Pesquisar o Curriculo Como Acontecimento

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texto de Sandra Corazza

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  • PESQUISAR O CURRCULO COMO ACONTECIMENTO:

    EM V EXEMPLOS

    CORAZZA, Sandra Mara UFRGS GT: Currculo /n.12 Agncia Financiadora: CNPq/PROPESQ UFRGS

    Naquele final do terceiro ano do sculo XXI, Uhma Mvlier j no

    agentava mais... Com a serenidade totalmente perdida, a professora-

    pesquisadora via cair por terra tudo o que j tinha pensado e escrito sobre

    pesquisa em educao: nada funcionava mais, tinha perdido toda a

    fecundidade. Mas no se tratava apenas disso, a catstrofe maior residia em

    que a pesquisadora no sabia bem em que ponto estava, havia tantas coisas

    em jogo, tantas distines entre tipos de pesquisa que no paravam de

    proliferar, tantos ajustes de contas a fazer com imagens antigas do

    pensamento da pesquisa, pois ningum em nada inocente quando a deriva-

    pesquisadora acontece.

    Uhma s mantinha alguns pontos fixos por comodidade da linguagem de

    professora; o resto era crise, recesso, medo, pnico, angstia; embora soubesse que no

    podia permanecer nessa condio, pois, tinha de orientar as pesquisas de estudantes de

    Iniciao Cientfica, Mestrado e Doutorado, mais turmas de Graduao e de Ps-

    Graduao. Como ela se viraria? Para onde se viraria? Qual virao viria da? Chorar,

    no adiantava, era coisa lamurienta, queixosa, mortificadora, cheia de afectos tristes,

    que ela detestava acima de tudo; por outro lado, fazer de conta que nada estava

    acontecendo com o seu pensamento que vinha pensando a educao, a pedagogia, o

    currculo, a infncia e suas respectivas pesquisas, era simplesmente dar uma de avestruz

    que, mais dia menos dia, ia ter de tirar a cabea do buraco para ver que tambm lhe

    estavam vendo; talvez, fosse interessante pensar em termos de multiplicidades, pensar

    que se um cdigo de pesquisa funcionava ou no era porque ela, uma das codificadoras,

    fazia parte de uma multido pesquisante, mesmo que esta habitasse um programa de

    ps, linha de pesquisa, grupo de currculo, poa dgua, ninho de passarinho, tubo de

    ensaio, lquido amnitico, intestino de boi, at mesmo um dedal.

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    No se tratava de impreciso no seu pensar, disso Uhma Mvlier tinha certeza,

    mas de ecos, ressonncias, reverberaes de um mesmo ncleo do pensamento que

    pensava uma novidadeira pesquisa, e que, por isto, deixava de ser ncleo e acometia a

    pesquisa por muitas bordas, superficializava-se e temperava a lidao pesquisadora,

    tornando-a difana, voltil, dctil, fluida, leve, lpida, porque j perdera toda

    perspiccia.

    Por no ter nada mais a ver, a fazer, a professora-pesquisadora resolveu agir de

    um modo filosfico, para ver se tudo melhorava, e passou a escrever as suas

    experimentaes e as de seus orientandos e alunos com a dita-cuja Arte Bruta da

    Pesquisa, Pesquisa da Besteira, Gaia Pesquisa, Pesquisa da Multiplicidade, Empirista

    Transcendental, Experimental, Diagnstica, Em fuga, Rizomtica, Pragmtica, Vital,

    Catica, Artstica, Impensvel, Micropesquisa, Esquizopesquisa, Pesquisa a n-1,

    Pesquisa-de-mil-nomes, e outros tantos nomes a serem inventados, sonhados, delirados,

    mas que dizem, univocamente, de uma pesquisa educacional inspirada pelo pensamento

    deleuziano da diferena, uma pesquisa feita entre Deleuze e a educao... com

    Deleuze... tendo Deleuze no meio...

    Todos-os-nomes que dizem de uma pesquisa em educao, cuja natureza

    empirista transcendental condensa, nas aes correlatas de pensar e de escrever

    educao, que lhes so constitutivas, todo o sentido, uma vez que resulta de uma

    absoro dos sentidos outrora atribudos s representaes feitas por outras pesquisas.

    Uma pesquisa, portanto, que despojada de qualquer significao, j que no se forma a

    no ser no processo de anulao dos doadores de sentido anteriores; cujos movimentos

    so inexpressivos, nunca mimticos, seja em relao ao sujeito seja ao objeto, j

    que ela no consiste num ato subjetivo decorrente de condies empricas negativas,

    como a ignorncia do sujeito pesquisante, nem trata de ultrapassar obstculos

    contingentes de desconhecimento acerca de algum fenmeno educacional, como se

    pesquisar fosse uma passagem do no-saber ao saber; uma pesquisa, cuja energia

    provm do processo de desmontagem de todos os modelos j incorporados: medida

    que so feitos vo sendo eliminados os movimentos expressivos da pesquisa, e a energia

    pesquisadora, antes reservada representao, pode ento ser canalizada para o

    movimento puro da pesquisa; enquanto pesquisar no transcende o movimento da

    prpria pesquisa e a professora-pesquisadora no pesquisa fora do plano de consistncia

    da pesquisa, nem fora da sua prpria ao, de maneira que s a pesquisa lhe d o sentido

    do seu pesquisar e ela no encontra jamais O sentido da pesquisa que faz.

