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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras Linguística e Língua Portuguesa Herbertz Ferreira DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS: estratégias argumentativas no discurso religioso BELO HORIZONTE 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Letras

Linguística e Língua Portuguesa

Herbertz Ferreira

DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS:

estratégias argumentativas no discurso religioso

BELO HORIZONTE

2013

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Herbertz Ferreira

DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS:

estratégias argumentativas no discurso religioso

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Doutor em Linguística e Língua Portuguesa.

Orientador: Prof. Dr. Hugo Mari

BELO HORIZONTE

2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Ferreira, Herbertz

F383d Divindades discursivas neopentecostais: estratégias argumentativas no

discurso religioso / Herbertz Ferreira. Belo Horizonte, 2013.

190f.: il.

Orientador: Hugo Mari

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Pentecostalismo. 2. Análise do discurso. 3. Persuasão (Retórica). 4.

Religião – Linguagem e línguas. I. Mari, Hugo. II. Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. III. Título

CDU: 261.8

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Herbertz Ferreira

DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS:

estratégias argumentativas no discurso religioso

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Doutor em Linguística e Língua Portuguesa.

Prof. Dr. Hugo Mari (Orientador) - PUC Minas

Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes (UFOP)

Profa. Dr

a. Lílian Aparecida Arão (CEFET-BH)

Prof. Dr. Carlos Roberto Pires Campos (IFES)

Profa. Dr

a. Patrícia Rodrigues Tanuri Baptista (FNH-BH)

Profa. Dr

a. Juliana Alves Assis (PUC Minas)

Prof. Dr. Flávio Augusto Senra Ribeiro (PUC Minas)

Belo Horizonte, 26 de abril de 2013

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Às pessoas motivadas em investigar os labirintos da linguagem no

terreno da fé e do sobrenatural, onde o significado mítico das palavras

se converte em fonte de esperança em uma vida melhor.

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A palavra é o princípio de qualquer obra, e antes de agir é preciso

refletir. A raiz dos pensamentos é a mente, e ela produz quatro

ramos: bem e mal, vida e morte. Mas os quatro são dominados pela

língua (Eclesiástico 37:16-18)

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Agradeço a todos aqueles que contribuíram para a viabilização dessa

pesquisa no formato de tese defensável, especialmente ao meu

orientador Hugo Mari, sempre com olhar arguto em cada linha e

entrelinha do texto-base em todos os capítulos, sobretudo, o da análise

dos atos de fala. Agradeço aos comentários dos professores presentes

na Sessão de Qualificação, Juliana Alves Assis e Flávio Augusto

Senra Ribeiro. Sem dúvida, o texto final tem um pouco de vocês. O

meu obrigado também aos professores que, apesar de um contato

menor durante o curso, plantaram boas sementes com reflexos nesse

trabalho. São eles: Paulo Henrique A. Mendes, Jane Quintiliano G.

Silva e Milton do Nascimento. O meu muito obrigado especial à

minha mãe, Francisca Barbosa Mendes, pelo apoio incondicional.

Finalmente, agradeço as vozes neopentecostais, sem as quais esse

trabalho não existiria.

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RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo investigar estratégias argumentativas na produção do discurso

religioso neopentecostal. Para isso, aponta para um conjunto específico de expressões

referenciais, itens lexicais e práticas discursivas recorrentes na maioria das pregações

neopentecostais. Seus dados mostram a existência de um conjunto lexical mais predisposto a

aparecer, de acordo com sete Fases Argumentativas identificadas nesse estudo que

caracterizam o arcabouço argumentativo neopentecostal. Observadas em conjunto, as práticas

neopentecostais colaboram para formar sua identidade linguística religiosa. Assim, um

conjunto de termos ou expressões religiosas de maior recorrência denuncia uma estrutura

composicional própria desse grupamento religioso. O principal corpus tomado para análise

contém aproximadamente duzentas horas de gravações da oralidade de líderes

neopentecostais em pregações. A partir dessa coleção de discursos religiosos, foi possível

identificar os principais objetos discursivos que dão sustentação ao neopentecostalismo e

compreender como os enunciados religiosos se relacionam intralinguisticamente para adquirir

força persuasiva. Além desse corpus oral, utilizo também imagens que mostram a propaganda

religiosa como mais um elemento na estratégia argumentativa neopentecostal com fins

proselitistas. Assim, a partir dos discursos orais de líderes neopentecostais em pregações, de

imagens de objetos religiosos distribuídos nas igrejas e da propaganda religiosa apresento: (i)

três referentes discursivos que fundamentam, dão identidade e sustentação aos demais

discursos neopentecostais e (ii) sete Fases Argumentativas da pregação neopentecostal que se

constituem nas estratégias discursivas de sua expressão religiosa com vistas à persuasão.

Palavras-chave: Neopentecostalismo. Referenciação. Argumentação. Persuasão. Discurso

religioso.

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ABSTRACT

This paper aims at instigating argumentative strategies in the production of

newpentecostalism religious discourse. For this, points to a specific set of referring

expressions, lexical items and discursive practices in most repetitive newpentecostalism

preaching. The data obtained demonstrated the existence of a set lexical likely to appear, in

according with seven phases identified in this study to characterize the framework

argumentative newpentecostalism. Observed together, the newpentecostals practices

collaborate to form their religious linguistic identity. Thus, a set of terms or expressions of

religious higher recurrence betrays a compositional structure that own of a religious grouping.

The main corpus for analysis contains more than two hundred hours of recordings of oral

newpentecotal leaders in preaching. From this collection of religious discourses were

identified regarding the main language that support the newpentecostalism and understand

how these statements relate religious intralinguistic to acquire persuasive power. In this

corpus oral use also images showing religious propaganda as one more elements in the

argumentative strategy newpentecostal proselytizing purposes. So, I show from the oral

discouses of newpentecostal leaders in preaching, religious images of objects distributed in

churches, religious propaganda offer: (i) four referring linguistic that, identity and give

support to others newpentecostal discourse, and (ii) seven stages of argumentative

newpentecostal preaching that constitute the discursive practices of their religious expression

with a view to persuasion.

Keywords: Newpentecostalism. Referencing. Argumentation. Persuasion. Religious

discourse.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Atos de fala e correlação com fragmentos neopentecostais.................................. 59

Quadro 02 Relação causa-efeito para as Fases Argumentativas nos DNP....................... 64

Quadro 03 Promessas – valor sacerdotal das pregações................................................. 70

Quadro 04 Associação discursiva - apoio recíproco entre pastor/fiel.............................. 72

Quadro 05 Inferência sacerdotal do neopentecostalismo................................................. 73

Quadro 06 Inferência exorcista do neopentecostalismo.................................................. 83

Quadro 07 Oração exorcista no DNP................................................................................. 90

Quadro 08 Inferência da prosperidade neopentecostal...................................................... 95

Quadro 09 Expressão da fé neopentecostal em busca da prosperidade............................ 104

Quadro 10 Demônio e a causa dos sofrimentos humanos................................................ 111

Quadro 11 Interdiscurso neopentecostal........................................................................... 118

Quadro 12 Depoimentos pós ―milagre‖............................................................................ 120

Quadro 13 Teotemas e interdiscurso neopentecostal........................................................ 124

Quadro 14 Fundamentalismo religioso............................................................................. 127

Quadro 15 Fases Argumentativas dos DNP (Quadro-resumo) ......................................... 133

Quadro 16 Locuções demonstrativas de Autoridade......................................................... 135

Quadro 17 Locuções demonstrativas de Sensibilização................................................... 141

Quadro 18 Locuções demonstrativas de Revelação.......................................................... 145

Quadro 19 Locuções demonstrativas de Promessa........................................................... 150

Quadro 20 Locuções demonstrativas de Desafio............................................................... 156

Quadro 21 Locuções demonstrativas de Intimidação....................................................... 159

Quadro 22 Dialogando com um ―Demônio‖....................................................................... 160

Quadro 23 Locuções demonstrativas de Comprovação................................................... 165

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Cimento da casa própria................................................................................... 23

Figura 02 Relação inter e intradiscursiva neopentecostal................................................ 40

Figura 03 Produtores do discurso neopentecostal............................................................ 55

Figura 04 Cruzada de Milagres........................................................................................ 69

Figura 05 Explosão de Milagres...................................................................................... 69

Figura 06 O profeta Luis Claudio..................................................................................... 81

Figura 07 A Profetisa........................................................................................................ 81

Figura 08 Desencapetamento total com a prece violenta.................................................. 92

Figura 09 Desencapetamento total com banho do alívio.................................................. 92

Figura 10 Reunião exorcista............................................................................................. 92

Figura 11 Sessão do descarrego........................................................................................ 93

Figura 12 Óleo com o elemento do milagre..................................................................... 97

Figura 13 Mãos humanas................................................................................................. 98

Figura 14 Mãos sobrenaturais, como o diabo vê.............................................................. 98

Figura 15 Sabonete contra o atraso de vida...................................................................... 100

Figura 16 Sabonete para libertação e saúde..................................................................... 100

Figura 17 Fórmula da fé................................................................................................... 102

Figura 18 Milagres e avivamento..................................................................................... 103

Figura 19 Reunião da Conquista....................................................................................... 103

Figura 20 Vinho do Casamento........................................................................................ 103

Figura 21 Pórtico da IURD – Sede Mundial................................................................... 138

Figura 22 Venha Receber.................................................................................................. 139

Figura 23 Venha Participar!.............................................................................................. 140

Figura 24 Venha se Libertar.............................................................................................. 140

Figura 25 Jesus te ama...................................................................................................... 140

Figura 26 As quatro revelações......................................................................................... 144

Figura 27 Concentração de fé e milagres.......................................................................... 147

Figura 28 Jesus voltará...................................................................................................... 147

Figura 29 Resgatar o passado e garantir o futuro........................................................... 148

Figura 30 Nenhum mal chegará à tua casa....................................................................... 148

Figura 31 Clamor por justiça!.......................................................................................... 148

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Figura 32 Disk Oração..................................................................................................... 148

Figura 33 Promessa de proteção divina............................................................................ 149

Figura 34 Escalada do sucesso.......................................................................................... 149

Figura 35 Uma carta para Deus........................................................................................ 155

Figura 36 Desafiar e Vencer!............................................................................................ 155

Figura 37 Cuidado com o lago de fogo e enxofre............................................................. 157

Figura 38 Palavras de maldição........................................................................................ 157

Figura 39 Venha receber a prece violenta........................................................................ 158

Figura 40 Dízimos ou contribuições?............................................................................ 162

Figura 41 Depoimento de um ―ressuscitado‖.................................................................... 164

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LISTA DE SIGLAS

DNP Discurso Neopentecostal

TAF Teoria dos Atos de Fala

MOC Montes Claros - MG

RJ Rio de Janeiro - RJ

IIGD Igreja Internacional da Graça de Deus

IURD Igreja Universal do Reino de Deus

IMPD Igreja Mundial do Poder de Deus

CESNT Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra

IRC Igreja Renascer em Cristo

MIR Ministério Internacional da Restauração

INM Igreja Nova Maranata

IVN Igreja Vida Nova

COPV Casa de Oração Paz e Vida

IDRP Igreja de Deus Reavivamento Pentecostal

IEGP Igreja Evangélica Geração Profética

TCM Templo de Curas e Milagres

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SUMÁRIO

Introdução: adentrando no labirinto da enunciação neopentecostal........................... 21

Discursos orais na pregação neopentecostal: coleta e tratamento de dados............... 25

Objeto e problemática da análise discursiva neopentecostal..................................... 30

1. Referentes do discurso neopentecostal: fundamentação teórica......................................

37

1.1 Objetos de referenciação e o esforço de etiquetar a realidade....................................... 43

2. Produtores do discurso neopentecostal: uma parceria persuasiva a serviço da fé......... 51

2.1 Aspectos fundamentais na TAF aplicados à análise dos DNP: breve esclarecimento

conceitual............................................................................................................................. 57

3. Referentes neopentecostais: elementos de uma identidade discursiva religiosa............. 66

3.1 Autoridade Sacerdotal: representantes de Deus e a promessa de milagres................... 68

3.2 Libertação dos ―Demônios‖ em nome de Jesus............................................................. 82

3.3 Prosperidade e desejos satisfeitos, se Deus quiser... e ele quer! ................................... 94

4. Princípios na teoria da argumentação aplicados à análise dos DNP............................ 105

4.1 Pluralidade conceitual sobre argumentação: alguns recortes teóricos.......................... 106

4.2 Teotemas e a sacralização espaço-temporal da enunciação neopentecostal.................. 108

4.3 Deixis e teotemas dos DNP: relações de similaridade e expansão teórica.................... 114

4.4 Dogma e neopentecostalismo fundamentalista: limites da argumentação religiosa

intradiscursiva............................................................................................................... 126

5. Análise das estratégias argumentativas na pregação religiosa: desconstrução de um

script discursivo neopentecostal................................................................................... 130

5.1 FASE DA AUTORIDADE: eu posso te ajudar!........................................................... 134

5.2 FASE DA SENSIBILIZAÇÃO: eu entendo seu sofrimento........................................ 139

5.3 FASE DA REVELAÇÃO: eu sei por que você sofre! ................................................. 144

5.4 FASE DA PROMESSA: a certeza da vitória................................................................ 146

5.5 FASE DO DESAFIO: a revolta contra a miséria!......................................................... 154

5.6 FASE DA INTIMIDAÇÃO: se eu soltar esse Demônio............................................... 157

5.7 FASE DA COMPROVAÇÃO: finalmente, a ―prova do milagre‖................................ 164

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Diagrama discursivo-relacional dos DNP...........................................................................

167

Considerações Finais........................................................................................................... 170

Referências..........................................................................................................................

..

179

Glossário.............................................................................................................................. 184

Anexo I – Normas adaptadas do projeto NURC................................................................. 187

Anexo II – Anotações in loco.............................................................................................. 188

Anexo III – Sites utilizados................................................................................................. 190

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Introdução: adentrando no labirinto da enunciação neopentecostal

Os principais postulados abordados nesse estudo nasceram a partir de longos

processos de observação e análise da oralidade religiosa neopentecostal, principalmente pela

escuta de discursos proferidos por seus líderes. O foco dessa análise centra-se no esforço em

identificar falas recorrentes com forte caráter persuasivo que oradores neopentecostais se

articulam em suas práticas religiosas, marcadas principalmente pela pregação – gênero

discursivo por excelência persuasivo.

Para distinguirmos melhor o âmbito de análise dessa investigação é preciso

considerar alguns atores linguísticos utilizados nesse estudo. Assim, nos deteremos ao longo

dos capítulos nas relações estabelecidas dos discursos orais produzidos inicialmente por

líderes neopentecostais com depoimentos de fiéis que aderem aos seus postulados doutrinais.

Durante os últimos 5 (cinco) anos intensifiquei meus interesses na escuta e análise

dos discursos religiosos, que mais tarde vieram a se configurar como objeto de pesquisa,

principalmente discursos originários de líderes religiosos neopentecostais e, por vezes,

depoimentos de seus fiéis através dos quais pude coletar uma diversidade de formas

discursivas ilustrativas da força persuasiva que a enunciação religiosa produz.

Assim, pude perceber, distintamente, que os discursos neopentecostais (DNP)

seguem um padrão de regularidades enunciativas, conforme exposto ao longo desse trabalho.

Essa maneira de discursivisar textos religiosos parece convergir em um consenso entre seus

enunciadores, sobretudo, ao proferir as mais diversas agruras humanas nas quais o poder de

Deus, segundo a prédica neopentecostal, opera sua transformação.

No desenvolvimento desse estudo, escrevo com letra maiúscula a palavra Deus

justamente para ressaltar o caráter sagrado, sobrenatural e soberano atribuído pelas religiões1.

A mesma regra é usada na escrita de Demônio, para designar a entidade que está no topo da

hierarquia demoníaca de uma religião. Considero como sinônimos, sem distinguir hierarquias

do mal, os seguintes termos recorrentes nas pregações neopentecostais, sobretudo durante

rituais de exorcismo: Diabo, Demônio, Demo, Exu, Lúcifer, O devorador, Satanás, Satã, O

encardido, Capeta, O coisa-ruim, O peste-braba, O valente, dentre outros.

Segundo o dicionário filosófico de Abbagnano (1997, p.289), ―são duas qualificações

fundamentais que os filósofos atribuem a Deus: a de Causa e a de Bem‖. Outro conceito

abordado pelo mesmo autor é o de Demônio, que sofreu alteração ao longo dos tempos: de um

1De igual forma recomenda o Manual da Redação: Folha de São Paulo (2006, p. 62), para o qual devemos

―escrever Deus em letra maiúscula para designar o ser transcendente, único e perfeito das religiões monoteístas‖.

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ser de caráter sagrado ou transcendente para o de divindade inferior, anjo mau –

ressignificado no Cristianismo.

Nessa pesquisa, procurei identificar um modelo argumentativo de uso comum entre

os líderes e fiéis religiosos neopentecostais, cuja intenção oral de suas catequeses centra-se

principalmente em uma mudança de padrões mentais para realização individual e, por

extensão, de seus grupamentos congregacionais. A prédica salvacionista demonstrada na fala

comum dos enunciadores do cristianismo neopentecostalista pode ser entendida como o

motivador linguístico primário que sustenta sua argumentação. A coerência da pregação

religiosa compõe, em seu conjunto, o que podemos entender por sua identidade linguística

com características próprias.

Assim, no desenvolvimento desse estudo exponho um conjunto de itens lexicais e

expressões referenciais articuladas entre si que têm a pretensão de mostrar uma configuração

identitária do discurso neopentecostal. Sem dúvida, esse é um objetivo um tanto ambicioso,

pois a enunciação neopentecostal é quase sempre revestida por elementos semânticos que

ultrapassam a significação objetiva das palavras, mas aproxima-se do domínio subjetivo,

sagrado, religioso, mítico no qual abordo tão-somente os aspectos de seu funcionamento

argumentativo, nos limites que a linguística pode oferecer. Para ilustrar essa ressignificação

interdiscursiva, percebemos, na figura 1, como uma determinada expressão lexical adquire,

nos DNP2, uma ―vestimenta sagrada‖ que sacraliza o próprio discurso religioso àqueles que

creem.

2 Discurso Neopentecostal: abreviado nesse trabalho apenas por DNP representa um tipo específico de formação

discursiva no âmbito religioso cristão, fundado na tríade referencial: sacerdotal, próspera e exorcista. Congrega

centenas de igrejas independentes, mas podemos apontar algumas cujos discursos encontram-se transcritos nessa

tese: Igreja Mundial do Poder de Deus (Valdemiro Santiago), Igreja Universal do Reino de Deus (Edir Macedo),

Igreja Internacional da Graça de Deus (R. R. Soares), Sara Nossa Terra (Robson Rodovalho), Ministério

Internacional da Restauração (Renê Terra Nova), Igreja Nova Maranata (Manuel de Passos), Igreja Renascer em

Cristo (Estevam Hernandes), Igreja Vida Nova, Igreja Evangélica Reavivamento Pentecostal, Igreja Evangélica

Geração Profética, Casa de Oração Paz e Vida, Templo de Curas e Milagres.

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Figura 1: Cimento da casa própria

Fonte: Elaborado pelo autor

Esse diagrama ilustra a transição semântica dos termos: de ―cimento abençoado‖,

utilizado em uma pregação neopentecostal, para o de ―casa própria‖, na vida dos fiéis. Assim,

no DNP a imagem de um saquinho contendo uma pequena quantidade de cimento ultrapassa

seu conceito objetivo, pois incorpora elementos transcendentes, mágicos, capazes de

materializar a casa própria para aqueles que crerem. Obviamente, com um saquinho de

cimento não se constrói uma casa, mas com o significado mítico que ele carrega ―tudo é

possível‖. A relação estabelecida, portanto, é de causa-efeito, isto é, a ―casa própria‖ é

consequência do uso do ―cimento abençoado‖.

Assim, são distribuídos, em uma igreja, saquinhos de cimento abençoados para que

os crentes consigam adquirir seu imóvel próprio. Ou seja, o cimento foi ressignificado:

cimento abençoado é a passagem para a casa própria. Importante perceber que o mecanismo

argumentativo se apropria do semantismo objetivo da palavra cimento (mistura de pó

fundamental à construção civil) para se estender ao de casa própria. Conforme divulgado, um

pastor distribui esse tipo de cimento aos seus féis: ―Você vai levar o cimento da benção, o

cimento da casa própia. Está aqui o cimento gente! Esse cimento eu vou entregar! É Ú::NICO

pregador do Brasil que faz esse ribuliçu‖ (PASTOR... 2012). Mas, quanto a esse domínio

religioso propriamente dito, envolto por crenças, certezas, mitos e verdades, deixemos a cargo

dos profissionais da fé. Por ora, satisfaço-me em supor uma identidade religiosa a partir de

marcas linguísticas que coletei em pregações e propagandas neopentecostais.

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Em torno desse material investigativo destaco alguns objetivos: (i) compreender a

construção discursiva neopentecostal como um sistema dinâmico e simbólico na produção e

ressignificação de sentidos; (ii) identificar os principais referentes que fundamentam os

discursos neopentecostais compondo sua identidade discursiva religiosa; (iii) verificar como

os itens lexicais mais recorrentes nos discursos neopentecostais se articulam em uma rede de

conexões para produção de sentido; (iv) perceber o funcionamento argumentativo do discurso

religioso neopentecostal.

Atrelado a esse interesse linguístico sobre o universo religioso, especificamente de

matriz neopentecostal, duas teorias se destacaram nessa pesquisa para a compreensão do

objeto em análise: as teorias da Referenciação (MONDADA; DUBOIS, 2003, 2005; KOCH,

2009; MORATO, 2005; MARCUSCHI, 2005; MARI, 2003) e Argumentação (KOCH, 2000;

PLANTIN, 2003; DUCROT, 1990; MARI e MENDES, 2008; AMOSSY, 2005) se mostram

como principais aportes teóricos.

Para uma melhor compreensão dos principais referentes que, no meu entendimento,

dão aos DNP sua identidade linguística, recorro aos estudos de Weber (1994) e Pereira (2001)

a fim de compreender o (i) Sacerdotalismo enquanto referente discursivo precípuo da

argumentação neopentecostal a fim de ressaltar a influência predominante do sacerdote

(pastor) na produção discursiva religiosa. Com igual objetivo, também me fundamento nos

conceitos de (ii) Exorcismo segundo Pinezi e Romanelli (2003) e de (iii) Prosperidade

segundo Campos (2002), Ferreira (2008), Mendonça (2004). Essas três distinções conceituais

são fundamentais para que se perceba com profundidade a delimitação do tipo discursivo

abordado nesse trabalho.

Dessa forma, compreendida em seu conjunto, essa pesquisa busca apresentar os

textos mais recorrentes nos DNP como objetos referenciais discursivos. Tais referentes do

discurso religioso costumam se repetir na oratória de pastores neopentecostais e realizam uma

dupla função: ―explicam‖ as causas dos sofrimentos humanos ao mesmo tempo em que

―divinizam‖ seus próprios atos discursivos para promoção de curas e milagres aos fiéis.

Toda essa dinâmica intralinguística parece incitar os fiéis a aderir a alguns

pressupostos doutrinários em situações específicas na pregação neopentecostal, o que imprime

sua identidade religiosa em determinadas cenas enunciativas, cada qual, vinculada ao seu

referente correspondente. Assim, para o ―exorcismo‖, abre-se um cenário discursivo próprio

dos Cultos de Libertação, também conhecidos como sessões do descarrego, culto de

desencapetamento, exorcismo total, noite da libertação, dentre outros nomes; para a

―prosperidade‖, vislumbram-se princípios de uma Teologia da Prosperidade com a promessa

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de riqueza material no aqui-agora, pois os defensores do neopentecostalismo dizem: ―Nosso

Deus é um Deus de riquezas, de abundância, de fartura! Somente quem não tem Deus por

perto pode ser miserável e pobre porque certamente está com o Demônio‖; e, finalmente, para

o ―sacerdotalismo‖, empregam-se elementos persuasivos próprios da autoridade sacerdotal

dos pastores, que os habilitam com poder suficiente para movimentar todas as demais etapas

da persuasão religiosa, conforme discorro ao longo desse trabalho.

Discursos orais na pregação neopentecostal: coleta e tratamento de dados

Metodologicamente, essa pesquisa está assentada em uma base de dados advinda de

pregações e propagandas de líderes religiosos neopentecostais. O registro desse corpus oral

foi realizado a partir de programas televisivos ou transmitido em rádio local e também por

anotações feitas in loco em igrejas neopentecostais, onde pude checar a maior parte de minhas

conclusões aqui relatadas. Assim, foram coletados entre os anos de 2006 a 2012

aproximadamente 200 (duzentas) horas de gravações de pregações de líderes neopentecostais

para que as respostas à investigação pudessem ser corroboradas por uma quantidade de dados

marcados pela recorrência linguística. Somente quando consegui uma quantidade de dados

suficientemente recorrente é que encerrei o registro das gravações, pois as informações se

tornaram repetitivas. Exatamente por perceber essa repetição exaustiva de determinados

termos e expressões nos DNP, presente em todo o corpus é que me habilitou a considerá-los

recorrentes. Afinal, ao longo de todos os fragmentos de cultos gravados se percebe a

existência dos conceitos aqui expostos, sobretudo aqueles representativos da tríade

neopentecostal (sacerdotal, exorcista e próspera). Assim, flagrei essa recorrência aqui

mencionada exatamente pela existência, quase que absoluta no corpus, de (i) execrações

contra entidades demoníacas – referente exorcista; (ii) promessas de uma vida na abundância

– referente prosperidade; e (iii) uma autoridade explícita de seus líderes na produção

discursiva religiosa – referente sacerdotal.

Quanto aos diversos temas, não propriamente ―religiosos‖, mas tratados sob a luz da

doutrina religiosa, há necessidade da ausculta de um volume maior de dados para aferirmos

sua recorrência. É preciso também percebê-los ao longo do tempo, pois, conforme veremos,

eles se apresentam como ilustrativos das pregações como ferramentas auxiliares, fazendo

parte em uma espécie de jogos persuasivos – diferentemente da tríade neopentecostal, objetos

referenciais que produzem uma marca identitária desse segmento religioso. P. ex: ―doenças,

desemprego, acidentes‖ aparecem aleatoriamente nas pregações, mas a causa (demoníaca)

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para esses e outros males sempre aparece nos DNP – ref. exorcista. Ou, de outra forma, os

DNP também podem focar ―a riqueza material, o amor conjugal, compra de carros novos,

casa própria, a restauração da saúde‖ como retribuições de Deus a uma vida conforme a

pregação sacerdotal sugere ou impõe aos devotos – ref. prosperidade. Assim percebida, a

elaboração discursiva de ambos os referentes (prosperidade e exorcismo) se sustenta pela

autoridade sacerdotal que lhes imprime poder de persuasão às demais Fases no

convencimento dos fiéis.

Evidentemente que a percepção de todo esse emaranhado de produção discursiva não

se dá apenas a partir dos excertos aqui transcritos. Mas, também não caberia transcrever todas

as gravações obtidas, pois um número razoavelmente elevado inviabilizaria os limites desse

trabalho. Por isso, foram realizadas transcrições de fragmentos dos principais momentos da

prédica neopentecostal de forma a preservar a compreensão do todo, segundo normas

adaptadas do projeto NURC (Anexo I).

Importante também ressaltar que as gravações obtidas foram de cultos ou

propagandas transmitidas via rádio ou TV a partir das igrejas, mas nessa situação específica

pude perceber, em confronto com os cultos que assisti in loco (não transmitidos

exteriormente), que grande parte do enredo persuasivo era amenizado, diminuído, enfim,

enfraquecido. Podemos citar como exemplo desse enfraquecimento persuasivo alguns

anátemas lançados contra os féis por causa do não pagamento dos dízimos: quando proferidos

no interior das igrejas imprime-se uma ênfase muito maior do que quando expressos em

transmissões via rádio ou TV, onde essa mesma cobrança é atenuada.

A meu ver, nas transmissões via rádio ou televisão, a preocupação primeira é o

proselitismo religioso a fim de conquistar novos adeptos para ir às igrejas, local onde todas as

etapas persuasivas são experimentadas até a conquista (ou conversão) do fiel. Nesse sentido,

não apresento a transcrição de um culto completo exatamente porque não seria representativo,

não representaria todos os aspectos tratados nessa tese (Tríade referencial, Teotemas e Fases),

afinal, só consegui chegar a tais categorias após um exaustivo exame dos dados e, sobretudo,

em visitação às igrejas durante um período maior de tempo.

Todavia, os áudios disponíveis são de programas livres de domínio público, sem

necessidade de autorização para transcrevê-los aqui. Afinal, a gravação dentro das igrejas é

terminantemente proibida. Essa é uma regra geral adotada nas igrejas neopentecostais em que

estive presente (conf. lista de siglas). Ainda assim, registrei anotações in loco, a fim de

recompor os momentos persuasivos dos DNP não visíveis por meio das transmissões no rádio

ou TV. Nesse percurso investigativo pude ouvir pessoalmente dezenas de pastores em

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preleção, mas nessa pesquisa, registro apenas 17 dos 109 excertos de pregação apresentados

aqui (excluindo as propagandas de faixas e cartazes) coletados em 12 igrejas neopentecostais.

Ou seja, apresento apenas um fragmento da coleta de dados disponível, mas uma parcela

representativa dos DNP.

Assim, a partir da repetição nas falas dos líderes neopentecostais, pude perceber uma

espécie de arcabouço linguístico sobre o qual o neopentecostalismo se fundamenta e

desenvolve seus postulados doutrinais. Importante ressaltar que, ao longo desse trabalho, não

me detive em qualquer análise teológica, muito menos da veracidade, de erros ou acertos

sobre conteúdos religiosos doutrinais, mas tão-somente sobre a estrutura discursiva

neopentecostal com vistas a identificar suas estratégias argumentativas por meio da oralidade

dos produtores dos DNP em pregações e suas propagandas.

Assim, para realização dessa pesquisa utilizo principalmente de um corpus

discursivo oral coletado por mim e gravado a partir de programas transmitidos em sua grande

maioria por rádios instaladas dentro das próprias igrejas neopentecostais de Montes Claros –

MG. Ocorreu que, coincidentemente, no período em que coletei a maior parte do corpus oral

analisado nesse estudo, muitas igrejas evangélicas utilizaram enormemente do mecanismo

rádio difusor, sobretudo, com finalidades proselitistas. Às vezes, conseguia captar até 5

(cinco) cultos transmitidos simultaneamente em diferentes igrejas neopentecostais, pois era

uma prática comum naqueles anos encontrar transmissões de pregações ao vivo por meio de

estações de rádio instaladas no interior das próprias igrejas. Isso facilitou sobremaneira a

coleta de dados, pois até então era necessária minha presença in loco para registro das

informações por escrito.

Após as gravações, parte dos discursos religiosos foram transcritos para posterior

análise e ilustrações desse trabalho. Assim, para as transcrições aqui utilizadas, aproveitei os

discursos gravados via transmissões de rádio e TV, juntamente com suas propagandas, uma

vez que possuem maior qualidade audível além de não necessitar autorização para utilização

nesse estudo, pois são de domínio público. A coleção completa de pregações neopentecostais

que compõe o corpus dessa pesquisa será disponibilizada para o livre acesso on-line aos

demais pesquisadores interessados em discursos religiosos após a publicação deste trabalho

no seguinte endereço: http://discursosneopentecostais.4shared.com/, local em que já ofereço

uma amostra dos discursos gravados por mim.

Como parte do corpus, existe também uma pequena porção de excertos que foram

registrados por mim durante os próprios cultos neopentecostais, no interior das igrejas. Como

as gravações de áudio e vídeo são proibidas no interior dos templos, utilizei um bloco de

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anotações. O registro da oratória religiosa in loco foi muito importante, uma vez que alguns

termos, expressões e estratégias só são expressas em cultos reservados para uma assembleia

específica de fiéis, o que facilitou a percepção de uma espécie de cenário argumentativo3 da

pregação neopentecostal. Foi a partir da visualização desse cenário que consegui identificar as

Fases Argumentativas utilizadas pelo neopentecostalismo e, por consequência, a resposta à

problemática dessa pesquisa.

A maior parte das gravações em áudio foi realizada no período em que acompanhei o

apogeu e o declínio do número de rádios piratas no Brasil. Segundo a Agência Nacional de

Telecomunicações, em 2008 foram fechadas um número recorde de 1.252 rádios piratas no

país (ANATEL, 2009). A maior parte dos dados utilizados nesse estudo se deve às gravações

realizadas por meio de rádios locais no período de 2006 a 2008. Posteriormente as gravações

se seguiram principalmente por meio de canais abertos de TV. Assim, consegui gravar

pregações neopentecostais em diversas rádios transmitidas localmente (Montes Claros-MG),

mas em meados do segundo semestre de 2008 as transmissões se tornaram escassas. Suponho

que tais emissoras funcionavam irregularmente e tiveram que parar suas transmissões pela

intensificação da fiscalização da ANATEL, fato este comentado durante algumas pregações

religiosas como um ataque do Demônio contra a disseminação do evangelho.

Aos crentes religiosos, cabe tecer narrativas sobre o grande movimento de

transformação em suas vidas, isto é, aquele que consegue divulgar em testemunhos: a vitória

do bem sobre o mal, de Deus sobre o Demônio, da pureza divina sobre a corrupção humana,

do céu sobre o inferno, enfim, da vida sobre a morte. Toda essa saga religiosa é traduzida em

enredos de vida dos próprios fiéis, que nesse estudo se tornaram em fontes primárias da

investigação. Seus dados empíricos se consubstanciaram efetivamente em gravações de

pregações de cultos, orações e depoimentos dos fiéis, enfim um corpus emanado diretamente

daqueles que produzem o neopentecostalismo, do verbo de lideres e fiéis religiosos.

Conforme dados do último censo (IBGE, 2010), o grupamento evangélico

neopentecostal foi o que apresentou maior crescimento no Brasil nas últimas três décadas

conquistando milhões de adeptos com promessas de resolver praticamente todos os problemas

humanos, sobretudo para orientar seus adeptos como suprir carências financeiras4. De todo

esse contingente de crentes convertidos, a que se supor a existência de algo extremamente

persuasivo e coerente em seu discurso que justifique um número cada vez maior de religiosos

3 Ver Glossário ao final desse trabalho

4Segundo IBGE (2010) ―Mais de 60% dos evangélicos pentecostais recebem até 1 salário mínimo‖

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nas igrejas. Esse fato também serviu como motivador para adentrarmos nessa pesquisa, que

trata estritamente do desvendar dessa formação discursiva religiosa (DNP).

Desde as minhas primeiras observações sobre os DNP, tenho observado que eles

tendem a se repetir em um mesmo padrão silogístico bastante simplificado, que pode ser

resumido na seguinte equação: (i) o ser humano tem um vazio, (ii) esse vazio é a ausência de

Deus. Logo, (iii) a falta de Deus dá lugar ao Demônio com todos os males que lhe são

próprios (FERREIRA, 2008). A conclusão resultante das duas primeiras proposições implica

diretamente em diversas consequências aos fiéis conforme a natureza das crenças, sentidos e

realidades que assimilam ou aceitam como verdadeiro. Assim, a crença religiosa produz

determinada realidade que se constrói pela linguagem com a qual se produzem novas crenças

e certezas, ressignificando a própria realidade.

Para responder aos questionamentos dessa pesquisa, foi dedicada uma atenção

especial na escuta de aproximadamente 200 (duzentas) horas de gravações dos discursos

neopentecostais. Ao longo dessa escuta, foi possível perceber que a formação discursiva

(PÊCHEUX, 1995; FOUCAULT, 1997) dos DNP, se apresenta por meio de expressões

referenciais recorrentes. Segundo a hipótese que defendo, essas marcas textuais têm a força de

apontar para um sentido maior, coerente, a fim de configurar certa identidade linguística na

sustentação argumentativa neopentecostal. Assim, para compreender determinado discurso, o

interlocutor ancora termos mais representativos, principalmente aqueles em que a persuasão

se debruça na defesa de algum argumento, a exemplo de ―cura e libertação‖, ―prosperidade‖,

―exorcismos‖. O discurso religioso é farto de exemplos dessa natureza e seu conjunto aponta

para um tipo específico de discursivisar o sagrado5, uma maneira particular de dizer, que,

nesse estudo, está delimitado pelo padrão de regularidades enunciativas com o rótulo

neopentecostal.

5 Nesse trabalho adoto a seguinte distinção para os termos: Sagrado: meio para se alcançar o divino,

representado por diversos objetos, vestimentas, ações, rituais, canções, pregações, homilias, dentre outras

maneiras que favorecem alguma ―conexão‖ com forças superiores; Divino: representa a própria deidade, ou seja,

algo muito superior, sublime, puro, transcendental, imortal, enfim, a quintessência das causas primordiais – à

exceção do título dessa tese ―divindades discursivas...‖ – expressão metafórica para objetos lexicais profanos,

mas ressignificados através dos DNP. Representa, a rigor, ―sacralidades discursivas‖. Profano: pertencente ao

domínio das coisas comuns, mundanas, parte intrínseca da natureza humana e dos instintos mais primitivos.

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Objeto e problemática da análise discursiva neopentecostal

Compreendidos como partes de uma mesma formação discursiva local, os referentes

neopentecostais delimitam o objeto de pesquisa abordado ao longo desse trabalho. Tanto os

referentes fundamentais quanto os secundários criam matizes variados na semântica da

enunciação religiosa. Dessa forma, os DNP se multiplicam em diferentes temas da vida

cotidiana prometendo a solução para quaisquer males por que passa o ser humano. Essa

pesquisa, além de dissertar sobre os mecanismos argumentativos de pregações religiosas,

narra fragmentos de histórias de vida de pessoas que encontraram nas ―palavras de Deus‖,

mediada por líderes religiosos do neopentecostalismo, ―a última porta‖ para resolver seus

problemas mais difíceis.

Para atingir seu intento mágico de tirar o fiel sofredor de um estado de derrota para

proclamar vitórias em público, o neopentecostalismo coloca em prática uma espécie de script

argumentativo por meio do qual tenta convencer pelo exemplo. Para isso, se utiliza de

palavras-chave, expressões e objetos ungidos ressignificados pela oratória de seus líderes.

Assim, o que antes era apenas um objeto mundano (profano), durante os cultos, representa a

vitória em qualquer área particular na vida dos fiéis. O que antes era ―apenas‖ palavras em um

livro, na voz dos líderes religiosos, adquire vida capaz de motivar milhares de fiéis à

transformação (sagrado). Essa pesquisa se atém justamente em perceber as nuanças desse

movimento de transição – situado entre os estados de letargia e derrota dos fiéis até a

transformação dinâmica de suas vidas, evidenciada em seus próprios depoimentos à

congregação religiosa. Esse movimento transformacional na vida dos fiéis é demonstrado em

público à congregação religiosa. Por meio dos depoimentos, chamados na igreja de

Testemunhos, os fiéis narram derrotas e vitórias em suas vidas. Ao longo dos capítulos, irei

desdobrar explicações sobre as estratégias argumentativas no uso de boa parte das expressões

e objetos elevados à sacralidade pela oratória religiosa, comumente utilizada em igrejas

neopentecostais.

Como veremos, uma das marcações linguísticas fundamentais que caracteriza os

DNP situam-se na expressão de um tipo peculiar de referente discursivo fundante, pois dá aos

líderes religiosos do neopentecostalismo um caráter de profissionais da fé6 com títulos de

pastores, apóstolos, missionários, bispos ou profetas de Deus. Por isso, o sacerdotalismo é

6Utilizei essa expressão pela primeira vez em minha dissertação Vozes neopentecostais: um clamor

desenvolvimentista em nome de Deus. Ver explicação mais detalhada no glossário dessa tese.

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entendido nesse estudo como um objeto de referenciação discursivo fundante: aquele que abre

caminho aos demais referentes para que a prédica neopentecostal se desenvolva – baseada

fundamentalmente na autoridade de seus representantes, afinal, é o humano produzindo um

espaço sagrado ou sacralizando o tempo-espaço da enunciação religiosa. Esse objeto de

referenciação investe de poder, por assim dizer, os líderes religiosos capacitando-os de

autoridade para proferir a palavra de Deus, expulsar os Demônios ou determinar qualquer

bênção na vida das pessoas. À primeira vista, parece um quanto exagerado atribuir aos líderes

neopentecostais o exercício de práticas de salvação na solução de quaisquer problemas

humanos, mas esse exagero propositivo representa justamente uma das marcas do

neopentecostalismo, conforme exemplificado nos dados aqui apresentados.

Ao objeto sacerdotal somam-se outros dois objetos de referenciação, isto é,

prosperidade e exorcismo. Juntos, tais objetos compõem a tríade referencial do

neopentecostalismo imprimindo-lhe sua identidade discursiva. Ao mesmo tempo em que

assinalam as características neopentecostais, esses objetos delimitam o núcleo da análise

discursiva religiosa. Não irei delongar mais em explicações nessa primeira parte, pois mais à

frente explanarei sobre cada elemento que compõe a tríade referencial do neopentecostalismo,

principalmente nas seções do terceiro capítulo.

Por enquanto o importante é perceber que essa pesquisa aborda o neopentecostalismo

pelo viés discursivo. Por isso, sua delimitação se faz ao longo de todo esse estudo

fundamentado em dados empíricos da linguagem religiosa e não em fatos históricos ou

proposições teológicas. Dessa forma, não pretendo apresentar um capítulo à parte sobre as

origens históricas do neopentecostalismo estadunidense e brasileiro, muito menos os

fundamentos doutrinais sobre o porquê de determinadas práticas religiosas. Para esse objetivo

existem bons trabalhos no campo da ciência da religião ou antropologia. A título de sugestão

nesse campo específico de estudos com abordagem neopentecostal recomendo os trabalhos de

Mariano (2008), Almeida (2003, 2006); Silveira (2007); Romeiro (2010); Proença (2007),

Freston (2000), Texeira e Menezes (2009) e outros. O esforço aqui desprendido resultou em

uma análise de significados que fundam as diversas oralidades nos DNP com vistas a expor

seu intrincado processo persuasivo.

Espero que essa pesquisa contribua principalmente para outros interessados na escuta

de discursos orais e na compreensão dos meandros em que a argumentação religiosa se

realiza, não apenas por seus elementos coesivos e coerentes, mas, no entendimento linguístico

que se situa no limite das crenças que fundamentam seus postulados doutrinais. Aliás, a

crença em algo transcendental é um dos grandes limites, senão o maior, que o pesquisador

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analista dos discursos religiosos deve respeitar, pois podemos analisar o âmbito discursivo,

não a legitimidade da crença das pessoas. Quanto a esse domínio – o movediço terreno da fé e

da palavra – não temos o menor controle nem intenção objetiva nesse estudo que se limita

apenas em compreender o funcionamento argumentativo dos discursos religiosos fundados

em práticas neopentecostais.

Por mais estranho que pareça uma determinada transcrição de algum fragmento da

oralidade neopentecostal, ela sempre representa o resultado discursivo, uma maneira própria

de dizer, de verbalizar o mundo. Muito mais do que a racionalidade ou ―lógica‖ dos

enunciados me atenho ao discurso propriamente dito. Dessa forma, poderemos perceber

inúmeros efeitos perlocutórios7 (medo, esperança, promessa, autoridade, vergonha, certeza,

gratidão, etc) a partir dos enunciados religiosos. A perlocução corresponde a um efeito de

mudança na compreensão do significado convencional de uma expressão qualquer por um

sentido particular, incitado pelas circunstâncias interativas dos sujeitos envolvidos na

comunicação. As pregações religiosas são ricas em exemplos dessa natureza, pois ao dizer

algo, os pregadores da fé podem provocar diferentes compreensões nos crentes. Assim, essa

característica perlocutória sobre os textos nos obriga a extrapolar a simples análise dual

presente na linguística tradicional focada no sentido-referência, para avançar em uma

dimensão pragmática da linguagem. Ou seja, o enunciado simplesmente não explica o sentido

que a linguagem pretende reportar, pois ―aqui, perdemos a inocência, a isenção que o

enunciado oferecia como garantia‖ (MARI, 2011, p. 68).

Conforme visto ao longo desse trabalho, o efeito perlocutório nos discursos

religiosos determina diferentes níveis de classificação e análise, pois nossa habilidade de

categorizar enunciados está diretamente atrelada à nossa capacidade de perceber algum

sentido sobre o que foi dito. É com essa consciência epistemológica que dei alguns passos em

direção ao que eu chamo de Fases estratégicas da argumentação neopentecostal, conforme

apresento ao final dessa tese como uma possível resposta à investigação.

A identificação de sete Fases da argumentação neopentecostal só foi intuída porque

experimentei in loco determinados efeitos perlocutórios dos discursos religiosos. Portanto,

elas representam diretamente meu nível particular de percepção sobre os próprios discursos

religiosos pesquisados. São, em grande medida, ―efeitos perlocutórios‖ experimentados por

mim diante das pregações religiosas. Muito provavelmente outra pessoa iria categorizar

7 Termo presente na Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN, 1990), que representa segundo Mari (2010), ―uma

reinterpretação do uso dos objetos linguísticos, presente no domínio das intenções interativas‖ (Handout, aula 3a.

24/09/10, PUC Minas).

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diferentemente os mesmos discursos religiosos aqui analisados e isso só confirmaria a

liberdade em adentrarmos no domínio da enunciação. O enunciado puro, ―asséptico‖,

despojado de toda a intenção do locutor é uma mera ilusão, pois os sentidos variáveis que

imprimimos na relação social de enunciação determinam uma nova compreensão no

imbricado conflito enunciativo de interesses semânticos: aquilo que eu penso que digo é

apenas uma miragem que me tranquiliza de ser compreendido por outrem. Assim, ao

dizermos algo, somos tentados a carregar uma ilusão de que o outro nos entende. Quando,

finalmente, despertamos para o fato de que o outro realmente não está nos entendendo

começamos a pensar mais em termos de uma aproximação de significados do que,

simplesmente, de uma compreensão dos enunciados.

Conforme demonstrado ao longo desse estudo, defendo a existência de duas classes

de objetos de referenciação nos DNP: fundamentais e acessórios. Ambos dão força,

sustentação e coerência à argumentação neopentecostal. Compreendidos em seu conjunto, os

objetos neopentecostais se relacionam intradiscursivamente para compor um número muito

variado e criativo de estratégias argumentativas: não se restringem apenas à palavra

propriamente dita, mas abusam de elementos da semiótica da fé representada por imagens,

panfletos e simbologia de elementos materiais ―ungidos‖ com óleos considerados sagrados e

com poderes mágicos para ―colocar a fé em prática‖.

Aqui me ocupo, sobretudo, da coerência argumentativa8 dos DNP e não de termos

ou expressões isoladas, apesar de que didaticamente isolo alguns itens lexicais mais

recorrentes nas pregações neopentecostais. Mas essa aparente separação de termos

referenciais é apenas uma construção teórica com fins didáticos. De uma forma ou de outra,

uma pesquisa sempre delimita um aspecto particular da realidade, portanto, não representa

mais do que um fragmento interpretado daquilo que percebemos como real. O que

entendemos hoje representa o limite de nossa compreensão, enfim, apenas uma porção da

realidade que foi reinterpretada por nós. Há que se avaliar também os limites de nossa própria

compreensão, atrelada aos mecanismos que a linguagem consegue expressar.

No domínio discursivo podemos buscar nas pregações religiosas de líderes e

depoimentos de fiéis neopentecostais os principais objetos de referenciação utilizados em suas

doutrinações. Tais objetos discursivos constituem, em seu conjunto, no cerne da doutrina que

defendem e que aqui podem ser inicialmente tratados com as seguintes questões: o que pode

ser considerado um discurso neopentecostal? Que elementos podem configurar sua identidade

8Ver Glossário ao final desse trabalho.

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linguística? Quais são seus itens lexicais mais recorrentes? Tais questões colocam em

destaque o objeto de pesquisa, pois busca delimitá-lo no transcurso da análise. Também

reúnem uma dupla problemática investigativa, situada primeiramente na caracterização

identitária dos DNP e, posteriormente em torno das estratégias argumentativas a que esse

padrão discursivo religioso emprega. Ou seja, no funcionamento persuasivo da pregação

religiosa. Portanto, para responder aos questionamentos sobre as estratégias argumentativas,

assumimos a priori a existência de algumas particularidades linguísticas que tornam os

enunciados neopentecostais identificáveis com certo padrão de regularidade discursiva.

Assim, na condução dessa investigação, algumas questões pontuais serviram-me de

motivação para continuar com o olhar atento nos discursos religiosos. Por isso, iniciei essa

pesquisa com a seguinte questão motivadora: que estratégias argumentativas os DNP utilizam

para sustentar sua coerência e persuasão? Para responder a esse questionamento, admitimos

primeiramente a existência de uma coerência nos DNP e que essa coerência discursiva deve,

necessariamente, produzir uma ordem na lógica da argumentação –correspondente ao

resultado harmonioso das ideias apresentadas nas pregações religiosas. Essa relação

harmoniosa de temas religiosos presente nos DNP é apresentada nesse trabalho como uma

encenação discursiva9 ordenada e que pode ser identificada durante os cultos em torno dos

três atos distintos já mencionados (tríade referencial). A representação desse três elementos

lexicais referem-se, ao conteúdo, ou seja, a sequência ordenada de pressupostos defendidos

pelos oradores neopentecostais.

O conjunto uníssono de proposições defendidas durante as pregações neopentecostais

resulta em sua coerência discursiva. Orquestradas em conjunto, ―produzem‖ a ordem do

discurso neopentecostal sob marca de alguns objetos referenciais. Tais referentes constituem-

se nas bases sobre as quais esse campo discursivo pode ser identificado, delimitando-o

enquanto objeto de investigação distinta dos demais discursos religiosos. Assim, no campo

discursivo religioso os DNP se diferem do budista, do católico ortodoxo, dos evangélicos

tradicionais, da new age, dos esotéricos, dos hinduístas, dos taoístas e muitos outros.

Esse modo peculiar de dizer o neopentecostalismo segue regras de

enunciação10

marcadas principalmente pelo predomínio de verbos no imperativo, apresenta

enunciados com alternância no tratamento dos temas: ora de intimidação, ora de promessas ou

certezas, dentre outros artifícios persuasivos na pregação religiosa, pois ―cada esfera da

utilização da língua elabora tipos estáveis de enunciados‖ (BAKTHIN 1997, p. 279).

9 Ver Glossário ao final desse trabalho.

10 Cf. Bakhtin (2003)

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Dessa forma, procuro demonstrar que os DNP representam um modo particular de

manifestar o sagrado, cercado de regras e estratégias argumentativas para conseguir seu

intento mágico: convencer fiéis sofredores em busca de solução para seus males a aderir a

determinados postulados doutrinais expressos em regras de fé – ações que obrigatoriamente

precisam cumprir para conseguir seus objetivos na vida. Podemos citar alguns atos a título de

ilustração: pagar fielmente o dízimo, oferecer ofertas financeiras (além do dízimo

obrigatório), trabalhar voluntariamente para a igreja, seguir rigorosamente as palavras do

―homem de Deus‖, expulsar os Demônios do próprio corpo, cumprir com as demais ordens de

seus líderes. Mas, desde a Fase inicial de sensibilização do fiel até sua conversão final existe

um longo e complexo percurso argumentativo.

