Pistrak: uma pedagogia socialista

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    Pistrak: uma pedagogia socialista

    Pistrak situa-se ma linha dos grandes educadores como Pavel Blonsky, NadjdaKrupskaia e Vassili Lunatcharsky. Apesar disso, durante o stalinismo, a sua importnciafoi ofuscada pela emergncia de Makarenko, como o grande educador sovitico. Issono foi acidental: Makarenko fundou uma pedagogia sem escola, nascida das trgicascircunstncias da Guerra Civil que gerou milhares de jovens a-sociais razo pela qual,ele tem pouco a dizer a respeito da escola. O fato dele aparecer como o grande

    pedagogo deve-se burocratizao do processo revolucionrio e ao deslocamento dopoder que se deu, especialmente aps o esmagamento da revoluo ucraniana deMakhno e dos marinheiros de Kronstadt.

    O presente livro fruto do trabalho pedaggico desenvolvido na Escola

    Lepechinsky e do contato com outras escolas primrias e demais instituies infantis.Pistrak soube ultrapassar o questionamento dos mtodos para enfrentar os problemas dafinalidade do ensino, extraindo da todas as conseqncias. Percebia com toda clarezaque uma pedagogia concebida para formar vassalos era inadequada para formarcidados ativos e participantes da vida social.

    J na poca das revolues burguesa e em particular da Revoluo Francesa,no perodo da Conveno a burguesia percebeu que a pedagogia dos oratorianos,

    jesutas e dos irmos das escolas crists vinculadas ao Antigo Regime era inadequada formao do cidado, categoria com que a burguesia francesa fez seu ingresso nahistria. Da, as medidas que ela tomou para suprimir a aristocracia do saber e do

    poder, criando um conselho de pais de famlia eleitos pela base, queinstitucionalizasse a participao dos pais na escolha dos professores e na administraoda escola, definindo as condies em que se operaria a igualdade de oportunidadesgarantida pelo ensino gratuito, obrigatrio e leigo. Criavam-se as condies para que sedesse a alternncia da teoria com a prtica e a abertura permanente ao social, atravs da

    participao dos alunos na organizao interna da escola, e da instituio de formas dedisciplina no aprendizado constante, pela prtica de responsabilidades em funo dosdireitos e deveres que formariam o novo cidado.

    Da mesma forma, a Revoluo Russa, criando novas relaes sociais entre os

    homens, necessitava de um novo tipo de homem para assumi-la da a importncia darenovao dos mtodos de ensino. A idia bsica de uma nova sociedade que realizariaa fraternidade e a igualdade, o fim da alienao, era uma imensa esperana coletiva quetomou conta da sociedade sovitica entre 1918 e 1929. Neste perodo, a RevoluoRussa era uma esperana que ainda no havia sido enterrada pela hegemonia da

    burocracia de Stalin, a qual reduziria o projeto revolucionrio sovitico a uma polticade industrializao, convertendo os sovietes em meros aparelhos do Estado eorientando o prprio Estado aos seus interesses particulares, como se fosse suapropriedade privada.

    A viso educacional de Pistrak concomitante ao perodo de ascenso das massas

    na Revoluo Russa, a qual exigia a formao de homens vinculados ao presente,desalienados, mais preocupados em criar o futuro do que cultivar o passado, e cuja

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    busca do bem comum superasse o individualismo e o egosmo. Atravs de Pistrak, tem-se o projeto da revoluo sovitica no plano da educao, especialmente no nvel doensino primrio e secundrio. No entanto, muitos educadores na poca acharam que

    poderiam desenvolver nas velhas formas pedaggicas os novos contedosrevolucionrios, passando a ensinar a respeito da desalienao e da liberdade de igual

    forma como aqueles que analisavam as vantagens da submisso e do carter sacral daautoridade: em suam, pretendiam corrigir as velhas teorias pedaggicas reciclando-asante a nova situao.

    Pistrak percebia que isso era insuficiente numa poca revolucionria, eenfatizava a necessidade de criar uma nova instituio escolar na sua estrutura e no seuesprito, suprimindo a contradio entre a necessidade de criar um novo tipo de homeme as formas da educao tradicional. Isso implicava uma profunda mudana nainstituio escola, pois esta Pistrak tinha plena conscincia transmite um contedoimplcito significativo que devia ser questionado. Intua Pistrak que o fundamental nasinstituies decorre muito mais de uma prtica no verbalizada do que do conjunto dos

    enunciados solenes de que ela se faz porta-voz.

