Programa Workshop Pigmentos e Corantes Naturais

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PIGMENTOS E CORANTES NATURAIS: ENTRE AS ARTES E AS CINCIAS

Perspectivando que cada vez mais importa assumir o carcter interdisciplinar dos objectos que se constituem como gestos culturais obtidos pela apropriao humana da natureza, verifica-se como os pigmentos e os corantes naturais constituem um caso paradigmtico desta realidade. Para mais esta realidade enriquecida pela circunstncia de neles convergirem, quer uma longa tradio nas artes e nos ofcios, quer um tratamento especfico, nomeadamente biolgico e qumico, ao longo da formulao do conhecimento cientfico moderno. Aspecto a que se aliam, ainda, contextos com repercusso na actualidade, onde os saberes fazeres acumulados continua a intervir, independentemente ou integrados como meios auxiliares das cincias de ponta, no caso, por exemplo a citologia e a fisiologia. De tal modo que estamos perante tcnicas com um uso remoto ou mais recente, particularmente ricas, pelo seu lado de objectos cientficos multifacetados. Sendo o Alentejo uma zona portuguesa onde esta herana se alia a uma cultura muito viva lembrem-se os corantes dos tapetes de Arraiolos e das primitivas mantas alentejanas, bem como os pigmentos usados nos frescos antigos, na olaria e nas casas, - estaremos, pois, perante um objecto de estudo, com uma forte vertente local, aliada a uma realidade tambm global. Assumindo todos estes factores, os investigadores deste projecto, pretendem estud-los teoricamente e contribuir para actividades prticas, tendendo para a criao de um Jardim Botnico de Plantas Tintureiras, a implementar no Plo da Mitra da Universidade de vora.

Comisso cientfica Alexandra Soveral Dias, UE, Biologia Ana Lusa Janeira, UL, Histria e Filosofia das Cincias Antnio Jos Candeias, UE, Qumica Celeste Santos e Silva, UE, Biologia Luclia Valente, UE, Estudos Teatrais Mariana Valente, UE, Fsica Virgnia Henriques, UE, Geografia

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Programa WORKSHOP PIGMENTOS E CORANTES NATURAIS: ENTRE AS ARTES E AS CINCIAS5 DE MARO DE 2005- UNIVERSIDADE DE VORA 9 30h Abertura 9 45 h Os pigmentos naturais utilizados em pintura. Prof. Antnio Joo Cruz, Departamento de Arte, Arqueologia e Restauro, Instituto Politcnico de Tomar 10 30 h Pausa para caf 11 h Corantes txteis naturais. Prof. Antnio Estvo Candeias, Departamento de Qumica, Universidade de vora 11 30 h Anlise de pigmentos. Dr. Pedro Caetano Alves, Instituto Portugus de Conservao e Restauro 11 45 h Uso de tcnicas cromatogrficas na anlise de corantes naturais em txteis. Prof. Cristina Teixeira da Costa, Departamento de Qumica, Universidade de vora 12h Os pigmentos naturais utilizados em pintura mural. Dr. Milene Gil Casal, Faculdade de Cincias e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa 12 15 h Debate 13 h - Almoo 14 15 h Visita Guiada s Casas Pintadas de vora (facultativa) mediante inscrio (nmero limitado de participantes) / Tempo livre 15 h Cor: da natureza para as cincias, artes e ofcios. Prof. Mariana Valente e Prof. Ana Lusa Janeira (Departamento de Fsica, Universidade de vora e Departamento de Qumica, Faculdade de Cincias, Universidade Clssica de Lisboa). 15 30 h O cho das artes - Jardim botnico. Dr. Cristina Coelho e Arq.ta Ana Isabel Ribeiro, Casa da Cerca Centro de Arte Contempornea, Cmara Municipal de Almada. 15 45h Do colorido da natureza tinturaria natural: o contributo das flores. Prof. Alexandra Soveral Dias, Departamento de Biologia, Universidade de vora. 16 h Indigofera tinctoria e as voltas e revoltas do ndigo. Carla Trindade, Ctia Canteiro e Rogrio Louro, Departamento de Biologia, Universidade de vora. 16 15h O uso de plantas no processamento artesanal da l no Alentejo. Marta Mattioli, Dep. de Biologia, Universidade de vora. 16 30h A importncia econmica das tintureiras nos Aores nos sculos XVI e XVII. Prof. Maria Virgnia Henriques, Dep. de Geocincias, Universidade de vora. 16 45 h O uso dos lquenes e cogumelos em tinturaria. Prof. Celeste Santos e Silva, Departamento de Biologia, Universidade de vora. 17h - Debate 17 15h Pausa para caf 17 45 h Concluso 18 00 h - Animao orientada pela Prof. Luclia Valente, Departamento de Artes, Universidade de vora.