O modus operandi desse percurso linguístico é visto em detalhes ao longo desse

trabalho que foi dividido em cinco partes da seguinte forma:

No primeiro capítulo, inicio a abordagem do conceito de referenciação segundo

princípios expostos em Marcuschi (2005); Mondada; Dubois, (2003) e outros, com o intuito

de delimitar o objeto de investigação e caracterizar os DNP enquanto campo discursivo

próprio. A seguir, no segundo capítulo, apresento alguns fundamentos da TAF – Teoria dos

Atos de Fala (Austin e Searle) a fim de preparar o leitor à compreensão da análise sobre as

possíveis ações em que os DNP incitariam nos fiéis. No terceiro capítulo, aprofundo a

discussão sobre objetos referenciais, especificamente sobre o que julgo representar a tríade

referencial dos discursos neopentecostais. Isto é, por meio da escuta dos DNP apresento uma

construção teórica dos elementos fundamentais sobre os quais assentam suas pregações: três

objetos de referenciação basilares para a compreensão de sua identidade discursiva

(sacerdotal, próspera e exorcista). No quarto capítulo, amplio a discussão em torno da teoria

da argumentação segundo Koch, (2000), Brenton (1996), Charaudeau (1983), Ducrot (2004) e

Mendes (2010) e dêixis, segundo Benveniste (1989), Lyons (1980) Mateu (1994) e Assis

(2010) demonstrando, por meio de excertos retirados do corpus oral de pregações

neopentecostais, como os discursos religiosos proliferam seus temas, constituindo-se

basicamente em uma coleção temática de referentes secundários presentes nos DNP. Esses

referentes acessórios, juntamente com os fundamentais, formam uma rede de argumentação

inter e intradiscursiva na pregação neopentecostal. Relacionados entre si, tais referentes

facilitam aos interlocutores do neopentecostalismo interagir com a pregação religiosa pela

multiplicidade de temas adjuntos à maneira de discursivisar o sagrado. Finalmente, no quinto

capítulo, procuro responder a problemática dessa investigação ao expor algumas estratégias

argumentativas presentes nos DNP a partir da propaganda religiosa e análise de gravações em

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áudio ou anotações feitas in loco de cultos neopentecostais. Nesse último capítulo, apresento

sete Fases Argumentativas que identifiquei ao longo dos anos de observações e análises na

escuta das vozes de líderes e fiéis neopentecostais. Portanto, a produção e ressignificação dos

discursos religiosos é o que nos interessa, sobretudo, como se articulam e se perpetuam nas

pregações. Mas, as vozes dos fiéis também são importantes na medida em que reforçam a

autoria da ―criação verbal sagrada‖ do neopentecostalismo e concorrem para entendermos a

produção discursiva religiosa como um todo uníssono.

Após dissertar sobre as Fases Argumentativas dos DNP, apresento em apenas um

diagrama um ―resumo visual‖ de toda essa pesquisa, principalmente como os assuntos

tratados aqui se relacionam entre si: (i) a tríade referencial dos DNP, (ii) seu funcionamento

argumentativo e (iii) alguns objetos referenciais utilizados na argumentação desse segmento

religioso.

Reservo às considerações finais uma análise crítica sobre as respostas encontradas

nessa pesquisa, ao teste da hipótese inicial, além de apontar outras abordagens na observação

dos discursos neopentecostais, sobretudo, a necessidade de continuar a investigação em torno

dessa formação discursiva religiosa em contínuo processo de expansão. Por fim, apresento um

glossário com expressões especificamente utilizadas no âmbito das igrejas pesquisadas.

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1. Referentes do discurso neopentecostal: fundamentação teórica11

Nesse capítulo, apresento o conceito de referente discursivo12

para que se

compreenda, a partir do corpus analisado, como determinados conceitos religiosos subjazem

ao referencial discursivo neopentecostal tornando-se parte intrínseca deste. Após essa

primeira parte, o conceito de sacerdotalismo – entendido nessa investigação como objeto

referencial fundante dos DNP será exemplificado com a transcrição de alguns fragmentos da

oratória de líderes neopentecostais em pregação.

Primeiramente, vamos refletir um pouco sobre como o conhecimento que temos do

mundo se dá por meio da linguagem. Em termos simplificados, podemos dizer inicialmente

que a língua nos serve como instrumento potencial para representar a realidade. A partir dessa

premissa, podemos tecer diversos questionamentos sobre como um código linguístico é capaz

de dar sentido às coisas. Sem dúvida, diversas são as repostas sobre esse questionamento que

perpassam questões filosóficas, sobretudo gnosiológicas e epistemológicas. No entanto, sobre

o objeto de pesquisa que analisei – situado estritamente no âmbito do discurso neopentecostal

em si, utilizei as teorias da referenciação (MARCUSCHI, 2005; MONDADA; DUBOIS, 2003

e outros) e da argumentação (KOCH; MORATO, 2005 e outros), próprias da metodologia

linguística.

Um ponto de partida dessa investigação que me parece bastante razoável para

compreender o sentido mais profundo do objeto de pesquisa que me propus analisar situa-se

em torno das pesquisas sobre os referentes discursivos. Nesse sentido, o corpus analisado

neste trabalho se situa muito mais na forma de utilização de determinados referentes

empregados no campo religioso do que nas verdades que eles supostamente engendram.

Portanto, não me atenho no campo do verdadeiro, do correto, do certo ou errado, mas apenas

na semântica da enunciação religiosa e suas estratégias argumentativas a fim de perceber atos

linguísticos com vistas à persuasão dos adeptos do neopentecostalismo.

11

Na primeira parte desse capítulo, utilizo estudos realizados na disciplina Análise do Discurso com a professora

Juliana de Assis (PUC Minas) juntamente com as colegas Alzira e Renata, a quem agradeço pelas reflexões em

conjunto. O mérito dessa pesquisa reside no fato de o ofício sacerdotal ser entendido enquanto objeto de

referenciação fundante da identidade discursiva neopentecostal. 12

Denomino referente discursivo aos objetos de referenciação que se valem, necessariamente, de um sistema

simbólico (linguístico, semiótico) para a sua constituição e não que se valem desse mesmo sistema apenas como

forma de sua representação. Os objetos de referenciação necessitam, para sua existência, de alguma forma

estrutural, organizada de linguagem, mas não se limitam a significados dados a priori, mas, antes, são

construídos durante o uso desses mesmos sistemas simbólicos, pelos usuários da língua.

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Os fatos aqui apresentados, por mais surreais que pareçam são, antes de tudo,

manifestações linguísticas de um segmento social que não podemos desprezar, sobretudo pelo

seu contingente de adeptos. Aliás, esse foi um dos motivos que me motivaram a adentrar cada

vez mais no interior dessa formação discursiva sui generis do campo religioso cristão. Sobre o

conceito de formação discursiva valho-me da concepção de Foucault (1997, p. 43, negritos

nossos), para o qual:

Sempre que se puder descrever, entre certo número de enunciados,

semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma

ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os

objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos

uma formação discursiva.

Isso equivale compreender a formação discursiva não apenas como uma formulação

daquilo que devemos dizer, mas como algo que podemos dizer, segundo determinada área

temática, no interior de um domínio/campo discursivo. Para tal efeito de comunicação

recorremos a certos elementos lexicais mais apropriados que se interpenetram e se

multiplicam em diversos níveis no discurso para produção de sentido. É como se

construíssemos uma afirmação do óbvio quando tentamos explicar algo posto em evidência,

tal como as prédicas religiosas são apresentadas. Esse esforço semântico corresponde ao

esforço de tautologizar nossos próprios discursos em um contínuo exercício referencial de

objetos linguísticos. Em nosso caso, o objeto eleito para análise é o próprio discurso religioso

de matriz neopentecostal. Assim, podemos dizer sem exageros de que não há nada de original

naquilo que falamos, pois plagiamos o que ouvimos ou (re)apresentamos o que vimos,

incluindo até mesmo os frutos de nossa imaginação onírica.

Se existe algo de novo naquilo que falamos deve estar limitado na forma como

reproduzimos os discursos ao reinterpretá-los sob uma nova abordagem, sob um novo olhar.

Essa própria tese é um exemplo dessa natureza inter e intradiscursiva13

: a descrição aqui

ordenada reproduz os próprios discursos já existentes, tanto teórica quanto pragmaticamente,

réplica das vozes neopentecostais que ecoam nas igrejas pesquisadas e que ―dialogam‖ com

alguns teóricos de outras vozes ―científicas‖, do discurso acadêmico.

13

Amparados por Pêcheux (1988, p. 167), Mari e Mendes (handout, 2010a) explicam ―que há uma relação entre

o ‗já-dito esquecido‘ (o interdiscurso/a memória discursiva) e o que ‗se está dizendo‘ (o intradiscurso), sendo

que aquele sustenta a possibilidade deste último.

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Como se percebe ao delimitar determinado campo linguístico naturalmente nos

apercebemos de elementos recorrentes que dão certa identidade discursiva ao que foi dito.

Tecnicamente esse fato nos remete ao conceito de formação discursiva que é bastante

maleável e só se constitui em sua alteridade, isto é, com aquilo que ele não é. Assim, para

podermos identificar determinado padrão discursivo como ―neopentecostal‖ é necessário

perceber que ele difere de outras formas de expressão religiosa. Essa discretização linguística

é possível pela ausculta criteriosa de outras formações discursivas14

.

No intradiscurso trazemos à tona o interdiscurso, pois ao expor determinado padrão

discursivo sempre o fazemos em relação a outra forma de compreensão da realidade, diferente

daquela que nos posicionamos a priori. Não fosse isso, não haveria razão para se falar em

―formação discursiva‖, muito menos em regularidade discursiva. Por isso, compreendo a

Análise do Discurso muito além do que simplesmente descrever excertos de falas, mas antes,

o exercício de compreender como o texto – em sentido lato, produz significados por meio de

seu funcionamento social.

Aqui, o intradiscurso são as próprias vozes neopentecostais expostas: panfletos,

cartazes, pregações, orações, depoimentos dos fiéis, bíblia ipisis literis, etc.

Concomitantemente, o interdiscurso pode ser representado por temas diversos que se

relacionam com a doutrina religiosa, seus principais dogmas e posicionamentos.

Eis alguns exemplos de temas tratados pelo neopentecostalismo e que não são

necessariamente ―religiosos‖, mas que se relacionam interdiscursivamente com os dogmas da

igreja: aborto, doenças, curas, amor, casamento, divórcio, conquistas materiais, saúde mental,

fome, pobreza, catástrofes naturais, e muitos outros temas. A lista é infindável, pois

interdiscursivamente podemos adentrar de diversas formas na constituição intradiscursiva

religiosa. Assim, podemos relacionar diversos campos de interesse sobre o que ‗já foi dito‘

(interdiscurso) a respeito de algo com o que ‗se está dizendo‘ (intradiscurso). Em termos mais

precisos podemos pensar inclusive a existência tanto de uma formação intra quanto

interdiscursiva, pois em ambos os casos existe um padrão de regularidade, conforme ilustrado

na figura 2.

14

Antes de pesquisar os DNP conheci diferentes igrejas e formas de expressão religiosa: Catolicismo tradicional,

Renovação Carismática, Espiritismo, Candomblé, Umbanda, Budismo, Vale do Amanhecer (Tia Neiva),

Figueira (Trigueirinho), Santo Daime, Mormonismo; Igreja Messiânica (Johrei Center) além de uma dezena de

grupos espiritualistas, esotéricos e ufológicos que também funcionam como grupos religiosos alternativos, pois

produzem um discurso mítico personalizado, próprio de seus grupamentos, a fim de responder às inquietações

existenciais de seus sócios.

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Figura 2: Relação inter e intradiscursiva neopentecostal

Form

ação

in

terd

iscu

rsiv

a

Formação intradiscursiva

Aborto Dízimos Pecado Curas Drogas Salvação Libertação Terremotos Desemprego Casa própria Morte Economia Dor de cabeça Inveja Ciúmes Má sorte Boa sorte Etc...

Doutrina neopentecostal: 1. Sacerdotal 2. Exorcista e 3. Próspera

Fonte: Dados da pesquisa

A partir dessa figura, podemos visualizar o funcionamento inter e intradiscursivo dos

itens lexicais, que ganham sentido em uma determinada formação discursiva – em nosso caso,

neopentecostal. Assim, é que para uma ―dor de cabeça‖ tratada interdiscursivamente, o

neopentecostalismo responde como ―influência do Demônio‖. Muito diferente do mesmo

tema sendo tratado por uma formação discursiva na área médica. De igual forma os mais

diversos itens são ―ressignificados‖ pelo discurso religioso seguindo um padrão de

regularidades enunciativas. Por isso, podemos questionar, por exemplo, que sentido o aborto,

a riqueza, as doenças, a boa sorte, a inveja e tantas outras abordagens têm para os discursos

neopentecostais. Ou, em outras palavras, como a formação intradiscursiva neopentecostal se

utiliza de temas transversais para sua doutrinação? No transcurso desse trabalho essas

relações inter e intradiscursivas serão expostas à medida que o corpus for revelado.

Enfim, os temas tratados pelo neopentecostalismo se interconectam sem fugir de um

padrão semântico, o que demonstra a existência de uma formação discursiva coerente e

bastante dinâmica, pois a religião costuma abarcar os mais diversos campos do saber, busca a

posse da sabedoria, da verdade, com a promessa de respostas para quaisquer males que

afligem o ser humano. No entanto, precisamos atentar para os limites de nossa compreensão

sobre determinada formação discursiva, pois não podemos categorizar alguns de seus

elementos (itens lexicais recorrentes) como uma exclusividade de determinado grupo.

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Conforme já mencionado, o mais importante é percebermos o uso da linguagem para

constituição de sentidos em situação real, não teórica.

Aqui é oportuno fazer uma distinção entre significado e sentido. O primeiro

corresponde a uma matriz conceitual construída a partir de elementos do sistema linguístico e

tem o caráter convencional, enquanto que o sentido se dá pela apropriação dessa matriz

conceitual, determinada pelas convenções sociais de uso e pela intenção de uso dos

interlocutores. Logo, a intenção de uso altera completamente a forma como os discursos são

produzidos e amplia enormemente as formas de utilização da linguagem que não se restringe

a análise de termos separados, conforme alertam Mari e Mendes (2010b, p. 5): ―Talvez não

fosse sensato analisar esta questão [formação discursiva] em termos de palavras isoladas, mas

de submetê-las a correlações com outras palavras dentro de um mesmo discurso‖.

Na medida em que adentrei no universo dessa linguagem religiosa compreendi um

pouco mais de sua organização direcionada à persuasão, o que reforça indícios de sua própria

regularidade enunciativa direcionada para atingir determinado fim. Assim, se o discurso tem

uma regularidade podemos suspeitar de que também tem uma intencionalidade. É justamente

por assumir a priori a existência dessa formação discursiva religiosa, nascida do ramo

pentecostal, que se tornou possível perceber suas próprias regularidades lexicais, sobretudo

suas peculiaridades no campo da argumentação.

Os discursos religiosos costumam eleger objetos de análise fora do domínio humano:

salvação, céu, inferno, espírito santo, etc. Além disso, coloca os profissionais da fé como

intérpretes desses mesmos objetos linguísticos ―materializados‖ em suas pregações religiosas.

Ou seja, a palavra humana materializa a palavra divina. Essa relação não é uma exclusividade

neopentecostal, mas uma característica geral das religiões15

. A gênese bíblica relata Moisés

descendo do monte Sinai com ―as palavras de Deus‖ (Êxodo 34). Modernamente, as

chamadas revelações do espírito santo, as intuições missionárias de líderes religiosos que se

autodenominam ―profetas‖ de Deus, a psicografia mediúnica ou as mais diversas formas de se

conectar com algo transcendental perpetua a missão de revelar palavras consideradas divinas

aos homens. É o humano produzindo o sagrado.

Assim, os discursos religiosos se assemelhariam a fragmentos monologais, pois, a

princípio, não caberia aos fiéis interpelar, contestar, muito menos dialogar, mas acatar as

15

Conforme explica Perissé (2010) a etimologia popular atribuiu equivocadamente a origem da palavra

―religião‖ a religare, do latim. A religião religaria o homem a Deus, mas tal explicação se constitui em uma

etimologia falsa. Segundo o autor, religio designava ―respeito‖, ―reverência‖. A palavra deriva de relegere, em

que re-, ―de novo‖, está associado ao verbo legere, ―ler‖, abrigando o sentido de ―tomar com atenção‖. Uma

pessoa exerce alguma religião quando cuida atenciosamente de algo muito importante, algo que deve ser

cultuado e adorado com todo respeito.

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determinações divinas em um discurso produzido por líderes religiosos – principais autores da

enunciação. Nesse sentido, aproximar-nos-íamos da enunciação de Benveniste (1989) ao

colocar o sujeito (pastor-locutor) no centro do seu dizer. Mas, essa aparente supremacia do

locutor se desfaz com um exame mais analítico dos DNP, pois conforme percebido na análise

de dados (corpus oral), os depoimentos e interferências dos fiéis são preponderantes para

compor o ensaio argumentativo das pregações religiosas. Além dos depoimentos dos crentes,

ocorre um contínuo dialogismo (BAKHTIN, 1992) dos atores da enunciação religiosa

(pastores-e-fiéis), principalmente nas sessões exorcistas, em que se percebe uma verdadeira

conversação dos profissionais da fé com o que julgam serem espíritos malignos incorporados

no corpo dos fiéis endemoninhados. O dialogismo bakhtiniano é representado por um

confronto de vozes no enunciado, sempre considerado uma resposta a outros enunciados.

Assim, o dialogismo representa um conflito de vozes ideológicas que se misturam no

enunciado. Dessas tensões linguístico-sociais, a partir de seus diversos atores – aqueles que

produzem e ressignificam os discursos (o ―nós‖), ocorre a descentralização do sujeito (o ―eu‖)

enquanto enunciador independente, o que obviamente redunda em um contínuo processo de

tensão entre o eu e o tu. Assim, o dialogismo bakhtiniano é entendido como interação entre

locutor e destinatário (BAKHTIN, 1992), em nosso caso, entre pastores-e-fiéis ou,

metaforicamente, entre o sagrado e o profano.

A princípio poderíamos compreender a enunciação religiosa segundo Benveniste

(1989), pois, de uma forma geral, os discursos religiosos centram no locutor (pastores, padres,

etc.) a origem do sentido do texto sagrado. O líder religioso torna-se, pois, a voz do Eu

(divindade) em relação ao Tu (fiéis). No entanto, os DNP fogem a essa regra, muito comum

em segmentos religiosos mais ortodoxos, como o catolicismo tradicional.

Tais concepções nos remetem, claramente, à enunciação de Bakhtin (1992). Assim,

sob essa perspectiva bakhtiniana veremos o desenrolar de vários exemplos apresentados nessa

tese, em fragmentos transcritos a partir da coleção de discursos neopentecostais (corpus oral).

Nessa medida, os discursos representam a fala irrepetível e irretratável de líderes e fiéis

religiosos.

O conceito de formação discursiva é bastante adequado para compreendermos a

regularidade das estruturas dos enunciados religiosos, frente a aparente dispersão dos dados.

Também me parece oportuna a concepção de Pêcheux (1995, p. 160, negritos nossos) quando

esclarece que a formação discursiva representa:

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Aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes,

determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga,

de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc)

Em nosso objeto de análise, os DNP atraem um público ávido por ouvir o que deve

ser ouvido. Em uma palavra: a solução de seus problemas. Assim, ―o que pode e deve ser

dito‖ é fundamental para constituir esse ―filtro‖ linguístico na escolha correta de itens lexicais

e ainda acrescento: ‗o que pode e deve ser dito‘ nos discursos religiosos vem sempre

acompanhado do ―como e quando é dito‖ pelos oradores da fé, a fim de corresponder aos

anseios dos crentes.

Talvez por uma explícita seleção temática e argumentativa daquilo que se deve dizer,

muito mais do que se pode dizer, os oradores do neopentecostalismo arregimentam um

número crescente de adeptos. Ainda mais claramente: nos discursos religiosos, o que se deve

dizer assume uma importância muito maior do que aquilo que se pode dizer, pois quem

produz os discursos religiosos sabe como deve fazê-los para atingir seu intento. Essa

formação discursiva aceita ―tudo‖, principalmente o impossível, imaginário e transcendental,

pois nesse campo verbal o poder de Deus deve se manifestar. Portanto, ―tudo é possível‖, tudo

é lícito sob as leis de Deus. Essa característica peculiar dos discursos religiosos se resume na

crença do milagre acima de qualquer prognóstico infeliz.

1.1 Objetos de referenciação e o esforço de etiquetar a realidade

A abordagem sobre como a língua refere tanto o mundo material quanto sua

produção cultural se constitui em uma das questões mais centrais da linguística. Aqui, o

esforço como está claro é o de analisar fragmentos textuais sobre discursos religiosos,

especificamente aqueles sob a denominação neopentecostal. Assim, nessa pesquisa, o

referente discursivo emerge a partir de duas fontes primárias: a primeira, no âmbito do gênero

da pregação religiosa e, a segunda, nos limites da propaganda religiosa.

É por meio da pregação, enquanto gênero discursivo por excelência da oratória que

todo um conjunto de crenças e valores se materializa, por assim dizer, nos discursos religiosos

tomados pelos crentes como verdades, sem as quais não haveria razão para se falar em

construção referencial do discurso religioso. Entendo também que a produção cultural

circunscrita no âmbito religioso é, antes de tudo, uma construção referencial, um modo

particular de dar sentido aos objetos presentes na discursivização religiosa. A esse respeito

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Ricoeur (2007, p. 32) explica sobre a autoria da ação referencial: ―o sentido do texto é, por

assim dizer, atravessado pela intenção de referência do locutor.‖ Obviamente que, na

construção referencial dos textos considerados sagrados, os líderes religiosos desempenham

fundamental importância: por meio de sua oratória, o plano sagrado, imaterial, intangível faz-

se presente no mundo material. Assim, a existência de um plano sagrado pressupõe antes de

tudo, sua construção linguística recheada de significados. No entanto, esses significados não

existem a priori, mas se constroem durante a discursivização religiosa: aparecem,

desaparecem ou recontextualizam-se pelo domínio discursivo dos oradores da fé em comum-

acordo com a própria assembleia de crentes que parece aceitar as revelações divinas em uma

espécie de contrato patêmico16

. Nessa medida, os objetos religiosos adquirem significados não

em si mesmos, mas na relação que estabelecem entre pastores e fiéis, profetas e discípulos,

entre os sacerdotes e seus seguidores.

A relação que se estabelece com um objeto qualquer, seja um objeto do mundo

material, do discurso propriamente dito, da fantasia, não se adere gratuitamente na rede de

significados, mas se constrói nas relações sociais. Mais do que ser um mero rótulo que se

―cola‖ à realidade, a língua adquire significação na relação dialógica que estabelece com algo.

Assim, sabemos de que ―algo‖ se trata mais pela aproximação dos conceitos, dos sentidos que

são atribuídos pelos falantes, do que pelo significado formal que lhe é imputado nos

dicionários. Inspirado por Borges Neto (2003, p. 9) Marcuschi (2004, p. 263) afirma: ―O

significado não é uma entidade e sim uma ‗relação‘ e não propriamente uma relação entre um

item lexical e um objeto do mundo e sim uma relação entre uma expressão linguística e algo

não-linguístico.‖

Contrariando Marcuschi (2004), dificilmente poderíamos pensar esse ―algo‖ como

―não-linguístico‖, pois nosso mundo cognitivo é perpassado, antes de tudo, pela linguagem. O

que seria algo ―não-linguístico‖? Tente pensar um mundo sem linguagem. Não saberíamos do

que se trata, pois até mesmo para pensar um objeto ―não-linguístico‖ precisamos da

linguagem para negá-lo. Mas, não é difícil perceber que os objetos do mundo existem

independentemente dos rótulos que imprimimos a eles.

Mondada e Dubois (2003) explicam que ainda que as concepções teóricas sobre

como a língua refere o mundo tenham particularidades distintas, existe um consenso que

pressupõe uma relação de correspondência entre as ―palavras e as coisas‖. O próprio

16

Greimas (1994) explica que o contrato patêmico fundamenta-se na timia, que representa uma disposição afetiva

de base determinante da relação que um corpo sensível mantém com o que o cerca. Essa disposição afetiva pode

ser positiva, negativa ou neutra, ou seja, euforia, disforia ou aforia, respectivamente.

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Marcuschi (2004, p. 281) admite que ―as palavras têm uma significação dita ‗literal‘, mas que

serve apenas como uma base mínima para outros usos‖. Marcuschi (2004) ainda nos lembra

de que a relação existente entre língua e realidade é bastante complexa e não existe uma

correlação biunívoca entre palavras e referente mundano. Ao final, ele mesmo admite que

―não conhecemos a não ser pela linguagem‖ (MARCUSCHI, 2004, p. 283). Obviamente essa

discussão é bastante complexa e nos remete a indagar sobre nossos próprios processos de

cognição, que muito provavelmente extrapolam a via da linguagem ordinária, tal como

utilizamos no cotidiano, marcada principalmente pela manifestação oral ou escrita. De

qualquer maneira me parece ponto pacífico de que a significação é fundamental para a

referenciação. Mas as condições de referenciação são maiores que uma mera significação,

conforme explicam Mari e Mendes (2005, p. 160):

A referenciação, em nosso entendimento, não pode ser vista como algo

independente da significação; esta deve funcionar como uma condição

primeira para aquela. Entretanto, como condição primeira, a significação não

pode ser vista como uma restrição operacional para a referenciação.

Admite-se de uma forma geral que o referente pode ser considerado qualquer objeto

interpelado por expressões linguísticas. O referente, portanto, está diretamente ligado à

significação linguística (BLIKSTEIN, 2004). Embora não seja a realidade, ele a representa.

Assim, o referente ou objeto do discurso é compreendido nas dimensões da percepção e

cognição que organizam o pensamento e a própria linguagem. O referente não é o discurso,

mas existe a partir deste. Portanto, poder-se-ia dizer, inspirado por Heidegger (2005), que a

linguagem convida os objetos a ser. Nesse sentido, o referente se aproxima mais de uma

representação mental. Quando apropriado pelo discurso, se distingue como objeto possível de

análise, por isso a existência do referente não depende necessariamente da verdade da

descrição em si. Dessa forma, à análise do discurso religioso não interessa saber a verdade

sobre o dito, mas sim a existência, por si só, do próprio discurso sagrado, recheado de certezas

e marcado por cadeias referenciais que o leva a existir pelo próprio ato de discursivisar

determinada porção imaginada do que seria ―a realidade‖.

Entende-se por referenciação o ato discursivo de isolar, delimitar e apontar uma

categoria de objetos por meio de recursos linguísticos nominados de dêiticos (pronomes,

nomes, proposições, etc.). Os atos de referência reforçam a compreensão sobre os sentidos

que assumem um objeto, ou seja, a referência busca aproximar-se ao equivalente do

significado do objeto. A grande questão que se coloca em torno do referente discursivo é

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saber como a informação é transmitida ou como os estados do mundo são representados, ou

seja, como as atividades humanas, cognitivas e linguísticas se estruturam e dão sentido ao

mundo. Mondada e Dubois (2003, p. 20) tratam o processo de referenciação como advinda de

práticas simbólicas socialmente construídas. Assim, a língua não pode ser compreendida

como uma mera etiqueta da realidade na qual as palavras se ―colam‖ ao seu correspondente

material. Isso significa, segundo Marcuschi (2004, p.268), que ―não há uma língua pronta de

um lado, podendo ser usada para espelhar e representar o mundo; e o mundo já discretizado

em todos os seus elementos, de outro lado, à espera que os nomeie‖. Não existe, uma

estabilidade a priori das entidades no mundo e na língua. Por isso, Mondada e Dubois (2003,

p. 23) dão tanta importância à dimensão intersubjetiva das atividades linguísticas e cognitivas,

―responsável pela produção da ilusão de um mundo objetivo (da objetividade do mundo),

‗pronto‘ para ser preenchido cognitivamente pelos indivíduos racionais‖. Marcuschi (2005, p.

50) explica que:

O problema central não é saber se o mundo está pronto, mobiliado por

alguma divindade, cabendo-nos captá-lo conceitualmente, ou se o mundo

tem uma ordem dependente do mobiliário de nossas mentes repletas de

verdades a priori, mas sim como a ordem – seja ela qual for – é percebida,

construída, comunicada e utilizada.

Koch (1998) e Marcuschi (2002), seguindo Mondada e Dubois (2003), postulam uma

visão processual em relação à significação, considerando que a discursivização do mundo por

meio da linguagem consiste num processo de reconstrução do próprio real. Pois, ―entender é

sempre entender no contexto de uma relação com o outro situado numa cultura e num tempo

histórico e esta relação sempre se acha marcada por uma ação discursiva‖ (MARCUSCHI,

2005 p. 74). Portanto, entender é antes de tudo procurar sentindo nas relações que se

estabelecem no discurso ou ação discursiva.

Referenciar objetos do mundo corresponde, então, a perceber como a realidade é

construída, mantida ou alterada pela maneira como sócio cognitivamente interagimos com o

mundo. Ou seja, o significado é precedido pelo sentido que imprimimos aos objetos. Tais

relações cognitivas que estabelecemos com o mundo se tornam possíveis pela materialidade

linguística de nossa percepção. Então, ao invés de se privilegiar a relação entre as ―palavras e

as coisas‖, o foco do conceito de referência se amplia para compreender ―a relação

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intersubjetiva e social no seio da qual as versões do mundo são publicamente elaboradas‖

(KOCH; MORATO; BENTES, 2005). Segundo Marcuschi (2004, p.268):

A linguagem não é um instrumento transparente, preciso e claro capaz de

etiquetar de forma universalmente igual cada elemento desse suposto mobiliário.

Portanto, não há uma relação direta entre linguagem e mundo e sim um trabalho

social designando o mundo por um sistema simbólico cuja semântica vai se

construindo situadamente.

De acordo com Marcuschi (2005, p. 69) ―o mundo de nossos discursos é

sociocognitivamente produzido, pois o discurso é o lugar privilegiado da designação desse

mundo‖. Marcuschi (ibidem) ainda explica que:

Os processos de referenciação ocupam um lugar central na construção do mundo

de nossas vivências. As referências são elaboradas e transmitidas discursiva e

interativamente. A referenciação é uma atividade criativa e não um simples ato de

designação, pois o mundo comunicado é sempre fruto de um agir intersubjetivo

(não voluntarista) diante da realidade externa e não de uma identificação de

realidades discretas (MARCUSCHI, 2005 p. 52).

Koch (2005) ressalta que a referência é, portanto, resultante da ação de representar,

através de uma situação discursiva, entidades que são vistas como objetos-de-discurso que na

constituição textual são concebidos como produtos físico, social e cultural da atividade

cognitiva e interativa dos sujeitos falantes e não como objetos-do-mundo.

Isto não significa negar a existência da realidade extra mente, nem estabelecer a

subjetividade como parâmetro do real. Nosso cérebro não opera como um sistema

fotográfico do mundo, nem como um sistema de espelhamento, ou seja, nossa

maneira de ver e dizer o real não coincide com o real. Ele reelabora os dados

sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E essa reelaboração se dá

essencialmente no discurso. Também não se postula uma reelaboração subjetiva,

individual: a reelaboração deve obedecer a restrições impostas pelas condições

culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento

decorrentes do uso da língua (MARCUSCHI & KOCH, 1998, p.5).

Como uma entidade viva presente nas relações e práticas sociais, a língua deixa de

ser relacionada simplesmente com a capacidade apenas mental de ser equivalente à realidade.

Sobre a maleabilidade da língua de imprimir significados aos objetos Koch (2005, p. 81)

explica: ―Ao usar e manipular uma forma simbólica usamos e manipulamos tanto o conteúdo

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como a estrutura dessa forma. E, deste modo, também manipulamos a estrutura da realidade

de maneira significativa‖.

Atualmente entre os linguistas é mais comum utilizar referenciação em substituição

ao termo referência, pois expressa melhor a ideia de processo como atividades de linguagem

realizada por sujeitos históricos e sociais na interação (MONDADA, 2001 apud KOCH,

2005, p. 34). Num certo sentido, essa é uma formulação possível, mas existem também usos

especializados desses termos: referenciação tem ao mesmo tempo uma dimensão sintática

(recuperação anafórica) e semântica (designação de objetos discursivos); referência reporta,

em geral, objetos do mundo. Portanto, a referenciação é antes de tudo uma atividade sócio-

discursiva (KOCH, 2005; MARCUSCHI e KOCH, 1998), na qual o processamento do ato

enunciativo é realizado por sujeitos ativos. Por isso, os interlocutores constantemente realizam

escolhas significativas, dentre as múltiplas possibilidades que a língua oferece e a situação de

interação social permite.

Esse processo diz respeito às operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o

discurso se desenvolve (APOTHÉLOZ & REICHLER-BÉGUELIN, 1995). Dessa forma, o

sujeito na interação opera sobre o material linguístico que tem à sua disposição, realizando

escolhas significativas para representar diferentes estados mentais ou de coisas, com vistas à

concretização do seu projeto de dizer (KOCH, 2005). Tal compreensão pode explicar porque

a linguagem não espelha exatamente ―a realidade‖, mas aproxima-se de uma concepção de

realidade criada pela nossa percepção e produção cultural. Isso equivale a dizer que aquilo

que pensamos como realidade, na verdade, é apenas um fragmento do ―real‖ percebido por

nós.

A partir dessas concepções sobre como a realidade é fabricada17

, torna-se

compreensível porque os dogmas religiosos também são produções culturais discursivas

ressignificadas. Em relação à religião, podemos falar de ‗realidades fabricadas‘ enquanto uma

construção cultural, mas provavelmente não poderíamos dizer o mesmo se fôssemos estender

tal raciocínio sobre o mundo mineral, vegetal, animal, pois neles os objetos existem

independentemente da linguagem da qual nos valemos para representá-los. Assim, talvez

fosse importante admitir não ‗a realidade‘, mas ‗realidades‘ que teriam um comportamento

diversificado em razão da natureza dos seus objetos constitutivos. Assim, aquilo que a religião

trata como sagrado, a pesquisa linguística trata como referentes do discurso mítico. E não há

nenhuma incongruência nessa abordagem. Podemos dizer que a existência da materialidade

17

Os filmes ―O Enigma de Kaspar Hauser‖ e ―Orlando: A mulher imortal‖ apresentam como a realidade pode

ser condicionada a uma rede de estereótipos presos por nossa percepção cultural.

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dos objetos religiosos se dá, antes de tudo, porque eles existem primeiramente em nossos

pensamentos verbalizados: nós conseguimos dar voz às divindades desde tempos imemoriais,

a exemplo dos Deuses gregos.

Podemos ainda refletir um pouco mais: se os personagens bíblicos existiram de fato

ou não, para nossos estudos, isso se torna secundário porque Jesus e seus apóstolos, Adão e

Eva, Moisés ou Noé e seus ensinamentos são objetos já referenciados pela tradição cultural

perpassada por gerações. Assim, é que por um artifício da linguagem conseguimos reviver

todos esses personagens, fazê-los tão reais no presente quanto cremos terem sido no passado,

ainda que não tenham existido de fato. Sua presença é tão real que não haveria razão para

contestar sua existência porque eles já nasceram e subsistem discursivamente há séculos. Ou

seja, eles existem em nosso universo discursivo e isso é o bastante para nossa tranquilidade.

Apesar de que esse não deve ser um pensamento pacífico para o religioso, pois a existência

―real‖, materialmente falando, dos personagens históricos presentes no texto bíblico coincide

com a própria materialidade da linguagem. A bíblia é recheada de enigmas linguísticos dessa

natureza: ―e o Verbo se fez carne e habitou entre nós‖ (João 1:14). Para o religioso cristão,

não há dúvida de que o ―Verbo‖ é o próprio Deus, materializado em Jesus que nasceu entre

nós. Mas a palavra guarda muito mais do que o óbvio. Enfim, se todos os personagens

bíblicos continuam a existir, incluindo Deus, os santos e anjos, o Demônio e sua legião

infernal, não é nossa linguagem que será capaz de destruí-los, pois apenas buscamos uma

representação do ―real‖ ou daquilo que julgamos como aceitável para organizar nossos

pensamentos frente às venturas mundanas. Tudo isso representa um contínuo processo de

referenciação, isto é, de imprimir significação aos objetos religiosos. Apothelóz e Reichler-

Béguelin (1995) afirmam que a referenciação diz respeito às operações efetuadas pelos

sujeitos à medida que o discurso se desenvolve. Nesse sentido:

O discurso constrói aquilo a que faz remissão, ao mesmo tempo em que é

tributário dessa construção. O processamento do discurso, sendo realizado

por sujeitos ativos, é estratégico, ou seja, implica, da parte dos

interlocutores, a realização de escolhas significativas entre as múltiplas

possibilidades que a língua oferece. (APOTHELÓZ e REICHLER-

BÉGUELIN, 1995 apud KOCH, 2002, p. 80).

Conforme percebido os discursos religiosos são pródigos em exemplificar processos

de referenciação, compreendido como escolhas do sujeito em função de querer transmitir

sentido ao seu discurso. Nos discursos religiosos especificamente o sentido dos discursos

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extrapola para querer transmitir ―vida‖ aos seus personagens. Assim, os referentes são vistos

como objetos-de-discurso que se reconstroem no próprio processo de interação. As

referencias que se imprimem aos objetos relaciona a linguagem ao mundo. Segundo Ricoeur

(2007, p. 31-32), a referência ―é um outro nome para a pretensão do discurso ser verdadeiro‖

e completa: ―referir é o uso que a frase faz numa certa situação e em conformidade com um

certo uso. É, pois, o que o locutor faz quando aplica as suas palavras à realidade‖. Ora, a

palavra é o acontecimento mais real que podemos presenciar; daí o que ela é capaz de criar se

confunde com a sua própria existência material, dando-nos a impressão de uma realidade

verossímil. Essa alquimia linguística dá vida a qualquer elemento do mundo material ou

ficcional. Em ambos os casos, sua existência é tão real quanto a própria linguagem.

Tecnicamente podemos dizer que essa plasticidade na impressão de sentidos ocorre

porque os referentes são dinâmicos: uma vez introduzidos na memória discursiva, vão sendo

constantemente modificados, desativados, reativados, reconstruindo-se o sentido do texto, no

curso de uma progressão referencial em que a própria língua e os indivíduos se atualizam em

seus significados. Assim, os textos produzidos não correspondem exatamente aos objetos

descritos, mas constituem objetos do discurso passíveis de análises e reconstruções. Talvez

por essa razão existam tantas formações discursivas religiosas, representadas pelos mais

diversos segmentos cristãos (católicos, evangélicos, espíritas, carismáticos e outros): cada

qual a seu modo realiza um processo de referenciação distinto a respeito dos mesmos objetos

transcendentais.

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2. Produtores do discurso neopentecostal: uma parceria persuasiva a serviço da fé

O envolvimento dos interlocutores da fé nas igrejas pesquisadas parece se tornar em

um dos pilares fundamentais sobre o qual os DNP se desenvolvem, pois justamente na relação

pastor/fiel que o discurso progride em elementos persuasivos. Assim, nos DNP não basta

somente aos pastores realizarem um monólogo discursivo religioso na tentativa de convencer

os fiéis sobre os argumentos doutrinais que defendem: é preciso incentivar os crentes a

produzir um cenário mítico da fé, principalmente por meio de seus depoimentos sobre os

―milagres‖ alcançados na igreja. Dessa maneira, os discursos religiosos se formam e se

perpetuam na produção conjunta (interdiscursiva) que pastores e fiéis fazem ao depositar

significado em uma espécie de enredo persuasivo no domínio da fé.

Em nossa pesquisa, as pregações religiosas foram discretizadas em sete estágios ou

Fases da argumentação. Para isso, me ative à relação causa e efeito-perlocutório como

instrumento balizador da ação discursiva. Davidson (1980) considera que uma ação é racional

se o agente do discurso dispõe de uma justificativa para sua execução. Segundo ele, qualquer

ação para ser justificável precisa compartilhar dois aspectos fundamentais: uma crença e uma

pró-atitude.

Assim, para resolver ao questionamento principal dessa pesquisa, faz-se necessário

primeiramente a delimitação e caracterização identitária dos discursos religiosos que temos

por análise. Tal objetivo se deverá se cumprir efetivamente no próximo capítulo, no qual

pretendo delimitar o que chamo de tríade identitária do neopentecostalismo (sacerdotal,

exorcista e próspera). Mas, antes de expor esses três objetos referenciais basilares dos DNP

utilizo falas recorrentes de sua pregação religiosa a fim de analisar alguns excertos a partir da

Teoria dos Atos de Fala – TAF18

, destacando as abordagens desenvolvidas especialmente por

Austin e Searle.

A escolha pela TAF se deve, sobretudo, porque as abordagens dos DNP se

direcionam para uma pragmática da linguagem com vistas à realização de determinadas ações,

isto é, a linguagem neopentecostal se mostra como uma forma de realização de atos e não

apenas de uma descrição da realidade. Tal proposição pode ser verifica ao longo dos excertos

aqui apresentados, nos quais se procura, por meio da palavra proferida na pregação religiosa,

18

Não farei uma exposição sistemática da TAF, pois sua abordagem já foi amplamente tratada por outros

teóricos, notadamente por seus fundadores Austin e Searle. Nessa pesquisa, restrinjo sua utilização às categorias

relacionadas, sobretudo, ao Ponto e Modo em que os enunciados podem ser classificados e compreendidos. Não

descarto a influência das condições preparatórias, condições de sinceridade e estado mental, para reconfiguração

na compreensão dos enunciados. Mas, para nossa análise - decorrente principalmente de efeitos perlocutórios -

sobre os DNP, não se faz necessário um desdobramento maior.

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incitar determinadas atitudes (ações) nos fiéis, sobretudo com a finalidade de abandonar seus

estados de derrota e desânimo com a vida.

Ademais, temos grandes possibilidades de falar sobre os objetos discursivos

neopentecostais com a TAF, pois cada proposição religiosa pretende colocar em execução

uma ação, proclamada objetiva ou subjetivamente aos fiéis. Para tal demonstração, que na

verdade se estende aos demais capítulos, procuro apresentar exemplos extraídos do corpus

oral a fim de compreender o funcionamento discursivo neopentecostal, sobretudo como se

articula na promoção de estados mentais representativos das Fases Argumentativas dos DNP,

correspondentes ao ―temor‖ (Fase da intimidação), à ―esperança‖ (f. da promessa), à ―certeza‖

(f. da comprovação), ao ―respeito‖ (f. da autoridade), dentre outros que poderiam representar

geradores de persuasão religiosa.

Assim, os efeitos emocionais ou ―lógicos‖ advindos de determinadas pregações

podem ser relacionados como consequências do próprio discurso religioso. Dessa maneira,

podemos suspeitar de que as condições preparatórias, de sinceridade, de conteúdo

proposicional também representam uma maneira peculiar de percepção dos alocutários que

―compreendem‖ as causas motivadoras dos discursos. Por exemplo: diante do ―homem de

Deus‖ eu posso eliminar a força que capacita tal enunciado (homem de Deus) à Fase de

Autoridade por desconsiderar suas condições preparatórias. Ou seja, não reconhecer no

locutor um ―homem de Deus‖, um autêntico sacerdote, retira-lhe automaticamente a

autoridade. Portanto, eu posso esvaziar semanticamente a compreensão de um determinado

objeto a ponto de que sua classificação inicial seja completamente alterada ou perca o sentido,

de acordo com as Fases Argumentativas aqui apresentadas. Assim, buscamos relacionar os

efeitos de sentidos que um determinado enunciado suscitou não apenas com sua consequente

representação ilocutória, mas por meio da validação de suas proposições semânticas: se

atribuímos força, prestígio ou desprezo à determinada locução, podemos, conforme o caso,

preencher ou esvaziar sua capacidade de representar isso ou aquilo.

Nesse capítulo vamos centralizar um pouco mais da nossa atenção, para além do que

já foi proposto, na análise do intrincado enredo discursivo religioso. Para isso, explicito as

próprias vozes neopentecostais a fim de que os dados falem por si mesmos, pois as sete

categorias previamente apresentadas nesse capítulo emergiram ao longo da pesquisa; ou seja,

não me foram dadas a priori, mas se constituíram a partir de minhas próprias observações e

efeitos de sentido que suscitaram em mim. Dessa forma, esse trabalho se orientou muito mais

em identificar, analisar e (des)organizar os discursos integrantes do corpus da pesquisa do que

retomar uma discussão teórica sobre categorias da análise do discurso. De igual forma,

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poderíamos dizer que o neopentecostalismo não reinventou o cristianismo, mas apenas lhe

proporcionou uma abordagem diferenciada, revestida de determinados elementos – conforme

vislumbramos nesse trabalho, mais próximos às demandas sociais vigentes, a fim de fornecer

uma diversidade cada vez maior de respostas às inquietações populares. Nesse sentido, os

DNP oferecem aos crentes uma multiplicidade muito criativa e pragmática sobre como

―resolver‖ os mais diversos problemas humanos.

Procurei demonstrar, assim como vejo, que a trama discursiva religiosa se faz a partir

de ideias muito bem concatenadas, com início, meio e fim. Apesar dessa lógica discursiva,

não podemos deixar de mencionar também que a fala não implica necessariamente um

compromisso com a ação e nem muito menos com a verdade. O mais importante é perceber

que o comportamento humano parece orientado a realizar determinadas interações

linguageiras que podem redundar ou não em ações reais, materialmente falando. Nessa

medida, toda a sequência expositiva apresentada nesse estudo reforça a tese de que os DNP se

estruturam com fins extremamente determinados, apesar de se mostrarem, à primeira vista,

como um aparente mosaico despretensioso de crenças bem-intencionadas, nas quais as ações

perceptíveis – representadas, sobretudo, pelos ―milagres‖ testemunhados pelos fiéis –,

parecem sobrepujar até mesmo alguma tentativa argumentativa contrária à prédica

neopentecostal.

Dessa maneira, para conseguirmos algum aprofundamento conceitual sobre os

discursos analisados, faz-se necessário observar as condições enunciativas dos locutores

(pastores/fiéis) envolvidos na enunciação religiosa. Essa afinidade dialogal nos DNP

preenche, de certa forma, a relação de causa-efeito e praticamente elimina, no intradiscurso

religioso, a possibilidade de contradições, o que reforça a formação e a manutenção das

certezas religiosas19

. Talvez por isso, os depoimentos dos fiéis sobre os milagres alcançados

são tão importantes e necessários nos DNP, pois, por meio dos testemunhos dos crentes, o

discurso religioso é validado justamente pelos seus próprios destinatários. Em outras palavras,

a relação de causa-efeito nos DNP é reiteradamente estabelecida pelos pregadores da fé. Isso

reforça a suposição de que os DNP existem principalmente na interação discursiva elaborada

conjuntamente pelos pastores/fiéis (locutores/alocutários). Essa interação discursiva entre os

agentes da pregação neopentecostal é randômica, isto é, ocorre sempre com permuta de papéis

entre locutor/alocutário, uma vez que os testemunhos dos fiéis sobre os milagres alcançados

19

Sobre as certezas religiosas e as fronteiras da argumentação dediquei uma explanação mais detalhada na seção

4.4 deste trabalho: Dogma e neopentecostalismo fundamentalista: limites da argumentação religiosa

intradiscursiva.

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estão presentes em toda a produção narrativa religiosa dos pastores: não é raro ver líderes

religiosos realizarem ―entrevistas‖ com os fiéis na tentativa de buscar validar suas próprias

pregações diante da assembleia. De fato, o discurso é construído e mantido por ambos os

locutores (pastores-e-fiéis) que se revezam na produção discursiva religiosa. Assim, podemos

inferir uma dimensão de revezamento de papéis entre os produtores dos DNP, mas apenas

circunscrita ao âmbito persuasivo e não dialogal. Nessa medida, podemos falar em uma

dimensão de revezamento persuasivo dos atores que produzem, mantêm e reorganizam os

DNP, mas sem retirar o foco protagonista da enunciação na voz dos líderes religiosos em

preleção. Os fiéis são, portanto, vozes adjuntas, auxiliares que reforçam e ilustram a

―veracidade e eficácia‖ dos DNP: sem essas vozes secundárias, os pregadores do evangelho

realizariam extensos monólogos doutrinais, sem a participação direta dos crentes.

Conforme percebi nessa pesquisa, os temas estritamente religiosos e também os

teotemas – aqueles objetos de referenciação que são incluídos no discurso religioso, mas a

princípio não são religiosos –, seguem um padrão de recorrência em que a intencionalidade

dos oradores da fé, e, consequente confirmação dos crentes, se mostra ativamente operantes.

Mas, reforço que essa intencionalidade do discurso neopentecostal se realiza aos moldes de

uma chave discursiva de conexão que abre passagem à discursivização religiosa. Logo, o

enunciado neopentecostal parece atender prontamente as aspirações dos ouvintes e estes, num

segundo momento, realimentam as assertivas dos pastores por meio de seus testemunhos à

congregação. Assim, dessa afinidade discursiva podemos compreender que os DNP se

configuram a partir da enunciação e não apenas de pregações monologais isoladas. Não fosse

essa relação visceral entre ―o que deve ser dito‖ (pelos pastores) com ―aquilo que precisa ser

resolvido‖ (pelos fiéis), provavelmente os DNP não ecoariam tão fortemente na congregação

nem se caracterizariam por uma espécie de roteiro persuasivo para a solução de quaisquer

males. Dessa maneira, podemos considerar que os preletores da fé realizam na cena

enunciativa, ―apenas‖ o papel de disparar o gatilho argumentativo da crença, pois a conclusão

restante da obra discursivo-religiosa se faz mesmo pelos próprios fiéis, no decorrer das

celebrações, momentos nos quais confirmam os ―milagres‖ alcançados. Essa relação

estabelecida entre pastores-e-fiéis ―fecha‖ o circuito discursivo religioso, pois um

determinado postulado confirma ao mesmo tempo em que reforça outros enunciados,

conforme esquematizado na figura 3.

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Figura 3: Produtores do discurso neopentecostal

Fonte: Elaborado pelo autor

Diante do exposto, torna-se evidente que trabalhar com análise do discurso

representa transitar na movência e no desvelamento das intencionalidades dos locutores do

próprio discurso, pois se pensarmos em termos extremos só existe produtores dos discursos já

que a recepção dos enunciados coopera simultaneamente com a produção de outros objetos

discursivos e também reafirma ou contradiz conceitos já postos.

Assim, o papel que seria atribuído ―naturalmente‖ ao alocutário (fiel) é rapidamente

desfeito por meio de seus depoimentos à congregação religiosa ou mesmo durante a produção

de seus discursos interiores, mentais, não revelados ao longo da exposição religiosa. Por isso,

considero que o papel do alocutário representaria apenas um átimo imaginário da enunciação.

O alocutário seria, nessa acepção, uma abstração dos discursos, pois a produção das falas,

tanto de locutores quanto de ―alocutários‖ existem simultaneamente, mas no caso destes

últimos, em um plano não perceptível, não explícito verbalmente, pois se realiza na

subjetividade mental do ouvinte-locutor.

Além dessa característica simultânea na produção discursiva religiosa, nomeei o fiel-

locutor de perlocutor, pois suas falas se moldam como efeitos de sentidos de acordo com a

condução dos pastores em preleção. Ou seja, muito mais do que ouvintes de uma formação

discursiva distinta (DNP), os crentes são coautores do enredo discursivo-religioso: assumem

enunciados doutrinais com os quais produzem efeitos de sentido (perlocutório) que reforçam

as premissas religiosas. Nessa medida, as conclusões com as quais os fiéis-locutores

(perlocutores) produzem a partir das pregações religiosas dos pastores revigoram a produção

dos DNP (fig. 3). Ou seja, as conclusões a que os crentes chegam a partir dos DNP

representam efeitos perlocutórios sobre seus enunciados contextualizados em um cenário

mítico.

