PODER JUDICIÁRIO USTIÇA FEDERAL DE RIMEIRA NSTÂNCIA · 2013-08-22 · columetria, que recomponha...

24
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE Sentença Tipo “A” – Fundamentação Individualizada Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500 Classe 1 – Ação Civil Pública Autor: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN Réus: CONVIT CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA. e MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO O INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, por intermédio da Procuradora Federal, ajuizou ação civil pública, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, em face da CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA e do MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS, formulando provimento jurisdicional nestes termos: “(b.1) condenar a empresa CONSTUTORA CONVIT VITÓRIA a financiar e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS além de financiar, também a promover a recuperação integral da área atingida, restituindo ao status quo ante, mediante a reconstrução do bem destruído, ou de imóvel semelhante com a mesma columetria, que recomponha a ambiência e a passagem do entorno, em conformidade com as especificações do IPHAN, indenizar os danos causados ao patrimônio cultural, conforme apurado em instrução processual; Ressalte-se por oportuno que a Construtora deve financiar a recuperação que deverá ser feita por outra empresa, considerando a total incapacidade desta já devidamente comprovada pelos danos efetuados; (b.2) determinar que a CONSTRUTORA CONVIT VITÓRIA LTDA. e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS promovam a compensação dos danos patrimoniais decorrentes das obras mencionadas que sejam irrecuperáveis, conforme for apurado por meio de prova pericial; (b.3) condenar a CONSTRUTORA CONVIT VITÓRIA LTDA. e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS repararem os danos morais causados ao patrimônio histórico e cultural, suportados pela sociedade, titular do interesse difuso, mediante pagamento de valor a ser arbitrado por V. Exa., levando-se em consideração o caráter educativo da medida, que deverá reverter em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), a que se refere o art. 13 da Lei 7.347/85; (b.5) condenar a CONSTRUTORA CONVIT VITÓRIA LTDA. e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS a efetuarem o pagamento, correspondente

Transcript of PODER JUDICIÁRIO USTIÇA FEDERAL DE RIMEIRA NSTÂNCIA · 2013-08-22 · columetria, que recomponha...

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE Sentença Tipo “A” – Fundamentação Individualizada

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

Classe 1 – Ação Civil Pública

Autor: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN

Réus: CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA. e MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO

O INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E

ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, por intermédio da Procuradora Federal, ajuizou ação civil pública, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, em face da CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA e do MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS, formulando provimento jurisdicional nestes termos:

“(b.1) condenar a empresa CONSTUTORA CONVIT VITÓRIA a financiar e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS além de financiar, também a promover a recuperação integral da área atingida, restituindo ao status quo ante, mediante a reconstrução do bem destruído, ou de imóvel semelhante com a mesma columetria, que recomponha a ambiência e a passagem do entorno, em conformidade com as especificações do IPHAN, indenizar os danos causados ao patrimônio cultural, conforme apurado em instrução processual; Ressalte-se por oportuno que a Construtora deve financiar a recuperação que deverá ser feita por outra empresa, considerando a total incapacidade desta já devidamente comprovada pelos danos efetuados; (b.2) determinar que a CONSTRUTORA CONVIT VITÓRIA LTDA. e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS promovam a compensação dos danos patrimoniais decorrentes das obras mencionadas que sejam irrecuperáveis, conforme for apurado por meio de prova pericial; (b.3) condenar a CONSTRUTORA CONVIT VITÓRIA LTDA. e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS repararem os danos morais causados ao patrimônio histórico e cultural, suportados pela sociedade, titular do interesse difuso, mediante pagamento de valor a ser arbitrado por V. Exa., levando-se em consideração o caráter educativo da medida, que deverá reverter em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), a que se refere o art. 13 da Lei 7.347/85; (b.5) condenar a CONSTRUTORA CONVIT VITÓRIA LTDA. e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS a efetuarem o pagamento, correspondente

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

2

a 50% do valor do dano em razão da demolição do imóvel (Bureaux de Informações Turísticas/Antiga Padaria Barroso), avaliado em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) o qual deverá reverter em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) a que se refere o art. 13 da Lei 7.347/85”

Inicialmente, ressalte-se que, ao invés de narrar os fatos, a Procuradora Federal responsável se limitou a transcrever trechos de informações técnicas produzidas pelo IPHAN. Do conjunto dessas transcrições, dessume-se o seguinte: 1) a Prefeitura de Laranjeiras submeteu a aprovação do IPHAN, por intermédio de sua 8ª Superintendência Regional sediada em Aracaju, projeto de Detalhamento de Esquadrias e Ferragens do Bureaux de Informações Turísticas, visando a reforma da antiga “Padaria Barroso”, imóvel integrante do sítio urbano de Laranjeiras, tombado pelo autor; 2) analisando o projeto, o autor exigiu para a sua aprovação a a contratação de um arqueólogo durante a fase de escavações a fim de “evitar a perda de contexto de qualquer material de importância arqueológica que possa ser encontrado”; 3) durante a execução do objeto contratual pela empresa vencedora da licitação (2ª ré), foram realizadas a “demolição de alvenaria em taipa e adobe, não especificada no projeto aprovado, sem justificativa técnica ou teórica” (fl. 04) e “escavações levadas a cabo sem acompanhamento de arqueólogo sendo visíveis vestígios de material histórico já resolvido” (fl. 04), o que resultou em notificação extrajudicial n.º 02/08, de 31.01.2008 1, determinando a paralisação imediata das obras; 4) apesar dos problemas apontados, a 1ª ré “continuou com a intervenção danosa e a total omissão da Prefeitura, o que motivou o segundo embargo extrajudicial, sob n.º 25, datado de 11.07.2008” (fl. 07). Alega, ainda, que o “PROJETO ESTRUTURAL do Bureaux de Informações Turísticas não foi apresentado a esta Superintendência para aprovação” (fl. 08) e que a sua execução da forma como está “causará danos irreversíveis à alvenaria de pedras de bem edificado”, bem como “ao propor-se a substituição do sistema construtivo, está sendo afrontada a preservação do bem” (fl. 08).

Após defender a sua legitimidade ad causam e a competência da Justiça Federal, aduz que a execução da reformar, com a demolição do bem, sem projeto aprovado pelo IPHAN, além de nociva ao bem tombado, é absolutamente irregular.

Requer a concessão de liminar para que “a Prefeitura promova o escoramento e a proteção ao redor do imóvel, bem como o prosseguimento da obra o mais rápido possível, com outra empresa que não a CONVIT, evitando assim a destruição total da obra, considerando que a obra da forma que está, abandonada, será destruída em pouquíssimo tempo” (fl. 38).

Em decisão de f.41/49 foi deferida parcialmente a liminar para que o 1º réu colocasse tapumes em volta do imóvel enquanto o 2º réu designaria um servidor municipal para vigiar o bem a fim de evitar maiores depredações, sem prejuízo da adoção de outras medidas. Na mesma ocasião, foi designada inspeção judicial no imóvel.

1 No documento, consta erroneamente 2007.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

3

Na. f.53, o Ministério Público Federal requereu seu ingresso na lide na qualidade de custos legis.

Realizada inspeção no local (f.64/66).

Em audiência (f.67/70), foi determinado que: 1) a parte autora, através de sua arquiteta, apresentasse um croqui do telhado provisório a ser construído, bem assim que fornecesse as especificações técnicas do escoramento, inclusive os locais onde não devem ser colocadas as madeiras; 2) o Município forneceria os materiais necessários de acordo com a solução técnica do IPHAN, bem assim apresentaria um projeto executivo de escoramento e do telhado de acordo com os parâmetros fornecidos pelo IPHAN; 3) a CONVIT ficaria responsável pelo fornecimento de mão-de-obra para o escoramento e construção dos telhados e pela limpeza da vegetação e pela colocação de uma lona sobre as paredes e pilares do imóvel.