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OS PIGMENTOS NATURAIS UTILIZADOS EM PINTURA Antnio Joo Cruz Departamento de Arte, Arqueologia e Restauro, Instituto Politcnico de Tomar, Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, Portugal Centro de Qumica e Bioqumica, Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal e-mail: [email protected]

Desde h 30 mil, pelo menos, que pigmentos naturais tm sido utilizados em pintura, mas j nas mais antigas obras conhecidas foram usados juntamente com pigmentos artificiais, tal como acontece actualmente. De facto, ao contrrio do que se poderia imaginar, os pigmentos no tm uma histria que, comeando com materiais naturais, s tardiamente d papel de relevo aos pigmentos artificiais. O melhor exemplo proporcionado pelos pigmentos azuis: o primeiro grande pigmento desta cor, o azul egpcio, um material sinttico utilizado desde o 3. milnio a.C., sem qualquer equivalente na natureza, que entretanto veio a ceder o seu lugar a pigmentos naturais que, por sua vez, foram substitudos por outros sintticos. De qualquer forma, os antigos tratados de pintura sugerem que a origem natural ou artificial dos pigmentos no tem influenciado a escolha dos materiais. Por outro lado, mostram que os critrios em que assenta esta classificao tm variado ao longo do tempo. Do conjunto de pigmentos com significativa importncia na histria da pintura, os pigmentos naturais correspondem a minerais pertencentes s classes dos sulfuretos (cinbrio), dos xidos (ocres), dos carbonatos (azurite e malaquite) e dos silicatos (terra verde e azul ultramarino). Presentemente, apenas os ocres (de cor amarela, castanha ou vermelha, essencialmente xidos de ferro) continuam a ter importncia tal como acontecia nas pinturas pr-histricas. O cinbrio (um sulfureto de mercrio de cor vermelha) e a terra verde (vrios minerais argilosos desta cor) tiveram grande uso na pintura mural romana, mas o primeiro foi substitudo na Idade Mdia pela equivalente variedade sinttica (designada por vermelho), no obstante o estatuto de produto de luxo de que desfrutava. A terra verde, por seu lado, perdeu grande parte da importncia com o despontar da pintura de cavalete onde praticamente ficou confinada s camadas subjacentes. Pelo contrrio, o azul ultramarino, obtido do precioso lpis-lazli, atingiu o seu momento de glria na Idade Mdia, graas ao estabelecimento de um processo de purificao, tornando-se no pigmento mais enaltecido e mais dispendioso. Porm, o desenvolvimento da qumica e o consequente surgimento de novos pigmentos a partir do sculo XVIII, mais econmicos, levaram ao seu gradual abandono, o qual quase se consumou com o aparecimento da variedade sinttica, incentivada por um prmio criado em Frana em 1824. Quanto azurite e malaquite (carbonatos de cobre, respectivamente, de cor azul e de cor verde), as vicissitudes da histria poltica e o desenvolvimento da pintura a leo estiveram na origem do seu abandono.

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CORANTES TXTEIS NATURAIS Antnio Estvo Candeias Departamento de Qumica, Universidade de vora, Rua Romo Ramalho, n 59, 7000-671 vora, Portugal e-mail: [email protected]