    Para fugir dos hibridismos e acomodaes, Pistrak preferiu optar pela criao deuma nova instituio no lugar da transformao da velha estrutura. Para isso, utilizou osmeios de que dispunha: a nfase nas leis gerais que regem o conhecimento do mundonatural e social, a preocupao com o social, a preocupao com o atual, as leis dotrabalho humano, os dados sobre a estrutura psicofsica dos educandos, o mtododialtico que atua como uma fora organizadora do mundo. A Escola do Trabalhoestava definida.

    Ele se preocupava em desenvolver no professor a criatividade pedaggica, sem oque a nova escola seria impossvel. Seu objetivo no era o de formular uma teoriacomunista da educao, mas estruturar os enunciados surgidos no contexto da prticaescolar luz do mtodo dialtico. Procurou ele introduzir a dimenso poltica notrabalho pedaggico, em consonncia com os objetivos centrais da Revoluo Russa no

    plano scio-econmico e nisso segue a esteira dos grandes educadores para quem a poltica sempre existiu nas instituies de ensino. Tais preocupaes estavam emconsonncia com a formulao de Lenin que, no I Congresso de Ensino a 25/08/1918,enfatizava: Nosso trabalho no domnio escolar consiste em derrubar a burguesia edeclaramos abertamente que a escola fora da vida, fora da poltica, uma mentira e umahipocrisia. A isto, acrescenta Pistrak: sem teoria pedaggica revolucionria no

    poder haver prtica pedaggica revolucionria (p. 29).Pistrak privilegia a teoria marxista como uma nova arma capaz de garantir a

    transformao da escola, desde que oriente a prtica do trabalho escolar; ela se tornarativa e eficaz na medida em que o professor anunciar os valores de um militantesocialista ativo. Mas no h uma resposta pergunta onde est a teoria comunista daeducao? Argumenta Pistrak que seu objetivo no formular uma teoria, mas o deanalisar seu surgimento em decorrncia de uma prtica escolar guiada pelo mtododialtico. A Escola do Trabalho apenas o resultado da prtica pedaggica, asistematizao de uma experincia concreta.

    Pistrak concebe a Escola do Trabalho como um instrumento que capacite ohomem a compreender seu papel na luta internacional contra o capitalismo, o espao

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    ocupado pela classe trabalhadora nessa luta e o papel de cada adolescente, para que cadaum saiba, no seu espao, travar a luta contra as velhas estruturas. A Escola do Trabalhofundamenta-se no estudo das relaes do homem com a realidade atual e na auto-organizao dos alunos. Uma vez que a realidade atual se d na forma da luta de classes,trata-se de penetrar essa realidade e viver nela da a necessidade de a escola educar os

    jovens conforme a realidade do momento histrico, adaptando-se a ela e, por sua vez,reorganizando-a.

    O estudo dos fenmenos naturais e da sua utilizao na indstria deve buscar asuperao da antida atitude contemplativa ante as cincias naturais; a realidade deve serestudada como processo em desenvolvimento, como um processo dialtico. Emconseqncia, Pistrak prega o ensino pelo mtodo dos complexos, pelo qual seestudam os fenmenos agrupados, enfatizando a interdependncia transformadora,essncia do mtodo dialtico. Isso o leva a enfatizar o princpio ativo e a aplicao do

    princpio da pesquisa ao trabalho escolar, condio para a transformao doconhecimento em concepes ativas.

    Para Pistrak estudar a realidade histrica, o atual, significa situar o espao doadolescente na luta que se trava no mundo. Nesse sentido, a finalidade do contedo doensino consiste em armar o educando para a luta e criao de uma nova sociedade. Otrabalho na escola, enquanto base da educao, deve estar ligado ao trabalho social,

    produo real, a uma atividade socialmente til. Para Pistrak, se a escola deseja educar acriana e o adolescente, ela tem o direito de falar em formao e direo das

    preocupaes dos educandos para uma finalidade determinada. Por isso, ele tambmacentua a importncia da Juventude Comunista e do Movimento Comunista deCrianas.

