Performance, Sinceridade e Tecnologias_BiaMedeiros

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    Performance, sinceridade e tecnologias

    Maria Beatriz de Medeiros

    RESUMO: Atrapalhando significncias, este texto trata de performance, enaturalmente de encontro, de performance artstica, e naturalmente de encontro e detecnologia, naturalmente de encontro. A sinceridade uma proposta, de vida, mastambm uma proposta para ler a arte.

    Palavras-chave: performance, carcia, encontro, UAI

    Performance: uma performance que no acontece se estivermos com pressa. Omundo sensvel, que no o da idia e tambm no o do olhar, mas aquele do corpointeiro acontece em performance, seja no vivo ou ao vivo (presencial ou em telepresena).O mundo sensvel tambm no tem pressa. O mundo sensvel o meu corpo, o meucorpo inteiro que me deixa experimentar o sensvel, mas tambm entende, reage,despreza e ro as unhas.

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    Um procedimento maquinal pode substituir qualquer operao do entendimento, jamais asaes do corpo (SERRES, 2004, 37).

    Bernard Stiegler (2007) afirma que a arte no necessita compreenso, massurpreenso, sur-preenso, mas tambm um tempo, dar um tempo. E como performer, ecom o Corpos Informticos realizando, pensando, provocando performances, a reflexose d em torno da arte. Trata-se de falar sobre essa sur-preenso, e surpreender, em umencontro de arte e tecnologia, falando sobre a sinceridade, essncia de uma certa arte.Uma arte sincera, talvez pouca, corroendo pelas beiradas o estado da Arte, deixando-sedeitar nas horas, tantas, que de fato esto vagas, mas nas quais corremos como burros

    com medo da cobra, a cobra da era hiper-industrial, a serpente do consumo, o desejoimposto de ter e ter sempre mais, e ostentar, e competir. Se me dou um tempo teencontro no seu tempo.

    A arte, sobretudo, sobre tudo e sobre o todo, tem a ver com o sensvel e,naturalmente, com a sinceridade com esse sensvel. No dicionrio lemos Sincero. [Do lat.

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    Sinceru . sem mistura; sem malcia; puro.] ... 2. Que se mostra disposto a reconhecer averdade (Aurlio). Aqui eu colocaria aspas nessa verdade, colocaria aspas comNietzsche, e recomendaria o livro do Roberto Machado,Nietzsche e a verdade : O que significativo..., como toda vez que Nietzsche elogia a aparncia, que o importante no

    a verdade mas a fora do conhecimento (1999, 55). Ento, dito diferentemente, sincero aquele que est disposto a obter a fora do conhecimento, e salientemos, esteconhecimento no se passa em algum lugar na mente, ele exige o corpo inteiro, ele sexiste no corpo inteiro.

    Ento, para ser sincera, arte e tecnologia sempre andaram de mos dadas, poisantropognese e tecnognese do-se simultaneamente, escrevi, no livroArte e tecnologia na cultura contempornea que organizei em 2001. Rodrigo Mineli, em conversainformal em 2007, tambm afirmou que arte e tecnologia sempre caminharam juntas, queuma coisa sempre dependia da outra. A arte caminha, a tecnologia caminha, os artistas,alguns, como errantes, buscando sinceramente, caminham, se perdem, se re-encontram,outras linguagens: - nos limites da cidade: composio urbana (composio e de-

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    composio, como quer Spinoza, e no mais interveno urbana); - nos limites daperformance: telepresena (omnipresena, diz Orlan com um certo exagero), - nos limitesda imagem: videoarte, em pesquisa, investigao; - nos limites da Internet, Ueb ArteIterativa (com participao ativa do iterator, no mais interator, mas iterator). Iterator,

    aquele que encontro/desencontro e reage, re-age, me toca. Que tal um sorisso?

    preciso distinguirtecnologia de informtica . Do Grego:Technologia, tchne , arte+ logos , tratado, ou seja, teoria geral e estudos especializados sobre os procedimentos,instrumentos e objetos prprios de qualquer tcnica, arte ou ofcio; tcnica moderna esofisticada; linguagem especfica de uma arte ou cincia. A informtica no tecnologia,tem tecnologia. Informtica linguagem, no artstica, mas que serve arte comosuporte/pretexto/pr-texto/xodo/deboche/rede/paradoxo. Ento a Arte, as formas de se

    relacionar e seus suportes so os alvos. A tecnologia carro-de-boi, sapato, rede, faca,caneta, livro, palavra, palavra escrita/inscrita, caneta, relgio analgico, relgio digital,vela, cerveja. Mas tambm seu cheiro sem perfume- me excitando, o brilho dos olhosfalando desejos de amor, a voz spera ou doce, minha intuio so tecnologias. Astecnologias so os meios que utilizamos para seduzir, pois tudo no passa de umprocesso vital onde a seduo o pice. Carcia e no mquina de guerra.