Ao longo dos tempos foram utilizadas, pelas diferentes civilizaes, diversas substncias orgnicas, quer de origem vegetal quer animal, como corantes para tingimento de txteis. Infelizmente, os txteis e os corantes decompem-se rapidamente por aco da luz e de bactrias, fungos e insectos s se preservando em condies muito particulares. No admira ento que, as primeiras evidncias da produo de txteis sejam algumas esculturas em pedra, datando de h 20.000 AC, encontradas em cavernas (como a Vnus de Lespugue) que representam mulheres envergando saias em tecido txtil. Embora os tecidos txteis corados mais antigos de que h registo datem de h cerca de 6.000 AC, estudos arqueolgicos permitiram descobrir sementes de plantas tintureiras em cavernas do perodo Neoltico, revelando a ntima ligao entre o advento do txtil e a utilizao da cor. Os corantes naturais eram extrados essencialmente de flores, sementes, frutos, cascas e razes de plantas ou de insectos e moluscos atravs de processos complexos que envolviam diversas operaes como macerao, destilao, fermentao, decantao, precipitao, filtrao, etc.. Contudo, poucas eram as substncias que possuam as caractersticas de estabilidade luz e lavagem inerentes de um corante txtil. Consoante o tipo de aplicao os corantes podem classificar-se como corantes directos, que se aplicam directamente na fibra, corantes de tina, que sofrem oxidao durante o processo de tingimento, e corantes que utilizam mordentes (os quais iro permitir a fixao do corante na fibra txtil). Durante a Idade Mdia, a industria tintureira tornou-se num dos principais motores da economia europeia. Neste perodo, aperfeioam-se as tcnicas de tingimento, descobrem-se mordentes mais eficientes e desenvolve-se uma estrutura de organizao e hierarquizao das artes e dos ofcios. As qualidades e atributos de um corante eram determinados no apenas pelas suas propriedades fsicas mas tambm por factores de ordem econmica, poltica e social. Por exemplo, o corante prpura imperial foi o mais caro e mais importante corante desde a antiguidade at ao Sc. XV. No entanto, por razes econmicas e polticas, em 1467, o Papa Paulo II decretou que a indumentria dos cardeais passasse a ser tingida com o corante quermes (vermelho escarlate) em substituio do corante prpura imperial, dando incio ao seu declnio como cor preferencial. No Sculo XIX, com o desenvolvimento da sntese qumica e da compreenso dos princpios de tingimento, surgem novos corantes sintticos mais eficientes que os naturais. D-se uma ruptura na utilizao dos corantes naturais e a produo em larga escala de plantas corantes d origem a enormes fbricas de produo de corantes sintticos. Nesta comunicao, apresentam-se alguns conceitos bsicos sobre os processos de tinturaria e desenvolve-se uma breve perspectiva histrica sobre a utilizao e importncia dos corantes naturais nos processos de tingimento de txteis.

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ANLISE DE PIGMENTOS Pedro Alexandre Santos Leito Caetano Alves Departamento de Estudo de Materiais-DEM, Instituto Portugus de Conservao e Restauro IPCR, Rua das Janelas Verdes, 37, 1249-082 Lisboa, Portugal e-mail:[email protected]

At ao estabelecimento recente de uma rea de conhecimento que se designou Cincia de Conservao a anlise de pigmentos foi das primeiras tcnicas utilizadas a englobarem-se neste campo. As tcnicas utilizadas nesta anlise tm vindo a evoluir rapidamente com o desenvolvimento da prpria cincia, sendo at motor de desenvolvimento de tcnicas avanadas na interseco da Cincia e Arte. Esta anlise d os primeiros passos nos anos 60 atravs de um clebre artigo de Joyce Plesters que desenvolve metodicamente um procedimento para a anlise sistemtica de pigmentos artsticos, Daqui ao desenvolvimento do acelerador de partculas dos Museus de Frana (AGLAE), exclusivamente dedicado analise de patrimnio cultural, englobam-se muitas tcnicas que foram sendo desenvolvidas e aplicadas cincia de conservao com a aplicao determinao de pigmentos em obras de arte.

