuidados pré-natais, pelo imenso atraso da medicina e pela tremenda falta de higiene. Mesmo assim, e tal como é afirmado no documento 1, (…) o Ocidente…teria atingido (…) o ponto culminante do seu crescimento em todos os seus domínios. (…) teria atingido o máximo das suas forças (…). Prova disto, é também o que se vai passar nas cidades. Estritamente ligado ao que se vai passar nos campos, o surto urbano também nos remete, de igual forma, para o termo revolução. Na verdade, as cidades vão registar um crescimento a vários níveis: crescem em número e tal implicará que cresçam em dimensão. A cidade também perde o seu caráter de local puramente administrativo, religioso ou político para se transformar em centro predominantemente económico. Nestas cidades refrescadas pelo espírito do desenvolvimento que caracteriza todo o século XIII, estabelecem-se mercadores, artesãos, lojistas, cambistas. Como se tornam os mais característicos habitantes do burgo (cidade) vão passar a ser chamados de burgueses e passam a ser um grupo que conhece uma afirmação como uma vertente do povo que passa a ter poder e influência. Para além deste facto, nobres e peregrinos afluem à cidade em busca de variados motivos e, por isso, a cidade torna-se um polo de atração importante em constante crescimento que atinge o seu auge, enquadrando-se dentro das palavras de Guy Fourquin. Acrescente-se agora, a isto, a interconexão entre cidade e campo. Na verdade, eram os mercados que se realizavam nas cidades que sustentavam a vida económica quotidiana na urbe, estabelecendo-se, desta forma, uma permanente ligação entre a cidade e os campos mais próximos. Como as cidades estavam em pleno desenvolvimento, os mercados disseminaram-se, e a procura de produtos estimulava a oferta e, assim, o camponês passa a lavrar mais terras para produzir mais (excedentes) de forma a alimentar a cada vez maior exigência dos habitantes da cidade. Portanto, a sua qualidade de vida também melhora, dado que ele passa a produzir não só para a sua subsistência e para pagar os impostos ao seu senhor, mas também começa a pensar em vender e ganhar algo mais com a venda do seu produto. Estávamos, assim, perante o embrião de uma ainda muito rudimentar economia de mercado, ainda não como a havíamos conhecido no Império Romano. Mesmo assim, era uma mudança importante que viria a aumentar não só o número de mercados mas, igualmente, também das chamadas feiras. A cidade era o tabuleiro de xadrez onde tudo se passava a jogar, onde se vendia ou comprava, onde se obtinham lucros ou se duplicavam ou triplicavam, onde, em suma, o centro nevrálgico da economia dos Estados europeus se passava a situar, ao fim de tantos séculos passados depois da aniquilação desse espírito com o fim do Império Romano. O vulgar camponês, como parece óbvio, ficava igualmente a ganhar já que a cidade era um mercado certo, onde vendia as suas produções (afinal, as cidades não paravam de crescer). As rendas senhoriais, de facto, eram demasiadas e pesadas; no entanto, sendo fixas, tal constituía um impulso para que o agricultor produzisse excedentes já que os frutos colhidos com essa produção excessiva eram para o seu benefício. A cidade conta, desta forma, com o permanente auxílio das áreas rurais mais próximas e, por seu turno, o camponês conta com a área urbana mais próxima para escoar o seu excedente. As ligações cidade-campo intensificam-se e passam a ser estabelecidas através dos chamados almocreves que agiam como intermediários. As autoridades das cidades preocuparam-se, então, em regulamentar os ofícios indispensáveis ao bom abastecimento da cidade. Por isso, e para além dos almocreves, proibia-se o recurso a mais intermediários, obrigavam-se os vendedores a levar todos os seus géneros agrícolas para o mercado, sem venderem nada pelo caminho e obrigava-se à exposição de todos esses produtos até hora determinada pelas autoridades. Como é possível concluir, houve igualmente um desenvolvimento da legislação urbana e comercial que permitiu que os mercados já referidos se tornassem autênticas marcas do mundo urbano. Os mercados locais, cada vez em maior número e de maiores dimensões, representariam o renascer, igualmente, de um outro legado da época romana – a economia monetária. A circulação de moeda (documento 4) voltava a ser uma

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realidade e passava a ser algo trivial não só como meio de pagamento mas como um valor em si. Não se pense, no entanto, que as trocas tradicionais, incluindo a troca direta, desapareceram. Bem pelo contrário, estas continuavam bem vigentes, lado a lado com a troca indireta. De qualquer forma, a rede de trocas alarga-se e um vasto comércio regional acontece por toda a Europa, fruto deste verdadeiro renascimento urbano e da consequente afirmação da economia de mercado. Por isso, falamos, de igual forma, numa verdadeira revolução comercial devido às técnicas de negócio que passam a estar intimamente ligadas à escrita, à contabilidade e ao crédito. A partir dos mercados, das feiras e das cidades, como já o dissemos, revitalizou-se a circulação de moeda, impondo-se, a pouco e pouco, a economia monetária no espaço europeu, substituído a anterior economia de subsistência. O mercador itinerante dá lugar aos grandes mercadores sedentários, sediados na cidade, que recorrem ao crédito, aos empréstimos a juros (a usura), aos depósitos, aos cheques e às letras de câmbio, criando-se, desta maneira, uma rede de cambistas e banqueiros (documento 4). Estes cambistas tinham as suas mesas ou bancos (daqui os banqueiros), em todos os mercados de qualquer cidade. Nenhum mercado ou feira que se prezasse passava sem os serviços do cambista. Associados em companhias, os homens de negócios dedicam-se ao comércio à distância. Com todas estas evoluções referidas, homens e bens circulam com maior facilidade e o comércio regional vai inevitavelmente alargar-se a um contexto internacional, traçando novas rotas terrestres e marítimas. Até ao século XIII, as cidades italianas como Génova, Pisa e Veneza, detentoras privilegiadas das ligações do comércio com o Oriente e, desta forma, condicionando grande parte do comércio europeu, ligam-se à Flandres, na atual Bélgica, através de rotas terrestres que atravessavam a França, onde vão florescer importantes feiras, na denominada região de Champagne. No século XIII surge, no norte da Europa, uma grande associação de cerca de 90 cidades alemãs, a chamada Liga Hanseática ou Hansa, com sede em Lubeque, que passa a dominar e a monopolizar o comércio no mar Báltico e no mar do Norte, impedindo a entrada de mercadores estrangeiros nessa área, tornando-se num verdadeiro potentado económico, a rivalizar com as cidades do norte de Itália e as feiras de Champagne. A Hansa criará uma via marítima direta passando por Londres, Bruges e Lisboa, provocando, assim, a decadência do comércio terrestre e das respetivas feiras. Em suma, o comércio internacional conhece, nos séculos XII e XIII, um espetacular desenvolvimento com verdadeiros potentados comerciais no sul, no centro e no norte da Europa. Parecia caminhar-se, desta feita, para uma evolução e prosperidade infindáveis. Nada de mais errado… Nos finais do século XIII, vai dar-se uma inversão do quadro demográfico que já aqui abordámos, explicada por aquilo a que Jacques Heers, no documento 5, apelida de (…) conjugação de fatores (…), ou seja, aquilo a que denominamos por trilogia negra: peste, fome e guerra: (…) dificuldades económicas do século XIV(…) acompanhadas por verdadeiras catástrofes, por forte contração demográfica, por perturbações políticas e sociais (…); depois, referindo-se ao flagelo da Peste negra: (…) A epidemia foi desastrosa, mas a sua violência não resulta somente do caráter novo, devastador da doença, explica-se também pelo mau estado biológico dos homens, já minado por longas provas (…). Mais à frente, o autor refere-se a outro flagelo, o da guerra: (…) efeitos da Guerra dos Cem Anos (…) e, consequência das quebras de produção agrícola, aponta igualmente (…) as desvalorizações monetárias (…). Portanto, não há um acontecimento preciso para explicar a penosa crise do século XIV e, ao contrário do que é comum afirmar, as coisas não se podem cingir, apenas, aos efeitos da peste negra. O próprio século em si, conheceu, a nível climático, um arrefecimento fora do comum e muita pluviosidade que em nada favoreceram a agricultura, sustentáculo da vida urbana, como já referimos anteriormente. A fome, consequência inevitável, atinge vastas regiões da Europa, aumentando, consideravelmente, a mortalidade e provocando uma abissal crise monetária, como refere o autor do documento 5. No entanto, e em jeito de conclusão, com a quebra da população, os preços baixaram e os salários aumentaram o que nos leva a concluir que, em boa verdade, a conjuntura depressiva contribuiu para uma transformação da vida económica, antevendo uma melhoria das condições sociais no século XV. GRUPO III 1. O fim do Império Romano do Ocidente marcou o fim de toda uma unidade política que durou, sensivelmente, 500 anos e que havia sido cimentada com base num exército, no mínimo, brilhante e num poder imperial tentacular de uma extrema eficácia. À volta do mar Mediterrâneo, dominando parte de África, parte da Ásia e quase toda a Europa, uma unidade coesa, unida sob as mesmas leis, usos e costumes, o Império Romano não resistiu ao inevitável desgaste provocado pelo

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tempo, pelo inimigo supostamente invisível durante séculos e que, um dia, aproveitando as fraturas da demasiada longevidade deste gigante político, investiu truculentamente sobre uma estrutura que não aguentava mais a pressão exterior feita nos seus limes e que cedeu perante a primeira grande vaga de invasões bárbaras. Era o fim de uma época, de um tempo. A estabilidade política deu lugar à instabilidade e, após a primeira vaga de invasões, uma multiplicidade de pequenas identidades políticas, associadas a vários poderes completamente desfragmentados, mudou o mapa político da Europa. Estes reinos (?) chamados bárbaros tinham extensões e estruturas completamente diferentes, facto que, como podemos observar no mapa, permaneceu por muitos séculos. Na verdade, as vagas bárbaras não se ficaram por uma primeira avalancha mas, quando esta Europa fragmentada, quebrada e desconjuntada intentava começar a organizar-se, eis que, ao fim de alguns séculos, uma segunda vaga (séculos VII, VIII e IX), tão ou mais violenta que a primeira, voltou a levar a Europa ao abismo, ao desmembramento daquilo que ainda nem era, sequer, um vislumbre de estabilidade política. Por isso, a verdadeira manta de retalhos que podemos observar no mapa, ainda, no século XIII: senhorios (como a Bretanha, de dimensões consideráveis), principados (como os principados russos), condados (como o da Gasconha), ducados (como o da Áustria), reinos (como o de Portugal), cidades independentes (como Génova ou Veneza), funcionando como autênticas cidades-estado, e até um império (o Sacro Império Romano- Germânico). 2. O fim do Império Romano do Ocidente e a consequente fragmentação da Europa em retalhos de reinos bárbaros organizados ao acaso não terminaram com o desejo da reconstituição de um império universal e cristão. Por isso, quando ao fim de cerca de 350 anos, no Natal de 800, o papa coroou, em Roma, o rei dos Francos, Carlos Magno, como imperador do Ocidente, o sonho pareceu tornar-se realidade. Territorialmente, Carlos Magno dominou uma vasta área que se estendia desde a Cordilheira dos Pirinéus até à Boémia, e da Dinamarca à Itália Central. No entanto, este império não teve grande duração dado que, após a morte de Carlos Magno, a cisão do império aconteceu (843 – Partilha de Verdun), tendo-se procedido à divisão do extinto império pelos três netos do imperador. No entanto, após um período de grandes convulsões, a ideia imperial renasceu com Otão I, rei da Alemanha, em meados do século X que, à época, era o monarca mais poderoso do Ocidente. Seguindo o mesmo rumo de Carlos Magno, Otão I estabeleceu uma aliança com o papa tendo recebido, igualmente, a coroa imperial. Deste modo, a aliança entre o poder político e o poder religioso (temporal e espiritual) significava o corolário de uma união que há muito era desejada na Europa. Incluindo territórios germânicos e italianos, este império passou a designar-se Sacro Império Romano-Germânico, a materialização da ideia de um império cristão na Europa, mas militarmente e politicamente consistente. Exercícios Propostos (págs. 173 a 175) 1.1. O norte atlântico é a área, por excelência, do senhorialismo, e sobretudo do senhorialismo nobre, em senhorios muito parcelados. Nesta área, temos a presença de muitas honras (senhorios nobiliárquicos, simbolizados por solares, castelos ou torres) oriundas das presúrias da fidalguia de origem leonesa, dirigidas por uma nobreza que tinha, igualmente, sob sua tutela, cargos públicos, delegados pelos reis de Leão e de nobreza condal. No entanto, o clero, embora com um menor protagonismo, também estava presente com os seus mosteiros, as suas sés (coutos) que beneficiavam de isenção fiscal, judicial e militar. Destaque, para este caso, para a ordem dos Beneditinos e para as sés de Braga e Porto. Ainda neste âmbito, o mosteiro de Grijó também teve o seu protagonismo. 1.2.As honras, como os coutos, faziam parte do sistema de administração senhorial, como já o referimos na resposta anterior. As propriedades que estavam nas mãos da nobreza denominavam-se honras e as terras na posse do clero denominavam-se coutos. O senhorio peninsular configurou uma área territorial mais ou menos extensa e nem sempre contínua, cujo detentor o senhor exercia poderes sobre a terra e sobre os homens que nela residiam. Estes senhorios poderiam pertencer ao rei, ao clero ou à nobreza (nestes dois últimos casos, os territórios eram considerados imunes pois nele não entravam funcionários régios). Estas terras

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eram obtidas pela chamada presúria, ou seja, a simples ocupação de terras consideradas vagas pelos Muçulmanos (após a sua expulsão). 1.3. Os cultivadores a que Rui Ramos se refere não eram nada mais, nada menos do que os camponeses que trabalhavam exaustivamente para os seus senhores vivendo, a priori, numa condição mais vantajosa do que os vulgares servos ou até escravos. Possuindo uma parcela de terra que lhes era concedida pelo senhor para que, em seu proveito, a aproveitassem e pusessem a render, estes cultivadores parecem-nos, numa primeira aproximação, uma boa intenção (e ação) do senhor. No entanto, essa boa intenção rapidamente se transformava em verdadeira exploração. Ora, dentro deste denominado grupo dos cultivadores, poderíamos distinguir um sem-número de elementos como os colonos, os caseiros (muitas vezes os próprios colonos) ou foreiros, herdadores, servos, entre outros que constituíam a massa dos dependentes, ou seja, aqueles a quem a classe senhorial controlava e a quem exigia pesados tributos e prestações, como moeda de troca pelas muito bondosas doações que o senhor havia dado. 1.4. A exploração económica do senhorio tinha como base vital os bens fundiários (vulgo domínios senhoriais, vulgo propriedades) que eram, desta forma, o sustentáculo das classes nobre e eclesiástica. Possuindo, no seu conjunto, vastos terrenos com bosques, prados, campos de vinha, cereais, pomares, entre outros, os senhorios eram praticamente autossuficientes, pelo que constituíam verdadeiras unidades de produção agrícola e, logo, polos económicos. O poder destes senhores era vastíssimo e, dentro do seu domínio senhorial, a sua palavra era praticamente lei, escamoteando-se, desta forma, as leis gerais do reino. Ao celebrarem contratos com aqueles a quem Rui Ramos apelida de cultivadores, os senhores davam o golpe de misericórdia na já enorme autonomia administrativa que caracterizava o senhorio. Eram os senhores quem elaborava os contratos, quem estabelecia as rendas a pagar pelos dependentes, quem controlava o pagamento de impostos e os tabelava, ou seja, tirava da exploração do seu domínio direitos de tipo dominial e de tipo senhorial. A juntar a isto, os senhores, muito particularmente a nobreza senhorial, tinha privilégios que em muito poderiam fazer perigar o poder real, tais como a posse de armas e o comando militar, o exercício, dentro do seu domínio, de justiça própria (podia julgar os seus dependentes, impor multas judiciais, entre outros poderes), e lançava um leque vastíssimo de exigências fiscais (como as banalidades, o jantar, a lutuosa, a manaria, as osas, as gaiosas, entre outras). Por isso, com o passar do tempo, o poder do senhorio, enquanto entidade com uma personalidade tão forte, fez com que os senhores à frente dos mesmos tivessem perdido a noção da origem do seu domínio e, dessa forma, estendido a sua influência para lá do que lhes era permitido tendo-se, em suma, tornado um verdadeiro poder paralelo. 1.5. Não há dúvida que o senhorialismo régio foi o maior entrave ao avanço e crescimento dos poderes senhoriais em Portugal. Na verdade, esse crescimento foi muitas vezes abusivo e caótico e fez-se, não raras vezes, à custa das propriedades alodiais dos herdadores e também de terras do património régio, criando-se, desta forma, inúmeros confrontos. Por isso, a partir de D. Afonso II, os reis portugueses empenharam-se no reforço do poder real, materializado nas inquirições e nas confirmações. Houve a perceção de que haviam sido dados demasiados poderes à nobreza e clero senhoriais, mas tal era consequência disso mesmo: dos monarcas, eles próprios, terem cumulado estes senhores de poderes que, não perceberam, ou não quiseram perceber, lhes iriam dar o motivo para os abusos que depois se seguiriam. Estes dois grupos sociais, clero e nobreza, eram, por demais, privilegiados, detendo nas suas mãos autênticos poderes públicos (ou seja, que deveriam pertencer apenas à Coroa!), denominados de banus, algo que lhes concedia poderes como comando, punição e coação. No caso da nobreza, por exemplo, os privilégios eram verdadeiramente um exagero: posse de armas e comando militar (o que até era comum na nobreza, dadas as suas funções tradicionais), exigência de multas judiciais, bem como exigência de multas fiscais de todo o género. Estes poderes haviam sido, desde D. Afonso Henriques, delegados pela autoridade régia ou condal. Com o tempo, membros da nobreza, sobretudo, e do clero usurparam poderes, não prestando quaisquer contas a quem lhos havia delegado e, pior ainda, estenderam-nos até domínios pessoais e propriedade alheia. Um exemplo disto foi o caso destes senhores, numa clara tentativa de usurpação do que não lhes pertencia, terem começado a servir-se de um processo chamado anádigo. Tal consistia em fazer criar um dos seus filhos na casa do herdador, de modo a que a casa deste passasse a ser honrada pela presença do jovem

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nobre, devendo o herdador pagar impostos ao senhor nobre em vez de os pagar ao rei. A autoridade real deve ter tido, a partir daí, motivos para se arrepender. 2.1. O domínio senhorial constituía, com já o referimos, uma verdadeira unidade económica. A sua exploração está ligada ao modo como a sua divisão estava feita. Começando pela chamada reserva (Em Portugal, vamos chamar-lhe a Quintã ou Paço), esta era a morada do senhor, o local onde estavam os estábulos, os celeiros, a igreja e onde existiria uma pequena porção de terra, apenas, prova do desinteresse generalizado por parte da nobreza pela administração direta dos seus domínios. Na verdade, e era o modus operandi dos senhorios, preferia-se que, mesmo nestas diminutas porções de terreno, o arrendamento das mesmas fosse feito. É assim que a exploração da reserva, em boa verdade, cabia aos escravos, servos e colonos livres que aí prestavam serviços gratuitos e obrigatórios durante um certo número de dias por ano: as denominadas jeiras (menos duras, no entanto, do que as corveias do resto da Europa). Fora da reserva, vamos encontrar as unidades de exploração arrendadas, os casais ou vilares, fruto da celebração de contratos entre os senhores e os colonos (caseiros, foreiros, malados, vilãos), contratos que podiam ser perpétuos mas que, regra geral, eram emprazados, ou seja, arrendados por duas ou três vidas. Estes colonos eram livres e podiam estabelecer contacto com os senhores. Pagavam o foro (em géneros, sobre a sua produção agrícola, cereais, vinho, linho) e as direituras, pagando, dessa forma, a ocupação da casa ou do quintal com géneros aí produzidos, como legumes, frutas, queijo, etc. Portanto, as rendas pagas pelo arrendatário eram sempre estabelecidas pelo senhor, podendo ser fixas ou de parceria (uma fração das colheitas, oscilando entre metade e uma décima da produção total). Nestas rendas estavam incluídas, naturalmente, aquilo que designamos por tributos e prestações variados como os provenientes da exploração do solo e os resultantes do exercício dos poderes políticos por parte do senhor. Na imagem, podemos verificar como toda a logística ligada ao domínio senhorial se organizava. 2.1.1. Para o território de Portugal, à época, as propriedades dominiais eram de extensão considerável. Por esse facto, eram consideradas, muitas vezes, como verdadeiras regiões autónomas, podemos dizê-lo, muitas vezes maiores que a área de um concelho ou de uma grande área geográfica. Por este motivo, o senhorio assemelhar-se-ia a uma espécie de mini-reino, ou mini-Estado dentro do próprio Estado. Símbolo do poder do senhor, o seu castelo, ou a sua sé, ou a sua torre ou ainda o seu mosteiro, eram o símbolo de governação da sua terra. Depois, e podemos vê-lo na imagem, à sua volta estendiam-se todos os seus outros domínios: a reserva e os casais. Direta ou indiretamente, o senhor controlava as duas partes do domínio retirando daí o seu sustento ou exigindo inúmeros serviços (ou prestação deles). Daí provinha a base material do seu poder. Para além destes aspetos, não esqueçamos o que já atrás referimos, isto é, que o poder fundiário exercido por nobres e clérigos era demasiado e que os senhores haviam adquirido demasiados poderes (cobravam impostos, exerciam justiça, exigiam homenagem, aplicavam multas judiciais; enfim, tinham controlo militar, jurisdicional e fiscal sobre aqueles que lhes estavam dependentes). Ao olharmos para a imagem, bem poderíamos ter reminiscências da Grécia Clássica e das suas cidades-estado. Na verdade, facilmente o senhorio poderia ser autossuficiente tendo porções de território tão grandes sob a sua alçada e com tão amplos poderes. De facto, e como já o dissemos anteriormente, estes senhores comportar-se-iam, com o tempo, como verdadeiros detentores de poderes paralelos face ao soberano. 3.1. Era o rei quem outorgava a carta de foral a uma povoação. Tal documento régio representava o reconhecimento do monarca pela autonomia, direitos e deveres de um concelho. Portanto, para os seus habitantes, era um sinal de gratidão, reconhecimento e atenção por parte do rei. No entanto, as pessoas que habitavam na povoação, que se metamorfoseava em concelho, já aí viviam há bastante tempo e, por isso mesmo, o facto de passarem a ter autonomia e personalidade jurídica e administrativa era, por demais, importante para o seu sentimento de proteção, reconhecimento e atenção. Sendo um documento escrito, a carta de foral era, no fim de contas, um verdadeiro pacto estabelecido entre o monarca e a comunidade (entenda-se, concelho). Esta comunidade passava, desta forma, a acatar a autoridade da Coroa e definia os seus poderes perante o poder real, na eleição dos juízes e na aplicação da justiça. À parte estas situações que traçamos, momentos houve, no entanto, em que os concelhos foram criações de raiz, por parte do poder régio, com uma concessão de uma carta de foral que estabelecia uma povoação fundada no momento, com o simples objetivo de atrair população, sempre debaixo da

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vontade de explorar, defender e povoar o território; logo, numa perspetiva a muito longo prazo. A atribuição ou a confirmação de forais por parte dos soberanos portugueses correspondeu, de igual forma, ao seu projeto pessoal de fazer difundir a autoridade da Coroa e de formar alianças bem alicerçadas com estas comunidades de homens livres (ganhava-os, igualmente, como seus aliados). Por outro lado, e tal é mais do que evidente, pretendia-se avisar o poder senhorial de que havia limites aos seus projetos, chamemos-lhe assim, expansionistas. Desta forma, os concelhos que assim passavam a estar sob proteção régia, escapavam à arbitrariedade e abusos praticados pelos senhores. Na verdade, os habitantes dos concelhos também pagavam ao rei os tributos por ele fixados e estabelecidos na carta de foral, mas preferiam fazê-lo, de longe, a estarem sob a autoridade de um desses senhores dominiais. No Foral de Penacova, vemos bem esses tributos estabelecidos pelo rei: (…) Aquele que lavrar com um jugo dê um moio. Aquele que lavrar com mais de dois, de quantos bois for, dois quarteiros, um quarteiro de trigo e outro de milho. Aquele que lavrar trigo e milho dê metade de um e metade de outro. Aquele que não houver onde dar jugada de milho, dê a quarta. (…) E o seu senhor receba o seu relego por três meses, convém a saber, Janeiro, Fevereiro e Março (…). Mais à frente, outra obrigação por parte dos habitantes dos concelhos: (…) E o cavaleiro e os seus homens irão no fossado de El- Rei (…). Por outro lado, é visível o estímulo ao desenvolvimento do concelho: (…) O peão de Penacova faça no ano uma via e seja tão longa aquela via que possa tornar nesse dia a sua casa; e faça o seu fossado. O cavaleiro que houver herdades fora, sejam-lhe livres (…). 3.2. Obviamente, pelos motivos já atrás mencionados, são compreensíveis os motivos pelos quais a Coroa retirava vantagens da sua atribuição incessante de cartas de foral pelo território que viria a dar corpo aquilo que hoje é o nosso território nacional. Na verdade, e para além dos tributos que o rei passava a cobrar e a obter fruto dessa cobrança e que, naturalmente, enriqueceriam o património régio, o rei matava outro coelho de uma só cajadada. Perante os muitos abusos de senhores feudais, e de uma forma que visava, tacitamente, evitar o confronto bélico, os reis, ao criarem os concelhos no molde que já abordámos, tinham a intenção de, muito à sua maneira, lutarem contra os excessos do poder senhorial que se amontoavam cada vez mais. Por outro lado, ganhavam apoios importantes entre a população abençoada pela carta de foral que, desta forma, via no soberano uma espécie de libertador da pesada mão dos nobres e dos senhores eclesiásticos. 3.3. O processo de formação dos concelhos conheceu várias fases que se espraiaram pelos séculos XII e XIII. Os primeiros concelhos surgiram de comunidades supostamente autónomas que, não fazendo parte de um senhorio ou estando sob a alçada direta do rei, estabeleceram, de forma espontânea, regras de sobrevivência comuns em territórios hostis, ainda dominados pelas guerras da Reconquista. Podemos dizê-lo, portanto, um ato de verdadeiro desafio ao poder estabelecido mas que, em parte, os monarcas teriam provavelmente agradecido, embora tal atitude não tivesse qualquer enquadramento jurídico. Mais tarde, e já noutra fase, os concelhos passam a ser resultado da negociação em que o rei reconhecia maior ou menor grau de autonomia das comunidades supracitadas, registando-se, então, na carta de foral, as normas que passavam a regular a organização política, jurídica, social e económica (documento 3). Ora, o elemento mais distintivo entre a vida dos habitantes do senhorio e a vida das comunidades concelhias foi a autonomia de que gozaram, uma verdadeira lufada de ar fresco no quadro da vida duríssima das comunidades senhoriais, mesmo que tal autonomia fosse relativa e não absoluta. Na verdade, pensamos que tal atributo seja ainda uma utopia. Por isso, o avanço que se ganha em termos de vida autónoma e de melhoria, diríamos quase democrática, com os concelhos, é bastante significativa; um passo de gigante, na verdade, à época. Afinal de contas, os concelhos elegiam os seus magistrados, dispunham de direito próprio, em que os regimes fiscal e judicial estavam consagrados nos costumes e a organização municipal contemplava a definição de tarefas e dos deveres militares dos respetivos habitantes. Os membros do concelho podiam dispor das suas propriedades e de outros bens diversos para a exploração da terra ou de outras atividades económicas. Além disto, pelo menos em teoria, os membros da nobreza não podiam exercer as suas prerrogativas no âmbito do concelho. É por este motivo, e com o aval do rei, que as autoridades municipais se revelaram sempre extremamente zelosas na manutenção dos seus direitos e reagiram com veemência às tentativas de os cercearem. Podemos, apenas para concluir, ver um certo paralelo entre o movimento concelhio e o movimento comunal do resto da Europa: autonomia, liberdade, luta contra arbitrariedades levadas a cabo por senhores oligarcas sedentos

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de poder. A frase sublinhada remete-nos para aí mesmo: (…) o governo democrático (…) das autoridades municipais (com o aval incondicional do rei) (…) a temperar a autoridade pessoal (…), isto é, dos senhores feudais. 3.4. A imagem representada no documento 4 representa uma sala de reuniões concelhias, a Domus Municipalis de Bragança, símbolo, de facto, da (…) pessoa coletiva (…) que o concelho simbolizava bem como se de um (…) governo democrático (…) se tratasse e que impusesse barreiras a uma (…) autoridade pessoal (…) representada pelos senhores nobres e eclesiásticos. No edifício em questão reunia-se o chamado concilium (assembleia) onde eram redigidas as posturas municipais, elementos jurídicos maiores da vida concelhia e talvez o maior símbolo da autonomia desta face ao poder dos grandes senhores dominiais. Teste de Avaliação 4 (págs. 176 a 179) GRUPO I 1. Os senhores (nobres como eclesiásticos, mas sobretudo os oriundos da nobreza) tinham um sem-número de privilégios, tais como a posse de armas, a chefia militar, o exercício, dentro do seu domínio, de justiça própria (podendo julgar todos os que no seu domínio habitavam e dependiam da sua proteção), e lançava um sem-número de exigências fiscais que em muito os tornavam um verdadeiro contra poder face ao poder real. Por isso, os senhores vieram a constituir, efetivamente, uma ameaça real ao poder régio e o texto de Rui Ramos bem o comprova. O início não deixa que duvidar: (…) os oficiais régios não cobravam tributos (…), o que nos leva de imediato à questão de saber até onde se estendia a amplitude dos poderes senhoriais. Na verdade, este facto de não serem cobrados determinados impostos nos domínios senhoriais, levava a que estes fossem, como é referido, (…) terras imunes (…) o que, desde logo, constituía um precedente nas demasiadas prerrogativas detidas pelo senhor da terra. É este fator que, tal como refere o autor, levou a (…) uma recorrente tendência, por parte dos senhores (…) para alargar os respetivos limites das áreas de jurisdição (…); e é aqui que reside a verdadeira ameaça ao poder régio. O abuso é nítido, não tem limites e, para cúmulo, é uma criação da própria Coroa que, sem se dar conta, numa fase inicial, não se apercebe do contrapoder em que, sem dúvida, os senhorios se transformam. Rui Ramos dá mais provas desta verdadeira apropriação ilegal por parte destes senhores feudais: (…) Honrando pequenas unidades de habitação e exploração agrícola como os casais ou mesmo aldeias inteiras que assim passavam para a sua posse, os senhores locais levaram a cabo um verdadeiro processo de senhorialização à custa de pequenos proprietários livres ou de terras e direitos realengos, ou seja, pertencentes ao rei (…). Sem dúvida que os poderes que já acima referimos, inerentes à condição do senhor feudal, muito pesaram neste abuso de poder progressivo e demolidor que, só a muito custo, foi travado. Rui Ramos realça, igualmente, esses poderes: (…) senhores a disporem não só de poder económico, mas também a assumirem funções estatais, de autoridade pública no domínio da justiça, da fiscalidade e da segurança (…) cobravam igualmente prestações senhoriais (…). Tais poderes eram ainda reforçados pelo estatuto que estes poderosos detinham: (…) estatuto privilegiado não lhe advinha apenas dos rendimentos que retirava da terra ou dos tributos que cobrava (…). O seu poder efetivo sobre um território e os respetivos habitantes incluía também a capacidade para usar armas e enquadrar homens armados (…). Perante isto, será difícil perceber as semelhanças entre poder real e poder senhorial? Não parece, de todo, tarefa árdua. Seria, talvez, mera coincidência… 2. Os dependentes, tal como o autor os apelida, eram todos aqueles que se encontravam debaixo do domínio e do mando de um senhor, fosse ele nobre ou eclesiástico. Portanto, ser dependente implicava depender, quase em absoluto, da autoridade de um senhor feudal e viver sob a sua alçada. Tal conceito parece não implicar liberdade pois, no caso dos colonos ou dos herdadores, por exemplo, sabemos que eram homens livres e, por uma questão de pura lógica, poderiam dispor, como bem o entendessem, da sua liberdade. Porém, em 1211, com a lei de Afonso II que defendia que “ todo o homem livre devia depender de um senhor (…), tal conceito simples de liberdade parece ter sido esquecido. Na verdade, todos os homens livres deveriam estar ligados,