Nas f.79/80, foram juntadas, em CD, as fotos da inspeção judicial feitas pelo assistente técnico do Município de Laranjeiras.

O IPHAN juntou aos autos o croqui, as especificações solicitadas e as fotografias (f. 82/90), conforme determinado em audiência.

Em contestação (f.92/99), a CONVIT alegou que: 1) não existe exigência legal para a contratação de arqueólogo, bem como que a falta de tal profissional não causou dano aos sítios arqueológicos porventura existentes; 2) a estrutura de alvenaria em taipa e adobe da fachada frontal não foi demolida, mas sim soltou-se naturalmente quando da demolição da cobertura da obra, tendo em vista seu avançado estado de deterioração; 3) os tapumes colocados nas redondezas da obra foram arrancados pelas fortes chuvas que caíram no Município no período de realização dos serviços; 4) a inexistência de diário de obras deve-se à omissão do Município, que deixou de proceder à fiscalização, além de nunca ter providenciado a entrega do diário de obra à CONVIT e 5) a ausência de cobertura provisória não causou nenhum dano ao prédio, tendo em vista que com as demolições previstas só sobraram na obra piso natural de terra, elevações em alvenaria de tijolo maciço e pilastras em pedras calcárias que não sofreram qualquer dano pela ausência da cobertura. Juntou documentação (f. 100/130).

O Município de Laranjeiras também apresentou contestação (f. 132/135) na qual alegou: 1) em nenhum momento deixou de fiscalizar a obra ou foi negligente; 2) diversas reuniões foram realizadas com o IPHAN e com a CONVIT buscando solucionar os problemas; 3) desde o início da obra a empresa Rollemberg Góis Engenharia LTDA vem fiscalizando os serviços executados pela empresa CONVIT, fato este que é de conhecimento do IPHAN; 4) nenhum pagamento foi feito à empresa CONVIT; 5) não há sentido em restituir o status quo ante, uma vez que somente existia uma edificação em ruínas; 6) a recomposição da paisagem com

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

4

a implantação da obra foi devidamente analisado e aprovado pelo IPHAN; 7) a própria autora admitiu sua responsabilidade por não ter exigido apresentação de projeto estrutural para análise; 8) os danos são decorrentes da conduta indevida da CONVIT, tendo o Município tomado todas as providencias para preservação do patrimônio histórico. Juntou documentos (f.136/181).

Na f. 187/189, a CONVIT informou ter colocado as lonas sobre as paredes e pilares do imóvel, estando no aguardo do fornecimento dos materiais por parte da Prefeitura de Laranjeiras.

A autora apresentou réplica (f.192/194).

Em manifestação de f.196/221, o Município de Laranjeiras informou que o IPHAN inovou ao propor o escoramento com alvenaria auto-portante, uma vez que em momento nenhum foi ventilada tal alternativa de estabilização. De qualquer sorte, informou que, em reunião com o IPHAN, ficou constatado que o mais vantajoso para a administração e para a obra seria a construção do telhado definitivo, razão pela qual requereu designação de audiência para homologação do acordo.

O MPF manifestou nas f. 235/237 sua concordância com o requerimento do Município e requereu a intimação do IPHAN sobre a proposta de projeto apresentada nas f. 199/221.

Nas f. 241/247, o IPHAN afirmou que nada impedia que fosse feito somente o escoramento em madeira, sendo que para construção de qualquer telhado, provisório ou definitivo, seria necessária a estabilização dos parâmetros antigos e a construção de uma nova estrutura independente. Requereu, ainda, a produção antecipada de provas para a realização de exame pericial e a intimação do Município para dar andamento a obra e para se manifestar sobre proposta da Autarquia no sentido de o Município manter no edifício exposição permanente sobre artefatos arqueológicos encontrado no local.

Realizada nova audiência (f.252/258), restou reconhecida a desnecessidade de prova pericial, determinado que a CONVIT deveria colocar novas lonas para proteger a obra e foi estabelecido um novo cronograma pra escoramento e restauração do imóvel, com a fixação de multas para o caso de descumprimento.

Nas f. 260/264, o IPHAN informa que a proteção das ruínas que deveria ser feita pela CONVIT estava inadequada e insuficiente.

Intimada para demonstrar o cumprimento da determinação (f.266), a CONVIT informou que tendo em vista o parecer do IPHAN que afirmou serem as lonas primeiramente colocadas insuficientes, a empresa ré colocou novas lonas, de tamanho maior, conforme documentação que junta (f.268/273).

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

5

Nas f.277/290, o IPHAN informou que, apensar da colocação parcial e recente de novas lonas, o imóvel continua tão desprotegido quanto antes, com proteção ineficaz. Na mesma ocasião, juntou projeto aprovado para o escoramento do imóvel enviado ao órgão pelo Município de Laranjeiras.

Designada nova inspeção judicial (f.291).

O Município de Laranjeiras requereu, nas f.294/321, a designação de nova audiência para fixação de novo cronograma de obras, tendo em vista que a empresa autora dos projetos ainda não havia realizado a entrega das planilhas com os quantitativos de materiais necessários para execução da obra, o que impedia a efetivação da licitação.

O IPHAN comunicou ao juízo que até aquela data nem o escoramento havia sido contratado pelo Município, nem o projeto definitivo havia sido enviado para aprovação da Autarquia (f.326/337).

O Município ratificou o requerimento de nova audiência (f.346/347).

A CONVIT informou haver cumprido a determinação de colocação de novas lonas (f.349).

Realizada nova inspeção e audiência (f.350/358), ficou determinado que em relação à obrigação da empresa CONVIT em colocar as lonas, considerou-se descumprida determinação judicial, razão pela qual foi determinada a incidência da multa diária de R$ 50,00, cominada nas fls. 252/258 desde 28/07/2009. Além disso, foi determinada a colocação de lonas resistentes cobrindo as paredes e as pilastras por inteiro, sob pena de majoração da multa e a adoção das demais medidas cabíveis, às expensas do réu. Em relação ao Município de Laranjeiras, entendeu-se que a ré também incidiu na multa cominada na fl. 252/258, em razão da infração do item 7 do primeiro parágrafo da fl.256, que deverá ser contada a partir do dia 30/09/2009. Em relação ao projeto estrutural, acolheu-se as ponderações do Ministério Público Federal de que o réu não se encontrava em mora uma vez que surgiu um fato superveniente e impeditivo que impedia a elaboração, qual seja, a necessidade de se fazer os estudos de sondagem que não foram autorizados pelo autor, em razão das bases de sustentação do imóvel se encontrarem frágeis, necessitando da realização do projeto de escoramento. Por fim, foram fixados novos prazos para realização do escoramento do bem.

Nas f. 360/362 o Município informa que a contratação da empresa para o escoramento da obra se dará com base no valor das planilhas por ela apresentadas, que divergem do valor do projeto.

A CONVIT juntou fotografias comprovando o cumprimento da determinação judicial (f.367/372).

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

6

Intimada sobre os documentos juntados pela CONVIT, o IPHAN afirmou que a empresa cumpriu a determinação de cobrir o imóvel com material de melhor qualidade, mas não cumpriu seu dever de manutenção da cobertura (f.379/382).