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    Essa Pesquisa Empirista Transcendental utiliza-se de mltiplas linguagens tais

    como pintura, msica, literatura, cincia, cinema, poesia, instalaes, imagens, figuras,

    emoes, gestos, corpos, sries de silncio e de repouso, movimentos divergentes, etc.,

    que garantem a consistncia da coexistncia do heterclito; pe essas linguagens em

    relao com o que est sendo pesquisado; o que est sendo pesquisado transforma-se

    assim numa unidade virtual, ou seja, numa unidade impossvel, monstruosa, porque

    esvaziada dos elementos representativos ou emocionais, desde que criado um vazio na

    conscincia atual; a partir dessa unidade virtual, engendram-se vrias sries de

    movimentos da pesquisa que, embora heterogneos, se afectam uns aos outros.

    O que uma pesquisa dessas nunca pesquisa so estados de coisas, proposies,

    objetos, sujeitos, matrias, corpos e representaes. At poderia pesquisar tudo isso,

    mas seria um outro modo de pesquisar, que estaria muito distante da filosofia deleuziana

    da diferena, j que, para esta filosofia, pensar, assim como pesquisar, um

    acontecimento fazendo-se, em choque com o j feito, uma experimentao dos

    conceitos e das imagens do pensamento que animam uma Pesquisa do Acontecimento,

    cuja principal pergunta : mais do que historicizar, como acontecimentalizar a pesquisa

    da educao, da pedagogia, do currculo, da infncia?

    Por isso, pesquisar o Acontecimento requer operaes que se movimentem: dos

    corpos e estados de coisas aos acontecimentos; das misturas s linhas puras; da

    superfcie corporal metafsica do pensamento puro; do figurativo ao abstrato; da

    rvore e seu verde ao verdejar; das aes e paixes dos corpos s verdades eternas; do

    visvel ao invisvel; das aes cotidianas ao atributo noemtico correspondente; do

    tabuleiro fsico ao diagrama lgico; do cosmo ao campo acsmico; do pessoal ao

    impessoal; do indivduo ao pr-individual; do sentido ao no-senso... para potencializar

    as foras que ficam entre esses movimentos (cf. Deleuze, 1998).

    EXEMPLO I: Noologia

    Ao pesquisar as imagens do pensamento curricular, Uhma Mvlier cria

    condies para combater as iluses deste pensamento, por meio de estudos

    noolgicos, que afirmam que os seus conceitos so fabricados, em vez de

    encontrados num cu preexistente. Fabricao essa que responde a problemas

    que, longe de serem definitivos, so constantemente reformulados ou dissolvidos

    por novas perspectivas curriculares, podendo-se dizer que os problemas

    persistem sempre nas solues que lhes so atribudas. Essa Pesquisa Noolgica

    no tenta identificar o plano de imanncia de todos os pensamentos curriculares

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    em geral; antes, procura em cada pensamento no apenas identificar a sua

    imagem peculiar, como tambm afastar o nevoeiro de generalidade ou de

    universalidade que o rodeia, bem como restabelecer o momento de originalidade

    das suas criaes.

    Assim, se os professores de uma determinada escola criam o conceito

    Perfis dos alunos, para resolver o problema de no mais agrupar os alunos,

    determinar as etapas de seu desenvolvimento ou selecionar os contedos

    curriculares sob o determinante idade, essa criao singular supe uma

    imagem do pensamento do currculo, pela qual os alunos so reunidos nas

    turmas por um novo tipo de problema, qual seja: como derivar todos os alunos

    de perfis puros, originais, imutveis? Ao analisar essa nova imagem do

    pensamento, a Pesquisa Noolgica mostra que aquilo que pretendia ser uma

    generalidade ou universalidade curricular deriva apenas de uma certa imagem do

    pensamento especfico daquele currculo, que cresceu em torno de um problema

    particular, ou seja, a no-idade como critrio de organizao das turmas,

    imagens dos alunos e distribuio dos contedos, para levar os alunos a

    disputarem entre si o ttulo de Rei, Rainha do Perfil.

    Tal pesquisa encaminha questo: o que implicaria iniciar um

    pensamento do currculo de forma no dogmtica, ou com uma imagem que no

    segregasse nenhuma iluso de transcendncia? O que seria pensar um currculo

    sem a necessidade de qualquer doxa? Pois, um pensamento do currculo, antes

    de estabelecer um mtodo ou de procurar uma verdade sempre orientado

    embora no logicamente determinado por uma imagem que o abastece de

    suposies pragmticas ou o ajuda a determinar os modos do seu discurso.