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USO DE TCNICAS CROMATOGRFICAS NA ANLISE DE CORANTES NATURAIS EM TXTEIS Cristina Teixeira da Costa Departamento de Qumica da Universidade de vora Centro de Qumica da Universidade de vora Rua Romo Ramalho, n 59, 7000-671 vora, Portugal e-mail:[email protected]

A identificao dos corantes naturais usados no fabrico de txteis muito importante no s para a datao e reconhecimento da origem geogrfica do artefacto, mas tambm para fornecer dados importantes sua conservao e restauro. Os corantes naturais so bastante lbeis ficando muitas vezes as suas cores bastante alteradas em consequncia das condies ambientais diversas a que foram expostos durante sculos. Este facto impede, geralmente, a identificao dos corantes usados na produo de um artefacto com base na cor actual do mesmo. Foi Yan Wouters quem, em 1985, utilizou pela primeira vez a tcnica de HPLC (high pressure liquid chromatography) com um detector de UV-vis (detector de "diode array", DAD) na anlise de pigmentos em txteis antigos. Desde a vrios autores tm utilizado a mesma tcnica no s na anlise dos extractos das plantas e animais que esto na origem dos corantes naturais, mas tambm nos artefactos txteis produzidos utilizando esses mesmos corantes. A tcnica cromatogrfica permite a separao dos componentes qumicos individuais de cada corante, que so depois identificados com base no seu espectro de ultravioleta-vsivel. Este procedimento analtico, apesar de ser bastante mais eficiente que a tcnica anteriormente utilizada de cromatografia de camada fina (TLC, thin layer chromatography), ainda no possibilita a identificao de alguns componentes dos corantes cuja semelhana estrutural dificulta no s a sua separao cromatogrfica mas tambm a sua identificao com base no espectro de UV-vis. Recentemente este problema tem sido ultrapassado atravs da introduo do detector de massa acoplado tcnica cromatogrfica anterior (HPLC-DAD-MS) e que permite a identificao inequvoca dos analitos com base no seu espectro de UV-vis e espectro de massa. Neste seminrio sero apresentados alguns exemplos recentes da literatura onde a aplicao de HPLC-DAD e HPLC-DAD-MS permitiu a identificao de vrios corantes naturais em artefactos txteis.

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OS PIGMENTOS NATURAIS UTILIZADOS EM PINTURA MURAL Milene Gil Casal Faculdade de Cincias e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Monte da Caparica, 2829-516 Caparica, Portugal E-mail: [email protected]

Em Portugal, o acabamento mais comum das fachadas dos edifcios que constituem o nosso patrimnio urbano era a caiao pura e simples, ou a pintura a cal. A cor obtinha-se, normalmente, atravs da adio cal de pigmentos naturais sendo de salientar as terras, geralmente terras minerais, compostas por diferentes tipos de xidos, sulfitos e carbonatos (etc). Portugal possui uma grande riqueza geolgica no que se refere ao tipo e variedade de terras ocrceas e argilas coloridas. Com as terras, obtinham-se variadas gamas de cores que, juntamente com outros pigmentos minerais, foram empregues, durante sculos, tanto nas pinturas exteriores, de carcter mais simples, como nas pinturas murais localizadas no interior, consideradas mais nobres. Porm, com o tempo, os locais de extraco, modo de preparao e uso das terras corantes caiu quase por completo no esquecimento do povo portugus. Numa poca em que se torna premente, no mbito da Conservao e Restauro, o entendimento das tcnicas e materiais ancestrais, esta comunicao tem como objectivo chamar a ateno para esta temtica atravs da descrio da natureza e carcter de algumas terras localizadas no territrio portugus, assim como de outros pigmentos minerais empregues nas fachadas e pintura mural no Alentejo e o seu modo de preparao.

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COR: DA NATUREZA PARA AS CINCIAS, ARTES E OFCIOS Mariana Valente, Ana Lusa Janeira Centro de Estudos de Histria e Filosofia das Cincias Departamento de Fsica da Universidade de vora. Rua Romo Ramalho, n 59, 7000-671 vora, Portugal e-mail: [email protected] Centro Interdisciplinar de Cincia, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL), Instituto de Investigao Cientfica Bento da Rocha Cabral Calada Bento da Rocha Cabral, 14, 1250-047 Lisboa e-mail: [email protected] e [email protected]