O MPF requereu a intimação do Município de Laranjeiras para comprovar o cumprimento das determinações judiciais relativas à contratação e execução do escoramento do imóvel (f.385).

O Município informou, nas f. 390/408, que o projeto de escoramento já havia sido licitado, contratado e executado. Informou ainda que a licitação da execução definitiva da obra já havia sido concluída, com a assinatura do contrato com a empresa vencedora, estando no aguardo da ordem de serviço a ser emitida pela CEF.

A CONVIT juntou fotografias comprovando a colocação de novas lonas no imóvel, informando ainda que o local encontra-se sem vigilância, razão pela qual as lonas teriam sido furtadas por vândalos (f.410/415).

Nas f. 418/428, o IPHAN informa que o escoramento e colocação das lonas foram realizados de forma satisfatória, ainda que com atraso, estando pendentes as obras de restauração definitiva.

Em nova manifestação (f.431), o MPF requereu que fosse oficiado à CEF para informar a previsão da expedição da ordem de serviço referente à obra em questão.

Nas f.438/444, o Município de Laranjeiras informou o início das obras de restauração e os resultados da primeira medição, bem como que a execução da obra é feita em consonância e com supervisão do IPHAN.

O IPHAN acostou análise técnica da documentação juntada pelo Município, informando que as visitas ao local de obra indicam que as obras realmente estão sendo realizadas conforme consta na documentação (f.449/451).

Em despacho de f. 425, foi determinada a suspensão do feito, devendo o Município informar trimestralmente o andamento das obras.

Relatório da obra juntado pelo Município de Laranjeiras (f.460/462).

O Município de Laranjeiras informou a inauguração da obra objeto do presente processo (f.417/472).

Intimado sobre a manifestação do Município, o IPHAN informou que ainda havia recomendações técnicas a serem realizadas, conforme relatório elaborado por seu arquiteto (f.482/483), ratificadas na f.487/488.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

7

O Município juntou aos autos relatório técnico demonstrando que as irregularidades apontadas pelo IPHAN haviam sido sanadas (f.491/494).

Designada inspeção judicial e audiência (f.495), no dia aprazado, considerando que houve restauração administrativa do imóvel objeto da presente lide e que o autor IPHAN entendeu que as irregularidades se encontram sanadas, verificou-se o reconhecimento do pedido no tocante ao item B.1 do pedido, determinando-se a extinção parcial do processo, com resolução de mérito, art. 269, II do CPC e o prosseguimento do feito em relação aos demais pedidos aos quais não houve composição da lide.

Nas f. 515/517, o IPHAN informou o desinteresse na realização de perícia e juntou manifestação do arquiteto do IPHAN sobre a conclusão da restauração da antiga Padaria Barroso.

A CONVIT juntou petição na qual alega que não houve dano ao acervo arqueológico e requereu a realização de perícia (f.522).

O MPF informou, nas f. 528/528v., não ter interesse na produção de novas provas. Destacou, ainda, que a prova do dano deveria ser feita pelo IPHAN, não cabendo ao réu produzir prova negativa, razão pela qual deveria ser indeferida a prova pericial requerida pela CONVIT.

Em decisão de f. 529 foi indeferida a prova pericial e determinada a intimação das partes para apresentarem suas derradeiras alegações, o que foi feito pelo IPHAN nas f. 532/535, pelo Município de Laranjeiras nas f.544/546, pelo MPF nas f. 549/554 e pela CONVIT nas f. 558/559.

Os autos vieram conclusos em 18/09/2012.

É o relatório. Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Cumpre relembrar, para fins de eventuais embargos de declaração, que incumbe ao órgão julgador decidir o litígio segundo o seu livre convencimento motivado, utilizando-se das provas, legislação, doutrina e jurisprudência que entender pertinentes à espécie. Assim, o julgador não se encontra obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão. Isto porque a decisão judicial não constitui um questionário de perguntas e respostas, nem se equipara a um laudo pericial a guisa de quesitos. Neste sentido, colacionam-se os seguintes precedentes:

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

8

“O não acatamento das argumentações contidas no recurso não implica cerceamento de defesa, posto que ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que ele entender atinente à lide. Não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto.” 2 (destaquei) “Processo civil. Sentença. Função prática. A função judicial é prática, só lhe importando as teses discutidas no processo enquanto necessárias ao julgamento da causa. Nessa linha, o juiz não precisa, ao julgar procedente a ação, examinar-lhe todos os fundamentos. Se um deles e suficiente para esse resultado, não esta obrigado ao exame dos demais. Embargos de declaração rejeitados.” 3 (destaquei)

“(....) A função teleológica da decisão judicial é a de compor, precipuamente, litígios. Não é peça acadêmica ou doutrinária, tampouco se destina a responder a argumentos, à guisa de quesitos, como se laudo pericial fosse. Contenta-se o sistema com a solução da controvérsia, observada a res in judicium deducta, o que se deu no caso ora em exame.” 4 (destaquei)

Não havendo preliminares argüidas ou conhecíveis de ofício, examino o mérito.

O IPHAN ajuizou a presente ação civil pública, organizando seus pedidos em quatro vertentes, quais sejam: 1) restauração e reconstrução do bem destruído, ou de imóvel semelhante com a mesma columetria; 2) a compensação dos danos patrimoniais decorrentes das obras mencionadas que sejam irrecuperáveis; 3) reparação dos danos morais causados ao patrimônio histórico e cultural, suportados pela sociedade, titular do interesse difuso e 4) condenação das rés ao pagamento da multa de que se trata o art. 18 do Decreto-lei 25/37.

Em sede de análise do pedido liminar, assim me manifestei:

“O art. 216 da CF/88, em seu caput, define o conceito de patrimônio histórico-cultural e, em seguida, elenca de maneira exemplicativa os seus elementos.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grup os formadores da sociedade brasileira , nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

2 - STJ. T1. AgRg no Ag 512437/RJ. Rel. Ministro JOSÉ DELGADO. DJ 15.12.2003, p. 210. 3 - STJ. T2. EDcl no REsp 15450/SP. Rel. Ministro ARI PARGENDLER. DJ 06.05.1996, p. 14399. No mesmo sentido: REsp 172329/SP. S1. Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS; REsp 611518/MA. T2. Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO; REsp 905959/RJ. T3. Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI; REsp 807690/SP. T2. Rel. Ministro CASTRO MEIRA. 4 - STJ. T2. EDcl no REsp 675.570/SC. Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO. DJ 28.03.2006, p. 206

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

9

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico , paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

A par disso, preceitua no § 1º do referido artigo que compete ao Poder Público com a colaboração da comunidade o encargo de protegê-lo e os instrumentos de defesa, tais como inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Apesar de estar inserido em capítulo diverso da Constituição, Hugo Nigro Mazzilli o considera parte integrante do meio ambiente, consoante classificação abaixo:

“Diante de conceito assaz abrangente, é possível considerar o meio ambiente sob os seguintes aspectos: a) meio ambiente natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água, qualquer forma de vida); b) o meio ambiente artificial (o espaço urbano construído); c) o meio ambiente cultural (a interação do homem ao meio ambiente. Como o urbanismo, o zoneamento, o paissagismo, os monumentos históricos, assim como os demais bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, históricos, arqueológicos etc.), neste último incluído o próprio meio ambiente do trabalho.” 5

Por sua vez, preceitua o art. 17 do Decreto-Lei n.º 25/37 exige prévia autorização do IPHAN para qualquer intervenção no bem tombado.

“Decreto-Lei n.º 25/37, Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruidas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado. Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.”