Esse próprio texto provavelmente não será lido, tal como penso que estou

escrevendo, pois as vozes interpretativas do ―alocutário‖ (leitor-locutor) reproduzem uma

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nova organização textual. Nesse sentido, onde estaria a caracterização do alocutário, senão em

locutores que coexistem? Nessa medida, podemos suspeitar que uma organização textual

parecida a essa proposição deve acontecer na constituição e funcionamento dos DNP. Apesar

da distinção conceitual que faço sobre locutor/alocutário, ainda me parece conveniente utilizá-

la, conforme estudos anteriores no campo da linguística, mas apenas para fins didáticos. Não

podemos nos iludir de que os discursos ocorram sequencialmente, mas simultaneamente. Eles

coexistem em produções contínuas, mas perceptível em momentos distintos. Essa forma de

compreensão me parece mais razoável de conceber as produções discursivas.

A despeito do que foi proposto nos parágrafos acima, ainda percebo que a análise do

discurso neopentecostal adquire uma dupla característica: tensional e intencional. No encontro

dessas duas forças, os DNP buscam minimizar as tensões que poderiam ser objeto de críticas

para fortalecer suas teses (Fases Argumentativas intencionais), conforme apresento no último

capítulo.

Durante as observações e análises sobre os DNP, identifiquei sete Fases

Argumentativas, a saber: Fase da autoridade, da sensibilização, da revelação, da promessa,

do desafio, da intimidação e da comprovação. No entanto, não podemos crer ingenuamente

de que só existam essas Fases nos DNP, muito menos de que tais Fases Argumentativas

possuam itens lexicais ―fixos‖, quer dizer, pertencentes apenas a uma determinada categoria

persuasiva, o que afasta a suposição de que exista uma Fase Argumentativa ―pura‖, imune às

influências polissêmicas da linguagem. De fato, o que notamos é que existem elementos de

diversas Fases que se interconectam, permutados durante a pregação religiosa. Por isso, o

mais importante é perceber os prováveis efeitos de sentido que cada postulado religioso-

doutrinal consegue provocar nos interlocutores. Assim, os elementos lexicais destacados nas

pregações religiosas que teriam o poder de representar determinada Fase Argumentativa, são,

na realidade, efeitos perlocutórios mais prováveis de ocorrer, segundo o contexto enunciativo

religioso que nos foi vislumbrado. Ou seja, nossa percepção idiossincrática influenciaria

muito mais o resultado dos atos de fala do que estes em si mesmos poderiam dizer. Tomo tal

proposição como uma possível hipótese para solucionar nossa investigação.

No entanto, apesar das incertezas que geram esse campo nos estudos da linguagem

(TAF), podemos, ainda que esquematicamente, distinguir algumas características prováveis

atuantes em determinadas etapas na arte do convencimento doutrinal religioso. Obviamente, a

distinção aqui apresentada não nega subfases presentes ou coexistentes nos discursos, pois a

argumentação é dinâmica e revela uma profusão de efeitos perlocutórios àqueles que se

arriscam analisá-la.

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2.1 Aspectos fundamentais na TAF aplicados à análise dos DNP: breve esclarecimento

conceitual

Antes de introduzirmos propriamente a análise dos DNP e categorizar suas pregações

segundo cada Fase Argumentativa, faz-se necessário identificarmos, ainda que brevemente,

alguns conceitos fundamentais na TAF para uma melhor compreensão pragmática dos

fragmentos orais e propagandas. Afinal, as pesquisas de Austin (1990) romperam com uma

longa tradição na concepção de estudos linguísticos focado, até então, principalmente em

pesquisas descritivas da linguagem.

Assim, inaugurada pelo filósofo inglês John Langshaw Austin (1911-1960), a TAF é

posteriormente ampliada por John Roger Searle (1932-?) que incorpora uma concepção

performativa no uso da linguagem. Inicialmente a TAF proposta por Austin foi concebida a

partir de enunciados considerados por ele como performativos que, segundo sua teoria,

estariam representados por expressões que não se submetem ao critério de verificabilidade, se

são falsos ou verdadeiros, e também não descrevem nem relatam algo específico, mas que, ao

serem proferidos, realizam uma ação ou, pelo menos, deveriam realizá-la.

Disso se presume a utilização do termo ―performativo‖, do inglês to perform

(realizar). Como exemplos, podemos citar: Eu expulso esse mal... Ordeno que saia desse

corpo... Eu te abençoo e te livro do Demônio! No exato momento em que tais enunciados são

proferidos, a ação denotada pelo verbo é realizada ou pelo menos pretendida sua execução,

pois o simples proferimento de tais verbos não garante realmente seu cumprimento: ―o fato de

um locutor usar ordeno não implica diretamente que ele esteja produzindo uma ordem, já que

tal objeto implica muitos outros detalhes para a sua existência e não apenas o proferimento de

um verbo‖ (MARI, Handout, p. 2, aula 2A, versão 2010). Conforme vimos anteriormente

para que seja usado tal verbo com sucesso performativo, os pastores precisam demonstrar

autoridade sacerdotal como emissários de um poder superior capaz de, ao comando de sua

ordem, expulsar supostos espíritos malignos incorporados em alguns fiéis. Mas, se a ação

esperada não é realizada, o ato performativo não é satisfeito e se torna sem efeito prático.

Além dos performativos, Austin (1990) descreve a existência dos enunciados

constatativos que, segundo ele, descrevem um estado de coisas, ou seja, constatam a

existência de algo, passível ao critério de verificabilidade. Para esse exemplo, os depoimentos

dos fiéis costumam utilizar verbos que reafirmam algum acontecimento milagroso em suas

vidas, normalmente conjugados no passado simples: ―Deus me abençoou! Consegui me

libertar de todo o mal‖, ―Deus me honrou‖ ou advérbios de tempo/espaço: ―Hoje sou uma

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pessoa transformada‖, ―Aqui [na igreja] minha vida foi transformada‖. Em ambos os casos, o

fiel constata que sua vida fora transformada por meio de uma intervenção divina. Os

constatativos também são fartamente utilizados pelos profissionais da fé ao utilizarem de

discursos diretos e indiretos, sobretudo na exemplificação de milagres de outrem: ―Tá vendo

gente? Essa mulher foi transformada... A vida dela era só derrota, hoje só vitórias‖. Uma

melhor exemplificação tanto dos atos performativos quanto dos constatativos será realizada

mais à frente, na apresentação de cada Fase Argumentativa dos discursos religiosos. No

entanto, conforme uma análise mais detalhada dos atos de fala nos DNP, os conceitos de

performativos/constatativos não explicam definitivamente nem confirmam uma construção

teórica sobre tais atos, nem dá conta de organizar uma explicação que abarque todos os atos

de fala, pois, as circunstâncias de enunciação, o contexto ou cenário discursivo são

primordiais para atribuirmos algum valor sobre os enunciados.

Austin (1990) inicia a TAF a partir da categorização dos atos

performativos/constatativos, mas logo percebe que estes por si sós não dariam conta de

explicar a complexa organização polissêmica da língua. Dessa forma, amplia a teoria

identificando, segundo ele, três atos simultâneos, presentes em cada enunciado: o locutório, o

ilocutório e o perlocutório. Cada um deles pode ser brevemente exemplificado da seguinte

forma:

(i) Ato Locutório: quando se enuncia p. ex: “Deus estará com você para resolver

todos os seus problemas”, há o ato de enunciar cada elemento linguístico que

compõe a proposição, constituindo-se, assim no ato locutório, isto é, aquilo que

foi enunciado, manifesto por meio de um conjunto de estruturas verbais.

(ii) Ato Ilocutório: Concomitantemente, no momento em que se enuncia tal

asserção (Deus estará com você...), realiza-se o ato de promessa, representada

pela esperança de que Deus decidirá, favoravelmente, sobre nossos problemas.

Esse conteúdo proposicional, extraído diretamente do enunciado, representa a

força ilocutória, que segundo Austin (1990), simboliza aquilo que faz com que

um enunciado realize um ato. Em nosso exemplo, o ato de promessa.

(iii) Ato Perlocutório: Assim, quando se enunciou a frase ―Deus estará com

você...”, o resultado pode ser de dúvida (será verdade que Deus cuidará de

mim?), de contentamento (fico feliz porque Deus presta atenção em mim), de

desconfiança (Deus nunca resolveu nada para mim, por que ele o fará agora?),

de negação (não creio que Deus se importe comigo). Tais conclusões e muitas

outras a que os alocutários podem chegar representam o ato perlocutório que,

apesar das dificuldades em categorizá-lo, dado seu subjetivismo intrínseco e

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ainda de poder ser admitido, conforme o contexto, como um ato ilocutório,

influenciará grande parte de nossas análises.

Além desses atos de fala propostos por Austin, toda essa abordagem conceitual é

retomada e sistematizada por Searle, em Speech actos (1969) e posteriormente em Expression

and meaning (1979). Assim, ele distingue cinco grandes categorias de atos de linguagem: (i)

assertivos, (ii) diretivos, (iii) comissivo, (iv) expressivo e (v) declarativo, explicitados

conforme o seguinte Quadro exemplificativo:

Quadro 1: Atos de fala e correlação com fragmentos neopentecostais

(continua)

Tipos de atos Conceito Discurso oral a partir das

pregações

Probabilidade

verbal

ASSERTIVO

Asserções que relacionam com o

locutor, demonstram sua crença

quanto à verdade de uma

proposição. Podem expressar:

opiniões, argumentos, declarações,

reclamações, afirmações,

suposições ou negações.

Acredito em Deus!;

Aceito os milagres;

[Admito] sem Deus não sou

ninguém; Tenho certeza

que sem perseverar você

não vai chegar a lugar

nenhum!

acreditar

afirmar,

asseverar,

dizer,

aceitar,

admitir,

ter

DIRETIVO20

Proposição verbal cuja pretensão é

fazer com que o alocutário realize

alguma ação no futuro. Intenciona

levar o ouvinte a fazer (ou deixar de

fazer) algo a partir de ordens,

conselhos, pedidos, proibições ou

sugestões.

Determino que o mal saia

desse corpo!; Deixe sua

vida miserável para trás e

venha para a luz; Proíbo

que o mal volte nesse

corpo; Ordeno que o diabo

bata em retirada!

ordenar,

pedir,

mandar,

aconselhar

exigir

pedir

proibir

COMISSIVO

Frases que envolvem o locutor com

uma ação futura. Assim, o

enunciador se compromete a

realizar (ou deixar de fazer), no

futuro, uma ação referida no

próprio enunciado.

Eu vou colocar a mão na

cabeça de todos os

dizimistas;

Eu vou abençoar sua vida!

jurar

intencionar

prometer

garantir

[...]

20

Os atos diretivos nos DNP adquirem muitas vezes uma realização indireta, pois normalmente os discursos

religiosos são dirigidos às entidades demoníacas, intangíveis e não exatamente aos fiéis. De qualquer forma,

intenciona-se proceder à realização de atos diretivos: fazer com que o alocutário (Demônio) ou mesmo os fiéis

cumpram determinadas ordens, ainda que em tom de sugestão (aconselho que...).

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60

EXPRESSIVO

Expressam sentimentos, estados

psicológicos do locutor em relação

ao enunciado: alegria, esperança,

irritação, tristeza, etc.

Ah!... com Deus somos

mais!; Agradeço pelos dons

da cura!; Sinto paz

interior...

desculpar,

agradecer,

sentir

[...]

DECLARATIVO

Enunciados que alteram a

realidade pelo simples

proferimento, criando novos

estados de coisas. Para serem bem

sucedidos ou ―felizes‖ só podem ser

praticados por locutores investidos

de autoridade aceita pelos

interlocutores e a partir de um lugar

específico de enunciação.

Determino que esse mal

saia desse corpo;

Exerço o dom da cura!

Receba sua vitória!

expulsar,

demitir,

condenar,

exercer

[...]

Além dessa classificação, existem outros elementos na TAF que procuram explicar

algumas estruturas contextuais presentes no cenário enunciativo e que influenciariam a

determinação de um ato de fala como modo, condições preparatórias, condições de sinceridade,

etc. Assim, a TAF colocou como protagonistas da enunciação quem fala (locutor); com quem se

fala (interlocutor); para quem se fala (auditório, público-alvo); para que se fala (objetivos

persuasivos do discurso); de onde se fala (lugares da enunciação: igreja, academia, hospitais,

clubes, etc); o que se fala (discursos políticos, religiosos, ético-filosóficos, artísticos); como se

fala (calmamente, entusiasticamente), etc. Como se percebe, todos esses elementos modificam

consideravelmente o conteúdo proposicional de um determinado enunciado. Além do ponto,

para compreensão dos enunciados, a TAF relaciona também o modo que regulamenta a relação

locutor/alocutário com o mundo além de outras categorias (condições preparatórias, de

conteúdo proposicional e de sinceridade).

Enfim, a TAF coloca em cena não apenas a descrição feita pela linguagem, mas sua

execução prática no cotidiano das relações intra e interpessoais, em que sujeitos reais utilizam a

fala em sua plenitude. Mas, sua importância não está propriamente nas respostas que

descobrimos, mas em destacar as pistas que fornecem ao entendimento de como a linguagem

se manifesta, sobretudo, na multiplicidade de sentidos. Dessa forma, a compreensão dos

enunciados seria apenas uma pré-condição para adentrarmos no labirinto multifuncional da

linguagem. Por isso, não iremos nos deter nos pormenores da TAF, pois tal classificação

demandaria um novo trabalho e também extrapolaria aos objetivos dessa pesquisa, que se atém,

conforme reiterado, na classificação analítica das Fases Argumentativas dos discursos

neopentecostais.

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61

Conforme pretendi deixar claro, o ato perlocutório assume uma função central em

nossa análise para categorização do script persuasivo neopentecostal, pois se realiza a partir

da perspectiva do alocutário – público-alvo para o qual se dirige toda a argumentação

religiosa. No caso particular dessa pesquisa, os efeitos perlocutórios dos DNP foram

percebidos por mim ao longo desses últimos cinco anos de observação e análise, conforme

esclarecido na introdução. Tal fato deve ser levado em consideração dada a natureza das

conclusões que apresento em razão das dificuldades de categorizar sete estratégias persuasivas

nos DNP. Ao que parece, para chegarmos a determinadas conclusões sobre algo, precisamos,

antes de qualquer elaboração teórica, ―ler‖ nossa própria organização perceptiva em nosso

derredor.

Segundo Merleau-Ponty (1999, p.286): ―o objeto só se determina como um ser

identificável através de uma série aberta de experiências possíveis e só existe para um sujeito

que opera esta identificação‖. Tal afirmação reforça a tese de que nossa percepção é

construída intimamente (idiossincraticamente) sobre aquilo que julgamos aceitável de se

compreender, reorganizando nossa a realidade em um incessante movimento cognitivo, a fim

de oferecermos uma explicação mais convincente à razão.

Diante da fundamentação teórica exposta acima, é possível mostrar como certos

excertos de DNP que exponho podem ter aspectos do seu funcionamento explicado através de

parâmetros da TAF, conforme análise desenvolvida no último capítulo. Assim, a partir da

percepção perlocutória nos atos de fala das pregações religiosas, tornou-se mais fácil

compreender de que forma as sete Fases de sua argumentação puderam ser articuladas.

Por exemplo, quando registro uma locução proferida por fiéis ou pastores como

vinculada ao ―ato diretivo‖, na verdade, estou tomando por base muito mais os efeitos de

sentido (perlocução) que o enunciado (locução) suscitou em mim do que uma análise

ilocutória da expressão. Nessa medida, podemos refletir sobre as pregações religiosas nos

seguintes termos: tal enunciado provoca algo no alocutário na tentativa de fazê-lo(la) realizar

uma determinada ação? Ou, algum objeto da discursivização religiosa desperta no alocutário,

ainda que subliminarmente, alguma emoção? Afinal, o que os discursos religiosos

―intencionam‖ atingir? Por meio desses questionamentos-guia, categorizei a maior parte dos

enunciados.

Conforme esclarece Mari (handout, aula7b, 2010, p.10), ―seria inviável produzir um

efeito-perlocucional, sem que tivesse ocorrido antes uma força-ilocucional, já que aquele é

apenas uma modalização possível para esta, ou uma sequela dela como apontou Austin‖.

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Também não descarto a sequência locutiva > ilocutiva > perlocutiva na compreensão

dos enunciados religiosos, mas reconheço que as análises aqui realizadas focalizaram,

sobretudo, a relação entre o ilocutivo e o perlocutivo para categorização das sete Fases

Argumentativas dos DNP, pois essas categorias acionais e persuasivas surgiram a partir de

efeitos de sentidos diferenciados ao longo da observação dos discursos religiosos. Não seria

coerente, pois, analisá-las sob a ótica de valores ilocutórios, uma vez que não foram

discretizadas a priori apenas a partir de tais valores, mas, pelo contrário, as próprias Fases

emergiram como efeitos perlocutórios resultantes do meu contato pessoal com os discursos

religiosos. Assim, eu não poderia ―concluí-las‖ sem os efeitos de sentido (perlocução) delas

decorrentes. Dessa forma, não poderia realizar análises apenas a partir das forças ilocutórias já

que as categorias persuasivas, na dimensão perlocucional, foram decisivas para a formulação

dessa análise. Ou seja, esse posicionamento conceitual indica que as próprias Fases

Argumentativas são efeitos de sentidos resultantes da minha aproximação com os DNP. Mas,

sabemos que a linha divisória entre atos ilocutórios/perlocutórios é muito tênue: ―um efeito é

uma forma de modalização do ilocucional, ou antes, é uma forma de os interlocutores se

posicionarem diante de uma conduta que lhes é prescrita ou que foi realizada‖ (MARI, op. cit,

p. 11).

Temos que considerar que os efeitos perlocucionais não se vinculam apenas à análise

dos enunciados. Por consequência, podemos admitir que os significados característicos das

Fases Argumentativas dos DNP são gerados também a partir da percepção sobre as condutas

de seus interlocutores e de elementos coadjuvantes, preservados, sobretudo, no âmbito do

cenário enunciativo21

. A esse conjunto de elementos – que ultrapassa a uma simples análise

locucional das pregações religiosas – poderíamos associar uma dimensão perlocucional e não

simplesmente dizer algo sobre efeitos perlocucionais derivados diretamente das pregações

religiosas. Nesse sentido, uma dimensão perlocucional abarcaria, além das proposições

verbais inscritas a partir do enunciado, elementos não verbais que cooperam para que um ato

adquira certo efeito de sentido (perlocução). Portanto, como ―é questionável se devemos

derivar um efeito perlocucional diretamente do significado de uma proposição‖ (MARI, op

cit, p. 11), possivelmente faltar-nos-iam outros elementos para uma conclusão apropriada,

pois estaríamos fundamentados somente em proposições enunciadas. Por isso, a

contextualização dos atos de fala é tão importante para a compreensão dos enunciados, afinal,

a compreensão da linguagem não se realiza descolada da realidade que a engendra. Os atos

21

Ver também a expressão sinonímia cenário argumentativo, no glossário, ao final desse trabalho.

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perlocutórios, são, portanto, efeitos de sentido complexos advindos de uma leitura

particularizada da realidade em função da nossa própria capacidade de traduzir o ―real‖ ou

fazê-lo coerente, segundo nossa percepção. Precisamos, pois, recuperar no cenário

enunciativo (dimensão contextual da mensagem) aquilo que nos motivou a concluir sobre

determinada proposição, pois de pouca valia nos serviriam efeitos decorrentes somente a

partir do significado de enunciados isolados.

Em tempo, registro essa nota metodológica para que não restem dúvidas de que, tal

como um efeito perlocutório, outras respostas também poderiam ser apresentadas nessa

pesquisa à maneira de uma representação idiossincrática. Apresento também nesse capítulo

um Quadro-resumo ilustrativo de forma a erigir, ao final desse trabalho, uma possível síntese

analítica, mas aberta a novas classificações.

Exemplificando: para o enunciado [proferido por um pastor em tom de exaltação]:

“Eu vim trazer um recado de Deus para vocês!”, foi compreendido ―perlocutoriamente‖ por

mim como característico da Fase da Autoridade (o pastor se mostra investido de poder capaz

de anunciar palavras de Deus, como um legítimo sacerdote deve se portar frente aos seus

discípulos). Mas, isso não impede que a mesma locução seja compreendida por outrem como

Fase da Sensibilização (o pastor se mostra próximo, amigo de Deus, logo, eu também posso

ser...); entendida como Fase da Revelação (o pastor tem algo interessante para anunciar

diretamente de Deus). Ou, percebida sutilmente como Fase da Promessa (ora, se o pastor diz

que veio trazer um recado de Deus é porque ele vai revelar – promessa subentendida).

A partir dessas inferências, podemos justificar os efeitos diversificados delas

decorrentes da seguinte maneira: a Fase da Autoridade evidenciaria a partir de um efeito de

sentido extraído das condições preparatórias do locutor (eu = representante de Deus); a Fase

da Sensibilização, de um efeito extraído das condições de sinceridade do locutor

(supostamente, o locutor quer ajudar o alocutário com um recado de Deus); a Fase da

Revelação representaria efeitos extraídos das condições de conteúdo proposicional (Eu vim

trazer... para vocês); a Fase da Promessa representaria as condições de sinceridade do locutor:

―Eu vim trazer um recado de Deus‖ e, portanto, deverá revelar algo, para ser leal a Deus

(promessa subentendida) e também das condições preparatórias, pois o locutor se coloca

como ―representante de Deus‖ e, como tal, tem autoridade para realizar a Promessa de revelar

―um recado de Deus‖.

Podemos também encontrar justificativas hipotéticas para as demais Fases da

seguinte forma: a Fase do Desafio e Fase de Intimidação podem ser promovidas a partir do

efeito das condições de conteúdo proposicional, afinal ―um recado de Deus‖ pressupõe

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também uma ordem a ser cumprida (desafio) pelos alocutários, ou uma advertência

(intimidação). Finalmente, a declaração ―Eu vim trazer... de Deus‖ poderia representar a Fase

da Comprovação pelas condições preparatórias do Locutor (representante de Deus) e pelo

conteúdo proposicional expresso na própria declaração. Para melhor visualização dessas

relações de efeito de sentidos e com suas prováveis justificativas, apresento o Quadro 2. Nele

podemos visualizar que as sete Fases estão vinculadas tanto aos efeitos de sentidos quanto aos

efeitos de argumentação – próprios da estrutura persuasiva religiosa, também atrelada às

condições causais, nessa sequência: [efeitos > condições (causas) > Fases].

Quadro 2: Relação causa-efeito para as Fases Argumentativas nos DNP

Enunciado: “Eu vim trazer um recado de Deus para vocês!”

Locutor: Pastor

FASES Efeitos (ações que corroboram as Fases) Causas prováveis para os

efeitos

Autoridade O pastor se mostra investido de poder capaz

de anunciar ―um recado de Deus‖, como

representante sacerdotal.

Condições preparatórias do

locutor na qualidade de

representante de Deus

Sensibilização O pastor se mostra próximo, amigo de Deus,

logo, eu também posso ser...

Condições de sinceridade

do locutor

Revelação O pastor tem algo interessante para dizer,

―um recado de Deus‖

Condições de conteúdo

proposicional

Promessa Ora, se o pastor diz que veio trazer ―um

recado de Deus‖ é porque ele vai revelar –

promessa subentendida.

Condições de sinceridade

do locutor

Condições preparatórias

(representante de Deus)

Desafio ―Um recado de Deus‖ pressupõe também

uma ordem/sugestão a ser cumprida

(desafio/conselho)

Condições de conteúdo

proposicional

Intimidação ―Um recado de Deus‖ pressupõe também

uma advertência (intimidação)

Condições de conteúdo

proposicional

Comprovação Se o pastor declara que tem ―um recado de

Deus‖ é porque ele está próximo do Criador.

Condições preparatórias do

Locutor (representante de

Deus)

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Esses posicionamentos são importantes para que se compreenda que os fragmentos

de pregações aqui apresentados estão intrinsecamente relacionados aos efeitos de sentido

suscitados em mim durante sua categorização. Essa foi uma resposta que eu mesmo procurei

encontrar ao longo da pesquisa para as Fases Argumentativas dos DNP que identifiquei, pois,

a cada nova análise da discursivização religiosa que fazia, eu acabava assumindo novas

perspectivas em ângulos de observação diferenciados, o que, obviamente, alterava

constantemente a classificação original. No entanto, tal angústia teórica foi apaziguada com o

uso metodológico da TAF. Assim, desse experimento cognitivo que se tornou a elaboração

dessa pesquisa, podemos depreender que o significado de um objeto é estritamente vinculado

à ―posição‖ que o observador se coloca diante desse mesmo objeto. E essa posição pode

variar de acordo com as disposições internas, mentais, cognitivas de cada observador, de seus

interesses pessoais de satisfação, da acomodação mental, de suas experiências de vida ou de

suas idiossincrasias, dentre outros fatores.

Dito isso, agora caberá ao leitor reconstruir novas perspectivas de compreensão e

categorização dos discursos religiosos apresentados. Até aqui, vislumbramos um percurso

investigativo um tanto demorado, pois começamos a adentrar na investigação de uma

formação discursiva (DNP) e não apenas em um objeto de pesquisa previamente circunscrito

sob a forma de algum documento mais delimitado. Uma formação discursiva, apesar de

possuir características semânticas, estruturais, recorrentes mais ou menos delimitadas ainda

representa um vasto campo de objetos discursivos. Por isso, a fim de aproveitarmos melhor

essa investigação, torna-se necessário estender explicações teóricas sobre determinados

aspectos do funcionamento discursivo para que não restem dúvidas sobre sua própria

movência semântica, com a qual podemos confirmar, negar, construir ou destruir, por meio da

linguagem, quase tudo de nosso universo cultural e imaginativo.

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66

3. Referentes neopentecostais: elementos de uma identidade discursiva religiosa

Além dos discursos orais, exponho, nesse terceiro capítulo, imagens que ilustram, no

meu entendimento, os três principais objetos referenciais do neopentecostalismo, a saber: o

sacerdotalismo, o exorcismo e a prosperidade. O destaque se dá para a publicidade sacerdotal

em que o poder de seus discursos doutrinais tenta eleger os líderes religiosos à categoria de

líderes carismáticos ―aptos‖ a resolver os problemas de suas comunidades de fé.

Utilizo o conceito de referente discursivo, conforme fundamentado nos autores do

capítulo anterior para explicitar o objeto de pesquisa, qual seja: o discurso neopentecostal,

sobretudo aquele produzido oralmente e proferido por líderes religiosos no momento de suas

preleções à igreja, ou, utilizando-me de um termo mais familiar no terreno da fé, discursos

provenientes de pregações ou homilias.

Defendo que os DNP apresentam uma maneira específica de discursivisar o sagrado

e em algum momento de sua projeção ao público, pelo menos, três referentes principais lhe

dão sustentação e perpetuam o seu modo de dizer. É por meio da identificação e

funcionamento de seu tríplice aspecto referencial indissociável que posso dizer que tal

discurso situa-se na esfera ou campo discursivo neopentecostal. A importância desses

referentes é tamanha, que se pensarmos na ausência de qualquer um deles, redundaria na

descaracterização identitária-discursiva do neopentecostalismo.

Assim, durante essa pesquisa, dedicada, sobretudo na escuta da oratória religiosa

identifiquei alguns referentes discursivos que, por assim dizer, marcam a prédica

neopentecostal. Com menor ou maior força e proporções no uso de um referente em

detrimento de outro, eles estão presentes em todas as práticas desse campo religioso dando o

tom do neopentecostalismo, de acordo com cada orador da fé.

Dessa forma, os referentes apresentados nessa primeira parte são de extrema

importância para se compreender a formação discursiva neopentecostal, principalmente a

partir de sua pragmática linguística. Conforme vimos, esses referentes religiosos basilares

seguem uma ordem hierárquica (sacerdotalismo > exorcismo > prosperidade) e aparecem

destacados em algum momento da pregação ou publicidade religiosa. No entanto, os

referentes secundários (teotemas) não seguem essa mesma ordem de apresentação nos DNP.

Ao longo das observações e análises, identifiquei o que chamo de tríade referencial

dos DNP, o que marca, ao mesmo tempo, sua identidade discursiva religiosa. Essa tríade

discursiva, que compõem os principais referentes do neopentecostalismo pode ser decomposta

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com os seguintes elementos: (i) o sacerdotalismo; (ii) o exorcismo e (iii) a prosperidade. No

desenvolvimento desse capítulo, exponho cada um desses referentes neopentecostais a fim de

esclarecer, ao final do trabalho, como essa formação discursiva se articula com vistas ao

intento persuasivo. Esses referentes são, no meu entendimento, as bases que caracterizam a

maioria dos DNP pesquisados. Juntos, eles fundam as diversas narrativas neopentecostais

dando suporte para que surjam, a partir deles, novos referentes secundários, mas não menos

importantes pela força persuasiva em que se articulam. A esses referentes secundários

(abordados no próximo capítulo) nomeei por teotemas22

dos DNP por representar um

grupamento lexical mais amplo no sentido de ser mais generalista e suscetível de utilização

em outros campos semânticos distintos, mas que são utilizados com certa frequência nos

discursos religiosos.

Tanto os referentes basilares quanto os acessórios dos DNP, ora problematizam ora

divinizam o espaço e o tempo religioso da enunciação. É a partir de toda uma rede lexical

ressignificada que percebemos que a identidade discursiva neopentecostal não se limita a um

conjunto determinado de elementos. Assim, não podemos demarcar completamente sua

identidade religiosa segundo um número limitado de termos, mas apenas apontar pistas de sua

existência e funcionamento.

Não convém, pois, limitar um conjunto de itens lexicais como uma exclusividade do

domínio religioso em questão, mas apresentar alguns termos mais recorrentes e sua relação na

produção de sentidos. Conforme explicitado, a identidade do objeto aqui analisado, isto é, o

discurso neopentecostal em si assemelha-se à identidade do próprio sujeito. Segundo Coracini

(2009, p. 243):

A identidade permanece sempre incompleta, sempre em processo, sempre

em formação. Assim, em vez de falar de identidade como algo acabado,

deveríamos vê-la como um processo em andamento [...], pois só é possível

capturar momentos de identificação do sujeito com outros sujeitos, fatos e

objetos. Convém lembrar que toda identificação com algo ou alguém ocorre

na medida em que essa voz encontra eco, de modo positivo ou negativo, no

interior do sujeito.

22

Apresento uma exposição mais detalhada sobre esse termo na seção 4.2 desse trabalho: Teotemas e a

sacralização espaço-temporal da enunciação neopentecostal

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Na minha compreensão, os diversos temas tratados nos DNP adquirem força de

convencimento justamente porque estão assentados nos três referentes principais – a começar

pelo referente sacerdotal. Já os referentes secundários (teotemas) funcionam, como veremos

mais à frente, como um ―acabamento‖ argumentativo interdiscursivo em que se desenvolvem

a partir da tríade referencial fundante (próspera, sacerdotal e exorcista). No meu

entendimento, esses três elementos formam o alicerce sobre o qual os teotemas se multiplicam

em nuanças argumentativas, o que torna os DNP muito criativos e sedutores para fins

proselitistas. Mas, deixemos o aprofundamento dessas questões para seu devido momento.

Por ora, vamos nos ater aos três referentes que, como já expus, produzem a marca identitária

da pregação neopentecostal.

3.1 Autoridade Sacerdotal: representantes de Deus e a promessa de milagres

Ao analisar a produção discursiva neopentecostal, percebi que a ação dos líderes

religiosos adquire uma importância central na condução do enredo persuasivo. Assim, trato a

função exercida pelos pastores, sobretudo quando da manifestação de sua autoridade

profética, como referente sacerdotal. Tal categoria é focalizada nesse capítulo enquanto

objeto referencial fundante para que o discurso religioso se desenvolva em outros níveis e

expressões persuasivas, conforme veremos ao longo dessa pesquisa.

Assim, o sacerdotalismo exerce um papel ainda mais preponderante, sobretudo na

identificação discursiva desse segmento religioso ao imprimir uma influência preponderante

aos sacerdotes. Essa identificação, conforme pretendi esclarecer nos capítulos anteriores

assume o formato de uma formação discursiva local. Segundo Weber (2009, p. 294):

―denominam-se sacerdotes os funcionários de uma empresa permanente, regular e organizada,

visando à influência sobre os deuses‖. Nesse sentido, os sacerdotes neopentecostais exibem

uma diversidade muito grande de estratégias com vistas ao relacionamento com as divindades,

conforme exemplos aqui demonstrados.

Assim, para que se compreenda a influência sacerdotal enquanto objeto referencial

dos DNP, é preciso atentar para o fato de que esse padrão discurso-religioso coloca como foco

central a própria figura missionária de seus líderes, com promessas de milagres e bênçãos para

a solução de supostos males a que os crentes são acometidos, conforme exemplificado nas

figuras 4 e 5. Essas ilustrações mostram o milagre como principal ingrediente ofertado

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pelos sacerdotes: ―grande cruzada de milagres‖ (fig.4) e ―explosão de milagres‖ (fig.5). Nessa

última, com a promessa explícita de bênçãos: ―... estarão abençoando as famílias‖.

Assim, como profeta de Deus, o líder religioso busca oferecer a cura para diversas

doenças, se apresenta como uma revelação à maneira de um artista aguardado ansiosamente

pelo público. Por isso, a propaganda é carregada de valor diretivo seguido de comissivo

pressuposto, isto é, procura levar o alocutário a agir em prol de sua própria cura indo à igreja

para receber (promessa) a solução daquilo que precisam (―venha receber‖, fig.4). Poderíamos

destacar também falas em termos de interpelações que expressam convite e expectativas:

―Depois da África e Japão, chegou a vez de Montes Claros!‖

Figura 4 – Cruzada de Milagres

Fonte: Fotos do autor (IRC, 2006, MOC)

Figura 5 – Explosão de Milagres

Fonte: Fotos do autor (MIR, 2006, MOC)

Conforme ilustrado também em outros exemplos nos DNP, o referente sacerdotal

caracteriza-se principalmente por não poupar elogios a seus líderes, considerados intérpretes

de Deus entre os homens conforme exemplo em questão (fig.5), onde o pastor é nomeado por

―conferencista internacional‖. Dessa forma, essa condição preparatória do líder religioso

reforça sua autoridade profética. Assim, a propaganda sacerdotal, tal como ilustrado nas

figuras acima, inicia-se de uma maneira geral realçando o potencial milagroso centrado na

figura de um líder religioso que demonstra possuir as ―chaves‖, os códigos para decifrar as

FIG.2

Fonte: arquivo do pesquisador, 2007.

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palavras sagradas e materializá-las sob a forma de bênçãos, curas e revelações às pessoas.

(―palavras de revelação, oração pelos enfermos‖, fig. 5).

Esse tipo de propaganda com forte valoração sacerdotal se converte em promessas

[atos comissivos dos pastores] na medida em que podem contribuir para modificar a vida

humana. Evidentemente, além da autoridade sacerdotal das asserções existem elementos

persuasivos marcados, sobretudo, por promessas, pois a própria estrutura persuasiva

sacerdotal dos atos de fala neopentecostais assim exige: um sacerdote não pode vir desprovido

de promessas à sua comunidade de fé (Quadro 3).

Quadro 3: Promessas – valor sacerdotal das pregações

Loc.

Excertos do corpus Inferências sacerdotais

(relação Ponto/Modo)

Pas

tor

1

Nós estaremos indo à Terra Santa [Israel] e

iremos apresentar seu pedido... seu maior

sonho, seu desejo no Poço de Jacó... Nesse

lugar foi onde inúmeros resultados na vida

financeira, sentimental aconteceram na vida

dos heróis da fé... E o que aconteceu na vida

deles vai acontecer na sua vida também! Por

que não? Você vai escrever seu maior sonho e

maior desejo sentimental... Nós [os pastores]

vamos lá para um único objetivo: a sua

realização! (IIGD, 2009)

P:comissivos/M:promessas

(estaremos/iremos/vamos lá)

P:assertivo/M:predição

(vai acontecer)

P:diretivo/M:sugestão

(vai escrever)

Pas

tor

2

Eu não só quero como posso te ajudar! Deus

me chamou para isso! (IMPD, 2010)

P:comissivos/M:desejo/possibilidade

Comissivos marcados pelas condições

preparatórias (posso) e de sinceridade

(quero).

Obviamente para que tais asserções sejam aceitas como verdadeiras, isto é, passíveis

de alguma mudança positiva na vida dos fiéis, é preciso que se deposite confiança

primeiramente nas palavras do próprio líder religioso, cuja tarefa se propõe levar

determinados pedidos para que Deus os realize (IIGD, 2009). Sem o reconhecimento dessa

autoridade, que se estabelece nas bases da propaganda religiosa e na oratória dos profissionais

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da fé, não haveria razão para se falar em poder de persuasão dos discursos religiosos, muito

menos se daria crédito aos milagres que prometem realizar sob a intercessão de Deus. O

―único objetivo‖ a que o pastor 1 arremata ao final do enunciado confirma seu caráter

sacerdotal de se servir de ―ponte‖ entre o humano e o sagrado. Outro fragmento persuasivo a

ser destacado é que ao final o pastor 1 realiza sequencialmente dois atos (assertivo/predição e

diretivo/sugestão): ―vai acontecer‖ [o milagre]; ―vai escrever‖ [o desejo, o sonho]. Essa

relação discursiva predição/sugestão, é bastante recorrente nos DNP, pois, à pregação

religiosa, não basta predizer o milagre, é preciso fazer com que os crentes realizem ações.

Os desdobramentos da relação promessa/realização serão melhor visualizados no

último capítulo, no qual apresento detalhadamente as Fases persuasivas dos DNP. Por

enquanto, nosso objetivo aqui se restringe em ilustrar o referente sacerdotal como

característica constitutiva dos discursos religiosos.

Quanto a asserção do pastor 2, este também intenta realizar atos de promessas gerais,

pois não especifica um objeto de realização, tal como faz o pastor 1. Mas, no caso da

representação sacerdotal, o segundo pastor elabora um argumento preparatório que o habilita

ao caráter profético (―ele pode ajudar‖). Tudo isso serve para ratificar a análise dos

proferimentos (loc. 1 e 2) com promessas sustentadas por sacerdotes que demonstram uma

explícita autoridade ao executar suas falas.

A solidariedade do grupo religioso (pastores e fiéis) é forçosamente vigorosa,

baseada que está na estreita dependência recíproca grupo-indivíduo. Essa solidariedade é

ainda mais perceptível quando esquematizada por uma espécie de encenação discursiva

neopentecostal, ilustrada principalmente no último capítulo dessa tese, onde esquematizo sete

Fases da argumentação neopentecostal, sem a pretensão de esgotar ou cercar os limites da

persuasão religiosa, mas mostrar certa racionalidade na elaboração desse campo discursivo.

O apoio recíproco do grupo (pastores-fiéis) parece convergir para um consenso nos

referentes doutrinais da pregação neopentecostal. Essa troca recíproca e simbólica sobre o

sentido a que os referentes religiosos falam, como falam, porque falam e, sobretudo, para

onde tentam levar os fiéis à ―compreensão‖ sobre as resoluções divinas que os orientam a

respeito de uma determinada situação. Para ilustrar tal posicionamento, destaco, no Quadro 4

(IURD, 2011), duas cenas na intenção de exemplificar uma forma de associação discursiva

muito comum nos DNP, estabelecida entre pastores e fiéis. Pois, muitas vezes, suas falas se

misturam, sobretudo quando o pastor se projeta na condição dos fiéis e estes confirmam,

posteriormente, por meio de testemunhos em público, suas conquistas miraculosas.

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72

Quadro 4: Associação discursiva - apoio recíproco entre pastor/fiel

L

oc.

Enunciados – excerto do corpus

Inferências

Pas

tor

Se você diz: eu quero mudar de vida... eu

quero ser pai.... eu quero receber do

Senhor a vitória e através dessa atitude de

fé o milagre vai acontecer! VAI

PORQUE VOCÊ CRÊ... E quem não

crer? Quem não crer não recebe... A

pessoa que crê é aquela que vem... Por

isso... os testemunhos PROVAM a

grandeza e o poder de Deus.

Inversão dos papéis enunciativos: é o pastor

que assume a função locutiva do fiel e

estabelece uma sequência de atos

comissivos/desejo, conforme sublinhados.

Essa comissividade é ratificada pelo ato

assertivo/predição -...vai acontecer, vai

porque você crê...

Há também um ato diretivo/provocação que

testa o interlocutor sobre a sua crença.

E, por fim, um conjunto de atos assertivos

que confirmam a necessidade da crença em

Deus.

Fie

l

Só de meu filho estar aqui já é o maior

milagre porque ele tentou suicídio 3

vezes... no primeiro ele tomou

comprimido... no segundo ele quebrou

uma garrafa e enfiou no pescoço né...

levou 70 pontos! (...) e o terceiro ele

bebeu soda com coca-cola, (...) falta sete

órgãos no corpo dele (...) ele não tem

estômago... não tem esôfago... não tem

traquéia... não tem laringe... não tem

faringe... ele só tem o pulmão... Agora

teve que tirar a vesícula também... Ele

pesava 37 quilos... Os médicos falaram:

―eu quero conhecer esse Deus do Cleber‖

(...) Meu filho tá aqui gente! Forte!

Saudável porque nosso Deus não falha!

O testemunho da mãe complementa a

explicação inicial do pastor. Nele podemos

destacar diversas asserções sobre fatos da

vida do filho.

Ocorre a simulação de um ato comissivo

para os médicos (quero conhecer esse Deus

do Cleber...), que representa uma tentativa

de dar credibilidade aos fatos narrados. Por

fim, poderíamos destacar a emoção da mãe

presente no relato, através de atos

expressivos (meu filho tá aqui, gente / Forte

/ Saudável), que se confirmam pela ação

causal de Deus (porque nosso Deus não

falha).

Como se percebe pela sequência apresentada nos excertos acima e em grande parte

de outros fragmentos discursivos apresentados nesse trabalho, os DNP são marcados por uma

espécie de complemento explicativo da autoridade sacerdotal, à semelhança de uma parceria

argumentativa continuamente evidenciada em enunciados de pastores-e-fiéis.

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73

Para compreensão de alguns aspectos da religião instituída Weber (1994, p.370)

formula a expressão ―religiosidade sistematicamente teologizada‖. Para ele, tal categoria faz

com que nasça em seu meio uma aristocracia dos ―dogmaticamente instruídos e cientes, os

quais então, em grau e com êxito diversos, fazem questão de ser os verdadeiros portadores

dessa religiosidade‖. Tal crença cria um ambiente favorável ao surgimento de sacerdotes. No

caso neopentecostal em foco nessa pesquisa, um novo dado vem corroborar a autoridade

sacerdotal: ela nunca vem separada do apoio dos seguidores do líder religioso. Assim,

conforme percebi nos discursos analisados, o referente sacerdotal só se sustenta pelo apoio

explícito dos seguidores daqueles que se autodenominam ―profeta de Deus‖, ―homem de

Deus‖, ―apóstolo de Deus‖, etc. Sem essa validação por parte dos fiéis, sobretudo expressos

em depoimentos sobre milagres alcançados aos demais crentes da igreja, provavelmente, os

sacerdotes da atualidade não subsistiriam por muito tempo.

Oportuno explicar a distinção entre os termos ―sacerdote e messias‖. Conforme nos

esclarece Pereira (2001, p. 26), ―o messias é um personagem concebido como um guia divino

que deve levar o povo eleito à vitória sobre algum estado de opressão em que vive‖. WEBER

(2009, p.378) ainda explica que:

O messias é alguém enviado por uma divindade para trazer a vitória do Bem

sobre o Mal, ou para corrigir a imperfeição do mundo, permitindo o advento

do Paraíso Terrestre, tratando-se, pois de um líder religioso e social. O líder

tem tal status não porque possui uma posição dentro da ordem estabelecida,

e sim porque suas qualidades pessoais extraordinárias, provadas por meio de

faculdades mágicas ou estáticas, lhe dão autoridade; trata-se, pois, de um

líder essencialmente carismático. Assim, age graças ao seu dom pessoal

apenas, colocando-se fora ou acima da hierarquia eclesiástica ou civil

existente, desautorizando-a ou subvertendo-a, a ruptura de ordem

estabelecida podendo ser breve ou de longa duração.

Nesse sentido, observa-se o surgimento de novos messias em todos os tempos da

humanidade. Nas figuras 4 e 5, percebemos propagandas que beiram ao messianismo, mas

que de fato superlativam a figura sacerdotal em duas igrejas em Montes Claros – MG: a

chegada de um líder religioso foi tratada praticamente como a chegada de um messias, isto é,

de um líder respeitado e admirado por seus fiéis. Na realidade, essa falsa impressão

messiânica se dá justamente por um excesso propagandístico das qualidades sacerdotais,

conforme explicitado em Weber (2009) e Pereira (2001) sobre as funções de ―um líder

essencialmente carismático‖. Afinal, um messias ―é alguém enviado por uma divindade...‖

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(Conf. WEBER, 2009). Mas, no caso dos sacerdotes em questão, não podemos assegurar que

alguma ―divindade‖ os tenha enviado à pregação do evangelho e distribuição de milagres aos

aflitos, mas, antes disso, sabemos que tais pastores passam por alguma imersão nos discursos

religiosos até a profissionalização no sagrado. Tornam-se, pois, profissionais da fé com

perspicácia argumentativa suficientemente eficaz no convencimento (ou conversão) de

grandes massas. Enfim, adquirem um prestígio social de sacerdotes e não de messias23

.

Rigorosamente, um pastor não torna algo divino, mas sagrado.

Apesar dessa distinção (sacerdotes/messias) o messianismo ainda subsiste como

força propulsora das esperanças daqueles que buscam por uma solução miraculosa em suas

vidas. Afinal, a promessa por uma vida melhor é um dos grandes, senão o maior, estandarte

dos DNP em particular e das religiões por extensão. Sem as promessas de solução para os

problemas humanos não haveria razão para se falar de esperança que os discursos religiosos

de uma maneira geral, tanto incitam entre os fiéis.

Assim, o messianismo implícito busca se firmar como uma força prática na oratória

religiosa e não como um enunciado passivo e inerte de significação: ―diante do espetáculo das

injustiças, o dever do homem é trabalhar para saná-las, pois sua é a responsabilidade pelas

condições do mundo‖ (PEREIRA, 2001, p. 76). E, desde que a crença se inicia, dá, então,

lugar ao movimento messiânico, que se destina a consertar aquilo que existe de errado, pelo

menos na opinião daqueles que parecem aceitar serem guiados pelas qualidades

transcendentais dos líderes religiosos, sob o manto de sacerdotes imbuídos de valores

messiânicos, sem precisarmos considerá-los ―messias‖.

Pereira (2001 apud FERREIRA, 2008) explica que o messias tem diversos objetivos:

políticos, sociais, econômicos (conforme se localizem os erros neste ou naquele setor) –

religiosamente alcançáveis, isto é, por meio de rituais especiais um enviado imaculado é

revelado aos homens a fim de ―resolver‖ as demandas cotidianas de uma sociedade.

Normalmente, os movimentos messiânicos registram a figura masculina, conforme a

cosmogonia bíblica apresenta multiforme: o próprio Deus é representado por homens que se

autodenominam ―profetas‖. Talvez por isso, os movimentos messiânicos apresentam-se

sempre a mesma forma: um indivíduo religioso é levado a profetizar; apresenta-se como a

encarnação do Verbo, anuncia os últimos tempos, agrupa discípulos e investe-os de poder,

23

Sobre essa profissionalização dos pastores neopentecostais podemos citar R.R Soares (Igreja Internacional da

Graça de Deus) e Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus): dois pastores de grande expressão

neopentecostal, ambos tiveram sua formação inicial na IURD para posteriormente se tornarem proprietários e

principais sacerdotes de suas próprias igrejas. Aliás, esse é um caminho bastante comum que funciona como

mecanismo multiplicador de novos sacerdotes – a partir do surgimento de novas igrejas dissidentes.

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75

coloca-se, dessa maneira, acima da hierarquia eclesiástica (ALPHANDÉRY, 1905 apud

PEREIRA, 2001).

Dessa maneira, os DNP parecem acalentar os corações de um grande contingente

populacional, pois prometem a solução para praticamente todos os males por que passa o ser

humano. Segundo Pereira (2001), nesse movimento religioso, a crença produz uma etapa

de espera messiânica, em que tudo é aspiração, desejo, promessa de tempos melhores; os

indivíduos se contentam, então, em sonhar com um mundo perfeito e em espreitar a vinda do

enviado celeste. Os DNP explicam que esse enviado nunca deixou os sofredores à mercê

porque a solução para todos os problemas humanos ―não está na religião‖, mas diretamente

na palavra de Deus, inscrita na bíblia – reinterpretada pelos oradores da fé, sacerdotes da

atualidade, cuja expressão de seus discursos, às vezes, se aproximam muito de valores

messiânicos.

Conforme vimos sobre os objetos referenciais, uma formação discursiva pode

comportar múltiplas formas interdiscursivas, isto é, muitas maneiras de abordar um mesmo

tema. No entanto, para cada abordagem, elas apresentam um arcervo lexical mais ou menos

limitado, no rol de possibilidades de seu uso. Para ilustrar esse fato, basta atentarmos para a

recorrência lexical que se estabelece ao longo do corpus aqui analisado. Obviamente não

poderíamos transcrevê-lo na íntegra, pois ocuparia um conjunto numeroso de páginas. Mas, a

maneira como suas propagandas incitam características discursivas com forte apelo sacerdotal

pode ser ilustrada a seguir:

Quadro 5: Inferência sacerdotal do neopentecostalismo

(continua)

Loc.

Enunciados – excerto do corpus

Inferências

Pas

tor

1

Você... que só tem conhecido sofrimento...

dor... tristeza... abandono... maldade...

pobreza... injustiça e doença... se sente

oprimido pelas forças do mal... cumprindo

obrigações intermináveis... vivendo na aflição

e no medo. Você... que foi vítima de um

trabalho [feitiçaria], da inveja, venha em

nossa igreja... pois nós temos a solução!

(IURD, 2010)

Há aqui uma promessa (indireta)-

temos a solução - que foi

condicionada por uma descrição

negativa do estado físico, mental das

pessoas. A estratégia do pastor é fazer

valer a sua promessa, supondo

diversos infortúnios dos fiéis como

condição para a sua adesão à

promessa (solução dos problemas).

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76

Pas

tor

2

O nosso intuito é ajudar você e tirar você da

escravidão e ver você e sua família feliz...

longe do vício... livre do vício... livre das

contendas... das brigas. [...] Você me procura

e diz: olha pastor... a coisa ta tão difícil pra

mim... que eu tenho até vontade de ligar...

mas cortaram meu telefone... porque não

sobra nem pra pagar a conta... não tenho

dinheiro nem pra comprar um cartão

telefônico. [...] O mal investiu de forma tão

pesada na sua vida que olha pra você ver

minha amiga... Você precisa de ajuda! Nós

vamos ajudar você! Eu vou resolver o seu

problema nessa terça-feira na igreja [...]. Nós

vamos colocar fogo nesse encosto maldito...

desgraçado que tem atormentado sua vida

(IMPD, 2012).

Embora formulada de maneira

assertiva, a intervenção inicial do

pastor valida uma promessa indireta–

ajudar você; tirar você da escravidão

- como fator principal do enredo

sacerdotal.