Desde a antiguidade clssica que o interesse pela luz e pelas cores tem tido um lugar charneira na reflexo sobre a construo do conhecimento cientfico. Se com Aristteles podemos acompanhar a interpretao feita com base na associao a outro fenmeno, o som, na Alta Idade Mdia assistimos a um percurso conducente artificializao da primeira gota de gua (Theodoric de Freiberg), trazendo a produo das cores do arco-ris para o mundo do laboratrio das experincias controladas. Com Newton e a sua experincia crucial podemos contactar com um percurso aparentemente dedutivo a partir de factos da natureza, recriados longe da natureza. a encenao do poder de uma Fsica Experimental nascente. J nos princpios do sculo XIX a perplexidade de Young, ao ver que luz sobre luz d escuro, que nos lanar nos meandros do pensamento analgico. No sculo XX, a dualidade onda-corpsculo lanar-nos- no mundo das experincias pensadas. Ao colocarmos em evidncia o papel metodolgico que a interpretao fsica da luz e das cores desempenharam ao longo dos tempos tentaremos exibir os questionamentos formulados e o papel da imaginao cientfica na produo do conhecimento e na cultura em geral. Bem pde a cincia ter-se esforado por conseguir uma definio, com rigor e sucesso, para a cor. Isso no lhe diminuiu a complexidade semntica. Como no fez que ela deixasse de ter mistrios, volta de uma sensao e de um afecto. Porque alegra ou entristece, ao transmitir, enquanto significante - significado, um sinal qualquer. Alm disso, cabe-lhe uma funo na viso do - mundo, quando contribui para: delimitar a superfcie; indicar volume; ajudar forma, tambm. Seguindo a imaginao, no difcil de supor que a necessidade e o uso da tinta tero surgido, como gestos para imitar o azul do cu e do mar. Ou o verde de uma floresta. Ou ento, numa escala bem mais pequena, o tom do ferro, o vermelho da papoila ou do ocre. A partir da, e muito curiosamente porque se tratava de tirar Natureza outras das suas cores uma das solues encontrava na planta, nas plantas, meios de transformar um certo lquido ou pozinho, em transmissores (mas talvez o mais curioso de tudo, seja mesmo saber como estes meios que parecem to primitivos podem continuar a ser utilizados, de forma imprescindvel, como fixadores, em trabalhos laboratoriais de Fisiologia e Citologia, misturados com muitos outros avanos tecnolgicos indiscutveis). Esta expresso criativa, a quem cabe culturalizar caracteres naturais, serve a de - cor ao, da tigela pr-histrica ao fresco cretense e iluminura no pergaminho medievo. Adquire uma dimenso simblica no cor po do ndio brasileiro, pelo urucum e pelo geripapo. Como perdura nos cor antes dos ovos de Pscoa, com cebola, hortel ou beterraba, e com o amarelo do lrio tintureiro, nas primitivas mantas alentejanas, aconchego no Inverno, luz da lareira. Luz = origem da cor. Luz do sol = energia para toda a planta.

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O CHO DAS ARTES JARDIM BOTNICO CRISTINA COELHO e Ana Isabel Ribeiro Casa da Cerca Centro de Arte Contempornea, Cmara Municipal de Almada, Rua da Cerca 2800-050 Almada, Portugal. (Correspondence author, AIR; e-mail: [email protected])

Situado sobre uma falsia de Almada, mais concretamente no espao envolvente da Casa da Cerca Centro de Arte Contempornea, o Jardim Botnico O Cho das Artes uma iniciativa pioneira na especificidade da articulao entre as vertentes cientfica e artstica. Inspirado no modelo de jardim tradicional portugus de quinta de recreio que a prpria Casa da Cerca foi outrora, neste jardim, a arte a principal protagonista e fonte inspiradora. Para alm do Herbrio, da Estufa e do anfiteatro de ar livre, o visitante encontra ao longo das zonas estruturantes do jardim Mata, Pomar das Gomas, Jardim das Telas, Jardim dos leos, Jardim dos Pigmentos e Jardim dos Pintores diversas espcies cujos componentes vegetais so fonte de materiais que do corpo e forma realizao artstica ou, flores e jogos de cor que remetem o visitante para o imaginrio de artistas que as representaram ao longo de diversos perodos da Histria de Arte. Desde a sua abertura ao pblico, em Junho de 2001, o Jardim Botnico tem consolidado a sua implementao no terreno, mas tambm nas comunidades acadmica e educativa. As principais linhas de trabalho actuais so, por um lado, acentuar a investigao cientfica referente temtica do jardim a ligao entre a botnica e as artes plsticas, nomeadamente, construindo uma base de dados das espcies que cruza e aglutina a informao de ambas as componentes: artstica e cientfica; e por outro, dar continuidade e aprofundar o trabalho at agora realizado pelo Servio Educativo da Casa da Cerca, promovendo visitas guiadas para a populao em geral, mas tambm, e sobretudo, para a comunidade escolar local, realizando, nomeadamente, jogos de descoberta do jardim e ateliers de expresso plstica onde se aplicam a informao e os materiais referentes s espcies dO Cho das Artes.