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impreterivelmente, a um senhor feudal. Tal lei determinava, em definitivo e de forma cabal, a situação social e económica dos dependentes. Dos colonos aos assalariados, passando pelos servos, todos deveriam estar inseridos num senhorio e criar a sua situação de dependência com um senhor. De facto, quem assim não agisse, seria considerado, muito provavelmente, um indigente, um autêntico pária. Por estes motivos, a condição dos dependentes era quase total, senão vejamos: (…) Entre o senhor e os seus dependentes existia uma relação de dominação, abrangendo os planos económico, social, jurídico, político (…); (…) cobravam [referindo-se aos senhores] igualmente prestações [referindo-se aos dependentes] senhoriais típicas, muito variáveis de região para região na forma e nas designações, mas que contemplavam aspetos tão diversos como a aposentadoria e o jantar (direito de o senhor ser recebido e alimentado pelos dependentes quando circulava pelo respetivo senhorio), a anúdeva (direito de o senhor exigir a participação dos dependentes em obras de reparação de construções), a carraria (obrigação de os dependentes executarem tarefas de transporte de géneros em favor do senhor), as jeiras (prestação de trabalhos agrícolas por conta do senhor), a lutuosa (pagamento feito pelos dependentes aquando da transmissão de bens por morte), a manaria (idêntica prestação cobrada quando o falecido não deixava herdeiros diretos), as portagens e as peagens devidas pela circulação de mercadorias, ou ainda outras exações como as que eram cobradas sobre a caça, a pesca, etc. (…). GRUPO II 1. Os concelhos foram, na verdade, verdadeiras lufadas de ar fresco nas condições de vida dos portugueses e, quando comparados com as condições dos já anteriormente descritos dependentes, representaram um avanço considerável nos ainda muito rudimentares direitos do Homem: (…) A distinção essencial entre as condições de vida dos habitantes dos senhorios e das comunidades concelhias foi a autonomia de que estas gozaram (…). A autonomia estava ligada a liberdade, algo que, na prática, dentro do senhorio, não existia. Esta “autonomia” concelhia, todavia, era, como diz o autor do documento 1, relativa. Mesmo assim, um avanço e um abismo relativamente aos senhorios. Os concelhos eram, geralmente, fundados pela atribuição da carta de foral que, basicamente, concedia a uma povoação, um determinado grau de superintendência jurídica e de capacidade auto administrativa que eram geridas pela comunidade dos Vizinhos - os habitantes dos concelhos -, homens livres que não estavam sujeitos à autoridade de um senhor feudal nem queriam estar. Ser habitante de um concelho era, desta forma, um privilégio que poucos tinham a sorte de ter. Assim, a carta de foral surgiu também da necessidade de atrair moradores a zonas do território que urgia defender e povoar, casos da Beira interior, Estremadura e Alentejo, por exemplo. Os Vizinhos tinham, de facto, poderes de decisão e determinavam a vida dentro dos seus concelhos (a sua administração revestia-se, assim, de um caráter comunitário), integrando a assembleia e elaborando as posturas municipais, talvez um dos maiores baluartes da autonomia concelhia (estas posturas regulamentavam toda a vida dentro do concelho e a vários níveis, regendo a vida entre as comunidades locais). Só este facto diz muito da autonomia dos concelhos. Rui Ramos bem o afirma: (…) os concelhos elegiam os seus magistrados, dispunham de um direito próprio em que os regimes fiscal e judicial estavam consagrados nos costumes e a organização municipal contemplava a definição de tarefas e dos deveres militares dos respetivos habitantes (…), portanto, toda a vida da vila ou cidade era decidida não por um homem que, a seu belo prazer, mandava e abusava de todos os que dependiam de si, mas por um grupo bastante vasto de homens que, em concilium, decidiam, discorrendo sobre vários argumentos, da vida do seu concelho. Para além disto, o autor aponta outro sinal da autonomia concelhia: (…) membros do concelho podiam dispor de propriedades e de bens diversos para a exploração da terra ou para outras atividades económicas (…). Finalmente, o rei sabia como evitar que os abusos já aqui referidos se pudessem estender a estas comunidades. Rui Ramos refere que tal poderia ser apenas teórico mas, no entanto, não nega os poderes que eram concedidos às autoridades municipais: (…) membros da nobreza não podiam exercer as suas prerrogativas no âmbito do concelho. (…) As autoridades municipais revelaram-se sempre extremamente zelosas na manutenção dos seus direitos e reagiram com veemência às tentativas de os cercearem (…). 2. Como já o referimos na questão anterior, as Posturas eram documentos municipais emanados da comunidade de Vizinhos que, no fundo, legislavam sobre a vida concelhia, tentando regulamentar ao máximo a vida dos que na sua comunidade viviam e aí desenvolviam uma

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atividade. Ora, da comunidade de Vizinhos eram excluídos membros da nobreza e do clero, a não ser que aceitassem submeter-se às leis comuns do concelho. Tal facto determinava que, na essência das Posturas, não existisse qualquer influência dos que estavam ligados ao domínio senhorial antevendo-se, desta forma, uma pureza, digamos, destas Posturas que estavam livres, à partida, da influência autoritária e megalómana dos senhores feudais. As Posturas regulamentavam todas as questões económicas relacionadas com a repartição de terras, o modo como se aproveitavam pastos, matos, bosques, campos e outros terrenos; para além disto, regulamentavam, igualmente, o exercício dos mesteres, o abastecimento dos mercados e possíveis feiras realizadas no concelho e a tabelamento dos respetivos preços dos produtos. Acrescente-se a isto, a atenção dada às questões da higiene e saúde públicas bem como, igualmente, as relações de convivência entre todos os habitantes. No documento, podemos ver bem como as Posturas eram instrumentos organizativos da maior importância para a vida concelhia. Neste caso, fala-nos do modo como, em Elvas, se fez finca-pé para a manutenção inquebrantável das posturas municipais. O rei, ele próprio acaba por determinar que, em nenhuma situação, as Posturas sejam postas em causa por quem quer que seja. E mais acrescenta, afirmando que aqueles que cumprissem as Posturas deveriam ser reconhecidos por isso e que, tanto pobres como abastados, deviam cumpri-las e acatá-las de igual forma: (…) se virem que cumprem, de guisa, que os donos das herdades e os lavradores nom recebam agravamento, e faça-nas goardar as Posturas em essas Villas e Termos dellas. E nom ajam esses Veedores outros encarregados deses Concelhos. E esses Veedores façam hi goardar os mancebos obreiros antre o Povo, de guisa que os pobres sejam higoldados com os ricos (…). Por outro lado, o monarca avisa que os incumpridores terão a justiça à perna: (…) E se nom o fazerem, Mandamos aos juízes de hi, que lhe estranhem gravemente, como no feito couber (…). Portanto, tendo o aval do maior dignitário do Reino, as Posturas eram tidas como força de lei e tal apenas legitimava a autonomia concelhia a que já aqui fizemos referência. 3. O processo de formação dos concelhos conheceu um sem-número de fases diferentes que foram coincidindo com a Reconquista e com a consolidação do território nacional (séculos XII e XIII). Numa fase ainda embrionária, podemos afirmar que os primeiros concelhos nasceram quase de forma espontânea, fruto de povoações que, não fazendo parte de um domínio senhorial e não estando sob a alçada direta do rei, foram estabelecendo, um pouco aleatoriamente, regras de sobrevivência comuns aos seus membros em territórios que se assemelhavam pelo facto de estarem em áreas geográficas ainda palco das lutas da Reconquista. Apenas mais tarde, os monarcas reconhecerão o maior ou menor grau de autonomia dessas comunidades, surgindo aquilo que conhecemos por carta de foral, documento régio onde passava a ficar registado esse reconhecimento real, bem com um sem-número de disposições relativas ao concelho. Digamos que, só assim, o concelho adquiriria a legitimidade que tanto almejava. É na carta de foral, por isso, que fica registada a organização política, económica, judicial, administrativa, social do concelho. No contexto do prosseguimento da Reconquista cristã, a necessidade de defesa e manutenção dos territórios conquistados aos Muçulmanos conduziram à multiplicação dos concelhos. Entenda-se esta multiplicação como uma forma, por parte do poder régio, de reforçar a presença portuguesa em terras conquistadas ou reconquistadas. Esta multiplicação acontece, por isso mesmo, nas fronteiras, a leste e a sul do nosso território (podemos observar esta disseminação no mapa do documento 5). É aqui que os concelhos têm a sua primeira grande diferença relativamente ao mundo senhorial. Na verdade, propor-se-ão, com os concelhos, formas menos pesadas de exploração da terra e, novidade, a concessão de liberdade a antigos servos, tal como podemos concluir pela leitura do documento 1. Como duvidar, então, da capacidade de atração que estes concelhos passam a ter para os dependentes rurais sobretudo no muito senhorial norte do país? Na verdade, as condições de vida dos dependentes rurais nesta zona do território eram extremamente duras. Desta forma, colonos como servos abandonam os senhorios, muitas vezes quase clandestinamente, amedrontados pela possibilidade de sanções por parte dos senhores, e rumam aos concelhos em busca de melhores condições de vida (…) distinção essencial entre as condições de vida dos habitantes dos senhorios e das comunidades concelhias foi a autonomia de que estas gozaram (…) direito próprio em que os regimes fiscal e judicial estavam consagrados nos costumes (…) membros do concelho podiam dispor de propriedades e de bens diversos para a exploração da terra ou para outras atividades económicas (…). De facto, estes indivíduos, com as suas famílias, vão contribuir para os dois grandes objetivos da criação de concelhos: a defesa e o povoamento. Ao defenderem a porção de terra que lhes coube em sorte devido à redistribuição

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das terras conquistadas, estes novos membros dos concelhos estavam, de igual forma, a participar na defesa coletiva do concelho. O rei conta, efetivamente, com esta atitude, por parte dos novos moradores e, por isso, será o principal elemento catalisador para a sua criação, já que se apercebe das inúmeras vantagens que podia retirar do incremento deste tipo de organização do território. Outro dos grandes objetivos da criação de concelhos tem a ver com a organização económica das novas áreas, promovendo-se, por um lado, o desenvolvimento económico do território nacional face a Castela e, por outro lado, o aumento das receitas fiscais que recebe quem criou o concelho. Os concelhos criados nesta altura são bastante diversificados e tal deve-se à sua localização geográfica e ao tipo de exploração económica que lhe está associado. Deste modo, verificamos que os concelhos citadinos (com traços urbanísticos mais urbanos) se situam no litoral enquanto, no interior, vamos encontrar um tipo de concelhos de feição mais rural, menos agitados, menos populosos. Há ainda a realçar uma diferença entre os concelhos de matriz cristã, situados a norte, e os de matriz islâmica, situados no centro e sul, muito particularmente. Os últimos são a consequência mais visível da presença muçulmana, distinguindo-se elementos urbanos como a alcáçova, a zona acastelada e nobre da chamada Almedina e a zona dos bairros populares. Mantendo-se a realidade da guerra (pela continuação do processo de Reconquista), a sua sede, cidade ou vila comporta uma muralha que, para além de garantir a segurança dos seus habitantes, é igualmente sinal de prestígio. No seu interior, temos os espaços citadinos mais importantes: o adro da igreja ou a praça, onde se discute, opina e delibera sobre os assuntos mais prementes da vida concelhia; o pelourinho, lugar da aplicação da justiça local; o rossio, uma zona aberta, bastante ampla, por regra, onde se efetua o mercado. É pelo rossio que entram os que habitam ou trabalham no chamado arrabalde (o espaço limítrofe da muralha), trazendo para o mercado os seus produtos agrícolas, tecidos, couros, peças de artesanato, entre outros. Tudo é produzido para lá das muralhas devido à constante necessidade de água e também devido aos maus cheiros associados à tinturaria e à curtição de peles, bem como ao ruído provocado pelas bigornas nas oficinas de ferragens. O desenvolvimento económico de alguns concelhos e o consequente aumento demográfico conduzem a que, no século XIV, englobando os reinados de D. Dinis e D. Fernando, se construam novas cercas, envolvendo já outros bairros situados extra- muros, para garantir a segurança das populações que aí passam a residir de forma permanente. Os campos de cultivo de cereais, os olivais, as vinhas, os soutos e os pomares necessitavam de grandes espaços e, assim, passam a situar-se no chamado termo, a zona menos habitada do concelho. Voltemos, no entanto, ao elemento jurídico que confirmava, por direito, a legitimidade dos concelhos – a carta de foral. Este documento é de vital importância para podermos averiguar da vida quotidiana do concelho, mas, de igual forma, sob a sua organização. Aí se estabelecem os direitos e deveres dos Vizinhos (habitantes livres dos concelhos), reconhecendo-lhes o exercício comunitário do poder com maior ou menor autonomia, dependendo dos casos. De qualquer forma, estas comunidades deliberavam em assembleia sobre os vários aspetos da vida concelhia, elaborando as chamadas posturas (documento 3), isto é, leis que se aplicavam ao concelho em questão e que envolviam um determinado conjunto de usos e costumes. No documento 3 vemos o zelo em que o próprio rei se aplicava para fazer cumprir as posturas municipais. De igual modo, os Vizinhos podiam também eleger os seus próprios magistrados: juízes, alcaides ou alvazis para aplicar o direito próprio, meirinhos com uma função executiva ligada à aplicação das decisões judiciais ou fiscais, mordomos para administrar os bens do concelho, sesmeiros para distribuir terras aos novos colonos que constantemente chegavam, almotacés com a missão de inspecionar as atividades económicas, o abastecimento do mercado, o comércio e o artesanato locais, os preços, pesos e medidas e também as obras de caráter público. Os habitantes dos concelhos vão também organizar-se militarmente sob o comando de um alcaide – menor, para garantir a segurança e defesa do concelho ou também para participar nas denominadas razias (ataques surpresa e de grande intensidade aos muçulmanos) conjuntamente com o alcaide da vila, representante do rei. É assim que nos surge uma figura emblemática dos concelhos, o cavaleiro-vilão. Estes eram os vizinhos que tinham posses suficientes para obterem um cavalo e armas, mantendo igualmente um escudeiro ou pajem, enquanto os peões, por falta de posses, combatiam a pé. Podemos concluir, e já nos referimos a este aspeto anteriormente, da imensa liberdade e autonomia que os habitantes dos concelhos tinham quando comparados com a dos habitantes dos senhorios (bastará reler o documento 1). Na verdade, os vizinhos podiam exercer todas estas funções ou usufruir das várias funções que lhes cabiam em sorte porque, efetivamente, tinham bens suficientes para poder satisfazer os deveres fiscais impostos na carta de foral. O facto de terem direito à propriedade dos seus próprios meios de produção, permitia-lhes obter maiores

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rendimentos, pois estavam isentos das chamadas banalidades não se livrando, todavia, de pagar a dízima ao clero. A relação dos impostos a pagar permite-nos conhecer as atividades económicas de cada região e, logo, os diferentes mesteres e grupos sociais. Assim, conseguimos ver um grupo de privilegiados composto pelos mercadores e pelos cavaleiros- vilãos. No entanto, note-se que o facto de considerarmos estes homens como privilegiados, tal não significa que o seu poder e influência ultrapassassem o âmbito do município. Pelo contrário, restringia-se ao município, apenas. O rei bem o lembra quando, no documento 2, deixa bem claro que o poder régio estava acima de qualquer poder pessoal ou de um grupo, corporação, concelho. Todavia, e no caso dos mercadores, estes mantinham relações que extravasavam, e muito, o âmbito do município dado que tinham relações com outras localidades e, por vezes, além-fronteiras. Passando ao grupo dos menos privilegiados dentro do concelho, encontramos os peões que eram a grande maioria da população urbana. Estes peões incluíam os agricultores, pescadores e os mesteirais ou artesãos (ferreiros, alfaiates, sapateiros, caldeireiros, pequenos comerciantes, entre outros). Nos concelhos mais importantes, os mesteirais agrupam-se por ruas, consoante o seu mester, ganhando, desta forma, a sua própria representatividade, a sua importância perante o concelho e obedecendo ao lema “a união faz a força”. Cada grupo de mesteirais passa a agir em conjunto, a ter determinadas regras, códigos de conduta, estatuto, por assim dizer, facto que os ajuda a poderem organizar-se em confrarias. Dentro do grupo dos peões, havia um grupo muitíssimo pobre e desfavorecido, os cavões. Estes viviam da sua atividade (se é que lhe podemos chamar assim) que era, na verdade, cavar terra, sobrevivendo da sua enxada por não terem posses para possuírem um arado, uma charrua ou animais muares. A juntar aos cavões, temos os jornaleiros (que trabalhavam à jorna) e os hortelãos (os que cultivavam as terras dos cavaleiros-vilãos). Inseridos num grupo à parte, ainda mais desfavorecidos, praticamente renegados, temos os mouros cativos (mas também havia os mouros livres, agrupados em mourarias). Os judeus estavam basicamente ao mesmo nível, ou seja, agrupavam-se nas judiarias, mas tinham uma melhor posição económica. Aliás, alguns havia que eram muito ricos, sobretudo os que se ocupavam de atividades mercantis e financeiras, tendo até, em alguns casos, contactos com a Coroa. Mesmo assim, eram descriminados face à restante população (por exemplo, o facto de serem confinados a viver em determinados sítios da cidade, é a prova mais que evidente). Tal divisão dentro do concelho torna-se uma menor preocupação face ao que está exposto no documento 4. Na verdade, à parte todas as diferenças entre os variados habitantes dos concelhos, aquilo que, de facto, não se queria, prendia-se com vagabundagem e mendicidade. Para evitar tal chaga social, os monarcas legislaram, à semelhança do que está exposto no documento, no sentido de suprimir os sinais de indigência que pudessem aparecer nos concelhos. Assim, e quem se recusasse a trabalhar e preferisse andar a pedir de porta em porta teria de ser reprimido. Ademais, ninguém deveria dar guarida a vadios e vagabundos sob pena de alguma punição. É por este fator que o lugar em que se vivia, dentro do concelho, determinava as regalias de cada habitante. Deste modo, os que habitavam na sede do concelho eram, claro está, mais afortunados. Portanto, podemos referir uma elite urbana que, desta forma, ganha um protagonismo acima da média e a que vamos chamar de homens-bons. Esta designação vai, assim, incluir, os homens mais poderosos do concelho constituída pelos mercadores e cavaleiros-vilãos, como já foi referido anteriormente, que desta forma vão ocupar as chamadas magistraturas municipais. Esta nata da sociedade urbana irá ter um reforço importante com os letrados (geralmente, filhos de mercadores que apostavam nos estudos e se tornavam legistas) que, com o seu conhecimento na área das leis, vão facilitar a redação das posturas municipais e terão a seu cargo funções burocráticas. Alguns destes “iluminados” pelas letras, terão a sorte de serem nomeados funcionários régios no concelho: almoxarifes, mordomo do rei, alcaide, entre outros. As cartas de foral têm, por fim, uma componente muito política: a proteção dos habitantes contra os abusos do poder senhorial, obstaculizando qualquer intervenção desses mesmos senhores nos assuntos da vida concelhia, dando desta forma mais motivação aos membros das autoridades concelhias de fazerem mais e melhor pelo desenvolvimento urbano do seu município. No entanto, o próprio rei, por vezes, tem comportamentos semelhantes aos senhores feudais, cobrando aos habitantes das cidades direitos de tipo senhorial, como a jugada, o relego, a pousadia não deixando, facto curioso, de estabelecer com essas populações uma aliança tácita contra os abusos do senhorialismo, sendo quase uma frente comum de luta (habitantes dos concelhos + rei). Por isso, e ponto alto da afirmação das elites urbanas e do poder concelhio é a sua convocação pelo monarca Afonso III para as suas cortes. Algo havia mudado.

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GRUPO III 1. O papa vem justificar-se, nesta bula, que depõe (note-se bem o grau de poder que o papado detém nesta altura) o rei Sancho II pela atitude que ele próprio tende a considerar pesada mas necessária. Segundo o papa, Portugal estaria afundado num verdadeiro reino de trevas do qual só a intervenção do representante máximo de Deus na Terra poderia salvar: (…) querendo levantar esse reino do abismo onde tantas desgraças o conduziram (…). Operação iminentemente política, o papa já tinha, no entanto, à data da publicação desta bula (1245), um outro rei na manga para Portugal e, impõe-no, tacitamente, aos portugueses: (…) advertimos, rogamos e diligentemente exortamos a todos vós, que, para remissão dos vossos pecados, obedeçais rigorosamente ao nosso dileto filho, o nobre conde de Bolonha [futuro D. Afonso III] (…) Quando ele aí chegar junto de vós, prestai-lhe fidelidade, homenagem, juramento e concordância, como o próprio rei ou outra pessoa (…). Acusado de uma (…) deliberação insensata (…), Sancho II é caracterizado pelo papa como um verdadeiro infiel e um traidor da causa cristã: (…) pondo em prática uma deliberação insensata, para grave ofensa de Deus e espezinhamento da liberdade eclesiástica, oprimiu desmedidamente as igrejas e mosteiros existentes no reino com variados impostos e vexames tanto por si próprio como por intermédio da sua gente e permitiu de bom grado que por outros fossem vexados conforme a vontade destes (…). Na verdade, Sancho II, ainda antes de ser deposto, havia sido excomungado, em 1238, por Gregório IX, numa atitude já prenunciadora daquilo que passados alguns anos iria acontecer, tal como podemos verificar no documento. Essa excomunhão, bem como a consequente deposição tiveram a ver com as variadas contendas entre o monarca e o clero que se arrastaram ao longo de todo o seu reinado. A “deliberação insensata” cometida por Sancho II envolveu conflitos variados com muitos dos bispos da época, casos dos bispos de Lisboa, do Porto e da Guarda ou, também, com o arcebispo de Braga que, sobretudo, se queixavam constantemente das intromissões que o monarca fazia através dos seus funcionários régios que investigavam os abusos das muitas prerrogativas que o clero não queria, de modo algum, prescindir. Estas queixas chegaram a Roma e, daí, a diabolização que é feita pelo papa ao rei, desautorizando-o completamente e interferindo de forma direta nos assuntos internos do nosso país. D. Sancho II lutou, de facto, contra os abusos de poder levados a cabo pela nobreza mas também pelo clero. De notar que, em 1245, quando D. Sancho II é deposto, o papa considerá-lo-á um rex inutilis, facto que pretendeu aniquilar, em absoluto, toda e qualquer possibilidade de confiança no rei, de modo a colocar no poder o seu irmão, Afonso, conde de Boulogne. A “deliberação insensata” vem, assim, no seguimento do pai de Sancho II, D. Afonso II, que foi pioneiro no processo de afirmação do poder real em Portugal. Os acontecimentos que se seguiram a esta bula, foram dois longos anos de guerra civil, até 1247, altura em que a fação de Afonso, finalmente, conseguiu impor-se em Portugal. 2. A expansão senhorial no nosso país foi um facto consumado desde a altura em que os monarcas concederam terras à nobreza e ao clero, como recompensa pelo seu auxílio no processo de Reconquista cristã. Na verdade, e juntamente com essas terras, o conjunto de privilégios que foi concedido, nomeadamente o direito de imunidade, transformou estes nobres e membros do clero em indivíduos extremamente prepotentes e com sede de poder que se materializou pela expansão indevida dos seus domínios para áreas que não lhes pertenciam, sendo que algumas delas eram, precisamente, áreas realengas, ou seja, pertencentes à Coroa. Por isso, não é de estranhar o permanente clima de tensão que vai caracterizar o reinado de Sancho II, entre Coroa e grupos sociais privilegiados (no caso deste monarca, sobretudo com o clero). No entanto, é com o pai de Sancho II – Afonso II – que se pode falar em génese e apogeu no combate à expansão territorial. O combate aos abusos do poder senhorial começou, com grande pujança, com este monarca. Afonso II vai empenhar-se na elaboração de uma longa legislação de enquadramento das funções régias de modo a tornar o poder real superior a qualquer outro. As resistências começaram por parte de quem se sentia diretamente mais ameaçado, a nobreza que não abdicava dos seus privilégios de grupo e não iria engolir um poder que se sobrepusesse ao seu e que lhes limitasse o seu campo de ação. Afonso II preparou um corpo próprio de juízes que iria trabalhar diretamente para si de modo a fomentar uma rede judicial coesa que limitasse os poderes senhoriais, sobretudo no que respeitava ao exercício da justiça por parte deste grupo. Esta rede judicial teria margem de manobra por todo o país e dependeria diretamente do monarca. Afonso II propunha-se acabar com as muitas injustiças cometidas, durante décadas, pela nobreza, tomando para si o papel de defensor dos fracos e dos oprimidos,

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facto que desde logo suscitou o ódio da nobreza que passaram a ver no monarca o seu mais direto inimigo. No que respeita ao clero, Afonso II conseguiu controlado de outra forma. Consentindo no privilégio do foro eclesiástico e comprometendo-se a seguir sempre a vontade da Igreja de Roma e, desta forma, isentando-os em matéria de foro criminal e do pagamento de impostos, o monarca conseguia a sua aprovação. No entanto, tal não impediu que Afonso II tivesse atenção a possíveis abusos, hipotéticos, dos senhores eclesiásticos e, dessa forma, tivesse procedido às chamadas leis de desamortização (leis que impediam mosteiros e igrejas de comprarem propriedades fundiárias). Outro passo para esta verdadeira centralização do poder foi a decisão tomada em 1220, as chamadas Confirmações e Inquirições Gerais, fruto de uma iniciativa já iniciada em 1216, em que Afonso II decidiu estabelecer que tanto membros da nobreza como do clero que tivessem bens, prerrogativas e jurisdições teriam que solicitar, obrigatoriamente, a respetiva confirmação de propriedades e direitos por parte da Coroa que, desta forma, controlava de forma férrea, as terras e privilégios concedidos anteriormente aos grupos sociais privilegiados. As cartas de confirmação eram então passadas pela chancelaria real e as cópias eram conservadas no arquivo da Coroa no qual todos os monarcas vindouros poderiam consultar informações relativas às propriedades e direitos senhoriais. Assim, as Inquirições Gerais, de 1220, procederam a um verdadeiro rastreio de possíveis abusos cometidos pelos senhores dominiais. Pretendia-se, desta forma, controlar, no seguimento do já vimos, as usurpações patrimoniais sucessivamente levadas a cabo, muito particularmente nas regiões de Entre Douro e Minho e na Beira Litoral. É nestas áreas, precisamente, que vamos ter uma maior presença de funcionários régios, algo que fez com que a oposição senhorial se crispasse cada vez mais contra o poder real que, desta maneira, se afirmava em definitivo. Por isso, as relações com a nobreza deterioraram-se por completo e as relações com o clero também. Para além de uma guerra civil, os confrontos com bispos e, sobretudo, com o arcebispo de Braga, tornaram-se frequentes. Ora, perante todo este contexto, não estranhemos a atitude de D. Sancho II que, a partir de 1223, continuou na senda do combate aos abusos das prerrogativas reais. As contendas entre a Coroa e as autoridades eclesiásticas agravaram-se com o fim que podemos verificar no texto e que já abordámos na resposta à questão anterior. Exercícios Propostos (pág. 193) 1.1. As cidades são o símbolo da prosperidade do século XII, referido no documento; porém, são também, e ao mesmo tempo, focos de miséria cada vez mais crescente, resultado da constante chegada de camponeses em busca de uma nova vida que, na verdade, não é acessível a todos, porque a capacidade de resposta ao êxodo rural é mínima. Perante isto, os miseráveis da sociedade urbana proliferam em todo o espaço citadino e tornam a cidade numa moeda de duas faces: de um lado, os abastados, a burguesia florescente ligada aos negócios e à administração municipal, a pequena burguesia artesã e com as suas oficinas ou as suas bancas de venda ao público; do outro lado, uma massa miserável, paupérrima, esfomeada, suja, desprotegida, de recém- chegados ao burgo e que provocam, inevitavelmente, um crescente sentimento de compaixão por parte de todos quantos compartilham o mesmo espaço. Por isso, um novo sentimento de religiosidade que se prendia não tanto com as sensações transmitidas, por exemplo, com a catedral gótica, mas tão-somente com o sentimento de caridade que surge na mente dos abastados (e mesmo dos outros que, não vivendo próximos da miséria, viviam ao lado dela) e que se prende com a ideia de caridade, de dádiva ao outro. Por isso, o autor do documento afirma que (…) reforçou-se o sentimento de que ser cristão, não era apenas fazer certos gestos, recitar determinados salmos, mas lembrar-se de que um rico tinha poucas hipóteses de entrar no Reino dos Céus (…), isto é, não bastavam as idas às missas, o sinal da cruz ou o pagamento de dinheiro à igreja, mas era preciso mais: ser-se caridoso, auxiliar os que nada tinham. Passava a pesar na consciência de quem muito tinha que, se não ajudasse os mendigos, os desenraizados, não seria eleito para fazer parte do reino dos céus e arderia para sempre no inferno. Na verdade, tal só provocava (…) Inquietude (…) nos mais abastados. 1.2. Numa cidade onde os pobres se multiplicavam com a mesma velocidade com que se intensificavam as trocas comerciais e um novo sentimento religioso acompanhava esta dupla face da urbe, surge igualmente um novo tipo de ordens religiosas que encontra na cidade,