Com a promessa de solução (Eu vou

resolver o seu problema; nós vamos

colocar fogo...), o pastor ratifica a sua

posição de fazer do discurso

messiânico um instrumento para

soluções de problemas do cotidiano

das pessoas.

Pas

tor

3

O que Deus prometeu para Abraão... o que

prometeu para Isaac... e prometeu para

Israel... e prometeu para Moisés... e prometeu

para Josué, e prometeu para todos os

profetas... para todos os homens que O

SERVIRAM... Hoje, Deus promete... para

nós... As promessas Dele se mantêm... O que

Ele falou no passado é para nós hoje... Porque

no tempo de Moisés... Deus usou quem? Usou

a Moiséis! No tempo de Josué... Deus usou a

quem? Josué! No tempo de David... Deus

usou a quem? David! E cada um foi usado no

seu devido tempo! (IURD, 2008)

Nada mais ilustrativo para as

promessas bíblicas, do que o relato de

promessas sagradas (um comissivo

reportado): é o que predomina na

argumentação do pastor – que precisa

prometer os milagres de Deus para

justificar seu próprio ofício de

sacerdote. Todo o fragmento aciona

uma cadeia referencial de profetas

(Abrão, Isaac, Moisés, Josué...) para

que o fiel ―conclua‖ que também está

diante de um sacerdote (profeta) apto

a intermediar os desejos humanos

com promessas sagradas.

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77

Apre

senta

do

ra

[sobre a igreja]: Um lugar onde a sua vida

VAI mudar!... Uma reunião onde os

enfermos são curados..., um encontro que

liberta milhares de pessoas do sofrimento e da

opressão..., uma oportunidade de ter um

verdadeiro encontro com Deus! Acredite!

Chegou a sua hora de mudar de vida na

concentração de fé e milagres. Todos os

domingos, ministrada pelo bispo [...] a

concentração de fé e milagres recebe mais de

cinco mil pessoas que chegam em busca de

uma transformação de vida e de um

verdadeiro encontro com Deus! As inúmeras

histórias de superação de vida mostram que

para quem crê... a vitória é garantida. (IURD,

2012)

O ato assertivo/predição inicial (sua

vida vai mudar) centraliza os demais

atos subsequentes: todos eles projetam

a ideia de mudança.

Essa mudança aparece também

ratificada no ato diretivo /imposição

(chegou a sua hora de mudar de vida)

e é retomada, na sequência pelas

expressões – transformação de vida,

superação de vida.

Há um destaque especial da função

messiânica: todos os prodígios

anunciados deverão passar por suas

mãos.

Fie

l

Este cartaz (fig. 6) deixou-me sem palavras....

Matosinhos recebe a dignificante visita do

Profeta Luiz Claudio, nos dias 24, 25 e 26 de

novembro. Este homem com ―H‖ grande

conseguiu, ao longo da sua vida, o

inimaginável, como é possível ler no cartaz.

Não é qualquer um que sendo ex-travesti e

ex-presidiário continua vivo, mas o profeta

vai mais longe no desafio que lança à morte;

ele contrai o vírus da SIDA e nem esta doença

incurável o consegue levar para junto do

Senhor. Mas mais do que desafiar morte, o

profeta Luiz Claudio, trata por tu os mistérios

da vida e consegue engravidar uma mulher

seca, ainda por cima duas vezes!! Ele, sem

dúvidas, é o Messias!!! Não percam a

oportunidade de conhecê-lo e receber o

milagre das mãos de Deus!! (IFRANCISCA,

2012, negritos nossos)

A fiel e admiradora do ―profeta‖

apresenta asserções sobre seu histórico

de vida, de um homem ―comum‖ à

transformação miraculosa como

profeta de Deus.

Realiza ao final, um (i)declarativo /

proclamação – Ele, sem dúvida, é o

Messias!!! - seguido da preparação

para um (ii) diretivo/conselho - ―Não

percam a oportunidade de conhecê-

lo... – para a realização do milagre.

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78

Sín

tese

anal

ític

a Nesses exemplos percebe-se que os locutores (pastores, fiel e apresentadora) ativam

uma progressão referencial elencando termos supostamente próximos às suas

realidades de vidas, para finalmente apresentar uma esperança com o término dos

sofrimentos mediante a intervenção sacerdotal: ―nós temos a solução‖ (IURD, 2010);

―eu vou resolver o seu problema‖ (IMPD, 2012); ―sua vida vai mudar!‖ (IURD, 2012).

Todas essas locuções desencadeiam novos referentes discursivos, opostos àquilo que os

fiéis provavelmente enfrentam em suas vidas. Ou seja, apesar dos DNP anunciarem

―catástrofes‖ pessoais e coletivas, o que se espera é justamente seu oposto: a promessa

de milagres (sequência de atos comissivos) e a salvação, tal como um juramento

messiânico motivador para que os fiéis continuem imbuídos pelo discurso religioso. As

assertivas peremptórias de depoimentos/opiniões de fiéis também reforçam a certeza de

que os líderes religiosos são emissários encarregados com alguma missão sagrada: ―Ele

é o Messias‖ (fig. 6 conf. IFRANCISCA, 2012).

Esse encadeamento lógico de referentes discursivos (sofrimento > busca de solução

> mudança) converge para a efetivação do referente sacerdotal. Em certo sentido, poderíamos

considerá-los objetos referenciais em si mesmos, pois, de uma maneira geral, essa sequência

lógica parece ser buscada por qualquer pessoa e não apenas por fiéis neopentecostais: não é

raro vermos alguém diante do sofrimento procurar por uma solução, para que a mudança

ocorra em suas vidas. Por isso, enfatizo a importância de se considerar a autoridade sacerdotal

enquanto objeto referencial de destaque nos DNP: o enredo na busca pela solução e mudança

pode até ser o mesmo (sofrimento > busca de solução > mudança) de outras pessoas ―não

religiosas‖, mas no caso dos fiéis religiosos, toda essa construção lógica está fundamentada

por parâmetros míticos que marcam o terreno da fé, dentre eles, o sacerdotalismo, exposto

nessa seção da pesquisa, logo, poderíamos reescrever o esquema acima de forma mais

específica: (sofrimento > busca de solução sacerdotal > mudança)24

.

Assim, a utilização dos referentes empregados pelos pastores se torna possível

porque faz referência à memória discursiva dos alocutários para ancorar a realidade, fazê-la

parecer ―real‖, ou seja, as categorias referenciais se tornam a partir de uma mesma coleção de

informações sobre o mesmo objeto. Nessa medida, os fiéis buscariam as igrejas para

solucionar seus sofrimentos exatamente por admitirem, a priori, a autoridade imanente de

seus líderes religiosos. Dessa forma, o sacerdotalismo funcionaria como uma dêixis implícita

dos DNP, pois apontaria para os fiéis a solução de seus problemas na presença do ―Deus

vivo‖, representado pelos profetas da atualidade. Assim é que podemos entender a declaração:

24

Além da autoridade sacerdotal, trato o exorcismo e a prosperidade como objetos referenciais fundantes dos

DNP. Mas podemos atribuir à influência sacerdotal a propulsão inicial para que os demais referentes discursivos

neopentecostais se desenvolvam.

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―Não percam a oportunidade de conhecê-lo e receber o milagre das mãos de Deus”. O

prestígio sacerdotal explícito em tal afirmação remete ao próprio Deus, como fonte de solução

para quaisquer problemas humanos. Assim, nesse exemplo, teremos a seguinte representação

dêitica implícita: [solução Deus sacerdotes], que poderíamos ler: se solução, então

Deus; se Deus, então sacerdotes. Dessa forma, só o sacerdote, como legítimo representante de

Deus, pode apontar a solução. Além do caráter sacerdotal, alguns líderes religiosos vão um

pouco mais além e se declaram messias25

.

Tais exemplos representativos de alguns grupamentos religiosos servem, no entanto,

apenas para apontar que as qualidades dos referentes são próprias do tipo discursivo que os

representa, ou seja, o que se quer imprimir no sentido discursivo religioso acontece também,

de forma parecida, com o discurso político, com o discurso midiático ou outras formações

discursivas. Por exemplo, é comum atribuir aos candidatos políticos os seguintes predicativos:

―ele é a solução para seus problemas... nele você pode confiar!‖.

A característica salvacionista subentendida na maioria dos discursos políticos, de que

uma pessoa eleita vai ―salvar‖ a população de seu estado de miséria alimenta ainda hoje

muitas campanhas políticas. A opção por esses objetos-de-discurso não é aleatória, mas sim

em consonância com as escolhas lexicais do autor para referir-se (e convencer) com seu

objeto discursivo. Inúmeros são os exemplos de referentes salvacionistas extraídos dos DNP.

Pretendi aqui me ater apenas em exemplicar algumas de suas falas para não extrapolar os

limites desse texto, conforme apresentado no Quadro 5.

Apesar das contradições que limitam a compreensão da dogmática religiosa cristã, os

DNP funcionam, quase sempre, marcados por referentes salvacionistas, materializados na

figura de alguém que tem o poder de resolver as mazelas de seus fiéis, libertá-los da

escravidão do mal, enfim de salvar suas vidas, seja no âmbito financeiro, amoroso, familiar ou

da saúde física. O fim é claro: atingir seu intento ―mágico‖ de retirar o fiel sofredor de seu

posto de vítima do Demônio para desfrutar das bonanças terrenas aprovadas por Deus no

aqui-agora.

Assim, os pastores, os depoimentos de pessoas ―libertas‖ e a igreja em si se mostram

como elementos centrais da narrativa religiosa, pois, antes de proferir doutrinações, curas

espirituais ou físicas, o discurso religioso precisa carregar-se de autoridade sagrada como

25

Apesar da discrição ―messiânica‖ da maioria dos líderes religiosos, existem outros que fazem questão de

exteriorizar essa qualidade transcendental e se autodenominam encarnações de Jesus Cristo. Só para citar alguns

exemplos emblemáticos atualmente de repercussão internacional: Inri Cristo (brasileiro) e Miranda (porto-

riquenho). Na Austrália, os casais Alan John Miller e Mary Suzanne Luck, se autodenominam reencarnações de

Jesus Cristo e Maria Madalena, respectivamente. Todos esses ―messias‖ (sacerdotes) congregam em torno de suas

produções discursivas milhares de seguidores.

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80

representante de um poder supremo. Por isso, entendo que o referente sacerdotal se constitui

em objeto precípuo nos DNP, pois sem este as demais construções discursivas elaboradas a

posteriori, careceriam de força persuasiva: como expulsar ―Demônios‖ ou determinar a

prosperidade, sem autoridade profética como representante de Deus? Afinal, quem estaria à

frente do altar falando tudo aquilo, prometendo a cura de todos os males, a solução para todos

os problemas? É preciso que haja, antes de tudo, autoridade para que os demais conceitos

religiosos se desenvolvam e sejam aceitos pela comunidade de fé.

Para finalizar essa representação sacerdotal, normalmente os discursos

neopentecostais são elaborados a partir de histórias de vida dos pastores, que se tornam, eles

próprios, no ―milagre vivo‖ de seus discursos (conf. fig. 41). Assim, é muito comum os

pastores narrarem sua vida pregressa, antes da conversão à igreja na presença do ―Demônio‖,

mas após o ―encontro pessoal com Jesus e o Espírito Santo‖, se promovem como fonte de

vida e salvação. Dessa forma, os sacerdotes neopentecostais se afastam do modelo imaculado,

de um salvador social, de um ―messias‖, conforme apresentado por Weber (1994) e Pereira

(2004). Mas, isso não ofusca o brilho de seus trabalhos sacerdotais, pelo contrário, eles

próprios se apresentam como ―provas do milagre de Deus‖. A mensagem é clara: se eles

tiveram conserto, todos os demais crentes terão [comissivo/aspiração].

Amplamente difundida na internet (fig. 06), podemos ver itens bastante

representativos da atividade sacerdotal sob diversos ângulos, mas aqui quero destacar apenas

o fato de o pastor Luis Claudio aparecer como uma ―revelação de Deus‖. O caráter

salvacionista é evidenciado, sobretudo ao final da propaganda: “venha ver e receber o

milagre das mãos de Deus” [dois diretivos – venha ver,... venha receber -, sendo que o

segundo, pelas condições proposicionais – verbo receber – funciona, indiretamente, como um

comissivo: alguma ação será desenvolvida em favor do alocutário]: venha ver e receber –

promessa do milagre.

Além da representação sacerdotal do líder religioso, explícita na propaganda,

acrescentei o depoimento (Quadro 5) de uma fiel admiradora do profeta, concluindo o caráter

salvacionista explícito no cartaz. Interessante perceber também, conforme mencionei, que os

sacerdotes neopentecostais utilizam-se de suas histórias pessoais de vida, normalmente

desestruturadas pelo ―pecado‖, para se servirem, eles mesmos, como provas do milagre de

Deus, com sua vida modificada e ―salva‖ (fig. 6).

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81

Figura 6: O profeta Luis Claudio

Fonte: PROFETA... 2012

Oportuno observar que o neopentecostalismo apresenta características de um

movimento religioso sincrético e adota diversos rituais de outros segmentos. Mas, não irei me

deter aqui nessa discretização neopentecostal pelo viés doutrinal, mas discursivo. Apenas a

título de ilustração, apresento a figura 7 que retrata a similaridade dos DNP com outra forma

de propaganda que ressalta atributos sacerdotais, sobretudo o de predisposição para atender às

pessoas que sofrem com algum mal: ―pare agora de sofrer!‖ (fig7).

Figura 7: A Profetisa

Fonte: PROFETISA... 2010

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82

Alguns itens dignos de destaque nesse anúncio representativo do referente

sacerdotal: revelação do que está oculto (ela vai revelar quais são as forças ocultas que estão

amarrando sua vida e destruindo sua felicidade); se autodenomina ―profetiza‖; se coloca apta

a resolver diversos problemas (trabalhos fortes desatadores de nós, contra: inveja, feitiço e

amarrações espirituais); promete a solução urgente dos problemas (pare agora de sofrer!);

enfatiza o próprio nome – repete em destaque o nome com sua ―titulação‖: Profetiza Doralice

Costa e, finalmente, apresenta um convite no rodapé do panfleto, sugerindo familiaridade e

segurança (entre, sinta-se bem você é nosso irmão).

3.2 Libertação dos “Demônios” em nome de Jesus

O referente exorcista ocupa grande parte dos DNP, principalmente em reuniões

específicas para esse fim. Normalmente, nas igrejas pesquisadas, essas reuniões ocorrem

todas as terças e sextas-feiras, com ênfase nas pregações principalmente à noite a fim de

exorcizar ―Demônios‖.

Nos DNP o exorcismo ocupa papel central nas pregações de seus líderes religiosos.

Ora, o exorcismo só se justifica porque existe ―algo‖ para ser exorcizado. No caso dos DNP, a

causa primeira de todos os males está no Demônio – representado por um ser, um ―ente‖ que

está sempre presente, de forma implícita ou explícita, na vida das pessoas que sofrem e,

portanto, necessita ser ―expulso‖ por meio da palavra profética.

Enquanto, no referente sacerdotal, o discurso religioso busca firmar uma autoridade

subentendida, centrada na figura do líder religioso, no exorcismo, as práticas discursivas

explicitam o mal diretamente no outrem. Ou seja, se para os sacerdotes o discurso é

teocêntrico (o pastor é porta-voz dos atributos de Deus); para o exorcismo, é antropocêntrico

(o fiel é receptáculo de forças demoníacas que corrompem sua vida).

Assim, a primeira etapa para o fiel se libertar de algum ou de todos os seus

problemas é passar pelos rituais de exorcismo oferecidos durante os cultos, pois, acredita-se

que o mal tenha ―entrado‖ no corpo e na vida dos crentes de alguma maneira26

e, por isso,

necessita uma ―intervenção espiritual‖ para ser expulso a fim de ―curar‖ os fiéis, conforme

exemplificam os seguintes fragmentos apresentados no Quadro 6:

26

Normalmente o neopentecostalismo atribui, como fonte dos sofrimentos humanos, o mal – corporificado na

figura de algum Demônio que ―entrou‖ no corpo do fiel-sofredor, vítima de ―alguma praga rogada, olho-gordo,

obras de macumbaria, bruxaria, feitiçaria, inveja, prostituições, desrespeito às leis de Deus, vícios, ingestão de

alimento amaldiçoado‖, dentre uma coleção de outras ―causas‖.

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83

Quadro 6: Inferência exorcista do neopentecostalismo

(continua)

Loc.

Enunciados – excerto do corpus

Inferências

Pas

tor

1

Esse homem... essa mulher... precisam de

uma intervenção espiritual para se libertar

das brigas... das intrigas e das

desavenças... mas o que vai permanecer

nessa família é a benção e a

prosperidade! Oh Deus eu lhe peço para

essa pessoa que está com sua vida

financeira amarrada... vida profissional e

tudo o que ela faz não dá certo... Mas o

Senhor é um Deus que desamarra... então

enviai a provisão divina para que essa

pessoa receba o milagre em sua vida...

para o sustento da sua casa... Pai...

REPREENDEI as obras de encostos... de

feitiçaria... de vudu e de magia negra...

Nós repreendemos em nome de Jesus!

(IMPD, 2008)

Locutor, através de um ato

assertivo/necessidade, mostra que o

alocutário precisa ―desamarrar‖ os

problemas que lhe atormentam por meio de

uma intervenção espiritual, isto é, o ato

diretivo/súplica – enviai a provisão

divina...- em favor do fiel, da mesma forma

que roga – ato diretivo/súplica – Pai,

repreendei as obras de encostos – pela

eliminação dos efeitos maléficos que

afligem o fiel. Por fim, a expectativa de que

tudo se resolva, o que se vê no ato

assertivo/hábito – Nós repreendemos em

nome de Jesus!

Pas

tor

2

Pai, onde estiver uma pessoa sofrendo eu

levanto minha voz como MINISTRO DO

EVANGELHO para repreender e

paralisar todo o mal... Onde quer que

esteja agindo... espírito imundo e sujo...

Demônio que causa enfermidade... que

faz com que essa mulher e esse homem

venham se prostituir... SUMA daí agora

pomba-gira maldita! Tudo o que você

colocou DESAPAREÇA AGORA!

SUMA com seu câncer... com sua

AIDS... saia agora essa inflamação... da

mente... do corpo e da alma... SUMA

com seu desemprego... SUMA com sua

contenda! SUMA com o peso do corpo

agora! Você que ouve vozes... SUMA...

DESAPARE::ÇA AGO::RA!!! Eu to

MANDANDO! EU TO EXIGINDO!...

Toda maldição... VAI embora! SU::MA...

em nome de Jesus! (IIGD, 2010)

Locutor, através de um ato

assertivo/afirmação – levanto minha voz...-

(mas com uma realização indireta de um ato

comissivo/promessa para situações

futuras)coloca-se como sacerdote apto a

expulsar o mal. Esse fragmento representa

grande parte dos DNP exorcistas, pois a

voz, a palavra oral é ferramenta essencial

para a expulsão demoníaca, o que se nota na

realização reiterada de atos diretivos/ordem,

com um conteúdo proposicional de

expulsão – suma, desapareça, vai embora -

reforçados por atos finais (diretivos/ordem)

com um conteúdo proposicional de

intransigência – eu to mandando, eu to

exigindo - A pretensão é atingir um ato

declarativo ―perfeito‖ ou ―feliz‖ (Searle).

Isto é, por meio do simples proferimento

verbal, o ato de expulsão do mal deve se

realizar.

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Pas

tor

3

Oh meu Deus essas pessoas querem sair

da condenação... e EM NOME DE

JESUS EU VOU ABENÇOÁ-LAS

AGORA... Ô::: espírito da condenação,

do fracasso... agora que estou lhe dando

uma ORDEM ... ESPÍRITO DA

ALERGIA...DA SENSIBILIDADE

ALIMENTAR que entrou na vida dessa

pessoa... EU ESTOU MANDANDO...

PEGA TUDO O QUE É SEU! PEGA

AGORA E VAI EMBORA! EU ESTOU

EXIGINDO! EU ESTOU

DETERMINANDO! EU ESTOU

FALANDO EM NOME DE JESUS

CRISTO! [...] Eu estou falando agora

contigo! CHEGOU A HORA DE SAIR,

DE BATER EM RETIRADA.. EU

DETERMINOSA:::IA AGORA! (IRC,

2008)

O comissivo/promessa (vou abençoá-las)

prepara o alocutário para receber a

libertação do mal, serve, pois, para

sensibilizá-lo a fim de receber a oração

exorcista, pois logo no início o Loc. Insinua

o pecado (condenação) e demonstra desejo

de libertação (essas pessoas querem sair da

condenação). Posteriormente o locutor

imprime diretivos implícitos, valendo-se de

sua condição preparatória (Eu determino... é

hora de sair...estou mandando... vai

embora... estou exigindo/determinando.),

para exercer o seu papel de legítimo

expulsador de ―espírito da condenação, do

fracasso‖. Ressaltam-se as condições

preparatórias, que marcam a fala do pastor

como autoridade de Deus para expulsar

Demônios. Portanto, sem essa autoridade

sacerdotal do locutor, os rituais de

exorcismo não se sustentariam.

Fie

l

Eu fui liberta aqui na igreja... me afastei

um pouco daqui da igreja e a dor voltou...

Mas NO MOMENTO da oração a dor

sumiu! (COPV, 2011)

Locutor, através de atos assertivos /

constatação declara a eficácia da oração na

igreja, porque fora dela (me afastei) o mal

havia retornado. Ênfase para o tempo

presente (no momento) instante em que o

milagre se realizou.

Sín

tese

anal

ític

a

Pela mediação do pastor nos cultos de cura e exorcismo, os fiéis esperam ser libertos de

suas ―condenações‖ aos infortúnios da vida, fruto de forças espirituais exteriores a eles;

conforme podemos depreender das orações exorcistas e depoimento do fiel, em que o

―mal‖, corporificado na presença de um ente maligno (“encostos”, “espírito da

condenação” ou “pomba-gira” – em negritos acima) seria expulso do corpo dos fiéis

(“a dor sumiu‖).

Segundo Pinezi e Romanelli (2003, p. 65), o exorcismo ―é parte integrante de

diversas religiões que compõem o acervo cultural da sociedade brasileira e tem se ampliado

consideravelmente nos últimos anos, sobretudo entre as denominações neopentecostais‖.

Conforme podemos perceber por meio das orações exorcistas (Quadro 6), para que os

pastores consigam expulsar o mal das pessoas, primeiramente, eles mesmos devem tomar para

si a autoridade sacerdotal, vista em detalhes na seção anterior. Dessa forma, as práticas

exorcistas se apresentam como uma primeira consequência dessa disposição apostólica

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neopentecostal: possui a marca da exterioridade impregnada de emocionalismo religioso, que

chega ao limite da catarse27

, conforme exposto nas transcrições, sobretudo quando os

locutores expõem as dificuldades e sofrimentos por que passavam, antes de receberem a

―oração libertadora‖.

Podemos também entender as práticas exorcistas neopentecostais como uma

transição para o terceiro objeto referencial que compõe sua identidade discursivo-religiosa: a

prosperidade. Pois, sem uma ―limpeza‖ espiritual, com expulsão do(s) ―Demônio(s)‖ e de

tudo o que faz o crente ―andar para trás‖, nenhuma riqueza duradoura poderia acontecer em

suas vidas.

Importante recordar que rituais exorcistas não são uma exclusividade do

neopentecostalismo, mas a forma como são apresentados, conduzidos e, sobretudo,

popularizados sim. Conforme nos lembra Sagan (2006, p. 148):

O exorcismo de Demônios ainda é praticado pela Igreja católica romana e

outras religiões. [...] Foi somente no século XVIII que a doença mental

deixou de ser em geral atribuída a causas sobrenaturais; até a insônia tinha

sido considerada um castigo infligido por Demônios.

Ainda hoje, a insônia continua sendo considerada, pelos DNP, uma influência de

algum Demônio: ―vamos retirar esse encosto maldito da insônia... que não deixa essa pobre

mulher dormir em paz‖ (IIGD, 2008).

Mas, se os rituais de exorcismo não são uma exclusividade dos DNP, o que os

diferencia de outras formações discursivas religiosas? A resposta pode ser encontrada na

forma como o neopentecostalismo aborda esse tema específico de ―expulsão demoníaca‖

como solução primeira para todos os males por que passa o ser humano28

. O Demônio ou os

Demônios – porque os DNP sempre fazem referência a uma legião de espíritos do mal seriam

os responsáveis por cada problema humano (de uma dor de dente ao câncer), como se cada

espírito maligno tivesse se especializado em produzir alguma desordem natural.

27

Segundo Vicária e Mansur (2011), foi Carl Jung quem se dedicou a teorizar de onde vêm os ―maus espíritos‖

que atormentam as pessoas. Essas figuras aterrorizantes são imagens gravadas coletivamente na mente humana.

Batizados de arquétipos acompanham a humanidade há milhares de anos. O diabo, que os crentes acreditam

incorporar, seria uma dessas imagens e representaria forças destrutivas dentro da própria pessoa. 28

Muito recentemente alguns DNP têm alternado explicações sobre as desventuras humanas, ora atribuindo-as

aos Demônios, ora à própria incapacidade do fiel em responder aos seus problemas com trabalho, determinação e

planejamento estratégico, enfim com sua iniciativa pessoal. Nesse caso, a inércia do fiel abriria espaço para que

o Demônio se manifestasse em uma vida de derrotas.

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Para os DNP, sempre existirá alguma interferência de Deus ou do Demônio agindo

na natureza. Muitas vezes com a ―presença‖ de algum tipo de Demônio especializado em

produzir um problema mais específico (separação conjugal, vícios, desemprego, etc) que

interfere diretamente na natureza humana e, portanto, precisa ser extirpado pelo poder do

Espírito Santo e da palavra de Deus intermediada pelos líderes da fé. Mas, rigorosamente,

essa abordagem sobrenatural da natureza não é uma exclusividade da pregação

neopentecostal. Segundo Eliade (2001 p. 86): ―para o homem religioso, a natureza nunca é

exclusivamente ‗natural‘: está carregada de um valor religioso. Pois o Cosmos é uma criação

divina: saindo das mãos dos deuses, o mundo fica impregnado de sacralidade‖.

Nenhum outro segmento cristão em que estive presente trata os rituais de exorcismo

de forma tão popular, com reuniões abertas para o grande público em geral. Nessa medida, a

aceitação do Demônio como fonte de nossos sofrimentos parece um fato tão óbvio para os

DNP que o que soa estranho é negá-lo frente às desventuras humanas. Considero, pois, que o

neopentecostalismo ―naturalizou‖ a figura do Demônio na atualidade. Além de naturalizar,

também generalizou os efeitos ―dele‖ decorrentes: pelos exemplos acima, qualquer problema

é consequência de uma interpelação demoníaca. É um Demônio pouco seletivo, com vistas a

justificar o papel da autoridade. Para o grande público, esse tema estava adormecido desde o

final do período medieval, mas ressurgiu com muita força na atualidade29

.

A ―popularidade‖ do Demônio era tão grande na Idade Média que, segundo Alves

(2006), a simples confissão de ateísmo era compreendida como loucura e esta como possessão

demoníaca, sendo o ateu submetido aos rituais de exorcismo. Assim, a religião era

considerada uma tese verdadeira e como tal deveria ser aceita por todos sem questionamentos.

Conforme Hryniewicz (2001, p. 64), ―as polêmicas que existiam giravam em torno de certas

verdades religiosas, mas não quanto à validade da crença religiosa em si‖.

Nas igrejas pesquisadas, também pude observar práticas exorcistas ―ao pé do

ouvido‖: pastores e obreiros, conjuntamente, realizam uma espécie de oração hipnótica muito

próxima aos fiéis, literalmente ―ao pé do ouvido‖. Ao que parece, pretendem que suas

palavras ―despertem‖ algum Demônio adormecido na pessoa. Obviamente, não me aprofundei

nessa manifestação discursiva pelas limitações que ela impunha ao registro.

Conforme podemos depreender dos excertos (Quadro 7), as reuniões exorcistas

apresentam sempre uma ―oração forte‖, marcada pela ―prece violenta‖ (fig. 8) que promete a

29

Interessante seria aprofundar sobre os motivos desse ―ressurgimento‖ da figura do Demônio, sobretudo em

tempos de avanço científico-tecnólogico. Um estudo histórico e sociolinguístico poderia enriquecer essa

investigação e esclarecer melhor como o Demônio ainda consegue subsistir tão forte em uma sociedade do

conhecimento.

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solução para diversos males. Essa promessa corresponde à própria mensagem transmitida nas

pregações. Portanto, nas reuniões exorcistas, em especial em orações para o

―desencapetamento‖ dos crentes (fig. 8 e 9), os pastores realizam atos comissivos. Afinal, um

sacerdote comprometido com sua missão apostólica não deve desamparar seu povo carente de

promessas libertadoras, sobretudo aquelas em que os devotos se veem livres das influências

do Demônio, com seus infortúnios agregados a uma vida desequilibrada e em dissonância

com Deus. Assim, os sacerdotes neopentecostais prometem resolver esse problema libertando

seus discípulos em rituais de exorcismo.

Mas, aqui temos que considerar uma particularidade dos discursos exorcistas, pois

apesar de ele se dirigir ao ―Demônio‖, é para o fiel-sofredor que as promessas de libertação

devem se realizar. Mas, se, para o fiel, o discurso libertador exorcista aparece como uma

promessa, para o ―Demônio‖, mostra-se como uma ameaça. Afinal, no exorcismo o

―Demônio‖, através de um ato diretivo ou declarativo, será executado, destruído, queimado,

enfim, exterminado, sob as ordens dos profetas de Deus. Esses mesmos atos, portanto, têm

orientação dupla, dependendo do alocutário a ser considerado: ―Chegou a hora de sair, de

bater em retirada‖ – pode ser visto pelo fiel-sofredor como uma promessa para si mesmo e

como uma ameaça para o Demônio, mas é visto também como um diretivo/declarativo na

relação locutor, como representante de Deus, afinal o ato deverá se realizar com o próprio

pronunciamento dos pastores. Há, portanto, muitas promessas e muitos comandos orientados

diretamente para os fiéis, assim como muitas ameaças e muitas ordens dirigidas diretamente

aos ―Demônios‖.

Seria contraproducente, pois, aos DNP, apenas prometer a solução dos males – o

fim do Demônio e a consequente libertação dos fiéis, mas é preciso ir além: é preciso realizar

tal promessa específica para os fiéis (―seja liberto!‖); ou cumprir suas ameaças também

específicas aos ―Demônios‖ (queima! queima!). E isso, se faz mediante atos exclusivos com

funções específicas, ou atos únicos com funções diversas, conforme apresento no Quadro 7,

mostrando uma transição que culmina sempre com a realização de uma promessa para o

alocutário, pois o discurso religioso intenciona sempre realizar algum milagre e não apenas

prometê-lo. Logo, é importante, ao analisar as promessas dentro de um exorcismo, considerar

alguns detalhes:

(i) existe um alocutário invisível – o Demônio –, nesse caso, o ato comissivo para o

exorcismo deve ser analisado como uma ameaça (e não promessa);

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(ii) concomitantemente, existe um alocutário visível (beneficiário – o fiel), quando,

então, o ato assume o valor de promessa.

Outra sutil diferenciação que ainda podemos explicitar na modalização da força

ilocutória dos discursos exorcistas é distinguir se os atos diretivos representam “ordem ou

comando”. Ao que parece, o modo ―comando” faz parte de atos diretivos que integram um

determinado ritual, um determinado procedimento já fixado por certas convenções na

congregação religiosa, a exemplo da naturalização que os fiéis demonstram no pagamento de

dízimos ou ofertas à igreja, quando incitados por líderes religiosos: ―Vem aqui

[diretivo/comando] no altar... vou fazer [comissivo/promessa] uma oração para você...

aproveita e traz [diretivo/comando] seu dízimo‖. Ou, na forma como os fiéis se comportam

em momentos específicos ao responderem naturalmente à sequência de acontecimentos

durante uma celebração religiosa: início > aclamação > cânticos > orações > homilias >

dízimos > ofertas > testemunhos > curas > exorcismos > bênçãos > convites >

agradecimentos > encerramento. Todos esses momentos específicos que compõem o culto

religioso acontecem porque são incitados por atos diretivos a partir de comandos (modo) e

dirigidos à assembleia.

Assim, a relação estabelecida entre locutor/alocutário nos cultos religiosos lembra a

conhecida relação behaviorista30

expressa na equação E=R, estímulo-resposta: DNP >

diretivos/comando, ou, DNP > diretivos/ordem, conforme o caso, a quem o discurso se dirige

– se para o fiel ou para o ―Demônio‖, respectivamente. Dessa forma, o modo comando

―suaviza‖ o diretivo ordem, sem lhe retirar força para que o ato diretivo se realize e, ao

mesmo tempo, sugere etapas a serem seguidas com alguma explicação complementar lógica:

―Vem aqui... [porque] vou fazer uma oração para você... aproveita [já que você veio] e traz

seu dízimo‖.

Contudo, o diretivo/ordem implica um alocutário ainda mais assujeitado, obrigado a

fazer algo, sem necessariamente dispor de uma explicação prévia ou justificativa para

executar o ato, pois parte de um locutor suficientemente investido de autoridade para não

prestar contas, ou explicar o porquê do alocutário ter que executar suas ordens. A ordem,

30

Para nossos objetivos não se faz necessário distinguir qual corrente behaviorista (skinneriania, watsoniana,

pavloviana, e outras) melhor explica as reações comportamentais dos fiéis a partir de estímulos dos pastores.

Temos que considerar as limitações dessa teoria do comportamento, pois ela não dá conta dos significados -

fortemente valorizados na TAF, mas apenas do comportamento visível como respostas a determinados estímulos.

O principal pressuposto dessa teoria é que o comportamento humano acontece através da repetição a estímulos

(comandos e ordens?) e reforços positivos e negativos (milagres de Deus e ameaças do Demônio?). Deixemos

esses questionamentos no ar, somente para evocar tal teoria do comportamento relacionada, possivelmente, ao

―comando e ordem‖ como modalizadores de atos diretivos para o exorcismo neopentecostal.

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portanto, é inexorável, sem direito a questionamentos: cumpra-se! (―Demônio... saia desse

corpo... eu ordeno... SAIA!‖). Nesse sentido, uma ordem para o exorcismo religioso adquire

um status declarativo, pois, ao enunciá-la, o locutor realiza a própria ação, pelo menos

àqueles que creem. Interessante observar que, invariavelmente, em todas as sessões exorcistas

em que estive presente, o ―Demônio‖ sempre obedeceu a ordem dos pastores de ―bater em

retirada‖, afinal na encenação discursiva exorcista não existe outra alternativa.

Assim, executam-se diretivos/ordem quando os fiéis ―endemoninhados‖, subjugados

por ―entidades malignas‖ são libertos no altar da igreja com o término instantâneo de seus

sofrimentos, à maneira de um pronto-socorro da fé. Obviamente que aqui, os diretivos/ordem

são para um alocutário invisível (o Demônio), ―manifestado‖ fisicamente em posturas

corporais contorcidas dos fiéis-sofredores supostamente incorporados com o ―espírito

maligno‖, pois assim demonstram, com expressões faciais de grande aflição e voz distorcida.

Dessa forma, o diretivo/comando, nessa etapa exorcista, pode ser executado pelos

fiéis que agem de acordo com os ditames de seus líderes, enquanto que o diretivo/ordem deve

ser cumprido pelo “Demônio”. Por isso, é mais adequado – considerando a natureza desse

alocutário invisível, classificar o exorcismo religioso em diretivo/ordem: o ―Demônio‖ deve

seguir muito mais do que os comandos dos pastores, ele tem que obedecer as ordens dos

sacerdotes de Deus, pois não existe nada mais poderoso do que o próprio Deus e,

consequentemente, do que seus representantes na Terra. Na encenação discursiva religiosa, o

―Demônio‖ precisa se render ao poder supremo do Criador. Então, poderíamos entender que,

seguindo as ordens do pastor (―ajoelha Demônio... diga qual o seu nome exu desgraçado...

coloca as mãos para trás... abaixa a cabeça... saia desse corpo capeta dos infernos!‖), os fiéis-

sofredores apenas executariam comandos (não ordens) – de ajoelhar, dizer, colocar mãos para

trás, abaixar a cabeça, etc. Esses movimentos corporais seriam, na acepção doutrinal,

representações do próprio Demônio incorporado, ―dentro‖ do corpo das vítimas.

Assim, nos ―bastidores do invisível‖, o Demônio seria obrigado a executar ordens,

enquanto que os fiéis-sofredores seriam suscitados, simultaneamente, a executar comandos.

Afinal, temos que lembrar que o pastor trabalha com dois alocutários simultâneos (fiel e

Demônio), pois a crença religiosa aponta uma entidade maligna ―dentro‖ do corpo do fiel-

sofredor. Dessa maneira, o modo ordem, para a o diretivo exorcista, seria executado a fim de

resolver algo de natureza emergencial (expulsão demoníaca), surgida em função das

condições preparatórias que a possibilita – cura urgente e libertação instantânea dos infelizes,

tal como apresentado em reuniões exorcistas de cultos neopentecostais.

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Dada essa natureza urgente, instantânea de ―cura‖ exorcista, em que as palavras do

pastor buscam traduzir as palavras sagradas de libertação e bonanças, podemos considerar que

não basta aos DNP simplesmente incitar atos diretivos/ordem aos Demônios, pois o que se

espera é alterar a realidade sofredora dos fiéis: libertá-los, no instante do proferimento verbal

exorcista, do jugo do Demônio. Assim, os diretivos (ordem ou comando) nos discursos

religiosos têm sempre uma aspiração declarativa para consecução dos ―milagres‖.

Tais discursos exorcistas podem ser observados com riqueza de detalhes nos

fragmentos de dois pastores em oração (Quadro 7). Importante observar o quanto a

linguagem, nas orações exorcistas, se mostra circular e uniforme, com termos que se repetem

quase em tom hipnótico. Para facilitar a compreensão, em que o referente ―exorcista‖ se

destaca nessa recorrência verbal sublinhei alguns de seus elementos. Observe que também

aqui o referente sacerdotal se destaca em profusão, pois, conforme expliquei anteriormente,

sem ele, não existiria força ilocucional para realizar os demais atos persuasivos

neopentecostais. Aquele que exorciza não fala sozinho: sua voz vem, antes de tudo, de uma

voz suprema que sempre vence quaisquer obstáculos, inclusive o ―Demônio‖.

Quadro 7: Oração exorcista no DNP

(continua)

Loc

. Enunciados – excerto do corpus Inferências

Pas

tor

1

Ah! Meu Deus, vai passando sobre esse lar

perturbado... atribula::do onde as BRIGAS... as

DISCUSSÕES tem imperado... tem

domina::do... mas o teu poder...Vai passan::do

por essa casa onde o vício das drogas tem

prevalecido... onde o vício da bebida... da

jogatina... onde o Demônio do

homossexuaLIS::MO... meu Deus... tem

prevalecido... pois... onde houver um mal... ele

cai por terra A::GORA! Em nome do Senhor

Jesus! [...] É você Demônio maldito que colocou

o vício da bebida... o vício das drogas... É você

Demônio maldito que colocou o adultério dentro

dessa casa! É você que separa casais! EM

NO:::ME DO SENHOR::: JESU:::S! [...] Ôh:::

DEMÔNIO!!! PU::LA PRA FORA AGORA!

(IIGD, 2008)

Oração é marcada, dentre outros

aspectos, de atos diretivos/sugestão –

vai passando. Neste caso, a sugestão é

dirigida ao próprio Deus (alocutário)

que deverá executar as ordens do

pastor. Assim, esses atos podem ter

força comissiva/promessa, pois

prenunciam para o fiel a solução dos

distúrbios humanos por meio de

intervenção divina. Seguem-se atos

assertivos/acusação - é você

Demônio..., é você que separa casais.

Essa oração também encerra com a

pretensão de um ato

declarativo/expulsão – pula pra fora

agora! – evocado pela condição

preparatória do seu locutor – em nome

de Jesus Cristo.

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Pas

tor

2

Eu vou usar a autoridade que o Senhor tem me

dado em o nome do Senhor Jesus Cristo... eu

paraliso toda a ação de satanás nessa vida... Eu

digo a você Diabo... TIRA a sua mão desse

homem... PEGA sua dor... PEGA seu

embaçamento na visão... sua cegueira... PEGA

agora Demônio a sua surdez... vai

desaparecendo... eu estou EXIGINDO em nome

do Senhor Jesus Cristo! EU ESTOU

MANDANDO: SAIA COM TODA DOR! Saia

com toda perturbação, saia com todo

sofrimento. EU MANDO EM NOME DE

JESUS CRISTO. Vai ter que sair agora! Sai

infecção! Sai inflamação! Sai defeito físico! Sai

sequela de acidente! Sai agora o mal que tá

causando o sofrimento nessas pessoas! Eu exijo!

EM NOME DO SENHOR JESUS CRISTO.. Eu

digo... Demônio SAI dessa pessoa! SAI agora

com todo esse seu sofrimento... com toda sua

perturbação... SAI agora com tudo o que é seu...

Vai embora! EM NO:::ME DE JESU:::S

CRI:::STO! (IMPD, 2008)

O locutor inicia com um ato

comissivo/promessa – vou usar -

fundamentado por sua condição

preparatória suposta: sua autoridade

sacerdotal de poder realizar tal ação

em favor do fiel.

O restante do fragmento é repleto de

atos diretivos/comando – pega...,

tira..., sai... vai embora -, pois impõe

ações para um alocutário

transcendental (Demônio). Essa

oração também encerra com a

pretensão de um ato declarativo

/expulsão - vai embora! – evocado

pela condição preparatória do seu

locutor – em nome de Jesus Cristo.

Sín

tese

anal

ític

a

O teor de autoridade do locutor ocorre pelo fato de ele falar em nome de Deus.

Assim, o que se espera desse locutor investido de autoridade sagrada é que realize atos

declarativos ainda que com aparência diretiva (“sai, vai embora, pula pra fora agora”).

Ou seja, que sua fala estabeleça a libertação do fiel-sofredor ―das amarras do diabo‖. Pois,

a expectativa principal da oração exorcista é a libertação miraculosa, instantânea dos

discípulos pelo proferimento verbal dos líderes da fé, cujas palavras ―sagradas‖ ordenam

(diretivo com pretensão declarativa) o fim do mal na vida dos crentes. Assim, o ato

declarativo (aquele que altera a realidade pelo simples proferimento) representaria a

culminância objetiva do exorcismo: pretende fazer com que o crente seja liberto no exato

momento em que as palavras do pastor, consideradas sagradas, forem proferidas.

Observa-se, nos proferimentos do pastor 1, que os diretivos são para Deus, enquanto

que, no pastor 2, os diretivos são para o Demônio. No entanto, de acordo com a natureza

desses alocutários transcendentais (Deus ou Demônio), o modo do diretivo altera

significativamente para condizer com a força ilocutória da mensagem religiosa, sob a

forma de súplicas e pedidos (a Deus) ou ordens e proibições (ao Demônio). Mas, essa não

é uma lei exclusiva do Exorcismo. Conforme veremos, para o objeto referencial

Prosperidade (Quadro 8, pastor 1), o diretivo para Deus também pode aparecer

modalizado sob a forma de obrigação (―Deus tem que...‖) e não apenas ―pedidos ou

súplicas‖ – que pressupõe um locutor humilde, carente, subserviente, como condições

preparatórias. Assim, ―Deus e o Demônio‖ são figuras retóricas, entidades operárias com

as quais os DNP se servem para persuadir.

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Apesar de o neopentecostalismo apresentar elementos sincréticos com outras

religiões, sobretudo de matriz afro-brasileira, ele rejeita tal aproximação. Nega esse vínculo

abertamente, conforme podemos observar nas figuras 8, 9 e 10. No entanto, não é difícil

perceber tais semelhanças sincréticas existentes em suas práticas religiosas, presentes tanto

em rituais de exorcismo, quanto de prosperidade financeira, advindas de outros segmentos

religiosos31

. Nesse caso, além da demonização das doenças, da infelicidade, do desemprego...,

ocorre também a demonização de expressões indígenas de matriz africana.

Figura 8: Desencapetamento total com a prece violenta

Fonte: DESENCAPETAMENTO... 2012 (IIGD)

Figura 9: Desencapetamento total com banho do alívio

Fonte: DESENCAPETAMENTO... 2009

Figura 10: Reunião exorcista

Fonte: Fotos do autor (IMPD, 2010, MOC)

31

Somente esse fenômeno sincrético dos discursos neopentecostais mereceria um estudo à parte, devido ao

grande volume de dados existentes. Possivelmente, um estudo comparativo com outras formações discursivas

religiosas nos daria respostas pontuais no campo da Sociolinguística, Antropologia, História, Ciências da

Religião, dentre outras ciências.

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Conforme pude observar, as reuniões do ―descarrego‖ costumam tratar de

praticamente todos os problemas por que passa o ser humano. Apresenta diversos rituais: um

número tão variado que não caberia expor nesse trabalho, pois nos interessam somente suas

práticas discursivas. Mas a linguagem não ocorre no vácuo, no vazio, mas integrada a uma

determinada situação. Por isso, torna-se inevitável citar uma ou outra prática ritualista, mas

somente para exemplificar falas recorrentes cuja intencionalidade, neste caso, situa-se em

torno do que considerei o referente exorcista.

Assim, tratado como referente discursivo, o exorcismo neopentecostal passa pelos

mesmos princípios de reforço e significação, conforme vimos no capítulo anterior. Para

finalizar os exemplos desse referente ―exorcista‖, ilustro com a figura 11 uma prática muito

difundida nas igrejas pesquisadas em 2010. Trata-se de um receituário para ―quebra de

maldição‖. Como se pode observar pelo roteiro com seis etapas, para que o fiel participe

ativamente do culto:

Figura 11: Sessão do descarrego

Fonte: DESCARREGO... 2011

Aos moldes desse ―receituário milagroso‖, os DNP incitam constantemente a

assembleia de crentes a aderir a seu intento persuasivo, pois promovem jogos interativos de

linguagem: aos DNP, não basta que o fiel ouça a mensagem, ele precisa participar da

construção discursiva religiosa. Para isso, não se poupam o uso de verbos no imperativo

(pegue, vire, deixe, traga) e uma promessa conclusiva ao final da mensagem: ―toda

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94

amarração da sua vida será desfeita‖. Essa característica foi bem marcada ao longo de toda

essa pesquisa.

3.3 Prosperidade e desejos satisfeitos, se Deus quiser... e ele quer!

Se considerarmos a exterioridade dos DNP, podemos admitir a ―prosperidade‖ como

o objeto referencial mais visível, pois perpassa praticamente todos os atos da pregação

religiosa. Enquanto o referente sacerdotal subsiste como efeito perlocutório do fiel, que

―entende‖ a autoridade profética dos líderes religiosos e o exorcismo como uma prática

discursiva que corrobora a doutrina evangélica de ―livrar-se do mal‖, é na prosperidade que o

crente espera ―ver‖ os milagres tão desejados. Por isso, não basta ao fiel saber que está diante

do homem de Deus (referente sacerdotal) ou ser liberto dos Demônios (referente exorcista). É

preciso mais! E esse ―mais‖ deve se materializar em uma vida repleta de Prosperidade.

Afinal, o fim último por que passa todo o enredo da narrativa religiosa aponta apenas

para um caminho: o de bem-aventuranças no aqui-agora, na certeza de ―projetos de felicidade

e não de sofrimento‖ (Jeremias 29:11). Assim, a construção argumentativa neopentecostal

deve oferecer elementos suficientes para solucionar conflitos internos (questões mentais,

emocionais) e externos (riqueza material e saúde física).

Para atingir o ―milagre‖ tão esperado, os DNP reforçam que a prosperidade deve ser

a meta do crente. E, para isso, não precisam poupar esforços para alcançá-la, inclusive

participando ativamente como sócios da igreja, sob a forma de dízimos e ofertas, pois,

conforme explica uma pregação neopentecostal, se Deus prometeu, ele tem que cumprir: dar

ao crente tudo o que foi pedido. Para isso, ―basta‖ o fiel colocar em prática sua fé, o que

significa o mesmo que realizar doações financeiras à igreja, conforme exponho no Quadro 8

esta e outras citações representativas da prosperidade pregada em cultos neopentecostais.

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Quadro 8: Inferência da prosperidade neopentecostal

(continua)

Loc.

Enunciados – excerto do corpus

Inferências

Pas

tor

1

O livro de Deus que são os pensamentos

de Deus que conduzem à vitória total

em todos os aspectos... abrange a tudo!

[...] Quando você toma uma atitude de

fé... Então... Deus... POR QUESTÃO

DE OBRIGAÇÃO... não é nem por

questão de graça ou misericórdia...

MAS por questão de O::BRIGAÇÃO...

É OBRIGA:::DO a lhe dar tudo o que

você quer (IURD, 2008)

As condições preparatórias do pastor, como

representante de Deus, se destacam, pois sem

elas a exegese bíblica não representaria uma

explicação ―convincente‖. Assim, a palavra

humana – do pregador, apóstolo, profeta,

sacerdote – reforça e valida o conteúdo

proposicional do texto bíblico, pois dá ao

texto escrito vida na versão oral (pregação).

A alusão assertiva inicial ao texto bíblico

(“que são os pensamentos de Deus”) prepara

e sensibiliza o fiel através do ato

assertivo/suposição(“conduzem à vitória

total”), que indiretamente representa uma

promessa implícita. A crença do locutor a

respeito da obrigação de Deus para com os

fiéis está atrelada ao assertivo/condição

(“quando você tomar uma atitude de fé...”)

Pas

tor

2

É ASSIM QUE ACONTECE! Não se

trata de sorte... de conhecimento... de

sabedoria... se trata sim... da fé. Isso

aqui é para quem crê... Jesus disse... os

sinais [prosperidade] seguem aos que

creem... Os sinais seguem aos que

CREEM. E a crença... a crença... a fé

está intimamente ligada à oferta... Não

existe fé sem oferta... Não existe oferta

sem fé... Não existe.... Fé sem oferta é

como um corpo sem espírito... É a

oferta que apresentamos a Deus que

MOSTRA nossa fé em Deus. (IURD,

2010)

Os assertivos demonstram a relação

intrínseca estabelecida entre a aquisição de

algo desejado (sinais) e o binômio fé-oferta,

com a sugestão indireta de diretivos/sugestão

para que o fiel doe ofertas [financeiras] à

igreja. Destaca-se, a repetição de um

assertivo/condicional, que funciona como um

ato indireto: diretivo/sugestão: trata-se de

uma mensagem subliminar para que o fiel

contribua com a igreja, pois ―É a oferta que

apresentamos a Deus...”. Assim, o locutor

estabelece relação da oferta (objeto material)

com a fé (objeto imaterial): “os sinais

[conquistas materiais atreladas às ofertas]

seguem aos que creem [fé em ofertar]‖. Fé

implica, portanto, em ofertar como uma

espécie de contrato que se estabelece entre

―Deus‖ e discípulos a fim conseguir

conquistas visíveis, materiais.