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DO COLORIDO DA NATUREZA TINTURARIA NATURAL: O CONTRIBUTO DAS FLORES Alexandra Soveral Dias Departamento de Biologia, Universidade de vora CEU, Centro de Ecologia e Ambiente da Universidade de vora Ap. 94, 7002-554 vora e-mail: [email protected]

As flores encontram-se entre as mais recentes invenes das plantas na adaptao ao ambiente terrestre, sendo nelas que o que normalmente poder ser visto como o capricho da cor atinge o seu expoente mximo. Efectivamente em nenhum outro rgo vegetal se encontra uma to grande variedade de formas e cores. A cincia distingue um desgnio oculto subjacente euforia cromtica ostentada pelo mais exuberante e varivel rgo vegetal. Efectivamente, as cores florais so entendidas como parte de um design sedutor desenvolvido especificamente para a atraco de determinados polinizadores. No entanto, e apesar da paleta natural ser extremamente rica, h uma notvel economia de meios na forma como foram conseguidas. Com efeito, a enorme variedade cromtica ostentada pelas flores conseguida com recurso a um nmero relativamente reduzido de pigmentos vegetais com destaque para os pertencentes aos grupos dos carotenides, das antocianinas ou dos flavonides. Curiosamente os pigmentos mais comuns nas flores podem encontrar-se noutros rgos vegetais como folhas e caules, pelo que no processo de colorir-se as flores mais no fizeram do que concentrar pigmentos j inventados e disponveis por um lado e por outro despir-se do inconveniente verde clorofilino que os obscurece e mascara. Na planta estas substncias pigmentadas desempenham diversas funes entre as quais se destacam as relacionadas com a absoro ou reflexo da luz e proteco contra a radiao ultravioleta. Nas flores adiciona-se-lhes uma funo de atraco frequentemente fundamental no jogo complexo de seduo do polinizador a que se juntam dimenses, formas e padres e ainda frequentemente aroma e nctar. O papel das cores na atraco dos polinizadores referido bem como as caractersticas, localizao e funes dos trs grandes grupos de pigmentos comummente responsveis pelas cores florais. A utilizao das flores como corantes txteis relaciona-se naturalmente com o tipo de pigmentos presentes e merecer igualmente ateno com uma referncia especial ao aafro, um corante de utilizao antiqussima e mltiplos usos, tanto antigos como recentes, obtido a partir dos estigmas da flor recm aberta de Crocus sativus.

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INDIGOFERA TINCTORIA E AS VOLTAS E REVOLTAS DO INDIGO CARLA TRINDADE, Ctia Canteiro, Rogrio Louro Departamento de Biologia, Universidade de vora, Ap94, 7002-554 vora (Correspondence author: CT, e-mail: [email protected])