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precisamente, o terreno ideal para se implantar e levar a cabo a sua atividade: as ordens mendicantes. Como o próprio nome indica, tratava-se de monges que viviam pobremente e despojados de bens materiais, dedicando a sua vida a ajudar aqueles que necessitavam, de facto, de ajuda para sobreviver, designadamente os recém- chegados à cidade, completamente desenraizados de tudo e, sobretudo, dos seus anteriores laços de solidariedade que caracterizavam a sua anterior vida de camponeses. Assim, estes monges, grande parte deles filhos de grandes mercadores, nascidos em berço de ouro, como o foi São Francisco de Assis, sentiam-se genuinamente imbuídos da missão de ajudar o seu próximo e, sobretudo, os que se encontravam numa situação de miséria extrema, fruto dos pontos que já abordámos na resposta anterior. Destaque para a ordem dos Franciscanos e dos Dominicanos que, no contexto que abordámos, vão ter um papel principal na nova religiosidade que caracteriza as cidades medievais, não só entre os que acabavam de se instalar nas cidades, mas também entre os miseráveis e desprezados que já lá habitavam, e tal como faz referência o documento, caso das prostitutas e dos leprosos. Surgem, desta forma, ao lado da cidade, mosteiros quase especializados no acolhimento temporário dos famintos e necessitados, onde sempre havia um albergue e uma enfermaria (algumas vezes com uma leprosaria). Todas estas infraestruturas eram da total responsabilidade das ordens mendicantes que, desta forma, também evangelizavam os descrentes. Eram, assim, a tábua de salvação, de muitos habitantes do burgo. 1.3. Bernardo, Benedito, Francisco e Domingos são os quatro fundadores de importantes ordens mendicantes que, no quadro conjetural dos séculos XII/XIII, assumirão um papel fundamental para a proliferação do catolicismo por toda a Europa, sobretudo entre os mais desfavorecidos. Na verdade, a ordem dos Bernardinos e dos Beneditinos adquirem a sua fama e prestígio pela fundação de mosteiros um pouco por toda a Europa ocidental e, em particular, nas áreas rurais, afastadas do buliço das cidades. Por isso, Bernardo amou os vales, Benedito as montanhas(…). Os seus mosteiros tornaram-se centros de produção literária mas, sobretudo, locais que acolhiam peregrinos, mendigos, viúvas, doentes, foragidos, entre outros. No entanto, o seu local de implantação foi longe da cidade, precisamente ao contrário de Francisco de Assis e de São Domingos, fundadores, respetivamente, das ordens Franciscana e Beneditina (…) Francisco as cidades, Domingos as cidades as cidades populosas (…). Estas duas últimas ordens mendicantes elegem a cidade, onde uma massa de desenraizados se acumula e a pobreza extrema prolifera, como o seu campo de “batalha”. A populaça sentir-se-á confortada por alguém que, pela primeira vez, estava do lado deles, os ouvia, auxiliava e dava-lhes a atenção que o clero secular não dava. Bernardo, Francisco, Benedito e Domingos tiveram em comum, igualmente, o facto de serem oriundos de famílias abastadas e que decidiram, num corte radical com o ambiente em que foram criados, desligar-se de qualquer bem e viver em pobreza, assumindo uma militância evangelizadora que, à época, encheu vales, montanhas, cidades pequenas e grandes, do verdadeiro espírito cristão. 2.1. O documento constitui uma das muitas composições poéticas do nosso rei D. Dinis, um dos expoentes da poética medieval e que marcou a produção literária da Idade Média em Portugal. Na verdade, impregnado por uma influência que já se fazia sentir um pouco por todas as casas reais europeias, o nosso monarca não ficou imune à influência de uma cultura cortesã, isto é, a um ambiente de forte produção cultural que vai marcar as Cortes régias da época. Cultura cortesã porque emanada da Corte e, logo, sob influência da vivência nobre junto do seu rei. Os monarcas, senhores de vastas fortunas, reuniam à sua volta trovadores, músicos e poetas, desenvolvendo, desta forma, uma vastíssima produção cultural. As cantigas de amigo, de amor (como aquela que nos é apresentada no documento e em que D. Dinis canta o seu amor por uma dama), de escárnio ou maldizer, mas também dos chamados romances de cavalaria ou de crónicas, fazem parte de uma cultura que podemos denominar como erudita e que é domínio exclusivo da Corte e daqueles que a frequentam. No entanto, e fora deste círculo elitista, podemos dizê-lo, uma outra cultura, ligada ao quotidiano dos mais desfavorecidos, acompanhando os ritmos dos dias, dos trabalhos, da rotina difícil da existência da esmagadora maioria da população, marcava esse mesmo dia a dia que se distanciava dentro do que se passava no interior das Cortes europeias. Referimo-nos a uma cultura mais popular, ligada às raízes pagãs da civilização europeia, como é o caso do carnaval, representado eximiamente na pintura de Pieter Bruegel, em que os membros do povo festejam uma das raras ocasiões da sua existência durante o ano, em que eram permitidas determinadas atitudes, digamos, menos cristãs, como rir à gargalhada, dançar e pular até à

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exaustão, levar a cabo pequenas partidas e brincadeiras consideradas impróprias na restante época do ano. É aqui, na verdade, que residia a diferença entre cultura popular e cultura erudita. Passada de geração em geração, aplicava uma maneira muito própria de interpretar o real e o sagrado, adaptando-os ao credo cristão. Assim, a Igreja católica aceita a herança pagã, mas “mascarada” de traços cristãos. Exercícios Propostos (págs. 208 e 209) 1.1 O pensamento medieval, centrado num permanente temor a Deus e num monopólio intelectual da Igreja, desvanece-se a partir do momento em que os portugueses ousam enfrentar o grande mar atlântico e provar que as lendas e mitos medievais que povoavam as mentes dos europeus não passavam, afinal de contas, disso mesmo, de invenções fantasiosas que haviam limitado o Homem no seu conhecimento, nas suas expetativas de vida e, na verdade, na sua própria felicidade, porque confinados a uma existência de permanente medo e certos de que o mundo se limitava ao negrume quotidiano da Europa: da peste, da fome e da guerra perpétuas. Assim, quando os portugueses e, mais tarde, os espanhóis, durante todo o século XV, descobriram os “novos mundos” em África, na Ásia e na América (Cristóvão Colombo, no documento 5, pensava ter chegado à Índia), graças à evolução das técnicas náuticas que foi condição essencial para o processo de expansão e descobrimentos (documento 4), todo um novo sistema de pensamento ultrapassou o arcaico pensamento medieval, tendo catapultado o Homem para o lugar cimeiro do conhecimento, sobretudo enquanto transmissor primordial do mesmo. As novas visões do mundo que instalaram uma era revolucionária em termos do conhecimento chegavam, desta forma, sob a forma de relatos, desenhos (como os apresentados nos documentos 1 e 3), cartas náuticas, entre outros, feitos por marinheiros, cartógrafos, testemunhas principais dos primeiros contactos com os novos povos (documento 1), com toda uma variedade da fauna e flora exóticas (documento 3), que também fascinam, por completo, os artistas mais notáveis do Renascimento (note-se como o pintor alemão Hans Memling, documento 2, retrata o encanto com que um jovem rapaz olha para o macaco e o cuidado com que lhe toca, fascinado). Muito para lá da quebra dos mitos e lendas irracionais, são os novos dados sobre o mundo que se ia descobrindo que, a um ritmo pouco comum à época, vêm provocar mudanças diárias no quotidiano vivencial do europeu comum. As visões dos que descobriram novos mundos punham termo, desta forma, ao sistema de pensamento antigo que, até aí, tinha dominado a Europa. 2.1. Visivelmente orgulhoso em ser italiano, o autor deste documento, Francesco Guicciardini, traça-nos, em jeito de elegia, um quadro radioso da Itália renascentista. Pela sua descrição, o território italiano teria reunidas todas as condições, e a todos os níveis, para que aí germinasse a semente do Renascimento. Essas condições poderiam resumir-se a uma conjuntura social, económica, política e cultural que, agindo como um todo, teria sido o embrião perfeito para esta agitação cultural que mudaria, por completo, o panorama europeu, fora as repercussões que teria na dinâmica histórica dos séculos que se seguiriam (Esta felicidade, adquirida pela conjunção de circunstâncias, sustentavam-na muitos motivos.). Em termos económicos, o autor menciona a muita (…) prosperidade (…), bem como a abundância em (…) mercadorias e de riquezas (…). Por outro lado, as condições sociopolíticas elencadas também pareceram contribuir para o fulgor italiano, já que os territórios italianos estavam (…) Em completa paz e tranquilidade (…), atravessando um período, ao que parece, de afastamento de conflitos e de alheamento de disputas territoriais (… ) não submetida a outro poder, além do seu próprio (…). A juntar a este quadro, outros fatores contribuíam para que a Itália fosse terreno fértil para o surgimento do Renascimento, casos da coesão entre poder temporal e espiritual (…) domínio e a majestade da religião (…), a existência de líderes políticos que agrupavam em seu torno os apoiantes necessários para levar a cabo políticas sólidas de desenvolvimento: (…) magnificência de muitos príncipes (…) esplendor de muitos nobres e belíssimas cidades (…) excelência dos seus homens na administração de assuntos públicos (…). A finalizar, os italianos pareciam ter uma superioridade na arte da guerra (…) e também não privada (…) da glória militar (….) Portanto, à época, a Itália parecia, definitivamente, um oásis numa Europa ainda imbuída de tiques medievos. Daí, ter sido o verdadeiro berço do Renascimento.

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3.1. Pioneiros na descoberta e exploração do planeta através dos oceanos, os portugueses deram um enorme contributo, se não o maior, para a evolução da técnica náutica e para todos os outros ramos do conhecimento que, a partir daí, conheceram uma evolução exponencial. Em suma, podemos referir que as técnicas e os conhecimentos progridem a um ritmo imparável (especialmente, e repetimo-lo, a nível da cartografia e da náutica) e os efeitos colaterais que daí advirão refletir-se-ão em áreas como a que é focada no documento, ou seja, no que respeita às armas de fogo e a todos os artefactos bélicos a elas associados, ou seja, falamos da arte da guerra (….) todos os seus engenhos (peças de artilharia) foram preparados (…) o duque mandou construir duas pontes em Bouvignes para passar o rio Mosa). As memórias que podemos ler reportam-nos para o estado de guerra permanente que, em pleno despontar do Renascimento e dos seus mais caros valores, convivem lado a lado. Duas faces de uma época profundamente antagónica: a constante violência do quotidiano (…) começaram a dar tiros com grande impetuosidade e não pararam durante três ou quatro horas (…) Era um verdadeiro inferno estar lá, por causa da morte, barulho e perturbação que os engenhos faziam cair sobre a cidade (…) morreram trinta e dois homens do conde(…) um valente cavaleiro ficou com a cara toda queimada (…), e os novos valores ligados ao interesse pelo Homem e pelas suas capacidades, ao individualismo, ao espírito crítico, à representação do belo através da recuperação do ideário clássico (da Antiga Grécia e da Antiga Roma) que, na verdade, é a outra face de uma Europa que padecia de uma doença crónica, a guerra, e da devastação constante por ela causada (…) morte, barulho e perturbação(…) sobre a cidade. (…) muralhas e as torres (… )terem sido danificadas, e de terem sido deitadas abaixo mais de sessenta pés de muralhas (…). Em suma, numa época em que os humanistas se debruçavam sobre as virtudes do Homem enquanto ser que era o agente principal que conduziria o mundo à felicidade, à obtenção de conhecimento e à desmistificação do obscurantismo medieval, esse Homem mostrava o quão determinado estava em continuar envolvido em guerras intermináveis que disseminavam sofrimento por toda a Europa, mesmo na chamada Europa civilizada da época. Exercícios Propostos (págs. 230 e 231) 1.1. As palavras de Jean Delumeau parecem dar-nos a resposta a esta questão. A imprensa representou (…) uma das maiores invenções do Renascimento (…) e, de facto, podemos ir mais longe que o autor, quando ele diz que a mesma (…) beneficiou a vida intelectual (…) e afirmar, claramente, que a humanidade libertou-se, com o aparecimento desta arte da impressão, de uma extrema ignorância que grassava na mesma há demasiados séculos. Ao permitir que o conhecimento se pudesse alargar até todos os que aprenderiam a ler e a escrever, e não a um grupo de supostos iluminados, como o eram alguns membros do clero, a imprensa libertou os homens, no sentido em que lhes permitiu libertarem-se de uma série de ideias tidas por dogmáticas e, até esse momento, inacessíveis à esmagadora maioria dos europeus. Por isso, o autor salienta que, por estes motivos, a imprensa foi considerada, à época, (…) uma arte divina e o símbolo de uma nova idade de ouro (…). O autor reforça esta ideia ao afirmar que a revolução trazida pela imprensa trouxe outro impulso: (…) a imprensa correspondia a um poderoso apelo ao conhecimento (…) mas, de igual forma, tinha sido o corolário (…) das exigências crescentes da civilização ocidental (…). Concluindo, a imprensa foi condição e consequência do progresso intelectual do seu tempo, (…) um meio poderoso – e verdadeiro revolucionário – da difusão da cultura (…). Aquilo que, até aí, era considerado só acessível a uma elite, passava a ser algo, finalmente, possível à mão de (quase) todos: (…) Ao livro- joia de outros tempos (…) sucedeu o livro-utilidade, menos pobre pela matéria-prima e pela apresentação, mas incalculavelmente mais barato (…); logo, acessível a mais população; logo, um verdadeiro meio de cultivar os europeus. 1.2. Jean Delumeau destaca, de imediato, a área que, por consequência, foi obrigada a desenvolver-se, intimamente ligada à imprensa: (…) suscitou (…)um admirável avanço na indústria do papel(….). Ora, para além desta indústria, ligada à técnica de fabrico do papel a partir de trapos de linho e de cânhamo, a técnica de trabalho com a madeira também foi obrigada a mudar. (…) um holandês (…) com um processo utilizado pelos chineses (…) teria tido a ideia (…) de utilizar letras de madeira isolada, que reunia para compor e imprimir textos (…). Assim, obtiveram-se as primeiras impressões xilográficas, obtidas com peças de madeira gravadas.

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Imagens religiosas, calendários, textos escritos e até cartas de jogar foram, então, muito divulgadas. Daqui até à tipografia de Guttenberg e às tiragens em grande número (isto é muito relativo tendo em conta os nosso dias, como é óbvio) foi um passo. Em 1450, este alemão abre uma oficina de tipografia em Mayence (semelhante à que nos é apresentada no documento 1) e começou a fundir, numa liga de chumbo, estanho e antimónio, todos os carateres móveis e, mais do que isso, concebia uma matriz que era manejada com relativa facilidade e apropriada aquilo a que poderíamos denominar, hoje em dia, uma produção em grande escala. Os fundidores que trabalhavam nessa oficina (e que podemos ver na imagem) inventaram, por sua vez, o prelo ou prensa de impressão, já dotada de um carro móvel que permitia a impressão do futuro livro. Para além disto, foi criada uma tinta espessa, resultado da mistura de substâncias variadas que permitia que a tinta, ao contrário do que acontecia anteriormente, não escorresse no metal. Concluímos, assim, que várias áreas do conhecimento tiveram que ser aperfeiçoadas para se conseguir esta proeza chamada imprensa. 1.3. Se atentarmos bem na imagem representada no documento 1, apercebemo-nos, de imediato, dos sinais do avanço da tecnologia e aos quais, na resposta anterior, já fizemos algumas alusões. Na verdade, para além dos avanços na indústria do papel, do trabalho da madeira e até de conhecimentos ligados à química (devido à nova tinta utilizada), o atelier de imprensa assemelhar-se-ia a uma unidade industrial de tipo familiar em que o avanço na técnica era bem visível. O autor desta imagem não fez a coisa por menos e foi, no mínimo, preciosista, presenteando a nossa vista com os mais diversos detalhes provando que, no mínimo, não haveria margem para dúvidas acerca do funcionamento da oficina de impressão. Assim, e numa primeira impressão, vemos um parafernália de máquinas, mesas, objetos de escrita variados, placas com letras e números, concluindo-se, desde logo, que o génio da técnica estava ali presente. Temos, entre outros, uma placa de impressão de carateres móveis, placas compostas, e uma prensa enorme para a impressão dos carateres na folha. A imprensa foi muito mais do que um simples avanço, foi um passo gigantesco para o devir da humanidade. 2.1. Ninguém diria que a revolução científica que iria iniciar-se na Época Moderna teria origem num cónego polaco, de seu nome Nicolau Copérnico. Este homem, também astrónomo de vocação, formulou uma teoria cosmológica que veio a constituir um verdadeiro corte com as teses aristotélico-ptolemaicas acerca do universo. Tendo estudado, por algum tempo, em algumas universidades italianas, Copérnico teve contacto com o ideal pitagórico da análise matemática e, daí, tiraria muitas das suas conclusões posteriores. Regressado à sua terra natal, constrói o seu próprio laboratório/observatório onde conclui haver grandes discrepâncias entre o sistema aristotélico-ptolemaico e as suas próprias observações. Na Grécia Clássica, porém já alguns filósofos tinham tirado conclusões semelhantes. Por isso, Copérnico sentiu-se à vontade para formular uma nova teoria sobre o funcionamento do universo. Na verdade, ele vai negar a Teoria Geocêntrica que tinha feito escola durante a Idade Média e que defendia que todos os corpos celestes, incluindo o Sol, giravam, em movimentos circulares e uniformes, em torno da Terra que ocupava, desta forma, o centro do universo, e contrapor com a chamada Teoria Heliocêntrica, isto é, o Sol é que estava no centro do universo e os planetas descreviam à sua volta órbitas circulares cuja duração correspondia à distância a que se encontravam daquele astro. Ora, nós sabemos ser isto, hoje, perfeitamente verdade (chamamos-lhe movimentos de rotação e translação). Na época, Copérnico não teve noção do impacto da sua teoria. De repente, a Terra perdia o lugar privilegiado no centro do universo, tornando-se, apenas, mais um ponto em relação à esfera celeste. Os líderes protestantes rapidamente o criticaram mas os católicos não pareceram muito incomodados com esta teoria, tanto que Copérnico até dedicou a obra onde expôs a sua teoria – De Revolotiunibus Orbium Coelestium – ao Papa Paulo III. Apesar de a sua teoria carecer de uma verdadeira base científica, ou seja, de um alicerce experimental, tal era a verdade sob o sistema solar, sendo que, no entanto, Copérnico continuava a defender a ideia de movimentos circulares dos planetas bem como a conceção do universo finito. Quando, já no século XVII, em 1616, o Índex colocou na sua lista negra a obra de Copérnico, considerando-a herética, astrónomos notáveis como Galileu Galilei foram julgados pela Inquisição (na imagem) que, no caso de Galileu, o obrigou a retratar-se mas, no caso de outros, condenou à morte (caso, por exemplo, de Giordano Bruno que foi condenado à fogueira). Todavia, a visão do universo estava definitivamente mudada e a astronomia moderna iniciada.

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3.1. Fruto da expansão e descobrimentos portugueses, o conhecimento do mundo conheceu mudanças exponenciais e, a tal, não fugiu, igualmente, a mudança que se deu no campo das ciências exatas, sobretudo da matemática. Na verdade, um dos contributos (dos muitos que temos falado) do Renascimento foi uma progressiva viragem para a ciência quantitativa e para a matemática. Imbuídos do classicismo típico da época, os eruditos renascentistas entusiasmaram-se com as teorias pitagóricas que privilegiavam o número e manifestaram um interesse notável pelos estudos matemáticos. Cientistas como Nicolau de Cusa vêm salientar a necessidade de submeter ao cálculo os resultados da experiência. Assim, não é de admirar que a ciência matemática tenha conhecido progressos notáveis pelo século XVI adentro e continuado pelos séculos seguintes. Ora, acompanhando a formação dos impérios coloniais europeus, surgiu a chamada economia de mercado (ou o embrião dela) e esta, indissociavelmente, ligada à ciência matemática. Esta economia de mercado surge, ao mesmo tempo, ligada a uma mundialização da economia e são precisamente estes fatores que nos conduzem ao conceito de mentalidade quantitativa ou quantitativista. O aumento do volume de negócios mundial a partir da 1.ª metade do século XV e a complexificação dos números (quantidades de mercadorias, preços de vendas, produto importado, produto exportado) tornam necessária a quantificação. Tudo se quantificava porque o mundo mudava ao haver novos mundos no mundo! (Repare-se bem na imagem do documento 4). É assim que a numeração romana é substituída pela numeração árabe, muito mais facilitadora das operações de contagem. Com a imprensa no seu auge, multiplicam-se os manuais de aritmética por toda a Europa. Também no setor político-administrativo o número torna-se imprescindível à medida que o Estado moderno vai moldando os seus reais contornos. O aumento das despesas de guerra, com os progressos do armamento e com a constituição de exércitos permanentes e ainda a coleta de impostos exigem que as finanças se organizem e que exista uma contabilidade pública. O número passava, assim, a fazer parte, não só dos vulgares cambistas (na imagem, a organizarem a sua contabilidade) mas de todo o quotidiano europeu. Exercícios Propostos (págs. 250 a 252) 1.1. Um dos “motores”, digamos, se assim lhe podemos chamar, da agitação renascentista na Europa serão, sem dúvida, os mecenas. Exercendo o mecenato, prática advinda da sua abastada situação económica (sobretudo da burguesia, mas igualmente de uma nobreza de corte), os mecenas deram um enorme contributo para a enormíssima produção cultural deste período. Querendo ostentar a sua riqueza e, ao mesmo tempo, procurando competir com os seus vizinhos e rivais, estes homens procuraram, por todos os meios, ter os melhores artistas ao seu serviço e, dentro deste termo – artistas – podemos incluir pintores, escultores, arquitetos, poetas, historiadores. Em comum, o facto de todos estes “artistas” serem intelectuais tidos como indivíduos de excecional capacidade para criar obras de arte. Portanto, a classe abastada da época decidiu protegê-los, cumulá-los de benesses, acarinhá-los ao máximo com o fito de aproveitar a sua imensa criatividade que, dessa forma, estaria ao seu serviço para ostentar a riqueza dos seus Estados ou das suas famílias. As elites burguesas e cortesãs embelezaram assim os seus palácios, as suas cidades, as suas Cortes (prática do mecenato). Peter Burke, autor do documento 1, realça a influência que a (…) novidade e a moda (…) provocaram. Duas palavras que conduziram a que famílias como os Médicis, os Bórgia, os Este, os Sforza, os Montefeltre, os Malatesta, entre outras, protegessem, como se fossem membros da sua própria família, artistas e intelectuais que viveram, desta forma, protegidos e confortavelmente instalados até ao final da sua vida. Digamos que estes mecenas foram aquilo a que hoje denominaríamos de patrocinadores mas, de uma forma completamente diferente. O mecenato não se limitou a um patrocínio, mas a uma proteção e superlativação de pessoas dotadas de um notável sentido artístico e/ou literário. 1.2. As Cortes modernas foram o berço de muita (e da melhor) da produção cultural do Renascimento. Peter Burke (documento 1) expõe precisamente esta teoria: (…) o facto de o príncipe e dos seus companheiros sentirem necessidade de se distraírem à noite com a poesia ou com a música, ou jogando xadrez ou jogos de azar, ou mesmo inventando anagramas, divisas, adivinhas ou cortejando as damas, favoreceu a transformação da corte em centro cultural (…); (…) a importância da novidade e a moda, fizeram da Corte, neste contexto, um dos principais centros

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de inovação cultural (…). Tal como as grandes famílias abastadas da burguesia italiana, soberanos, príncipes, condes, duques, entre outros membros das casas reais da altura, bem como os próprios Papas (alguns deles, provenientes das mais eminentes famílias da burguesia italiana) entusiasmaram-se com a ostentação da sua riqueza, tendo-a transformado numa intensa produção cultural (…) Os primeiros anos do século XVI constituíram um período particularmente favorável para o mecenato na literatura, nos estudos e nas artes, primeiro com os papas Júlio II e Leão X, depois graças ao imperador Carlos V e aos seus rivais, Francisco I e Henrique VIII. Erasmo chegou a definir a corte de Henrique VIII como a “sede e a cidadela dos estudos humanistas (…). Desta forma, o espaço corte via passado para segundo plano o seu pendor marcadamente político e, em seu lugar, torna-se num espaço onde a cultura era, daí para a frente, senhora e rainha. Na verdade, a Idade Média (lembremo-nos, por exemplo, da Corte de D. Dinis) já havia dado sinais que as Cortes poderiam ser espaços onde a cultura também poderia e devia ter lugar. Portanto, como diz o autor do documento 1, (…) A Corte era uma instituição onde conviviam muitas funções diferentes…). 1.3. Centros irradiadores de cultura, os palácios e Cortes, mostravam bem como os mecenas estavam rodeados de intelectuais ligados à arte e literatura. Querendo mostrar como a sua riqueza era suficientemente vasta para possuírem os melhores palácios, as melhores esculturas, as melhores pinturas e a melhor produção artística, burgueses e membros da Corte não se cansaram de, desta forma, ostentar a sua fortuna e o seu poder. O documento 1 evidencia esses espaços como (…) centros de inovação cultural (…). Na verdade, protegendo os génios renascentistas (assim eram vistos os intelectuais e artistas da época), os mecenas tiravam daí todo o proveito possível para mostrarem como as suas cidades, Cortes, palácios, Estados eram pujantes em riqueza e poder pela quantidade de obras de arte que podiam exibir e tornar modelos para os seus vizinhos. As maiores prioridades dos mecenas eram, assim, a posse de obras literárias, grandes obras de arquitetura, estátuas, retratos, quadros, entre outros, sinais exteriores da sua imensa riqueza. Por isso, numa das famílias ligadas ao mecenato, como os Montefeltre (documento 2), se mostrava essa ostentação de forma a impressionar os que frequentavam os seus palácios. O autor do documento 2, Baldassare Castiglionne, parece ter frequentado a casa de uma famosa duquesa – Elisabeth Gonzaga Montefeltre - pertencente à família em questão e, na sua obra O Cortesão, expõe o ambiente que impressionava os convidados da mesma: (…) entre as festas, concertos e danças, havia um salão onde tanto se discutiam elegantes questões, como se entregavam aos jogos engenhosos e de sociedade propostos por um ou por outro, no decurso dos quais muitas vezes, sob disfarces variados, os participantes revelavam alegoricamente os seus pensamentos. Algumas vezes nasciam debates sob diversas matérias ou então havia despiques de ditos espirituosos. Tinha-se um enorme prazer em tais entretenimentos, porque a casa estava cheia de espíritos notáveis (…); (…) de modo que sempre apareciam nestes lugares poetas, músicos e todas as espécies de homens notáveis, os mais excelentes que se podem encontrar em qualquer género (…). Na verdade, o ambiente regularmente vivido na casa da duquesa Elisabeth Gonzaga Montefeltre só vem confirmar o que afirma Peter Burke, no documento 1, ou seja,(…)o facto de o príncipe e dos seus companheiros sentirem necessidade de se distraírem à noite com a poesia ou com a música, ou jogando xadrez ou jogos de azar, ou mesmo inventando anagramas, divisas, adivinhas ou cortejando as damas, favoreceu a transformação da corte em centro cultural (…). 1.4. Não é difícil perceber que as situações descritas nos dois documentos foram formas privilegiadas de passar os ideais renascentistas como o humanismo, o classicismo, o antropocentrismo, o espírito crítico, entre outros. Em ambos os casos relatados, temos um elemento comum: a constante presença de intelectuais no seio das grandes famílias burguesas e cortesãs. No documento 1, aborda-se a Corte como o palco nevrálgico para a produção cultural e, logo, fomento dos ideais renascentistas: (…) Dai a convicção de que a literatura teria um valor prático que podemos encontrar em O Príncipe, de Maquiavel, na Educação do Príncipe Cristão, de Erasmo (escrito para Carlos V) ou na Educação do Príncipe (escrito para Francisco I) (…). (Note-se a importância conferida a dois dos maiores humanistas do Renascimento, Nicolau Maquiavel e Erasmo de Roterdão, cujas obras eram tidas em grande conta para quem quisesse assumir-se como centro de produção cultural. No documento 2, a casa da família Montefeltre era, igualmente, centro de reflexão e discussão dos ideais renascentistas, fosse pelas atividades promovidas pela duquesa Elisabeth, fosse pela presença contínua de intelectuais sequiosos de boas discussões e

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debates: (…) entre as festas, concertos e danças, havia um salão onde tanto se discutiam elegantes questões, como se entregavam aos jogos engenhosos e de sociedade propostos por um ou por outro, no decurso dos quais muitas vezes, sob disfarces variados, os participantes revelavam alegoricamente os seus pensamentos. Algumas vezes nasciam debates sob diversas matérias ou então havia despiques de ditos espirituosos. Tinha-se um enorme prazer em tais entretenimentos, porque a casa estava cheia de espíritos notáveis (…). Estes espíritos notáveis são referidos pelo autor do documento 2: (…) o monsenhor Ottaviano Fregoso, o monsenhor Frederico, seu irmão, o monsenhor Julião de Médicis, o senhor Pietro Bembo, o senhor César Gonzaga, o conde Ludovico de Camossa, o monsenhor Gaspar Pallavicino e uma infinidade de outros cavaleiros. (…) os senhores Bernardo Bibbiena, Pietro Aretino, João Crisostoforo Romano, Pietro Monte, Terpandro (…), de modo que sempre apareciam nestes lugares poetas, músicos e todas as espécies de homens notáveis, os mais excelentes que se podem encontrar em qualquer género (…). Torna-se fácil perceber como os ambientes descritos eram completamente propícios à veiculação dos ideais renascentistas. 1.5. A crença no Homem e no seu poder (ligados a dois dos ideais mais caros do Renascimento, o humanismo e individualismo) são a inspiração mais forte para a literatura da época que, para além de se distanciar da típica literatura de cordel ou dos cancioneiros da Idade Média, torna-se numa verdadeira “arma” de arremesso contra poderes instituídos, exaltação do espírito crítico e, acima de tudo, uma reflexão política em grande escala, questionando o modo como, até à época, os Estados europeus dirigiam os seus destinos. Erasmo de Roterdão (autor de O Elogio da Loucura), como Nicolau Maquiavel (autor de O Príncipe), contemporâneos, simbolizam precisamente estas novas tendências da literatura europeia tendo como figura cimeira das suas obras, o Homem, e abordando-o nas suas variadas vertentes (desde a social à política, passando pela sua condição perante Deus). Estes dois humanistas conseguem criar toda uma escola de admiradores. Erasmo destacou-se pela sua crítica social mas, também, pela sua produção literária de cariz pedagógico, como a referida no documento 1, A Educação do Príncipe Cristão ou, ainda, na Educação do Príncipe. Na verdade, e podemos lê-lo no mesmo documento, tais obras converteram-no numa espécie de guru que muitos monarcas da Europa de então queriam ter ao seu serviço (Carlos V, Francisco I, Henrique VIII). Na mesma linha, Nicolau Maquiavel, com O Príncipe, tornou-se num modelo a seguir para muitos governantes dos Estados da Europa moderna. O advento da imprensa contribuiu, em muito, para que a influência destes dois homens se disseminasse pelas Cortes europeias. 2.1. A consciência da modernidade, a que se reporta esta questão, tem a ver com as mudanças que, na verdade, foram operadas na Europa a partir do processo de Expansão e Descobrimentos. Na verdade, a tónica colocada no ator principal da dinâmica histórica – o Homem – mudava, por completo, a visão teocêntrica que, até aí, havia dominado a mentalidade europeia. Modernidade, por isso. O génio humano era exaltado em todas as suas vertentes e tomado como um verdadeiro herói. No documento 1, Os Lusíadas, do humanista português Luís de Camões, podemos discernir essa exaltação dos feitos de homens – os Portugueses - que se sobrepuseram a outros feitos de caráter divino, por exemplo. Se não, vejamos: (…) Por mares nunca dantes navegados (…) Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana (…) edificaram Novo Reino(…) (note-se como Camões elenca os exemplos de coragem e força demonstrados pelos Portugueses, dos navegadores, marinheiros e outros, querendo fortalecer a ideia de que o Homem, per si, todos os perigos enfrentou, sem temor, sem vacilar, até impor a sua força noutros continentes). Mais à frente, Camões acrescenta: (…) memórias gloriosas daqueles reis (…) as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando (…) obras valerosas (…). Portanto, é o Homem que está no centro de toda a ação e é ele que é o sinal mais distintivo da modernidade. Todavia, não se pense que o interesse pelos clássicos foi escamoteado. Bem pelo contrário, Camões mostra bem a sua influência ao referir-se a homens, deuses e feitos da Antiguidade Clássica como Alexandre, o Grande, o imperador Trajano, os deuses Neptuno e Marte, entre outros. Na verdade, essas referências serviam de termo de comparação com os feitos dos Portugueses, mais uma vez, para os exaltar: (…) Cale-se de Alexandre e de Trajano A fama das vitórias que tiveram (…). Finalmente, e não esqueçamos, estamos perante uma epopeia, Os Lusíadas, inspirada nas epopeias clássicas, como A Odisseia ou A Eneida, que conta as realizações e conquistas de um povo que é o herói dos Lusíadas: Os Portugueses.