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96

Pas

tor

3

Você tá disposto a agir sua fe? Eu vou

pedir sua oferta! Você vai vim aqui e

colocar a sua oferta [dinheiro] em cima

da palavra de Deus [bíblia] e quando

você colocar sua oferta eu vou dobrar

meus joelhos e vou clamar com você

AGO::RA pela fé que você SE DISPÔS

A MANIFESTAR A FÉ... Pode ter

certeza que esse mar de problema vai

passar. Meu Deus... levanta aqui três

pessoas que vão dispor sua fé pra fazer

um desafio [oferta] de mil reais! Então

sobe aqui no altar... pode por o que

você tem! (IIGD, 2007)

O fiel é provocado pelo ato diretivo/desafio –

você está disposto...-, seguido de um ato

(indireto) diretivo/pedido – eu vou

pedir...dinheiro‖ para a igreja. O efeito

perlocutório de persuasão, para tornar factível

o desafio, se faz representar por uma pedido

dirigido à Deus (diretivo/pedido: Meu Deus...

levanta), de forma direta até mesmo por

especificar a quantia a ser doada. Assim, o

que qualifica o desafio não é o simples ato de

doar, mas de doar a quantia fixada.

Sín

tese

anal

ític

a

Os fiéis são instigados a aderir ao intento da prosperidade, primeiramente, exercitando

sua fé pessoal que corresponde a doar recursos financeiros à igreja. Esse ato seria um

―desafio‖ a Deus, uma prova de que o crente ―tem fé‖. Para isso é fundamental, segundo

os DNP, doar quantias financeiras à igreja no extremo limite das condições de cada fiel.

Isso representaria definitivamente ―a prova na fé em Deus‖, cuja consequência mais

visível é a prosperidade na vida dos crentes.

Segundo Campos (2002, p. 363), a teologia da prosperidade pode ser compreendida

como ―um conjunto de crenças e afirmações, surgidas nos Estados Unidos, que afirma ser

legítimo ao crente buscar resultados, ter fortuna favorável, enriquecer, obter o favorecimento

divino para sua vida material ou simplesmente progredir‖. Dessa forma, os DNP legitimam

aos fiéis a vida em prosperidade financeira, material, espiritual, emocional, enfim, uma vida

repleta de bonanças nos mais diferentes setores da vida. Deixa claro, que tais conquistas

devem ser buscadas mediante um ―pacto‖ com Deus. Assim, o próprio Deus não teria

condições de negar os pedidos dos fiéis, pois ―ele é obrigado a dar tudo que o crente quiser‖

(IRC, 2008). Segundo Macedo (2008, p. 44-49), ―a palavra de Deus garante a prosperidade32

para seus filhos‖.

32

Para Macedo (2008), Deus demonstra legitimidade de uma vida próspera predestinada ao homem nas seguintes

passagens bíblicas: João 10:10; Eclesiastes 5: 19; Salmos 112:1,3; Salmos 35: 27;Salmos 4:11; Provérbios 8:21;

Josué 1:7; Deuteronômio 29:9; 1 Reis 2:3; Provérbios 10: 22; Salmos 23:1; Salmos; 34:10; Salmos 68: 19;

Mateus 6:33; Mateus 6:33; Josué 1:5-8; Joel 26; Salmos 36:9; 1 Samuel 2:7; 1 Crônicas 29: 12; Salmos 104:24;

2 Crônicas 20:20; Provérbios 8:17,18; Êxodo 19:5; Levíticos 25:23; Salmos 50: 10; Deuteronômio 8:10,13;

Deuteronômio: 17; Deuteronômio 8:18; Provérbios 3:9,10; Malaquias 3: 10.

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Muitas vezes, para conseguir seu intento mágico e fazer com que a prosperidade se

materialize na vida, os crentes são incentivados a se relacionar com objetos ou substâncias

consideradas abençoadas, ―ungidas‖. A mais comum de todas constitui-se de ―óleos

abençoados‖ para serem usados na cura de alguma enfermidade ou para serem administrados

em um lugar, no corpo ou objeto para receberem alguma benção. Tal artifício funcionaria para

abrir caminho à prosperidade. Assim compreendido, a unção – prática religiosa muito

difundida nas igrejas neopentecostais – representaria um instrumento facilitador de

transformações, pois guardaria um ―elemento do milagre‖ em sua composição, conforme

propagado por um pastor (fig.12).

Figura 12:―Óleo com o elemento do milagre‖

Fonte: Fotos do autor (IURD, TV Record, 2012)

Aqui também, assim como o exorcismo não é uma exclusividade do

neopentecostalismo, a prosperidade representada por meio de objetos abençoados também não

o é. Sagan (2006, p.170) explica como alguns adeptos do catolicismo romano se

comportavam para produzirem alguma fórmula mágica ungida: ―não era incomum que raspas

de pedra ou poeira do altar fossem misturadas com água e tomadas como remédio‖. Assim, no

meu entendimento, o fenômeno da unção representaria mais um artifício estratégico da

prosperidade do que um objeto referencial distinto. A unção seria, portanto, um símbolo

material com poderes transcendentais, um amuleto abençoado, para que a prosperidade se

manifestasse na vida dos crentes. Afinal, de fato, a prosperidade requer muito mais do que

oração, requer atitudes dos crentes com ações reais, pragmáticas para que o fiel consiga

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―vencer‖ em alguma situação. No entanto, a unção neopentecostal promete ―proteção divina‖,

o que facilitaria a vida dos fiéis, conforme exemplificado nas figuras 13 e 14.

Figura 13: Mãos humanas

Fonte: Fotos do autor (IURD, TV Record, 2012)

Figura 14: Mãos sobrenaturais, como o diabo vê

Fonte: Fotos do autor (IURD, TV Record, 2012)

Observa-se, pelas figuras acima, que, após a ―unção‖ com o óleo consagrado com o

―elemento do milagre‖ (fig. 12), as mãos dos fiéis ficariam imunes à presença do diabo. Ora,

segundo a crença religiosa, se o diabo não pode tocar no ser humano, a prosperidade é certa. É

preciso, pois, ―amarrar o valente‖ [diabo] e cumprir com certas obrigações financeiras para

com a igreja para que a vida prospere, conforme exemplificado no seguinte excerto:

[pastor após dispor envelopes sobre o altar da igreja]: Em nome do Senhor Jesus, NÓS

ESTAMOS COM O SENHOR MEU PAI. E O SENHOR DISSE QUE PARA ENTRAR NA

CASA [de Deus] TEM QUE AMARRAR O VALENTE [Demônio] E NÓS ESTAMOS

COM O SENHOR PRA AMARRAR O VALENTE MEU PAI... COM O DIABO NÃO

TEM PAZ... NÃO TEM ACORDO NÃ:::O!... É GUE:::RRA... ENTÃO SENHOR JESUS...

ESTAMOS JUNTOS COM O SENHOR. AMÉM! Pega seu envelope aqui no altar... Pode

pegar... Tá consagrado, abençoado... Pega o envelope aqui e volta pro seu lugar... Terça-

feira você traz... [com a oferta financeira] (IURD, 2011, MOC)

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Pelo que se depreende dos DNP, a prosperidade se realiza segundo uma expressão

que requer, antes de tudo, a obediência dos fiéis em seguir um método que pode ser

―ensinado‖, como uma ―fórmula da riqueza‖ abençoada por Deus. Nessa medida e de acordo

com o que foi apresentado sobre os referentes dos discursos religiosos, a prosperidade precisa

ser referenciada, pois a seu respeito podemos ter uma noção geral do que se trata, própria do

senso-comum, mas no caso em questão, o conceito está carregado de intencionalidade

discursiva, própria dos DNP. Assim, a prosperidade aqui não se obtém somente pelas vias

―humanas‖, mas, antes disso, por ação sobrenatural. E a consciência dessa origem divina a

que a prosperidade proporciona na vida dos fiéis deve fazer toda a diferença, conforme Weber

(1994, p. 314) exprime sobre a prosperidade financeira de um religioso:

Os afortunados raramente se contentam com o fato de serem afortunados.

Além disso, necessitam saber que têm o direito à sua boa sorte. Desejam

ser convencidos de que a ―merecem‖ e, acima de tudo, que a merecem em

comparação com outros. Desejam acreditar que os menos afortunados

também estão recebendo o que merecem. A boa fortuna deseja, assim,

“legitimar-se”. [...] Em suma, a religião proporciona a teodicéia da boa

fortuna para os que são afortunados (negritos nossos).

Assim, por intermédio do conceito de prosperidade interiorizado nas pregações

religiosas, o cristão neopentecostal parece modificar suas concepções acerca da riqueza

material de que tem direito no aqui-agora e não no post-mortem. A aceitação de que tem

direito a todas as riquezas materiais é confirmada à medida que os fiéis se apropriam de um

novo conceito de prosperidade, isto é, ressignificado pela prática discursiva oral dos líderes

religiosos em pregação. Assim, fundamentado pela crença nessa teologia da prosperidade, o

cristão neopentecostal entende que é herdeiro de toda riqueza, pois ―é filho do rei dos reis‖.

Silveira (2007, p. 19) também observou esse fenômeno de apropriação da concepção de

prosperidade, na abundância de bens e riquezas pelos fiéis da seguinte forma: ―Saúde perfeita,

riqueza material, poder para subjugar Satanás, uma vida plena de felicidade e sem problemas.

Em contrapartida, do próprio cristão é esperado que não duvide minimamente do recebimento

da bênção, pois isto acarretaria sua perda, bem como o triunfo do Diabo‖.

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Diversos são os artifícios para que o fiel se ―limpe‖ das influências maléficas do

Demônio e garanta a vitória na prosperidade. Um delas é o uso de ―sabonetes especiais‖,

conforme podemos ver nas figuras 15 e 16.

Figura 15: Sabonete contra o atraso de vida

Fonte: SABONETE... 2011

Figura 16: Sabonete para libertação e saúde

Fonte: SABONETE...2012

Mas para que o fiel consiga a prosperidade, não basta simplesmente de um banho

com o ―sabonete contra o atraso de vida‖ (fig. 15), é preciso que ele siga rigorosamente as

diretrizes do pregador. Com isso, percebemos, conforme explanado no primeiro capítulo, que

o objeto referencial tratado aqui por ―prosperidade‖ passa por contínuos processos de

ativação: reclassificam-se conceitualmente a tal ponto que ―o impossível sobrenatural‖,

torna-se ―o possível natural‖. Nesse sentido, dentro da coerência semântica a que os DNP

estão inseridos, os fiéis devem perceber certa lógica nos argumentos defendidos por seus

líderes, conforme os excertos apresentados no Quadro 8.

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Esse receituário sobre a prosperidade confirma o que Mendonça (2007) chama de

―fórmula de fé‖. Assim, para que o crente consiga prosperar, deve cumprir o seguinte roteiro:

o fiel deve ―dizer a coisa‖, positiva ou negativamente, pois tudo depende de como o indivíduo

se expressa para conseguir suas realizações. Conforme explica Mendonça (2007), essa é a

essência da ―confissão positiva‖. Portanto, ―o discurso como força em potencial de realização,

representa o elemento central por onde passa a narrativa religiosa para aquisição de

mudanças‖ (FERREIRA, 2008, p. 84). Assim, a observação dos rumos que a pregação

religiosa assume nos capacita a compreender como os objetos religiosos, ressignificados pela

oratória mítica, traduzem as intencionalidades objetivas de seus produtores.

O segundo passo na confissão positiva (MENDONÇA, 2007) representa ―fazer a

coisa‖, uma vez que a ação, isto é, as atitudes frente aos desafios da vida cotidiana

proporcionam a vitória, representam o motor principal do discurso neopentecostal. Sem ação,

não se pode esperar por mudanças, ainda que mínimas, na vida dos fiéis religiosos

(FERREIRA, 2008). Nesse sentido, poderíamos supor que os DNP representam uma

atualização dos discursos religiosos com as atuais demandas sociais, incluindo estratégias de

marketing à maneira de recursos em motivação empresarial. Creio que o forte crescimento

desse campo discursivo religioso se deve, inclusive, por conseguir conjugar fé com

argumentos fortemente persuasivos no acelerado compasso da economia global.

O terceiro passo representa o elemento espiritual, pois compete aos crentes ―receber

a coisa‖ almejada ―de‖ Deus. E, por fim, o quarto elemento da confissão positiva, que também

poderia ser considerado, aqui, como ―o método neopentecostal para perpetuar o discurso da

prosperidade‖ (FERREIRA, 2008, p. 84): ―divulgar a coisa‖ recebida a fim de que outros fiéis

possam crer e realimentar todo o processo iniciado na promessa dos pastores. Mendonça

(2007, p 67) ainda lembra que, para fazer a confissão positiva, ―o cristão dever usar as

expressões: exijo, decreto, declaro, determino, reivindico, em lugar de dizer: peço, rogo,

suplico; jamais dizer: "se for da tua vontade", pois isso destrói a fé. Inspirado por Mendonça

(2007) esquematizo na figura 17 o fluxo discursivo desse método neopentecostal que

realimenta a ―fórmula da fé‖ a fim de atingir a prosperidade do próprio crente ao mesmo

tempo em que incentiva os demais fiéis a aderir (perceber) esse modelo discursivo religioso.

A percepção aqui, subentende uma concordância, antes de tudo, sobre a autoridade sacerdotal

do pastor e a aceitação tácita sobre as verdades que o textos religiosos supostamente

engendram.

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Figura 17: ―Fórmula da fé‖

Fonte: Elaborado pelo autor

Conforme vimos anteriormente, antes de o fiel ―dizer algo‖ (positiva ou

negativamente), ele deve tomar consciência da sua posição de sofredor frente aos desafios da

vida. Assim, ele deverá primeiramente perceber sua realidade. Nessa etapa inicial, o fiel

encontra-se diante não apenas da sua realidade pessoal, mas de uma realidade fabricada

discursivamente (oral e escrita), moldada por líderes religiosos que parecem conduzir os

crentes à ―compreensão‖ do que podem fazer para abandonar suas vidas derrotadas.

Obviamente o referente sacerdotal, conforme explicitado nas seções anteriores, subjaz esse

fluxo discursivo-persuasivo.

Ao ―perceber‖ o mote inicial que promove os DNP, os crentes são incentivados a

adotar as demais etapas: todas apontam para uma ação que devem desempenhar na

congregação com vistas à prosperidade. Por isso, acrescento às ideias de Mendonça (2007), o

nível de percepção como elemento que antecede o dizer: ora, para dizer algo, é preciso, antes,

perceber esse algo. Não podemos dizer algo sobre aquilo que nossa percepção não contrasta

com a realidade, sobretudo, em sua estranheza. E quanto mais estranha for essa realidade,

alheia à nossa percepção intrínseca – e, portanto, heterogênea em nós mesmos, mais chances

temos de ―enxergar‖ aquilo que ainda nos toma com espanto. Sem essa indignação necessária,

talvez os objetos de pesquisa esconder-se-iam na visão do senso-comum: sob a aparência

perene de que os discursos nos fazem acreditar, na ―eterna‖ existência daquilo que outrora

inocentemente nos fizeram crer que algo sempre foi assim e sempre será assim, pois, romper

com a crença na certeza que os discursos tentam nos imputar provavelmente é um dos maiores

desafios porque passa o ser humano. Não é fácil abrir mão das ―verdades‖ – certezas que nos

tranquilizam, que nos confortam –, justamente porque organizam nosso pensamento,

sobretudo, no terreno da fé. Se por si só, já é difícil desfazer com uma aparente permanência

de ―verdades‖ que os discursos apresentam, dirá com argumentos que, no terreno da fé,

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prometem a solução para ―todos os males‖, a riqueza no aqui-agora com oferta de ―milagres,

curas, sinais e maravilhas‖, conforme vemos nas figuras 18, 19 e 20.

Figura 18: Milagres e avivamento

Fonte: Fotos do autor (IVN, 2010)

Figura 19: Reunião da Conquista

Fonte: CRISE..., 2011

Figura 20: Vinho do Casamento

Fonte: VINHO... 2011

Conforme visto, as figuras acima representam exemplos de como a prosperidade é

prometida nos discursos religiosos. Essa promessa, de acordo com o que relatei no início

desse trabalho pretende abarcar todas as áreas na vida do fiel: de finanças à vida sentimental e

de saúde física. Mas a ―prosperidade‖ não é somente prometida: para que o discurso religioso

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adquira força de convencimento, é preciso ser demonstrada aos demais crentes da

congregação por meio de exemplo dos próprios fiéis que já alcançaram suas graças, conforme

exemplificado no excerto abaixo e analisado no Quadro 9.

[Depoimento de uma mulher]: Eu tinha tanta sede de uma mudança dentro de

mim... Foi ai que veio a resposta: meu esposo não só largou a amante como veio pra

igreja [...] Foi ai que chegou a Campanha da Fogueira Santa de Israel e eu fiz meu

sacrifício... [...] Deus ouviu meu clamor... minha revolta...meu sacrifício que eu

fiz e não demorou nada... Em pouco tempo... um amigo do meu esposo convidou ele

para ser sócio com ele no escritório e aí as coisas foram mudando... Recentemente eu

conquistei a casa dos meus sonhos... uma casa de campo... [...] A minha casa em São

Paulo também é muito boa [...]. Esse Deus é grande! Ele não para... ele faz

maravilhas! Porque eu sei que muito mais coisas Ele vai me dar! (IURD, 2010)

Quadro 9: Expressão da fé neopentecostal em busca da prosperidade

Etapas Fragmentos comprobatórios

Perceber ―sede de mudança‖ (...) ―Foi aí que veio a resposta‖

Dizer ―Deus ouviu meu clamor... minha revolta...‖

Fazer ―eu fiz meu sacrifício...‖

Receber ―eu conquistei (...) Ele vai me dar‖

Divulgar [todo o depoimento se constitui em um ato de divulgação]

Síntese analítica A conquista da prosperidade parece ser marcada por alguns elementos

essenciais à vitória, esquematizada no fluxo discursivo neopentecostal

(fig. 17) e destacada nos fragmentos acima. Conforme apresentarei no

quinto capítulo da tese, a etapa que expressa a fé neopentecostal

representada por Divulgar o ―milagre‖, coincide com a sétima e última

Fase estratégica da argumentação neopentecostal, chamada por mim de

Fase da Comprovação.

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4. Princípios na teoria da argumentação aplicados à análise dos discursos

neopentecostais

Nessa primeira parte do capítulo, apresento alguns conceitos sobre argumentação a

fim de mostrar um recorte conceitual sobre suas diferentes compreensões e aplicações na

análise dos discursos religiosos de matriz neopentecostal. Temos, então, um objetivo mais

teórico que é delimitar os conceitos da teoria da argumentação e outro de ordem mais

pragmática, situado na análise propriamente dita de alguns argumentos presentes nos DNP

que teriam o poder de convencimento ao confrontar com determinados postulados

aparentemente lógicos e causais na enunciação religiosa.

Assim, essa exposição visa compreender alguns argumentos fundantes dessa

formação discursiva religiosa que se apresenta, conforme discorro, entrelaçada sob a forma de

diversos temas, principalmente aqueles representativos sobre a origem das tribulações por que

normalmente passam os seres humanos, ávidos por respostas prontas e definitivas sobre os

dissabores sofridos em suas vidas.

Para ilustrar tais posicionamentos, realizei recortes da manifestação oral de líderes e

fiéis religiosos em momentos específicos de suas homilias. Assim, creio que, à medida que os

fragmentos de transcrições orais forem apresentados ao longo desse e do próximo capítulo, o

leitor perceberá a existência de miríades temáticas em que os DNP se articulam. Ao conjunto

dos diversos temas recorrentes nos discursos religiosos, nomeei genericamente por teotemas,

também considerados como objetos de referenciação acessórios nos discursos neopentecostais

– explanados em detalhes mais à frente, em seção própria ainda neste capítulo.

Os conceitos sobre a teoria da argumentação são vistos tomando como base os textos

de Perelman; Tyteca (1970), Plantin (1996), Koch, (2000), Brenton (1996), Charaudeau

(1983), Ducrot (2004) e anotações de aulas do professor Paulo Henrique A. Mendes (Puc

Minas, 2010). Para o conceito de dêixis33

, recorro a Benveniste (1989), Lyons (1980); Mateu

(1994) e anotações de aulas com a professora Juliana Alves Assis (Puc Minas, 2010) e

finalmente o conceito de silogismo, a partir da escola filosófica de Aristóteles. Tais

considerações são importantes para que se compreenda a posteriori a articulação

argumentativa dos DNP em si mesmos, recortados como ilustrações de elementos

33

O conceito de dêixis foi importante para que eu pudesse chegar ao de teotema do discurso religioso, conforme

explicarei mais à frente. Assim, os teotemas são uma adaptação e ampliação do conceito de dêixis, no sentido

lato do termo, mas aplicado exclusivamente à formação discursiva religiosa.

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persuasivos, tanto em sua face silogística, a que fundamenta o script da cena enunciativa,

quanto teotemática dêitica, aquela que aponta para o elemento sagrado no discurso religioso.

Para preservar um maior número de elementos do cenário argumentativo, optei por

transcrever aqui uma sequência maior de pregações e depoimentos religiosos a fim de que a

dimensão interacional da argumentação pudesse ser melhor visualizada, sobretudo, na

exemplificação da fórmula canônica da argumentação (Se P então Q). Disso se presume a

utilização do conceito de encadeamentos discursivos em Ducrot34

(2004) ao verificarmos a

coerência argumentativa dos postulados defendidos nas pregações religiosas.

4.1 Pluralidade conceitual sobre argumentação: alguns recortes teóricos

O estudo da linguagem envolve a percepção de uma grande diversidade de

estratégias para a comunicação, considerada a função precípua da própria linguagem. Pelo

viés da argumentação, podemos convergir essa função comunicativa, conforme afirma Koch

(2000) para a qual o ato linguístico fundamental é o de argumentar.

Assim, a argumentação pode ser entendida como uma das operações linguísticas

mais frequentes, pois, a todo momento, estamos trazendo o outro para nosso ponto de vista.

Assim, podemos dizer que a argumentação é constitutiva do uso da linguagem. Dessa forma,

poderíamos considerar que qualquer uso da linguagem é argumentativo (PLANTIN, 1996

apud AMOSSY, 2000). Segundo Charaudeau (2009, p. 112), ―argumentar consiste em efetuar

operações abstratas de ordem lógica, destinadas a explicar ligações de causa e efeito entre

fatos ou acontecimentos‖.

Apesar de a teoria da argumentação apresentar algumas abordagens quanto à

compreensão do percurso argumentativo da língua, entende-se que a argumentação é parte

intrínseca do seu funcionamento. A argumentação, portanto, parece estar na própria

significação linguística do ato de comunicar-se que, aparentemente, sob diversos matizes,

apresenta uma orientação argumentativa. Para Plantin (1996 apud AMOSSY, 2000, p. 25):

34

As diferentes denominações associadas aos seus trabalhos – semântica argumentativa, teoria da argumentação

na língua, teoria dos topoï e, mais recentemente, teoria dos blocos semânticos – apontam para o desenvolvimento

de versões de um modelo sempre renovado em função de revisões críticas formuladas pelo(s) próprio(s)

autor(es) ao longo de seu percurso teórico (Prof. Paulo Henrique A. Mendes, Handout, 3ª aula, 12/11/2010)

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107

Toda fala é necessariamente argumentativa. Ela é um resultado concreto de

um enunciado em situação. Todo enunciado visa agir sobre seu destinatário,

sobre o outro, e a transformar o seu sistema de pensamento. Todo enunciado

obriga ou incita o outro a crer, a ver, a fazer, de maneira diferente.

Ducrot (1988, p. 18) explica que ―a significação de certas frases contém instruções

que determinam a intenção argumentativa a ser atribuída a seus enunciados: a frase indica

como se pode, e como não se pode argumentar a partir de seus enunciados‖. Isso implica

compreender que o valor argumentativo do enunciado inscrito na frase é o que determina o

sentido argumentativo do discurso e não o simples encadeamento silogístico dos referentes,

ainda que fundamentados por razões psicológicas, sociais, matemáticas ou qualquer outro

encadeamento lógico, considerada por Ducrot (1988) como uma concepção tradicional de

argumentação. De acordo com essa visão tradicional, para se chegar a uma conclusão, a razão

realiza dois processos mentais complementares: um argumento que representa um fato sobre

algo fundamentado em uma lei compreendida como um princípio geral aceito em uma

comunidade, sendo que esta última seria a responsável para se chegar a uma conclusão.

No caso do discurso religioso, o convencimento ainda possui um trunfo para facilitar

ainda mais seu intento persuasivo: àqueles que creem, o ato persuasivo é reforçado pelo

conceito de dogma, utilizado entre os integrantes de uma congregação. Assim, o dogma

religioso poderia ser considerado uma instância ―privilegiada‖ do discurso, pois não participa

das mesmas leis na argumentação, que fundamentalmente versam sobre o que é refutável.

Convém expor a distinção feita por Perelman e Olbrecht-Tyteca (1996, p. 29) com

relação à sutil diferença entre convencer e persuadir, duas ações em que a argumentação se

debruça em conquistar: ―Convencer é da alçada da razão, do entendimento, por argumentos

lógicos. Persuadir é do nível da vontade, do irracional, da emoção‖. Nessa medida, conforme

visto no transcurso desse trabalho, os DNP estão muito mais próximos da persuasão do que do

convencimento, segundo a distinção elaborada por Perelman e Olbrecht-Tyteca (1996). No

entanto, no âmbito prático para análise dos discursos religiosos, tal distinção não se faz

necessária. Assim, se alguém lhe pergunta: ―você foi à igreja?‖ isso implica necessariamente

em uma argumentação? Se se responde sim ou não, que diferença isso faz? Como enunciado

isolado, dificilmente perceberíamos alguma força argumentativa, mas, se estiver associado

a um contexto onde o interlocutor questiona o discípulo religioso, altera completamente o

poder do enunciado, transformando-o em forma argumentativa para justificar possíveis

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fracassos ou benesses, por que passa o crente. De igual forma, os exemplos acima não teriam

a força argumentativa se estivessem descontextualizados.

Ao que parece, a argumentação se realiza de diversas formas em expressões

linguageiras do cotidiano e dependerá muito da intencionalidade do locutor no momento da

enunciação para poder ser percebida pelo interlocutor como uma expressão potencialmente

argumentativa. Mas também aqui encontramos limitações porque podemos ―ouvir‖ somente o

que nossa percepção conseguir captar ou onde se concentra nossos interesses específicos.

Afinal, o que sai de nossas bocas não são apenas palavras, mas vestígios de pensamentos

muitas vezes ―truncados‖ com os quais temos a pretensão de convencer outrem.

4.2 Teotemas e a sacralização espaço-temporal da enunciação neopentecostal

No sentido lato do termo, os teotemas35

buscam fundamentar um texto com alguma

explicação mítica sobre algo. Ou seja, os teotemas se apresentam nessa pesquisa como

assuntos diversos tratados nos discursos religiosos que exprimem algum significado

sobrenatural, fantástico, milagroso, surreal, imanente e transcendente. Os teotemas

neopentecostais estão representados, conforme exponho, por uma variedade muito grande de

objetos de referenciação adjuntos, que auxiliam na pregação religiosa. Nesse sentido, se

incorporam ao discurso religioso por força de uma ressignificação intencional dos pastores.

São considerados aqui como objetos referenciais acessórios, pois complementam de alguma

forma, a tríade referencial vista no capítulo anterior (sacerdotal, exorcista e próspera).

Mas, conforme percebido, não seria possível cercar os limites teotemáticos utilizados

nos DNP, pois a princípio poderia representar qualquer assunto tratado sob a luz da doutrina

religiosa. Assim, por meio desses elementos, a pregação neopentecostal diversifica-se

interdiscursivamente e adquire força de convencimento pela coerência na união de seus

elementos, encadeados um a um, à maneira de um roteiro persuasivo. Os teotemas

representam, portanto, um conjunto de itens lexicais relacionados entre si que assinalam a

sacralização espaço-temporal da enunciação religiosa. Por meio deles, as tragédias ou

venturas humanas são ―explicadas‖ aos crentes, conforme podemos verificar a partir dos

excertos transcritos de pregações neopentecostais.

35

Palavra híbrida formada pela união do radical grego teo (Deus, divindade) com o substantivo latim thema,

correspondente ao assunto, a tese defendida por um texto.

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Os teotemas são normalmente ilustrados ―didaticamente‖ nas igrejas pesquisadas por

algum objeto material ressignificado na pregação religiosa. Dessa forma, são utilizados

objetos materiais de uso comum que, inseridos na pregação mítica, transforma-os em

instrumentos coadjuvantes da argumentação: canetas abençoadas para passar em concursos;

cimento da casa própria; toalhinha ungida para limpar os problemas; martelinho que

―desamarra as causas pendentes na justiça‖; sacolinha do dízimo para multiplicação

financeira; terno branco do pastor que protege contra inveja; capa protetora ―fecha-corpo‖

contra as influências do maligno; fronha abençoada para livrar-se dos pesadelos e ter um bom

sono, além de uma infinidade de outros objetos.

Ou, ainda, assuntos mais afeitos a outros campos semânticos: doenças (medicina),

crise financeira (economia), perturbações emocionais (psicologia/psiquiatria), terremotos

(geofísica), desemprego, fome, pobreza, miséria (social), eleições (política), alimentação

(nutrição), riqueza (laboral) e muitos outros termos e expressões que, articulados nos DNP

representam alguns temas utilizados em sua preleção teotematizada. Segundo a crença

neopentecostal poderíamos expor as seguintes explicações hipotéticas para esses respectivos

termos: doenças (exu-da-morte), crise financeira, desemprego, fome, pobreza, miséria (exu

tranca-rua), perturbações emocionais (exu pomba-gira), eleições (revelação sagrada),

alimentação (comidas amaldiçoadas em rituais de macumbaria, feitiçaria e similares), riqueza

(intervenção divina). Fato é que dificilmente conseguiríamos expor todos os objetos e

respectivos teotemas presentes nos DNP, mas apenas fazer referência sobre a existência de tal

categoria discursiva na pregação religiosa, sempre atrelada a uma ressignificação mítica36

.

Além de funcionar, conforme disse, como elemento auxiliar na condução das

pregações com vistas a estruturar um enredo persuasivo aos crentes, os teotemas servem como

uma possível resposta às inquietações dos fiéis, a exemplo de hipóteses ainda não

confirmadas, mas que, nos discursos religioso, são utilizadas como vislumbre de suas

certezas.

Ao que parece, a fim de conquistar o maior número de adeptos, a utilização de

objetos materiais busca simplificar ao máximo aquilo que se diz na pregação religiosa com

alguma representação tangível ressignificada, a exemplo da clássica relação estabelecida

sobre o signo linguístico situado entre (significante) e (significado) Se/So, proposto por

Saussure (2006). Por exemplo, o senso comum pode depreender a seguinte relação: para o

significante (Se): ―vela‖ (forma verbal de representação do objeto), o significado (So):

36

Sobre o conceito de Mito, apóio em Eliade (1992), conforme exponho na seção 4.3 desse capítulo.

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―cordão revestido de parafina‖. Mas, para o religioso, o mesmo objeto pode ser

ressignificado, como um elemento transcendente que nos liga a um plano imaterial, pois,

dificilmente, um religioso irá enxergar à sua frente um ―cordão revestido de parafina‖, mas

um instrumento de conexão com o sagrado. De igual forma, os mais diversos significados

―comuns‖ parecem ser alterados na concepção dos crentes. No entanto, essa questão da

ressignificação é um fenômeno geral afeito a qualquer falante e não apenas os crentes em

questão. São apresentados dessa forma aqui para uma compreensão analítica sobre as

variações de significados utilizados como ferramenta persuasiva nos DNP, sob a marca de

uma semântica da enunciação religiosa.

Outro exemplo: [Se:caneta /So: objeto cilíndrico com tinta] pode representar também

um amuleto abençoado para conseguir aprovação em alguma prova, conforme apresentado

por uma igreja37

. Dessa maneira, podemos dizer que os significados não são únicos, mas

coexistem com uma infinidade de outras concepções. Assim, apesar da relativa estabilidade

no sistema (Se/So) também percebemos uma relativa instabilidade em seu uso, dada a

polissemia instaurada na relação significante/significado.

Pelo exposto percebemos, evidentemente, que os teotemas também não são uma

exclusividade dos DNP, mas aparecem em diversos outros segmentos religiosos, cada qual

com suas teses e antíteses próprias. Em si mesmos não caracterizam uma identidade

discursiva neopentecostal, mas articulados intradiscursivamente concorrem para a

manutenção dessa formação discursiva. Então, o que nos levaria a caracterizar tais itens

lexicais como pertencentes ao domínio discursivo neopentecostal? Exatamente, a forma de

discursivisar o mundo a partir dos teotemas.

Por exemplo, o ―mal‖ (tratado aqui como um teotema) é visto nos DNP como

―Demônio‖, origem para todos os problemas humanos: da negligência técnica ao desemprego;

da discussão familiar à separação conjugal; da alopecia ao câncer; da poluição urbana à

insuficiência respiratória; da dor de cabeça a um AVC. Enfim, tudo, absolutamente tudo o que

é considerado de ruim tem, segundo a prédica neopentecostal, origem em um ente maligno

representado pelo Demônio e seus auxiliares infernais. A pregação religiosa chega a nomear

em uma lista interminável cada problema humano ao seu Demônio correspondente, conforme

podemos depreender de uma oração exorcista proferida na IIGD (2012) – Quadro 10.

37

A exemplo da caneta ungida, as igrejas neopentecostais costumam apresentar aos seus fiéis a rosa ungida, o

celular ungido, o sabonete ungido, o sal ungido, o cimento ungido, o óleo ungido, a arruda ungida, a camisa

ungida e recentemente a caneta ungida para aprovação em concursos públicos. Para maiores detalhes, acessar:

http://noticias.gospelmais.com.br/igreja-universal-pastores-ungem-canetas-passar-concurso-29752.html

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111

Para facilitar a visualização da relação ―demoníaca‖ como causa dos sofrimentos

humanos, sublinhei seus elementos no Quadro 10, no qual apresento a estrutura discursiva de

uma única oração exorcista (mesmo pastor), marcada por três cenas: a primeira exibe

elementos preparatórios e gerais da persuasão religiosa a fim de apresentar, na segunda cena,

declarativo/afirmativo [isso é Demônio...] sobre a origem do mal humano – corporificado na

presença do ―Demônio‖, isto é, o Demônio é tido como a causa dos sofrimentos e, finalmente,

a terceira cena, a exorcista propriamente dita, na qual o pastor abusa de atos diretivos [SAIA

DAÍ AGORA!... VAI EMBORA... SAI... SOLTA... FORA...] que expressam ordem para que

o suposto Demônio obedeça a voz do pastor [Eu LEVANTO MINHA VOZ para abençoar...],

na esperança de que o mal ―bata em retirada‖ e liberte o crente dos sofrimentos.

Quadro 10: Demônio e a causa dos sofrimentos humanos

(continua)

cena

(pre

par

atóri

a)

[pastor em oração exorcista]: Coloca a mão no seu coração... fecha seus olhos... Jesus...

eu só tenho que te louvar... ajuda essa pessoa a ter discernimento... agora há

adversários... meu Deus o medo é um adversário... a pessoa tem medo do mal... tem que

mandar esse medo embora... outras é cheia de dúvidas... tem que mandar a dúvida

embora... outros oh... Deus estão com a personalidade deformada... é uma agitação na

mente... uma inquietação... a pessoa vive muito nervosa... e ela tem que ser sincera com

ela mesma e dizer... (continua)

cena

(cau

sal)

...Isso é Demônio... tem que sair da minha vida... Ela [a pessoa] é pavio curto... explode

facilmente... isso é Demônio... tem que mandar embora.... PA:::I... ela é cheia de não me

toques... qualquer coisa ela se magoa... se fere... se deprime.... ISSO É DEMÔNIO...

tem que mandar embora... Ela é orgulhosa... ela retém no coração o sentimento... ―ele

me feriu... ela me feriu.. meu pai me machucou... meu filho me ofendeu... fulano foi

ruim comigo... ‖ Pai... isso é orgulho... ISSO É DEMÔNIO TAMBÉM e a pessoa tem

que mandar embora... LIBERAR O PERDÃO E DÁ UM TAPA NA CARA DO

DIABO... (continua)

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cena

exorc

ista

(co

nse

quen

te)

...Meu irmão eu hoje estou orando por você agora... oh::: minha irmã... minha fé está

unida com a sua fé... e não há Demônio que possa te prender mais... EM O NOME DE

JESUS... Eu te abençoo... eu digo... ESPÍRITO DE ENFERMIDADE sai da vida deste

homem... SAI DA VIDA DESSA MULHER AGORA... espírito do câncer... é uma

herança genética.... você tem aí ficado... de gerações em gerações... oh:::: ninguém te

expulsa... EU TÔ TE EXPULSANDO HOJE!.... SAIA DAÍ AGORA!... Demônio da

diabetes... da pressão alta... é aquela doença que persegue a família.... oh:::: SAIA DAÍ

AGORA DEPRESSAO MALDI:::TA:::!Vai embora essa dor do INFERNO! Sai dessa

pessoa.... toda amarração que tá na vida financeira.... Prosperidade é dom de DEUS! [...]

Eu LEVANTO MINHA VOZ para abençoar o teu filho... para abençoar a tua filha... e

dizer.... DEMÔNIO!.... SOLTA O FILHO DELA... solte o filho... SAIA!.... Demônio do

vício do álcool... do vício das drogas... da prostituição... da anormalidade... Ah:::

Demônio que faz o filho ser rebelde... a filha ser rebelde... [causal] VAI EMBORA EM

O NOME DO SENHOR JESUS... Espírito do diabo que tem atrapalhado essa pessoa...

FORA... EM O NOME DO SENHOR JESUS... (IIGD, 2012)

Conforme visto nessa oração exorcista neopentecostal, o Demônio adquire uma

expressão central como a causa dos problemas humanos. Outros desdobramentos analíticos de

pregações com caráter exorcista serão feitos no próximo capítulo, expostos, sobretudo, na

Fase de Intimidação dos DNP. Justifico a extensão do excerto acima para que o leitor tenha

uma noção mais detalhada de como uma oração exorcista é marcada pela relação causa-efeito

(Demônio-doença, tratamento-cura).

Além dessa relação causal, nota-se o uso enfático de atos diretivos [sai, solta, fora,

vai embora, solte] em que o pastor procura, por meio de sua oração exorcista, ordenar que o

―Demônio‖ abandone a vida do crente. No entanto, os DNP ambicionam muito mais do que

esses atos diretivos: sua intenção é que eles sejam validados como declarativos, pois a palavra

proferida pelos líderes religiosos deveria realizar, no instante do seu proferimento, a

libertação completa do fiel. Assim, os DNP atingiriam o cume persuasivo por essa força

ilocucional que realiza o ―milagre‖.

Mas, essas características exorcistas isoladas ainda não traduzem uma identidade

discursiva religiosa. Na caracterização do enredo neopentecostal, é preciso perceber se a

pregação religiosa relaciona-se com os outros objetos de referenciação basilares, conforme

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vistos anteriormente (sacerdotal, próspero, além do exorcista, de acordo com o explicitado na

oração supra).

Como se percebe, os sentidos dos objetos religiosos são ressignificados, de acordo

com a concepção doutrinal que carregam. Assim é que ocorre uma espécie de permuta lexical,

comparável à ―importação‖ de termos costumeiramente mais relacionados a outras formações

discursivas. Por exemplo, ―doenças‖ como efeitos de certos agentes infecciosos para a

medicina transformam-se em ―ações de encostos ou do próprio Demônio‖; ―desemprego‖

(social) é visto como ação direta de um encosto conhecido pelos pastores como ―tranca-rua‖;

terremoto com causas geofísicas sequer passa por essa compreensão, mas como uma

―advertência de Deus‖ ou um prodígio do próprio Demônio38

.

Dessa forma, na prática, a relação Se/So reforça a arbitrariedade do signo como valor

intersistêmico, isto é, um valor de uso. Mas, quando determinado termo se incorpora à

estrutura da língua adquire valor intrassistêmico, isto é, um valor de estrutura, já aceita pelo

grupamento de uso linguageiro. Talvez, por isso, ocorra uma espécie de naturalização do

significado dos termos e expressões entre os falantes de determinado campo discursivo. Pois,

normalmente o que se destaca como exótico representa aquilo que faz pouco sentido a mim.

Por outro lado, o uso de determinados termos ressignificados pela comunidade de fé são tão

naturais para eles mesmos que estranho seria esvaziar o conteúdo mítico dos objetos

considerados como sagrados.

Ao que parece, pela via da significação religiosa, o enredo discursivo neopentecostal

adquire força persuasiva, pois a relação Se/So se estabelece na mente dos interlocutores da fé

à maneira de neologismos criados para fins específicos. Mas, de fato, não há neologismo no

sentido restrito do termo, mas sim uma profusão polissêmica de termos utilizados conforme o

intento e conveniência argumentativa que se quer imprimir no discurso. No decorrer dessa

pesquisa, pretendo ilustrar essa polissemia de termos ressignificados pelos discursos

religiosos.

38

No primeiro semestre de 2012 foram registrados diversos abalos sísmicos em Montes Claros-MG, cidade onde

escrevo esse trabalho. De acordo com o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília, o tremor mais

forte foi registrado dia 19 de maio, às 10h50min, com duração de três segundos e intensidade entre 4,0 e 4,5

graus na escala Richter. Naquele dia e durante algumas semanas o fenômeno foi tema central na pregação de

algumas igrejas: ora tratado como feitos do Demônio, ora do poder soberano de Deus.

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4.3 Dêixis e teotemas dos discursos neopentecostais: relações de similaridade e expansão

teórica

Do grego, dêixis pode ser entendida como ato de mostrar algo em algum contexto

situacional no discurso. Normalmente os dêiticos são entendidos como aqueles elementos

presentes em diversas categorias gramaticais (pronomes pessoais, advérbios de lugar,

pronomes demonstrativos) e são compreendidos apenas quando existe uma relação contextual

entre os termos do enunciado e a situação, isto é, o contexto da enunciação. Nesse sentido, as

palavras e expressões dependem absolutamente do contexto em que foram proferidas. Os

dêiticos, normalmente são apontados no texto com expressões e palavras que se referem ao

pessoal, temporal ou espacial, a exemplo de ―agora, hoje, amanhã, aqui, lá, este, esse, aquele,

eu, tu, ele‖ e demais pronomes e advérbios. Segundo Benveniste (1989), a dêixis comporta a

categoria de pessoa, de espaço e de tempo.

Nesse trabalho, amplio o conceito de dêixis para aproximá-lo com o de teotemas do

discurso religioso. Assim, a dêixis passaria a representar também elementos da pragmática da

enunciação voltados para uma referenciação constante do discurso, apontando-lhe o foco de

sua intencionalidade, pois falar é sempre ―falar de‖. Saímos, então, de uma dêixis mais afeita

aos elementos gramaticais – pronominal, adverbial de tempo ou lugar – representada por

elementos objetivos que apontam e indiciam o sentido do texto, para uma dêixis pragmática

da enunciação, em que nomes comuns são reconfigurados conceitualmente a fim de apontar

uma nova identidade textual, como no caso dos DNP e de outras formações discursivas39

.

Dessa forma, para constituir um determinado texto sagrado, os elementos dêiticos passariam a

representar mais do que algumas expressões gramaticais que apontam para o enunciado, mas

todo um conjunto de itens lexicais e expressões afins na cadeia referencial a que se liga o

texto apontando para a sacralidade enunciativa do discurso religioso, uma vez que o conjunto

de termos indiciaria uma intencionalidade argumentativa40

no terreno da fé – palco do

simbólico e sobrenatural.

Essa profusão semântica nos levaria a crer muito mais na existência de uma

constelação semântica randômica do que em uma cadeia referencial sequencial, pois os

termos linguísticos carregam mais do que um conjunto de definições fixas, prontas e

39

Nesse sentido, a dêixis não é apenas suirreferencial (Benveniste), mas suprarreferencial, pois é indiciada por

elementos que estão além da compreensão vulgar ou ordinária dos termos, amplificados conforme a direção e

sentido que se quer atribuir aos conceitos a fim de sustentar o discurso. 40

No fundo, pode-se tomar qualquer termo genérico (nomes comuns) como um dêitico, ficando por conta da

enunciação a especificação do objeto que ele aponta. O mesmo se pode dizer também dos nomes próprios que

teriam uma função dêitica, regulado por instâncias enunciativas específicas (MARI, 2012, orientação).

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acabadas, mas uma abstração conceitual que se realiza na mente dos interlocutores. Nessa

medida, os usuários da língua ―produzem‖ sentidos diversos ao dominar uma maneira própria

de imprimir sentido às palavras, compartilhadas por inúmeros mecanismos mentais de difícil

mensuração.

Parece simples perceber que os objetos referenciais não estão presos a significados

estáticos e nem poderíamos supor a exclusividade de um deles em determinada categoria ou

formação discursiva em detrimento de outra. Mas, o que podemos verificar nos excertos

apresentados ao longo dessa tese é que existe alguma regularidade semântica com termos

recorrentes e, portanto, o conjunto de itens lexicais evocados pelos interlocutores aponta para

determinado tema constitutivo do discurso no qual se vincula, como é o caso dos DNP, em

que gravitam termos recorrentes no âmbito dos três principais objetos referenciais

apresentados anteriormente (sacerdotal, próspero e exorcista).

À vinculação de determinados itens lexicais reiteradamente evocados na

argumentação religiosa, podemos considerar a existência de uma composicionalidade

temática do discurso, em nosso caso, uma composicionalidade teotemática.

Tal composicionalidade temática ―preenche‖, no meu entendimento, os gêneros

discursivos, dando-lhe condições argumentativas para que um texto se configure e possa ser

entendido em sua especificidade, seja em uma homilia, em um julgamento, em uma consulta

médica ou simplesmente quando se entra em uma loja e inicia uma negociação. Em todos

esses casos já existem elementos lexicais predispostos a se constituir no gênero a que pertence

o texto (oral, escrito ou visual). Não entraríamos em uma igreja para comprar uma calça jeans

– a não ser, talvez, para pedir inspiração divina sobre a melhor compra; muito menos iríamos

a uma loja para ―confessar os pecados‖ ao vendedor. Ou seja, o próprio conjunto de situações

sociais interativas suscitam determinados referentes discursivos próprios.

A composicionalidade temática dos discursos assume, portanto, simultaneamente,

uma função híbrida à estrutura argumentativa da linguagem. Pois, ao mesmo tempo em que

mostra elementos lexicais apriorísticos – aqueles que o senso comum aceita como

―pertencentes‖ à determinada categoria referencial –, direciona-se para a constituição dos

gêneros textuais, como no caso de uma pregação, da narração de uma partida de futebol, na

elaboração de propaganda, na confecção de uma receita, na escrita de um bilhete e outros

exemplos.

Assim, os gêneros textuais podem assumir diversas formas de expressão, tanto em

textos escritos, quanto em textos orais ou visuais. Assim, os textos se manifestam em diversos

gêneros para atender aos diversos públicos e finalidades. Materializam-se em homilias,

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116

discursos políticos, legislação, manuais, comédias, bulas, avaliações, convites, atlas, avisos,

programas televisivos, jornalisticos, catequéticos, e-mail, cartas, cartazes, mitos, crônicas,

artigos científicos, editoriais, ensaios, entrevistas, contratos, decretos, músicas, poemas; só

para citar alguns exemplos de manifestação dos gêneros textuais. Não se pode confundir,

portanto, gênero textual com composicionalidade temática dos discursos, pois creio que esta

situa-se na base da orientação discursiva e antecede a manifestação dos gêneros. Poder-se-ia

dizer que os teotemas apontam para a finalidade discursiva-comum do texto, por onde se

percebe uma recorrência de objetos referenciais e para onde direcionam seus elementos

dêiticos. Isolados, são difíceis de serem percebidos, juntos, apontam para a finalidade

argumentativa do discurso religioso. Nesse sentido, o conceito de dêixis amplia-se

enormemente para incluir nomes comuns (caneta, doença, libertação, cimento, sorte, etc),

considerados ―signos linguísticos plenos‖, pois exatamente sobre estes a dêixis pragmática da

enunciação religiosa aponta ou reafirma novos significados. Mas, essa concepção não se

afasta totalmente do que Benveniste (1989) define como dêiticos – signos vazios que só

adquirem completude significativa quando assumidos por indivíduos em situação real de

comunicação.

A diferença aqui está exatamente no fato de que esses dêiticos que compõem a

estrutura enunciativa dos DNP não se restringem à forma de pronomes, advérbios, etc –

explicitamente declarados no texto, mas aparecem como nomes comuns ressignificados a fim

de referenciar continuamente as características subjetivas do discurso religioso. Nessa

medida, os dêiticos vistos sob essa ótica conceitual também não possuem uma referência

estável, pois cada enunciação é única: perturbações mentais, terremotos, riqueza financeira,

saúde, dentre outros termos podem assumir diferentes matizes na significação sagrada. Assim,

conduzidos pela perícia argumentativa dos enunciadores do evangelho, os dêiticos religiosos

apontam uma nova estrutura conceitual com uma significação diversa e, às vezes, não usual,

mas que reafirmam uma identidade e funcionamento discursivo próprios, sobretudo,

mostrando uma clara intencionalidade dos discursos sobre os quais se articulam temas

específicos.

No entanto, pode-se antecipar aqui uma ressalva, pois o que chamo de categoria

temática não aponta necessariamente para a formação discursiva religiosa neopentecostal:

para ser considerada assim, a pregação religiosa precisa passar por extensos processos de

ressignificação – próprios do campo religioso, em torno de uma atmosfera conceitual a que

pertence o domínio simbólico. Sobre mito, Eliade (2001, p. 84-86, negritos nossos) nos dá

importantes pistas para a compreensão da linguagem sagrada:

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117

O mito conta uma história sagrada. Mas contar uma história sagrada equivale

a revelar um mistério, pois os personagens do mito não são seres humanos:

são deuses ou Heróis civilizadores. Por essa razão sua gesta constitui

mistérios. O homem não poderia conhecê-los se não fossem revelados. [...]

cada mito mostra como uma realidade veio à existência, seja ela a realidade

total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal,

uma instituição humana.

Nesse sentido, podemos dizer que os DNP inauguram diversas explicações míticas,

pois ―revelam mistérios‖, sobretudo, por meio da autoridade sacerdotal. Tais revelações

preenchem uma variedade muito grande de explicações a ponto de pretender responder

praticamente todas as inquietações existenciais de seus discípulos. Dessa forma, os sacerdotes

se põem na condição de revelar alguma ―história sagrada‖, investidos que estão da autoridade

profética que a função missionária lhes confere. Assim, os discursos religiosos se tornam

bastante sedutores, sobretudo, quando dirigidos a um público ávido por encontrar respostas

rápidas para solucionar quaisquer problemas.

Para atingir seu intento persuasivo, os DNP se fundamentam, sobretudo, em uma

autoridade sacerdotal que também imprime significação a múltiplos assuntos teotematizados

nos DNP. Assim, por exemplo, termos que poderiam ser entendidos a priori de outros campos

discursivos (jurídico, médico, acadêmico, político, empresarial e outros) podem e são

utilizados reiteradamente nas pregações religiosas, conforme podemos perceber em profusão

nas transcrições que ilustram esse trabalho. A seguir, apresento, no Quadro11, alguns

elementos sublinhados de campos discursivos diversos para delinear essa formulação

interdiscursiva. Conforme exponho neste Quadro, os itens lexicais foram utilizados nos DNP,

mas obviamente que, interdiscursivamente, não são exclusivos das pregações religiosas, pois,

de fato, a palavra em si não pertence a nenhum campo discursivo, mas apenas os sentidos

(intenções de uso) que nela imprimimos criam essa ilusão de pertencimento à determinada

esfera de conhecimento.