O ndigo (Indigofera tinctoria) uma das plantas a partir das quais se pode obter um corante azul capaz de tingir de forma durvel as fibras txteis. Trata-se de uma planta arbustiva da famlia das Fabceas, podendo atingir 1 m de altura. Provavelmente originria da ndia, ocorre espontaneamente em toda a sia tropical abaixo dos 800 m de altitude. Cultivada e utilizada como tintureira h sculos, foi introduzida em todas as regies tropicais do mundo. O seu cultivo requer alm de um clima tropical, disponibilidade de gua e um solo rico, podendo nessas condies obter-se trs colheitas anuais. O processo de obteno do azul ndigo a partir desta planta envolve a macerao das folhas e a fermentao do macerado com participao das bactrias do ar. O macerado esverdeado ento coado e alcalinizado por adio de cinza ou soda obtendo-se assim com relativa simplicidade e brevidade o corante azul. Quimicamente este corante composto basicamente por indigotina que resulta da ligao de duas molculas de indoxil em presena de oxignio. O indoxil, por sua vez libertado por hidrlise enzimtica do indicano, um hetersido incolor presente nas folhas. A importao do ndigo asitico pela Europa a partir do sculo XVI vir a arruinar a produo europeia de pastel (Isatis tinctoria.) de que se obtinha igualmente um corante txtil que permitia a obteno de vrios tons de azul. No sculo XIX o comrcio foi dominado pelo imprio Britnico que estabeleceu na ndia numerosas plantaes e fbricas de ndigo. Na regio de Bengala a extenso da cultura da tintureira implementada pelos colonos ingleses sobre milhares de hectares em detrimento da cultura do arroz necessria ao sustento das populaes acabou por conduzir chamada revolta do ndigo de consequncias sangrentas. A sntese economicamente rentvel do ndigo pela Bayer foi conseguida em 1890 aps 17 anos de pesquisas (e um investimento astronmico) arruinando o comrcio do ndigo natural.

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O USO DE PLANTAS NO PROCESSAMENTO ARTESANAL DA L NO ALENTEJO Marta Mattioli Departamento de Biologia da Universidade de vora Ap.94, 7002-554 vora e-mail: [email protected]

A regio do Alentejo uma regio em que na tecelagem, tapearia (ofcios ainda hoje existem, mas muito menos que no passado) era usada a l produzida anualmente pelas ovelhas da regio. Com as cores naturais da l possvel produzir uma pequena gama de cores (branco, castanhos, cinzentos, preto). Assim por tradio algumas das cores eram obtidas por mtodos de tinturaria vegetal. Este trabalho teve como objectivo saber quais as plantas locais que eram usadas no processamento artesanal da l, tendo em conta no s plantas tintureiras (cr produzida, mtodos de tinturaria). Todas as informaes necessrias para a realizao do trabalho foram obtidas atravs de documentao fornecida pela artes Teresa Branquinho (tecel). O clima um factor limitante, neste caso, condicionando a flora e o tipo de cores possvel da obter a partir dela. A nica planta no tintureira usada tradicionalmente no processamento artesanal da l, a saponria; sendo utilizada para lavar a l, depois de todos os processos mecnicos, mas antes da tinturaria. No Alentejo as plantas tintureiras usadas tingem na gama dos verdes e amarelos. O vermelho obtido com as cochonilhas (parasitas das plantas). As plantas de uso mais comum so: o aloendro, o alecrim, o rosmaninho, o limoeiro, as malvas, a esteva (destas plantas so usadas as folhas ou ramagens), os malmequeres (so usadas as flores). Os vrios mtodos usados variam consoante se utiliza: mordente ou fixador, plantas frescas ou secas; a intensidade da cr desejada influencia tambm a escolha do mtodo a empregar. Desta pesquisa resultar tambm um pequeno herbrio das espcies em questo e um mostrurio das cores obtidas usando os mtodos descritos no trabalho.

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A IMPORTNCIA ECONMICA DAS TINTUREIRAS NOS AORES NOS SCULOS XVI e XVII Maria Virgnia Henriques Departamento de Geocincias. Universidade de vora Rua Romo Ramalho, n 59, 7000-671 vora, Portugal E-mail:[email protected]