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2.2. A Antiguidade Clássica foi encarada pelos humanistas como o modelo mais perfeito de sociedade e das realizações humanas. Na Antiga Grécia como na Antiga Roma, e segundo a visão dos humanistas, o Homem e as suas capacidades haviam sido devidamente exaltados e alvo das atenções de todos os intelectuais que, sobretudo na escultura mas, igualmente na literatura, tomaram o Homem como modelo e como objeto precioso, exemplo para todos os seres.Com o Renascimento recupera-se esta paixão pelo génio humano e redescobre-se a Antiguidade. Ilustres homens dessa época dourada como Homero, Tucídides, Virgílio, entre muitos outros, a par com as suas obras, vão ser alvo de imitação e, eles que um dia haviam tomado o Homem vulgar como modelo eram, agora, eles próprios, o modelo a seguir já que, do ponto de vista dos humanistas continham as verdadeiras sabedoria e beleza que haviam sido perdidas e colocadas em segundo plano na Idade Média. Assim, humanistas como o nosso Luís de Camões, criaram obras onde imitavam os autores gregos e latinos, sobretudo recuperando o estilo épico e redigindo as suas obras precisamente nesse mesmo género literário. Com Os Lusíadas, epopeia ao modo português, Camões fez uma verdadeira homenagem à nossa língua, à nossa História, às nossas conquistas além-mar, ao engenho português mas, como podemos ver na última parte do documento, não esquecendo nunca as referências aqueles em que se inspirou: (…) Cessem do sábio Grego e do Troiano (…) cale-se de Alexandre e de Trajano (…) A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta (…). Ao longo de Os Lusíadas, Camões invoca, variadas vezes, a mitologia greco- romana (como no Concílio dos Deuses, por exemplo), prova de que a influência da cultura clássica foi determinante para a elaboração da sua obra. 3.1. O humanismo, o individualismo e o espírito crítico acabaram por conduzir às chamadas utopias. Por isso, (…) florescem em grande número na época do Renascimento (…). Jean Delumeau toca numa das verdades menos agradáveis do Renascimento: a existência profunda de um abismo social entre os muito ricos e abastados, ligados ao melhor que esta época teve e, por outro lado, uma imensa maioria de pobres e ignorantes que constituíam a massa populacional de uma Europa em mutação, de facto, mas que em nada beneficiaram do fenómeno cultural trazido pelo Renascimento. Na verdade, muitos humanistas tinham consciência desse estado de coisas (Delumeau refere, a propósito, o arauto, digamos assim, dos utópicos, Thomas More e a sua obra maior, A Utopia) e viviam o presente, de alguma forma, angustiados pela realidade (…) divórcio, muito duramente sentido por alguns (…). Na verdade, podemos referirmo-nos a uma fuga da realidade e, nesse sentido, as utopias eram modelos de sociedade construídas por oposição às daquela época, modelos esses que se caracterizavam pela existência de um mundo ideal, racional, com paz espiritual, feitos de igualdade, fraternidade, tolerância, liberdade, em franco contraste com o mundo de então: monarquias despóticas, grupos privilegiados que viviam num luxo e ostentação tremendos e em que, à sua volta, a maioria dos comuns morria à fome, corrupção do clero e do funcionalismo, guerras civis, fanatismo religioso, personificado pela Inquisição, entre outros aspetos menos agradáveis. As utopias, não sendo reais, propunham, todavia, alternativas diametralmente opostas ao quotidiano: (…) O otimismo acerca do futuro – mas de um futuro estranhamente longínquo – tinha por contrapartida uma visão pessimista do presente (…). Em boa verdade, o pessimismo a que Jean Delumeau se refere era, de facto, a realidade da época. Idealizadas por humanistas (tão ligados ao Renascimento), as utopias correspondiam, assim, a (…) descrições (em tom sério) de mundos constituídos segundo princípios diferentes daqueles que vigoram no mundo real (…). Não continuamos nós, hoje, a idealizar utopias?

Exercícios Propostos (págs. 270 a 272) 1.1. A resposta ao título do documento seria, partindo do que refere o autor, imitação e superação. Apesar de Jean Delumeau iniciar o texto afirmando que os artistas renascentistas foram apenas oportunistas que se aproveitaram das obras dos Antigos (…) aliavam (…) admiração pelo mundo greco-latino a uma falta de respeito por vezes muito evidente para com as obras legadas pela Antiguidade (…), o autor reconhece, mais adiante, que os homens do Renascimento (…) tiveram vontade de fazer melhor (…). Todavia, o Renascimento parece ter sido um movimento de tal importância que os próprios contemporâneos (…) tiveram também consciência de o ter conseguido [referindo-se ao facto de os artistas do Renascimento terem achado que ultrapassaram os da Antiguidade, tendo feito melhor que eles] ” e, a propósito desta passagem,

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cita exemplos concretos desta atitude que se assemelhava a alguma presunção: (…) Já Filippo Villani punha Giotto acima dos pintores antigos. Para Vasari, Miguel Ângelo era um génio incomparável, como nunca antes a História conhecera (..). No entanto, uma coisa parecia inegável: todos beberam da mesma fonte – a Antiguidade Clássica: (…) Bramante (…) tomou como objeto de colocar a cúpula do Panteão de Agripa sobre o mausoléu de Adriano (Palácio de San’Angelo) (…) e, afinal, conclusão do autor, o lema era (…) Inspirar-se nos Antigos para fazer coisas novas (…). 1.2. Jean Delumeau faz referência a uma “arte de síntese” que, no fundo, define o panorama artístico e cultural do Renascimento. Entenda-se, desde já, síntese como a soma das influências provenientes da Antiguidade Clássica aliadas, por seu turno, aos novos elementos introduzidos pelos artistas da época e, igualmente, às especificidades de cada Estado. No caso português, muito para além de uma pintura renovada que é fruto de um conjunto de influências, podemos apontar, sobretudo em termos arquitetónicos, exemplos brilhantes desta arte de síntese, fruto da chamada arte manuelina, coincidente com o reinado de D. Manuel I. A par com a persistência da estrutura gótica em muitos edifícios, juntou-se-lhe uma decoração muitíssimo exuberante (rendilhados, pregas, ângulos salientes dos emolduramentos das janelas, entre outros exemplos) que esteve na origem do chamado gótico flamejante. Todavia, em conjunto com esta permanência de um estilo que faz perpetuar a Idade Média, desenvolve-se, então, um novo estilo ligado ao período áureo dos Descobrimentos e que coincide com o reinado de D. Manuel. Este estilo, apesar de não trazer grandes inovações no que respeita à estrutura dos edifícios, viria a constituir um marco emblemático, como podemos encontrar na Janela do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar, no que se refere à decoração de caráter naturalista e marítimo. Destaquemos os motivos inspirados no mundo vegetal, como flores, folhas, troncos e espigas, ao mundo marítimo, como algas, corais, redes, cordas, nós, e, de igual forma, elementos nacionalistas, como a esfera armilar e a Cruz da Ordem de Cristo. Dentro do manuelino poderíamos referir, igualmente, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, entre outros. 2.1. Ao observarmos este trabalho de Bruegel, somos tentados a perdermo-nos pelo meio das imensas searas, a perder de vista, de tonalidades douradas que marcam, no fundo, todo o quadro que aos nossos olhos se nos apresenta. Em boa verdade, este pintor da escola flamenga, apesar de ter passado algum tempo em Itália, onde conviveu com os melhores mestres da pintura renascentista, manteve uma originalidade ímpar nos seus trabalhos. Para além de ser conhecido pelo indivíduo que melhor retratou o Homem do povo nas suas labutas quotidianas, preterindo os ambientes cortesãos ou o retrato de figuras da alta sociedade, este pintor também se notabilizou pelo grande destaque dado à natureza e a todos os elementos que a ela estão associados. A natureza é, como é o caso desta composição, o elemento fulcral de toda a obra. Portanto, temos um verdadeiro paisagista, um homem que toma a natureza, não como um elemento acessório das suas telas, como o elemento por excelência. É precisamente por estes motivos que se considerou Bruegel o maior paisagista europeu do século XVI. Tal não implicou, como podemos ver nesta composição, que o artista descurasse o pormenor e o espírito analítico que aqui está bem presente nas figuras humanas e nos seus gestos simples do quotidiano. 3.1. Como arte de síntese que foi, a arte renascentista assimilou a influência clássica, que foi seu modelo de inspiração, com as inovações que foi introduzindo, neste caso, na sua obra arquitetónica. No caso do Tempietto, podemos discernir esta fórmula que faz a tal arte de síntese. Como elementos de influência clássica, podemos identificar a cúpula (de influência romana), o friso, a arquitrave, a cornija, as colunas e os arcos de volta perfeita. Para além disto, características como a simetria (note-se que todos os eixos da imagem parecem confluir num ponto – o ponto de fuga – que, neste caso, está na porta do Tempietto) e um enquadramento rigoroso que preside às portas e janelas são tipicamente de influência helenística. A preferência pela planta circular (testemunho de um conhecimento profundo dos templos circulares romanos) é bem visível. O círculo era entendido como a forma geométrica mais perfeita e mais natural. Por outro lado, podemos observar, a seguir a colunata exterior, nas paredes do edifício central, partindo da porta, as chamadas pilastras, inovação tipicamente renascentista. Finalmente, destaca-se, no topo da primeira colunata, fazendo a separação entre aquilo que chamaríamos de rés-do-chão e um primeiro andar, uma espécie de varanda que designamos por balaustrada.

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4.1 David, de Miguel Ângelo, é das obras mais extraordinárias de toda a história da escultura e não só do Renascimento. A perfeição atingida por esta obra leva-nos a equacionar o génio humano e, muito particularmente, o génio do artista. Na escultura renascentista, em geral, o equilíbrio e a racionalidade foram dois elementos da mesma equação: a busca de perfeição. A prova disto está bem presente nesta obra, feita em mármore. Profundo conhecedor da anatomia humana, Miguel Ângelo demonstra um estudo exaustivo do corpo humano e uma prodigiosa capacidade técnica. O corpo apresentado apresenta movimento, um realismo a roçar o real e uma expressividade facial que nos transmite serenidade e uma convicção de segurança relativamente ao que a figura bíblica representada vai fazer, ou seja, matar o gigante Golias. Muito influenciado pelos corpos musculados da Antiguidade Clássica, Miguel Ângelo apresenta-nos uma verdadeira figura humana com ossos, pele, veias, músculos mas, igualmente, personalidade. 5.1. Obcecados com a perfeição, a harmonia e a proporção, os artistas do Renascimento, e muito particularmente os arquitetos, idealizaram projetos de cidades que se assemelhavam a projetos completamente racionais e inovadores, como é o caso da planta da cidade (precisamente idealizada) que nos é apresentado. A busca incessante pela perfeição e a rivalidade entre mecenas e cidades rivais levou a que estes projetos se tivessem tornado uma atividade normal dos arquitetos deste período. Por isso, um urbanismo regular e racionalizado proliferou entre homens que detestavam o caos e a assimetria das cidades do seu tempo. Em contraposição, quiseram projetar aquilo que seria o oposto das cidades nas quais habitavam: a estrutura dos edifícios é remetida para segundo plano, sendo concebida apenas como uma caixa formada pelas paredes, destinada a suportar a ordem arquitetónica escolhida, para os edifícios, pelos arquitetos. A adoção de formas simples, cubos e paralelepípedos, contribui para evidenciar, no todo, uma cidade, podemos dizê-lo, com um aspeto matemático e geométrico, traçado, diríamos, a régua, esquadro e compasso (repare-se na planta apresentada). Regras de higiene, funcionalidade e beleza discreta caracterizariam esta cidade, com ruas amplas, edifícios homogéneos, várias praças públicas e dotadas de outras estruturas com vista a dar o conforto máximo a todos os seus habitantes. Estes projetos, exactamente como o que temos na imagem, raramente saíram do papel, pelo gigantismo e custos implicados, no fundo, o imaginário manteve-se por aí mesmo, pela imaginação. 5.2. Naturalmente que, sendo na sua esmagadora maioria cidades imaginárias, fruto da insatisfação com a realidade que rodeava estes “urbanistas” do Renascimento, esta tendência para a conceção de novas realidades urbanísticas estava intimamente ligada à ideia de utopia que, a par do espírito crítico que tomou conta dos humanistas no século XVI, marcou toda uma escola. Na verdade, se as utopias marcaram novas conceções de vida comunitária, em alternativa aos quadros conjeturais da época, as cidades ideais foram uma espécie de consequência que seguiu, lado a lado, este desejo por uma sociedade diferente, de uma comunidade diferente, de novos hábitos coletivos diferentes, de uma procura da paz, da harmonia, da tranquilidade que, na altura, não eram propriamente a nota dominante na Europa. Sonho e utopia andavam a par, e eram fruto de uma época que não se contentou com o que tinha e era dado adquirido. Assim o foram, também, estas cidades imaginárias. 6.1. Observando atentamente a imagem, podemos notar, de imediato, a influência pictórica renascentista pela presença de elementos como a pintura a óleo (mas não sobre tela), o uso de perspetiva, os elementos realistas e naturalistas em grande número, revelando grande rigor do desenho e, igualmente, rigor anatómico. Os elementos geométricos estão também bem evidenciados (repare-se na cadeira que faz o lugar de trono ou os dois arcos de volta perfeita que encimam as duas janelas que se abrem perante a natureza envolvente). Também aí podemos encontrar vários jogos de luz e sombra e o sfumato. A temática, no entanto, e pela forte presença do catolicismo em território nacional, não passava da religiosa, ao contrário dos italianos e dos flamengos. Por outro lado, a pintura sobre tela ainda não havia chegado ao panorama da pintura portuguesa.

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Teste de Avaliação 5 (págs. 273 a 277) GRUPO I 1. É vulgar associar-se o Renascimento a dois séculos precisos, ligados ao processo da Expansão e Descobrimentos, ou seja, os séculos XV e XVI. Na verdade, e fruto das sucessivas descobertas de portugueses e espanhóis, muito particularmente no que respeita ao Novo Mundo, o alargamento do conhecimento europeu aconteceu, de facto, e muitas das conceções medievo-antigas caíram por terra. Portanto, visto deste prisma, o fenómeno renascentista parece ser fácil de localizar e precisar. Todavia, esta designação encerra um sem-número de outras vertentes que deslocalizam, de imediato, o Renascimento movimento cultural, para séculos anteriores aos já referidos. É este assunto que é abordado pelo autor do documento e que, após a sua leitura, nos leva a concordar que, tentar associar, taxativamente, Renascimento e séculos XV e XVI é, provavelmente, abusivo. Sam Dresden defende que o Renascimento é bastante anterior aos séculos que já referimos. Determinados valores que se associam, automaticamente, ao fenómeno renascentista, como individualismo, classicismo, livre arbítrio, humanismo, quebra com a moral vigente não foram, na ótica do autor, invenção do Renascimento. Em boa verdade, o autor encontra-os muito mais atrás: (…) Individualismo, influência da cultura clássica, liberdade dentro da fé ou até indiferença em matéria religiosa, uma frouxidão na moral ou até a completa rejeição de todos os princípios morais – tudo isto se considerava como fazendo parte da essência do século XV. Quando tudo isto parecia geralmente aceite, o crescente interesse erudito pela Idade Média começa a evidenciar que os contrastes tinham sido delineados com excessiva crueza, e que a distinção era menos clara do que se desejara ou supunha (…). O autor começa por recuar aos séculos XIII/XIV, período considerado pelos intelectuais renascentistas como uma Idade das Trevas para mostrar que, tanto Giovanni Petrarca como Dante Aligheri poderiam ter sido considerados humanistas e que, na verdade, sem a sua existência no panorama literário medieval, o Renascimento não teria sido o fenómeno cultural com a dimensão que lhe conhecemos: (…) Dificilmente se pode conceber o humanismo sem Petrarca e Dante (…) pensamento humanista ter-se-ia desenvolvido de forma muito diferente (…); (…) Petrarca (…) poderia também ser considerado como o primeiro pensador e escritor moderno (…). Sam Dresden recua ainda, até santos como S. Francisco de Assis e S. Boaventura que, da mesma maneira, (…) tinham exibido um humanismo que teve influência ulterior (…) e, da mesma forma, refere-se a Abelardo como um exemplo de individualismo. O autor arrisca, inclusive, recuar até aos séculos IX/X para apontar aquilo que, ainda antes, denomina como (…) colheita de renascimentos (…), ou seja, a corte do próprio Carlos Magno onde passaram intelectuais como Alcuíno e um verdadeiro ambiente cortesão muito semelhante aos da Itália renascentista: (…) O seu círculo na corte foi uma espécie de académie, onde se manifestou uma concreta apreciação da importância da cultura antiga e a ambição de edificar uma nova Atenas (…). Posto isto, como poder conferir ao Renascimento uma datação rigorosa e precisa? 2. As duas respostas podem ser possíveis! Rutura sim mas, ao lermos os argumentos de Sam Dresden, continuidade, sem dúvida. Se pensarmos na atitude do Homem moderno que ligamos, inevitavelmente, ao Renascimento, é inegável que esta é diametralmente oposta ao Homem medieval. De facto, o Homem medieval não é um homem arrojado, corajoso, que arrisque, seja destemido e inovador, com um pensamento virado para o seu constante aperfeiçoamento e para uma mudança no seu quotidiano e, logo, numa perspetiva de poder alterar, para melhor, o futuro. Fruto, ou não, das contingências daquilo que foram os séculos anteriores à centúria de Quatrocentos, sobretudo a trilogia negra que foi o pano de fundo dos duros cem anos do século XIV, os homens acobardaram-se, anicharam-se e, perante uma Igreja que viu aí a oportunidade de se impor ainda mais aos homens, a personalidade do Europeu comum desvaneceu-se, envolta em medos e superstições. A expansão e os descobrimentos trazem, nos inícios do século XV, uma nova visão da realidade e o Homem descobre que, afinal, para além da Europa, havia um admirável mundo novo para lá do mar tenebroso. O Renascimento acompanha esta redescoberta do mundo e das capacidades do Homem, elevando-o à qualidade de ser superior e que vai ultrapassar Deus como centro do mundo. O modelo a imitar é a Antiguidade Clássica, onde o Homem tinha visto desenvolver-se o máximo das suas capacidades e sido modelo de virtudes. Visto deste prisma, o fenómeno renascentista representa uma rutura evidente como o período anterior e tal é por demais evidente. Voltemos, então, à continuidade; onde reside tal? Os

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humanistas renascentistas tentaram diferenciar, a todo o custo, o Renascimento da Idade Média. No entanto, e tal como Sam Dresden afirma, a redescoberta da própria Antiguidade acabou por conduzir, também, a um interesse cada vez maior pela Idade Média e, muitos, acabaram por concluir que características como o individualismo, o humanismo, a crítica social e até o mecenato, afinal, não eram, de modo algum, valores unicamente identitários do Renascimento. O autor vai buscar Dante, Petrarca, Abelardo, Francisco de Assis, Boaventura, Alcuíno, a corte de Carlos Magno, apenas para exemplificar como é que, a nível literário e intelectual, houve suficiente ação cultural que, no Renascimento, limitou-se a ter uma continuidade que, provavelmente, poderá ter atingido um apogeu nos séculos XV e XVI. No entanto, nada que tenha sido um fenómeno único e exclusivo do Renascimento. GRUPO II 1. Entre muitos dos valores que marcam o Renascimento, podemos distinguir alguns que estão bem patentes neste excerto de uma obra de Jean Delumeau. Podemos apontar, de imediato, o individualismo, ou seja, a valorização do indivíduo enquanto ser que se distinguia e afirmava no mundo através do pleno uso da sua razão, (…) Homens que não pertenciam às classes dirigentes impuseram-se à admiração ou atenção de todos. As personalidades fortes puderam expandir-se (…). Deste modo, Delumeau realça o antropocentrismo intimamente associado ao Renascimento, falando, no final, em (…) afirmação das personalidades individuais (…), numa clara associação entre individualismo e ideal antropocêntrico, isto é, do Homem que tudo muda, tudo transforma, tudo coloca a seus pés, sem temer Deus mas, igualmente, sem negar a sua existência. Este novo homem é, como descreve Delumeau, o individuo que faz guerras, duvida da muito dogmática Igreja Católica, dedica-se às artes e letras, desenvolve os Estados, enriquecendo-os, é arrojado, corajoso, bravo, aventureiro e, por isso, ele atinge, (…) mundos exóticos (…). Finalmente, o autor foca o classicismo tão característico do Renascimento, ou seja, a tendência altamente classicista da época em questão, como musa inspiradora dos intelectuais renascentistas (…) regresso, em força, nas artes e letras, dos ideais antigos (…). 2. Os humanistas do Renascimento procuraram incessantemente o Homem ideal, aquele que pudesse reunir, no seu todo, as características que o tornariam num novo Homem, capaz de fazer a diferença, marcar a sua posição de forma bem sólida no quotidiano, sem duvidar, nunca, das suas capacidades e da sua força empreendedora. Buscando os modelos da Antiguidade Greco-Romana, os humanistas, como Baltazar Castiglionne, intentaram definir um Homem que fosse, desta forma, um verdadeiro modelo de virtudes, sendo modelo para todos os homens e que, desta forma, representasse o novo Homem do Renascimento. Entre todas essas virtudes, Castiglionne destaca, no documento 3, algumas das que seriam determinantes para o tal modelo a que ele apelidou de cortesão, isto é, o Homem de corte. Começa por referir que, não sendo um militar, o cortesão deve ser hábil no manejo das armas (…) verdadeiro ofício do cortesão é o das armas (…) convido-o a praticá-lo vigorosamente. (…) mas não penso que deva praticar esta arte como um profissional ou com as qualidades de um militar (…) e deve ter qualidades psicológicas que o tornem superior (…) coragem, a temeridade e a lealdade (…). Por outro lado, a sua cultura deve ser algo com deva preocupar-se ao máximo: (…) que o cortesão tivesse uma cultura que ultrapasse a média, pelo menos nos assuntos que chamamos humanidades. Deverá conhecer o grego, tão bem como o latim (…) familializar-se com os poetas (…) oradores e historiadores. Escreverá em verso e em prosa (…). No final, Castiglionne chama a atenção para outra característica que deve ser inerente a todo o cortesão e que reside no facto de este ter de ser um comunicador nato que seja exímio na arte de bem receber: (…) poderá em qualquer altura divertir as damas (…). A imagem do documento 4 mostra o ambiente no interior da família do indivíduo que é descrito no texto de Castiglionne, Ludovico Gonzaga. São notórios, logo à primeira vista, o luxo, a ostentação, o modo como as figuras se movimentam dentro da cena retratada, com moderação, educação, etiqueta, e os homens trazem uma arma junto a si (note-se a espada embainhada junto a um deles); circulam cartas não só nas mãos de Ludovico de Mântua, sentado, à esquerda, mas num outro indivíduo que nos surge à direita das mulheres que o rodeiam e, assim o parece, se preparam para escutar as suas palavras. Na verdade, parece constituir-se, em volta de Ludovico de Mântua, uma espécie de audiência que parece reverenciá-lo fruto, provavelmente, da sua enorme cultura e eloquência.

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3. Podemos apelidar o século XV como uma época de alargamento de conhecimento do mundo. Os portugueses encabeçam esta época e reúnem uma série de condições que lhes vão permitir lançar-se na diáspora dos Descobrimentos e mudar a visão do mundo que, durante séculos, se manteve inalterada, quase cristalizada em ideias preconcebidas por parte dos Antigos e da Igreja. A crise do séc. XIV criou a necessidade premente da procura de recursos, a vários níveis, desde alimentos, ouro, especiarias e mão de obra. Por isso, a caravela portuguesa passou essas necessidades a verdadeiras cruzadas que se tornaram na esperança dos europeus. É na caravela portuguesa que muitos mitos e lendas, que amedrontaram os europeus durante séculos, vão ser desmistificados e a realidade do planeta Terra começará a configurar-se como um novo mundo que abrirá mentes, atrairá curiosos, lançará a pedra para novas nações, iniciará um processo de emigração maciça com origem na Europa em direção ao Novo Mundo. Nunca nada mais será o mesmo após a aventura portuguesa. Em 1434, Gil Eanes passará o cabo Bojador e abrirá o caminho para se avançar na costa africana para sul e provando que, afinal de contas, o mundo não terminava num mar de chamas, os homens não eram queimados pelo sol até se transformarem em negros, os monstros que engoliam homens e embarcações não passavam de correntes e rochedos e os navios não caiam num vazio ao passarem o Equador. Portanto, se ao longo do século XV se vai conhecendo a costa ocidental africana, há um avanço enorme e significativo no final do século: em 1488, Bartolomeu Dias dobra o cabo da Boa Esperança, deitando por terra mais uma lenda, a de que o Índico era um mar fechado e não tinha ligação com o Atlântico, e marcando o início das navegações para e no Índico. Em 1492, descobre-se um novo continente, a América e, no século XVI, Fernão de Magalhães efetua a sua viagem de circum- navegação, demonstrando, na prática, a esfericidade da Terra. A costa ocidental africana ficava, desta forma, aberta à exploração marítima. Ora, toda esta movida das descobertas trouxe consigo o conhecimento de novos povos, culturas, plantas, hábitos alimentares, civilizações, religiões, animais e, é percetível que os navegadores daquela época, completamente imbuídos do espírito de aventura, fascinados com tudo o que descobriam (aquilo a que o autor do documento 1 apelida de (…) contacto com mundos exóticos (…) e se apresentava á sua vista, se tenham sentido compelidos a registar as novidades para que as mesmas fossem dadas a conhecer ao resto do mundo, pondo em causa o imaginário medieval efabulatório que povoava as mentes dos europeus. Os intelectuais portugueses desmentirão, nas suas obras, muitas das afirmações dos clássicos (Os Antigos), descrevendo e valorizando as suas visões da natureza, optando pela defesa acérrima do experiencialismo e da observação direta da natureza. Portanto, passamos a ter uma visão do mundo fundamentada na observação e na experiência. A partir dessa altura, o saber não mais parou de se alargar. A observação extasiada do novo mundo (ou “novos mundos”) permitiu o desenvolvimento de novos saberes como a geografia, a astronomia, a cartografia, a botânica, a zoologia e até da climatologia, entre outros. A normalização do uso do algarismo tornou-se uma realidade. O número passou a estar presente em todos os atos do quotidiano e a condicioná-lo, de igual forma. Era aquilo a que denominamos de matematização do real e da instalação de uma mentalidade quantitativa. É neste contexto que o fenómeno renascentista se vai desenvolver logo no início do século XV, coincidindo com o início da aventura portuguesa. Tendo como base de apoio um grupo de homens oriundos das ricas cidades mercantis do norte de Itália, nobres e burgueses, enriquecidos pelo apogeu do capitalismo comercial da época, têm em comum o interesse por tudo o que no Novo Mundo se passa e um recrudescimento do amor pelas artes, rivalizando uns com os outros no apoio aos seus artistas prediletos. Trata-se dos chamados mecenas. A própria Igreja bem entrosada no mundo laico, rivaliza com estes homens e procede da mesma forma, estando ao nível dos grandes mecenas italianos. Florença e Roma tornam-se centros deste movimento cultural sem paralelo sendo que, numa fase inicial, é Florença quem lidera as trupes e, no século XVI, Roma toma a dianteira. Sob efeito da Expansão e Descobrimentos, o Homem é colocado numa categoria de ser superior como o havia sido na Antiguidade Clássica – Antropocentrismo – e torna-se objeto de estudo intenso por parte dos intelectuais da época - os humanistas (de que Erasmo de Roterdão, na figura do documento 2, representa um dos seus expoentes máximos) -, empenhados que estão em tentar definir o Homem ideal. Assiste-se, assim, a um período de intensa produção cultural em que se escreve, arquiteta, erige, desenha, pinta, esculpe, tendo como musa inspiradora precisamente, a Antiguidade Clássica, sobretudo a grega, tida como a mais perfeita das épocas, aquela em que se havia atingido a quintessência da beleza, da perfeição e da harmonia (…) regresso, em força, nas artes e nas letras, dos ideais antigos (…). Mais do que copiar, interessará superar. O artista passa, desta forma, a ser visto como uma alma angelical, quase divina e não como um artesão. Para