    Tratar-se-ia de comear a pensar um currculo sem pressupostos, de

    abdicar das presunes do senso comum, de jogar fora as bssolas

    representacionais, fenomenolgicas, hermenuticas, dialticas, e transformar

    todas as opinies curriculares nas idiossincrasias de um estilo de pensar-criar o

    currculo de outros modos. De aprender que se livre nessa pesquisa-criao,

    no quando toda a gente concorda ou joga com as mesmas regras, mas, pelo

    contrrio, quando as regras e os jogadores no so dados de antemo, e emergem

    a par dos novos conceitos criados e dos novos problemas que so colocados.

    O objetivo de uma noologia do currculo consiste, portanto, em indicar

    novas formas no dogmticas de pensar o currculo. Como? O estudo das

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    imagens do pensamento curricular toma o lugar da histria do currculo. O

    pensamento curricular no uma narrativa histrica, dividida em pocas, nem

    ainda em crculos, nem nos confronta com um Destino Ocidental ou com uma

    Histria Universal; tampouco uma longa discusso, em que uma das partes

    triunfa sobre a outra com o melhor argumento, ou uma longa conversao que

    converte novas idias em acordos, de modo que aquilo que novo ou singular se

    transforma, imediatamente ou mais tarde, naquilo que consensualmente aceito.

    O que novo no pensamento de um currculo permanece sempre assim:

    ainda novo. Cabe ao estudo noolgico dos pensamentos curriculares do passado

    demonstrar aquilo que ainda novo neles, de modo que se vejam libertos de toda

    idia de pocas e, portanto, de imagens magnas, como auto-realizao do

    esprito humano, libertao dos oprimidos, cidadanizao dos indivduos,

    cotidianizao da escola, multiculturalizao das minorias, etc.

    Nessa Pesquisa Noolgica, h sempre um momento de absoluta

    desterritorializao, quando inventada uma nova imagem do pensamento

    curricular (quase uma ausncia de imagem), que no pode ser compensada nem

    pela comunidade imaginada de uma dada nao (pensamento de um currculo

    nacional), e exige assim a inveno de outros e novos territrios. No existe, a,

    um imprio da verdade curricular, nem a necessidade de postular qualquer

    verdade; de forma que Uhma Mvlier, para poder pensar filosoficamente um

    currculo, deve reconhecer que houve muitos tipos de verdades no pensamento

    do currculo e muitas maneiras de as proclamar, mas que, agora, ela precisa

    mostrar como o novo pensamento do currculo e aqueles curriculistas e

    professoras que o pensam so levados a fazer coisas diferentes e quais so estas

    coisas.

    A prioridade da noologia em relao histria do currculo, s

    narrativas cotidianas do currculo, e aos diferentes tipos de relaes com

    a verdade que elas estabelecem, altera tambm os tipos de relaes do

    currculo com a arte, a cincia, a filosofia. Pode-se, portanto, em cada

    estudo que for feito, extrair a sua imagem filosfica de pensamento, que

    se reflete no currculo particular, ou no seu meio, de uma maneira

    original. Pode-se responder, ento: qual a imagem do pensamento do

    currculo dos Governos Lula-FHC? da Escola Cidad do municpio de

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    Porto Alegre? do currculo da CUT? do currculo de educao infantil do

    MST? do currculo do Curso de Pedagogia da UFRGS, da UERJ, da UFMG?

    Uma Pesquisa Noolgica tambm pode ser chamada Pesquisa Experimental.

    Em que consiste esse experimentalismo? Primeiramente, que os professores-

    pesquisadores abandonem de vez sua volpia de fazer pesquisas demasiado piedosas,

    messinicas, redentoras, salvacionistas; em segundo lugar, que tais pesquisas suponham

    uma pura imanncia, sem elementos primrios ou transcendentes, que no sejam

    imanentes a algo de anterior, tanto subjetivo quanto objetivo. O propsito desse

    experimentalismo no consiste em redescobrir o eterno ou o universal, mas em

    encontrar as condies sob as quais algo de novo produzido.

    Os professores pesquisam, por conseguinte, os problemas introduzidos por um

    Fora, que chega antes de as coisas se assentarem em acordos e que persiste, subsiste e

    insiste no meio delas. Realizam a experincia de pesquisar numa zona anterior ao

    estabelecimento de um ns intersubjetivo e estvel, e transformam tal zona no na

    questo de um reconhecimento de si mesmos no mundo, mas antes na de um encontro

    com aquilo que eles no podem ainda determinar, com aquilo que eles no podem ainda

    descrever, ou acerca do qual eles no podem ainda concordar, uma vez que no

    possuem sequer as palavras para tanto. Essa pesquisa aponta para que os professores

    encarem a sociedade, a cultura, a escola, a didtica, o currculo, a pedagogia, a prpria

    infncia, mais como experimentos (que verdadeiramente so) do que como leis,

    contratos, significaes, significantes, significados, cujas relaes no se do como as

    das peas de um puzzle, a serem encaixadas, em lugares previamente definidos, mas

    como pedras de tamanhos dessemelhantes num muro ainda por cimentar.