    A construo de uma nova sociedade, conforme o iderio inicial da RevoluoRussa, implicava que ela fosse feita de baixo para cima. Para isso, acentua Pistrak, necessrio que cada membro ativo da sociedade compreenda o que preciso construir ede que maneira necessrio faz-lo. Tal postura leva valorizao do trabalho coletivoe criao de formas organizativas eficazes. Para ele, a aptido do trabalho coletivo adquirida no processo do prprio trabalho. necessrio saber quando preciso mandarou obedecer, e isto se consegue atravs da auto-organizao dos educandos, em quetodos, na medida do possvel, ocupem sucessivamente todos os lugares, tanto asfunes dirigentes como as funes subordinadas (p.41). Isso s ser atingido se aauto-organizao for admitida sem reservas. Conhecimento do real e auto-organizao

    so chaves da nova escola, inserida na luta pela criao de novas relaes sociais.No incio da revoluo, porm, o trabalho na escola era desenvolvido atravs da

    escultura, desenho, trabalho com papelo, diferentes tipos de modelagem; a issoacrescenta-se o trabalho fsico produtivo com a criao de oficinas. No havia nenhum

    plano de conjunto e o trabalho era auxiliar para o programa de estudos. Na falta de umadiretriz comum, o trabalho manual e intelectual eram independentes entre si: trabalho eaula no possuam canais de comunicao. O trabalho no era inserido no problemageral do trabalho infanto-juvenil na sociedade socialista.

    Por outro lado, para Pistrak, o trabalho aparece como estudo do trabalho

    socialmente til que determina as relaes sociais entre as pessoas. Pistrak condena ostrabalhos domsticos, cansativos e freqentemente nocivos sade das crianas.

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    Enfatiza a preocupao que a escola deve ter com os princpios da higiene pessoal, otrato do corpo, os dentes, as roupas, a cama, o material escolar e a organizao da viacotidiana. Enfatiza tambm a necessidade de criar restaurantes e clubes como formasque permitem desenvolver a aptido dos jovens para a vida e o trabalho coletivo, tendocomo base as tarefas domsticas coletivas (p.50), como a manuteno da ordem e

    limpeza dos quartos, a participao nas tarefas da cozinha e distribuio dos alimentospreparados. As crianas devem tambm participar cuidando dos jardins e dos parquespblicos, plantando rvores e conservando as belezas naturais, organizando campos de jogos e prticas esportivas, enfim, associando as iniciativas da escola s de outrosrgos administrativos. Em suma, a escola deve ser um centro cultural capaz de

    participar da vida social.

    Pistrak assume o papel da oficina profissional nas escolas, institudas emoutubro de 1918 por um Regulamento sobre a Escola nica do Trabalho, em que otrabalho na oficina escolar liga-se ao estudo dos ofcios artesanais, urbanos ou rurais,enfatizando seu valor especfico. Enquanto as crianas menores trabalham com tecido,

    papel e papelo, as maiores trabalham com metais e madeira. Para Pistrak, isto essencial para o ensino de questes como a diviso de trabalho e o trabalho mecanizado:o aluno compreender melhor a mecnica e a essncia do maquinismo se utilizarferramentas diferenciadas. Alm disso, ele perceber melhor a correspondncia entre asferramentas e um material determinado e as melhores maneiras de trabalh-lo, e osdiferentes tratamentos que esse material deve sofrer (plaina, ajuste e encaixe) numaoficina de marceneiro. Da mesma forma, uma oficina de marcenaria, de mecnica ou de

    papelo deve dar espao criatividade tcnica do aluno, tendo em vista a construo deuma nova sociedade.

    O estudo do trabalho em madeira e metal constitui a introduo tcnica geral. aoficina escolar, quando o aluno chega ao sexto ano escolar, pode oferecer umaintroduo tcnica geral da produo moderna e da organizao cientfica do trabalho.Isso implica uma seleo metdica das encomendas dos trabalhos, da graduao dasdificuldades de sua produo e da complexidade dos mtodos de trabalho.

    Pistrak salienta a necessidade de toda escola de primeiro grau possuir uma reano campo, varivel entre meio e um hectare, pois a escola rural deve divulgar nocampo a influncia cultural da cidade (p. 62). A escola rural variar suas atividades emfuno do ritmo de trabalho no campo e das estaes do ano; o trabalho agrcola naescola deve ser considerado um problema pedaggico que leve a criana compreenso

    da aliana operrio-camponesa e, portanto, da realidade atual. No campo, a escola ocentro cultural mais importante, da sua importncia em formar os organizadores dofuturo, conquistando o apoio da populao, mostrando que a instituio infantil est altura de suas tarefas sociais.