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mais, os humanistas exaltam o individualismo, algo que implica o Homem visto como um todo, não só na sua vertente espiritual mas também racional e, tal, permite a ascensão destes artistas a uma categoria superior. As cortes dos mecenas fazem de tudo para terem estes iluminados junto a si que, por isso mesmo, adquirem um prestígio extraordinário. Sendo a procura interessante da alegria, da felicidade, do bem-estar, em suma, de uma satisfação pessoal, uma das características mais marcantes deste período, as festas oferecidas pelos mecenas são o melhor motivo para a ostentação da sua riqueza e para a promoção dos intelectuais que promovem estes mecenas como exemplos a seguir. Na verdade, são estas festas que permitem observar o trabalho produzido pelos artistas para embelezar os palácios dos seus protetores e, da mesma forma, aí se pode discutir, debater e refletir com os intelectuais. Nestas cortes, e sobretudo em ambiente de festa, todos aparecem ricamente vestidos, com tecidos caros, usando ouro, diamantes e pérolas para evidenciar a riqueza das suas indumentárias (documento 4). Há, portanto, um refinamento da sociabilidade e os homens de corte têm de cumprir com as denominadas regras de civilidade para serem, de facto, verdadeiros cortesãos (…) poderá em qualquer altura divertir as damas que em geral apreciam muito este tipo de distração (…). A civilidade é algo levado muitíssimo a sério e escreve-se uma parafernália de livros sobre normas de conduta, etiqueta e convivência social. O Cortesão (documento 3), de Castiglionne, é um dos livros que alcançou uma fama notável. Nesta obra, o autor propõe-se apresentar um conjunto de valores/normas que devem guiar aqueles que vivem na corte ou que fazem tenções de o fazer – os cortesãos. Estes devem ser pessoas de uma cultura vastíssima, com um nível de educação fora do comum, bem cuidados fisicamente e com uma propensão inigualável para o empreendorismo e para a arte de bem receber e bem viver (…) Que se distinga dos outros pela coragem, temeridade e a lealdade (…) Ganhará renome (…) ; (…) cultura que ultrapasse a média (…). É o individualismo que explica a ascensão de muitos homens oriundos de camadas sociais mais baixas do que as tradicionais mas que, devido à sua habilidade militar, se impõem a nível político, os chamados condottieri (…) Homens que não pertenciam às classes dirigentes impuseram-se à admiração ou atenção de todos (...). Também estes homens vão reunir, à sua volta, cortes que celebram as suas vitórias e organizam, da mesma forma, cortejos triunfais onde se fazem aclamar pelo povo. Este dinamismo do homem renascentista, um novo homem europeu, traz à tona uma realidade que ultrapassa a simples dimensão cultural e artística. Na verdade, é todo um processo social que abrange a economia e a cultura, envolvendo o quotidiano com novas maneiras de o viver, de racionalizar os factos, em que fatores como a ética, a moral, a arte, a ciência, a religião passam a ser, ainda que muito diferentes dos dias de hoje, escolhas dos próprios indivíduos que, desta forma, idealizam novas conceções de sociedade, em contrapartida aquelas a que pertencem e que pretendem ideais – as utopias. Estas são, em boa verdade, fruto da conjugação do individualismo e do espírito crítico do Renascimento. Mostram a natureza inconformista do Renascimento, o seu otimismo e a sua vontade de acreditar na mudança e no progresso das sociedades (por isso, na ilha da Utopia – documento 5 – constrói-se uma sociedade completamente idealizada, livre dos convencionalismos daquela época e que materializa o desejo de muitos contemporâneos). Supostamente liberto da presença omnipotente de Deus, o homem é aquilo que quiser ser, aquilo que quiser construir. Estamos, afinal de contas, perante um conceito caro aos humanistas daquele tempo: o livre arbítrio. GRUPO III 1. A composição que nos é apresentada é uma, de entre muitas obras pictóricas, que marcam uma nova maneira de ver e interpretar o real durante o Renascimento. De origem francesa, esta imagem traz-nos um tema pagão em que as figuras centrais nada têm a ver com personagens bíblicas ou da mitologia clássica. Este é apenas um exemplo da redescoberta do Homem, do seu quotidiano e das suas capacidades, um dos baluartes da cultura renascentista. É por este motivo que associamos duas características imediatas à pintura renascentista: o realismo e o naturalismo. Padecendo de um naturalismo evidentes, esta pintura mostra-nos, porém, um realismo extraordinário, bem patente, por exemplo, na indumentária de Carlos VII, de uma perfeição quase fotográfica. O monarca puxa a sua túnica com a mão direita enquanto que, com a esquerda, recebe o despacho. Atrás dele, amontoam-se várias pessoas, provavelmente da sua corte que, com alguma serenidade no olhar ou num compasso de espera, tentando antever o conteúdo do dito despacho. Todavia, a característica mais evidente desta obra é a perspetiva, trunfo maior da pintura renascentista e que envolve aquilo a que podemos denominar por terceira dimensão. No caso em questão, o campo de visão do artista, a que podemos chamar de pirâmide visual, é bem

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evidente, se repararmos na continuação da rua e no seu prolongamento, que nos surge como pano de fundo da cena principal, bem como nos telhados, se forma triangular que se amontoam, casa a casa, desde o início daquilo que parece ser uma praça, até um amontoado de casario que podemos ver ao fundo da rua. Na verdade, e se bem repararmos, a ponta do bastão de um dos indivíduos que rodeia o rei, o último à esquerda de Carlos VII, coincide com o chamado ponto de fuga, num toque de mestria inteligente. Para esta perspetiva (neste caso, chamada linear), que faz com que distingamos aquilo que está próximo da nossa vista daquilo que se vai afastando e fica mais distante, os pintores, como este, recorriam frequentemente ao cruzamento de linhas oblíquas, de aberturas rasgadas nos fundos arquitetónicos, concedendo, desta forma, uma sensação de profundidade a esta composição. Para além disto, podemos referir o sfumato que, ao fundo, nos surge quando começamos a perder de vista a dimensão e o volume dos objetos e, em seu lugar, vemos progressivamente sobrepor-se às formas, uma cor entre o azulado, o acinzentado, o amarelo e o esbranquiçado. Na verdade, vemos que as figuras e formas que estão mais próximas surgem com perfeita nitidez e com as suas cores originais. Os jogos de luz e sombra também estão presentes e podemos encontrá-los, por exemplo, no correio que se ajoelha perante o monarca. É um avanço notável, em suma, relativamente ao modo como o espaço pictórico era concebido na época medieval. Para tal, bem podemos referir o contributo da pintura a óleo sobre tela que vem contribuir para todos as características aqui mencionadas. 2. Em Portugal, não podemos falar propriamente de arquitetura renascentista tal como a concebemos, por exemplo, na Itália. No entanto, conseguimos algo que, em termos arquitetónicos, marcou a diferença com o resto da Europa e chamou a atenção de toda a Europa pela beleza e pela diferença relativamente ao trivial. Na imagem, temos um dos exemplos mais sublimes desta nossa arquitetura muito própria e que vai de encontro ao que podemos denominar de arte de síntese, o claustro de D. João III, no convento de Cristo, em Tomar. Tal período coincidiu com o reinado de D. Manuel I e, por isso, chamou-se Manuelino ao estilo que fica intimamente ligado a esta arte de síntese. A par com a influência renascentista (bem patente nos arcos, nas colunas, no entablamento e nos capitéis), temos aquilo a que podemos chamar de persistência do gótico ou, numa perspetiva mais científica, aquilo a que podemos denominar de gótico final ou flamejante (por isso distinguimos, neste mesmo claustro, efeitos rendilhados no topo do claustro) mas também, no topo do claustro, elementos do gótico mais genuíno como pequenos pináculos que podemos observar. No topo do claustro, à direita, na última grande janela, conseguimos ver um emolduramento da janela em que distinguimos várias pregas ao cimo da mesma, aquilo a que designamos por plateresco, uma decoração exuberante e profusa. Temos, assim, uma mescla de estilos que é, no fundo, o segredo da originalidade da arte manuelina, síntese de variadas influências, traçando a ponte entre as tendências da época e outras mais antigas, juntando-lhe, todavia, um elemento inovador carregado de patriotismo e homenagem ao nosso maior feito – os Descobrimentos. Por isso, conseguimos distinguir, no topo do claustro, formas com relevo que pretendem lembrar cordas (ligadas às embarcações). É um misto que resultou numa arquitetura muito sui generis. Exercícios Propostos (pág. 298) 1.1. A passagem em questão remete-nos para um problema que a Igreja não reconhecia, não entendia, nem se esforçava para entender. Na verdade, muito para além dos fiéis se sentirem, desde há muito, desamparados pelos seus pastores que viviam numa vida completamente oposta aos preceitos mais básicos do Cristianismo, outro problema se colocava: no serviço eucarístico (entenda-se, a missa) as pessoas procuravam conforto para os medos que há muito os assolavam desde o terrível século XIV. Na verdade, o medo da morte, do diabo que podia espreitar em cada esquina, das violências da guerra, só podia ser atenuado, supostamente, pelo serviço espiritual que os padres e restantes membros do clero poderiam oferecer. A missa afigurava-se, deste modo, como uma panaceia para atenuar os temores que afetavam os católicos. Todavia, numa atitude quase autista, os membros do clero não souberam responder a uma necessidade tão premente dos seus fiéis: escutá-los, falar-lhes de forma clara, simples e na sua própria língua. Para além de uma missa falada em latim, língua que a esmagadora maioria da população não dominava, os salmos que, posteriormente, eram explicados aos fiéis, eram-no em linguagem tão absurdamente

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erudita que ninguém percebia qual a mensagem que era passada. Lembremo-nos que a maioria dos clérigos não tinha qualquer formação religiosa e, por isso, nem eles, muitas vezes, sabiam do que estavam a falar. Parafraseando Erasmo de Roterdão, os padres (…) zurravam salmos (…) que eram autênticas imitações de (…) vozes de burro (…). 1.2. Na sequência do que já afirmamos na resposta anterior, não é de admirar que muitos dos fiéis que nada percebiam da missa que ouviam, se tenham virado para outras soluções que lhes pudessem proporcionar o conforto e a acalmia espiritual que tanto queriam encontrar. Se o padre da sua paróquia, o bispo da sua cidade, ou o confessor não lhes passavam esse estímulo, foram obrigados a procurá-lo noutros lados. Para mais, acrescente-se a este quadro a agravante de que, muitas vezes, os responsáveis pela missa serem frequentemente ausentes dos seus deveres e se ausentarem com regularidade das suas paróquias, deixando os fiéis ainda mais mergulhados nos seus medos e angústias. Deste modo, fala-se num ressurgimento do politeísmo, já que muitos caíram na superstição e no fanatismo religioso (por exemplo, as procissões de flagelantes tornaram-se práticas comuns em muitos países do norte da Europa) e, outros, enveredaram por procurar feitiçarias e ingressaram em movimentos religiosos ligados a grupos que procuravam a pureza primitiva do Cristianismo. 1.3. As indulgências foram apenas uma das muitas formas de, camufladamente, o clero (e, neste caso, o papado) extorquir mais dinheiro aos fiéis já por si só, famintos e paupérrimos, cansados de contribuir com toda a espécie de impostos que, desde há séculos, se viam obrigados a pagar à Igreja. Na verdade, e desde o século XI, que as indulgências faziam parte do quotidiano das gentes da Europa. Apregoando que estes documentos (puro papel) eram formas diretas de redimir as penas devidas pelos pecados cometidos, o papa concedia-as aos fiéis invocando que, a sua compra, era considerada uma boa obra (muito melhor do que a fé e a devoção) e o melhor caminho para escapar ao fogo perpétuo do inferno. As indulgências juntavam-se, assim, a toda a parafernália de impostos que o povo já pagava, às penitências que tinha que cumprir, às esmolas dadas durante o serviço litúrgico, às orações, aos jejuns, às doações, enfim, todo um sistema de dominar, completamente, a rotina (e a bolsa) das populações. As indulgências tornaram-se cada vez mais banais e frequentes no final da Idade Média mas, o seu auge foi atingido no amanhecer do século XVI, quando o papa Leão X, lembrando-se que podia aproveitar-se ainda mais das benesses das mesmas, lançou a bula das indulgências, em 1515, com o intuito de concluir as obras da basílica de S. Pedro do Vaticano. Pregada aos sete ventos, sobretudo na Alemanha, os dominicanos, responsáveis diretos pela propaganda feita em torno destas indulgências, aclamavam que mal o dinheiro tilintasse nos cofres (do Vaticano, entenda-se) as almas sairiam do Purgatório… onde está a licitude desta campanha vergonhosa?... 1.4. Nas últimas quatro linhas do documento, está exposta aquilo que foi a atitude da Igreja que, desde há muito, estava decidida a combater de qualquer forma toda e qualquer oposição à sua autoridade. Essa atitude tomou dimensões grotescas depois do Concílio de Trento, por ocasião da verdadeira revolução protestante que se estendeu a grande parte da Europa, tendo tido o seu ponto de saturação com a Bula das Indulgências de Leão X e com a virulenta reação de Martinho Lutero, na Alemanha. Daí para a frente, não mais o frenesim de revolta protestante parou, tendo-se disseminado, a partir da Alemanha, para Estados-satélite da mesma. Portanto, já não bastava o facto de (…) O Politeísmo (…) parecer (…) renascer (…), ainda se insurgiam, claramente, movimentos que falavam bem alto contra o poder do papado e que, para cúmulo, tinham o apoio das respetivas monarquias nacionais. A Inquisição, reativada em Trento para perseguir os seguidores protestantismo, tomou, rapidamente, como inimigos a abater, todos os que criticassem, duvidassem ou pensassem de forma diferente da Igreja. Por isso, a (… ) caça aos feiticeiros e, principalmente, às feiticeiras (…). Extirpar do seio do mundo católico toda e qualquer voz que se pudesse opôr às autoridades eclesiásticas urgia tornar-se uma tarefa divina da Igreja, nem que, para isso, fosse preciso matar todos os que a criticavam!... 2.1. São, basicamente, três características que, neste relato que nos é apresentado, ressaltam como diferença relativamente à missa católica, naturalmente olhadas como desvios ao cerimonial autorizado e permitido pelas autoridades eclesiásticas. O autor começa por referir que a cerimónia da missa não é efetuada num local apropriado para o efeito, isto é, na Igreja, o que contraria aquilo que, por regra, deveria ser o local oficial para a realização da mesma; (…) fazem (…)

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assembleias secretas de dia e de noite (…) (numa clara alusão a um sectarismo dos calvinistas e numa referência, ainda que leve, ao facto de não haver qualquer organização que presida ao culto). Depois, numa outra tentativa de comparação com a missa católica, o padre refere-se ao facto de que são vários elementos que (…) pregam sermões uns e outros intercaladamente (…), ou seja, não há um padre, ordenado, que dirija o serviço eucarístico mas, ao que parecia, qualquer um dos membros da “seita” parecia poder dirigir a missa. Depois, de seguida, vem aquela que parece ser a distinção maior e uma das maiores divergências entre o catolicismo e o protestantismo (neste caso em particular, do calvinismo): a tradução da Bíblia e outros textos sagrados para as línguas nacionais, fenómeno que acompanha todo o processo de reforma protestante pela Europa. Neste caso, o autor bem o refere: (…) Bíblia escrita ou impressa em francês (…) salmos de David, traduzidos em rima francesa (…). Finalmente, e reforçando algo a que já havia feito referência, Claude Haton refere-se ao (…) ministro ou predicante (…) e não a padre ou sacerdote como no cerimonial católico. 2.2. Claude Haton, o padre católico que foi o autor desta descrição pormenorizada do cerimonial calvinista, assume, nitidamente, um tom caricatural, algo irónico e cáustico relativamente ao mesmo. Na verdade, o início da sua descrição é, no mínimo, explícito e não deixa margem para dúvidas relativamente à sua posição acerca do calvinismo: (…) falsa religião (…). Relativamente ao orador, ao que ordena e comanda o rito, as descrições são demasiado lacónicas para termos qualquer dúvida sobre a sua opinião: (…) Um de entre eles faz leituras de um qualquer capítulo do Velho ou do Novo Testamento (…); (…) para emocionar os corações entre eles e os dos novos irmãos (…); (…) anunciou a caridade que eles devem uns aos outros relativamente aos seus bens e aos seus corpos para se manterem nesta religião (…). Ora, o autor do texto, com esta ironia que caracteriza o seu relato, tem por objetivo chegar a uma acusação, ainda que implícita mas que remete o leitor para aquilo a que se poderiam assemelhar a orgias que, e concluímos pelo texto, eram prática comum no final de cada liturgia calvinista. Senão, vejamos: (…) Aquelas orações e preces feitas, foi permitido aos homens de se aproximarem das mulheres e as mulheres dos homens, até onde o prazer de cada um os conduziu, e após se terem abraçado e acarinhado uns aos outros, o ministro ou predicante (…) anunciou a caridade que eles devem ter uns aos outros relativamente aos seus bens e aos seus corpos (…) disse tais palavras: “Em nome de Deus, cumpram a caridade fraternal, cada um de vocês, junte-se àquele que ama.” Feito e dito, cada um de entre eles acomodou-se a um outro, e tomou o comando dos seus desejos (…). Exercícios Propostos (págs. 311 e 312) 1.1. Inácio de Loyola, nobre espanhol de origem basca, iluminado por um chamamento com contornos algo místicos, abandonou, nos inícios do século XVI, a sua vida dedicada às armas para se dedicar a outras “guerras”. Diz-se que o termo da sua carreira militar se deveu a um ferimento sofrido em campo de batalha que, ao que parece, o inviabilizou durante algum tempo e o levou, pelo facto de ter sobrevivido e ficado bem, a decidir-se pela vida espiritual. Na verdade, a sua Companhia de Jesus ficou conhecida, pela evidente ligação de Loyola às armas, como um verdadeiro exército ao serviço do Papa e da religião católica. O documento 1 mostra bem como os epítetos atribuídos a esta congregação, que nasce num contexto muito particular – o da reforma protestante – fazem todo o sentido. Na verdade, uma das palavras que pode caracterizar melhor os membros desta ordem é obediência. Numa devoção sem limites, as regras que podemos ler no documento evidenciam um total respeito pela hierarquia eclesiástica, numa total defesa da mesma, senão vejamos: (…) Louvar (…), enfim, todos os preceitos da Igreja (…) e (…) prontos a aprovar e a louvar não só os decretos e ordens dos que nos são superiores (…). Por outro lado, pode bem aplicar-se, neste caso, a expressão popular “fazer ouvidos de mercador”, já que Inácio de Loyola escamoteia toda e qualquer hipótese de crítica, observação ou dúvida que possam surgir a qualquer membro da Companhia e tal parece ser extensível aos católicos em geral. Não há que questionar, duvidar e, sobretudo, aos seus olhos, há quase laivos de crime pôr em causa qualquer atitude da hierarquia da Igreja, mesmo que, aos nossos olhos, tal pareça pouco lógico ou até pouco cristão: (…) aprovar e a louvar (…) a sua conduta. (…) Eles podem, por vezes, não ser dignos ou não o ter sido, mas criticá-los, seja em pregação pública, seja em conversas diante de gente simples, faria nascer mais murmurações e escândalo que proveito (…). Podemos concluir,

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desta forma, que Loyola revela uma posição de extrema obediência pela hierarquia eclesiástica, legitimando-a q.b. 1.1.1. Saída do Concílio de Trento, onde a Companhia de Jesus foi confirmada como uma das melhores “armas” para conquistar fiéis para o credo católico, a Contrarreforma católica visava anular todos os vestígios de protestantismo na Europa católica e combatê-lo, dizia-se, ao nível ideológico. Neste campo, e enquanto pregadores exímios, os jesuítas assumiram um papel relevante e de extrema importância, não só na Europa, mas igualmente no Novo Mundo. Ao assumir o seu respeito e obediência totais pelas instituições e condutas católicas (como podemos ler no documento 1), Inácio de Loyola veste a camisola de um verdadeiro combatente da causa contrarreformista: (…) Louvar a confissão ao padre (…) (e não a um pastor ou a alguém que não tivesse sido ordenado padre); (…) receber a Santa Eucaristia uma vez por ano, e mais ainda uma vez por mês, e ainda melhor todos os oito dias (…) (a missa dever-se-ia tornar parte integrante da rotina diária de todo o devoto e bom cristão.); (…) prontos a aprovar e a louvar não só os decretos e ordens dos que nos são superiores, como a sua conduta (…) (esta afirmação confirma como Loyola considera que tudo o que sai das autoridades eclesiásticas deve ser para cumprir e, para mais, nada de ter em conta a conduta daqueles que estão à frente das instituições eclesiásticas. Segundo Loyola, tal é algo que não merece qualquer importância: (…) Eles podem, por vezes, não ser dignos ou não o ter sido, mas criticá-los, seja em pregação pública, seja em conversas diante de gente simples, faria nascer mais murmurações e escândalo que proveito (…). Em suma: o tribunal da Inquisição era, basicamente, legitimado, dado que poderia ser ruinoso para a Igreja que se pusesse qualquer coisa em causa, mesmo que houvesse, note-se, razões para isso. 1.2. Se no documento 1 nos apercebemos do imenso fervor da Companhia de Jesus pela crença sem quaisquer vestígios de dúvidas relativamente à hierarquia eclesiástica, no documento 2, podemos reforçar ainda mais esta ideia. A regra dos jesuítas é o melhor exemplo do fanatismo desta ordem que, de forma cega, obedecia sem pensar a uma Igreja que, desta maneira, aproveitou a Companhia de Jesus para a auxiliar em muitos dos seus propósitos. Podemo-nos aperceber destes traços de fundamentalismo católico nas seguintes passagens: (…) observar a obediência, primeiro para com o soberano Pontífice (…); (…) tudo é justo quando o Superior o ordena (…); (…) obediência cega, rejeitemos toda a ideia, todo o sentimento contrários às suas ordens (…); (…) os que vivem na obediência devem deixar-se levar como um cadáver que deixa virar e manejar em todos os sentidos, ou ainda como um pau que serve para tudo e para todos os fins ao velho que o tem na mão (…), e conclui, em grande, mostrando que o nosso livre arbítrio de nada serve e que não vale a pena pensarmos: (…) responderá melhor à vontade de Deus desta maneira do que segundo a sua própria vontade e o seu próprio juízo (…). 1.3. Mau grado todas as críticas que possamos tecer a esta Congregação, há algo que é inegável: o seu espírito prosélito foi, talvez, a sua maior bandeira. Como já o referimos, os jesuítas agiram como um verdadeiro exército ao serviço do Papado, sem, no entanto combaterem em qualquer guerra de cariz bélico. Na verdade, o seu combate foi ideológico e teve, enquadrada que estava dentro do espírito da Contrarreforma, o objetivo de combater, pela pregação, a expansão do protestantismo numa Europa que já não mais seria una em termos religiosas. Sendo dotados de uma grande formação intelectual, vivendo entre os pobres e os humildes, os jesuítas conseguiram, em muitos casos, e em certas zonas da Europa, captar para as suas hostes protestantes que se juntaram às tropas do Senhor e passaram a ser fiéis irrepreensíveis. Os seus sermões, em muitas praças públicas europeias, encantavam os ouvintes e era esse efeito que levava alguns a abdicarem das suas crenças heréticas, na visão oficial da Igreja. Por outro lado, os jesuítas destacaram-se como professores exímios e a sua rede de colégios para os filhos dos mais abastados proporcionou um ensino secundário e uma formação cristã de rigor. Este ensino rigoroso, e com um sentido de missão notável, permitiu aos padres da Companhia uma influência muito forte na juventude do seu tempo, sobretudo da proveniente das elites da época. Finalmente, e talvez o plano mais brilhante dos jesuítas, foi o seu papel enquanto missionários nos continentes explorados pelos portugueses e pelos espanhóis. Enfrentando, muitas vezes, o desconhecido em locais onde nunca nenhum homem europeu havia chegado, os membros desta ordem sofreram muitas vezes a injúria, a tortura e até a morte, em regiões hostis dos confins desses continentes, sobretudo na América. É neste continente que o seu trabalho com os Índios assumiu uma

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verdadeira missão humanitária, com a construção de aldeias, escolas, hospitais, entre outros, para esta população que, no europeu, só via, em norma, destruição e maldade. Os jesuítas conseguiram, em muitos casos, inverter essa imagem. 2.1. A Inquisição representou o retrato mais negro e mais perturbador de uma Europa que, debaixo do surto da magnificência renascentista, assistiu, no entanto, a um pico do medo entre os homens e as mulheres, sobretudo, nos países católicos. Após o Concílio de Trento, este tribunal devassou a Europa numa espiral de violência e de terror que se manteve praticamente por 300 anos. O documento mostra uma das facetas mais tristes e degradantes desta instituição macabra que se permitiu atuar em nome de Jesus Cristo, ou seja, a instalação de um clima de desconfiança, medo, alta tensão que passou a fazer parte do quotidiano, no caso do documento em particular, dos portugueses. O método de atuação deste tribunal não variava muito de país para país e, no caso de Portugal em particular, seguia, invariavelmente os mesmos trâmites: era publicado, inicialmente, um édito de fé em que, de forma clara, se convidava as pessoas à denúncia, sob pena de a ira divina se poder abater sobre quem não denunciasse qualquer coisa. Após isto, e dependendo do local onde o tribunal se instalava, temporariamente ou não, o inquisidor proferia um sermão na igreja ou catedral da povoação onde se encontrava. De seguida, e consequência do medo que se instalava nas gentes (lembremo-nos que estamos num período de grande ignorância e pobreza) de alguém as denunciar sobre algo que ninguém sabia muito bem o quê, iniciavam-se as várias denúncias (como podemos ver no documento) em que vizinhos denunciavam vizinhos, amigos denunciavam amigos e até irmãos denunciavam irmãos ou maridos denunciavam as respetivas esposas. Após isso, passava-se para o interrogatório, onde o acusado nunca sabia quem o tinha denunciado e, sob ameaça de tortura, usada não raras vezes e com requintes de malvadez pouco condignos com a condição humana, confessava tudo o que se queria ouvir e, na esmagadora maioria das vezes, era coagido a denunciar outras pessoas só para se ver livre do inferno que eram os interrogatórios nos curros do Santo Ofício. Os instrumentos de tortura eram verdadeiras máquinas diabólicas e visavam aniquilar qualquer réstia de vontade por parte dos acusados e reduzi-los, basicamente, a farrapos. Não adiantava que os que inventavam as acusações achassem os que delas eram vítimas (…) muito inteligente (…), pois isso não iria valer de nada. O ambiente era de profundo medo, suspeição, terror instalado no quotidiano e ninguém confiava em ninguém. Repare-se no ridículo da acusação do indivíduo que, em casa de outro, reparou numa imagem de um (…) santinho com teias de aranha (...). 2.2. A chegada deste tribunal a Portugal (1536) e, passados 10 anos, do Índex (1547), não trouxeram apenas um leque variado de consequências sociais: o esmagamento dos mais elementares direitos humanos, a instalação da angústia e medo permanentes nos portugueses, a descriminação sempre demasiado desumana para com as minorias, como os judeus, mesmo que convertidos em cristãos-novos que passariam o resto dos seus dias a serem vigiados pelos vizinhos cristãos-velhos que se tornavam, igualmente, em parte do cenário de medo em que se vivia. Para além do que já foi referido na resposta anterior, resta falar das devastadoras consequências que, a nível cultural, marcaram o panorama intelectual do país. O Índex português atingiu grande vigor e violência, abatendo-se sobre as obras e respetivos autores e, em geral, sobre aqueles que as possuíam (recordemos o caso de Damião de Góis). Numa Europa que passava pelo vigor (nunca visto) intelectual do Renascimento, em Portugal passava-se pela atrofia quase completa a esse nível. O humanismo teve, aqui, poucos ecos (Camões ou Gil Vicente não se podem comparar aos humanistas italianos, franceses ou holandeses, e tiveram constantemente sob atenta vigilância das autoridades inquisitoriais). O caso de Damião de Góis e de muitos professores do Colégio das Artes, por exemplo, foram a prova mais que evidente da tentativa de anulação de qualquer ímpeto de arrojo intelectual no nosso país. Resumindo, atente-se no estudante da Universidade de Coimbra (no documento) que (…) não quis retratar-se das conclusões erradas (…). Exercícios Propostos (pág. 321) 1.1. Os monarcas portugueses, tal como os espanhóis, exerceram o chamado padroado sobre as áreas conquistadas, facto que lhes conferia um imenso poder sobre esses territórios, devido ao

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conjunto de privilégios que lhes estava, dessa forma, associado. Ora, muitos desses privilégios foram postos em prática de forma autoritária e, no mínimo, não tendo de modo algum em conta as especificidades dos indígenas procedendo-se, em alguns casos, a uma verdadeira “limpeza” da cultura local, incluindo-se aqui aspetos como as práticas religiosas dos povos conquistados, tal como é descrito no documento 1. De facto, e fazendo jus ao velho espírito medieval de alargamento da Cristandade, tal princípio tornou-se o argumento mais plausível e legítimo para toda uma série de violências e do desrespeito pelos mais elementares direitos do Homem, tendo-se esta vontade de espalhar a fé cristã numa verdadeira máquina contorcionária devido à instalação da Inquisição em Portugal. Por isso, e por muitas e diversas vezes, a missionação ibérica foi exercida de forma ostensiva, como podemos concluir pela leitura do documento 1. O autor refere-se a S. Francisco Xavier, missionário da Companhia de Jesus, responsável pela introdução do tribunal do Santo Ofício na Índia: (…) o Francisco Xavier original tinha pedido ao Papa que instalasse a Inquisição em Goa (…). Fruto da atitude deste jesuíta, o medo instalou-se em toda a comunidade hindu, mas também em portugueses cristãos-novos, oriundos de Portugal, devido aos sinais de manifesto desrespeito pela população autóctone: (…) os judeus (…) e até os antigos hindus, eram obrigados a esculpir cruzes sobre a porta da entrada para garantir à Igreja que não tinham voltado aos seus modos de vida ilegais (…) (e note-se bem a expressão ilegais, como se ter uma religião diferente da católica fosse crime (algo que, de facto, era). Por outro lado, o medo e o terror instalavam-se em definitivo: (…) risco de serem queimados vivos num lugar especial junto ao rio (…). Por isso, vários infelizes morriam nas chamas quase todos os anos. Portanto, a atividade de missionação não passou de uma máquina de propaganda da Igreja Católica e da extensão dos tentáculos da Contrarreforma até aos territórios mais longínquos do nosso território ultramarino. Na verdade, catequizar ou conquistar os indianos pela pregação ou pela oração parecem ter sido coisas que, em nada, tiveram a ver com aquilo que, por exemplo, o padre António Vieira fez no Brasil. Na Índia, procedeu-se a uma verdadeira aniquilação não só dos valores religiosos como, igualmente, dos valores culturais dos hindus: (…) Todos os rastos de feitiçaria e superstição tornarão ao pó. (…) Todos os vossos deuses estão mortos (…) Destruímo-los com isto. – Brandiu a cruz que tinha ao pescoço. (…) foram mortos pela compaixão de Cristo, como todos os infiéis e pagãos haviam de ser (…). Eis, em suma, a atitude cristã dos missionários católicos na Índia e na ação de S. Francisco Xavier. 1.2. Se, numa fase inicial, a descoberta do “outro” (tanto do índio relativamente ao europeu, como do europeu relativamente ao índio) se assemelhou, na grande maioria dos casos, a uma experiência quase de pura curiosidade e de caráter pedagógico em que ambos tentaram registar, ao máximo, as impressões sobre o que observavam (como se tornou comum com portugueses e espanhóis), tal não passou de um mero deslumbre do que se tornou prática comum dos povos ibéricos face aos povos conquistados. Portugueses como espanhóis elaboraram relatos pormenorizados sobre negros, asiáticos, ameríndios, numa tentativa de desmistificar a ideia préconcebida que se tinha traçado sobre essas populações. Estes relatos foram levados a cabo por descobridores, padres, missionários, marinheiros, soldados, entre outros que, encantados com a possibilidade de ali puderem deixar a sua marca civilizacional e de puderem transformar os inocentes indígenas em bons cristãos, inicialmente (mas de forma muito efémera) agiram de modo pacífico para com esses povos. No entanto, tal não passou de uma atitude temporária e antecipadora daquilo que estava para acontecer. Após pouco tempo sobre a chegada dos povos ibéricos aos seus novíssimos territórios, o olhar desconfiado e hostil por parte dos indígenas começou a ser algo comum. Na verdade, e desde o início, o europeu revelou-se preconceituoso e racista, tendo como base a superioridade da raça branca e da religião cristã, como se tais princípios fossem, de alguma forma, valores cristãos. Invocando o nome de Cristo (como bem se pode ver no documento 1), o europeu recorreu às armas e a toda a espécie de violência (como podemos observar no documento 2) quando, no caso dos territórios espanhóis da América Central e do Sul, surgiu ante os seus olhos, o imenso manancial das minas de ouro e prata que haveria de conduzir aos mais ignominiosos crimes que tinham um objetivo, puro e simples, o extermínio das civilizações ameríndias (bem visível no documento 2). No caso do Brasil, o açúcar e o incremento dos engenhos levou à total escravização das tribos ameríndias que sofreram agruras às mãos dos colonos portugueses. O recurso à escravatura foi o método mais eficaz para a obtenção de mão de obra abundante para alimentar a ganância dos conquistadores. No caso espanhol, sobretudo, a vertente racista esteve bem patente pelo facto de recriminarem tudo o que, no seu ponto de vista, era bestialidade daqueles a quem chamavam idólatras, os ameríndios (no caso português, a