Ora, havendo mais de um responsável pelos danos, todos respondem integralmente de maneira objetiva e solidária , podendo o ofensor que pagar a indenização se voltar, regressivamente, contra os demais causadores segundo o seu grau de participação.

Do exame do processo administrativo, verifica-se que o Município de Laranjeiras promoveu uma licitação, sob a modalidade tomada de preços e com a utilização de recursos federais 6, visando reformar um imóvel denominado “Padaria Barroso”, integrante do “Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Cidade de Laranjeiras” 7, onde passaria a funcionar o “Bureaux de Informações Turísticas”. A 1ª ré venceu o certame licitatório e foi contratada pelo regime de execução de empreitada por preço global (fls. 259/327). Por sua vez, consta, nas fls. 100/194, o projeto arquitetônico com uma série de especificações.

5 A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137 6 Programa Turismo no Brasil – Contrato de Repasse n.º 179796-83/2005, através do Ministério do Turismo – Mtur 7 Edital de Tombamento Definitivo

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

10

A partir do exame das fotos, ofícios e respostas, observa-se que a 1ª ré realizou escavações sem o acompanhamento devido de um arqueólogo, também demoliu partes de alvenaria de taipa e de adobe não previstas em projeto e não aprovada pela fiscalização e retirou o telhado a cobertura do edifício sem a construção de um telhado provisório, em descompasso com o projeto arquitetônico:

“1.12. Cobertura Antes da retirara do telhado, deverá ser construído acima dele um outro telhado provisório com telhas de fibrocimento para proteger o monumento, o qual será retirado após a conclusão dos serviços. C om altura de 2,20 m acima da cobertura existente. (....) 2.1 Escavações As escavações serão executada manualmente ou mecanicamente conforme o caso, e deverão ter suas dimensões indicadas em projeto. OBS. A contratação do arqueólogo é obrigatória, com o consta na lei federal n.º 3.924/61 para cidades consideras sítios arqueol ógicos históricos. A contratada fica responsável em manter na obra ess e técnico enquanto houver escavações e responderá por qualquer ônus qu e venha ocorrer pela falta, mesmo que temporária do mesmo. 7.1 Recomendações Gerais b) As áreas não identificadas em projeto ou no mapeamento de danos que necessitarem ser reparadas, quando constatadas em obra, deverão ser previamente indicadas à FISCALIZAÇÃO e o serviço executado, somente após a sua autorização”

Tais fatos resultaram em duas notificações extrajudiciais, sob os n.ºs 02/2008 e 25/2008, sendo que na primeira determinou a paralisação imediata das obras ao passo que na segunda a execução de cobertura provisória em madeira e telha de fibrocimento em um prazo de 05 (cinco) dias.

“Foi demolida grande parte da fachada lateral, em alvenaria de taipa e adobe, sem haver especificação em projeto e sem justificativa técnica comunicada pela empresa. As valas para fundação foram escavadas em todo o terreno, revolvendo material arqueológico histórico sem acompanhamento de um profissional habilitado” “A empresa foi notificada anteriormente (Notificação Extrajudicial n.º 02/2008) devido a demolições não previstas e ausência de pesquisas arqueológica, ambas exigências constantes do edital de licitação vencido pela Convit Vitória e aprovado pelo IPHAN. Após isso, realizaram-se diversas reuniões em que era solicitada pelo IPHAN a recuperação das alvenarias demolidas, de acordo com análises laboratoriais de traço de argamassa, e a execução de cobertura provisória visando à proteção do edifício que teve sua cobertura removida (prevista no projeto), ambos exigidos pelo edital de licitação”

Já 1º réu se justificou, afirmando que não contratou um arqueólogo porque não havia encontrado um profissional no Estado de Sergipe, que não houve fiscalização contratual por parte do Município o que impossibilitou os registros no livro de ocorrência da obra e também do contato constante a nível técnico com o próprio IPHAN, que “foram desabados e demolidos parte da empena da cobertura composta por taipa e adobe, ...., por se encontrar em estado avançado de deteriorização”.

A existência de qualquer fato impedimento para a execução do contrato deveria ser comunicada ao Município de Laranjeiras e ao IPHAN a fim de que estes orientassem quanto à adoção da solução técnica.

Embora esteja em sede liminar, não se pode deixar de notar que as provas constantes no apenso demonstram, com razoável certeza, o grau de destruição do imóvel

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

11

arruinado. Conforme se verifica das fotos, onde antes havia um imóvel degradado com paredes e telhado, hoje existem ruínas. Durante a instrução, restará definir a responsabilidade de cada um, seja por ação ou omissão, fixado o montante da indenização, considerado o seu grau de participação.

Requer a concessão de liminar para que “a Prefeitura promova o escoramento e a proteção ao redor do imóvel, bem como o prosseguimento da obra o mais rápido possível, com outra empresa que não a CONVIT, evitando assim a destruição total da obra, considerando que a obra da forma que está, abandonada, será destruída em pouquíssimo tempo” (fl. 38).

A primeira vista, a retomada imediata das obras seria a medida mais adequada para minorar os efeitos da degradação, contudo este juízo não comunga da mesma certeza. Com efeito, o objeto desta demanda é a responsabilização dos réus pelos danos causados. Ora, a recuperação causará sérias dificuldades ao perito em quantificar os danos em razão da modificação do estado atual do bem e, por conseqüência, poderá dificultar o julgamento da causa. Embora o natural do processo é que a fase instrutória seja precedida da postulatória, nada impede que, em caso de urgência, as partes formulem, desde logo, pleito cautelar de produção antecipada de provas (arts. 846 e ss. do CPC).

Por sua vez, verifica-se que a autora formulou pedido liminar somente face do Município de Laranjeira, apesar de ter ajuizado a demanda em face de este e da Construtora Convit. Ora, não obstante a responsabilidade ambiental seja objetiva e solidária , não me parece razoável no presente caso que o Município arque sozinho e de imediato com a adoção de todas as medidas, considerando a modalidade de execução da obra – empreitada por preço global –, as atividade desenvolvidas pela ré no campo da construção civil, a maior facilidade em colocar os tapumes e também o grau de participação no evento danoso. Assim, afigura-se mais razoável que a empresa seja obrigada a colocar os tapumes enquanto o Município fica responsável pela fiscalização da obra.

Neste ponto, não há que se falar em decisão extra petita, na medida em que o art. 461 do CPC flexibiliza o princípio da congruência ao permitir que o o magistrado altere parcialmente a forma de cumprimento, visando assegurar o resultado prático equivalente. Neste sentido, é a lição de Marinoni:

“A distinção entre a determinação de algo diverso do solicitado e a imposição de meio executivo diverso para a concessão daquilo que foi requerido, destina-se a evidenciar que o juiz, diante dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, pode deixar de lado, além do meio executivo solicitado, o próprio pedido mediato. É claro que esse amplo poder de execução, conferido ao juiz, tem o objetivo de lhe dar maior flexibilidade para a concessão da providência e do meio executivo que seja, a um só tempo, realmente capaz de dar tutela ao direito e implique na menor restrição possível à esfera jurídica do réu. Não é porque a aplicação da regra da congruência po de impedir a efetividade da tutela do direito, e que o juiz não pode mais se r visto como “inimigo”, que o poder de execução que lhe foi deferido pode resta r sem controle. A diferença está na forma de controle. Se antigamente ele era feito pela lei – daí se pensar no princípio da tipicidade dos meios executivos, na separação entre conhecimento e execução e na congruência entr e o pedido e a sentença -, atualmente esse controle deve ser reali zado pela regra da proporcionalidade. Ou seja, o aumento de poder do juiz, relacionado com a transformação do Estado, implicou na eliminação da submissão do judiciário ao legislativo ou da idéia de que a lei seria como uma vela a iluminar todas as situações de direito substancial, e na necessidade de um real envolvimento do juiz

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

12

com o caso concreto. Ora, a proporcionalidade é a regra hermenêutica adequada para o controle do poder do juiz diante do caso concreto.” 8

Pois bem. Demonstrada a situação acima, este juízo, ao longo do feito, determinou diversas providências com vistas à restauração do bem em questão, tais como cobertura das estruturas remanescentes com lonas de proteção, escoramento do imóvel enquanto não ultimada a restauração do bem, contratação de empresa para realização de estudos de sondagem e contratação de nova empresa para restauração total do bem.