    Arte bruta de pesquisadores outsiders, que lhes permitem entrar em relaes

    externas com outras pesquisas feitas em outros domnios, j que existem diferentes

    pedaos conceituais nesse tipo de pesquisa, sendo cada um destes pedaos introduzido,

    inicialmente, por uma relao com um problema particular, e depois reintroduzido em

    novos problemas, vistos de novas perspectivas. H diversos encontros com problemas

    que surgem nas artes, nas cincias, na prpria filosofia, ou com acontecimentos, que

    problematizam o modo como esses pesquisadores conduzem a pedagogia ou educam

    para a sociedade tecnolgica, para o mercado de trabalho, introduzindo novas questes,

    que pedem para serem repensadas ou reinventadas.

    Pesquisa Rizomtica, que faz os professores embarcarem numa viagem

    conceitual, para a qual no existe nenhum mapa prvio, e na qual eles so forados a

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    deixar para trs as pesquisas habituais, sem nunca ter certeza sobre o lugar onde iro

    aportar. Pode ser essa pesquisa a expresso de sua luta contra as pesquisas de natureza

    miditica, informacional, comunicacional da imagem do pensamento educacional

    dominante; e que, medida que se desenvolve, torna-se mais complexa nos seus

    alcances, procede por variao contnua dos conceitos e dos problemas, e espalha-se

    como um rizoma, no qual, h intensos perodos de inveno.

    EXEMPLO II: Besteira

    Pesquisar uma determinada seleo de imagens do pensamento curricular

    supe que uma imagem entendida por relao com o seu negativo, ou com

    aquilo contra o qual se dirige, seja o erro, a superstio, a ideologia, etc. S que,

    aqui, Uhma Mvlier entende que uma imagem curricular se liberta dos seus

    pressupostos dogmticos (do tipo: Criana-Aprendiz, Conhecimento-que-se-

    constri, Ningum-ensina-ningum-todos-aprendem-em-comunho), somente na

    medida em que tal imagem no tenha por negativo um erro que deva ser

    corrigido, ou uma superstio, ou ideologia, que devam ser superadas, mas,

    antes uma besteira (btise), ou estupidez, que deve ser exposta ou atacada (cf.

    Deleuze, 1988, p.247-250; Deleuze, Guattari, 1992, p.223). Assim, a professora

    defende que um verdadeiro pensamento curricular aquele no dirigido contra

    erros ideacionais ou proposicionais, contra alguma superstio ou iluso

    religiosas, contra uma ideologia conservadora, etc., mas, sobretudo, aquele que

    enfrenta uma besteira anterior e mais inabordvel, que suplanta esses problemas

    clssicos do erro, da superstio, da ideologia, etc.

    Analisar a besteira no currculo implica ver tal besteira no como

    irracionalidade (mesmo que seja feita custa de uma certa loucura da

    pesquisadora e a envolva numa relao com algo de inumano ou de intolervel);

    ao contrrio, essa besteira implica que o pensamento curricular no comea por

    um desejo natural de saber-fazer, ou por um acordo com uma luz natural do

    entendimento humano, mas pelo encontro com alguma coisa que no se coaduna

    com os modos habituais de ver e de pensar o ato curricular, que abala o

    pensamento correlativo, e apresenta algo de novo para fazer e pensar.

    Se existe alguma coisa de bestial num pensamento curricular sem

    imagem dogmtica porque ele no depende da boa f do conhecimento e deve

    lidar com o choque de algo para o qual no existe nenhum saber anterior,

    nenhum fazer assegurado, nenhum mtodo perfeito. Disso deriva, por

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    conseguinte, que a professora tenha de lidar com a resistncia aos seus modos

    habituais de pensar que um tal choque provoca. Tornar problemtico o que antes

    no era o que conduz a Pesquisadora da Besteira ao exterior da doxa, sem que

    isso lhe conceda, necessariamente, as garantias de um conhecimento superior, j

    que pensar em termos de problematizao uma atividade terrivelmente

    perigosa.

    Para que Uhma, como Pesquisadora da Besteira, possa pensar, ela

    precisa estranhar, radicalmente, aquilo que ela ainda no pode dizer na

    linguagem comum. Por isso, amide, ela utiliza as palavras e escreve em

    modos no compreendidos por seus antepassados e contemporneos, e

    no comea a pensar nunca com um desejo de verdade natural ou uma

    inspirao divina, mas, com uma crueldade exigida pelo ato de pensar

    contra a besteira, este novo inimigo nas margens de sentido, que so

    dadas pelos afectos e pelos perceptos, irredutveis cognio.

    Com a besteira enquanto negativo do pensamento curricular, a

    professora pode pensar em que implicaria depositar a confiana dos

    professores no em qualquer transcendncia, mas no mundo de que o

    pensamento curricular deriva, e no qual ele se torna efetivo; alm de o

    que significaria atacar a besteira, ou estupidez, tambm na vida de todos

    os professores e na de seus alunos.