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Quadro 11 – Interdiscurso neopentecostal

Campo

discursivo

Itens lexicais

mais afeitos Aplicação teotemática nos DNP - excertos do corpus

Jurídico Justiça Clamor por justiça (fig. 31) [justiça divina]

Acadêmico Conhecimento,

orientação

acadêmica,

diploma.

[pastor]: De que adianta ter diploma superior se você tá

fracassado? Sem orientação de Deus o conhecimento do

homem não é nada!

Político Votar Vote nos homens de Deus41

! [pessoa confiável]

Empresarial Congresso

Sucesso

Vitória

1. Venha participar do Congresso Empresarial na Nação

dos Vencedores42

toda segunda-feira. 2. Escalada do

Sucesso (fig. 34) [orientação divina para a vitória

profissional]

Médico Cura

Tratamento

Doenças

1. Jesus cura (fig. 26). 2. Venha participar do tratamento

espiritual. 3. Você que sofre com doenças incuráveis para

a medicina... já foi desenganado pelos médicos... nós

temos a solução!

Hermenêutico Argumentar [pastor]: ―Tá vendo gente? O milagre tá aqui! E contra

fatos não existem argumentos‖ [relação causa-efeito

defendida pela ciência cartesiana]

Narrativo Carta Uma carta para Deus (fig. 35)

Afetivo Amor Jesus te ama (fig. 25)

Arquitetônico Edificar A casa que edificarei há de ser grande, porque o nosso

Deus é maior do que todos os Deuses (fig. 21)

Telemarketing Disque Disk oração (fig.32)

Econômico Contribuir

renda

Contribua de acordo com tua renda para que Deus não

torne tua renda segundo a tua contribuição (fig. 39).

Esportivo Exercitar

Praticar

O dízimo é o maior exercício espiritual que se pode

praticar.

41

Para outros exemplos relacionados à política ver dissertação: Um voto pelo amor de Deus (ALMEIDA, 2006) 42

Chamada da IURD amplamente divulgada na TV Record para o Estado de Minas Gerais. Consiste de uma

reunião voltada especificamente para a riqueza material dos fiéis. Nesse culto à prosperidade os pastores

normalmente se utilizam de expressões mais próximas ao campo empresarial. A própria congregação de fiéis

(igreja) é nominada de ―Nação dos Vencedores‖ e o culto religioso de ―Congresso Empresarial‖. Todas as IURD

de Minas Gerais são orientadas a realizar esse culto às segundas-feiras, mas somente na sede do Estado, no

―Templo Maior‖, localizado na Avenida Olegário Maciel, 1329, Lourdes, Belo Horizonte é que pude presenciar

uma especialização extrema dos DNP com vistas à prosperidade e captação de recursos financeiros à instituição,

sob a forma de dízimos, campanhas, ofertas e desafios.

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Tal concepção poderia ser utilizada para compreensão de outros campos semânticos

e suas diversas nuanças argumentativas. Como exemplo, a formação jurídica pode não

apontar para a legalidade das ações humanas no sentido de que a justiça prevaleça, mas

exatamente para o seu oposto, conforme a utilização de artifícios persuasivos presentes na

habilidade do advogado. Ainda assim, existe a tendência de que o conjunto de itens lexicais

do acervo jurisdicional esteja presente em sua composicionalidade temática, embora isso não

aconteça por conta de uma necessidade. Dessa forma, o orador da lei poderá ou não se valer

da utilização de algum conjunto lexical, próprio da oratória jurídica. Mas, ele pode, inclusive,

se apropriar de termos religiosos ou morais para defender seu cliente.

Segundo esse mesmo entendimento, poderíamos estender essa análise para outros

campos discursivos, uma vez que a composicionalidade temática dos discursos instaura-se

como hipótese constitutiva da própria enunciação em determinado campo de utilização da

linguagem. Nesse trabalho, a composicionalidade temática religiosa ensaia de forma genérica

apenas para que se consiga estabelecer uma delimitação na análise dos elementos dêiticos

para o discurso mítico, especificamente aquele fundado em parâmetros discursivos

neopentecostais. Na prática, a língua não se restringe nem se prende a compartimentos

argumentativos, como nos lembra Ducrot (1999, p. 1):

Pensávamos encontrar nas palavras da língua a causa ou o sinal do caráter

fundamentalmente retórico, ou, como dizíamos ―argumentativo‖ do discurso.

Mas agora somos levados a dizer muito mais. Não somente as palavras não

permitem a demonstração, como tampouco permitem essa forma degradada da

demonstração que seria a argumentação. Esta também é tão somente um sonho

do discurso, e nossa teoria deveria antes se chamar ―teoria da não-

argumentação‖

Ao que parece, os elementos lexicais aqui reunidos sob um mesmo grupamento,

formando o que convencionei chamar de composicionalidade temática do discurso tendem a

permanecer aglutinados por afinidade referencial, apontando para determinado tipo discursivo

que fala com alguma intenção enunciativa. Afinal, os itens lexicais são escolhidos de acordo

com o intento discursivo que se pretende persuadir. Em outras palavras, para que um texto,

em sentido lato, seja compreensível e passível de persuasão, é preciso produzir uma

diversidade referencial utilizando-se da intencionalidade de determinados itens lexicais em

prejuízo de outros, com menor poder de representatividade sobre determinado tema. No caso

dos DNP, alguns termos são continuamente reforçados com a promessa de transformação

milagrosa na vida dos fiéis no aqui-agora. É o que depreendemos dos depoimentos da maioria

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dos crentes ao recorrer a marcações como ―hoje‖, ―agora‖, ―antes‖, ―aqui‖, ―depois‖, ―está‖ e

outros elementos anafóricos ou referenciais que apontam para um estado de superação dos

sofrimentos, explícito em seus depoimentos.

Para ilustrar esse posicionamento, apresento fragmentos de depoimentos em uma

igreja neopentecostal, cuja intencionalidade dos argumentos parece gravitar em torno da

tentativa de persuasão sobre a prosperidade financeira, alcançada por alguns fiéis que

seguiram as ―palavras de Deus‖, conforme apresentado no Quadro12 a partir de excertos

retirados do corpus (IURD, 2010). Para facilitar e diversificar nossa análise, apresento

depoimentos que marcam dois momentos fundamentais na narrativa de diferentes fiéis: um

ANTES – marcado pelo desprovimento de X (objeto de desejo) e um DEPOIS – marcado

pelo provimento de X.

Quadro 12: Depoimentos pós ―milagre‖

(continua)

Depoimento de fiéis (excertos) X Antes Depois

Hoje nós temos uma loja aqui em Lourdes... com

quase 500 metros... nós temos estoque e uma

credibilidade nacional com os fornecedores que eu

nunca tive na minha vida...

Loja

Estoque

Credibilidade

Ausência

de X

Presença

de X

Depois dessa reunião... eu passei a comprar o meu

maquinário... no começo eu comprei poucos... mas

comecei a ver que as dificuldades eu poderia

vencer... foi aí que eu comecei a comprar os

maquinários e montar uma fábrica... hoje eu tenho

uma fábrica...

Maquinário

Fábrica

Comprar

Ausência

de X

Presença

de X

Deus me restituiu aquela empresa que um dia eu

reclamei.... hoje Deus me restituiu dez vezes

mais.... uma empresa que tenho no sul de Minas que

industrializa seis milhões de litros por mês...

Empresa Ausência

de X

Presença

de X

Depois que eu comecei a participar do congresso

empresarial dos 318... aí minha mente abriu... eu vi

que eu tinha condições de conquistar uma coisa de

ser patrão... aí eu montei minha padaria.

Ser patrão

Padaria

Ausência

de X

Presença

de X

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E tudo aquilo que eu estava ouvindo eu coloquei em

prática...e... resultado foram coisas maravilhosas...

hoje tenho.... duas lojas... o que eu havia perdido

Deus restituiu tudo.

Coisas

maravilhosas

Duas lojas

Ausência

de X

Presença

de X

Nós montamos a nossa empresa... e graças a Deus

a empresa está arrebentando... e estamos indo...

consegui pagar todas as dívidas... conquistamos

nossos carros... casas... as máquinas novas... e...

graças a Deus estamos arrebentando.

Carros

Casas

Máquinas

Ausência

de X

Presença

de X

Conforme visto nesses depoimentos, os termos negritados reforçam a compreensão

de que, antes da conversão, os fiéis passaram por sofrimentos que foram superados. Talvez

por isso, o uso tão enfático de termos recorrentes como ―hoje‖ (porque antes não tinham);

―depois‖ (porque antes não era possível); ―agora‖ (porque antes não existia) corroboram a tese

de que os DNP apontam para o aqui-agora da enunciação. A rigor, não podemos desprezar

outros depoimentos presentes nos DNP e que serão melhor analisados no próximo capítulo,

sobretudo na seção referente à Fase da Comprovação – última etapa argumentativa dos DNP,

conforme veremos com o aprofundamento analítico dos dados.

No entanto, apesar das limitações analíticas sobre os enunciados religiosos, é mais

coerente conceber o léxico e seus significados intrincados em uma grande teia cognitiva do

que fragmentado em unidades referenciais isoladas. De outra forma, nossa compreensão

estaria condicionada a uma suposta relação biunívoca significante/significado e não a uma

rede de significados que pode girar em torno de um significante, ou a uma rede de sentidos

que se estende a partir de um significado, pois os signos ainda estão longe de expressar o real

sentido daquilo que queremos dizer, no entanto, não temos outra alternativa senão nos mover

metalinguisticamente nessa espécie de labirinto de aproximações semânticas.

Pelo exposto, chamo teotemas ao conjunto de expressões discursivas reiteradamente

usadas no meio religioso que indiciam a sacralização do espaço e do tempo na enunciação

religiosa. Essa sacralização espaço-temporal da enunciação cria, por meio da proclamação da

palavra, uma distinção entre o mundo material e o imaterial ou entre o sagrado e o profano.

Os teotemas representam, portanto, termos mais afeitos a outros campos discursivos (alheios

aos discursos religiosos), mas, quando utilizados no contexto religioso, são ressignificados, à

maneira de uma figura de linguagem capaz de transformar termos ordinários em ―divindades

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discursivas‖. Adquirem, pois, um valor mítico revestido de elementos considerados sagrados,

conforme esbocei no Quadro 11.

Para que essa distinção se perpetue, é preciso que o mundo sagrado e material seja

muito bem diferenciado discursivamente, pois sua separação se realiza, antes de tudo,

semanticamente. Assim, abro um parêntese para explicitar ―sacramento‖, termo amplamente

usado pelo cristianismo, notadamente pela igreja católica, para referir-se a momentos

específicos de sua liturgia em que, por meio de atos solenes, com uso da palavra oral, se

declara a conquista de alguma benesse sagrada (batismo, eucaristia, penitência, unção dos

enfermos, ordem religiosa, matrimônio). O Catecismo da Igreja Católica (2011, p.166, excerto

1122, versão digitalizada, negritos nossos) explica que: ―o povo de Deus congrega-se antes de

mais nada pela Palavra do Deus vivo. A proclamação da Palavra é indispensável ao

ministério sacramental, pois se trata dos sacramentos da fé, e esta nasce e se alimenta da

Palavra‖.

Aqui, utilizo o conceito de sacramento para ressaltar a importância que a

proclamação da Palavra (com ―p‖ maiúsculo para reafirmar o caráter sagrado que carrega em

seus significados) tem ao anunciar algum efeito sobre a vida dos fiéis. A palavra, pois,

ressignificada a serviço da oratória religiosa aponta para um espaço distinto da enunciação: o

espaço sagrado onde ―tudo é possível‖, segundo o intento neopentecostal.

Até o momento, vimos que a noção de composicionalidade teotemática está

intimamente ligada à recorrência lexical de determinados termos: pecado (considerados erros

pessoais em dissonância com a doutrina religiosa), caridade, realização (teologia da

prosperidade), salvação, exus, demônios (problemas ―expulsos‖ em rituais de exorcismos)

dentre outros, para o discurso religioso. De maneira análoga, a própria conversação segue

regras já definidas. Compartilho de igual forma com Assis (2002, p.54-65) quando explica

que ―embora haja espaço para alguma espontaneidade no curso das falas, estas são limitadas

por regras institucionais definidas a priori‖.

Agora vamos nos deter especificamente no que chamo de composicionalidade

teotemática dos DNP, que também poderia ser entendida, em sentido ampliado, ao de ―dêixis

sacramental‖. Esta se dirige para oficializar o intento discursivo religioso, que no caso do

neopentecostalismo tem sido demonstrado pelo fomento de expressões discursivas que

apontam para duas instâncias específicas. A saber: o espaço e o tempo da enunciação

religiosa. O primeiro promove a construção de um lugar de transformação pessoal e coletivo

de suas comunidades de fé. O segundo se dirige para a inserção das comunidades de fé no

momento presente, tempo em que se realizam, no agora, todas as benesses sagradas. Pois, de

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fato, os sacerdotes não tornam as coisas ―divinas‖, mas sagradas por meio da proclamação da

palavra fundamentada por objetos transcendentais (pecado, salvação, inferno, etc).

Assim, os discursos religiosos ampliam a organização discursiva dos crentes na

medida em que são incentivados a sair de seus espaços de penúria e carências (materiais,

emocionais, financeiras, familiares, de doenças, entre outras) para a transformação do seu

entorno pela inserção em um mundo de abundância das benesses terrenas e divinas no aqui-

agora. Dessa forma, o discurso neopentecostal coloca ao ―alcance‖ dos fiéis as soluções de

seus distúrbios no tempo presente. Ou seja, a enunciação religiosa inaugura, simultaneamente,

um espaço e um tempo discursivos onde tudo é possível; uma ―janela‖ onde os milagres se

tornam a meta, segundo a crença neopentecostal.

Como se percebe, o fenômeno da composicionalidade teotemática, tanto em sua

variante espacial quanto temporal, indissociadas, subjaz os DNP e pode ser percebida nos

mais diversos matizes do enunciado religioso. A fim de exemplificar como os teotemas

adquirem uma ressignificação religiosa, apresento mais alguns fragmentos orais conforme

Quadro 13, no qual procuro mostrar que, mesmo termos menos afeitos ao campo religioso

(crise financeira, doenças, libertação, perfume, água e outros) reforçam discursivamente as

pregações religiosas.

Essa exposição teórica representa aqui apenas uma preparação para uma

compreensão mais aprofunda sobre a pragmática da enunciação religiosa, exposta ao longo

das sete Fases Argumentativas dos DNP. Assim, reservo o aprofundamento dessa questão ao

próximo capítulo analítico, fundamentado, principalmente, pela Teoria dos Atos de Fala de

Austin e Searle.

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Quadro 13: Teotemas e interdiscurso neopentecostal

Item

lexical (x) Fragmentos aplicados nos DNP

Teotemas (inferência

interdiscursiva de “x”)

Água Neste domingo, ministraremos a água que

sacia a sede do vazio da alma, no Templo

Maior, avenida...

(x) santificada ―lava‖ os

problemas humanos, ministrada

no lugar “santo” (igreja).

Perfume Nesta sexta-feira estaremos ungindo com

esse perfume que chama o amor...

(x) representa uma fragrância

milagrosa que atrai a pessoa

amada.

Libertação Lá no Sinai onde o Senhor [Deus] falou com

Moisés também vamos buscar a libertação

completa e total de uma vida mesquinha e

miserável...

(x) é uma promessa divina, feita

a Moisés. Atualmente os homens

podem conseguir (x)

Cabelo Nós vamos levar um fio de cabelo seu para o

monte Sinai como prova de que você deu sua

vida para Deus...

(x) representa um fragmento do

sujeito, amostra de seu corpo

levado ao altar para ser entregue

à Deus.

Terremoto A Terra treme porque Deus quer nos dizer

algo... o quanto somos pecadores! Isso é um

aviso para nos voltarmos a Ele...

(x) representa um ―instrumento‖

de evangelização de Deus.

Crise

financeira

Dívidas... existe uma saída! (x) pode ser resolvida com

orientação divina. Alocutário

recebe solução para (x)

Crise

conjugal

Separação é obra de satanás, o que Deus uniu

o homem não separa!

(x) é causado pelo diabo, mas

pode ser resolvido com

orientação divina.

Doenças Essa doença é o Demônio e ele vai sair! (x) pode sumir milagrosamente

por intervenção divina.

Muitos outros exemplos poderiam ser dados, no entanto, a materialidade objetiva dos

dêiticos sacramentais aqui expressos não se restringe apenas em isolar termos, mas se refere a

um conjunto lexical recorrente na semântica da enunciação religiosa. Por isso é sempre

deficitária a exemplificação pontual de determinados termos, uma vez que a

composicionalidade teotemática sugere um conjunto de itens lexicais que apontam para um

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sentido da enunciação mítica. Sua compreensão, portanto, ultrapassa simplesmente a

marcação de elementos gramaticais como a identificação das funções pronominais, adverbiais

ou qualquer item lexical isolado, ainda que notadamente majoritário entre os referentes

religiosos, como é o caso de ―Deus, fé, padre, caridade, esperança, salvação, tentação,

dízimos, céu, inferno‖ e muitos outros. Isso se observa porque normalmente o discurso

religioso aponta para elementos subentendidos no enunciado, a exemplo do pedido de dízimos

sem referir-se diretamente ao dinheiro ou ao trabalho voluntário dos crentes, mas doá-los à

igreja como condição sine qua non para a salvação, pois esse é ―o desafio à salvação do fiel:

dar o seu tudo para Deus, pois Ele merece receber tudo de você‖, como normalmente os

pastores referem-se aos bens materiais e imateriais dos fiéis.

Para compreensão da composicionalidade teotemática nos DNP, é requerido do

analista de discursos religiosos o entendimento de termos, situações e objetos complementares

ao que foi enunciado, preservados no domínio do cenário enunciativo, pois, nem sempre é

fácil isolar um elemento que julgamos peculiar ao discurso religioso justamente por estar

subentendido no enredo enunciativo. Assim é que poderíamos supor a existência de duas

classes de teotemas nos DNP pela ausculta profunda de diversos elementos que compõem a

cena enunciativa. De uma maneira geral, podemos apontar como elementos principais da

composicionalidade teotemática ou dêixis sacramental os itens mais recorrentes que

concorrem para a constituição do cenário enunciativo do discurso religioso, conforme já

discretizados na tríade referencial fundante. O segundo nível seria o que chamo de teotemas

propriamente ditos ou objetos referenciais acessórios dos DNP, pois complementam a síntese

persuasiva nos discursos religiosos. O conjunto desses elementos concorre para a estruturação

de uma espécie de cenário mítico-discursivo, no qual se busca promover o sobrenatural, lugar

no discurso religioso onde ―tudo é possível‖, instância onde os milagres se realizam no plano

verbal.

O sobrenatural precisa, obviamente, nascer na crença dos expectadores (fiéis

religiosos) como uma alternativa às mazelas por que passam no mundo material. Aqui, a

própria dicotomia instaurada no discurso religioso, quando se refere à distinção dos planos

sobrenatural versus natural e humano incita a utilização de determinados termos próprios dos

discursos religiosos, pois, sem o caráter mítico, a subjetividade das práticas religiosas estaria

restrita à mera especulação racionalista. Para sua existência, a composicionalidade

teotemática precisa do subjetivismo mítico religioso.

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4.4 Dogma e neopentecostalismo fundamentalista: limites da argumentação religiosa

intradiscursiva

Pretendo complementar brevemente a discussão até aqui apresentada sobre uma

característica muito peculiar existente nos discursos religiosos: o dogma. Conforme me

dediquei na escuta e análise dos DNP percebi uma estreita relação existe entre

fundamentalismo e dogma religioso, pois o fundamentalismo religioso condiciona a

argumentação e tenta se fechar no diálogo intradiscursivo.

Compreendo que a estreita relação existente entre fundamentalismo e dogma

religioso pode ser demonstrada na fórmula: ―X vê Y como Z‖, em que o significado da

palavra se aproxima de uma significação literal do enunciado. Sendo que X representa o

interlocutor que entende Z representado por qualquer objeto discursivo visto de múltiplas

formas a partir de Y. Segundo Gerard e Andre (1993, p. 141):

O dogma consiste em afirmar sem espírito crítico ―verdades‖ para as quais

não se admitem discussões. É a doutrina que, opondo-se às várias formas de

ceticismo ou de agnosticismo, afirma a capacidade do homem de atingir

verdades certas e absolutas. O dogma designa a opinião professada por uma

escola e recebida como verdadeira e, sobretudo, o elemento de doutrina

religiosa baseada na verdade revelada por um livro sagrado.

Ocorre que, nos discursos fundamentalistas, a polissemia de Y vista em ―X vê Y

como Z‖ parece ser restringida pela compreensão literal de Y. Dessa maneira, na fórmula ―X

vê Y como Z‖ o que foi compreendido (Z) passa a incorporar as características de Y. Nessa

medida, o que foi compreendido (Z) busca, em um segundo momento inferencial, conviver

nos estreitos limites do óbvio, polarizando os sentidos da enunciação numa única direção (―Z

Y‖).

Para compreendermos tal característica fundamentalista dos discursos religiosos

podemos observar algumas falas recorrentes nas homilias de alguns líderes da fé em que

parecem restringir o uso da palavra ao seu significado mais literal, conforme analisadas no

Quadro14. Assim, as pregações sugerem que quanto maior a literalidade do texto bíblico,

mais fidedigna serão suas exegeses.

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Quadro 14: Fundamentalismo religioso

X (pastor)

[excerto]: Nós oramos a um DEUS que tudo vê... a um DEUS que tudo pode... a um

DEUS que opera sinais e maravilhas... a um DEUS que está assentado no mais alto do

céus e intercede por nós... a um DEUS que é poderoso... a um DEUS que é temível... um

DEUS que é grande... um DEUS que AN::DA... um DEUS que FA:::LA... um DEUS que

APAL:::PA... um DEUS... que tem todo o PODER nas suas mãos... [...] para que

possamos saquear o inferno e povoar o céu... Nós oramos para um DEUS que está sentado

no mais alto céu e a Terra é estrato dos seus pés... um DEUS que É::: Um DEUSQUE

SEM:::PRE SERÁ...imbatí::vel... um DEUS que nos ajuda... um DEUS que nos

fortalece... Um DEUS que pode fazer o milagre acontecer... em nossas vidas...

Y (objeto discursivo) Deus

―X vê Y como Z‖ (Z): ...que tudo vê, que tudo pode, que opera sinais e maravilhas,

que está sentado, que é poderoso, que é temível, que é grande,

que anda, que fala, que apalpa, que tem todo o poder nas mãos,

que está sentado, que nos ajuda, que nos fortalece, que pode

fazer o milagre.

―Z Y‖ Os atributos vistos em Z são ―colados‖ em Y. Assim, existe uma

correspondência biunívoca entre o significado literal de Z para

com a natureza de Y. Na representação fundamentalista, ―Z‖ é

―Y‖ e não apenas visto como Y.

Os fragmentos apresentados no Quadro 14 demonstram um modelo de formulação

discursiva em que o fundamentalismo religioso busca comprovação na crença pessoal do

pastor, ao apresentar as ―características‖ de Deus. A fórmula inicial (X vê Y com Z)

transforma-se, em sua forma final, em (Z Y) e ilustra a dimensão literal da interpretação

religiosa. Mas, tal equação somente representará o aspecto fundamentalista dos discursos

religiosos se os interlocutores dispuserem a compreender a literalidade de seus enunciados.

Isto é, essa ―fórmula fundamentalista‖ só será bem sucedida se representar uma disposição

interna dos interlocutores dos discursos em se apegar ao sentido literal das palavras que

referenciam ―Y‖ (Deus), objeto discursivo. Caso contrário, representará apenas uma

redundância do próprio enunciado.

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128

Oportuno observar aqui também, conforme demonstrado em outros excertos

apresentados nessa tese, a repetição, quase que involuntária e hipnótica, de determinados

termos nas pregações religiosas – característica bastante comum já apontada nos discursos

neopentecostais: ―um Deus que...‖, repetido 17 vezes e de outras expressões similares

igualmente recorrentes: ―olha o que a bíblia diz...‖, observado em profusão em visitação às

igrejas pesquisadas. Ainda sobre o fundamentalismo, Boff (2002, p.25 apud FERREIRA,

2008) esclarece:

Não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É

assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua

inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga a contínuas

interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial.

Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto

ao seu ponto de vista.

Como vimos, a argumentação trata dos enunciados, mas sobretudo de suas

possibilidades de refutação porque a princípio para que o movimento argumentativo possa

progredir esperamos por outro ponto de vista. No entanto, o discurso religioso, assentado

fundamentalmente em dogmas, busca fugir da refutação, pois esta desconstruiria o próprio

semantismo presente nos dogmas que fundam as diversas ―verdades‖ religiosas.

Assim, percebo que o dogma strito sensu, isto é, aquilo que não pode ser questionado

no domínio religioso, pertence a uma classe discursiva que estaria preservada, imune de uma

visada argumentativa (AMOSSY, 2006) no sentido restrito do termo, pois de outra forma a

dinâmica da argumentação quebraria com a própria lógica semântica imputada aos dogmas

religiosos.

Há também que considerar que as bases doutrinais do discurso religioso se

confundem com o próprio conceito de dogma, entendido como uma questão fundamental,

inquestionável, enfim, uma verdade absoluta de uma doutrina religiosa e que, portanto, não

pode ser refutado. Assim, diante do impasse existente entre a impossibilidade argumentativa

dos dogmas religiosos, poderíamos entender que os argumentos utilizados pelos oradores da

fé, baseados em dogmas, não podem ser questionados, pois isso feriria a lógica da própria

argumentação doutrinária intradiscursiva.

Podemos falar em certa liberdade dos exegetas sobre a interpretação do dogma,

sempre limitados pela doutrina religiosa a qual pertencem. Isso não implica obviamente em

nenhuma maneira de refutar o dogma, o que coloca a liberdade da ―argumentação‖ do dogma

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condicionada nos limites de sua interpretação a partir de parâmetros doutrinários, nunca de

sua refutação, pois, conforme mencionei, se fosse possível refutar um dogma, isso quebraria

com o seu próprio semantismo.

Assim, os limites da ―argumentação‖ de um dogma estariam mais associados à sua

interpretação, não à sua refutação. Nesse sentido e por essa característica, fechada em si

mesma, os dogmas no discurso religioso condicionam seus interlocutores a uma espécie de

monólogo sobre as divindades. Disso se depreende um empecilho para o pleno

desenvolvimento de um movimento argumentativo aplicado no discurso religioso, conforme

entendemos em Perelman (1970).

Importante ressaltar que essa impossibilidade de refutação do dogma refere-se

somente ao próprio conceito de dogma, quando pertencente ao contexto de uma determinada

doutrina conforme apresentado neste estudo – delimitado por um corpus neopentecostal

(intradiscursivo), pois de outra forma os dogmas são constantemente rediscutidos e até

mesmo refutados por extensos processos argumentativos exegéticos, quando se trata de

segmentos religiosos distintos. Nesse caso, podemos citar como caso emblemático de

argumentação religiosa interdiscursiva a refutação dos dogmas católicos pela Reforma

Protestante, que incluiu a contestação de antigos dogmas católicos, como a virgindade de

Maria, dentre outros.

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130

5. Análise das estratégias argumentativas na pregação religiosa: desconstrução de

um script discursivo neopentecostal

Finalmente, nesse último capítulo, busco apresentar uma resposta à problemática de

nossa pesquisa, circunscrita em torno das estratégias argumentativas em que os DNP se

articulam. Conforme vimos, os discursos religiosos ilustrados como exemplares da

representação identitária do neopentecostalismo parecem estruturados aos moldes de um

padrão de regularidades semânticas explicitados na forma de alguns objetos de referenciação

recursivos. Fato também demonstrado é que tais objetos de referenciação não estão ―soltos‖

no discurso e, portanto, não aparecem a esmo na pregação religiosa. Muito pelo contrário, eles

demonstram uma explícita intencionalidade discursiva ao sugerir uma espécie de roteiro, à

maneira de um script teatral que parece agradar a plateia, partícipe entusiástica das cenas que

compõem a narrativa religiosa.

Assim, podemos delimitar o objetivo específico desse capítulo que se propõe a dar

mais um passo em direção ao desvelamento das estratégias persuasivas nos DNP. Por isso,

nessa parte da investigação, apresento ao leitor sete seções representativas da pragmática

discursiva religiosa, principalmente na identificação de cada Fase estratégica da argumentação

neopentecostal. Assim, para que pudéssemos chegar a esse momento de construção analítica,

foi necessária uma exaustiva escuta in loco de grande parte das pregações religiosas aqui

registradas.

Nos capítulos anteriores, procurei identificar a estrutura constitutiva dos DNP

embasado por fragmentos de pregações neopentecostais e teoricamente respaldado pelas

teorias da referenciação, argumentação e TAF. Dessa forma, utilizei da metodologia dedutiva

para construir a maior parte das conclusões expostas. Por isso, percorremos até aqui um

caminho analítico-descritivo dos discursos religiosos ao realizar um esforço teórico, sobretudo

na circunscrição dos DNP a partir de suas próprias falas recorrentes.

Nesse capítulo, amplio o esforço dedutivo na compreensão e análise dos discursos

religiosos ao procurar desconstruir partes dos DNP de forma a responder nossa indagação

inicial. Ou seja, procuro demonstrar práticas discursivas que exemplifiquem a racionalidade

da ação argumentativa nas pregações religiosas. Ao nos aproximarmos desse objetivo,

pretendemos também visualizar, nos próprios discursos, o desvelamento de suas possíveis

intencionalidades. Segundo Mari (2003, p. 103-104):

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131

O padrão mais evidente que concebemos para admitir um fato como racional

traduz-se, muitas vezes, como a possibilidade de prover-lhe uma explicação

causal. [...] Operamos com essa visão tradicional [causa-efeito], quando

reunimos um conjunto de informações, de dados que consideramos o

antecedente e criamos, a partir de um nexo qualquer, um consequente, de tal

forma que, conhecidas as condições impostas aos primeiros, estaremos sempre

aptos a derivar os consequentes.

A partir desse pressuposto, podemos realizar uma análise da percepção sobre alguns

aspectos que os enunciados religiosos incitam em nós, agindo como promotores de estados

mentais, a exemplo de reações de intimidação sobre possíveis ―pecados‖ cometidos;

esperanças na realização de promessas de uma vida melhor; respeito sobre a autoridade

daqueles que proclamam a ―palavra de Deus‖; sensibilização sobre princípios morais ou

éticos ―corretos‖ para se viver; certezas ―comprovadas‖ de milagres alcançados por meio de

depoimentos de fiéis abençoados; tranquilidade ou apreensão por revelações anunciadas

diretamente pelo homem de Deus; ou, esforço na superação de novos desafios na vida para o

fim dos sofrimentos.

A partir dessa compreensão, podemos deduzir que existe alguma racionalidade nos

enunciados religiosos a ponto de intuirmos certa compreensão sobre prováveis efeitos de

sentido que as pregações religiosas promovem. Dessa forma, podemos estabelecer alguma

lógica sobre as proposições religiosas a fim de erigir uma possível forma de categorizá-las.

Oportuno perceber que os itens destacados em itálico (intimidação, promessas, autoridade,

sensibilização, comprovadas, revelações, desafios) reportam às sete Fases Argumentativas

dos DNP aqui apresentadas.

Para poupar espaço e enriquecer com uma diversidade de exemplos, optei por

apresentar falas de diferentes pastores com suas respectivas classificações quanto ao Ponto (P)

e Modo (M). A fim de não avolumar a apresentação dos dados – o que dificultaria o exercício

analítico – dividi cada Quadro, correspondente às Fases Argumentativas, em alguns

grupamentos de excertos, seguidos de uma breve síntese. Há que se considerar que os blocos

de trechos para análise nem sempre são compostos a partir do mesmo material, de um mesmo

locutor, mas de anotações, gravações, vídeos, placas e cartazes. Apesar dessas variações na

fonte dos enunciados, seleciono trechos que julgo serem mais representativos para cada Fase

Argumentativa discretizada. Apesar de criarem entre os enunciados, relações de natureza

diversa na análise, ainda preservam, na semântica da enunciação religiosa, a força ilocutória

que sustenta cada Fase. Nesse sentido, a exposição de locuções diversificadas com origens

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diversas (diferentes locutores e suporte – panfletos, fotos, cartazes, etc) ajudam na

compreensão de uma Formação Discursiva Local (DNP) em convivência com uma FD geral

(discurso religioso) – objeto hiperonímico das religiões.

A classificação inicial dos atos, coluna à direita dos esquemas (Ponto/Modo), seguiu

uma classificação canônica, fundamentada em propriedades estruturais dos atos e na parte

discursiva da análise. Avalio outros valores pragmáticos que os atos podem assumir, em

função do conjunto em análise e das condições enunciativas (Deus/pastor > fiéis) emergentes

em cada fragmento destacado.

Dessa forma, apresento um mesmo padrão analítico para todas as Fases

Argumentativas desse capítulo, e lembrando que essa e demais análises não assumem um

compromisso exclusivo com atos ilocutórios nem um aprofundamento sobre estados

emocionais, condições preparatórias, de sinceridade, mas, sobretudo, ao que foi percebido

(perlocução) a partir das pregações. Assim, os efeitos perlocutórios fundamentam grande

parte dos excertos apresentados. No entanto, não menciono nas sínteses analíticas o efeito

perlocutório de cada ato, exatamente para não particularizar a importância de apenas um ato,

pois considero o conjunto de atos de cada bloco analisado (e não apenas uma expressão

isolada) ilustrativos da Fase Argumentativa correspondente. Assim, se podemos apontar os

efeitos perlocutórios, estes devem estar subentendidos nas próprias Fases que os representam.

Em outras palavras, a Fase da Sensibilização advém de um efeito de sensibilizar o alocutário,

mediante um conjunto de elementos preservados não apenas em locuções verbais (pregações

religiosas), mas resguardados também no cenário enunciativo. A Fase da Autoridade

fundamenta-se por elementos suscitados a partir de um sentido de respeito e admiração do

alocutário (fiel-sofredor) em relação ao locutor (―homem de Deus‖). A Fase da Intimidação,

por elementos que provocam (perlocução) medo e apreensão nos alocutários. Enfim, o mesmo

raciocínio segue-se para as demais Fases. Afinal, o sentido da perlocução não se realiza

apenas a partir dos enunciados inscritos na pregação religiosa.

Assim, os ―micros atos‖ analisados em cada Fase cooperam para que um efeito maior

faça sentido na enunciação religiosa e determine a sua Fase correspondente. Logo, esse efeito

maior representa a própria Fase Argumentativa dos DNP. Portanto, trato as próprias Fases

Argumentativas dos DNP, já como resultados de efeitos de sentido advindos de uma

intrincada rede persuasiva – analisada ao longo dos excertos, sob a forma de inúmeros atos de

fala. Nesse sentido, podemos visualizar as Fases Argumentativas como as pontas de um

iceberg – o que as sustentam faz parte de nossas análises. Ou seja, analisamos aquilo que está

submerso, que dá sustentação às categorias persuasivas nos DNP.

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A seguir, antecipo um resumo das Fases Argumentativas dos DNP que serão

discretizadas em detalhes ao longo desse capítulo. A partir do Quadro 15 o leitor poderá se

familiarizar com as etapas que compõem o enredo persuasivo religioso, tal como foram

suscitadas em mim.

Quadro 15: Fases Argumentativas dos DNP – Quadro-resumo

Fases Argumentativas

(efeitos de argumentação) Ação esperada no discurso

43

1. Autoridade

Manifestar o poder sacerdotal dos profissionais da fé a fim

de imprimir prestígio à pregação religiosa, validando, assim,

as demais Fases persuasivas nos DNP.

2. Sensibilização

Suscitar a emoção dos fiéis a fim de prepará-los à recepção

das demais Fases persuasivas nos DNP.

3. Revelação

Revelar benesses ou infortúnios na vida dos fiéis, bem como

suas soluções.

4. Promessa

Prometer a prosperidade em sentido amplo a todos os

crentes que cumprirem com suas obrigações, sobretudo,

financeiras (dízimos e ofertas) à igreja.

5. Desafio Instigar a superação de problemas pessoais ou familiares dos

fiéis para solução de seus conflitos.

6. Intimidação

Provocar medo, apreensão, receio nos fiéis para que reajam

frente a uma situação de perigo.

7. Comprovação

Divulgar milagres alcançados por fiéis aos demais membros

da congregação religiosa.

43

Os verbos utilizados representam elementos objetivos com força ilocutória suficiente para que a Fase

Argumentativa dos DNP se realize com sucesso, ou seja, atinja seu intento de representar Autoridade,

Sensibilizar, Revelar, Prometer, Desafiar, Intimidar ou Comprovar.

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134

5.1. FASE DA AUTORIDADE: eu posso te ajudar!

A ―autoridade‖ se constitui em argumento ligado ao prestígio do orador em relação

ao auditório, cujas palavras não devem ser facilmente contestadas, nem descartadas como

irrelevantes. A importância do orador no proferimento dos discursos deve inspirar, acima de

tudo, confiança sobre as ―verdades‖ anunciadas. No caso dos líderes religiosos, essa prática

discursiva parte de sua própria conversão: de pecador de outrora para fiel representante de

Deus no presente. Essa transformação pessoal constitui nessa Fase Argumentativa dos DNP

no cerne de sua fundamentação, pois dá condições para que seus líderes religiosos falem a

partir de sua própria experiência de vida.

Conforme percebido, essa Fase está diretamente relacionada ao referente sacerdotal,

objeto exposto no terceiro capítulo dessa pesquisa. Poderíamos dizer que todos os atos

advindos dessa Fase Argumentativa dependem do caráter sacerdotal dos pastores, sem o qual

suas próprias falas esvaziariam de poder persuasivo.

Segundo Silveira (2007), há pelo menos três autoridades a se considerar nessa

análise: a Trindade (composta de Deus, Jesus Cristo e Espírito Santo), a Bíblia (considerada

palavra de Deus) e o orador (pastor, missionário, bispo, apóstolo). Nessa Fase, destaco o

terceiro elemento como sacerdote, nomeando a si mesmo como representante de Deus, o que

pode ser facilmente depreendido nos seguintes enunciados proferidos por pastores: "Eu vim

trazer um recado de Deus para Vocês" [abertura de um culto]; ―Vamos exercer a autoridade

que o Senhor Jesus nos concedeu‖ [pastor se prepara para expulsar os Demônios em uma

reunião de exorcismo]; ―Eu quero te ajudar... Não só quero como eu posso te ajudar‖.

Essa Fase Argumentativa é marcada por expressões que marcam poder e autoridade a

que o líder religioso chama para si. Ele, como detentor de boa oratória e investido dos títulos

de pastor, bispo, apóstolo ou profeta busca realizar o trabalho de unir os desejos dos fiéis com

o poder de Deus. No meu entendimento, essa Fase Argumentativa precede todas as demais na

persuasão neopentecostal, pois, é preciso que a autoridade do líder religioso seja posta em

evidência para que as demais etapas argumentativas se desenvolvam pela comunidade de fé,

até chegarmos à última Fase Argumentativa, que coroa o circuito persuasivo neopentecostal,

chamada por mim de Fase da Comprovação, exposta ao final dessa análise.

Até onde pude perceber, diversos estudiosos que também se dedicaram à oratória

neopentecostal (MARIANO, 2005; PRANDI, 2000; ALMEIDA, 2002; ORO, 1999;

PIERUCCI, 2008) não mostraram, com o devido realce que damos aqui, o caráter sacerdotal

que os líderes religiosos expõem, provavelmente por estar subentendido nas demais Fases

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135

discursivas de suas pregações. No entanto, creio ser importante reafirmar o sacerdotalismo

enquanto objeto de referenciação na constituição dos DNP, pois grande parte das

verbalizações confere aos líderes neopentecostais, uma autoridade sobrenatural, o que impõe

aos fiéis determinado controle a partir dos pregadores do evangelho; na obrigação de seguir

regras de conduta social e principalmente na quitação de suas ―dívidas‖ para com a igreja sob

a forma de dízimos, doações, votos, campanhas, ofertas ou desafios44

.

Do ponto de vista da argumentação, o atributo sacerdotal dos líderes religiosos

representaria, em última análise, ―Deus‖ – simulacro de um poder supremo do universo, com

o qual ―tudo é possível de se resolver‖. Logo, imprimiria força persuasiva suficiente para

movimentar as demais Fases Argumentativas dirigidas à assembleia de crentes.

A seguir apresento um Quadro analítico de alguns fragmentos retirados do corpus da

pesquisa. Tais excertos teriam, como atributos principais, o poder de explicitar a Autoridade

que os líderes religiosos tentam transmitir aos fiéis.

Quadro 16: Locuções demonstrativas de Autoridade

(continua)

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.

Pastores em pregação na CESNT, 2008; MIR, 2009,

IURD, 2008, 2011.

Relação Ponto/Modo

1. As pessoas têm que olhar para mim

2. e ver que de fato eu sou um profeta!

3. O Exu está de joelho aqui porque o que está

dentro de mim é mais forte!

4. Vocês estão vendo algum Demônio comigo?

5. NÃ::O!

6. E sabe por quê?

7. Porque dentro de mim tem o ESPÍRITO SANTO::

O Espírito de DE::US!.

8. Deus me deu autoridade para apregoar...

P:assertivo/M:obrigação

P:declarativo/M:proclamação

P:assertivo/M:constatação/justificativa

P:diretivo/M:pergunta

P:assertivo/M:refutação

P:diretivo/M:pergunta

P:assertivo/M:justificativa

P:assertivo/M:afirmação

44

Nessa pesquisa expliquei as formas discursivas de como as igrejas neopentecostais se utilizam para auferir

dinheiro dos fiéis. Assim, para cada investida financeira na economia dos crentes existe uma maneira apropriada que

os DNP se utilizam na modalização do ato diretivo para esse fim específico: ofertas, contribuições, campanhas e

votos (sugestão), dízimos (comandos), desafios (desafios/sugestão intensificada com forte apelo emocional).

Normalmente todas essas categorias são utilizadas durante um mesmo culto, em diferentes momentos. Dessa forma,

a coleta financeira se realiza do início ao fim do culto.

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136

Sín

tese

Anal

ític

a O ato 1 representa um assertivo, mas nos DNP assume características de

diretivo/comando, pois mobiliza os alocutários a expressar respeito pelas condições

preparatórias (sacerdote) do ato 2. Ainda podemos analisar o ato 2 diretamente como

P:assertivo/M:afirmação e considerar em razão das condições preparatórias do locutor

(pastor = suposto representante de Deus) o seu valor declarativo (conforme análise): no

fundo, ‗eu‘ sou profeta, ao proferir a sentença. A sequência dos atos 4, 5, 6 e 7 merece

ser destacada: o ato 4 é um diretivo, mas indiretamente, ele é um ato assertivo. O locutor

não está perguntando sobre esse conteúdo proposicional: ele está afirmando, mas

discretamente, faz com que o alocutário antecipe a resposta à indagação. Isso pode ser

comprovado pelo ato seguinte em que o próprio locutor responde NÃO. Da mesma

forma, o ato 6 é um diretivo/pergunta, com efeito retórico, pois a pergunta é uma

estratégia para o locutor afirmar quem ele é (ato 7). O ato 8 demonstra a crença do

locutor a fim de se posicionar conscientemente aos demais membros da congregação sua

capacitação de falar como representante de um poder superior. As condições

preparatórias (ser representante de Deus) desse ato dão suporte à execução dos demais

atos persuasivos da pregação religiosa.

1. Eu ordeno que esse Demônio saia desse corpo!

2. Eu determino que todo mal bata em retirada!

P:declarativo/M:excomunhão

P:declarativo/M:excomunhão

Sín

tese

Anal

ític

a

Tanto o ato 1, quanto o 2 deveriam, a princípio, ser analisados como [P:diretivo

/M:comando]. Entretanto, pelas condições enunciativas desse discurso, a análise como

declarativo é apropriada pelas seguintes razões: (a) embora se tenha um performativo

associado a uma forma alocutiva (saia... bata) não existe um alocutário explícito que

supostamente realizaria a ação futura (sair e bater em retirada). O alocutário presente é

próprio fiel (e nesse caso o ato assume também de forma indireta um valor comissivo) e

o Demônio é, no fundo, o objeto da referenciação desse ato; (b) o ato em questão é o

próprio exorcismo, pois tem esse valor declarativo na interação em questão.

1. Eu vou abençoar sua vida!

2. Eu vou colocar a mão na cabeça de todos os

dizimistas

3. e eu estarei determinando a graça.

4. Senhor [Deus] eu vou usar a autoridade que tu tens

me concedido para curar...

5. Em nome de Jesus eu vou ARRANCAR esse exu

maldito desse corpo

P:comissivo/M:proteção

P:comissivo/M:proteção

P:declarativo/M:proclamação

P:comissivo/M:proteção

P: comissivo/M:proteção

Sín

tese

Anal

ític

a

Todos esses atos podem ser tratados como comissivos (vou abençoar, vou colocar,

vou usar, vou arrancar), à exceção do ato 3 em que adquirem uma função

declarativa/preditiva (M:proclamação) pela condições preparatórias do locutor – para

um sacerdote apto a determinar a graça (3) na vida dos crentes, o ato se torna mais

do que uma promessa de realização, mas na própria determinação de realização.

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1. Você que teve resultados positivos, vem aqui...

2. que eu quero fazer uma unção para você!

3. Aproveita a viagem e traz seu dízimo.

P:diretivo/M:comando

P:comissivo/M:promessa

P:diretivo/M:comando

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 [diretivo/comando] justifica-se porque a princípio todos os fiéis que

conseguiram alguma vitória (resultados positivos) são orientados [M:comando] a

divulgar suas conquistas, frutos de alguma intervenção divina. Note que o ato é

precedido por uma condição preparatória (“você que teve resultados positivos...”). Ou

seja, se não houve resultados positivos não há que se realizar o modo comando [de ir até

o altar]. Caso confirme positivamente o ato 1, o fiel receberá (―eu quero fazer‖, ato 2)

uma unção, marcada também pelas condições de sinceridade do locutor. Aparentemente

sem coerência com a proposição anterior, o locutor aproveita para realizar no ato 3 um

diretivo/ordem (conf. diferenças entre dízimos/ofertas a partir da fig. 40). O locutor usa,

portanto, autoridade para distribuir comandos ou promessas aos alocutários.

Assim, os fragmentos acima demonstram que para serem consideradas válidas ou

surtirem algum efeito, as locuções destacadas requerem autoridade manifesta de seus

oradores. Logo, se o pastor declara a si mesmo como possuidor de autoridade profética, ele

deverá se posicionar como tal: ―o que está dentro de mim [Deus] é mais forte... porque dentro

de mim tem o ESPÍRITO SANTO:: O Espírito de DE::US!‖. Assim, podem simular uma luta

contra as forças do mal cujo resultado final será sempre a vitória de Deus, demonstrada pela

libertação dos fiéis ―endemoninhados‖, ação confirmada verbalmente na Fase da

Comprovação (última etapa argumentativa aqui apresentada), por meio dos depoimentos dos

próprios féis convertidos.

Além das verbalizações orais proferidas por líderes religiosos em pregação, existem

diversas referências bíblicas expostas nas paredes das igrejas pesquisadas. Normalmente cada

citação remete os fiéis ou observadores a uma determinada lição evangélica. Na Catedral

Mundial da Fé45

, existem diferentes passagens bíblicas afixas em relevo nas paredes do

prédio principal: ora suscitando um convite proselitista, ora recordando aos crentes sobre o

seu destino ou, simplesmente, justificando o porquê de uma construção tão imponente aos

olhos humanos, conforme podemos perceber na citação bíblica (II Crônicas 2:5) inscrita no

45

Templo considerado a sede mundial da IURD – Igreja Universal do Reino de Deus – ícone máximo do

neopentecostalismo. Localiza-se na Avenida Dom Hélder Câmara,bairro de Del Castilho, Rio de Janeiro.

Comporta aproximadamente 15 mil fiéis sentados e tem aproximadamente 45 mil m2, que somados às

construções externas chega a 72 mil m2. Atualmente é o maior templo evangélico já construído na América

Latina e só será superado pelo ―Templo de Salomão‖, obra também da IURD em fase de construção na cidade de

São Paulo – ao custo inicial, segundo a Arca Universal (2012), de 300 (trezentos) milhões de reais.

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pórtico da sede da IURD (fig. 21): ―A casa que edificarei há de ser grande, porque o nosso

Deus é maior do que todos os Deuses46

‖.

Pondero que não apenas as palavras, isto é, o discurso oral ou escrito, suscita

autoridade nas pregações, mas a própria arquitetura das igrejas inspira certo poder imanente

aos devotos. Podemos supor que as formas que marcam o desenho arquitetônico dos templos

deve favorecer aos fiéis a assumirem uma atitude naturalmente receptiva sobre a importância

das mensagens que se poderia anunciar dentro daquele ambiente, considerado sagrado e

notoriamente imponente, conforme pode ser visto na figura abaixo.

Figura 21: Pórtico da IURD – Sede Mundial

Fonte: Fotos do autor (IURD, 2011, RJ)

Os artifícios da arquitetura dos templos, utilizados com fins persuasivos e sua relação

com a Fase da Autoridade e demais Fases Argumentativas (sensibilização, intimidação, dentre

outras) merecem um aprofundamento maior, em outro trabalho, pois aqui me atenho apenas

nas formas de enunciação explícitas da discursivização religiosa.

46

Nessa citação podemos exemplificar a relação fundamentalista dos DNP com a fórmula apresentada no

capítulo anterior, seção 4.4 desse trabalho em que ―Z ≡ Y‖. Ou seja, o sujeito (X) justifica a grandiosidade física

da igreja, casa de Deus (Y) e a constrói conforme descreve o texto bíblico – fisicamente grandiosa (Z). Dessa

forma, existe uma correspondência biunívoca entre o que está escrito e o que é compreendido, o que suscita a

tese fundamentalista na linguagem religiosa.

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139

5.2 FASE DA SENSIBILIZAÇÃO: eu entendo seu sofrimento...

Essa Fase recorre a objetos propagandísticos e também a um discurso que busca

―tocar‖ a emoção dos fiéis a fim de sensibilizá-los a aceitar a doutrinação religiosa, a aderir

aos seus postulados. Nessa Fase, tanto pastores quanto fiéis buscam proclamar seus

sentimentos, aos moldes de um ato expressivo (TAF). Temos dois aspectos identificáveis

nessa etapa: um vinculado diretamente à propaganda religiosa e outro relacionado aos

discursos orais propriamente ditos.

Na identificação dessas características que também podemos considerar como

estratégias persuasivas dos DNP, as pregações religiosas tendem a se tornar ainda mais

extraordinárias, pois procuram despertar as esperanças dos fiéis para solução de seus

problemas. Dessa forma, com a devida sensibilização dos crentes por meio de frases que

simulam convites que ofertam algum tipo de ajuda pessoal (Venha receber... Venha

participar... Venha se libertar... Jesus te ama! – conforme figuras abaixo), procuram reforçar

a argumentação na conquista de novos adeptos e manutenção daqueles já conquistados.

Dessa forma, o proselitismo religioso neopentecostal ganha ainda mais força por

executar um tipo discursivo que tende a sensibilizar em ―uma das formações discursivas mais

explicitamente persuasivas‖, conforme Citelli (1999, p. 48) compartilha conosco.

A seguir apresento quatro figuras (22 a 25) ilustrativas dessa Fase de Sensibilização,

e logo após insiro suas locuções em um Quadro analítico, juntamente com alguns excertos

retirados do corpus oral.

Figura 22: Venha Receber

Fonte: Fotos do autor (IVN, 2008, MOC)

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140

Figura 23: Venha Participar!