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atitude foi basicamente semelhante, sobretudo com os negros africanos). Os conquistadores acentuavam, propositadamente, e com a cumplicidade da respetiva Igreja, o barbárie e selvajaria em que, supostamente, viviam esses povos. Tal constituiria um bom argumento (talvez o melhor argumento) para justificar a barbárie (essa sim!) bem evidente na figura 2 e tantas vezes denunciada por alguns padres e missionários católicos (não é de admirar, por isso, a brutal quebra demográfica que durante o século XVII se dá na população nativa sul americana). Teste de Avaliação 6 (págs. 322 a 325) GRUPO I 1. Pensaríamos, a priori, que este texto foi retirado de uma obra sobre Erasmo de Roterdão e, no final, quando nos apercebemos de “ Martinho Lutero: um destino.”, concluímos que é sobre Lutero que Lucien Fébvre se debruça e que, parecendo não querer marcar, em grande parte do texto, a diferença entre este e Erasmo, o final mostra o objetivo da sua reflexão. Na verdade, após expor a figura de Erasmo numa Europa em mutação e em crise de identidade e destacar a pessoa do clérigo holandês em todo esse processo, o autor vai buscar Martinho Lutero e estabelece o paralelo, de forma pragmática mas bastante vincada, entre os dois. Lutero como Erasmo desempenham papéis-chave em todo o processo reformista da Europa e em todo o volte-face que se dá no seio da cristandade. No entanto, esses papéis são desempenhados de forma diametralmente oposta e o autor está apostado em mostrar a diferença. Se Erasmo era um humanista conceituado, um intelectual de topo, um verdadeiro prodígio do Renascimento (…) um homem saudado, reverenciado como um mestre, tanto pelos Franceses, como pelo Ingleses, Alemães, Flamengos, Polacos, Espanhóis e mesmo Italianos (…); (…) Conhecedor de homens e do xadrez complexo de uma Europa em gestação (…) Tinha tido a audiência sobretudo dos seus sábios, mas dos seus verdadeiros senhores: os grandes, os políticos(…), Lutero era tudo menos isso. Tratava-se de um padre alemão, professor universitário e um anónimo na Europa de então. Nem grandes, nem políticos, nem famosos, ninguém conhecia este homem. Por outro lado, Lucien Fébvre reforça as diferenças de personalidade entre os dois homens: Erasmo era (…) demasiado subtil, demasiado comedido e racional para poder exercer (…) a influência de um chefe de ataque pronto a entregar-se ao assalto. Aliás, um assalto de fora, brutal, direto, violento! [referindo-se ao modo como Lutero se sublevou contra Roma] (…); mais à frente, o autor volta a vincar esta diferença, ao destacar a influência de Erasmo dentro do panorama europeu, numa clara alusão ao desconhecimento que existia sobre Lutero: (…) Conhecedor de homens e do xadrez complexo de uma Europa em gestação (…); (Tinha tido a audiência sobretudo dos seus sábios, mas dos seus verdadeiros senhores: os grandes, os políticos (…). Ora, ainda mais evidente do que isto é o modo como ambos encetaram a sua cisão relativamente ao papa. Quando Lucien Fébvre refere que Erasmo não (…) tinha preocupação em subestimar a sua força [da igreja romana] 8…) mostra como a sua atitude foi, desde o início, diferente da de Lutero. Este incendiou a Alemanha e os Alemães contra o Vaticano, vociferou alto e bom som a sua revolta publicamente, e fez tensão de se separar, custasse o que custasse, da Igreja católica. Portanto, era uma guerra, parafraseando o autor, brutal, direta e violenta. Ora, há muito que, de uma forma pacífica, Erasmo criticava o modo de vida do clero e do papado sem nunca, no entanto, lhe passar pela cabeça, levar a cabo uma cruzada contra Roma. Para mudar fosse o que fosse, Erasmo defendia que era necessário fazer essa mudança a partir de dentro da própria instituição Igreja, sem cortar com ela: (…) para mudar como desejaria – mas à sua maneira, que não era a de um Lutero – as bases tradicionais da vida cristã, sentir com violência que, para fazer triunfar essa filosofia do Cristo, essa religião do espírito, que expunha e pregava com uma convicção de que parece necessário não duvidar, e um ardor que não estava, de maneira nenhuma, isento de perigo – a condição prévia, absolutamente necessária, era permanecer no seio da Igreja, trabalhar de dentro com continuidade mas sem violência nem tumulto, e não se separar nunca ou deixar-se expulsar por uma rutura violenta, que aliás repugnava aos seus sentimentos, tanto como ao seu espírito (…). 2.Os humanistas são talvez dos elementos que mais contribuíram para a derrocada que se vai abater sobre uma Igreja que estava podre, afundada em corrupção, imoralidade e com uma vida de tal modo dissoluta que escandalizava toda uma Europa que não se atrevia, no entanto, a lançar

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fosse um reparo ou crítica. São, portanto, estes homens (…) cultos e de boa vontade (…) que se atreverão a tentar mudar este quadro, fazendo Roma tremer e perder o controlo, em parte, de uma Europa atordoada pela descoberta dos novos mundos e pela queda de uma série de lendas e mitos que há muito eram mantidos pela Igreja de forma a ter o europeu comum sob o seu jugo. As críticas humanistas recaiam, antes de mais, sobre aquilo que consideravam a (…) vegetação parasita de séculos (…) de uma doutrina complicada arbitrariamente; eliminar o que não estava expressamente contido nos livros santos; batizar de “invenções humanas” tudo o que proibiam como tal, e libertar da obrigação de acreditar nelas os cristãos submetidos apenas à lei de Deus (…). Era dessa forma que, na ótica dos humanistas, a Igreja primitiva se tinha conspurcado e desviado dos propósitos que tinham sido os de Jesus Cristo. Os humanistas, recorrendo à Antiguidade Clássica, devido aos seus vastos conhecimentos do grego e do latim visavam inaugurar uma nova era de (…) pensamento independente do pensamento cristão (…), alicerçado numa (…) inspiração profundamente humana (… ) uma moral altruísta, independente do dogma (…). Na verdade, como queriam que o cristianismo voltasse aos seus primórdios, à doutrina original, aos exemplos de Cristo e dos apóstolos, o seu objetivo principal era (…) enriquecer e embelezar um cristianismo que sonhavam humanizado (…). Para tal, o humanismo contou com uma arma inesperada para a Igreja: a imprensa (…) filologia nascente e a imprensa restauravam e vulgarizavam as obras (…). GRUPO II 1. O surgimento da imprensa coincidiu com a afirmação das línguas nacionais que, um pouco por toda a Europa, se tornaram uma ameaça crescente para a Igreja de Roma que, até aí, havia detido o monopólio da interpretação das obras dos autores clássicos mas, sobretudo, da Bíblia. Na verdade, tendo-a interpretado, durante séculos, de forma completamente arbitrária, adulterando-a, por isso, Roma convenceu os fiéis sobre uma série de coisas que, ao traduzir-se a Bíblia, primeiro para alemão e, de seguida, para outras línguas, desmistificou toda uma série de verdadeiros contos do vigário contados a gerações de cristãos que, passando a ter a Bíblia traduzida nas suas línguas nacionais, poderiam tirar as elações que dela quisessem. Desde há muito, entretanto, que o papado era acusado de adulterar as escrituras sagradas e que o clero era apontado a dedo por nem sequer perceber os salmos que insistia em ler em latim a uma população que nada percebia porque nem sequer conhecia a língua na qual se liam as Sagradas Escrituras. A Bíblia em alemão, ou não fosse a Alemanha o berço da imprensa e da reforma protestante, vinha mostrar como o papado havia enganado (e insistia nisso!) os fiéis, como se já não bastasse o estilo de vida mundano que levava. Portanto, ameaça óbvia a uma instituição que se deparava com o fim de tantas falácias levadas a cabo durante tantos séculos. 2. São bem percetíveis as acusações que o autor do documento 5 lança à instituição católica: (…) a ambição, a avareza e a moleza dos padres (…); (…) multidão de celerados à condição que lhes convém, ou seja, para ficarem quer sem vícios, quer sem autoridade (…). As acusações prendem-se com o estado da Igreja na altura em questão, uma Igreja em profunda crise de consciência, em estado de degradação progressiva, constituindo tudo menos um modelo a seguir pelos fiéis que, dessa forma, se sentiam completamente desamparados e abandonados. Na verdade, a avareza e a ambição a que o autor se refere, eram uma das faces desta Igreja, empenhada em colher os frutos dos imensos impostos com que sobrecarregava a população e os Estados europeus. Como agravante, as indulgências, muito particularmente a tempestade provocada pela Bula de 1515, mostraram o quanto o papa estava apenas preocupado em amealhar cada vez mais dinheiro para sustentar os luxos e a ostentação de um Igreja que não tinha vergonha de agir como agiam os grandes senhores laicos, vivendo como eles, praticando o mecenato, controlando e administrando vastas propriedades e vivendo numa mundanidade que escandalizava o fiel mais ignorante. Estes eram os tais vícios a que o autor se refere: o dinheiro, os bens materiais, os luxos, os cargos eclesiásticos (por isso, o autor se refere a moleza dos padres, querendo com isto dizer que os membros do clero não o eram por vocação, mas a corrupção imperava e havia um verdadeiro tráfico de compra e venda de cargos – o chamado crime de simonia. Tal impedia que os membros do clero exercessem com brio e total dedicação a sua missão enquanto religiosos). Envolvidos nos mais diversos escândalos, como a corrupção, passando pelo suborno, pelo tráfico de influências, crimes sexuais, extorsão eram, assim, vistos como (…) celerados (…) a quem o autor, fazendo

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eco daquilo que a esmagadora maioria da população, em silêncio, desejaria, desejava que perdessem os vícios e a autoridade. 3. Há muito que a Igreja católica mostrava sinais de grande fragilidade e incoerência profunda. Muito antes de serem desmascaradas as suas mentiras sobre a Bíblia e sobre alguns dogmas que tinham permanecido desconhecidos da esmagadora maioria da população europeia e, pior do que isso, a tinham feito viver amedrontada durante séculos, O Grande Cisma do Ocidente, em plena Idade Média, mostrou bem a amplitude do descalabro da Igreja e da sua profunda divisão. Na verdade, tratou-se de uma verdadeira divisão da cristandade em que, dois papas, o de Avinhão e o de Roma, entraram numa verdadeira luta pela supremacia do poder, sendo apoiados por diferentes fações de cardeais mas, mais importante, de monarcas. Na verdade, só em 1417, com a eleição de Martinho V, no Concílio de Constança, o problema foi resolvido e se chegou a um consenso. Tal não significou que, no entanto, a tempestade começada com o Cisma, ficasse por aí. De facto, a anarquia reinante no seio da Igreja levava a verdadeiras lutas pela supremacia o que opõe, logo desde a eleição de Martinho V, o papa ao movimento conciliar. Para agravar este quadro, o espírito secular estava profundamente enraizado na instituição católica e os Papas, era sabido, rivalizavam com os mais ricos senhores laicos, comportando-se exatamente como eles. Por isso, a sua ostentação e luxo chocavam os demais, sobretudo numa Europa em que os fiéis viviam numa imensa miséria. Esperando dos membros da Igreja o conforto espiritual necessário para os seus medos e cogitações, os fiéis deparavam-se apenas com a preocupação desmedida por parte da Igreja em impor autoridade e nada mais do que isso. A instituição não compreendia os fiéis e, estes, muito menos percebiam a atitude prepotente e autoritária da Igreja fundada com base nos ensinamentos de um homem tão humilde como o havia sido Jesus Cristo. A Casa de Deus estava, na verdade, muito distante dos primitivos ensinamentos dos primeiros cristãos. Para além do que já referimos, acrescente-se a acumulação de cargos e benefícios, o vergonhoso crime de simonia, o crescente absentismo (até mesmo no baixo clero) e um profundo desleixo no cumprimento dos seus deveres enquanto pastores de Cristo (Francesco Guicciardini bem o afirma no documento 5: ( …) a ambição, a avareza e a moleza dos padres (…) cada um destes vícios é odioso em si mesmo (…). As ordens religiosas, por seu turno, revelavam uma enorme crise de apatia e alguma indiferença perante todo este cenário e, por isso, revelavam uma tremenda impotência face a uma Igreja que se havia tornado o inimigo mais visível dos cristãos e perdido, definitivamente, a confiança da Europa. Este movimento, que prolifera entre os fiéis, é uma reação generalizada a todo este contexto e é aqui que podemos encontrar as condições favoráveis a uma situação que está aberta a uma renovação religiosa. A Reforma protestante, prestes a explodir a qualquer momento é, desta forma, eminentemente religiosa mas existem causas seculares por detrás da mesma. Em boa verdade, o desenvolvimento de fortes monarquias nacionais materializa uma luta que se arrastava desde a Idade Média, ou seja, a oposição entre poder temporal e poder espiritual. Este via-se, cada vez mais, ameaçado pelo poder continuamente mais forte das monarquias de matriz cristã dado que estas tentavam, por todas as formas, reduzir a interferência do papa nos seus Estados, sobretudo na tentativa de evitar a saída de dinheiro para as dízimas que se multiplicavam ano após ano. Por outro lado, a depressão económica dos finais da Idade Média levava a uma cobiça, cada vez maior, por parte dos monarcas, dos recheadíssimos cofres da Igreja. Um outro elemento pertinente e que concorreu, a par com os outros, para uma Igreja mais que fragilizada foi o facto de a instituição insistir na condenação do juro, da usura e do êxito material dos banqueiros e mercadores. Não admira, pois, que desde a Idade Média as críticas recaindo sobre a Igreja, se fossem acumulando e, fator curioso mas não desprovido de lógica, dos próprios eclesiásticos que, perante tudo o que já traçamos, propunham o regresso a uma religião mais pura baseada precisamente na pureza do Cristianismo original. Tal provocou, de imediato, reações tempestuosas numa Igreja que se vai defender, da pior maneira, considerando essas críticas como heresias e consequentes perseguições e castigos exemplares a quem ousava proferir essas críticas. Ora, é aqui que podemos fazer referência àqueles que podemos destacar como os primeiros grandes críticos e, podemos dizê-lo, precursores dos humanistas: John Wyclif, Jan Huss ou Girolamo Savonarola. O que tinham em comum estes homens? Eram todos clérigos, católicos e tão tementes a Deus como supostamente deveria ser qualquer membro da Igreja. No entanto, sabiam exatamente o que se passava dentro da hierarquia eclesiástica e, por isso, levantaram as suas vozes de forma direta contra essa hierarquia e, sobretudo, contra a autoridade do papa, rejeitando o culto das relíquias e dos santos, propondo um retorno aos princípios do Cristianismo primitivo. Era o começo da avalanche que prenunciava uma cisão ainda mais

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profunda do que havia sido o Grande Cisma do Ocidente. Na verdade, o Renascimento vem trazer os maiores contributos e mais significativos para aquilo que iria ser a Reforma. Através de um estudo, à lupa, do texto grego dos Evangelhos, os humanistas tiveram acesso à versão literal da Bíblia, até aí monopólio das interpretações vulgarizadas da Idade Média. É Lorenzo Valla que, em pleno florescimento do fenómeno renascentista, faz o primeiro estudo do texto comparativo da Vulgata, única versão da Bíblia autorizada pela Igreja e o texto grego do Novo Testamento. O seu trabalho é continuado pelo “príncipe dos humanistas”, Erasmo de Roterdão, que vai traduzir para latim o texto grego. A partir daqui, os humanistas tornaram-se os mais incisivos críticos da Igreja e, na visão da mesma, os seus maiores inimigos. Criticando a hipocrisia e a corrupção do clero, os humanistas propunham aquilo que era comum aos críticos da Idade Média, isto é, o regresso à pureza do Cristianismo primitivo e uma religião mais interior, mais contemplativa, em que todo o cerimonial litúrgico assumia um papel secundário. Erasmo é, por excelência, o símbolo máximo desta atitude profundamente crítica. As suas obras, nomeadamente o Elogio da Loucura, procuraram fundar uma nova teologia virada, acima de tudo, para a vida interior e, como ele apelidou, uma (…) religião de puro espírito (…). Falamos, por isso, de uma corrente erasmista ou erasmismo, uma corrente que funda uma nova visão do Cristianismo, totalmente condenável pela Igreja que não viu, na postura de Erasmo, mais nada senão pura heresia. Para além da intensa pregação levada a cabo por estes homens, assiste-se, por parte dos fiéis, a uma piedade mais individual (fruto das exigências de um rebanho de Cristo que há muito se sentia pura e simplesmente abandonado à sua sorte), a uma viragem para formas de religião completamente diferentes das tradicionais bem como uma procura maior pela feitiçaria e paganismo. A indignação dos fiéis conduziu, por isso, a um regresso a uma religião mais pessoal, ou seja, a um cada vez maior individualismo religioso. Esta explosão de uma espiritualidade individualista teve lugar, em simultâneo, com o papel cada vez mais proeminente dos leigos no interior da Igreja, ao mesmo tempo que a hierarquia eclesiástica era desvalorizada. No entanto, as indulgências (que existiam desde a Idade Média) provocavam, cada vez mais, um maior constrangimento entre os fiéis. Na verdade, este imposto era verdadeiramente escandaloso, definindo que, mediante um pagamento em dinheiro à Igreja, os fiéis salvariam a sua alma das dores do Purgatório e, logo, por consequência, a alma nunca iria parar ao Inferno e teria um lugar garantido no Paraíso. É por isso que, em 1517, perante o extraordinário incremento da venda de indulgências autorizada pelo papa Leão X, com vista ao fim da conclusão das obras na basílica de S. Pedro do Vaticano, um monge alemão, de seu nome Martinho Lutero, monge agostinho que havia, numa incessante procura por uma espiritualidade quase mística, abandonado os estudos do direito em 1505, vai afixar, em Outubro de 1517, na porta do castelo da pequena cidade de Wittenberg, as suas famosas 95 teses contra as indulgências. Manifesto panfletário, Lutero não terá tido, porventura, noção do terramoto a que verdadeiramente tinha dado o pontapé de saída na Europa (…) um mês depois [da afixação da teses] Lutero é, para surpresa sua, uma figura europeia. A venda de indulgências decai (…). Completamente imbuído de um espírito libertador do descontentamento interior e espiritual dos cristãos, assumindo-se como a voz pública e irada contra a exploração de Roma aos católicos alemães e europeus em geral, Lutero dava o golpe de misericórdia na Igreja e abria a sua brecha mais profunda pondo termo à antiga unidade na Crença (documento 3) de que tanto se vangloriava Roma. Segundo Lutero, e após leituras muito aprofundadas da Epístola de S. Paulo aos Romanos, o caminho para a salvação residia unicamente na fé total e naquilo que ela poderia proporcionar. Dada a inevitabilidade da imperfeição do Homem e da sua permanente injustiça, seria na justificação pela fé que ele encontraria a salvação. A Bula das Indulgências de 1517 trazia a confirmação do escândalo que sempre havia sido as indulgências. Ora, Lutero propunha uma discussão aprofundada sobre estas indulgências e dos seus efeitos nos fiéis com o mote inicial da apologia sobre o facto de que uma indulgência não poderia limpar a culpa ou afetar a punição devida pelo pecado. Leão X exige, em 1520, que Lutero se retrate e dava-lhe dois meses para que tal acontecesse, sob pena de excomunhão. Ao mesmo tempo, Lutero iniciava uma intensa campanha de conquista de adeptos para a sua causa. No seu Manifesto à Nobreza Alemã (documento 5), volta a atacar o papa e apela veementemente para que a Alemanha resista contra o papado explorador e sanguessuga (…) se o Papa age contra a Escritura, temos o dever de levar a nossa assistência até à escritura, de o repreender e de o obrigar a obedecer (…). Nesse mesmo manifesto, reivindicava ainda o direito à livre interpretação dos Evangelhos, o que pressupunha a tradução da Bíblia para alemão, algo de que ele também se encarregará de fazer. Volta, entretanto, noutras obras, a atacar o papa ainda de forma mais truculenta, o que foi a gota de água para que este o excomungasse, finalmente, em 1521. A partir daqui, Lutero é protegido pelo

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Eleitor do Saxe, Frederico, o Sábio, esconde-se no Castelo de Wartburg e dedica-se a escrever os fundamentos daquela que será a primeira religião reformada da Europa – o Luteranismo – bem como a traduzir a Bíblia para alemão (documento 4), numa linguagem simples e acessível. De qualquer maneira, toda a Alemanha o acabará por acompanhar, especialmente os mais altos dignitários políticos que veem na sua atitude a oportunidade de ficarem com todos os bens da Igreja (…) Em três anos, o episódio desenvolvera-se numa revolução nacional-cristã da Alemanha contra Roma, tornando quase impossível qualquer compromisso (...). A divisão religiosa da Europa a quem Lutero deu o mote vai dividi-la e transformar o continente em dois campos opostos: o do campo católico (a sul) e o do terreno protestante (a norte), facto que irá provocar um sem-número de guerras religiosas e separar os europeus em dois grupos rivais, facto bem caricaturado no documento 1 – pescadores de almas – em que o pintor pretendeu representar bem a divisão europeia fruto do reformismo protestante. Podemos observar como o autor retrata essa divisão, mostrando um grande lago /rio, onde os pescadores nada mais são do que membros da Igreja católica (a embarcação maior que nos surge à vista, à nossa direita) e os pescadores, na embarcação em primeiro plano que representam os protestantes (sendo calvinistas, ou não fosse o pintor holandês). Na embarcação católica, os padres tentam atrair os fiéis para a sua causa, mostrando-lhes imagens de santos, tendo a presença do papa junto a si, e podemos mesmo interpretar a presença do brilho na água, algo que se assemelha ao ouro, fruto, quiçá, do dinheiro e das esmolas que a Igreja achava serem sinónimo de salvação. Portanto, santos, papa, esmolas e indulgências, a combinação tão rejeitada pelo protestantismo. Na embarcação protestante, vemos a simplicidade dos “pescadores”, e a presença, unicamente, da única coisa verdadeiramente importante para a salvação das almas: as Sagradas Escrituras. Todos estão empenhados, no entanto, em pescar a maior quantidade possível de fiéis para a sua causa. GRUPO III 1. Os índios americanos, inicialmente descritos pelos seus descobridores como gente pacífica, amistosa e inocente, propícios a tornarem-se, possivelmente, bons cristãos, passaram, rapidamente, de bestiais a bestas humanas. Do encontro de povos ao confronto de culturas foi um passo, sobretudo quando o colonizador ibérico (espanhol como português) descobriu que, no fim de contas, no intuito de aproveitar ao máximo, as riquezas que o território americano tinha para oferecer, havia ali (no novo mundo) um manancial imenso de mão de obra de que se poderia fazer uso para levar a cabo o aproveitamento total dos recursos naturais do continente. Mas como justificar colocar a trabalhar gente tão inocente, tão humilde e tão pacífica, de forma tão intensiva, ao serviço das respetivas metrópoles? Ora, o leit- motiv para tal vai estar no facto de se considerarem estes indígenas como pessoas muito inferiores e com hábitos nada humanos pelo que, em pouco tempo, os colonizadores recriminaram severamente aquilo a que apelidavam de bestialidade dos índios, colocando uma ênfase no seu barbarismo e selvajaria. Em nome da superioridade da raça branca e da religião cristã, características identificadoras do racismo dos conquistadores que, em boa verdade, nunca esconderam essa vertente, o europeu rapidamente diabolizou o ameríndio. E é precisamente aqui que se justifica a vergonhosa escravatura que marca, no caso português, o Brasil devido à produção de açúcar. Os portugueses, com base no que já referimos, escravizaram os índios brasileiros de forma rápida, contando, no entanto, com uma resistência por parte dos mesmos. Não obstante, os índios brasileiros tornaram-se verdadeiramente carne para canhão e, por toda a costa brasileira, os engenhos do açúcar cresceram como cogumelos e capturaram-se tantos escravos quanto possível, amontoando-os nas senzalas em condições desumanas, obrigando-os a trabalhar o máximo de horas possível, colocando homens e mulheres em trabalhos arriscados dentro do engenho e castigando-os, muitas vezes, de forma sádica, contribuindo para o decréscimo generalizado da população índia em todo o continente americano. Por isso, a profunda indignação e as palavras duríssimas de quem nunca deixou de ver nos índios a humanidade que lhes foi vista inicialmente. Com palavras duríssimas e bem incisivas, o Padre António Vieira apontava o dedo aos que eram responsáveis pela desumanidade e pelos atos hediondos cometidos contra os índios: (…) Sabeis Cristãos, sabeis nobreza e Povo do Maranhão (…), os mesmos que assistiam à eucaristia e se tinham em conta de bons cristãos! Certamente que as palavras deste jesuíta, precisamente conhecido por Pai dos Índios , incendiaram os ódios contra a sua pessoa, mas tal nunca o impediu de, até ao fim da sua longa vida, ter defendido sempre o mesmo (…) deixeis ir livres os que tendes cativos e oprimidos(…), ainda que tal lhe tenha custado a animosidade dos colonos brancos, da Coroa

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portuguesa e da própria Igreja que permitiu que este homem fosse, inclusive, vítima da odiosa inquisição. O padre António Vieira não se poupou nas palavras e demonstrou uma coragem sem precedentes na História do nosso país. Acusa toda a sua audiência de ser castigada no inferno: (…) Todos estais em pecado mortal: todos viveis e morreis em estado de condenação, e todos vós ides direitos ao inferno. Já lá estão muitos e vós também estareis cedo com eles, se não mudardes de vida (…). A condenação feita aos senhores dos engenhos é, por demais, evidente: (…) Ah fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torceram haviam de lançar sangue! (…), deixando a mensagem bem clara, para quem pudesse não ter percebido: (…) é melhor sustentar do suor próprio que do sangue alheio (…). 2. A atividade de missionação levada a cabo em territórios brasileiros teve como protagonistas os membros da Companhia de Jesus, marcada pelo extraordinário zelo do Padre António Vieira (bem visível no documento) e dos seus discípulos. De vertente marcadamente prosélita, destacamos, dentro da ação jesuítica, a construção das missões, verdadeiras aldeias construídas pelas próprias mãos dos padres jesuítas, destinadas a acolher as populações indígenas, a evangelizá-las, a ensinar-lhes um ofício, ou seja, a livrá-las do jugo da escravatura. Ao mesmo tempo que se estabeleciam as missões, a atividade de missionação tentava igualmente impor um determinado padrão cultural que tinha a ver com a tentativa de aculturar as populações ameríndias, tomando como ponto de referência os costumes e hábitos portugueses bem como a língua. No fundo, salvar almas e integrar os povos indígenas, assim podemos referir-nos ao grosso da missionação no Brasil. Prova global 1 (págs. 326 a 330) GRUPO I 1. Alvin Toffler apresenta-nos uma reflexão profundamente atual sobre o progresso das sociedades e do rumo que, muitas vezes, a história toma, com todas as consequências positivas e negativas que daí podem advir. Neste caso, e reportando-nos ao assunto que a questão coloca, Toffler traça, na verdade, a evolução operada desde há 300 anos até aos nossos dias, colocando a tónica no advento de uma idade que, como podemos concluir pela leitura do texto, esteve relacionada com o aparecimento de economia ligada ao mundo urbano, a um intenso processo de industrialização a que se refere como (…) revolução industrial(…) e que teve o seu epicentro nas cidades, tornando o espaço agrário como algo que, aparentemente, se tornou obsoleto, pouco importante e remetido para um plano que não cabia na logística de uma sociedade completamente rendida às delícias de uma sociedade industrializada: (…) Há trezentos anos, a revolução industrial também deu origem a um novo sistema de criação de riqueza. Chaminés altas alanceavam o céu onde antes tinham sido amanhados campos (…). Portanto, a tal revolução industrial tirou, na verdadeira aceção da palavra, o peso que o mundo agrário tinha no modo de vida das sociedades da época. Ora, por aqui podemos concluir que o mundo esmagadoramente rural que desde o início dos tempos sempre caracterizou a Europa e o mundo conhecido, começava o seu desaparecimento, enquanto mundo que centrava as atenções dos decisores políticos, que era o centro da economia da maioria dos Estados, que concentrava a maioria da população; enfim, a atividade agrícola e a sociedade a ela ligada começavam, desta vez irremediavelmente, a perder a sua proeminência e a desaparecer do centro de gravidade das economias e dos interesses gerais das sociedades: (…) Proliferavam as fábricas – “negras fábricas satânicas” que trouxeram consigo um modo de vida totalmente diferente – e um novo sistema de poder. Camponeses libertos da quase servidão na terra transformaram-se em trabalhadores urbanos subordinados a patrões públicos ou privados. Com esta mudança surgiram mudanças nas relações de poder no lar. Famílias agrárias, vivendo há várias gerações debaixo do mesmo teto sob a autoridade de um patriarca barbudo, deram lugar a famílias nucleares reduzidas, das quais os idosos não tardaram a ser excluídos ou então viram diminuídos o seu prestígio e influência. A própria família, como instituição, perdeu muito do seu poder social com a transferência de muitas das suas funções para outras instituições (…); (…) proprietários rurais, outrora dominantes nas suas regiões, mudavam-se para as cidades a fim de cavalgarem a onda da expansão industrial, e os seus filhos tornaram-se corretores ou capitães de indústria (…). Na

