Poemas Do Mar

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"Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim. A tua beleza aumenta quando estamos sós. E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim." Sophia de Mello B. Andresen Mar! Tinhas um nome que ninguém temia: Era um campo macio de lavrar Ou qualquer sugestão que apetecia... Mar! Tinhas um choro de quem sofre tanto Que não pode calar-se, nem gritar, Nem aumentar nem sufocar o pranto... Mar! Fomos então a ti cheios de amor! E o fingido lameiro, a soluçar, Afogava o arado e o lavrador! Mar! Enganosa sereia rouca e triste! Foste tu quem nos veio namorar, E foste tu depois que nos traíste! Mar! E quando terá fim o sofrimento! E quando deixará de nos tentar O teu encantamento! Miguel Torga, Poemas Ibéricos

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"Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim. A tua beleza aumenta quando estamos sós. E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim."

Sophia de Mello B. Andresen

Mar!Tinhas um nome que ninguém temia:Era um campo macio de lavrarOu qualquer sugestão que apetecia...

Mar!Tinhas um choro de quem sofre tanto Que não pode calar-se, nem gritar, Nem aumentar nem sufocar o pranto...

Mar!Fomos então a ti cheios de amor!E o fingido lameiro, a soluçar,Afogava o arado e o lavrador!

Mar!Enganosa sereia rouca e triste!Foste tu quem nos veio namorar,E foste tu depois que nos traíste!

Mar!E quando terá fim o sofrimento!E quando deixará de nos tentarO teu encantamento!

Miguel Torga, Poemas Ibéricos

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Poema do homem-rã

Sou feliz por ter nascidono tempo dos homens-rãsque descem ao mar perdidona doçura das manhãs.Mergulham, imponderáveis,por entre as águas tranquilas,enquanto singram, em filas,peixinhos de cores amáveis.Vão e vêm, serpenteiam,em compassos de ballet.Seus lentos gestos penteiammadeixas que ninguém vê.

Com barbatanas calçadase pulmões a tiracolo,roçam-se os homens no solosob um céu de águas paradas.

Sob o luminoso feixecorrem de um lado para outro,montam no lombo de um peixecomo no dorso de um potro.

Onde as sereias de espuma?Tritões escorrendo babugem?E os monstros cor de ferrugemrolando trovões na bruma?

Eu sou o homem. O Homem.Desço ao mar e subo ao céu.Não há temores que me domemÉ tudo meu, tudo meu.

António Gedeão

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Fundo do Mar

No fundo do mar há brancos pavores,Onde as plantas são animaisE os animais são flores.

Mundo silencioso que não atingeA agitação das ondas.Abrem-se rindo conchas redondas,Baloiça o cavalo-marinho.Um polvo avançaNo desalinhoDos seus mil braços,Uma flor dança,Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisaLeve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisaTem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Barco

Margens inertes abrem os seus braços Um grande barco no silêncio parte. Altas gaivotas nos ângulos a pique, Recém-nascidas à luz, perfeita a morte. Um grande barco parte abandonando As colunas de um cais ausente e branco. E o seu rosto busca-se emergindo Do corpo sem cabeça da cidade. Um grande barco desligado parte Esculpindo de frente o vento norte. Perfeito azul do mar, perfeita a morte Formas claras e nítidas de espanto.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Dia do mar no ar

Dia do mar no ar, construídoCom sombras de cavalos e de plumas

Dia do mar no meu quarto-cuboOnde os meus gestos sonâmbulos deslizamEntre o animal e a flor como medusas.

Dia do mar no ar, dia altoOnde os meus gestos são gaivotas que se perdemRolando sobre as ondas, sobre as nuvens.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Vozes Do Mar

Quando o sol vai caindo sobre as águasNum nervoso delíquio d’oiro intenso,Donde vem essa voz cheia de mágoasCom que falas à terra, ó mar imenso?

Tu falas de festins, e cavalgadasDe cavaleiros errantes ao luar?Falas de caravelas encantadasQue dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d'epopeias?Tens anseiosD'amarguras? Tu tens também receios,  Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz,ó mar amigo?...... Talvez a voz do Portugal antigo,Chamando por Camões numa saudade!