    Igualmente importante a fbrica, um fenmeno da realidade atual, relacionadocom o ambiente social onde a grande produo o resultado da unio da tcnica com aeconomia. Assim, para Pistrak, o estudo da fora motriz de uma fbrica e das diferentesformas de energia levam ao da geografia econmica e compreenso da lutaimperialista pelas fontes energticas. O estudo das matrias-primas, base da produo,coloca a questo da agricultura, geografia econmica e do entrelaamento entre a

    tecnologia e a tcnica. A mquina-ferramenta conduz a questes econmicas e tcnicas,fundamentadas na fsica, matemtica e qumica, e situa o papel do rendimento do

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    trabalho. Por sua vez, situando-se o operrio como ponto de partida, pode-se abordar asquestes como as classes sociais, o salrio, o sindicato, a ligao do operrio com ocampons e com o Partido, a condio feminina e o trabalho. Afirma Pistrak: Toda arealidade atual desemboca na fbrica (p. 67).

    A atitude da escola em relao fbrica situa esta como ponto privilegiado deentrecruzamento de relaes, justificando ante os olhos do aluno o significado de seutrabalho. Como decorrncia, a realidade colocar uma srie de questes cientficas cujasrespostas a escola deve fornecer, efetivando assim a integrao do trabalho com acincia graas educao no trabalho. O contato direto do aluno com a fbrica cria neleas emoes necessrias educao social, impedindo que o ensino se mantenhaacadmico. Por isso, por isso, o aluno deve participar do trabalho na fbrica ao lado dooperrio ou do aprendiz o que oficina da escola no possibilita: o que importante,do ponto de vista pedaggico, que as crianas tenham o sentimento de colaborar na

    produo; o que tambm importante que tenham a liberdade de estudar a fbrica emtodas as suas partes (p. 69). Da a importncia para Pistrak de as crianas participarem

    da vida da fbrica, as assemblias gerais, das cooperativas, dos clubes das clulas doPartido, das festas revolucionrias e das campanhas contra o analfabetismo, de modo aformar homens que entendam o mecanismo de funcionamento da economia,

    participando de sua elaborao. Para isso, necessrio que o administrador, oengenheiro, o operrio, compreendam a importncia do trabalho infantil e da Escola doTrabalho. Segundo Pistrak, o trabalho na fbrica deve comear a partir do sexto oustimo ano de estudos.

    A rea do chamado trabalho improdutivo (escritrio, contabilidade,administrao, estatstica, escola, biblioteca, clube, servio sanitrio e mdico) tambmnecessita de mao de obra e, por isso, Pistrak acentua que a formao poltica dostrabalhadores desse setor to importante quando ao do trabalhador qualificado do setorindustrial. Segundo Pistrak, a escola do proletariado deve ser nessas funes trincheirasde luta pela edificao de um novo regime.

    Para Pistrak a escola elementar de primeiro grau deve ter a durao de quatroanos. Nas regies industriais, a instruo obrigatria deve ser de sete anos, seguida deEscola da fbrica que se responsabiliza pela formao profissional. Na rea rural aescola elementar continuada pela Escola da Juventude Camponesa com durao detrs anos, formando no conjunto uma escola especfica de sete anos de formaoagrcola. A escola de segundo grau de nove anos e no deve servir unicamente de

    preparatrio para a universidade. Ao contrrio, ela ter um objetivo determinado noquadro da construo de uma nova sociedade, preparando os alunos para tarefasadministrativas e intelectuais; deve pois enfatizar a formao profissional sem perder devista uma formao geral que possibilite ao educando a compreenso da totalidade dosocial. Acentua Pistrak que o trabalhador do setor de servios precisa de uma boa

    preparao geral, de uma boa introduo de conjunto ao estudo de uma determinadaprofisso e de um conhecimento perfeito de uma forma precisa de trabalho (p. 75).

    Para Pistrak, o objetivo da escola o de formar crianas para seremtrabalhadores completos, da a necessidade de ela fornecer uma formao bsica tcnicae social que possibilite o educando orientar-se na vida real. Ela deve ser prtica para

    facilitar ao aluno a transio entre o universo escolar e a totalidade social, ensinando-o aelevar-se do problema prtico para uma concepo terica geral. Ela tambm se prope

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    a formar homens para exercer funes de auxiliar ou ajudante, para o que a escola-laboratrio ineficaz. Por isso, necessrio que as crianas do segundo ciclo dosegundo grau fiquem um certo nmero de horas por semana ligadas a alguma empresa,e que, por sua vez, o trabalho que realizam seja inserido na escola, para ser explicado eaprofundado cientificamente.