    O modelo [da cincia nmade] problemtico, e no mais teoremtico (DELEUZE &

    GUATTARI, 1991, 25).

    Aqui se caminha de um problema aos acidentes, aqui existem:deformaes, transmutaes, passagens ao limite, operaes onde cada figura designaum acontecimento muito mais que uma essncia. [...] O problema no um obstculo, a ultrapassagem do obstculo, umapro-jeo , isto , uma mquina de guerra (idem, p.26).

    Na performance existem acidentes, transmutaes, passagens ao limite, ondecada figura designa um acontecimento e tambm uma essncia. No entanto,acreditamos que o interessante em uma cincia nmade no seria ultrapassar umobstculo, nem uma pro-jeo, muito menos uma mquina de guerra. Essespensamentos tm uma raiz masculina.

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    Novas tecnologias trazem novos paradigmas. Priscila Arantes falou muito bem no

    6 Encontro de Arte e Tecnologia, Braslia, 2007, sobre a questo do fluxo que ela estavaestudando: movimento, arte em movimento, participao do espectador como fluxo. Este

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    o novo paradigma das novas tecnologias e, com o corpos informticos, afirmo que umoutro novo paradigma, enfatizado pelas novas tecnologias na arte o trabalho em grupo.A necessidade que de colaborao entre artista e tcnico, artista e artista, artista equmico, artista e cozinheiro, arte e po, arte e encontros casuais nas esquinas

    empoeiradas da pequena/grande/falida capital do Brasil, arte e um sopro outro acionadopor um sensor ou por um rosto quase colado do performer em telepresena. Outrosparadigmas so a iterao, com a iterao, com/de Deleuze e com/de Derrida. A iteraopensa a web como brincadeira, como pique-bandeira, como iterao, e ela se escrevecom U (do artista/poeta Fernando Aquino Martins (Corpos Informticos, 2007/2008),mineiro, uai!). Os processos iterativos, na Ueb Arte Iterativa (UAI) aceitam, desejam, in-corpo-ram um compartilhar no reduzindo a criao a um sentido imposto unilateralmentepelo artista, mas abrindo-se a uma escuta do irredutvel do outro e este outro o errante.

    Com este iterator, com o Corpos Informticos, com a composio urbana instalao ouperformance- a criao coletiva presena certeira, in-com-possibilidade e naturalmenteencontro.

    A UAI, em toda a sua potncia, no conseguiu ser realizada, de fato, pelo CorposInformticos. Muitos estudos foram feitos, porm dificuldades tcnicas e desejos outrosnos impediram de prosseguir o projeto. A UAI foi inclusive premiada com uma menohonrosa do Prmio Srgio Motta, mas, infelizmente, no ganhamos o Prmio, em si. Este

    teria permitido, com a contratao de pessoal especializado construir at o final esteprojeto.

    Faz parte do projeto UAI a criao deste portal web, onde outros artistas podemincluir suas imagens, textos, modificar a diagramao, mas tambm faz parte dele ummapa com a localizao de composies urbanas realizadas em todo o Brasil,naturalmente, com nfase em Braslia, onde vivemos. Estas composies urbanas, queno so intervenes urbanas em seu conceitos, pois no interferem nem intervm na

    cidade, mas compem, pem junto, participam, so parte, e tambm de-compem(Spinoza).

    Nestas composies urbanas instalamos componentes eletrnicos nas quadras,nas entre-quadras, super quadras, fizemos grafites, instalamos um tapete, plantamosrvores e fizemos performances, jogamos pique-bandeira etc.Choco-cristo , Desespelho ,

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    C.U.1, Pique-bandeira so videosarte e documentos sobre estas performances ecomposies e esto publicados em www.corpos.blogspot.com . So pequenascomposies urbanas, mais ou menos efmeras. A composio realizada na FUNARTE,Braslia, em janeiro de 2007, composta de um grande carpete (7x1 m) onde foram feitos

    dois buracos em forma de losango, onde foram plantadas duas rvores, permaneceintacta: o carpete de palha de coco cor de grama seca, agora, na seca, est inteiramenteintegrado na grama seca, as rvores esto uma verde e a outra no limite da morte.Convido todos a visit-la.