    A pesquisadora tambm nomeia a Pesquisa da Besteira como uma Pesquisa en

    Fuite; pois, ela supe que a sociedade, a cultura, a mdia, a pedagogia, a infncia, o

    currculo esto sempre en fuite, e podem ser entendidos na forma como lidam com suas

    fuites. Ela sabe que toda determinao cria, ao mesmo tempo, zonas de indeterminao,

    no que respeita s individualizaes como pessoas, sexos ou gneros, classes ou

    estratos, at como membros da espcie humana; e que , a partir dessas zonas, que

    composies originais podero surgir justamente aquelas que permitem os encontros a

    serem descritos no trabalho de pesquisa.

    Uma anlise assim (tambm ela en fuite) introduz a questo das zonas de

    indeterminao em primeiro lugar, e procura os processos mais amplos que

    desterritorializam ou descodificam as relaes com ns mesmos e com os outros. Por

    isso, afirmar algo, a partir dessa pesquisa, no nunca declarar ou assumir, nem

    denunciar ou prescrever, mas sim iluminar, desenterrar, soltar o ar fresco das outras

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    possibilidades, combater a besteira e os clichs, potencializar aquilo que aumenta as

    foras da afirmao, no da negao, no do luto e da ausncia, no das ironias cansadas

    e tristes, mas do humor e da vida.

    Pesquisa em Fuga, como uma grande mquina de maquinar ligaes, no

    assentada no sacrifcio ou na privao, mas, maquinando contra o melanclico modelo

    da pgina em branco ou da tela vazia, que prope uma viso em que a pgina e a tela

    esto sempre j cobertas por demasiados clichs, demasiadas probabilidades, devendo

    todas ser afastadas at que a professora encontre algo de vital, fazendo da novidade e da

    originalidade uma grande arte da experimentao.

    EXEMPLO III: Em fuga

    Como usuria pragmtica da Pesquisa em Fuga, a professora pesquisa

    um currculo como no se esgotando apenas em suas divises distintivas; ao

    contrrio, o v como estando sempre em fuga, e podendo ser analisado ou

    diagramatizado em termos de linhas de fuga (lignes de fuite). Sob suas divises e

    unidades, um currculo se presentifica como complicado ou complexo, em

    modos que no esto contidos nos seus conflitos mais reconhecidos, e que do

    origem a problematizaes, para as quais no existe consenso prvio, nenhum

    ns pensamos que....

    Em um currculo a ser cartografado, Uhma no v um espao

    inteiramente estratificado, j que toda estratificao segrega a possibilidade de

    outras relaes complicantes, capazes de se combinarem, num plano liso, e no

    segmentado, que permite entre-espaos, disparidades, devires. Por isso, a

    pesquisadora distingue entre multiplicidades segmentadas e no-segmentadas,

    ainda que ambas devam ser encontradas no mesmo currculo. O que se lhe

    afigura mais importante que as segmentaes disciplinares de um currculo

    (tais como espao, tempo, regras, disciplinas) possuem linhas de fuga, devires,

    toda uma micropoltica, que compe, claro, uma individualizao normalizante,

    mas que tambm inventa outras maneiras singulares de funcionar.

    Ela traa, ento, uma geometria das horizontais e das verticais, no seio da

    qual pode cartografar ou localizar todo movimento das minorias e devires

    curriculares que funcionam como diagonais ou transversais, e que sugerem

    outros movimentos. Para Uhma, fazer esse diagrama consiste em expor as

    linhas diagonais e as possibilidades por elas inauguradas, elaborando uma carte

    que no um calque um mapa que no um decalque de algo de anterior,

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    mas que serve para indicar as zonas de indistino, a partir das quais surgem os

    devires, caso j no estejam presentes de forma imperceptvel no prprio ato de

    cartografar.

    Em outras palavras: a professora sabe que nunca poder desenhar um

    currculo completamente com coordenadas cartesianas, j que este envolve

    muitos infra-currculos, que introduzem distncias e proximidades no

    quantificveis. Por isso, ela no traar apenas linhas que vo de um ponto fixo a

    outro, mas, tambm, linhas que se encontram em pontos situados na interseco

    de muitas linhas emaranhadas.

    Os orientandos e alunos da professora pesquisaro, assim, um currculo,

    uma sala de aula, ou uma escola, imaginando que, debaixo das suas histrias e

    divises oficiais, existem outras potncias, que so atualizadas por outros tipos

    de encontro e de inveno: minorias, diferenas moleculares, devires, processos

    de descodificao e de desterritorializao, etc. Eles libertaro a imaginao da

    pesquisa de toda representao de algo dado, anterior, original. Eles faro com

    que a pesquisa se torne parte de uma fabulao (Deleuze, Guattari, 1992,

    p.218, ss.), ao traarem percursos das minorias, com as quais experimentaro

    tudo o que est fora dos estados curriculares, todas as espcies de fugas que

    escapam a estes estados ou de foras que estes tentam capturar. Nessa pesquisa,

    todos procedem por experimentao, apalpao, injeo, recuperao, avano,

    retirada, vendo os pontos en fuite, que no so obstculos a remover, mas em

    torno dos quais ganham formas novas maneiras de pensar.