    A organizao do trabalho na escola prepara as crianas para o trabalho nasociedade: o aluno parte das obrigaes mais simples exigidas no processo de trabalho,adaptando-se aos hbitos tcnicos, para chegar vivncia e compreenso do trabalhosocial da escola, na qualidade de membro da coletividade escolar. A entrada do alunona vida depois da escola deixa de ser um salto no desconhecido, tornando-se umatransio bastante fcil e, quanto mais desapercebida, melhor ser para o aluno (p. 77).O essencial desenvolver a especializao do aluno numa profisso determinada semcriar subdivises excessivas, respeitando o gosto do aluno na escolha tanto do empregocomo dos grupos a que queira pertencer, e, ao mesmo tempo, criar as condies paraque o ensino coletivo da teoria geral seja vinculado s tarefas individuais relacionadas

    atividade prtica do aluno.

    As diversas etapas da atividade prtica do segundo ciclo implicam numa etapade orientao durante o oitavo ano escolar. Ela permite ao aluno a compreenso dasformas de trabalho, de suas relaes com o real, levantando os problemas tericosligados a uma profisso determinada. Surge da a possibilidade da reviso terica dos

    princpios bsicos de um ou mais ramos de atividade, e a passagem para a etapa daexecuo do trabalho na rea escolhida. Na segunda etapa, Pistrak prev a ocorrncia deuma ntima ligao entre a formao bsica e a tcnica; na terceira etapa realiza-se otrabalho fundado na iniciativa do aluno, que consiste em resolver um problema prticodeterminado. A passagem da escola vida, para Pistrak, se d por mediaes atravs deprojetos ou de iniciativas: seis meses antes do trmino dos estudos abandona-se otrabalho puramente terico, dedicando-se o aluno prtica e ao projeto que deveexecutar, usando seus prprios recursos. Modifica-se assim o significado tradicional defim dos estudos. Explica Pistrak: Temos ainda o hbito de impor aos alunos quechegaram ao fim de seus estudos escolares a passagem por um purgatrio de provas detodos tipos e nomes: composies, trabalhos trimestrais, trabalhos prticos, reviso deconhecimentos, etc. simples camuflagem dos exames infernais! (p. 79).

    Por outro lado, para Pistrak, o trabalho na Unio Sovitica no deve mais ter umcarter explorador. Por isso e para que haja o aumento da produo e a reforma da

    administrao ele prope que os princpios da organizao cientfica do trabalho setransforme em um instrumento de libertao, atravs da consolidao de condiesdiferentes das existentes no Ocidente capitalista. Neste, estes princpios so institudosde cima para baixo; ns, ao contrrio, s poderemos realizar a organizao cientficado trabalho de baixo para cima, (...) como meio de consolidar o que j realizamos emtermos de revoluo social (p. 81).

    Pistrak, porm, no recomenda a introduo de uma disciplina denominadaOrganizao Cientfica do Trabalho, nem a adoo de qualquer espcie de manual arespeito. Isto porque, para ele, tal disciplina s se torna compreensvel por sua aplicao realidade do trabalho, e, por isso, ressalta a importncia da vivncia da organizao

    cientfica do trabalho ligada vida e aos hbitos quotidianos. Pro exemplo, Pistrakprope na escola que se registre o tempo atravs do relgio: assim a organizao da

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    escola, as reunies aos sbados, a organizao de uma festa ou de uma excurso paraum local longnquo, passam a depender sempre de um pleno de trabalho previamentedefinido e, torna possvel a prtica do balano do que foi efetivamente realizado. Issoimplica, segundo Pistrak, desenvolver nas crianas o gosto pelas formas racionais declculos e planos. de se acentuar que tais princpios numa realidade russa, onde

    pesava a herana do mujik (campons) com sua desorganizao e apatia, se constituamnum avano, embora por linhas travessas.

    Assim, Pistrak concebia o ensino, a formao bsica, como equivalente soma de conhecimentos e de tcnicas adaptados a uma idade determinada, necessrios auma compreenso dialtica da vida moderna. Enquanto que na velha sociedade osconhecimentos cientficos tinham a qualidade de poder ser esquecidos facilmente edefinitivamente, mesmo depois dos mais ferozes exames (p. 95), na nova escola, acincia deve ser ensinada como meio para conhecer e transformar a realidade, no quadrode seus mais amplos objetivos, isto , como conhecimentos cientficos cuja necessidadeseja incontestvel, que ajudem os alunos a se apropriarem solidamente dos mtodos

    cientficos fundamentais para analisar as manifestaes da vida (p. 95). Nessa medida,as disciplinas isoladas e independentes devem ser agrupadas em trono dos principaistemas de estudo, j que as disciplinas cientficas, analisam a mesma matria: arealidade.