    Com todas estas idias afirmamos, Corpos informticos, que diferentemente doque pensam Deleuze e Guattari e tambm com eles, a arte sempre foi conceito percepto , afecto e conceito-, antes da arte conceitual, ela conceito, um conceito que no

    passa pela linguagem, mas faz gaguejar a linguagem, com uma outra linguagem: alinguagem do grito, do corpo, do corpo do outro em iterao, em intersubjetividade.

    preciso procurar ler menos, ler mais, e saber se distanciar destas leituras.Procurar ser mais sincero com ns mesmos, com nossos ns mesmo, com as amarraspara desat-las, com as mscaras para tir-las, com as rostificaes para esquec-las.Ser mais sincero diante de uma obra de arte. O que de fato uma obra de arte, paramim? preciso saber/sentir o que toca de fato os sentidos, opercepto , o afecto , o

    conceito. E, s, sinceramente, detectar na ponta dos sensores- meus-poros-todos o que obra de arte para mim: performance (qual?), performance em telepresena (qual?),encontro (qual?), desencontro (qual?), o outro (quem?), na janela da sala vejo as rvoresde oito metros que plantei com meus dedos, minhas maria-sem-vergonha na janela doquarto, prazer, nosso trabalho na rua compondo com o errante, padeiro, eletricista,porteiro, estudante, prazer, vdeo-arte, o vdeo do Marcus Bastos,Radicais Livre(o)s (http://marcusbastos.net/content/view/14/1/).

    Pelo contrrio

    No ter tempo. Quando o tempo se espreme, as coisas so ditas. Quando o amigoou o namorado vai embora, naquele ltimo segundo, voc no resiste e num ato, numimpulso, diz eu te amo.

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    Quando a ao conhecida o tempo rpido e curto, quando se desconhece aao o tempo se estende. O espao pode ser enorme, mas quando se sabe o objeto dedesejo ele se torna muito prximo, posso ver o quadro de Van Gogh aqui colado no meurosto como num vidro de vitrine, se o espao pequeno e o desconheo, ele se torna um

    labirinto inexplorvel. Ento, como eu estou sem tempo, eu vou falar sobre essaperformance, que (no) aconteceria se a gente tivesse todo o tempo do mundo.

    O tempo e a performance, o espao e a performance, Existem espaosreservados arte, como existem espaos reservados aos loucos, aos velhos, aosdoentes, s crianas... Para a arte, museus; para loucos, hospcios; para velhos, asilos;para doentes, hospitais; para as crianas escolas (Medeiros, 2005, 98) mas em todoseles, o tempo e o espao so comandados pela performance.

    O artista aquele que promove pausas. Segundo Stiegler (2007, p. 48), o artista aquele que d o tempo, ele diz: tomemos um tempo, o que quer necessariamente dizertambm: Faamos o tempo.

    preciso atrapalhar as significncias (provavelmente Deleuze e Guattari) esermos sinceros conosco e nos deixarmos sentir o que arte para cada um e como elaopera, o que ela abre, em cada um de ns, enfim... deixar sentir o que arte para cada

    um e isso com sinceridade. Mas para isso preciso estar disposto, e estar disposto antes de qualquer coisa deixar-se afetar de corpo inteiro, e naturalmente encontro.

    Referncias bibliogrficas

    MACHADO, Roberto.Nietzsche e a verdade . So Paulo: Paz e Terra, 1999.MEDEIROS, M. B. Performance em telepresena. Informao e comunicao, in

    MEDEIROS, M. B.Arte e tecnologia na cultura contempornea . Braslia:Dupligrfica, 2001, pps. 245 a 250.

    ----------------------Aisthesis . Chapec (SC): Argos, 2005.---------------------Bernard Stiegler. Reflexes (no)contemporneas. Chapec (SC):

    Argos, 2005.---------------------- Performance artstica e espaos de fogo cruzado, in Medeiros, M. B. &

    MONTEIRO, M. F. M.Espao e performance . Braslia: PPG-arte-UnB, 2007, pps.111 a 121.

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    SERRES, Michel.Variaes sobre o corpo . So Paulo: Bertrand Brasil, 2004.

    Maria Beatriz de Medeiros professora da Universidade de Braslia, Doutora e Ps-doutora em Arte e Filosofia, Representante adjunta para a rea de Artes/Msica naCAPES, pesquisadora do CNPq, coordenadora do Grupo de Pesquisa CorposInformticos.