    A esttica de uma Pesquisa en Fuite tem a forma no de um juzo, mas antes de

    uma experimentao e de uma criao que desafiam todos os juzos. Talvez, o seu

    segredo resida a: em fazer existir as coisas, os corpos, os estados e, tambm, as linhas

    de fuga, e nunca em julgar. Formular os problemas de pesquisa e resolver conceitos em

    entendimentos no-filosficos constitui, em si mesma, a principal atividade dessa

    Pesquisa-filosofia. Pesquisar, como uma atividade filosfica, implica produzir conceitos

    e no aplicar conceitos extrados de outros domnios (como acontece com a pedagogia

    quando se alia psicologia ou sociologia); exige a fabricao de conceitos em

    ressonncia e em interferncia com as artes, as cincias, a filosofia; o que implica que

    os pesquisadores no sejam aqueles guerreiros armados com alguma teoria prvia, e

    sim, experimentadores que ajudam a formular novos problemas, ou que sugerem novos

    conceitos.

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    H mesmo um lado pragmtico da Pesquisa em Fuga que contra a teoria, na

    medida em que os pesquisadores s podem realmente pesquisar onde aquilo que deve

    ser pesquisado no foi j dado; e embora uma pesquisa dessas possa despojar-se de

    muitos usos comuns nas artes ou na crtica, ela sempre resiste a ser erigida em nova

    teoria, a qual bastaria ento aplicar. Porque a Pesquisa-filosofia no uma teoria; uma

    arte de mergulhar na zona peculiar do impensado, que desestabiliza as idias feitas, na

    qual, tanto a arte como o pensamento da pesquisa adquirem vida e descobrem as suas

    ressonncias mtuas.

    Os conceitos produzidos, a partir dessa pesquisa, supem, ou ajudam a resolver,

    a prpria imagem do pensamento educacional. A esttica da Pesquisa-filosofia est,

    portanto, envolvida numa luta intrapesquisa e adota o procedimento singular de

    recorrer, especialmente, filosofia para mostrar educao o modo de fugir da imagem

    dogmtica do pensamento, sob a qual ela prpria vinha operando.

    EXEMPLO IV: Problema

    Para fugir da imagem dogmtica do pensamento da pesquisa educacional,

    os pesquisadores tm clareza de que pesquisar criar e criar problematizar.

    Para esta Pesquisa Problematizadora, problematizar no significa responder a

    perguntas de pesquisa, como era entendido por outras imagens de pesquisa,

    mas determinar os dados e as incgnitas do problema, desenvolver o mximo

    possvel estes elementos em vias de determinao, e encontrar os casos de

    soluo correspondentes a esse desenvolvimento.

    Ao pesquisar o currculo de um curso de pedagogia, por exemplo,

    os pesquisadores escolhem movimentos virtuais absolutos vividos no

    presente por alunos e professores, os compem como variaes

    interdependentes, inventam os personagens conceituais mais produtivos

    para descrever tais variaes, procuram traar as melhores coordenadas

    sobre o plano de imanncia do pensamento acerca da pedagogia.

    O conceito-soluo forjado no anula o problema professor-pesquisador

    por exemplo , mas faz parte deste problema, ou melhor, o prprio problema

    na completa expresso das suas condies, ou levado at a sua ltima

    determinao. Tal problema resolvido medida que se determina, e a sua

    determinao a gnese da sua soluo; uma soluo que no tem sentido,

    independentemente do problema a determinar, nas suas condies e incgnitas,

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    enquanto estas tambm no tm sentido independentemente das solues

    determinveis como conceitos.

    Essa pesquisa atua criticamente no por promover o jogo contraditrio

    das opinies, mas por sua problematicidade, ou crise permanente. O problema da

    Pesquisa Crtica no uma interrogao formulada por uma proposio, que

    possui uma proposio correspondente que lhe serve de resposta, a qual se supe

    que lhe seja preexistente de direito, mesmo se no foi enunciada ainda de fato,

    ou se essa resposta no foi ainda encontrada.

    Tambm o problema de pesquisa no uma hiptese (do tipo: h

    necessidade de formar professores-pesquisadores), tal como as outras pesquisas

    representacionais supunham, fosse positivista, fenomenolgica ou dialtica; e

    no pode ser hipottico, porque o problema no afetado por um coeficiente de

    incerteza a ser superado nos resultados, mas persiste na soluo e por meio dela.

    O problemtico no pode ser confundido com o hipottico, j que

    determinar as condies de um problema nada tem a ver com algum carter

    intervalar negativo, com simples limitaes de fato. O problema professor-

    pesquisador, neste exemplo, desfruta de uma absoluta positividade de direito, de

    uma afirmatividade no-subjetiva, de uma natureza prpria, em tudo diferente de

    suas solues, que o torna ineliminvel por estas. O problemtico no remete

    para qualquer psicologia do conhecimento ou epistemologia, mas designa a

    objetividade de Idia e a realidade do virtual, uma dimenso objetiva no

    atual, o horizonte imanente dos prprios seres, coisas, acontecimentos.