    A aplicao desses princpios sofreu algumas dificuldades, e aps a Revoluo, areao aos programas estabelecidos do alto levou a escola anomia, ao vcuo. Natentativa de resolver o problema, o Comissrio para a Instruo Pblica editou, em1920, o Programa Modelo para Escola Sovitica nica, com carter meramenteindicativo, permitindo que as escolas vinculassem os programas realidade local. Noeram, porm, definidas as relaes entre os Programas e os objetivos. O Programa doConselho de Instruo Pblica marcaria uma mudana nesse sentido. Ele ofereceu umcritrio de seleo de disciplinas, confirmando ou no a importncia de cada uma;enfatizou a importncia da tcnica no que se refere fsica e qumica; o estudo da

    biologia foi vinculado produo; faz-se a ligao entre a histria da natureza e dasociedade (por exemplo, a relao entre a tcnica e a economia). Isso significa trabalhartodo o ensino atravs da sntese. Ressalta Pistrak que os Programas de Ensino devem seramplos Programas de Educao, onde a instituio central oferece a linha geral dos

    programas, cabendo escola sua adaptao realidade local: Os programas devem serformulados em harmonia com a autonomia escolar. necessrio, no mnimo, que levemem considerao a auto-organizao dos alunos (p. 97).

    A organizao do programa de ensino, segundo Pistrak, deve orientar-se atravsdos complexos, cujo tema escolhido segundo os objetivos da escola. O critrio paraseleo dos temas do complexo deve ser procurado no plano social e no no planomeramente pedaggico. O complexo deve ter significado relevante no mbito social, demodo que permita ao aluno a compreenso do real. Trata-se de selecionar um temafundamental que possua um valor real, e que depois possa ser associado sucessivamenteaos temas de outros complexos. O estudo de complexos s tem sentido na medida emque eles representam uma srie de elos numa nica corrente, conduzindo compreenso da realidade atual (p. 108)

    Por exemplo, o complexo Homem permite uma anlise do ser humano doponto de vista biolgico, da sua humanizao pelo trabalho, do questionamento das

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    formas histricas de trabalho (dependente ou livre), da luta contra a explorao dotrabalho. Assim, o complexo seguinte Revoluo de Outubro permite que o alunoanalise o seu papel na luta pro melhores condies de trabalho e vida; dessa maneira, osdois complexos articulam-se mutuamente. Alm disso, o complexo possui uma periferiaque permite escapar aos limites do objeto preciso, articulando-o com temas mais gerais.

    Isso possibilita generalizaes a partir de cada complexo, que sero tanto maisabrangentes quanto maiores forem as crianas.

    Tal sistema de complexos facilitado no primeiro grau na medida em que um sprofessor ministra todas as disciplinas; complica-se ao segundo grau com a existnciade disciplinas isoladas ministradas por vrios professores. No primeiro grau, devido dificuldade das crianas em fixarem-se num objeto preciso durante longo tempo, ostemas do complexo podem ser tratados durante trs semanas no mximo. O programado terceiro e do quarto ano compreenderia de cinco a sete temas adaptados a uma msou a seis semanas de trabalho. Durante o quinto, sexto e o stimo anos, o perodoaumenta para cinco meses; o stimo e os demais anos podem ser ocupados por um nico

    complexo.

    Durante os primeiros anos de ensino, a base do complexo deve ser fornecida portemas concretos no mbito visual da criana; com o tempo, as generalizaes tornam-se

    possveis. Na escola de segundo grau, o trabalho deve ser mais aprofundado, baseando-se no estudo dos prprios fenmenos, na sua correlao interna, na lgica interna de seudesenvolvimento. s depois de um estudo srio dos tipos, dos fenmenos isolados,que se torna possvel sua anlise aprofundada, e a elaborao de uma sntese ulteriordestes fenmenos pode ser realizada de forma integral (p. 112).

