Picolépolis

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Edição Tatiane Lima Rubem Alves PICOLÉPOLIS

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Edição especial do texto de Rubem Alves para colocar em meu blo Compartillhando Ideias.

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EdiçãoTatiane Lima

RubemAlves

PICOLÉPOLIS

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E ra uma vez uma cidade chamada Picolépolis. Ela se chamavaPicolépolis porque nela todos eram loucos por picolé. Era eleganteandar pelas ruas chupando picolé. Nas festas, serviam-se picolés. As pessoas

educadas conversavam sobre os picolés.Os pais aconselhavam os filhos: "É preciso trabalhar muito para que nunca faltem

picolés para os seus filhos". E, nas campanhas políticas, o picolé era sempre o tema maisdiscutido.

Os candidatos faziam promessas de aumentar a produção de picolés, e os partidosde esquerda prometiam medidas para democratizar o picolé.

Mas havia os pobres, que não tinham dinheiro para comprar picolés, que eramcoisa de gente rica. Em vez de picolés, eles comiam cachorros-quentes. Comer cachorro-quente era marca de pertencer a uma classe social inferior.

Os picolés eram fornecidos por um empresário que tinha uma fábrica de picolés.Ele fabricava picolés brancos, amarelos, vermelhos e verdes. Os mais procurados e maiscaros eram os picolés brancos. Só os ricos mesmo podiam chupar picolés brancos.

A empresa do dito empresário produzia 50 picolés por dia. Mas, como havia,diariamente, mais de mil pessoas querendo chupar picolé, sempre sobravam mais que 950pessoas insatisfeitas. Queriam chupar picolé e não podiam.

Um outro empresário percebeu que ali se encontrava um mercado maravilhoso! Eralucro certo montar uma fábrica de picolés. Montou uma segunda fábrica de picolés.

Mas ela também só tinha capacidade para produzir 50 picolés. Ficava uma populaçãode mais de 900 pessoas sem chupar picolé. Um outro empresário pensou como o segundoe fez também sua fábrica de picolés, que também produzia 50 picolés.

Vendo o que estava acontecendo, o primeiro empresário teve uma idéia de gênio:duplicar a produção de picolés. Sua fábrica, em vez de produzir picolés somente duranteo dia, passou a produzir picolés também durante a noite, o que foi rapidamente imitadapelos outros.Mas, como a população crescia, crescia também o número de pessoas frustradas por nãohaver picolés que chegassem para todos. Esse, portanto, era um mercado maravilhoso,inesgotável. Investir no mercado de picolés era lucro certo.

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Troque "picolés" por "ensino superior" e você compreenderá a minha parábola. Osonho de todo pai e de toda mãe, com aspirações de ascensão social, era que o seu filho"tirasse diploma". Diploma era garantia de sobrevivência. Emprego certo. Mais do queisso: status.

O orgulho da mãe que proclamava: "Meu filho vai tirar diploma de médico". Umdiploma universitário passou a ser o desejo supremo dos pais para os seus filhos.

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Mas entrar na Universidade não é coisa fácil. Muitos são os que querem; poucos são osque conseguem. Os que não conseguem ficam olhando com inveja para seus amigos ecompanheiros que conseguiram.Os resultados numéricos dos vestibulares revelam:1) o tamanho do mercado, o total dos que se inscreveram: quantos querem chupar picolé; 2) o número dos que entraram: quantos picolés foram produzidos e consumidos;3) a população frustrada, que não passou, que deseja um picolé a qualquer preço.

Essa população de insatisfeitos é um mercado com infinitas possibilidades. Queminveste nele tem ganho certo. A criação de faculdades e Universidades se tornou, então,um dos negócios mais seguros do momento.

Somente isso explica a proliferação de faculdades novas e os sucessivosvestibulares, até no meio do ano. Se a demanda existe, nada mais racional, do ponto devista comercial, do que ampliar a oferta. Mas as Universidades não vendem picolés,vendem chaves. Picolés produzem prazer imediato. Eles são para ser chupados e gozados.Ao final, joga-se o pauzinho fora e compra-se outro. Mas "chaves" só têm sentido seabrem portas. As chaves que as Universidades e faculdades produzem só são boas seabrem as portas do trabalho.

São milhares de diplomados com suas chaves na mão; mas onde estão as portas?E, de repente, a dura realidade: muitos são os diplomados com chaves na mão, maspoucas são as portas. Os que ficam com chaves na mão sem portas para abrir não temalternativa: terão de trabalhar nos supermercados, shoppings, restaurantes, ou se tornamfabricantes de suco ou ficam desempregados.

Uma noite, na cidade de Nova York, comecei a conversar com o motorista de táxi,e ele me disse que era doutor em física, pelo MIT. São milhares os diplomados queanualmente são jogados no mercado com suas chaves: médicos, engenheiros,fonoaudiólogos, psicólogos, economistas, pedagogos, advogados, dentistas, jornalistas,biólogos, físicos, sociólogos, geógrafos.

Nada irá resolver o problema da relação entre chaves e portas. Não se podeaumentar o número de portas como se aumenta o número de chaves.

Uma vez sugeri que cada estudante cursando um curso universitário "nobre" deveria,ao mesmo tempo, aprender um ofício que seria oferecido pela própria Universidade:marceneiro, jardineiro, serralheiro, mecânico, pedreiro, pintor. Acharam que era gozação.Não era; continuo com a mesma idéia.

De tudo, restam essas duas verdades: 1) fundar Universidades e faculdades é uma opção econômica esperta e garantida;2) muitos serão os que ficarão com as chaves na mão sem portas para abrir.

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