    A natureza objetiva da instncia-problema definida exclusivamente por

    problemas, constituda por Idias-problemas, por Idias problemticas; e

    problemticas no porque sejam carentes de objeto ou de soluo, mas porque o

    seu objeto indeterminado, ou seja, no se trata de um objeto imperfeito, mas

    dele como duma dimenso objetiva da realidade, que s representvel sob

    forma problemtica, embora j atuante na percepo como foco unificador (cf.

    Dias, 1995, p.79, ss.).

    Desse modo, o problemtico subsiste nas solues porque possui um

    estatuto positivo, uma idealidade objetiva, que o torna irredutvel a um estado

    de incerteza subjetivo. O plano problemtico ou complicado do currculo

    pesquisado, esse horizonte virtual absoluto, o que, a cada vez, a Pesquisa

    Problematizadora tem de recortar, retraar, restabelecer de acordo com uma

  • 13

    nova imagem do pensamento, isto , segundo novas determinaes, cujas

    condies devem ser, tambm a cada vez, criadas sobre esse horizonte.

    Problematizar, desse modo, corresponde a desenvolver a

    problematicidade imanente envolvida nos seres e nos seus acidentes, construindo

    as condies particulares a cada domnio (arte, cincia, filosofia) dessa

    determinao explicativa. A problematizao da Pesquisa Crtica o processo

    de determinar as condies de consistncia do plano problemtico imanente,

    tomado na sua pura virtualidade, fora de todas as determinaes atuais.

    Os problemas de tal pesquisa caracterizam-se, ento, como verdadeiros

    ou falsos, independentemente de toda possibilidade de resoluo e de toda

    forma, quer seja lgica, cientfica, transcendental, etc. apenas em si mesmos

    que os problemas encontram o critrio de sua verdade ou falsidade (ou melhor,

    do seu sentido), segundo a boa ou m repartio das suas singularidades e a

    suficincia ou insuficincia de tematizao decorrente de suas condies; em

    suma, segundo a medida da sua determinao, de maneira que os pesquisadores

    podem dizer que um problema completamente determinado um problema

    resolvido. Assim, o verdadeiro e o falso concernem primeiramente aos

    problemas, antes do que s solues; por isto, uma soluo tem sempre a

    verdade que merece de acordo com o problema a que ela corresponde; e o

    problema tem sempre a soluo que merece de acordo com sua prpria verdade

    ou falsidade, isto , de acordo com seu sentido (Deleuze, 1988, p.260).

    Nessa Pesquisa Estilstica, definida por suas linhas de energia e de sentido, os

    pesquisadores no tratam de convencer nem de vencer quem quer que seja, mas de

    produzir um sentido partilhvel, interessante, que fornea algo para pensar. Assim,

    concluir uma pesquisa no construir saber ou conhecimento, mas criar, por meio de

    conceitos, novas possibilidades de pensamento e de existncia, longe das coaes

    lgicas e epistemolgicas: criao do novo, do notvel, do importante, e nunca

    descoberta.

    Pesquisar com estilo, ou criar um estilo em pesquisa, no simplesmente adotar

    ou importar figuras sociais, polticas, epistemolgicas de outros campos (como a

    Professora-construtivista da Epistemologia Gentica, o Aluno-cidado dos PCNs dos

    Governos FHC-Lula, O Professor Desejante da Psicanlise-Educao), mas o estilo

    uma questo de vergar e transformar a linguagem da pesquisa, de modo a criar os

    personagens conceituais e o jogo para as idias singulares, em relao s quais no

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    existem palavras ou histrias preexistentes, mas que, entretanto, impressionam por sua

    obscura necessidade.

    Os pesquisadores, nesse caso, utilizam de modo peculiar os conceitos, podem

    encorajar os usos conceituais, ao mesmo tempo que frustrar as aplicaes, imprimir

    suavidade dspar sua escrita, e usar todo humor e riso disponveis. Isto porque a escrita

    da pesquisa expressa uma condio em que aqueles que escrevem so tomados em

    agenciamentos coletivos minoritrios, que os levam a dar a palavra queles que no a

    possuem (cf. Deleuze, Guattari, 1992, p.141, ss.), encontrando-se com estes em um

    devir, sem o qual no haveria escrita da pesquisa.

    Os pesquisadores-escritores so corpos prenhes de devires e suas

    escritas menores funcionam como expresso desses encontros. H, por outro

    lado, aqueles pesquisadores que almejam ser majoritrios, mas o problema

    daqueles que realizam e escrevem uma Pesquisa Esttica como viver os

    devires-minoritrios de uma mulher, de um animal, de um negro, de um ndio,

    de uma criana, o que no significa imit-los, mas tornar-se tudo isso. Eles

    escrevem de modo filosfico, ou seja, como fico cientfica, ou histria policial,

    com conceitos no lugar de personagens, os quais intervm para resolver

    problemas especficos e se alterarem a si mesmos, medida que novas

    questes emergem e novos dramas tomam forma.