    O trabalho baseado em complexos muda conforme a idade dos alunos: simples para as crianas no incio dos estudos, quando o estudo do complexo dura duassemanas, este se enriquece na medida em que as crianas crescem; o tema desmembrado numa srie de temas secundrios, desde que no se perca de vista asrelaes mtuas que estes mantm entre si e com o tema central. No segundo grau, jno set rata mais de concentrar todas as disciplinas em torno de um tema qualquer, maisde subordin-las a uma idia diretriz, a um nico objetivo. O complexo um meio,acentua Pistrak, no um fim em si. Pois indiscutvel que h mais de um mtodo deexposio possvel para qualquer disciplina. A seleo de um deles depende dosobjetivos a alcanar. Assim, a ordem do curso pode e deve ser modificada dentro delimites segundo o objetivo geral definido pela organizao das disciplinas em

    complexos. Cabe ao professor situar sua disciplina no plano geral da escola e, com basenesta sntese, organizar o programa da disciplina para todo o ano. Mas, alerta Pistrak, so exame coletivo dos programas de cada disciplina garante o xito do trabalho. Tudoisso implica um trabalho coletivo dos educadores no segundo grau, subordinados snecessidades gerais, onde cada especialidade tem seu lugar nos objetivos gerais doensino.

    Isso s tem sentido se for compreendido pelo alunos caso contrrio melhorrenunciar ao complexo, ensina Pistrak. O papel do complexo treinar a criana nomtodo dialtico, e isso s pode ser conseguido na medida em que ela assimile omtodo na prtica, compreendendo o sentido de seu trabalho (pp. 118-119) O estudo

    pelo sistema de complexo s produtivo se estiver vinculado ao trabalho real dosalunos e sua auto-organizao na atividade social prtica interna e externa escola.

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    Pistrak enfatiza a necessidade de estruturar complexos geradores de ao. Uma aodeterminada pode ser a razo de um complexo. Isto importante para o educadororganizar a atividade profissional das crianas e dirigir o trabalho social da escola. Omtodo dos complexos representa para Pistrak uma ruptura com a pedagogia burguesa,

    possibilitada pela Revoluo.

    Pistrak critica o Plano Dalton de ensino que destri o trabalho coletivoenfatizando que cada aluno deve responder por si e pelo seu trabalho, obrigando-o aassinar uma espcie de contrato individual com a escola, e que desmembra o programaatravs de uma distribuio mensal formal e rgida. Neste caso, o tema escolhido emfuno de sua durao e no em funo de sua importncia, e se restabelece o sistemade exames onde o aluno empreende um trabalho por disciplina e em cada ms. Destri-se assim o sistema de aulas coletivas, e os deveres escritos acabam se constituindo emtarefas que obrigam os alunos a formar em fila para entregarem mensalmente osdeveres ao professor. Pistrak reconhece, no entanto, os aspectos positivos do PlanoDalton: este garante a independncia do trabalho e a possibilidade da passagem ao

    mtodo experimental (que no se reduz ao mtodo de laboratrio). Pistrak admite apossibilidade de readaptao do Plano Dalton de ensino desde que no se perca devista o trabalho tcnico, o programa oficial, o sistema de complexos e a auto-organizao dos alunos.

    Auto-organizao dos alunos: aqui que Pistrak define uma caractersticafundamental da escola, e revela-se nessa medida, o continuador dos tericos quedefiniram os princpios educacionais da Associao Internacional dos Trabalhadores (IInternacional Proudhon, Bakunin e Marx). Para Pistrak, a auto-organizao no deveser usada para manter o autoritarismo professoral. Para ele, um poder como o Sovietes pode existir atravs da ao direta das massas. Fundamenta-se ele em Lenin, na obraO Estado e a Revoluo, quando o autor define o Estado Proletrio como um Estadoque comea a se extinguir enquanto rgo repressivo no dia seguinte de sua criao. Oreflexo educacional dessa orientao a auto-organizao das crianas atravs docoletivo infantil. Pistrak caracteriza o coletivo como uma estrutura onde no s ascrianas mas os homens em geral esto unidos por determinados interesses, dos quaistm conscincia e que lhes so prximos (p. 137).

    A escola ser a base desse coletivo infantil no dia em que se constituir comocentro da vida infantil e no somente como o lugar de sua formao; quando for capazde transformar os interesses e as emoes individuais em fatos sociais, fundados na

    iniciativa coletiva e na responsabilidade correspondente, atravs da auto-organizao.Esta pode surgir em relao aos problemas de higiene na escola: isso leva formao deum jornal que retrate as preocupaes com o ensino e a atividade social; a auto-organizao surge como uma ao que responde ao concreto. Segundo Pistrak, suaimposio do alto seria totalmente postia. Nesse processo, o papel do pedagogo o de facilitar as crianas, sem esmagar suas iniciativas sob sua autoridade, nemabandon-las a pretexto de no intervir: um meio termo fundamental.