Nas ilhas dos Aores as plantas tintureiras, cultivadas e recolhidas, alimentaram entre os sculos XV e XVII a prspera indstria europeia de tinturaria e geraram um importante ciclo econmico local, apenas superado pela cultura do trigo. Este ciclo apoiou-se essencialmente no cultivo do pastel (Isatis tinctoria L.) e em menor escala, na colheita da Urzela (Roccella tinctoria D.C.). O pastel, ou pasteldos-tintureiros, uma crucfera bienal, descrita como um gnero de alfaces, de que usam os tintureiros para dar cor azul sobre a qual se d melhor a cor preta. A Urzela, lquen do gnero Nemaria, de crescimento espontneo em ambientes litorais de arriba, fornecia depois de preparada, um corante castanho de qualidade. A introduo da cultura do pastel nas ilhas e a provenincia das sementes incerta. Alguns autores atribuem-na ao flamengo Willen Van der Haghe, conhecido por Guilherme Vandaraga e depois por Guilherme da Silveira que chegou s Ilhas por volta de 1480, acompanhado de dois especialistas no tratamento do pastel, Pro Pasteleiro e Govarte Luiz. A eles se atribui o desenvolvimento do Fazimento artesanal do pastel. O primeiro fixou-se no Faial e o segundo dedicou-se ao cultivo da planta em S. Miguel e um pouco por todas as ilhas. Alis, a produo e o comrcio do pastel era uma preocupao mercantil da Flandres, necessitada de adquirir colorantes para os seus afamados panos. Outros autores atribuem a Ruy Gonalves da Cmara, conhecedor da procura e bom preo do pastel nos mercados europeus, a introduo das sementes que mandou vir da regio de Toulouse (sul de Frana). O solo e o clima dos Aores foram propcios cultura que se tornou numa das maiores riquezas agrcolas do sculo XV e XVI. A aplicao de normas de produo, fiscalizao e tributao, estabelecidas em 1536 pelo Regimento de D. Joo III forneceu Coroa avultados rendimentos. Estima-se que em S. Miguel cerca de 40% da superfcie da ilha tenha sido ocupada com o cultivo do pastel, em detrimento da cultura do trigo e dos cereais em geral, comprometendo o abastecimento alimentar da ilha. A cultura, recolha, tratamento e exportao destas tintureiras atingiu valores elevados no sculo XVI, seguido de marcante decadncia a partir do ltimo quartel do sculo XVII. A decadncia registada ficou a dever-se essencialmente concorrncia feita pelo anil produzido nas colnias espanholas da Amrica Central de onde era trazido para a Europa. No entanto, a crise interna provocada pela dominao Filipina e a especulao de produtores e comerciantes so apontados como factores simultneos ou de antecipao crise geral provocada pelo anil de produo industrial, pondo assim termo a um importante e irreversvel ciclo econmico insular.

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O USO DOS LQUENES E COGUMELOS EM TINTURARIA Celeste Santos e Silva Departamento de Biologia, Universidade de vora Ap.94, 7002-554 vora [email protected]

H milnios que o Homem conhece diversas espcies de fungos e as utiliza para os mais diversos fins. As mais importantes aplicaes dos fungos so o seu uso: gastronmico, quer como alimento, quer para transformao/produo de alimentos; medicinal, atravs do consumo directo ou para obteno de produtos medicinais; mgico, como elementos de rituais mgicos, ou pelo seu consumo, ou para a construo de cones. Outras formas de uso dos fungos menos conhecidas, so as suas aplicaes em tinturaria, mantidas na Europa at ao sculo XIX. O uso dos fungos como corantes naturais foi praticamente abandonado devido ao desenvolvimento da indstria qumica, que permitiu a produo em larga escala de corantes sintticos mais acessveis e eficientes que os naturais. Actualmente, cresce o interesse por o uso de corantes de origem natural e procurase ressuscitar as antigas tcnicas de tingimento. Para alm de inmeras espcies vegetais, os fungos, em particular os lquenes e cogumelos, eram vulgarmente utilizados para produo de tinturas de txteis. O que vulgarmente designamos por lquenes e cogumelos so organismos pertencentes ao Reino Fungi e que integram dois grandes grupos taxonmicos: Ascomycota e Basidiomycota. Os lquenes so seres simbiontes, formados pela associao de um fungo (Ascomycota ou Basidiomycota) com uma alga (azul ou verde), e podem ser encontrados todo o ano sobre rochas, no solo e nos troncos das rvores. Os cogumelos so apenas o corpo frutfero de um Ascomycota ou Basidiomycota, encontrando-se o miclio (corpo do fungo) escondido sob o solo. Os cogumelos no esto disponveis durante todo o ano, surgem apenas quando existem condies climticas, em especial temperatura e pluviosidade, adequadas. Neste trabalho referimos algumas das espcies de lquenes e cogumelos mais usadas como corantes naturais e descrevemos as tcnicas empregues para obteno de tinturas, quer a partir de lquenes, quer de cogumelos, e a sua aplicao no tingimento de tecidos.