    EXEMPLO V: Gaia

    Para realizar essa Gaia Pesquisa, Uhma Mvlier adota as seguintes

    orientaes: 1) pratica a pesquisa sobre o currculo, de modo filosfico,

    como um jogo afirmativo de novidade e de experimentao conceitual;

    2) intui que o currculo que ela pega para analisar no uma

    linguagem, um cdigo narrativo, ou um sistema proposicional, mas antes

    um material inexpressivo, anterior boa forma, e, portanto, matria

    e ao contedo, o qual ganha forma por meio de devires de imagens e

    signos; 3) tem claro que a idia do devir-currculo a ser analisado no

    deriva de um determinismo histrico ou contextualista, que os estudos

    sobre o currculo consistem no numa histria, mas na realizao de uma

    cartografia das vrias imagens curriculares, para responder pergunta:

    que novos regimes de signos e imagens acerca do currculo podem ainda

    ser inventados? 4) tem presente que o eu e o ns-pesquisador no

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    vm antes de um devir-pesquisa, mas constitui, pelo contrrio, parte da

    sua experimentao; que uma vontade de pesquisa no segue nenhum

    senso comum, no obedece a normas ou juzos intersubjetivos

    estabelecidos, no se reduz a definies sociolgicas ou a exigncias

    institucionais, e no pode ser dirigida por qualquer vanguarda ou

    mentor: esta sua fora; 5) a professora pesquisa como quem se deixa

    arrastar e transformar-se por um devir-currculo, ou inventa maneiras de

    ver, dizer e escrever coisas novas sobre o currculo atravs dele, e se

    deixa inventar pelo prprio processo de pesquisar.

    Como pesquisadora, Uhma Mvlier sabe que est no mesmo barco com muitos

    pesquisadores, que remamos todos juntos, que tentamos realizar uma nova escrita de

    uma nova pesquisa, com Nietzsche, inspirados, talvez, por O pensamento nmade de

    Deleuze (1985, p.60), para permanecer juntos, em uma relao que no seja nem legal,

    nem contratual, nem institucional. O nico equivalente concebvel seria talvez estar no

    mesmo barco. Embarcou-se: pessoas remam juntas, que no supem que se amam, que

    se batem, que se comem. Remar juntos partilhar, partilhar alguma coisa, fora de

    qualquer lei, de qualquer contrato, de qualquer instituio. Uma deriva, um movimento

    de deriva, ou de desterritorializao; ento, juntos, maquinamos a nova estilstica da

    nova pesquisa, sem nos preocupar com problemas de interpretao, apenas com

    problemas de maquinao; procuramos detectar com qual fora exterior atual o texto

    da pesquisa faz passar alguma coisa, uma corrente de energia (ib., p.62); verificamos

    com quais vetores e eixos, de acordo com cada caso, o pensamento da pesquisa

    orientado para contemplaes, ou para reflexes, etc, dando a cada pensamento alguma

    coisa para contemplar, para refletir, para comunicar, ou, melhor, para construir, fazendo

    o pensamento subir, erguer coordenadas verticais sobre o horizonte especulativo, ou

    ento escavar, afundar, abismar-se, procurar um sem-fundo incgnito, ou repudiar tanto

    a profundidade quanto a transcendncia, toda a verticalidade, e estender-se sobre a

    superfcie do horizonte, em pura imanncia, fornecer diretrizes criao de conceitos, e

    tambm uma finalidade, tal como a verdade, o consenso, a opinio razovel, ou o

    sentido e o novo, recusando-nos a repetir ecolalicamente: o currculo, o aluno,

    a sala de aula, a escola senso comum tornado pesquisa, carter inofensivo da

    crtica, implicado em compromissos tcitos com o Estado, com a Moral dominante, etc.

    ; operamos, experimentamos uma imagem do pensamento da pesquisa que recusa

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    todas as opinies, a veracidade do pensador ou a verdade do pensamento, o inatismo das

    idias ou o apriorismo dos conceitos, todos os obstculos exteriores ao pensamento o

    corpo, paixes, interesses sensveis como foras que desviam o pensamento de sua

    reta natureza formal, a necessidade de um mtodo como artifcio conjurador do

    resultado negativo dessas foras e a garantia do reencontro do pensamento com sua

    vocao inata: sabemos que nada disso salva Uhma Mvlier e seus parceiros de barco

    de avanar s escuras, de inventar a cada vez a sua orientao, a sua desorientada

    experimentao caminhos necessariamente paradoxais de uma Pesquisa do

    Acontecimento.

    Referncias bibliogrficas

    DELEUZE, Gilles. Pensamento nmade. In: MARTON, S. (org.). Nietzsche hoje? SP:

    Brasiliense, 1985. p.56-76.

    ___. Diferena e repetio. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

    ___. Lgica do sentido. So Paulo: Perspectiva, 1998.

    ___, GUATTARI, Flix. O que a filosofia? Rio de Janeiro: Ed.34, 1992.

    DIAS, Sousa. Lgica do acontecimento: Deleuze e a filosofia. Porto: Afrontamento,

    1995.

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