Florbela Espanca

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Fundo do mar

No fundo do mar há brancos pavores,

Onde as plantas são animais

E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge

A agitação das ondas.

Abrem-se rindo conchas redondas,

Baloiça o cavalo-marinho.

Um polvo avança

No desalinho

Dos seus mil braços,

Uma flor dança,

Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa

Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa

Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Descobrimento

Um oceano de músculos verdes

Um ídolo de muitos braços como um polvo

Caos incorruptível que irrompe

E tumulto ordenado.

Bailarino contorcido

Em redor dos navios esticados

Atravessamos fileiras de cavalos

Que sacudiam as crinas nos alísios

O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo

Para mostrar as praias

E um povo

De homens recém-criados ainda cor de barro

Ainda nus ainda deslumbrados

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Mar sonoro

Mar sonoro,mar sem fundo,mar sem fim,A tua beleza aumenta,quando estamos sós.E tão fundo, intimamente,A tua voz revelao mais secretobailar dos meus sonhosE que momentos háem que suponhoSeres um milagrecriado só pra mim…

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do mar

Inicial

O mar azul e branco e as luzidiasPedras – O arfado espaçoOnde o que está lavado se relavaPara o rito do espanto e do começoOnde sou a mim mesma devolvidaEm sal espuma e concha regressadaÀ praia inicial da minha vida.

De todos os cantos do mundoAmo com um amor mais forte e mais profundoAquela praia extasiada e nuaOnde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual

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Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma nao é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem

"Como quando do mar tempestuoso"

Como quando do mar tempestuosoo marinheiro, lasso e trabalhado,de um naufrágio cruel já salvo a nado,só ouvir falar nele o faz medroso,

e jura que, em que veja bonançosoo violento mar e sossegado,não entre nele mais, mas vai, forçadopelo muito interesse cobiçoso;

assi, Senhora, eu, que da tormentade vossa vista fujo, por salvar-me,jurando de não mais em outra ver-me:

minha alma, que de vós nunca se ausenta,dá-me por preço ver-vos, faz tornar-medonde fugi tão perto de perder-me.

 Luís de Camões

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O MAR

Ondas que descansam no seu gesto nupcialabrem-se caemamorosamente sobre os próprios lábiose a areiaancas verdes violetas na violência vivarumor do ilimite na gravidez da águasussurros gritos minerais inércia magníficavolúpia de agonia movimentos de amormorte em cada onda sublevação inauguralabre-se o corpo que ama na consciência nuae o corpo é o instante nunca mais e sempreó seios e nuvens que na areia se despenhamó vento anterior ao vento ó cabeças espumosasó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosõesó eternidade do mar ensimesmado unânimeem amor e desamor de anónimos amplexosmúltiplo e uno nas suas baixelas cintilantesó mar ó presença ondulada do infinitoó retorno incessante da paixão frigidíssimaó violenta indolência sempre longínqua sempre ausenteó catedral profunda que desmoronando-se permanece!

António Ramos Rosa, Facilidade do Ar

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A rosa e o mar

Eu gostaria ainda de falar

Da rosa brava e do mar.

A rosa é tão delicada,

O mar tão impetuoso, que não sei como os juntar

E convidar para o chá

Na casa breve do poema.

O melhor é não falar:

Sorrir-lhes só da janela.

Eugénio de Andrade

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O castelo de areia

Fiz um castelo de areia

Mesmo à beirinha do mar

À espera que uma sereia

Ali quisesse morar.

Ó mar,

Ó mar…

Mas foi só um caranguejo

Que ali me foi visitar.

Ó mar,

Ó mar…

Mas foi só uma gaivota

Que ali me foi visitar.

E levou o meu castelo,

O meu castelo de areia

Para no mar morar nele

A minha linda sereia.

Luísa Ducla Soares

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Barca Bela

Pescador da barca bela, Onde vais pescar com ela. Que é tão bela, Oh pescador?

Não vês que a última estrela No céu nublado se vela? Colhe a vela, Oh pescador! Deita o lanço com cautela, Que a sereia canta bela... Mas cautela, Oh pescador! Não se enrede a rede nela, Que perdido é remo e vela, Só de vê-la, Oh pescador. Pescador da barca bela, Inda é tempo, foge dela Foge dela Oh pescador! Almeida Garrett (séc. XIX)