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verdade, há 300 anos davam-se os primeiros passos para a sociedade global (abordada também pelo autor) que, hoje, é a nota dominante do planeta. Por isso, aqueles que resistiram e se agarraram às suas ancestrais formas de vida, não desvirtuando as suas raízes (e o autor fala-nos, sobretudo, da aristocracia), não acompanharam o ritmo da modernidade e, logo, o seu sistema de riqueza sofreu fortemente com isso. Por este motivo, Alvin Toffler refere-se a uma nobreza pelintra que apenas sobrevivia à custa do nome mas que passou a debater-se com dificuldades económicas que nunca havia conhecido. Se recuarmos à Época Clássica (aos casos grego e romano) nunca teremos um desaparecimento de um mundo rural mas temos algo que se assemelhou. Na verdade, e facto comum a Atenas e ao Império Romano, estamos perante uma economia maioritariamente urbana que não se dissocia do mundo rural, mas que, face à inexistência daquilo a que apelidamos de indústria (e muito longe de qualquer revolução industrial!), se aproveita dele para a sua principal atividade económica: o comércio. Por isso, temos duas economias que, para além da sua marca urbana, também foram esmagadoramente comerciais. Um mundo de cidades caracterizava a Hélade e o Império Romano. A cidade, e tomemos Roma e Atenas como exemplos, atraíram muita população rural que via na grande urbe a possibilidade, neste caso, não apenas de melhorar a sua vida mas, e sobretudo, de ter acesso ao modo de vida urbano com infraestruturas e divertimentos que o campo nunca havia oferecido. Foi a primeira vez na História da humanidade que a cidade se superiorizou, verdadeiramente, face ao campo, sem no entanto minimizar e escamotear a vivência rural e o mundo a ela associado, como parece ter acontecido há 300 anos com a Revolução Industrial. Outro caso semelhante ao descrito pelo autor documento parece ter acontecido na Europa dos séculos XI a XIII. De facto, este foi um período que, se bem nos lembrarmos, contrastou com os séculos anteriores da Europa, arrasada por anos de invasões de povos que arrastaram o continente para uma ruralização profunda, retrocesso de toda a herança romana. Na verdade, o século XI inaugura uma verdadeira revolução agrícola fruto de um conjunto de condições favoráveis que acabariam por propiciar, de seguida, um crescimento demográfico sem precedentes. As mudanças trazidas pela agricultura acabariam, de alguma forma, por conduzir a uma revolução urbana. Involuntariamente, o comércio reanimou-se com uma pujança desconhecida desde o fim do Império Romano. Mais uma vez, não há um desaparecimento do mundo rural, mas este passa, nos séculos XI, XII e XIII, para segundo plano, já que a cidade atrai os próprios camponeses que aí escoam os seus produtos e animam mercados. Muitos, atraídos pelas muralhas da cidade, numa altura em que ainda se vivia em insegurança, mudar-se-ão para lá. Por outro lado, a cidade era um modo de poder escapar à dureza da vida feudal que tornava os camponeses numa massa miserável e faminta. A cidade acenava ao camponês com a esperança de aí conseguir uma vida melhor. Na verdade, muitas das vezes, o camponês perpetuava a sua situação de miserabilidade e os mendigos abundavam. Mas o comércio, e mais uma vez, ultrapassava a atividade agrícola e tornou-se, nesses séculos, o motor da economia, sobretudo da Europa ocidental e do norte. Grandes polos comerciais, como as cidades do norte de Itália, as cidades da Liga Hanseática ou as cidades que nascem com as Feiras de Champagne, são os centros nevrálgicos da economia daqueles tempos. O mundo rural não desapareceu mas, não obstante, as situações que descrevemos foram sinais de que, um dia, tal poderia acontecer e, ao que parece, há 300 anos, tal foi um facto inegável. 2. Segundo o autor do texto, e como consequência inevitável do processo de Revolução Industrial acontecido há 300 anos, um nova elite de homens substituíram, progressivamente, os tradicionais detentores de riqueza e de poder político (…) surgiram, no entanto, novas elites, donos de empresas, burocratas, magnatas dos media (…). Essas novas elites opunham-se a uma (…) aristocracia que se agarrou ao seu modo de vida rural acabou por se ver reduzida a uma nobreza pelintra, com as suas mansões transformadas em museus ou em parques de leões geradores de dinheiro (…). Recuando à Idade Média, e não querendo reduzir a influência que a nobreza tinha na Europa, podemos, todavia, fazer referência a um grupo social que se tornará no centro das atenções, fruto da revolução urbana que se opera na Europa dos séculos XI, XII e XIII, a burguesia. Nova elite, sem dúvida, fruto do seu enorme poder económico resultante da sua ligação à atividade comercial, os burgueses assumirão um papel na condução da política e economia europeias que ultrapassará, em muitos casos, a influência da nobreza (esta estará interessada, muitas vezes, em constituir ligações matrimoniais com a descendência de grandes famílias burguesas, na tentativa de conseguir novas fontes de rendimento). A burguesia era o grupo mais próspero e dinâmico da Europa de então e o ator principal de uma verdadeira revolução urbana. Constituíam este grupo social figuras tão diversas como comerciantes, lojistas, almocreves,

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feirantes, banqueiros, artesãos; todos eles eram as figuras de proa deste novo cenário europeu, com destaque para os comerciantes e os banqueiros, que passarão, rapidamente, a ser as pessoas mais abastadas da Europa. Avancemos, no entanto, para a Idade Moderna e, para uma nova elite que teve influência determinante no Renascimento: os humanistas. Intelectuais do Renascimento, vão sobressair em diferentes ramos do saber, empenhados que estavam em provar a grandiosidade e superioridade do Homem, facto que era acompanhado pela afirmação das monarquias nacionais que viam, desta forma, um aproveitamento destes homens para a exaltação do seu poder, das suas virtudes e da sua superiorização face a outros chefes de Estado. Imbuídos de amor pelo mundo clássico e pelas suas criações, os humanistas criaram obras onde imitavam os autores gregos e latinos, suas musas inspiradoras, deixando-se influenciar completamente pelo seu estilo e escrevendo no mesmo género literário (ode, elegia, epopeia, tragédia, sátira, entre outros). Em Portugal, Luís de Camões, com Os Lusíadas, exaltou o nosso país e os feitos da nação lusitana como nunca ninguém havia feito. Tal só contribuía para afirmar ainda mais a importância que o nosso país tinha no domínio dos novos mundos. Acarinhados, ouvidos por reis e cortes europeias, humanistas como Erasmo de Roterdão, Nicolau Maquiavel, Baldassare Castiglionne, Thomas More, entre muitos outros, esta nova elite, sem o querer nos seus propósitos iniciais, acabou por influenciar muitos dos poderosos da época que os tomaram como figuras de referência nas suas cortes e nos seus palácios. Muitas decisões políticas foram tomadas sob a influência das obras escritas por estes homens. Para mais, e à semelhança de Camões, os humanistas foram um fortíssimo contributo para a afirmação das línguas nacionais numa tentativa de exaltar as potencialidades de cada nação criadora e da sua língua. Quanto à sua influência no movimento cultural renascentista, ficamo-nos pelo facto de terem sido os responsáveis diretos de uma nova identidade e mentalidade europeias que provocaram importantes mudanças, sobretudo na Europa do norte. GRUPO II 1. Como Péricles a definiu, a democracia grega deveria ser, à época, modelo político para o resto do mundo conhecido. É precisamente no século V a.C., tendo a cidade- estado de Atenas como expoente máximo (…) A cidade grega (…) é o modelo por excelência da democracia (….), e sob a condução de Péricles, que o regime democrático grego conhece o seu apogeu. Tomando nas suas mãos a herança deixada pelas reformas de Clístenes que abriram o caminho para um original regime político, a pólis grega inventou a assembleia dos cidadãos. Nessa assembleia (a Eclésia) votavam-se (muitas vezes de mão no ar, consubstanciando uma forma de democracia mais direta) as leis, o orçamento, a paz ou a guerra, a designação de magistrados, as sanções a atribuir a cidadãos incumpridores, entre muitas outras decisões: (…) a liberdade e igualdade (no que toca à palavra, ao pensamento, à educação, à lei), com os seus procedimentos de regulação, como os que respeitam ao voto e ao tribunal (…). A autora do documento 1 remete-nos, sobretudo, para a amplitude que o uso da palavra tinha. Na verdade, o facto de cada cidadão usufruir desse direito – direito de isegoria – torna o caso grego único no mundo de então e até, em boa verdade, nos séculos que se seguiriam. Comerciante, artesão, camponês, pescador, artista, poeta, todos os homens atenienses eram considerados cidadãos e, por isso, em conjunto, na Eclésia, debatiam, discutiam e votavam tudo o que se relacionava com o quotidiano da sua cidade-estado. Ao contrário da democracia atual (de tipo representativo, em que os cidadãos, através do sufrágio universal ou voto secreto, escolhem os seus representantes – que estão enquadrados, por sua vez, em partidos políticos e são, por estes, propostos para cargos), em Atenas vigorava, como já o referimos, uma democracia direta, isto é, todos os cidadãos participavam ativa e diretamente na vida política da pólis, assegurando a sua participação, desta forma, na Eclésia ou Assembleia Popular. Todos os restantes cargos eram temporários, situação que era duplamente vantajosa, na medida em que possibilitava que praticamente todos os cidadãos, se não mesmo todos, exercessem, pelo menos uma vez na vida, um cargo político (algo que hoje nos parece uma utopia); por outro lado, havendo uma rotatividade constante entre todos os cidadãos, evitava-se o vício pelo poder e os possíveis abusos do mesmo. Aqui, a democracia ateniense é e será, sem dúvida, um exemplo para todos os Estados e formas de organização política. No entanto, a autora do texto coloca a tónica naquilo a que apelida de (…) oligarquia travestida (…) o reino de uns poucos (…); tal faz sentido quando pensamos que os cidadãos atenienses constituíam a minoria da população ateniense e que, a esmagadora maioria (mulheres, estrangeiros e escravos) estava completamente arredada da participação política. Por isso, a autora invoca as expressões já

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referidas bem como a seguinte: (…) um punhado de cidadãos contra o resto do mundo (…). Rondando os 40 mil, o número de cidadãos bem ficava atrás dos quase 400 mil habitantes de Atenas que, e aos olhos dos cidadãos, estavam (…) ao mesmo nível das crianças e dos animais (…). Por isso, afinal de contas, esta nunca foi uma democracia para todos, como Péricles aclamava; na verdade, e di-lo Barbara Cassin, estamos perante uma (…) Democracia formal contra democracia real (…) própria a fins violentamente antidemocráticos (…), como o foram a escravatura, o ostracismo ou o imperialismo ateniense. Democracia controversa, portanto. 2. No Portugal medievo, e num processo que irremediavelmente iria conduzir ao fortalecimento do poder real mas, igualmente, à promoção política das elites urbanas, os monarcas, sobretudo a partir de Afonso II, vão levar a cabo uma política de combate à expansão senhorial e na qual podemos inserir a Carta de D. Afonso IV ao meirinho de além Douro. Na verdade, se a propriedade nobre e eclesiástica não parava de crescer graças, muitas vezes, à usurpação de património régio, o abuso de poderes dos grandes senhorios, parecendo ultrapassar a própria autoridade régia, também não era menos verdade. Criação dos nossos primeiros reis ligados ao processo de Reconquista, os senhorios nobres e eclesiásticos tinham, todavia, fugido ao próprio controlo da Coroa que permitiu que estes se tornassem em verdadeiros poderes paralelos que, e tal como se pode perceber pela leitura do documento, queriam exercer as suas próprias leis, fugindo à lei geral (…) se colhem hi degredados e malfeitores, que merecem pea de justiça, e que pero vos e as minhas justiças mandades dizer aos senhores desses coutos (propriedades pertencentes ao clero) que vos entregue esses degredados e malfeitores, pera se fazer deles, que vollos nom querem entregar (…). Ora, num Estado uno e pacificado como o era o território português, o rei não podia tolerar poderes paralelos que se tornavam, dessa forma, obstaculizantes à centralização do poder régio. Para além dos abusos da nobreza, o rei deparava-se com a resistência dos senhorios eclesiásticos, como podemos ver pela passagem transcrita que, num óbvio desafio ao poder real, se recusavam a entregar às autoridades reais, criminosos. Para mais, a arrogância senhorial dos membros do clero ia mais longe já que (…) nem vos leixam entra em esses coutos (…). Por isso, D. Afonso IV radicaliza posições ao afirmar que (…) e mando, que quando alguns appellarem dos Juízes desses coutos (…) que appellem logo pera mim (…); isto era a prova do desrespeito pela autoridade real e havia-se tornado inadmissível. Os senhores substituíam-se, basicamente, aos reis no exercício do poder público, numa verdadeira afronta ao poder da Coroa. Na verdade, na Europa, tal era prática corrente. Justificam-se, assim, muitas das leis de combate à expansão do domínio senhorial como o foram as Leis de Desamortização, as Confirmações ou as Inquirições. No caso do clero, são as Leis de Desamortização que verdadeiramente constituem uma afronta aos seus membros que vão ver na atitude real, uma cruzada iniciada contra si. Estas leis, de facto, visavam impedir o crescimento da propriedade eclesiástica pela consequente proibição dos mosteiros e igrejas adquirirem bens de raiz e, para mais, evitava-se a fuga ao fisco de bens que, uma vez na posse do clero, eram considerados inexistentes para a fazenda régia. As inquirições, por seu turno, permitiram descobrir que fidalgos e ordens militares, bispos e abades haviam cometido um sem-número de usurpações. Apurou-se ainda que a Igreja era a maior responsável pelas violações cometidas (como a proteção consecutiva a pessoas que eram consideradas pelos monarcas como criminosas, como o caso do documento 3. A centralização do poder régio era um processo irreversível. 3. Entre a Antiguidade Greco-Romana e a formação do reino de Portugal há uma distância de mais de milénio e meio de anos sendo que, nesse espaço de tempo, assistimos, no que respeita a poderes públicos, a avanços e retrocessos. De um ponto de vista imediato, diremos que a Grécia e o Portugal concelhio foram exemplos de avanços consideráveis no exercício desses poderes e que, pelo contrário, a Roma imperial e a centralização do poder régio no nosso país constituíram retrocessos. Isto a priori e sem uma análise e reflexão mais aprofundada mas, na verdade, tal parece ter sido assim. Comecemos por recuar até ao caso grego e ao seu exemplo de primeiro regime democrático muito sui generis da história da humanidade. De facto, querendo evitar a todo o custo um regime tirânico, as reformas de Clístenes tinham dado os passos para tal com medidas como, por exemplo, a mudança no regime de acesso à categoria de cidadão (ser dono de terras deixava de ser um critério e bastava ser-se filho de pai ateniense, independentemente da sua condição socioeconómica), ter introduzido a eleição e o sorteio para o exercício de alguns cargos públicos, e ter introduzido a lei do ostracismo, entre outras medidas. No entanto, é com Péricles, ligado ao período de ouro da cidade de Atenas, que o regime democrático se consolida e, com ele,

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o exercício dos poderes públicos como, até aí, nunca haviam sido exercidos. Achando que todos os cidadãos atenienses (desde o agricultor mais pobre ao comerciante mais abastado) deviam gozar das mesmas possibilidades no que respeita ao acesso a cargos públicos, institui um salário – a mistoforia – para estimular a participação na vida da pólis como membros daquela que viria a ser a primeira assembleia de cidadãos do mundo de então: a Eclésia. A mistoforia foi uma ideia inteligente, tendo em conta que os mais pobres tinham receio, ao perderem horas a participar nos órgãos políticos de Atenas, de perder as suas parcas fontes de rendimento. A democracia grega era de tipo direto, isto é, todos os cidadãos participavam ativa e diretamente na vida política da pólis, exercendo um verdadeiro exercício dos poderes públicos através dos vários órgãos políticos criados para o efeito, algo que, nem hoje, em nenhuma democracia atual, se verifica. Não se era político de carreira, como nos nossos dias, tendo por detrás um aparelho político (partido ou organização), era-se político por obrigação. Tal facto fazia parte da vida intrínseca do percurso de vida de todo o cidadão ateniense. Desta forma, a Eclésia, estava aberta a todos os cidadãos. Todos os restantes cargos eram temporários (na Bulé ou no tribunal do Helieu, por exemplo), situação que possibilitava que praticamente todos os cidadãos, se não mesmo todos, exercesse, pelo menos uma vez na vida, um cargo político (outro aspeto que, nos nossos dias, não passa de uma utopia); por outro lado, havendo uma rotatividade constante entre todos os cidadãos, já que, na maior parte dos casos, os cargos não podiam ser exercidos por mais de um ano pelos mesmos e, em alguns casos, esses mesmos cidadãos não podiam voltar a exercer esse cargo duas vezes, evita-se o vício pelo poder e os possíveis abusos do mesmo que eram sinais evidentes de fazer perigar o regime democrático. Outra evidência de como o exercício dos poderes públicos era, de facto, exercido, tinha a ver com o processo de seleção para os cargos políticos (com exceção da Eclésia em que todos os cidadãos tinham o seu lugar); esse processo era mais uma das provas da vontade de proporcionar ao maior número de cidadãos possível, o acesso a estes cargos. O ingresso na esmagadora maioria dos cargos políticos (exceção feita aos estrategos, como o foi Péricles, que eram eleitos) dependia do sorteio. Assim, independentemente do grau de riqueza de cada um, da família a que pertencesse, do grau de instrução, os cidadãos podiam aceder aos cargos políticos; desta forma, concluímos que o sistema de sorteio era equitativo e isento e que a causa pública e a sua defesa podiam ser, de facto, uma realidade. É por isso que, na mente do comum cidadão ateniense, se instalou a ideia de que a sua importância, enquanto cidadãos, e participação na vida política da pólis, constituía uma verdadeira missão. Assim, e como corolário, os cidadãos empenhavam-se de corpo e alma na governação da cidade. Interiorizava-se a ideia de que a sua realização total enquanto seres humanos passava, obrigatoriamente, pelo exercício de cargos políticos. Esta ideia, nos dias que correm, está praticamente esquecida, mesmo dentro daquilo que são as exemplares democracias ocidentais. O exercício dos poderes públicos materializava-se nos chamados órgãos políticos que, para além da já descrita Eclésia, passava pela Bulé ou Conselho dos 500 e pelo Helieu ou Tribunal Popular. Portanto, pobres como ricos, não havia disparidade no acesso à participação na vida política. A autora do documento 1 reconhece a democracia grega como (…) o modelo de excelência da democracia (…), tocando nas palavras mais caras a esse conceito de democracia (…) a liberdade e a igualdade (no que toca à palavra, ao pensamento, à educação, à lei), com os seus procedimentos de regulação, como os que respeitam ao voto e ao tribunal (…). No entanto, acaba por não esquecer as maleitas de que esta democracia padecia e acaba o seu texto expondo algumas das contradições da mesma. Todavia, é inegável que se pode falar em exercício de poderes públicos, na verdadeira aceção da palavra. Voltemos, no entanto, e avançando até à formação do território português, ao caso do Portugal concelhio que se desenvolve grandemente, sobretudo ao longo do século XIII. Em boa verdade, voltamos a ter aqui um exemplo de exercício de poderes públicos. Não que se pensasse em democracia (tal como ela havia sido vista pelos gregos), mas podemos concordar com a tal aspiração a algo que se assemelhava, no mínimo, a democrático. No início da formação do nosso território e à medida que a Reconquista ia configurando a atual feição do nosso reino, o país rural complementava-se com as vilas e as cidades concelhias, resultado, precisamente, do processo de Reconquista cristã. Assim, concelhos como Coimbra, Santarém, Lisboa (cujo foral está patente no documento 3) e Évora, entre outros exemplos, vão surgindo. Ora, é precisamente a região centro e sul do nosso atual território que assumirá papel principal na vida concelhia do reino (vida esta completamente diferente da vida dos territórios senhoriais e onde, sem dúvida, vamos poder falar de exercício dos poderes públicos). Na verdade, as vilas e concelhos vão representar uma lufada de ar fresco face às duras condições de vida no Portugal senhorial. O sinal mais prestigiante de um concelho era o facto de este ser fundado pelo favor régio, passando essa

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povoação a ter um grau de superintendência jurídica que a autonomizava face aos senhorios. Por isso, a carta de foral – como o foral de Lisboa, no documento 3 – era um instrumento legal e, para mais, emanado da autoridade régia que refletia, por um lado, a necessidade de atrair moradores a zonas que urgia defender e povoar (note-se como o foral de Lisboa procura atrair as populações, garantindo-lhes um sem-número de privilégios: (…) prove a mim de bom coração e livre vontade dar e outorgar a vós foro bom, assim como aos presentes como aos que hão de vir, que por sempre aí morarem, pero o qual foro os reais direitos a fundo compridamente escritos a mim e a minha geração per vós e per vossos sucessores sejam pagados (…); (…) E os moradores de Lisboa hajam livremente tendas, fornos de pão (…); (…) Moradores de Lisboa que seu pão ou vinho ou azeite em Santarém ouverem ou em outros logares e a Lisboa os tragam para sua prol e não para revender não dêm por eles portagem (…). Por outro lado, criar polos de desenvolvimento que se desenvolvessem a um ritmo diferente dos senhorios e dessem oportunidade às populações de aí se poderem dedicar a atividades tão diversas como o comércio, o artesanato, entre outras atividades que, no senhorio, não existiam. Assim se explica que, pouco a pouco, o poder senhorial tivesse começado a sentir que o seu habitual poder estivesse a ser enfraquecido e, progressivamente, se fosse tornando um pouco obsoleto face ao desenvolvimento dos concelhos. Ao atrair para o concelho estes habitantes, muitos deles provenientes dos senhorios, os monarcas portugueses deram-lhes também uma autonomia a nível, digamos, de gestão do mesmo concelho e que, na verdade, constituía uma prova de que os poderes públicos, numa completa inversão daquilo que se passava nas honras e nos coutos, eram sem dúvida uma imitação do que hoje poderíamos denominar como algo aparentemente democrático. Na verdade, a administração do concelho indiciava um exercício de poderes públicos a uma escala local, que até aí seria impensável em Portugal. Senão, vejamos: podemos falar de uma administração comunitária porque era exercida pela chamada comunidade vila, ou seja, o conjunto dos habitantes mais o espaço/território que habitavam (tal seria impensável num senhorio. Todavia, relembremos a semelhança com a administração da Atenas do séc. V d.C.). Denominados de Vizinhos, os habitantes dos concelhos integravam a assembleia (ou concilium) e era aí que, em conjunto, procediam à elaboração das posturas municipais (leis dos concelhos que regulamentavam questões económicas relacionadas com a distribuição de terras, aproveitamento de pastos, bosques e terrenos incultos, exercício dos mesteres, abastecimento de mercados e tabelamento de preços a praticar, não esquecendo questões de higiene, convivência e bons costumes dentro do espaço urbano). Portanto, esta forma de autonomia, por muito relativa que fosse, demonstrava a influência do movimento comunal europeu em Portugal e a voz pública tinha, desta forma, o seu espaço de intervenção e a sua quota-parte de responsabilidade nas tomadas de decisão relativamente à vila ou cidade em que habitavam. Por isso, dizermos que os casos da democracia grega e da afirmação do Portugal concelhio constituírem avanços no que respeita aos poderes públicos. Vejamos, então, os casos contrários: aqueles que, de início, denominamos como retrocessos desses mesmos poderes públicos, e partamos do caso português que vem no seguimento do assunto que abordamos anteriormente. Em boa verdade, se o poder concelhio demonstrava um passo à frente no exercício dos poderes públicos, não poderemos, todavia, dizer o mesmo com a progressiva centralização do poder real. Apesar de, nos inícios do nosso reino, antevermos Portugal como uma monarquia feudal esta transformar-se-á, com o tempo, em monarquia centralizada. Na verdade, e após as inúmeras doações de terras feitas à nobreza e ao clero pelos primeiros monarcas da 1.ª dinastia, como recompensa pelos bons serviços prestados durante o processo de Reconquista, bem como imensas prerrogativas, ao longo do tempo, e num processo que se assemelhava um pouco ao que se passava noutros reinos da Europa, os senhores laicos e eclesiásticos foram alienando terras que pertenciam à Coroa e abusando das tais prerrogativas, como podemos verificar no documento 4, em que um senhorio de além – Douro que é visado na carta em questão, faz “finca- pé” da sua autoridade, numa atitude arrogante e desafiadora perante os funcionários régios, recusando-se, inclusive, a deixar entrar os mesmos nas suas propriedades! Em grande parte, este é o fator que leva os nossos monarcas a reforçar, por todos os meios, o seu poder, receando que os poderes paralelos constituídos, na verdade, pelos senhorios, pudessem colocar em causa, a sua autoridade dentro do reino. Fundamentando-se na teoria do direito divino (herança do direito romano), os nossos monarcas auto intitulavam-se reis por graça ou clemência de Deus e passaram, cada vez mais, a ter o papel de órgão máximo do poder público, concentrando assim as mais altas funções militares, jurisdicionais, legislativas e fiscais. Só ao rei cabia a chefia militar, assumindo-se como o responsável máximo da manutenção da paz e da justiça; a luta contra todas as formas de abuso e violência, julgamento dos nobres e,

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como juiz supremo, controlava as mais diversas formas de justiça (note-se como, no documento 4, o rei Afonso IV bem o lembra), o que lhe permitia condenar à morte ou à mutilação de membros dos condenados por atentarem contra as leis. Ora, estes aspetos, per si, já mostram um obstáculo ao pleno exercício dos poderes públicos em Portugal. Mas voltemos ao problema colocado pelos abusos provocados pelos senhorios (visíveis no documento 4). A nobreza e o clero senhoriais tiveram que, progressivamente, ser alvo de um controlo férreo por parte dos monarcas. Por isso, e debaixo de forte contestação, com as Leis Gerais, de 1211, a monarquia assumia a elaboração e controlo exclusivos da legislação nacional caminhando-se, de forma irreversível, para um forte poder régio centralizado. Algumas dessas leis destinaram-se, claro está, a combater privilégios senhoriais, recuperar património e poderes da Coroa. A monarquia feudal evoluía a passos largos para a monarquia centralizada (uma espécie de pré-absolutismo). Ora, no caso da Roma imperial, estamos verdadeiramente sob um absolutismo que apenas teatraliza o exercício dos poderes públicos, tornando-os, basicamente, fantoches do imperador. Retrocesso tremendo quando comparado com o caso grego, a Roma imperial configurou e perpetuou um verdadeiro regime autoritário e totalitário que era materializado pelo imperador e pelos seus infindos poderes. No documento 2, bem o podemos confirmar: (…) Octávio (…) é o detentor único e absoluto do poder (…) reconhecido como o primeiro dos senadores, “o princeps”, (…) senado concede-lhe o título de Augusto, normalmente reservado às divindades, que lhe reconhece uma autoritas (a palavra tem a mesma raiz) quase inato e, para todos os efeitos, absoluto. Augusto é o general supremo (imperator), grande pontífice (pontifex maximus), e recebeu um poder tribunício em vida que lhe garante a inviolabilidade. Não lhe chamamos mais do que Imperator Caesar Augustus. Ele é o chefe único e oficial do Estado Romano (…). Durante a República, e apesar das grandes convulsões sociais que marcaram os seus últimos anos, podemos falar em exercício dos poderes públicos. De facto, as instituições governativas/políticas de Roma que garantiam tal prática funcionavam de facto, tendo em conta a voz pública, o debate, a discussão: Senado, Comícios e Magistraturas, sendo que estas últimas implicavam a eleição de magistrados. A partir do começo do império, 27 a.C. (data que, como é referido no documento 2, marca a atribuição do título de Augusto a Octávio César) os órgãos políticos da República são mantidos mas, na verdade, um verdadeiro esvaziamento do poder desses órgãos é iniciado. O imperador passava a ter uma palavra sobre os candidatos para as diferentes instituições. Sendo ele o garante da unidade do império, invocou-se essa razão para uma “adaptação” dos órgãos políticos republicanos à nova realidade geopolítica. Octávio, sobrinho dileto de Júlio César e seu filho adotivo, cedo se apercebe das guerrilhas do regime republicano e de como a população de Roma ansiava por um pulso forte que restabelecesse a paz. No entanto, também sabia do apego dos romanos às instituições republicanas e de como estes odiavam a monarquia e governos autocráticos. Jovem, ambicioso, culto e especialista em política e guerra (herança da convivência íntima com Júlio César), eliminou os seus adversários principais (como Marco António, seu maior rival), conseguiu a paz e a admiração do povo mas, igualmente, do Senado (órgão por excelência do exercício do poder público em Roma). Depois de garantir a adoração do povo, o apoio dos militares e a eliminação dos inimigos mais próximos, manteve as seculares instituições políticas (aumentando, inclusive, o número de membros do Senado) aproveitando-se das mesmas para cimentar o seu próprio poder mas, a pouco e pouco, tornando-as praticamente simbólicas, esvaziadas de poder real (…) Augusto tirou vantagens dos seus privilégios para transformar o império num vasto estaleiro, em todos os domínios. Mesmo em Roma, que ele renova inteiramente, gaba-se de” achar uma Roma em tijolo e a deixar em mármore”: Ele cria o Fórum de Augusto, renova todos os santuários e inaugura o templo do divino Júlio, exactamente no lugar onde havia sido cremado o corpo de César, desde logo divinizado. Finalmente, para se destacar como pacificador universal, ele faz aparecer no Campo de Março um monumento à sua glória, o Ara Pacis, o altar da Paz (…). Portanto, um líder cheio de boas intenções mas possuído de (… ) uma autoritas (…), para todos os efeitos, absoluto. Em aparência, as estruturas tradicionais da República não foram subvertidas. Mas o império começou: Augusto é o general supremo (imperator), grande pontífice (pontifex maximus), e recebeu um poder tribunício em vida que lhe garante a inviolabilidade. Não lhe chamamos mais do que Imperator Caesar Augustus. Ele é o chefe único e oficial do Estado Romano, protegido pela sua guarda pretoriana que reside no coração de Roma (…). Repare-se no apoio inequívoco que tinha do exército, símbolo da força do império e, logo, fator de peso para o poder de Octávio. Com o título de princeps acumula várias magistraturas (cônsul, censor, pretor e tribuno, com toda a autoridade que era inerente a estes cargos) o que lhe conferia o tal poder absoluto que Barbara Cassin refere no documento 2. Tornava-se, assim, imperator. Era uma nova

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época da história política de Roma, marcada pelo poder pessoal de um imperador que não se afirmou nunca como rei ou tirano, palavras tabus para os romanos. Os órgãos de governo republicanos pareciam funcionar mas, no entanto, estavam esvaziados dos poderes que até aí haviam tido. Octávio tudo controlava (nomeadamente as magistraturas) e passava até a modificar a composição do Senado, podendo afastar quem não lhe agradasse e inserindo na sua composição quem fosse da sua inteira confiança. Os senadores passaram a temer pelas suas cabeças e o medo impediu, a partir daqui, um verdadeiro funcionamento desta instituição. Portanto, como falar de exercício dos poderes públicos na Roma imperial? Acrescente-se a isto o facto de Octávio também nomear altos funcionários do Estado, governadores das províncias e generais do exército. GRUPO III 1. Em profunda crise de identidade desde o Grande Cisma do Ocidente, o clero debatia-se, em finais do século XV com duras críticas e que, no séc. XVI, se radicalizaram ainda mais, conduzindo ao início da Reforma protestante. A situação relatada no documento remete-nos para algo trivial à época, entre os membros deste grupo social, ou seja, uma impreparação a todos os níveis reconhecida pelos fiéis, mas alvo igualmente de fortes críticas por parte dos humanistas. Na verdade, o frade descrito na obra de Marguerite Yourcenar - Cipriano - para além da evidente imaturidade que tinha para exercer as suas funções – 18 anos – é descrito como uma pessoa ignorante, agarrado a superstições várias e medos constantes: (…) frade enfermeiro um jovem franciscano de dezoito anos (…) um camponês que entrara para o convento aos 15 anos, que mal sabia o latim suficiente para responder à missa, além do flamengo que falava na sua aldeia. Davam muita vez com ele a cantar os estribilhos que devia ter aprendido ao andar com bois. (…) A sua cabeça ignara estava cheia de superstições herdadas dos disparates ouvidos na aldeia: tinham que impedi-lo de pôr, sobre as feridas dos doentes, a imagem barata de algum santo milagreiro. Acreditava nos lobisomens que uivam nas ruas desertas e por toda a parte via feiticeiros e feiticeiras (…). A falta de instituições próprias para a devida instrução dos que ministravam o serviço de Deus tinha como resultado a proliferação deste tipo de elementos eclesiásticos, já não para não falar na evidente falta de vocação. 2. A situação que descrevemos na última resposta era apenas uma, entre muitas situações, alvo das acesas críticas dos humanistas que, desde o século XV e por todo o século XVI vão mostrar o estado de caos em que o clero estava mergulhado e, sobretudo, a sua mundanidade face a uma população europeia em profunda descrença relativamente aos seus pastores. Fruto da ignorância em que vivia mergulhado (e que está bem patente no documento), este era um clero em total contraste com todos os princípios mais básicos do cristianismo primitivo, nomeadamente quando se observava o modo de vida e as atitudes deste grupo social. Humanistas como Erasmo de Roterdão, François Rabelais, entre outros, exporão os vícios deste grupo social. Quase todos os mais ferozes críticos e humanistas que estarão na base das denúncias feitas ao grupo mais privilegiado daquela época, o clero, fazem, no entanto, parte dele mas passam pelo vexame de pertencerem a um grupo que era cada vez mais odiado pelo povo. Luxo, ociosidade, exploração do povo, corrupção, ignorância, tráfico de indulgências e de cargos eclesiásticos, tudo isto com a cumplicidade do próprio papado que brotava, dele próprio, muitas das evidências do modo de vida de um clero corrompido, mundano, ignaro e que havia esquecido o que significava “conduzir” o rebanho de Cristo era a imagem que tinha o clero. O pueril Cipriano, o jovem frade que é descrito no documento é, sem dúvida, um alvo fácil dos humanistas da época mas, se bem notarmos, antes do jovem ignorante e supersticioso, Zenão havia tido como auxiliar um (…) bêbado que roubava os bálsamos (…), sinal da vida dissoluta que o clero, do baixo ao alto, levava. As críticas, no entanto, arrastavam-se desde o século XIV, materializando uma total desilusão face a um clero que mostrava um total desapego às suas obrigações espirituais, não dando aos fiéis o conforto espiritual que este precisava.