Ultimados os trabalhos, verifica-se que, atualmente, o imóvel já se encontra totalmente restaurado, conforme afirmaram todas as partes na audiência realizada perante este juízo (f.495) e conforme atestado pelo Arquiteto do IPHAN nas f. 535.

Sendo assim, passo a analisar cada um dos pedidos elencados pelo IPHAN em sua petição inicial.

2.1. Da extinção parcial do feito em relação ao pedido de restauração do bem

Conforme termo de audiência acostado na f.495, todas as partes concordaram que já houve a efetiva restauração administrativa do imóvel objeto da presente lide, tendo o IPHAN entendido que as irregularidades antes existentes se encontram sanadas.

Sendo assim, na audiência realizada neste juízo no dia 26.10.2011, verificou-se o reconhecimento parcial no tocante ao item B.1 do pedido, que consistia na condenação da empresa CONSTUTORA CONVIT VITÓRIA a financiar e o MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS além de financiar, também a promover a recuperação integral da área atingida, restituindo ao status quo ante, mediante a reconstrução do bem destruído, ou de imóvel semelhante com a mesma columetria, que recomponha a ambiência e a passagem do entorno, em conformidade com as especificações do IPHA, razão pela qual houve a extinção parcial do processo, com resolução de mérito, art. 269, II do CPC no que tange a este ponto.

Extinto parcialmente o feito no que tange ao pedido de restauração do imóvel, a lide prossegue em relação aos demais pedidos, quais sejam, a compensação dos danos patrimoniais decorrentes das obras mencionadas que sejam irrecuperáveis, a reparação dos danos morais causados ao patrimônio histórico e cultural e a condenação das rés ao pagamento da multa de que se trata o art. 18 do Decreto-Lei 25/37.

8 MARINONI, Luiz Guilherme. As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional efetiva. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 05 de dezembro de 2008.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

13

2.2. Dos danos irrecuperáveis

No que tange à indenização pelos dos danos irrecuperáveis, tenho que não há o que exigir das rés.

Conforme manifestação da lavra do arquiteto do IPHAN, o conjunto urbanístico e paisagístico de Laranjeiras encontra-se, desde junho de 2011, restaurado (f.535), ou seja, não houve qualquer dano material no imóvel em questão. A própria Superintendente do IPHAN informa na f. 533 que a obra concluída proporcionou a recomposição da paisagem urbana.

Também em relação ao acervo arqueológico do local, não há comprovação de que tenha havido qualquer perda. Ao contrário, em relatório elaborado pelo Laboratório de Arqueologia Brasileira, contratado pela CONVIT para avaliar a obra em questão, consta que “as obras que serão realizadas no interior da edificação não atingirão as jazidas arqueológicas, pois estas estão situadas a exatos 90 centímetros de profundidade”. E prossegue “O desembargo parcial da obra no que se refere a toda área interna do edifício, não danará as Jazidas arqueológicas” (f.101).

Ressalte-se, ainda, que o IPHAN não produziu qualquer prova em sentido contrário, tendo, inclusive, desistido do requerimento de prova pericial, de modo que não há o que indenizar quanto a este ponto.

2.3. Do dano moral coletivo

A obrigação de indenizar nasce a partir da prática de um ato ilícito, cujos requisitos mínimos são: 1) conduta (ação ou omissão); 2) dano patrimonial ou moral (extrapatrimonial); 3) nexo de causalidade entre a conduta e o dano. A exigência de culpa “lato sensu” (culpa ou dolo) é exigida para se distinguir a responsabilidade subjetiva da objetiva (independente de culpa).

Ressalte-se que “pode haver responsabilidade civil sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano” 9, uma vez que este instituto tem por objetivo tornar indene (sem dano), mediante a reposição do lesado a um estado anterior a prática do ato ilícito.

Já no que diz respeito a caracterização do tipo de dano, o dano material e moral se distinguem quanto à natureza do bem atingido, a necessidade de prova e a finalidade de sua reparação. Primeiramente, o dano material atinge diretamente o patrimônio, entendido como o conjunto de bens apreciáveis economicamente, ao passo o dano moral agride os bens de natureza imaterial integrantes do direito da personalidade. Segundo, o dano material necessita ser provado enquanto o moral existe in re ipsa, isto é, decorre da demonstração de uma situação constrangedora, consoante a lógica da razoável e a moralidade 9 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5.ed. rev. aum. atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 87.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

14

comum, não se prestando para reparar situações que não ultrapassam o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou decorram da sensibilidade exarcebada de um indivíduo. Terceiro, a indenização por dano material tem finalidade reparatória mediante a colocação do lesado em um estado anterior a prática do ato ilícito ao passo que o moral não almeja reparar o pretium doloris (preço da dor), mas visa a sua compensação mediante a colocação de uma soma em dinheiro para atenuar a ocorrência de um episódio dolorosa e deprimente de que tenha sofrido. Ressalte-se que os danos materiais e morais são independentes entre si, podendo ser cobrados de maneira cumulativa ou isolados a partir de um mesmo fato (súmula n.º 37 do STJ).

Por sua vez, o dano material compreende o dano emergente (aquilo que ele efetivamente se perdeu) e o lucro cessante (aquilo que razoavelmente deixou de lucrar), não servindo para indenizar por danos hipotéticos ou remotos.

Pois bem. No que tange especificamente ao dano moral coletivo, reconheço a existência de precedente em sentido contrário do col. STJ quanto ao seu não cabimento, mas filio-me a corrente diversa pelas razões a seguir expostas. Inicialmente, o acórdão recebeu a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 10

Embora a tese vencedora seja pelo não cabimento do dano moral coletivo (placar de 3x2), verifica-se que não foi observada a questão do voto-médio, o que poderia chegar a solução diversa. Dos 5 ministros que votaram, dois entenderam pelo cabimento (Min. Luiz Fux e José Delgado) e dois negativamente (Min. Teori Albino Zavascki e Francisco Falcão), sendo que a Min. Denise Arruda admitiu o cabimento do dano moral coletivo, mas que naquele caso não restou provado. Se tivesse dividido o julgamento em duas questões (cabimento do dano moral e se na hipótese era devido), chegar-se-ia a conclusão de que, por maioria a Turma admitiu o dano moral coletivo (3x2), para em seguida decidir se era devido ou não na hipótese. Assim, tenho, para mim, que a questão continua em aberto.