    A auto-organizao das crianas no necessita obrigatoriamente ser explicitadaatravs de uma Constituio escrita, pois isso enrijeceria e burocratizaria um processoque deve ser mvel, adaptvel a cada momento. Algo desse tipo s pode ser ento

    concebido como um plano de atividade autnomo, mutvel conforme as circunstncias.As crianas devem ter a noo de que qualquer Assemblia de seus iguais pode mudar

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    os artigos desse plano, se assim for o desejo das crianas que constituem o coletivoinfantil.

    No lugar da justia infantil das escolas burguesa, Pistrak prope queAssemblia geral das Crianas em que o professor apenas um membro tenha

    poderes para julgar comportamentos de outras crianas. Como exemplo, apresenta aexperincia das Comunas de Trabalho onde, foram recolhidos menores com problemasde conduta: ladres, viciados em cocana, jovens prostitutas. O xito dessas colnias sedeveu ao fato de elas se fundarem na autoridade do coletivo e na auto-organizao, eserviu para mostrar que estes viciados em cocana, ladres, prostitutas de 12 anos, etc.,que foram levianamente classificados na categoria de crianas marcadas pelainsuficincia moral e irremediavelmente perdidas, so, na realidade, crianas

    brilhantes, ativas, capazes, de grande iniciativa, mas pervertidas pela vida, e queencontram condies quando o coletivo infantil tem possibilidade de se desenvolver, decrescer pelos seus prprios meios e de se organizar numa base social. Tudo se explica

    pelo coletivo infantil (pp. 150-151).

    A auto-organizao das crianas uma escola de responsabilidades assumidas,onde as atividades infantis se definem, desde a conservao da limpeza do prdio, adivulgao de normas higinicas, a organizao de sesses de leitura, o registro dosalunos, at espetculos e festas escolares, a biblioteca e o jornal escolar. Isso inclui a

    participao das crianas na administrao financeira das escolas. A cooperativaescolar, que fornece o material escolar e a alimentao tambm uma das muitasformas de auto-organizao. Pistrak acentua a importncia do contato entre as diversasorganizaes infantis e outras escolas fundadas na auto-organizao. A participao dascrianas no trabalho pedaggico atravs de sua representao no Conselho Escolar(onde constituem a metade) fundamental. Pistrak lamenta que essa proporo derepresentao tenha sido diminuda posteriormente, pois, na medida em que as crianassintam que so criadoras orgnicas da escola, elas podem perfeitamente tomar parte dotrabalho de sua administrao e da sua prtica educativa. Fundamental importncia arecepo que os veteranos oferecem aos calouros.

    Todos os cargos do coletivo devero ser preenchidos por eleio atravs daAssemblia Geral das Crianas, a qual se constitui na autoridade suprema e no princpiofundamental do coletivo. A durao das funes elegveis fixada a noventa dias, edeve-se orientar as crianas para a renovao constante dos organismos elegveis,dando lugar aos novos e fazendo os administradores veteranos voltar s fileiras (p.

    157). Rotatividade nos cargos para impedir a formao de crianas especialistas emadministrar, relegando as demais na passividade, a meta de Pistrak em relao aocoletivo infantil. Em suma, a criatividade deve ser o objeto de uma educao,conforme os objetivos fundamentais ditados escola pelo perodo atual do podersovitico (p. 158).

    Pistrak fundamenta, portanto, uma proposta educacional baseada na auto-organizao das crianas e na autonomia exercida ativamente atravs da cooperaoinfantil consciente. Nesse sistema, o professor ser o amigo, o companheiro mais velho.Vinte anos depois, na Espanha, a C. N. T. (Confederao Nacional do Trabalho)implantaria, entre 1936 e 1939, igual esquema educativo fundado na auto-gesto e na

    liberdade, mas isso outra histria.

  • 8/6/2019 Pistrak: uma pedagogia socialista

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    Pelo que enunciamos anteriormente, Pistrak insere-se na linha dos grandeseducadores, para quem a educao tambm uma forma de ao poltico-social, queno se limita a interpretar o mundo, mas que procura pela prtica educativa,desenvolver uma ao transformadora do real. o grande educador da III Internacional,assim como Kautsky o fora da II Internacional, e como Bakunin, Proudhon e Marx que

    desenvolveram as propostas pedaggicas da I Internacional. No que se refere educao, o movimento operrio internacional sempre esteve presente, como prova aEscola do Trabalho de Pistrak, uma real contribuio pedagogia socialista.