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Prova Global 2 (págs. 331 a 335) GRUPO I 1. Contrariamente ao que se poderia pensar, o Cristianismo enquanto religião reconhecida pelo Império e livre para apregoar a sua Palavra, não agiu de forma muito cristã perante os que eram diferentes de si. Para mais, ao tornar-se a religião oficial do Império, em 380 d.C., adquiriu um tal poder que ofuscou todas as religiões ligadas aos cultos pagãos. Pior que isso, um verdadeiro plano de vingança (de facto, uma verdadeira violência organizada, quase terrorismo) foi posto em marcha pelo aparelho eclesiástico que, desde Constantino, vinha progressivamente a ser erguido. O documento que nos é apresentado relata, precisamente, esse zelo de destruição, ódio e vingança que os cristãos, sobretudo no século V, espalharão em toda a sua ação pelo ainda agonizante Império Romano, numa altura em que hordas de bárbaros iam ajudando à instalação de um inferno diário no quotidiano do então pacificado Império. São vários os exemplos que impressionam na onda avassaladora de violência organizada contra os cultos pagãos. Todos eles impressionam pela carga de intolerância que lhes está associada. No entanto, são de realçar todos aqueles que envolvem a razia completa da arquitetura, estatuária e pintura do apogeu do Império. O desrespeito de que os cristãos sempre se haviam queixado e de que sempre haviam feito bandeira, era agora completamente esquecido por eles, como se não tivessem sido vítimas das muitas perseguições e massacres enquanto a sua religião foi proscrita. A tolerância, a paz, o amor e o perdão aos inimigos, expressões tão caras ao ideário cristão primitivo, caíam agora em “saco roto”, senão veja-se: (…) intolerância dos cristãos exprime-se muito particularmente na destruição dos templos e das estátuas pagãs (… ) o templo de Saturnus Balcaranensis, no cume do Bou – Kournein (Tunísia), é alvo de numerosas degradações, já que as estelas em mármore são sistematicamente destruídas, tal e qual o altar (…) monge Martinho conduz uma verdadeira campanha de destruições para construir, em seu lugar, igrejas e mosteiro (…) após o saque do templo de Sérapis em Alexandria, Rufino indica que “todas as capelas de Alexandria, consagradas a qualquer demónio que fosse, foram destruídas quase colónia a colónia” e que “os bustos de Sérapis que, em cada casa, se encontravam sobre os seus muros, as entradas, no cimo das portas ou mesmo das janelas, foram todos bem arrancados com violência e apagados ao ponto de não restar absolutamente qualquer traço nem nome de divindade, nem deste deus, nem de outro qualquer demónio”(…) Eunápio indica que alguns monges “ cumpriam em plena luz do dia todo o tipo de crimes indizíveis” (…)Teófilo destruiu o templo de Osíris em Canope: “tudo foi destruído e arrasado ao nível do solo… (…) A raiva de destruição dos cristãos não se limita aos edifícios mas também às estátuas de deuses e de deusas pagãs. Na Gália, numerosas estátuas foram encontradas por arqueólogos, completamente mutiladas. Muitas vezes, elas foram deitadas aos rios ou aos pântanos pelos cristãos, como um Baco mutilado descoberto em Lyon. Estas estátuas são, por diversas vezes, decapitadas e depois atiradas aos poços. A Vénus de Orange teve os braços, as pernas e a cabeça partidas Agostinho orgulha-se de se lembrar como, gritando “em Cartago como em Roma!”, os fiéis foram barbear a barba de ouro de uma estátua de Hércules (…). Perante estes exemplos, como escolher um pior do que o outro? Pode tal ser mensurável? O que ainda é mais grave é o facto de estarmos perante verdadeiros atos terroristas, censurados até pelo próprio poder imperial já que, perante uma legislação tolerante para com os cultos pagãos, os cristãos mostravam um total desrespeito pela mesma e, logo, pelo poder imperial: (…) Na Gália, Sulpício Severo relata que o monge Martinho conduz uma verdadeira campanha de destruições, a partir do reinado de Valentiniano I, para construir, em seu lugar, igrejas e mosteiros, enquanto a legislação imperial autoriza ainda os cultos pagãos.” e “Apesar destes atos contrários à legislação imperial (….). Nada parecia travar a ira iconoclasta destas hordas destruidoras de cristãos: (…). Este fanatismo obriga mesmo o imperador Teodósio II, em 9 de Abril de 423, a promulgar uma lei visando proteger os pagãos contra as violências dos cristãos: (…) Nós ordenamos formalmente aos cristãos e a todos aqueles que fazem profissão de o ser, de não se permitirem sob pretexto da religião, a nenhuma violência contra os judeus e os pagãos pacíficos que não provocam nenhum problema e não fazem nada contrário às leis (…). 2. A partir de 312 d.C. com o Édito de Milão, em que o imperador Constantino equiparou o Cristianismo a qualquer outra religião, concedendo a tão desejada liberdade de culto que os cristãos almejavam, o caminho para o verdadeiro crescimento desta religião, enquanto algo organizado, coeso e com influência mais forte na sociedade de então, estava aberto. Esta ideia

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consolida-se em 325, no Concílio de Niceia onde os bispos cristãos de todo o Império se reúnem para clarificar aqueles que ainda hoje constituem os dogmas essências do Cristianismo. O próprio Constantino era simpatizante desta religião e o interesse pela mesma, a partir daí, vai crescer, sinal de tempos em que seguir a vontade e os gostos do imperador era algo politicamente correto. Na verdade, os cristãos passaram a ser alvo de todas as atenções, incluindo isenções fiscais, cargos administrativos na engrenagem imperial, recompensas e doações monetárias para erguer templos e basílicas, em suma, os Romanos procediam a uma espécie de expiação dos seus pecados ancestrais para com os cristãos. Em pouco tempo, a casta cristã passou de um grande mal do Império a elite das mais privilegiadas e influentes da época. Não é de estranhar, por isso, e como lemos em determinadas passagens do documento, que acabassem por se dar ao luxo, já em pleno século V, de passar por cima da lei, desrespeitando legislação imperial, tal o seu poder. De facto, em 380 d.C., o imperador Teodósio, numa atitude que não era de todo surpreendente, declarou o Cristianismo como a religião oficial de todo o Império Romano. Não era de estranhar, pois, após toda a cumulação de benesses e privilégios concedidos aos cristãos, este desfecho da relação entre poder imperial e cristãos. A realidade é que, desta feita, formava-se uma verdadeira aliança entre dois poderes: temporal (imperador) e espiritual (Igreja cristã). Assim, estava-se perante um só deus e um só imperador que, deste modo, passavam a estar aliados na gestão do Império e, em comum, teriam a sua sede em Roma. Esta é, talvez, a razão maior que justifica os abusos de poder, para sermos subtis, que lemos descritos no documento. Que interessava aos cristãos a legislação imperial se a mesma legislação também os tinha tornado no braço direito do imperador? Deste modo, abria-se um precedente para as barbaridades que nos são descritas e que, no fundo, são o rosto de uma vingança que vinha de quem, surpreendentemente, nunca tinha feito a apologia da vingança. GRUPO II 1. Ao aventurarem-se no alto mar, pelo grande oceano Atlântico, os Portugueses, já familiarizados com as lides marítimas ao longo da sua extensa costa marítima, adaptaram-se às dificuldades que foram encontrando pelo caminho, como ventos, correntes marinhas, baixios de areia, cabos abruptos, formações rochosas, entre outros. Para além do já referido hábito de convivência com o mar, souberam aproveitar a presença em território nacional de muitos sábios de origem judaica e muçulmana que procederam a aperfeiçoamentos num sem-número de instrumentos marítimos ligados, sobretudo, à orientação em alto mar (…) estes descobrimentos de costas, ilhas e terras firmes não se fizeram indo a acertar, mas partiram os nossos mareantes mui ensinados e providos de instrumentos e regras de astrologia e geometria (…). É desta forma que a bússola, o astrolábio, o quadrante, a balestilha, as tábuas quadrienais e, inovação maior, uma nova embarcação com um novo tipo de velas – a caravela – que permitia navegar à bolina, isto é, aproveitando os ventos contrários que eram típicos da costa ocidental africana (…) repartimos as agulhas que em todo o lugar nos representam o horizonte em XXII partes iguais e podemos governar a uma parte destas quanto espaço queremos, sem embargo que no processo do caminho se mudem os horizontes e alturas (…) se tornam trunfos maiores dos Portugueses. A verdade é que as circunstâncias que os Portugueses encontraram em alto mar obrigaram-nos a pensar em situações para contornar aquilo que se dizia, vox populi, serem monstros que não poupavam a vida a ninguém, nem homens nem embarcações (….) pode ser que seja esta a razão porque não se atreviam a navegar senão com vento próspero, que é a popa, e iam sempre ao longo da costa enquanto podiam, como verá quem diligentemente ler em Ptolomeu as navegações que os Antigos faziam pelo mar da Índia (…). Esta atitude de não desistência e arreigada persistência levou-os a tornarem-se pioneiros, à época, da mencionada revolução técnica, bem visível, por exemplo, nos documentos 2, em que os mapas mostram um avanço considerável para a cartografia da época, resultado precisamente da inovação técnica que tanto ajudou os Portugueses. Repare-se como ambos revelam um estudo atento das costas marítimas e contêm anotações preciosas e desenho pormenorizado das mesmas. Para além disso, a preocupação com a orientação e as rotas marítimas seguidas pelos navegadores está bem presente pela rosa dos ventos e pelo traçado, visível, de várias direções junto à costa e em alto mar. Acrescente-se ainda que, e no caso do mapa B, são apresentadas redes hidrográficas do território brasileiro. Preciosismos? Não. Rigor e precisão científica! 2. O gráfico representado no documento evidencia o crescimento da atividade editorial em Portugal durante o século XVI. Repare-se como esse crescimento é mais acentuado a partir da

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década de 30 do século XVI, registando uma subida acentuada na segunda metade do mesmo. Na verdade, e apesar de ser um país periférico dentro do teatro de operações da agitação renascentista, Portugal não ficou indiferente à mesma, tendo conhecido uma vasta produção cultural e, remetendo-nos para o gráfico em questão, uma intensa produção literária: Tratados, Roteiros, Guias, Crónicas, entre outros. Tal facto e, mais uma vez, pegando no que se passava na Europa, não é imune ao aparecimento da imprensa, na Alemanha, em meados do século XV que, com o seu “pai”, Guttenberg, traduz a Bíblia do Latim para o vernacular alemão, dando o pontapé de saída para que muitos países tivessem, rapidamente, tomado a mesma atitude. De facto, com a imprensa e a tradução de livros, até aí apenas disponíveis em latim, para as línguas nacionais de cada país, a leitura e a interpretação de obras seculares, desde sempre dominadas pela instituição Igreja, passava a estar acessível a um sem-número de pessoas que poderiam tirar as suas próprias elações daquilo que, desde sempre, se haviam habituado a ouvir pela boca da única voz oficial, a Igreja, O número de oficinas de imprensa cresceu consideravelmente por toda a Europa contribuindo, desta forma, para a afirmação da língua nacional de cada país. 3. A imagem da Europa medieval mergulhada numa profunda ignorância de si própria mas, sobretudo, do resto do mundo, tem os seus dias contados a partir do momento em que os navegadores Portugueses, depois da fracassada missão em Ceuta, decidem começar a explorar a costa ocidental africana para sul, numa atitude verdadeiramente desafiadora dos medos que povoavam o imaginário da velha Europa. Estava-se no início do século que iria marcar o fim de todos os mitos e lendas que, até aí, haviam impedido o homem europeu de arriscar fosse no que fosse mas, sobretudo, em lançar-se à descoberta do mundo e de procurar mudar a situação a que ele achava estar ad eternum confinado. Na verdade, os Portugueses mostraram ousadia, coragem, determinação, força, inteligência, desafiando o alto mar e dando, durante todo o século XV, novos mundos ao mundo. Os Espanhóis juntar-se-nos-ão aquando da descoberta da América por Cristóvão Colombo. A ponto de partida para uma nova visão do Homem e do mundo operar-se-ia durante todo o século XV e teria as suas sequelas até, na verdade, aos dias de hoje. Obrigados a reagir perante novas situações que lhes eram impostas pela navegação em mares desconhecidos e, sobretudo, em alto mar, os Portugueses serviram-se do domínio que, a pouco e pouco, foram ganhando nas técnicas de navegação, resultado da presença secular em território nacional, de sábios muçulmanos e judeus. Assim, os navegadores Portugueses foram aperfeiçoando técnicas como o leme montado no cadaste, a bússola, as cartas-portulano, o astrolábio e o quadrante, como se faz referência no documento 1: (…) partiram os nossos mareantes mui ensinados e providos de instrumentos e regras de astrologia e geometria. Levaram cartas muito particularmente rumadas e não já as que os Antigos usavam, que tinham mais figurados que doze ventos e navegavam sem agulha (...), mas também no documento 4: (…) construção de aparelhos de medida e de elaboração de regras, que permite conceber o espaço em que os homens se deslocam, lhes permite situarem-se no espaço e representarem-no para voltar a encontrar qualquer lugar. Porque as dificuldades maiores não residem em descobrir, mas sim em regressar donde se chegou pela primeira vez e ser capaz de lá ir de novo sempre que se quiser (…). Ora, estes instrumentos/técnicas náuticas foram conhecendo ainda mais progressos à medida que dávamos mais um passo na exploração da costa ocidental africana. Assim, na 1.ª metade do século XV, podemos afirmar, seguramente, que o nosso país foi o responsável por aquilo a que podemos apelidar de uma arte náutica, espécie de especialização náutica, adaptada aos novos tempos no mar. Na verdade, as variadas e muitas dificuldades que fomos encontrando nos oceanos, muito particularmente no Atlântico, fizeram surgir a necessidade de navegar à bolina, ou seja, ao largo, já que, junto à costa, enfrentavam-se, frequentemente, baixios de areia, rochedos, correntes fortes, ventos contrários (tudo isto era tido como um conjunto de terríveis monstros marinhos que engoliam homens e embarcações), entre outros obstáculos que eram particularmente obstaculizantes para os marinheiros portugueses, sobretudo nas viagens de regresso para Portugal. Desta forma, urgia que as embarcações se conseguissem afastar da costa, penetrando no mar alto, para fugirem aos obstáculos físicos já mencionados. Portanto, as inovações na construção naval deram-se ao nível da simplificação do astrolábio e do quadrante, da invenção da balestilha, do aparecimento das chamadas tábuas solares e dos regimentos dos astros e, naturalmente, decorrente desta especialização náutica, a determinação da latitude enquanto coordenada geográfica maior (…) repartimos as agulhas que em todo o lugar nos representam o horizonte em XXII partes iguais e podemos governar a uma parte destas quanto espaço queremos, sem embargo que no processo do caminho se mudem os horizontes e alturas.

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(…). É, todavia, com a construção de um novo tipo de embarcação, a caravela, fruto da adaptação da chamada vela latina triangular (característica dos navios árabes do Mediterrâneo) ao mar alto do Atlântico, que se atinge um apogeu da inovação náutica. A caravela apresentava-se como um verdadeiro topo de gama das embarcações da altura (era rápida, com um calado não muito elevado, logo menos pesado e, inovação completamente surpreendente, as suas velas – triangulares ou latinas, melhor manobráveis e que permitiam aproveitar as diferentes direções dos ventos e, logo, permitiam a navegação à bolina, fazendo sucessivas inclinações com as velas do navio de modo a controlar e, ao mesmo tempo, aproveitar, os ventos contrários. No fundo é a caravela que, em grande parte, vai colocando novos desafios aos navegadores para transporem aquilo que parecia intransponível: (…) A progressão das caravelas a descobrir ignotos mares e terras é correlativa de uma progressão intelectual, de construção de aparelhos de medida e de elaboração de regras, que permite conceber o espaço em que os homens se deslocam, lhes permite situarem-se no espaço e representarem-no para voltar a encontrar qualquer lugar (…). Os guias náuticos e roteiros (compilações manuscritas de todas as evoluções referidas) são de tal forma ricos e úteis que nos dão o melhor testemunho daquilo que se ia fazendo em termos de avanços náuticos nesta altura e, por isso mesmo, um contributo para melhor conhecer tudo o que de novo se ia encontrando nos novos mundos. Tão importantes foram estas publicações que se fizeram traduções em castelhano, inglês, francês, italiano e alemão. O incremento da imprensa por toda a Europa, bem como da atividade editorial (veja-se o documento 3) bem contribuíram para esse facto. O conhecimento parecia globalizar-se e, logo, percebe-se o contributo fulcral dos Portugueses para o alargamento do conhecimento (e compreensão da natureza.). A representação das novas áreas descobertas nas chamadas cartas náuticas, sucessivamente aperfeiçoadas, conduziu a uma verdadeira evolução da geografia. Já nos finais da Idade Média, os marinheiros mediterrânicos haviam criado a carta náutica ou carta portulano, um conjunto de linhas de rumo que emergiam de vários pontos, equivalentes aos rumos obtidos através das medições da bússola, mas sem qualquer correção da declinação magnética (note-se como a ciência matemática conheceu, igualmente, um novo impulso, bem visível no interesse dos dois homens representados no documento 5). As regiões da Terra representadas até então eram ignoradas (algumas eram até imaginadas contendo imperfeições de tal forma graves que hoje nos pareceriam ridículas ou alvo de brincadeira) ou mal conhecidas. Ora, o início do processo de expansão e descobrimentos, traz um traçado mais rigoroso e exato dos contornos de mares, oceanos, costas, continentes, ilhas, entre outros, como é possível aferir pela observação do documento 2 em que podemos ver o rigor com que eram elaborados os dois mapas apresentados. Ptolomeu (associado aos erros dos Antigos) foi progressivamente posto de lado e a época de ouro da cartografia começava. Os cartógrafos portugueses, fruto inequívoco do que atrás expusemos, eram os mais aptos para traduzirem o novo mundo conhecido. Na verdade, os seus mapas eram verdadeiras enciclopédias, porque possuíam: Escalas de latitudes (muito importantes para a evolução da cartografia, porque o Equador, os trópicos e, mais tarde, os círculos polares, vieram aperfeiçoar muitíssimo o conhecimento geográfico); Planos hidrográficos (destaque para o mapa B do documento 2) com pormenores das costas (em ambos os mapas); registos de sondas marítimas (com informações relativas à profundidade dos oceanos em determinadas áreas, úteis para evitar, por exemplo, acidentes com embarcações); informações variadas sobre flora, fauna, etnologia. Por isso, o documento 1 também refere que os nossos navegadores (…) Levaram cartas muito particularmente rumadas e não já as que os Antigos usavam (…). Que concluir desta vastíssima inovação técnica potencializada pelos Portugueses? Que o conhecimento científico da natureza vai conhecer um avanço na História da humanidade como nunca, até aí, o havia conhecido. A expansão marítima portuguesa colocou em causa muitas das conclusões dos Antigos. Estávamos assim, perante um novo saber, caracterizado, à época, como um saber de experiência feito, a que vamos chamar de experiencialismo. Aos olhos dos contemporâneos, parecia ser, de facto, de experiência que se tratava, dado nunca se ter realizado nada semelhante. O vocábulo experiência deveria conter uma menor abrangência de significado do que aquilo que agora contém. Em boa verdade, o experiencialismo (diferente de experimentalismo), baseado na observação direta da natureza (ao vivo) e posterior registo (por escrito ou através de inúmeros desenhos – relembrem-se os guias e roteiros), abateu os mitos de sábios antigos. Assim, surge igualmente um espírito crítico relativamente ao saber da Antiguidade que será materializado pelos humanistas que abrirão o caminho a esse mesmo espírito crítico, a um elogio velado das capacidades do Homem e das suas conquistas (individualismo e antropocentrismo). No entanto, não esqueçamos que o experiencialismo não passava, apenas, de empirismo, ou seja, apenas se

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observava e descrevia, isto é, não se faziam propriamente experiências para a verificação de hipóteses. Mas o percurso já era inevitável para o lado de quem tudo exaltava das realizações dos que tinham ousado ir mais longe: os humanistas. Intelectuais do Renascimento, vão sobressair em diferentes ramos do saber porque, precisamente, queriam tudo saber para tudo explicar e, sobretudo, através dessa sabedoria, poder provar a grandiosidade e superioridade do Homem (tal como se aborda no documento 6). Olhando para os progressos náuticos proporcionados por Portugueses e pelas suas aventuras ao longo dos oceanos quem poderia duvidar dessa superioridade? Assim, os humanistas faziam a defesa da excelência do ser humano que consideravam bom e responsável, inclinado para o bem e a perfeição, capaz, dessa forma, de se superiorizar a qualquer outro ser ou identidade, incluindo Deus. Este era, sem dúvida, um dos valores mais caros do Renascimento: o Antropocentrismo (em profunda oposição ao teocentrismo medieval). Para criarem a imagem deste novo Homem que mudava, a cada dia, a visão que anteriormente se tinha do mundo, os humanistas inspiraram-se na Antiguidade Clássica (classicismo) já que julgavam ter sido nessa época que o Homem mais havia sido valorizado juntamente com as suas capacidades. Assim, no Renascimento torna-se moda, podemos dizê-lo, uma paixão pela Antiguidade (pelos seus autores, escultores, arquitetos), que também define o classicismo enquanto característica maior da Europa de Quatrocentos e grande parte do século seguinte. Os humanistas passaram a corresponder-se, inclusive, com muita frequência, em grego e latim. A juntar a isto, a descoberta da imprensa, como já o referimos, foi fundamental para a difusão das ideias dos humanistas e para os caminhos que os humanistas abriram. O ensino com um currículo mais vasto e mais desligado da escolástica medieval foi uma das melhores consequências de toda esta renovação cultural proporcionada pelos humanistas. Qualquer instituição de ensino (universidade, academia, escola, colégio) que quisesse estar dentro do barco da modernidade deveria incluir, obrigatoriamente, no seu currículo, o estudo do latim, do grego, do hebraico, da literatura, história e filosofia clássicas. A afirmação das línguas nacionais foi também um dos caminhos abertos pelo humanismo. Na verdade, valores como o individualismo, a racionalidade, ou o espírito crítico abriam uma nova etapa na História da Europa e teriam, até, reflexos a longo prazo nos momentos mais decisivos da História dos séculos que se seguiriam. O Homem suplantava, como o documento 6 insiste, qualquer divindade ou outra forma de vida. Ele era, aliás, superior a todas as coisas: (…) o homem é um microcosmos, o que para Pico – e Ficino – constitui uma das razões fundamentais do lugar privilegiado que o homem ocupa no universo. (…) Para Pico, o homem não tem uma natureza determinada, nem mesmo um lugar fixo na hierarquia dos seres; de alguma maneira, encontra-se situado fora dela. Este facto está intimamente relacionado com a importância que Pico outorga à liberdade que o homem tem de eleger entre as naturezas ou maneiras diferentes da vida, todas as quais lhe serão possíveis (…). .Em suma, a natureza do homem renascentista era resultado, e não nos cansamos de o referir, do processo de Expansão e Descobrimentos que o havia colocado no mais alto patamar da humanidade. GRUPO III 1. O que, de imediato, nos chama a atenção na catedral de Caen, Abadia dos Homens, é a sua altura e sensação de verticalidade. Os dois elementos, em comum, conferem-lhe, sem dúvida, monumentalidade. No entanto, podemos também distinguir os arcobotantes, em primeiro plano, ou seja, os elementos que apoiam as paredes da nave central e fazem com que o peso da abóbada seja direcionado para outro elemento que podemos ver associado aos arcobotantes, os contrafortes. Conseguimos, também, distinguir os vitrais que estão profusamente distribuídos por todo o edifício, como é visível na imagem e, partindo daqui, concluir que há um elevado número de janelas de tamanho considerável, com vista a captar o máximo de luz possível para o interior do edifício. As molduras à volta dos vitrais, por seu turno, indicam uma maior utilização do metal. É possível, igualmente, perceber que as torres marcam a catedral em questão e que, de igual forma, a presença dos arcos ogivais ou de volta quebrada marcam as fachadas da catedral. Finalmente, e à esquerda, ligeiramente em baixo, podemos observar uma pequena rosácea, apesar de não ser o do portal central. 2. O ressurgimento urbano dos séculos XII e XIII está ligado a um apogeu da vida urbana no Ocidente medieval, facto que, desde o Império Romano, nunca mais havia acontecido. As profundas transformações que se verificaram nas áreas rurais conduziram a um dinamismo

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demográfico que, por seu turno, acabou por ser o catalisador do crescimento urbano verificado no período em questão. As cidades multiplicaram-se e, beneficiando de uma reanimação do comércio em larga escala, tornaram-se as novas vedetas da vida quotidiana desses séculos. Crescendo em quantidade, a cidade também foi obrigada a crescer em tamanho. Acolhendo cada vez mais habitantes à procura de melhores condições de vida, a cidade ganhou novas profissões, novos ritmos de vida, e uma pujança que o seu grupo dirigente – a burguesia – desejava que fosse visível e ganhasse protagonismo. Em parte, a catedral gótica é fruto deste desejo de festejar o dinamismo urbano e o seu poder face ao campo. Os burgueses veem na catedral, um modo de evidenciar a força do seu burgo perante as cidades vizinhas (e o espaço rural, claro). A catedral respondia, por um lado, ao aumento populacional que a cidade estava constantemente a ter (o espaço de Deus, digamos assim, tinha de ser pensado como um espaço pronto para acolher multidões. Ora, a cidade recebia pessoas novas constantemente); por outro lado, era a marca distintiva (porque a sua altura, devido às suas torres, era visível a muitos quilómetros de distância) do dinamismo da mesma. Ao mesmo tempo, a cidade era, na ótica das autoridades religiosas, a inimiga dos bons costumes e da moral, onde as tentações diabólicas espreitavam os inocentes acabados de chegar das áreas rurais envolventes e, logo, ao pensar-se naquilo que viria a ser a catedral, pensava-se também num espaço que, pela sua altura, decoração, monumentalidade e interior aprazível, marcado pela presença da luz, atrairia os habitantes do burgo que se sentiriam mais próximos de Deus e, consequentemente, menos propensos a ceder às tentações. Ora, o útil podia juntar-se ao agradável. Burguesia e clero tiravam, assim, os seus proveitos deste tipo de construções. A hierarquia eclesiástica, aproveitando, então, os gordos donativos da burguesia que queria ver as suas cidades embelezadas e destacadas na paisagem europeia, ergue os primeiros edifícios góticos, as catedrais. Fala-se, por isso, e reportando-nos aos séculos XII e XIII, de “Tempo das Catedrais” que coincide, precisamente, com o renascimento das cidades no mesmo período.