Embora seja um diploma de cunho processual, o art. 1º da Lei 7.347/85 dispõe expressamente que: “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:” (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

10 STJ, REsp 598281/MG, 1ª Turma, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 02/05/2006, DJ 01/06/2006 p. 147)

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

15

Já o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), diploma misto de natureza material e processual, preceitua, verbis:

Lei 8.078/90, Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

Diante de tais comandos normativos, negar o cabimento puro e simples dos danos morais coletivos equivaleria a negar vigência aos citados dispositivos legais ou, pior, a declaração de inconstitucionalidade implícita, o que é vedado a teor da Súmula Vinculante n.º 10 do STF:

Súmula Vinculante n.º 10 do STF – Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Se se admite dano moral em relação à pessoa jurídica (Súmula n.º 227 11 do STJ), com maior razão deve se admitir em relação ao dano moral coletivo.

Com efeito, a idéia de dano moral coletivo não é incompatível com a esfera individual, devendo se fazer as adaptações necessárias.

No plano individual, é sabido que por não ser possível demonstrar a intensidade da dor, a doutrina e a jurisprudência construiu a teoria de que o dano é in re ipsa, isto é, decorre da demonstração de uma situação constrangedora consoante a lógica do razoável e a moralidade comum, não se prestando para reparar situações que não ultrapassam o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou decorrem da sensibilidade exacerbada de um indivíduo. E, mais, na fixação do dano moral, o juiz deve, considerando as circunstâncias do caso concreto segundo as regras ordinárias de experiência, mirar o homem médio, tomando por paradigma o cidadão comum que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extrema sensibilidade.

Se é assim no plano individual, deve-se aplicar idênticos parâmetros no tocante ao dano moral coletivo, consoante a precisa síntese de Carlos Alberto Bittar Filho:

“Consiste o dano moral coletivo na injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, na violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade

11 Súmula n.º 227 do STJ – A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

16

(maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)”. 12

É claro que a sua admissão teórica não significa a sua fixação para toda e qualquer hipótese de ofensa a interesse metaindividual. Assim, não será qualquer lesão que implicará a sua existência, mas tão-somente aquela carregada de alguma gravidade que atinge de atinge de maneira negativa a coletividade.

A poluição de um famoso rio como o Grande Chico é um episódio capaz de causar dano moral, o mesmo não se pode dizer de um riacho desconhecido da maioria da população, embora seja motivo suficiente para o ingresso de uma ação civil pública para corrigir o dano. Em resumo, pequenos danos sem a maior gravidade que não ultrapassam a zona do mero dissabor, aborrecimento, não justificam a condenação por dano moral coletivo.

À semelhança do dano moral individual, pesa sobre o juiz uma responsabilidade muito grande, já que a fattispecie é aberta. Cabe ao magistrado avaliar de acordo com o seu prudente arbítrio se aquela situação é apta a ensejar dano moral e, em caso positivo, fixar o seu montante, observando-se a sua dupla natureza.

No caso em exame, em pese tenha havido a completa restauração do imóvel em questão, como destacado pelas partes e pelo próprio Ministério Público Federal, entendo que não é o caso de considerar inexistente o dano moral coletivo pelo fato de o bem ter sido recuperado no curso da demanda. Explico.

Ao pensarmos em dano, é comum associar o termo à idéia de imutabilidade/permanência. Contudo, se assim fosse, só existiria o dever de indenizar pelo dano moral coletivo quando a lesão fosse definitiva, irrecuperável, ou seja, estaríamos condicionando a existência de dano moral coletivo à existência de dano material, o que não se pode admitir. Não se pode confundir dano material com dano moral, já que tais institutos cumprem objetividade e finalidades diversas.

Não há como desconsiderar o dano causado ao patrimônio histórico de Laranjeiras durante o prazo muito superior ao previsto para sua restauração, no qual o imóvel esteve praticamente destruído. Ressalte-se que não se está tratando da deterioração que o imóvel já havia sofrido pelo decurso do tempo e que gerou o processo de restauração, mas sim dos danos causados à estrutura do imóvel, em razão das diversas falhas na execução da restauração, cuja responsabilidade será tratada adiante.

12 BITTAR, Carlos Alberto. A coletividade também pode ser vítima de dano moral. Disponível na internet: http://www.conjur.com.br [25.02.2004].

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

17

O prazo para realização do serviço, fixado no edital e no contrato firmado entre o Município de Laranjeiras e a CONVIT foi de apenas 120 (cento e vinte) dias (f.120). A obra foi embargada pelo IPHAN em 31/01/2008, em razão da execução completamente em desacordo com as normas técnicas, e o imóvel somente foi recuperado em 14/06/2011, por uma outra empresa.

Quanto à data do embargo da obra, impõe-se um esclarecimento: embora, a primeira notificação do IPHAN (n.º 02/2008), que determinou a paralisação imediata das obras, seja datada de 31/01/2007 (f.195/196 dos anexos), a data correta deve ser 31 de janeiro de 2008, já que o contrato para restauração do imóvel somente foi assinado em 03/12/2007.

Entre a paralisação da obra no imóvel após o embargo em 31/01/2007, e sua total restauração, constatada em 14/06/2011, na última vistoria realizada pelo IPHAN (f.535), decorreram mais de 03(três) anos.

Assim, cumpre aquilatar se entre o embargo e a restauração do imóvel ocorreu dano moral coletivo. Penso que sim.

A conduta lesiva das rés restou claramente demonstrada pelas diversas fotografias acostadas aos autos e pela situação constatada nas inspeções judiciais realizadas no local em épocas distintas (f.80, 269/273, 363).

Ao invés da obra ser concluída em 120 dias, como previsto inicialmente no contrato, a obra demorou mais de três anos. Durante todo este tempo a população do Município de Laranjeiras viu-se privada da utilização do imóvel, além de ter que conviver com uma obra inacabada, destoando do conjunto arquitetônico da cidade, reconhecida como atração turística por seu patrimônio histórico.

Em primeiro lugar, o imóvel em questão é portador em si de referências históricas, tanto que foi tombado individualmente e faz parte do “Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Cidade de Laranjeiras” 13, cujo valor histórico é, portanto, inquestionável. Em segundo lugar, o imóvel fica em local central no Município, numa das ruas principais, próxima a outros pontos turísticos da cidade e da Prefeitura Municipal. Mesmo assim, conforme o que se pode constatar durante as inspeções judiciais e nas fotografias acostadas aos autos, não é preciso ser expert para verificar que o imóvel ficou completamente destruído, só restando alguns pilares e algumas paredes. Não havia divisórias internas, o chão foi escavado, possuía vegetação e não havia qualquer cobertura.

Ressalte-se que o projeto arquitetônico previa, quanto à cobertura que antes da retirara do telhado, deveria ser construído acima dele um outro telhado provisório com telhas de fibrocimento para proteger o monumento, o qual seria retirado após a conclusão dos serviços, o que não ocorreu. Em resumo, o imóvel

13 Edital de Tombamento Definitivo

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

18

foi encontrado em ruínas, praticamente todo destruído e desprotegido da ação dos agentes climáticos.

Ora, um imóvel como este, no centro de uma cidade histórica como Laranjeiras, causa uma péssima impressão não só aos seus munícipes, mas também aos visitantes, pois passa uma imagem de completo descaso com bens que a Constituição Federal houve por bem proteger.

Demonstrada a existência do dano, ainda que temporário, cumpre definir a responsabilidade pela sua indenização.

Em relação ao Município de Laranjeiras, verifica-se que os danos causados foram decorrentes de sua omissão na fiscalização das obras executadas pela CONVIT. Conforme previsão contratual, cabia ao Município acompanhar, controlar, analisar a execução das obras quanto à eficiência, eficácia e a efetividade na realização dos serviços prestados, além de indicar os seus representantes responsáveis pelo acompanhamento, supervisão e controle do objeto do contrato.