Fonte: CAMPANHA... 2011

Figura 24: Venha se Libertar

Fonte: Fotos do autor (IURD, 2008, MOC)

Figura 25: Jesus te ama

Fonte: Fotos do autor (2006, MOC)

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141

Quadro 17: Locuções demonstrativas de Sensibilização

(continua)

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.

Pastores em pregação e propaganda nas IDRP,

2009; IURD, 2011, COPV, 2012.

Relação Ponto/Modo

1. Eu sei quanta dor existe aí nesse coraçãozinho...

2. Eu não quero convencer ninguém

3. Eu quero dar para vocês o que vocês não têm...

4. Eu só estou falando para pessoas com fé

P:assertivo/M:afirmação

P:comissivo/M:desejo

P:comissivo/M:desejo

P:assertivo/M:declaração

Sín

tese

Anal

ític

a

Todos os atos desse excerto podem ser considerados assertivos, pois demonstram a

opinião (afirmativa ou negativa) do locutor. No entanto, a intencionalidade preservada

nos DNP nos permite fazer as seguintes considerações: todos esses atos resguardam

uma significação emotiva com intenções subentendidas: o ato 1 é modalizado para

“compaixão” ao associar a dor dos crentes com a ciência do pastor (que deveria se

compadecer). No ato 2, pelas condições preparatórias do locutor (sacerdote) o ―não

quero‖ gera um modo ―sinceridade‖, mas representa na realidade um diretivo oculto,

pois o locutor convence o alocutário de que ―não quer convencê-lo‖. O ato 2 também

representa um assertivo oculto no modo afirmação, pois, de fato, o locutor quer

convencer. A expressão ―não quero convencer‖ é mais um modo/humildade para

disfarçar suas intenções diretivas (de convencer). No ato 3, ―quero dar‖ gera um modo

promessa (―vou dar‖ – pois as condições preparatórias capacita um sacerdote a isso).

Assim, o ato 3 deve se realizar no ato 4 (conforme análise): às ―pessoas com fé‖,

modalizado pelo advérbio restritivo ―só‖.

1. Quem vai te convencer é o Espírito Santo

2. Venha para o corredor de milagres

3. Venham aqui pessoas desenganadas pelos médicos

P:assertivo/M:afirmação

P:diretivo/M:convite

P:diretivo/M:seleção

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 abre com um assertivo/afirmação, ao demonstrar a crença de ―quem vai te

convencer‖ é validado pela sentença complementar – ―é o Espírito Santo‖. Tal ato

deve ser entendido, todavia, como denegação (e não afirmação, conforme análise), pois,

quem ―vai convencer‖ realmente é o próprio pastor e não o ―Espírito Santo‖. Os atos 2

e 3, ambos diretivos representam convites com efeitos perlocutórios de milagres. A

sutil diferença recai para o ato 3, com o dêitico ―aqui‖, acrescido da qualificação de

pessoas ―desenganadas pelos médicos‖ que condiciona o ato ao tipo de pessoa que deve

ir receber a cura (comissivo pressuposto), pois o locutor chama pessoas doentes

(desenganadas pelos médicos). Todos esses atos servem para sensibilizar os alocutários

do valor da pregação.

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142

1.Venham aqui no altar...

2. Venha receber a chave que abre todas as

portas de sua vida (fig. 22).

3. Venha se libertar! (fig. 24)

4. Vamos todos levantar...

5. Levanta daí da sua cadeira e pisa!

6. Amarra o cordão várias vezes, com muitos nós

e coloca só R$ 10,00 (dez reais) no envelope

junto como cordão amarrado e traz aqui,

7. vamos orar e desatar todos os nós da sua vida

8.Amarra uma fitinha no braço para não esquecer

da reunião de domingo.

9. Venha Participar (fig. 23)

P:diretivo/M:comando

P:diretivo/M:sugestão

P:diretivo/M:sugestão

P:diretivo/comissivo/M:comando/convite

P:diretivo/M:comando

P:diretivo/M:comando

P:comissivo/diretivo/M:convite/comando

P:diretivo/M:comando

P:diretivo/M:convite

Sín

tese

Anal

ític

a

A sequência de atos diretivos (conforme análise), à exceção do ato 7 que representa um

ato híbrido (comissivo/diretivo//modo:convite/comando), pois ao dizer ―vamos orar‖ o

locutor conclama o alocutário para a oração. Ou seja, é o pastor que ora (comissivo),

mas espera que o alocutário também o faça (diretivo) e tem ele, pastor, por suas

condições preparatórias de sacerdote, o poder de ―desatar todos os nós‖, enfim, a

realização do ato comissivo. Nos atos 1,4,5,6,8,9 o locutor dá comandos (conforme

análise). No entanto, apenas sugere nos atos 2 e 3, pois se tratam de propagandas

escritas (painéis), como concomitantemente convida nos atos 4 e 7. O ato 9, apesar de

também ser uma propaganda, considero mais adequando o modo ―convite‖, pois a

expressão diretiva ―venha participar‖ subentende um modo/convite em razão da

natureza semântica do verbo participar que orienta uma ação para o alocutário.

1. Jesus te ama! (fig. 25)

2. Oh... Pai,

3. nós não aguentamos mais tanto sofrimento...

4. Quem senão Deus para ajudá-lo agora? (fig. 22)

5. Jesus breve vem! (fig. 28)

P:assertivo/M:afirmação

P:expressivo/M:reconhecimento

P:assertivo/M:reclamação

P:diretivo/M:provocação

P:assertivo/M:predição

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 representa, conforme análise, um assertivo, pois busca sensibilizar os devotos

pelo conteúdo proposicional (o amor de Jesus ao fiel). O ato 2 expressa sentimentos do

locutor (Oh...) de reconhecimento de um ente que lhe é superior (Pai), a quem cabe

dirigir a reclamação contida no ato 3 – ―nós não aguentamos mais tanto sofrimento‖ -

que, certamente, produz o efeito perlocutório de lamúria. O ato 4 se realiza sob a forma

de um diretivo (conforme análise), pois instiga os fiéis a buscar em Deus (Quem senão

Deus...?). Funciona como um valor indireto de convite com forte conteúdo emotivo:

―agora‖ imprime um efeito perlocutório salvífico urgente ao ato em questão. O ato 5,

embora analisado como um assertivo/predição pode gerar o efeito de uma promessa,

em razão das condições preparatórias dos alocutários a quem o ato se dirige. O ato-

―Jesus breve vem!‖- não tem, assim, a função simplesmente de dizer sobre a vinda do

messias, mas de provocar uma reflexão que pode redundar ou não em ações.

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143

Conforme podemos depreender na análise do Quadro 17, a pregação religiosa sugere

uma tentativa de sensibilizar o fiel, buscando ―entender‖, ―solidarizar-se‖ com a dor dos

crentes. Mais alguns exemplos que reforçam essa característica emotiva: ―Eu sei quanta dor

existe aí nesse coraçãozinho... eu mesmo já sofri tanto...‖; ―Venham aqui no altar: pessoas

desenganadas pelos médicos... pessoas que sofrem com algum mal... dores de cabeça... vida

destruída... viciados... alcoólatras... dependentes químicos‖. Com tais asserções, o pastor

parece incitar os fiéis a aderirem ao plano de ―tratamento‖ proposto pela Igreja. Em outro

momento das pregações, parece utilizar-se de jogos de interação grupal para que toda a

assembleia de fiéis participe ativamente do culto: ―Vamos todos levantar, bater os pés e pisar

no diabo! Levanta daí da sua cadeira e pisa! PISA! PISA... PISA... PI:::SA nesse DIABO

MALDITO!‖. Essa é a Fase em que o desabafo, da oração lamuriosa, chorosa, desesperada é

mais incentivada, a exemplo da seguinte rogativa, apresentada como ato expressivo na

pregação religiosa: ―Oh!!! Pa:::i, nós não aguentamos mais tan:::to sofrimento...‖ Sobre o

sucesso da argumentação, nos orienta Abreu (2005, p. 17):

Ao iniciar um processo argumentativo visando ao convencimento, não devemos

propor de imediato nossa tese principal, a ideia que queremos ―vender‖ ao

nosso auditório. Devemos, antes, preparar o terreno para ela, propondo alguma

outra tese, com a qual nosso auditório possa antes concordar.

A partir de tal afirmação, poderíamos deduzir que a Fase da Sensibilização nos DNP

cumpre uma importante função ao suscitar nos fiéis o ―toque de suas emoções‖,

provavelmente para receberem, num segundo momento, as demais proposições desenvolvidas

na pregação religiosa. Assim, a tese principal que seria a de persuadir completamente o fiel é

desviada pela negação de formas comissivas como ―Eu não quero convencer ninguém...‖, ou

como ―Eu não quero o seu dinheiro...‖, que apenas disfarçam um ethos de interesse, mas que

no fundo reforçam as ações de querer convencer e de querer o dinheiro, como se pode

comprovar em diversos outros momentos dos DNP.

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144

5.3 FASE DA REVELAÇÃO: eu sei por que você sofre!

Nessa Fase persuasiva dos DNP, os pastores procuram revelar a fonte dos

sofrimentos por que passam os crentes, pois o mal individual que existe na vida das pessoas

deverá, segundo a prédica religiosa, igualmente expor a fonte dos demais sofrimentos

humanos. Assim, nessa Fase, os líderes da fé ―desvendam‖ os porquês de tantos distúrbios

pessoais e sociais que afligem grande parte das pessoas, enfim, revelam a causa das

perturbações humanas. Denunciam que o mal existente na vida das pessoas é corporificado

na figura de uma entidade demoníaca composta por uma legião de espíritos malignos e ―é por

isso que as pessoas sofrem‖: por sua ligação com as forças do mal, resumem categoricamente.

Mas, para resolver os graves problemas humanos, sobretudo aqueles cujas causas

enraízam-se em algum ente demoníaco, a igreja também revela um antídoto para curar ―tanto

mal solto no mundo‖. Oferece ajuda, conforme podemos depreender das ―Quatro Revelações‖

mostradas na figura 26 e analisadas no Quadro 18. Com tal abordagem persuasiva, nota-se

que os líderes da fé não revelam nessa Fase apenas o porquê dos sofrimentos, mas também a

sua cura. Desconfio que é justamente por apresentarem uma alternativa para se livrar dos

sofrimentos humanos que a igreja encontra grande ressonância entre os féis e não para de

crescer em número de adeptos.

Figura 26: As quatro revelações

Fonte: Fotos do autor (COPV, 2006, MOC)

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145

Quadro 18: Locuções demonstrativas de Revelação

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus. Pastores

em pregação e propaganda na IURD, 2012; IIGD, 2009,

IMPD, 2009

Relação Ponto/Modo

1.Nem sei porque eu estou falando isso...

2. é o próprio Deus que está me usando

3. O meu crescimento vem da inspiração que vem de Deus

4.Atrás de todos esses males, existem esses Demônios

5. Jesus Salva, Jesus cura (fig. 26)

6.Jesus voltará (cont... fig. 26)

P:assertivo/M:dúvida

P:assertivo/M:revelação

P:assertivo/M:revelação

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:afirmação

P:assertivo/M:predição

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 representa um assertivo que simula uma dúvida (―nem sei porque...‖). Mas essa

é apenas uma dúvida retórica, já que o pastor se considera representante de Deus.

Assim, desloca sua fala original de locutor (pastor, humano) para uma fala

sobrenatural, confirmada no ato 2:―é o próprio Deus que está me usando‖. Esses dois

atos reunidos têm função preparatória de sustentar os demais atos que se seguem,

mostrando não apenas a sua proximidade com Deus (ato 3), mas também sobre aquilo

que ele se julga como autoridade para falar de Deus (atos 5 e 6). Os atos 3 e 4 são

assertivos com função de revelar algumas causas sobrenaturais: aquelas que ―vem de

Deus‖ (ato 3) e outras, advindas do ―Demônio‖ (ato 4). O ato 5 tem um valor canônico

de assertivo, mas pode representar, indiretamente, um declarativo, supondo que só

Jesus é capaz de salvar e curar pelo dizer. As formas verbais (presente indicativo –

salva e cura) ajudam a preservar a revelação como um fato constante e habitual da

vida. O ato 6 deve ser analisado assertivo/predição, pois contém a certeza messiânica,

amplamente aguardada pelos crentes da vinda do salvador.

1. Você sofre com essa dor na garganta, com essa coluna

torta, com o desemprego, com a família destruída, com esse

vício do capeta...

2. por trás do seu problema está o próprio diabo!

3. Recebi hoje uma revelação de Deus

4. A palavra profética é de Deus!

5. O mal é origem de um Demônio

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:revelação

P:assertivo/M:revelação

P:assertivo/M:revelação

P: assertivo/M: revelação

Sín

tese

Anal

ític

a

Todos os atos representam assertivos/constatação/revelação (conforme análise), pois

reforçam a crença em explicações sobre a causa-efeito dos sofrimentos humanos, sob a

forma de constatações ou de revelações. A sutil diferença que se estabelece entre

constatação (ato 1) ou revelação (demais atos) é que a primeira refere-se, sobretudo, à

tomada de consciência pessoal sobre os problemas humanos que precisam ser

resolvidos, enquanto que a revelação representa o conhecimento relacionado

diretamente com as próprias divindades (Deus ou Demônio). Assim, eu posso

constatar meus pecados, mas apenas os pastores, investidos de autoridade, podem

revelá-los.

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146

Nessa Fase, o pastor procura demonstrar que ―sabe‖ o porquê dos sofrimentos dos

fiéis, por isso seus tormentos estão ―com os dias contados para acabar‖. Assim, o pastor

revela a fonte do mal na vida das pessoas, mas não apenas revela: ―mostra‖ que a causa de

todos os sofrimentos humanos está no Demônio – ente corporificado inclusive com nomes

próprios: Lúcifer, Capeta, Satanás, Satã, Tranca-rua, Exu-caveira, Pomba-gira, Exu-miséria,

Exú-da-morte, Exu-pimenta, O tinhoso, O encardido, O Rabudo, O pai da mentira, O coisa-

ruim, O cão, Demo, Diabo, dentre outros que presenciei durante cultos exorcistas.

Normalmente essa Fase está articulada com o exorcismo e com a prosperidade

neopentecostal, objetos referenciais amplamente abordados no capítulo 3 dessa pesquisa.

Conforme se perceberá, essa Fase também se mostra muito próxima à Fase da Promessa, pois

ao mesmo tempo em que o pastor revela as causas do mal na vida dos fiéis, ele promete, em

nome de Jesus, sua solução. Enfim, a Fase da Revelação é marcada, sobretudo por

explicações fundamentadas principalmente em passagens bíblicas, consideradas ―a palavra do

Deus vivo‖. Mas, além dessa fonte de revelação, os líderes religiosos também atribuem a si

próprios alguma revelação divina, como ―canais‖ mediadores da voz de Deus: ―Nem sei

porque eu estou falando isso... é o próprio Deus que está me usando‖.

5.4 FASE DA PROMESSA: a certeza da vitória.

Aqui, o pastor promete a solução para todos os problemas apresentados pelos

devotos. Para isso, busca fundamentação em passagens bíblicas, nas ―palavras de Deus‖,

como costumam dizer – sempre amparados por citações retiradas do próprio texto bíblico.

Nessa medida, a promessa do pastor se confunde com a promessa de Deus, conforme

apresentado em um painel no interior da IURD/MOC: “Aquele que Me servir Vencerá47

(promessa de vitória). Infelizmente não pude apresentar aqui a imagem desse painel, pois é

proibido o registro de imagens ou áudio no interior das igrejas pesquisadas. Por isso, grande

parte do corpus aqui apresentado advém de gravações digitais de cultos neopentecostais

transmitidos via rádio, TV ou por anotações escritas por mim in loco em diversas igrejas

neopentecostais de Montes Claros-MG, Belo Horizonte-MG e Rio de Janeiro-RJ, além de

fotografias de áreas externas das igrejas. A única imagem interna de uma igreja aqui

apresentada foi coletada da web (fig.40).

47

Citação indireta provavelmente retirada de João 12:26 (E, se alguém Me servir o Pai honrará).

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147

Essa é a Fase onde os desejos humanos não alcançados são dirigidos a Deus para o

milagre da realização. Mas os desejos humanos devem coincidir antes de tudo com as

promessas divinas. Assim, nessa Fase da discursivização religiosa, o pastor incentiva os fiéis

a pedir o que quiserem, pois ―nosso Deus é um Deus da prosperidade e Ele nos prometeu

viver como filhos do rei‖. Assim, segundo a crença religiosa, as promessas de Deus não

falham. A seguir, apresento uma coleção de oito figuras (27 a 34) ilustrativas dessa Fase

Argumentativa, analisadas posteriormente no Quadro19 juntamente com alguns excertos

retirados do corpus oral.

Percebo que as promessas realizadas por meio das propagandas buscam atingir o

maior número de pessoas, pois normalmente as igrejas localizam-se em regiões estratégicas

da cidade: onde transitam grandes massas populacionais. Dessa forma, o proselitismo

neopentecostal tem realizado a tarefa de conquistar o maior número de fiéis, sobretudo com a

promessa de curas instantâneas, riquezas materiais e soluções simplificadas para quaisquer

males humanos, conforme podemos deduzir a seguir. Nessa Fase podemos observar uma

profusão de exemplos ilustrativos, pois as igrejas costumam se utilizar, principalmente, de

promessas a fim de chamar atenção sobre si.

Figura 27: Concentração de fé e milagres

Fonte: Fotos do autor (IMPD, 2012, MOC)

Figura 28: Jesus voltará

Fonte: Fotos do autor (2006, MOC)

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Figura 29: Resgatar o passado e garantir o futuro

Fonte: Fotos do autor (MIR, 2006, MOC)

Figura 30: Nenhum mal chegará à tua casa

Fonte: Fotos do autor (IVN, 2006, MOC)

Figura 31: Clamor por justiça!

Fonte: Fotos do autor (IDRP, 2004, MOC)

Figura 32: Disk Oração

Fonte: Fotos do autor (TCM, 2012, MOC)

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149

Figura 33 Promessa de proteção divina

Fonte: PROTEÇÃO... 2010

Figura 34: Escalada do sucesso

Fonte: Fotos do autor (IURD, 2012, MOC)

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150

Quadro 19: Locuções demonstrativas de Promessa

(continua)

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.

Pastores em pregação ou propagandas das igrejas TCM

(2012), CESNT (2006), IURD (2012).

Relação Ponto/Modo

1. Templo de curas e milagres (fig. 32)

2. Disk Oração – Você não está só (cont... fig. 32)

3. Proteção divina contra a dengue (fig. 33)

P:assertivo/M:descrição

P:diretivo/M:sugestão

P:comissivo/M:proteção

Sín

tese

Anal

ític

a

Para o ato 1,temos assertivo/descrição, na sua forma direta, por se tratar de um

sintagma nominal caracterizado pelos adjuntos –“de curas e de milagres”. Entretanto,

por ter a função de uma propaganda (fig. 32), indiretamente, podemos admiti-lo como

diretivo/sugestão, por orientar o fiel para o lugar onde acontecem ―curas e milagres‖.

Além do mais, na perspectiva do próprio fiel, o ato pode ser também interpretado como

um comissivo/promessa: espera-se que o locutor possa fazer algo para curar através de

milagres. Todas essas possibilidades de especificação pragmática do ato decorrem das

condições preparatórias que validam o Templo como um lugar de ―curas de milagres‖.

Consideramos o ato 2, um diretivo/sugestão (conforme análise), como complemento

acional do ato anterior: se somos capazes de curar e fazer milagres, então ‗disk para

nós‘. O ato 3 é um comissivo/proteção, pois o panfleto (fig. 33) de outra igreja

neopentecostal (condições preparatórias) promete explicitamente a ―proteção divina

contra a dengue‖. Todavia, do ponto de vista do alocutário, o ato pode, indiretamente,

ser visto como diretivo/sugestão, já que o primeiro valor pragmático depende do

segundo para ser realizado. Isto é, para que o fiel seja resguardado das forças do mal

(promessa de proteção) ele precisa ir até a igreja buscar tal proteção, isto é, realizar um

ato diretivo, sugerido no panfleto.

1. Vamos honrar a Deus com sua oferta e

2. sua vida vai mudar!

3. Na sua reação você vai ter a ação de Deus

4. Você vai colocar sua oferta em cima da palavra de Deus

5. e o milagre tem que acontecer!

P:diretivo/M:sugestão

P:comissivo/M:promessa

P:comissivo/M:promessa

P:diretivo/M:sugestão

P:assertivo/M:certeza

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151

Sín

tese

Anal

ític

a No ato 1, o locutor incentiva os alocutários a ―honrar a Deus‖, portanto, utiliza-se

através do diretivo ―vamos...‖ modalizado sob a forma de sugestão, pois se trata de

fazer com que os alocutários doem financeiramente suas ofertas (e não dízimos).

Mesmo considerando a forma verbal ‗vamos‘, a orientação é alocutiva em razão da

expressão ‗sua oferta‘. Essa sugestão explícita no ato 1 é recompensada com uma

promessa no ato 2 (conforme análise). No ato 3, a expressão ―vai ter‖ marca o

comissivo/promessa (conforme análise) com um efeito perlocucional de ‗certeza de

realização‘. A expressão do ato 3, portanto, demonstra uma lógica causal: ação-reação,

causa-efeito (ofertas-milagres). Assim, ―na reação‖ [do fiel] vemos ―a ação‖ [de Deus].

A análise do ato 3 pode se estender aos atos 4 e 5 pois representam a mesma relação

causa-efeito, com a certeza da promessa divina, afinal ―o milagre tem que acontecer!‖

1. Você está disposto a agir na fé?

2. Jesus voltará!

3. No dia 25 estarei na igreja para buscar o

meu sabonete contra o atraso de vida (fig. 15)

4. Você vai sair daqui com seu bolso vazio,

mas é só aparente...

5. Deus vai preencher sua vida.

P:diretivo/M:desafio

P:assertivo/M:predição

P:comissivo/M:desejo

P:assertivo/M:predição

P:assertivo/M:predição

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 representa um diretivo/desafio, que testa a fidelidade do fiel em termos de

“agir na fé” – expressão que busca congregar uma ampla diversidade de atos em que o

fiel seria instigado a agir (diretivos) em prol da sua mudança pessoal. Esse ato 1 não

cria a expectativa de uma resposta verbal do fiel, mas leva-o a praticar alguma ação

(―agir na fé‖). O ato 2 tem o valor direto de assertivo/predição (conforme análise), mas,

implicitamente, pode assumir uma função diretiva/comissivo, reforçando as ações do

pastor em termos da persuasão dos fiéis, sobretudo como subsídio para atos a realizar-

se no futuro (comissivo/promessa). Portanto, a declaração não tem função apenas de

informar a ―volta do messias‖, mas recordar uma promessa bíblica, de amplo

conhecimento popular. O ato 3, comissivo/desejo, funciona como um lembrete aos fiéis

sobre um desejo pressuposto (estar na igreja no dia 25), pois trata-se de uma

propaganda com finalidade diretiva (levar os fiéis à igreja). O ato 4 representa um

assertivo/predição, cuja realização parece estar assegurada pelo ato subsequente (5)

também um assertivo/predição, mas que pode assumir um valor indireto de

comissivo/promessa e ser lido, do ponto de visto do locutor, como: prometo que Deus

vai preencher sua vida.

1. Como ganhar 16 mil reais com apenas dois reais48

?

2. E restituir-vos-ei os anos consumidos pelos

gafanhotos (fig. 29)

3. Nenhum mal chegará à tua casa (fig. 30)

4. Venham todos! (fig. 35)

5. Jesus garante a libertação (cont...fig. 35)

P:diretivo/M:desafio

P:comissivo/M:promessa

P:assertivo/M:predição

P:diretivo/M:convite

P:assertivo/M:certeza

48

Pastor ensina aos fiéis como é ―fácil‖ negociar a revenda de garrafinhas de água mineral comprada no atacado

a R$ 0,47 (quarenta e sete centavos) iniciando o ―negócio‖ com apenas dois reais, até atingir o faturamento

mensal de 16 mil reais. Para essa demonstração o próprio pastor vende aos fiéis ao preço de 1 (um) real, 20

garrafinhas em poucos minutos e conclui: ―Tá vendo gente! como é fácil multiplicar o dinheiro?‖

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152

Sín

tese

Anal

ític

a O ato 1 representa um diretivo/desafio em razão da forma linguística que o estrutura

(interrogação). Entretanto, ele comporta duas outras leituras: (a) um

comissivo/promessa (eu prometo que você pode ganhar 16 mil reais), (b) um

diretivo/sugestão (vou sugerir como você pode ganhar...); afinal os alocutários

precisam realizar algo para ―ganhar 16 mil reais‖ (vender garrafinhas de água mineral).

Os atos 2 e 3, respectivamente, representam comissivos/promessa e assertivo/predição.

A dificuldade em classificar esses atos 2 e 3 está no fato de que a voz do locutor-pastor

se confunde com a voz do locutor-Deus. Pois, quando se tem como locutor Deus (ou o

seu representante) seria possível supor que uma predição passe a ser uma promessa (de

Deus) como forma indireta ou, simplesmente, uma predição (do pastor) como forma

direta, levando em conta as condições enunciativas do ato - Locutor: Deus (ou

Pastor)/Alocutário: fiel. Dessa maneira, dependendo da forma como o fiel recebe a

pregação religiosa poderá entendê-la como uma promessa divina (de Deus) ou

constatação profética (dos sacerdotes).

O ato 4 é um diretivo/convite (conforme análise) seguido, no ato 5, de um

assertivo/certeza, o que reforça o ato 4, pois a ação dos alocutários de irem à igreja é

recompensada no ato 5. Esse último ato representa, portanto, a certeza de sua

libertação.

Além desses exemplos, apresento três propagandas neopentecostais em que a

promessa se destaca como fator preponderante no proselitismo religioso. Conforme

podemos perceber nos três exemplos a seguir o uso de atos assertivos, diretivos e comissivos

se alternam: ora objetivando o marketing religioso (assertivo), ora realizando declarações

prescritivas para que o fiel-alocutário realize ou deixe de realizar, uma ação no futuro

(diretivo), ora prometendo algo (comissivo). Apresento, pois, na própria sequência do texto,

alguns atos entre colchetes, sem a pretensão de abranger nem desdobrar as análises dessas

propagandas, mas tão-somente servir como ilustrações de atos comissivos ao final de cada

fragmento, ainda que de forma subliminar. Afinal, uma propaganda deve sempre prometer

alguma gratificação, sem a qual ela se torna estéril de sedução.

[propaganda 1, IURD, 2009]:

A fogueira santa de Israel é para os que creem... [assertivo/constatação] afinal todos

temos sonhos... [assertivo/conclusão] alguns sonham com conquistas financeiras...

outros... querem realizar o sonho de um casamento feliz... Saúde... família...

prosperidade são as principais áreas motivadoras de sonhos... e independentemente

de crença... raça... condição social... grau de estudo... ou nacionalidade... TODOS

podem entender [assertivo/suposição] que o sacrifício é o menor caminho para a

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conquista do seu sonho... [assertivo/justificativa] a partir daí abraçar essa

convicção... [diretivo/sugestão] e colocar em prática a sua FÉ::: conquistando...

assim... o IMPOSSÍVEL...[comissivo/expectativa]

[propaganda 2, MIR, 2008]:

Ah!... Não consegue PROSPERAR? [diretivo/pergunta, com uma extensão para um

expressivo pela presença de ―Ah!‖] SEJA qual for o seu problema... venha receber a

oração da vitória... [diretivo/sugestão] na oportunidade estaremos distribuindo

gratuitamente... o símbolo da vitória... [comissivo/promessa]

[propaganda 3, IIGD, 2010]:

Nessa sexta-feira... nós estaremos DETERMINANDO que você venha se ver livre de

TODO O MAL... [comissivo/promessa] dentro do tratamento espiritual que essas

pessoas falaram que foram vítimas de um ritual... de uma inveja... Nós estaremos

fazendo [comissivo/promessa] a unção de proteção contra a inveja... e a unção para

a quebra da inveja... estaremos ungindo a sua fronte e a sua nuca para que DEUS

venha quebrar a inveja [comissivo/promessa]

Breve comentário: conforme podemos perceber, nos exemplos acima, após realizar diversos

atos (assertivos, diretivos, expressivos) as propagandas sempre terminam com alguma

promessa de gratificação. Como se trata de propagandas religiosas, podemos esperar alguma

gratificação miraculosa. Assim, na propaganda 1, a gratificação representa ―a conquista do

impossível‖; na 2, ―o símbolo da vitória‖ e, na 3, ―a quebra da inveja‖.

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154

5.5 FASE DO DESAFIO: a revolta contra a miséria!

Nessa etapa de elaboração persuasiva dos DNP, os pastores buscam desafiar

constantemente a assembleia a doar ―o seu tudo‖ a Jesus e a provocar o próprio Deus para que

sua vida de miséria chegue ao fim. Assim, um pastor declara: ―Se sua vida não melhorar Deus

pode me levar, [então] Ele pode me MATA:::R! Porque eu não aceito essa vida de miséria, de

pobreza....‖ Ou: ―Se sua vida não mudar para melhor, [então] o Deus que eu sirvo não é um

Deus verdadeiro e eu saio da igreja... porque eu não tô aqui pra brincadeira!‖. Os argumentos

dessa Fase podem ser expressos pela fórmula canônica da argumentação (Se X, então Y).

Nessa Fase também é bastante frequente o uso de expressões ―ou isso ou aquilo‖:

―Ou Deus cura essa doença maldita, ou ele não é Deus verdadeiro!‖. Nessa medida, o desafio

se estende a uma mudança de vida em diversas áreas: emocional, amorosa, financeira,

familiar, profissional, de saúde física e espiritual.

Na prática essa Fase caracteriza-se, principalmente, pelo despertar da “revolta” do

fiel contra seus próprios sofrimentos, pois, conforme ensinam os pastores, para que ocorra

qualquer mudança na vida, as pessoas precisam antes de tudo se revoltar contra o Demônio –

manifesto por meio de qualquer mal impregnado em suas vidas infortunadas.

A incitação dos fiéis a se revoltarem contra suas vidas miseráveis é uma constante

discursiva nessa Fase Argumentativa e perpassa praticamente todas as pregações conforme se

pode perceber nos excertos abaixo. Assim, os desafios podem ser dirigidos aos diferentes

atores da cena enunciativa, mas em todos os casos sempre regidos pela voz dos líderes

religiosos, que conduzem os argumentos de forma a incitar diferentes provocações para

diferentes atores:

(i) desafios dirigidos aos crentes;

(ii) desafios dirigidos aos próprios pastores (auto-desafio);

(iii) desafios dirigidos a Deus e aos seus anjos e,

(iv) desafios dirigidos ao Demônio e seus subordinados, principalmente nomeados

por uma legião de exus ―adjetivados‖, devidamente qualificados: exu-caveira, exu

pomba-gira, exu tranca-rua, exu malandrinho, exu quebra-perna, exu-da-gastrite, da

morte, da coceira, da dor de cabeça, da insônia, da traição, do suicídio, dos pesadelos,

da inveja, do ciúme, da cachaça, do fumo, do câncer, do HIV. Enfim, a relação é

interminável, pois representa a particularidade de cada infortúnio humano.

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155

Na prática discursiva neopentecostal, exu é um termo amplamente usado para

nomear qualquer tipo de Demônio menor na escala hierárquica do mal. Representa uma

entidade satânica de menor valor e subordinada a um chefe. Na doutrina neopentecostal,

existem tantos exus quanto o número de problemas humanos. Ou seja, para cada desventura

por que passa o ser humano, existe um exu como causa principal. Assim, o homem é sempre

visto como uma vítima do mal e toda sua vida se arrasta em uma eterna luta entre o bem e o

mal, entre Deus e o Demônio.

Mas, segundo as orientações neopentecostais, se os crentes seguirem a ―palavra de

Deus‖, proferida por seus representantes, terá total imunidade contra as ações dos Demônios.

Assim, estarão a salvo de todos os males, pois se algum problema lhes acontecer ―é porque

deram brecha aos Demônios, não foram fiéis à palavra de Deus, não tiveram fé suficiente para

aceitar Jesus‖ (ato assertivo/constatação também com função de revelação e intimidação,

correspondente às Fases Argumentativas 3 e 6 nesse trabalho). As figuras abaixo ilustram

duas propagandas que incitam desafios: a primeira (fig. 35) dirige-se à Deus – ―uma carta

para Deus‖ e a segunda (fig. 36) ao Demônio [problemas] – ―venha nesta sexta-feira desafiar

seus problemas...‖ que poderia ser lido assim: venha nesta sexta-feira desafiar seus Demônios.

Figura 35: Uma carta para Deus

Fonte: Fotos do autor (IDRP, 2006, MOC)

Figura 36: Desafiar e Vencer!

Fonte: Fotos do autor (IMDP, 2012, MOC)

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156

Quadro 20: Locuções demonstrativas de Desafio

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus. Pastores

em pregação na IURD, 2008, 2009, 2012; IIGD 2011 Relação Ponto/Modo

1. Você pode mudar de vida,

2. basta tomar uma atitude!

3. Você quer acordo com o diabo?

4. então se prepare para a guerra!

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:confirmação

P:diretivo/M:desafio

P:diretivo/M:desafio

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 deve ser analisado como assertivo/constatação, seguido, pelo ato 2 que pode ser

analisado, em sua forma direta, como assertivo/confirmação, mas que indiretamente

pode assumir o valor de um diretivo/desafio, supondo uma ação do alocutário para

‗mudar de vida‘. O ato 3 não pode ser considerado uma simples pergunta, mas um

diretivo/desafio, pois ele tem a função de provocar o fiel para mudança. Afinal, o locutor

não está querendo saber uma resposta, mas preparando o alocutário para enfrentar a

situação, conforme descrito no ato 4.

1. Você vai fazer um desafio49

para Deus

2. Essa campanha50

é só para sua vida econômica,

3. se você quer melhorar... você vai contribuir no envelope

‗oferta do abre-caminhos‘

4. Alguém me diz: pastor eu só tenho essas moedas,

5. eu digo: traz aqui no altar!

P:diretivo/M:sugestão

P:assertivo/M:afirmação

P:diretivo/M:provocação

P:assertivo/M:depoimento

P:diretivo/M:desafio

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1, já apresenta em seu conteúdo proposicional o termo desafio. Logo, o locutor

deixa explícito que propõe algo mais difícil para o alocutário realizar (diretivos), daí o

termo ―desafio‖. Mas como se trata de algo que deve ser praticado ―livremente‖ – e não

uma obrigação, tal como nos dízimos, o fiel é incentivado por sugestões (e não dirigido

por comandos), por isso, o ato representa diretivo/sugestão. O ato 2, assertivo/afirmação

restringe quem deve participar e pegar (ato 3) o envelope para contribuir

financeiramente - termo recuperado a partir das condições preparatória constantes em

―campanha‖ (ver glossário). Assim, no ato 3, realiza-se um diretivo/provocação (―se

você quer‖) confirmado por ―você vai contribuir...‖, que mantém o teor de desafio do ato

1. Os atos 4 e 5 são marcados por um processo meta enunciativo – alguém me diz; eu

digo -, simulando um diálogo real. O ato 4, o assertivo/depoimento, a partir do conteúdo

reportado, prepara o alocutário para um diretivo/desafio (dar as poucas moedas que lhe

restam), conforme o ato 5. Apesar da pouca quantia financeira (―só essas moedas‖)

representa aqui um diretivo/sugestão intensificada (conf. nota de rodapé) pois representa

muito àqueles que tem pouco ou quase nada, à maneira de ―o óbolo da viúva‖ (Marcos,

12:41-44 – Lucas, 21:1-4) passagem bíblica bastante conhecida.

49

Nas igrejas pesquisadas, o ―desafio‖ é uma modalização frequente para atos diretivos, que alterna com outras

modalizações como ordem ou sugestão e representa, materialmente falando, doações financeiras à igreja além do

limite das capacidades dos fiéis, já que no limite financeiro, praticam-se dízimos e ofertas e, além do limite,

desafios. Assim, o diretivo/desafio representa nos DNP uma hiperonímia para os dízimos (o mínimo que se pode

dar, pois é um valor devido, uma dívida já consumada do fiel). Podemos representar os modos usados para as igrejas

auferirem dinheiro assim: dízimos > ofertas > desafios. Respectivamente: diretivo/comando, diretivo/sugestão,

diretivo/desafio. 50

Ver glossário ao final da tese.

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157

5.6 FASE DA INTIMIDAÇÃO: se eu soltar esse Demônio...

Nessa Fase Argumentativa, os DNP utilizam-se de locuções que inspiram medo e

apreensão de forma que os crentes entendam que devem seguir as orientações dos líderes

religiosos a fim de se livrarem definitivamente de seus sofrimentos. Assim como nas demais

Fases Argumentativas que marcam a prédica religiosa, os exemplos ilustrativos nessa etapa

persuasiva se multiplicam no enredo de convencimento doutrinal.

Apresento na figura 37 um clássico exemplo de como uma menção bíblica pode

suscitar medo: retirada de apocalipse 21:8, decora a arquitetura de uma das principais paredes

externas da IURD, na Catedral Mundial da Fé, Rio de Janeiro. Uma citação que não deixa os

membros da congregação religiosa se esquecer do seu destino, caso não sigam (intimidação)

as leis de Deus.

Figura 37: Cuidado com o lago de fogo e enxofre...

Fonte: Fotos do autor (IURD, 2011, RJ)

[Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros,

aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos a parte que lhe cabe será no lago que arde

com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte]

Figura 38: Palavras de maldição

Fonte: Fotos do autor (IURD, 2006, MOC)

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Figura 39: Venha receber a prece violenta

Fonte: DESENCAPETAMENTO..., 2009

O pastor coage a plateia com execrações caso alguém não seja rigorosamente

obediente ao que a palavra de Deus diz, que no caso se confunde com as palavras do próprio

líder religioso, sabedor das escrituras sagradas e pretensamente representante de Deus na

igreja. Essa Fase é marcada por argumentos que incitam o medo nos fiéis. Por exemplo, ao

dialogar com um ―espírito maligno‖, em uma Sessão do Descarrego51

, o pastor desafia um

―Demônio‖ supostamente incorporado na pessoa intimidando os demais membros da

congregação, conforme apresentado no Quadro 22.

51

Durante a sessão do descarrego ou noite do desencapetamento total são realizados rituais para expulsar o que

julgam serem espíritos malignos ou Demônios dominando a mente e a vida das pessoas. Os crentes parecem

entrar em uma espécie de estado de transe hipnótico – o que mereceria um estudo aprofundado somente sobre

essa Fase no complexo esquema persuasivo neopentecostal.

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159

Quadro 21: Locuções demonstrativas de Intimidação

(continua)

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.

Pastores em pregação na IMDP, 2008; MIC, 2006; IIGD,

2009.

Relação Ponto/Modo

1. Não é devolver ao Senhor o que é Seu que torna o homem

pobre,

2. reter é que leva à pobreza.

3. Se você é vítima de: olho gordo, inveja... venha receber...

( fig. 39)

4. Você vai pagar o seu dízimo sem esconder nada de Deus!

P:assertivo/M:afirmação

P:assertivo/M:intimidação

P:diretivo/M:sugestão

P:diretivo/M:comando

Sín

tese

Anal

ític

a

O conteúdo proposicional do ato 1, simples informação, transforma-se no ato 2, em uma

intimidação, caso o fiel não siga as informações do ato 1. Ou seja, o ato 1 e 2, em

conjunto, podem assumir o valor indireto de um diretivo/sugestão ou até mesmo numa

ordem pois, suscitam nos fiéis (alocutários) o pagamento de dízimos, contribuições à

igreja. O ato 3 tem uma realização diretivo/sugestão, condicionada por fatos atribuídos

ao alocutário, que podem ser ‗curados‘ pelo teor da sugestão apresentada. O ato 4

representa, em sua forma direta, um diretivo/comando que ilustra um dos padrões mais

comuns de interação entre pastor e fiel: aquele voltado para o compromisso do fiel com

a instituição, isto é, o pagamento do dízimo.

1. Contribua de acordo com tua renda, para que Deus não torne

tua renda segundo a tua contribuição (fig. 40)

2. Não adianta mentirinha nem mentirona...

3. Deus vai jogar todos no lago que arde com fogo e enxofre

4. Se você pensa que já conheceu sofrimento, desiste de Jesus

então...

5. aí que você vai conhecer o que é inferno

P:diretivo/M:sugestão

P:assertivo/M:afirmação

P:comissivo/M:ameaça

P:diretivo/M:sugestão

P:assertivo/M:predição

Sín

tese

Anal

ític

a

O ato 1 representa um diretivo/sugestão por usar o termo ―contribua‖ próprio das

ofertas, o que ameniza uma imposição direta de pagamento, próprio dos dízimos (conf.

explicação após fig. 40). Segue-se (ato 2) um assertivo/afirmação com certo valor de

descaracterização do alocutário (possível falsidade), o que já antecipa o teor do ato

seguinte: ameaça. O ato 3 (comissivo/ameaça) apregoa uma punição para o alocutário,

certamente, uma punição – ‗arder com fogo e enxofre‘ que culmina com aquilo que o

locutor descreve no ato 4. Esse ato (diretivo/sugestão), indiretamente, pode ter o efeito

perlocutório de uma vingança: ‗desiste de Jesus, que você verá o que é sofrimento...’,

que se consolida no ato 5, do qual também, a partir de sua descrição, se pode inferir o

efeito perlocutório de vingança.

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1. Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos

abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos

idólatras e a todos os mentirosos a parte que lhe cabe será no

lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte

(fig.37)

2. Se o fiel da igreja que foi liberto de um Demônio não volta

para a igreja, esquecer de Jesus...

3. volta sete espíritos piores... antes um espírito... AGORA sete!

P:assertivo/M:predição

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:predição

Sín

tese

Anal

ític

a

A princípio, o ato 1 pode ser analisado como assertivo/predição, mas dele podemos

extrair um efeito perlocucional de intimidação ―que arde como fogo e enxofre‖. Mas, o

inicio é marcado por condições preparatórias restritivas para os alocutários, pois nem

todos serão lançados no lago com enxofre (somente os discriminados na citação, fig. 37).

Tal predição inspira medo, intimidação por um futuro tenebroso e inexorável. Há que se

considerar também que a citação está afixada em uma das paredes externas centrais da

IURD (sede mundial, Rio de Janeiro). E, por essa condição preparatória (autoridade da

igreja), o significado intimidador é ainda mais reforçado.

O ato 2 representa um assertivo/constatação, marcando esse caráter de ingratidão do

alocutário, e logo ajustado, na sequência, ao significado de uma predição macabra (volta

sete espíritos piores). Portanto, o excerto finaliza pelo assertivo/predição (ato 3).

Essa Fase é notoriamente explícita no script discursivo neopentecostal, presente

principalmente nos rituais de exorcismo em sessões de ―descarrego‖. A seguir apresento um

fragmento de uma sessão exorcista em que o pastor aproveita uma suposta manifestação de

um fiel ―endemoninhado‖ para alimentar o enredo atemorizador dos DNP ao manter o

seguinte ―diálogo‖, representado por pastor (1) e fiel (2) – IURD/2012/MOC:

Quadro 22: Dialogando com um “Demônio”

(continua)

Loc.

Cena

enunciativa Pastor (1) versus “Demônio” (2) Inferências

1 Segura o fiel

subjugado e

aponta para a

plateia:

Demônio, se eu te soltar aqui... o

que você faria com 20 pessoas

presentes aqui dentro que duvidam

da palavra de Deus?

P:diretivo/M:questionamento

Efeito:provocação ao medo

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161

2 De joelhos no

altar com forte

expressão de

sofrimento o

―Demônio‖ dirige

o ato à

assembleia:

MATAR! P: comissivo/M:ameaça

Ef.:ameaça recebida pelos demais

fiéis, afinal o ato de ―MATAR‖ se

dirige aos crentes. O ―Demônio‖

se expressa em tom de desespero,

mas o efeito é de ameaça recebida

pelos fiéis.

1 Segura o fiel

pelos cabelos e

aponta para a

assembleia:

E se essas pessoas NÃO tivessem

aqui na igreja sob a proteção do

homem de branco52

, se elas

desistissem de vir até a igreja, o que

você faria com elas?

P:diretivo/M:questionamento

Ef.:causação de pânico,

amedrontamento pela resposta

previsível

2 Com expressão de

sofrimento:

Eu mato elas! Mato tudo! P:comissivo/M:ameaça

Ef.: temor/desespero/insegurança

(sobre os demais fiéis)

1 Interpela

novamente o

―Demônio‖:

Mas, se elas seguirem a palavra de

Deus, forem dizimistas fiéis... o que

você pode fazer contra elas

DEMÔNIO dos INFE:::RNOS?

P:diretivo/M:questionamento

Ef.: desafio

2 Responde com

voz trêmula:

Na:::da!! P:assertivo/M:negação.

Ef.: desânimo

1 Incita uma

resposta

definitiva:

E por que você não pode fazer

NA:::DA?

P:diretivo/M: pergunta

Ef.: desafio

2 Conclui com a

resposta almejada

pelo pastor

1. Porque o homem de branco não

de::i::xa

2. DESGRA:::ÇA!

P:assertivo/M:justificativa

P:expressivo/M:revolta

Ef.: Desespero do ―Demônio‖ por

sua incapacidade em vencer Deus.

52

Segundo o líder religioso, uma referencia a Jesus Cristo, salvador e libertador do homem contra todos os

Demônios. Ele explica que Jesus é o homem de branco a quem os Demônios temem. Interessante observar que nas

reuniões em que se praticam rituais de exorcismo, os pastores vestem-se totalmente de branco, uma provável

referência ao sincretismo religioso dos pais-de-santo da umbanda, quimbanda e outras religiões de matriz afro-

brasileira que o próprio neopentecostalismo tenta negar em suas práticas.

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Figura 40: Dízimos ou contribuições?

[―Contribua de acordo com

tua renda para que Deus não

torne tua renda segundo a tua

contribuição‖]

Fonte: CONTRIBUA... 2010

Sobre a figura acima faço uma distinção entre dízimos e ofertas – essas últimas

também consideradas ―contribuições‖, ―votos‖ ou ―campanhas‖. Todos esses termos

representam doações financeiras às igrejas, mas com diferenças na abordagem conceitual e

pragmática nos cultos religiosos:

(i) o dízimo é considerado uma dívida que a religião tenta incutir e naturalizar entre

os fiéis, devedores natos de Deus só quitam seus ―débitos‖ com o pagamento exato –

calculado sobre 10% de toda a renda que o fiel consegue adquirir. Essa renda financeira pode

provir tanto do trabalho pessoal, quanto advir de heranças ou prêmios lotéricos, rifas, bingos,

etc. Ou seja, para qualquer receita do crente deve-se retirar 10% à igreja;

(ii) as ofertas, contribuições, campanhas e votos, correspondem à liberalidade do fiel

em doar muito mais do que 10% de suas rendas. Assim, usa-se diretivo/comando53

para

conseguir dízimos – dívida que deve ser quitada pelos fiéis; e, diretivos/sugestão quando é

―aconselhável‖ que o fiel doe financeiramente valores ainda maiores – além do dízimo

obrigatório (conforme análise, notas de rodapé n.44, 49 e 53). Além dessas quatro maneiras

de incitar a doação financeira dos fiéis (ofertas, contribuições, campanhas e votos), ainda

existe uma quinta estratégia, bem mais incisiva, a fim de captar recursos econômicos dos

crentes, chamada de “desafios”, conforme descrita a partir do Quadro 20.

53

Conforme esclareci anteriormente reservo aos fiéis o diretivo/comando – que na realidade se constitui em uma

ordem ―suavizada‖, pois uma ordem propriamente dita é dirigida ao ―Demônio‖ ou para ―Deus‖, conforme o

caso, a ―quem‖ o discurso se dirige, em que se subentende um alocutário transcendental, obrigado a fazer algo,

a cumprir as ordens dos sacerdotes ou fiéis, principalmente em função de promessas bíblicas. Para esses

alocutários transcendentais, o discurso religioso se torna ainda mais impositivo: tem que se cumprir! Enquanto

que para os crentes (alocutário material) existe alguma possibilidade do ato não se realizar, de não executar a

arenga sacerdotal, afinal um comando pode deixar de ser executado, mas uma ordem tem que ser cumprida!

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Conforme podemos fartamente perceber, essa Fase é marcada por um ―dialogismo‖

contínuo com ―entidades demoníacas‖: conforme a crença religiosa, com alguns fiéis

incorporados por Demônios, os pastores mostram à igreja como podem subjugar o poder do

mal, em nome de Jesus. Assim, naquele momento de ―desobsessão‖ é comum o líder religioso

se dirigir à assembleia de crentes intimidando-os: ―desiste [da igreja] pra você ver...! O diabo

te pega! Ele te pega e te arrasta pra mais fundo...‖ [assertivo/consecutivo que gera o efeito

perlocucional de incitação ao medo].

Assim, ao que parece, vale de tudo para que o medo, nessa Fase de intimidação, seja

disseminado em escala geral, pois uma população com medo, temerosa do que pode vir a lhe

acontecer de ruim, favorece, na proporção direta aos discursos terroristas, a busca pelas

soluções, conforme vimos na Fase 4, sobre as estratégias persuasivas que insuflam promessas

entre os devotos54

. Dessa relação, na qual coexistem diversas Fases Argumentativas, além da

Fase da intimidação, podemos perceber a própria Fase da promessa [receber a prece

violenta] por meio de uma ordem explícita: Venha receber conforme podemos depreender da

figura 39. Além dessas relações alusivas às Fases Argumentativas, podemos apontar o

elemento que completa a síntese representativa dessa Fase de intimidação: ―se você é vítima

de:..‖ (fig. 39) – assertivo/suposição macabra.

Essa Fase persuasiva dos DNP também é pródiga no uso de propagandas que

ultrapassam o simples proselitismo religioso: parecem, antes de tudo, atemorizar os

expectadores com o uso variado de expressões que suscitam medo e apreensão, conforme

exemplifico a seguir (IURD, 2008):

Você pode está sendo vítima de uma dessas situações...

[assertivo/suposição] Doenças imperceptíveis aos exames médicos...

alucinações... traumas... noites mal dormidas... relacionamentos

amorosos frustrados... distúrbios bipolares... sensitivismos... caminhos

fechados para os negócios... crises de enxaquecas... fobias...

pensamentos de morte... dependência química... [assertivo/suposição]

SEXTA-FEIRA... REUNIÃO ESPECIAL PARA O LIVRAMENTO

DE SITUAÇÕES SOBRENATURAIS... [assertivo/anúncio, com um

efeito de superação de problema]

54

Deve existir alguma uma relação entre o oferecimento de promessas com a existência de igrejas

neopentecostais, localizadas em regiões mais carentes da cidade, pois não observei nenhuma igreja

neopentecostal nos bairros mais ricos da cidade de Montes Claros - MG. Tal fato demandaria um estudo

sociolinguístico mais aprofundado.

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5.7 FASE DA COMPROVAÇÃO: finalmente, a “prova do milagre”

No meu entendimento, essa etapa representa a última Fase Argumentativa do enredo

discursivo neopentecostal, pois, por meio dela toda a ―obra‖ persuasiva dos pastores é

laureada por dezenas de depoimentos dos próprios fiéis que confirmam a ―veracidade‖ das

palavras sagradas dos profissionais da fé.