Contudo, embora o Município tenha alegado que desde o início da obra a empresa Rollemberg Góis Engenharia LTDA vinha fiscalizando os serviços executados pela empresa CONVIT, não foi juntado aos autos em nenhum momento um diário de obras elaborado para acompanhamento e supervisão dos trabalhos. Além disso, da análise do relatório 159/161 dos autos, verifica-se que a primeira medição feita pela Rollemberg Góis Engenharia LTDA ocorreu somente em 08/02/2008, ou seja, mais de trinta dias após o início das obras, ocorrido em 07/01/2008, quando os estragos causados ao imóvel já haviam sido constatados pelo próprio IPHAN. Ressalte-se que a atividade de medição da obra não se confunde com a de fiscalização, que deve ocorrer no dia-a-dia da obra, de modo que as irregularidades deveriam ter sido constatadas em primeiro momento pelo Município e não pelo IPHAN.

Por fim, é preciso destacar também que de acordo com os itens 8.3.2.1. e 8.3.2.2. do contrato instrumento convocatório de tomada de preços (f.115) previa que a empresa contratada deveria comprovar aptidão para trabalhar com obras de restauração, cujo responsável técnico deveria ser detentor de atestados de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes – restauração em monumentos tombados. Além disso, havia a exigência de contratação de profissional arqueólogo durante a fase de escavação, conforme exigência do IPHAN.

Assim, em princípio, não há que se falar em irregularidade por parte do Município de Laranjeiras quanto à contratação da empresa, uma vez que todas as exigências necessárias foram previstas no instrumento convocatório. Além disso, por ser um Município de pequeno porte, natural que estivesse obrigado a contratar uma empresa para realização de serviços de tamanha especificidade.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

19

Contudo, houve o descumprimento do contrato no que tange à ausência de contratação de um profissional arqueólogo. Ainda assim, o Município de Laranjeiras não tomou qualquer providência para obrigar a empresa a cumprir o que havia sido contratado, autorizando o início das obras mesmos não atendidas tais exigências.

Sendo assim, não há como afastar a responsabilidade do Município de Laranjeiras pelo dano causado, ainda que em menor monta.

Situação ainda mais grave é a da empresa CONVIT.

Embora a CONVIT possa ter apresentado documentação comprobatória de sua capacidade técnica – o que, ressalte-se, não foi comprovado nos autos – a empresa demonstrou não possuir a menor capacidade para execução da obra.

Conforme consta no instrumento convocatório de tomada de preços (f.112), o objeto do contrato era a contratação de empresa especializada em obras e serviços de engenharia para restauração do prédio da antiga Padaria Barroso.

Neste particular, cumpre fazer uma distinção entre restauração e recuperação. Para tanto, tomo de empréstimo os conceitos contidos na Lei 9985/00:

Art. 2o Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) XIII - recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original; XIV - restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original;

Como visto, restaurar é ir além de recuperar. Restaurar visa trazer o bem à sua condição originária, ou o mais próximo disso, restando à recuperação somente as partes que não puderem ser restauradas. Tratando-se de bem de valor histórico, a restauração toma uma importância ainda maior, uma vez que não se trata apenas de recompor o bem em si ou sua utilidade, mas também a história que o mesmo carrega.

Ao se defender da alegação relativa à falta de contratação de um arqueólogo, a empresa afirma que não existe exigência legal para a contratação do profissional, bem como que a falta de tal profissional não causou dano aos sítios arqueológicos porventura existentes. Não lhe assiste razão.

Inicialmente, a contratação do profissional arqueólogo encontra previsão no instrumento convocatório de tomada de preços (f.115), não podendo a CONVIT alegar ignorância do fato. Tal fato, por siso, já seria suficiente para demonstrar a irregularidade de sua conduta.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

20

A par disso, a Lei nº3.924/61, trata em seu art. 16 das escavações arqueológicas realizadas por instituições, científicas especializadas da União dos Estados e dos Municípios. Neste sentido, assim dispôs o referido dispositivo:

Art 16. Nenhum órgão da administração federal, dos Estados ou dos Municípios, mesmo no caso do art. 28 desta lei, poderá realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas, sem prévia comunicação à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para fins de registro no cadastro de jazidas arqueológicas.

Parágrafo único. Dessa comunicação deve constar, obrigatòriamente, o local, o tipo ou a designação da jazida, o nome do especialista encarregado das escavações, os indícios que determinaram a escolha do local e, posteriormente, uma súmula dos resultados obtidos e do destino do material coletado.

Tal dispositivo, por si só, já seria suficiente para comprovar a irregularidade da conduta da CONVIT, considerando que, embora seja uma empresa privada, estava atuando por delegação do Município de Laranjeiras, devendo, assim cumprir todas as obrigações que seriam impostas ao ente político.

De qualquer sorte, ainda que se cogitasse estar a CONVIT sujeita a regramento aplicável somente aos particulares, verifica-se que a mesma lei prevê obrigação semelhante, senão vejamos:

Art 8º O direito de realizar escavações para fins arqueológicos, em terras de domínio público ou particular, constitui-se mediante permissão do Govêrno da União, através da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando obrigado a respeitá-lo o proprietário ou possuidor do solo.

Art 9º O pedido de permissão deve ser dirigido à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, acompanhado de indicação exata do local, do vulto e da duração aproximada dos trabalhos a serem executados, da prova de idoneidade técnico-científica e financeira do requerente e do nome do responsável pela realização dos trabalhos.

Embora alegue que a falta do profissional não gerou qualquer dano, o fato é que a CONVIT deixou de cumprir, de forma deliberada, uma exigência contratual da qual tinha plena ciência, pondo em risco o patrimônio historio do Município de Laranjeiras.

No que tange à alegação de que a estrutura de alvenaria em taipa e adobe da fachada frontal não foi demolida, mas sim soltou-se naturalmente quando da demolição da cobertura da obra, tendo em vista seu avançado estado de deterioração, verifica-se que tal afirmação somente demonstra o total despreparo da empresa CONVIT para atuar em obras de restauração.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

21

Ora, o mínimo que se pode esperar de uma obra que necessita ser restaurada é que sua condição seja de deterioração avançada. Se o objetivo fosse apenas recuperar o imóvel, não seria necessária a contratação de uma empresa com conhecimentos específicos na área de restauração (experiência na área de atuação e profissional específico), mas sim de qualquer empresa de engenharia/construção. Não é preciso ser técnico para saber que qualquer etapa de uma obra de restauração deve ser cercada de cuidados para que sua execução não prejudique as estruturas originais do imóvel que ainda podem ser mantidas. Contudo, a CONVIT, sob o pretexto de efetuar a substituição do telhado, realizou a tarefa sem qualquer cuidado, sem providenciar a proteção das estruturas, o que levou à demolição da estrutura de alvenaria em taipa e adobe da fachada frontal.

E não se alegue que a alvenaria de taipa e adobe já se encontrava em estado avançado deterioração e não poderia ser recuperada, pois, se assim fosse, sua retirada deveria constar no projeto de restauração, o que não ocorreu. Além disso, caso a empresa contratada verificasse a fragilidade ou imprestabilidade das estruturas ali existentes, deveria buscar a adequação do projeto estrutural, através de comunicado ao IPHAN e ao Município de Laranjeiras. Preferiu, entretanto, agir por sua conta e risco, imiscuindo-se na função de supervisor do IPHAN e de ordenador de serviço do Município, gerando danos ao imóvel que levaram ao embargo da obra.

Além dessas irregularidades, verifica-se a ausência de tapumes protegendo a obra (que se foram arrancados pelas fortes chuvas que caíram no Município no período de realização dos serviços, deveriam ter sido repostos imediatamente), a inexistência de diário de obras, que deveria ter sido exigido do Município e a ausência de cobertura provisória, cuja necessidade restou afirmada pelo IPHAN nas diversas audiências realizadas perante este juízo.

Neste ponto, cumpre destacar que, mesmo com a determinação judicial, a CONVIT somente providenciou a cobertura do imóvel de forma precária, com lonas de baixa qualidade, que se estragavam rapidamente com a ação do tempo, conforme foi constatado pelo IPHAN em suas vistorias e por este Magistrado na segunda inspeção realizada no local, tendo o imóvel permanecido sem proteção na maior parte do tempo.

Tudo isso demonstra o descaso, irresponsabilidade e imperícia com que a CONVIT atuou na obra, impondo-se sua condenação ao pagamento da maior parte da indenização pelo dano moral coletivo.

Por fim, é importante esclarecer que, não obstante seja o autor da presente demanda, não se pode olvidar a responsabilidade parcial do IPHAN pelo dano causado, uma vez que a própria Autarquia admitiu em sua peça inaugural, a inadequação do projeto estrutural por não haver exigido a apresentação do mesmo para análise antes do início das obras (f.14). O IPHAN somente aprovou o projeto

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

22

básico (f.99 do anexo II). Entretanto, como a ação foi proposta somente visando a condenação dos réus CONVIT e do Município de Laranjeiras, em relação às quais passo a definir o valor da indenização.

Tendo em vista que a conduta do Município de Laranjeiras foi somente omissiva, consistindo na falta de fiscalização e de exigência do cumprimento das regras previstas no contrato, que o Município já teve que arcar com toda a restauração do imóvel em questão, bem como que o Município adotou uma postura colaborativa na restauração do imóvel durante a demanda, fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) o valor da indenização por dano moral coletivo a ser pago pela municipalidade.

Já em relação à CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA, cuja conduta foi demasiadamente grave e a principal causadora do dano, bem como considerando a desídia com que cumpriu as determinações judiciais para cobertura do imóvel durante a fase de escoramento do imóvel, o que fez com que a o imóvel ficasse sujeito às intempéries, fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) o valor da indenização a ser pago pela empresa ré.

Ressalte-se que, como foram utilizados recursos federais na restauração e recuperação do imóvel, as indenizações deverão ser revertidas ao Fundo Federal.

2.4. Da multa de que se trata o art. 18 do Decreto-lei 25/37

Embora em sua fundamentação o IPHAN tenha requerido a condenação das rés ao pagamento da multa prevista no art. 18 do Decreto-lei 25/37, tendo inclusive feito a transcrição do citado dispositivo, tenho pra mim que a situação dos autos se enquadra na descrita no art. 17, senão vejamos:

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruidas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado. Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.

Tal circunstância não causou qualquer prejuízo aos réus, uma vez que se trata de mera capitulação legal e que as partes defendem-se dos fatos, cabendo ao juiz aplicar o direito ao caso concreto.

Esclarecido este ponto, tem-se que a multa que o IPHAN busca seja imposta às rés trata-se de multa administrativa, cuja aplicação está inserida nas atividades típicas da administração pública, não cabendo ao Poder Judiciário imiscuir-se nesta função, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

23

A aplicação de sanções administrativas não depende de aval do Poder Judiciário, podendo ser aplicadas diretamente pelo órgão competente, caso verificada a infração da legislação aplicável. Em tais casos, a atividade do Poder Judiciário está limitada a analisar questões relativas à legalidade da multa imposta, caso a questão seja judicializada.

Ressalte-se que a presente multa não se confunde com a multa por descumprimento das decisões judiciais exaradas neste processo, cuja execução poderá ser iniciada pela parte autora assim que houver o trânsito em julgado da sentença.

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto:

1) julgo improcedente a presente ação civil pública, com resolução de mérito (art. 269, I do CPC) em relação ao pedido de condenação das rés ao pagamento de indenização por danos materiais e ao pagamento da multa prevista no art. 18 do Decreto-lei 25/37;

2) julgo procedente presente ação civil pública, com resolução de mérito (art. 269, I do CPC), para condenar as rés ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, a ser revertida em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD – (art. 13, da Lei nº 7.347/85 c/c art. 1º do Decreto 1.306/94), gerido pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Direitos Difusos, órgão colegiado integrante da estrutura organizacional do Ministério da Justiça, segundo art. 3º do decreto supramencionado, na seguinte proporção:

2.1) pelo Município de Laranjeiras, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

2.2) pela CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Os valores acima serão corrigidos monetariamente a partir da data da sentença (súmula 362 do STJ), acrescidos de juros de 1% ao mês a partir da citação (01.09.2011) até 28.06.2009 e, a partir de 29.06.2009.

No período de aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97 14 com a redação determinada pela Lei 11.960/09, não pode ser cumulada com qualquer outro

14 “4. Quanto aos juros de mora, observe-se que a redação do art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97, dada pela MP nº. 2.180-35/2001, apenas impunha a limitação dos juros de mora a 0,5 % (meio por cento) ao mês às verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Todavia, o art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97 sofreu alteração em junho de 2009, quando foi fixado novo critério de reajuste e incidência de juros de mora, o qual deve ser aplicado na elaboração da conta, a partir do mês de julho de 2009, como preceitua o art. 5º, da Lei nº. 11.960/2009. Sendo assim, os juros de mora devem ser de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, até o mês de junho de 2009, devendo, a partir do mês seguinte, incidir na forma prevista no art. 1º-F, da Lei nº. 9.494/97, com redação dada pela Lei nº. 11.960/2009. Remessa provida neste ponto. 5. Precedentes desta egrégia

Processo n° 0004337-86.2008.4.05.8500

24

índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real.

Condeno a CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA ao pagamento de 75% das custas processuais. O Município de Laranjeiras é isento do pagamento das custas na Justiça Federal (art. 4º, I, Lei nº 9.289/96).

Condeno as rés, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 5.000,00 (cinco mil reais), sendo 75% desse valor devido pela CONVIT – CONSTRUTORA VITÓRIA LTDA e 25% devidos pelo Município de Laranjeiras A atualização de tais valores terá como marco inicial a data de prolação desta sentença e observará as regras do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desconsiderando-se eventuais períodos de deflação.

Ressalte-se que, para fins de embargos de declaração, não pretendo modificar o meu entendimento, ainda que uma das partes venha a colacionar uma jurisprudência, doutrina e etc. diverso deste juízo, uma vez que a modalidade recursal cabível é o recurso de apelação. Advirto que a interposição de embargos de declaração pretendendo o rejulgamento da matéria, sem que estejam presentes quaisquer dos vícios (obscuridade, contradição, omissão ou para correção de erro material) que autoriza o manejo desta modalidade excepcional, ensejará a análise de eventual litigância de má-fé.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, tendo em vista que a condenação do Município foi inferior a sessenta salários mínimos (art. 475, §1º do CPC).

Publicar. Registrar. Intimar.

Aracaju, 29 de novembro de 2012.

Fábio Cordeiro Lima Juiz Federal Substituto da 1ª Vara/SE

Corte e do colendo STJ. 6. Apelação do INSS improvida e remessa oficial provida em parte” (TRF 5ª Reg., APELREEX 200805990027480/CE, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Francisco Wildo, DJE - Data::01/12/2009 - Página::186).