Assim, por meio dessa sétima Fase Argumentativa dos DNP, os pastores são

representados, por assim dizer, pelas próprias testemunhas oculares que relatam ―a eficácia de

seus discursos‖. Por isso, os pregadores da fé costumam chamar à frente da igreja, no altar, os

fiéis que conseguiram suas vitórias para um depoimento público à congregação religiosa.

A intenção nessa Fase parece objetivar-se nos depoimentos daquelas pessoas que

foram ―transformadas‖ por meio de alguma intervenção divina, intercedida pelos homens de

Deus – profissionais da fé especializados na persuasão religiosa. Dessa forma,

suficientemente motivados por seus recentes ―milagres‖, os fiéis-transformados apresentam-se

diretamente aos demais membros do grupamento religioso anunciando que ―existe sim

solução para o mal‖; que os espíritos demoníacos são expulsos sob a ordem do homem de

Deus; que as doenças são eliminadas com o poder das palavras de libertação do profeta de

Deus, pois, o representante de Deus, em nome do próprio Deus, anuncia ao fiel sofredor o fim

de seus sofrimentos com a promessa de cura para todos os seus males, o que determinaria a

vitória pessoal e familiar em qualquer área defasada na vida dos crentes sofredores. Nessa

Fase, até mesmo a vitória da vida sobre a morte pode ser vista, conforme figura 41, marcada

por elementos assertivos, analisados posteriormente no Quadro 23.

Figura 41 – Depoimento de um ―ressuscitado‖

Fonte: PASTOR... 2012

Pessoalmente pude presenciar muitas ―curas instantâneas‖, supostamente atribuídas a

efeitos de ―milagres pela oração forte do pastor‖, sobretudo o que eles chamam de ―expulsão

demoníaca‖. No entanto, também percebi que muitas pessoas ―curadas‖ em uma reunião

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165

voltavam nas semanas seguintes a apresentar os mesmos sintomas, anteriormente ―tratados‖

na sessão de descarrego (exorcista). O estranho é que essas pessoas, mesmo apresentando os

mesmos sintomas, não eram mais postas em evidência no altar, não serviam como exemplo de

pessoas libertas do mal e também não eram mais ―tratadas‖ pelo líder principal da igreja; mas

recebiam ajuda de algum voluntário coadjuvante fora do altar principal – onde as atenções da

assembleia se concentravam para a ―cura‖ de novos casos55

.

A seguir, apresento alguns fragmentos de depoimentos sobre os supostos milagres

alcançados por fiéis. Interessante observar que essa Fase é bastante marcada por ―duas‖ cenas,

à maneira de uma representação teatral56

: a primeira, quando o fiel relata sua vida antes de

conhecer a igreja e o ―verdadeiro‖ Cristo e, a segunda, depois de ter sido ―liberto‖ do mal pelo

poder de Deus, intermediado pelos líderes religiosos. Para representar essas duas cenas

discursivas, os fiéis se utilizam de marcadores dêiticos de tempo (hoje) e espaço (aqui): uma

referência ao tempo passado em que viviam ―na miséria e desordens‖ e espaço atual,

contraposto ao ―lá‖, lugar de sofrimento em que residiam. Vejamos como alguns exemplos se

apresentam na discursivização religiosa a partir da análise do seguinte Quadro:

Quadro 23: Locuções demonstrativas de Comprovação

(continua)

Sequência aleatória de excertos retirados do corpus

[depoimento de fiéis] na COPV, 2010; IVN, 2011; MIR,

2008; IURD, 2011

Relação Ponto/Modo

1. Hoje tenho paz...

2. a minha vida era desgraçada... era só chorar e sofrer...

3. Após o tratamento espiritual eu sou uma nova mulher.

4. Desde que eu estou na igreja minha vida transformou!

5. Hoje eu fechei um contrato com empresa de sucos no valor

de trinta milhões de reais nos próximos cinco anos.

6. Eu usei minha fé... Hoje eu tenho crédito em todo lugar...

hoje eu tenho duas lojas... hoje eu tenho casa própria... hoje eu

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:constatação

P:assertivo/M:testemunho

55

É bastante grande o fluxo de adeptos nas igrejas pesquisadas. Em conversa com um pastor neopentecostal, ele

mesmo admitiu a existência de um segmento de ―crentes turistas‖ que, em sua opinião, mostra a ―fraqueza das

pessoas em perseverar, pois às vezes o milagre demora acontecer e a pessoa desiste da igreja‖. 56

Segundo Alves (2012), a organização de uma peça teatral é feita por atos e cenas. Um ato significa o momento

de uma obra que corresponde a tudo o que acontece em um mesmo período. Este, por sua vez, pode se dividir em

cenas que são indicadas pelas entradas e saídas dos personagens. A aparição ou desaparição de outros atores no

palco, marca o princípio de uma dada cena ou o final de outra. Em nossa pesquisa, o ―ato‖ corresponderia ao culto

religioso em si, com temática determinada (exorcista, libertadora, matrimonial, financeira, curativa, etc). Esse

grande ato estaria subdivido por cenas. No caso específico dessa Fase, por cenas demonstrativas dos milagres

alcançados pelos fiéis. E, em outras Fases, de cenas libertadoras, intimidadoras, emotivas, preditivas,

comprobatórias, etc.

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tenho salões de alugueis... estou abrindo dois centro

automotivos... propriedades no nordeste... hoje eu posso fazer

tudo que eu quero... hoje Deus tem me dado condições. Hoje

eu não sou mais louca... Hoje eu sou uma nova criatura... Aqui

na igreja encontrei libertação!

Sín

tese

Anal

ític

a

Todos os atos dessa Fase são assertivos/constatação//testemunho, mas requerem

algumas considerações: os atos são marcados por dêiticos de tempo (hoje, após, desde

que) e lugar (aqui), o que reforça a crença em uma relação espaço-temporal da

enunciação religiosa. Esse espaço e tempo privilegiados da enunciação representam a

instância de atos comissivos/desejo que são reportados no conjunto das proposições que

compõem, sobretudo, o ato 6, já que por trás de cada um desses testemunhos está um

desejo que os motivou. Ou seja, a existência comissiva ocorreu em algum momento do

tempo/espaço, por intervenção divina que tornou possível a realização de cada desses

desejos.

1. O pastor Lúcio Hermano que morreu após uma facada

no coração estará contando seu testemunho e agradecendo

a Deus pelo milagre! (fig. 41)

2. Venha! (cont... fig.41)

3. Participe! (cont... fig. 41)

P:assertivo/M:predição

P:diretivo/M:convite

P:diretivo/M:incentivo

Sín

tese

Anal

ític

a

A faixa (fig. 41) apresenta um primeiro ato como assertivo/predição, mas aqui também

podemos considerar sua natureza indireta como diretiva/convite, pois se trata de uma

propaganda a fim de atrair devotos. A forma indireta desse ato é confirmada por meio

dos atos seguintes (2 e 3), que reforçam o convite, incentivando a adesão de fiéis.

Afinal, a faixa não está apenas comunicando, ela está convidando (venha! Participe!).

O ato 1 também representa um comissivo reportado (estará contando...). No exato

momento do testemunho do pastor, o ato se transformará em declarativo/depoimento.

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Diagrama discursivo-relacional dos DNP

Fonte: Dados da pesquisa

Nesse diagrama procuro demonstrar como os diversos assuntos tratados nessa tese se

entrelaçam tanto inter quanto intradiscursivamente. Primeiramente, podemos observar dois

grandes movimentos: um externo ao triângulo e outro interno. O primeiro, à esquerda do

triângulo, representa o movimento intradiscursivo dos DNP, no qual a força persuasiva se

origina na base da produção verbal dos sacerdotes – principais atores, de onde se inicia a

persuasão religiosa (sacerdotalismo). Assim, esse movimento inicia-se pelos sacerdotes, que

exercem sua autoridade sobre o ―Demônio‖ a fim de que o mal seja ―exorcizado‖ (movimento

ascendente da tríade persuasiva). Logo, esse movimento abre caminho à prosperidade – o

nível mais alto da tríade. Dessa forma, podemos considerar que o exorcismo sempre antecede

a prosperidade nesse movimento ascendente, afinal, não há prosperidade na presença do

―Demônio‖. A partir do alcance da prosperidade, o crente pode executar a Fase da

comprovação – dizer aos demais discípulos sobre os milagres alcançados na presença de

Prosperidade

Sacerdotalismo

TEMAS: Amor conjugal (separação ou união) Dinheiro/riqueza material Casa Própria Desemprego/empreendedorismo Saúde/doença Tristezas/alegrias Vida/morte Perturbações mentais Catástrofes/epidemias... Insônia Etc...

TEOTEMAS: Cimento abençoado da casa própria Proteção divina contra a dengue Banho do descarrego com águas bentas Fronha ungida para um sono tranquilo Caneta ungida para aprovação em concursos Rosa da esperança para amor e paz Martelinho da justiça divina “Desobsessão demoníaca” Capa protetora abençoada contra o “maligno” Óleos protetores contra ação do Demônio Certificado de dizimistas contra pobreza Etc...

Fase da autoridade

Fase da sensibilização

Fase da revelação

Fase da promessa

Fase da

comprovação

Fase da intimidação

Fase do desafio

Exorcismo

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―Deus‖ e livre do ―Demônio‖ conforme mostra a seta em vermelho, apontada para a Fase da

comprovação – topo do triângulo.

Ao realizar esse ato de testemunhar os milagres, os crentes dão início ao segundo

movimento discursivo da persuasão neopentecostal, representado pelas setas pontilhadas em

azul (movimento interdiscursivo – parte interna do triângulo). Nesse movimento, o fiel está

envolvido por uma multiplicidade de temas acessórios (teotemas) a fim de resolver suas

inquietações existenciais. Assim, a confirmação dos ―milagres‖ realimenta diretamente a Fase

da autoridade (sacerdotal), de onde se inicia todas as demais etapas persuasivas dos DNP

(setas em vermelho em movimento ascendente). Como se percebe todas as demais Fases,

apontam para um movimento interdiscursivo ascendente a fim de cooperar para que o

―milagre‖ se realize, isto é, para que o crente possa testemunhar, na Fase da comprovação, a

eficácia dos DNP.

Assim, podemos compreender o triângulo em si como a movimentação

interdiscursiva do neopentecostalismo, recheado de Fases persuasivas que movem a transição

semântica dos termos ―comuns‖ – correspondente ao mundo profano, em categorias

teotematizadas (no mundo sagrado). Afinal, o mundo profano precisa ser sacralizado nesse

discurso religioso, isto é, precisa ser verbalizado de forma mítica e ―revelar‖ as influências

―sobrenaturais‖ em nosso derredor. Dessa forma, a prosperidade – típica do mundo material é

―sacralizada‖, isto é, teotematizada a partir da perícia discursiva da autoridade sacerdotal que

valida o direito do crente à prosperidade, à bem-aventurança, entendida em sentido amplo

(riqueza material, saúde, amor, satisfações pessoais, etc). Essa validação se dá tanto por

citações bíblicas quanto por uma ―atitude profética‖ dos pastores que revelam, no ofício de

sacerdotes, as causas das agruras humanas, invariavelmente centradas na figura de um

Demônio.

Mas, a prédica neopentecostal não se limita somente a anunciar o mal, promete

também as benesses de Deus. Dessa forma, as Fases da Argumentação religiosa se realizam

com vistas tanto à promoção de estados mentais positivos (ânimo, paz, amor, alegria, vida,

confiança, certeza na vitória, etc), quanto na geração do medo entre os discípulos (tristeza,

vergonha pelos ―pecados‖, apreensão sobre um futuro tenebroso na presença do ―Demônio‖,

desânimo, morte, etc). Assim, dependendo de suas intenções, os pastores podem escolher

movimentar uma ou outra Fase durante o culto, ou todas em uma mesma sessão, a fim de

conseguir seu intento persuasivo – convencer os fiéis sobre a veracidade de seus discursos.

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Esse diagrama também ilustra a não linearidade das Fases, pois o funcionamento de

uma ou outra dependerá da perícia argumentativa dos líderes da fé que acionam aquela Fase

de seu interesse específico em momentos do culto, também específicos. Apesar da não

linearidade das Fases, podemos considerar a primeira Fase (autoridade sacerdotal) e última

(comprovação dos fiéis) como momentos persuasivos extremos da argumentação religiosa –

intercalados pelas demais Fases argumentativas. No entanto, o pastor pode, a seu critério e

criatividade, reconfigurar determinadas expressões utilizadas na pregação religiosa a fim de

atender suas conveniências persuasivas como é o caso, muito utilizado atualmente, dos

depoimentos (fase da comprovação) utilizados para sensibilizar novos adeptos (fase da

sensibilização). Ou seja, o pastor reconfigura uma determinada Fase, fazendo-a funcionar

conforme sua conveniência.

O mundo divino – lugar das deidades – não é objeto específico de análise nessa

pesquisa, que se atém apenas na relação discursiva estabelecida a partir da sacralização de

objetos discursivos situado entre os temas e teotemas.

Enfim, esse diagrama ilustra brevemente (i) os principais objetos referenciais que

compõem a identidade discursiva nos DNP, (ii) suas Fases Argumentativas e, finalmente, (iii)

alguns teotemas – itens lexicais que, quando utilizados na pregação religiosa, adquirem uma

carga semântica própria desse segmento cristão. Transformam-se, portanto, em assuntos

sagrados por meio de um tratamento discursivo adequado.

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Considerações finais

As Fases Argumentativas dos DNP (autoridade, sensibilização, revelação,

promessa, desafio, intimidação, comprovação) foram apresentadas separadamente apenas

como ilustração didática para facilitar nossa percepção sobre alguns artifícios da persuasão

neopentecostal – elaborada à maneira de um script, com Fases que se interconectam em um

contínuo e exuberante movimento intra e interdiscursivo.

Dessa maneira, os excertos apresentados não são uma exclusividade de determinada

Fase Argumentativa, mas apresentam-se mesclados, às vezes, alternando sentidos

diferenciados entre as Fases de intimidação, revelação ou promessa. Por exemplo, o que

poderíamos deduzir da seguinte locução proferida em uma pregação religiosa: “Se você não

seguir as palavras de Deus, sua vida não vai melhorar”. Quais os limites para

compreendermos tal enunciado como uma (i) intimidação? (Deus pode me ameaçar...); como

uma (ii) promessa? (então, se eu mudar minha vida, Deus vai me ajudar), como uma (iii)

comprovação? (então é por isso que minha vida não melhora!); como uma (iv) revelação? (do

jeito que estou levando minha vida, Deus não vai me ajudar); ou, como uma (v)

sensibilização? (vou ouvir os pastores, homens de Deus, porque quero melhorar de vida, vou

ser obediente...).

Além desses exemplos, diversos outros poderiam ser apresentados, cujos efeitos de

sentido, provenientes de ―simples‖ locuções verbais, estariam predispostos a preencherem de

significação um enunciado que, em última instância, é (re)construído pelos próprios

alocutários, fiéis discípulos. Conforme visto, são eles que ―fecham o circuito‖ na produção

discursiva neopentecostal. Por isso, não é difícil perceber que, ao mesmo tempo em que o

pastor coage, também revela um provável futuro aos crentes. Estes, por sua vez, na Fase de

Comprovação, confirmam as palavras iniciais dos pastores, seja de coação, revelação ou

promessa.

A multiplicidade de sentidos sobre uma realidade implica, necessariamente,

compreendê-la sobre determinados aspectos. A verdade religiosa também não foge a essa

regra: como realidade objetiva dos fiéis, é referenciada a favor da compreensão doutrinal que

se constitui nos parâmetros com os quais suas realidades se constroem. Dessa maneira, os

depoimentos dos fiéis reforçam e ―fecham‖ o circuito argumentativo neopentecostal ao

apresentar elementos ―comprobatórios‖ por que passa o enredo persuasivo religioso.

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Do exposto, presume-se que essa realidade experienciada pelos fiéis a partir do DNP

é construída, não está pronta e muitos menos não nasce por geração espontânea, mas se

constitui na relação que se estabelece com a experiência daquilo que vemos, ou cremos como

real, em confronto com nossa linguagem, limitada, ainda pela capacidade de compreender

esse mesmo real. Entre um plano e outro, isto é, entre a linguagem utilizada para expressar

uma realidade e outras realidades, podemos imaginar o abismo semântico existente nas

possibilidades de se conceber alguns objetos referenciais no discurso religioso. Talvez por

isso, os sentidos que muitos termos religiosos assumem também oscilem tão frequentemente:

de Deus, ora como justo-juiz, que cobra e pune o que é devido pela displicência dos atos

humanos, ora como pai-misericordioso que perdoa e compreende a tudo e a todos. De ―exus‖

responsáveis pelas mais diversas tribulações em nossas vidas, a elementos mágicos capazes de

nos imunizar contra as ações do ―maligno‖. Os exemplos dessas oscilações de sentido são

grandes e variados nos discursos religiosos. Aqui, foram postos em evidência apenas como

exemplos das possibilidades e abrangência semântico-discursivas em que os DNP se

estruturam.

Outra questão importante a ser explicitada diz respeito ao teste da hipótese sobre as

sete Fases Argumentativas. De fato, o que garantiria a existência dessas categorias

argumentativas nos DNP? Como ajuizar com determinada segurança e margem de erro

reduzida de que a argumentação neopentecostal é arquitetada sobre tais Fases persuasivas?

Esses questionamentos foram respondidos no transcurso da ausculta minuciosa dos

cultos religiosos, in loco. Como observador dos discursos religiosos, passei inicialmente pela

etapa de descoberta das Fases Argumentativas que compõem seu enredo persuasivo. Assim,

após ter categorizado as primeiras Fases (autoridade, comprovação e sensibilização) percebi

que elas não eram suficientes para responder a uma análise mais detalhada da cena

enunciativa dos DNP, pois faltavam outras categorias que pudessem abranger diferentes

estratégias persuasivas. Dessa forma, foquei ainda mais a atenção nos DNP e percebi as

demais Fases aqui apresentadas, pois as próprias vozes neopentecostais se manifestaram no

nível semântico. Nessa medida, quanto mais atenção dediquei na análise das pregações, mais

o aspecto religioso dos enunciados diminuía e em proporção inversa o aspecto significativo

das construções discursivas se destacava.

Assim, após ter categorizado as sete Fases, ainda continuei assistindo aos cultos de

forma a testar os enunciados da pregação religiosa a fim de confrontá-los com as Fases

persuasivas aqui expostas. Tal foi minha surpresa, pois a maioria do enredo discursivo

neopentecostal se ―encaixava‖ em alguma das sete Fases Argumentativas. Ainda assim,

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conforme mencionei, não descarto a existência de outras Fases e subfases não analisadas aqui.

Obviamente, que a essa altura de nossas reflexões seria difícil pensar em cercar os limites da

argumentação.

A descoberta das Fases estratégicas na argumentação neopentecostal representou um

primeiro momento de conclusão à problemática da pesquisa a partir de seus efeitos

perlocutórios, assumidos como hipótese. Até aqui, creio razoável a compreensão para as

respostas que encontramos. Mas, a partir dessas respostas, as coisas começam a se complicar,

sobretudo, quando submetemos o conteúdo proposicional dos discursos religiosos –

correspondente às Fases encontradas à análise do ponto e modo (TAF), pois as respostas não

se tornam tão simples, quando comparadas à compreensão perlocutória das pregações

religiosas.

Conforme vimos, cada fragmento discursivo retirado do corpus gera uma diversidade

muito grande de atos de fala. Assim, dificilmente teríamos respostas suficientes para esgotá-

los, pois cada observador pode, de acordo com sua percepção analítica, gerar uma nova

classificação, incluindo novas e diferentes Fases Argumentativas para os DNP. Nessa

medida, os atos de fala (assertivo, diretivo, comissivo, expressivo e declarativo) estão

presentes em diversas Fases Argumentativas, juntamente com suas variações (modo) que se

diversificam enormemente conforme motivos já explicitados. Dessa forma, podemos

encontrar o mesmo ponto (comissivo, assertivo, diretivo...) e modo (dúvida, apreensão,

comando, ordem...) em diferentes Fases Argumentativas, a partir de uma leitura que nos levou

a um ajustamento melhor da classificação inicial dos atos, possibilitando explorar outras

forças indiretas como também efeitos perlocutórios, conforme apresentei nas sínteses

analíticas dos Quadros 16 a 23. Tal fato aponta para uma dimensão bastante complexa da

enunciação que poderia ser tratada observando as nuanças semânticas de um determinado

modo. Portanto, é legítimo questionar como um ―mesmo‖ ato pode representar diferentes

Fases Argumentativas nos DNP?

Para encontrar uma possível resposta a essa indagação, temos que recuperar o fato de

que as sete Fases foram discretizadas a posteriori e dentro do escopo da análise, a partir de

um contato direto e prolongado com os próprios discursos religiosos. Assim, essas Fases, no

fundo, representam efeitos perlocutórios, extraídos da própria discursivização da prática

religiosa.

Afinal, compreendemos os significados dos enunciados, muito mais intuitivamente,

em contato direto com a linguagem funcionando em contexto real do que quando os retiramos

―assepticamente‖ e separamos em categorias. Ao que parece, um ―mesmo‖ modo assume

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matizes semânticas diversificadas, às vezes mais robustas outras vezes mais tênues na

significação de um objeto discursivo, a ponto de intuirmos essa ou aquela Fase Argumentativa

a que ele ―pertence‖ ou, pelo menos, ficaria melhor representado57

.

Aqui, percebemos mais uma vez o quão sutil pode representar as respostas para a

indagação que tenta ―comprovar‖ se os enunciados apresentados nos Quadros acima estão

classificados ―corretamente‖. Isto é, se, de fato, o conteúdo proposicional das pregações são

suficientemente representativos para a Fase discretizada. Ora, a certeza para tal questão deve

se arrastar por extensos processos exegéticos e render bons debates no campo da semântica e

filosofia da linguagem.

Deixemos as respostas definitivas para o campo da religião e seus profetas. Ao

contrário das certezas míticas, necessitamos da refutação para avançarmos na compreensão da

ciência e de nós mesmos. Afinal, as respostas que aqui apresentamos não são os objetos mais

importantes da análise, mas sim o percurso por onde os meandros discursivos nos levam: o

estreito caminho limítrofe entre o dizível e o compreensível.

Há também que se considerar que os atos analisados principalmente sobre os modos,

correspondem a fragmentos de enunciados dentro de um conjunto maior que os caracteriza,

representado pela própria Fase Argumentativa, conforme um conjunto e subconjunto. Assim,

cada Fase (autoridade, sensibilização, comprovação...) congrega um conjunto maior e

diversificado de microatos possíveis de serem analisados com vistas à representação das

próprias Fases Argumentativas (macroatos). Nessa acepção, o macroato – a Fase

Argumentativa propriamente dita – estaria preservada, sob as influências dos demais atos que

lhe compõem a fim de sustentar e validar as características intencionais da própria Fase

Argumentativa: para convencer sobre algo, não basta apresentar um único argumento, é

preciso dispor de estratégias modalizadoras de diversas formas, desde que garantam-se

atributos próprios (representativos para cada Fase) a fim de realizar as intenções persuasivas

do discurso.

A importância de ter realizado essa pesquisa certamente não foi a de encontrar

alguma ―verdade‖ sobre os DNP, mas vislumbrar uma forma logicamente aceitável (dentre

muitas outras possíveis) de organizar nosso pensamento a respeito de um fragmento da

57

Na realidade, ponto e modo podem até se apresentar, na classificação de um enunciado, com o mesmo item

lexical (assertivo/predição, diretivo/ordem, expressivo/constatação), mas semanticamente pode diferir em

―comissivo/promessa, assertivo/medo, diretivo/sugestão‖. Afinal, ponto e modo não se restringem simplesmente

aos conceitos lexicais, mas, representam, sobretudo, uma forma de compreensão da realidade, um pequeno efeito

de sentido suscitado em um fragmento enunciativo. Por isso, utilizo o entre aspas para me referir às dificuldades

de expressar um ―mesmo‖ modo, pois, ao que parece, não existe um mesmo modo, mas sim, nuanças semânticas

por detrás das mesmas palavras.

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produção discursiva religiosa. Creio que todas essas conjecturas aqui expostas denotam a

plasticidade de uma construção analítica que nos direciona a compreender determinado objeto

discursivo em diversos níveis e expressões. Pois, ler um texto – em sentido amplo, ouvir

alguém, deliciar-se com uma música, sentir uma fragrância qualquer, apreciar uma obra de

arte ou ver uma paisagem são ações que produzem, simultaneamente, uma coleção de outros

discursos.

Assim, não apenas recebemos os enunciados, segundo a visão tradicional que rege a

relação locutor/alocutário, mas cocriamos, a todo momento, uma nova forma de significação

de algum objeto eleito como foco do discurso. Essa maneira de compreender a linguagem

poderia ser tratada em termos de uma semântica probabilística da enunciação: podemos

prever que, em torno de uma palavra, exista uma diversidade incalculável de significados

fornecidos, em última análise, a partir da interação dos produtores dos discursos (loc-aloc).

Logo, o papel atribuído ao ―alocutário‖ se mostra tão ativo na produção discursiva quanto aos

locutores dos mesmos enunciados. Ambos são, portanto, competentes produtores de

discursos. Nessa perspectiva ―quântica‖ da linguagem, a probabilidade dos significados

influenciaria sobremaneira o resultado da comunicação, pois não se restringiria à

materialidade de elementos lexicais fixos ou gramaticalmente determinados, mas gravitaria

em torno de inúmeras variáveis (sociais, ideológicas, cognitivas, idiossincráticas, ambientais,

situacionais, e outras) para se chegar a um resultado significativo para o indivíduo. De forma

análoga, Capra (1982, p. 14) explica:

Vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos

biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes.

Para descrever esse mundo apropriadamente, necessitamos de uma

perspectiva ecológica que a visão de mundo cartesiana não nos oferece.

Precisamos, pois, de um novo ―paradigma‖ — uma nova visão da realidade,

uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores.

Assim, até mesmo uma simples menção na interação com outros discursos (um

gesto, um olhar, uma interjeição, um bocejo, etc58

) por parte dos ―alocutários‖ transformaria o

rumo da preleção: as falas dos locutores modificar-se-iam ao longo da interação verbal com

58

De acordo com as pesquisas em física quântica (CAPRA, 1982; 1996) deduzo que não podemos descartar nem

mesmo a influência dos pensamentos de outrem na produção e reconfiguração dos discursos. Do ponto de vista

adaptativo e semântico-probabilístico tanto a produção discursiva quanto a compreensão dos discursos parecem

fundir-se em um mesmo ato de fala. A influência mental na produção discursiva, portanto, instaura-se como uma

hipótese provável, mas de difícil mensuração.

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outros enunciadores (―alocutários‖). Nessa medida, podemos conjecturar que os preletores

dos discursos alteram continuamente seus enunciados, adaptam suas falas para se chegar a

uma nova compreensão daquilo que se espera carregar de significação determinado objeto do

discurso. Dessa forma, termos como ―Deus, Demônio, exus, pecado, libertação, prosperidade,

dentre outros‖ representam muito mais do que itens lexicais, mas objetos de referenciação

sobre os quais os DNP projetam seus significados.

Os ―atos‖ pressupõem objetivamente alguma intenção persuasiva (conscientemente

planejada), mas, no terreno sinuoso e movediço da linguagem, não podemos garantir que os

efeitos de sentidos sobre algo atinjam seu intento, isto é, promovam algum controle sobre a

produção dos sentidos, mas apenas esperar por algum resultado na consecução dos

significados; às vezes, conseguido nem sempre de forma objetiva e sob controle dos

enunciadores do evangelho.

Assim, não se pode concluir, conforme antecipei, que os excertos apresentados nos

Quadros 16-23 sejam uma exclusividade de cada Fase Argumentativa, pois os sentidos dos

enunciados se alteram de acordo com as situações de enunciação. Por isso, não caberia

estender uma análise das locuções ali presentes, mas apenas perceber algum sentido sobre

elas que as capacitariam a representar determinada Fase nos DNP. Mas, sem nos fixar em

significados estacionários, afinal, podemos encontrar elementos da Fase da comprovação

utilizados para sensibilizar e estes para intimidar. Dessa maneira, seria mais apropriado

considerar o conteúdo proposicional das locuções apresentadas como uma ―probabilidade

lexical observável‖, em função das variações de significados decorrentes de cada enunciado.

Assim, o mais importante na classificação que fizemos é determinar a semântica da

enunciação e os efeitos de sentido que dela decorrem – muito mais do que compreendê-la

como categoria estanque na enunciação religiosa. Nesse sentido, determinadas expressões

tendem (não absolutamente), a produzir atos característicos de cada Fase Argumentativa. P.

Ex: ―trazer um recado de Deus‖ imprime autoridade ao locutor, mas também pode servir para

sensibilizar seus discípulos; ―Sei o quanto vocês sofrem...‖ produz ação de sensibilizar o

alocutário, mas também pode preparar uma provável revelação ou promessa a ser proferida

pelos ―homens de Deus‖ a fim de acabar com os sofrimentos dos fiéis; ―Se eu soltar o Diabo‖

tende a intimidar os devotos, dentre outros exemplos. Assim, esses efeitos representam Fases

Argumentativas – produzidas a partir de um conjunto de enunciados circunstanciados por

um enredo discursivo maior e alimentado por certos objetos de referenciação religiosos

(sacerdotes, messias, exus, Deus, Demônio, libertação, promessas, milagres, ameaças,

revelações, pecados, dentre outros), usados para fomentar cada uma das Fases.

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Ainda é preciso atentar para o fato de que as Fases Argumentativas não são lineares,

isto é, não se apresentam no cenário discursivo neopentecostal, na produção dos enredos

religiosos, exatamente na mesma ordem em que foram apresentadas, mas aparecem em

grande parte dos discursos, ao longo de sua pragmática persuasiva doutrinal. Essa não-

linearidade das Fases pode ser facilmente observada. Recentemente os DNP têm utilizado

cada vez mais de elementos ―comprobatórios‖, presentes nos depoimentos dos fiéis,

justamente para sensibilizar os demais crentes. Ou seja, aquilo que seria próprio da Fase da

comprovação, considerada aqui o ápice do enredo persuasivo tem sido utilizado para dar

início a uma nova reunião ou para ilustrar alguma propaganda, a fim de sensibilizar novos

discípulos.

Assim, os líderes da fé se comportam muitas vezes com regentes simplesmente

―orquestrando‖ o enredo persuasivo religioso. Afinal, os fiéis-discípulos parecem escolher os

melhores significados, aqueles mais convenientes da pregação, a fim de organizar seus

pensamentos e, consequentemente, suas vidas. Dessa forma, a persuasão religiosa se efetiva

da melhor forma: sem muito esforço (mas com muita perícia) dos pastores, e com muito

entusiasmo e predisposição dos próprios fiéis em receber ―a solução‖ imediata de seus males.

Essa predisposição ―autopersuasiva‖ dos fiéis parece satisfazer uma necessidade intrínseca,

constitutiva daqueles que buscam crer no invisível. Assim, os fiéis cooperam constantemente

com o intento persuasivo religioso. Dessa forma, o trabalho dos pregadores da fé se torna

bastante facilitado, a ponto de uma simples expressão inicial ―Deus está aqui‖ ser

compreendida pelos crentes: ―minha cura está próxima‖.

Além dessa ressignificação perlocutória, tipicamente conclusiva nos discursos

religiosos, há que se considerar também os teotemas aqui apresentados, pois estes se

constituíram apenas em uma amostra interdiscursiva abordada nos DNP. Não podemos

ignorar que, a partir das próprias características conceituais e pragmáticas que definem a

coleção teotemática, qualquer expressão mundana – revestida de sacralidade –, pode

constituir-se em um teotema dos DNP.

Compreendido em seu conjunto, todo esse esforço analítico sobre os DNP é

suficiente para afirmarmos a existência de um complexo esquema argumentativo na

elaboração e manutenção desse campo discursivo. Conforme vimos, as Fases da

Argumentação neopentecostal se relacionam intrinsecamente a diversos itens e expressões

lexicais, o que reforça sua própria capacidade persuasiva. Assim, poderemos falar em

elementos que compõem o argumento da autoridade; em elementos que compõem o

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argumento da sensibilização, enfim, e cada elemento que sustenta as demais Fases (revelação,

promessa, desafio, intimidação e comprovação).

Conforme visto, os referentes diversificam-se ao longo do discurso religioso:

adaptam-se conforme a característica e conveniências que se quer imprimir à fala e ao intento

persuasivo. Iniciam com o referente sacerdotal (autoridade dos enunciadores do evangelho)

para culminar na comprovação das promessas, materializadas em depoimentos sobre os

―milagres‖ alcançados pelos fiéis, sobretudo de transformação abençoada em qualquer área

defasada de suas vidas.

Nessa medida, o ofício de produzir discursos religiosos não se restringe ao trabalho

de verbalizar preceitos doutrinais, não se limita simplesmente a proferir palavras de algum

livro considerado sagrado, mas em elaborar estrategicamente uma construção discursiva

mítica para provocar algo no outrem. Essa ressignificação verbal, em que termos de uso

corrente assumem uma significação mítica, é carregada de ideologia, signos retextualizados

em ―divindades discursivas‖ que expressam uma maneira extremamente particular de

compreender o mundo a partir das crenças que movem os fiéis neopentecostais.

Assim, esse discurso religioso não se constitui apenas de uma sequência aleatória de

palavras e frases retiradas da bíblia. Pelo contrário, as formas de referenciação religiosa se

dão por um entraleçamento sistemático daquilo que se pretende dizer a fim de que se consiga

imprimir nas palavras significação, isto é, significado-para-ação. Desse modo, a referência

sacerdotal a que o discurso neopentecostal chama para si não pode ser vista apenas como uma

técnica na oratória doutrinal, mas como parte intrínseca do complexo processo de interação

entre os sujeitos envolvidos nas atividades enunciativas.

Esse estudo deu ênfase à forma de teorizar a argumentação que alguns oradores

religiosos usam baseados na concepção neopentecostal. A fim de compreender os elementos

da persuasão religiosa, também foram utilizados os conceitos de script silogístico e

teotemática sacramental. Suas conclusões merecem um rastreamento exaustivo de outros

expedientes argumentativos nos DNP, pois a identificação de sete Fases estratégicas da

persuasão neopentecostal não esgota as explicações sobre os intrincados mecanismos

persuasivos dos discursos religiosos.

Esse trabalho também aponta para a existência de uma complexa rede discursiva

teotemática presente na oratória religiosa e manifesta por elementos lexicais recorrentes ou

por expressões normalmente estrangeiras aos discursos religiosos, mas que quando inseridas

na pregação mítica, despertam subliminarmente categoriais referenciais adjacentes, como no

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caso das Fases Argumentativas dos DNP, com nuanças de intimidação, promessas ou

simplesmente sensibilizações.

Se existe crença maior que pude observar nesse breve percurso linguístico, esta se

radica no poder que imprimimos aos significados das palavras, à crença no poder de uma

semântica da enunciação religiosa. Pela crença no significado que transmitimos às coisas

convertemos as dúvidas em certezas, as palavras humanas em revelações divinas. E quanto a

essa metamorfose semântica da enunciação – em que palavras ―comuns‖ (temas)

transformam-se em ―divindades discursivas‖ (teotemas) –, não temos o menor controle: está

muito além de qualquer compreensão ou análise definitiva, pois beira o incognoscível. Ainda

assim, insistimos em continuar nessa seara linguística, quiçá excêntrica de dissecar

fragmentos de enunciados ou relações de enunciação para entender o emaranhado de

significados que damos às coisas, quais cegos tentando compreender um ―elefante branco‖

criado por nós mesmos!

O aprofundamento desse trabalho com o consequente exame de dados possibilitará

elencar um maior número de itens nos DNP em torno dos quais podemos prever a

constituição de uma constelação lexical representativa da identidade discursiva

neopentecostal. Assim, com desdobramentos posteriores desse trabalho, outros pesquisadores

poderão identificar diferentes objetos referenciais nos DNP, bem como seu funcionamento

argumentativo, pois, já encontrei evidências suficientes de que a pregação religiosa está em

contínua readaptação e ampliação.

Diante da (des)ordem da enunciação, existe sempre o elemento surpresa, aquilo que

não é convencional, portanto, não se pode pensar em argumentar de uma única maneira.

Apenas por isso se conclui que não temos como cercar os limites da argumentação, nem

muito menos estabelecer regras únicas para sua execução e sucesso, mas podemos observar

seu fluxo na linguagem, suas intenções subjetivas, seu caminho em direção ao outro: para

onde a palavra nos leva.

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GLOSSÁRIO

Argumentação neopentecostal: Estratégias persuasivas utilizadas nas pregações e

propagandas religiosas. Essas estratégias estão fundadas em objetos referenciais

representativos da identidade neopentecostal (sacerdotal, exorcista e próspera). Assim, para

que uma argumentação seja caracterizada como neopentecostal a pregação religiosa precisa

apresentar esses três referentes basilares do neopentecostalismo, relacionados a temas

coadjuvantes (curas físicas e emocionais, libertação, riqueza material, cataclismos naturais,

epidemias, desemprego, doenças, etc), nos quais Deus e o Demônio revezam-se como causas

principais do bem e do mal, respectivamente.

Campanha: Termo muito utilizado nas igrejas evangélicas, sobretudo do ramo pentecostal.

Refere-se a um período determinado de tempo, normalmente algumas semanas, em que os

fiéis devem orar e realizar doações financeiras à igreja com vistas a atingir uma meta

específica em suas vidas com um objetivo claramente definido, como conquistar um emprego,

recuperar o amor, a saúde, a prosperidade, livrar-se dos Demônios ou vencer alguma causa na

justiça. Assim, as igrejas costumam utilizar envelopes diferenciados para recolher doações

financeiras durante algumas semanas. É bastante variado o formato que cada igreja atribui a

uma ―campanha‖, mas existe consenso de que uma campanha representa uma meta

declaradamente definida e perseguida pela congregação religiosa. Para alcançá-la é necessário

não medir esforços com a certeza na vitória. No meu entendimento as ―campanhas‖ servem

como motivadores de ciclos persuasivos, pois como se trata de um propósito de vida que

perpassa algumas semanas, os fiéis são instigados a não faltar à igreja na semana seguinte

para não ―quebrar a corrente‖, conforme apregoam, além de focar as atenções das pessoas na

solução de um problema específico. Assim, ao dar maior atenção para alguma área debilitada

de nossas vidas temos maiores chances de vencer.

Cenário argumentativo: Todo o conjunto de ações ou omissões, pregações, silêncios,

músicas, luzes e sombras, frases de efeito, objetos ungidos, disposição da assembleia, postura

dos oradores, arquitetura dos templos, movimentação dos obreiros e pastores, enfim, tudo

aquilo que contribui para que a argumentação atinja seu intento persuasivo: convencer os fiéis

de que há solução para seus males, a um passo de se resolver.

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Coerência argumentativa neopentecostal: Representa a relação lógica, coerente e factual

das propostas de realização, de mudanças na forma de encarar os problemas humanos a fim de

resolvê-los. A coerência discursiva resulta da não contradição entre as Fases da

Argumentação – desenvolvida pelos oradores do neopentecostalismo. A coerência do

neopentecostalismo atinge seu ápice na última Fase da estratégia argumentativa, aqui

nomeada por Fase da Comprovação, na qual alguns fiéis anunciam aos demais crentes a

transformação pessoal em suas vidas, enfim, o ―milagre‖ alcançado.

Encenação discursiva: Conjunto de elementos lexicais, prosódicos, semióticos e

argumentativos que, juntos, produzem uma maneira particular de dizer os enunciados

neopentecostais. Assim, para que a encenação discursiva ocorra, diversos itens precisam

aparecer no cenário da enunciação: expressões recorrentes baseadas nos três referentes

fundamentais do neopentecostalismo (tríade referencial), conforme apresentado nessa tese;

volume de voz fortemente marcada por altos e baixos com entonação emotiva; objetos,

símbolos e imagens ressignificadas por elementos transcendentes com poderes milagrosos e

uma pregação centrada nos conceitos de Deus, dos pecados e dos Demônios.

Fases da argumentação neopentecostal: Sete etapas que exemplificam as estratégias

argumentativas do neopentecostalismo: (i) autoridade; (ii) sensibilização; (iii) revelação; (iv)

promessa; (v) desafio; (vi) intimidação e (vii) comprovação. Essas sete Fases compõem o

script argumentativo do neopentecostalismo.

Obreiro(a): Pessoa que exerce voluntariamente algum trabalho na igreja. Os obreiros são os

responsáveis por desenvolver e auxiliar os pastores e bispos em diversos trabalhos: entrega de

envelopes de dízimos e ofertas à congregação, auxilio em orações para os fiéis

endemoninhados, distribuição de algum objeto utilizado nos cultos, limpeza geral do templo,

captação de recursos financeiros, entrega de jornais e revistas publicados pela igreja, registro

fotográfico de crentes, auxilio com áudio, vídeo, gravações de testemunhos dos fiéis. Algum

obreiro pode até mesmo receber dízimos e doações dos fiéis que não levaram dinheiro em

espécie à igreja por meio de máquina de cartões de crédito ou débito em conta bancária.

Profissional da fé: Refere-se à pessoa que aufere lucros financeiros por meio de seus

discursos religiosos doutrinais. A expressão busca abranger diversos profissionais da religião

e não apenas pastores. Identifica determinada pessoa que profissionalizou algum discurso

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religioso doutrinal e exerce o ofício de convencer pessoas na crença de algo transcendental.

Por extensão, essa expressão pode abranger também padres, freiras, missionários, bispos,

cardeais, papa, diretores ou docentes de institutos teológicos doutrinais como seminários,

conventos e similares, enfim toda uma hierarquia clerical.

Tríade referencial: Conjunto de três referentes fundamentais. São objetos referenciais

basilares do neopentecostalismo: sacerdotal, exorcista e próspero. Juntos, identificam o

neopentecostalismo enquanto um discurso religioso com características próprias, imprimindo-

lhe peculiaridades de uma Formação Discursiva Local (DNP).

Script argumentativo religioso: Conjunto de Fases (momentos) e maneira de dizer em que

são apresentados os argumentos da oratória religiosa. Representa um roteiro estruturado e

recorrente no qual se desenvolve determinados argumentos no culto religioso. Assim, os

profissionais da fé seguem um padrão de apresentação em suas pregações: durante as

pregações à assembleia sempre reafirmam (i) as ameaças dos Demônios, (ii) a autoridade

sacerdotal que possuem, e (iii) o destino próspero daqueles que seguirem as palavras dos

―homens de Deus‖. A partir dessa regularidade enunciativa foi possível identificar sete Fases

da argumentação neopentecostal.

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ANEXO I – Normas adaptadas do projeto NURC

Ocorrências Sinais Exemplificação*

Entoação enfática maiúscula Vamos expulsar o DeMÔNIO do

homossexuaLISMO...

da prostituiÇÃO... da beBIDA

Prolongamento de

vogal e consoante

(como s, r)

::: Exu da mo:::rte volta pros infer:::nos

Exclamação ! Prosperidade é dom de Deus!

Nós temos a solução!

Interrogação ? Demônio... o que você faz com pessoas

que duvidam?

Qualquer pausa ... Demônio do vício do álcool... do vício das

drogas... da prostituição... da anormalidade...

Comentários

explicativos do

transcritor

[minúsculas] Demônio que faz a filha ser rebelde [causal]

Se sua vida não melhorar... [então] Ele pode

me MATA:::R!

Estaremos ungindo a sua fronte e a sua nuca

para que DEUS venha quebrar a inveja

[comissivo/promessa]

Confirmação da forma

utilizada

Itálico O cimento da casa própia... ribuliçu

* Exemplos retirados do corpus neopentecostal (2006-2012). Disponível em:

http://discursosneopentecostais.4shared.com/

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ANEXOII- Anotações in loco

(locuções de pastores e fiéis)

1. A palavra de Deus revela maravilhas em sua vida, experimente!

2. A religião não salva ninguém, a igreja não salva ninguém... só Jesus salva!

3. A verdade é essa... Aquele mal vinha do diabo!

4. Aqui eu sou apenas um operário de Deus!

5. Chega de sofrimentos! Faça a coisa certa! Siga Jesus.

6. Coloquei tudono altar de Deus e hoje sou uma pessoa totalmente transformada.

7. Determino que esse mal saia desse corpo em Nome de Jesus!

8. Deus estará com você para resolver todos os seus problemas.

9. Deus me abençoou! Consegui me libertar de todo o mal. Hoje estou curada!

10. Deus me deu a mão e me tirou da criminalidade, das drogas, da prostituição para pregar em

Seu nome e ajudar vocês.

11. Deus me revelou... A vitória é promessa de Cristo!

12. É Jesus quem cura! Aqui... Ele só está me usando...

13. Enquanto você não brigar com o Diabo, você não vai ser ninguém!

14. Entendo suas dores, mas hoje Deus tem curas para vocês!

15. Essa dor de cabeça... essa coluna torta... é influência do capeta.

16. Estou aqui é doando minha vida por Jesus somente para ajudar vocês...

17. Eu afirmo: Deus não pode falhar nunca! Só os fracos e sem fé desistem da vitória!

18. Eu não só quero, mas eu posso te ajudar!

19. Exerço o dom da cura! Hoje você vai sair daqui curado!

20. Fracassa na vida aquele que esconde o dízimo do próprio Deus!

21. Gente!!! Atrás de todos esses males, existem esses Demônios...Contra fatos não existem

argumentos! Será que tanta gente subiu aqui no altar para mentir?

22. Hoje recebi uma revelação de Deus! Sei o quanto vocês sofrem...

23. Não quero convencer ninguém, só a palavra de Deus pode te transformar!

24. Nós não estamos querendo que você mude de religião, mas oferecendo o fim dos

sofrimentos.

25. Nosso Deus é um Deus de riquezas, de abundância, de fartura! Somente quem não tem Deus

por perto pode ser miserável e pobre porque certamente está com o Demônio.

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26. O Diabo está esperando você fraquejar... incute na sua cabeça que só queremos seu

dinheiro.

27. O Diabo também mostra maravilhas para depois te derrotar!

28. O maior milagre que Deus fez em mim foi me tirar da cova da morte... Por isso... minha

palavra é a palavra de Deus [bíblia] e qual o Demônio que pode ir contra a palavra de Deus?

29. Oh! Pai...Nós não aguentamos mais tanto sofrimento...

30. Olha gente... Deus me enviou aqui só para ajudar vocês. Ou vocês aceitam as palavras de

Deus ou aceitam o mal do Diabo. Não temos escolha... é um ou outro.

31. Ouçam o que Deus tem para vocês... Receba sua libertação total!

32. Quem persistir vencerá. Confia que tudo dará certo!

33. Quem rouba [dízimos] a Deus está entregue ao devorador [Demônio].

34. Receba em nome de Jesus toda riqueza que quiser.

35. Se Deus não me quisesse aqui pregando para vocês, Ele já tinha tirado minha vida!

36. Se eu soltar o Diabo aqui ele vai matar muitos de vocês!

37. Se sua vida não melhorar, então Deus pode me matar!

38. Vem aqui, você que está precisando de ajuda...

39. Venham todos! Vamos fazer uma festa para Jesus!

40. Vim trazer um recado de Deus para vocês!

41. Você continua humilhado numa vida de miséria? Então é porque você não conhece Deus.

42. Você tem que se revoltar contra essa situação de miséria ou Deus não vai mudar sua vida!

43. Vocês não fazem ideia de como eu vivia antes de me tornar um apóstolo de Deus...

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ANEXO III – Sites utilizados

ALMEIDA, Alessandro. Disponível em:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=3

1818. Acesso em: 17/04/2011

ALVES, Marcos. A estrutura de uma peça de teatro. Disponível em:

http://marcosalves.arteblog.com.br/4439/A-Estrutura-de-Uma-peca-de-Teatro/ Acesso em:

12/04/2012

ANATEL – Agência Nacional de Telecomuicações. Rádios piratas.Disponível em:

http://www.anatel.gov.br/ Acesso em: 12/04/2009.

ARCA, Universal. Igreja presente em mais de 180 países. Disponível

em:http://www.arcauniversal.com/iurd/historia/mundo.html Acesso em: 23/06/2012

CANETA... ungida. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_YQ52GQ98G4 Acesso em:

07/05/2012

CONSELHO... cimento da prosperidade: o cimento da casa própria, do negócio próprio.

Disponível em: http://www.conselhodepastor.com.br /noticias/voce-ja-comprou-o-cimento-

da-prosperidade/ Acesso em: 10/03/2012

CONTRIBUA... de acordo com a tua renda... Disponível em:

http://marcelonathanson.blogspot.com.br/2008/10/bereianos.html/ Acesso em: 12/07/2010

DESCARREGO, Pedras do. Disponível em:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI37034-15223,00.html/ Acesso em:

16/03/2011

DESENCAPETAMENTO... Total com a prece violenta. Disponível em: http://vozesdareforma-

mep.blogspot.com.br/2011/05/desencapetamento-total.htmlAcesso em: 04/08/2012

DESENCAPETAMENTO... Total com o banho do alívio. Disponível em:

http://blogdopcamaral.blogspot.com.br/2009/07/desencapetamento-total.html Acesso em:

10/12/2009

GUARACY. Macdonnad e IURD. Disponível em: http://noticias.gospelprime.com.br/iurd-ega-

que-dono-do-carro-abandonado-com-r100-mil-seja-um-de-seus-pastores/ Acesso em: 06/08/2011

IBGE (Brasil). Recenseamento 2012. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2170&id_p

agina=1 Acesso em: 10/09/2012

IFRANCISCA. Profeta LuisClaudioDisponível em::

http://ifrancisca.blogspot.com.br/2007/09/luiz-claudio-profetiza-em-matosinhos.html Acesso

em: 28/04/2012

MENDONÇA, Mauricio. Teologia da prosperidade. Disponível em:

http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/religiao/teologia-da-prosperidade.html Acesso

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191

em: 12/06/2009.

PASTOR... que morreu após uma facada no coração... Disponível em:

http://www.iplay.com.br/Imagens/Divertidas/049M/Pastor_Morto_Com_Uma_Facada_No_Cor

acao_Ressurge_Para_Dar_Seu_Testemunho_Em_Uma_Igreja Acesso em: 19/06/2012

PASTOR... Cimento da casa própria. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=scMbwiQNXu8 Acesso em: 21/11/2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de

Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT

para apresentação de teses, dissertações, monografias e trabalhos acadêmicos. 9. ed. rev.

ampl. atual. Belo Horizonte: PUC Minas, 2011. Disponível em:

<http://www.pucminas.br/biblioteca>. Acesso em: 09/maio/2012

PROFETA Luis Claudio. Uma revelação de Deus. Disponível em:

http://scienceblogs.com.br/100nexos/2007/06/profeta-luis-claudio-revelao-de-Deus/ Acesso

em: 17/08/2012

PROFETISA. Disponível em: http://www.flickr.com/photos/36929504@N03/3401840131/

Acesso em: 21/06/2010

PROSPERIDADE sessão do descarrego. Disponível em:

http://gracaplena.blogspot.com.br/2009/01/macumbaria-gospel-invade-os-templos-neo.html

Acesso em: 14/03/2010

PROTEÇÃO contra dengue. Disponível em:

http://cirozibordi.blogspot.com.br/2008/05/igrejas-evanglicas-que-no-pregam-o.html Acesso

em: 18/09/2011

SABONETE consagrado. Disponível em:

http://napec.files.wordpress.com/2010/05/p91601.jpg?w=300&h=225 Acesso em: 22/08/2011

VINHO profético. Disponível em:

http://www.pulpitocristao.com/wpcontent/uploads/2011/10/vinho.jpg Acesso em: 12/05/2011